ARTIGO - Participação Do Estado...

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 32

A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA FORMAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO DAS COOPERATIVAS AGRÍCOLAS NO


BRASIL

STATE PARTICIPATION IN THE FORMATION AND


DEVELOPMENT OF AGRICULTURAL COOPERATIVES IN
BRAZIL

Elpídio Serra
Doutor em Geografia
Professor Associado do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá
[email protected]

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo discutir os mecanismos utilizados pelo Estado
para interferir na constituição e no desenvolvimento das cooperativas agrícolas no
Brasil e os resultados desse processo. Apresenta as bases ideológicas do sistema
cooperativista e a partir de casos concretos, tomando como referência as cooperativas
instaladas no Paraná, procura mostrar, de um lado algumas contradições e, de outro
lado, a importância econômica dessas empresas.

Palavras-chave: Cooperativas agrícolas. Ideologia do cooperativismo. Papel do Estado.


Brasil. Paraná.

Summary

The presents work aims to discuss the mechanisms used by the State to intervence in the
formation and development of agricultural cooperatives in Brazil and the results of that
process. Presents the ideological foundations of the cooperative system and from
specific cases, with reference to installed in Paraná, cooperatives show demand, on the
one hand some contradictions and, on the other hand, the economic importance of these
companies.

Keywords: Agricultural cooperatives. Cooperatives of ideology. Paper of State. Brazil.


Parana.

Introdução

A participação do Estado na constituição e consolidação das cooperativas


agrícolas no Brasil tem um referencial histórico: começou nos anos 1930 no contexto da
crise internacional que marcou o período e que vai forçar o Brasil a rever as estratégias

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


7
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

de sua sustentação econômica e seu próprio modelo de desenvolvimento. A política de


substituição de importações foi uma das estratégias; o fomento ao cooperativismo foi
outra.
Até a década de trinta do século passado as cooperativas eram fundadas à
margem das políticas públicas, mesmo porque tais políticas não existiam nem eram
necessárias, e não levavam em conta os princípios ideológicos universais do
cooperativismo, que já existiam e eram praticados em muitos países. Surgiam a partir
das bases para “resolver” problemas de alguma categoria social, em grande parte
relacionados ao consumo (as primeiras cooperativas de consumo) e à comercialização
de produtos tirados da agricultura (as primeiras cooperativas agrícolas). A partir dos
anos 1930, quando mesmo desatreladas da filosofia do sistema e distantes da ação
oficial as cooperativas do setor agrícola já evidencivam alguma representatividade, o
Estado começa a interferir na sua dinâmica de funcionamento aproveitando o momento
da crise externa e seus reflexos na economia interna do País. Na prática, o Estado vai se
valer de uma estrutura já existente, incorporando-a no contexto de um pacote de
medidas destinadasa replanejar seu modelo econômico.
Toda uma legislação começa a ser criada para ajustar as cooperativas jáfundadas
e fomentar o surgimento de novas cooperativas às políticas públicas gestadas em função
delas.Em consequência dessa política, as entidades perdem parte de sua autonomia e
passam a ter o controle do Estado. São prejudicadas na sua independência mas são
compensadas com outras conquistas na medida em que, no embalo do controle oficial
vem a ajuda na forma de liberação de recursos financeiros. O Estado controla as
cooperativas, explora as cooperativas na implantação ou na alteração de políticas e
modelos agrícolas, mas paga por isso. E o resultado é que as cooperativas agrícolas,
uma vez bem administradas, romperam sem muitas dificuldades a fase de empresas
mercantis, que recebem e repassam matérias primas e se transformaram em grandes
empresas agroindustriais, que recebem matérias primas e repassam ao mercado produtos
elaborados, prontos para o consumo. A agregação de valores pela industrialização,
paralelamente à ajuda oficial, contribui com a aceleração do crescimento das
cooperativas e também do quadro associativo que além de ter suas mercadorias
remuneradas pelos preços de mercado ainda são beneficiados com o rateio das sobras no
final de cada exercício financeiro.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


8
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

O presente trabalho, sustentado em dados finais de projeto de pesquisa


financiado pela Fundação Araucária, procura explorar a origem, o desenvolvimento e a
consolidação das cooperativas agrícolas em grandes empresas agroindustriais atreladas
às redes e aos complexos agroindustriais e mostrar,em linhas gerais, como vem se
desenvolvendo o papel do Estado no mundo do associativismo brasileiro. Na parte
inicial a preocupação é apresentar as características do sistema cooperativista universal,
como começou e os princípios que normatizam sua prática social, bem como as normas
jurídicas que regem o cooperativismo no Brasil. Na sequência, procura-se evidenciar
uma síntese histórica do cooperativismo brasileiro destacando os instrumentos de
controle exercidos pelo Estado, na forma de leis, decretos e outros atos oficiais. Para
exemplificar as fases de formação, de crescimento e de ingerência oficial, bem
comoseus resultados, são exploradasas cooperativas agrícolas do Paraná, que se
destacam entre as cooperativas do País como um todo pelo seu potencial econômico.
Como justificativa, no ano de 2011 essas cooperativas, atreladas ao agronegócio,
registraram um faturamento de 32 bilhões de reais, o que correspondeu a 55% do
Produto Interno Bruto paranaense e apesar de serem isentas de alguns tributos
recolheram aos cofres públicos 1,17 bilhão de reais em impostos federais, estaduais e
municipais.

Origem, princípios, características

O sistema cooperativista surgiu no contexto da consolidação do capitalismo e


das consequências sociais e econômicas geradas pela Revolução Industrial na Europa, a
partir da segunda metade do século XVIII, em função das propostas de Saint-Simon
(1769-1825), de Charles Fourier (1772-1837), de Robert Owen (1771-1858),
dePhelippeBuchez (1796-1865), de Louis Blanc(1812-1882) e de outros filósofos e
pensadores da época. Segundo Serra (2008), Owen baseava suas principais ações em
combater o lucro e a concorrência, por considerá-los os maiores responsáveis pelos
males e injustiças sociais e em combater a divisão social entre operários e patrões, pois
considerava que toda a produção devia ser dos trabalhadores. Fourier procurou
harmonizar os interesses dos trabalhadores, dos capitalistas e dos consumidores, pois
acreditava que “as desigualdades entre pobres e ricos fazem parte do plano de Deus e

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


9
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

tudo o que provém de Deus é bem feito”. Buchez defendia a manutenção de associações
cooperativas com as seguintes características: sustentação financeira sem o auxílio do
Estado; dupla função dos associados, de empresários e empregados; retorno das sobras
(lucros) proporcionais ao trabalho desempenhado individualmente pelos associados;
indivisibilidade e inalienabilidade do capital social da cooperativa. Blanc defendia a
formação de associações de operários em fábricas sociais,que no primeiro momento
seriam organizadas e financiadas pelo Estado, pois considerava que “o Estado era
responsável pelos problemas econômicos e sociais”. As fábricas sociais seriam
organizadas através de estatutos próprios, estruturados em sintonia com o princípio da
igualdade. Baseando-se nesse princípio propunha a divisão das sobras líquidas do
empreendimento em três partes: uma para os operários; outra para a constituição de um
fundo de assistência social e o restante para capitalização e fortalecimento financeiro da
sociedade. (Serra, 2008, p.10).
Conforme destaca Rocha (1999):

Foi num ambiente bastante fecundo ao surgimento de movimentos sociais


(liberalismo econômico no qual a Europa Ocidental se encontrava no século
XVIII) que teve origem o movimento cooperativo que, sob os efeitos das
consequências sociais da Revolução Industrial, teve comopressupostos
básicos a solidariedade, a equidade, o trabalho em grupo e a liberdade e,
como principais idealizadores Owen, Fourier, Buchez, Blanc. (ROCHA,
1999, p.3).

A citação de Rocha, noque se refere à época em que surgiu o cooperativismoe às


condições ou ao contexto que o motivaram, está em sintonia com a seguinte citaçãode
Pinho (1982):
Foi no complexo conjunto das mais variadas oposições às consequências do
liberalismo econômico que as ideias cooperativistas começaram a ser elaboradas,
inspirando-se, sobretudo na corrente liberal dos socialistas utópicos franceses e
ingleses do século XIX e nas experiências associativistas que marcaram a
primeira metade desse século. Generalizou-se, nessa época, grande entusiasmo
pela tradição de liberdade de Decartes, confiando-se na possibilidade de atuação
da vontade humana sobre a evolução econômica, de modo a corrigi-la ou
reformá-la. A “razão pensante” era considerada a única medida a ser aplicada a
todas as coisas, e também a única em condições de descobrir as falhas da
organização econômica e corrigi-las. (PINHO, 1982, p. 22).

