Os Paradigmas No Mundo Do Trabalho Na Era Da Globalização: Josecleto Costa de Almeida Pereira

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OS PARADIGMAS NO MUNDO DO

TRABALHO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

Josecleto Costa de Almeida Pereira *

Sumário: Introdução. 1. Paradoxos da Globalização. 2. As Novas Tecnologias. 3. O


Mundo do Trabalho. Conclusão. Referências.

Resumo: O presente artigo objetiva apresen- Abstract: The present article aims to present,
tar, de maneira pontual, as transformações da in a punctual manner, the changes in the
economia global e seus reflexos no mundo do global economy and its reflexes in the sphere
trabalho, bem como focalizar as novas of labor, as well as to focus new technologies
tecnologias como um processo de transforma- as a process of political, social and cultural
ção política, social e cultural do nosso tempo. change of our times.
Palavras-chave: Globalização — Novas Keywords: Globalization — New
Tecnologias — Neoliberalismo — Technologies — Neoliberalism —
Precarização do Trabalho — Sindicalismo. Precariousness of Labor — Trade-unionism.

Introdução

C onstata-se nesse início de terceiro milênio um período de profundas


transformações nos planos econômico, político, social e cultural, com
reflexos no mundo do trabalho.
Vê-se que no mundo globalizado os fluxos de informações têm afetado
todos os países, empresas, indivíduos, movimentos sociais e sindicais, em
face da aceleração das transações econômicas e financeiras que ultrapassam
as fronteiras nacionais.
Assim, está-se presenciando o fortalecimento do capital financeiro
internacional, com suas implicações em todos os aspectos da vida con-
temporânea.

* Mestre em Direito. Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade Federal de


Santa Catarina.

Revista Seqüência, n.º 46, p. 51-75, jul. de 2003


O fato é que as redes de comunicação recobrem todo o globo com
uma rapidez fantástica, tornando instáveis as economias nacionais
dependentes dos fluxos de capital.
A economia tende a se consolidar como uma economia digital, e uma
das conseqüências desse novo paradigma econômico e produtivo baseado
na informação são os excluídos da realidade digital.
A pós-modernidade, aqui compreendida como uma postura
descomprometida em face das transformações profundas ocorridas na
ordem socioeconômica, tem levado o homem a uma competição predatória,
fruto da eliminação do humanismo e da solidariedade.
Mergulha-se num labirinto de incertezas, apesar do avanço das
novas tecnologias e da sociedade da informação. Por conseguinte,
verifica-se que a mobilidade do capital internacional tem produzido uma
precarização devastadora dos direitos sociais básicos da cidadania e dos
direitos dos trabalhadores.
Tem-se observado que o velho liberalismo despido de ética vê as
pessoas como mercadorias, e essa lógica tem dominado os países
detentores do poder político e econômico do planeta em detrimento da
grande maioria das nações, provocando muito desemprego e o aumento
das desigualdades sociais.

1. Paradoxos da globalização
O mundo contemporâneo vive uma profunda revolução das novas
tecnologias de informação, e o que se destaca nesse processo é o uso do
computador como instrumento fundamental da comunicação, da
economia e dos poderes.
Com a globalização se potencializa a crescente comunicação e
conexão entre as estruturas econômicas e políticas de diversos países do
mundo. Esse processo traz impactos devastadores aos países chamados
periféricos e em vias de desenvolvimento, ou seja, a globalização
manifesta-se de forma assimétrica e, com isso, deixa mais vulneráveis
todas as nações que não assimilam as novas tecnologias que as empresa
multinacionais possuem.

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Além disso, a globalização não pode ser vista apenas como um
fenômeno econômico, mas como um processo complexo que tem afetado
profundamente o mercado de trabalho de forma desigual em todas as
nações do planeta.
Nesse contexto, as sociedades modernas caminham para um mundo
de incertezas, apesar da chamada terceira revolução tecnológica das
últimas décadas, com uma globalização que aumentou a discrepância
social no acesso às informações, ou seja, são os incluídos (prestadores de
serviços altamente especializados — os conectados) e os excluídos (os
trabalhadores precários, subcontratados e os desempregados — os
desconectados) desse processo de globalização. Como diz Liszt Vieira:

A tendência anárquica atual da globalização econômica não pode ser considerada,


como querem muitos, uma fatalidade histórica. Ela não é historicamente inevitável.
Contra ela, opõe-se a ação política das forças democráticas. Um bom exemplo,
entre outros, é o Fórum Internacional sobre Globalização, uma aliança que, ao ser
criada em janeiro de 1995, representava 40 organizações em 19 países. Sua
Declaração de Princípios postula que a criação de uma ordem econômica
internacional mais justa — baseada na democracia, na diversidade cultural e
na sustentabilidade ecológica — exige novos acordos internacionais que
coloquem as necessidades dos povos, das economias locais e do meio ambiente
acima dos interesses das corporações multinacionais. E conclui afirmando que
é possível, necessário e, a longo prazo, muito mais viável buscar tais caminhos
do que um sistema econômico globalizado condenado ao fracasso.1

Assim sendo, torna-se fundamental compreender a globalização


dentro de uma sociedade informatizada, na qual o capital financeiro inter-
nacional aufere fabulosos lucros na movimentação de capitais em detri-
mento do capital produtivo, com suas conseqüências, na política, no social
e no mundo do trabalho.
Desse modo, vê-se que na maioria dos países em desenvolvimento
está ocorrendo transformações sociais graves, como por exemplo o desem-
prego, a informalidade, a precariedade do trabalho e a fragmentação dos
movimentos sociais e sindicais.

1 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997. p.136.

