MANGO, Cyril (2008) - Bizâncio.. o Império Da Nova Roma (OCR)

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BIZÂNCIO

O IMPÉRIO
DA NOVA ROMA
Título original:
By::an1i11m

0 1980 by Cyril Mango

Inicialmente publicado por Weidcnfeld & Nicholson, Londres

Tradução:
Da Introdução ao capítulo VII: Vãnia Rodrigues I CEQO
Restantes capítulos: Alexandra Morais I CEQO

Revisão da t.raduç3o: Luís Milheiro

Capa de FBA

Ilustração da capa:
Pormenor de mosaico bizantino. numa igreja da Turquia
O Corbis/VMI

Depósito Legal n.º 271861/08

Paginação. impressão e acabamento:


GRAFlCA DE COIMBRA
para
EDIÇÕES 70. LDA.
Fevereiro de 2008

ISBN: 978-972-44-1492-8

Direitos reservados para Portugal


por Edições 70

EDIÇÕES 70, Lda.


Rua Luciano Cordeiro, 123 - 1.0 E.sq.º - 1069-157 Lisboa I Portugal
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www.edicoes70.pt

Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida,
no todo ou cm parte, qualquer que seja o modo utilizado,
incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.
Qualquer transgressão à lei dos Direitos de Autor sera passível
de procedimento judicial.
CYRILMANGO
BIZÂNCIO
O IMPÉRIO
DA NOVA ROMA
Prefácio

Este volume dedicado ao Império Bizantino foi originalmente con-


fiado a Romilly Jenkins (falecido em 1969). Se tivesse vivido o suficiente
para o escrever, teria produzido um livro mais elegante e, estamos certos,
melhor do que aquele que oferecemos agora ao público.
Abstrair-nos-emos de mencionar os nomes de todos os amigos e cole-
gas, quer vivos quer já falecidos, que tanto contribuíram para aprofundar
a nossa compreensão da civilização bizantina. Tentámos pagar a nossa
dívida não lhes pedindo para ler o nosso texto dactilografado.
É talvez necessário oferecer ao leitor uma breve explicação no que diz
respeito à transliteração das palavras e dos nomes gregos. Existem pelo
menos três sistemas possíveis, nomeadamente, a latinização (e para k, -us
para -os, oe para oi, etc.); aquele que se pode chamar sistema padrão do
grego; e, o mais problemático de todos, a fonética do grego moderno
(favorecida, entre outros, pelo falecido Arnold Toynbee). Em geral,
seguiu-se o primeiro sistema, no caso dos nomes próprios, pela simples
razão de que é o mais usado nos países de língua inglesa. Porém, ao
transliterar palavras e frases gregas, adaptámos o segundo sistema, adicio-
nando o acento circunflexo para distinguir o era do épsilon e o ómega do
âmicron. Se isto provocar alguma confusão, apenas podemos dizer que
uma consistência completa teria produzido formas ainda mais bizarras.
O leitor que estiver familiarizado com Procópio e São João Clímaco teria

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BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

tido alguma dificuldade em identificar as expressões Prokopios e Ioannes


ho tês klimakos.
Por último, gostaríamos de agradecer também a Weidenfeld e a
Nicolson, assim como à minha esposa, pela sua paciência exemplar.

Oxford, Novembro de /979

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Introdução

Diz-se que o Império Bizantino, assim definido pela maioria dos


historiadores, fora constituído quando a cidade de Constantinopla, a Nova
Roma, foi fundada, em 324 d.C., e que terá terminado quando a mesma
foi tomada pelos Turcos Otomanos em 1453. Durante esses onze séculos
sofreu transformações profundas e, por esse motivo, é usual dividir a
história bizantina em pelo menos três grandes períodos - Inicial, Médio e
Tardio. O Período Inicial bizantino poderá ser entendido como se esten-
dendo até cerca de meados do século VII, ou, por outras palavras, até à
ascensão do Islão e à instalação definitiva dos Árabes, ao longo da costa
sul e este do Mediterrâneo; o Período Médio, até à ocupação da Ásia
Menor pelos Turcos, nos anos I070 ou, com menos argumentos de defesa,
até à tomada de Constantinopla pelos cruzados, em 1204; e o Período
Tardio a partir de um destes términos, até 1453.
Por muito arbitrária que esta definição possa parecer, existem boas
razões para a manter. Em relação ao epíteto «bizantino», poderão ser, e
têm sido, levantadas sérias objecções no que diz respeito à sua adequação.
Em todo o caso, este termo tem prevalecido e seria, pois, arrogante rejei-
tá-lo. Apenas teremos de compreender que se trata de uma designação que
nos é meramente conveniente. Na realidade, e como é evidente, o Império
Bizantino nunca existiu. Existiu, sim, um Estado romano que tinha por
centro Constantinopla. Os seus habitantes apelidavam-se Romaioi, ou

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BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

simplesmente cristãos; e chamavam ao seu país Romania. Um homem


podia ser referido como byzantios apenas se fosse natural de Constanti-
nopla, e não se viesse de outra parte do Império. Para os europeus ociden-
tais, para quem a palavra «romano» tinha uma conotação completamente
diferente, os «Bizantinos» eram geralmente conhecidos por Graeci, ao
passo que para os Eslavos seriam conhecidos por Greki, mas para os
Árabes e para os Turcos por R11m, isto é, Romanos. O termo Byza111i1111s
para referir o Império e os seus habitantes só começou a ser usado no
Renascimento. Tentativas de se referir o mesmo conceito através de ter-
mos sinónimos, de modo a obter-se designações mais correctas, acaba-
riam por resultar em expressões ainda mais obtusas, tais como «romanos
orientais» ou «cristãos orientais», que não tiveram, de um modo geral,
uma aceitação consensual.
Se adoptarmos uma visão sintética e distante da história bizantina (que
é o máximo que podemos fazer aqui), poderemos afirmar que, dos três
períodos que indicámos, o Período Inicial é, de longe, o mais importante.
Com efeito, é aquele que pertence à Antiguidade, e o que geograficamente
respeita à bacia mediterrânica. O Império Romano poderá ter perdido gra-
dualmente as suas províncias a norte, mas ainda se estendia de Gibraltar
até ao Eufrates, onde, do outro lado das suas águas, enfrentava o seu
inimigo tradicional, a Pérsia sassânida. O confronto e o equilíbrio entre
estas duas grandes potências constituíam a base política que sustentava o
período em questão. Para além de Roma e da Pérsia, e de alguns Estados
menores situados nas respectivas periferias, não restava mais do que um
mar flutuante de barbárie.

Não foi só apenas em termos de extensão geográfica e poder político


que o Estado bizantino do Período Inicial foi incomparavelmente mais
notável do que o Médio ou o Tardio. O mesmo se aplica ao empreen-
dimento realizado a nível cultural: integrou o cristianismo na tradição
greco-romana; definiu o dogma cristão, estabelecendo as estruturas da
vida cristã; e criou uma literatura e uma arte cristãs. Não existe, prati-
camente, nenhuma instituição ou ideia em toda a panóplia bizantina que
não tenha tido origem no Período Inicial.
É difícil avaliar a ruptura catastrófica que ocorreu no século VII. Qual-
quer um que leia a narrativa dos acontecimentos não conseguirá deixar de
ficar impressionado com as calamidades que se sucederam no Império, a
começar pela invasão persa, precisamente no início do século, até à

10
INTRODUÇÃO

expansão árabe, cerca de trinta anos mais tarde - uma série de reveses que
privaram o Império de algumas das suas províncias mais prósperas,
nomeadamente, a Síria, a Palestina, o Egipto, e, mais tarde, o Norte de
África-, reduzindo-o, assim, a menos de metade da sua dimensão origi-
nal, não só em termos de área, mas também de população. Não obstante,
uma leitura das fontes desta narrativa dá-nos apenas uma vaga ideia das
profundas transformações que acompanharam esses acontecimentos.
Os vestígios arqueológicos de um grande número de sítios terão de ser
considerados para se compreender a magnitude do colapso. Para as terras
bizantinas esse colapso marcou o fim de um modo de vida - a civilização
urbana da Antiguidade - e o início de um mundo medieval muito parti-
cular e distinto. Deste modo, de alguma forma, a catástrofe do século VII
é o acontecimento central da história bizantina. Tal como a Europa
Ocidental fora dominada durante a Idade Média pela sombra da
Roma imperial, também a miragem do império cristão de Constantino,
Teodósio e Justiniano permanecera para Bizâncio como um ideal a atingir
arduamente, mas que nunca seria alcançado. A natureza do aspecto
retrógrado da civilização bizantina deve-se, em grande parte, a estas
circunstâncias.
Se o Período Inicial bizantino pode ser descrito como um equilíbrio
entre duas grandes potências, o Período Médio poder-se-á comparar a um
triângulo, com um lado mais comprido (o Islão) e dois lados mais curtos
(Bizâncio e Europa Ocidental, respectivamente). O mundo do Islão rece-
beu a herança de Roma, mas também a da Pérsia, e, reunindo num vasto
«mercado comum» uma área que se estendia desde Espanha até aos
confins da Índia, produziu uma civilização urbana dotada de uma vitali-
dade extraordinária. O Império Bizantino, apesar de excluído das maiores
rotas de comércio internacional, e constantemente hostilizado pelos seus
inimigos, foi, ainda assim, capaz de mostrar uma grande dinâmica e
recuperar muito do seu território perdido. Mas agora, tinha de olhar numa
direcção diferente - não tanto para as «terras clássicas», mas sobretudo
para o Norte e para o Ocidente bárbaros: os Balcãs, agora povoados pelos
Eslavos e outros povos recém-chegados, o Estado Chazar (península da
Crimeia) e a costa norte do mar Negro, e, além disso, o que no século IX
se tornara o Estado da Rússia. Novas perspectivas estavam, pois, abertas,
e a influência bizantina, pautada pela actividade missionária, irradiou até
à Morávia e ao Báltico. Em síntese, é aqui que residem, numa perspectiva
histórica mais ampla, os aspectos centrais do Período Médio bizantino.

li
MAR MEDITERRÂNEO

Extensão do Império de Justiniano ao chegar ao poder

Conquistas de Justiniano

Império de Justiniano I e. 560


IMPÉRJO

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PERSA

Mazices
BIZÂNCIO. 0 lMPÉRIO DA NOVA ROMA

O Período Tardio poderá, igualmente, ser entendido como um triân-


gulo, mas apresentando uma configuração diferente. Tanto o mundo
bizantino como o mundo árabe estavam agora em completa desordem,
enquanto a Europa Ocidental estava em ascensão. Os principais desen-
volvimentos que caracterizam esta última fase foram a perda da maior
parte da Ásia Menor para os Turcos Seljúcidas e, simultaneamente, o fim
do tráfego marítimo para as cidades-Estado italianas. Durante os cem anos
que se seguiram, Bizâncio ainda conseguiu manter a unidade e algum do
seu prestígio, mas a partir de 1180 começou a desmoronar-se a todos os
níveis. A fragmentação que se seguiu - a tomada de Constantinopla pelos
cavaleiros da Quarta Cruzada, o estabelecimento dos principados latinos
no Levante, a formação de Estados fragmentários em Trebizonda, Niceia
e Epiro, a reconstituição de algo que apenas palidamente se assemelhava
ao Império de Constantinopla em 1261 - constitui uma história complexa
e curiosa. No entanto, não se poderá dizer que este período da história
bizantina tenha um relevo universal, pois os principais centros de poder e
de civilização haviam-se mudado para outro local.
Em suma, estas foram as principais fases da história bizantina.
Portanto, o objecto da nossa pesquisa corresponde a uma grande extensão
temporal e está inserido num contexto geográfico em constante mudança.
No Período Inicial concentrámo-nos em quase toda a bacia do Mediterrâ-
neo; no Período Médio, o Ocidente afasta-se da nossa esfera de acção,
com excepção do Sul de Itália e da Sicília, sendo que o foco de interesse
passa a residir na Ásia Menor e nos Balcãs; finalmente, ficamos apenas
com Constantinopla e um descontínuo de terras dispersas na Ásia Menor
e na Grécia. A diversidade de localidades implica também uma diversi-
dade de populações. Dever-se-á sublinhar com veemência que nunca exis-
tiu uma «nação» bizantina. Este tema será explorado com mais pormenor
no capítulo l. Porém, valerá a pena salientar o pressuposto de que qual-
quer tentativa de se impor categorias contemporâneas de nação ao mundo
bizantino poderá levar a uma má interpretação dos factos.
Dever-se-á fazer uma outra ressalva em relação a este assunto. O nosso
conhecimento de civilizações passadas é baseado em registos, quer sejam
escritos, quer existam sob a forma de monumentos. Nos momentos em
que os testemunhos escritos são abundantes, os monumentos assumem
uma posição auxiliar. Por exemplo, podemos estudar a época vitoriana
sem nunca olhar para o Albert Memorial, se bem que, se não o fizermos,
poderemos estar a perder algumas noções interessantes, ao ponto de os

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INTRODUÇÃO

registos escritos se tornarem inadequados e os monumentos ou vestígios


arqueológicos ganharem importância. Por esta ordem de ideias, a posição
do Império Bizantino é bastante peculiar. À primeira vista, o volume de
material escrito que nos deixou como legado parece considerável. Mas,
qual a natureza deste material?
O primeiro facto com o qual o leitor se depara é a escassez de registos
documentais e de arquivo. A única fase do Império para a qual existem
estes registos, independentemente da sua quantidade, iniciar-se-á no
Egipto e estender-se-á até à conquista árabe. No entanto, ouve-se muitas
vezes dizer que o Egipto não foi, de todo, uma província representativa, e
aquilo que se poderá deduzir em relação ao modo de vida característico da
zona, graças à descoberta do papiro, não se aplica às outras regiões.
Possuímos, igualmente, uma quantidade pequena de papiro referente a
Ravena, que era uma parte do Império ainda mais marginal. Quanto ao
restante, resume-se a alguns arquivos monásticos pertencentes, na maio-
ria, ao monte Atos e ao Sul de Itália, e outros dois ou três à Ásia Menor.
Os arquivos em questão dizem meramente respeito à posse de terras e não
contêm nenhum material anterior ao século X. De um modo geral, isto é
tudo. Os registos do governo central, da administração das províncias, da
Igreja, dos senhores seculares, dos terra-tenentes, bem como de merca-
dores e comerciantes desapareceram todos (devemos recordar que o
Império Bizantino era um Estado burocrático, por excelência). Conse-
quentemente, não dispomos de números fidedignos acerca da população,
dos nascimentos, dos casamentos e dos óbitos, do comércio, dos impostos
- em suma, praticamente nada que possa contar para efeitos de estatís-
ticas. Isto significa que não poderemos redigir uma história significativa
da economia do Império. Para obterem mais certezas, os historiadores,
cedendo à paixão generalizada pela economia e pelas estatísticas, tenta-
ram aplicar ao Império Bizantino os mesmos métodos que foram utiliza-
dos com sucesso noutros períodos, mas que acabaram por levar a uma
mesma conclusão - a falta de provas.
O material escrito que temos à nossa disposição poderá, de um modo
geral, considerar-se como sendo literário, na medida em que foi preser-
vado em livros manuscritos. Tendo em conta apenas o material da Grécia,
cerca de cinquenta mil manuscritos ainda permanecem nas várias bibliote-
cas, remontando cerca de metade desse número à época medieval. Ainda
que uma grande parte deste material seja litúrgico, teológico, de devo-
ção, etc., o historiador do Império Bizantino não se pode queixar de que

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B IZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

não tem textos suficientes para ler; pelo contrário, tem até demasiados. No
entanto, estes textos apresentam, estranhamente, uma qualidade opaca, e
quanto mais elegante o seu registo, mais opacos se tomam. Não quer isto
dizer que nos informam erradamente - pelo contrário, os historiadores e
os cronistas bizantinos têm um registo razoavelmente bom para que se
possa atestar a veracidade dos relatos. Os textos oferecem-nos uma pelí-
cula exterior dos acontecimentos públicos; porém, é em vão que olhamos
em busca do conhecimento do que era a vida na realidade, oculta no
interior. Se nos voltarmos para a epistolografia, um género que foi assi-
duamente cultivado durante a existência do Império, ficaremos ainda mais
desapontados: em vez de observações pessoais, são-nos oferecidos chavões
eruditos. Apenas em raras ocasiões a cortina se levanta, e isto por autores
relativamente pouco cultos. Alguns escritos sobre as vidas de santos, que
escaparam aos retoques estilísticos levados a cabo por Simeão Meta-
frastes no século X, cederam àquela categoria; assim como algumas
paterica (compilações de histórias sobre monges) e alguns textos
heterogéneos, como o Strategicon de Cecaumeno (século XI). Em alguns
momentos, somos colocados perante a vida real numa aldeia na Galácia,
no deserto egípcio, ou na propriedade de um senhor no centro da Grécia.
Todavia, em todo o enorme volume da literatura bizantina, a realidade foi
distorcida. Falar-se-á um pouco mais sobre este assunto no capítulo 13.
Para o historiador da civilização bizantina, o carácter limitado deste
material escrito apresenta graves implicações. Pensa-se que o único meio
de ultrapassar estas consequências reside no estudo das ruínas, ou, por
outras.palavras, na arqueologia. De resto, fez-se ainda muito pouco a este
respeito. É verdade que muitas cidades clássicas foram escavadas nas
províncias a leste, e muitas delas exibem um padrão contínuo de ocupação
até ao início do século Vll. Estamos, portanto, bem informados no que diz
respeito aos cenários materiais da vida urbana durante o Período Inicial
bizantino, ainda que uma grande quantidade de aspectos permaneçam por
se conhecer. Os locais em questão revelam habitualmente uma ruptura
dramática no século VII, por vezes na forma de uma redução drástica,
outras por abandono virtual. Mas o que se seguiu? O nosso conhecimento
dos Períodos Médio e Tardio bizantinos é ainda muito escasso. Os únicos
monumentos que sobreviveram em número considerável, e têm sido
objecto de estudo sistemático, são as igrejas. No entanto, essas constru-
ções têm sido estudadas por historiadores de arte, cujo método e aborda-
gem (embora, sem dúvida, de interesse para outros historiadores de arte)

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INTRODUÇÃO

raramente é relevante para o historiador da civilização. Podemos chegar a


deduções interessantes até mesmo a partir das igrejas, mas o que precisa-
mos - e isso dificilmente poderá ser atingido num futuro próximo - é de
uma investigação sistemática das cidades bizantinas, mas também das
aldeias, castelos, quintas, sistemas de distribuição de água, estradas e
instalações industriais, nas diferentes províncias do Império. Só quando
essa pesquisa for realizada estaremos em posição de falar com alguma
certeza do nível e do grau da civilização bizantina.
Esta grave lacuna nem sempre tem sido compreendida e, seguramente,
não impediu alguns especialistas de escreverem livros sobre a civilização
de Bizâncio - pelo menos uma dúzia destes trabalhos merece uma menção
honrosa (ver Bibliografia). Inevitavelmente, foi necessário abranger as
mesmas questões que os anteriores historiadores, mas adaptou-se uma
disposição diferente da tradicional. O nosso livro foi concebido como um
tríptico. Na primeira «folha» é apresentado um esboço de alguns aspectos
da vida bizantina - de modo nenhum abrangerá todos os seus aspectos
significativos, mas apenas aqueles que se pensa terem exercido uma
influência notável no «produto» cultural bizantino. Assim, devido à
enorme extensão do tema, muitos assuntos importantes foram omitidos.
Por exemplo, fala-se pouco sobre a vida militar, apesar de todo o percurso
da história bizantina ter sido dominado pela guerra. Também não se fala
muito sobre a economia bizantina e as comunicações por terra e mar, dois
temas interligados, cujo conhecimento permanece imperfeito até ao
momento. Em termos cronológicos, deu-se mais ênfase aos Períodos
Inicial e Médio, excluindo-se muitas vezes o Período Tardio. Os leitores
com um olhar mais crítico irão certamente encontrar outras lacunas.
A segunda folha do tríptico é dedicada àquilo que Norman Baynes
chamou The Thought-World o/ East Rome («O Mundo Conceptual do
Leste de Roma»). Aqui tentámos descrever o conjunto consolidado e rela-
tivamente estável de crenças, que poderá ser correctamente designado por
«bizantinismo». Ao fazê-lo, escolhemos, deliberadamente, o nível con-
ceptual do «cidadão comum» bizantino: a sua situação, e como ele a via
= em relação aos seus poderes sobrenaturais do bem e do mal, o seu lugar
na natureza, na história (tanto no passado, como futuro), a sua atitude para
com os outros povos e, finalmente, a sua noção de uma boa vida e do
;: homem ideal. Estes não foram, necessariamente, os pontos de vista defen-
didos pelos intelectuais bizantinos, mas, como será explicado pormenori-
zadamente mais adiante, os intelectuais - sobretudo depois do século VII -

17
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

apenas tiveram uma pequena participação nas questões sociais, não exer-
cendo geralmente uma influência de relevo no pensamento comum.
Na última folha do tríptico, tentámos descrever o que Bizâncio nos
legou. Colocando de parte, devido à sua natureza sobejamente técnica, os
temas da lei e da teologia bizantinas. limitámo-nos apenas à literatura e à
arte. O que quer que a civilização bizantina tenha sido na sua época. é com
base na sua expressão artística e literária que emerge. por fim. a nossa
apreciação.

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1
1

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Parte I

Aspectos eia Vicia Bizantina


Capítulo J

Povos e Línguas

Todos os impérios exerceram o seu governo sobre uma diversidade de


povos e, a este respeito, o Império Bizantino também não fora excepção,
Tivesse a sua população sido fundida de modo sensato, tivesse ela sido
unida na aceitação comum da civilização bizantina enquanto civilização
dominante do Império, talvez nem fosse necessário dedicar um capítulo a
esta matéria. Contudo, a verdade é que até ao momento anterior ao Período
Inicial bizantino - nomeadamente, quando a grande construção de Roma
começou a mostrar os primeiros hiatos na aproximação do século II d.C. -
as várias nações dominadas por Roma tenderam a separar-se e a reclamar
;;: a sua individualidade. O crescimento da religião cristã, longe de vir col-
matar este hiato, através da introdução de uma aliança universal, apenas o
acentuou. Devemos, portanto, começar pela questão: Quem foram os
«Bizantinos»? Numa tentativa de responder, devemos percorrer rapida-
mente todo o Império, reparando como seguimos as populações das várias
províncias e as línguas por elas faladas. A época escolhida situa-se cerca
do ano 560 d.C., pouco tempo após a recuperação, pelo imperador Justi-
niano, de grandes áreas da Itália e do Norte de África, e várias décadas
antes das maiores alterações etnográficas, que iriam acompanhar a desin-
tegração do Estado bizantino do Período Inicial.

21
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Teria sido suficiente para o nosso viajante imaginário, desde que não
se afastasse das cidades, saber duas línguas, nomeadamente, o grego e o
latim. As fronteiras da sua respectiva difusão não foram bem definidas em
todos os lugares. No entanto, pode dizer-se, como um cálculo aproxi-
mado, que a fronteira linguística percorre a península Balcânica ao longo
de uma orientação no sentido este-oeste, nomeadamente, de Odessos
(Varna), no mar Negro, até Dirráquio (Dürres) no Adriático; enquanto a
sul do Mediterrâneo, a fronteira separava a Líbia da Tripolitânia. Com
excepção das terras balcânicas, onde existia uma união razoável, a metade
ocidental do Império era substancialmente latina e a metade oriental fun-
damentalmente grega. na medida em que foram estas as línguas da admi-
nistração e da cultura.
Quase todas as pessoas instruídas do Oriente sabiam falar grego,
assim como todas as pessoas instruídas do Ocidente sabiam falar latim.
Porém, uma grande parte da população comum não sabia falar nenhuma
dessas línguas.
O nosso viajante teria tido uma grande dificuldade em conseguir um
roteiro actualizado. Poderia ter deitado a mão a um simples catálogo de
províncias e cidades chamadas Synecdemus de Hiérocles ( 1 ), tal como
alguns itinerários mais antigos que informavam as distâncias entre as
albergarias que poderia encontrar ao longo das estradas principais. Pode-
ria ter retirado informação útil, embora antiquada, a partir de um pequeno
livro conhecido por nós pelo nome de Expositio totius mundi e gentium (2).
que foi composto em meados do século IV. Mas se quisesse um guia mais
sistemático, combinando geografia e etnografia, teria de trazer na mala
um exemplar da Geografia de Estrabão, Se tivesse conseguido encontrar
o guia geográfico (agora perdido) da autoria do mercador alexandrino
Cosmas lndicopleustes ( 1 ), provavelmente teria tirado dele poucas vanta-
gens a nível prático. Imaginemos que o nosso viajante estava satisfeito
com tal imperfeita documentação e que, partindo de Constantinopla. tinha
intenção de viajar por toda a Europa, na direcção dos ponteiros do relógio.

Constantinopla, como todas as grandes capitais, era uma miscelânea


de elementos heterogéneos: todas as setenta e duas línguas conhecidas do
homem estavam nela representadas, segundo uma fonte contemporâ-
nea (4). Provincianos de todos os géneros tinham-se estabelecido ali, ou
iriam entrar e sair ao acaso de negócios comerciais ou oficiais. A classe
servil incluía muitos bárbaros. Outro elemento estranho era o das unida-

22
Povos E LINGUAS

des militares, as quais no século VI eram compostas ou por bárbaros


(Alemães, Hunos, e outros), ou por alguns dos provincianos mais robus-
tos, tais como os lsauros, os Ilírios e os Trácios. Diz-se que setecentos
soldados foram aquartelados em casas de famílias de Constantinopla no
reinado de Justiniano (5). Os monges sírios, mesopotâmios e egípcios, que
falavam pouco - ou nem sequer falavam - grego, dirigiram-se em massa
para a capital, para usufruir da protecção da imperatriz Teodora e impres-
sionar os autóctones com as suas proezas bizarras de ascetismo. Os judeus
omnipresentes ganhavam a vida como artesãos ou mercadores. Constan-
tinopla fora fundada como um centro de latinidade no Oriente e contava
ainda com muitos Ilírios, Italianos e africanos entre os seus residentes,
cuja língua autóctone era o latim - também a língua do próprio imperador
Justiniano. Além disso, várias obras da literatura latina eram produzidas
em Constantinopla, como a famosa Gramática de Prisciano, a Crónica de
Marcelino e o panegírico de Justino II do africano Corippus. Embora o
latim fosse necessário para as profissões jurídicas e para certos ramos da
administração pública, a balança pendia inexoravelmente a favor do
grego. No final do século VI, como o papa Gregório, o Grande, afirma,
não era fácil encontrar um tradutor competente do latim para o grego na
capital imperial (6).
Em frente a Constantinopla estendia-se uma enorme massa de terra
pertencente à Ásia Menor, que havia sido comparada a um pontão ligado
à Ásia e a apontar para a Europa. As partes mais desenvolvidas sempre
foram as orlas costeiras, especialmente a face oeste suavemente inclinada,
favorecida por um clima temperado e guarnecida com cidades famosas.
A faixa costeira do mar Negro é muito mais estreita e descontínua,
enquanto a costa sul não tem, à excepção da planície de Panfília, nenhuma
orla de baixa altitude. As áreas costeiras, salvo a zona montanhosa Cilícia
(lsáuria), onde a cordilheira do Tauro se estende até ao mar, haviam sido
helenizadas durante cerca de mil anos, e ainda antes do reinado de
Justiniano. Ao longo da costa do mar Negro, o limite da língua grega
correspondia à fronteira actual entre a Turquia e a ex-União Soviética.
A este de Trebizonda e Rizaion (Rize) viviam vários povos caucasianos,
tais como os Ibéricos (Georgianos), assim como os Laz e os Abasgos
(Abcazes), sendo que os dois últimos mal se aproximavam das missões
cristãs. O Império também possuía uma base de operações helenizada na
costa sul da Crimeia, enquanto o alto planalto da península da Crimeia era
habitado por Godos.

23
Grego

t·······•·.ill
.~::;::;::,1i
•.. , .., .... Grego e autóctone

- Latim e autóctone

m1m1m1m1m Aramaico

~Copta

- Caucasiano

Mapa Linguístico do Império


de Justiniano I e. 560
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Muito diferente das áreas costeiras da Ásia Menor é o alto planalto


no interior do país, onde o clima é tempestuoso e a terra, na sua maioria,
imprópria para a agricultura. Na Antiguidade, como na Idade Média, o
planalto tinha uma população pouco densa e a vida urbana era relativa-
mente pouco desenvolvida. As cidades mais importantes situavam-se ao
longo das principais estradas, tal como a chamada Estrada Real que ia de
Esmirna e Sardes, via Ancira e Cesareia, até Melitene: a estrada que
ligava Constantinopla a Ancira via Dorileia; e a estrada a sul que se esten-
dia de Éfeso a Laodiceia, Antioquia na Pisídia, lcónio, Tiana e, através das
Portas da Cilícia, até Tarso e Antioquia, na Síria. A composição étnica do
planalto não havia sofrido nenhuma alteração assinalável durante os
setecentos anos antes do reinado de Justiniano, consistindo num mosaico
desconcertante de povos autóctones, assim como em enclaves de imigran-
tes há muitos fixados, tais como os Celtas da Galácia, os Judeus, que se
haviam estabelecido na Frígia e em outras partes durante o período helé-
nico, e grupos persas de origem ainda mais antiga. Parece que muitas das
línguas indígenas ainda eram faladas no período bizantino antigo: a língua
da Frígia provavelmente ainda existiria, pois aparece nas inscrições até ao
século Ili d.C.; e o celta, por seu lado, seria falado na Galácia e na Capa-
dócia, mais a este. Os rebeldes isãuricos, que haviam sido pacificados pela
força das armas em 500 d.C., tendo muitos deles percorrido todo o Impé-
rio como soldados profissionais e pedreiros, eram um povo distinto, que
falava o seu próprio dialecto, muitas vezes excluindo o grego (7). No
entanto, ao seu lado, na planície da Cilícia, o grego havia-se enraizado
solidamente, excepto, talvez, entre as tribos do interior.
Situadas a leste da Capadócia, e abrindo caminho a uma série de
cadeias montanhosas, encontram-se algumas províncias arménias que
haviam sido anexadas ao Império em 387 d.C., quando o reino arménio se
repartia entre a Pérsia e Roma. Estas províncias eram estrategicamente
muito importantes, mas praticamente intocadas pela civilização greco-
-romana, pelo que continuaram a ser governadas pelos sátrapas nativos
até Justiniano lhes impor uma nova forma de administração militar. No
século V, os Arménios adquiriram o seu próprio alfabeto e começaram a
construir uma literatura à base de traduções do grego e do sírio, for-
talecendo o sentimento de identidade nacional. De facto, os Arménios,
que desempenharam um papel crucial na história de Bizâncio, revela-
ram-se bastante resistentes à assimilação, tal como os outros povos cau-
casianos.

26
Povos E LíNGUAS

A fronteira entre a Arménia e a Mesopotâmia correspondia,


aproximadamente, ao rio Tigre. Três séculos de ocupação da Pártia (desde
meados do século li a.C. até à conquista romana cerca de J 65 d.C.)
apagaram praticamente todos os traços de helenização da Mesopotâmia,
que os reis da Macedónia tanto haviam querido impor. A forma literária
síria usava o dialecto de Edessa (Urfa), sendo nessa «cidade abençoada»,
assim como em Amida (Diyarbakir), Nísibis (Nusaybin) e em Tur Abdin,
que um vigoroso movimento monástico de crença monofisita alimentava
o cultivo dessa língua. A Mesopotâmia era uma região fronteiriça:
a fronteira entre Roma e a Pérsia apresenta uma curta distância a sudeste
da cidade-guarnição de Dara, enquanto Nísibis havia sido ingloriamente
cedida aos Persas pelo imperador Joviano em 363. A separação cultural
da Mesopotâmia certamente não ajudou o governo imperial, essencial-
mente por se tratar de uma área sensível.
O domínio dos dialectos aramaicos, a que pertence o sírio, estendia-se
através da Síria e da Palestina até aos confins do Egipto. Aqui teste-
munhamos um fenómeno de considerável interesse. Quando os reinos
helénicos se estabeleceram, a seguir à morte de Alexandre, o Grande, a
Síria estava dividida entre os Ptolomeus e os Selêucidas. Os Ptolomeus,
que obtiveram a metade do país a sul, pouco fizeram para estabelecer ali
as colónias gregas. Pelo contrário. os Selêucidas, para quem o Norte da
Síria tinha uma importância crucial, levaram a cabo uma colonização
intensiva. Colonizaram algumas cidades novas, tais como Antioquia
Orontes, Apameia, Selêucia e Laodiceia, introduzindo um elemento grego
nas cidades existentes, tais como Alepo. A partir dessa altura, toda a Síria
permaneceu continuamente sob uma administração de língua grega. No
entanto, cerca de nove séculos mais tarde, a língua grega não está confi-
nada apenas às cidades, mas alargada às mesmas cidades que haviam sido
fundadas pelos reis helénicos. O campo, em geral, e as cidades que não
eram de origem grega, como Emesa (Horns), mantiveram-se fiéis à sua
língua autóctone, o aramaico.
É pouco provável que o uso do grego tivesse sido mais divulgado na
Palestina do que foi no Norte da Síria, excepto em relação a um fenómeno
artificial, nomeadamente, o desenvolvimento dos «locais sagrados».
A começar pelo reino de Constantino, o Grande, praticamente todos os
lugares com fama bíblica se tornaram, como diríamos hoje, numa atracção
turística. As pessoas vinham em grande número para a Palestina, oriundas
de todos os cantos do mundo cristão: alguns como peregrinos em trânsito,

27
B lü\NCIO. 0 lMPl:.RIO DA NOVA ROMA

outros procurando uma permanência mais duradoura. Mosteiros de todas


as nacionalidades emergiram como cogumelos no deserto ao lado do mar
Morto. A Palestina era assim uma babel de línguas, mas a população
autóctone - e devemo-nos lembrar que esta incluía dois grupos étnicos
distintos, nomeadamente, os Judeus e os Samaritanos - falava aramaico.
como sempre o fizera. A peregrina Egéria, que testemunhara as festivida-
des da Páscoa em Jerusalém por volta do ano 400. disse o seguinte:

Constatando que naquele país parte da população sabe quer o


grego quer o siríaco, embora uma outra parte saiba apenas grego e
uma outra ainda saiba apenas siríaco, e tendo igualmente em conta
que o bispo, embora saiba siríaco, fala sempre em grego e nunca em
sírio, está sempre a seu lado um padre que, enquanto fala cm grego,
traduz os seus comentários para siríaco para que todos o possam
entender. De igual modo, para as leituras que são proferidas na igreja,
e visto que têm de ser lidas em grego, está sempre alguém presente
para as traduzir para sirfaco, para benefício das pessoas, no sentido
em que isso lhes permite receber instrução. Quanto aos latinos que
se encontram lá, isto é, aqueles que não sabem nem siríaco nem
grego, também para eles é dada uma interpretação para que não
fiquem descontentes; pois existem alguns irmãos e irmãs que, profi-
cientes em grego e em latim, lhes explicam os textos na sua língua (8).

Os Árabes, que se haviam espalhado por todo o Norte até à Meso-


potâmia, eram outro povo que marcava presença entre a população da
Síria e da Palestina. Alguns deles, como os Nabateus de Petra e os Palmi-
renos, haviam-se tornado sedentários e perderam a sua língua autóctone.
Outros atravessaram os desertos, quer como salteadores quer como
; vassalos do Império, cujo dever era proteger as áreas colonizadas e vigiar
a transumância dos nómadas. Não devemos, em caso algum, imaginar que
a conquista árabe do século VII introduziu um elemento estranho nestas
províncias: os Árabes sempre haviam ali estado, e porque o seu número
aumentava, assumiram cada vez mais o papel de guardiães da paz do
imperador, no reinado de Justiniano. Quando, por exemplo, os Samari-
tanos organizaram uma revolta sangrenta em 529, foi um chefe árabe,
Abukarib, que os venceu.
Intimamente ligada à Síria, em virtude da sua situação, estava a ilha
de Chipre. Aqui o grego havia sido falado desde a pré-história, e havia

28
Povos E LINGUAS

também uma colónia bastante grande de Sírios como se pode deduzir pela
prevalência da heresia monofisita (ver capítulo 4). Santo Epifânio, o
bispo mais famoso de Salamina (falecido em 403), era palestiniano e
diz-se que sabia cinco línguas - grego, siríaco, hebraico, egípcio e latim (9).
Um exagero talvez, mas, ainda assim, um indício do multilinguismo que
caracterizava, como ainda o faz, os mais empreendedores entre os
Levantinos.
Separada da Palestina por uma área deserta, estende-se a rica e antiga
terra do Egipto. Aqui, também, a disseminação do grego era um legado
directo da era helénica. A capital, Alexandria, era uma cidade predomi-
nantemente grega, mas oficialmente descrita como sendo ad Aegyptum,
não in Aegypto, uma intromissão num país desconhecido; e para quanto
mais longe de Alexandria se viajasse, menos grego se falava. À excepção
da capital, apenas duas cidades haviam sido fundadas pelos Gregos,
Naucrátis no Delta e Ptolemars na Tebaida; nem a helenização teve grande
progresso sob a administração romana. Não contando com a colónia
judaica, que no século I d.C. diz-se ter contado com cerca de um milhão
de pessoas, a maior parte da população, embora fosse administrada em
grego, continuava a falar egípcio (copta), e existem sinais de que no
Período Inicial bizantino o copta ganhava terreno, pelo que, no século VI,
até alguns actos oficiais eram publicados na língua autóctone. Acima de
tudo, o copta era a língua oficial do cristianismo egípcio, enquanto o grego
se identificava com a hierarquia estrangeira imposta pelo governo imperial.
A parte do Egipto colonizada, que estava praticamente limitada ao
vale do Nilo e ao Delta, via-se ameaçada em todas as suas frentes pelas
tribos bárbaras. Do Leste vinham os saqueadores sarracenos; no Sul os
Nobadae e Blémios negros eram particularmente problemáticos, enquanto
o Ocidente estava aberto a incursões berberes, assim como a Líbia, uma
província administrativamente associada ao Egipto. São Daniel, um
monge de Scetis, não muito longe de Alexandria, foi raptado pelos bárba-
ros três vezes e conseguiu escapar, somente após matar o raptor - um
crime pelo qual cumpriu pena durante o resto da vida ( 10). Quando, na
segunda metade do século VI, o monge itinerante João Moscho visitou
os mosteiros egípcios, contou muitas histórias de depredação de bárbaros
e de salteadores nativos. Alguns mosteiros estavam praticamente
desertos ( 11 ).
Com a Líbia chegamos ao limite das províncias de língua grega. Mais
a oeste fica a Tripolitânia, uma faixa costeira estreita, e depois as regiões

29
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

de Bizacena, Proconsularis e Numídia, e, finalmente, as duas Mauritânias,


que se estendem até ao estreito de Gibraltar. Estas haviam sido todas
extensivamente romanizadas e as terras mais ricas, correspondentes à
actual Tunísia, terão feito parte das zonas mais prósperas e desenvolvidas
do Império em melhores dias. Até que ponto a população autóctone foi
assimilada permanecerá como algo incerto. Do mesmo modo, também
não se sabe ao certo se a língua vernácula das cidades, à qual Santo
Agostinho chama púnico, constituía um legado do antigo fenício (como
nos parece ser mais provável), ou se era berbere. Em todo o caso. em 560,
o nosso viajante teria encontrado uma situação algo diferente daquela que
o bispo de Hipona terá conhecido, um século e meio antes, pois a África
acabara de ser recuperada pelos Vândalos (em 533). os quais a haviam
dominado durante um século como uma potência independente. Os
Vândalos eram suficientemente numerosos a ponto de poderem causar um
impacto significativo na etnografia da população, mas a sua intrusão
levou à irrupção das várias tribos berberes, que agora ameaçavam seria-
mente as áreas colonizadas.
Não necessitamos de nos preocupar com Espanha, embora parte da
sua costa a sul tenha sido recuperada por Justiniano aos Visigodos e
permanecido nas mãos bizantinas durante cerca de setenta anos. E assim
podemos levar o nosso viajante até Itália, onde o domínio de Justiniano
fora estabelecido, assente numa base um pouco duvidosa, depois de um
período sangrento. O país inteiro estava, então, numa situação terrível.
O estado de guerra contínuo entre Bizâncio e os Ostrogodos, que durou de
535 até 562, resultou na destruição de Milão, com uma perda reputada em
trezentos mil homens(12), o efectivo despovoamento de Roma, a qual
sofrera três cercos, e a fome generalizada no campo. «A Itália tornou-se,
em toda a parte, ainda mais desprovida de homens do que a Líbia»,
escreveu Procópio(13), talvez sem estar a cometer um grande exagero.
Quanto à composição da população, não pode haver grande dúvida de que
os ltaliôtai, como Procópio lhes chamava, eram basicamente latinos. Até
na capital imperial de Ravena, que mantinha relações próximas com o
Oriente e numerosos colonos orientais, o latim era o meio de comunicação
normal. Alguns pequenos focos de grego poderão ter sobrevivido na parte
mais a sul da península, tendo certamente continuado a ser falado na costa
este da Sicília. Existiam outros grupos minoritários, tais como os Judeus
e os recém-chegados Ostrogodos, mas os segundos dificilmente poderão
ter ultrapassado os cem mil. Muitas mais vagas de invasores e colonos

30
Povos E LINGUAS

haviam de vir sem, contudo, alterar o carácter da população fundamental-


mente latina.
Ao cruzar o Adriático, o nosso viajante poderá ter desembarcado em
Dirráquio e percorrido toda a Via Egnatia até Constantinopla. As regiões
que teria de atravessar eram, então, tão despovoadas como a Itália. Para
citar Procópio novamente:

A Ilíria e toda a Trácia, isto é, toda a região desde o mar Jónio


(o Adriático] até aos arredores de Bizâncio, incluindo a Grécia e
Quersoneso, foi invadida quase todos os anos pelos Hunos, os
Eslavos e os Anteus, desde que Justiniano se tornou imperador de
Roma, causando imensos estragos entre os habitantes dessas zonas.
Com efeito, acredito que em cada invasão mais de duzentos mil
romanos terão sido mortos e capturados, para que um verdadeiro
«deserto círico» pudesse existir em toda esta terra (14).

Procópio não menciona aqui que algumas das invasões da península


Balcânica ocorreram antes da época de Justiniano, nomeadamente, aque-
las levadas a cabo pelos Godos em 378, pelos Hunos em 441-447, pelos
Ostrogodos em 479-482 e pelos Búlgaros a partir de 493. Não existe
grande dúvida no que diz respeito à imensa devastação causada por estas
e outras incursões mais tarde, mas é difícil avaliar o efeito na etnografia
das regiões em questão. As populações nativas eram os Ilírios a oeste, os
Trácios e os Daco-Misianos a leste e, claro, os Gregos a sul, mas seria
preciso um grande historiador para determinar, em meados do século VI,
quem vivia onde e em que número. Os Eslavos já haviam começado a
colonizar, especialmente na área entre Nis e Sófia, como se comprova
pelos nomes dos locais listados por Procópio(15), e podemos imaginar
que a presença prolongada das tropas góticas e outras tropas bárbaras terá
deixado alguns rastos. Quanto às línguas, já comentámos a fronteira entre
latim e grego. Do ilírio (cuja relação com o albanês moderno é contestada)
pouco se sabe, mas o trácio, em particular o béssico, estava ainda muito
vivo no século VI.
Em síntese, eram estes os povos e as línguas do Império de Justiniano;
e se se deu mais ênfase aos elementos autóctones foi para poder corrigir
a parcialidade das nossas fontes literárias e narrativas. Por exemplo,
Libânio, o retórico do século IV, que nasceu em Antioquia e viveu a maior
parte da sua vida nessa cidade, cujos escritos enchem onze volumes

31
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

impressos e são uma mina de informação útil, menciona apenas uma vez
a existência da língua siríaca. No entanto. é um facto incontestável que a
Antioquia, onde se falava grego, era uma ilha num mar de siríaco. Autores
eruditos simplesmente não repararam em tal fenómeno <,desconcertante».
Nem as inscrições são muito mais elucidativas. Quem quer que tenha
feito uma inscrição, mesmo numa lápide, usou naturalmente a língua de
«prestígio» da zona. Além disso, muitos dialectos vernáculos não eram
escritos. É em grande parte entre os monges que somos confrontados,
ocasionalmente, com o povo iletrado, permitindo-nos ter uma vaga ideia
de como falavam. Como seria de esperar, tinham a sua língua autóctone
- o patois. Daí o hábito de implantar os mosteiros «nacionais». No entanto,
outros eram multilingues: «Aqueles Que não Dormem» (Akoimetoi)
estava dividido em quatro grupos por língua - latim, grego, siríaco e
copta(16). No mosteiro fundado por São Teodósio, o Cenobiarca, na
Palestina, reinava o grego, o béssico e o arménio ( 17). No monte Sinai, no
século Vl, ouvia-se falar latim, grego, siríaco, copta e béssico ( 18). Em 518
o abade de um mosteiro em Constantinopla não pôde assinar o seu nome
numa petição porque não sabia grego ( 19). Exemplos semelhantes
facilmente se multiplicaram.
O nosso levantamento teria sido muito mais informativo se tivéssemos
sido capazes de exprimir em números a importância relativa dos vários
povos. Infelizmente, não temos números certos à nossa disposição, tal
como já referimos na Introdução do presente estudo. Um escolástico de
relevo aventurou-se, no entanto, a contrariar a ideia de que o Império
de Justiniano, incluindo as províncias ocidentais reconquistadas, não teria
mais de trinta milhões de habitantes (20). Não levando em conta as perdas
causadas pela grande peste de 542, esta estimativa parece-nos demasiado
baixa: podemos estar mais perto da verdade postulando trinta milhões na
metade oriental do Império. Aproximadamente, a distribuição teria sido a
seguinte: oito milhões no Egipto, nove milhões na Síria, Palestina e
Mesopotâmia, conjuntamente, dez milhões na Ásia Menor, e três a quatro
milhões nos Balcãs. Se estes números estiverem perto da realidade, os
falantes autóctones do grego representariam menos de um terço da popu-
lação total, digamos oito milhões, abrindo-se concessões para os povos
não assimilados da Ásia Menor e para os falantes do latim e do trácio
dos Balcãs. O grego, o copta e o aramaico teriam estado, assim, em pé
de igualdade. Comparada com o crescimento do latim na Gália e em
Espanha, dever-se-á presumir que a língua grega terá tido uma evolução

32
Povos E LfNGUAS

limitada entre o século III a.C. e o século VI d.C. Esta situação deveu-se,
sem dúvida, ao facto de a helenização se ter centrado, em grande medida,
nas cidades. Cerca de um século depois da conquista árabe, o grego foi
praticamente extinto, tanto na Síria como no Egipto, o que só pode querer
dizer que não teria criado fortes raízes.
Outra observação poderá ser feita com base no nosso levantamento,
nomeadamente, o facto de apesar da crescente insegurança em quase
todas as partes do Império, muitos dos súbditos de Justiniano viviam
ainda nas suas terras de origem tradicionais. A diáspora dos Gregos, dos
Judeus e, a um menor grau, dos Sírios, acontecera alguns séculos antes.
Do ponto de vista etnográfico, assim como em muitos outros aspectos, a
era justiniana representa, portanto, o final da Antiguidade.
Seria maçador descrever todas as mudanças etnográficas que o
Império testemunhou depois do século VI, mas devemos mencionar e
comentar aquela que representou a maior mutação de todas, que teve
início algumas décadas depois da morte de Justiniano. O primeiro sinal
fez-se sentir com a instalação em massa de Eslavos na península Balcâ-
nica. Com efeito, vieram várias vagas de Eslavos e, ao contrário de inva-
sores anteriores, estes vieram para ficar. Num passo muito citado de João
de Amida (também conhecido por João de Éfeso), regista-se que em 581

um povo execrável, os chamados Eslavónios, invadiu toda a Grécia e


o país dos Tessalonicenses, bem como roda a Trácia, tomando cidades
e vários forres, devastando e queimando o que lhes surgia pela frente,
e escravizando as populações. Fizeram-se senhores do país inteiro que
colonizaram à força, e ali passaram a habitar, vivendo em paz em
territórios romanos, sem ansiedades ou receios, capturando prisio-
neiros, chacinando e destruindo tudo (21).

Outra fonte, a chamada Crónica de Monemvasia, refere que no ano de


587-588 os Turcos Ávaros (com os quais os Eslavos eram normalmente
aliados)

capturaram roda a Tessália e roda a Grécia, o antigo Epiro, Atica e


Eubeia. De facto, atacaram os Peloponenses e tomaram as suas terras
pela força das armas. Depois de expulsarem e destruírem os povos
helénicos autóctones, estabeleceram-se no local. Aqueles que conse-
guiram escapar às suas mãos assassinas dispersaram-se por várias

33
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

zonas. Assim, os cidadãos de Partas mudaram-se para a região de


Reggio, na Calábria, os Argivos para a ilha de Orobe, os Coríntios
para a ilha de Egina [ ... ] Apenas a parte oriental do Peloponeso, de
Corinto ao cabo Maleas, não fora invadida pelos Eslavónios, devido
à natureza inacessível e inóspita da região (22).

