ARTIGO - Participação Do Estado...
ARTIGO - Participação Do Estado...
ARTIGO - Participação Do Estado...
Elpídio Serra
Doutor em Geografia
Professor Associado do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá
[email protected]
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo discutir os mecanismos utilizados pelo Estado
para interferir na constituição e no desenvolvimento das cooperativas agrícolas no
Brasil e os resultados desse processo. Apresenta as bases ideológicas do sistema
cooperativista e a partir de casos concretos, tomando como referência as cooperativas
instaladas no Paraná, procura mostrar, de um lado algumas contradições e, de outro
lado, a importância econômica dessas empresas.
Summary
The presents work aims to discuss the mechanisms used by the State to intervence in the
formation and development of agricultural cooperatives in Brazil and the results of that
process. Presents the ideological foundations of the cooperative system and from
specific cases, with reference to installed in Paraná, cooperatives show demand, on the
one hand some contradictions and, on the other hand, the economic importance of these
companies.
Introdução
tudo o que provém de Deus é bem feito”. Buchez defendia a manutenção de associações
cooperativas com as seguintes características: sustentação financeira sem o auxílio do
Estado; dupla função dos associados, de empresários e empregados; retorno das sobras
(lucros) proporcionais ao trabalho desempenhado individualmente pelos associados;
indivisibilidade e inalienabilidade do capital social da cooperativa. Blanc defendia a
formação de associações de operários em fábricas sociais,que no primeiro momento
seriam organizadas e financiadas pelo Estado, pois considerava que “o Estado era
responsável pelos problemas econômicos e sociais”. As fábricas sociais seriam
organizadas através de estatutos próprios, estruturados em sintonia com o princípio da
igualdade. Baseando-se nesse princípio propunha a divisão das sobras líquidas do
empreendimento em três partes: uma para os operários; outra para a constituição de um
fundo de assistência social e o restante para capitalização e fortalecimento financeiro da
sociedade. (Serra, 2008, p.10).
Conforme destaca Rocha (1999):
os princípios, mas ao mesmo tempo não permitir que as cooperativas sejam atropeladas
pela evolução do processo econômico. Com essa preocupação a ACI, no congresso que
realizou em Viena em 1996, reformulou os princípios herdados dos tecelões, que
passaram a ser incorporados ao sistema em dois troncos principais: a liberdade de
adesão e a governança exercida pelos próprios associados, tendo a assembleia geral
como instância maior.
Adesão livre – também conhecida como “princípio de porta aberta” e que
possibilita o ingresso ou a saída do cooperado voluntariamente, sem coerção ou
discriminação por motivos políticos, religiosos, étnicos ou sociais.
Gestão democrática – ou administração dos próprios cooperados, através de
delegados eleitos por tempo determinado, em assembleias gerais, nas quais cada
associado tem direito a um voto apenas, sem nenhuma relação com sua
participação no capital social.
A centralização dos princípios em dois eixos levou em conta a definição, ou o
significado de cooperativa aprovado no congresso que a ACI realizou em 1995, já
incorporando a dinâmica das relações capitalistas de mercado. Para a entidade
representativa cooperativa passou a ser entendida como “uma associação de pessoas que
se unem voluntariamente para satisfazer suas necessidades comuns, através de uma
empresa de negócios da qual possuem a propriedade em conjunto e a controlam
democraticamente”, obedecendo aos seguintes princípios:
1. adesão voluntária e livre;
2. gestão democrática pelos membros;
3. participação econômica dos membros;
4. autonomia e independência;
5. educação, formação e informação;
6. Inter cooperação;
7. interesse pela comunidade.
prestar serviços aos associados”, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes
características:
I. adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade
técnica de prestação de serviços;
II. variabilidade do capital representado por quotas-partes;
III. limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado,
porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais
adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV. inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V. singularidade do voto, podendo as cooperativas centrais, federações e
confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de
crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI. quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no
número de associados e não no capital;
VII. retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações
realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral;
VIII. indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica, Educacional e
Social;
IX. neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X. prestação de assistência aos associados, e, quando previstos nos estatutos, aos
empregados da cooperativa;
XI. área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle,
operações e prestação de serviços.