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Constata-se nesse período histórico da humanidade uma grande crise
estrutural. Por isso, a globalização que se presencia tem como pilares básicos
as tiranias do capital e da informação. Daí a grande dupla que eles formam,
através do sistema financeiro internacional e das técnicas da informação,
para consolidar a visão de um mundo global.
A isso se acrescente o sistema ideológico que justifica esse processo
de globalização como o único caminho histórico para se compreender a
realidade, por imposição de uma lógica que prima pela visão de um mundo
unificado, em que a resposta de todos os países com relação a essa
globalização fosse a mesma para todos. Como Milton Santos diz:

Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual,


encontram-se a forma como a informação é oferecida à humanidade e a
emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social.
São duas violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as
ações hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas
e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos — isto é, dos
globalitarismos — a que estamos assistindo.2

O fato é que se está presenciando um estágio da globalização em


que as técnicas da informação são apropriadas pelas grandes empresas
transnacionais, as quais, dentro de suas estratégias, manipulam as
informações que são transmitidas para a grande maioria da
humanidade e com isso criam um fosso enorme de desigualdades entre
os países ricos e os periféricos.
Portanto, essas técnicas da informação constituem hoje um dado
essencial e imprescindível para a vida em sociedade, pois deveriam ser um
meio para se ampliar os conhecimentos do planeta e ampliar de forma
critica a visão do mundo atual, mas os discursos que predominam nas
mídias nacionais estão impregnados ideologicamente da lógica neoliberal
globalizante, excluindo qualquer outra leitura econômica, social, política
e cultural do nosso tempo.

2 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p.38.

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Nesse contexto, é importante frisar que a globalização, por ser um
conjunto de processos, se expande com a internacionalização do capital
financeiro, acompanhada da política neoliberal e, aproveitando-se das
novas tecnologias, passou a redefinir a ordem mundial, com reflexos no
mundo do trabalho.
Por conseguinte, os defensores da política neoliberal sustentam a tese
do Estado mínimo e da flexibilização dos direitos fundamentais dos
trabalhadores como solução dos problemas sociais. Além disso, apontam
as novas tecnologias como responsáveis pelo desemprego e pela
precariedade do trabalho.
Essa perversa lógica busca alterar radicalmente as regras do Estado
de Direito e as políticas sociais. E, no âmbito do Direito, as garantias e os
direitos fundamentais individuais e coletivos tornam-se vulneráveis como,
também, a proteção ao exercício da cidadania.
Assim, mostra-se complexa a confrontação entre capital e
trabalho, isto porque nessas últimas décadas o capitalismo tem esti-
mulado o individualismo e a competição predatória em detrimento
das ações coletivas, além de instaurar uma anarquia que favorece o
darwinismo social e econômico.
É indiscutível que no mundo globalizado a competitividade se
exacerba, tendo como lema não a concorrência, mas a guerra. Essa guerra
utiliza-se de todas as formas para dirimir os conflitos, frutos dessa lógica
sem ética. A conseqüência mais visível dessa realidade é o egocentrismo,
ou seja, os individualismos na vida econômica, política e social, que
terminam por transformar as pessoas em coisas.
Os individualismos, conduzidos pela movimentação incessante da
globalização dos interesses, da competitividade, do consumo sem limites,
dos comportamentos ditados pela mídia alucinada e pela automação
proposta pelo sistema vigente na sociedade, empurram o indivíduo para
onde e com quem não mantém qualquer traço de afinidade, transformando-
o mesmo num estrangeiro em seu próprio país.
Face a essa realidade, irrompem na sociedade a violência, o desres-
peito ao cidadão, a perda do seu espaço, a insegurança ameaçadora, a
ansiedade, o medo, a desconfiança...

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Ante a impossibilidade de encontrar-se consigo mesmo nesse processo
global, o indivíduo desidentifica-se como cidadão, e daí resultam diversos
fragmentos da vida social, sendo o mais grave a ampliação do desemprego.
Como assevera Milton Santos:

O consumo é o grande emoliente, produtor ou encorajador de imobilismos. Ele é,


também, um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos estéticos, morais,
sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança
e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é o mundo passa pelo
consumo e pela competitividade, ambos fundados no mesmo sistema da ideologia.
Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da
pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a
esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão.3

Portanto, é necessário nessa atual fase da globalização compreender a


grande mudança qualitativa e quantitativa que se operou com o uso das técnicas
de informação, principalmente seus efeitos na esfera do mundo do trabalho.
Assim, torna-se um grande desafio hodiernamente desmitificar a
competitividade e a lógica de mercado como a única saída para o mundo
globalizado, pois não é possível que a técnica e a ciência continuem sendo
utilizadas por essa lógica perversa, e que a globalização se realize em detri-
mento da humanidade. Como diz Gilberto Dupas:

Nos palcos eletrônicos da sociedade global, as figuras do ganhador e do


ostentador personificam os novos mitos fugazes e frágeis. Nunca a tirania das
imagens e a submissão ao império das mídias foram tão fortes. A produção
econômica moderna espalha sua ditadura; o consumo alienado torna-se para
as massas um dever suplementar, um verdadeiro instrumento de busca da
felicidade, um fim em si mesmo.
A dominação do econômico sobre o social operou sucessivas degradações, primeiro
do “ser” para o “ter”, em seguida do “ter” para o “parecer-ter”. Às atuais massas
excluídas resta apenas o “identificar-se-com-quem-parece-ser-ou-ter” através do
espetáculo à distância, um virtual feito real pelas mídias globais.4

3 SANTOS, Milton, op. cit., p. 49.


4 DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação. De como a autonomia das novas
tecnologias obriga a rever o mito do progresso. São Paulo: UNESP, 2000. p. 111.