Existem algumas dúvidas em relação à data exacta destes aconteci-


mentos, mas é inegável que no final do século VI e início do século VII.
quando a fronteira danubiana entrou em completo colapso, praticamente
toda a península Balcânica escapou ao controlo imperial. Apenas alguns
postos avançados costeiros. tais como Mesêmbria no mar Negro. Tessalo-
nica, Atenas e Corinto, se mantiveram. Em todos os outros locais, a
população antiga procurou refúgio nas ilhas perto da costa, assim como
em Monemvasia, ou emigrou para Itália. O domínio dos bárbaros esten-
dia-se até às defesas exteriores de Constantinopla - as chamadas Longas
Muralhas Anastasianas, que descreviam um largo arco desde o mar Negro
a Selímbria (Silivri) no mar de Mármara - mas até estas iriam em breve
ser abandonadas.
A última importante colonização eslavónica foi a dos Sérvios e dos
Croatas, que no reino de Heraclio ocuparam as terras, onde ainda chega-
ram a habitar. Depois, em 680, vieram os Búlgaros turcos e conquistaram
o país ao qual deram o seu nome, e onde viriam a ser assimilados pela
população eslavónica. A barbarização dos Balcãs começou a inverter-se
\r· apenas no final do século VIII, mas por essa altura os efeitos já se haviam
1
tornado irreversíveis.
Simultaneamente, com a perda dos Balcãs, o Império sofreu uma
amputação mais grave ao ser destituído das províncias orientais e do Sul,
num processo em que se poderá distinguir duas fases. Primeiro, entre os
anos 609 e 619, os Persas conquistaram toda a Síria, a Palestina e o
Egipto. Foram· posteriormente derrotados pelo imperador Heraclio e reti-
raram-se para o seu país. Todavia, alguns anos mais tarde, as mesmas
províncias foram invadidas pelos Árabes e, desta vez, perdidas para sem-
pre. Toda a costa norte-africana sucumbiu também ao invasor. O Império
de Roma no Mediterrâneo simplesmente deixara de existir, enquanto o
Estado bizantino ficara limitado à Ásia Menor, às ilhas do mar Egeu e a
um pedaço da Crimeia e da Sicília.
Os Persas iniciaram também outro processo que viria a ter conse-
quências demográficas importantes, ao atacarem Constantinopla através

34
Povos E LfNGUAS

da Ásia Menor. Ao fazê-lo causaram uma devastação imensa. Quando os


Árabes sucederam aos Persas e se assenhorearam de todos os territórios
até às montanhas do Tauro, também atacaram a Ásia Menor - não uma ou
duas vezes, mas praticamente todos os anos. As incursões continuaram
durante quase dois séculos. Muitos dos ataques de surpresa não penetra-
ram muito para além da fronteira, mas vários deles estenderam-se até ao
mar Negro e ao mar Egeu e alguns chegaram mesmo à própria Constanti-
nopla. No entanto, os Árabes nunca conseguiram ganhar uma base de
operações no planalto da Anatólia. Ao invés, o que sucedeu foi que cada
vez que entravam, a população local refugiava-se em fortes inacessíveis,
dos quais a Ásia Menor está liberalmente provida. Os Árabes passavam
entre os fortes, fazendo prisioneiros e pilhando, enquanto os Bizantinos
queimavam as colheitas para privar os inimigos das provisões e mantê-los
em movimento. As consequências deste processo prolongado são fáceis
de imaginar: grande parte da Ásia Menor foi devastada e despovoada
quase de forma irreversível.
Deste modo, criou-se uma lacuna demográfica enorme. O Império
precisava urgentemente de agricultores assim como de soldados. Para
atingir este fim, teria de recorrer a transferências em massa de populações.
O imperador Justiniano II, em particular, aplicou esta política em grande
escala. Deslocou uma grande parte da população do Chipre para a região
de Cízico na costa sul do mar de Mármara. Ao que parece, foi um fra-
casso: muitos dos imigrantes morreram no caminho, e aqueles que chega-
ram ao destino pediram mais tarde para ser repatriados (23). Justiniano II
deslocou também «uma grande multidão» de Eslavos para a Bitínia. Mais
uma vez, teve pouca sorte: os trinta mil soldados que organizou de entre
aquele grupo para lutar contra os Árabes não foram suficientes para
vencer o inimigo, após o que o imperador infligiu represálias cruéis sobre
as famílias (24). No entanto, nos anos 760, sabe-se que duzentos e oito mil
eslavos vieram viver para a Bitínia por mútuo acordo (25). No século VIII
ouvimos falar repetidamente da colonização organizada dos Sírios na
Trácia(26).
Contudo, os imigrantes mais proeminentes foram os Arménios,
muitos dos quais chegaram sem terem sido forçados. Eram soldados
excelentes e o Império, privado do seu terreno de recrutamento na Ilíria,
precisava muito deles. De facto, a imigração dos Arménios começara no
século VI, e a partir do reinado de Maurício formaram a espinha dorsal do
exército bizantino. A entrada dos Arménios no Império prolongou-se

35
B IZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

durante muitos séculos. Muitos estabeleceram-se na Capadócia e em


outras partes da Ásia Menor Oriental perto da sua terra natal. outros na
Trácia e outros ainda na região de Pérgarno. É impossível avançar com um
valor aproximado do seu número. No entanto, ao contrário dos Eslavos,
os Arménios ascenderam rapidamente a posições proeminentes, e até
mesmo ao trono imperial, dominando a instituição militar durante o
Período Médio bizantino.
Desta forma, se nos situarmos mais ou menos na altura em que o
Império iniciou o lento percurso da sua recuperação, digamos, em fins do
século vm, encontramos a população que havia sido agitada tão minu-
ciosamente dispersa, que é difícil dizer que grupos étnicos viviam onde e
em que números. Afirma-se muitas vezes que afastando, por muito dolo-
roso que seja, os principais elementos que não falavam grego. tais como
os Sírios, os Egípcios e os Ilírios, o Império tomara-se mais homogéneo.
Também se afirma que os que não eram gregos foram gradualmente sendo
assimilados ou helenizados através da actuação da Igreja e do exército, o
que, de resto, se verificou particularmente com as populações indígenas
da Ásia Menor, assim como com os Eslavos no Peloponeso e noutros
locais da Grécia. Poder-se-á aconselhar o leitor mais crítico a encarar estas
generalizações com alguma cautela. É evidentemente verdade que após a
queda do latim. o grego passara a ser a única língua oficial do Império,
pelo que para a aprender se tomara necessário seguir uma carreira de
negócios ou de comércio. Nem o arménio nem o eslavónio alguma vez
suplantaram o grego como meio de comunicação geral. Também é
verdade que, a longo prazo, o eslavónio morrera na Grécia e na Bitínia, e
se se falou algum arménio na Trácia, tanto quanto temos na memória, não
terá sido pelos descendentes dos colonos que lá se estabeleceram no
século Vlll. Mas depois também se sabe que o grego sobrevivera na Ásia
Menor continuamente apenas no Ponto e numa pequena parte da
Capadócia, ao passo que ter-se-á praticamente extinto na parte oriental do
subcontinente até à sua reintegração pelos imigrantes nos séculos XVIII
e XIX. Não discutiremos a última observação de que a Ásia Menor
Ocidental não falou predominantemente grego durante a Idade Média. Por
muito elucidativa que possa ser em determinados aspectos, uma visão
demasiado abrangente não ajudará o historiador bizantino a resolver os
problemas específicos com os quais se confronta. Terá sido a helenização,
por exemplo, um objectivo consciencioso do governo imperial, se foi,
como se implementou e com que sucesso? E se teve sucesso na Idade

36
Povos E LfNGUAS

Média, porque não o terá atingido na Antiguidade, sob as condições de


uma vida mais estável e uma civilização superior?
Quando consideramos as nossas fontes precárias, compreendemos que
a formulação das anteriores perguntas não se adapta à forma de pensar
bizantina. Primeiro que tudo, a própria designação «grego», que usamos
livremente hoje em dia para descrever os bizantinos que não pertenciam a
nenhum grupo alheio, está inteiramente ausente na literatura da época.
Um habitante do Sul da Grécia, da Tessália, ter-se-ia se referido a si
próprio como um Helladikos (um nome já comum no século VI d.C.), mas
tanto podia ter sido eslavo como «grego». O mesmo se pode dizer sobre
regiões cujos habitantes se chamavam pelos nomes das suas respectivas
províncias, por exemplo, Paflagónios ou Thrakêsians (segundo o «tema»
Thrakêsian na Ásia Menor Ocidental). Por isso, visto que não existia uma
noção de grego, é difícil explicar como poderá ter existido o conceito de
«helenização». O único passo que se conhece, e que o poderá explicar,
refere-se ao modo como o imperador Basílio I converteu as tribos eslavo-
nicas da sua antiga religião e, «dando-lhes uma forma grega» (graikôsas),
tornou-os governantes de acordo com o costume romano, honrou-os com
o baptismo e libertou-os da opressão dos seus próprios governantes» (27).
Contudo, há muito tempo que se vem a discutir o significado que o termo
«helenizado» poderá ter no presente contexto. O que ouvimos, muitas
vezes, é que se relaciona com a conversão de vários povos ao cristianismo
ortodoxo e com a implantação de uma organização eclesiástica, tal como
atesta a Crónica de Monemvasia. que descreve a actividade do imperador
Nicéforo I no Peleponeso: «Ele construiu de novo a cidade de Lacede-
mónia e implantou uma população diversificada: nomadamente, os caíres,
os Thrakêsians, os Arménios e outros, reunidos de vários sítios e cidades,
e transformou-a num bispado» (28). Decerto, nem os cafres (possi-
velmente um termo genérico para referir os convertidos do Islão); nem os
Arménios contribuíram para a helenização da Lacónia. O objectivo do
imperador era simplesmente reunir uma população cristã e estabelecer um
bispado.
Não há qualquer dúvida de que a evangelização dos povos não
cristãos instalados no Império foi levada a cabo em grego. Isto pode cau-
sar alguma surpresa no caso dos Eslavos, pois o alfabeto eslavónico foi
ele mesmo inventado por um bizantino, São Cirilo, provavelmente na
década de 860. No entanto, a sua invenção e a consequente tradução dos
textos cristãos fundamentais destinavam-se a uma região eslava bem

37
B IZÂNC IO . 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

distante, a Morávia; e foi inteiramente por uma questão de sorte que a


missão cirilo-rnetodiana, após o seu fracasso inicial, encontrara um solo
fértil num país em que tal não seria suposto acontecer, nomeadamente, o
reino búlgaro. Tanto quanto se sabe, nenhuma tentativa foi alguma vez
realizada para evangelizar os Eslavos na Grécia na sua própria língua,
sendo que o uso litúrgico do grego foi imposto na Bulgária conquistada
depois de 1018. Como é evidente, esta situação deverá ter contribuído
para a difusão da língua grega. Mas terá havido alguma política dei iberada
também nesse sentido? Não será mais provável que a ausência de um
clero linguisticamente qualificado, a relativa inacessibilidade das Escri-
turas eslavónicas, e a natureza heterogénea da população tenham conjun-
tamente levado a fazer uso do grego, como sendo a opção mais fácil?
Por mais que a imposição litúrgica do grego se tenha provado eficaz,
temos de admitir que a assimilação dos enclaves bárbaros foi um processo
muito lento. No Peloponeso a presença dos Eslavos pagãos a uma curta
distância do Sul de Esparta é atestada nos finais do século X (29), aproxi-
madamente duzentos anos depois das primeiras tentativas para provocar a
sua conversão. Igualmente eficaz terá sido o caso dos Eslavos na Bitínia.
Vimos que estes foram transplantados em número considerável no final do
século vn e até meados do século vm. Cerca de duzentos anos mais tarde,
os exércitos bizantinos que reuniram esforços para conquistar Creta em
949, incluíam um contingente de «eslavónios que estavam instalados em
Opsikion» (sendo este o nome administrativo de uma parte da Bitínia)
situado abaixo dos seus comandantes (30). Obviamente, estes eslavónios
formavam ainda um grupo distinto. No século seguinte, Anna Comnena
refere-se a uma aldeia na Bitínia «localmente chamada Sagoudaous» (31 ),
presumivelmente por causa da tribo Sagoudatai, atestada na Macedónia
no século VII. Um pouco mais tarde, o contingente eslavónico na Bitínia
= foi aumentado pelo imperador João II Comneno, que estabeleceu perto de
~
= Nicomédia um grupo de eslavos cativos (32). As aldeias sérvias ainda são
mencionadas nesses locais no século XIII. Por outras palavras, é bem
possível que os eslavos da Bitínia, ou pelo menos parte deles, tenham sido
assimilados pelos Turcos Otomanos sem que nunca se tornassem
«gregos».
A conclusão óbvia a tirar destes e de muitos outros casos é a de que o
Império Bizantino do Período Médio não foi de modo nenhum um Estado
solidamente grego. Além dos elementos arménios e eslavos, havia muitos
outros elementos estrangeiros, tais como os Georgianos e os Valáquios

38
Povos E LINGUAS

dos Balcãs. A afluência maciça de Sírios e outros cristãos orientais seguiu


a expansão do Império em direcção ao Oriente, em finais do século x;
e quando, em I O 18, a fronteira imperial se estendeu mais uma vez até ao
Danúbio, abrangia vastas áreas onde o grego nunca fora falado ou se havia
extinguido há muito tempo atrás. Se os falantes de grego formavam na
altura a maioria ou a minoria dos habitantes do Império permanece uma
incógnita.
De um modo geral, não é fácil definir o sentimento de solidariedade,
se é que haveria algum, que unia os habitantes multinacionais do Império.
No século VI o mote Gloria Romanorum aparecia ainda, por vezes, na
cunhagem de moedas imperiais, mas não é provável que existisse muita
devoção nas províncias orientais à ideia de Romanitas. Além disso, leal-
dade a Roma e admiração pela sua antiga grandeza haviam sido um tema
regular da polémica pagã, enquanto a Igreja mantinha a posição de que os
cristãos eram, acima de tudo, cidadãos da Jerusalém Celestial e, ao fazê-
-lo, provavelmente terá enfraquecido a coesão do Império. Para não falar
do facto de não ter havido exemplos de lealdade ao Estado na história
bizantina - com efeito, verifica-se completamente o contrário. Será sufi-
ciente lembrar o desespero da população de Nísibis quando a sua cidade
fora cedida aos Persas em 363, a demonstração de sentimentos pró-
-romanos em Edessa em 449, no contexto de lutas sectárias, e uma série
de casos semelhantes. Porém, devemo-nos de seguida recordar que na
altura a única alternativa a viver sob a lei romana era viver sob a lei persa
(o que era, normalmente, pior). As pessoas esmagadas pelo peso dos
impostos sentiam-se muitas vezes tentadas a desertar para o inimigo, e até
a juntar-se a alguma tribo bárbara onde não se cobrasse impostos.
Todavia, isso não era uma opção para aqueles que desfrutavam de um bom
nível de vida. Um sentimento de Romanitas dificilmente era um factor
decisivo.
Ao que se pode julgar, os principais elos de solidariedade foram dois:
regional e religioso. As pessoas identificavam-se com as suas aldeias, as
suas cidades e as suas províncias muito mais do que com o Império.
Quando alguém estava longe de casa, não passaria de um estranho, sendo
muitas vezes tratado como suspeito. Um monge da Ásia Menor Ocidental
que se juntou a um mosteiro no Ponto foi «denegrido e maltratado por
todos como se fosse um estranho» (33). O corolário para a solidariedade
regional era a hostilidade regional. Encontramos muitos testemunhos
depreciativos em relação aos «Sírios astutos» que falavam com um sota-

39
B IZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

que cerrado, aos grosseiros Paflagónios, os pedintes de Creta. Os Alexan-


drinos incitavam à ridicularização de Constantinopla. Os Arménios eram
quase todos descritos em termos do seu carácter abusador. Até os demó-
nios, como iremos ver no capítulo 7, tinham fortes sentimentos de afilia-
ção local e não queriam associar-se aos seus companheiros das províncias
vizinhas.
A identidade religiosa era muitas vezes mais sentida do que a identi-
dade regional. Tivesse a Igreja sido mais intolerante, e poderia bem ser
que os diferentes grupos religiosos tivessem vivido mais pacificamente
lado a lado. Mas, normalmente, havia algum bispo ou monge zeloso que
incitava um pogrom, e depois iniciava-se o combate. Não é de admirar
que os judeus e alguns pagãos que restavam tivessem experimentado
os elementos consistentemente mais desleais do Império. No entanto,
dentro da Igreja, a religião e o regionalismo coincidiram até um certo
ponto - e talvez aqui resida a chave para os grupos «heréticos», que irão
ser descritos mais pormenorizadamente no capítulo 4. Porque o que
parece ter motivado os Sírios e os monofisitas egípcios não terá sido.
tanto a sua crença em alguma questão da doutrina que lhes interessava,
antes a sua lealdade à sua própria Igreja, o seu bispo e o homem santo
da sua aldeia. Sempre que um grupo cristão dissidente houvesse insta-
lado uma base territorial de forma consolidada, todas as tentativas de
se lhe impor uma uniformização levavam ao fracasso da ortodoxia
imperial.
No Período Inicial bizantino a ideia de Romanitas continha pouca
força, o que se revelou ainda mais verdadeiro no que respeita ao Período
Médio, quando a velha capital imperial havia retrocedido um pouco para
o «deserto cítico» e a língua latina fora esquecida. Até em contextos de
confronto internacional, o factor emotivo estava mais associado à
identidade cristã do que à identidade romana. Com efeito, quando em 922
Romano I Lecapeno instigou os seus oficiais do exército a montar uma
defesa audaz contra Simeão da Bulgária, fizeram-se votos de morrer em
nome dos cristãos. E note-se que os próprios Búlgaros também se
apelidavam nesta altura de cristãos (34). Contudo, sublinhe-se que nenhum
termo novo emergiu para referir a identidade do Império como um todo.
Nem tal foi muito necessário no quotidiano das populações. Quando, no
início do século IX, São Gregório, o Decapolita, natural do Sul da Ásia
Menor, desembarcou no porto de Ainos na Trácia, foi prontamente preso
pela polícia imperial e sujeito a uma bastonada. Não se sabe bem porquê

40
Povos E LINGUAS

- talvez porque se parecesse com um árabe. Foi-lhe depois perguntado:


«Quem é você, e qual a sua religião?» A resposta foi: «Sou um cristão,
os meus pais são tal e tal pessoa, e faço parte da crença ortodoxa» (35).
A religião e a origem geográfica constituíam o seu passaporte. Não lhe
ocorreu descrever-se simplesmente como romano.

41
Capítulo 2

Sociedade e Economia

Diz-se que um abade do século VI se terá dirigido com estas palavras


a um noviço:

Se o imperador terreno pretendia nomeá-lo patrício ou cama-


reiro, dar-lhe dignidade no seu palácio (esse palácio que irá desa-
parecer como uma sombra, ou um sonho), não iria desprezar
rodas as suas posses e correr para ele com roda a prontidão? Não
estaria disposto a passar por rodo o ripo de dor e de trabalhos, até
arriscar a própria vida para poder testemunhar o dia em que o
imperador, na presença do seu senado, o recebesse e acolhesse no seu
serviço(!)?

Poucos Bizantinos, podemos imaginar, ter-se-ão comportado de forma


diferente, visto que a característica mais óbvia do Estado bizantino era o
poder esmagador do governo central. Excepto as rebeliões, não havia uma
força eficaz para contrabalançar esse poder excepto no atraso,
ineficiência, corrupção ou simples distância. Isto permaneceu verdade até
à desintegração gradual do governo central, que podemos situar aproxi-
madamente no século XI.

43
B IZÂNC IO . Q lMP~RIO DA NOVA ROMA

Em teoria, a autoridade do imperador não tinha limites, excepto


aqueles impostos pelas leis divinas. No capítulo 12 avaliar-se-á a defini-
ção ideal de imperador bizantino. No entanto, aqui, estamos preocupados
com a prática, e, na prática, o imperador era um homem que habitava o
palácio imperial de Constantinopla, longe dos olhares públicos, rodeado
pela sua corte. Mais do que nunca, devia a sua posição a um princípio de
hereditariedade mal formulado, mas respeitado; em alternativa, poderá ter
sido apontado pelo seu antecessor, escolhido por um grupo influente ou
pode ter ficado a dever o trono a uma rebelião bem-sucedida. Por mais
estranho que pareça, o Estado bizantino nunca desenvolveu uma teoria
de sucessão imperial. Um homem tomava-se imperador por vontade de
Deus, a eleição era assinalada pela aclamação por parte do exército e do
senado e oficializada, a partir do século v, por uma coroação religiosa
realizada pelo patriarca de Constantinopla. Para quem observava de fora,
este sistema parecia curiosamente instável e mal definido: alguns autores
árabes acreditavam que o imperador romano devia a sua posição a uma
vitória e seria dispensado se não tivesse êxito (2). Mas, quaisquer que
fossem as circunstâncias da tomada de posse do imperador, este não
poderia governar o Império sozinho. Os seus principais ministros seriam
escolhidos a seu bel-prazer e o poder efectivo que os mesmos exerciam
não era expresso pelos seus títulos. Alguns imperadores - os mais fortes
- assumiram um papel preponderante na condução dos assuntos, enquanto
outros ficavam satisfeitos se os pudessem relegar à responsabilidade de
um parente ou a um ou mais oficiais do Estado. Embora se acreditasse,
de um modo geral, que o imperador tinha o dever de liderar o seu exército
no campo de batalhatê), muitos imperadores não o faziam, quer fosse por
incapacidade pessoal, quer porque receavam uma rebelião na capital
durante a sua ausência. Existem tantas variações, que o mais correcto é
falarmos de um governo em termos do palácio imperial e não em termos
"'l· do imperador.
A sociedade a que o imperador presidia devia supostamente ser gover-
nada com base na ordem. As partes constituintes são descritas de várias
maneiras nas nossas fontes. Às vezes encontramos um sistema tripartido:
exército, clero e agricultores (4). Também nos é dito que o exército se
situava na primeira linha da organização política (5), ou que as ocupações
fundamentais eram a agricultura e o serviço militar, em que os agricul-
tores alimentavam os soldados, enquanto os soldados protegiam os agri-
cultores (6). Do século VI, existe uma classificação muito mais complexa

44
SOCIEDADE E ECONOM IA

da sociedade civil, na qual se distinguem dez categorias, nomeadamente:


1) o clero; 2) os juízes; 3) os senadores; 4) os financeiros; 5) os técnicos
profissionais; 6) os comerciantes; 7) os artesãos e produtores de matérias-
-primas; 8) os servos; 9) os inválidos (ou melhor, e por outras palavras, os
idosos, os doentes e os loucos); 10) os artistas (cocheiros, músicos,
actores) (7). Por mais interessantes que estas classificações possam ser,
elas não nos revelam o funcionamento da sociedade bizantina. Antes de
tentarmos construir um modelo mais realista, devíamos começar pelo
Período Inicial, e considerar, por momentos, os serviços do Estado, o
governo municipal, a Igreja, os ofícios e profissões urbanos e, finalmente,
as actividades agrícolas.
Todo o serviço imperial, quer militar quer civil, era designado pelo
termo militia (strateia em grego). Dentro dele, o exército formava o maior
grupo: a sua força total para o Oriente e para o Ocidente em finais do
século IV era composta por seiscentos e cinquenta mil soldados. Não nos
devemos surpreender com um número que poderia parecer, à partida,
elevado, se tivermos em conta que estamos perante uma população total
de provavelmente mais de quarenta milhões de habitantes. Porém, tratar-
-se-á, por outro lado, de um número efectivamente alto, considerando-se
o modo como o baixo rendimento da economia bizantina do Período
Tardio constituíra um fardo considerável sobre a sociedade. A seguir às
reformas de Constantino, o exército passou a ser composto por dois orga-
nismos principais: uma força móvel de comitatenses e uma milícia de
limitanei, cujos números para o Império do Oriente foram, respectiva-
mente, cerca de cem mil e duzentos e cinquenta mil homens. Os comita-
tenses não tinham acampamentos permanentes, sendo habitualmente
alojados nas cidades, onde poderiam ser chamados a desempenhar deve-
res policiais (o Império não tinha uma força policial regular). Alguns
queixavam-se de que, como resultado, os soldados tornavam-se brandos e
impunham privações insuportáveis nas cidades que não precisavam de
protecção (8). Os limitanei, por outro lado, eram recrutados localmente
entre os agricultores, os quais se encarregavam do fornecimento às guar-
nições militares dos fortes fronteiriços, nos períodos em que não estavam
a trabalhar no cultivo dos campos. Não eram vistos como sendo parti-
cularmente eficazes. O historiador Agathias destaca que Justiniano, o
maior dos conquistadores bizantinos, não tinha mais de cento e cinquenta
mil homens armados espalhados pelas várias províncias, na fase final do 1
seu reinado, quando a defesa do Império necessitaria de quatro vezes mais /.

45
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

homens (9). Contudo, este valor, não inclui os limitanei, pelo que poderá
eventualmente representar antes um aumento em vez de uma diminuição.
Simultaneamente, devemo-nos lembrar que uma força expedicionária
tinha normalmente entre dez mil e vinte e cinco mil homens, e um exército
de cerca de cinquenta mil, como aquele que eventualmente terá sido
accionado contra a Pérsia, era consideravelmente grande.
O serviço militar era uma ocupação para toda a vida e, supostamente,
bem remunerada. Ainda assim, não havia muito entusiasmo entre as
camadas mais civilizadas do Império, sendo a evasão generalizada. Na
altura do reinado de Justiniano, o recrutamento havia-se tornado volun-
tário e dependia em grande parte das províncias mais vigorosas, como a
llíria, a Trácia e a lsáuria, onde a vida militar era já tradicional. Também
se utilizavam muito os bárbaros, tais como os Godos, os Hunos e os Citas,
que ou haviam sido «criados em casa», ou tirados de tribos fronteiriças
aliadas ao Império (foederati). Contudo, a lealdade destes últimos nem
sempre podia ser tida como certa.
No Período Inicial os comandos militar e civil estavam geralmente
separados, embora na segunda metade do século VI se tivessem começado
a fundir em algumas províncias mais inseguras (particularmente em
África e na Itália). Havia, assim, uma hierarquia nas tropas do exército,
culminando em vários magistri militum, bem como uma hierarquia civil
preocupada com a justiça, com as finanças e com o funcionamento de
vários serviços, tais como os postos públicos (cursus publicus), o Estado
policial e o serviço secreto (magistriani ou agentes in rebus), entre outros.
A administração das províncias estava nas mãos dos chefes de prefeitura
pretorianos, agora destituídos da autoridade militar que detinham anterior-
mente, havendo descido a vicarii das dioceses e governadores das provín-
cias. Constantinopla, como Roma, tinha uma administração separada sob
a alçada de prefeitos urbanos. Dever-se-á referir que, enquanto os escalões
médio e baixo dos funcionários do Estado gozavam da segurança que lhes
conferia o título de posse, ao ponto da efectiva irremovibilidade, os ofi-
ciais superiores possuíam esse benefício apenas por um breve período de
tempo.
Alguns historiadores têm falado de um estrangulamento burocrático
do Império Romano Tardio, no entanto, pelos padrões modernos, o
número mínimo de funcionários do Estado era reduzido: calcula-se que ao
todo não haveria mais de trinta mil a quarenta mil no Oriente e no Oci-
·1 dente, conjuntamente (400 d.C.). A razão traduz-se pelo facto de serem as
1
j
46
SOCIEDADE E ECONOMIA

cidades a tratar dos seus próprios assuntos através dos conselhos


municipais (curiae), compostos por proprietários locais. Estes últimos,
normalmente chamados decuriões, formavam uma classe razoavelmente
numerosa. Se presumirmos que haveria cerca de duzentos por cidade, o
número total no Oriente terá sido perto dos duzentos mil. A sua impor-
tância para a história da civilização, todavia, ultrapassa largamente a sua
força numérica, visto que a elite intelectual do Império, as profissões
liberais, os escalões superiores da Igreja e uma grande parte dos cargos de
função pública eram preenchidos por membros da classe dos decuriões.
Havemos de considerá-los com mais pormenor.
É lugar-comum da história romana do Período Tardio que a pequena
nobreza municipal estava em declínio. Independentemente da tolerância
relativamente a reivindicações por interesses pessoais de que os membros
desta classe beneficiavam (sendo Libanus o exemplo mais frequente-
mente citado), o facto é que os decuriões de Constantino a Justiniano se
esforçaram bastante no sentido de fugir às suas responsabilidades, que
eram, de um modo geral, vistas como uma servidão. Do ponto de vista da
lei, todos os proprietários que alcançavam uma reserva de propriedade
estabelecida eram obrigados a servir nos conselhos, e os seus herdeiros a
segui-los. Eram, colectivamente, responsáveis pelos trabalhos municipais,
pela reparação dos edifícios públicos, aquedutos e fortificações, por
manter as ruas e os esgotos limpos, pela organização de espectáculos, por
vigiar o mercado, pela manutenção dos postos de serviço e por todos os
deveres extraordinários impostos pelo Estado, tais como alojar os solda-
dos, fazer as compras necessárias para reunir provisões, recrutar homens
para o exército (quando o recrutamento era preciso), etc. As cidades, por
seu lado, possuíam recursos provenientes dos impostos da terra e do mer-
cado que faziam face às despesas necessárias. Ainda assim, os decuriões
tinham normalmente de abrir os cordões à bolsa. Embora os encargos
inerentes à sua função fossem respeitáveis, não admira que explorassem
todas as escapatórias possíveis para os evitar. A forma mais comum de
serem dispensados consistia em juntarem-se aos funcionários do Estado
ou aos do senado de Constantinopla (apesar das várias leis que o proi-
biam), a fim de entrarem na Igreja ou de se tornarem professores no ./,,
serviço público. Alguns nunca casavam para não deixar um herdeiro
legítimo. Outros simplesmente fugiam. O resultado desta pressão contí-
nua foi a ruptura da classe curial: os membros mais pobres desaparece-
ram, enquanto os ricos ficaram mais ricos à custa dos seus vizinhos. i(

47
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Tomaram-se magnatas que intimidavam os seus concidadãos e, normal-


mente, tinham suficiente influência nos tribunais para ganhar cargos na
administração imperial que os dispensassem dos deveres municipais. Em
meados do século VI, os conselhos estavam praticamente extintos. João
Lydus, nascido em Filadélfia em 490, conseguia ainda lembrar-se dos dias
em que administravam as cidades e os seus membros usavam a toga ( 10).
A cisão criada ao nível das províncias foi colmatada em parte pelos
governadores, em parte (e cada vez mais) pelos bispos. Chamou-se
justamente a atenção para o facto de a Igreja bizantina não constituir uma
organização sul juris - em termos modernos, poderá ser descrita como
tendo uma função semelhante à de um departamento de Segurança Social.
A tarefa de abastecer os indigentes, os forasteiros, as viúvas e os órfãos
constitui uma obrigação evangélica que a Igreja abraçou no século IV.
À medida que os conselhos municipais se extinguiam, os bispos assu-
miam, cada vez mais, uma variedade de funções extra-religiosas. Encon-
tramo-los a administrar a justiça, a supervisionar o mercado, a regular
pesos e medidas, a reparar pontes, construir celeiros ... Um governador de
província que estivesse na residência oficial tinha no bispo alguém do seu
nível, sendo que em algumas cidades este se tornou um homem de nível
superior. O bispo era, portanto, um administrador, sendo normalmente
seleccionado de entre a pequena nobreza, porque tinha de ser apresentável
e possuir experiência administrativa. Era perfeitamente normal que um
leigo, mesmo não sendo particularmente religioso, fosse directamente
ordenado bispo. Os exemplos abundam, mas apenas um bastará por ora.
No início do século VI, ouvimos falar de um tal Harfat que vinha de uma
família de ricos proprietários. Quando os seus pais morreram, ele e um
parente herdaram as propriedades e cinco mil moedas de ouro. Posto
isto, foi oferecido a Harfat o bispado de Arsamosata na Arménia, o qual
ele recusou. A oferta foi feita também ao seu parente que, «ávido de rique-
zas e de cargos superiores», e descrito como pouco honesto, efectiva-
mente o aceitou ( 11 ). Existem também muitos exemplos de leigos que se
tomaram excelentes bispos, como Sinésio de Cirene, no século IV, e
São João, o Doador de Esmolas, patriarca de Alexandria no início do
século VII.
No Período Inicial bizantino, a Igreja tornou-se extremamente rica,
ou, por outras palavras, eram canalizados através dela imensos recursos.
Para além de um subsídio do Estado, recebia uma doação permanente sob
a forma de terrenos, assim como propriedades comerciais nas cidades.

48
SOCIEDADE E ECONOMIA

Estava constantemente em busca de doações por parte dos mais ricos.


Para além disso, prestava uma particular atenção às mulheres herdeiras a
quem, caso fossem viúvas, recomendaria insistentemente que não se
voltassem a casar, e, se estivessem solteiras, que se desposassem na sua
santa virgindade com a glória do Senhor, a benefício dos cofres eclesiás-
ticos. Mas se as receitas eram enormes, também o eram as despesas.
A Igreja de Antioquia, no final do século IV, proveio às necessidades de
trezentas viúvas e virgens, para além dos inválidos, forasteiros, prisio-
neiros e pedintes. Mas, e o que é mais importante, fê-lo sem gastar o
seu próprio capital (12). Os emolumentos do clero e a conservação dos
edifícios eram outras responsabilidades que pesavam no orçamento
eclesiástico.
A Igreja de Alexandria, vista pela perspectiva da Vida de São João,
o Esmoler, oferece-nos um exemplo concreto ( 13). São João era cipriota,
um leigo viúvo, pertencente a uma família distinta, que fora nomeado
patriarca pelo imperador Heraclio em 6 lO, para resolver uma situação
particularmente problemática: a Igreja egípcia, para além das modifica-
ções endémicas que havia sofrido, passara quase inteiramente para as
mãos da facção monofisita. Consta que São João tivera um enorme
sucesso. Tinha a liberalidade e a autoconfiança de um grand seigneur.
Fora também, se acreditarmos no seu biógrafo, um homem de perfeita
humildade. Humilde ou não, São João dera por si no topo de uma vasta
burocracia. Colocando de parte o clero provincial, a instituição em
Alexandria envolvera muitos milhares de postos, entre os quais vários
administradores financeiros (oikonomoi), um tesoureiro, um chanceler,
um esmoler, notários, secretários e consultores jurídicos. Havia ainda
oficiais de justiça, encarregues da aplicação de castigos físicos e de
prender os clérigos cuja conduta fosse imprópria como, por exemplo,
quando um monge surgisse na companhia de uma jovem. Os supervisores
de mercados e de tabernas estavam sob a autoridade do bispo. Existia um
exército de mensageiros e escudeiros - em determinada ocasião, refere-se
a existência de vinte - assim como de valetes do patriarca (cubicularii).
Finalmente, havia o clero propriamente dito, liderado pelo protopresbítero
e o arcediago, descendo-se depois na hierarquia até às classes cujos
incumbentes muitas vezes exerciam outras profissões, tais como a de
sapateiro. O patriarca presidia a um tribunal de justiça, onde ouvia todo o
tipo de queixas, e não apenas aquelas relacionadas com assuntos ecle-
siásticos. Geralmente, exercia a sua actividade em pé de igualdade com o

49
B IZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

governador do Egipto (dux augusta/is), que, por coincidência, era primo


do imperador.
O nosso documento nada nos diz acerca de uma eventual propriedade
de terra que a Igreja possa ter possuído (Alexandria não tinha proprieda-
des rurais), mas menciona um conjunto de tabernas das quais recebia
rendas e outros emolumentos. Além disso, a Igreja tinha uma frota com
cerca de quinze grandes navios de carga, que efectuavam o tráfego marí-
timo com a Europa Ocidental. Sabe-se que, em certa ocasião. foram
atingidos por uma tempestade no Adriático e tiveram de libertar toda a
carga no valor de três mil e quatrocentas libras em ouro. Choveram dona-
tivos solidários: uma mulher legou quinhentas libras em ouro à Igreja; um
leigo, casado duas vezes, ofereceu, durante um período de fome. duzentos
mil galões de trigo e cento e oitenta libras em ouro. com a condição de ser
nomeado diácono, tendo a sua oferta sido, todavia, rejeitada. Após todas as
considerações, São João terá arrecadado, durante os oito anos em que
exerceu o cargo, dez mil libras em ouro provenientes de donativos. para
além das oito mil que havia encontrado no tesouro da Igreja. Não é de
espantar que a Igreja de Alexandria agisse como banqueira dos negócios da
comunidade. Simultaneamente, o patriarca terá tido sete mil e quinhentos
pedintes ao seu cuidado, para os quais construíra hospícios - edifícios alon-
gados. em forma de abóbada, com bancos de madeira, tapetes e cobertores.
Construíra também estalagens para os monges que estivessem de visita e,
quando Jerusalém caiu nas mãos dos Persas, em 614, enviara grandes
quantias de dinheiro para reconstruir as igrejas e para resgatar prisioneiros.
Os outros três patriarcas orientais, de Constantinopla, Antioquia e
Jerusalém, usufruíram de recursos comparáveis aos de Alexandria.
Jerusalém, em particular, soubera fazer render o aumento de propriedades
na Cidade Santa e, excepcionalmente, fora-lhe dada a liberdade de vender,
com lucros abissais, algumas das suas terras urbanas arrendadas (14). Os
bispados das províncias eram, obviamente, mais pobres, mas normal-
mente sabiam governar-se bem. Sabemos, por exemplo, de um bispo
egípcio que se pôde dar ao luxo de gastar trinta moedas em ouro por um
serviço de jantar trabalhado em prata para seu uso pessoal (15). Na
Galácia, numa cidade muito pequena, o bispo de Anastasioupolis tinha,
por volta do ano 600, uma pensão de trezentos e sessenta e cinco soldos
por ano para a sua mesa. dos quais gastava apenas quarenta í+s).
Os vestígios arqueológicos confirmam, de forma flagrante, a riqueza
da Igreja do século IV ao século VI. Um pouco por todo o Mediterrâneo

50
SOCIE!DADE E ECONOMIA

têm sido encontradas marcas da existência de basílicas. Como exemplos


de arquitectura padronizada, estes edifícios eram bastante grandes, muitas
vezes com mais de trinta metros de comprimento, e sumptuosamente
decorados com colunas de mármore importado, gravuras esculpidas e
mosaicos. Em todas as cidades, cada vez se construíam mais igrejas. Esta
dinâmica durou até meados do século VI, quando a actividade abrandou,
até cessar por completo. Haveria efectivamente necessidade de se cons-
truir tantas igrejas? Do ponto de vista da devoção religiosa, a resposta será
certamente negativa. Porém, dado que a construção das igrejas era vista
como um acto digno de louvor e satisfazia a vaidade dos doadores, per-
mitindo, simultaneamente, atribuir cargos adicionais ao clero, esta activi-
dade continuou provavelmente durante algum tempo, mesmo quando já
teria deixado de servir uma real necessidade.
É certo que a Igreja terá desempenhado uma função social importante.
Contribuiu para um maior equilíbrio entre as classes sociais, nomeada-
mente, tirando aos mais ricos para fornecer abrigo, comida e cuidados
médicos aos mais necessitados. Não se pode duvidar que a Igreja condu-
zira estas actividades mais eficazmente do que o Estado ou o governo
municipal haveriam sido capazes de o fazer, pois podia apelar às emoções
do doadores, tentá-los com o Paraíso e ameaçá-los com o Inferno. Viúvas
ricas dificilmente haveriam de oferecer o seu ouro com lágrimas nos olhos
aos dux augusta/is ou aos comes Orientis. Mas assim, como o dinheiro
fluía através da escala social (e não sendo canalizado para a construção de
edifícios), uma boa parte era desviada para financiar as despesas eclesiás-
ticas. Visto que uma carreira na Igreja podia ser bastante confortável, já
para não falar do prestígio social que proporcionava, o clero era uma
classe em expansão. No início do século VII, por exemplo, o corpo admi-
nistrativo da catedral de Constantinopla era composto por oitenta e oito
pessoas, o clero por quinhentos e vinte e cinco, havendo mais setenta e
cinco porteiros ( 17) - isto depois de Justiniano ter congelado as ordena-
ções a um nível consideravelmente baixo (18). Um século antes, a Igreja
de Antioquia viu-se mesmo numa situação financeira difícil, por causa do
crescente número de membros do clero(19).
Antes de procedermos a considerações sobre as populações rural e
urbana, poderá ser útil considerar o sistema monetário do Império e o seu
padrão de rendimento e consumo. A base da cunhagem era o soldo de
ouro (nomisma em grego), cunhado a 72 libras. As moedas em ouro mais
= pequenas, de meio (semissis) e de um terço (tremissis) de soldo também

51
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

circulavam, mas nenhuma foi emitida em prata até ao século VII. Os trocos
eram de cobre e, depois da reforma do imperador Anastásio em 498,
normalmente vinham em denominações de 5, 10, 20 e 40 nummi, tendo a
última sido conhecida por Jollis. A relação entre o ouro e o cobre estava
sujeita a flutuações, mas, na teoria, um soldo era o equivalente a 180 folies
ou 7200 nummi. A falta de denominações intermédias entre o [ollis e o
tremissis poderá espantar o observador moderno, por isso lhe parecer algo
inconveniente. Visto que a cunhagem era fixada de acordo com o valor do
ouro-padrão, os preços e os soldos permaneciam notavelmente estáveis,
excepto em tempos de crise causada pelas secas, por ataques de inimigos
ou por outras calamidades - de facto, assim foi desde o século IV até ao
século XI, altura em que o soldo começou a ser adulterado.
A informação que temos sobre a dimensão das fortunas pessoais,
sobre os rendimentos, sobre o custo dos bens essenciais e dos luxos, sobre
os preços pagos pelos animais das quintas, assim como pelos escravos
levar-nos-á a algumas conclusões óbvias. Primeiro, existia uma dispari-
dade abissal entre os ricos e os pobres. Segundo, o serviço no governo
normalmente levava a riquezas consideráveis. Terceiro, terá havido um
grande número de pessoas a viver a um nível de subsistência básica, dado
que os operários não especializados e aqueles com apenas uma especia-
lização média eram muito mal remunerados. Quarto, o preço dos artigos
manufacturados, especialmente o vestuário, era comparativamente muito
elevado. Se começarmos pela base da escala social, existem provas razoa-
velmente coerentes de que os rendimentos de um trabalhador rural ou de
um operário semiespecializado rondavam os dez a vinte soldos por ano,
tendo-se em consideração um emprego estável. No final do século IV, São
Gregório de Nissa, que desejava construir uma igreja, recebera uma
equipa de trabalhadores a um terço de soldo por dia mais refeições, um
valor que considerara exorbitante <2º). No século VI, em Jerusalém, um
trabalhador da construção recebia um vigésimo de soldo por dia, isto é,
nove folies (21 ). No início do século VII, um trabalhador comum em
Alexandria recebia aproximadamente o mesmo salário, isto é, vinte e
quatro avos de soldo (22). Quando o imperador Anastásio construíra a
cidade de Dara na Mesopotâmia, como base estratégica contra os Persas
(505-507), oferecera salários excepcionalmente elevados aos pedreiros,
nomeadamente um sexto de soldo por dia, ou um terço para trabalhadores
com o seu próprio burro, levando a que «muitos se tivessem tornado ricos
e abastados» (23). Por seu lado, o preço de um escravo sem qualificações

52
SOCIEDADE E ECONOMIA

(cerca de vinte soldos) estava de acordo com a média dos rendimentos.


Passemos agora a considerar o preço dos bens essenciais. Por dia, os
vegetais que uma família consumia custavam cerca de cinco folies (24), o
que perfaria um total de pouco mais de dez soldos por ano; um quilo de
peixe seis folies (25) e um pão cerca de três folies, em tempos de crise (26).
O cobertor mais barato custava um quarto de soldo (27), uma capa em
segunda mão um soldo (2B), e um burro cerca de três ou quatro soldos.
É evidente que um trabalhador ou um pedreiro, ainda que com um bom
emprego, vivia apenas com o suficiente para não passar fome, a não ser
que fosse ascético, e conseguisse sobreviver com uma porção de tremoços
por dia (umfollis).
Na outra extremidade da escala social, encontramos o bispo Porfírio
de Gaza (no final do século IV), que provinha de uma família nobre de
Tessalonica. Herdara, após a morte dos pais, três mil soldos, e mais outros
mil e quatrocentos de proveniência não especificada, bem como roupas e
vasos de prata. Esta fora apenas uma parte dos bens, dado que Porfírio
tinha alguns irmãos mais novos (29). Já anteriormente mencionámos o
arménio Harfat, cujos bens de família terão equivalido a cinco mil soldos,
mais as terras. Note-se o facto de estas fortunas não serem, de modo
nenhum, excepcionais, mas aquelas que poderiam ter pertencido a decuriões
razoavelmente abastados. Um magnata imperial teria incomensuravel-
mente mais. Quando o general de Justiniano, Belisário, caíra em desgraça,
a área confiscada da sua propriedade (permitiram que ficasse com o res-
tante) perfazia o valor de duzentos e dezasseis mil soldos <3º).
Observemos agora um funcionário imperial de classe média. João, o
Lidio, ao qual devemos o tratado sobre As Magistraturas do Estado
Romano e outros trabalhos sobre a Antiguidade, chegara a Constantinopla
em 511, com o intuito de seguir os estudos superiores e entrar na adminis-
tração pública. Por sorte, um compatriota, de nome Zótico, fora nesse
preciso momento designado para o cargo de prefeito pretoriano. Com a
sua grande ajuda, João recebera um posto na chancelaria da Prefeitura,
onde já um primo seu estaria empregado, e, no decorrer de um ano,
ganhou «honestamente» (como o próprio dissera) mil soldos só em
comissões. Maravilhado com tal fortuna, escrevera um breve panegírico
do seu patrono, e fora recompensado com um soldo por cada verso, tirado
naturalmente do tesouro público. O que é mais importante é que Zótico
encontrou uma noiva para o seu protegido, uma mulher de castidade
sem igual, que lhe trouxe um dote de cem libras em ouro (7200 soldos) (31).

53
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

É verdade que, após Zótico ter sido destituído, a carreira de João sofreu
um retrocesso. No entanto, permanecera ainda por mais quatro anos na
Prefeitura, chegando ao topo da sua classe e retirando-se com o título de
Conde, de Primeira Classe. Trata-se de um caso interessante, não só do
ponto de vista do que seriam os rendimentos de um oficial, mas também
da importância do patronato e dos laços geográficos.
Infelizmente, não sabemos quase nada sobre os rendimentos da classe
média urbana. Falando de Antioquia, São João Crisóstomo diz que um
décimo da população era rica e outro décimo completamente indi-
gente (32). Não devemos julgar estes valores pelo aspecto exterior, pois o
próprio orador os contradiz na frase seguinte. O número de destituídos,
aqueles inteiramente dependentes da caridade de terceiros, seria prova-
velmente abaixo dos dez por cento, a haver alguma verdade no teste-
munho acima citado que dá conta da existência de sete mil e quinhentos
pedintes ao cuidado da Igreja de Alexandria, bem abaixo dos cinco por
cento da população da cidade. Também não se poderá concluir que oitenta
por cento dos habitantes de Antioquia viviam bem. Já se referiu o modo
como os trabalhadores braçais eram extremamente pobres, e o mesmo se
poderia dizer, sem dúvida, acerca das outras ocupações mais humildes,
tais como os vendedores ambulantes e retalhistas. Os artesãos - normal-
mente organizados em associações, e classificados a um nível social
superior relativamente aos retalhistas -, bem como alguns comerciantes,
como os joalheiros e os cambistas (argyropratês), podiam ascender a
lucros substanciais; mas, embora existam longas listas de ocupações urba-
nas, não é possível organizá-las numa ordem ascendente. A impressão
geral quanto aos rendimentos é a de que os comerciantes e os artesãos não
estariam numa posição em que se ganhasse muito dinheiro. Um homem
pertencente a estas classes poderia aspirar a ter a sua própria casa, com-
prar um escravo, ter uma cama com cobertores e alguns vasos de bronze.
A posse destes itens, que eram muitas vezes adquiridos à custa de se
fazerem rigorosas economias nos bens essenciais, definia o seu estatuto
(schêma) (33).
Pensando-se em ocupações que pudessem revelar o nível de riqueza,
a de mercador vir-nos-á imediatamente à mente. O Expositio totius mundi
do século IV apresenta um retrato justo da actividade comercial. Diz-se
que na Mesopotâmia Nísibis e Edessa eram cidades ricas, porque o
comércio persa se canalizava através delas. Na Síria, os portos de Tiro e
de Laodiceia eram particularmente prósperos. Áscalon e Gaza, na Pales-
r;
54
SOCIEDADE E ECONOMIA

tina, exportavam vinho para a Síria e para o Egipto. Citópolís, Laodiceia,


Biblos, Tiro e Berytus (Beirute) eram famosas pelos seus têxteis. Todas
estas cidades, diz-nos o nosso texto, dependiam do comércio e os seus
habitantes eram ricos, eloquentes e virtuosos. Outro centro importante,
por causa da sua proximidade com os Persas e os Árabes, era Bostra.
O Egipto, claro, era célebre pela sua fertilidade. Produzia tudo excepto
azeite (e, podemos acrescentar, vinho de óptima qualidade). Alexandria,
por seu lado, era o maior porto do Império. Sobre os outros portos o nosso
autor parece saber mais apenas pelo que ouviu dizer, do que por expe-
riência própria. Refere a província da Ásia (Ásia Menor Ocidental) como
produtora de vinho, azeite, arroz, púrpura e espelta; e outras regiões cos-
teiras da Ásia Menor igualmente pela produção agrícola, ao passo que os
distritos do interior contribuíam com pouco mais do que têxteis e peles
de animais. Em relação aos Balcãs é menos entusiasta: a Trácia era
apenas fértil; a Macedónia tinha ferro, bordados, carne de porco e queijo;
a Grécia nem sequer conseguia produzir o suficiente para fazer face às
suas próprias necessidades, e a Lacónia produzia apenas mármore. Ainda
assim, Corinto possuía um porto dinâmico.
É certo que havia bastante comércio de longa distância no Império
Romano Tardio, nomeadamente, o comércio de azeite e vinho, peixe
salgado e ovas, escravos, especiarias orientais, têxteis e roupas prontas a
vestir, cerâmica e metais preciosos. Todavia, isso não levou a grandes
fortunas. A existência de grandes magnatas do comércio não foi em
nenhum momento uma característica da sociedade bizantina, e talvez o
único mercador nos anais da literatura bizantina do século VI tenha sido
alexandrino Cosmas Indicopleustes: viajara certamente por toda a parte,
mas não sabemos se ganhou muito dinheiro. O lucro relativamente baixo
do comércio devia-se a muitas causas interligadas, a saber, o baixo poder
de compra da população, a auto-suficiência de muitas regiões em relação
aos bens essenciais e o risco que constituíam as viagens de longa distân-
cia. Os naufrágios eram frequentes e os meses de Inverno não eram acon-
selháveis para a navegação, pelo que uma grande parte do ano estagnava
em termos de comércio. As taxas de juro para os empréstimos comerciais
eram também muito altas. Outro factor importante diz respeito ao facto de
o Estado (potencialmente o maior cliente) não ter recursos para os inter-
mediários privados. O abastecimento das cidades principais bem como do
exército era, como diríamos, nacionalizado. Os produtos (milho egípcio,
linho, lã, etc.) eram taxados directamente pelo género e transportados por )·dI
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BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

uma corporação de expedidores do Estado (navicularii), que se vincula-


vam a este serviço seguindo um sistema de hereditariedade. Além disso,
o Estado detinha fábricas de armas e de tecelagem para produzir unifor-
mes, bem como o monopólio da exploração mineira. O papel do mercador
privado era por isso reduzido. No século VII um agente comercial do
comércio de longa distância, o judeu Jacob, a quem se confiara remessas
de roupas no valor de cento e quarenta e quatro soldos (que não era, de
todo, uma grande quantia) para vender em África e na Gália, terá recebido
quinze soldos por ano em comissões: não admira que tivesse defraudado
o patrão (34).
A principal fonte de riqueza, assim como dos impostos, era a agricul-
tura. Existe uma opinião amplamente defendida de que o sistema bizan-
tino baseava-se inicialmente em grandes propriedades trabalhadas por
escravos, mas, para dizer a verdade, isso é uma ideia totalmente falsa.
O trabalho servil não era muito usado na terra, estando, em larga medida,
cingido ao serviço doméstico. Até São João Crisóstomo, que desaprovava
a acumulação ostentosa de escravos, admitia que um homem livre à
nascença não poderia cozinhar para si (35). A maioria dos escravos - e não
temos ideia da percentagem relativamente à população total - vivia, pois,
nas cidades. Quanto às grandes propriedades, estas certamente existiam,
embora possamos visualizá-las não tanto como enormes extensões de
terra, mas antes como um grande número de pequenas porções de terra
dispersas pertencentes a um único proprietário. Em geral, a terra estava
muito fragmentada, sendo bastante comum que um proprietário rural,
quer fosse individual, quer fosse a Igreja, ou a Coroa, possuísse proprie-
dades em várias províncias. Alguns exemplos bem conhecidos de pro-
prietários rurais muito ricos, como a família Apion do Egipto, não nos
deverão fazer esquecer da presença de pequenos e médios proprietários
livres, muitas vezes agrupados em comunas autónomas. A exploração
arqueológica do maciço montanhoso no Norte da Síria, uma região que
ganhou grande prosperidade graças ao cultivo de oliveiras, demonstrou-
-nos não só a coexistência de grandes e pequenas terras arrendadas, mas
também uma tendência geral, no período que se estendeu do século IV ao
século VI, no sentido de uma ruptura das grandes propriedades, por um
lado, e do crescimento de aldeias de agricultores relativamente prósperos
e independentes, por outro (36). Embora as condições no maciço monta-
nhoso não fossem provavelmente típicas em relação ao resto da Síria, já
para não falar de outras zonas do Império, serviram para salientar o perigo

56
SOCIEDADE E ECONOMIA

de se tirar conclusões generalistas a partir de textos literários e legis-


lativos.
Embora o escravo estivesse normalmente ausente da paisagem rural,
o colono (colonus) tinha uma presença proeminente. Homem de estatuto
degradado e anómalo, o colono era teoricamente livre, mas na prática
estava preso à sua terra. Era, como a lei de 393 dizia, «um escravo da
terra» (37). A sua condição era hereditária, a sua liberdade para casar
restrita, e nem sequer se podia alistar no exército. O senhor da terra rece-
bia os seus impostos e tinha poder bastante para o prender caso tentasse
fugir. O governo admitia abertamente que pouca diferença havia entre o
estatuto de um escravo e o de um colonus (38). É evidente que não seria
por puro sadismo que as autoridades eram levadas a restringir as liber-
dades do colono. A sua principal preocupação era a de receber os
impostos, conforme os regulamentos estabelecidos. Se houvera uma
instituição que marcara indiscutivelmente o modo de vida do Período
Tardio romano e bizantino fora, sem dúvida, a tributação. Supostamente,
a contribuição de impostos normais e extraordinários - em géneros, relati-
vamente aos agricultores, e em dinheiro, relativamente aos mercadores
e artesãos - deveria ser equitativa. Mas, na verdade, tinha um maior
impacto na população agrícola do que na população urbana e nos pobres
mais do que nos ricos. Ao infeliz do colonus retinha-se cerca de um terço
do que produzia só em impostos, para além da renda que teria de pagar ao
senhor. Foram precisamente os impostos exorbitantes que levaram muitos
romanos a desertar para o inimigo - não tanto nos séculos IV e V como no
século XI (39) -, que obrigaram agricultores a abandonar os campos, que
encheram mosteiros e que empobreceram decuriões. O indictio ou obri-
gação fiscal num ciclo de quinze anos tomou-se a forma mais generali-
zada de contar os anos no Império Bizantino.
Ao observarmos, ainda que de forma breve, a história social e econó-
mica do Estado bizantino do Período Inicial encontramos uma malha
de coacções cada vez mais apertada. A ideia do imperador Diocleciano de
introduzir uma economia planeada na última década do século III fora,
provavelmente, um passo necessário: o Estado talvez não tivesse sobre-
vivido de outra forma. Uma economia planeada possibilitou algo que não
existira antes, nomeadamente, o orçamento de Estado. De que outra forma
se haveria podido fazer face à despesa militar, extraordinariamente mais
elevada agora, ainda que variável? Um orçamento significava um sistema
de tributação racionalizado, que implicaria a necessidade de um recensea-

57
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

mento, e que, por sua vez, implicaria também uma maior burocracia. Em
resultado das reformas de Diocleciano, o funcionalismo invadiu o mundo
romano, pelo que no século lV já se poderia afirmar que o número de
beneficiários excedia o de contribuintes (40) (embora sem dúvida que com
um exagero considerável). No entanto, como todos sabemos, a burocracia
gera a sua própria cinética e os impostos têm tendência para subir e não
para descer. Não se poderá negar o facto de que, a partir do século IV,
as terras estavam a ser cada vez menos cultivadas e os impostos terão
sido, provavelmente, a principal razão de tal acontecer. À medida que os
lucros daí provenientes diminuíam, os funcionários do Estado, munidos
dos seus cadernos de registos, não tinham outra alternativa senão aplicar
mais medidas repressivas: todos, desde o mais humilde colono ao
decurião, tinham de ser mantidos no seu lugar. Porém, as engrenagens do
governo encalhariam lentamente: como as distâncias eram grandes havia
bastante margem de manobra para a fraude e a evasão. A figura do patrão,
o «fixador», o homem influente, tomou-se, pois, o centro das atenções,
tanto assim que até o culto aos santos cristãos passara a ser visualizado em
termos de patronato, como iremos ver no último capítulo. Já mencioná-
mos o caso de Jacob, o viajante e vendedor judeu. Existe uma continuação
à sua história. Quando o patrão de Jacob, em Constantinopla, soubera que
havia sido defraudado, o que fez? Teria recorrido à lei? Não, de todo. Fora
antes ao encontro do seu protector, um camareiro no palácio imperial, e
este enviara «o seu próprio homem» a Cartago para prender Jacob que,
entretanto, havia abraçado o cristianismo (41 ).
A rigidez da estrutura social e económica do Período Inicial bizantino
podia sempre ser contornada por vias desonestas. Independentemente do
que as leis impusessem (e não há razão para pensar que fossem sistema-
ticamente aplicadas), um homem de recursos encontrava normalmente
uma maneira de as contornar e de continuar a sua vida. Existiam, natu-
ralmente, meios de ascensão social reconhecidos, especialmente no
exército e na função pública. Vários são os exemplos de soldados que
subiram a outros postosde comando, e até mesmo ao trono imperial, bem
como de filhos de fabricantes de salsichas que se tomariam grandes
ministros de Estado. E uma vez constituída a fortuna, esta tendia a per-
manecer na família durante várias gerações, a não ser que fosse confis-
cada. Embora não houvesse uma aristocracia hereditária institucionali-
zada, o funcionalismo trazia dinheiro que permitia assegurar os cargos
de governo. Porém, havia ainda outras formas de mobilidade social.

1 58
1
l
;
SOCIEDADE E ECONOMIA

O herético Aécio, do século IV, terá começado a sua vida como colono
numa vinha. Mais tarde, conseguira ascender a ferreiro, sendo depois
preso por fraude. Aprendera a medicina dos curandeiros charlatães e,
posteriormente, surgira como físico através dos seus próprios recursos,
chamara a atenção de César Galo (irmão de Juliano) e acabara como
teólogo famoso (42). A história poderá bem ser maliciosa, mas demonstra
o modo como este tipo de percurso era possível. Assim, poder-se-á des-
crever a estrutura social do Período Inicial bizantino como se caracte-
rizando por uma rigidez severa temperada com uma dose de evasão.