A Lei 5.764 classifica as cooperativas em três grupos, quanto à sua estrutura: as
singulares, constituídas de no mínimo de vinte pessoas físicas associadas; as centrais ou
federações de cooperativas, constituídas de no mínimo três singulares e as
confederações de cooperativas, constituídas de no mínimo três federações ou
cooperativas centrais.
Em linhas gerais, a legislação brasileira incorpora os princípios do
cooperativismo universal estabelecidos pela ACI que, por sua vez, com eventuais
adaptações, incorpora os princípios da cooperativa de Rochdale.
uma cooperativa de agricultores, por exemplo, todos os associados têm o mesmo nível
de representatividade, não importandodiferenças individuaisentre a extensão das terras
possuídas ou o montante de mercadorias entregues.
Rocha (1999), ao explicar as diferenças fundamentais entre as sociedades de
capitais e as sociedades cooperativas, destacou:
Enquanto as primeiras remuneram um capital, as segundas remuneram uma
matéria-prima, um trabalho, um bem ou um serviço final. Ao contrário das
demais empresas, a cooperativa não se estrutura visando a acumulação do
capital. O capital é necessário à cooperativa, assim como nas demais
empresas, entretanto, a finalidade primeira da cooperativa não é o capital, ou
seja, o poder do produtor associado a uma cooperativa não emana do
montante de capital que este produtor possui. (ROCHA, 1999, p. 13).
Cooperativismo no Brasil
Deve ser ressaltado, no entanto que tais metas não foram integralmente
concretizadas, pelo menos durante a década de 1930conforme previstas nos planos e
programas governamentais.Cerca de vinte anos depois é que surgem as condições que
vão viabilizar a implementação das metas destinadas à modernização da agricultura
brasileira. Na década de 1950, superada a crise internacional, o Brasil abre as portas da
economia para o mercado externo e se ajusta a um novo modelo econômico voltado à
substituição de importações e sustentado, entre outros, nos seguintes pontos: busca e
acumulação de capital internacional; incentivo a uma política de desenvolvimento
industrial voltada à produção de bens duráveis; aceleração do desenvolvimento do
Complexo Agroindustrial (CAI), com a participação de capitais nacionais e
internacionais.
O CAI, estruturado entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960 em boa
parte dos estados do Sul e Sudeste, regiões que apresentavam uma agricultura mais
desenvolvida comparada às demais regiões do País, passa a se sustentar em três pilares
interdependentes: a montante o setor responsável pela produção de bens para o setor
agrícola (tratores e outras máquinas agrícolas), ao centro uma agricultura altamente
tecnificada e a jusante a indústria de transformação ou agroindústria, segmento que
passaria a ter a efetiva participação das cooperativas.Segundo Delgado (1985, p.12), a
modernização da agricultura enseja o surgimento de um novo estilo de cooperativismo
agrário, com o nascimento e o fortalecimento das multicooperativas, cuja estrutura e
dinâmica de crescimento apresenta várias similaridades com as demais empresas
controladas por grupos empresariais. Costa (1992) complementa o pensamento de
Delgado, afirmando:
Apesar da similaridade,mantêm-se porém as diferenças entre a morfologia de
um grupo econômico e a figura da multicooperativa, dada a própria definição
da cooperativa como uma associação de pessoas e não de capitais, ao estilo da
empresa. (COSTA, 1992, p. 12)
Para dar respostas positivas às novas funções,as cooperativas teriam que ser
altamente eficientes, acompanhando e alavancando a eficiência do próprio setor agrícola
que passa a se modernizar com a incorporação dos bens gerados pela indústria à sua
montante e, ao mesmo tempo se estruturando para garantir a fatia de mercado no setor
agroindustrial, à sua jusante. Em relação à agricultura propriamente dita, o papel das
do então ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima, que em 1967 solicitou ao
secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Antônio José Rodrigues Filho, já uma
liderança cooperativista, que promovesse a união de todo o movimento (OCB/Sescoop,
2012).