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2. As novas tecnologias
Todo processo de transformação política, social e tecnológica sempre
provocaram muitas tragédias no campo do conhecimento, principalmente
com relação aos saberes individuais e coletivos.
A globalização elegeu as novas tecnologias como elemento fundamental
para alimentar a lógica de mercado como uma verdade inquestionável, e
além disso, estabeleceu um discurso hegemônico sobre o mundo com
implicações na economia e na política internacional contemporânea.
As mudanças e revoluções tecnológicas criaram muitos impactos e
alterações nas sociedades, no século XVIII, na Inglaterra, que foi o núcleo
central da chamada Primeira Revolução Industrial, fundamentalmente
baseada no vapor (desvalorizou o trabalho muscular). Já o centro dinâmico
da Segunda Revolução Tecnológica (desvalorizou o trabalho mental de
rotina) residiu nos Estados Unidos e na Alemanha, nos últimos anos do
século XIX, e essa revolução tecnológica, que tinha na eletricidade seu ponto
central, redesenhou o mapa do mundo.
Atualmente consolida-se a Terceira Revolução Tecnológica, a qual
tem recebido várias denominações, porém, nesse texto utilizaremos a mais
conhecida, que é a Revolução das Novas Tecnologias de Informação.
O marco dessa revolução é o uso do computador como instrumento
vital da comunicação, da economia e dos poderes.
As redes de comunicação informacionais cobrem todo o planeta, e o
capital financeiro circula no mundo conectado a essas redes, tornando
instáveis as economias nacionais dependentes (países periféricos) dos fluxos
de capital. Por exemplo, o Brasil, nesses últimos tempos, vem sofrendo
ataques especulativos (fuga de capitais), com graves conseqüências, não
só para o Brasil, mas para todos os países em desenvolvimento.
O fato é que essa globalização da economia tende a transfigurar-se
na economia da informação, e as conseqüências desse novo paradigma
econômico e produtivo é o desemprego.
Assim, nesse processo de mudanças econômicas, sociais e políticas
em curso vê-se a apropriação dessas tecnologias pelos países ricos em
prejuízo dos pobres. Como afirma Milton Santos:

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A globalização marca um momento de ruptura nesse processo de evolução
social e moral que se vinha fazendo nos séculos precedentes. É irônico
recordar que o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores,
como uma condição para realizar essa sonhada globalização com a mais
completa humanização da vida no planeta. Finalmente, quando esse
progresso técnico alcança um nível superior, a globalização se realiza,
mas não a serviço da humanidade.
A globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição
primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva,
reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada.5

No mundo hodierno as novas tecnologias têm sido utilizadas para


reforçar a lógica do capitalismo global, o qual tem se caracterizado pela
ampliação dos mercados e pela acumulação do capital. Além disso, vêm
provocando mudança no paradigma do trabalho, como, por exemplo, o
desemprego e a exclusão social. Diz Gilberto Dupas que:

O técnico atual aspira tornar-se um deus cibernético. No início da filosofia,


supôs-se que a lógica poderia prover essa técnica suprema, cobrir as questões
fundamentais, afastar o equívoco e alcançar o consolo do pensamento
unívoco. O filósofo da era da informação apóia-se no caráter tecnológico da
sociedade moderna e se torna um operador imbuído do propósito de reduzir
as ambigüidades do mundo cotidiano. No entanto, como cabe ao filósofo
entender o ser racionalmente, a técnica atual se apresenta capaz de
caracterizar a própria racionalidade. Racionalizar significaria submeter o
processo à técnica e, desse modo, livrá-lo de seus excessos (irracionalidade);
o que é muito do que o filósofo reivindica fazer: dar um sentido racional ao
ser. Pode-se dizer coisa parecida a respeito dos fins. A técnica nos possibilita
o “saber como” e não o “saber por que”. Ela nos ensina como fazer certas
coisas, mas não o por que se deva fazê-las.6

O fato é que essa grande revolução tecnológica de nossos dias tem


permitido aumentar o armazenamento, o processamento e a análise de
informações, bem como realizar bilhões de relações entre milhares de dados.
Daí a consolidação do computador como o ícone da chamada revolução
informacional de nosso tempo.

5 SANTOS, Milton, op. cit., p. 64-65.


6 DUPAS, op. cit., p. 81-82.

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A tecnologia da informação criou um novo paradigma na hegemonia
econômica mundial e no mundo do trabalho; além disso, ampliou significati-
vamente as desigualdades entre os países ricos e os pobres, como também
aprofundou o distanciamento cognitivo entre aqueles que dominam a
tecnologia da informação e os que são excluídos digital e socialmente.
Em outras palavras, para a grande maioria da população dos países
pobres e periféricos o acesso ao ciberespaço e aos bilhões de sítios espalhados
é bastante difícil devido ao custo. Com isso, os excluídos não conseguem
se conectar com os incluídos, os quais têm na navegação pela Internet o
estímulo à criatividade e à descoberta de um oceano de informações que
possibilitará a ampliação dos conhecimentos sobre o planeta.
Assim, a exclusão digital torna-se a maior problemática desse processo
revolucionário da comunicação em rede, pois essa exclusão é um impeditivo
para se reduzir a exclusão social, uma vez que as principais atividades
econômicas, governamentais e culturais estão sendo praticadas e divulgadas
por meio da comunicação informacional, ou seja, é necessário assegurar o
acesso aos excluídos socialmente como estratégia de fundamental
importância para a inclusão social.
Como diz Milton Santos:

Esta exclusão atual, com a produção de dívidas sociais, obedece a um processo


racional, uma racionalidade sem razão, mas que comanda as ações hegemônicas
e arrasta as demais ações. Os excluídos são o fruto dessa racionalidade. Por aí
se vê que a questão capital é o entendimento do nosso tempo, sem o qual será
impossível construir o discurso da liberação. Este, desde que seja simples e
veraz, poderá ser a base intelectual da política.7

As novas tecnologias sempre estiveram acompanhadas de aumentos


na produtividade e reduções salariais em todos os países desenvolvidos.
Porém, na atual fase das inovadoras tecnologias de informação, evidencia-
se na mobilidade do capital uma motivação exploradora de mão-de-obra
barata com o aproveitamento dos menores custos de transporte e comu-
nicações em países de baixos salários.