O colapso do Estado bizantino do Período Inicial, na mesma altura em


que o infeliz Jacob estava a ser levado de Cartago para Constantinopla,
deverá ter causado reajustes sociais profundos. Infelizmente, não possuí-
mos a documentação para os poder compreender em pormenor. Quando,
no século IX, a cortina de fumo se começara a levantar, percebemos que
havia nascido um mundo bastante diferente. Contudo, sabemos muito
pouco sobre o processo intermédio de transição.
O que se poderá observar com maior clareza é o modo como todo o
aparelho do governo imperial fora colocado numa base diferente. Os gran-
des ministros de Estado, como os chefes de prefeitura pretorianos, e os
grandes postos de comando dos Mestres dos Soldados foram abolidos. Em
seu lugar, encontramos um número bastante mais elevado de funcionários,
todos eles reportando directamente ao imperador, e não organizados numa
pirâmide hierárquica. A razão na base desta mudança, como J. B. Bury a
definiu (43), era «substituir o princípio de coordenação pelo da subordi-
nação, e multiplicar as repartições estatais, em vez de colocar inúmeros
poderes nas mãos de algumas». O mais surpreendente foi a reestruturação
da administração das províncias, iniciada, segundo consta, pelo imperador
Heraclio. As antigas províncias agrupadas em dioceses foram substituídas
por um grande número de unidades chamadas themata ou «temas», cada
uma das quais governada por um stratêgos (general), cujas competências
incluíam os assuntos militares e civis. Esta reforma foi primeiro aplicada
1
na Ásia Menor e, depois, alargada às províncias europeias, à medida que
estas últimas iam sendo gradualmente libertadas pelos bárbaros. Ao
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1'
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mesmo tempo, os grandes «temas», tal como constituídos originalmente,
terão sido divididos noutros de menor dimensão. O termo thema, cuja
derivação exacta permanece ainda pouco clara, refere, antes de mais, um
corpo de soldados e, por extensão, o distrito em que estavam esta-

59
BIZÂNCIO. 0 lMPÉRIO DA NOVA ROMA

belecidos. A seguir à primeira implantação de soldados, de quem o


«tema» recebia normalmente o seu nome, o recrutamento parece ter sido
realizado localmente, o que levou à criação de um exército indígena
permanente. A semelhança com o antigo sistema de limitanei é óbvia, mas
agora todo o território do Império se tomara, por assim dizer, uma zona
fronteiriça. Alguns académicos acreditam que a salvação do Império
durante a sua longa luta com os Árabes foi conseguida através desta
reforma radical. Também defendem que, logo desde o início, os soldados
(stratiôtai) dos «temas» terão recebido concessões de terra na condição
de prestarem serviço militar hereditário, que cultivavam enquanto não
serviam em campanha. Esta imagem de soldados-agricultores vigorosos,
defendendo os seus lares contra o invasor, contrasta com a sociedade
«gasta» da época anterior, que passava a maior parte do tempo nos teatros
e pagava a mercenários bárbaros para lutar.
Não poderá haver dúvidas de que a instituição dos «temas» envolvera
uma militarização minuciosa do Império à medida das duras realidades da
vida contemporânea, mas não é de todo muito claro o modo como o
sistema terá funcionado nos primeiros dois ou três séculos da sua exis-
tência, ou quais as condições sociais de que se revestia. A tese mais aceite
é a de que a reforma «temática» fora acompanhada por uma fragmentação
generalizada das grandes propriedades características (assim se diz) do
Período Inicial bizantino, e que na sociedade rural da Idade Média as
comunidades livres e os pequenos proprietários predominaram. Consi-
derando-se o número assinalável de imigrantes que se terão instalado den-
tro das fronteiras do Império nesta altura, como já vimos no capítulo 1,
deduz-se que deverão ter recebido terras, mas não há registo se estas
seriam da Coroa ou de antigos magnatas. Tão-pouco há qualquer refe-
rência, ao que se sabe, à existência de proprietários rurais que tenham sido
desalojados em favor dos imigrantes ou dos soldados dos «temas». Em
todo o caso, se houve, realmente, uma transição de grandes para pequenas
propriedades, essa tendência deverá ter sido relativamente ligeira, visto
que, por um lado, não é de todo certo que os latifundia haviam sido ante-
riormente a norma nas províncias orientais, e, por outro, a existência de
grandes propriedades está bem documentada nos séculos VIII e IX, tal
como veremos mais à frente. O que aqui se pode observar é sobretudo
uma mudança de situação, e não tanto uma revolução.
Orna prova que é muitas vezes apresentada neste contexto é a cha-
mada Lei dos Agricultores (44). Este documento pitoresco, que se diz

60
. ;,
SOCIEDADE E ECONOMIA

remontar a finais do século VII e início do século VIII, regula em termos


simples as disputas que emergiam numa comunidade de uma aldeia.
Os agricultores, alguns dos quais tinham escravos ou contratavam
pastores, são representados como donos dos seus próprios campos e gado,
e como sendo livres de circular por onde quisessem. Há registo de agri-
cultores pobres que abandonam as suas terras, onde as taxas e impostos
pesavam sobre a comunidade. Todavia, por vezes, um agricultor ausente
continuava a cumprir as suas obrigações tributárias face ao Tesouro e
detinha a total posse da sua propriedade, quer estivesse cultivada ou não.
Existem terras comunais que são divididas de tempos a tempos, assim
como bosques próximos da aldeia. Pomares e vinhas são protegidas
por valas e vedações, mas os campos não, pelo que o gado que por ali
vagueava acabava muitas vezes por entrar. Os rebanhos eram atacados por
lobos, os cães lutavam, sendo ocasionalmente abatidos, e os agricultores
roubavam os instrumentos agrícolas uns dos outros. Penas duras, muitas
vezes bárbaras, serviam de castigo aos responsáveis - amputavam-lhes as
mãos ou a língua, cegavam-nos, eram empalados, ou mortos na fogueira.
Apesar da sua concisão, a Lei dos Agricultores apresenta uma descrição
viva da vida das aldeias. No entanto, será que podemos ter a certeza de
que descreve uma situação que era, então, típica do campo bizantino? Será
que podemos inferir da ausência de referências aos co/oni que estes já não
existiam ou eram meras excepções, embora tenham reaparecido sob o
nome de paroikoi, pelo menos no início do século IX? Ou será que a Lei
dos Agricultores se aplica apenas a um determinado tipo de comunidade,
cuja vulgaridade ou raridade somos incapazes de estabelecer? Finalmente,
como se relaciona a Lei dos Agricultores com o sistema dos «temas»?
Não há qualquer referência ao serviço militar ou à posse de terras condi-
cionada pelo cumprimento de serviço.
A contínua existência de grandes propriedades prova-se através de
uma série de casos concretos. Não vamos insistir num que é sobejamente
\
citado, o do paflagónio São Filareto (falecido em 792). do qual se diz ter
possuído quarenta e oito propriedades, doze mil ovelhas, seiscentos bois
e vacas, e ainda outros que distribuíra pelos mais necessitados (45). Um
exemplo mais credível é aquele de São Teófanes, o Confessor, autor de
uma famosa crónica, e que nascera em 760, sendo filho de um governador
do «tema» do mar Egeu. Deixara um órfão com três anos, que se tornara
um jovem muito rico, e que casou com uma mulher de igual riqueza.
Tivera várias propriedades na Bitínia, bem como muitos escravos, tanto

61
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

homens como mulheres, incluindo o seu ourives privado. Havendo


entrado no serviço imperial com a posição de strator (moço de estrebaria),
fora nomeado para supervisionar a reconstrução do forte de Cízico, e
desempenhara essa tarefa à sua própria custa. Teria subido mais na hierar-
quia imperial se não tivesse decidido tornar-se monge e despojar-se dos
seus bens materiais. Ainda assim, fora capaz de reunir o capital suficiente
para a construção de um mosteiro muito importante (46). Um caso ainda
mais extremo fora o da viúva Danelis de Patras, que ajudara Basílio da
Macedónia (mais tarde, imperador Basílio l) quando este era ainda um
jovem desconhecido. É descrita como possuindo «uma parte do Pelopo-
neso nada pequena». Em duas visitas seguidas que fez a Constantinopla
foi transportada por terra numa liteira suportada por trezentos escravos
jovens e vigorosos, que trabalhavam por turnos. A sua propriedade. que
viria a legar ao imperador Leão VI, e a qual «excedia qualquer fortuna
privada sendo pouco inferior à de um governador», incluía oitenta
propriedades e mais de três mil escravos que o imperador enviara como
colonos para o Sul de Itália (47). Podemos recordar que o Peloponeso
foi organizado num «tema» por volta de 810, a seguir à sua recuperação
das tribos eslavónicas independentes. À luz da teoria aceite deverá ter
sido estabelecido por soldados-agricultores. No entanto, as vastas proprie-
dades de Danelis foram constituídas nesta mesma época, uma vez que ela
era já avó e plutocrata quando conheceu pela primeira vez Basílio, na
década de 850.
Com efeito, parece que os historiadores têm procurado na direcção
errada. Pressupondo a continuidade da vida urbana na Idade Média,
pensou-se ter-se descoberto uma revolução agrária. Na realidade, foi a
vida urbana que entrou em colapso, como veremos no próximo capítulo,
ao passo que as condições no campo não sofreram qualquer mudança
estrutural. Em poucas palavras, o Império foi ruralizado. Por um lado,
a ausência de grandes populações urbanas que necessitassem de ser ali-
mentadas e, por outro, e introdução de nova mão-de-obra no campo
levaram à abundância de produtos alimentares mais baratos, no século
Vlll. Simultaneamente, os custos de manutenção do Império foram em
grande medida diminuídos quando os mercenários bárbaros deixaram de
ser contratados em larga escala. Como resultado destes desenvolvimentos,
. i que podemos apenas discernir nas suas linhas mais gerais, as complexas
limitações do Período Inicial bizantino puderam ser aliviadas. Se os cam-
poneses recuperaram alguma liberdade, isso deveu-se provavelmente ao

62
SOCIEDADE E ECONOMIA

facto de existirem em número suficiente em relação às necessidades do


Tesouro.
A Igreja foi igualmente afectada pelo colapso das cidades. O bispo
provincial do Período Médio bizantino era uma pálida sombra dos seus
antecessores. O Concílio de 869 procurou restabelecer a sua dignidade e,
ao fazê-lo. deu-nos uma ideia do seu estatuto social. Decidira-se que um
bispo não se deveria deslocar para longe da sua igreja para se encontrar
com um stratêgos, ou qualquer outro dignitário laico; não deveria des-
montar apressadamente do seu cavalo ou mula e aproximar-se dos referi-
dos dignitários com medo e a tremer; não deveria sequer jantar na com-
panhia de um dignitário, a menos que fosse obrigado a prestar-lhe uma
deferência especial (48). Se os bispos estavam tão aterrorizados com os
seus governadores locais, não é de admirar que mostrassem uma completa
subserviência aos desejos do imperador, mesmo quando o imperador era
um herege. Cem anos mais tarde, o embaixador Liutprando da Lombardia
comentara que os bispos bizantinos tinham poucos criados, bem como um
mobiliário humilde que compravam e vendiam, e desempenhavam a
função de porteiro em suas próprias casas (49). A nomeação para um bis-
pado podia ser comprada por uma modesta quantia: o de Sebaste (Sivas),
na Ásia Menor Oriental, valia cem soldos no princípio do século X (50).
Como termo de comparação, o título de protospatharios na corte, que
implicava uma anuidade de 2,5 por cento, podia ser obtido na mesma
altura por quarenta libras em ouro, ou seja, perto de três mil soldos.
O declínio das fortunas da Igreja não se deveu totalmente ao colapso da
vida urbana: outro factor que contribuiu foi o facto de as doações serem
cada vez mais dirigidas aos mosteiros, que tenderam a adquirir um esta-
tuto independente, como veremos no capítulo 5. Os bispados ficaram, por-
tanto, apenas com as propriedades fundiárias sobre as quais pagavam as
contribuições básicas e outras pequenas taxas que pudessem arrecadar dos
mosteiros, assim como para ordenações, casamentos, baptismos, etc. Por
outras palavras, estavam ao mesmo nível dos proprietários privados e
agiam normalmente como tal, abandonando a esfera do «bem-estar
social». Além disso. a vida num cargo episcopal provincial era extrema-
mente monótona: para um homem educado, habituado às amenidades de
Constantinopla, era o equivalente a uma sentença de desterro. Não admira
que os bispos se demorassem tanto quanto possível na capital com vários
pretextos, tendo muitas vezes de ser pressionados a regressar aos seus
rebanhos no campo.

63 JI
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BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

O desenvolvimento da sociedade bizantina durante o Período Médio é


marcado por duas tendências contraditórias: por um lado, a constante
transição em direcção a um certo tipo de feudalismo, e, por outro, um
crescimento ténue de uma burguesia urbana. A primeira tem recebido
muito mais atenção por parte dos historiadores do que a segunda.
Os problemas dos séculos VII e VIII parecem ter praticamente termi-
nado com as principais famílias do período anterior. A sua ruína deveu-se,
provavelmente, e acima de tudo o resto, a razões económicas. Além disso,
diz-se que alguns imperadores, nomeadamente. Focas, Justiniano li e
Leão Ili, perseguiram deliberadamente as classes mais altas. Indepen-
dentemente de qual a verdade contida nestas alegações, as figuras mais
proeminentes que encontramos a partir do século VIII parecem ser de
ascensão relativamente recente, e muitas delas tinham claramente origem
estrangeira. Embora as provas prosopográficas à nossa disposição sejam
extremamente escassas, podemos, no entanto, citar alguns casos de
famílias importantes que emergiram nos séculos VIII e IX, sobrevivendo
depois disso por um longo período de tempo. Dissemos que São Teófanes,
o Confessor (nascido em 760) era filho de um stratêgos; este, que dava
pelo nome de Isaac (um nome pouco comum entre os Gregos), deverá, por
isso, ter nascido cerca de 720- 730. Teófanes não tinha filhos, porém. um
ramo da sua família deve ter sobrevivido, uma vez que o imperador
Constâncio VII (913-959) reivindicara-o como sendo seu parente pelo
lado da sua mãe, a imperatriz Zoé(51). Sabemos ainda que o bisavô de
Zoé, activo nos anos 820, era um stratêgos do «tema» da Anatólia(52).
Outro exemplo é-nos dado pela casa de Rentakios ou Rendakis.
Encontramos pela primeira vez o patrício Sisinios Rendakis em 719,
algures na Macedónia (53). Em 867 um Rentakios era camareiro no palá-
cio imperial (54), e um outro Rentakios, descrito como um «Helladikos»
pouco culto, ou seja, um autóctone da Grécia, fora morto por conspirar
com os Búlgaros, em 920 (55). Este último, por coincidência, era parente
do patrício Nicetas, satirizado pela sua «cara de fuinha eslavónica», cuja
filha Sofia casara com Cristóvão Lecapeno (falecido em 931 ), filho do •
imperador Romano I (56). No século X os Rentakioi estabeleceram-se
como proprietários na Boémia (57).
No entanto, mais importantes foram as grandes famílias que surgiram
na Ásia Menor Oriental, nos séculos IX e X, tais como os Focas, os
Sklêroi, os Maleinoi, os Doukai, e outras. Os Focas capadócios, cujo pri-
meiro membro conhecido foi um obscuro oficial, em meados do século IX,

64
SOCIEDADE E ECONOMIA

alcançaram o trono imperial na pessoa de Nicéforo Focas; o imperador


seguinte, o arménio João Tzimices, pertencia ao clã dos Kourkouas, que
havia dado ao Império uma série de generais brilhantes; os Sklêroi,
inimigos dos Focas, falharam por pouco o trono, tal como os Doukai, na
figura de Constantino Ducas (913), cuja relação com a família imperial
Ducas dos séculos XI e XII é pouco clara. Estes e outros grandes clãs
trouxeram a Bizâncio um novo ideal aristocrático. A linhagem antiga era
muito valorizada entre eles, pelo que foram fabricadas geneologias fictí-
cias: os Focas alegavam descender dos Fábios romanos (58), os Doukai de
um primo inexistente de Constantino, o Grande (59), e até o imperador
Basílio I, que tinha origens arménias obscuras, estava engenhosamente
ligado à casa real dos Arsácidas. «Nós viemos do "tema" de Anatólia, de
entre nobres romanos. O nosso pai descende dos Kinnamoi, a nossa mãe
é uma Ducas, da família de Constantino. Há doze generais (stratêgoi)
entre os nossos primos e tios»: assim falavam os tios do herói épico
Digenes Akrites, cujas proezas reúnem os ideais de valor e de cavalaria da
aristocracia oriental (60).
O aumento das propriedades rurais dos grandes terra-tenentes está
extraordinariamente bem documentado numa colecção de decretos impe-
riais no período que medeia os anos de 927 a 996 (61 ). A sua causa ime-
diata foi a grave crise alimentar de 927-928, que forçou muitos agri-
cultores a venderem as suas terras a preços absurdamente baixos. A difícil
situação dos «pobres» foi explorada pelos «poderosos» (dynatoi), que
eram assim capazes de absorver as propriedades dos camponeses e solda-
dos e infiltrar-se nas comunidades das aldeias independentes. Esta foi a
tendência que os imperadores do século X tentaram alterar; e a frequência
dos seus decretos prova o seu insucesso. Mas quem eram exactamente
estes «poderosos»? Curiosamente, são definidos não em termos econó-
micos, mas em termos de influência e posto. Os «poderosos» eram aque-
les, ou por si próprios, ou através de intermediários, capazes de aterrorizar
os vendedores, ou de os subornar com promessas de protecção. Mais
precisamente, eram magistri e patrícios, detentores de altos cargos civis e
militares, membros do senado imperial, magistrados provinciais, bispos,
abades e outros funcionários eclesiásticos, bem como figuras responsáveis
pelas instituições de caridade e pelos domínios imperiais. Os funcionários
públicos de nível inferior (sekretikoi) e os guardas (scholarii) constituem
o limite superior das classes «pobres». Contudo, os guardas eram vistos
como sendo mais influentes do que os soldados (stratiôtai) e os funcio-
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BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

nários públicos eram superiores aos que não detinham nenhuma posição
na hierarquia do governo. Existia. portanto, nas zonas rurais bizantinas,
uma hierarquia social complexa; e embora fosse possível que um indiví-
duo comum subisse na pirâmide social através do seu trabalho, essa
ascensão não era bem-vista. Os imperadores ordenaram que qualquer
pessoa humilde que, «de forma misteriosa». houvesse ascendido a uma
posição de topo seria imediatamente destituída. regressando ao seu esta-
tuto original. Um exemplo particular foi o de um tal Philokales que,
havendo começado como camponês, ascendera ao posto de prôtovestiarios,
conseguindo, assim, adquirir todas as terras da comunidade em que vivia.
Porém, não só fora destituído, como as esplêndidas casas que havia cons-
truído para si foram arrasadas. O engenhoso Philokales terá recuperado do
golpe, tendo em conta que o seu nome fora ostentado por uma família
muito importante dos séculos XI e XII.
A preocupação do governo imperial em reprimir «a ganância insaciá-
vel» dos poderosos prendia-se, por um lado, com razões militares e, por
outro, com razões fiscais. Com efeito, o serviço no exército estava por
essa altura (não sabemos exactarnente a partir de quando) dependente da
posse de terras que valessem, no mínimo, quatro libras em ouro, e assim
continuou até ao reinado de Nicéforo li Focas, que ordenou a subida desse
valor para doze libras, devido à introdução de equipamento bélico mais
pesado (62). Claramente, o exército teria ficado sem efectivos se os solda-
dos-agricultores fossem forçados a vender as suas propriedades. As consi-
derações relacionadas com a questão fiscal não são tão óbvias, uma
vez que as terras inseridas nos registos fiscais teriam provavelmente
mantido o mesmo estatuto independentemente de os seus proprietários
serem pobres ou ricos. Ao que parece, pressupunha-se implicitamente que
enquanto os pobres tinham forçosamente de pagar os seus impostos, os
ricos tinham meios de os evitar. A concessão de imunidades (exkousseia),
que se sabe ter existido antes do século x, e que se tornara mais frequente
nos séculos XI e XII, estava provavelmente entre os meios de evasão
disponíveis para pessoas influentes. Imunidades de impostos parciais ou
totais, aplicáveis tanto às terras como aos rendeiros, eram muitas vezes
concedidas aos mosteiros e aos estabelecimentos de caridade, bem como
a determinados indivíduos como recompensa de serviços prestados ao
Estado e, possivelmente, com base nas suas ligações pessoais. Além disso,
os inspectores do Tesouro eram receptivos a subornos, e até os juízes
provinciais, «mais por necessidade do que por inclinação», poderiam ser

66
SOCIEDADE E ECONOMIA

convencidos a utilizar o típico recurso bizantino da oikonomia ou com-


promisso (63).
A consolidação da aristocracia terra-tenente, que tinha adquirido
títulos da hierarquia imperial e um direito natural a altos cargos militares,
a subtracção gradual do controlo directo do governo sobre as suas vastas
propriedades e o regresso inelutável de pequenos proprietários surgem
como traços característicos da sociedade bizantina do século X. Estamos
ainda muito longe de algo que se possa legitimamente chamar feudalismo,
mesmo que não o interpretemos no seu sentido mais institucional, o qual
se aplica apenas à Europa Ocidental e, em particular, aos Estados resul-
tantes do Império Carolíngio, embora num sentido mais lato, envolvendo
uma estrutura de dependência pessoal, os direitos sobre a propriedade
correspondente a essa dependência e uma fragmentação da autoridade
política. No entanto, emerge indubitavelmente uma certa tendência para
uma «feudalização». Assistimos aos seus primórdios; o seu posterior
desenvolvimento ocorre no período dos Comnenos, estendendo-se até aos
Paleólogos.
Duas instituições, em particular, têm chamado a atenção neste con-
texto. A primeira é a pronoia que corresponde aproximadamente aos bens
ou imóveis ocidentais. Testemunhada pela primeira vez no reinado de
Aleixo I, tratava-se da concessão da propriedade e dos seus respectivos
servos residentes (paroikoi) a um cavaleiro sob a obrigação de prestação
de serviço militar. A pronoia não era hereditária e os seus beneficiá-
rios designavam-se simplesmente soldados (stratiôtês}, assim como no
Ocidente um vassalo era, por vezes, designado miles. Comentando o
reinado de Manuel I e usando, infelizmente, uma linguagem muito florida,
o historiador Nicetas Coniates relata-nos o modo como esse imperador
sonegava o pagamento dos soldados recompensando-os, em contrapar-
tida, «com as chamadas concessões de paroikoi, abusando de um sistema
que havia sido instituído por imperadores anteriores». Como resultado,
houve um grande fluxo de voluntários para o exército, uns contribuindo
com um cavalo, outros com uma quantia em dinheiro, recebendo em troca
«diplomas imperiais concedendo-lhes acres de terra obscura, campos de
milho e tributários romanos que os serviam à laia de escravos, de tal modo
que ocasionalmente um romano de aspecto venerável e versado na arte da
guerra era obrigado a pagar taxas a uma família de novos-ricos e de
sangue meio bárbaro, que nem sequer conheciam a natureza de uma for-
mação militar» (64). Evidentemente, estas concessões eram feitas em larga

67
BIZÂNCIO. 0 IMPfRIO DA NOVA ROMA

escala, e em resultado disso, aos olhos de Coniates, as terras bizantinas


estavam a ser pilhadas e apropriadas pelos estrangeiros - na verdade,
alguns dos cavaleiros em questão eram latinos e cumanos.
A segunda questão importante diz respeito ao crescimento dos séqui-
tos privados. Podemos argumentar que tal não era nada de novo em
Bizâncio, pois já no Império Romano Tardio houvera bandos privados de
soldados chamados buccel/arii, e que no Período Médio bizantino se
encontram esparsas referências a nobres rodeados por um círculo de servi-
dores. No entanto, não é por acaso que a partir do século XI existem cada
vez mais referências a esses séquitos, consistindo não apenas em escravos
e parentes, mas também guardas armados, muitas vezes em número
considerável. Ao que parece, havia igualmente laços de dependência entre
a alta e a baixa nobreza. Cecaumeno, aconselhando o seu filho, considera
a possibilidade de este servir um senhor tarchõm, um serviço claramente
distinto do serviço imperial: «Se servires um senhor não o sirvas como um
senhor e um homem, mas como um imperador e um deus. Mesmo que ele
seja ignorante e incapaz, e tu tenhas conhecimentos, sabedoria e destreza
em abundância, não o escarneças para que ele não te arruíne.» Cecaumeno
aconselha também extrema cautela em relação à sua «senhora» - «se ela
gostar de brincar, afasta-te e mantém a distância» - e gentileza em relação
aos «homens» do senhor, para assim conseguir partidários (65). Pela
mesma altura o nobre de pouca importância Eustáquio Boilas fala em
servir por um período de quinze anos o arménio Miguel Apokapes
(Aboukab), duque de Edessa, do qual recebeu muitos benefícios. E ainda
que este serviço fosse prestado no contexto do governo imperial, é preciso
notar que Boilas considerava os dois filhos de Miguel como seus
«senhores» (66).
A nossa dificuldade em descrever o crescimento do «feudalismo» em
Bizâncio resulta do facto de este nunca ter sido formalizado na lei, não
tendo assim adquirido um vocabulário técnico. É evidente que os Bizan-
tinos conheciam as instituições do feudalismo ocidental e, ao lidar com os
cavaleiros e príncipes francos, o imperador obtinha deles frequentemente
um juramento de fidelidade. O termo lizios (vassalo) entrou, assim, na
língua grega, mas continuou reservado a estrangeiros. Sabemos que o seu
equivalente bizantino era «servo e súbdito» (oiketês kai hypocheirios) (67),
sendo bem possível que estas e outras palavras gregas semelhantes, as
quais ocorrem com frequência nas nossas fontes, se refiram efectivamente
a relações de vassalagem, embora o contexto raramente seja suficiente

68
SOCIEDADE E ECONOM IA

para estabelecermos a distinção. Embora possamos admitir que nunca terá


havido uma estrutura de relações feudais coerente em Bizâncio, temos
pelo menos de reconhecer que terá emergido um sistema, que embora não
tivesse sido propriamente formulado, era parecido com o feudalismo em
muitos aspectos. A dispersão da autoridade central foi simultaneamente a
sua causa e o seu efeito.
A par do estabelecimento de relações quase feudais, ocorria uma
tendência contrária no mundo bizantino. Como iremos explicar melhor no
próximo capítulo, a vida urbana, que se havia praticamente extinguido
devido às calamidades dos séculos VII e VIII, começou a restabelecer-se de
novo. Entre as possíveis causas deste fenómeno, podemos salientar a cres-
cente segurança e a abertura de novas rotas comerciais. A ameaça muçul-
mana estava a retroceder. Na Ásia Menor bizantina os exércitos tomavam
agora a ofensiva, a qual lhe terá permitido, por fim, chegar para além das
montanhas do Tauro, até à Cilícia e à Síria. Na região do mar Negro, os
recém-chegados Russos, que em breve se iriam converter ao cristianismo
ortodoxo, criaram possibilidades para o comércio de longa distância,
canalizado directamente através de Constantinopla. A Bulgária, que
adoptou medidas mais pacíficas após a morte do terrível czar Simeão
(927), foi totalmente dominada em JOJ 8. A navegação no mar Egeu,
ainda bastante perigosa na primeira metade do século x, tomou-se mais
segura depois da redução da ocupação árabe em Creta (961). Pouco a
pouco, reuniam-se as condições para o renascimento da economia urbana.
Não se pode dizer que o governo imperial mostrasse muita habilidade
para tirar partido das novas oportunidades. Existem dois documentos
importantes relacionados com a actividade económica, datados de cerca
do ano 900, ambos dando testemunho do espírito de desconfiança e de
conservadorismo. O primeiro é um texto de dois tratados firmados entre
os Bizantinos e os Vikings Russos (68). Através dele, sabemos que foi
estabelecida uma colónia comercial russa em Constantinopla, ou, mais
exactamente, um pouco acima de Bósforo, no subúrbio de São Mamas
(actual Besiktas). A preocupação das autoridades imperiais era,
sobretudo, manter os Russos sob vigilância apertada, e não tanto obter o
máximo lucro desse contacto. Os nomes dos mercadores russos eram
registados, os quais entravam na cidade através de uma só porta, em
grupos de cinquenta, escoltados por um agente do governo. Por outro
lado, recebiam ajudas gratuitas em alimentos e vinho por um período que
ia até seis meses, podendo ter o seu próprio negócio sem pagar impostos.

69
BIZÂNCIO. Q ]MPIÔRIO DA NOVA ROMA

Os tratados previam os casos em que navios bizantinos viessem a sofrer


acidentes algures nas proximidades dos Russos, ou, por outras palavras,
ao longo da costa do mar Negro. Porém, não temos conhecimento de
qualquer actividade de mercadores bizantinos em Kiev, ou mais a norte.
Em suma, os Bizantinos estavam satisfeitos por poder ficar em casa e
esperarem que os mercadores fossem ao seu encontro.
O outro documento que temos de considerar é O Livro do Prefeito,
cuja data se insere no reinado de Leão VI (886-912)(69). O texto que
temos em nossa posse, que poderá estar incompleto dado o estado em que
se encontra, regula as actividades de vinte e duas corporações profissio-
nais controladas pelo prefeito de Constantinopla. A principal intenção do
legislador era a de manter cada profissão estritamente dentro dos limites
da sua competência, concentrada numa localidade onde pudesse ser facil-
mente supervisionada; proibir os lucros indevidos; e prevenir a exporta-
ção de determinados artigos de luxo. Por mais deprimente que uma leitura
atenta do Livro do Prefeito possa ser para aqueles que acreditam na livre
iniciativa, ela é eficaz em facultar-nos uma imagem da vida comercial da
capital. Os bens importados incluíam matérias-primas, tais como cera
para as velas, mas também produtos acabados, como os unguentos
provenientes de Trebizonda, os panos de linho da região de Strymon e do
Ponto e as sedas sírias que eram trazidas pelos mercadores sírios, que
estavam limitados às suas mi/ata (algo parecido com afondaco italiana ou
a han turca) e não podiam permanecer mais de três meses na capital. Alvo
de maior atenção foi o comércio têxtil, que englobava seis ocupações,
nomeadamente, os vestiopratai, que trabalhavam com materiais
preciosos, os prandiopratai, especializados em produtos importados da
Síria, os metaxopratai, que negociavam seda em bruto, os katartatarioi, que
trabalhavam a seda, os sêrikariori, que teciam o material que compravam
aos metaxopratai, e, finalmente, os othoniopratai, ou comerciantes de
linho. Cada ocupação confinava-se estritamente ao seu ramo de negócio.
Todas as compras com valor superior a dez soldos tinham de ser decla-
radas ao prefeito. Deu-se particular atenção aos «produtos proibidos», ou
seja, essencialmente aos tecidos de púrpura, para que não saíssem da
capital e chegassem às nações bárbaras. É interessante reparar que os
metaxopratai estavam interditos de comprar os seus produtos fora da
cidade, assim como não os podiam vender aos mercadores judeus para
que estes os revendessem no estrangeiro. Restrições semelhantes eram
aplicadas a outras profissões: os talhantes (limitados às ovelhas e às

70
SOCIEDADE E ECONOMIA

cabras) e aqueles que só comercializavam carne de porco tinham que


comprar os animais vivos em locais da cidade indicados, fazer a matança
e vendê-los no próprio local. Durante a Quaresma todo o comércio de
carne era proibido. Os peixeiros não podiam sair da cidade para comprar
peixe aos pescadores, tendo de ir ao seu encontro nos cais citadinos.
Qualquer pessoa que transgredisse estas e muitas outras regras sujeitava-
-se a ser expulsa da sua corporação, a punições, à tonsura e ao exílio.
O sistema, que foi claramente criado para desencorajar a livre inicia-
tiva e o enriquecimento, era justificado com referência à ordem natural do
universo, estabelecida por Deus. Deverá ter resultado também num
balanço negativo para o comércio. No entanto, poder-se-á imaginar, tal
como acontecera com toda a legislação bizantina, que as disposições do
livro do Prefeito foram mais esquecidas do que observadas. Também
pudemos constatar a existência de membros da aristocracia que, embora
estivessem proibidos de se dedicar ao ramo comercial, começaram a
investir algumas das suas posses na compra de lojas, das quais podiam
esperar um rendimento de cerca de cinco por cento das respectivas rendas.
Um documento interessante do mesmo período relata uma série destas
aquisições: uma loja de linho no Fórum, localizada entre duas colunas do
pórtico, custara setecentos e vinte soldos, e estaria a render trinta e oito;
parte de uma loja que vendia artigos sírios fora vendida por quatrocentos
e trinta dois soldos e estaria arrendada por quinze, etc. (7°).
A abertura da sociedade bizantina às oportunidades de comércio e,
paralelamente, o crescimento de uma classe profissional são especial-
mente evidentes no século XI. Com a morte do imperador Basílio II (1025),
o Império expandira-se novamente às suas fronteiras «ideais», nomeada-
mente, o Danúbio de um lado e o Eufrates do outro; e embora se tivesse
ainda realizado outras pequenas conquistas (o reino arménio de Ani,
Edessa, a costa oriental da Sicília). considerava-se que um maior alarga-
mento não era necessário, nem praticável. Durante algum tempo, não se
registara qualquer ameaça de maior ao longo das fronteiras, pelo que,
finalmente, a sociedade podia passar de um estado de alerta militar perma-
nente para uma situação em que reinava a paz. Ao nível institucional esta
mudança reflectia-se no desmantelamento gradual dos «temas» e, por
conseguinte, dos exércitos «temáticos», na crescente importância dos
magistrados públicos nas províncias e na centralização do comando do
exército nas mãos de dois generais, um para o Oriente, outro para o
Ocidente - por outras palavras, no regresso ao sistema do Período Inicial

71
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

bizantino. Extinguiu-se o sistema em que a posse de terras estava aliada


ao serviço militar e a obrigação de servir no exército foi substituída por
um imposto que, de novo como no Período Inicial, foi usado para recrutar
mercenários estrangeiros, que eram agora escandinavos, russos, francos,
árabes, cumanos, entre outros. Do ponto de vista monetário, notamos
uma ligeira adulteração do ouro no reinado de Constantino IX ( 1042-
-1055) e uma maior circulação da prata e do cobre - um sinal claro da
grande actividade económica e do crescimento de uma economia urbana.
Do ponto de vista demográfico, poder-se-á provavelmente postular a
ocorrência de migrações do campo para as cidades, o que não terá acon-
tecido sem os seus riscos. Por fim, e talvez mais significativamente, a
classe de comerciantes e artesãos libertara-se das amarras da anterior
legislação e assumira um papel com relevo político. Homens novos, que
não oriundos das famílias bem estabelecidas da Ásia Menor, Central e
Oriental, mas vindos antes da capital e das cidades da zona costeira do
mar Egeu, ascenderam ao topo. Encontramos inúmeras referências a esta
tendência. Quando, por exemplo, o imperador Miguel V tentara livrar-se
da imperatriz Zoé, já envelhecida ( 1042), cobrira «o gentio do mercado e
os artesãos» de títulos, ainda que em vão: aquelas classes profissionais
eram tão leais à dinastia legítima que montaram cerco ao palácio
imperial, e o imperador fora obrigado a abandonar o trono, depois de três
mil pessoas terem sido mortas no turnulto t'"), O imperador seguinte,
Constantino IX, «admitira no senado praticamente toda a multidão do
mercado», segundo observa Pselos com pesar, embora ele próprio perten-
cesse à classe dos «homens novos» (72). Isaac Comneno ( 1057) e Nicéforo
Botaniates (1078) ascenderam ao poder com a ajuda de comerciantes e
corporações profissionais, enquanto Constantino X (1059-1067), por seu
lado, chegara ao ponto de abolir todas as distinções entre senadores e
cidadãos comuns, elevando os «artesãos» a títulos superiores (73). Não foi
em vão que Cecaumeno dera o seu conselho: «Prestai a máxima atenção
aos acontecimentos na capital para que nada vos escape. Tende espiões em
todas corporações, e em todo o lado, para que possais saber tudo o que
estiver a ser maquinado» (74).
É uma das maiores tragédias da história bizantina que a ascensão
social e económica do século XI tenha sido interrompida antes de ter
atingido resultados consistentes, excepto talvez na área da literatura e das
artes. A causa imediata terá certamente sido militar e política: a invasão
dos Balcãs pelos Pechenegues, a rápida perda da maior parte da Ásia

72
SOCIEDADE E ECONOMIA

Menor para os Turcos Seljúcidas, a guerra com os Normandos e o efeito


negativo das Cruzadas. Teriam estes reveses sido evitados se o Império
tivesse mantido a sua antiga estrutura «saudável» assente nos «temas» e
num exército autóctone? É fácil culpabilizar os imperadores «civis» do
século XI pela sua falta de prudência, e a maioria dos historiadores assim
o fizeram. Com efeito, é mais difícil discernir as causas mais profundas
do colapso da década de 1070. A desmilitarização poderá ter sido uma
delas; outra fora certamente a expansão do Império anteriormente
conseguida - não até às suas «fronteiras nacionais» como muitos eruditos
o defenderam, mas até muito para além de quaisquer fronteiras razoáveis,
alcançando países e povos que não tinham qualquer afinidade ou simpatia
pelo governo de Constantinopla.
O «salvador» que fora chamado para reunir as peças do Estado des-
moronado, Aleixo I Comneno, enfrentara uma tarefa extremamente difícil
e, provavelmente, terá feito o seu melhor, dentro das suas capacidades.
Infelizmente, a sua visão era limitada e reaccionária. Membro de uma
pequena família de proprietários da Ásia Menor, não sentia simpatia para
com a nova classe comercial, e o seu maior erro fora conceder a Veneza
(em 1082 ou 1092) licenças de comércio em Constantinopla e em outras
trinta e duas cidades, desde o Adriático até à costa síria, com total isenção
de pagamento de direitos alfandegários. Com esta medida, o futuro econó-
mico do Império fora minado de uma vez para sempre. A presença dos
Venezianos e de outros comerciantes italianos implicava, como é evi-
dente, que as cidades bizantinas permanecessem aparentemente movi-
mentadas, embora o grosso dos lucros fosse escoado para o Ocidente.
Assim, o centro de gravidade do Estado comneno regressou para a terra,
agora muito reduzida, e, até certo ponto, nas mãos dos grandes proprie-
tários. A crise política fora acompanhada de um colapso monetário: na
década de 1070, o valor da moeda bizantina descera mais de metade e
nunca mais terá recuperado. A necessidade de continuar a pagar a merce-
nários estrangeiros quando os cofres do Estado estavam vazios obrigou
Aleixo I a confiscar os tesouros das igrejas, uma medida temporária que
suscitara muita censura. Uma solução a longo prazo consistia no sistema
da pronoia, sobre o qual já falámos, mas à custa da diminuição dos rendi-
mentos proveniente dos impostos.
A divisão do Império estava a tomar-se uma clara possibilidade e
fora inclusivamente sugerida a Aleixo, antes de este se tomar imperador, ,,
pelo seu cunhado Nicéforo Melisseno. Fora também contemplada por i'

··111,
73
·li;
11'
lF1:·,
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

João II, no que diz respeito às suas províncias a sudeste. Com efeito, ela
veio a ocorrer na década de 1080, e até mais tarde, quando o Chipre,
algumas partes da Ásia Menor Ocidental e, finalmente, Trebizonda se
desanexaram. É talvez surpreendente que o Estado comneno tenha
conseguido sobreviver durante um século, e até alimentado sonhos de
glória. Conseguiu-o pelo facto de se ter tornado, em grande medida. uma
questão de família. Aleixo I e os seus sucessores purgaram a velha aris-
tocracia e rodearam-se dos seus parentes de sangue e de casamento, cujos
títulos recentemente inventados reflectiam o seu grau de parentesco
relativamente ao imperador em funções, sendo que também recebiam
grandes concessões de terras e isenção de impostos. A reforma comnena
marca a última importante transformação da sociedade bizantina: os
Paleólogos deram continuidade ao que os Comnenos haviam feito, mas
em escala menor.

74
Capítulo 3

O Desaparecimento e o Renascimento
das Cidades

No século VI o Império via-se como um agregado de cidades. O livro


de Hierócles enumera - ou melhor, enumerava, quando estava completo -
935 cidades. No entanto, dado que não incluía nem a Itália nem as
províncias reconquistadas do Norte de África, o número total de cidades
no reinado de Justiniano deveria ser superior a mil e quinhentos. É preciso
lembrar que, na Antiguidade, o termo «cidade» (polis ou civitas) não era,
rigorosamente falando, o equivalente a uma cidade, como hoje a enten-
demos: designava uma unidade auto-administrativa, havendo uma enorme
diferença entre uma «cidade» como Alexandria ou Éfeso, por um lado, e
um buraco obscuro como era Zeldepa, na Cítia, por outro. Contudo, habi-
tualmente, uma «cidade» significava uma verdadeira cidade com uma
área rural, sendo isso que se irá discutir em seguida.
As cidades do século VI eram, na maior parte, de origem antiga. No
Oriente, algumas haviam sido fundadas no período romano, muitas terão
sido estabelecidas por reis helenistas, enquanto muitas outras tiveram uma
longa história que se estendia à mais remota Antiguidade. Embora seja
verdade que prevalecera a área na qual o modelo urbano aumentara no
Período Inicial bizantino, o número de cidades fundadas pelos impera-

75
BIZÂNCIO. Ü IMPÉRIO DA NOVA ROMA

dores cristãos era relativamente pequeno, e nenhuma delas se transfor-


mara num centro de grande importância. Não se pressupõe que o ano de
324 (ou qualquer outra data que se escolha para marcar o começo do
Período Inicial bizantino) tenha representado uma transformação dramá-
tica para os habitantes das cidades, ou do campo. A vida continuou como
dantes. Algumas transformações graduais estavam a acontecer. mas não
eram suficientemente rápidas para que se pudesse pensar que uma nova
época estaria a despontar.
O aspecto físico das cidades do Período Inicial bizantino pode facil-
mente ser visualizado graças aos seus vestígios que estão espalhados à
volta do Mediterrâneo. Normalmente, eram rodeadas de muralhas: algu-
mas tinham sido fortificadas muito cedo. outras pela altura da ameaça
bárbara no século III d.C., outras no século IV. No interior das muralhas,
o traçado das ruas era o mais regular possível, tanto quanto o terreno
permitisse. Muitas vezes havia duas avenidas principais, o cardo e o
decumanus romanos, que se intersectavam em ângulos rectos e se pro-
longavam até às portas da cidade. Estas avenidas eram bastante largas
(daí o termo grego plateia que lhes fora atribuído) e ladeadas por
colunatas cobertas que serviam de abrigo às lojas. No ponto de união das
vias principais, ou algures noutro sítio, estava um fórum à volta do qual
se agrupavam vários edifícios públicos: um centro religioso, os banhos
públicos, uma sala do conselho, uma basílica usada para fins judiciais e
outros, etc. Normalmente, havia um teatro do período anterior, por vezes
também um anfiteatro (uma invenção romana que não se expandira muito
nas províncias orientais) e, nas grandes cidades, um hipódromo. As neces-
sidades básicas eram fornecidas pelos celeiros, aquedutos e cisternas.
Os edifícios e lugares públicos eram decorados o mais sumptuosamente
possível, com estátuas, pinturas e fontes. De facto, as cidades tinham
muito orgulho nos seus monumentos: Cesareia, na Palestina, tinha um
famoso tetrapylon, assim como também Bostra, na Arábia; Alexandria
= vangloriava-se do seu farol na ilha de Pharos, do Serapeum e do
Caesareum; e Niceia, na Bitínia, distinguia-se pela regularidade dos seus
edifícios ( 1 ).
A transição do paganismo para o cristianismo foi lenta em toda a
parte. Muitos templos pagãos foram encerrados no final do século IV e no
início do século V, mas noutros locais continuaram a ser utilizados. A sua
transformação em igrejas, sempre que ocorria, nunca era imediata, sobre-
tudo quando os cristãos-os consideravam como estando assombrados por

76
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

demónios maléficos. Em Atenas, por exemplo (reconhecidamente, uma


cidade de fortes tendências pagãs), os templos parecem ter sido secula-
rizados em finais do século v, e foi apenas no século VII que o Pártenon,
o Erectéion e o Hefaísto se tornaram igrejas. A principal igreja cristã era
normalmente construída num local imaculado de antigas religiões, quase
sempre a alguma distância do centro da cidade e rodeada por um conjunto
de edifícios residenciais e administrativos utilizados pelo bispo. À medida
que o cristianismo ganhava raízes mais profundas, cada vez mais igrejas
foram construídas em homenagem a vários mártires, ou apenas como um
gesto de devoção. Voltando ao caso de Atenas, está documentada a exis-
tência de catorze igrejas dos séculos v e VI, e terá havido, sem dúvida
alguma, muitas mais. Na época de Justiniano, havia por toda a parte um
número excessivo de igrejas, cuja manutenção, como vimos, estava a
tornar-se um fardo demasiado pesado. Os mosteiros urbanos eram
raros, mas já começavam gradualmente a aproximar-se das cidades e a
afastar-se do campo. Outras tendências no urbanismo da Antiguidade
tardia, como o abandono dos ginásios, não estariam associadas ao advento
da Cristandade. Fora das muralhas das cidades havia extensos cemitérios
(uma vez que era estritamente proibido enterrar os mortos intra muros),
pomares e casas de campo, e, por vezes, um arrabalde judeu com a sua
sinagoga.

Para os nossos padrões, as cidades do Período Inicial bizantino eram


bastante pequenas. Antioquia, que, a seguir a Constantinopla e Alexan-
dria, era a terceira maior cidade do Império Oriental, tinha no século VI
uma área de cerca de 650 hectares dentro das muralhas. Laodiceia, na
Síria, com 220 hectares, era grande quando comparada a outras cidades
provinciais. Talvez um exemplo mais típico seja o caso de Niceia, cujas
muralhas do século III ainda hoje existem: a área interior tem uma exten-
são máxima de 1450 metros de norte a sul e de este a oeste. Dara, na
Mesopotâmia, fundada pelo imperador Anastásio em 505-507, e vista
como uma das praças-fortes mais importantes da fronteira oriental, media
cerca de 1000 por 750 metros. Não há, infelizmente, nenhuma forma de
converter medidas de área em números de população: o espaço ocupado
pelos edifícios públicos, as ruas, as praças e pomares, o tipo de habitações
(com um ou vários pisos) e a extensão dos subúrbios, estão entre os múlti-
plos imponderáveis. Nem as fontes antigas apresentam quaisquer números í
fidedignos. Excepcionalmente, tivemos acesso a uma enumeração deta-
1
77

J
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

lhada dos corpos recolhidos em Jerusalém, depois da invasão da cidade


pelos Persas em 614: o número total é de 66 509 (2). Contudo. não sabe-
mos qual a relação proporcional deste número face ao da população global
de Jerusalém, já para não mencionar o facto de que, em tempo de crise, as
pessoas do campo das proximidades tendiam a partir em busca de pro-
tecção nas cidades muralhadas. De qualquer forma. não estaremos muito
longe da verdade ao supor que uma grande cidade provincial como
Laodiceia terá tido uma população de cerca de cinquenta mil habitantes,
enquanto uma cidade provincial média talvez tivesse entre cinco mil e
vinte mil. Pensa-se que Antioquia teria cerca de duzentos mil habitantes e
Constantinopla, no século v, mais de trezentos mil.
Para o pensamento da época, havia uma distinção fundamental entre
vida urbana e vida rural. Procópio, escrevendo na sua maneira mais tradi-
cional, refere-se assim à cidade de Caputvada, fundada em África por
Justiniano: «Uma muralha foi construída e a cidade também, e a condição
do campo transformou-se subitamente. Os rústicos puseram de lado o arado
e estão a viver como gente da cidade. Aqui, passam o dia no mercado,
juntam-se para discutir os assuntos que são do seu interesse, negoceiam
uns com os outros e fazem todas as outras coisas que estão de acordo com
a dignidade de uma cidade» (3). Podemos imaginar quantos dos novos
cidadãos de Caputvada perdiam o seu tempo nas assembleias a deliberar
sobre questões de interesse público. Contudo, podemos ter a certeza de
uma coisa: a cidade, e apenas a cidade, proporcionava muitas comodi-
dades que eram consideradas essenciais na vida civilizada. Os homens, as
mulheres e as crianças (incluindo o clero) iam regularmente aos banhos
públicos e dedicavam bastante tempo ao ritual do banho. Esta prática
ocorria normalmente durante o horário de trabalho, pois sabe-se que os
banhos estavam mais vazios à hora do almoço e ao fim do dia (4). O teatro
e o hipódromo eram muito populares e neles também ocupavam uma
boa parte do seu dia: as representações teatrais começavam por volta do
meio-dia e duravam até ao fim da tarde. Para os mais cultos havia as
exibições dos retóricos: talvez possamos chamar-lhes palestras públicas,
salvaguardando-se o facto de se dar mais ênfase às competências literárias
i do que propriamente à transmissão de informação. Finalmente, havia o
1
·1 prazer de encontrar os amigos, de conversar à sombra das colunatas ou de
1
ir à taberna. A vida social tinha um grande relevo nas cidades.
1
O teatro, as lutas entre animais selvagens e o hipódromo eram os prin-
l! cipais alvos das invectivas eclesiásticas. «O teatro está cheio», critica João
·)

78
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

Crisóstomo, «e toda a gente está sentada nas filas de cima. Muitas vezes
o próprio tecto está de tal forma coberto de homens, que não se conse-
guem ver nem as telhas, nem as lajes de pedra - nada se vê para além de
cabeças e corpos» (5). Sabemos muito pouco acerca do conteúdo das
representações dado que, ainda que algumas peças novas pudessem ter
sido escritas nesse tempo, nenhuma sobreviveu. No entanto, sabemos que
algumas eram do tipo tradicional: eram representadas com máscaras e
incluíam personagens fictícias, tais como reis, generais, médicos e sofis-
tas. De modo a demarcar a sua própria moralidade, João Crisóstomo
sublinha o facto de os actores pertencerem à arraia-miúda - possivelmente
enroladores de cordas, vendedores de legumes ou até mesmo escravos (6).
E havia também a pantomima que envolvia a dança e a música e, ao que
parece, ocasionalmente alguma nudez: «Quando vos sentais num teatro e
arregalais os olhos para os membros desnudados das mulheres, ficais
deliciados durante algum tempo. Mas, depois, que febre violenta haveis
espoletado! Havendo por uma vez enchido as vossas cabeças com aquelas
visões e com as canções que as acompanham, ficais a pensar nelas mesmo
nos vossos sonhos» (7). Se ao menos, suspira o nosso pregador, fosse
possível abolir o teatro! Era a fonte da desordem civil, do adultério, da
feitiçaria, e da desgraça para as mulheres. Mas já que o teatro não podia
ser abolido, seria, pelo menos, possível evitá-lo (8). Manifestamente, fora
o Diabo quem construíra os teatros nas cidades. As pessoas abandonavam
inclusivamente as suas lojas e negócios para irem ao teatro, e, quando os
actores diziam algo indecente, o público, insensatamente, ria-se em vez de
os apedrejar. «Vós preferíeis não ver uma mulher nua no mercado, ou até
mesmo em vossa casa, no entanto, correis avidamente para o teatro. Que
diferença faz a mulher que se despe ser uma prostituta? Tem o mesmo
corpo que o de uma mulher livre. Por que razão é tal permitido quando
estamos em comunidade e vergonhoso quando estamos sozinhos? Na
verdade, seria melhor colocarmos a cara na lama do que assistir a tais
espectáculos» (9).
Os historiadores têm cegamente seguido os Padres da Igreja, denun-
ciando a libertinagem vergonhosa que caracterizava o teatro do Período
Tardio antigo. Por muito indecentes que fossem as representações (ainda i
que, à luz dos nossos padrões modernos, terão talvez sido relativamente 1
inócuas), importa destacar que os padres viam no teatro um concorrente i
perigoso: roubava-lhes a clientela e era um sorvedouro de dinheiro que, i
de outro modo, talvez pudesse ir parar aos cofres da igreja. As acusações !
!
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79 li!d
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1:1:
L,
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

de indecência não eram, em todo o caso, aplicáveis ao hipódromo que


atraía multidões ainda mais vastas, sendo mesmo regularmente frequen-
tado pelo próprio imperador. Poder-se-ia apenas argumentar que provo-
cava tumultos e fomentava as práticas de magia. Além disso, não era um
escândalo que as pessoas soubessem a raça, a ascendência, a idade e o
nome dos seus cavalos favoritos, ou que auriga iria partir de que porta e o
cavalo que iria guiar, quando desconheciam as epístolas de São Paulo ( IO)?
Parece que uma boa parte da população urbana ligava pouco a estas
denúncias. O historiador Menandro Protector, falando da sua juventude
desperdiçada no reinado de Justino II (565-578), afirma ter posto de lado
os seus estudos de direito, em favor das corridas no hipódromo, da panto-
mima e dos combates ( 11 ).
Das grandes capitais de Antioquia e Constantinopla, tal como retrata-
das por João Crisóstomo, podemos ir até uma cidade provincial muito
pouco helenizada, nomeadamente, Emesa (Horns) na Síria. A Vida de São
Simeão, o Louco, oferece-nos uma ideia geral desta cidade, em meados do
século VI(12). Uma vez que Simeão era um marginal, relacionara-se
1r· sobretudo com gente do mais baixo estrato social, embora tivesse tam-
bém estabelecido alguns contactos entre a população mais respeitável: de
~
~ facto, o seu amigo mais chegado e protector, o diácono João, era um
~ homem de posses. Temos também conhecimento da existência de um
1(
,_ ,// homem rico que chicoteava os seus escravos, e ao qual, numa dada oca-
sião, o seu copeiro roubou quinhentas moedas de ouro; bem como de um
mercador que ia em peregrinação a Jerusalém. A manufactura está apenas
representada através de um judeu, soprador de vidro, à volta de cuja mufla
os pedintes se juntavam para se aquecerem. As tabernas eram numerosas
e, de certa forma, diferenciadas, tanto que uma casa pública (kapêlos) não
era a mesma coisa que um phouskarios, onde se vendia uma mistura
barata de vinho e água (posca, em latim), para acompanhar tremoços e
grão-de-bico, à laia de petisco. Encontramos também um pasteleiro, cuja
loja permanecia aberta mesmo durante a semana santa, e vendedores de
bolos que colocavam as suas bancas junto à igreja principal. Havia médi-
cos na cidade, mas também feiticeiras que faziam amuletos. Os víveres
vinham do campo, nas redondezas da cidade: encontramos um almocreve
que saía todas as manhãs da cidade para comprar vinho directamente
ao produtor e que, com o tempo, acabara por abrir a sua própria taberna.
As pessoas saíam igualmente da cidade para lavar roupa no rio Orontes,
que ficava a cerca de um quilómetro e meio a oeste.

80
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

No estrato mais baixo da cidade incluíam-se os mimos e os malaba-


ristas que representavam no teatro, bem como uma imensa multidão de
prostitutas, bailarinas e pedintes. Os padrões da moral eram bastante
frouxos: o filho do diácono João fornicava com uma mulher casada, um
homem rico era infiel à mulher, e o santo poderia prever que as meninas
de um grupo que cantava nas ruas haveriam de crescer para se tomarem
tão libertinas como o comum das mulheres na Síria. Os padrões de higiene
eram igualmente baixos: fora do portão da cidade havia um monte de lixo
sobre o qual jazia um cão morto, e o santo não hesitava em vomitar no
meio do mercado. No entanto, existiam banhos públicos, um para homens
e outro para mulheres, bem como escolas para rapazes. Não há referências
a nenhum estabelecimento de ensino superior.
Enquanto as mulheres mais respeitáveis ficavam em casa, os homens
passavam o tempo na rua. Num mesmo bairro toda a gente se conhecia,
mas quando se ia para um bairro diferente já não se seria reconhecido.
Os jovens vagueavam pelos lugares públicos, dançavam e bebiam nas
tabernas e relacionavam-se com prostitutas. Também jogavam um tipo de
jogo num campo aberto, fora das muralhas, que envolvia duas equipas,
bem como a utilização de «portas» ou balizas. Uma vez que Emesa não
dispunha de hipódromo, não existem quaisquer referências a aurigas, nem
às usuais rivalidades entre os apoiantes dos Verdes e os adeptos dos Azuis.
As lutas sectárias parecem estar igualmente adormecidas, muito embora a
população incluísse jacobitas, cristãos ortodoxos e judeus. Podemos men-
cionar, nesse sentido, o maior hinógrafo bizantino, Romano, o Melodista,
que é referido como sendo um judeu convertido de Emesa.
Em grande medida, o tipo de vida urbana que temos vindo a descrever
continuou nas províncias orientais até meados do século VI e, de forma
decrescente, até meados do século VII. Naturalmente, havia variações
regionais. Nos Balcãs, as condições de vida urbanas foram seriamente
perturbadas pelos Hunos de Átila em 441-447 e, novamente, em 479,
pelos Ostrogodos de Teodorico. As maiores cidades do interior caíram:
Singiduno (Belgrado), Naissus (Nis), Sírmio (Srernska Mitrovica),
Marcianópolis, Serdica (Sofia). Em 449, Naissus não era habitada(13) e
estava ainda em ruínas cem anos depois, quando Justiniano a fortifi-
cou (14). Stobi e Heracleia Lincestis sucumbiram aos Ostrogodos. Certa-
mente, alguns dos estragos foram reparados, mas, na melhor das hipóte-
ses, tratara-se de uma restauração parcial, e que não perdurara muito
tempo, uma vez que tudo fora destruído aquando das invasões dos Á varos

81
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

e dos Eslavos. No entanto, em mais lado nenhum acontecera urna


mudança dramática como esta no século v. Algumas cidades expandi-
ram-se, enquanto outras diminuíram. Sabemos, por exemplo, que
Citópolis, na Palestina, estava em declínio, assim como Pérgamo na Ásia
Menor. O mesmo se poderá dizer de Cyrrhus, no Norte da Síria, onde a
curia municipal desaparecera e onde não era sequer possível encontrar um
padeiro decente(IS). As causas desse declínio eram, sem dúvida, comple-
xas. Da Síria chegam-nos provas assinaláveis que apontam para urna
deslocação da actividade artesanal para as aldeias, de modo que os cam-
poneses já não precisavam de se deslocar até às cidades para venderem
os seus produtos e para se abastecerem daquilo de que necessitavam.
A transição das corporações para o campo encontra-se bem documentada
na legislação imperial. O crescimento dos mosteiros, que absorveu arte-
sãos, assim como agricultores, terá também contribuído para este pro-
cesso. Contudo, é prematuro afirmar que todas as pequenas cidades
estavam a diminuir e as grandes a aumentar entre os séculos IV e VI.
Precisamos de mais informação antes de conseguirmos compreender esta
tendência generalizada.
À medida que nos aproximamos do ano 500 começaram a emergir
alguns sinais perturbadores. O primeiro foi puramente fortuito: o período
em questão testemunhou uma sucessão, fora do vulgar, de secas, pragas
de gafanhotos, terramotos e outras calamidades. É importante que se
compreenda que o abastecimento de uma cidade se baseava num equilí-
brio frágil. De um modo geral, as cidades subsistiam através dos produtos
agrícolas dos seus territórios. E quanto mais densa a rede de cidades,
menores os seus respectivos territórios. O Egipto fora quase único no
Oriente, pela forma como contara com vastos excedentes de produção
agrícola que, no entanto, se destinavam na sua totalidade ao abasteci-
mento de Constantinopla e dos exércitos imperiais. Para além do mais, o
transporte por estrada era extremamente lento e dispendioso. Uma cidade
costeira tinha capacidade para suportar uma escassez temporária no abas-
tecimento, mas quando uma calamidade atingia uma cidade do interior e
as suas provisões de reserva se esgotavam, as pessoas teriam de passar
fome. O que esta situação significaria na prática é vividamente ilustrado
· •! pelo caso de Eclessa (Urfa). Depois de vários terramotos e do surto de uma
doença infecciosa ocorrera, no ano 500, uma praga de gafanhotos que
atacara as colheitas de uma vasta área, estendendo-se desde o Mediterrâ-
neo, atravessando o Norte da Mesopotâmia e prolongando-se até à fron-

82
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

teira com a Arménia. Reduzidos à miséria, os camponeses tiveram de


vender as suas terras e o seu gado por valores irrisórios, e seguiram para
as cidades para viver de esmolas. O preço do trigo subira: com um soldo
já não se compraria duzentos e quarenta galões de trigo mas apenas trinta
e dois. O mesmo acontecera com o preço da cevada: com um soldo seria
agora possível comprar apenas oito galões de cevada, quando esse era o
valor que anteriormente se daria por quatrocentos. Todos os invernos
morriam pessoas à fome nas ruas de Edessa, cerca de cento e trinta por
dia, esgotando-se todas as sepulturas disponíveis. Devido às precárias
condições de higiene, irrompera uma peste que se estendeu de Nísibis a
Antioquia. A colheita de 501 fora fraca, pelo que o preço inflacionado
do trigo permaneceria quase estagnado, descendo apenas em 502 para
noventa e seis galões por soldo, ainda assim, mais do dobro do preço
normal. O conjunto de desastres registados pelo cronista de Edessa inclui
o colapso provocado pelo terramoto de Nicópolis (Emmaus), Ptolemaís
(Acre), metade de Tiro e Sídon, e a tomada de Amida pelos Persas, de
onde se carregou oitenta mil mortos para fora dos portões ( 16). Teriam sido
precisos muitos anos, até mesmo várias gerações, para recuperar total-
mente de tal combinação de calamidades. Esta pausa não fora concedida
a muitas províncias orientais.
Outro sintoma da desintegração fora a violência urbana. É evidente
que se pode argumentar que os distúrbios não eram nada de novo, e que,
nos últimos dois séculos, o que não faltara fora a ocorrência de distúrbios
por causa de comida, da religião e também do teatro. No entanto, a partir
do reinado de Anastásio registara-se uma escalada de violência que se
centrara cada vez mais no hipódromo. As duas principais facções, os
Azuis e os Verdes, chegavam frequentemente a vias de facto e acabariam
a cometer o crime de fogo posto. A lista destes distúrbios é muito longa e
alguns deles resultaram em enormes danos, como o grande massacre de
Antioquia, em 507, e a famosa revolta de Nika, em Constantinopla (532),
da qual se diz ter resultado em trinta mil cadáveres e reduzido o centro da
cidade a cinzas. Quando Antioquia fora quase completamente destruída
por um terramoto em 526, com a morte de quase duzentas e cinquenta
mil pessoas, as facções adversárias reconciliaram-se. mas por pouco
tempo ( 17). Especialmente arrepiante (se bem que, sem dúvida, algo
exagerado também) é o relato de Procópio sobre os bandidos do hipó-
dromo que, conforme alega, tiveram o total consentimento do imperador
Justiniano para roubar e matar, violar mulheres e extorquir dinheiro,

83
BIZÂNCIO. 0 lMl'ÉRIO DA NOVA ROMA

levando a que cidadãos respeitáveis não se atrevessem a sair à rua após o


anoitecer ( 18). À luz da nossa própria experiência, não teremos dificuldade
em imaginar esses bandos de jovens com longas barbas e bigodes, o
cabelo comprido às torcidas, vestidos com roupas deliberadamente bárba-
ras, e que tomavam parte em guerras de gangues, quando não estavam a
atacar pessoas inocentes. Não teremos igualmente dificuldade em acredi-
tar naquilo que todas as fontes bizantinas são unânimes em afirmar,
nomeadamente, que se tratava de meros actos de vandalismo, e nada mais.
Tal como se tem vindo recentemente a demonstrar(19), os Azuis e os
Verdes não tinham fins políticos, não haviam sido explicitamente alvo de
injustiças sociais, nem pertenciam a nenhuma entidade religiosa. Embora
o vandalismo não assente em nenhuma filosofia, ninguém poderá negar
que se trata de um sintoma - seja ele de decadência urbana, ou de perda
de valores, ou mesmo de uma sociedade demasiado apagada e arregi-
mentada.
Enquanto as cidades bizantinas sofriam a combinação de efeitos da
escassez de alimentos, das catástrofes naturais e da violência facciosa, um
golpe completamente inesperado abatera-se sobre as mesmas - a peste
bubónica de 541-542, a primeira do seu género relatada na história, fora,
sem dúvida, um desastre de uma magnitude sem precedentes. Com origem
na Etiópia, espalhou-se a partir do Egipto, seguindo as vias de comuni-
cação marítima, a todas as partes do mundo mediterrânico, alcançando a
Espanha a ocidente e a Pérsia a oriente. Em Constantinopla, a praga
irrompera na Primavera de 542 e assolara a cidade durante quatro meses.
Segundo Procópio, que testemunhara a situação com os seus próprios
olhos, o número de mortos terá ascendido aos cinco mil, e, posterior-
mente, aos dez mil por dia (20). Dado que as sepulturas estavam já todas
ocupadas, e não havia tempo para escavar outras, passara-se a empilhar os
corpos junto à costa, ou então a atirá-los para as torres de Sycae (Gálata),
de onde emanava um cheiro nauseabundo que invadia toda a cidade. Além
disso, ao surto inicial seguiram-se vários outros: a existência de epidemias
devido à praga, ou de outras doenças não especificadas está documentada
em 555,558, 561, 573-574, 591,599 e no início de século VII. Antioquia
fora assolada pela peste bubónica quatro vezes, com intervalos de
aproximadamente quinze anos. O próprio historiador Evágrio contraíra a
doença quando criança. Mais tarde, perdera a mulher, vários filhos, um
grande número de escravos e proprietários agrícolas e, no quarto surto, a
filha e o neto (21 ).