Como resultado da iniciativa do Estado, através do Ministério da Agricultura, no
dia 2 de dezembro de 1969, quinto ano do regime militar, foi realizado o IV Congresso
Brasileiro de Cooperativismo, tendo como pauta a unificação do sistema e a fundação
de uma entidade única de representação das cooperativas. Ao final do evento, estava
criada a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e extintas a ABCOOP e a
UNASCO.
As cooperativas passaram a dispor de uma representação unificada, se
fortaleceram em função disso, mas não se livraram da ingerência do Estado. Em
algumas situações, ao contrário, a ingerência foi ampliada e considerada bem vinda para
o sistema, na medida em que foi benéfica para o crescimento e a consolidação das
cooperativas agrícolas como grandes empresas agroindustriais. Boa parte da política
agrícola do Governo passou a depender da eficiência das cooperativas para dar certo e
as cooperativas foram devidamente compensadas por isso. Durante o período do
“milagre brasileiro”, nos anos 1970, o Governo investiu pesado na modernização da
agricultura e ao mesmo tempo em que os agricultores eram beneficiados com
empréstimos altamente favorecidos para custear a transformação de suas áreas de
cultivo, as cooperativas também eram contempladas com linhas especiais de crédito. Foi
com essas linhas de crédito que elas conseguiram se equipar com sistemas de
armazenagem a granel para a estocagem da soja, do trigo e do milho, principais
produtos que passaram a serem cultivados nos Estados do Sul e do Sudeste, os
primeiros a aderir ao novo modelo agrícola.Da mesma forma, foi com recursos
subsidiados que as cooperativas se equiparam com as indústrias de transformação que
lhes garantiram lugar de destaque a jusante do Complexo Agroindustrial, como
beneficiadoras das matérias primas entregues pelos agricultores associados.
Constituída a OCB, a entidade máxima de representação das cooperativas
brasileiras passou a se empenhar para conseguir um novo formato para o amparo legal e
de orientação do sistema, em substituição aos mecanismos que com alguns ajustes eram
os mesmos editados nos anos 1930. O resultado desse empenho foi a promulgação da
Uma cooperativa agrícola que funcionava antes da vigência da Lei, mas que
acabou sendo a primeira a ser regulamentada nos termos da Lei, na condição de
estabelecimento comercial, estava instalada no município de Rio Claro, região Norte do
Paraná, desde o ano 1916. Foi o primeiro registro oficial de uma cooperativa no Paraná.
Sem informar o nome da primeira cooperativa oficializada, que funcionava como um
sistema de crédito agrícola, a Organização das Cooperativas do Paraná
(OCEPAR)informa suas finalidades, com base no Artigo 4º dos seus estatutos sociais:
O fim da sociedade era auxiliar seus sócios no exercício de sua profissão de
agricultores e criadores de forma a torná-los, progressivamente,
independentes da especulação mercantil sobre seus produtos e, bem assim,
proporcionar-lhes o conhecimento necessário para se guiarem na escolha de
máquinas agrárias, reprodutores, sementes e adubos, bem como na melhoria
das raças de seu gado. (OCEPAR, 2006, p. 14).
A essa altura, o mate também não tinha mais peso no mercado externo e, por
conseguinte tornou-se menos importante para a economia nacional, dada a aceitação do
café, em substituição ao chá, entre os consumidores estrangeiros e dada a penetração da
Deve ser valorizado o fato de que o IBC surgiu como órgão diretamente ligado
ao Governo Federal, em uma época de crise para a cafeicultura e, por extensão, para as
cooperativas de cafeicultores, justamente para executar uma política de governo
destinada a neutralizar os efeitos mais desastrosos dessa crise para a economia nacional,
já que, na época, o café era o principal produto de exportação do País. Dessa forma, não
havia como o IBC resolver o problema do café sem resolver, junto, o problema das
cooperativas, estabelecendo-se a partir daí, um ponto de conexão entre o Instituto e as
cooperativas que já existiam ou que passaram a existir posteriormente. A respeito da
relação IBC, cooperativas e cafeicultura, afirma Araújo (1982):
Com a criação do Instituto Brasileiro do Café (IBC), em 1952, passou o país
a dispor de uma autarquia para realizar a política econômica do café
brasileiro nos mercados interno e externo. Entre seus objetivos, um era o de
incentivar o cooperativismo de produção, de crédito e de distribuição entre os
cafeicultores, visando oferecer melhor remuneração e aprimoramento da
qualidade do café (ARAÚJO, 1982, p. 23).