7 SANTOS, Milton, op. cit., p. 74.

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Como diz João Bernardo:

A globalização do capital alcançou um estágio superior e converteu-se em


transnacionalização. Mais do que a junção de fronteiras, trata-se da passagem
por cima das fronteiras. Por isso a terminologia de “companhias multinaci-
onais”, comumente usada, deve ser substituída pela de “companhias transnacio-
nais”, que nos indica a especificidade deste tipo de empresas. Elas não juntam
nações — passam por cima delas.
Para compreendermos as principais implicações deste processo temos de
proceder a uma mudança radical de perspectiva. Nós estamos habituados a
considerar a economia mundial como um sistema de relações entre países, e é
assim que a imprensa apresenta geralmente a questão. Todavia, se adotarmos o
ponto de vista das sociedades transnacionais, verificamos que grande parte do
comércio que as estatísticas oficiais contabilizam como externo é, na realidade,
um comércio interno, constituído por transações entre matrizes e filiais. Esta
alteração de perspectivas não ocorre apenas no plano econômico, mas no
político também, porque as fronteiras entre países marcam a amplitude da esfera
de ação de cada governo, e portanto a amplitude do Estado Restrito, enquanto
a divisão entre as companhias transnacionais decorre diretamente do sistema
de poder das empresas e, por isso, tem lugar no Estado amplo.8

Os discursos atualmente são convergentes sobre a importância da


extensão da cidadania a partir das novas tecnologias da informação. Daí
o significado de se definir qual o papel do Estado, da sociedade civil e do
mercado, diante dessa globalização excludente.
Além disso, as redes no mundo de hoje têm uma importância estraté-
gica em termos do processo de circulação de conhecimentos científicos
que são aproveitados para usos industriais, como também, são um meio
de conexão entre produção, mercado e capital especulativo.
De outro lado, o uso das novas tecnologias tem se generalizado no âmbito
civil, e esse incremento, ao invés de ampliar o bem estar do cidadão e contribuir
para o progresso civilizatório do nosso tempo, pelo contrário, tem precarizado
o mundo do trabalho e fragmentado os vários segmentos da sociedade civil.
Por conseguinte, surge a euforia informática e a exploração crescente
na economia mundial do uso industrial dos computadores, o ressurgimento

8 BERNARDO, João. Transnacionalização do Capital e Fragmentação dos trabalhadores. Ainda


há lugar para os sindicatos? São Paulo: Boitempo, 2000. p. 39.

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do sub-trabalho e a flexibilização trabalhista que consiste na extração de
mais-valia como instrumentos de sustentação das políticas neoliberais.
Assiste-se à idolatria do mercado, à demonização do Estado, à
exaltação do capital especulativo e ao endeusamento de um individualismo
egocêntrico. Por conseqüência, vê-se transformar o “darwinismo social de
mercado” em algo desejável do ponto de vista econômico, e o neoliberalismo
surge como o projeto hegemônico de nosso tempo.

3. O mundo do trabalho
O mundo do trabalho vem sofrendo uma metamorfose profunda
nessas últimas décadas, principalmente nos países capitalistas avançados,
em virtude das inovações das tecnologias, com repercussões significativas
nos países periféricos.
Como conseqüência desse processo de transformações tecnológicas,
verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial e fabril, ou seja,
uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Além disso,
efetivaram-se diversas formas de fragmentação do trabalho, como por
exemplo a terceirização, a subcontratação, a precariedade do trabalho,
todos vinculados à economia informal, ao setor de serviços, etc.
Emergem nessa sociedade da informação novos paradigmas no
mundo do trabalho, onde o cronômetro e a produção em série são substituí-
dos pela flexibilização da produção como corolário da lógica do mercado.
O desdobramento desse novo padrão de gestão da força de trabalho
encontra no neoliberalismo a “força” necessária para também flexibilizar
os direitos sociais e trabalhistas.
O fato é que o avanço tecnológico modificou substancialmente as
organizações do universo fabril, essas transformações propiciaram uma nova
divisão internacional do trabalho e, como referência-chave desse processo,
temos a experiência japonesa do “toyotismo”. Como diz Ruy Braga:

As soluções encontradas pela Toyota, portanto, são um produto direto da


intransigência do capital, primeiro em não ceder à ofensiva sindical contra a
reestruturação e, após demitir em massa os operários grevistas, em não voltar a

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contratá-los, mesmo diante do incremento da demanda engendrada pela Guerra
da Coréia. Para os diretores da Toyota, tratava-se de suprir a oferta de produtos
sem recorrer à admissão de novos operários. A automação, a reestruturação
imposta pelo capital financeiro (com importante redução de pessoal e a adaptação
da produção às vendas), o método kan-ban (técnica de gestão de estoques
inspirada no exemplo dos supermercados norte-americanos), constituíram-se
em soluções capitalistas às condições concretas da luta de classes.9