84
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

É impossível calcular o número de vítimas. Quando Procópio nos diz


que «aproximadamente toda a raça humana fora aniquilada» (22), ou que
todos aqueles que haviam sobrevivido às anteriores catástrofes naturais
foram levados pela praga (23), estará nitidamente a entrar num exagero
retórico. Ainda assim, é possível que cerca de um terço, ou mesmo metade
da população de Constantinopla, tenha morrido em 542, sabendo-se que
algumas cidades terão ficado praticamente desertas, enquanto outras terão
sido menos afectadas. O facto comprovado de que os jovens adultos eram
particularmente susceptíveis à doença, associado aos ciclos de quinze
anos de recrudescimento, deverá ter levado a consequências demográficas
extremamente graves. Não menos sérios foram os respectivos efeitos a
nível económico: todas as ocupações normais foram interrompidas, os
preços dos produtos triplicaram e quadruplicaram, a fome instalara-se, os
campos ficaram desertos e os agricultores que restaram foram sobre-
carregados com impostos adicionais sobre a terra não produtiva dos seus
falecidos vizinhos (24).
Não há dúvida de que as pragas do século VI, combinadas com uma
sequência de desastres naturais sem precedentes, foram um factor, talvez
determinante, que conduzira ao colapso da vida urbana. É, pois, um facto
(embora alguns historiadores tenham ainda dificuldade em reconhecê-lo)
que, um pouco por toda a parte do Mediterrâneo, as cidades, tal como
existiam na Antiguidade, diminuíram e mais tarde praticamente desapa-
receram. Esta situação verificou-se em épocas distintas e em províncias
diferentes, sendo a causa imediata, normalmente, a invasão estrangeira.
A facilidade com que as cidades muralhadas cederam ao inimigo, que
muitas vezes nem era muito numeroso, nem belicamente habilidoso na
montagem de cercos, e a ausência de um restabelecimento após o inimigo
ter retirado, mostravam, contudo, que as hostilidades militares constituí-
ram apenas o último choque que derrubara um edifício trémulo, que já
ameaçava ruir. À medida que as nossas fontes históricas escasseiam
depois do reinado de Justiniano, ficando reduzidas a testemunhos pontuais
após 602, torna-se difícil documentar este processo com base no material
escrito. Estamos reduzidos a relatos cheios de lacunas sobre várias cala-
midades e a vagos ecos de colapso geral da lei e da ordem. Depois da
morte do imperador Maurício (602), o conflito civil abateu-se, de repente,
«por todo o Oriente, na Cilícia, Ásia, Palestina e até Constantinopla».
As pessoas matavam-se umas às outras no mercado, assaltavam as casas,
atiravam mulheres, crianças e homens de idade pela janela, roubavam e

85
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

incendiavam. A onda de agitação espalhou-se até às províncias balcânicas


e foi apenas graças à milagrosa intervenção de São Demétrio que Tessa-
\onica fora poupada (25). É com estes cenários de desordem que cai o pano.
As provas do colapso das cidades são em grande parte arqueológicas.
Dever-se-á aqui sublinhar que, embora muitas escavações tenham sido
conduzidas em diferentes partes do Império, são relativamente poucas as
que têm sido conduzidas de uma forma suficientemente metódica. A cons-
trução de cidades modernas sobre locais antigos também dificultou a
investigação em alguns centros que seriam da maior importância para nós,
principalmente Constantinopla e Tessalonica. A informação disponível é,
assim, ainda bastante retalhada, porém, suficiente para que possamos
retirar algumas conclusões. Aqui estão alguns exemplos referentes a dife-
rentes províncias.
Nos Balcãs, como já dissemos, a vida urbana entrara em séria ruptura
em meados do século V. A reconstrução que tivera lugar na primeira
metade do século vi não fora muito extensa e não perduraria por muito
mais do que algumas décadas. Sírmio, outrora capital imperial, nunca
recuperara depois do saque huno, havendo ficado completamente deserta
depois da sua rendição aos Ávaros, em 582. Se formos até Stobi, uma
capital de província, encontraremos vestígios de construções na primeira
metade do século v e novamente depois do saque ostrogodo, em 479. Não
obstante, não encontraremos nenhuma actividade de construção civil
depois do século vt, nem nenhumas moedas até ao século Vil. Em
Heracleia Lincestis, apenas parcialmente escavada, o cenário é idêntico: a
igreja episcopal foi reconstruída no início do século Vl e a última moeda
divulgada é de Justino 11. A pequena cidade de Bargala na Macedónia II
(perto da actual Stip) fora aparentemente deslocada para uma posição
mais defensiva no século v e extinguira-se pouco depois de 585.
A oriente, na moderna Bulgária, descobrimos que Serdica, que havia
começado como uma pequena cidade fortificada no reinado de Marco
Aurélio, se expandira bastante no início do século IV, talvez durante o
reinado de Constantino, tendo voltado aos seus contornos iniciais (uma
área de quinze hectares) no século vi, pelo que não voltamos a ouvir falar
dela desde essa altura. Nicópolis do Istro, fundada por Trajano, fora
aparentemente abandonada no século VI: alguns dos seus habitantes
poder-se-ão ter deslocado para norte, para um cume montanhoso, em
Veliko Tumovo. Em Filipópolis (Plovdiv), a área urbana fora reduzida
para metade no século Vl, havendo a cidade sido posteriormente destruída.

86
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

Voltamos a ouvir falar dela no início do século XII, quando a população de


arménios e os heréticos bogomilos estavam a viver no meio das antigas
ruínas (26).
O mesmo panorama de abandono é visível na Grécia. Em Atenas, as
escavações da Ágora deixam-nos concluir que terá havido uma devasta-
ção generalizada na década de 580, seguida de um período de existência
temporária que durou até à segunda metade do século VII. Desde então, a
área da Ágora fora completamente abandonada e a ocupação recuara até
à Acrópole, até um recinto fortificado imediatamente a norte. Em Corinto,
muitos dos habitantes migraram cerca de 580 para a ilha de Egina,
enquanto a presença bizantina se mantivera no inacessível forte de
Acrocorinto. No resto do Peloponeso, todas as cidades foram arrasadas.
Relativamente à Grécia continental as provas são muito escassas. Em Tebas,
na fronteira da Beócia, não há sinal de vida urbana entre o século VI e a
segunda metade do século IX. Phthiotid Tebas (Nea Anchialos), na costa
da Tessália, fora destruída no final dos séculos VI ou VII e, provavelmente,
ocupada pelos intrusos eslavos: nunca se restabeleceu. Podemos acres-
centar que, à excepção de Tessalonica e da ilha de Pharos, nem uma única
igreja do cristianismo primitivo permaneceu de pé em toda a Grécia, não
havendo vestígios de nenhuma actividade de construção civil entre cerca
do ano 600 e o início do século IX.
Tessalonica, onde o prefeito da Ilíria tinha a sua sé, permaneceu em
terras bizantinas durante os séculos das Trevas. As suas muralhas, que !
poderão ter sido construídas cerca de 450, encerravam uma área consi-
derável: quase 1750 metros de este a oeste e 2100 metros de norte a sul.
Uma massa de refugiados romanos «da zona do Danúbio, da Panónia,
Dácia, Dardânia e outras províncias» (27) procuram a protecção destas
muralhas e do patrono celestial da cidade, São Demétrio. Tessalonica,
1
1
!
cercada cinco vezes pelos Eslavos e pelos Ávaros, e repetidamente visi-
tada pelas pragas e pela fome, conseguira sobreviver como um minúsculo
enclave bizantino rodeado por uma população muitas vezes estrangeira e
hostil. A comunicação por via terrestre com a capital fora interrompida:
em 698, o imperador Justiniano II tivera de combater para conseguir che-
gar a Tessalonica (28). Infelizmente, não temos informação arqueológica
do estado da cidade nessa altura. A julgar pelos poucos textos disponíveis,
os habitantes terão sido reduzidos a uma existência semi-rural, uma vez
que temos informação de que, em dada ocasião, os Ávaros e os Eslavos,
que estavam a avançar, acabariam por surpreender muitos deles enquanto

87
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

estavam a cultivar as suas terras fora das muralhas. No início do século IX,
o clérigo, ao qua\ fora confiada a distribuição de caridade pelos pobres,
recebia por este propósito uma recompensa de três porcos - dificilmente
um sina\ de uma economia urbana desenvolvida (29). A cidade de Filipos,
a \este de Tessa\onica, parece ter sido abandonada: não existe. em todo o
caso, nenhum vestígio de qualquer actividade até à segunda metade do
século x.
De particular importância para a nossa investigação é o destino das
cidades da Ásia Menor. Expressou-se incredulidade perante a declara-
ção do geógrafo árabe Ibn Khordâdhbeh (e. 840), referindo que no seu
tempo havia apenas cinco cidades na Ásia Menor, a saber, Éfeso. Niceia,
Amorium, Ancira e Samala (?), bem como um número considerável de
fortes (3º). Contudo, podemos agora verificar que provavelmente não
estaria muito longe da verdade. Vejamos alguns exemplos. Na Bitínia, a
província asiática mais próxima de Constantinopla, apenas Niceia parece
ter sobrevivido. Nicomédia, outrora uma grande capital do Império, jaz
em ruínas no século IX. Cízico, a capital da província do Helesponto e
uma cidade importante no período imperial romano, fora quase toda
destruída com o terramoto de 543, deixando de existir algures no século
VII. As suas imponentes ruínas foram usadas como pedreira durante a
Idade Média, enquanto uma pequena povoação surgira em Artakê (Erdek)
na parte ocidental da península de Cizicene.
Em relação à Ásia Menor Ocidental o material arqueológico é razoavel-
mente abundante. Éfeso, devidamente mencionada por Ibn Khordâdhbeh,
conseguira sobreviver, embora reduzida em tamanho. O antigo centro
urbano fora abandonado, talvez por altura da invasão persa, no início do
século VII, e construída uma nova muralha da cidade, cercando uma área
de cerca de novecentos metros quadrados entre o porto o cimo de
Panayirdag, Um pouco mais a oriente surgiu um forte isolado, centrado
na Basílica de São João, o Divino (Ayasoluk). Sabemos que, no final do
século viu, a feira de Éfeso produzia um rendimento de cem libras em
ouro(31), o que, caso seja verdade, indica uma reviravolta comercial con-
siderável. Todavia, os escavadores encontraram poucos vestígios de
construções, excepto uma pequena igreja a substituir a anterior e muito
maior Basílica de Santa Maria. Em Sardes, a capital da Lídia, a mudança
foi ainda mais dramática. Provavelmente, por causa da invasão persa, a
baixa da cidade fora praticamente abandonada e apenas o forte do cimo do
monte continuara a funcionar na Idade Média. Em Mileto, a cidade medie-

88
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

vai era menos de um quarto da antiga. Em Pérgamo, a desgraça abateu-se


no século VII e, como em Sardes, apenas a acrópole permaneceu como um
local fortificado. Não se sabe nada de definitivo sobre o destino de
Esmirna, mas em Magnésia, no vale de Meandro, a cidade medieval
cobria apenas uma pequeníssima fracção da antiga, uma área de cerca de
300 por 250 metros. Outros locais que foram investigados, como Nissa e
Laodiceia, contam exactamente a mesma história, enquanto Colossae fora
abandonada e levada para o forte de Chonae, famosa pelo Santuário de
São Miguel.
Do interior da Ásia Menor conhece-se ainda menos. Amorium, na
Frígia, fora considerada, nos séculos VIII e IX, um centro de grande impor-
tância, pelo que se sentira uma consternação generalizada quando a cidade
fora capturada pelos Árabes, em 838, com um alegado resultado de trinta
mil mortos e muitos milhares de prisioneiros. Infelizmente, Amorium
nunca foi investigada, mas as suas ruínas são ainda visíveis e mostram que
tinha uma área pequena. Em Ancira, a parte baixa da cidade parece ter
sido abandonada depois de saqueada pelos Persas cerca de 622, sendo que
apenas o forte do cimo do monte terá sobrevivido. Este último fora abun-
dantemente fortificado, consistindo num cercado duplo, com o interior a
medir quase 350 por 150 metros e o exterior cerca de 500 por 300 metros.
O modo como este local era considerado a «cidade» de Ancira é sugerido
pela inscrição mandada colocar por cima da porta do forte pelo impera-
dor Miguel III, cerca de 859: «Aqueles que entrarem nesta porta e na
cidade ( ... ](32).»
Um outro facto deverá ser mencionado neste contexto, dado que
ofereceu a alguns historiadores a pista inicial para o dramático declínio
das cidades bizantinas, nomeadamente, a queda vertiginosa no número de
moedas de bronze em circulação. Em sítios que têm sido sistematicamente
escavados, como Atenas, Corinto, Sardes e outros, tem-se verificado que
as moedas de bronze, os trocos usados para as transacções do dia-a-dia,
teriam existido em abundante número durante o século VI e (dependendo
das circunstâncias locais) até algures no século VII, altura a seguir à qual
terão quase desaparecido, tendo-se assistido depois a uma ligeira recupe-
ração no século IX, para não mais se tornarem abundantes até à parte final
do século X. Em Sardes, por exemplo, o século e um quarto que vai de
49 l a 616 d.C. é representado por 1011 moedas de bronze, o resto do
século VII por cerca de nove, e os séculos VIII e IX, conjuntamente, por não
mais de nove (33). Mutatis mutandis, resultados semelhantes têm sido

89
BIZÂNCIO. 0 lMP~RlO DA NOVA ROMA

obtidos em quase todas as cidades provinciais bizantinas. Parece que


apenas em Constantinopla o declínio no volume de moedas de bronze não
foi tão catastrófico. Também se sabe que nas áreas que permaneceram sob
o controlo bizantino, as casas da moeda provinciais cessaram as suas
funções: Nicomédia, depois de 627, Cízico e Tessalonica, depois de 629.
No Quersoneso nenhuma moeda parece ter sido cunhada entre inícios do
século Vil e segunda metade do século IX.
É verdade que o governo imperial nunca deixou de emitir moedas, em
ouro, prata e bronze; sabemos que durante os séculos das Trevas o
exército continuou a ser pago em ouro - cada soldado recebia doze a
dezoito soldos por ano. Contudo, é importante salientar o facto de o
exército ser, em geral, pago apenas de três em três anos e, ocasionalmente,
de quatro em quatro, de cinco em cinco ou até de seis em seis anos (34),
Assim, é difícil imaginar como os soldados fariam face às despesas do
dia-a-dia em termos monetários. Em regra, a existência de uma economia
urbana é inconcebível sem a presença de um número adequado de trocos
e, deste modo, apenas se poderá concluir que as transacções monetárias
foram reduzidas a um nível mínimo; talvez até substituídas por alguma
espécie de troca de géneros.
Se é verdade que o Império Bizantino do Período Inicial fora um
agregado de cidades, o Período Médio poderá ser descrito como um
agregado de kastra (fortificações). Até na linguagem corrente, o termo
polis ficou confinado cada vez mais a Constantinopla, ao passo que
lugares como Ancira ou Éfeso seriam designados por kastron. Acontece
que a maior parte das antigas cidades da Ásia Menor e da Grécia foi
construída à volta de uma cidadela situada num monte. Nestes casos, e
como já vimos vezes sem conta, o povoado podia submeter-se livremente
ao kastron, que ocupava o lugar de uma qualquer autoridade administra-
tiva e eclesiástica que ali pudesse existir. O kastron servia de local de
refúgio temporário em época de invasões inimigas, mas era demasiado
pequeno e muitas vezes inacessível para constituir uma base para a vida
urbana. As cidades situadas em terreno plano eram com frequência aban-
donadas, sendo Niceia uma das poucas excepções, na medida em que
estava suficientemente afastada do inimigo. Noutros locais, como em
Tessalonica, não havia possibilidade física de retirar para a cidadela sem,
ao mesmo tempo, perder contacto com o porto, de modo que as antigas
muralhas tinham de ser preservadas, mesmo que fossem demasiado exten-
sas para as necessidades existentes.

90
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

Se é verdade que a vida urbana continuara por todo o Império, tam-


bém assim aconteceu em Constantinopla. «Oh, estar na cidade!», suspira-
vam todos os bizantinos cultos, que por uma razão ou outra se encon-
travam nas províncias. Nicéforo Urano, governador de Antioquia por
volta do ano 1000, teria trocado a sua vida pela de Calipso apenas por uma
pequena brisa de fumo de Constantinopla (35). «Oh, terra de Bizâncio, Oh,
três vezes feliz a Cidade, olho do universo, ornamento do mundo, estrela
que brilha ao longe, farol deste mundo inferior, quem me dera estar em ti,
a desfrutar de ti ao máximo! Não me afastes do teu seio maternal». Assim
suspirava um autor bizantino do século XII forçado a ausentar-se numa
missão diplomática (36).
Devemos agora voltar a atenção para a capital e traçar brevemente o
seu desenvolvimento. Infelizmente, a informação arqueológica é ainda
muito escassa, porém, temos uma grande quantidade de material literário,
com base no qual é possível construir um «perfil» da cidade.
A fisionomia de Constantinopla fora determinada no acto da sua fun-
dação. Neste aspecto, era semelhante às outras capitais que haviam sido
criadas para o exercício da autoridade arbitrária, como São Petersburgo,
Ancara ou Brasília. Mas não fora inteiramente construída de novo.
Quando, depois de considerar outros locais possíveis, Constantino decidiu
fixar a sua residência em Bizâncio (324), estava perante uma cidade de
dimensões consideráveis, que ocupava o cabo de Seraglio, aproximada-
mente tão longe como a ponte de Gálata dos nossos dias. Bizâncio já
existira cem anos antes de Constantino, mas o seu passado grego depressa
foi esquecido, à excepção dos mitos vagos do herói epónimo Bizas e da
sua mulher Fidaleia de lo, que terá sido transformada em vaca e atra-
vessado o mar Bósforo a nado, para escapar ao moscardo que a perseguia.
O aspecto da cidade em 324 parece ter devido menos aos antigos
megarenses e mais à munificência dos imperadores Septímio Severo e
Caracala. O centro cívico era organizado em redor de uma ágora, que é
hoje representada por um espaço aberto em frente a Santa Sofia. Ali, os
Romanos construíram um hipódromo e os banhos públicos de Zeuxipo,
enquanto uma ampla rua ladeada por colunatas se estendia para ocidente,
a partir da ágora, e em direcção às portas da cidade. A cidade tinha
também dois portos fortificados do lado do Corno de Ouro, um teatro, um
anfiteatro e vários templos. Os arquitectos de Constantino construíram a
nova cidade sobre a antiga. A área urbana estendia-se até cerca de sete-
centos hectares (quase o equivalente à área de Antioquia) e do lado vol-

91
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

tado para a terra fechava-se através de uma muralha. O antigo centro


cívico fora conservado, o hipódromo aumentado e, ao seu lado, num local
que descia em direcção ao Propôntis (mar de Mármara), fora construído
um vasto palácio imperial no qual os imperadores bizantinos iriam residir
durante os próximos oito séculos. A antiga rua com colunatas estende-
ra-se mais a ocidente, tornando-se a maior artéria da cidade (a Mesê),
pautada aqui e ali por locais públicos. O mais importante entre estes
últimos era um fórum curvo, em cujo centro se construíra uma coluna de
pórfiro, coroada com uma estátua de Constantino, ao estilo do deus do sol
Apolo Hélio. Aqui, também, havia uma casa do senado, dois arcos e uma
fonte monumental. Várias estátuas antigas, roubadas das cidades das
províncias orientais, ornamentavam as ruas e as praças. Contrariamente à
crença comum, Constantino dava pouca importância ao seu programa
urbano na sua recentemente adaptada religião cristã. Das muitas igrejas
que mais tarde a tradição lhe atribuiu, muito poucas foram feitas em sua
honra: possivelmente a Igreja da Paz (Santa Irene, ainda de pé, tendo sido
reconstruída nos séculos VI e VIII) e a do mártir local Acácio, mas segura-
mente a dos Santos Apóstolos, que servira de mausoléu a Constantino e
aos seus sucessores. Nos que respeita aos monumentos públicos, Cons-
tantinopla assemelhar-se-ia, provavelmente, a outras capitais imperiais do.
período tetrárquico, tais como Tréveris, Sírmio, Tessalonica ou Nicomédia.
Nas décadas que se seguiram à sua inauguração (330). Constantinopla
conhecera uma expansão notável. Atraída pela distribuição gratuita de
pão, pelas perspectivas de trabalho e pela proximidade da corte imperial,
uma multidão de colonos viera para a cidade. Em 359, a cidade estava
suficientemente desenvolvida para merecer, como Roma, um prefeito
urbano. O abastecimento de água potável tivera de ser aumentado. Na sua
nova Catedral da Sagrada Sabedoria (acabada em 360), o bispo de Cons-
tantinopla estava a começar a ultrapassar em influência e riqueza os incum-
bentes das mais antigas sés apostólicas. Teodósio I e os seus sucessores
levaram ainda a cabo um programa de construção urbana: um grande novo
porto, que deverá ter aumentado consideravelmente a capacidade comer-
cial da cidade, novos armazéns, os fóruns teodosiano e arcadiano e os
pomposos monumentos. As senhoras da dinastia que reinava competiam
umas com as outras na aquisição das propriedades mais cobiçadas e na
construção de mansões na cidade. Em 413, o circuito fortificado fora
novamente alargado com a construção de muralhas duplas, as quais fize-
ram de Constantinopla um bastião de poder sem paralelo. O potencial

92
Ü DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

espaço urbano crescera para cerca de mil e quatrocentos hectares e a


população para, provavelmente, trezentos mil a quatrocentos mil habitan-
tes. Constantinopla era agora maior do que Roma, na altura em declínio,
e que Alexandria ou Antioquia.
O cálculo estatístico da cidade no segundo quarto do século V é forne-
cido por um breve documento em latim, conhecido como Notitia urbis
Constantinopolitanae (31), que classifica os 14 distritos em que, como
Roma, havia sido dividida. Eis alguns números totais: cinco palácios
imperiais e nove reais; oito banhos públicos e 153 privados; quatro fóruns;
cinco celeiros; dois teatros para além do hipódromo; 322 ruas; 4388
domus (casas abastadas); 52 pórticos; 20 padarias públicas e 120 privadas;
e 14 igrejas. A administração e o policiamento da cidade eram conduzi-
dos, sob a direcção do prefeito, por 13 curatores (um para cada distrito),
65 guardas-nocturnos, 560 bombeiros, entre outros. Ao todo, o gabinete
do prefeito deverá ter contado com cerca de um milhar de empregados.
Embora a Notitia houvesse sido elaborada depois da construção das mura-
lhas de Teodósio, ela diz respeito unicamente à cidade de Constantinopla
e mais dois subúrbios, nomeadamente, Sycae (Gálata) e o Distrito Catorze,
mais acima, em direcção ao Corno de Ouro (provavelmente junto à
moderna Eyüp). A vasta faixa entre a Cintura Constantina (que não fora
desmantelada) e a Teodósia não fora evidentemente considerada urbana,
permanecendo pouco populosa durante a Idade Média. Aqui se situavam
vastos cemitérios, havendo sido também neste local que se estabeleceram
alguns dos antigos mosteiros. De facto, poder-se-á suspeitar que a cons-
trução das muralhas teodosianas fora ditada não tanto pela crescente
população, mas sobretudo por motivos de protecção e pela necessidade de
incluir os grandes reservatórios de água no interior da área fortificada.
O rápido crescimento da capital nos séculos IV e V deverá ter criado
graves problemas de abastecimento. Como já salientámos, a agricultura
do mundo antigo não estava normalmente preparada para produzir exce-
dentes em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades vorazes
de uma cidade nova, com cerca de trezentas mil bocas para alimentar.
A vizinha Trácia conseguira cultivar uma boa quantidade de milho e vege-
tais, mas isso constituía apenas uma pequena gota no oceano. Além disso,
a Trácia estava cronicamente sujeita aos ataques dos bárbaros, um perigo
que o governo tentaria evitar através da construção, algures no século V,
das Longas Muralhas, que descreviam um vasto arco desde aproximada-
mente Selímbria (Silivri), no Propôntis, até ao mar Negro, a uma distância

93

. t
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

de cerca de sessenta e cinco quilómetros da capital. A costa ocidental da


Ásia Menor tinha de alimentar as suas próprias cidades, bastante popu-
losas. O único país capaz de abastecer Constantinopla de pão era o Egipto.
Já no reinado de Constantino, a produção egípcia fora desviada de Roma
para a nova capital, para assim formar a base da a11no11a. a distribuição
gratuita de pão. A quantidade em questão era a princípio de oitenta mil
rações diárias, o que sugere uma população estipulada em cerca do dobro
deste número. Pela época de Justiniano, a contribuição egípcia crescera
para oito milhões de artabae (uma medida correspondente a três modii ou
24 galões), o suficiente para alimentar uma população de meio milhão de
pessoas. Este não é o momento para discutir os muitos problemas que são
colocados por estes números, mas é importante salientar a complexidade
e potencial precariedade do sistema. A colheita egípcia dependia, pri-
meiro que tudo, da cheia anual do Nilo. A produção tinha de ser colhida,
medida pelos inspectores do governo e transportada para os celeiros
de Alexandria, nunca depois do dia I O de Setembro de cada ano. De
Alexandria, o «ditoso transporte», tal como era chamado, partia em
direcção a Constantinopla. Os riscos da navegação tinham de ser tidos em
conta, em particular a passagem pelos Dardanelos, caso soprassem ventos
contrários. De forma a salvaguardar esta eventualidade, vastos celeiros
foram construídos na ilha de Tenedos, onde o milho era descarregado e
armazenado, tal como se fazia também em Óstia para o abastecimento de
Roma. Se a colheita egípcia fosse inadequada ou qualquer outra parte
desta organização deixasse de funcionar correctarnente, a população de
Constantinopla correria o perigo de passar fome e teriam de ser imple-
mentadas medidas de emergência. Sabe-se de uma crise de fome que
ocorrera em 409, a qual originou uma revolta sangrenta e uma reor-
ganização dos embarques. Noutra ocasião, uma requisição imposta
a preços artificialmente baixos teve de ser feita na Trácía, Bitínia e
Frígia e, dado que não havia um sistema de transporte estabelecido a
partir dessas regiões, os próprios produtores tiveram o fardo acrescido de
transportar os seus cereais para a capital (38). Considerando-se tudo aquilo
que podia correr mal, o abastecimento de Constantinopla funcionara, de
um modo geral, com uma eficiência louvável, recebendo a mais alta
prioridade por parte do governo. No entanto, é evidente que a própria
existência de Constantinopla como grande cidade que era dependia
de uma rede marítima de abastecimento que corresse sem dificuldades de
maior.

94
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

É difícil determinar a data aproximada de quando a população de


Constantinopla atingira o seu auge. Tal poderá ter acontecido por volta do
ano 500. A partir dessa altura ouvimos falar cada vez menos da construção
de grandes obras públicas, e cada vez mais da construção de igrejas.
Justiniano, obviamente. era um grande construtor, mas os seus principais
esforços foram direccionados para o sector eclesiástico e imperial. As con-
dições da capital já deveriam estar em declínio quando a praga de 542 levara
a que o índice de população caísse. Não há razão para supor que as perdas
tivessem sido úteis. A peste, como vimos, continuou a atacar em determi-
nados momentos durante o resto do século, mas já outras calamidades
vinham a caminho. Em 619, a seguir à conquista de Alexandria pelos
Persas, a importação de milho egípcio cessara. Se Constantinopla fora capaz
de encontrar outras fontes de abastecimento, isso passara certamente pelo
facto de haver na altura muito menos bocas para alimentar. Simulta-
neamente, registara-se uma praga. Em 626, a cidade estava cercada (e quase
tomada) pelos Ávaros que devastaram toda a Trácia, reduzindo assim ainda
mais as fontes de alimento disponíveis. Em 674-678 os Árabes bloquearam
Constantinopla. Em 698 houve uma outra praga. Em 714- 715, aguardando
outro ataque árabe, o imperador Anastásio II expulsou da cidade todos
aqueles que não conseguissem armazenar os seus próprios mantimentos
para três anos - e, como podemos imaginar, a maioria não o podia fazer. Em
717- 718 regista-se o segundo cerco árabe, no qual a Trácia fora novamente
devastada. Em 747 houve uma outra praga, e tão extraordinariamente severa
que, como relata uma fonte, a cidade ficara «quase inabitada» (39). «Devido
à extrema necessidade», escreve um cronista:

engendrou-se uma maneira de colocar tábuas em cima de animais,


seladas em forma de cestos quadrados, e assim remover os mortos, ou
empilhá-los em carroças. Quando todos os cemitérios urbanos e
suburbanos haviam sido ocupados, assim como as cisternas e valas,
muitas vinhas foram escavadas e até os pomares dentro das antigas
muralhas [isco é as Muralhas Consranrinas] - e só assim se conseguia
fazer face às necessidades (40).

O ano de 747 representa provavelmente o ponto mais baixo na história


medieval de Constantinopla.
Não estamos em posição de documentar em pormenor o impacto deste
declínio abrupto no dia-a-dia da capital, mas pode dizer-se que durante o

95
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

século vn ainda foram preservadas algumas condições comuns da vida


urbana. Um texto curioso, intitulado Os Milagres de Santo Artémio (com-
pilado pouco depois de 659), oferece-nos um quadro claro, embora
parcial, da vida como ela realmente era durante a primeira metade do
século (41). Artémio fora um santo curandeiro de ascendência duvidosa
(fora governador do Egipto em 360) que se especializara em tumores,
especialmente aqueles que afectavam os genitais. A sua igreja estava
situada numa área com uma população predominantemente da classe
trabalhadora, aproximadamente onde se situa hoje o Grande Bazar, sendo
a sua clientela composta por pessoas comuns. A cura era obtida através de
um processo de incubação, o que é o mesmo que dizer que os doentes
dormiam na igreja e nas suas dependências, às vezes durante vários
meses, na esperança de serem visitados pelo santo num sonho ou numa
visão. Havia também uma associação de membros leigos, que participa-
vam em todas as vigílias noctumas e davam fundos para as velas, sendo
os donativos recolhidos por um tesoureiro. Entre as pessoas de que há
registo de cura milagrosa, várias vinham de regiões muito distantes: temos
conhecimento de um africano, vários alexandrinos, alguns ródios e um
mercador de Quios. Um dos alexandrinos era o guarda de um celeiro
- descobrimos que tinha de permanecer dia e noite no local, pelo que não
pôde dormir na igreja de Santo Artémio. «Sou um homem velho», disse
ele ao santo, «e não posso deixar o celeiro e ficar convosco, pois se o
abandonar, colocarão outro homem no meu lugar, e ficarei privado do
meu alojamento e do meu sustento.» Outro alexandrino - isto aconteceu
no reinado de Heraclio - era um bobo profissional, empregado na casa de
um patrício, para que, tanto quanto sabemos, «dignitários se divertissem
com representações teatrais». Tinha um espírito vivo e um sotaque engra-
çado, como o de todos os alexandrinos. Outros, que não constantinopolita-
nos, incluíam um homem de Amastris, um frígio e um trabalhador de
cobre cilício, que exercia o seu ofício perto da igreja e tinha, como todos
os seus compatriotas, um temperamento irascível. O local mais distante
mencionado no texto é a Gália, para onde viajara um carpinteiro na quali-
dade de reparador de navios. Entre as profissões mencionadas em
Os Milagres de Santo Artémio, encontramos marinheiros, um fabricante
de velas que tinha a sua banca aberta até à noite, um fabricante de arcos e
flechas, um curtidor, um comerciante de vinho, uma senhora responsável
pelos banhos e vários cambistas ou banqueiros, cujos negócios eram
declarados como desonestos. Os médicos, entrando em concorrência com

96
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

Santo Artérnio, foram alvo de algumas críticas, e ficámos a saber que


cobravam de oito a dez soldos para tratar o filho de uma mulher pobre
- uma quantia equivalente aos rendimentos anuais de um trabalhador não
especializado. Os banhos públicos fazem parte da vida quotidiana e eram
patrocinados, entre outros, pelo diácono de Santa Sofia. Este homem. que
tinha alguma posição social (estava relutante em dormir na igreja de Santo
Artémio), era também o acreditado poeta da facção Azul; por outras
palavras, deve ter composto canções e aclamações. Curiosamente, nada
mais é dito sobre as facções. O seu papel na vida quotidiana dos cidadãos
parece ter diminuído. Soubemos até mesmo que um estábulo, onde
haviam sido guardados alguns cavalos de corrida, deixara na altura de ser
usado. Os teatros não são de todo mencionados.
A impressão com que ficamos ao ler Os Milagres de Santo Artémio é
a de que Constantinopla permanecera o centro da actividade comercial e
artesanal (embora, talvez. a uma escala menor), numa época em que a vida
urbana estava, como vimos, a deixar de existir na Ásia Menor e nos
Balcãs. A grande crise na história da capital terá ocorrido na primeira
metade do século VIII. Sobre este assunto obtivemos várias informações
indirectas. Quando, em 740, as muralhas da cidade estavam gravemente
danificadas devido a um terramoto, a população local foi incapaz de as
reconstruir, pelo que o imperador teve de impor um imposto especial,
talvez para contratar mão-de-obra estrangeírat+ê). Depois da praga de
747, o imperador Constantino V teve efectivamente de repovoar a cidade,
trazendo colonos da Grécia e das ilhas do mar Egeu - por outras palavras,
de áreas que estavam elas próprias muito despovoadas (43). É interessante
notar que o aqueduto de Valente, que era o principal aqueduto da cidade,
deixara de ser utilizado em 626, quando fora destruído pelos Ávaros,
tendo sido reparado apenas em 766, onze anos depois da repovoação - e
isto unicamente devido a uma seca particularmente severa. Mais uma vez,
a força laboral necessária para este trabalho tivera de ser importada: mil
pedreiros e dois mil caiadores do Ponto, quinhentos oleiros (para construir
condutas de barro?) da Grécia e das ilhas, cinco mil trabalhadores e
duzentos fabricantes de tijolos da Trácia (44). O que é espantoso acerca
destes números é o facto de traduzirem o modo como nem sequer
havia no local trabalhadores não qualificados. Tendo em conta que
Constantinopla apresentava um défice no que diz respeito às fontes de
água potável vizinhas, poder-se-á concluir que a população deverá ter
diminuído dramaticamente, visto que pôde viver sem o principal aqueduto

97

J
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

por um período de cento e quarenta anos. Com efeito, deverá ter descido
para números provavelmente bastante abaixo dos cinquenta mil habitan-
tes, talvez para pouco menos de metade desse número.
Uma ténue luz sobre o aparecimento da cidade cerca do ano 760 é
projectada por um texto particularmente confuso intitulado Breves Notas
Históricas (Parastaseis syntomoi chronikaiy (45). Trata-se de um trabalho
de um autor pretensioso e ignorante, que pretende ser uma espécie de guia
sobre as anteriores vistas memoráveis da capital. A imagem que evoca é
a de abandono e ruína. Vezes sem conta é-nos dito que vários monumen-
tos - estátuas, palácios, banhos - existiram outrora, mas haviam sido des-
truídos. Mais importante ainda, os restantes monumentos, muitos dos
quais datados dos séculos IV e v. não foram entendidos pelo que represen-
tavam. Haviam adquirido uma conotação mágica e geralmente ominosa.
Os desastres que ainda estavam para se abater sobre a cidade eram pressa-
giados em vários desabafos e inscrições, e deveriam ser vistos sob todas
as perspectivas. Os «filósofos» que eram especializados em interpretá-los
ficaram desanimados. «Seria bom», disse um deles, «se não vivermos
para ver o que está destinado a acontecer. Quanto a mim, teria sido mais
feliz se não tivesse lido aquela inscrição.»
Apesar daqueles prognósticos sombrios, Constantinopla começara em
755 um processo de recuperação bastante gradual, que iria continuar até à
época das Cruzadas. No século vm não se registaram quaisquer constru-
ções, excepto para os trabalhos de fortificação e reparação pelos estragos
causados pelos terramotos. No século IX novos edifícios foram construí-
dos, mas eram de características diferentes dos do Período Inicial bizan-
tino: os locais de lazer já não eram exigidos e as novas construções, na sua
maior parte, concentravam-se dentro do palácio imperial, que adquirira
um ar das Mil e Uma Noites. Um espírito de «renovação» - ou seja, a
reparação daquilo que fora destruído, em detrimento da criação de algo
novo - foi cultivado pelos propagandistas nas cortes de Miguel III e
Basílio 1. A lista dos edifícios deste último imperador era particularmente
instrutiva. Efectivamente, ela demonstra que quase todas as grandes
igrejas da capital haviam entrado em decadência, algumas delas próximo
da «extinção». Por isso, Basílio procedeu à renovação das vinte e cinco
igrejas da cidade e de outras seis nos subúrbios. Todos os seus novos
edifícios estavam no palácio imperial (46).
Em suma, se pudéssemos traçar um gráfico das venturas de Constan-
tinopla, iríamos descobrir que este revelaria um declive muito acentuado

98
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

na mesma altura em que as cidades provinciais chegaram praticamente à


estaca zero. Tão-pouco o padrão de recuperação era diferente na capital e
nas províncias. No início do século IX, Corinto recuperou alguma vida;
Patras e Lacedemónia, no Peloponeso, renasceram (47). Um pouco mais
tarde, Selímbria e Ancira foram fortificadas novamente. Este movimento
ganhou ímpeto no século X, atingindo o auge nos séculos XI e Xil. Arqueo-
logicamente, a recuperação está bem documentada em Corinto e Atenas,
mas não tão bem na Ásia Menor. Contudo, é importante observar que as
novas construções não possuíam nenhum do carácter monumental da
Antiguidade tardia. As casas e lojas eram mal construídas e agrupadas de
forma desordenada ao longo de ruas tortuosas. Sempre que possível, as
ruínas que restavam eram incorporadas nos novos edifícios, mas de resto
não havia continuidade no traçado, o que pressupõe uma fase de total
negligência quanto à ordenação do território. Não há muitas provas, até à
data, de centros urbanos tal como os que conhecemos da Itália medieval,
com uma piarra ornamentada com uma catedral e o imponente palácio, ou
castelo, do senhor local. De facto, quase não há vestígios de catedrais. No
século XI, aqui e ali, era renovada uma igreja do Período Inicial bizantino
que estivesse em ruínas, como acontecera em Serres, Verria, Kalambaka e,
possivelmente, na Ócrida. Na maioria dos casos, parece que a vida urbana
estava fragmentada por bairros, cada um com a sua pequena igreja. Os mos-
teiros urbanos, abrigando atrás as suas próprias cercas, eram frequentes e
parecem ter atraído fontes de financiamento mais amplas do que a organiza-
ção episcopal. Em Atenas, por exemplo, a maior igreja medieval que sobre-
viveu, a Panagia Likodêmou (a actual igreja russa), era monástica. A fraca
qualidade das construções domésticas explica o seu consequente desapa-
recimento, mas, nos sítios onde foram escavadas e estudadas casas medie-
vais bizantinas, descobriu-se que continham grandes vasos para armazenar
produtos agrícolas, evidenciando uma vida intimamente ligada ao campo.
Os vestígios arqueológicos são complementados pelos registos escri-
tos. Talvez a característica mais espantosa da vida do Período Médio
bizantino, em contraste com o Período Inicial, fosse a sua privacidade.
Desapareceram os teatros, as salas das assembleias, as basílicas civis e os
pórticos onde as pessoas se juntavam. O hipódromo sobrevivera unica-
mente em Constantinopla, mas funcionava apenas alguns dias por ano,
com uma exibição minuciosamente orquestrada de cerimónias imperiais.
A Vida de São Basílio, o Jovem, que nos dá uma ideia das condições em
Constantinopla no século X, é notável, pois toda a acção acontece dentro

99
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

de casa. À excepção da feira ocasional, o único local público onde a


população se reunia era a igreja. Ao reparar que os diversos comerciantes
que vendiam os seus produtos no fórum de Constantino não tinham para
onde ir quando fazia mau tempo, o imperador Basílio I construiu-lhes uma
igreja(48). Até a igreja, ao que parece, era considerada por muitas pessoas
como um local demasiado público. Os ricos, e até os menos ricos. cons-
truíam capelas particulares para si próprios e. se pudessem pagar, manti-
nham padres em suas casas - uma prática que era especificamente
permitida pelo imperador Leão VI, com base no facto de que, se assim não
fosse, as pessoas permaneceriam privadas dos ritos sagrados e as capelas
cairiam em desuso. O baptismo de crianças em capelas particulares, que
havia sido proibido pela lei canónica anterior, também era agora per-
mitido (50). A desconfiança e a privacidade encontravam a sua expressão
mais eloquente no chamado Strategicon do general Cecaumeno do
século XI. Nunca deveis introduzir um amigo em vossa casa, aconselha
ele, pois poderá seduzir a vossa mulher. Deixai que se aloje noutro lugar
e mandai-lhe a comida que for necessária. Trancai as vossas filhas como
se fossem criminosas. Evitai todas as festas. Se não estiverdes ao serviço
do imperador, ficai em casa e, com os vossos servos de confiança,
armazenai provisões e cuidai dos interesses da vossa família (51 ).
Como vimos no último capítulo, o desenvolvimento das cidades foi
acompanhado pelo crescimento de uma pequena burguesia. Para um
retrato vívido da tranquilidade com que viviam as classes profissionais de
Constantinopla sob o reinado dos Comnenos, podemos observar o poema
satírico atribuído a Teodoro Ptochoprodromos. O autor, que se apresenta
como um clérigo pobre, fora persuadido pelo pai a receber educação.
«Meu filho», disse-lhe o pai,

aprendei as vossas lições o melhor que conseguirdes. Vedes aquele


homem ali, meu filho: ele costumava andar a pé, e agora tem uma
fana mula com uns belos arreios. Este, quando era escudante,
costumava andar descalço, e olhai para ele agora, com as suas botas
pontiagudas! Este outro, quando escudante, nunca se penteava, e
agora anda bem penteado e orgulhoso do seu cabelo. Aquele ali, nos
seus dias de escudante nunca viu uma porta de casa de banho, nem
de longe, e agora toma banho três vezes por dia. Aquele outro andava
cheio de piolhos do tamanho de amêndoas, e agora a sua mala está
cheia de peças de ouro com a efígie do imperador Manuel.

100
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

E assim Ptochoprodromos aprendera as suas lições, mas com que


proveito? O seu armário de cozinha estava cheio de papéis e não tinha
nada para comer. Então, ele compara a sua pobreza à fartura dos vizinhos.
O que trabalha em fios de ouro tem a despensa cheia de pão e vinho, de
atum cozido e cavala seca. O sapateiro, quando acorda, manda o filho ir
comprar tripas e queijo valáquio, e só após se alimentar destas iguarias é
que vai trabalhar. À hora de jantar, ele põe de lado a forma de madeira, as
ferramentas e manda a mulher servir uma refeição de três pratos de
iguarias. Com uma atenção obsessiva a tudo o que as pessoas comiam,
Ptochoprodromos compara-se a praticantes de outros ofícios, até os mais
baixos - o alfaiate, que é proprietário de uma casa, o assistente de padaria,
o vendedor de iogurtes, o vendedor ambulante de roupas e moedores de
pimenta, o talhante. Todos eles têm a barriga cheia. De que serve então
Homero e Opiano (52)?
Estamos tão acostumados a ver os Gregos como uma nação comer-
ciante, que temos dificuldade em imaginar que os Bizantinos eram exacta-
mente o oposto - pessoas da terra, desconfiadas e pouco empreendedoras.
Por conseguinte, não foram os Bizantinos, mas os estrangeiros que tiraram
proveito do desenvolvimento urbano. Já mencionámos a presença
dos mercadores russos e italianos em Constantinopla no século X e a
importância decisiva da concessão de privilégios comerciais. a Veneza
pelo imperador Aleixo I. Num curto espaço de tempo, o basileus des-
cobriu que já não era senhor da sua própria casa. Quando, em 1126,
João II Comneno tentara suspender os privilégios dos Venezianos, fora
obrigado pela força das armas a abandonar o seu intento. Em 1148, o
Bairro de Veneza, que se situava entre as duas pontes modernas que
atravessam o Como de Ouro, fora alargado. O número de Venezianos a
residir em Constantinopla parece ter crescido para os vinte mil e as
suas riquezas eram imensas. Teoricamente, sendo súbditos do Império,
estavam antes de mais colocados sob a jurisdição dos oficiais do Império,
mas, pouco a pouco, tomaram-se na prática autónomos, com o seu
governo próprio. Não é o momento para voltarmos a narrar a tortuosa
história dos negócios entre o Império e Veneza, as rivalidades entre os
vários grupos de italianos, e as tentativas vãs dos imperadores no sentido
de semearem a discórdia entre eles, colocando-os uns contra os outros.
Basta fazer notar que as várias concessões «latinas» ocupavam a melhor
propriedade comercial da cidade ao longo da costa do Corno de Ouro,
e que o número de residentes ocidentais poderá ter atingido um quinto

101
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

da população total, julgando-se que esta tenha chegado aos duzentos,


duzentos e cinquenta mil.
Uma confusão de línguas estrangeiras ressoava nas ruas de
Constantinopla. No que respeita esta realidade, somos presenteados com
uma divertida, se bem que, nalguns aspectos, obscura ilustração pelo
poeta João Tzetzes, que escreveu em meados do século XII:

«Entre os Citas», diz ele, «serei um cita [referindo-se a uma das


tribos turcas que vagueavam a norte do mar Negro], entre os Latinos,
um latino, e entre todas as outras nacionalidades como se eu fosse de
cada uma deles. Quando cumprimentar um cita, dirigir-me-ei a ele
da seguinte forma: Salamalek a/ti [... } salamalek a!tugep. Aos Persas
listo é, Seljúcidas], também, dirigir-me-ei em persa: Asan hais
kourouparza hantazar harantasi. Com os Latinos falo em latim: Bene
uenesti, domine, bene uenesti, frater. Unde es et de q1111le província
uenesti? Quomodo, frater, uenesti in istan cioitatem? Pedone, cavallarius,
per mare, vis morarii Aos Alanos dirijo-me na sua língua: Tapanhas
mesfili bsina korthin. [ ... ] Aos árabes digo em árabe: Ala aina tamurr
min, ên ente sittt maulaje sabãh. Também aos Russos me dirijo de
acordo com os seus costumes: Srda, brate, sestrica, e dobra deni.
Quanto aos Judeus, digo-lhes apropriadamente em hebraico:
Memakomene vithfagi Beelzebul timée. ( ... ] Assim, dirigir-me-ei de
forma adequada e apropriada a todos os povos, sabendo que este é
um sinal da melhor conduta» (53).

Como um verdadeiro levantino, Tzetzes conseguiu dizer algumas


palavras em várias línguas e, embora um ciceroniano pudesse não ter
aprovado o seu latim, esta era provavelmente a língua estrangeira que ele
conhecia melhor.

Em suma, Constantinopla governada pelos Comnenos não era como


Istambul antes da Primeira Guerra Mundial, em que a maior parte da vida
económica da cidade estava nas mãos de estrangeiros, bem como de
gregos, de arménios e de judeus, enquanto a maioria otomana se sentia
como se tivesse sido reduzida à condição de cidadãos de segunda cate-
goria. Havia também uma estreita correspondência entre os privilégios
das colónias italianas e o regime das «capitulações», como prevalecera no
Império Otomano. Em ambos os casos a situação originou tensões explo-

102
0 DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

sivas. Mas, enquanto a moderna Turquia fora capaz de expulsar ou


neutralizar os elementos externos de Istambul, Bizâncio mostrou-se impo-
tente perante os seus exploradores italianos. A captura de todos os Vene-
zianos residentes no Império e a confiscação das suas propriedades em
1171, e o massacre de outros latinos em Constantinopla (na maioria
Pisanos e Genoveses) em J J 82 serviu apenas para apressar a terrível retri-
buição que foi exigida pelo Ocidente.
Quando o exército da Quarta Cruzada se viu perante Constantinopla,
em Junho de 1203, os seus homens nem podiam acreditar no que viam,
pois nunca haviam visto uma cidade tão grande e poderosa, tão rica e com
tantos palácios e igrejas (54). Mal imaginavam que a sua chegada iria ter
como consequência a ruína da grande capital. O terrível incêndio que
irrompeu em Agosto do mesmo ano, tendo-se mantido violentamente
activo durante oito dias, devastando uma boa parte da cidade, era um
presságio do que viria a acontecer mais tarde. Tomada pelos cruzados,
sistematicamente pilhada durante quase seis anos e reduzida no seu
número de habitantes, Constantinopla tomara-se numa mera sombra
daquilo que havia sido. Não iremos tentar traçar a história melancólica
que a caracterizou durante os dois séculos seguintes, visto que repete
as condições coloniais já prevalecentes sob o governo dos Comnenos.
O embaixador espanhol Clavijo, que viu Constantinopla em 1403, diz que
o espaço dentro das muralhas consistia num número de aldeolas separadas
por campos de milho e pomares. Por toda a parte se podiam ver ruínas de
palácios e igrejas. Apenas as zonas costeiras tinham uma população
razoavelmente densa, especialmente a zona comercial do Corno de Ouro.
Por oposição, a colónia genovesa de Gálata, embora com uma área
pequena, era muito populosa e repleta de õptimas casas (54). Quando foi
tomada pelos Turcos, em 1453, Constantinopla tinha uma população
bastante abaixo dos cinquenta mil habitantes.
Actualmente, olhamos em vão à procura de vestígios de casas
bizantinas em Istambul. Até o traçado da cidade fora alterado, tornando os it
contornos originais irreconhecíveis. Parte de Mesê ainda resiste enquanto
-!
Divanyolu; o hipódromo, o Augustaion e o fórum de Teodósio são ainda
espaços abertos, mas as outras praças bizantinas foram construídas
por cima. Sobretudo, não existe uma indicação de nenhuma rede de
ruas regular, tal como os arquitectos de Constantino certamente a traçaram.
1
,'
i:
É possível que a expansão da cidade na época otomana, os frequentes
incêndios, terramotos e reconstruções fossem responsáveis pela criação 1'

103
CUMANOS

Din"áquio
çjÓcrida
o
B IZÂ N C IO . 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

daquele labirinto de ruas tortuosas que surgem nos mapas de forma


relativamente precisa, elaborados nos séculos XVIII e XIX. Contudo, tam-
bém se poderá ter dado o caso de que a transformação urbana tenha
ocorrido muito mais cedo, e que a Constantinopla comneniana tenha
mantido a mesma relação com Justiniano que o Corinto comneniano
tivera com o Corinto do Período Inicial bizantino.
Para ter uma pequena ideia da cidade do Período Médio bizantino
temos de ir a Mistra no Peloponeso. Embora muitas vezes chamada «a
Pompeia bizantina», Mistra fora, na verdade, criada pelos Francos. O seu
Palácio do Déspota é puramente ocidental, as suas casas vedadas ao
mundo exterior e muitas vezes fortificadas com torres-ameias. Até em
algumas igrejas existem vestígios de influência gótica. Dizer-se que
Mistra se parecia com as outras cidades bizantinas dos séculos xm e XIV
não passará de uma mera suposição. No entanto, uma coisa é certa: não
descenderá, de forma alguma, de uma polis da Antiguidade tardia.

106
Capítulo 4

Os Dissidentes

«É a Nossa vontade», proclama um decreto imperial do ano 380 que


foi mais tarde colocado à cabeça do Código Justiniano,

que todos os povos governados pela administração da Nossa


Clemência pratiquem aquela religião que o divino Pedro, o apóstolo,
transmitiu aos Romanos[ ... ) Nós teremos fé na Divindade única do
Pai, do Filho e do Espírito Santo, sob a forma de igual majestade e
da Santíssima Trindade. Ordenamos que aqueles que sigam esta lei
tomem a designação de cristãos católicos. Contudo, os restantes, que
consideramos dementes e insanos [dementes vesanosque], suportarão a
infâmia dos dogmas heréticos. Os seus lugares de culto não deverão
receber o nome de igrejas e serão punidos em primeiro lugar pela
divina vingança e depois pela retribuição da Nossa própria iniciativa,
a qual será dispensada de acordo com o juízo divino (1). 1l
1

Um Deus, um Império, uma religião - estes são os pilares do pensa-


mento político bizantino. A religião era definida pelos conselhos ecumé-
nicos da Igreja com base nas Sagradas Escrituras e na exegese dos Padres,
mas era dever do imperador - de facto, o seu principal dever - garantir a

107
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

sua observância universal. Pois, para citar uma outra lei imperial, «Esta-
mos cientes de que o Nosso Estado é sustentado mais pela religião do que
pelos deveres públicos ou pela labuta e pelo suor I-)». «Se lutarmos ~oro
todos os meios», escreve o imperador Justiniano, «para fazer cumpnr as
leis civis, cujo poder Deus, na Sua bondade, nos confiou para a segurança
dos Nossos súbditos, com que maior afinco devemos Nós empenhar-nos
no sentido de fazer cumprir os sagrados cânones e as leis divinas que
foram concebidas para a salvação das nossas almas!» (3)
O significado literal de ortodoxia não era tanto a fé autêntica, mas uma
doutrina correcta, e isso consistia, acima de tudo, em «admitir e glorificar
correctamente o Pai, Cristo, o Filho de Deus e o Espírito Santo» (4). Por
outras palavras, todos os súbditos do Império eram instigados, com
bastante insistência, não só a serem cristãos, mas também a subscreverem
uma doutrina única, e muito abstrusa, que definia a natureza e as relações
das três pessoas da Trindade, sendo que até o mais pequeno desvio à
mesma era considerado uma heresia (5). É evidente que não precisamos de
imaginar que o corpo particular do dogma, que se transformara por fim
em Ortodoxia com O maiúsculo, se destinava, desde o princípio, a assu-
mir um tal papel. Houve tempos em que diferentes interpretações do
cristianismo tiveram o apoio activo do poder temporal. Os imperadores
Constâncio II e Valente, por exemplo, defenderam a causa do arianismo,
Anastásio I estava do lado dos monofisitas, Heraclio tentou fortemente
impor o compromisso monotelísta. e vários imperadores nos séculos VIII
e IX eram iconoclastas. Até o grande Justiniano, um dos defensores mais
empenhados em impor a uniformidade religiosa, acabara a sua vida
envolto na bruma da heresia juliana. Podemos pensar que qualquer uma
destas doutrinas alternativas podia ter triunfado. Contudo, de uma coisa
podemos estar certos, nomeadamente, de que qualquer que fosse a seita
que se tomasse vencedora, esta seria tão intolerante com as rivais como o
foi a ortodoxia. Podemos contar pelos dedos de uma mão os períodos de
declarada tolerância religiosa no período bizantino.
Contudo, permanece o facto de que nem todos os súbditos do Império
eram cristãos católicos. O número daqueles que O governo considerou
«dementes e insanos» foi muito elevado no Período Inicial bizantino, ao
ponto de talvez constituírem a maioria da população. Este número era
mais baixo no Período Médio e, provavelmente, muito baixo no Período
Tardio. O presente capítulo ocupar-se-á dos dissidentes, daqueles grupos
que, IJOr uma razão ou por outra, não aceitaram a ortodoxia dominante.