objetivo conseguir vagões para o transporte das safras não contabilizaram o efeito
desejado e acabaram sendo liquidadas após um curto período de funcionamento. Na
prática, elas não tinham a força política suficiente para resolver um problema que era
conjuntural. Em outros termos: faltava a presença do Estado.
Apesar disso, entretanto, algumas dessas entidades conseguiram marcar presença
na história do cooperativismo norte-paranaense, frise-se, sem a ajuda do IBC que ainda
não existia na época. Este é o caso da primeira cooperativa de cafeicultores do Norte do
Paraná, a Cooperativa Agrícola de Três Barras, fundada em 1939 no município de Assaí
por agricultores japoneses com a finalidade específica de lutar para resolver o problema
da falta de vagões ferroviários. Em 1951, segundo a Organização das Cooperativas
Brasileiras (OCB, 1977 p. 32), aquela que foi considerada a primeira cooperativa de
cafeicultores da região contava com 877 associados, número expressivo para a época.
Também é o caso da Cooperativa Agrícola Mista de Cambé, fundada em 1943; da
Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de Iporã, fundada em 1947 e de outras
cooperativas instaladas por cafeicultores nos municípios de Jacarezinho, Londrina,
Rolândia, Cornélio Procópio e Marilena. Sem exceção, todas foram constituídas para
enfrentar o problema do escoamento das safras, via ferroviária e mesmo assumindo
importância durante alguns anos seguidos, acabaram encerrando suas atividades por não
terem conseguido atingir seu objetivo maior.
Na segunda fase, o problema a enfrentar foi o aviltamento dos preços de
mercado, consequente das exageradas safras de café da principal na região produtora do
Paraná. Dados do IBC (1977/78) indicam, por exemplo, que na safra 1961/62, das 39,6
milhões de sacas, que corresponderam à produção nacional, o Paraná e, dentro do
Paraná a região Norte, sua maior zona produtora, respondeu por 45%, ou seja, 21,4
milhões de sacas. Na safra seguinte, 1962/63, houve uma retração na produção total
(caiu para 28 milhões e 900 mil sacas de sacas) e também na produção paranaense (18
milhões de sacas), mas uma elevação no potencial da participação paranaense (de 45%
para 62,2%) na produção nacional. Apesar de persistirem dificuldades de transporte
ferroviário, o problema maior, agora, era a queda nos preços de mercado por conta da
oferta ser muito superior à capacidade de consumo do mercado.
Para agravar o problema das super-safras, no final dos anos 1950 a colonização
ainda não havia se completado no Norte do Paraná e cada novo lote vendido pelas
entanto, no mesmo período tinham aumentado apenas 40,1% (de 34,7 milhões
de sacas, em 1953 para 48,6 milhões em 1963). Enquanto o consumo crescera
apenas vegetativamente, a produção quase dobrara no período, acarretando
redução na participação nacional no mercado mundial, passando de 51,9% no
período 1948/52 para 35,4% em 1962. (RIBEIRO, 1973, p. 107).