Assim, podemos traduzir o toyotismo como um modo eficaz de


racionalização do trabalho dentro da lógica de mercado, com suas
conseqüências para o trabalhador, pois um dos métodos utilizados para
complementar o kan-ban foi o just-in-time, que se traduz no princípio da
desespecialização do trabalho operário.
Portanto, foi a experiência japonesa que possibilitou criar um conjunto
de “princípios” adequados para a crise do capitalismo contemporâneo,
sob a regência de políticas neoliberais num cenário de competitividade
global. Daí ser o toyotismo o paradigma objetivo da lei de acumulação do
capital do nosso tempo.
Por outro lado, vê-se o sindicalismo, em nível internacional,
desarticulado, e essa realidade criou o fenômeno da dessindicalização.
Porém, existem diversos fatores que contribuíram para esse quadro;
podemos citar, por exemplo, a desregulamentação do mercado de trabalho,
a crescente precarização do emprego, a terceirização, o trabalho informal
e a redução do papel político dos sindicatos.
O fato é que as novas tecnologias da informação têm provocado uma
nova leitura sobre a sociedade do trabalho, ou seja, o sistema capitalista
de produção vem passando por uma profunda transformação nessas
últimas décadas, com enormes impactos no processo produtivo (processo
produtivo flexível), no trabalho e nas estratégias de gestão empresarial.
Por conseguinte, consolida-se um novo paradigma para os traba-
lhadores, que é sua integração à produção flexível: polivalente, altamente
qualificado, com um grau mais alto de responsabilidade e de autonomia,

9 BRAGA, Ruy. A restauração do capital: um estudo da crise contemporânea. São Paulo: Xamã,
1996. p. 245-246.

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recompensado em seu trabalho porque é estimulado pela própria reestru-
turação produtiva para desenvolver sua imaginação criativa.
Porém, esse trabalhador é compelido à reciclagem permanente, já que
o seu trabalho exige elevada flexibilidade intelectual ao enfrentar as novas
tecnologias. Além disso, esse artesão eletrônico tem a impressão de ter maior
liberdade para agir, pois fica conectado a uma rede imensa de pequenas e
microempresas espalhadas por todos os lugares, e com a tarefa de fornecer
as informações necessárias para serem transformadas em mercadorias.
É nesse contexto que o trabalhador começa a sentir-se proprietário,
um verdadeiro comerciante, de trabalho. E, num mundo onde todos são
produtores de mercadorias, os sindicatos, organizações de luta dos
trabalhadores, parecem supérfluos.
Portanto, é problemático que o trabalho possa sustentar a cidadania
no atual estágio da globalização. Mas é uma exigência inadiável que a
cidadania redescubra as potencialidades democráticas do trabalho. Para
isso, é imperativo que o trabalho deva ser democraticamente compar-
tilhado, ou seja, é necessário um novo contrato social, onde o trabalho
humano possa interagir com a revolução tecnológica em que nos encon-
tramos para conseguir criar riqueza, emprego e qualidade de vida. Afirma
Boaventura Santos que:

O contrato social é a grande narrativa em que se funda a obrigação política


moderna, uma obrigação complexa e contraditória porque foi estabelecida entre
homens livres e, pelo menos em Rousseau, para maximizar e não para minimizar
essa liberdade. O contrato social é assim a expressão de uma tensão dialéctica
entre regulação social e emancipação social que se reproduz pela polarização
constante entre vontade individual e vontade geral, entre o interesse particular
e o bem comum. O Estado nacional, o direito e a educação cívica são os garantes
do desenrolar pacífico e democrático dessa polarização num campo social que
se designou por sociedade civil.10

Nosso tempo está marcado por um estigma perverso que é o da


inclusão/exclusão. Essa realidade é fruto das novas tecnologias que vêm
ampliando o distanciamento entre os info-ricos e os info-pobres. As

10 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a Democracia. Lisboa: Gradiva, 1998. p. 5.

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oportunidades para os incluídos na sociedade da informação são indiscu-
tivelmente bem maiores do que para aqueles que vivem no apartheid social
e digital. Assim sendo, o contratualismo de hoje deve ter como base a lógica
da legitimação, a qual deve ser assentada na interação econômica, política,
social e cultural das sociedades contemporâneas.
É oportuno não perder de vista que a globalização hodierna é um
processo que vem consolidando a hegemonia econômica dos Estados
Unidos no resto do mundo.
Esse fenômeno tem no velho liberalismo uma “nova” roupagem e
características ditas “modernas” para implementar sua filosofia, a qual
tem como base principal a minimização do Estado, ou seja, a eliminação
da intervenção do Estado na economia e nos conflitos sociais, com o que se
restaurou o contratualismo do século XIX.
Uma das características desse contratualismo é a prevalência da
negociação entre patrões e empregados (laisser-faire), a irrestrita liberdade
do comércio internacional e a abertura dos mercados, ou seja, é um sistema
de natureza eminentemente mercantilista o qual vê as pessoas como
mercadorias ou no máximo como consumidoras.
Além disso, consolida-se a lógica da redução dos direitos sociais,
da flexibilização e da desregulamentação dos direitos trabalhistas como
necessários para a inserção dos países periféricos nas decisões interna-
cionais, ou seja, a economia globalizada cria pessoas dispensáveis no
processo produtivo e impõe, através de organismos internacionais (FMI,
Banco Mundial), as regras para as economias nacionais, com a
conseqüente desnacionalização dos parques industrias e a destruição
da soberania nacional.
O fato é que a idéia de que o mercado resolve todos os problemas das
sociedades modernas é uma grande falácia, pois a lógica de mercado vigente
tem criado muito mais conflitos e rivalidades do que soluções para os
problemas sociais. E o pior é que cada vez mais aumentam as desigualdades
e as distâncias socioeconômicas entre as nações ricas e as pobres.
Portanto, não é admissível que as inovações tecnológicas sejam
utilizadas para provocar desemprego e multiplicar a pobreza, pois elas
deveriam servir para reduzir a jornada de trabalho, propiciar melhoria