108
Os DISSIDENTES

Eram, em primeiro lugar, os antigos pagãos, qualquer que fosse a ori-


gem do seu paganismo. O desaparecimento do paganismo foi um processo
lento, que se estendeu do século IV até, em certos lugares, ao fim do
século VI. Com excepção de algumas cidades, como Gaza, da qual se diz
ter sido predominantemente pagã até cerca de 400 d.C. (6), e Carres
(Harran), onde o paganismo sobrevivera até bastante depois da conquista
árabe <7), a maior parte dos centros urbanos aceitara o cristianismo por
volta do século IV. Através de um curioso paradoxo, a velha religião
manteve-se nos dois extremos da escala social: de um lado, entre a
aristocracia municipal para a qual se tratava de uma questão de tradição e
até de lealdade para com o Estado romano, e, do outro, entre os campo-
neses. A profissão docente, como veremos no capítulo 6, ofereceu tam-
bém refúgio ao paganismo. Não repetiremos aqui a história, frequente-
mente contada, da prolongada opressão e perseguição dos pagãos pelo
governo imperial, pelos bispos locais e monges, desde as brutais, mas
bastante ineficazes, medidas dos anos 340 e 350, até às últimas inquisi-
ções sob Justiniano. É uma história melancólica pontuada pela supressão
dos templos em 39 l, o saque do Serapeum em Alexandria, o linchamento
de Hipátia, o encerramento das escolas filosóficas, já para não mencionar
a destruição de inúmeros tesouros de arte antiga. No entanto, os pagãos
mantiveram-se durante um longo período nos concelhos locais e nas
escolas, e até nos escalões superiores da administração imperial. Não
exibiam a sua religião, praticavam o seu culto em privado (algumas vezes
atrás de uma parede falsa) e esperavam que ninguém os denunciasse às
autoridades.
Embora conheçamos muita coisa de pagãos proeminentes, estamos
muito menos informados acerca das populações rurais. Um caso sem
dúvida típico diz respeito às actividades missionárias do monofisita João
de Amida, que fora nomeado bispo de Éfeso durante o reinado de
Justiniano. Este zeloso cristão, durante trinta e cinco anos (542-576), con-
vertera à volta de oito mil pessoas nos distritos montanhosos da Ásia,
Frígia, Cária e Lídia, e destruíra os seus templos, em lugar dos quais
construiu noventa e nove igrejas e doze mosteiros. Os novos conversos
eram simplesmente baptizados en masse e a cada um era dada a terça
parte de um soldo, dos fundos imperiais (8). Podemo-nos interrogar sobre
a eficácia destas conversões: uma história contada pela mesma figura
poderá esclarecer um pouco esta questão. Diz respeito a uma área monta-
nhosa remota, próxima de Melitene, a leste do Eufrates, cujos habitantes

!09
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

se autoproclamavam cristãos, mas usavam a igreja da aldeia para guardar


madeira, não tinham padre e nunca ouviram falar das Escrituras. Um
zeloso monge chamado Simeão, o Montanhês (que era também um mono-
fisita), terá passado nesta zona e ficado chocado com a apatia da popula-
ção local. Os seus esforços missionários encontraram uma oposiçã_o
considerável, porém, ganhou credibilidade ao fazer um milagre, e depois
fundara uma escola para rapazes e raparigas, os quais obrigara a aprender
a Bíblia. Trabalhou na sua tarefa durante vinte e seis anos, até que os seus
discípulos se tomaram «leitores e filhas do Testamento» (9). Tal assidui-
dade era sem dúvida excepcional. Era do conhecimento comum o clero
rural ser laxo e gostar de beber. Um rapaz devoto tinha muitas vezes de
deixar a sua região de origem para encontrar mentores apropriados ( 10)-
Em tempos fora moda afirmar que o cristianismo absorvera o paga-
nismo e que os antigos deuses reapareceram sob a forma de santos, sendo
que Hé\ios se tomara Elias (o profeta), Deméter em São Demétrio, Baco
em São Tychon, etc. (11). Embora, hoje em dia. essas associações simplis-
tas já não nos convençam, não se pode negar que a conversão descuidada
de grandes segmentos da população não podia fazer mudar as suas
atitudes e crenças seculares do dia para a noite. No final do século VII,
homens e mulheres ainda dançavam em homenagem aos falsos deuses,
o nome de Dioniso ainda era invocado por altura das vindimas, as pessoas
acendiam fogueiras à porta de suas casas na lua nova e saltavam por
cima delas, sendo abundante todo o tipo de feitiçaria ( 12). Não é preciso
ler muito sobre as vidas dos santos para descobrir que o cristianismo
popular herdou, e em parte racionalizou, um grande número de supersti-
ções pagãs.
A seguir aos pagãos vieram os judeus. Salientámos no capítulo I a
sua presença contínua na Palestina, no Período Inicial bizantino, mas
a maior parte deles difundiu-se por todo o Império e, em grande número,
nas cidades. Em virtude de uma longa tradição do direito romano, os
judeus gozavam de um estatuto especial: eram uma seita lícita, as suas
sinagogas estavam protegidas, não podendo ser confiscadas, nomeavam
os seus próprios clérigos e tinham recurso, nos casos civis, aos seus pró-
prios tribunais. Simultaneamente, estavam proibidos de angariar novos
crentes, de possuir escravos cristãos ou de construir novas sinagogas. Por
outras palavras, havia uma política de contenção dos judeus e era-lhes
tomado bastante claro que eram cidadãos de segunda classe por sua livre
vontade. Não tinham qualquer título: havendo sido progressivamente

110
Os DISSIDENTES

afastados do serviço da política estatal, entre os palatinos, no exército,


foram, por outro lado, chamados a desempenhar os pesados deveres da
cúria, quando fossem de confiança, embora sem gozar de quaisquer pri-
vilégios daí resultantes. «Deixai-os existir», dizia uma lei de Justiniano,
«na mesma torpeza, em relação ao seu destino, que escolheram para as
suas almas» (sint in turpitudine fortunae, in qua et animam volunt
esse)(13). A fraseologia é típica e intencional: repetidas vezes os documen-
tos oficiais referem-se aos judeus com desprezo, denegrindo-os.
Porque eram os judeus tão obstinados, porque recusavam as verdades
superiores do cristianismo, quando estas mesmas verdades estavam anun-
ciadas nos seus próprios livros sagrados? Justiniano, que queria legislar
sobre todos os assuntos, procurou ir ao âmago da questão nesta matéria.
Os judeus, decidiu ele, devem ser levados a ler o Antigo Testamento de
modo a prestarem atenção às profecias aí contidas em vez sofismarem.
Para facilitar esta abordagem mais proveitosa, era-lhes permitido, espe-
cificamente pelo imperador, usar nas suas sinagogas a Septuaginta, ou
qualquer outra tradução adequada em lugar do hebreu, enquanto lhes era
negada a Mishna que obscurecia o sentido do texto sagrado (14). Esperava-
-se, através desta medida, proteger as congregações judias de serem enga-
nadas pelos seus próprios rabinos que, sob o manto de uma linguagem
hierática, e profundamente incompreensível, conduziam a interpretações
erróneas. Podemos suspeitar que Justiniano terá tido tão pouco sucesso na
sua intervenção como tiveram os polemistas cristãos, que produziram uma
sucessão de tratados antijudaicos sempre à volta dos mesmos passos do
Antigo Testamento. Terão ocorrido algumas conversões, mas o grosso dos
judeus permaneceu firme nas suas convicções.
A passagem de uma política de tolerância, mas de má vontade, para
uma política de conversão forçada e de perseguições, parece ter resultado
de certos acontecimentos políticos. Os judeus revelaram-se desleais ao
Império. Um exemplo da sua subversão diz respeito a acontecimentos
num país distante, nomeadamente, no reino dos Hirniaritas (correspon-
dendo ao actual Iémen). O Império tinha importantes interesses no Sul da
península Arábica e procurara, como de costume, promovê-los com a
ajuda das missões cristãs. Os judeus estavam a desenvolver igualmente
nessas regiões uma actividade prosélita, e com bastante sucesso, dado
que, em determinada altura, os governantes dos Himiaritas foram con-
quistados para a religião judaica. O último destes governantes, chamado
Dfi-Nuwâs, impusera um embargo ao comércio com o Império. O Império

111
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

interviera militarmente, e Dü-Nuwâs, por sua vez, respondera ordenando


um massacre dos cristãos no Iémen (e. 520). Dois anos mais tarde fora
esmagado e o seu país passara para o controlo do reino cristão da Etiópia.
Contudo, o que aqui importa é o envolvimento da comunidade judaica de
Bizâncio nestes acontecimentos: Dü-Nuwâs aplicara as suas medidas
repressivas com o fundamento de que «os romanos cristãos maltratavam
os judeus no seu país e todos os anos matavam muitos» (15). Havia
também um plano para o pressionar através da prisão dos rabinos de
Tiberíades ( 16).
Depois, houve as revoltas dos Samaritanos em 484, culminando com
a terrível revolta de 555. É evidente que se sabia distinguir entre samari-
tanos e judeus. no entanto, estes últimos participaram na rebelião de 555,
cujo objectivo era a criação de um Estado independente. Finalmente, e
sendo este um aspecto de grande importância, os judeus tomaram 0
partido do inimigo numa altura em que a Ásia Menor e a Palestina esta-
vam a ser invadidas pelos Persas. Em 609-6 l O, os judeus de Cesareia, na
Capadócia, renderam-se ao invasor, enquanto os habitantes cristãos aban-
donaram a cidade(17). Em Jerusalém, que caíra em 614, os judeus com-
praram prisioneiros para os matar e queimaram igrejas cristãs ( 18).
Noutros locais da Palestina, juntaram forças com os sarracenos locais com
vista ao saque dos mosteiros e ao assassínio dos monges (19).
Após a restauração da ordem bizantina, os judeus foram obrigados a
pagar um preço elevado pela sua colaboração com o inimigo. Não só
foram banidos num raio de cinco quilómetros de Jerusalém, como todos
eles foram também obrigados a baptizar-se, por volta de 634, sob as
ordens do imperador Heraclio (20). Esta foi a primeira grande medida
geral contra os judeus, embora possa ter sido precedida por outras de
âmbito regional. Acontecera, porém, numa altura em que o problema
judaico estava em vias de ser resolvido por outros meios. Como resultado
da conquista árabe, a grande maioria dos judeus encontrava-se fora do
Império.
Não sabemos quantos permaneceram. O exemplo de Heraclio foi
imitado por subsequentes imperadores zelosos. Leão m ordenou mais
uma vez o baptismo dos judeus, e aos que se submeteram à sua ordem,
embora fazendo-o de má-fé, foi-lhes dado o nome de «novos cidadãos»,
enquanto outros, ao que parece, terão fugido para junto dos Árabes (21 ).
O fracasso desta medida foi reconhecido pelo Concílio de 787, no qual foi
decretado que não se devia aceitar conversões que não fossem sinceras;

112
Os DISSIDENTES

era preferível deixá-los viver de acordo com os seus costumes, embora


sujeitos às suas velhas limitações (22). Uma nova tentativa foi feita por
Basílio I: os judeus foram sujeitos a debates em resultado dos quais, se
não fossem capazes de demonstrar a verdade da sua religião, seriam
baptizados. Em contrapartida, e como recompensa, era-lhes oferecida uma
diminuição de impostos e a concessão de um estatuto privilegiado. Apesar
disso, depois da morte do imperador, a maior parte dos convertidos
«regressou como cães ao seu próprio vómito» (23). O último caso
conhecido de conversão forçada foi no reinado de Romano I, mas resultou
apenas na saída de muitos judeus para as terras de Cazaria, no Norte do
mar Negro. Daí em diante, os judeus que ficaram puderam viver em
relativa paz. Houve até uma migração contrária a partir do Egipto para o
Império no final do século X e durante o século XI.
O desenvolvimento da vida urbana trouxe novo ímpeto às comuni-
dades judaicas. Por volta de J I 68, quando Benjamim de Tudela iniciou a
sua longa viagem, pôde contactar com grupos seus correligionários em
cada um dos portos de escala desde Corfu até Chipre e Antioquia. Em
Tebas identificou duas mil famílias judaicas, «a maior parte constituídas
por artífices especializados na manufactura de tecidos de seda e de cor
púrpura por toda a Grécia»; em Tessalonica quinhentas, também trabalha-
dores da seda; e em Constantinopla duas mil e quinhentas, as quais
incluíam muitos mercadores ricos. No entanto, na capital viviam num
gueto do outro lado do Corno de Ouro, onde muitas vezes eram espanca-
dos pelos cristãos e não lhes era permitido andar a cavalo, excepto o caso
do médico do imperador, que era judeu. Embora os números dados
por Benjamim atestem uma certa expansão da comunidade judaica de
Bizâncio, devemos salientar que ele apresenta números muito mais altos
para cidades muçulmanas, como Alepo (cinco mil) e Mossul (sete mil) (24).
Nem podemos dizer que os judeus bizantinos, qualquer que fosse a sua
contribuição para a vida económica do Império, foram alguma vez autori-
zados a desenvolver uma tendência para a literatura e para o estudo.
Enquanto os judeus correspondiam apenas a uma pequena parte dos
súbditos do imperador, os cristãos heréticos eram extremamente nume-
rosos e, por vezes, poderiam ser divididos em dois grupos, por um lado,
as «seitas», a maior parte de origem pré-bizantina, por outro, os seguido-
res das heresias «nobres», tais como o arianismo, que diferiam dos católi-
cos apenas em aspectos da definição respeitante à natureza da Trindade.
Contudo, tal distinção não era feita pelos Bizantinos, que tendiam a reunir

113
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

sob o nome de heresia todas as «falsas» doutrinas, passadas e presentes,


qualquer que fosse a origem. O número destas doutrinas era prodigioso:
Epifânio, na sua obra Panarion (composta em 377-380) descrevera
oitenta, enquanto São João Damasceno, no século VIII referira-se a um
número superior a cem, e esforçara-se ao máximo para demonstrar que
elas descendiam todas de quatro arquétipos de aberrações. nomeada-
mente, o barbarismo, o citismo, o helenismo e o judaísmo (25). Enquanto
os homens da Igreja catalogavam e descreviam, o governo imperial fulmi-
nava em todas as direcções. O Código Teodosiano contém menos de
sessenta e seis leis destinadas aos heréticos e impõe várias punições: perda
do direito de fazer assembleias, confisco das casas onde se reuniam, proi-
bição de nomear padres, queimar livros, multas. Alguns heréticos foram
expulsos das cidades e punidos por infâmia, pelo que perderam o direito
de legar propriedades e fazer testamentos. A pena de morte estava reser-
vada apenas a maniqueístas (26). É verdade que nenhum herege. especi-
ficamente, se obrigava a tornar-se católico, mas os incentivos eram tão
fortes que era quase a mesma coisa. E se a legislação imperial fosse apli-
cada ao acaso (como certamente o era), não deixaria de gerar uma atmos-
fera de suspeita e desconfiança. Os informadores eram encorajados, as
associações responsabilizadas pelas crenças dos seus membros e os
senhores pelos seus escravos. Os proprietários corriam o risco de ser
severamente punidos pelo uso inadequado que pudessem dar às suas
instalações.
Entre estas seitas aquela que suscitava mais medo era a dos mani-
queístas, pela suposição errada de que eram representantes do inimigo, já
para não falar da crença de que sustentavam doutrinas perigosas. É ver-
dade que Mani (falecido em 277) vivera na Mesopotâmia persa, mas
considerava-se um apóstolo cristão, para não falar de Paracleto em pessoa,
que fora condenado à morte por ordem do clero zoroastriano. Os seus
seguidores não eram menos perseguidos na Pérsia do que no Império
Romano. A teologia de Mani, com a sua transmigração da alma, as suas
inúmeras «eternidades», as cinco «estadas temporárias» de Deus e os
cinco «arcantes» das Trevas, pode ter parecido ridícula para algumas
pessoas, mas obviamente representara um forte apelo. A sua doutrina dos
princípios antiéticos e auto-suficientes do bem e do mal, a convicção de
que toda a matéria era maléfica, de que o homem pecava por necessidade
e de que a salvação residia no ascetismo, na abstinência da carne, do vinho
e das relações sexuais são ideias que atingiram muitas relações familiares

114
Os DISSIDENTES

e pareciam encontrar a confirmação na realidade do dia-a-dia. Mais


radical do que o cristianismo, e não corrompido pelo compromisso inquie-
tante que os cristãos tiveram de assumir com as Escrituras judaicas, o
maniqueísmo era ainda mais vigoroso nas suas actividades missionárias.
Por altura do século IV havia-se espalhado praticamente a todas as provín-
cias romanas. A primeira medida imperial contra o maniqueísmo data de
297 (27). A razão pela qual perdera a força é difícil explicar, mas ainda
estava vivo na era de Justiniano e diz-se que o prefeito pretoriano Pedro
Barsymes apoiou abertamente os maniqueístas (28). A área onde teve mais
sucesso foi, contudo, na Ásia Central, de Samarcanda à China.
O destino de todas as seitas proscritas era o retiro para o campo, onde
não estavam sujeitas à mesma coerção que nas cidades. Algumas, claro,
tiveram origem no campo e permaneceram sempre associadas a uma área
geográfica particular. Tal como o montanismo frígio, cujo último registo
data do século vnr, o imperador Leão III ordenou a conversão de todos os
restantes montanistas, mas estes escolheram imolar-se pelo fogo nas suas
igrejas, como já o tinham feito nos dias de Justiniano (29). É apenas através
de referências casuais que somos alertados da contínua existência desta ou
daquela antiga seita. Assim, os quartodecímanos (Tessareskaidekatitai},
cujo maior erro consiste no seu cálculo «judaico» da data da Páscoa, que
foram proeminentes antes do I Concílio de Niceia (325), reaparecem ines-
peradamente em 867, quando o patriarca Fócio reunira um determinado
número de membros e conseguira a sua readmissão na Igreja (3º). Dada a
obscuridade que envolve a vida no campo em Bizâncio, é praticamente
impossível determinar a prevalência das várias seitas heréticas para além
do pressuposto de que algumas áreas, como a Frígia e a Galácia, lhes eram
particularmente receptivas.
O grande desafio do cristianismo de Estado veio, contudo, não das
seitas, mas de uma das heresias «nobres», nomeadamente, o monofi-
sismo. Alguns eruditos hesitam mesmo em considerá-lo uma heresia,
preferindo designá-lo por cisma. Os monofisitas, que tinham um grande
apoio no Egipto e na Síria, opuseram-se ao Concílio de Calcedónia (451)
por dividir, do seu ponto de vista, a figura de Cristo em duas naturezas.
Acreditavam na unidade de Cristo encarnado, uma unidade que resultava
das (ek) duas naturezas, humana e divina. Ek para os monofisitas, en (em)
para os católicos - a diferença residia numa letra. O historiador Evágrio,
que fora contemporâneo desta controvérsia, observou, com razão, que a
primeira destas posições implica a segunda. No entanto, acrescenta, as

115
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

pessoas consideram o assunto capaz de criar oposições «sobre as suas


noções de Deus» - de tal modo que preferem morrer a chegar a º?1
acordo (31 ). Se havia uma razão mais profunda para esta disputa, Evágno
desconhecia-a, pois se existisse, seguramente, tê-la-ia conhecido.
O governo imperial, é justo reconhecê-lo, procurou diversa~ vezes
mediar este conflito. Em 482, o imperador Zeno proclamou o seu Edito da
União tHenotikom dirigido ao clero e ao povo do Egipto, no qual apelava
à lealdade dos seus súbditos e lembrava-lhes que a vitória sobre os
inimigos, a bênção da paz. o tempo clemente e a abundância de produtos
estavam dependentes numa adoração concordante da Divindade. Rejeitou,
então, os extremistas de ambos os lados e celebrou o primeiro de três
concílios ecuménicos, vagamente referidos como Calcedónia. e afirmou ª
sua fé na unidade de Cristo(32). O apelo não surtiu efeito. Os imperadores
que se seguiram tentaram abordagens diferentes: Anastásio favoreceu
abertamente os monofisítas, enquanto Justino I os perseguiu. Justiniano
parlamentou e perseguiu-os alternadamente, enquanto a sua mulher
Teodora ajudou activamente os obstinados orientais. Justino II procurou
um novo compromisso, tal como Heraclio. O resultado final foi zero.
exceptuando o aparecimento de uma nova heresia, o monotelismo, nas-
cido da forma conciliatória proposta por Heraclio.
Ao princípio, não era intenção dos monofisitas a criação de uma Igreja
independente. A sua primeira hierarquia, datando do tempo de Severo,
patriarca monofisita de Antioquia (512-518), fora constituída por bispos
nomeados regularmente. Embora fosse mais forte na diocese de Antio-
quia, estendeu-se também ao Leste e Sul da Ásia Menor. Mas depois de
estes bispos terem sido depostos e banidos (519), e especialmente depois
da morte da imperatriz Teodora (548), não restava outra alternativa senão
a criação de uma Igreja distinta, constituída por bispos titulares que, na
maior parte dos casos, nunca foram autorizados a visitar as suas sedes
episcopais. Esta ficou conhecida como a Igreja Jacobita, herdando o seu
nome de Jacob Baradaeus (f. 578), que realizara a maior parte das ordena-
ções. É interessante observar que os bispos «fantasmas» nomeados por
Jacob não estavam confinados àquelas províncias em que o monofisismo
era mais forte, mas estendiam-se a centros gregos tais como Éfeso,
Esmirna, Pérgamo e à ilha de Quios, pelo que podemos deduzir que o seu
objectivo não era, de modo nenhum, nacional.
Há poucas dúvidas de que a controvérsia monofisita facilitara a con-
quista das províncias orientais, primeiro pelos Persas e depois pelos

116
Os DISSIDENTES

Árabes. A experiência de perseguição de bispos relegados para o exílio e


de congregações impedidas de existir, com as suas igrejas e mosteiros des-
truídas pelo exército, colocaram o governo central num papel de pertur-
bador externo. Nas palavras de um historiador sírio:

Heraclio não permitira aos ortodoxos [isco é, aos monofisicas]


irem até à sua presença e não acolhera as suas queixas relativamente
às igrejas que lhes haviam sido roubadas. Foi por isso que o Deus
da vingança, o único todo-poderoso [ ... ] vendo a maldade dos
Romanos que, através dos seus domínios, pilharam cruelmente as
nossas igrejas e mosteiros, condenando-nos sem piedade, trouxera do
Sul os filhos de Ismael, para nos libertar das suas mãos. E se, na
verdade, sofremos alguns prejuízos pelo facto de as igrejas paroquiais,
que nos haviam sido retiradas e entregues aos calcedónios [isco é, aos
cacólicos], terem permanecido em sua posse, visco que quando as
cidades se submeteram aos Árabes, estes atribuíram os templos que
possuíam na ai cura a cada confissão [ ... ] não fora, no encanto,
pequena a vantagem de termos sido libertos da crueldade dos
Romanos, da sua maldade, da sua cólera, do seu zelo implacável em
relação a nós, e de nos encontrarmos em paz (33).

Isto não quer dizer que os monofisitas tenham representado tendências


nacionalistas, ou que tenham acolhido bem a ocupação estrangeira. Mas
não se poderia esperar que lutassem entusiasticamente em nome de um
imperador odiado e distante. No Egipto, na Síria e na Mesopotâmia, onde
a Igreja Ortodoxa fora, em larga medida, imposta do exterior, quando a
presença imperial desaparecera, ficara muito enfraquecida ou chegara até
mesmo a desaparecer.
A débâcle do século VII mudou drasticamente a configuração dos
dissidentes no Império. Os antigos pagãos haviam-se extinguido, à excep-
ção de ligeiras presenças em áreas remotas, tais como a dos habitantes de
Mani, no Peloponeso, que só foram cristianizadas tardiamente, no reinado
de Basílio I (34). A grande maioria dos judeus e dos monofisitas encon-
trava-se sob o domínio árabe. Havia ainda algumas comunidades de
Sírios jacobitas ao longo da fronteira oriental, alguns dos quais sediados
na Trácia, no século VIII, embora, após essa data, deixemos de ouvir falar
deles (35). Uma comunidade monofisita importante era a dos Arménios,
cujo papel crucial no Período Médio bizantino já foi referido. Várias

117
B IZÂNCIO. Ü lM P~RIO DA NOVA ROMA

seitas continuaram a ter uma existência obscura na Ásia Menor e os


muçulmanos começaram a aparecer como prisioneiros de guerra. tendo-
-lhes sido até permitido ter uma mesquita em Constantinopla. No entanto,
havia uma grande comunidade de novos pagãos, nomeadamente, os
Eslavos e os Ávaros, que haviam varrido praticamente toda a península
Balcânica. Estranhamente, as fontes bizantinas não nos dizem quase nada
acerca da sua religião. Contudo, fica a presunção de que durante cerca de
dois séculos e, em algumas zonas, durante três, vastos territórios que
pertenciam nominalmente ao Império retomaram ao paganismo. e de que
Perun, o deus do trovão, era aí adorado em lugar de Jesus Cristo. Um texto
siciliano de autenticidade histórica dúbia (século vm?) diz que os Avaros
«eram uma nação odiosa, completamente desconhecedora da língua
grega», cuja população habitava nas regiões de Dirráquio e Atenas, e que
adorava imagens de répteis e de bestas de quatro patas, assim como o
fogo, a água e as suas próprias espadas (36). A primeira expedição bizan-
tina com vista a penetrar na Grécia continental e no Peloponeso teve lugar
em 783, sendo essas zonas consideradas como território inimigo (37). Daí
em diante, os Eslavos foram gradualmente evangelizados, mas tratou-se
de um processo lento que continuou por mais de um século. Não nos deve-
mos esquecer que a norte da Trácia e da Macedónia ficava o novo reino
da Bulgária, que era pagão, e pagão militante, até à sua conversão nominal
ao cristianismo em 864. Assim, do lado europeu, Bizâncio enfrentava um
paganismo primitivo em expansão, que se estendia a perder de vista.
Enquanto estes bárbaros viviam mergulhados nas suas superstições,
Bizâncio foi abalada por outra tempestade religiosa. Poderá haver algum
exagero em tratar a iconoclastia como uma heresia, mas mostra-nos um
exemplo interessante do papel decisivo do imperador na esfera religiosa.
Esta realidade conduz-nos a uma situação curiosa, em que a maioria dos
habitantes do Império se via na condição de dissidentes. O assunto dizia
mais respeito ao cumprimento de acções religiosas do que aos dogmas:
seria correcto venerar as imagens (ícones) de Cristo e dos santos? Apesar
do que os teólogos possam argumentar, é evidente que os ícones haviam
adquirido um lugar importante na devoção popular e que eram considera-
dos numinosos. O cidadão bizantino comum poderá ter tido dificuldade
em explicar a sua posição intelectual sobre este assunto, mas acreditava
certamente que um ícone oferecia, por assim dizer, um locus para o santo
representado. Se o santo residisse no seu ícone, poderia falar em seu lugar
e realizar milagres por seu intermédio. A diferença entre um ícone e um

118
Ü S D ISSIDENTES

ídolo pagão é que o primeiro representava um santo genuíno, um membro


activo da corte divina de Deus, ao passo que o segundo representava não
tanto uma entidade inexistente, mas sobretudo um demónio.
Parece que os desastres militares do século VII levaram a população
a acreditar que estava a ser deliberadamente castigada por Deus por
algum defeito grave no culto que prestavam. O papel, se é que houve
algum, dos grupos heréticos neste assunto é pouco claro. No entanto,
sabemos que houve uma agitação popular antes do imperador Leão llI,
um sírio de Germaniceia (Marash), ter decretado, em 730, que os ícones
fossem retirados. Desejava ter o patriarca do seu lado, mas como este se
recusara a pactuar, outro homem fora nomeado em seu lugar. Os poucos
que resistiram activamente ao imperador foram banidos. Não houve uma
necessidade imediata de obter o assentimento de toda a Igreja. O impe-
rador estava no seu direito de purificar o destino dos seus súbditos,
demonstrando os acontecimentos na frente de batalha a sua ortodoxia. Foi
apenas em 754 que o sucessor de Leão, Constantino V, convocou um con-
cílio de 338 bispos, todo o episcopado do Império, e, independentemente
daquilo que os seus corações lhes diziam, todos assinaram na linha
ponteada.
Tanto quanto podemos avaliar, a iconoclastia nunca atraiu para si
muito apoio por parte do povo. O único grupo que a abraçou abertamente
foi o exército de campanha, que era doutrinado por Constantino V e obri-
gado a jurar o seu cumprimento. Quando, em 786, a imperatriz Irene
tentara convocar um concílio em Constantinopla, de forma a introduzir
o culto dos ícones, os seus planos foram impedidos pelos soldados. Dever-
-se-á também dizer que a populaça da capital, na década de 760, se juntara
ardentemente na perseguição dos monges iconófilos, arrastando-os pelas
ruas até ao hipódromo e cuspindo-lhes em cima; mas, na verdade,
Constantino V era um imperador muito popular, pelo que podemos ima-
ginar que os monges recalcitrantes eram representados como seus inimi-
gos. De resto, não podemos apontar nenhuma manifestação das massas,
quer pro quer contra. A vontade do governo ditou a supressão da icono-
clastia em 787, a sua reintrodução em 814 e a sua liquidação final em 843.
Reconhecidamente, nunca ocorrera nenhuma perseguição ao povo, em
geral. O clero regular, em regra, submetia-se às ordens emitidas e apenas
alguns monges (e não, de forma alguma, todos eles) defenderam os íco-
nes, sofrendo as respectivas consequências. A perseguição sob o reinado
de Teófilo, nos anos 830, tivera uma esfera de acção muito limitada.

119
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

O patriarca Fócio, que presidira durante a liquidação dos últimos


vestígios da iconoclastia, proclamou em voz alta a ideia de que todas as
heresias haviam sido derrotadas de uma vez por todas. O concílio que
convocara em 867 deverá supostamente ter marcado «o triunfo sobre
todas as heresias», e o patriarca terá confidenciado que «nenhuma espécie
de impiedade deverá, de aqui em diante, falar livremente» (38). Não tinha
dúvidas - e este ponto de vista veio a prevalecer na Igreja Ortodoxa - de
que a doutrina religiosa havia ficado definitivamente traçada. Nada mais
havia a acrescentar, e nada a retirar, tal como o Concílio Fociano de 879-
-880 declarara na sua sexta sessão. O imperador Leão VI estava igual-
mente convencido de que todas as heresias haviam sido abolidas. Outrora,
dizia ele, a celebração do baptismo em capelas privadas era proibida
por causa do medo de um ritual herético, mas tal perigo já não existia (39).
É verdade que nenhuma heresia maior poderia emergir novamente na
Igreja Oriental, mas continuavam a florescer seitas, ao mesmo tempo que
Fócio e Leão VI expressavam os seus pontos de vista optimistas.
Entre estas seitas, a mais subversiva ao poder estabelecido fora 0
paulicianismo, cujas ligações possíveis com o maniqueísmo não foram
completamente esclarecidas. A sua raiz reside na Arménia, em ambos os
lados da fronteira bizantina, e terá surgido no século Vil. A doutrina pauli-
ciana, ao que sabemos, foi criada com base na oposição entre o Deus da
Trindade e o Demiurgo maléfico que criou o mundo material. Os paulicia-
nos aceitavam o Novo Testamento (excepto o livro do Apocalipse e as
duas epístolas de Pedro) e tinham uma particular devoção por São Paulo.
Porém, como verdadeiros maniqueus, rejeitavam o Antigo Testamento.
Acreditavam que Cristo adquirira o seu corpo no Céu, pelo que nem tinha
nascido do ventre da Virgem Maria, nem morrera na cruz. Por isso, não
prestavam homenagem à cruz, assim como rejeitavam com desprezo os
ícones e o culto dos santos. Mais uma vez, como os maniqueístas, terão tido
uma classe de iniciados, mas nenhum clero regular ou liturgia. No entanto,
a sua indiferença relativamente aos sacramentos tornou-os dispostos a
submeterem-se ao baptismo e a outros ritos que estivessem em aparente
conformidade. Assim, evitaram ser facilmente identificados.
Embora se diga que os seus primeiros dois líderes tenham sido mortos
a mando do imperador, tanto quanto se sabe, os paulicianos não terão sido
severamente reprimidos até o santo patriarca Nicéforo ter convencido o
imperador Miguel 1 (811-813) a decretar a sua pena de morte. Em resul-
tado desta medida imponderada, os paulicianos atravessaram a fronteira e

120.
Os DISSIDENTES

procuraram a protecção do emir árabe de Melitene (Malatya), que lhes


concedera uma base de operações a partir da qual poderiam realizar
raides ao território bizantino. Esta hostilidade aberta para com o Estado
bizantino distinguira os paulicianos das outras seitas heréticas, embora se
deva salientar que o seu líder Sergius (conhecido por Tychikos), de uma
família bizantina socialmente bem posicionada, não aprovara tal
acção (40). Depois de Sergius, os dois líderes paulicianos que se seguiram
eram apenas homens do exército: Karbeas, um ex-oficial bizantino, esta-
belecera os seus seguidores na praça-forte de Tephrike (Divrigi), tra-
çando, assim, o que ascendera a um Estado independente, enquanto o seu
sucessor, Chrysocheir, continuara os ataques-surpresa até Éfeso, Niceia e
Nicomédia e reclamara com altivez a submissão de todo o território da
Ásia Menor. Foram necessárias várias campanhas árduas para dominar os
hereges e destruir Tephrike (878?). Bastante mais tarde, Karbeas e
Chrysocheir, esquecidas as raízes paulicianas, surgem no épico de Digenes
Akrites como os galantes capitães muçulmanos Karoes e Chrysocherpes
(ou Chrysoberges), sendo até o último representado como o próprio avô
de Digenes.
A queda de Tephrike não implicara o desaparecimento dos paulicianos
na Ásia Menor. No século x eram ainda em grande número na região do
Ponto (41) e conhecemo-los na mesma altura no ocidente do subconti-
nente. O seu principal centro de acção fora, no entanto, alterado para os
Balcãs, onde um dos seus grupos já se havia estabelecido, no século VIII.
As populações da Trácia, Macedónia e Bulgária, muito heterogéneas e,
até ao momento, não completamente evangelizadas, ofereciam à heresia
um solo fértil e ideal. A heresia era agora designada bogomilismo, uma
expressão que deriva do nome do padre Bogomilo, do qual tudo o que
se sabe é que vivera na Bulgária no reinado do czar Pedro (927-969).
O movimento teve um rápido sucesso. Em meados do século X, as autori-
dades eclesiásticas estavam preocupadas. No século seguinte, se não mais
cedo, o bogomilismo fora reexportado para a Ásia Menor, onde os seus
seguidores adquiriram o nome bizarro de Phoundagiagitai. Formou-se
também um grupo importante em Constantinopla. Algumas pistas do
sucesso do bogomilismo são fornecidas pelo Tratado (Slovo) do padre
Cosmas, que se pensa ter sido composto cerca de 972. Representa os
sectários como conformistas externos, cuja diferença mais óbvia dos orto-
doxos residia na sua vida mais casta e disciplinada. No entanto. aos olhos
de Cosmas, isto era pura dissimulação. Para além das falsidades dogmáticas

121
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

grosseiras, da aversão ao casamento e às crianças, também se opunham ao


trabalho manual. «Ensinam os seus seguidores a não se submeterem às
autoridades, denigrem os ricos, odeiam os imperadores, queixam-se dos
superiores, insultam os senhorios, defendem que Deus detesta aqueles que
trabalham para o imperador, e incitam cada servo a não trabalhar para 0
seu patrão» (42). Aqui temos, finalmente, um motivo «social» que a mente
moderna pode compreender. Para Cosmas, os bogomilos eram como que
hippies pacíficos que procuravam destruir a ordem estabelecida, e atribui
toda a responsabilidade à corte dos ortodoxos. Foram os próprios ortodo-
xos que desrespeitaram os deveres do casamento, que abandonaram as
mulheres e crianças e andaram dentro e fora dos mosteiros, alegando a
dificuldade em tomar conta da família enquanto serviam os proprietários
rurais e se submetiam à violência dos senhorios (43). Foram os monges
ortodoxos que viveram no ócio enquanto se intrometiam nos assuntos dos
laicos. Foram os padres e bispos ortodoxos que descuraram os seus
deveres pastorais. Poucos eclesiásticos da época pintam um quadro tão
vívido da indolência e da incúria da vida cristã.
Tem-se observado que Cosmas não prescreve nenhuma medida vio-
lenta contra os bogomilos. De facto, o período entre 950 e 1050 foi
marcado por um abrandamento geral da perseguição. Mas os tempos
estavam a mudar e a atitude oficial começou a endurecer, especialmente
depois da instalação da dinastia comnena. A mudança é notável na histó-
ria do chamado Synodicon da ortodoxia. O Synodicon original, que se
destinava a ser lido em todas as igrejas no primeiro domingo da Quaresma,
fora escrito em 843 e consistia numa condenação da iconoclastia. Durante
os dois séculos seguintes nada foi adicionado, mas, a partir de 1050, novas
condenações e anátemas começaram a ser acrescentadas. A primeira
vítima foi um tal Gerontius de Lampe (então desconhecido), que se inti-
tulava o Ungido, e que «em Creta vomitava sem parar o veneno da sua
odiosa heresia». Depois, foi a vez do filósofo Ítalo, de quem se falará mais
no capítulo 6. A seguir, veio o monge calabrês Nilo, que tinha pontos de
vista invulgares acerca da divinização da natureza humana de Cristo.
Depois, Eustáquio, um ex-professor e metropolita de Niceia, que pecava
pela mesma questão, e, em meados do século xu, o patriarca eleito de
Antioquia, Soterico Panteugenes, que fora desastroso na questão levan-
tada sobre o sacrifício eucarístico ser oferecido apenas ao Pai ou à
Trindade (44). É verdade que a maior parte destas «falsas doutrinas» era de
natureza puramente académica e dificilmente poderiam ser compreen-

122
Os DISSIDENTES

didas por muitas pessoas. Ainda assim, a Igreja estava desejosa de afirmar
a sua autoridade e ser vista a fazê-lo. Também o imperador fez uso do seu
poder para este fim louvável. Em 1114, Aleixo I entrara em contacto com
bogornilos e paulicianos em Filipópolis (Plovdiv), uma cidade que era
quase inteiramente «maniqueísta», e diz-se ter lutado com os hereges dia
após dia, o que resultara na conversão de muitos milhares à ortodoxia (45).
No entanto, o mal havia já chegado a Constantinopla, onde uma multidão
de pessoas já lhe sucumbira, até mesmo as melhores casas. Aleixo pren-
dera o líder da seita, um tal monge Basílio, e levara-o com artimanha a
confessar os seus falsos dogmas. Basílio, que se recusara renunciá-los, foi
condenado à fogueira, enquanto os seus discípulos terminaram os seus
dias numa masmorra. Acendera-se uma grande pira funerária no hipó-
dromo, e quando os carrascos atiraram os hereges para a fogueira, não
houve nem cheiro a carne queimada nem fumo - nada, a não ser urna fina
linha de vapor, pois até os elementos se ergueram para confundir os
ímpios. Este foi o último acto público do admirável imperador, que
morrera pouco tempo depois. Contudo, o bogomilismo continuou a cres-
cer. Expandira-se até à Sérvia e à Bósnia, à Itália e ao Sul de França.
Conseguira até penetrar nas defesas do monte Atos e, nos Balcãs, sobre-
vivera ao Império Bizantino.
Quase todas as dissidências bizantinas assumiram a forma de heresias
religiosas. Os historiadores têm procurado afincadamente causas sociais e
nacionais - as «verdadeiras» causas, das quais as heresias eram apenas
uma máscara -, mas, de um modo geral, os seus esforços não foram
recompensados. Entre os exemplos que revimos, poucos poderão ser
associados a tendências separatistas: os Samaritanos, nos séculos V e VI,
e os arménios monofisitas poderão ser incluídos nesta categoria de sepa-
ratismo. Também os paulicianos tiveram um Estado independente durante
cerca de vinte anos, mas como resultado de circunstâncias muito especí-
ficas, que nada tinham a ver com o dualismo per se. Como vimos, os
bogomilos eram bastante pacíficos no seu comportamento e não tinham
aspirações políticas de que tenhamos conhecimento. Embora a maioria
fosse, sem dúvida, de origem eslava, incluíam um séquito de entre muitas
outras nacionalidades.
A busca de causas sociais revelou-se igualmente inconclusiva. Em
nenhum caso podemos estabelecer uma ligação evidente entre uma here-
sia e uma classe social. Os maniqueístas são conhecidos por incluírem um
grande número de mercadores, mas também intelectuais, aristocratas e

123
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

pessoas comuns. Os paulicianos atraíram um número considerável de


soldados. Quanto aos bogomilos, consta que seriam na sua maioria da
classe dos camponeses, mas também incluíam membros do baixo clero e,
se pudermos confiar em Anna Comnena, membros das melhores famílias
de Constantinopla. É evidente que se pode argumentar que algumas here-
sias, as dualistas em particular, tinham uma implicação social. na medida
em que desencorajavam o casamento e a procriação. Dada a escassez
crónica de mão-de-obra no Império, o governo poder-se-á ter preocupado
com essas doutrinas. Porém, se estava preocupado por essa razão, nunca
o afirmara. Além disso, o monasticismo cristão, que normalmente gozava
de maior estima, produzia o mesmo efeito demográfico.
A verdade é que o termo «heresia» abrange uma diversidade de fenó-
menos, os quais não teriam sido referidos através da mesma designação,
caso a ortodoxia de Estado não os houvesse unido dessa forma. Havia
seitas de carácter judaizante, como os quartodecímanos e os Athingani,
cuja origem remonta aos primórdios do cristianismo, e que se davam por
satisfeitas por se terem implantado nos distritos rurais da Ásia Menor.
A sua «dissidência» baseava-se, em grande parte, em questões rituais.
Para além disso, havia as heresias «nobres», que resultavam de especula-
ções teológicas mais avançadas, sendo que algumas diferiam da ortodoxia
apenas em matéria de terminologia. Se deixarmos de lado o facto de algu-
mas palavras-chave, tais como «natureza», «essência», «pessoa», nem
sempre serem entendidas da mesma forma, é difícil encontrar algo que
seja fundamentalmente falso na doutrina de um Nestório, ou de um
Severo de Antioquia, para não falar de um teólogo tão eminente como
Teodoro de Mopsuéstia, que fora injusta e desnecessariamente condenado
no V Concílio. A história das heresias «nobres» poderá estar cheia de
intrigas políticas, mas estas não tinham a intenção de ser subversivas.
E uma vez estabelecida uma Igreja independente, a ligação a ela toma-
va-se uma questão de submissão hereditária. Um homem que nascesse
monofisita permaneceria monofisita, excepto sob coacção; e não há conhe-
cimento de nenhum católico que se tenha convertido ao monofisismo
como um gesto hostil para com o Estado.
Apenas no caso das heresias dualistas estamos num patamar diferente.
Procópio, ao descrever eventos que conhecia muito bem, pois diziam
respeito à sua cidade natal de Cesareia, na Palestina, diz-nos o seguinte
dos Samaritanos que eram forçados por Justiniano a adaptar o cristia-
nismo: «Muitos deles, irritados com o facto de serem obrigados a

124
Os DISSIDENTES

abandonar as suas crenças ancestrais pela lei, e não de sua livre vontade,
inclinaram-se imediatamente para os maniqueístas e para os chamados
politeístas» (46). Uma última prova diz .respeito aos soldados que foram
banidos em 786 pela imperatriz Irene por apoiarem a iconoclastia:
também eles se juntaram aos maniqueístas ou aos paulicianos (47). Não é
de admirar que o dualismo tenha atraído elementos descontentes, pois
apresentava-se como um movimento de reforma radical para recuperar os
dogmas do cristianismo que haviam sido deliberadamente obscurecidos
pelo clero, patrocinado pelo Estado (48). O apelo a tal atitude pode ser
calculado pelo facto de o dualismo ser a única forma de heresia bizantina
que se disseminara amplamente através de fronteiras étnicas e geo-
gráficas.
O verdadeiro vilão da história é, obviamente, a ortodoxia de Estado.
«Nós sabemos», escreveu Justiniano, «que nada agrada mais a Deus
misericordioso do que a união de todos os cristãos pela crença na verda-
1
deira fé divina e imaculada» (49). Mas a união pela crença religiosa não i
seria suficiente; com o passar do tempo, a união na prática litúrgica, nos
1
dias festivos e nos dias de jejum, nas modas de vestuário e na maneira de
se pentearem os cabelos, tornaram-se tão ou mais importantes. Se uma
1
tolerância total era impossível de atingir, pelo menos a perseguição pode- 1
ria ter sido evitada. Até um clérigo tão austero como Teodoro, o Estudita,
afirmara que o papel da Igreja era o de ensinar os hereges e não matá- 1
-los (50). O Estado, identificado com a Igreja Ortodoxa, muitas vezes pen-
sou de modo diferente. Como consequência directa da sua intolerância,
milhões de súbditos potencialmente leais ao imperador foram transfor-
mados em hereges e, portanto, em inimigos.

125
~..----
Capítulo 5

O Monasticismo

Nenhum outro aspecto da vida bizantina está tão amplamente


documentado como o monasticismo. Temos centenas de biografias de
santos monges, inúmeras meditações, epístolas, sermões, exortações e
considerações sobre a condição monástica. Além disso, existe um con-
junto de regras, cânones de disciplina, éditos imperiais e até um vasto
material arquivístico. Contudo, apesar da recolha superabundante de
bibliografia, desenvolver uma aproximação à vida monástica bizantina,
em termos que possamos compreender hoje em dia, não é uma tarefa fácil.
Devemos começar por salientar um ponto: o monasticismo foi um
movimento laico. Era semelhante, e pode ter-se desenvolvido a partir de
alguns grupos de cristãos que levavam uma vida particularmente austera
e dedicada sem, contudo, se afastarem do mundo. Estes homens eram
conhecidos como spoudaioi (os zelosos ou determinados) ou philoponoi
(os diligentes), enquanto nas províncias de língua siríaca eram chamados
«os filhos da Promessa». Possuíam uma forma de organização sobre a
qual, infelizmente, pouco se sabe. Se consultarmos a Vida de Santo Antão,
que é visto como o pai do monasticismo, descobrimos que iniciou as suas
diligências espirituais (cerca de 270 d.C.) seguindo os preceitos dos
spoudaioi que conhera e aprendendo com eles as «vantagens do zelo

127
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

lspoudê1 e do treino [askêsis]». Sabemos que, naquela época, os mosteiros


de cónegos regulares ainda não existiam no Egipto, nem viviam
anacoretas no deserto, mas «qualquer homem que quisesse cuidar do seu
espírito faria um retiro espiritual num lugar não muito longe da sua
aldeia» ( 1 ). O passo decisivo que Antão tomara - e poderá não ter sido o
primeiro a fazê-lo - fora retirar-se, inicialmente, para um túmulo vazio e,
depois, para o deserto. O abandono ou a partida da aldeia (anachôrêsis)
fora, desde o século I d.C., um fenómeno comum no Egipto entre as
pessoas empobrecidas, que se viram incapazes de pagar os seus impos-
tos (2). Essa razão não poderá ser evocada no caso de Antão, que era
um agricultor rico e que cedera voluntariamente os seus bens. Porém, é
possível que a rápida difusão do movimento monástico estivesse asso-
ciada à prevalência da anachõrêsis como uma fuga às dificuldades do
dia-a-dia.
De facto, o monasticismo tivera um sucesso imediato. Como isto
aconteceu exactamente, não sabemos, pois temos pouca informação sobre
os primeiros oitenta ou cem anos do movimento. As fontes mais antigas e
fiáveis de que dispomos datam de meados do século IV, altura em que 0
movimento se havia expandido a muitas partes do mundo romano e em
que alegava ter dezenas de milhares de seguidores. Se é verdade, como se
pensa, que o monasticismo teve origem no Egipto, dever-se-á ter esten-
dido à Palestina, à Síria e à Mesopotâmia num curto espaço de tempo.
Descobrimos que se instaurara no Norte da Ásia Menor antes de 340 e
cerca de 350 já existiam alguns monges na Europa Ocidental.
Numa fase inicial do seu desenvolvimento no Egipto, o monasticismo
assumiu duas formas que se viriam a tomar clássicas e a persistir durante
o período bizantino, nomeadamente, o anacoreta solitário e o comunal.
Santo Antão é um exemplo do primeiro. O seu askêsis consistia essen-
cialmente no isolamento, na oração e no jejum. Embora muitas vezes não
dormisse, nunca se lavasse e nunca untasse o corpo com óleo, não se
obrigava às penitências bizarras que encontramos em períodos mais
tardios. Os seus adversários eram os demónios que o tentavam, primeiro
através de pensamentos acerca do conforto e da família que havia tido,
depois, com desejos lascivos, e, finalmente, com visões terríveis de
animais selvagens - devemo-nos lembrar que, para os Egípcios, o deserto
era uma zona assustadora habitada por monstros. Quando, aos cinquenta
e cinco anos de idade (e. 306 d.C.), Antão saiu vitorioso da sua reclusão,
aparecera, tal como se encontrava, transfigurado: não havia envelhecido

128
0 MONASTICISMO

fisicamente, embora houvesse adquirido uma firmeza espiritual, o dom de


ensinar e a habilidade de curar os doentes. Mais tarde, persuadira muitas
pessoas a adaptar a vida solitária, «e assim se estabeleceram mosteiros nas
montanhas, e o deserto fora povoado por monges que haviam abandonado
as suas casas» (3). Os cinquenta anos seguintes da sua vida - morrera em
356, aos cento e cinco anos - foram passados mais em público. Pessoas
distintas vieram em busca dos seus poderes de cura, filósofos pagãos
debatiam com ele, até o imperador Constantino Jhe escrevera uma carta, a
qual não terá querido receber até lhe garantirem que o imperador era
cristão - algo que Antão parecia não saber. Em suma, um percurso notá-
vel para um camponês que nunca aprendera grego e que permanecera
iletrado até ao final da sua vida.
A forma de monasticismo comunal (cenobita) fora estabelecida no
Alto Egipto por Pacómio (f. 346), um contemporâneo de Antão, mais
jovem. Depois de servir no exército imperial e de ter sido aprendiz de
eremita, Pacómio decidira que o modelo militar era o mais adequado à
vida monástica. A estrutura que estabelecera em Tabenesi, na margem
direita do Nilo, fora planeada para ser um acampamento com muralhas,
ordenadamente dividido em «conventos», cada um sob o comando de um
oficial. Os monges eram agrupados de acordo com a sua profissão ou
ofício e passavam muito do tempo realizando trabalho manual; traba-
lhavam, oravam e comiam juntos. Particular ênfase foi dada à obediência:
os monges comuns estavam sujeitos ao chefe do seu convento que, por
sua vez, reportava ao abade. Na altura em que morrera, Pacómio havia-se
tomado o líder de uma cadeia de cerca de doze mosteiros masculinos e
três conventos de freiras, que contavam com vários milhares de resi-
dentes.
Diz-se que um anjo do Senhor revelara uma regra a Pacómio, ou um
conjunto detalhado de regras, inscritas numa barra de bronze. Não neces-
sitamos de indagar se fora Pacõmio, ou um dos seus imediatos sucessores,
o autor deste documento, traduzido do copta para o grego e do grego para
o latim. O texto mais completo que chegou até nós é a versão latina de
Jerónimo escrita em 404 (4). Descreve-nos um mosteiro rodeado por uma
muralha, englobando uma capela, um refeitório, uma enfermaria e uma
hospedaria. Os monges dormiam em celas individuais sem trancas, não
lhes sendo permitido possuir outros haveres para além de uma esteira,
duas vestes sem mangas, uma capa e apenas mais algumas coisas essen-
ciais. O jejum (duas vezes por semana) e a oração nunca eram excessivos.

129
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Precisavam de ter algum conhecimento das Escrituras e um grau mínimo


de alfabetização (etiam nolens /egere compelleturi, mas não lhes era exi-
gido um nível de instrução superior. O que quer que estivessem a fazer, os
monges eram obrigados a manter a distância de um cúbito entre si; não
podiam falar com ninguém no escuro, não podiam abandonar o recinto
sem autorização (e mesmo tendo autorização, apenas podiam sair aos
pares) e, no seu regresso, não podiam relatar nada daquilo que tinham
ouvido lá fora. Qual seria, podemo-nos perguntar, o atractivo desta vida
de regime militar, para a qual afluíam milhares de homens e mulheres?
Claramente, Pacómio não impunha demasiadas exigências aos noviços,
e parecia ter intenção de conseguir captar o maior número possível de
pessoas comuns, às quais oferecia fraternidade e um padrão mínimo
de segurança material. A Regra mostra que havia consciência do perigo
em admitir criminosos e escravos fugitivos (5). mas o processo de selec-
ção era rudimentar e não poderá haver muitas dúvidas de que um número
considerável de ladrões, endividados e inadaptados de todos os tipos
procurava o anonimato atrás das paredes do convento.
Tanto na sua forma solitária como na cenobita. o monasticismo repre-
sentava uma ameaça à Igreja oficial. O monge, devemos repeti-lo, era um
leigo cristão que seguia literalmente a injunção de Cristo: «Se quiserdes
ser perfeito, ide e vendei os vossos haveres, e obtereis o tesouro no Céu»
(Mt. 19, 21). Buscava a perfeição enquanto cristão, para regressar à sim-
plicidade dos tempos apostólicos quando «todos os crentes estavam juntos
e partilhavam todas as coisas; e vendiam os seus haveres e bens, e
dividiam-nos por todos os homens» (Actos 2, 44-5). Defendia que havia
apenas uma moral, uma askêsis, a das Escrituras, e que, idealmente
falando, todos os cristãos deviam ser monges. Contudo, efectivamente,
procurara a perfeição não através da Igreja mas fora dela. Até Santo Antão
atingira a santidade sem qualquer recurso ao clero e não sentira qualquer
necessidade, durante os seus vinte anos de reclusão, de receber a comu-
nhão. Todo o seu modo de vida constituiu uma condenação implícita da
Igreja «no mundo». Enquanto Orígenes havia aconselhado uma segrega-
ção moral mais do que uma segregação física de tudo o que não é sagrado,
o monge proclamava a impossibilidade virtual de atingir a salvação sem
um retiro físico. O ministério da Igreja, a sua liturgia e a sua prédica
pareciam ser quase irrelevantes.
O alerta sentido por alguns membros do episcopado é evidente nos
Cânones do Concílio de Gangra (e. 341 d.C.), o qual constitui, por coíncí-

130
0 MONASTICISMO

dência, um dos primeiros documentos respeitantes ao monasncrsmo.