Na época, que vai marcar na Europa a Revolução Industrial e o liberalismo


econômico, a cooperação, conforme ROCHA (1999, p. 4) “se apresentava como uma
forma alternativa de reparar as injustiças sociais decorrentes do ambiente competitivo

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


10
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

do liberalismo econômico através de uma nova moral baseada na busca da justiça, na


razão e na união de pessoas objetivando agir conjuntamente”.
Embora diversas tentativas tivessem ocorrido antes, mas sem os resultados
esperados, foi em 1844 que, pela primeira vez, uma cooperativa conseguiu colocar em
prática todo um conjunto de teorias, com relativo sucesso. No dia 24 de outubro de
1844, um grupo de tecelões da localidade de Rochdale, Inglaterra, fundou a primeira
cooperativa, dando a ela o nome de “Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale”.
Com algumas adaptações introduzidas posteriormente, os princípios básicos da
Sociedade passaram a nortear os princípios do sistema cooperativista como um todo,
sendo eles:
 Liberdade de associação para aqueles que estejam dispostos a operar de boa fé,
sem distinção de raça, cor ou credo.
 Direito a um voto assegurado a cada associado.
 Possibilidade de representação.
 Neutralidade política e religiosa.
 Distribuição de sobras líquidas aos associados, segundo a proporção do uso dos
bens e serviços da sociedade.
 Operações a dinheiro e por preços justos.
 Atribuições de juros de capital, limitados, módicos.
 Reuniões frequentes dos associados para estudar a marcha da sociedade e seu
desenvolvimento.

O órgão máximo de representação do cooperarativismo é a Aliança Cooperativa


Internacional (ACI) fundada no ano de 1895 por iniciativa de lideranças cooperativistas
da Inglaterra, França e Alemanha, preocupadas com o fato de que o grande número de
cooperativas que surgiam na época em diferentes países poderia gerar o rompimento do
sistema diante da ausência de uma unidade política centralizadora. Entre outras funções,
passou a ser responsabilidade da ACI, como órgão de representação, preservar a forma
de atuação das cooperativas, segundo os princípios universais estabelecidos a partir dos
tecelões de Rochdale. Praticamente todos os anos, em países diferentes, a ACI realiza
congressos internacionais, onde procura colocar em pauta a análise dos princípios e sua
adaptação ou ajuste ao sistema econômico dominante. A preocupação é não abandonar

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


11
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

os princípios, mas ao mesmo tempo não permitir que as cooperativas sejam atropeladas
pela evolução do processo econômico. Com essa preocupação a ACI, no congresso que
realizou em Viena em 1996, reformulou os princípios herdados dos tecelões, que
passaram a ser incorporados ao sistema em dois troncos principais: a liberdade de
adesão e a governança exercida pelos próprios associados, tendo a assembleia geral
como instância maior.
 Adesão livre – também conhecida como “princípio de porta aberta” e que
possibilita o ingresso ou a saída do cooperado voluntariamente, sem coerção ou
discriminação por motivos políticos, religiosos, étnicos ou sociais.
 Gestão democrática – ou administração dos próprios cooperados, através de
delegados eleitos por tempo determinado, em assembleias gerais, nas quais cada
associado tem direito a um voto apenas, sem nenhuma relação com sua
participação no capital social.
A centralização dos princípios em dois eixos levou em conta a definição, ou o
significado de cooperativa aprovado no congresso que a ACI realizou em 1995, já
incorporando a dinâmica das relações capitalistas de mercado. Para a entidade
representativa cooperativa passou a ser entendida como “uma associação de pessoas que
se unem voluntariamente para satisfazer suas necessidades comuns, através de uma
empresa de negócios da qual possuem a propriedade em conjunto e a controlam
democraticamente”, obedecendo aos seguintes princípios:
1. adesão voluntária e livre;
2. gestão democrática pelos membros;
3. participação econômica dos membros;
4. autonomia e independência;
5. educação, formação e informação;
6. Inter cooperação;
7. interesse pela comunidade.

No Brasil, a lei 5.764 editada em 16 de dezembro de 1971 para definir apolítica


nacional do cooperativismo e instituir o regime jurídico das sociedades cooperativas,
estabelece em seu artigo 4º que “as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma
e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


12
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

prestar serviços aos associados”, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes
características:
I. adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade
técnica de prestação de serviços;
II. variabilidade do capital representado por quotas-partes;
III. limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado,
porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais
adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV. inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V. singularidade do voto, podendo as cooperativas centrais, federações e
confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de
crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI. quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no
número de associados e não no capital;
VII. retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações
realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral;
VIII. indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica, Educacional e
Social;
IX. neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X. prestação de assistência aos associados, e, quando previstos nos estatutos, aos
empregados da cooperativa;
XI. área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle,
operações e prestação de serviços.
A Lei 5.764 classifica as cooperativas em três grupos, quanto à sua estrutura: as
singulares, constituídas de no mínimo de vinte pessoas físicas associadas; as centrais ou
federações de cooperativas, constituídas de no mínimo três singulares e as
confederações de cooperativas, constituídas de no mínimo três federações ou
cooperativas centrais.
Em linhas gerais, a legislação brasileira incorpora os princípios do
cooperativismo universal estabelecidos pela ACI que, por sua vez, com eventuais
adaptações, incorpora os princípios da cooperativa de Rochdale.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


13
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

Fica evidenciado que o cooperativismo tem uma história e tem princípios


definidos que, entretanto, não engessam o sistema, sendo esta uma das preocupações da
entidade máxima de representação. Sem atropelar as linhas mestras norteadoras,
flexibilizações são admitidas por conta das características de cada espaço geográfico
ondeo sistema é praticado, importante condição para o crescimento e a consolidação das
cooperativas. Segundo BIALOSKORSKI NETO (2000, p. 242), “a cooperativa só terá
sucesso social, cumprindo com sua responsabilidade junto ao seu quadro associativo, se
esta for um empreendimento econômico de sucesso de forma a permitir o crescimento
de seus associados”, o que pode ser entendido que o crescimento da cooperativa terá
que ser acompanhado pelo crescimento econômico do quadro associativo. Residem
nesse crescimento bilateral a razão do sucesso do sistema e a causa motivadora da
adesão dos agricultorescomo associados.
O crescimento econômico que a cooperativa almeja e tem condições de
proporcionar ao quadro associativo, no caso produtores rurais, pode ser extraído através
das vantagens obtidas com a redução dos custos e com o aumento das margens de lucro,
o que se dá, basicamente, em três dimensões: pela eliminação dos intermediários, pela
agregação de valores aos produtos e pelas compras e vendas em comum. Com o
rompimento da cadeia de intermediação, a cooperativa diminui a distância entre
produtores e consumidores e passa a ter condiçõesde reduzir custos e maximizar lucros,
pela apropriação das fatias que tradicionalmente ficavam em poder dos intermediários.
A agregação de valores é obtida por meio das condições que a cooperativa tem de não
ser apenas uma empresa mercantil, que recebe e repassa matérias primas e de se
transformar em empresa agroindustrial, que recebe matérias primas e as transforma em
produtos industrializados.Comas compras e vendas em comum, o crescimento
econômico é sustentado pela lógica do mercado segundo a qualse comprando em
grandes quantidades obtém-se preço menor e vendendo-se em grandes quantidades
obtém-se preço maior para o produto.a
Embora valorizando o enfoque econômico, que se dá através das relações com o
mercado, as cooperativas se caracterizam como sociedades de pessoas e não de capitais,
ponto marcante na distinção entre uma cooperativa e uma empresa comum. Como
sociedade de pessoas, as Assembleias Gerais constituem o órgão máximo de
representação e de decisão e nelas cada voz representa um voto, o que significa que em

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


14
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

uma cooperativa de agricultores, por exemplo, todos os associados têm o mesmo nível
de representatividade, não importandodiferenças individuaisentre a extensão das terras
possuídas ou o montante de mercadorias entregues.
Rocha (1999), ao explicar as diferenças fundamentais entre as sociedades de
capitais e as sociedades cooperativas, destacou:
Enquanto as primeiras remuneram um capital, as segundas remuneram uma
matéria-prima, um trabalho, um bem ou um serviço final. Ao contrário das
demais empresas, a cooperativa não se estrutura visando a acumulação do
capital. O capital é necessário à cooperativa, assim como nas demais
empresas, entretanto, a finalidade primeira da cooperativa não é o capital, ou
seja, o poder do produtor associado a uma cooperativa não emana do
montante de capital que este produtor possui. (ROCHA, 1999, p. 13).