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na qualidade de vida e proporcionar bem-estar para os trabalhadores e
todos os cidadãos.
No reino da globalização financeira predomina o cenário de investi-
mentos produtivos contidos.
Em função disso, assiste-se nessas últimas décadas a uma modificação
substancial na divisão internacional do trabalho. Embora o comando da
nova divisão internacional do trabalho pertença à dimensão financeira,
há de se considerar a influência a partir do centro do capitalismo mundial
no processo da reestruturação empresarial, acompanhado da nova
Revolução Tecnológica.
Com o aprofundamento da concorrência intercapitalista tem havido
uma maior concentração do capital, seja nos setores produtivos, seja no
setor bancário e financeiro, o que concede maior importância ao papel das
grandes corporações transnacionais.
Além disso, os países periféricos (Brasil e América Latina) acabaram
transformando-se num grande celeiro de concorrência das grandes
corporações transnacionais, as quais, com o auxilio do FMI e do BIRD,
terminam por provocar o rebaixamento do custo do trabalho e a desre-
gulamentação dos mercados de trabalho com a conseqüente piora na
distribuição de renda.
Portanto, a classe trabalhadora no mundo contemporâneo precisa
criar novas estratégias para pensar as formas de ação com relação à
transnacionalização do capital e seu sistema produtivo em escala global,
pois os desafios no mundo do trabalho passam pela nova divisão inter-
nacional do trabalho imposta pelo capital internacional.
Como afirma Gilmar Mauro:

As novas tecnologias existem, e não se pode negá-las. Quando bem empregadas,


proporcionam um salto de qualidade na vida econômica de determinado país.
Mas o próprio uso de novas tecnologias deve ser discutido. Ou seja, mesmo
tendo ciência de sua importância e da necessidade de sua utilização como fator
de desenvolvimento econômico, é fundamental que elas sejam colocadas também
na perspectiva de agregados de ganhos sociais e, portanto, ser implementadas
de forma a consolidar políticas progressistas de melhoria de condições de vida
objetivas dos trabalhadores.

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É até discutível a extensão do papel das novas tecnologias no avanço industrial
imediato. Para alguns estudiosos, a preocupação com as máquinas levou à
subestimação do papel de outros fatores na promoção do crescimento industrial,
como a qualidade dos trabalhadores, o estoque de diferentes técnicas, a eficiência
da organização industrial, entre outros.11

E assim fica evidente nessa fase da globalização o caráter contra-


ditório da estrutura social do capitalismo expresso na luta de classes, bem
como a reprodução dos conflitos sociais que tem caracterizado a história
do mundo do trabalho.
Por isso, o atual processo de globalização tem fortalecido o imperialis-
mo americano em detrimento dos países periféricos, os quais aceitam as
imposições feitas pelos credores como o FMI e o Banco Mundial. Além
disso, podemos acrescentar um outro componente muito forte, ligado à
dominação ideológica, que são as novas tecnologias. Com a disseminação
da informação pelos países centrais, o controle dos mercados nacionais
torna-se mais fácil, criando uma homogenização dos padrões estéticos e
de costumes das populações dominadas.
Como diz Jorge Mattoso:

Frente à crescente desestruturação sofrida pelo mundo do trabalho e aos


problemas econômicos e sociais despertados pelo inicio da Terceira Revolução
Industrial ainda realizada sob a modernização conservadora e cuja magnitude
e desdobramento são ainda difíceis de discernir em sua totalidade, os
trabalhadores e suas organizações sindicais e políticas se encontram na
defensiva, sem oferecer alternativas capazes de articular as distintas forças que
se opõem a este novo moinho satânico.
A ofensiva do capital reestruturado que chama a si a tarefa de dirigir a sociedade
capitalista sob as regras exclusivas da concorrência e do mercado auto-regulável
em escala internacional, tem dificultado ainda mais a gestação de uma
alternativa que aponte para uma nova sociedade capaz de gerar a emancipação
crítica do trabalho social e uma nova hegemonia.
Sem esta nova hegemonia, que extrapole os trabalhadores e seus tradicio-
nais aliados, que incorpore novos agentes e novos temas sociais, e que

11 MAURO, Gilmar. Capitalismo e luta política no Brasil: na virada do milênio. São Paulo: Xamã,
2001. p. 91.

66
contemple outras contradições que se apresentam crescentemente situadas
além do local de trabalho e do processo de valorização, os trabalhadores
dificilmente conseguirão protagonizar projetos nacionais e internacionais
de transformação.12

Daí a importância de se rediscutir a questão nacional em seus


vários aspectos como um meio de interagir internacionalmente com
um projeto alternativo a esse modelo globalizante, ou seja, torna-se
fundamental para a sobrevivência das sociedades democráticas uma
discussão sobre a divisão nacional e internacional do trabalho, como
também sobre a questão do desenvolvimento econômico e social, pois
pensar uma sociedade democrática significa fazer uma autocrítica a
esse sistema vigente.
O fato é que o novo paradigma produtivo exige um esforço enor-
me, que supere os enfoques convencionais da economia do trabalho
com ênfase nos mecanismos econômicos e na situação dos assalariados.
Em outras palavras, o desafio é compreender a lógica do mercado
global e o processo de construção social no contexto da precarização
e da exclusão social.
Assim, constata-se uma transformação profunda na rigidez dos
contratos de compra e venda da força de trabalho que o movimento sindical
havia consolidado nas relações industriais, e esse processo tem significado
para os trabalhadores a precarização do trabalho e o desemprego.
Como Cattani diz:

O desemprego aparece como uma questão inquietante, mas solucionável com a


retomada do crescimento econômico e com a eliminação das regulamentações e
proteções criadas artificialmente pelos sindicatos.
Esse encadeamento axiomático não é apenas uma construção ideológica,
disputando legitimidade na confrontação de idéias. Ele traduz práticas
empresariais e políticas de Estado e é respaldado nas principais instituições de
coordenação do capitalismo internacional.