O problema foi causado por um tal Eustáquio, que conseguira um número
considerável de seguidores na província do Ponto. As práticas que
encorajava, se pudermos acreditar nos bispos reunidos em Gangra, eram
as seguintes: desfaziam casamentos, ao ensinar que os casais ligados pelo
matrimónio não tinham esperança de salvação. Para além disso, despre-
zava as igrejas, organizando os seus próprios serviços religiosos. Ele e os
seus seguidores vestiam roupas estranhas e persuadiam as mulheres a
usarem vestuário de homem e a cortarem o cabelo (o mesmo cabelo que
Deus lhes tinha dado como lembrança da sua submissão aos homens).
Desviavam para proveito próprio as oferendas dos fiéis, encorajavam os
escravos a abandonar os seus donos, incitavam os ricos a desfazerem-se
do seu património, não reconheciam os padres casados, não respeitavam
os jejuns da Igreja e abominavam que se comesse carne (6). Claramente,
Eustáquio estava a subverter a ordem social - a mesma ordem social da
qual a autoridade moral e a subsistência material da Igreja dependiam. No
entanto, não fora estigmatizado como herege: mais tarde fora sagrado
bispo e exercera uma influência considerável sobre São Basílio, que é
universalmente visto como um pilar da Igreja.
Santo Atanásio, bispo de Alexandria, contribuíra- quer por convicção
pessoal, quer por perspicácia - para disfarçar a oposição entre a Igreja e o
monasticismo, fazendo uso do seu prestígio para defender publicamente o
movimento monástico (7). A sua Vida de Antão constituíra um manifesto,
no qual sublinhara o respeito dos eremitas (suposto ou real) pelo clero
secular. Usara seguramente Antão como instrumento nas suas disputas
doutrinais com os hereges. Muitos outros bispos seguiram o mesmo
espírito, daí resultando a adopção de um compromisso. Enquanto Eustá-
quio teria argumentado que a perfeição cristã era inatingível no mundo,
até São Basílio acreditara que a mesma era difícil de alcançar(8), desen-
volvera-se a aceitação da «dupla via»: o monasticismo era o caminho
directo para o céu, mas a vida na terra, se regulada pela Igreja, oferecia a
possibilidade de se atingir o mesmo destino, embora de uma forma menos ,. f
directa. Não haveria a mesma askêsis para todos os cristãos, mas uma
mais dura e austera para os monges, e outra mais suave para o homem
comum. Além disso, tal como se argumentava, a existência dos monges
1JJ
era altamente benéfica para a população em geral e até mesmo para a l
riqueza e segurança do Estado. Com efeito, o monge, à força da auto-
-abnegação e do sofrimento, atingia o estado de libertação das paixões l
131
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(apatheia) semelhante ao dos anjos, conquistando assim a familiaridade


(parrhêsia) com Deus. Portanto, as suas preces seriam particularmente
eficazes. E se o Senhor havia estado preparado para poupar Sodoma em
nome de dez homens íntegros, não haveria de favorecer um Estado com
milhares de monges santos?
A história do monasticismo oriental que sucede a Antão e Pacómio
traduziu-se por uma expansão geográfica, uma adaptação local e uma
evolução mais involuntária, do que planeada através de reformas.
Os modelos eremita e cenobita foram combinados de diversas maneiras.
Na Palestina, onde o monasticismo parece ter sido introduzido no início
do século IV por Santo Hilário, um discípulo de Santo Antão, desenvol-
vera-se um tipo especial de monasticismo, conhecido por a lavra, agru-
pando um número de celas ou cavernas individuais à volta de uma casa
comunal. As celas eram habitadas por semi-solitários que se reuniam para
o culto dos sábados e domingos. O prestígio da Terra Santa servia como
estímulo ao crescimento da vida monástica, que assumira uma dimensão
internacional. Efectivamente, entre os grandes nomes associados à Pales-
tina, São Gerásimo (conhecido pelo seu leão domesticado) era da Lícia.
Por outro lado, tanto São Teodósio, o Cenobiarca, como São Sabas eram·
da Capadócia. Qualquer que fosse a sua origem nacional, muitos mostei-
ros surgiram à volta de Jerusalém e Belém, junto ao Jordão e ao mar
Morto - conhecem-se pelo menos cento e quarenta a partir de referências
textuais. Na Síria e na Mesopotâmia, o monasticismo teve, tanto quanto
sabemos, igual sucesso, aparecendo nestes locais pela primeira vez no
tempo de Constantino, predominantemente na sua forma anacorética, a
qual terá evoluído rapidamente para moldes pautados por uma excessiva
automortificação. Alguns eremitas optavam por viver como animais
selvagens, renunciando ao uso do fogo e alimentando-se de tudo aquilo
que crescia espontaneamente - eram conhecidos por «aqueles que
pastam» (boskoi). Outros carregavam correntes ou trancavam-se em
jaulas, enquanto São Simeão, o Estilita (f. 459), ficara internacionalmente
conhecido por se colocar de pé num pilar, cuja altura ia sendo gradual-
mente aumentada até atingir quarenta cúbitos, marcando, assim, as etapas
da sua ascensão em direcção a Deus. A única «dendrite» entre os santos
bizantinos fora David da Mesopotâmia, que se dirigira para Tessalonica
para aí pregar em cima de uma árvore, como um pássaro.
Em 357, o jovem São Basílio, que fora levado para a vida monástica
pelo exemplo das suas devotas mãe e irmã, fizera uma viagem à Mesopo-

132
0 MONASTICISMO

tâmia, à Síria, à Palestina e ao Egipto, para observar os diferentes tipos de


askêsis e escolher aquele que melhor se adaptava a si. Chegara à con-
clusão de que o anacoretismo de Antão, embora admirável em alguns
aspectos. tinha a grave desvantagem de não incluir a caridade fraterna nas
suas práticas. nem a oportunidade de cumprir todos os mandamentos do
Senhor. Além disso, todos os homens careciam de correcção através da
observação de um exemplo ou de ouvir conselhos - algo que não seria
possível em isolamento. São Basílio decidira-se, portanto, em favor do
cenobitismo, mas considerava, justamente, que os conventos pacomianos
eram demasiado grandes para uma supervisão adequada. A comunidade
que fundara em Annesi, na região do Ponto, depois de haver regressado
das suas viagens, era um cenóbio com uma dimensão mais modesta,
passando esse a ser o tamanho padrão ao longo do período bizantino.
Como tem sido diversas vezes observado, nunca existira na Igreja Grega
uma «Ordem Basiliana» ou, para o caso, qualquer outra «ordem» monás-
tica. Mas o estatuto de Basílio como um dos maiores Padres da Igreja
levara, efectivamente, à aceitação generalizada do seu ideal monástico, o
qual documentara por escrito, de forma bastante detalhada, em duas obras
conhecidas como A Regra longa e A Regra Breve (9).
Contudo, fora da Síria que o monasticismo chegara a Constantinopla.
Parece ter sido introduzido pelo sírio Isaac, que conquistara alguma fama
ao predizer ao herético imperador Valente a sua derrota perante os Godos
(378). O mosteiro que fundara, cerca de 382, tomara-se conhecido pelo
nome do seu sucessor Dalmatos, também um oriental e ex-oficial da
guarda imperial. Aquele que parece ser o segundo mosteiro mais antigo
fora fundado pelo sírio Dios. Possivelmente, o terceiro em antiguidade
fora o de Rufiniana, fundado pelo prefeito pretoriano Rufino (392-395),
próximo da sua vil/a suburbana, onde estabelecera um grupo de monges
egípcios que, contudo, não permaneceram ali muito tempo. Um mosteiro
ainda mais famoso, o de «Aqueles Que não Dormem» (Akoimêtoi), que
conservavam uma doxologia contínua através de três grupos, oficiando
por turnos, fora estabelecido, também por sírios, cerca de 420.
A atracção que a capital exercia sobre os monges orientais poderá ser
constatada num documento bastante curioso, a Vida de São Daniel, o
Esti/ita (f. 433)('º). São Daniel nascera na região de Samosata e entrara
num mosteiro próximo da sua aldeia natal, aos doze anos, tendo-se tor-
nado aí abade. Pela mesma altura, Simeão, o Estilita, estava no auge da
sua fama e Daniel vira evidentemente todas as vantagens que poderia

133
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

obter se adaptasse este novo e maravilhoso tipo de askêsis. Para fa~er_a


maior publicidade possível, não havia lugar como Constantinopla. A ideia
ocorrera-lhe quando se encontrava em peregrinação para Jerusalém.
Abandonando com insensibilidade a comunidade que fora designado
dirigir, encaminhou-se para «a segunda Jerusalém» apesar de não saber
falar grego. Aí chegado, escolheu um sítio adequado no lado europeu do
Bósforo, numa aldeia chamada Anaplous, suficientemente próxima da
capita\ para atrair as atenções. De início, sentiu algumas dificuldades na
sua relação com os habitantes da povoação, porém, conseguiu firmar a sua
reputação afugentando os demónios de um templo pagão que já não era
utilizado, e por ter curado o patriarca Anatólio de uma doença. Depois,
viera um golpe de sorte: por altura da morte de São Simeão, o Estilita, um
monge sírio chamado Sérgio chegara à capital para presentear o impera-
dor Leão l com a capa de pele do grande asceta. Incapaz de conseguir uma
audiência, Sérgio fora residir com Daniel, seu conterrâneo. Havia chegado
a altura de utilizar a artimanha da coluna. Com a ajuda de um oficial do
palácio, fora erigida uma coluna, relativamente baixa (com o dobro da
altura de um homem) junto a uma vinha, que pertencia a outro sírio, com
ligações à mesa do imperador. Deste modo, Daniel tornara-se notícia junto
dos altos dignitários e da família imperial. Todos queriam ver a nova
atracção: a imperatriz oferecera-se para instalar Daniel numa das suas
propriedades se este aceitasse mudar-se (mas ele recusara); o ex-prefeito
Ciro celebrara a maravilha síria numa inscrição elegíaca. Daniel, seguindo
0 exemplo de São Simeão, erigira uma segunda coluna mais alta do que

a primeira e depois uma terceira, cujas fundações foram lançadas pelo


próprio imperador, a quem Daniel havia anunciado a chegada de um filho
varão. Fora aí erigido um complexo monástico sendo a coluna o ponto
central e dedicado um martírio a São Simeão, cujas relíquias haviam sido
trazidas de Antioquia e aí depositadas com grande pompa. Reconhecida-
mente, a vida de Daniel não fora um mar de rosas e no processo de
transferência do estilitismo do clima mais quente da Síria para as margens
do Bósforo, tivera que lidar com as neves de Inverno - numa ocasião esti-
vera quase a morrer congelado. Contudo, isso era um risco da profissão.
Durante a sua vida, Daniel tomara-se um enorme sucesso e Constanti-
nopla exultava por ter o seu próprio estilita.
Os mosteiros primitivos não foram fundados no interior da cidade,
mas sim fora das muralhas de Constantino e o mesmo acontecera geral-
mente noutros sítios. A presença de monges nas cidades era, na ver-

134
0 MONASTICISMO

dade, proibida por uma lei decretada por um imperador tão pio quanto
Teodósio I, o qual ordenara que vivessem «em lugares desertos e isola-
dos». Esta lei revelara-se improdutiva e fora rejeitada dois anos mais
tarde ( 11 ). Apesar disso, havia um sentimento generalizado de que os
monges não tinham lugar no meio das tentações e da agitação da cidade:
em Antioquia eram escarnecidos e arrastados através das ruas - e por
cristãos ( 12). Por outro lado, no campo, o monge era uma figura familiar
e, se por acaso fosse um ascético conhecido, cumpria um verdadeiro pro-
pósito social: curava doenças das pessoas e do gado, afastava os demónios
e desinfectava, se é que assim se pode dizer, os lugares tomados perigosos
pelas associações pagãs. Em resumo, era uma espécie de feiticeiro. Na
Vida de São Teodoro de Sykeon ( 13) e em muitos outros textos, podemos
encontrar retratos vívidos da sua importância no seu distrito rural e a
deferência com que era tratado pela população. Dever-se-ia negar, então,
ao monge esse mesmo papel nas cidades? No século VI aceitou-se que um
ascético experiente, que conseguisse resistir a todas as tentações da carne,
poderia ter a seu cargo um sacerdócio urbano, se ocultasse a sua verda-
deira identidade. E assim surgira uma categoria peculiar de santos, os
«santos loucos». A ideia de simular a loucura não fora em si nova, mas
quando aparecera pela primeira vez no século IV, fora num contexto
cenobita, e o propósito do exercício seria incrementar as humilhações que
se sofreria na terra para colher maiores recompensas no céu. Uma motiva-
ção diferente parece ter inspirado o mais famoso «santo louco», que
actuava num contexto urbano, São Simeão de Emesa (meados do
século VI) ( 14): estava decidido a emendar os elementos mais desprezados
pela sociedade, tais como as prostitutas e actores, e a converter judeus e
hereges. Para o fazer sem dar nas vistas e, alegremente, fingira ser um
lunático inofensivo: tivera empregos bizarros nas tabernas, convivera com
mulheres da vida, comportava-se mal nas igrejas e violava deliberada-
mente os jejuns cristãos. Enquanto isso, praticava em segredo a mais
austera askêsis. Não fora São Paulo que dissera, «Se alguém dentre vós se
tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio» (I Cor. 3, J 8)?
Por razões óbvias, São Simeão não encontrara muitos imitadores, mas a
tradição de se «ser louco por causa de Cristo» nunca morrera no mundo
bizantino e chegara, por fim, até à Rússia.
Os séculos v e v1 marcaram o auge do movimento monástico no
Oriente. Procurados pela aristocracia e pelos imperadores, encorajados
pelos bispos, os novos «filósofos» cristãos regozijavam-se pela notorie-

135
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1-
~
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

dade que deveriam, supostamente, evitar. Os episódios de proezas, de


milagres, de previsões e as máximas memoráveis dos monges eram com-
pilados e lidos avidamente. Para o Egipto, existe a Historia monachorum
(e. 400) e a História Lausiaca de Paládio (419-420). para a Síria, a Histó-
ria Religiosa de Teodoreto (e. 444). Para além de todas estas obras famo-
sas e das vidas individuais de proeminentes santos monásticos, circula-
vam, em quase todas as línguas do Próximo Oriente, inúmeras histórias,
muitas vezes estereotipadas e permutáveis que, por fim. foram incluídas
nas colecções designadas por paterica (livros dos Padres). Contudo, o
monumento mais eloquente do prestígio do monasticismo é, certamente,
.a enorme Igreja de Qal'a Sim'an, construída por iniciativa imperial como
o centro de peregrinação de São Simeão, o Estilita. Que maior tributo
poderia a civilização prestar ao fanatismo?
Ao viverem voluntariamente à margem da sociedade, os monges tor-
naram-se, por isso, heróis populares e membros da classe social domi-
nante. O preço a pagar traduz-se por terem de ser regulamentados pelas
autoridades eclesiásticas e de lhes prestar obediência. Já no século V
descobrimos monges de uma diocese que eram controlados por um «bispo
da aldeia» (chorêpiskopos) ou um visitante (periodeutês), ou então colo-
cados às ordens de um exarca. Justiniano tentara ir mais longe: embora
reconhecesse a excepcional santidade da vida monástica, ordenara que
nenhum mosteiro poderia ser fundado sem o consentimento do bispo, e
que este seria quem deveria nomear, também, o abade. Decretara igual-
mente que todos os postulantes se deveriam submeter a três anos de
noviciado, que todos os monges de um determinado mosteiro, excepto os
anacoretas, deveriam dormir no mesmo edifício, de forma a se observa-
rem mais de perto e que os mesmos deveriam ser fortemente desencora-
jados a mudar de aposentos (15). Não se deve acreditar que estas ordens
foram totalmente cumpridas. O monasticismo era demasiado fluido, dis-
perso e influente para se submeter a tais regras. Além disso, estava também
a adquirir uma riqueza económica considerável. A história do Período
Tardio bizantino prova o modo como conservara a sua independência em
relação à Igreja oficial.
Enquanto o Império Bizantino do Período Inicial se desmoronava, um
monge cilício chamado João Moscho, que morrera como refugiado em
Roma (634), pintara um quadro memorável do monasticismo oriental
como o havia conhecido. Chamara-lhe O Prado ( 16). Surgindo na tradição
da paterica anterior, trata-se de uma série de narrativas com um propósito

136
0 MONASTICISMO

moral que Moscho recolhera no decurso das suas viagens. O mundo que
lhe era familiar, o do monasticismo ortodoxo, havia já recuado em resul-
tado do cisma monofisita: centrava-se na Palestina, estendia-se ao monte
Sinai e a Alexandria (mas não muito para o interior do Egipto), ao Norte
e ao Ocidente da Cilícia, Chipre e algumas das ilhas gregas. Uma plêiade
de ascéticos, cuja fama se espalhara de boca em boca, iluminara este
mundo. Cultivaram a continência, a pobreza, o silêncio e a caridade. Entre
eles estavam alguns estilitas e «aqueles que pastam», mas as formas mais
extremas de mortificação eram geralmente evitadas. Havia um intenso
espírito de competição para atingir a virtude, mas também o sentido de
que a idade heróica do monasticismo havia já passado. Se Moscho se
mostrara intolerante, fora em relação aos monofisitas. Porém, a sua narra-
tiva agradável dificilmente nos deixa suspeitar que ao lado do seu mundo,
o «internacional» dos monges ortodoxos, existia um mundo paralelo, o
dos monges monofisitas que, alvos de perseguição, cultivavam, talvez por
vezes em excesso, sensivelmente as mesmas virtudes e que realizavam os
mesmos milagres e obtinham os mesmos sinais do céu. Para penetrar
neste mundo o leitor pode recorrer à obra As Vidas dos Santos Orientais
de São João de Éfesor!").
De todas as classes sociais os monges eram talvez os menos vul-
neráveis à catástrofe do século VII. Alguns, é verdade, foram massacrados,
enquanto outros fugiram para o Ocidente - para Cartago, Sicília e Roma,
onde já os encontramos bem representados no Concílio Lateranense
de 649. Mas até sob a lei árabe os monges ortodoxos foram capazes de
conservar os principais estabelecimentos na Palestina (suprimidos no
início do século IX), assim como no monte Sinai. São João Damasceno
fora o mais famoso, mas não o último representante do monasticismo
ortodoxo na Palestina.
Inesperadamente, foi no Império Bizantino e não entre os infiéis que
o monasticismo sofrera o mais duro golpe. Quando os imperadores isáuri-
cos fizeram da iconoclastia a doutrina oficial do reino, o clero secular não
oferecera muita resistência, como já tivemos ocasião de observar. Com
efeito, foram os monges quem organizara um movimento de resistência.
Ao fazê-lo, não significa que tivessem um interesse «monástico» em
defender a «superstição», ou que tirassem partido material do culto dos
ícones, como têm sugerido alguns historiadores. Fora simplesmente o seu
poder único face ao povo que os tornara os campeões naturais da tradicio-
nal observância religiosa. Além disso, não eram tão susceptíveis às pres-

137
1

'l
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

sões do governo como os bispos. Quando afastados de um lugar, podiam


ir para outro, mesmo além das fronteiras do Império, visto que a rede das
suas ligações se estendia tanto à Palestina como a Itália. Seja como for,
quando a perseguição dos iconófilos fora severamente desencadeada na
década de 760, os monges foram as principais vítimas. O imperador
Constantino V tinha uma particular aversão em relação a eles, chamando-
-lhes «os não mencionáveis». Forçara-os a casar, sujeitara-os à humilha-
ção pública e secularizara alguns dos mais famosos mosteiros de Cons-
tantinopla. A perseguição na Ásia Menor Ocidental fora, segundo nos
dizem, ainda mais cruel, devido ao zelo do governador local, Miguel
Lacanodrácon. Reunira em Éfeso todos os monges e freiras da sua pro-
víncia e dissera-lhes: «Quem quiser obedecer ao imperador e a mim
próprio, que vista um traje branco e escolha imediatamente uma esposa.
Aqueles que se recusarem fazê-lo serão cegados e exilados para o
Chipre.» A ordem fora imediatamente cumprida e muitos tornaram-se
mártires nesse dia, enquanto outros, lamentavelmente, segundo o nosso
cronista, quebraram os seus votos e perderam as suas almas ( 18).
Fora um grande dia para os monges, quando o último dos isáuricos,
Leão IV, morrera em 784, e um dia ainda maior quando a iconoclastia fora
oficialmente condenada no VII Concílio Ecuménico (787), no qual esta-
vam bem representados - emissários de cento e trinta e dois mosteiros,
maioritariamente de Constantinopla e da Bitínia, assistiram às sessões.
Nos trinta anos seguintes verifica-se um grande surto de construção
monástica, seguindo-se um período de tribulações, aquando da reintro-
dução da iconoclastia (815-843). Mais uma vez, os monges lideraram a
resistência. Desta feita, estavam mais bem organizados, devido especial-
mente à actividade incansável de São Teodoro, o Estudita. Descendendo
de uma proeminente família de funcionários públicos, bem instruído e
relacionado, Teodoro era acima de tudo um homem prático e um discipli-
nador rigoroso. Desejava reformar o monasticismo, incutindo-lhe o
espírito dos Padres fundadores. Não estava interessado na contemplação
mística, mas no trabalho árduo, na pobreza e na obediência. Insistia no
facto de os monges não deverem possuir escravos ou animais do sexo
feminino (um abuso que deplorava particularmente); não deverem sair
desnecessariamente, nem estabelecer relações familiares (tal como ser
padrinhos) com leigos e deverem partilhar tudo o que tinham, distribuindo
pelos pobres tudo aquilo que excedesse as suas necessidades (19). O ideal
de Teodoro estava bastante próximo do de Pacómio, em relação ao qual

138
0 MONASTICISMO

também se assemelhava. na medida em que chefiava uma confederação de


mosteiros, englobando cerca de mil monges. De forma a alcançar os
seus objectivos, teve de estabelecer uma hierarquia de comando (abade-
-adjunto, administrador, assistente de administrador, despenseiro, oficiais
de justiça e por aí adiante). instituindo até uma espécie de cárcere, no qual
os monges desobedientes e negligentes ficavam sujeitos a uma dieta de
pão e água, urna vez que a correcção através do chicote era apenas apli-
cada a leigos (20). Podemos agradecer a Teodoro a ênfase dada, entre
outras ocupações manuais, à cópia de livros. ajudando assim a criar um
scriptorium famoso no Mosteiro de Studius.
O monasticismo saíra bastante reforçado dos problemas iconoclastas.
Adicionara um novo conjunto de mártires e confessores ao calendário da
Igreja Oriental; e estabelecera-se também como a voz da consciência
religiosa sempre que os bispos fossem forçados a comprometer-se
quanto a assuntos de doutrina ou de disciplina. O primeiro patriarca de
Constantinopla depois do «triunfo da ortodoxia». Metódio (843-847). fora
um ex-monge, assim como o seu sucessor Inácio (847-858). Existem
imensas provas de que se procedera rapidamente à fundação de novos
mosteiros e à ampliação dos que já existiam nos séculos IX e X, bem como
nos séculos seguintes, tanto que, decorrido pouco tempo, o governo impe-
rial começaria a ficar extremamente preocupado. Em 935, Romano I
Lecapeno decretara que os mosteiros passariam a estar impedidos de
adquirir as terras dos camponeses, até mesmo através de doações (21 ), e
semelhante proibição fora retomada por Constantino VII, em 947. Nicéforo
Focas fora mais longe em 964: numa constituição bem conhecida nesse
ano (22) criticara severamente o estabelecimento de mosteiros pela sua
ganância insaciável, pela aquisição de vastas terras, edifícios sumptuosos
e inúmeras cabeças de gado. Este não era, recordara-lhes, o modo como
os Padres do deserto haviam vivido. Em seguida, decretara que não have-
ria lugar à fundação de novos mosteiros. Sugerira, em vez disso, que os
l
!
antigos, que se encontravam em ruína, deveriam ser reabilitados, mas não
através da doação de terras. Até os mosteiros em ruínas possuíam terreno
suficiente: faltava-lhes, sim, os recursos humanos e animais, de forma a
tornar as terras produtivas. As únicas excepções que Nicéforo permitira
diziam respeito aos mosteiros que haviam perdido as terras por desgo-
verno (casos que deveriam ser investigados por agentes do governo) e a
fundação de celas e de lavrai, desde que estas não adquirissem nenhuma
propriedade. Nicéforo era um fervoroso admirador da vida monástica e

139
BIZÂNCIO'. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

não podia ser acusado de sentimentos anticlericais. O principal objectivo


da sua lei era o de tornar as terras monásticas produtivas travando, ao
mesmo tempo, a constante erosão das propriedades dos camponeses.
A legislação complementar decretada por Basílio ll, em 996, revela as
acções do monasticismo ao nível das aldeias. Um camponês, diz ele,
tornava-se monge, construía uma capela e atribuía-lhes as suas terras.
A ele poder-se-iam juntar outros. Com a sua morte, o bispo local apro-
priar-se-ia das terras, com o pretexto de se tratar de um mosteiro, e tomá-
-las-ia para si, ou entregá-las-ia a um potentado leigo. O imperador decre-
tava, então, que as capelas não teriam o estatuto dos mosteiros e que
deveriam servir a comunidade da aldeia. O papel do bispo limitar-se-ia à
supervisão da conduta dos monges residentes e estaria proibido de lhes
cobrar quaisquer impostos. A designação de mosteiro passaria a estar
reservada a estabelecimentos que contassem com um mínimo de oito a
dez monges. Estes permaneceriam sob a jurisdição do bispo. que seria
livre de os ordenar à sua vontade, desde que não adquirissem mais
terras (23).
Para compreendermos a complexidade da situação, devemos ter em
conta vários factores. Primeiro, um mosteiro bizantino tinha normalmente
que ver com questões agrícolas e, se fosse bem gerido, produziria um
lucro para além do das contribuições cobradas aos noviços e de outras
doações. Segundo, as propriedades dos mosteiros eram, pela lei imperial
e canónica, inalienáveis, o que significava que poderiam permanecer
intactas, ou crescer. Terceiro, o direito de propriedade dos mosteiros
estava empossado a vários grupos: alguns eram imperiais, outros patriar-
cais ou episcopais; outros pertenciam a privados através da descendência
do fundador, ou por qualquer outra razão; e outros ainda eram inteira-
mente independentes. Podemos pressupor que, em cada caso, o proprie-
tário tirava todos os excedentes que o mosteiro produzisse e estaria na
posição de exercer uma influência considerável nos assuntos internos do
estabelecimento. O jogo de interesses era, por isso, extremamente com-
plexo. Salvo se um mosteiro fosse independente tautodespoton ou
autexousion), os monges não eram os principais beneficiários. É evidente
que obteriam um modo de vida que poderia ser razoavelmente confor-
tável; no entanto, basicamente, eram os supervisores que estariam entre o
proprietário e os trabalhadores agrícolas.
À medida que nos aproximamos do final do século X, encontramos,
contudo, uma outra forma de administração monástica. Como já o índi-

140
0 MONASTICISMO

cara Basílio II, um convento seria atribuído a um patrono leigo (conhecido


como charistikarios), que teria o controlo absoluto das suas propriedades
e dos seus rendimentos durante toda a sua vida e, ocasionalmente, pode-
ria passá-lo para os seus herdeiros, mas nunca além da terceira geração.
Os abusos a que o sistema podia dar lugar eram óbvios: um patrono podia
despojar completamente um mosteiro - sendo essa situação frequente.
Além disso, os mosteiros tornar-se-iam pouco mais do que bens que eram
trocados e comercializados. O filósofo Miguel Pselos, que não era menos
arguto do que Voltaire nos seus assuntos financeiros, adquirira direitos
sobre mais de doze mosteiros. E se o patrono fosse um homem de pouca
moral ou, pior ainda, um estrangeiro? Algumas vozes indignadas insur-
giram-se em protesto (24). No entanto, a própria Igreja nada fez para abolir
o sistema que, depois de atingir o seu auge no século XI, parece ter dimi-
nuído um pouco, embora permanecesse em vigor até ao final do Império.
A razão poderá ter sido o facto de a Igreja simplesmente não ter conse-
guido gerir o enorme número de mosteiros sob a sua jurisdição nominal e
ter reconhecido que, quaisquer que fossem os abusos perpetrados, sempre
seria melhor que fossem administrados por leigos influentes do que por
ninguém.
Sabe-se bastante sobre as propriedades monásticas a partir do século XI,
e saber-se-á ainda mais quando os arquivos do monte Atos forem intei-
ramente publicados (25). Há também o testemunho de monumentos arqui-
tectónicos. Não será, certamente, coincidência que todos os esplêndidos
edifícios religiosos do Período Médio bizantino sejam monásticos. Se nos
limitarmos à Grécia, todas as principais igrejas que sobreviveram, a partir
sensivelmente do ano 850, pertenciam aos mosteiros: Skripou, Hosios
Loukas, Nea Moni de Quios, Daphni e por aí- em diante até ao fim do
Império. Em nenhuma outra igreja episcopal ou paroquial se encontrava
tamanho esplendor e ostentação. r
Se João Moscho pudesse ressuscitar e percorrer os mosteiros bizan- ~
;""

tinos dos séculos XI e XII, teria certamente ficado surpreendido, mas não
triste. Contudo, julgando pelas aparências, nada mudara: perseguiam-se
ostensivamente os mesmos ideais, aplicavam-se (ou, mais provavelmente,
não se aplicavam) os mesmos cânones disciplinares e os pregadores
defendiam o mesmo tipo de vida monástica. Havia, como antes, eremitas,
estilitas, cenobitas e até lavrai do modelo palestiniano. Evidentemente, a
geografia do monasticismo mudara bastante. Enquanto os mosteiros se
disseminavam pelas terras bizantinas, incluindo, por esta altura, as cida-

141
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

des, surgiram ·também alguns centros importantes. O mais notável, a partir


do século viu, fora o Olimpo bitínio (o moderno Uludag) com todo o
campo à volta. Aqui vivia Santo Platon, tio de Teodoro, o Estudita, o pró-
prio Teodoro, São Metódio, o futuro patriarca, São Teófanes, o Confessor,
Santo lonício, o Grande, São Metódio, o futuro apóstolo dos Eslavos, e
muitos outros santos menores cuja hora de glória coincidira com a
segunda perseguição iconoclasta. O segundo centro importante, a partir
do final do século X, fora o monte Atos, que acabara por ofuscar todos os
outros mosteiros. O monte Latmos (Latros), perto de Mileto, fora o mais
proeminente antes do século x, e o monte Galesion, perto de Éfeso, no
século XI. Entre os centros menos importantes podemos mencionar 0
monte Kiminas, algures na fronteira da Bitínia, e o monte Ganos na
Grécia. O que é notável é o facto de a Ásia Menor Central e Oriental
(excepto o Ponto) estar muito pouco representada nos anais do monasti-
cismo bizantino. Existiram, sem dúvida, muitos mosteiros na Capadócia,
mas não deixaram praticamente nenhum registo escrito.
Certamente havia espaço para uma reforma do monasticismo oriental,
particularmente no século XI, quando a estrutura da sociedade estava a
passar por importantes alterações. Ocorrera alguma agitação nos círculos
monásticos, de onde se destaca a figura de Simeão, o Novo Teólogo.
Simeão (e. 940-1022) era um místico, não um reformador, mas exercia
uma influência considerável em dois aspectos. Provavelmente, ao reagir
contra o materialismo banal dos mosteiros contemporâneos. proclamara o
propósito da vida espiritual como sendo uma transformação interior que
levaria a uma visão directa de Deus, manifestada na forma de uma luz
inefável. Insistira também na importância da total obediência a um mentor
espiritual, cuja autoridade atribuída por Deus de «atar e desatar» ultra-
passava a de qualquer padre nomeado pelo homem. Certamente, Simeão
pertencera a uma corrente mística que tivera antecedentes bastante antigos
na Igreja Oriental, uma corrente que poderá datar de São Máximo, o Con-
fessor, até Orígenes - no entanto, notável no presente contexto é a fran-
queza com que atacara o clero estabelecido. Argumentara que os padres e
os bispos haviam perdido, na sua conduta indigna, o dom da graça
recebido dos apóstolos, pelo que já não seriam melhores do que os leigos.
Permanecera apenas a pretensão e a aparência do sacerdócio, enquanto o
dom espiritual passara para os monges - não para todos os monges,
obviamente, mas para aqueles cuja virtude transparecia através de sinais.
Eles eram os únicos verdadeiros cristãos, os sucessores dos apóstolos (26).

142
0 MONASTICISMO

Compreensivelmente, Simeão irritara bastante as autoridades eclesiás-


ticas, havendo sido inclusivamente banido da capital. Tivera, no entanto,
a sorte de pertencer a uma família proeminente e de viver num período
razoavelmente tolerante. De contrário, haveria de ter sofrido um destino
mais cruel, especialmente porque a sua doutrina se parecia com o messa-
lianismo. Se houvesse sido menos entusiasta, poderia ter compreendido
que o monasticismo se havia tornado praticamente tão inerte como o clero
secular. De facto, longe de actuar como a voz da consciência ortodoxa,
estava ele próprio a ser alvo de ataques por parte dos bispos. Talvez
possamos fazer aqui uma pausa para examinar o caso contra os mon-
ges, tal como fora declarado por Eustáquio de Tessalonica, no final do
século XII (27).
Eustáquio não era ascético e aceitava que os monges tivessem o
direito de viver bem, desde que o fizessem com bom senso. Cita uma
história sobre o imperador Manuel I Comneno, que certa noite decidira
preparar um banquete para o casamento de um nobre. Dado que àquela
hora não havia os géneros alimentícios necessários no palácio, enviara-se
um emissário ao mosteiro mais próximo de São João, em Petra. Embora
fosse a semana da Tirofagia (a semana antes da Quaresma), os bondosos
monges não levantaram questões em providenciar diferentes tipos de pão,
vinho seco e doce, fruta, azeitonas, queijo, peixe fresco e em salmoura,
assim como caviar negro e vermelho, importado do rio Don. Aos olhos de
Eustáquio, este era um exemplo louvável dos excedentes dos monges.
O problema que tinha de resolver em relação aos monges, e possivelmente
com os do monte Atos, era o facto de serem gananciosos e grosseiros.
Eram recrutados do estrato social mais baixo, entre tecelões, alfaiates,
caldeireiros, trabalhadores de couro, pedintes e ladrões. Por conseguinte,
sendo quase iletrados, nunca liam nenhum livro (na verdade, vendiam os
livros das bibliotecas monásticas) e recusavam-se a admitir quaisquer
postulantes cultos. Em vez de «filosofarem» nos seus mosteiros, passa-
vam a maior parte do tempo no mercado, por isso tinham grande perícia
em comprar barato e vender caro. Recebiam rendas exorbitantes dos seus [
rendeiros, defraudavam deliberadamente doadores ricos, falsificavam
escrituras, caçavam, andavam armados. Muitos deles até mantinham as
suas propriedades e aumentavam-nas; alguns lançavam-se no comércio e
na usura. Para mais, os monges desprezavam o clero. Incomodavam conti-
nuamente os bispos e causavam danos incalculáveis às terras episcopais,
fechando todas as estradas e desviando a água.

143
BIZÂNCIO. 0 lMPéRIO DA NOVA ROMA

Enquanto os bispos e monges se insultavam com acusações, a vida


nos mosteiros continuava como outrora. Para ilustrar o seu percurso esco-
lhemos dois exemplos, bastante contemporâneos entre si e ambos perten-
centes à mesma província, nomeadamente, ao Chipre. O primeiro, o do
Mosteiro de Machairas, é certamente o mais típico dos dois. O segundo,
de São Neófito, revela uma personalidade notável e o destino dos seus
esforços.
A história de Machairas é conhecida pelo typikon do mosteiro <28). Em
meados do século XII, um eremita palestiniano, Neófito (não confundir
com o seu homónimo mais conhecido, acima mencionado), deixara o
deserto perto do rio Jordão e viera para o Chipre, onde instalara uma
cabana numa montanha escarpada e fora alimentado pelos camponeses.
Fizera-se acompanhar por um discípulo. Inácio. Neófito morrera e Inácio
arranjara outra companhia. Os dois começaram a ter ideias mais ambicio-
sas e por isso foram até Constantinopla para apresentar uma petição ao
imperador. Manuel 1 concedera-lhes a montanha e os seus arredores, livre
de ónus, e um rendimento anual de quase cinquenta peças de ouro. Decre-
tara também que o mosteiro fosse completamente independente. Esta
situação permitira a Inácio construir uma capela e algumas celas e organi-
zar uma comunidade de cinco ou seis monges. Até aqui, uma história
normal.
No ano de 1172, o enérgico Nilo que, ao que parece, também seria
palestiniano, juntara-se à irmandade. Tomara-se útil indo buscar as provi-
sões de alimentos da Cilícia num tempo de fome, tendo-se por fim tornado
abade. O seu passo seguinte fora solicitar doações aos crentes na forma de
propriedades e animais de quinta. Teve bastante sucesso e reunira, assim,
condições para construir uma igreja, um refeitório e uma ala residencial,
sendo todo o complexo rodeado por um fosso. O mosteiro fora consa-
grado pelo bispo local, a quem fora dado perceber que o seu único direito
era oficializar a eleição do abade. Enviada a Constantinopla uma segunda
delegação, esta recebera do imperador Isaac ll ( l l 85-95) a garantia de um
pomar das propriedades da Coroa em Nicósia e uma isenção de impostos
de doze moedas de ouro. A isto seguira-se uma bula dourada emitida pelo
imperador Aleixo 11 (l 195-1203), dando ao mosteiro completa isenção de
impostos sobre as suas terras e sobre vinte e quatro colonos (paroikoi), em
perpetuidade. Ambos os imperadores podiam permitir-se ser generosos,
dado que nenhum deles controlava o Chipre, o qual viria a tornar-se um
principado independente em 1185, sendo conquistado por Ricardo

144
0 MONASTICISMO

Coração de Leão em 1191. Mas mesmo se Nilo não tirasse vantagem


destes privilégios, as propriedades que acumulara eram mais do que
suficientes. Em 121 O, quando a versão final do typikon fora redigida, Nilo
fundara também um convento de freiras na cidade vizinha de Tamasos,
que iria receber oito por cento do rendimento líquido do mosteiro. Além
destes oito por cento, os padres que oficiassem no referido convento
receberiam cerca de vinte e quatro moedas de ouro por ano. Supondo que
o salário dos padres ascenderia a um quarto das doações ao convento
(e provavelmente seria menos do que isso), o rendimento total anual terá
sido de mil e duzentas moedas de ouro, uma quantia bastante satisfatória
para aquela época e muito para além das cinquenta moedas de ouro de
apenas algumas décadas atrás.
As provisões do typikon são particularmente detalhadas no que diz
respeito à administração. A comunidade em causa era grande e não deve-
ria ser aumentada. Porém, ofereciam-se incentivos especiais para a admis-
são de figuras distintas (periphaneisy; que poderiam receber a tonsura
depois de um noviciado de seis meses, quando as outras pessoas, segundo
a legislação de Justiniano, teriam de esperar três anos, durante os quais
realizavam tarefas servis. No início, a admissão era gratuita, mas as doações
não eram desencorajadas e uma vez feitas não podiam ser reembolsadas.
A seguir ao abade, a comunidade incluía um primeiro e um segundo
oikonomos, um sacristão, dois encarregados do guarda-roupa (docheiarioi),
dois ou mais responsáveis pelos armazéns, um oficial de justiça, entre
outros. Toda a produção era cuidadosamente medida na presença de teste-
munhas, feitas contabilizações regulares, os inventários conferidos, atri-
buindo-se novas vestes aos monges apenas mediante a entrega das velhas.
Poder-se-á duvidar que existisse no Chipre da altura um sistema agrícola
mais eficientemente organizado do que o do Mosteiro de Machairas.
O único assunto sobre o qual Nilo tem pouco a dizer é, contudo, a educação.
Proíbe especificamente a admissão de crianças leigas no recinto para o
ensino. Apenas os rapazes que se queriam tomar monges poderiam entrar
para aprender os Salmos e as cerimónias religiosas numa cela especial.
Como é evidente, o Mosteiro de Machairas não era um centro de cultura.
Algumas décadas antes, outro cipriota, Neófito, inspirara-se em ideais
mais austeros. Vinha de uma fanu1ia de agricultores e quando, aos dezoito
anos, entrara para o Mosteiro de São Crisóstomo perto de Nicósia (em
1152), não sabia ler nem escrever. Por isso, durante cinco anos ficara
encarregue de tratar das vinhas da comunidade, tempo durante o qual

145
BIZÂNCIO. 0 IMPf:.RIO DA NOVA ROMA

adquirira conhecimentos básicos de alfabetização e aprendera os Salmos


de cor. Consumido por um desejo de seguir a vida eremita, fora-lhe per-
mitido ir para a Palestina com o objectivo de por lá encontrar um mentor
adequado. Porém, as suas expectativas não foram preenchidas. De volta
ao Chipre, decidira continuar até ao monte Latmos perto de Mileto.
Dirigira-se a Pafos na esperança de embarcar num navio, mas fora preso
por suspeitas de ser um fugitivo e roubaram-lhe todo o dinheiro, nomea-
damente, duas moedas de ouro. Sem um centavo, partira à aventura para
as regiões da costa e encontrara uma caverna onde iria passar o resto da
sua longa vida (morreu depois de 1214).
A sua subsequente ascensão à fama devera-se. em grande parte, ao
bispo de Pafos, Basílio Kinnamos, que, a julgar pelo seu nome de família,
era um aristocrata da Ásia Menor ou de Constantinopla. Fora ele que
nomeara o presbítero Neófito e o convencera a fundar uma comunidade.
O eremita, contudo, era muito diferente do astuto Nilo. Esforçara-se por
manter o seu mosteiro pequeno e resistira à aquisição de propriedades
terrenas. Só após a conquista latina ( 119 l ), quando havia escassez de
comida e a irmandade fora inundada pelo fluxo de estranhos, é que con-
sentira em adquirir alguma terra arável, uma vinha e algumas cabeças de
gado, mas vendo isso como males necessários.
Sozinho na sua caverna (enkleistra), Neófito dedicara-se aos estudos
literários. O seu conhecimento não era, obviamente, muito profundo: limi-
tava-se à Bíblia, alguns Padres da Igreja e Vidas de santos. Contudo. para
um homem com as suas raízes, lia bastante e, além disso, adquirira um
domínio notável do grego eclesiástico, com uma ortografia correcta.
Coleccionara também livros. Num passo conta-nos como. durante trinta e
sete anos, havia procurado uma cópia do Hexaêmeron de São Basílio pelo
Chipre Ocidental, mas sempre em vão - uma confissão interessante, visto
que o Hexaêmeron era um livro extremamente vulgar. Ainda assim,
Neófito fora capaz de reunir uma biblioteca de cerca de cinquenta volu-
mes, um número assinalável para um mosteiro provincial. Como autor,
Neófito compusera dezasseis obras de teor religioso, que orgulhosamente
enumera no seu typikon. Por vezes, também escrevia poesia. No entanto,
a maior parte da sua produção literária, edificante e acessível a um público
de cultura moderada, ficara por ler. Várias das suas composições sobre-
viveram em cópias únicas, as mesmas que o santo depositara na biblioteca
do seu mosteiro. Ali permaneceram a apanhar pó, até serem trazidas, no
século XVII, por agentes do governo francês (29).

146
0 MONASTICISMO

O mosteiro de São Neófito tem tido uma existência contínua até aos
dias de hoje, e não se pode dizer que sofresse qualquer dificuldade em
resultado da ocupação latina. Pelo contrário, há indícios de que haveria
uma prosperidade razoável: no final do século xv tinha um rendimento
anual de duzentos ducados venezianos, sendo construídos novos edifícios,
incluindo uma enorme igreja. Ainda assim, o mosteiro não produzira uma
única figura espiritual ou literária. O desejo expresso pelo fundador de
que o abade fosse, como ele, um eremita, fora rapidamente ignorado.
Longe de se tornar um centro de virtude ascética, a Enkleistra transfor-
mara-se num koinobion comum, um empreendimento agrícola como
todos os outros mosteiros do Chipre.
Durante a sua longa existência, o monasticismo bizantino nunca se
desviara da sua forma original. A única possibilidade de reforma residia
num retorno a uma interpretação mais rigorosa dos Padres do deserto ou,
então, numa interiorização em direcção a um misticismo que podia apenas
ser partilhado por alguns. E assim a herança de Simeão, o Novo Teâiogo,
fora retomada no século XIV pelos hesicastas do monte Atos. A contro-
vérsia em relação à «Luz Incriada» do monte Tabor, e o método de se
atingir a visão beatífica sustendo a respiração enquanto se recitava a
«oração de Jesus», pertence mais à história da espiritualidade do que ao
monasticismo como instituição. Podemos notar, no entanto, que o mani-
festo de Gregório Palamas ( 1340), que obtivera a aprovação formal da
Igreja Grega, identificava explicitamente os monges como pessoas de
visões espirituais a quem os mistérios da vontade divina eram revelados,
tal como as verdades do cristianismo haviam sido concedidas aos profetas
do Antigo Testamento (30). É difícil imaginar que os bondosos monges de
Vatopedi, que combateram os seus vizinhos de Esfigmenou com porretes
pela posse de alguns campos, em cujas lutas as duas facções incendiaram
as árvores uns dos outros (31 ), tenham sido os mesmos monges que reivin-
dicaram para si tal posição elevada no grande desígnio de Deus.
Com a sua longa tradição de obstinação e perícia financeira, os
mosteiros bizantinos estavam bem preparados para sobreviver sob o
domínio estrangeiro. Os do monte Atos usufruíam de benefícios conside-
ráveis quando passaram para a governação do rei sérvio, Estêvão Duãan.
Quando, algumas décadas mais tarde, os Turcos Otomanos apareceram
pela primeira vez na Europa, os mosteiros atonitas nem sequer esperaram
pelo estabelecimento do domínio turco. Dirigiram-se directamente ao
sultão, ofereceram-lhe a sua submissão e obtiveram a confirmação dos

147

L
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

títulos e das suas propriedades (e. 1372)(32). No meio da confusão que


se seguiu, conseguiram até mesmo ampliar os seus bens e envolver-se
em outros empreendimentos de risco rentáveis. O mesmo não se pode
dizer, evidentemente, de todos os mosteiros, mas aqueles que sobre-
viveram à conquista saíram-se muito bem durante os cinco séculos
do domínio turco. O monasticismo bizantino sobreviveu. portanto, ao
Império Bizantino.

148
Capítulo 6

A Educação

1
f
Quando, no século IV, o cristianismo triunfou sobre o paganismo,
existia por todo o Império um padrão de educação liberal, que não sofreu
qualquer transformação fundamental desde o período helénico, ou seja,
durante cerca de quinhentos anos. Devemos começar por descrever as 1
suas principais características.
A educação dos rapazes compreendia, como ainda hoje, três fases:
primária, secundária e superior. Começando aos sete anos, os rapazes
(e, ocasionalmente, também as raparigas) eram enviados para um profes-
sor do nível elementar (grammatistês), que lhes ensinava o alfabeto, a ler
em voz alta, a escrever e a contar. Tratava-se de conhecimentos bastante
básicos, e o grammatistês, que normalmente trabalhava por conta própria
e não possuía qualquer qualificação oficial, detinha uma posição na socie-
dade bastante baixa - pouco melhor do que a de um artesão. Uma pro-
porção considerável da população abandonava o ensino no nível ele-
mentar, com memórias indeléveis dos açoites do mestre, da repetição e da
memorização. A fase seguinte, ou a fase do ensino de nível secundário,
era supervisionada por um professor diferente (e consideravelmente mais
bem pago), o grammatikos, que ensinava gramática, não tanto no sentido
actual da palavra (embora também o fizesse), mas mais em termos de um

1 ;-
149 1 :;
1 ãã
-
11 ·-
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

conjunto de autores «clássicos», na maioria poetas, de entre os quais,


sobretudo, Homero. O método seguido pelo grammatikos no Período
Tardio bizantino é conhecido em detalhe e incluía para cada texto estu-
dado quatro operações, nomeadamente, correcção idiorthãsis), leitura em
voz alta (anagnôsis), explicação (exêgêsis) e crítica (krisis). Este método
parece-nos muito formal e, de facto, era. «Correcção» significava con-
frontar os textos dados pelo professor com os dos alunos, para se ter a cer-
teza de que eram idênticos, algo que não se podia ter como certo. O texto
era, então, recitado com a entoação adequada. A necessidade de o fazer
prendia-se com o facto de, na Antiguidade, as palavras serem escritas sem
nenhuma separação ou pontuação. Depois de o texto ser lido em voz alta,
havia que ser explicado, primeiro linguísticamente (visto que a língua de
Homero e de outros poetas antigos não era, de um modo geral, entendida),
depois historicamente, pelo que os nomes das várias figuras mitológicas e
os nomes geográficos tinham de ser identificados e sabidos de cor. Final-
mente, krisis referia-se não tanto à crítica literária, mas sobretudo a um
apuramento das lições morais que se podia tirar dos textos antigos.
O estudo dos poetas era complementado pela gramática, normalmente
através do livro de bolso de Dionísio, o Trácio (século J a.C.), que con-
servara o seu enorme prestígio durante o período bizantino. Isto era
pouco mais do que uma classificação da língua: vogais e consoantes, o
tipo de vogais (por outras palavras, se eram breves, longas ou comuns),
ditongos, as oito partes do discurso, número, declinação, conjugação, etc.
Uma vez preparado, o aluno teria de tentar resolver vários exercícios
iprogymnasmatai, cotados e definidos cuidadosamente, dos quais os pri-
meiros quatro ou cinco eram feitos na escola secundária, enquanto o resto
estava reservado para a fase superior da educação. No influente livro de
bolso de Hermógenes (século li d.C.) eram apresentados os seguintes
doze exercícios:

1. A fábula (normalmente sobre animais).


2. O conto (diêgêma), definido como «a exposição de algo que
acontecera ou que poderia ter acontecido».
3. A máxima (chreia).
4. O ditado gnómico (gnômê), que diferia da chreia pelo facto de
esta última poder conter alguma acção (isto é, um episódio
breve), enquanto o gnõmê se limitava a uma declaração geral de
natureza dissuasiva ou encorajadora.

150
A EDUCAÇÃO

5. A confutação (anaskeuê) ou a confirmação (kataskeuê) de uma


dada proposição.
6. O lugar-comum (koinos topos), isto é, a elaboração de um caso
geral, por exemplo, a favor ou contra uma classe de pessoas
(corajosos, criminosos), cuja excelência ou culpa não era colo-
cada em questão.
7. O elogio (enkômion) de uma determinada pessoa, um animal,
uma qualidade abstracta, uma cidade, etc., ou o seu oposto,
nomeadamente, a invectiva (psogos).
8. A comparação (synkrisis).
9. O retrato literário (êthopoiía), normalmente na forma de um
pequeno discurso que uma figura conhecida possa proferir numa
determinada ocasião, com o objectivo de transmitir um estado de
espírito (felicidade/aflição) e a natureza (homem/mulher, jovem/
/idoso) do orador.
IO. A descrição (ekphrasis) de um objecto, um lugar, etc.
11. A discussão de um tema vulgar (thesis), como, por exemplo,
«Devemo-nos casar?» As questões científicas eram evitadas, pois
entravam na competência dos filósofos.
12. A proposta de uma lei ou medida (nomos eisphora) (1).

Os exercícios acima referidos eram diferenciados minuciosamente


uns dos outros e subdivididos: por exemplo, uma thesis era diferente de
um koinos topos, pois este dizia respeito a uma questão discutível; além
disso, podia ser simples («Devemo-nos casar?»), dupla («Deve-se com-
petir em desportos atléticos ou cultivar a terra?»), etc. Para cada exercício
eram apresentados temas-padrão e uma estrutura invariável estabelecida.
No caso da chreia, por exemplo, o tema podia ser a frase de Isõcrates:
«A raiz da educação é amarga, mas o seu fruto doce.» O aluno tinha então
de compor o seu exercício numa forma tripartida: J. Louvar Isócrates pela
sua sabedoria; 2. Parafrasear a máxima; 3. Justificá-la, quer positivamente
( «Aquilo que mais vale a pena só se consegue atingir com esforço, mas
depois de o conseguirmos traz-nos prazer»), quer negativamente ou atra-
vés de uma ilustração.
Enquanto os estudos literários tinham um papel preponderante no
ensino secundário, estavam também incluídas - ou devemos dizer que, em
princípio, estavam incluídas - quatro disciplinas científicas (o quadrivium

151

L
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

medieval), nomeadamente, a aritmética, a geometria, a astronomia e a


teoria musical, constituindo aquilo que se chamava enkyklios paideia, ou
seja, educação geral ou enciclopédica. Este termo ocorre frequentemente
nos textos bizantinos, mas é difícil saber se os beneficiários de tal
«educação enciclopédica» haviam, de facto, estudado todas ou qualquer
uma das disciplinas científicas em questão, ou se apenas tinham frequen-
tado uma escola secundária. A segunda alternativa é a mais provável, e
parece que já muito antes do período bizantino as ciências eram cada vez
mais relegadas para um ensino superior e depois apenas para aqueles que
as queriam seguir.
O ensino superior (cujo currículo já descrevemos em grande medida)
era administrado pelo mestre de retórica ou sofista e encontrava-se dispo-
nível apenas nas grandes cidades. O mestre de retórica/sofista, se tivesse
uma cátedra estabelecida, era nomeado pelo conselho local e recebia um
salário, assim como beneficiava de certas isenções. Na prática, também
recebia pagamentos ou ofertas dos seus alunos. Se, por outro lado, fosse
umjree/ancer (tal como muitos outros), dependia inteiramente dos seus
honorários. Havia, portanto, uma competição intrínseca entre os professo-
res, a qual ocasionalmente desencadeava verdadeiras lutas e até o rapto de
alunos. Os rapazes normalmente começavam a estudar no ensino secun-
dário aos quinze anos e seguiam os estudos durante o tempo que as cir-
cunstâncias ou os seus desejos o ditassem: um curso completo durava
cerca de cinco anos, mas muitos abandonavam ao fim de dois ou três anos.
Naturalmente, a maioria dos alunos vinha de farru1ias ricas de decuriões,
funcionários do governo e juristas. Não há maneira de fazer uma estima-
tiva do número de alunos existente, mas podemos dizer com alguma cer-
teza que nos centros principais seriam mais às centenas do que aos milha-
res. Libânio, que era de longe o maior sofista de Antioquia, na segunda
metade do século IV, tinha, normalmente, cerca de cinquenta alunos
no seu estabelecimento, que ensinava com a ajuda dos seus quatro
mestres assistentes. Sabendo que a sua actividade enquanto professor em
Antioquia durara mais de quarenta anos, podemos calcular (admitindo
que o curso durava em média três anos) que passaram pelas suas
mãos cerca de setecentos alunos. No entanto, não era o único sofista da
capital síria (2).
Além da retórica, que representava o tema-padrão do ensino supe-
rior, havia outras disciplinas. A filosofia (incluindo, em princípio, o
que entendemos hoje por ciências) florescera em Atenas e Alexandria;

152
A EDUCAÇÃO

a medicina também em Alexandria, em Pérgamo e noutros locais; e o


direito em Beirute. No entanto, não havia nada no mundo antigo que
correspondesse a uma universidade, no sentido de conjunto de pro-
fessores acreditados de várias disciplinas, oferecendo um plano de estu-
dos que levaria a um grau académico. A Escola de Alexandria e a de
Constantinopla (das quais se falará mais à frente) foram as que mais se
aproximaram do conceito de universidade. Todavia, mesmo assim, e
como iremos ver, o conjunto de disciplinas ensinado era muito limitado.
Os escolásticos principiantes eram, portanto, obrigados a deslocar-se
bastante. Depois de terem completado o ensino secundário na sua
cidade, iam para um centro maior, como, por exemplo, Antioquia,
Esmirna ou Gaza, para estudarem com um mestre em retórica, mas se se
interessavam pela filosofia, teriam de se deslocar para Alexandria ou
Atenas. A busca da aprendizagem era sinónimo de viajar. Para além
disso, era cara, pois os jovens tinham de se sustentar durante vários
anos em cidades estranhas, e pagar aos professores. A mobilidade dos
alunos era paralela à dos professores: Libânio, por exemplo, ensinara em
Nicomédia, Niceia e Constantinopla, antes de se estabelecer em Antioquia,
a sua terra natal.
Eis, pois, resumidamente, a estrutura da educação disponível na parte
oriental do Império durante os primeiros séculos; na parte ocidental não
era muito diferente, excepto o facto de se usar o latim em vez do grego.
Pondo de lado, por agora, a atitude da Igreja, não podemos deixar de nos
questionar sobre o quão relevante seria este sistema para as exigências da
vida contemporânea. Constitui, certamente, um paradoxo que uma educa-
ção amplamente orientada para a arte do discurso em público numa
assembleia de cidadãos (e podemos salientar que o exercício mais avan-
çado prescrito por Hermógenes era a apresentação de uma proposta de lei)
devesse ter prevalecido numa época em que a democracia estava pratica-
mente extinta. Dificilmente podemos imaginar que os assuntos triviais
que surgiram nos conselhos municipais, tais como a limpeza dos esgotos
ou a oferta de espectáculos públicos, dessem origem ao surgimento de
: i
retóricos tão sublimes como Demóstenes ou Isócrates. Além disso, a retó- ! ~
rica ensinava-se em grego ático que era, para todos os efeitos, uma língua
1
morta. Calcula-se hoje em dia que do número identificável de alunos de 1 •

Libânio, aproximadamente quarenta por cento terão entrado para o ser-


viço do governo, trinta por cento terão enveredado por profissões liberais 1 -
1
(na maioria, advogados de defesa, que naquela época não necessitavam de

153

L
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

uma formação legal), vinte por cento voltaram aos deveres herdados como
decuriões e dez por cento tornaram-se professores (3). Apenas este último
e pequeno grupo poderia afirmar ter aplicado a educação que recebera
para propósitos práticos; para os restantes, fora um exercício mental,
aptidão para escrever uma epístola elegante quando as circunstâncias
assim o exigissem e, acima de tudo, um conjunto comum de chavões que
constituía a cultura.
Não é completamente anacrónico falar de relevância, visto sabermos
que o governo burocrático, tal como instituído por Diocleciano e ela-
borado pelos seus sucessores, criara uma exigência de determinadas
qualificações, que a educação liberal seria incapaz de fornecer. Estas
diziam respeito ao estudo do latim nas províncias ocidentais e à aquisição
de conhecimentos notariais, nomeadamente, a estenografia e a contabili-
dade. A oposição violenta de Libânio a estes estudos limitados é a prova
de que sentira que a sua profissão estava ameaçada. Quando vira a multi-
dão de estudantes a entrar para a Escola de Direito de Beirute, reagira da
mesma maneira que um actual professor de Estudos Clássicos reagiria
ao ver os seus alunos abandonarem-no para seguir Gestão de Empresas.
Os conhecimentos de latim, essa língua bárbara, estava não só a tor-
nar-se uma condição prévia para o ingresso nos estudos de direito, como
o seu uso na administração estava a aumentar no século IV (tempora-
riamente, como se verificara). Quanto ao exercício notarial, este era, aos
olhos de Libânio, apropriado para os escravos, não para os homens ins-
truídos. Contudo, os «tecnocratas» estavam a ascender aos cargos mais
altos na administração.
O que o governo desejava na área da educação poderá ser ilustrado
pela organização da «Universidade» de Constantinopla em 425. Certa-
mente, o ensino superior terá estado disponível em Constantinopla, se não
no reinado de Constantino, pelo menos a partir de Constantino li. As
recompensas que se esperava que resultassem da proximidade com o
tribunal atraíram naturalmente um grupo de distintos mestres da retórica
à nova capital, incluindo, como vimos, Libânio, que não permanecera por
lá durante muito tempo, e Temístio (f. 388), que construíra uma brilhante
carreira e ascendera ao cargo de senador, e até mesmo ao cargo de prefeito
da cidade, apesar de ser pagão. O imperador dera-lhe valor porque elevara
o nível cultural da capital, que se tomara, graças a ele, «numa albergaria
de cultura comum» (4). Por outras palavras, Constantinopla, apesar das
suas origens recentes, estava a caminho de se tornar uma «cidade univer-

154
A EDUCAÇÃO

sitária». No entanto, parece que depois de algum tempo o governo se


sentira insatisfeito com o modelo tradicional de educação - e por isso fora
criada uma universidade pública. Uma das várias constituições emitidas
em 425 (5) começa por regular o estatuto dos professores independentes:
poderão continuar a administrar os seus cursos, desde que o façam em
privado, não podendo usar os auditórios públicos. Por outro lado, os
professores do Estado não podem dar lições em privado. A composição da
faculdade pública é, então, estabelecida: para o latim três oratores e dez
grammatici; para o grego cinco sofistas e dez grammatici; enquanto os
1
«estudos mais aprofundados» eram representados por um professor de
1
filosofia e dois de direito. Foram também criadas outras constitui-
ções contemplando as instalações destinadas à Universidade (que fora 1
i
alojada no Capitólio) e os cargos aos quais os professores podiam aspirar:
depois de vinte cinco anos de serviço satisfatório e de uma vida irrepreen-
sível seriam recompensados com o título de comes de primeira classe, tal
como acontecia também com os funcionários do Estado de escalão
médio(6).
É evidente que a Universidade fora criada não por um desejo desin-
teressado de fomentar a meditação, mas com o objectivo de formar os
funcionários do Estado. Esta questão está patente na paridade próxima do
grego e do latim, nas disposições do ensino legal e também pelo facto
de os professores serem nomeados pelo prefeito da cidade, que agia em
nome do imperador. No entanto, ainda mais notável é a maioria do corpo
docente da faculdade (vinte em trinta e um) ser composta por grammatici,
ou seja, professores do ensino secundário. Por outras palavras, estamos
perante uma instituição que combinava as funções de uma escola
secundária e de um colégio, sob a supervisão directa do Estado. Se fora ! -
bem-sucedida, é difícil dizer. Sabemos, por acaso, os nomes de alguns dos
seus professores: nos anos 470 o egípcio Pamprepius, que era pagão e
gostava de magia, e no século VI o típico funcionário público, João Lydus,
que ensinava latim, uma língua que talvez não tenha conhecido bem. No
entanto, não podemos apontar nenhum movimento intelectual, nenhum
avanço na sabedoria académica, nem mesmo a aprendizagem de alguma
escrita que tivesse tido origem na Universidade de Constantinopla: se não
fosse pelas ordenações de 425, mal teríamos tomado conhecimento da sua !-
existência. Embora alguns historiadores tenham afirmado que Constanti-
nopla se tomara, desde o reinado de Constantino II. a capital intelectual
do Império, é difícil nomear algum intelectual ou escritor digno de nota,

155
BIZÂNCIO. Q IMPÉRIO DA NOVA ROMA

nos séculos IV, v e VI, que fosse natural de Constantinopla ou que tenha
frequentado o seu estabelecimento de ensino.
Se o Estado fizera algumas tentativas para imprimir relevância no
sistema educacional, o que fizera a Igreja? Ninguém poderá negar que o
ensino antigo era, em última análise, pagão na sua visão do mundo e, num
sentido mais imediato, baseado no estudo dos autores pagãos; embora seja
um exagero dizer que os mitos pagãos de Homero e Hesíodo, desgastados
como estavam por séculos de aborrecimento nas salas de aula, ainda cons-
tituíam um grande «fardo». Porém, os cristãos mais rigorosos consi-
deravam esta situação um escândalo. As Constituições Apostólicas
(século IV) são bastante inflexíveis a este respeito:

Evitai todos os livros pagãos. Pois que necessidade tendes de


escritos e leis de fora e de falsos profetas que afastam os frívolos da
fé? O que vos falta nas Leis de Deus para que vades procurar essas
fábulas pagãs? Se quereis ler histórias, tendes os livros dos Reis; se
preferis retórica ou poesia, tendes os Profetas, tendes Job, tendes os
provérbios, onde ireis encontrar uma sagacidade que é maior do que
a de toda a poesia e sofística, pois essas são as palavras do Senhor que
só ele é sábio. Se tendes um desejo de canções, tendes os Salmos, se
quereis antes antigas genealogias, tendes o Génesis; se preferis livros
sobre leis e normas, tendes a gloriosa Lei de Deus. Por isso evitai
todos os livros estranhos e diabólicos (7).