Em meados dos anos 1960 o quadro regional indicava que era inviável a política
do IBC de continuar construindo armazéns para estocar os cafés excedentes, o mesmo
ocorrendo com a política de fomentar a construção de armazéns nas cooperativas,
considerando as grandes safras que se sucediam ano a ano. De outro lado, algumas
cooperativas, por falta de experiência administrativa, estavam sucumbindo, apesar do
apoio do Estado através do IBC. Em vista disso, a partir de 1965 o Governo Federal
passou a patrocinar uma política muito mais drástica: como já havia feito em situações
anteriores, decide comprar e queimar café, evitando que chegasse ao mercado e estimular
os cafeicultores a erradicarem parte de suas lavouras, objetivando diminuir a oferta,
medida que poderia produzir o esperado efeito em termos de alteração nos preços do
produto. No contexto da mesma política, no sentido de preservar a condição do Brasil de
maior produtor mundial de café, o Governo adota medidas de estímulos ao deslocamento
do polo produtor de café, do Paraná para Minas Gerais, a antiga zona produtora.
Com as erradicações de cafeeiros, o espaço agrário do Norte do Paraná sofre
uma metamorfose que viria a ser completada com as fortes geadasque castigaram a
região em 1975. No lugar do café, começaram a ser implantadas as lavouras
mecanizadas de soja e trigo, o primeiro produto típico de verão e o segundo produto
típico de inverno, que poderiam ser consorciados considerando que em função das
diferentes épocas de plantio e colheita, poderiam ser cultivados no mesmo solo e usando
a mesma estrutura de produção, armazenagem e comercialização. Como alternativa à
soja, no verão, o milho também é estimulado.
Mudando-se o uso do solo, superava-se a crise, mas, ao mesmo tempo exigia-se
das cooperativas e, por extensão, dos agricultores a elas filiados, uma reversão completa
em termos de estrutura de plantio, tratos culturais, colheita, transporte, armazenagem e
até de industrialização. Toda uma estrutura, neste sentido, criada ao longo dos anos em
torno do café, teve que ser abandonada em pouco tempo, para que no lugar surgisse uma
nova estrutura voltada às lavouras mecanizadas.
A soja, que começou a ser cultivada na região nos anos 1960, mas sem nenhuma
expressão econômica, ganha força no início da década de 1970 para exercer domínio
completo na economia agrícola regional a partir de 1975, ano em que fortes geadas
dizimaram por completo o parque cafeeiro do Norte do Paraná, na época calculado em
915 milhões de árvores. Sem as lavouras de café, destruídas pelas geadas, ficou
facilitada a política do Governo de deslocar o polo cafeeiro para as antigas zonas
produtoras de Minas Gerais e de adaptar o Norte do Paraná para o novo modelo
agrícola, voltado às lavouras mecanizadas. Na nova fase, as cooperativas tiveram o
apoio Estado através do Ministério da Agricultura, que criou mecanismos para financiar
a construção da estrutura de recebimento e estocagem de grãos a granel. Os impactos
gerados pela mudança do modelo agrícola foram muito sentidos pelos produtores, mas
de certa forma comemorados pelas cooperativas. Contagiada pela euforia, a
Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) publicou que as cooperativas estavam
vivenciando um novo “boom”, justificando:
A expansão do cultivo da soja foi a salvação e o fortalecimento para o
movimento cooperativista paranaense que estava em formação desde a
década de 50, com a cafeicultura, mas que durante a década de 60 começou a
desagregar-se, porquanto a cafeicultura – com o isolamento dos agricultores e
falta de conscientização para métodos de comercialização mais racionais –
não vinha sendo base sólida para sua sustentação. (OCB, 2012, p. 29).
O caráter híbrido, que vai marcar a atuação das cooperativas, se prende ao sentido
de manter relação paralela entre agricultores associados e agricultores não associados e ao
mesmo tempoentre uma categoria de associados “livres” e uma categoria de associados
“integrados”. São “livres” os produtores associados à cooperativa que mantêm, por
exemplo, uma relação de compra de insumos e venda da produção agrícola, obedecendo a
certos princípios de mútua fidelidade. São “integrados” os produtores, também associados
à cooperativa, porém compromissados por meio de contratos de parceria para a produção
de determinada matéria prima industrial, observando-se que tal forma de “prender” o
associado a cláusulas contratuais fere o princípio de liberdade do cooperativismo. No
Paraná, o exemplo mais comum de integração produtor-cooperativa se dá no setor avícola
voltado à produção de aves para abate.