Cooperativismo no Brasil

Registros históricos indicam que a primeira cooperativa brasileira foi fundada


por funcionários públicos de Ouro Preto, Minas Gerais, em 27 de outubro de 1889.
Segundo Pinho (2004),
(...) a história do cooperativismo formal no Brasil começa, de fato, com a
fundação da Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de
Ouro Preto, em 27 de outubro de 1889, a mais antiga cooperativa que se tem
notícia no Brasil. É a primeira iniciativa de trabalhadores livres, logo após a
extinção do escravismo, para criar uma espécie de banco sob a forma de
sociedade anônima, mas prevendo sua expansão em caixa de auxílio e
socorro, na construção de casas para alugar ou vender aos sócios, além de
outras atividades. (PINHO, 2004, p. 13)

Dois anos depois, em 1891, é constituída aque foi considerada segunda


cooperativa brasileira, estaatuando no setor de consumo. Trata-se da Associação
Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefônica, no município de Limeira,
Estado de São Paulo. Em 1894, no mesmo setor de consumo, surge no Rio de Janeiro a
Cooperativa Militar de Consumo; em 1895 em Pernambuco a Cooperativa de Consumo
de Camaragibe; em 1897 em Campinas, São Paulo, a Cooperativa de Consumo dos
Empregados da Cia. Paulista.
As cooperativas agrícolas surgem a partir de 1902 com a criação das primeiras
caixas ruraisRaiffeisen, no Rio Grande do Sul, através do trabalho do padre Theodore
Amstead. As cooperativas raiffeiseanas, fundadas na Alemanha por Friedrich Wilhem
Raiffeisen (1818-1888), apresentavam as seguintes características:
1. Fundamentavam-se no princípio cristão do amor ao próximo;

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


15
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

2. admitiam auxílio de caráter filantrópico, embora preferissem o princípio


da entreajuda;
3. davam importância à formação moral dos associados, os quais se
responsabilizavam de modo solidário e ilimitado, pelas obrigações
sociais contraídas pela cooperativa;
4. preconizavam a organização de um banco central para atender às
necessidades das cooperativas de crédito;
5. não remuneravam os dirigentes da sociedade;
6. não distribuíam sobras.
As cooperativas pioneiras no Brasil se constituíam em instrumento para garantir
o suprimento de gêneros de primeira necessidade a baixos custos (cooperativas de
consumo) e de defesa dos pequenos produtores para enfrentar a ação dos intermediários
durante o período de comercialização dos excedentes de safras (cooperativas agrícolas).
Nessa fase inicial, as cooperativas não seguiam os princípios dos Pioneiros de Rochdale,
que norteavam o sistema em escala mundial.
As entidades surgiam a partir da iniciativa de pequenos grupos sociais que
tinham como meta resolver seus próprios problemas de momento. Não levavam em
conta princípios e normas internas ou externas, exceto em casos especiais como o das
cooperativas fundadas seguindo as instruções de Raiffeisen. Não existia no País
legislação que disciplinasse a fundação e o funcionamento de cooperativas, mesmo
porque não era, na época, considerada necessária tendo em vista a pouca expressão
numérica e política dessas entidades. O quadro começa, no entanto, a se modificar a
partir dos anos 1930, quando o Estado “descobre” nas cooperativas um importante
instrumento de ação, particularmente no espaço agrário.

As cooperativas agrícolas e a política do Estado

Na década de 1930, com a crise econômica que levou ao aniquilamento do


comércio mundial e à derrocada da oligarquia agrária brasileira, o País foi levado a
redirecionar o seu modelo de desenvolvimento econômico no sentido de substituir a
importação de bens duráveis pela industrialização. No contexto da crise, o café, então o
principal produto de exportação do Brasil, ficou sem mercado, o que levou o Estado a

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


16
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

adotar como complementos à política de substituição de importações medidas


destinadas a organizar o sistema de produção agrícola. Uma dessas medidas foi
direcionada a estimular a constituição e o funcionamento de cooperativas agrícolas.
Trata-se do Decreto22.239, promulgado em 1932, através do qual o Estado não só
passou a regular a constituição de cooperativas como também passou a incentivar a sua
expansão.
Pelo Decreto, as cooperativasque já existiam foram beneficiadas com isenções
de impostos e as que estavam em formação com facilidades à sua fundação, mas em
contrapartida o cooperativismo, particularmente o que estava vinculado à cafeicultura,
deixou a partir daí de ser um movimento legítimo dos produtores para se transformar em
instrumento da política agrícola do Estado.Como movimento legítimo era fomentado de
baixo para cima, a partir das bases sociais; como instrumento do Estado, passou a ser
imposto e controlado de cima para baixo, a partir dos interesses do próprio Estado.
O Decretogovernamental procurava através das cooperativas, de um lado
organizar o setor cafeeiro diante da crise do mercado externo e, de outro lado atribuir à
agricultura a função de produzir alimentos para o mercado interno, barateando com o
aumento da produção os custos da força de trabalho do setor industrial e urbano em
expansão. Em outros termos, estava sendo gestado o fim do modelo econômico
agroexportador, que sustentava a economia através da exportação de matérias primas
agrícolas e, ao mesmo tempo, o início do modelo urbano industrial, que preconizava a
industrialização como novo pilar do processo econômico. Paralelamente, mudando o
eixo da economia do espaço agrário para o espaço urbano, a oligarquia agrária, já em
crise, teria seus dias contados sendo logo substituída pelas elites urbanas como categoria
política dominante. Nessa metamorfose política e econômica, importante papel estava
reservado e teria que ser cumprido pelas cooperativas, particularmente as que atuavam
no setor agrícola.
Em linhas gerais, o sucesso do modelo de desenvolvimento econômico dependia
da modernização tecnológica da agricultura e do desenvolvimento de uma agricultura de
exportação capaz de gerar divisas, abastecer o mercado interno e fazer da própria
agricultura uma consumidora de produtos industrializados, metas que passaram a
depender de uma nova postura, muito mais eficiente sob o ponto de vista empresarial,
das cooperativas agrícolas.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


17
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

Deve ser ressaltado, no entanto que tais metas não foram integralmente
concretizadas, pelo menos durante a década de 1930conforme previstas nos planos e
programas governamentais.Cerca de vinte anos depois é que surgem as condições que
vão viabilizar a implementação das metas destinadas à modernização da agricultura
brasileira. Na década de 1950, superada a crise internacional, o Brasil abre as portas da
economia para o mercado externo e se ajusta a um novo modelo econômico voltado à
substituição de importações e sustentado, entre outros, nos seguintes pontos: busca e
acumulação de capital internacional; incentivo a uma política de desenvolvimento
industrial voltada à produção de bens duráveis; aceleração do desenvolvimento do
Complexo Agroindustrial (CAI), com a participação de capitais nacionais e
internacionais.
O CAI, estruturado entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960 em boa
parte dos estados do Sul e Sudeste, regiões que apresentavam uma agricultura mais
desenvolvida comparada às demais regiões do País, passa a se sustentar em três pilares
interdependentes: a montante o setor responsável pela produção de bens para o setor
agrícola (tratores e outras máquinas agrícolas), ao centro uma agricultura altamente
tecnificada e a jusante a indústria de transformação ou agroindústria, segmento que
passaria a ter a efetiva participação das cooperativas.Segundo Delgado (1985, p.12), a
modernização da agricultura enseja o surgimento de um novo estilo de cooperativismo
agrário, com o nascimento e o fortalecimento das multicooperativas, cuja estrutura e
dinâmica de crescimento apresenta várias similaridades com as demais empresas
controladas por grupos empresariais. Costa (1992) complementa o pensamento de
Delgado, afirmando:
Apesar da similaridade,mantêm-se porém as diferenças entre a morfologia de
um grupo econômico e a figura da multicooperativa, dada a própria definição
da cooperativa como uma associação de pessoas e não de capitais, ao estilo da
empresa. (COSTA, 1992, p. 12)

Para dar respostas positivas às novas funções,as cooperativas teriam que ser
altamente eficientes, acompanhando e alavancando a eficiência do próprio setor agrícola
que passa a se modernizar com a incorporação dos bens gerados pela indústria à sua
montante e, ao mesmo tempo se estruturando para garantir a fatia de mercado no setor
agroindustrial, à sua jusante. Em relação à agricultura propriamente dita, o papel das

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


18
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

cooperativas passa a ser estruturado em função da orientação e assistência técnica aos


agricultores associados, ao fornecimento de sementes e outros insumos agrícolas, ao
recebimento da produção colhida e à proposta e defesa de políticas agrícolas. Em
relação ao setor de transformação, a participação vai além de uma simples prestação de
serviços: passa a depender de pesados investimentos para a implantação de indústrias,
cujos montantes em muitos casos superavam a capacidade econômica e financeira das
empresas e, algumas vezes, seu próprio patrimônio.
Para suportar os investimentos no setor industrial, as cooperativas tornam-se
mais dependentesdo Estado do que antes. O Estado passa a injetar recursos nas
cooperativas, viabilizando a sua transformação em grandes empresas agroindustriais,
mas em troca passa a exercer maior controle sobre elas. As cooperativas efetivamente se
integram ao Complexo Agroindustrial, tornam-se eficientes no papel de agentes
modernizadores da agricultura, passam a se sobrepor ao capital internacional no setor
agroindustrial, mas perdem uma nova fatia de sua autonomia.