12 MATTOSO, Jorge. A desordem do trabalho. São Paulo: Scritta, 1995. p. 120.

67
O principal documento que analisa e define as estratégias para os países-membros
é um libelo a favor das desregulamentações e da flexibilização. As propostas são
objetivas: redução dos ganhos salariais, eliminação das restrições aos licencia-
mentos, precarização dos contratos de trabalho, etc. Os indivíduos têm a opção
de se “acomodarem à liberdade”. Os mais capazes e empreendedores sobreviverão;
os incapazes e inadaptados serão eliminados pela lei da seleção da espécie.
Enquanto os neoliberais usufruem de uma despreocupação unânime e
irresponsável, as diversas correntes do pensamento crítico estão divididas e
torturadas pelo fracasso do sistema socialista ou pela crise do Welfare State.13

Assim sendo, verifica-se que, com a precarização do trabalho e do


movimento sindical, os trabalhadores tornaram-se mais vulneráveis à
lógica de mercado, além de criar uma sensação de incapacidade de agir
individual e coletivamente.
O fato é que assiste-se a uma grande metamorfose no mundo do
trabalho com a conseqüente crise do sindicalismo mundial.
Portanto, a crise do sindicalismo sob a mundialização do capital pode
ser considerada um desdobramento histórico-ontológico dos próprios limites
do sindicalismo. Isto porque existe um vínculo estrutural entre o poder
sindical, considerado uma práxis sócio-histórica, e a própria lógica do
capital, ou seja, a acumulação capitalista tende a debilitar o mundo do
trabalho organizado em sua prática sócio-histórica.
O fato é que se está presenciando muitas dificuldades enfrentadas
pelo movimento sindical internacional, e uma das conseqüências dessa
realidade é a precarização do emprego e as exclusões social e política dos
trabalhadores. Além disso, há uma fragmentação das ações coletivas devido
à lógica de mercado que vem acentuando um individualismo egocêntrico.
Com razão assinala Cattani que:

A individualização proporcionada pelo progresso da civilização tem dois


sentidos. O sentido positivo significa autonomia do sujeito, possibilidade de
recusar ou de se liberar do paternalismo, do autoritarismo e das várias formas
de dependência. O sentido negativo, estimulado pelas novas condições de

13 CATTANI, Antonio David. Trabalho e autonomia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 6.

68
socialização, traduz-se em atomização, em recolhimento doméstico, em egoísmo,
isto é, em ausência de solidariedade.
Cada vez mais, são criadas condições que deixam os indivíduos isolados, que
fomentam o narcisismo e o utilitarismo mediocremente individualista. A
dispersão dos valores e das práticas amplia-se continuamente e pode fomentar
tendencialmente dois tipos de comportamentos: aquele marcado pela obsessão
afoita pela sobrevivência individual, e aquele marcado pelo comportamento
apático, resignado, que logo se traduz em subserviência.14

Constata-se que em todos os países ricos e pobres os trabalhadores


precarizados desengajaram-se do sindicato e das lutas coletivas, e essa
realidade está diretamente relacionada com os novos paradigmas que o
capitalismo vem impondo às economias nacionais.
Por essa razão, os sindicatos precisam repensar suas estratégias para
despertar nos trabalhadores a confiança nas suas ações coletivas, apresen-
tando novas proposições para superar o quadro atual. Daí a importância
de reafirmar os princípios que marcam o movimento sindical internacional,
principalmente os princípios que fortaleçam a cidadania e as iniciativas
inovadores de solidariedade para poder construir os novos sujeitos coletivos
que superem a fragmentação dos trabalhadores e a mediocridade reinante
nas sociedades de nosso tempo.
Como diz Giovanni Alves:

O que presenciamos com a crise do sindicalismo moderno é apenas a


transformação estrutural de seu caráter sociopolítico sob o peso das novas
provocações do capital, o mesmo pode ser dito para o Estado social, que sob a
mundialização do capital tende a assumir uma nova objetivação político-
institucional. Um problema político-ideológico crucial do sindicalismo sob a
mundialização do capital: o desenvolvimento do sindicalismo vai ocorrer
numa perspectiva de mera adaptação à nova ordem do capital, na qual o
sindicato deve tornar-se um apêndice do capital, um mero gestor da
participação dos trabalhadores na produção do capital, assumindo um cariz
neocorporativismo, estreito (e excludente), perdendo seus laços políticos com
a luta pela emancipação social e econômica do trabalho, ou ocorrerá numa
nova perspectiva classista, capaz de reconstruir novos locis organizativos de

14 CATTANI, op. cit., p. 124-125.

69
resistência do trabalho assalariado, em escala planetária, apoiando a
instauração do Estado social, com novos vínculos com movimentos sociais de
contestação à nova ordem capitalista?15

Portanto, a expansão da crise do sindicalismo moderno tem início


nos países capitalistas centrais na década de 80, e se alastra pelo resto do
mundo. Esta crise é a conseqüência direta da política neoliberal, a qual foi
implementada nos anos 80, e da precarização do mundo do trabalho que
a mundialização do capital gerou.
Além disso, nesse novo complexo mundo social do trabalho
consolida-se a reestruturação produtiva calcada, cada vez mais, na instau-
ração de uma nova hegemonia do capital em detrimento das estratégias
da classe trabalhadora.
Assiste-se à grande crise do sindicalismo mundial sob a lógica do capital
globalizado com a política neoliberal. Mas é dentro dessa crise que o
movimento sindical deve apreender lições para repensar suas estratégias
diante da sua crise interna no aspecto socioinstitucional (aqui no sentido da
dessindicalização dos trabalhadores) e na questão da representação de classe.
Portanto, verifica-se que o maior desafio do sindicalismo hodierno
é esboçar uma estratégia para superar a precarização do mundo do
trabalho com reflexos na vida sindical. Por exemplo, como enfrentar a
crescente individualização das relações de trabalho, a qual vem deslocan-
do o eixo das relações entre capital e trabalho, para uma relação cada
vez mais individualizada. Com esta tendência o sindicalismo tende a
implodir, pois esse processo atinge profundamente as conquistas históricas
do movimento sindical.
Assim sendo, torna-se fundamental neste momento entendermos a
configuração do novo paradigma tecnológico que a ofensiva do capital
reestruturado gerou no mundo do trabalho, que é a terrível insegurança,
com reflexos graves nos organismos sindicais. Com razão assinala

15 ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho. Reestruturação produtiva e crise do


sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000. p. 97-98.