Vozes semelhantes se levantaram durante todo o período bizantino.


Que necessidade havia de os cristãos sujarem as mentes com as histórias
repugnantes dos deuses, que na verdade eram demónios, mesmo com as
vaidades da sabedoria profana, quando a sua única preocupação legítima
residia na salvação? Os pagãos deixaram o país e atravessaram o mar para
aprender as letras, mas nós não temos de ir ao estrangeiro para ganhar o
Reino dos Céus: assim falara Santo Antão. Além disso, o que vem pri-
meiro, a mente ou as letras? Dado que a mente vinha claramente primeiro,
todos aqueles com uma mente saudável não precisariam das letras (8).
A abolição dos ensinamentos pagãos através de Cristo e a confutação dos
filósofos por santos cristãos não cultos são lugares-comuns na literatura
bizantina. Tomemos, um exemplo entre muitos, o caso do Hino acatista,
que ainda é hoje recitado na Igreja Ortodoxa:

156
A EDUCAÇÃO

Vemos oradores copiosos calados como peixes perante vós, Oh Mãe


de Deus, pois eles estão perdidos para explicar como vós perma-
necestes virgem, e no entanto fostes capaz de dar à luz. Mas nós,
maravilhados pelo mistério, gritamos com fé:
Salve, barco da sabedoria de Deus!
Salve, tesouro da Sua providência!
Salve, vós que mostrais como o sábio é ignorante!
Salve, vós que deixais os sofistas sem palavras!
Salve, pois os contestadores hábeis tornam-se rolos!
Salve, pois os poetas das fábulas hão murchado!
Salve, vós que sois lacerados pelos jogos de palavras de Atenas!
Salve, vós que encheis as redes dos pescadores!
Salve, vós que nos tirais das profundezas da ignorância!
Salve, vós que muitos iluminais com conhecimento (9)!

No entanto, a rejeição de toda a educação não era uma opção viável,


mesmo com a iluminação como aquela que a Theotókos fornecia. Teori-
camente, havia uma possibilidade menos drástica, ou seja, a instituição de
escolas especificamente cristãs, à semelhança de como os judeus da
diáspora haviam estabelecido escolas rabínicas, cujo currículo se baseava
na Bíblia hebraica e nos seus comentários. Poder-se-ia até ter considerado
conservar a estrutura educacional tradicional substituindo-se os textos
cristãos por pagãos. Não era uma solução fácil visto que, por um lado, a
Bíblia, mesmo entre os cristãos, era amplamente considerada como tendo
sido redigida num grego pouco elegante; e, por outro, no século IV não
existia, de maneira alguma, nenhum exemplar de literatura cristã ade-
quado aos jovens com vista a praticarem a sua gramática e a sua retórica.
A ideia de providenciar tal material fora, contudo, considerada. Em 362,
quando o imperador pagão Juliano proibira os cristãos de cobrar honorá-
rios por explicações de ensino secundário e superior, com base no facto de
não deverem professar ideias contrárias às suas crenças, os grammatikos
cristãos Apolinário e o filho, o qual tinha o mesmo nome do pai, trans-
puseram o Antigo Testamento para verso, usando todas as formas clássi-
cas de métrica, e transformaram o Novo Testamento em diálogos plató-
nicos. Este esforço digno fora em vão, sendo interessante observar que o
seu fracasso se atribuíra à Providência Divina por um historiador cris-
tão (10). E porquê? Porque, explica ele, a cultura helénica não fora nem
condenada nem aprovada por Cristo e os apóstolos. As Escrituras Sagradas

157
BIZÂNCIO. 0 IMP.;RIO DA NOVA ROMA

não ensinavam a arte de raciocinar, tão indispensável para a defesa da


verdadeira fé. Assim. era perfeitamente legítimo. e até necessário. estudar
os textos pagãos para derrotar o inimigo com as suas próprias armas,
para exercitar a mente e adquirir eloquência. Nem sequer São João
Crisóstomo. um moralista tão severo, condenava que se frequentasse as
escolas normais; pelo contrário, dava-o como um dado adquirido. Incitava
os pais a contar aos filhos, quando descansavam das lições. histórias
simples da Bíblia. tais como a de Caim e Abel: e se. continuava ele. uma
criança estiver preparada para aceitar uma declaração mítica como «Ela
foi transformada em semideusa» sem conhecer o significado de
«semideusa», estará igualmente preparada para acreditar na ressurreição.
Note-se que João Crisóstomo recomenda que a doutrina cristã da punição,
incluindo a história do Dilúvio, Sodoma, o exílio no Egipto, assim como
todas as outras histórias do Novo Testamento, deve ser transmitida
aos rapazes cristãos somente depois de completarem os quinze anos, e
de preferência aos dezoito, ou seja, quando finalizarem os estudos
seculares ( 11 ).
A declaração mais conhecida sobre este assunto é. no entanto, a de
São Basílio ( 12). Tem a forma de um pequeno comentário que tecera aos
seus sobrinhos, os quais terão completado o ensino secundário na altura
em que o mesmo fora escrito. Podemos imaginar que estavam prestes a
iniciar na sua própria retórica. Para salvaguardar as suas almas imor-
tais, o tio colocara a questão: como se pode usufruir da literatura helé-
nica? A questão é pesada e o argumento bastante banal: dever-se-á
seleccionar da literatura antiga tudo o que possa conduzir à virtude e
rejeitar todos os exemplos de licenciosidade e, em particular, todas as
histórias que dizem respeito à discórdia e às aventuras amorosas dos
deuses. O exemplo de Moisés, que aprendera a sabedoria dos Egípcios
antes de se dedicar à contemplação da Verdade, constitui um precedente
útil. Da mesma maneira, os jovens cristãos deveriam tirar proveito de uma
cultura que não lhes era inteiramente estranha. Talvez se deva salientar
aqui o pressuposto de que os escritos cristãos seriam inadequados para
exercitar a mente e de que as doutrinas mais profundas do cristianismo
estariam para além da compreensão dos jovens. Mais interessante do que
o argumento de São Basílio é, contudo, a forma como abordara a questão:
trata-se de uma composição elegante em prosa aticista, regada com refe-
rências explícitas e tácitas a Platão e Plutarco, Homero e Hesíodo, Sólon,
Teógnis e a outros autores clássicos. Se escrevera naquele estilo, terá sido

158
A EDUCAÇÃO

porque adorava literatura «requintada», como qualquer homem culto


do século IV. A ideia de rejeitar a herança pagã simplesmente não ocorrera
ao legislador do monasticismo oriental.
Tendo os patriarcas capadócios feito uso da sua autoridade para a
conservação da educação clássica, a questão ficara resolvida para sempre.
A Igreja nem evidenciava os textos pagãos do currículo, nem estabelecera
um sistema educacional paralelo. Esta situação representara um desenvol-
vimento de grande importância. Os rapazes cristãos continuaram a fre-
quentar os mesmos grammatistes, os mesmos grammatikos e os mesmos
rhêtor que os rapazes pagãos, estudavam Homero e estavam familiari-
zados com as histórias da mitologia antiga. Alguns deles tomaram-se
professores e, como podemos imaginar, terão transmitido o mesmo conhe-
cimento aos seus discípulos. Durante cerca de dois séculos, cristãos e
pagãos deram-se extraordinariamente bem nas escolas. Não era segredo
ser o professorado o último refúgio a que os pagãos instruídos recorre-
riam, mas. por outro lado, tinham uma enorme capacidade de transmitir
aquilo que os cristãos estavam desejosos de aprender. Podemos salientar
aqui outro paradoxo: fora, por sua vez, o cristianismo que fornecera à
retórica a aplicação de que precisava, nomeadamente, o sermão. Todos os
artifícios de composição e de persuasão aprendidos nas escolas podiam
agora ser usados com um objectivo útil. Não há melhor exemplo da elo-
quência da Antiguidade tardia do que os sermões dos capadócios e de São
João Crisóstomo.
A Vida de Severo, o patriarca monofisita de Antioquia, elaborada pelo
seu amigo Zacarias, o Retórico ( 13), oferece-nos um vislumbre raro da
vida estudantil no Período Inicial bizantino. Severo era um písida prove-
niente de uma família cristã proeminente. Porém, de início, não era parti-
cularmente religioso e estava satisfeito por permanecer um catecúmeno,
visto ser costume no seu país adiar o baptismo até uma idade bastante
avançada. O seu pai, que era um curial, enviara-o a ele e aos irmãos mais
velhos para Alexandria, a fim de estudarem gramática e retórica, grego e
latim: fora por lá que conhecera Zacarias, oriundo de Gaza. Na altura,
Alexandria era provavelmente o maior centro universitário do Império.
O nosso texto refere nove professores (gramáticos, sofistas e filósofos)
que estavam, na época, activos. Pensa-se que terão ensinado no mesmo
edifício, embora à sexta-feira fosse costume os professores ensinarem em
casa, excepto os filósofos que continuavam as aulas na escola. A facul- f
dade era na maioria pagã e permanecia em paz, embora houvesse sinais
t
159
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

de alguma tensão entre alunos cristãos e pagãos. Entre os cristãos, exis-


tiam activistas que se juntavam a associações de leigos fanáticos
(chamadas philoponoi, em Alexandria), tinham contactos em mosteiros e
estavam sempre preparados para denunciar casos flagrantes de culto
pagão às autoridades. Um desses activistas, chamado Paralius, era tão
ofensivo nas suas censuras contra o paganismo (o seu próprio professor
era o pagão Horapollo), que fora espancado pelos seus colegas. O inci-
dente fora explorado com sucesso pelos cristãos, o que obrigara Horapollo
a esconder-se, sendo descoberto um enorme esconderijo de ídolos com a
ajuda dos alunos, que os queimaram publicamente, e até o prefeito do
Egipto ficara numa situação embaraçosa.
De Alexandria. Severo e Zacarias seguiram para Berytus, onde estu-
daram direito. Fora um curso longo e trabalhoso que durara quatro a cinco
anos, mas os jovens cavalheiros tinham imensas oportunidades de relaxar
da sua rotina diária: iam ao teatro, ao circo, jogavam dados ao serão, ou
bebiam com prostitutas. Os caloiros (dupendii), quando chegavam, eram
provocados pelos alunos mais velhos. Também em Berytus os activistas
cristãos se evidenciavam bastante: recrutavam alunos para confrarias
religiosas, incitavam-nos a ir à igreja todas as noites e a evitar os espec-
táculos e os banhos (o líder do grupo lavava-se apenas uma vez por ano).
Muitos deles, incluindo Severo, finalmente baptizado, ter-se-ão talvez
tomado monges. Berytus, embora tradicionalmente dada aos prazeres da
vida, era mais cristã do que Alexandria. Porém, desde que os estudantes
chegaram, vindos de todo o Império, havia pagãos entre a população e,
uma vez, houve um escândalo muito desagradável envolvendo questões
de magia. Uma vez mais, os activistas tiraram o melhor partido do inci-
dente: o chefe acusado fora sujeito a uma busca na sua casa e os seus
amuletos confiscados. Os seus cúmplices, por sua vez, foram denunciados
ao bispo, e os livros de magia queimados em público. Um dos envolvidos,
um tal de Chrysaorius de Tralles, tentara fugir: alugara um navio, carre-
gara-o com os seus livros de magia e direito, o seu serviço de jantar de
prata, a sua concubina e os filhos que tivera com ela, mas, claro, o navio
afundara-se e ele morrera. Não sabemos se todos os estudantes teriam
tanto dinheiro como Chrysaorius, mas muitos deles tinham escravos, que
haviam trazido das suas terras de origem.
Se a vida universitária no final do século v estava a começar a pare-
cer-se com a Alemanha nazi, o pior estava ainda para vir. Justiniano, em
particular, estava determinado a impor a uniformidade religiosa a todos

160
A EDUCAÇÃO

os seus súbditos. O seu édito ordenando o encerramento da Academia de


Atenas (529) é sobejamente recordado como um sinal da sua intolerância,
embora se deva salientar que a Academia continuara, contudo, a funcio-
nar em menor escala durante algumas décadas e que, em Alexandria,
a filosofia continuara a ser ensinada pelo pagão Olympiodorus até depois
de 565, o ano da morte de Justiniano. Estas eram, certamente, raras excep-
ções. Embora a lei de 529, proibindo os pagãos, os hereges e os judeus de
ensinar(14), pudesse não ter sido universalmente aplicada, não restam
dúvidas em relação à sistemática perseguição dos pagãos nesse mesmo
ano. Acontecera novamente em 546, quando «uma multidão de gramá-
ticos, sofistas, advogados e médicos» fora arrastada perante o inquisidor,
João de Éfeso (que, por coincidência, era herege), e punidos com penas de
prisão e açoites ( 15); e em 562, quando os livros pagãos foram queima-
dos ( 16). Pode rapidamente imaginar-se o efeito de tais medidas no moral
académico, que continuara a ser minado pela retirada dos subsídios do
Estado destinados aos professores ( 17). Dificilmente ficamos surpreendi-
dos ao observar que, no final do século VI, a tradição do ensino superior
sobrevivera apenas em Constantinopla, Alexandria e Berytus.
Embora Justiniano haja tido uma grande responsabilidade pelo enfra-
quecimento do sistema educacional, o seu subsequente colapso devera-se,
indubitavelmente, ao desaparecimento das cidades. Tudo o que restara nas
províncias, tanto quanto podemos julgar pela escassa documentação de
que dispomos, fora, essencialmente, o ensino primário. Parece que fora
durante estes séculos obscuros que se desenvolvera o hábito de usar os
Salmos como a primeira leitura das crianças - um hábito que permanecera
firmemente enraizado no período subsequente. Se é verdade que Georgius
Choeroboscus, o autor de uma gramática extremamente popular baseada
nos Salmos ( 18), prosperara depois de meados do século VIII ( 19), o seu
esforço encaixar-se-ia nesse desenvolvimento; e se é verdade que profes-
sara em Constantinopla, teremos de concluir que um uso semelhante dos
Salmos se tinha difundido até à capital. O que quer que tenha restado dos
ensinos secundário e superior (e existem dúvidas sobre se ainda estariam
separados ou não) estava agora concentrado em Constantinopla, mas, ao
que parece, a universidade terá desaparecido gradualmente. O último pro-
fessor de que há registo é o comentador aristotélico Estêvão de Alexan-
dria, que fora chamado à capital pelo imperador Heraclio (portanto,
depois de 610). Excepto Choeroboscus, não se conhecem mais nomes até
meados do século IX.
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161 1
:q,
1
BIZÂNCIO. 0 lMPfRlO DA NOVA ROMA

Um cânone pouco divulgado do Concílio de Trullan (692) prova que


os estudos das leis ainda se verificavam na altura, pois decreta que os
estudantes de direito civil não deveriam seguir costumes pagãos, fre-
quentar teatros, usar roupa distintiva ou dar cambalhotas no ar (se é esse
o significado da enigmática palavra kylistra), quer no início, quer no final
do trimestre escolar (20). O facto de apenas serem mencionados estudan-
tes de direito poderá significar, ou que estes eram particularmente
desordeiros, ou que não havia outros estudantes de nível universitário.
No entanto, quando o código legal do imperador Leão III e de Constan-
tino V (o Ecloga) fora emitido, provavelmente em 726, a sua elaboração
estivera a cargo dos quaestor sacri pa/atii, dois aristocratas e vários digni-
tários de Estado, com a exclusão de quaisquer professores, havendo os
seus compiladores reconhecido com franqueza que o significado da legis-
lação anterior se havia tomado bastante obscuro, «de facto, totalmente
incompreensível para alguns, especialmente para aqueles de fora da nossa
Cidade Imperial guardada por Deus» (21 ). O cronista Teófanes, assumi-
damente uma testemunha preconceituosa, poderá não estar muito longe da
verdade quando regista, no ano de 726, «a extinção das escolas» (22).
Uma visão interessante do declínio do ensino superior, no século VII,
é fornecida pela autobiografia de Ananias de Shirak, o erudito arménio
que introduzira no seu país natal as ciências da matemática, cálculo
cronológico e cosmografia. Sendo incapaz de encontrar alguém na
Arménia que lhe ensinasse «filosofia», fora para «o país dos Gregos», e
quisera prosseguir para Constantinopla, quando o informaram que um
professor muito instruído, chamado Tychikos, estava a dar aulas em
Trebizonda, e que atraía estudantes da própria capital. Então, dirigia-se
para Trebizonda, e estudara com Tychikos durante oito anos. Aprendera
aritmética e outras ciências, e fora no geral capaz de satisfazer a sua sede
de conhecimento, uma vez que o seu mestre tinha uma biblioteca rica,
tanto em livros cristãos como pagãos. Tychikos era natural de Trebizonda,
havendo começado a sua carreira como soldado. Contudo, após ter sido
ferido em batalha, decidira tomar-se escolástico. Fora para Alexandria,
onde estudara três anos, depois para Roma, um ano, e finalmente para
Constantinopla, onde se tomara por algum tempo discípulo de um filósofo
ateniense famoso (anónimo). Apesar de pressionado para ficar na capital,
resolvera regressar a Trebizonda. Alguns anos mais tarde, o ateniense
morrera e nenhum dos seus discípulos fora considerado suficientemente
bom para lhe suceder. Por isso, o imperador (deverá ter sido Heraclio)

162
A EDUCAÇÃO

chamara Tychikos a Constantinopla, mas este recusara o convite, e daí em


diante os estudantes viajavam de Constantinopla para Trebizonda, para
adquirir conhecimento, presumivelmente ao nível das ciências (23). Qual-
quer que seja a verdade desta história, mostra, explicitamente, a crescente
escassez de professores qualificados, mesmo na capital.
Seria um exagero dizer que toda a aprendizagem mais erudita se
interrompera no Império Bizantino, porém, ficara certamente reduzida a
um padrão intermitente depois do reinado de Heraclio. Poder-se-á até
suspeitar que um maior pólo de erudição e de livros gregos permanecera
nas regiões da Síria e da Palestina ocupadas pelos Árabes, mais até do que
em Constantinopla. No século VIII, o maior erudito escolástico que domi-
nava a língua grega era São João Damasceno (falecido e. 750) e, duas
gerações mais tarde, o historiador especialista mais proeminente fora o
monge palestiniano Jorge Sincelo (falecido e. 814).
O renascimento dos estudos literários na capital começara a um passo
lento, na última parte do século VIII. Tudo o que podemos dizer com
alguma segurança é que aparecera, na altura, um grupo de pessoas, quase
todas relacionadas com os altos quadros do funcionalismo público que,
sem serem profundamente eruditas, possuíam, no entanto, uma formação
retórica convencional e alguns conhecimentos de filosofia. Eram os
futuros patriarcas Tarásio (f. 806), Nicéforo (758-828) e São Teodoro,
o Estudita (759-826). Ao que parece, terão adquirido a sua instrução ao
nível privado e tê-la-ão passado à geração seguinte, de uma forma igual-
mente informal. Diz-se que Tarásio, por exemplo, que não fora professor
de profissão, terá iniciado o seu futuro biógrafo, o diácono Inácio
(f. depois de 843), nas regras da antiga prosõdíat-"). Havia, certamente,
na altura, um pequeno número de grammatikoi activos em Constan-
tinopla, tais como o futuro patriarca iconoclasta António I Kassimatas
(821-?37)(25) e talvez o seu sucessor João VII(? 837-843), recordado
pela alcunha de Grammatikos considerado como um homem de grande
conhecimento, um mágico até. Foi neste ambiente que acontecera um
importantíssimo desenvolvimento técnico: a introdução da letra manus-
crita minúscula ou cursiva, no lugar da uncíal (maiúscula), para a pro-
dução de livros. O que é talvez mais assinalável nesta inovação é o modo
como fora muito lenta na sua chegada - cerca de cinquenta anos mais
tarde em Bizâncio do que na Europa Ocidental. O fornecimento de papiro
egípcio, no qual tinham sido escritos os livros na Antiguidade, deverá ter
sido interrompido ou, de alguma forma, bastante reduzido depois da f
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BIZÂNCIO. 0 )MP~RIO DA NOVA ROMA

queda de Alexandria para os Árabes (642). O pergaminho que, por sua


vez, viera substituir o papiro, era escasso e caro. A necessidade de uma
forma de escrita mais compacta era, pois, óbvia. Além disso. nem sequer
teria que ser inventada, uma vez que a minúscula não era mais do que a
cursiva notarial, anteriormente usada para os negócios. No entanto, fora
apenas cerca de 790, tanto quanto podemos supor, que os livros mais
pequenos começaram a ser produzidos em Bizâncio, e o exemplar sobre-
vivente mais antigo, o chamado Evangelho Uspensky, data de 834. Assim,
podemos deduzir que não se verificara uma procura suficiente de livros
antes do final do século VIII.
O primeiro professor verdadeiro que se conhece em Constantinopla,
quando a actividade académica começara a renascer, é Leão, o Matemático.
Vale a pena repetir a tradição romântica referente a esta personagem,
devido à luz incidental que derrama sobre o estado da educação nesta
conjuntura (26). Leão recebera a sua educação secundária (gramática e
«poética») na capital, mas fora incapaz de progredir mais, pelo que se
mudara para a ilha de Andros, onde um homem instruído lhe ensinara os
princípios da retórica, da filosofia e da aritmética. Mas mesmo este eru-
dito fora incapaz de satisfazer a curiosidade de Leão. Assim, este último
passeara pelo interior da ilha, visitara mosteiros e estudara os manuscritos
antigos neles preservados. Tendo, então, atingido o auge do conhecimento
- «a filosofia e as suas irmãs, nomeadamente, a aritmética, a geometria e
a astronomia, e havendo até celebrado a música» -, voltara a Constanti-
nopla e estabelecera uma escola numa casa humilde, onde ensinava a
disciplina que cada aluno pretendia. Passaram vários anos, e muitos dos
estudantes de Leão alcançaram sucesso nas suas respectivas vocações.
Um deles, um geómetra, tornara-se secretário de um governante militar e
fora capturado pelos Árabes. O califa Mamün (813-833), que estava apai-
xonadamente interessado pelos «estudos helénicos» e especialmente pela
geometria, ouvira falar do jovem prisioneiro e levara-o à presença dos
seus próprios matemáticos. Previsivelmente, o bizantino espantara todos
com o seu conhecimento. Quando o califa soube que aquele poço de
conhecimento era apenas um estudante, enviara-o imediatamente de volta
para Constantinopla, levando a seguinte missiva para o seu mestre:
«Reconhecemos a árvore pelo seu fruto, o mestre pelo seu discípulo. Uma
vez que vós sois tão eminente nas ciências, mas permaneceis desconhe-
cido entre os vossos compatriotas e não recebeis qualquer recompensa
pela vossa sabedoria e conhecimento, dignai-vos visitar-nos e hene-

164
A EDUCAÇÃO

ficiar-nos com o vosso ensino. Se tal acontecer, toda a nação sarracena se


curvará perante vós e recebereis maior riqueza do que qualquer outro
homem alguma vez haverá recebido.» Era uma oferta tentadora para um
académico pobre. Contudo, Leão tivera medo de aceitar uma comunica-
ção do inimigo e levara-a ao ministro dos Negócios Estrangeiros. O impe-
rador Teófilo também estava informado do assunto e, desta forma, Leão
alcançara um grande reconhecimento. Fora-lhe dada uma quantia em
dinheiro e colocado como professor do Estado na Igreja dos Quarenta
Mártires. O califa, desapontado, renovara a sua oferta - desta vez, ofere-
cera-lhe duas mil libras em ouro se Leão o visitasse, mesmo que por
pouco tempo. O imperador recusara a proposta, com o fundamento de que
era imprudente transmitir a estrangeiros aquela ciência, «pela qual a nação
romana é admirada e honrada por todos». Algum tempo mais tarde, Leão
fora ordenado metropolita de Tessalonica, mas permanecera nesta função,
com a qual era incompatível, apenas três anos (840-843). Destituído
enquanto funcionário iconoclasta, voltara a Constantinopla e, sob a suges-
tão de Bardas, tio do jovem imperador Miguel III, fora nomeado director
de uma escola recentemente criada: o próprio Leão leccionava a cadeira de
filosofia, o seu ex-estudante Teodoro a de geometria, um tal Theodegios a
de astronomia e um Cometas a de gramática. Não se sabe quando Leão
morreu, mas foi seguramente depois de 869.
Alguns detalhes nesta história são difíceis de acreditar (por exemplo,
a presença de manuscritos científicos nos remotos mosteiros de Andros)
e a sua cronologia não é inteiramente satisfatória. Supondo, todavia,
que seja verdadeira, pelo menos em linhas gerais, temos de sublinhar o
facto de que uma instituição de ensino superior apoiada pelo Estado fora,
mais uma vez, estabelecida em Constantinopla. A sua sede era na Magnaura,
um salão de cerimónias do Palácio Imperial - com efeito, o salão em que
os imperadores recebiam os embaixadores estrangeiros. Comparativa-
mente à Universidade de 425, os colaboradores eram menos, e o âmbito
do ensino centrava-se essencialmente nas ciências, embora incluísse tam-
bém o direito e, claro, o latim - portanto, uma escola que formava mais
profissionais nas áreas técnicas do que funcionários públicos. Teria esta
estrutura sido influenciada pelo próprio Leão, ou seria antes a resposta do
governo ao progresso científico dos Árabes? Não se sabe. Nem se pode
calcular a influência da escola, embora seja certo que terá tido algum
relevo, pois cem anos mais tarde reconhecera-se-lhe o mérito de ter esta-
belecido uma tradição cultural (27). No entanto, não há a certeza de que

165
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

tenha perdurado após a morte de Bardas (f. 866), bem como após a pri-
meira geração de professores.
Entre os colegas académicos de Leão, apenas existem referências
mais seguras sobre Cometas: sabe-se que preparara uma nova edição
de Homero, provavelmente transliterada para a letra manuscrita
minúscula (28). O próprio Leão participara na edição do texto de Platão e
possuíra vários manuscritos científicos, incluindo de Ptolomeu e de
Euclides. Parece ter-se interessado pela astrologia e feito previsões. Um
dos seus alunos, um tal Constantino, o Siciliano, ficara tão chocado com
o ensino de Leão que declarara que o mesmo deveria ser postumamente
enviado para o Inferno, onde arderia para toda a eternidade. juntamente
com os seus colegas pagãos - Platão e Aristóteles. Sócrates, Epicuro,
Homero, Hesíodo, Aratus e todo o seu bando maldito (29)_
É inegável que o século IX testemunhara um recrudescimento
espantoso na erudição. Contudo, estranhamente, dificilmente podere-
mos associar este recrudescimento à Universidade Magnaura, ou a
qualquer outra instituição de ensino superior. Fócio, o grande erudito da
época, seguira uma carreira no serviço público, antes de ser elevado ao
patriarcado de Constantinopla (em 858); nunca tivera um cargo no ensino.
Não sabemos como adquiriu a sua educação. Se tiver nascido por volta de
810, como alguns historiadores hoje acreditam, ou mesmo cerca de 820,
seria adulto na altura em que a Universidade fora instituída. Na geração
seguinte, a figura de mais relevo fora Aretas, arcebispo de Cesareia,
nascido cerca de 850. Coleccionador de textos clássicos (muitos dos seus
manuscritos admiravelmente copiados ainda existem), ele próprio escre-
vera num estilo tão precioso e enrolado, que se tornara praticamente
incompreensível. Também não existem indícios de que tenha tido qual-
quer ligação com alguma universidade ou escola. Tudo o que se pode
dizer é que a cultura literária que havia estado tão marcadamente ausente
da corte dos imperadores iconoclastas recuperara apoio nos círculos mais
elevados. Apesar de Basílio l ser um camponês arménio iletrado, o seu
filho Leão VI tivera um tutor particular, Fócio, e dedicara-se à com-
posição literária. Escrevera várias homilias bastante entediantes e tam-
bém tentara escrever cânticos religiosos. Fora, no entanto, o seu filho,
Constantino Vll Porfirogeneta, que encarnara mais profundamente o ideal
do imperador erudito. Mas falaremos das suas actividades literárias no
capítulo 13. Por ora, debrucemo-nos sobre a sua intervenção no domínio
do ensino superior. Sabemos que, ao concluir que as artes liberais e as

166
A EDUCAÇÃO

ciências haviam sido negligenciadas, nomeara vários professores


excelentes: um tal Constantino, que era na altura mystikos (chefe do
gabinete que tratava dos assuntos confidenciais), recebera a cátedra de
filosofia, Alexandre, metropolita de Niceia, a de retórica, o aristocrata
Nicéforo a de geometria e o secretário imperial Gregório a de astronomia.
O imperador dedicava extrema atenção aos estudantes, a quem muitas
vezes convidava para partilhar a sua mesa. Depois de licenciados (se é que
podemos usar este termo), recrutava entre eles juízes, secretários do
gabinete jurídico (antigrapheis) e metropolitas (3°). Por outras palavras,
tratava-se de uma escola palaciana, cujo programa era o mesmo da Uni-
versidade de Bardas e cujo propósito explícito era formar pessoas para
a magistratura (no entanto, sem terem uma cátedra de direito!) e para a
Igreja. Dos quatro professores, o único conhecido de forma independente
é Alexandre de Niceia, que fizera anotações a Luciano e escrevera várias
cartas. Os outros eram dignitários que, eventualmente, possuíam alguma
competência erudita. Nenhum parece ter sido um académico profissional.
Estamos um pouco mais bem informados sobre o estado do ensino
secundário em Constantinopla, na primeira metade do século X, graças à
correspondência de um professor anónimo (31 ). Parece ter sido um homem
conflituoso, que levara uma vida modesta, por vezes exercendo funções
de escriba e editor, mas que, no entanto, tinha ligações aos altos quadros.
Os seus alunos eram de todas as idades e os mais avançados ensinavam os
principiantes. A disciplina que se ensinava era o grego antigo (gramática,
prosódia e retórica) - ou seja, o repertório tradicional dos gramáticos -,
e o propósito seria a formação de aspirantes a postos burocráticos e ecle-
siásticos. Não havia propinas fixas: eram pagas irregularmente, e quando
o eram, para angústia do director da escola que, para além disso, tinha que
competir com estabelecimentos rivais. Ao que parece, esta escola, apesar
de independente, recebia um subsídio do patriarcado e estava sujeita a
uma espécie de controlo pelas autoridades eclesiásticas e municipais.
Mais ou menos na mesma altura (e. 940), ouve-se falar de um «presidente
das escolas», um mestre praticante que também supervisionava outras
instituições de ensino, talvez segundo o modelo de uma corporação de
comércio. Abraamius de Trebizonda (que se tornaria Santo Atanásio,
o Atonita) frequentara, em Constantinopla, a escola dirigida pelo tal f~
«presidente», e mostrara tanta aptidão que foi rapidamente nomeado pro- !i
fessor-adjunto e depois mestre numa outra escola(32). O cargo de presi-
dente poderá denotar uma reforma da educação relativa ao ensino secun-

167
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

dãrio, mas a informação de que dispomos é demasiado escassa para


permitir qualquer conclusão segura.
Não sabemos quase nada sobre o destino da educação bizantina de
Constantino Porfirogeneta até Constantino IX Monómaco, ou seja, apro-
ximadamente, de 940 a 1040. É uma lacuna surpreendente, considerando
as vastas iniciativas enciclopédicas a que o imperador, de linhagem real,
se dedicara e instigara arduamente. O epíteto «académico» vem, inevitavel-
mente, à mente ao descrevermos a Excerpta, a Geoponica, a Hippiatrica e,
especialmente, aquela enorme enciclopédia conhecida pelo nome
enigmático de Souda. No entanto, não podemos associar nenhuma delas a
uma instituição educativa. E nem podemos provar que a acumulação de
tanta sabedoria diversificada servia para alimentar e inspirar subsequentes
gerações de eruditos. Depois da morte de Constantino VII, o patronato
imperial dos estudos decaíra, sendo apenas retomado por Constantino IX,
e desta feita em moldes muito diferentes.
O século XI fora marcado por um clima intelectual mais vivo, o qual
poderá estar associado à intensificação da vida urbana e ao aparecimento
de uma nova burguesia. Fora dominado pelo polímata Miguel Pselos, e
pelo grupo de académicos a quem estivera ligado - João Mavropous
(o mais velho entre eles), João Xifilino, Constantino Leichoudes e Nicetas.
Será que estes homens representam, efectivamente, uma nova viragem, ou
surgem como havendo sido extremamente importantes do nosso ponto de
vista por Pselos ter escrito tanto e sobre tantos assuntos? Em matéria
institucional, a única novidade mais evidente fora o estabelecimento de
uma Escola de Direito apoiada pelo Estado, por volta do ano 1047, sob a
presidência de Xifilino, o qual estava encarregue da formação de futuros
juízes, advogados e notários (33). Tem-se debatido se a «Faculdade
de Filosofia» terá sido simultaneamente estabelecida sob a orientação
de Pselos ao qual fora atribuído o título pomposo de «Cônsul (hypatos)
dos Filósofos» - o que quer que isso significasse exactamente. Mesmo
que tenha sido estabelecida, ela não terá durado muito - e, ao que parece,
a Escola de Direito também não. Ao nível do ensino secundário, ouvi-
mos falar da existência de muitos mais eruditos no século XI do que no
século X - não apenas em instituições privadas, mas em instituições
ligadas às igrejas, provavelmente da mesma forma que uma madrassa está
ligada a uma mesquita. Aquelas (ou, pelo menos, algumas) eram con-
troladas pelo patriarca, embora dispensassem a passagem tradicional dos
grammatikos. É difícil dizer se tal terá sido uma criação do século XI.

168
A EDUCAÇÃO

Contudo, não é ao nível institucional que podemos perceber a originali-


dade do período, mas antes pelo aparecimento de intelectuais, que ante-
riormente eram professores e que alcançaram grande notoriedade, e até
mesmo cargos importantes na corte e na Igreja, em virtude do seu
ensino e da sua erudição. Claro que não se deve exagerar o caso. A ligação
entre o ensino e o serviço público era, como já vimos, típica em Bizâncio.
Mavropous terminara a sua vida como metropolita de Euchaita (perto de
Amaseia), Xifilino tomara-se patriarca de Constantinopla e Pselos manti-
vera uma variedade de cargos administrativos, incluindo o de primeiro-
-secretário imperial (prôtoasêkrêtis). No entanto, pode dizer-se que os três
eram, sobretudo, professores e intelectuais. A sua erudição não fora um
trampolim que os lançara de imediato nas suas carreiras. Não devemos
esquecer que o movimento que representavam durou cerca de cinquenta
anos, no máximo. Se lhe houvesse sido permitido o desenvolvimento
necessário, Bizâncio poderia ter produzido o seu próprio Abelardo, ou
mesmo uma verdadeira universidade como aquela que haveria de emergir
no Ocidente, no século seguinte.
Como pensador, Pselos não fora uma figura de grande originalidade;
de facto, é difícil chamar-lhe filósofo por direito próprio. Fora, contudo,
um homem de curiosidade ilimitada, que tentara abranger todas as áreas
do conhecimento. As suas áreas de ensino eram também vastas, cobrindo
desde a gramática elementar e a retórica às ciências naturais, à filosofia e
até mesmo ao direito. Não há razão para pensar que qualquer uma delas
fosse subversiva relativamente à ordem estabelecida, apesar das suas
investigações o levarem para áreas um pouco obscuras. Sentia-se certa-
mente atraído pelo oculto, pelas chamadas doutrinas caldaicas, a astrolo-
gia e a demonologia, e na filosofia as suas preferências iam para Platão e
os neoplatónicos. Observemos o comentário que faz sobre os seus pró-
prios estudos:

Havendo encontrado a filosofia extinta entre os seus praticantes,


reavivei-a à custa dos meus próprios esforços. Não encontrei nenhum
professor assinalável, nem descobri, apesar de uma investigação deta-
lhada, qualquer indício de sabedoria na Grécia, ou entre os bárbaros.
Contudo, desde que ouvi dizer que os Gregos tinham alcançado
grandes proezas na filosofia, [ ... ] desprezo aqueles que entram em
discussões mesquinhas sobre essa matéria, e procuraram encontrar
algo melhor. Depois de ler alguns estudiosos desta ciência, aprendi

169
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

com eles o caminho para o conhecimento: um levou-me a outro, o


inferior ao superior [ ... ] e assim, finalmente, a Aristóteles e Piarão.
Tomando-os como ponto de partida, fiz uma espécie de viagem, na
qual passei por Plotino, Porfírio e Jâmblico, e a partir dos quais
avancei para o admirável Proclo, onde fiz uma pausa, como num
vasto abrigo, e retirei dele toda a ciência e o conhecimento exacto de
conceitos. Estando prestes, depois disto, a ascender à filosofia supe-
rior, e a iniciar-me na ciência pura, comecei com o escudo das coisas
incorpóreas, aquilo a que se chama matemática.

Da aritmética, Pselos progredira para a geometria, depois para a


música, para a astronomia e para todas as ciências que delas derivam,
«não negligenciando nem uma única». Ao descobrir que existia uma
sabedoria que estava para além da demonstração, deixara-se absorver por
alguns livros místicos e aproveitara-os tanto quanto pôde. «Pois para
conhecer essas coisas exactamente», admite, «não se gabaria de moto
próprio, nem acreditaria noutra pessoa que fizesse tais declarações.»
Depois de explicar que o seu amor pela filosofia não implicava negli-
gência relativamente à retórica, Pselos continua:

Uma vez que existe outra filosofia que é superior àquela, nomea-
damente, a que consiste no mistério da nossa religião, [ ... ] estudei-a
mais aprofundadamente do que a outra, em parte, seguindo as
declarações dos grandes Padres, em parte, dando a minha própria
contribuição. E se alguém (digo isto francamente e sem astúcia)
quiser elogiar-me pela minha cultura, não deixem de o fazer, [ ... ]não
porque eu li muitos livros (pois não escou iludido pela vaidade) [ ... ],
mas porque a pouca sabedoria que recolhi, não a retirei de uma
nascente corrente; não: ames encontrei os poços obstruídos, abri-os,
limpei-os e, com grande labuta, extraí a água que escava a uma grande
profundidade (34).

Pselos não foi comentado pela sua modéstia e, ao apresentar esta


imagem de certa forma embelezada do seu próprio desenvolvimento inte-
lectual, não poderia abster-se de mencionar as suas incursões nos campos
potencialmente perigosos do neoplatonismo e do oculto. Não tinha já con-
quistado todo o conhecimento? No entanto, teve o cuidado de fazer a
necessária genuflexão, perante a filosofia superior dos Padres cristãos, tal

170
A EDUCAÇÃO

como o intelectual soviético procura apaziguar o censor curvando-se,


tantas vezes quanto possível, perante os clássicos do marxismo-leninismo.
Apesar de ter feito muitos inimigos, Pselos nunca fora acusado de impie-
dade ou de corromper as mentes dos seus estudantes. Essa experiência
estaria reservada para o seu sucessor.
João Ítalo fora filho de um mercenário normando e viera do Sul da
Itália. Chegara a Constantinopla cerca de 1050, estudara filosofia com
Pselos, ensinara durante vários anos e tornara-se, finalmente, «Cônsul dos
Filósofos», sucedendo a Pselos. Embora o seu grego não fosse muito ele-
gante, parece ter tido uma grande adesão por parte dos estudantes e a pro-
tecção da poderosa família Ducas. Em 1076-1077, sob o reinado do impe-
rador Miguel VII Ducas, acusaram-no de impiedade, mas o caso contra si
fora arquivado. Fora, contudo, reactivado em 1082, pouco depois da
subida ao trono de Aleixo I. Desta vez, Ítalo vira-se acusado perante um
tribunal composto de dignitários eclesiásticos e leigos. A sua confissão de
fé fora considerada insatisfatória e um informador fornecera provas sobre
as visões que professava que lhe foram prejudiciais. Houve até uma mani-
festação «espontânea» de raiva popular contra o filósofo, que mal conse-
guira escapar a uma morte violenta, trepando à cúpula de Santa Sofia e
escondendo-se num buraco. Excomungado, impediram-no de ensinar nova-
mente e relegaram-no para um mosteiro para nunca mais reaparecer(35).
Há uma boa razão para acreditar que o julgamento de Ítalo tivera
motivações políticas e que as acusações contra ele foram, até certo ponto,
forjadas. Parece ter havido uma considerável simpatia por Ítalo entre o i
Íi
alto clero, mas ninguém se atrevera a defendê-lo. Cinco dos seus estudan-
tes, todos diáconos, foram chamados perante uma assembleia de bispos:
demarcaram-se do seu anterior mestre e foram considerados inocentes.
O processo contra Ítalo deu, por isso, a impressão de ter sido estritamente
ad personam: e para dar maior solenidade à sua condenação, foi acres-
centado um capítulo especial ao chamado Sinódico Ortodoxo, onde fora
excomungado por ter aplicado a dialéctica ao inefável mistério da encar-
nação de Cristo, por ter introduzido as doutrinas cosmológicas dos pagãos
e, em particular, a da eternidade do mundo, por admitir a transmigração
das almas humanas e a realidade das ideias platónicas, por ter lançado
dúvidas sobre os milagres de Cristo e dos santos, e muito mais para além de
tudo isto (36).
Desde os dias de Justiniano que nunca mais um académico bizantino
(que não fosse um líder religioso) havia sido formalmente condenado e

171
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

punido pelo conteúdo do seu ensino. Neste aspecto, o julgamento de Ítalo


merece um lugar nos anais da intolerância. Ainda não é muito claro até
que ponto as acusações contra si (que são extremamente incoerentes) se
terão baseado em opiniões que realmente difundira. Porém, uma coisa é
certa: este bárbaro arrogante e controverso, como Anna Comnena o
descreve (37), levara a sua filosofia a sério. Não era, como Pselos, origi-
nalmente um homem de letras; não tinha provado «o néctar da retórica».
Era, em suma, um novo fenómeno na cena intelectual bizantina. Apenas
se pode especular quanto ao curso que o sistema educativo teria seguido
não fora a intervenção vigorosa de Aleixo I, mas podemos arriscar dizer
que o corpo estudantil não possuía a seriedade de propósito necessária
para tornar o novo ensino frutuoso. Ítalo fora dispensado dos círculos de
estudantes como um estrangeiro grosseiro, não como retórico nem como
filósofo (38).
Talvez em resultado do caso de Ítalo, a Igreja, isto é, o patriarca de
Constantinopla, dera um passo importantíssimo: assumira o controlo
directo do ensino, sobretudo o dos futuros sacerdotes. Observou-se
que existem algumas indicações de que já no século x, e certamente no
século XI, a Igreja tivera alguma responsabilidade na gestão das escolas
secundárias, mas é apenas a partir de cerca de 1100 que se encontra um
sistema integrado de instrução secular e religiosa. Consistira numa rede de
escolas secundárias em Constantinopla - seis, todas elas ligadas a igrejas,
são especificamente mencionadas - e culminara num curso de exegese
bíblica, conduzido por três professores, o dos Salmos, o das Epístolas e o do
Evangelho, tendo o último o título de «Professor Universal» (oikoumenikos
disaskalos). A Igreja também mantivera um «Mestre de Retórica», do
qual existe um primeiro registo no ano fatídico de 1082. O corpo docente
do ensino superior, integrado na hierarquia patriarcal (39), terminava
habitualmente a sua carreira com o cargo de bispo de sés importantes.
Com efeito, sabemos os nomes de trinta e quatro professores da Escola
Patriarcal, no século XII, e muitas das suas produções literárias e pedagó-
gicas estão preservadas. Um deles, o grande especialista em Homero,
Eustáquio, que se tornara arcebispo de Tessalonica, é um caso à parte.
Quanto aos restantes, é difícil imaginar um conjunto de pedantes mais
desolador.
Parece que a Escola Patriarcal dominara a cena educativa em Cons-
tantinopla até 1204. A filosofia não constava do curriculum e não se sabe
até que ponto esta cadeira continuava a ser ensinada no quadro de um

172
A EDUCAÇÃO

sistema secular. Sabemos que Ítalo tivera pelo menos um sucessor, um


tal Teodoro de Esmirna, que é principalmente relembrado como um
gourmet, mas depois dele não existem registos de outros «Cônsules de
Filósofos» até cerca de 1166, quando Miguel, sobrinho do bispo de
Anchialos e futuro patriarca (1169-1177), assumira esse posto. A julgar
pela sua palestra (4º) inaugural, não fora grande filósofo.
No domínio da educação, o século XII representa o culminar de um
conflito cujas origens, como vimos, remontam ao início do Império
Cristão. Poder-se-á considerar surpreendente que a Igreja não tenha
reivindicado a sua autoridade numa data anterior. O facto de não o ter feito
poderá dever-se à natureza intermitente, e geralmente inócua, do ensino
filosófico. Apenas no século XI, com o emergir de um espírito secular, o
perigo tornara-se mais grave e a especulação filosófica nas escolas, essa
«nova busca» (nea zêtêsis) que o Sinódico condena, tinha que ser repri-
mida. Não seguiremos aqui a história tardia da educação bizantina em
Niceia, Constantinopla e Trebizonda, uma história não inteiramente isenta
de distinção, embora confinada ao padrão tradicional. Em vez disso, tenta-
remos formular algumas observações gerais.
Pode ter-se tornado evidente para o leitor que, a partir do século VII, a
distinção entre estudos secundários e superiores tendera a desaparecer.
Notaram-se algumas tentativas isoladas do governo para se estabelecer
uma espécie de universidade, como havia sido feito por César Bardas, por
Constantino Porfirogeneta e por Constantino Monórnaco. Porém, estes
projectos bem-intencionados tiveram poucos resultados. Não havia,
assim, uma tradição contínua de estudos superiores. O motivo recorrente
da «redescoberta da aprendizagem», habitualmente graças ao patronato
iluminado de um dado imperador, deverá ser encarado com reservas,
embora tivesse alguma relação com a realidade. Sucessivos eruditos,
como Leão, o Matemático, e Pselos, tinham alguma razão em acreditar
que haviam salvo o ensino do esquecimento profundo. As únicas tradições
contínuas eram o ensino de direito nas associações de notários e, especial-
mente, o ensino da gramática, juntamente com a retórica, pelos grammatikos.
Ambas as áreas se encontravam exclusivamente em Constantinopla.
A característica do ensino dos gramáticos mais óbvia era o facto de ser
extremamente conservador. Quando encontramos Nicéforo Basilaces, um
professor na Escola Patriarcal, compondo, no século XII, «retratos de per-
sonagens», em temas como: «O que um marinheiro pode ter dito quando
viu Ícaro a voar e Dédalo rasando a superfície do mar com as pontas das

173
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

suas asas», ou «O que Pasífae pode ter dito quando se apaixonou por um
touro» (41 ), não podemos evitar a impressão de que o tempo havia parado
mil anos. Nem tão-pouco conseguiremos deixar de perguntar: Qual a utili-
dade de Ícaro e Pasífae para o futuro funcionário público, se nenhum dos
seus negócios ou actividades seria conduzido em grego ático? O máximo
que se pode dizer é que alguma familiaridade com a gramática e a retórica
definia uma certa classe profissional. Calculou-se que, no século X, o
número total de rapazes e jovens que receberam formação gramatical em
Constantinopla (e portanto, em todo o Império) não fora mais de duzentos
a trezentos (42). Daqui se pode concluir que, em qualquer altura, o número
total de pessoas que havia beneficiado de tal formação terá sido pouco
mais de mil. Embora sejam estimativas, estes números dão-nos um
sentido de proporção, sem o qual uma discussão sobre a educação bizan-
tina se tomaria irrelevante. Imagine-se um grupo de cerca de mil homens
de famílias respeitáveis, muitas vezes sobrinhos de bispos, ou filhos de
funcionários públicos - em suma, homens que seguiram uma carreira que
lhes exigia um certo grau de erudição. Ser capaz, ocasionalmente, de
escrever uma missiva elegante, ou fazer um discurso depois do jantar, na
presença do imperador, iria provavelmente atrair uma atenção favorável.
É neste contexto que emergem Ícaro e Pasífae. E uma vez que o objectivo
do exercício era ser apreciado pelos seus parceiros, qual seria a razão
para mudar um sistema educativo que distinguia os homens de cultura?
Os efeitos desta situação na literatura bizantina são óbvios e serão
explorados num posterior capítulo.
Para finalizarmos, é importante referir que nunca existira em Bizâncio
uma educação nos mosteiros acima do nível mais básico. Desde o tempo
de Pacómio, alguns dos maiores mosteiros asseguraram a formação de
principiantes iletrados que eram, muitas vezes, rapazes. Estes aprendiam
o serviço da igreja, os Salmos e partes do Novo Testamento, de prefe-
rência ensinados por um monge mais velho, que tinha de usar uma sala
separada para este propósito, de forma a proteger a irmandade da tentação
sexual. Os Salmos e outros livros bíblicos essenciais eram, normalmente,
aprendidos de cor, reduzindo assim a necessidade de literacia. A instrução
de «crianças seculares» nos mosteiros, considerada inadequada por São
Basílio (43), foi desencorajada durante todo o período bizantino.

174
Parte II

O Mundo Conceptual de Bizâncio

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Capítulo 7

O Mundo Invisível do Bem e do Mal

Para o homem bizantino, como aliás para todos os homens medievais,


o sobrenatural existia num sentido familiar e muito real. Esse outro
mundo não se fazia apenas sentir na vida do dia-a-dia; constituía também
aquela realidade intemporal e mais elevada, em relação à qual a existência
terrena não passava de um breve prelúdio. Qualquer descrição da «mundi-
vidência» bizantina tem, necessariamente, de começar pelo sobrenatural.
Uma vez que os Bizantinos eram cristãos, a sua concepção deste mundo
mais elevado é para nós ainda familiar, nos seus traços mais gerais; ainda
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i.-
li
1
assim, ao nível popular (que se distingue do nível teológico) tinha algumas
características distintivas que necessitam de ser explicadas. Acima de tudo,
e de forma bastante natural, os Bizantinos imaginavam Deus e o Reino dos
Céus como uma réplica bastante alargada da corte imperial em Constan-
tinopla. Questionados neste ponto, teriam provavelmente expressado esta
relação na ordem inversa, dizendo que a corte imperial era um reflexo
diminuto da corte celestial. Qualquer que fosse o «arquétipo» e qualquer
que fosse a cópia, a sua mútua semelhança era um dado adquirido, expli-
cando muitas das manifestações da religiosidade bizantina.
Antes de desenvolvermos as consequências deste postulado, será tal-
vez útil oferecer uma ilustração de como o Reino dos Céus era visuali-

177
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

zado. Alguns textos, que estaríamos inclinados a considerar apócrifos,


fornecem-nos descrições adequadas, e embora os detalhes variem de texto
para texto, os elementos centrais permanecem os mesmos. Escolheu-se,
pela sua relativa brevidade, o texto «A Espantosa e Edificante Visão do
Monge Cosmas». Este homem fora camareiro do imperador Alexandre
(912-913), mas retirara-se do mundo e, no ano, ou por volta do ano 933,
tomara-se abade num mosteiro sobre o rio Sangário, no Noroeste da Ásia
Menor. Algum tempo depois, ficara gravemente doente. Decorreram
cinco meses e, uma manhã, entrara em transe: os seus olhos ficaram esbu-
galhados, olhando para o tecto da sua cela, enquanto a sua boca murmu-
rava palavras incompreensíveis. Durante seis horas, Cosmas permanecera
naquela situação; mas, no dia seguinte, fora capaz de descrever a sua visão
aos irmãos da comunidade (o que se segue é mais uma paráfrase do que
uma tradução literal):

Enquanto estava sentado na minha cama, penso que vi ao meu


lado esquerdo uma legião de pequenos homens com as caras escure-
cidas [os demónios apareciam sempre do lado esquerdo ou na
direcção do oeste]. Eram horripilantes de vários modos: alguns
tinham expressões distorcidas, outros olhos ensanguentados, e outros
ainda lábios lívidos e inchados. Os demónios conseguiram arrastar-
-me para um penhasco medonho. Ao longo da sua escarpa, sobre um
abismo que chegava até ao Tártaro, havia um trilho tão estreito que
mal havia espaço para caminhar. Os demónios empurraram-me pelo
trilho abaixo até chegarmos a um grande portão. Aqui estava sentado
um gigante medonho, com a cara toda preta, as narinas a deitar fumo
e um cúbito de língua pendurado para fora da boca. O braço direito
estava paralisado mas, com o esquerdo, que era tão grosso como uma
coluna, agarrava as suas vítimas e lançava-as no precipício. Quando
o gigante me vira, gritara: «Este homem é meu amigo!» e estava quase
a agarrar-me quando surgiram dois velhos com um aspecto venerável,
que reconheci como sendo os apóstolos André e João, pois pareciam-
-se com as suas representações nas imagens. O gigante recuara com
medo, e os apóstolos guiaram-me através do portão. Passámos por
uma cidade e fomos ter a uma linda planície. No meio da planície,
havia um vale com relva onde estava um velho sentado, rodeado de
crianças. «Este», disseram os meus companheiros, «é Abraão. Já
ouvistes falar do seio de Abraão.» Prestei-lhe reverência, e fomos, a

178
0 MUNDO lNVIS(VEL DO BEM E DO MAL

seguir, para um vasto olival. Debaixo de cada árvore havia uma tenda
e em cada tenda havia uma cama, na qual descansava um homem.
Entre eles, reconheci muitos que haviam servido no palácio, muitos
de Constantinopla, alguns camponeses e outros membros do nosso
mosteiro, todos já falecidos. Enquanto me interrogava sobre o que
podia ser aquele olival, os apóstolos recordaram-me das «muitas 1
mansões» que existiam na casa do Senhor.
Fomos para uma cidade de indescritível beleza. As suas muralhas
estavam construídas em doze fiadas, cada uma delas feita com uma j
pedra preciosa diferente, e os seus portões eram de ouro e de prata. p
No interior dos portões encontrámos um pavimento dourado, casas
de ouro, bancos de ouro. A cidade estava inundada por uma estranha
luz e um cheiro doce mas, enquanto a atravessámos, não encon-
trámos um único homem, ou animal, ou pássaro. No extremo da
cidade chegámos a um palácio magnífico e entrámos num salão tão
largo como o arremesso de uma pedra. De uma ponta a outra
estendia-se uma mesa de pórfiro, à volta da qual se reclinavam muitos
hóspedes. Uma escada de caracol, situada num dos extremos do
salão, conduzia a um balcão interior. Dois eunucos, resplandecentes
como um raio, apareceram neste balcão, e disseram aos meus com-
panheiros: «Deixem-no também reclinar-se à rnesa.» Foi-me indicado
um lugar, enquanto os eunucos se retiraram para uma outra divisão,
que parecia encontrar-se para além do balcão, e ausentaram-se por
várias horas, durante as quais pude ir reconhecendo muitos dos
outros convidados: alguns eram monges do nosso mosteiro, outros,
funcionários públicos. Ao fim de muito tempo, os eunucos voltaram,
e disseram aos dois apóstolos: «Levem-no de volta porque os seus
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filhos espirituais estão em grande luto pela sua ausência. O impe-
rador consentira que voltasse à vida monástica. Por isso, conduzam- L.'l'l
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-no por outro caminho e, na sua vez, tragam o monge Atanásio do
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mosteiro de Trajano.» Os apóstolos conduziram-me de volta.
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Passámos por sete lagos nos quais uma multidão de pecadores estava ~ ~!
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a ser atormentada: um estava no meio da escuridão, outro do fogo,
outro de uma bruma impregnada do cheiro do mal, outro no meio ih
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de vermes, e havia muitos outros. Em breve encontrámos Abraão,
mais uma vez, que nos oferecera um trago de vinho doce numa taça t/i 11·
de ouro. Depois, voltámos ao portão exterior. O gigante rangeu os .i i.1
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dentes e disse-me zangado: «Desta vez escapaste-me, mas não . /!
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179
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

deixarei de continuar a conspirar contra ti e o teu rnosteiro.» Até aqui


consigo lembrar-me do que acontecera, mas não sei como readquiri
os sentidos.