A OCB e a nova forma de ingerência do Estado

A intervenção do Estado no sistema cooperativista, como já foi citado, começa


nos anos 1930 com a nova política articulada para o setor agrícola, diante da crise
internacional que colocava em risco a balança comercial brasileira, sustentada
basicamente pela agricultura. Na época foi reservado um novo papel para a agricultura
e, paralelamente, para o sistema cooperativista estruturado no setor agrícola. Para dar
conta do papel a elas reservado, as cooperativas procuraram se organizar, mas sem
conseguir sua unidade como classe. Duas entidades, divergentes entre si, acabaram se
formando tempos depois para representar o sistema: a Aliança Brasileira de
Cooperativas (ABCOOP) e a União Nacional das Associações Cooperativas
(UNASCO). Nenhuma dessas entidades contava com o apoio do Estado que, por sua
vez manifestava interesse na consolidação do sistema, visualizando para as
cooperativas, da mesma forma como havia ocorrido nos anos 1930, importante papel no
desenvolvimento de uma nova política econômica para a agricultura.
A grande força cooperativa estava no campo. E o governo via no setor o apoio
necessário para realizar sua política econômica para a agricultura. Essa foi a percepção

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


19
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

do então ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima, que em 1967 solicitou ao
secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Antônio José Rodrigues Filho, já uma
liderança cooperativista, que promovesse a união de todo o movimento (OCB/Sescoop,
2012).
Como resultado da iniciativa do Estado, através do Ministério da Agricultura, no
dia 2 de dezembro de 1969, quinto ano do regime militar, foi realizado o IV Congresso
Brasileiro de Cooperativismo, tendo como pauta a unificação do sistema e a fundação
de uma entidade única de representação das cooperativas. Ao final do evento, estava
criada a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e extintas a ABCOOP e a
UNASCO.
As cooperativas passaram a dispor de uma representação unificada, se
fortaleceram em função disso, mas não se livraram da ingerência do Estado. Em
algumas situações, ao contrário, a ingerência foi ampliada e considerada bem vinda para
o sistema, na medida em que foi benéfica para o crescimento e a consolidação das
cooperativas agrícolas como grandes empresas agroindustriais. Boa parte da política
agrícola do Governo passou a depender da eficiência das cooperativas para dar certo e
as cooperativas foram devidamente compensadas por isso. Durante o período do
“milagre brasileiro”, nos anos 1970, o Governo investiu pesado na modernização da
agricultura e ao mesmo tempo em que os agricultores eram beneficiados com
empréstimos altamente favorecidos para custear a transformação de suas áreas de
cultivo, as cooperativas também eram contempladas com linhas especiais de crédito. Foi
com essas linhas de crédito que elas conseguiram se equipar com sistemas de
armazenagem a granel para a estocagem da soja, do trigo e do milho, principais
produtos que passaram a serem cultivados nos Estados do Sul e do Sudeste, os
primeiros a aderir ao novo modelo agrícola.Da mesma forma, foi com recursos
subsidiados que as cooperativas se equiparam com as indústrias de transformação que
lhes garantiram lugar de destaque a jusante do Complexo Agroindustrial, como
beneficiadoras das matérias primas entregues pelos agricultores associados.
Constituída a OCB, a entidade máxima de representação das cooperativas
brasileiras passou a se empenhar para conseguir um novo formato para o amparo legal e
de orientação do sistema, em substituição aos mecanismos que com alguns ajustes eram
os mesmos editados nos anos 1930. O resultado desse empenho foi a promulgação da

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


20
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

Lei 5.764, em 16 de dezembro de 1971. A Lei, embora bastante inovadora na medida


em que enquadrou as cooperativas num modelo empresarial, permitindo sua expansão
econômica e sua adequação às exigências do desenvolvimento capitalista, conserva a
ingerência do Estado na medida em que as cooperativas continuam sob o controle de
órgãos públicos. Estabelece a Lei 5.764 que competem ao Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao Conselho Nacional de Cooperativismo
(CNC), órgãos representativos do Estado, fiscalizar, controlar e fomentar o
cooperativismo no Brasil. No seu Artigo 95 diz que a orientação geral da política
cooperativista nacional é incumbência do Conselho Nacional de Cooperativismo –
CNC, que funciona junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, com plena autonomia administrativa e financeira, na forma do Artigo 172 do
Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, sob a presidência do Ministro da
Agricultura.
Politicamente, a presença do Estado como controlador e fiscalizador fere o
princípio da liberdade que deveria caracterizar o sistema no Brasil, a exemplo do que
ocorre em outros países. Economicamente, no entanto, a convivência com o Estado não
só é tolerada como festejada pelas cooperativas, dados os resultados positivos que são
por elas contabilizados como produto da ajuda oficial. Não se pode negar que boa parte
do crescimento econômico das cooperativas e sua própria transformação em empresas
agroindustriais sãoatribuídas ao Estado.
Com a participação do Estado, na forma como foi definida na Lei 5.764, as
cooperativas brasileiras apresentam-se estruturadas em treze ramos que cobrem
praticamente todos os setores da atividade humana. Em torno dos treze ramos se
destacam mais de sete mil cooperativas,que congregam mais de seis milhões de
associados, o universo dosistema cooperativista brasileiro (Tabela 1).

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


21
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

Tabela 1. Brasil: Ramos do cooperativismo, número de cooperativas e de cooperados


Ramo Cooperativas Cooperados
1 Agropecuário 1.398 865.173
2 Consumo 144 1.820.531
3 Crédito 1.068 1.890.713
4 Educacional 311 66.569
5 Especial 9 326
6 Habitacional 356 128.940
7 Infraestrutura 171 585.857
8 Mineral 37 48.846
9 Produção 136 25.490
10 Saúde 883 326.579
11 Trabalho 1.894 346.100
12 Turismo e Lazer 14 1.741
13 Transporte 715 52.793
Total 7.136 6.159.658
Fonte: OCB, 2012

O caso das cooperativas do Paraná

As cooperativas que atuam no setor agrícola do Paraná estão, atualmente, entre as


mais desenvolvidas do país, levando em conta diversos fatores, com destaque parao
número de associados, volumes de produção, faturamento e, principalmente, para a
estrutura de transformaçãode matérias primas agrícolas. São consideradas grandes
empresas agroindustriais e, no seu processo histórico, registram diversos momentos em
que a presença do Estado foi marcante e até decisiva para a sobrevivência do
empreendimento. Tendo em vista, a íntima relação com o poder maior e seu potencial
empresarial construído, em boa parte, com a ajuda oficial, é que as cooperativas
paranaenses passam, no contexto deste trabalho, a serem utilizadas para exemplificar o
papel do Estado na formação e no desenvolvimento do cooperativismo brasileiro como
um todo. Resgate histórico ajuda a entender essa íntima relação entre o público e o
privado.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


22
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

A história do cooperativismo paranaense não apresenta muitas diferenças,


comparada à história do cooperativismo brasileiro de forma geral. Antes dos anos 1930
eram instaladas a partir das bases, em função da iniciativa de alguma categoria de
trabalhadores, sem o amparo e o estímulo governamentais e sem levar em conta os
princípios universais do cooperativismo. Depois dos anos 1930 sua fundação e
funcionamento passam pelo crivo do poder público do Paraná que, para cumprir seu
papel regulador, edita em 1938 o Decreto nº 581, espelhado no Decreto Federal 22.239,
editado em 1932. Mas antes mesmo da edição do Decreto 581, que estabeleceu o
registro obrigatório das cooperativas já instaladas ou a serem instaladas no Paraná, o
controle oficial sobre as entidades associativistas já vinha ocorrendo por força da Lei
Estadual nº 32, editada em 1932. Segundo a Organização das Cooperativas do Paraná
(Ocepar, 2006):
No ano de 1932 entrou em vigor a primeira lei estadual destinada a
regulamentar, através de registro, todos os estabelecimentos comerciais e
industriais existentes no Paraná (Lei Estadual nº 32, de 2 de julhode 1932) e
em 1938 o primeiro decreto estabelecendo o registro obrigatório das
cooperativas (Decreto nº 581, de 1938) (OCEPAR, 2006, p. 14).

Uma cooperativa agrícola que funcionava antes da vigência da Lei, mas que
acabou sendo a primeira a ser regulamentada nos termos da Lei, na condição de
estabelecimento comercial, estava instalada no município de Rio Claro, região Norte do
Paraná, desde o ano 1916. Foi o primeiro registro oficial de uma cooperativa no Paraná.
Sem informar o nome da primeira cooperativa oficializada, que funcionava como um
sistema de crédito agrícola, a Organização das Cooperativas do Paraná
(OCEPAR)informa suas finalidades, com base no Artigo 4º dos seus estatutos sociais:
O fim da sociedade era auxiliar seus sócios no exercício de sua profissão de
agricultores e criadores de forma a torná-los, progressivamente,
independentes da especulação mercantil sobre seus produtos e, bem assim,
proporcionar-lhes o conhecimento necessário para se guiarem na escolha de
máquinas agrárias, reprodutores, sementes e adubos, bem como na melhoria
das raças de seu gado. (OCEPAR, 2006, p. 14).