70
Jorge Mattoso que:

A redução daqueles níveis de segurança do trabalho do pós-guerra sem a plena


configuração de uma relação salarial e padrão de consumo compatíveis com o
salto executado pelas revigoradas forças produtivas tem ampliado a
fragmentação e a desestruturação do trabalho e acentuado a paralisia política e
o defensismo estratégico do movimento sindical, reduzindo ainda mais a
solidariedade e coesão social. Tais fatores geram na atualidade uma verdadeira
desordem do trabalho e ampliam as dificuldades para reconstruir-se uma nova
hegemonia transformadora...
Esta expansão da insegurança do trabalho se daria em diferentes níveis:
insegurança no mercado de trabalho, insegurança no emprego, insegurança na
renda, insegurança na contratação e insegurança da representação do trabalho.16

Assim sendo, vê-se que o precário mundo do trabalho e a crise do


sindicalismo não devem representar o fim da história nem das organizações
sindicais, mas uma possibilidade de se criar uma nova perspectiva de luta
que transcenda os interesses imediatos dos trabalhadores, que junto aos
movimentos sociais possam construir novas práticas coletivas para superar
a mediocridade e a submissão à ordem capitalista vigente.

Conclusão
Nosso tempo está marcado por muitos desafios e incertezas. Porém,
após os inimagináveis vôos do conhecimento e da tecnologia da atualidade,
o homem e a mulher vivem nas águas turvas da globalização com muita
inquietação e insegurança.
O terceiro milênio tem como marca o homo tecnologicus, o qual se
impõe hodiernamente através da robotização e das programações da
Internet, porém esse processo conspira contra a humanização e a cons-
trução efetiva de uma sociedade socialmente justa.
Todos os acontecimentos nos dias atuais transcorrem com celeridade,
e a vida moderna lentamente transforma o ser humano em verdadeiro robô

16 MATTOSO, op. cit., p. 77.

71
que, automatizado pela mídia que o comanda, desnatura-se ao renunciar o
seu livre-arbítrio e a lucidez para pensar sobre a sua própria existência.
As questões nobres da existência têm sido substituídas pelas soluções
simples apresentadas pelas máquinas devoradoras, que facultam mais tempo
para os compromissos imaginários do que os reais, e tudo isso cria no
indivíduo o que Max Weber denominava de “desencantamento do mundo”.
O perfil humano nessa era da globalização pode ser desenhado como
aquele que aspira o seu triunfo na glória dos quinze minutos de fama. E,
assim conduzido pela movimentação incessante da globalização dos
interesses, das lutas, dos comportamentos ditados pela mídia alucinada e
pela automação proposta pelo sistema vigente na sociedade, o indivíduo
vê-se empurrado para o individualismo e o egoísmo exacerbados numa
competição predatória sem limite.
Por conseguinte, nos dias de hoje, consolida-se a lógica da globalização
financeira e especulativa com a conseqüente fragilização dos Estados
Nacionais, principalmente nos países periféricos e no Terceiro Mundo. Além
disso, vemos a destruição das várias expressões de contestação à hegemonia
ideológica e política do neoliberalismo, como por exemplo os movimentos
populares e as ações sindicais.
É nesse contexto sócio-histórico que ocorre um complexo processo de
reestruturação produtiva, com um impacto devastador no mundo do trabalho.
É por isso que uma das conseqüências dessa ofensiva do capital na produção
foi a fragmentação da classe trabalhadora e o enfraquecimento dos sindicatos.
Além disso, este processo veio acompanhado de um novo paradigma
de produção industrial, que é a revolucionaria implantação da tecnologia
de informação como eixo central para o processo produtivo e a mudança
na estruturação do mercado de trabalho.
Com essa reestruturação tecnológica de produção vemos consolida-
rem-se as velhas formas de exploração do trabalho, como o antigo sistema
de trabalho doméstico, artesanal e familiar.
Portanto, estamos diante de um (precário) paradigma do trabalho,
em que o trabalhador torna-se vendedor de trabalho objetivado, ou seja,
ele sente-se um verdadeiro comerciante de trabalho. E com isso o

72
trabalhador deixa de lutar pelos interesses coletivos da classe trabalhadora,
além de não considerar importante o papel dos sindicatos diante dos
embates ente o capital e trabalho.
Nesse cenário de aprofundamento da globalização e da hegemonia do
capital sobre o mundo do trabalho, vemos o trabalhador lutar de forma obsessiva
pela sua sobrevivência individual, porém marcado pelo comportamento apático
e resignado com relação às imposições do sistema vigente.
Esse comportamento é um reflexo dos diversos níveis de insegurança
que o trabalhador tem de enfrentar, como por exemplo a insegurança no
emprego e na renda.
Assim, diante desse processo de reestruturação do mundo do trabalho,
as entidades sindicais têm um grande desafio para enfrentar, que é o de
renovar suas estratégias e, ao mesmo tempo, implementar novas ações
coletivas visando a construção de uma nova legitimidade a partir da
solidariedade e da consolidação da cidadania.
É portanto necessário repensar os paradigmas que o capitalismo global
nos impõe e, o mais importante, criar um projeto alternativo que resgate
os valores essenciais da humanidade, tendo como ponto central a
construção das novas ações coletivas que possam confrontar a lógica do
capital e, ao mesmo tempo, fortalecer a cidadania e a Democracia.

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