É diante do novo quadro, consequente de seu processo evolutivo, que as
cooperativas paranaenes assumem seu papel contraditório perante as normas do sistema
cooperativista, passando a conviver, ora com a ideologia de sua formação, ora com a
prática de sua sustentação econômica. E é no contexto desse quadro contraditório que os
associados, num dado momento podem ser classificados como "donos" do
empreendimento, mas que, logo em seguida, perdem força para um "talvez" carregado
de dúvidas e de indefinições.
A inserção das cooperativas na fase da industrialização vai garantir como
consequência direta, sua inserção no Complexo Agroindustrial, graças aos setores
ligados à indústria de transformação de matérias primas agrícolas, ou agroindústrias,
que instalam a jusante do CAI. Os novos setores viabilizam o crescimento econômico
da cooperativa, sua consolidação como empresa capitalista de grande porte, mas,
contraditoriamente, esse crescimento ocorre, pelo menos em parte, à margem ou
independente do corpo associativo. Isso não significa que os associados ficaram parados
no tempo e no espaço, apenas assistindo a evolução da cooperativa da qual fazem parte,
mas significa que não ocorreu uma relação direta entre o crescimento de um e a efetiva
participação do outro.
Em toda a sua história, segundo Serra (2008, p. 12) em nenhum momento as
cooperativas paranaenes distribuíram prejuízos ou captaram recursos diretamente entre
os associados para custear, por exemplo, algum investimento. Existiram diversas
situações em que elas deixaram de repassar dividendos, na forma de rateios, mas
Considerações finais
medida que as tornam atreladas aos interesses do Estado, enquanto quea canalização de
recursos, o preço que as cooperativas pagam pela perda de sua autonomia, contribuem
para sua transformação em grandes empresas agroindustriais. Difícil para as
cooperativas chorar pela perda da independência ou sorrir diante da ajuda oficial, de que
são beneficiadas na forma de empréstimos a juros favorecidos.
De uma forma ou de outra, como foi o caso das cooperativas paranaenses, elas
cresceram, se transformaram em grandes empresas, sem necessitarem expropriar os
associados. E da mesma forma que elas, os agricultores associados também cresceram,
equipararam suas unidades de produção e até ampliaram seus limites territoriais. A
palavra sucesso se aplica, portanto, aos dois lados.
O que deve ser considerado, em linhas gerais, é que as cooperativas passaram a
depender do Estado para acelerar seu crescimento econômico e o Estado está na
dependência das cooperativas para fazer funcionar sua política agrícola. Este,no entanto, é
apenas um lado da mútua dependência. O outro: como grandes empresas agroindustriais, as
cooperativas passaram a necessitar de suprimentos de matérias primas agrícolas em
volumes muito além da capacidade de produção dos agricultores associados. Para evitar
períodos de ociosidades de suas indústrias, a solução encontrada foi atuar com agricultores
não associados, os chamados terceiros, como fornecedores de matérias primas. A partir
dessa nova relação, as cooperativas se transformam em empresas híbridas: agem como
sociedade de pessoas nas relações com os associados e como empresas comuns nas relações
com os não associados; operam com “sobras” nas relações econômicas com o quadro
associativo e apuram “lucros”nas relações com os demais produtores.
O agigantamento como empresas, por si só, produz como consequência o
distanciamento da cooperativa nas relações com os associados e também com os
princípios ideológicos do sistema.Nas relações com os associados, a própria Assembleia
Geral, estatutariamente instituída como órgão máximo das cooperativas, perde força na
medida em que as decisões são tomadas não em relação a todos os assuntos, mas apenas
em relação àqueles que constituem produto direto das relações econômicas com o
quadro associativo. O lucro apurado nas relações com terceiros, os não associados,
passa longe da Assembleia e também da conta capital movimentada pelos associados
porque não dependeu deles, não foi apuradoem função das mercadorias por eles
entregues. Como podem ser investidos na própria cooperativa, cria-se a inevitável
Referências
Recebido em 06/07/2012
Aceito para publicação em 01/03/2013.