Em função do Decreto de 1938, a primeira cooperativa agrícola registrada


(registro efetivado em 19 de maio de 1942) foi Cooperativa Agrária de
Responsabilidade Ltda. – Liberdade, com 38 associados. A cooperativa Liberdade,
denominação com que procurou se marcar na época, foi oficialmente fundada no ano
1930 em Vera Guarani, atual município de Paulo Frontin.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


23
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

A obrigatoriedade de registro das antigas e das novas cooperativas possibilitava


ao Estado manter as entidades sob controle. Além das duas citadas, muitas outras
passaram pelo mesmo processo para ter garantido seu funcionamento.Alguns exemplos:
a Cooperativa Mista 26 de Outubro, fundada pelos ferroviários de Ponta Grossa em
1906; a Cooperativa Florestal Paranaense, fundada por industriais madeireiros em 1909;
a Cooperativa de Caixas, em 1913 e no mesmo ano a sociedade inicialmente
denominada “Mutualismo Beneficente dos Ferroviários”,que mudou para “União de
Socorros e de Consumo dos Ferroviários” e depois para “Cooperativa dos Ferroviários
Ltda”, denominação que manteve até sua liquidação.
Na fase inicial das cooperativas paranaenses, se destacam os setores de consumo e
crédito como motivadores das iniciativas populares. No embalo da iniciativa popular, e
motivados pelos resultados que eram alcançados, classes empresariais também aderem ao
cooperativismo, desta feita como mecanismo de, via cooperativa, resolverem problemas
de mercado para seus produtos. O mesmo caminho e com os mesmos objetivos passa a
ser trilhado tempos depois pelos produtores de mate e em seguida pelos produtores de
café, sendo que nesses casos a presença do Estado torna-se muito mais consistente, dada a
importância desses produtos na base da sustentação econômica do Paraná.
Entre as décadas de 1920 e de 1930, a extração madeireira perde importância como
base econômica do Paraná e a produção de mate assume em parte o seu lugar. Regride a
economia madeireira e prospera a economia ervateira. Um detalhe, entretanto, chama a
atenção quando se estuda a participação das cooperativas na economia do mate: nos
primeiros tempos, quando as condições de mercado eram altamente favoráveis aos
produtores, cada qual respondia individualmente pelo destino de sua mercadoria. Mas
quando surgem problemas nas relações com o mercado, aí é que as cooperativas entram em
cena, situação que vai se repetir, anos depois, na região Norte em função do café.
As cooperativas de produtores de mate começaram a ser estruturadas a partir de
1943, sob orientação da Comissão de Organização Cooperativa dos Produtores de Mate
(COCPM), órgão vinculado ao Governo Federal. Na época, depois de anos de
prosperidade, a economia mateira entrou em crise com a retração da demanda no
mercado externo, notadamente o argentino para onde eram conduzidos os maiores
volumes da produção paranaense. Com a crise, segundo relato da OCEPAR (1976, p. 9),
os estoques em poder dos produtores foram aumentando ano a ano, ao mesmo tempo em

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


24
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

que sucessivas quedas de preços eram registradas nas cotações internacionais do


produto. Foi para evitar o colapso total dos ervateiros que o Estado entrou em cena e
criou a COCPM, dando a ela plenos poderes para organizar e implantar cooperativas,
tanto no Paraná como nos outros Estados onde o cultivo ou a extração do mate consistia
em atividade econômica. Segundo Serra (1986):
As entidades criadas, diante do quadro, tinham a função específica de lutar
contra a derrocada dos preços, usando, como estratégias, a retenção do
produto excedente em armazéns alugados ou construídos por elas próprias e a
conscientização dos produtores quanto à necessidade de se conservarem
unidos, pelo menos até a superação da fase crítica. (SERRA, 1986, p. 49)

Em 1946, a Federação das Cooperativas de Mate do Paraná Ltda., fundada sob


orientação da COCPM, controlava 100 armazéns em toda a zona ervateira paranaense e
congregava 14 cooperativas singulares, em torno das quais estavam filiados mais de 10
mil produtores. Com essa estrutura de funcionamento, os resultados passaram a ser
vantajosos para os associados. Lima (1974) destaca os seguintes:
1. Elevação dos preços a um nível mínimo remunerador de Cr$ 6,50 em 1942 para
Cr$ 22,50 em 1948.
2. Garantia, durante toda a safra, do preço mínimo fixado.
3. Financiamento no ato da entrega do produto na base de 90% do preço fixado.
4. Armazenamento apropriado e escoamento da produção.
A fase áurea do cooperativismo do mate, entretanto, não durou muito tempo e a
derrocada começa a se acentuar quando a Comissão, que representava o braço do Estado
no setor, é retirada de cena. Segundo Lima (1974):

Desde 1943, quando foram organizadas as cooperativas, até princípios de


1947, os negócios do mate correram bem. A partir de então, a extinção da
Comissão, que orientava a organização cooperativa do mate, a abolição do
regime de quotas, a formação de grandes estoques nas cooperativas, o
excesso de produção, a retração da demanda, a escassez de divisas no
mercado mundial, os problemas internos de organização e funcionamento das
cooperativas e a falta de planejamento, fizeram com que este setor, que fora
tido como setor especializado da economia ervateira perdesse terreno, no
tempo, relativamente aos novos setores cooperativistas que se foram
implantando no Estado à base de novos produtos agrícolas como o café e,
mais recentemente, o trigo e a soja (LIMA, 1974, p. 51).

A essa altura, o mate também não tinha mais peso no mercado externo e, por
conseguinte tornou-se menos importante para a economia nacional, dada a aceitação do
café, em substituição ao chá, entre os consumidores estrangeiros e dada a penetração da

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


25
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

cafeicultura na região Norte paranaense. O pêndulo do cooperativismo teve um forte


motivo para sair do Sul e Oeste, regiões produtoras de mate e ir balançar mais ao Norte,
a região que já estava se marcando pela produção de café.

A presença do Estado nas cooperativas de cafeicultores

O café foi o produto que abriu as portas para o cooperativismo no Norte do


Paraná, sendo também responsável também pela ocupação rápida e dinâmica da Região,
para onde convergiram, nas décadas de 1930 e 1940, cafeicultores paulistas em busca de
terras oriundas do basalto (conhecidas como terras roxas), apropriadas para esse cultivo.
Em função da cafeicultura as cooperativas foram surgindo na região Norte, inicialmente
à custa e risco dos próprios produtores e, posteriormente, com a ajuda do Estado através
do Instituto Brasileiro do Café (IBC). Segundo Serra (1986),
Em linhas gerais, as cooperativas que surgiram sem a participação direta do
IBC acabaram, tempos depois, dependendo dele para se recuperar de crises
financeiras. Desta forma, não se pode estabelecer um divisor de águas entre o
IBC e a história das cooperativas de cafeicultores do Norte do Paraná, mesmo
porque o órgão foi constituído para atuar no mesmo ramo em que as
cooperativas estavam atuando, ou seja, o recebimento, o armazenamento e a
comercialização do café. (SERRA, 1986, p. 60).

Deve ser valorizado o fato de que o IBC surgiu como órgão diretamente ligado
ao Governo Federal, em uma época de crise para a cafeicultura e, por extensão, para as
cooperativas de cafeicultores, justamente para executar uma política de governo
destinada a neutralizar os efeitos mais desastrosos dessa crise para a economia nacional,
já que, na época, o café era o principal produto de exportação do País. Dessa forma, não
havia como o IBC resolver o problema do café sem resolver, junto, o problema das
cooperativas, estabelecendo-se a partir daí, um ponto de conexão entre o Instituto e as
cooperativas que já existiam ou que passaram a existir posteriormente. A respeito da
relação IBC, cooperativas e cafeicultura, afirma Araújo (1982):
Com a criação do Instituto Brasileiro do Café (IBC), em 1952, passou o país
a dispor de uma autarquia para realizar a política econômica do café
brasileiro nos mercados interno e externo. Entre seus objetivos, um era o de
incentivar o cooperativismo de produção, de crédito e de distribuição entre os
cafeicultores, visando oferecer melhor remuneração e aprimoramento da
qualidade do café (ARAÚJO, 1982, p. 23).

Em entrevista concedida ao jornal editado pela cooperativa COCAMAR, em


julho de 1985, o sr. José Cassiano Gomes dos Reis Junior, na época presidente da

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


26
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

Cooperativa Central Agropecuária do Paraná (COCAP) deu novos detalhes a respeito da


relação entre o cooperativismo e a cafeicultura no Norte do Paraná.
Entre os anos de 40 e 50, a rápida ocupação das terras roxas do norte
paranaense, de alta fertilidade, conduziu à implantação de uma cafeicultura
intensiva, ao pontodo café tornar-se o principal produto da economia
paranaense. O cooperativismo não poderia, assim, deixar de vincular-se com
essa cultura, o que acabou acontecendo de forma mais efetiva a partir do
início dos anos 50. (CASSIANO, 1985, págs. 6 e 7).

Durante os anos 1950 são fundadas as primeiras cooperativas de cafeicultores na


região, por iniciativa dos próprios produtores e durante os anos 1960 surgem as
cooperativas que tiveram o apoio do Estado através do IBC no seu ato de fundação.
Considerando o período entre 1957 e 1964, 39 cooperativas de cafeicultores estavam
instaladas na região Norte do Estado, incluindo uma cooperativa central e uma
federação de cooperativas, segundo o que consta no Livro de Registros de Cooperativas,
da Junta Comercial do Paraná.
Detalhe que chama atenção é a distribuição espacial das cooperativas: existiam
casos de municípios que sediavam duas e até três cooperativas atuando no mesmo
ramo.O excesso de cooperativas, competindo entre si, evidencia a desorganização do
setor na época e a falta de preparo ou treinamento das lideranças dos cafeicultores para
agir em sintonia com as propostas do sistema cooperativista.
É importante salientar, por outro lado, que existiam bons motivos para os
produtores recorrerem à fundação de cooperativas como estratégia para a solução de
problemas que afetavam a cafeicultura regional. Antes dos anos 1960, o motivo era a
dificuldade de transportar as safras das lavouras ao porto de Santos, São Paulo, que na
época centralizava as exportações de café de todo o país. Depois dos anos 1960, fase em
que a fundação de cooperativas contou com o apoio do IBC, o problema tinha relação
direta com o aviltamento dos preços de mercado, consequência direta das grandes safras
extraídas das lavouras regionais.
Na primeira fase, os produtores procuraram se unir, através da formação de
cooperativas como meio de pressionar o sistema ferroviário a disponibilizar vagões para
o transporte das safras. Os vagões existiam, mas não eram suficientes para atender a
demanda que era cada vez maior por conta das sucessivas super safras regionais. Chama
atenção o fato de que as cooperativas que surgiram a partir das bases tendo como

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


27
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

objetivo conseguir vagões para o transporte das safras não contabilizaram o efeito
desejado e acabaram sendo liquidadas após um curto período de funcionamento. Na
prática, elas não tinham a força política suficiente para resolver um problema que era
conjuntural. Em outros termos: faltava a presença do Estado.
Apesar disso, entretanto, algumas dessas entidades conseguiram marcar presença
na história do cooperativismo norte-paranaense, frise-se, sem a ajuda do IBC que ainda
não existia na época. Este é o caso da primeira cooperativa de cafeicultores do Norte do
Paraná, a Cooperativa Agrícola de Três Barras, fundada em 1939 no município de Assaí
por agricultores japoneses com a finalidade específica de lutar para resolver o problema
da falta de vagões ferroviários. Em 1951, segundo a Organização das Cooperativas
Brasileiras (OCB, 1977 p. 32), aquela que foi considerada a primeira cooperativa de
cafeicultores da região contava com 877 associados, número expressivo para a época.
Também é o caso da Cooperativa Agrícola Mista de Cambé, fundada em 1943; da
Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de Iporã, fundada em 1947 e de outras
cooperativas instaladas por cafeicultores nos municípios de Jacarezinho, Londrina,
Rolândia, Cornélio Procópio e Marilena. Sem exceção, todas foram constituídas para
enfrentar o problema do escoamento das safras, via ferroviária e mesmo assumindo
importância durante alguns anos seguidos, acabaram encerrando suas atividades por não
terem conseguido atingir seu objetivo maior.
Na segunda fase, o problema a enfrentar foi o aviltamento dos preços de
mercado, consequente das exageradas safras de café da principal na região produtora do
Paraná. Dados do IBC (1977/78) indicam, por exemplo, que na safra 1961/62, das 39,6
milhões de sacas, que corresponderam à produção nacional, o Paraná e, dentro do
Paraná a região Norte, sua maior zona produtora, respondeu por 45%, ou seja, 21,4
milhões de sacas. Na safra seguinte, 1962/63, houve uma retração na produção total
(caiu para 28 milhões e 900 mil sacas de sacas) e também na produção paranaense (18
milhões de sacas), mas uma elevação no potencial da participação paranaense (de 45%
para 62,2%) na produção nacional. Apesar de persistirem dificuldades de transporte
ferroviário, o problema maior, agora, era a queda nos preços de mercado por conta da
oferta ser muito superior à capacidade de consumo do mercado.
Para agravar o problema das super-safras, no final dos anos 1950 a colonização
ainda não havia se completado no Norte do Paraná e cada novo lote vendido pelas

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


28
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

colonizadoras significava mais aumento na produção de café, considerando que, via de


regra, quem comprava terra na região, comprava já pensando em plantar café. Diante de
um quadro de grandes safras, de tendências de aumentarem ainda mais essas safras e de
poucas expectativas em termos de reação do mercado externo, é que as cooperativas,
novamente foram lembradas.AfirmaSerra (1986, p. 64), que a expectativa dos produtores,
com a fundação de cooperativas, era conseguir baratear os custos de armazenagem do
produto que não podia ser comercializado e criar mecanismos de amparo à categoria,
diante das dificuldades de um período que ameaçava ser muito adverso.
Segundo o que consta no Livro de Registros de Cooperativas da Junta Comercial
do Paraná, das 39 cooperativas implantadas no período 1957-1964, doze foram
fundadas entre 1957 e 1961 (uma em 1957, quatro em 1958, duas em 1959, três em
1960 e duas em 1961), época em que o problema básico dos produtores de café e de
cereais do Norte do Paraná era a falta de vagões para o transporte ferroviários das safras
e 27 foram implantadas entre 1962 e 1964 (onze em 1962, nove em 1963 e sete em
1964), quando os problemas de armazenagem e de comercialização das safras é que
preocupavam mais intensamente os produtores.
Deve ser salientado que uma das funções do IBC, fundado em 1952, era
justamente resolver o problema de estocagem da produção excedente de café, a parcela
que não era absorvida pelo mercado. As cooperativas fundadas a partir dos anos 1960,
diante disso, tinham como função adicional reforçar a estrutura armazenadora,
considerando que os armazéns construídos pelo Instituto não conseguiam acompanhar a
demanda. Criava-se assim, por meio das cooperativas, um reforço na capacidade
armazenadora regional, que se daria em dois sentidos: pelos novos armazéns
construídos pelas próprias cooperativas e pela política que as entidades teriam
condições de desenvolver entre seus associados, convencendo-os a manterem seus cafés
estocados nas tulhas, em suas propriedades, evitando assim que chegassem ao mercado.
O fato é que quanto mais café entrasse no mercado, mais os preços tendiam a cair
considerando o desequilíbrio real entre a oferta e a procura.
Números apresentados por Ribeiro (1973) dão uma ideia do desequilíbrio do
mercado em termos de oferta e procura:
A produção nacional de café, que fora de 33,3 milhões de sacas de 60 quilos na
safra 52-53, evoluíra para 66,5 milhões em 62-63, com um incremento da
ordem de 99,7% no período, ou 9,1% em média por ano. As exportações, no

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


29
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

entanto, no mesmo período tinham aumentado apenas 40,1% (de 34,7 milhões
de sacas, em 1953 para 48,6 milhões em 1963). Enquanto o consumo crescera
apenas vegetativamente, a produção quase dobrara no período, acarretando
redução na participação nacional no mercado mundial, passando de 51,9% no
período 1948/52 para 35,4% em 1962. (RIBEIRO, 1973, p. 107).

Em meados dos anos 1960 o quadro regional indicava que era inviável a política
do IBC de continuar construindo armazéns para estocar os cafés excedentes, o mesmo
ocorrendo com a política de fomentar a construção de armazéns nas cooperativas,
considerando as grandes safras que se sucediam ano a ano. De outro lado, algumas
cooperativas, por falta de experiência administrativa, estavam sucumbindo, apesar do
apoio do Estado através do IBC. Em vista disso, a partir de 1965 o Governo Federal
passou a patrocinar uma política muito mais drástica: como já havia feito em situações
anteriores, decide comprar e queimar café, evitando que chegasse ao mercado e estimular
os cafeicultores a erradicarem parte de suas lavouras, objetivando diminuir a oferta,
medida que poderia produzir o esperado efeito em termos de alteração nos preços do
produto. No contexto da mesma política, no sentido de preservar a condição do Brasil de
maior produtor mundial de café, o Governo adota medidas de estímulos ao deslocamento
do polo produtor de café, do Paraná para Minas Gerais, a antiga zona produtora.
Com as erradicações de cafeeiros, o espaço agrário do Norte do Paraná sofre
uma metamorfose que viria a ser completada com as fortes geadasque castigaram a
região em 1975. No lugar do café, começaram a ser implantadas as lavouras
mecanizadas de soja e trigo, o primeiro produto típico de verão e o segundo produto
típico de inverno, que poderiam ser consorciados considerando que em função das
diferentes épocas de plantio e colheita, poderiam ser cultivados no mesmo solo e usando
a mesma estrutura de produção, armazenagem e comercialização. Como alternativa à
soja, no verão, o milho também é estimulado.
Mudando-se o uso do solo, superava-se a crise, mas, ao mesmo tempo exigia-se
das cooperativas e, por extensão, dos agricultores a elas filiados, uma reversão completa
em termos de estrutura de plantio, tratos culturais, colheita, transporte, armazenagem e
até de industrialização. Toda uma estrutura, neste sentido, criada ao longo dos anos em
torno do café, teve que ser abandonada em pouco tempo, para que no lugar surgisse uma
nova estrutura voltada às lavouras mecanizadas.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


30
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

As lavouras mecanizadas e as novas cooperativas

A soja, que começou a ser cultivada na região nos anos 1960, mas sem nenhuma
expressão econômica, ganha força no início da década de 1970 para exercer domínio
completo na economia agrícola regional a partir de 1975, ano em que fortes geadas
dizimaram por completo o parque cafeeiro do Norte do Paraná, na época calculado em
915 milhões de árvores. Sem as lavouras de café, destruídas pelas geadas, ficou
facilitada a política do Governo de deslocar o polo cafeeiro para as antigas zonas
produtoras de Minas Gerais e de adaptar o Norte do Paraná para o novo modelo
agrícola, voltado às lavouras mecanizadas. Na nova fase, as cooperativas tiveram o
apoio Estado através do Ministério da Agricultura, que criou mecanismos para financiar
a construção da estrutura de recebimento e estocagem de grãos a granel. Os impactos
gerados pela mudança do modelo agrícola foram muito sentidos pelos produtores, mas
de certa forma comemorados pelas cooperativas. Contagiada pela euforia, a
Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) publicou que as cooperativas estavam
vivenciando um novo “boom”, justificando:
A expansão do cultivo da soja foi a salvação e o fortalecimento para o
movimento cooperativista paranaense que estava em formação desde a
década de 50, com a cafeicultura, mas que durante a década de 60 começou a
desagregar-se, porquanto a cafeicultura – com o isolamento dos agricultores e
falta de conscientização para métodos de comercialização mais racionais –
não vinha sendo base sólida para sua sustentação. (OCB, 2012, p. 29).

As cooperativas constituídas de cafeicultores, uma vez perdendo relação com o


produto que havia se constituído na razão principal de suaexistência, ficam a mercê dos
interesses do Estado e da política agrícola por ele preconizada para a região. Como
citado anteriormente, a política do Governo Federal era desviar o polo da cafeicultura
para Minas Gerais e estruturar o Norte do Paraná para um novo modelo agrícola,
voltado às lavouras mecanizadas de soja, trigo e milho, os produtos mais visualizados
na épocapara alavancar a modernização da agricultura regional.
Dentro do que passaria a ser sua nova lógica de funcionamento, as cooperativas
se transformaram em poderoso instrumento do Estado, por exemplo, no processo de
implantação do novo modelo agrícola a partir dos anos 1960 mesmo que, em algumas
situações, tal modelo não atendesse às aspirações do corpo associativo. Na região Norte
do Paraná, onde o novo modelo só foi incorporado no final dos anos 1970, os

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


31
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

agricultores, em grande parte filiados às cooperativas, eram tradicionais produtores de


café, dependiam do trabalho familiar não remunerado e das lavouras de subsistência
para se manterem e só podiam contar com as pequenas dimensões de seu lote, situações
que não se enquadravam nas características da nova fase da agricultura. O modelo
tradicional se caracterizava como grande absorvedor de mão-de-obra, o que fazia com
que o homem se fixasse mais na zona rural do que na zona urbana, onde as
possibilidades de inserção no mercado de trabalho eram mais restritas. O novo modelo,
ao contrário, passou a depender muito mais de instrumentos que demandam capital do
que do fator trabalho, o que gerou o desemprego no meio rural; passou a depender de
áreas maiores para plantio, o que anulou o modelo de colonização implantado na região
voltado às pequenas e médias propriedades e gerou a concentração fundiária; passou a
implementar lavouras especializadas, o que anulou a diversificação de culturas com o
consequente desaparecimento das lavouras de subsistência, levando junto toda a
estrutura que existia nas propriedades em função das lavouras de café e da manutenção
do homem no campo, incluindo casas, terreiros, tulhas, pomares, galinheiros, etc.
Diante das transformações, as cooperativas regionais não assumiram qualquer
posição em defesa dos produtores associados, principalmente dos pequenos,
mergulhados em crise por não se adaptarem ao novo modelo. Embora todas tenham
surgido em função do café, ficaram omissas quando o café e, junto, os cafeicultores,
foram condenados ao desaparecimento na região. E sendo omissas, serviram aos
interesses do Estado e passaram a cumprir importante papel na substituição das
lavouras, em troca de subsídios que viabilizaram a construção de uma nova estrutura
voltada ao recebimento, comercialização e industrialização dos novos produtos que
passariam a receber, com destaque para a soja, o milho e o trigo.
O novo modelo agrícola vai viabilizar o surgimento de um novo padrão de
cooperativa no Brasil e, em particular, no Norte e no Oeste do Paraná: as cooperativas-
empresas. De maneira geral, até o surgimento do novo modelo, as cooperativas eram
recebedores e repassadores de matérias-primas produzidas pelos associados, cumprindo
seu papel no rompimento da cadeia de intermediação. Nessa fase, colocavam-se bem
próximas dos associados e se identificavam mais com as propostas e as teorias que
deram origem ao sistema. Na nova fase, ao contrário, ao se consolidarem como grandes

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


32
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

empresas acabaram se distanciando de suas bases sociais gerando, como consequência,


uma série de ambiguidades que vão caracterizar sua nova forma atuação.

As cooperativas híbridas e sua inserção no CAI

A passagem de uma cooperativa que recebia e comercializava matérias-primas,


para uma cooperativa que recebe matérias-primas e as transforma em produtos
industrializados para chegar diretamente ao mercado consumidor, só foi possível graças
à ajuda do Estado que através de linhas especiais de crédito possibilitou a estruturação
de sofisticados parques industriais que envolvem, de acordo com o perfil agrícola da
região onde a cooperativa está instalada, unidades de beneficiamento e transformação de
grãos (soja, caroço de algodão, girassol, café), de fios (algodão, seda), de frutas (laranja,
principalmente), usinas de açúcar e álcool, abatedouros de aves e de outras matérias
primas, produzidas ou não pelos associados.
A participação de agricultores não associados no fornecimento de matérias primas vai
se justificar diante do fato de que o potencial de transformação das indústrias instaladas foi
projetadopara estar além da capacidade de produção das lavouras dos agricultores associados.
O descompasso entre a capacidade de fornecimento de matérias primas por parte dos
associados e a capacidade de transformação das indústrias das cooperativas não ocorreu por
falta de planejamento, mas se constituiu em estratégia administrativa justamente para absorver
uma quantidade maior de matérias primas e dar às cooperativas uma característica
empresarial que não dependesse apenas da relação com o quadro associativo. Na relação com
os associados, as cooperativas continuam agindo como talenquanto que nas relações com os
não associados (terceiros)passam a agir como empresas comuns.
Ao operar simultaneamente com associados e não associados (terceiros) e em
algumas situaçõescom associados integrados, as cooperativas transformam-se em empresas
híbridas, cuja evolução independe de quesitos como representatividade e fidelidade do
quadro associativo. Paralelamente, comportam-se como organizações que, no âmbito da
restrita atuação junto aos associados, podem não assumir o lucro como meta, vestindo desta
forma a camisa ideológica do sistema cooperativista, onde, no lugar do "lucro", "sobra"
constitui o termo mais adequado; mudando-se para os outros segmentos que atendem, no
entanto, o lucro passa a ser vital para a atividade econômica que desempenham.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


33
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

O caráter híbrido, que vai marcar a atuação das cooperativas, se prende ao sentido
de manter relação paralela entre agricultores associados e agricultores não associados e ao
mesmo tempoentre uma categoria de associados “livres” e uma categoria de associados
“integrados”. São “livres” os produtores associados à cooperativa que mantêm, por
exemplo, uma relação de compra de insumos e venda da produção agrícola, obedecendo a
certos princípios de mútua fidelidade. São “integrados” os produtores, também associados
à cooperativa, porém compromissados por meio de contratos de parceria para a produção
de determinada matéria prima industrial, observando-se que tal forma de “prender” o
associado a cláusulas contratuais fere o princípio de liberdade do cooperativismo. No
Paraná, o exemplo mais comum de integração produtor-cooperativa se dá no setor avícola
voltado à produção de aves para abate.
É diante do novo quadro, consequente de seu processo evolutivo, que as
cooperativas paranaenes assumem seu papel contraditório perante as normas do sistema
cooperativista, passando a conviver, ora com a ideologia de sua formação, ora com a
prática de sua sustentação econômica. E é no contexto desse quadro contraditório que os
associados, num dado momento podem ser classificados como "donos" do
empreendimento, mas que, logo em seguida, perdem força para um "talvez" carregado
de dúvidas e de indefinições.
A inserção das cooperativas na fase da industrialização vai garantir como
consequência direta, sua inserção no Complexo Agroindustrial, graças aos setores
ligados à indústria de transformação de matérias primas agrícolas, ou agroindústrias,
que instalam a jusante do CAI. Os novos setores viabilizam o crescimento econômico
da cooperativa, sua consolidação como empresa capitalista de grande porte, mas,
contraditoriamente, esse crescimento ocorre, pelo menos em parte, à margem ou
independente do corpo associativo. Isso não significa que os associados ficaram parados
no tempo e no espaço, apenas assistindo a evolução da cooperativa da qual fazem parte,
mas significa que não ocorreu uma relação direta entre o crescimento de um e a efetiva
participação do outro.
Em toda a sua história, segundo Serra (2008, p. 12) em nenhum momento as
cooperativas paranaenes distribuíram prejuízos ou captaram recursos diretamente entre
os associados para custear, por exemplo, algum investimento. Existiram diversas
situações em que elas deixaram de repassar dividendos, na forma de rateios, mas

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


34
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

nenhuma indicando captação direta de recursos. Isso significa que a consolidação do


parque industrial e das próprias cooperativas como empresas não dependeu da
expropriação direta dos produtores associados, tendo relação maior com benefícios
carreados pelo Estado através de financiamentos subsidiados e com o grau de eficiência
das respectivas diretorias na condução de uma política de investimentos. Os incentivos
oficiais de que foram beneficiadas, principalmente durante os anos 1970, são resultantes
da política de crédito vinculada ao Sistema Nacional de Crédito Rural, mecanismo que
sustentou a modernização da agricultura brasileira a partir de 1965. Segundo Belik e
Paulilo (2001):
A modernização da agricultura brasileira teve o seu maior crescimento e
intensificação com a estruturação do Sistema Nacional de Crédito Rural
(SNCR), em 1965. Na década seguinte, os financiamentos fluíram com uma
enorme facilidade, permitindo que os produtores e agroindústrias pudessem
se capitalizar e se integrar” (BELIK; PAULILO, 2001, p.95)

A contribuição dos associados se dá com a retenção de sobras não distribuídas


pela cooperativa no final de exercícios fiscais e transformadas em investimento a partir de
decisões coletivas tomadas em assembleias gerais.Por outro lado, a utilização do parque
industrial, adquirido em nome dos associados, para a transformação de matérias-primas
entregues por terceiros (agricultores nãoassociados), bem como sua locação para outras
empresas, em momentos de ociosidade das máquinas, são situações que geram agregações
de valores em benefício apenas da cooperativa, mas não de seus associados, considerando
que não foi deles ou não saiu de suas propriedades a mercadoria transformada. Ora, não
havendo a expropriação direta e também não havendo a utilização exclusiva dos
equipamentos em função dos produtores filiados ou de suas mercadorias agrícolas, em
parte deixa de haver a esperada sintonia entre o desempenho da cooperativa e o repasse de
seus benefícios, na forma monetária, para o corpo associativo, embora, pelo menos
teoricamente, esses sejam os verdadeiros donos da empresa.

Considerações finais

O braço avançado do Estado dentro das cooperativas agrárias, interferindo nas


suas ações e procedimentos, se dá por meio de leis e decretos que normatizam o sistema
e por meio de recursos públicos que são canalizados para as empresas para custear
investimentos. As leis e decretos comprometem a independência das cooperativas, na

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


35
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

medida que as tornam atreladas aos interesses do Estado, enquanto quea canalização de
recursos, o preço que as cooperativas pagam pela perda de sua autonomia, contribuem
para sua transformação em grandes empresas agroindustriais. Difícil para as
cooperativas chorar pela perda da independência ou sorrir diante da ajuda oficial, de que
são beneficiadas na forma de empréstimos a juros favorecidos.
De uma forma ou de outra, como foi o caso das cooperativas paranaenses, elas
cresceram, se transformaram em grandes empresas, sem necessitarem expropriar os
associados. E da mesma forma que elas, os agricultores associados também cresceram,
equipararam suas unidades de produção e até ampliaram seus limites territoriais. A
palavra sucesso se aplica, portanto, aos dois lados.
O que deve ser considerado, em linhas gerais, é que as cooperativas passaram a
depender do Estado para acelerar seu crescimento econômico e o Estado está na
dependência das cooperativas para fazer funcionar sua política agrícola. Este,no entanto, é
apenas um lado da mútua dependência. O outro: como grandes empresas agroindustriais, as
cooperativas passaram a necessitar de suprimentos de matérias primas agrícolas em
volumes muito além da capacidade de produção dos agricultores associados. Para evitar
períodos de ociosidades de suas indústrias, a solução encontrada foi atuar com agricultores
não associados, os chamados terceiros, como fornecedores de matérias primas. A partir
dessa nova relação, as cooperativas se transformam em empresas híbridas: agem como
sociedade de pessoas nas relações com os associados e como empresas comuns nas relações
com os não associados; operam com “sobras” nas relações econômicas com o quadro
associativo e apuram “lucros”nas relações com os demais produtores.
O agigantamento como empresas, por si só, produz como consequência o
distanciamento da cooperativa nas relações com os associados e também com os
princípios ideológicos do sistema.Nas relações com os associados, a própria Assembleia
Geral, estatutariamente instituída como órgão máximo das cooperativas, perde força na
medida em que as decisões são tomadas não em relação a todos os assuntos, mas apenas
em relação àqueles que constituem produto direto das relações econômicas com o
quadro associativo. O lucro apurado nas relações com terceiros, os não associados,
passa longe da Assembleia e também da conta capital movimentada pelos associados
porque não dependeu deles, não foi apuradoem função das mercadorias por eles
entregues. Como podem ser investidos na própria cooperativa, cria-se a inevitável

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


36
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

situação em que o patrimônio da empresa deixa de corresponder ao volume da conta


capital convertido em investimento direto. Ou seja: o patrimônio cresce mais do que a
conta porque os investimentos têm outras origens, além das retenções feitas,
basicamente em função de sobras não distribuídas. Uma outra parte foi apurada nas
relações com produtores não associados e com as eventuais locações de indústrias para
outras empresas. E uma terceira não pode ser ignorada: representa o produto das
contribuições do Estado.

Referências

ARAÚJO, Silvia Maria. Eles: a cooperativa: um estudo sobre a ideologia da


participação. Curitiba: Projeto, 1982.

BELIK, W. e PAULILO, L. F. O financiamento da produção agrícola brasileira na


década de 90: ajustamento e seletividade. In: LEITE, S. P. (org.). Políticas públicas e
agricultura no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001. pp.95-120.

BELUSSO, Diane. A Cooperativa C. Vale e as perspectivas dos produtores integrados


à agroindústriaem Palotina-PR. 2002. Dissertação (mestrado em Geografia) –
Programa de Pós-Graduação em Geografia, UEM/Maringá, 2002.

BIALOSKORSKI NETO, S. Agribusiness Cooperativo. In: ZYLBERSZTAJN, D. e


FAVAN M. (orgs.) Economia e gestão dos negócios agroalimentares: indústria de
alimentos,indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição. SãoPaulo:
Pioneira, 2000, pp. 235-251.

BRASIL, Presidência da República. Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971.

CASSIANO explica a importância do café e do cooperativismo para o Norte do Paraná.


Jornal de Serviço COCAMAR, jul., 1985, pp. 6 e 7.

COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL. COCAMAR: uma história em quatro décadas.


Maringá, 2003 (edição comemorativa).

CONSTÂNCIO: é crítica a situação do cafeicultor. Jornal de Serviço COCAMAR,


Maringá, out., 1979, pp.8 e 9.

COSTA, Vera M. H. de Miranda. A modernização da agricultura no contexto da


constituição do Complexo Agroindustrial no Brasil. In:ENCONTRO NACIONAL DE
GEOGRAFIA AGRÁRIA, XI. 1992, Maringá:UEM/Departamento de Geografia,
1992.Anaispp. 02-27.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013


37
A participação do Estado na formação Elpídio Serra
e desenvolvimento das cooperativas agrícolas no Brasil

DELGADO, Guilherme. Capital financeiro e agricultura no Brasil. São Paulo:


Ícone/UNICAMP, 1985.

LIMA, Luiz Mendes. Histórico do cooperativismo no Paraná. Revista Paranaense


deDesenvolvimento. Curitiba: BADEP, n.43, p.39-66, jul/ago, 1974.

OCB Organização das Cooperativas Brasileiras/Sescoop. História. Disponível em:


www.brasilcooperativo.com.br. Acesso em 13, dezembro, 2012.

OCEPAR, Organização das Cooperativas do Paraná/Governo do Estado do Paraná.


Cooperativismo Paranaense, um modelo em consolidação. Curitiba, 1976 (Boletim de
divulgação institucional)

OCEPAR, Organização das Cooperativas do Paraná. Cooperativas Agropecuárias


doParaná: projetos e serviços (catálogo). Curitiba, Sistema OCEPAR, 2006.

PARANÁ COOPERATIVO, Jornal. Curitiba: Organização das Cooperativas do Paraná,


jul/ago, 2006.

PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São


Paulo: CNPq, 1982.

PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente


solidária. São Paulo: Saraiva, 2004.

RIBEIRO, Sylvio Wanick. Desempenho do setor agrícola – década de 1960/1970. Rio


de Janeiro: Instituto de Planejamento Econômico e Social, 1973

ROCHA, Eliza E. R. Bernardo. O cooperativismo agrícola em transição:1999. Tese


(Doutorado em Economia) - Instituto de Economia/UNICAMP. Campinas, 1999.

SERRA, Elpídio. Contribuição ao estudo do cooperativismo na agricultura do Paraná:


o caso da Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas de Maringá. 1986.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas,
UNESP/Rio Claro, 1986.

SERRA, Elpídio. O cooperativismo híbrido e suas formas de atuação no Paraná.


Agrária, revista de Geografia Agrária do Laboratório de Geografia Agrária da USP, São
Paulo, vol. 8, pp. 4-22, 2008.

Recebido em 06/07/2012
Aceito para publicação em 01/03/2013.

CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 6-37, ago., 2013

Você também pode gostar