Quando o monge Cosmas acabara a sua história, fora enviado um


mensageiro ao vizinho convento de Trajano: soubera, então. que o monge
Atanásio havia morrido na mesma altura em que Cosmas tivera a sua
vísão íl).
O serviço que Cosmas havia prestado como camareiro poderá ter
contribuído para o realismo vívido na visão que teve do palácio celestial.
O grande salão de jantar ou triclinium, os cubicula, a escada em caracol
(kochlias), o balcão (hêliakon), a mesa de pórfiro, os servos eunucos
- tudo isto eram características típicas do palácio imperial. A única dife-
rença é que no Céu tudo era numa dimensão maior e mais esplendorosa.
A equivalência entre os palácios terrestre e celestial constitui, com efeito,
um lugar-comum do pensamento bizantino. Entre os muitos textos que
podemos citar, como fundamento desta afirmação, basta-nos mencionar
um. Quando o homem de letras do século XI João Mavropous fora apre-
sentado pela primeira vez na corte de Miguel IV, compusera um poema
lisonjeiro, no qual expressava o desejo de poder continuar a ser recebido
favoravelmente. Simulara recear ser mandado embora, nos portões do
palácio, pelos «anjos alados» do imperador. Mas se conseguisse ultra-
passar esse obstáculo e fosse capaz de chegar perto do trono, não iria 0
Querubim atacá-lo com a sua espada de fogo? João não tivera o mau
gosto de comparar o rude Miguel IV a Cristo. Sugeriu, contudo, que
Cristo pudesse estar presente no palácio, pois, tal como se havia juntado
a três hebreus na fornalha, também agora podia adicionar a sua presença
ao trio imperial: Miguel, Zoé, a sua esposa, e a irmã desta última,
Teodora(2).
A comitiva de Deus consistia, em primeiro lugar, na hoste dos anjos
que era, em teoria, rigorosamente estratificada e diferenciada. Os anjos,
infinitos em número, constituíam o exército de Deus, ou as suas tropas
regulares, os oficiais e os generais. Serviam igualmente como emissários
especiais, à semelhança dos magistriani na terra, além de constituírem o
cubiculum celestial ou o corpo de camareiros. Na terra, desempenhavam
várias funções de acordo com o seu posto: guardavam bens pessoais,
igrejas, altares, cidades, e até nações. Não se pode, contudo, dizer que os
Bizantinos tenham desenvolvido um sistema de culto consistente e de

180
.
0 MUNDO INVISÍVEL DO BEM E DO MAL

aceitação generalizada. Os ensinamentos da Bíblia a este respeito são


notoriamente confusos. No que se refere à Hierarquia Celestial do
Pseudo-Dionísio (e. 500 d.C.), por seu lado, trata-se de uma obra consi-
derada de valor, dada a sua atribuição à idade apostólica, mas era
demasiado abstrusa para poder ser compreendida pelo público em geral.
Os Bizantinos estavam suficientemente familiarizados com a existência
dos serafins e dos querubins, tal como eram descritos nas visões de Isaías
e Ezequiel. Eram frequentemente citados na liturgia e representados nas
decorações das igrejas, embora tenhamos de reconhecer que os seus traços
distintivos foram muitas vezes confundidos. Não tinham uma concepção
clara dos Tronos, Dominações, Potestades e Principados. No que respeita
aos Arcanjos, apenas dois, nomeadamente, Miguel e Gabriel, tinham um
lugar seguro na devoção popular; os outros, incluindo Rafael e Uriel,
apareciam sobretudo nas orações e encantamentos de carácter oculto. São
Miguel era o Comandante-Chefe, o archistratêgos, da hoste celestial, e
tinha diversos centros de culto na Ásia Menor, o mais famoso dos quais
sediado em Chonai (Colossos) na Frígia, onde se acreditava que tinha
rachado uma rocha e desviado o curso de uma torrente.
A Igreja primitiva opôs-se resolutamente ao culto dos anjos. Já São
Paulo, escrevendo, significativamente, à gente de Colossos lhe deixara o
aviso: «Ninguém vos prive da vossa recompensa a seu bel-prazer, com
pretexto de humildade e culto dos anjos» (Coloss. 2, 18). b Concílio de
Laodiceia na Frígia, que teve lugar algures durante o século IV, fora ainda
mais longe: «Os cristãos não devem abandonar a Igreja de Deus e ir mais
além, apelando aos anjos pelo nome, e organizando a sua adoração, o que
é proibido. Perante alguém que seja apanhado a dedicar-se a esta idolatria j
oculta, que se declare anátema» (3). No século seguinte, Teodoreto de l ij :
Cirro fizera notar que «esta doença se mantivera activa por muito tempo
na Frígia e na Pisídia», e que «até ao dia de hoje, é possível ver-se igrejas
de São Miguel entre estes povos e os seus vizinhos» (4). As condenações
~aleram de pouco: São Miguel continuara a ser adorado, não apenas na
Asia Menor, mas por todo o império. Em Constantinopla existiam, pelo
menos, vinte e quatro igrejas que lhe eram dedicadas.
No que respeita à natureza dos anjos, existiam dois pontos de vista
ligeiramente divergentes. O primeiro, que parece ter sido o mais antigo,
era o de que os anjos não consistiam simplesmente de espírito, mas antes
de uma matéria extremamente delicada que podia ser vista por homens
de particular santidade, ou seja, por «aqueles cujos olhos Deus tinha

181
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

aberto» (5). No entanto, a visão mais comum apresentava os anjos como


imateriais, capazes, contudo, de se apresentarem sob a forma humana, o
que, por esse motivo, permitia serem representados. Quando se tornavam
visíveis, era usualmente sob a forma de jovens eunucos. Um texto popular
descreve o anjo que ficara guarda permanente de Santa Sofia como «um
eunuco vestido com um paramento branco e de aparência bela, como se
houvesse sido enviado do palácio» (6). Na Vida de Santo André, o Louco,
um anjo vem cozinhar um pote de feijões para um tal Epifânio, um jovem
de grande santidade. O ser celestial é representado como sendo «um belo
jovem, maravilhosamente alto, o seu rosto brilhando mais do que o sol,
vestido com paramentos divinos - branco misturado com dourados do
pescoço ao peito, e do peito às ancas e aos joelhos, brilhando como a erva
verde e o limão» (7). Noutros textos, São Miguel surge «com uma nume-
rosa comitiva, ele próprio vestido como um praepositus» (8).
Tudo isto faz, é claro, perfeito sentido. Os anjos. sendo assexuados e
actuando como servos de Deus, encontram uma analogia terrena com os
eunucos do palácio imperial. O chefe dos eunucos era o praepositus sacri
cubiculi, sendo a sua posição, portanto, análoga à de São Miguel. Para
mais, a mentalidade bizantina não via qualquer incongruência no facto de
um eunuco ocupar a posição de comandante militar: isso era prática
comum. Para citarmos apenas um exemplo, Narses, um dos generais mais
bem-sucedidos de Justiniano, era um eunuco.
Para além dos anjos, a corte celestial contava ainda com os santos. Um
lugar completamente à parte, comparável ao da família do imperador, era
ocupado pela Mãe de Deus - a Theotókos como era usualmente designada
- e por São João Baptista. Estas duas personagens aparecem ao lado de
Cristo num dos mais divulgados tipos de ícones bizantinos, a que chama-
mos Deêsis: Cristo, de pé ou sentado, ao meio, enquanto que sua Mãe e o
Mensageiro o ladeiam, com as cabeças levemente inclinadas e as mãos
estendidas num gesto de súplica a favor da humanidade. Aparecem igual-
mente na mesma posição no Juízo Final (9).
Seria supérfluo descrever aqui a preeminência da Virgem Maria no
panteão cristão. Além disso, para os Bizantinos, desempenhava ainda o
papel particularmente importante de patrona e protectora de Constan-
tinopla ( 10). Assumira este papel, em virtude de duas relíquias particular-
mente veneradas que chegaram à capital - o cinto e o véu. O cinto (zônê)
estava guardado na Basílica de Santa Maria, do Mercado do Cobre
( Chalkoprateia), a qual se dizia ter sido mandada construir pela imperatriz

182
1

0 MUNDO INVISIVEL DO BEM E DO MAL i


1

Pulquéria em 450: a sua abside em ruínas encontra-se ainda preservada a


uma curta distância a ocidente de Santa Sofia. A relíquia propriamente
dita, segundo o que reza a tradição, fora trazida de Zela, uma localidade a
1
sul de Amaseia, no Leste da Ásia Menor, por Justiniano. Segundo uma
outra tradição, terá antes sido transladada de Jerusalém pelo imperador
Arcádia ( 11 ).
Mais famoso do que o cinto era o véu (maphorion), guardado numa
capela especial próximo da Basílica de Santa Maria de Blachemae, na
zona mais a noroeste da capital. Dizia-se que esta relíquia havia sido
descoberta em Cafarnaum pelos patrícios Gálbio e Cândido, durante o
reinado de Leão I (457-474). Pertencera a uma mulher judia que o guar-
dava numa arca de madeira. Os patrícios, contudo, conseguiram roubá-lo,
substituindo a arca por outra exactamente do mesmo tamanho, e trou-
1
xeram o véu para Constantinopla. Os seus poderes miraculosos manifesta-
ram-se nalguns dos momentos mais graves da história da capital: fora o
l 1

maphorion que salvara Constantinopla dos Ávaros e dos Persas em 626 e


dos Russos em 860 ( 12).
/l
Excluindo São João Baptista, que fizera a transição do direito para a
i
l
graça divina (e ao qual trinta e cinco igrejas de Constantinopla haviam
li
sido dedicadas), os profetas, padres e patriarcas do Antigo Testamento
desempenharam um papel reduzido na piedade bizantina. Entre os santos 1 R
da Nova Dispensação, os apóstolos estavam, se assim se pode dizer, no
topo da hierarquia; gozavam de um culto considerável, no entanto, não
podemos dizer que correspondiam aos santos mais populares. Os mais
populares constituíam, à primeira vista, um grupo estranho: muitos, na
Iif, .
.r ,,.

verdade a maior parte, eram figuras de segundo plano, a respeito das quais
nada de concreto se sabia. Se procurarmos as razões da sua popularidade,
descobrimos que elas não consistem em nenhuma característica histórica
particular de cada santo, nem na sua actividade, mas antes na existência
de um local de culto que adquirira fama.
Tomemos o caso de São Nicolau de Myra(13). Nada de concreto se
conhece acerca deste bispo, que terá supostamente vivido no século IV, e
i.;:i1-
que (embora seja improvável) terá participado no Concílio de Niceia em
325. Por volta do século VI, algumas histórias surgem associadas a esta ~I
i!l
figura. Salvara três cidadãos de Myra da execução e, mais tarde, repetira tn
a façanha libertando três generais do imperador Constantino. Justiniano ,~1-
.,
mandara erigir uma igreja em honra de São Nicolau em Constantinopla. í,,ll
Algum tempo depois, o bispo de Myra fora confundido com um hornõ-

183
BIZÂNCIO. 0 IMPéRIO DA NOVA ROMA

nimo local, Nicolau de Sião (um mosteiro na Lícia), que morrera em 564,
tendo-lhe sido creditada uma série de milagres (incluindo o amainar de
tempestades), os quais foram transferidos para o primeiro. No século IX,
o São Nicolau resultante da «fusão» emerge como um doutor de primeiro
plano da Igreja Ortodoxa e a sua representação em mosaico fora colocada
na Igreja de Santa Sofia, em paridade com as de São João Crisóstomo, São
Basílio e outros grandes patriarcas. É difícil dizer a que se deveu esta
elevação. De qualquer forma, Nicolau tinha a vantagem de ter um culto
local bem estabelecido e um túmulo miraculoso que exsudava um óleo
sagrado. É possível que a sua fama se tenha espalhado entre os marinhei-
ros de Bizâncio que acostavam no porto de Myra e, assim, se tenha disse-
minado a outras partes do Império, até que a figura deste velho adorável,
com uma barba redonda curta, se tornara uma das mais familiares do
reportório iconográfico. A transladação das suas relíquias para Bari em
1087 contribuíra para uma difusão ainda mais vasta do seu culto por todo
o mundo cristão.
Podemos também analisar o caso de São Demétrio de Tessalonica ( 14).
Também ele era uma figura de segundo plano, uma suposta vítima da
perseguição de Diocleciano. Além disso, não pertencia originalmente a
Tessalonica, mas a Sírrnio. Quando, em 442-443, a capital da prefeitura da
Ilíria fora mudada para Tessalonica, para estar protegida dos ataques dos
Hunos, o culto de Demétrio também mudara. Pouco tempo depois, fora
erigida uma sumptuosa basílica em sua honra: ainda existe, apesar de ter
sido gravemente destruída por um fogo em 1917. A ausência de relíquias
- no século VII ainda não existiam - fora gradualmente esquecida ou
atenuada. Não só aparecera um túmulo, como este fora até mesmo cons-
truído com um sistema fraudulento de tubagens ocultas, através das quais
escorria um óleo santo, de modo que Demétrio compartilhara com Nicolau
o invejável epíteto de myroblêtês. Transformado num santo militar (origi-
nalmente era diácono), representado como uma figura jovem de cabelo
encaracolado, «defendera» repetidamente a sua cidade contra os ataques
dos Bárbaros.
As mesmas observações podiam ser feitas acerca de outros santos
populares, tais como São Teodoro, São Jorge, São Mamas e São Spyridon.
A mentalidade medieval, ao contrário da mentalidade moderna. não
estava preocupada com a veracidade histórica: o que interessava era a
existência de um local de culto, que oferecesse ao santo uma «base de
poder». Para alguém de Tessalonica, São Demétrio era um seu conterrâ-

184
o MUNDO INVISIVEL DO BeM e DO MAL

neo, que estava em estreita proximidade com o Todo-Poderoso e que daria


particular atenção às petições vindas da sua cidade. Tê-lo no Céu era bem
melhor do que ter um conterrâneo de Tessalonica a ocupar um alto cargo
no serviço imperial. O carácter nebuloso do santo não constituía um
obstáculo para o desempenho deste papel; na verdade, era uma vantagem:
podia-se-lhe atribuir todas as virtudes concebíveis, o que não seria possí-
vel se tivesse uma personalidade histórica bem definida.
O cidadão comum de Bizâncio via cada santo, em primeiro lugar,
como um residente da sua igreja principal; numa escala menor (ou talvez
de modo mais intermitente), encontrá-lo-ia noutras igrejas a ele dedica-
das; e, além disso, nas relíquias e ícones, onde quer que estas se encontras-
sem. Daí a atracção pelas peregrinações. João Moscho (e. 600 d.C.)
fala-nos de um anacoreta que vivera perto de Jerusalém e que tivera uma
grande afeição pelos mártires, o que o levava a fazer longas viagens
para se encontrar com São João, em Éfeso, São Teodoro, em Euchaita
(no Ponto), São Tecla, em Selêucia (na Cilícia) e São Sérgio, em Resafa
(na Síria)(15). Nas palavras do nosso autor, o anacoreta não visitava as
igrejas destes mártires, simplesmente dirigia-se a São João, São Teodoro,
e assim por diante, como se se tratasse de encontros pessoais. Um
exemplo ainda mais revelador é-nos dado por um tal Gregório, biógrafo
1
de São Basílio, o Jovem (século X). Este homem possuía uma quinta em
Rhaedestus na Trácia (actual Tekirdag), para onde costumava ir no Verão, I
na época das colheitas. Numa dada ocasião, antes de sair de Constanti-
nopla, onde habitualmente residia, dirigira-se à Igreja de Santo Estêvão
nos arredores e rezara para que a viagem por terra e por mar fosse segura.
Contudo, uma vez chegado a Rhaedestus, caíra nas garras de uma jovem
que, por coincidência, era uma feiticeira. Resistira à sua lisonja, mas ela
vingara-se provocando-lhe uma febre. Enquanto Gregório caía em coma,
lembrara-se de invocar Santo Estêvão: «Mártir Estêvão, santo apóstolo de
Cristo, não vos havia implorado a vossa ajuda quando saí da Cidade?
Olhai, estou de partida, e não me voltareis a ver; nem continuarei a servir-
-vos - disto estou certo, porque estou às portas da morte.» - «O que te
apoquenta, meu amigo?» - replicara Santo Estêvão. «Não tenho andado
por cá. Tenho igrejas em todo o mundo, e tenho andado a visitá-las como
fazem todos os santos, portanto, não me culpes. Acabei de chegar» Santo
Estêvão obrigara Gregório a rezar uma oração - uma daquelas orações
mágicas, contendo invocações aos serafins, querubins e a toda a hoste
celestial - e o feitiço da bruxa fora quebrado(16).

185
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Vimos que Gregório prestava «serviços» que eram do agrado de Santo


Estêvão, tomando-se personna grata. A instituição do patronato oferecia o
modelo exacto destas práticas, sendo alguns textos perfeitamente explícitos
a este respeito. No século VII, um homem idoso, que toda a vida pertencera
à irmandade laica de Santo Artémio (um santo curandeiro), e que, no
entanto, desenvolvera uma úlcera, comentara com amargura: «Se me tivesse
colocado ao serviço de um homem na terra, teria sido digno de maior apoio
e solicitude.» Outro cliente desapontado com Santo Artémio exclamara:
«Que espécie de patronato é este? O santo é um impostor! (17)» Pois, tal
como o patrono humano tem influência nas pessoas de autoridade, também
o santo deverá ter uma ligação directa ao poder celestial. A palavra-chave
nesta ligação era parrhêsia. Na Grécia antiga ela significava «liberdade de
expressão», a prerrogativa de que gozavam os cidadãos para poderem
exprimir com franqueza as suas opiniões. No entanto, no período bizantino
parrhêsia havia adquirido uma série de conotações diferente: ainda que
ocasionalmente mantivesse o significado de «discurso livre», ou «atre-
vido» (normalmente em sentido negativo), acabara por significar cada vez
mais o tipo de familiaridade ou «acesso» que os cortesãos favoritos tinham
em relação ao seu senhor(IS). De igual modo, o santo tinha parrhêsia na
presença de Deus e, através desta capacidade, poderia obter favores para os
seus clientes. O mesmo Gregório exprime-o claramente. «Observamos isto
muitas vezes», diz ele, «também a respeito do imperador terrestre, nomea-
damente, através da mediação dos seus amigos mais próximos, ele perdoa
as penas referentes aos crimes e faltas mais graves.» A salvação, claro, pode
ser obtida através do caminho mais duro, pelo jejum e pela privação, mas
nem todos são capazes de o fazer. Daí, continua o autor, a importância de
conquistar vários homens santos, ou se não vários, ao menos alguns, e se
não alguns, ao menos um. Se o homem santo for vivo, usai os vossos recur-
sos para contribuir para as suas necessidades e bem-estar; se sois um
indigente servi-o, através do trabalho, da obediência e da humildade. Se ele
já houver morrido, fazei todas as contribuições que puderdes para a sua
igreja, na forma de óleo, velas e incenso ou, se fordes suficientemente rico,
alimentando os pobres e vestindo os nus. Deste modo, quando partirdes
1 desta vida, o santo receber-vos-á e intercederá a vosso favor no juízo de
Deus. Pois não foi o próprio Cristo a dizer: «Quem recebe um justo, por ele
ser justo, receberá recompensa de justo.» (Mt. 10, 41) (19)?
Presas a um combate desigual e contínuo contra as forças da luz
estavam as forças das trevas, a inumerável hoste de demónios. Seria um
1

186
0 MUNDO INVISÍVF.L DO 8F.M E DO MAL

erro descartá-las como um produto da superstição, não merecedoras da


atenção do historiador. Para o homem bizantino, os demónios eram uma
realidade, vendo toda a sua vida como um campo de batalha entre os
batalhões do bem e do mal. Esta situação era especialmente verdadeira
para os monges, que se habituaram a usar a terminologia militar para falar
destas questões: as palavras polemos (guerra) e polemeisthai (estar sob
ataque) ocorrem constantemente para denotar a luta espiritual contra os
demónios.
Na categoria de demónios, os Bizantinos incluíam uma grande varie-
dade de espíritos, possuindo cada qual uma função ou uma localização
precisa. Ao nível mais primitivo, encontramos os espíritos maléficos da
natureza, que quase não se podem incluir na mundividência cristã. Uma
oração de exorcismo, particularmente detalhada, falsamente atribuída a
São Basílio, enumera-os da seguinte forma:

Amedrontai-vos, deixai-nos, fugi, parti, Oh demónio imundo


[ ... ] onde quer que estejais, [ ... ] quer tenhais a forma de uma
serpente, ou o focinho de uma besta, ou sejais como uma fumaça, ou
como um pássaro, [ ... ] quer apareçais de manhã, ou ao fim da tarde,
ou ao fim da noite, ou a qualquer outra hora inconveniente, ou de
madrugada, [ ... ] quer estejais no mar, ou num rio, ou debaixo da
terra, ou num poço, ou à beira de um penhasco, ou num fosso, ou
num lago, ou numa cama de palha, ou numa floresta [ ... ] ou num
bosque, ou numa mata, ou numa árvore, ou num pássaro, ou num
trovão, ou no telhado de um quarto de banho, ou numa poça de
água, quer saibamos ou não de onde chegastes [ ... ] Parti para um
deserto sem água, para uma terra infecunda, onde não haja
vivalma (20).

As Vidas dos santos estão cheias de referências a demónios que assom-


bravam as ruas, como podemos ver por alguns exemplos. No século VI,
1
São Nicolau de Sião, que já mencionámos anteriormente, fora chamado ! .
por causa de um enorme cipreste habitado por um demónio que aterro-
1 1
,:
1 :'.
rizava a região em redor, e matava qualquer um que se aproximasse. 1
O santo, perante uma grande assembleia, começara a cortar a árvore com
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um machado, e esta começara a balançar e depois a cair na direcção da
1 /''·:)i!
multidão (naturalmente instigada pelo demónio). Todavia, São Nicolau 1 ·'1
apanhara-a com um só braço, fazendo-a cair na direcção contrária. Posto 1

187
li.
:!
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í/1
' n'
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

isto, o demónio admitira a derrota e partira (21 ). Os demónios andavam à


espreita em locais desertos, vigiavam a travessia de riachos e torrentes, e
eram particularmente numerosos debaixo da terra. Aquele que viajasse
depois do sol se pôr corria o risco de ser possuído. Uma escavação impru-
dente, especialmente num lugar marcado por vestígios da antiguidade
pagã, propiciava a libertação de muitos demónios, que de seguida possui-
riam os seres humanos e os animais domésticos.
A Vida de São Teodoro de Sykeon, na Galácia, que morrera em 613,
oferece-nos uma ilustração particularmente variada de histórias de demó-
nios. Quando o santo era ainda um jovem, levantava-se a meio da noite e
dirigia-se para a Igreja de São Jorge, que se situava no alto de um monte
próximo da aldeia de Sykeon. Enquanto caminhava no escuro, foi ata-
cado por demónios que tomavam a forma de lobos e de outros animais
selvagens. A cerca de 13 quilómetros de Sykeon havia um local assom-
brado, especialmente à tarde, por «Artémis, como é chamada, com um
bando de demónios», de modo que ninguém se podia aproximar. Um
outro local estava tão infestado de espíritos imundos. que nenhum homem
ou animal se podia aproximar, especialmente à tarde e depois do sol-
-posto. O santo mandara escavar uma caverna ali, e lá permanecera desde
o Natal até Domingo de Ramos. Os visitantes conseguiam ouvir os
lamentos dos espíritos, à medida que iam sendo expulsos pela presença do
santo homem. Passado algum tempo. não só o local fora purificado como
adquirira até uma santidade peculiar: uma mão-cheia de terra dali trazida,
misturada na comida e na bebida, curava doenças nos homens e nos
_; animais. Numa aldeia situada no território de Gordiane, os habitantes
estavam a construir uma ponte sobre um ribeiro. O projecto estava quase
completo quando os trabalhadores ficaram sem pedras, por isso come-
_l
çaram a extrair alguns pedregulhos de uma colina ali perto. Enquanto o
faziam, apareceu-lhes um bando de espíritos imundos, que entraram tanto
nos homens como nas mulheres da aldeia, enquanto outros ocuparam
posições ao longo da via pública e nos limites do território da aldeia, onde
molestaram animais e as pessoas que por ali passavam. São Teodoro foi
chamado e, à medida que se aproximava, os demónios começaram a
gritar: «Porque viestes da Galácia para Gordiane? Não devíeis ter atraves-
sado a fronteira. Sabemos porque viestes, mas não vos obedeceremos
como os demónios da Galácia, pois somos mais resistentes do que eles.»
Não servira de nada: São Teodoro expulsara os demónios dos homens e
mulheres que haviam possuído, depois reunira os espíritos que se escon-

188
o MUNDO lNvrslVEL DO BEM E DO MAL

diarn à espreita no campo e ao longo das estradas (podiam ser vistos sob
a forma de moscas, lebres e arganazes) e reconduzira-os para o local da
escavação, que fora posteriormente tapado (22).
Noutra ocasião, um homem rico em Heracleia Pôntica (actual Karadeniz
Ereglisi) cavara um fosso perto de casa e dele emergiram espíritos malé-
ficos que atacaram os membros da sua família e outros habitantes da
cidade. Numa aldeia da região de Lagantine estava um sarcófago de már-
more que continha os restos mortais de antigos pagãos, que eram guarda-
dos por demónios. Os camponeses removeram a tampa do sarcófago para
usá-la como bebedouro para os animais, libertando assim os demónios.
Um incidente parecido acontecera em Germia, na Galácia, causando
considerável agitação. O bispo local fizera uma grande escavação com
vista a edificar uma cisterna. Ao fazê-lo, atingira um antigo cemitério
i
e os demónios que se escondiam nos túmulos saíram e possuíram os
1
habitantes, tanto ricos como pobres. Enquanto os ricos, com vergonha,
trancavam os membros das suas famílias que haviam sido afectados em
l
i
i
casa, os pobres concentravam-se na igreja. Fora chamado São Teodoro,
que começara por interrogar os demónios. Estes culparam o bispo. 1
i
Haviam sido felizes quando habitavam os túmulos, mas quando o bispo,
levado pela ambição, os expulsara dos seus humildes aposentos, enche-
ram-se de raiva - algo que normalmente não fariam, nos dias de tão céle-
bre exorcista como era São Teodoro. Na presença de um grande número
de clérigos, inclusive de judeus e hereges, o santo procedera ao seu ritual.
Os demónios, que tinham possuído os pobres, foram reunidos, mas come-
çaram a protestar. «Há muitos dos nossos», gritaram, «que estão nos
corpos escondidos nas casas dos ricos e nas estalagens. Deixai-os vir tam-
bém, antes de nos confinardes.» São Teodoro não consentira nisso. «Se
cidadãos respeitáveis fizeram isso por vergonha, porquê fazer deles um
espectáculo público? Todos os espíritos escondidos, em casas ou estala-
gens, serão expulsos pela hoste dos anjos e trazidos até aqui.» E assim
acontecera. Existiam, contudo, duas mulheres que haviam sido possuídas
numa altura anterior, cujos demónios se queixaram com alguma razão:
«Não nos encerreis aqui. [ ... J Nós não pertencemos a este bando, viemos
da Capadócia antes de se haver procedido a esta escavação.» São Teodoro
concordara em tratar deles numa outra ocasião. Aos outros demónios
ordenara-lhes, por uma questão de decência, que não rasgassem total-
mente as vestes das suas vítimas ao saírem do corpo, devendo deixar os
homens em ceroulas e as mulheres com as suas túnicas. Assim, os dernó-

189
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

nios foram reconduzidos ao seu buraco, depois coberto com terra.


À medida que cada uma das vítimas ia recuperando, contava as suas
experiências: um tinha visto uma cobra a sair da sua boca, outro um
arganaz e outro ainda um lagarto (23).
Uma reflexão sobre o relato ingénuo destes incidentes levar-nos-á a
uma série de conclusões. Podemos comentar, em primeiro lugar, o forte
sentido de origem demonstrado pelos demónios: os de Gordiane consi-
deravam-se mais duros que os da Galácia; os que vieram da Capadócia
recusaram-se a ser confinados a Germia, considerando São Teodoro o seu
pedido justo. Em segundo lugar, os demónios estavam associados a monu-
mentos do antigo paganismo. A identificação dos deuses pagãos com os
demónios é um lugar-comum no pensamento cristão primitivo. De facto,
nos exemplos que citámos, Artémis aparece com uma escolta de demó-
nios. Mas os velhos deuses estavam já mortos; deixaram apenas uma vaga
memória, uma aura maléfica. Ainda assim, o campo estava igualmente
coberto com ruínas da Antiguidade greco-romana. Os grandes sarcófagos
em mármore, gravados com banquetes fúnebres e outras estranhas ima-
gens, eram demasiado valiosos para não serem ocasionalmente reutiliza-
dos como bebedouros e fontes, embora fossem, no entanto, vistos como
agourentos. Perante o perigo de se poder vir a soltar os demónios que
guardavam, considerava-se muitas vezes mais prudente não se lhes tocar
- algo que os arqueólogos podem agradecer. Os demónios estavam sem-
pre prontos a entrar nos corpos humanos e nos animais domésticos onde,
atraídos pelo calor e a humidade, podiam viver como parasitas, durante
muitos anos. Ao fazê-lo provocavam várias doenças e alterações dos sen-
tidos. Nem todas as doenças, claro, se deviam aos demónios, e algumas
podiam ser curadas através de tratamentos médicos, ou de águas medici-
nais. No entanto, muitas delas resultavam de possessões, pelo que se
encontravam, portanto, fora da competência do médico. Só um exorcista
poderia ajudar e os seus métodos eram violentos. Muitas vezes atingiam
os pacientes no peito, ou atiravam-nos ao chão e pisavam-lhes o pescoço.
O demónio, sempre resistente a partir, podia causar levitações; e, quando
forçado a sair, a vítima tinha convulsões, era impelida a rasgar as suas
roupas e, por fim, ficava inconsciente. Mas a cura, uma vez efectivada, era
definitiva.
-, Além dos demónios, que eram «soldados rasos», existia também uma
classe de oficiais, com funções especializadas. Ouvimos falar, muitas
vezes, do demónio da fornicação e do demónio do tédio ou do desânimo

190
0 M UN DO lN VJSIVEL DO BEM E DO MAL

(akêdia), a cujos ataques os monges eram particularmente vulneráveis.


O demónio da sonolência e do bocejo ocupava-se de adormecer os fiéis
que assistiam à missa (24). Alguns destes demónios tinham um posto
militar na hierarquia infernal - capitães de cem ou de mil. O demónio do
hipódromo pertencia à primeira categoria e encontrava-se ainda activo no
século X, quando os jogos do hipódromo se tomaram um ritual pouco
frequente (25).
Ao contrário do Satanás de Milton, o demónio bizantino não era um
rebelde orgulhoso; ao invés, era bastante débil, tal como Dostoievski tam-
bém o imaginava. Aparecia, normalmente, como um negro de pequena
estatura ou uma serpente, um cão preto, um macaco, um corvo ou um rato.
Contudo, podia assumir outros disfarces como, por exemplo, o de um
mercador árabe ou o de uma mulher velha. Era cobarde, mentiroso e
exalava mau cheiro. Como todos os monges sabiam, a sua táctica pre-
ferida era a de inspirar maus pensamentos ou sentimentos de tédio.
Quando esta abordagem fracassava, aterrorizava as vítimas assumindo a
forma de um animal selvagem ou de um gigante, podendo exercer sobre
elas, ocasionalmente, violência física. Muitas vezes fazia previsões, não
porque conhecesse o futuro, mas porque era capaz de se movimentar
muito depressa (afinal, era um espírito) e assim podia anunciar aconte-
cimentos ocorridos a uma grande distância, ou inferir a partir deles. Por
exemplo, se chovesse intensamente nas proximidades da nascente do
Nilo, o diabo podia prever, com bastante segurança, inundações no
Egipto. Quanto mais santo fosse um homem, mais o demónio o invejava
e o tentava apanhar numa armadilha. Mas um homem santo possuía
geralmente «o dom de discernimento dos espíritos». Podia, por assim
dizer, cheirar o diabo à distância e então afugentá-lo com o sinal-da-cruz
ou recitando o Salmo 68: «Levante-se Deus! Sejam dispersos os seus
inimigos; fujam de diante dele os que o odeiam.» No fundo, os demónios
não tinham poder: como Santo Antão afirmara, tinham até de pedir
licença ao Senhor para entrar nos porcos de Gadareno. Por que outra razão
assumiam eles a forma de animais inferiores (26)?
A vida na terra era, portanto, vivida em dois níveis, o visível e o
invisível, sendo este último, de longe, o mais significativo. O comum dos
mortais não se dava conta da luta que continuamente se travava pela sua
salvação, mas os homens santos podiam realmente ver e cheirar os seres
espirituais, tanto os bons como os maus. O acto final desta luta ocorria na
altura em que um homem morria e nos momentos que se lhe seguiam. Pois

191
1
,,
1
1
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

quando um ser humano estava prestes a falecer, uma legião de demónios


corria para o seu leito de morte na expectativa de tomar posse da sua alma,
no que seria contrariada pelo anjo da guarda. Uma vez separada do corpo,
a alma tinha que viajar através do ar, parando num determinado número
de «postos de alfândega» ou «portagens» (telônia) controlados por demó-
nios que examinavam as suas acções na terra e, ou a deixavam prosseguir
depois de pagar o valor adequado, calculado com base em boas acções, ou
se apoderavam dela imediatamente. Esta curiosa crença, provavelmente
de origem egípcia, é já referida na Vida de Santo Antão (27). Dois ou três
séculos mais tarde, lemos de São Simeão, o santo louco de Ernesa, as
seguintes palavras, que profere pela salvação de sua mãe recentemente
falecida: «Concedei-lhe, Senhor, uma escolta de anjos para a protecção da
sua alma dos espíritos malignos e das bestas do ar sem piedade, que
procuram engolir tudo o que por eles passa» (28). Segundo um texto do
século x{29), havia vinte e um «postos de portagem», cada um dos quais
representava os seguintes pecados: blasfémia, abuso, inveja. falsidade,
cólera, orgulho, discurso inane (incluindo gargalhadas, anedotas, obsceni-
dades, andares provocantes e canções licenciosas), usura associada ao
embuste, desânimo associado à vaidade, avareza (este estava coberto por
uma névoa escura e particularmente espessa), embriaguez, lembranças do
mal, bruxaria e magia, gula (incluindo alimentos proibidos nos períodos
de jejum), idolatria e heresia, homossexualidade masculina e feminina,
adultério, assassínio, roubo, fornicação e, finalmente, impiedade. É-nos
explicado que a grande maioria das almas não passa nas portagens de
controlo do adultério e da fornicação - um comentário interessante acerca
da vida em Bizâncio. Contudo, o que é particularmente notável é que os
demónios que comandavam estes postos estavam na posse de registos
detalhados (kôdikes), nos quais constava cada transgressão, com a data
exacta e o nome das testemunhas. Só quando uma pessoa havia con-
fessado totalmente um pecado na terra e o expiava, podia ver apagada no
registo a respectiva entrada. O peso da burocracia imperial e o medo do
cobrador de impostos não podiam ser representados de forma mais
visível.
É justo dizer que a Igreja Ortodoxa nunca adaptara oficialmente a
.::
estranha noção de telônia. O destino das almas antes do Juízo Final era
uma questão que permanecera em suspenso. O hábito de orar pelos mortos
e de fazer oferendas na igreja no terceiro, nono e quadragésimo dias
= depois da morte, pressupunha a possibilidade de mudar ou de, pelo

-= 192
0 MUNDO INVISÍVEL DO BEM E DO MAL

menos, aliviar o veredicto. Em alguns lugares acreditava-se que nos


quarenta dias a seguir à morte, a alma, desencarnada, revisitava os lugares
da sua vida terrena, era-lhe dado conhecer as delícias do Paraíso e os
tormentos do Inferno e, depois de prestar obediência ao Senhor, recebia
um lugar para residir temporariamente (30). Quando Genádio Scolário, o
primeiro patriarca depois da conquista pelos Turcos, fora consultado a
este respeito, dera uma resposta ponderada. Segundo o patriarca, as almas
dos justos iam, depois da morte, directamente para o Céu. Tal como as
almas dos pecadores não arrependidos iam para o Inferno ou para qual-
quer outro lugar obscuro e desagradável. Quanto aos de carácter médio,
havia três possibilidades: ou eram temporariamente relegados para o
paraíso terrestre, ou, como pensavam os Latinos, para um purgatório,
situado algures próximo da fronteira convexa do ar, ou, numa terceira
possibilidade, sujeitos à têlonia. Scolário via esta terceira alternativa
como a mais provável, tanto mais que era confirmada por muitíssimas
tradições. Parece, contudo, que tinha em mente não tanto a passagem
directa das almas pelos postos de controlo, mas antes uma prolongada
estada ou um «pãra-arranca», que servia para lembrar à alma as suas más
acções, levando-a, assim, a purificar-se (31 ).
O papel dos demónios na existência de cada homem terminava com o
exame póstumo da sua alma. Tal como na terra, também na esfera do
supra-sensível o destino de um homem era decidido pela burocracia dos
anjos e dos demónios. Dividida em classes, as almas que partiam espera-
vam agora o Juízo Final, que não era de todo um julgamento, mas uma
espécie de grande cortejo imperial, no decurso do qual as sentenças exis-
tentes se tornariam permanentes. Disto trataremos adiante, num outro
capítulo.

193
Capítulo 8

O Universo Físico

Não nos podemos deixar enganar pela premissa, embora até certo
ponto esta possa ser verdadeira, de que os Bizantinos herdaram a espe-
culação científica dos antigos Gregos. É um facto que, em alguns períodos
mais do que noutros, alguns membros da elite intelectual bizantina se
dedicaram ao estudo da cosmologia e geografia antigas. Textos de
Aristóteles, de Ptolomeu, de Estrabão e de outros autores foram copiados
e comentados; embora devamos estar eternamente gratos aos eruditos
bizantinos por nos preservarem esta herança, seria errado supor que os
seus esforços tiveram qualquer impacto significativo no público em geral.
Os Bizantinos comuns não tinham, claramente, falta de interesse pelo
mundo à sua volta mas, na sua opinião, os problemas da ciência natural
faziam parte da interpretação bíblica e eram resolvidos em discussões
oficiais dos Seis Dias da Criação (Hexaêmeron). O texto-chave era o pri-
meiro capítulo do Génesis que, apesar da sua brevidade, contém um
número considerável de incongruências. Outras passagens bíblicas,
especialmente nos livros dos Salmos e de Isaías, tinham de ser tidas em
consideração, mas a tarefa principal era a interpretação do Génesis que
colocou muitas dificuldades, tanto pelas suas declarações como pelas suas
omissões. Temos de começar por perceber algumas destas dificuldades.

195
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Dizem que, no primeiro dia, Deus criou os céus e a terra, sendo a


última ainda informe e vazia. As trevas cobriam o abismo e o Espírito de
Deus movia-Se sobre a superfície das águas. Deus também criou a luz,
que dividiu das trevas e chamou «dia» à luz. No segundo dia Ele criou o
firmamento e separou as águas que estavam acima e abaixo dele e chamou
«céus» ao firmamento.
Desde o início, o leitor imparcial fica confuso. Uma vez que o sol e a
lua foram criados no quarto dia, como é que já tinha havido três dias,
cada um com manhã e noite? Que luz era esta que não vinha do sol e que
trevas eram estas que parecem não ter sido criadas? O abismo era o
mesmo que a água? Ainda mais importante: o que era exactamente
o firmamento, diferente do céu, mas que se chamava «céu» e o que eram
as águas acima do firmamento?
No terceiro dia Deus, disse: «Reúnam-se as águas que estão debaixo
dos céus num único lugar, a fim de aparecer a terra seca.» Ele chamou
«terra» à parte seca e «mares» ao conjunto das águas. Uma vez que a água
flui, naturalmente, para baixo, porque é que não se comportou desta forma
no primeiro dia e esperou pela ordem de Deus? Porque é que a Bíblia às
vezes se refere a um mar que ocupa um único espaço e outras a vários
mares? Finalmente, porque é que Deus criou erva e árvores de fruto no
terceiro dia quando o sol ainda não existia?
As duas grandes fontes de luz e as estrelas foram criadas no quarto
dia. O texto diz claramente que estavam «no firmamento» ou «no firma-
mento dos céus». Não se especifica se a lua foi criada cheia, mas este
pequeno ponto refere-se mais à cronologia do que à estrutura do universo.
A criação dos peixes, pássaros e animais terrestres não causou qual-
quer dificuldade em particular. Mas como se devem interpretar as palavras
de Deus quando criou o homem? Porque é que disse «Façamos o homem
à Nossa imagem, à Nossa semelhança»? A quem Se estava a dirigir e qual
o significado de «à Nossa imagem»?
Mais enigmas, desta vez de natureza geográfica, foram colocados pela
descrição do Éden no capítulo 2 do Génesis. O Éden situava-se algures
no Oriente, e deu origem a quatro rios, o Pison, «que rodeia toda a região
de Évilat, onde se encontra oiro», o Geon, que «rodeia toda a terra da
Etiópia», o Tigre (também na Septuaginta), que corre a oriente da Assíria,
e o Eufrates. Mesmo que os Bizantinos não tivessem qualquer noção
relativa ao Pison e à terra de Évilat, os outros três rios eram bem conhe-
cidos: o Geon apenas podia ser o Nilo, enquanto o Tigre e o Eufrates eram

196
0 UNIVERSO FISICO

chamados pelo seu nome. Também era do conhecimento geral que os


últimos dois nasciam na zona da Arménia persa, enquanto as origens do
Nilo estão muito longe daquele país, algures na Etiópia. Então, como é
que estes três rios, já para não mencionar o enigmático Pison, nasceram
todos no mesmo local, nomeadamente, no Éden(1)? Não se poderia
chegar ao Éden seguindo por estes rios acima? E se o Éden terreno ainda
existia, como a Bíblia sugere, onde era exactamente, e porque é que
ninguém o tinha visto desde a expulsão de Adão do local?
Estas eram algumas das principais dificuldades relacionadas com o
texto do Génesis. Houve também uma omissão importante: nada é dito
sobre a criação dos anjos, conquanto o livro de Job (38, 7) afirmasse - e
estas são as palavras exactas do Senhor quando falou alto do redemoinho
- que «quando as estrelas nasceram, todos os meus anjos me aclamaram
em voz alta». Portanto, os anjos já existiam ao quarto dia. E se a serpente
que tentou Eva era o diabo, quando tinha ocorrido a queda de Satanás?
A tarefa, quase impossível, de harmonizar o texto bíblico com as
noções do mundo, que eram aceites na generalidade na Antiguidade, foi
empreendida antes do início do período bizantino e pode ser traçada desde
Filo Judeu no século r d.C. a Teófilo de Antioquia no século II, a Orígenes
no século III e a São Basílio no século IV. Não a vamos seguir aqui em
detalhe, excepto para referir que os primeiros comentadores forneceram
algumas respostas que se tomaram definitivas. Assim, Filo resolveu o
enigma da criação da erva e das árvores antes do sol. Isto foi feito, diz ele,
para que os homens não pudessem atribuir o crescimento de vegetação à
acção do sol, por outras palavras como um argumento contra a idolatria.
Filo também interpretou «correctamente» a referência, no Génesis 1, 14,
às fontes de luz usadas «como sinais, determinando as estações», dizendo
que elas eram usadas para anunciar as mudanças de tempo e permitir aos
homens fazer certas previsões necessárias, não para defender a astrologia.
Por outro lado, a sugestão mais sagaz de Filo, a de interpretar o primeiro
dia da Criação como sendo um mundo ideal iluminado por uma luz
perceptível, não teve aceitação (2). ·i
1
A contribuição de Teófilo de Antioquia (3) provou ser de mais dura-
bilidade, porque era mais real. Ele explicou que o céu feito no primeiro
t
dia não era o céu visível para nós, mas um mais elevado e que era
feito como um telhado ou abóbada - isto com referência a Isaías 40, 22.
«Fora Deus quem fizera o céu como cortina, e desdobrou-o como tenda
para habitar» (tal como na Septuaginta). Explicou a terra como base e

197
.,
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

fundação; o abismo como sendo a vastidão das águas. Diz que metade das
águas foi originada acima do firmamento para fornecer chuva, aguaceiros
e orvalho, a outra metade na terra para rios, nascentes e mares. Teófilo foi
algo ignorante ao relacionar a chuva com as águas acima do firmamento,
sendo esta parte da sua teoria abandonada mais tarde, mas a sua expli-
cação do orvalho, que ocorre sem a acção das nuvens, foi mantida. Teófilo
também introduziu um número de comparações simbólicas que se torna-
ram padrão: a lua que minguou e renasceu referia-se ao homem; grandes
peixes e pássaros carnívoros a homens gananciosos e transgressores;
quadrúpedes a homens que não conheciam Deus. Mais importante ainda,
ele explicou o plural de «Façamos o homem» como sendo dirigido a
Logos, isto é, o Filho.
Pondo de lado Orígenes, cuja subtil interpretação ficou pelo caminho,
chega-se às homilias de São Basílio no hexaêmeron, um texto que se
tornou bastante popular e influente durante o período bizantino (4). A sua
posição pode ser definida da seguinte forma:

1. Ele rejeita todas as teorias pagãs do universo com o fundamento de


que uma contradiz a outra. Não há necessidade, por isso, de as
contestar: elas são suficientes pela sua própria refutação. Qual é o
propósito de toda esta aritmética e geometria, do estudo dos sólidos,
mesmo da famosa astronomia? É tudo «vaidade laboriosa». Como
diz São Paulo (um texto-chave nesta ligação): «Eles desvaneceram-
-se nos seus pensamentos e o seu coração insensato obscureceu-se.
Dizendo-se sábios, tomaram-se loucos» (Rom. 1, 21-2).
2. A confiança, infelizmente tão em falta entre os pagãos, é dada por
Moisés (o pretenso autor do Génesis), cujas habilitações académicas
eram excelentes, uma vez que tinha sido educado pelos sábios
egípcios e havia passado quarenta anos em contemplação. Assim
i:
:! dotado, ele viu Deus cara a cara e foi-lhe dita a verdade directa-
mente. Então, qual a necessidade de ouvir os argumentos humanos?
3. A Bíblia deve ser entendida literalmente, não alegoricamente. Se é
silenciosa sobre certos aspectos é porque estes não interessam.
4. O universo tem um objectivo moral; é uma escola onde as almas
razoáveis são instruídas e guiadas para cima, para a contemplação
do invisível. Consequentemente, o estudo do mundo deve ser con-
duzido por um espírito limpo de paixões carnais, livre das preo-
cupações diárias e sempre buscando uma noção adequada de Deus.

198
0 UNIVERSO FfSICO

Já chega de princípios; vamos aos detalhes. Primeiro Basílio estabe-


lece que o mundo não é eterno: teve um início e deve ter um fim, pois «o
céu e a terra passarão» (Mt. 24, 35). Parece que, antes da criação do
mundo, havia uma «condição mais antiga», iluminada por uma luz espi-
ritual e não contida no tempo, mas Basílio não é muito específico em
relação a isto. A criação temporal começou com o céu mais elevado que
é feito de uma substância leve, algo como o fumo. Isto é declarado por
Isaías (51, 6), e não há necessidade de aprofundar mais. O mesmo profeta
também explica, como já vimos, que o céu foi preparado como uma
cortina. Em relação à terra, é também inútil perguntar em que se apoia.
Se se apoia no ar, porque é que este não cede sob o peso? Se se apoia na
água, porque é que a terra não se afunda? E mais ainda, em que é que a
água se apoia? O argumento torna-se infindável: a melhor resposta é dada
pelo salmista - «Nas mãos de Deus está o fim da terra» (SI. 94, 4, na
Septuaginta). Até agora, Basílio tem discutido um universo que tem uma
parte superior e inferior. No entanto, ele acrescenta que alguns naturalistas
têm uma teoria diferente: na sua visão a terra é imóvel porque está exacta-
mente no centro do universo. O próprio Basílio não quer tomar uma
posição sobre esta doutrina. Se o leitor considerar plausível, ele deve
voltar a sua admiração para a sapiência de Deus; se assim não for, que a
simplicidade da sua fé possa prevalecer sobre os argumentos lógicos.
O firmamento, segundo Basílio, deve ser distinguido do céu que foi
criado no primeiro dia. Como o seu nome sugere, é composto por uma
substância resistente e moderadamente firme, mas ele recusa-se a espe-
cificar se é como gelo, quartzo ou mica. Está mesmo disposto a admitir a
existência de um terceiro céu, atestado por São Paulo (II Cor. 12, 2), ou
de vários céus (SI. 148, 8). Mas, e as águas acima do firmamento? Alguns
críticos argumentaram que, se o firmamento tinha uma forma cupulada, as
águas teriam, obrigatoriamente, fluído para baixo, para o seu exterior
convexo. De forma alguma, responde São Basílio; o facto de o interior ser
côncavo não significa que O exterior seja convexo. O último pode muito
bem ser plano, como acontece muitas vezes nos banhos que têm abóbadas
cupuladas no interior e um telhado plano por fora. No que toca às águas,
elas estão lá, num modo de falar, como um agente que arrefece. Porque o
fogo é uma necessidade da vida, mas consome água. No final o fogo vai
prevalecer (como atestado por Isaías 44, 27), mas Deus calculou, sabia-
mente, a duração do mundo e forneceu água suficiente para neutralizar a
acção do fogo.

199
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Iá foram mencionadas as dificuldades da «junção» das águas no


terceiro dia. Em resposta à primeira objecção, porque é que a água por si
só não fluiu para baixo, para o local designado, Basílio responde que
estamos informados sobre as propriedades da água como são hoje; como
sabemos que a água tinha a mesma propriedade, nomeadamente, a de fluir
para baixo, antes do terceiro dia da Criação? A ordem de Deus determinou
a natureza, ou propensão da água, que, presumivelmente, lhe tinha faltado
antes. Em relação à existência de um, ou vários mares, Basílio está
preparado para admitir que de facto há muitos lagos, mas para ele existe
apenas um mar. Por essa razão, o Cáspio, que algumas autoridades acredi-
tam ser cercado por terra, tem que comunicar com o oceano. Ainda mais,
o mar tem o seu local atribuído, não importa se é muito agitado. ele quebra
sempre na costa, e uma substância tão suave como a areia basta para 0
deter. O mar Vermelho poderia, facilmente, ter inundado o Egipto que está
num nível inferior (5), se não tivesse sido contido pelo Criador.
Estes exemplos são suficientes para ilustrar a abordagem de Basílio.
Apesar da sua busca pela certeza, uma certeza fornecida apenas pela
Bíblia, ficou satisfeito por ultrapassar alguns dos grandes problemas da
cosmologia. Estava muito mais à vontade quando descreveu as lições
morais que poderiam ser retiradas da observação dos animais - um
assunto a que voltaremos no próximo capítulo. Talvez ele fosse um
homem demasiado instruído para adoptar as conclusões simples que
seguiam, inevitavelmente, uma interpretação literal do texto bíblico e por
isso se refugiou numa espécie de indiferentismo. São João Crisóstomo
também não o fez, ele seguiu uma abordagem alegórica a este respeito, o
que satisfaz inteiramente um público que quer respostas simples a ques-
tões fundamentais. Este público virou-se para outra escola de interpre-
tação, habitualmente chamada Escola de Antioquia, que teve a coragem
de construir um sistema que era inteiramente bíblico. Os seus mestres,
depois de Teófilo de Antioquia, foram Diodoro de Tarso, Teodoro de
Mopsuéstia, Severiano de Gabala e, finalmente, Cosmas Indicopleustes.

-- Diodoro era contemporâneo de São Basílio. O seu trabalho, intitulado


Contra o Destino, infelizmente perdeu-se, mas temos uma extensa análise
desse trabalho feita pelo patriarca Fócio (6). É evidente, deste resumo, que
Diodoro tinha uma boa razão para negar um universo esférico, como
concebido pelos filósofos naturalistas; pois se alguém admitisse as esferas
celestiais compostas de um quinto elemento, e dotadas de movimento
perpétuo, estaria a meio caminho da astrologia e do paganismo. Foi com

200
o UNIVERSO Físrco

uma visão para destruir a principal base da astronomia que Diodoro


delineou a «verdadeira» natureza do universo. Segundo ele, «existem dois
céus; um deles mais elevado do que o céu visível, surgiu ao mesmo tempo
que a terra [no sentido de que foram ambos criados no primeiro dia],
enquanto o outro é o visível. O primeiro dos dois tem a função de telhado;
o segundo faz o mesmo em relação à terra e ao mesmo tempo serve como
fundação e base para o superior. A terra é una. O espaço divino foi atri-
buído aos poderes superiores e o espaço abaixo do céu aos seres visíveis.
O céu não é esférico, tem a forma de uma tenda ou abóbada. Para apoiar
esta ideia», diz Fócio: «Ele acha que pode apresentar testemunhos dos
escritos sagrados, não apenas relacionados com a forma do universo, mas
também com o nascer e o pôr-do-sol. Também explica a duração variável
dos dias e noites e questiona de perto outros assuntos do mesmo tipo que,
na minha opinião, não seguem o mesmo exemplo, embora estejam de
acordo com as Sagradas os Escrituras.» Reconhecemos aqui, facilmente,
o sistema de Teófilo.
Cerca de vinte anos depois de Diodoro conhecemos Severiano de
Gabala, um pregador muito apreciado na corte de Constantinopla, ape-
sar da sua acentuada pronúncia síria. Nas suas homilias sobre o
hexaêmeron (7) as mesmas ideias antioquenas são explicadas com algu-
mas pequenas variantes. Severiano compara o universo a uma casa de três
andares, sendo o andar do meio o céu visível ou firmamento. Este é
composto por gelo e suporta metade das águas, de forma a neutralizar o
fogo das fontes de luz. Esta água é tão abundante que parte dela cai na
terra em forma de orvalho. No Dia do Juízo Final a água superior será
(
removida, em resultado disso o firmamento dissolver-se-á e as estrelas
cairão. A mesma água serve o objectivo adicional de reflectir para baixo
a luz do sol e da lua, que de outra forma teria aumentado. A estrutura
1'1(
do universo é repetida na do corpo humano. A porção superior. acima do
firmamento, é semelhante ao cérebro cujo funcionamento é invisível e que r,
; ;_

é separado da boca pelo palato (ouraniskos), cujo nome se parece, apro-


priadamente, com o do céu (ouranos).
A junção das águas é explicada por Severiano de uma forma mais
engenhosa do que São Basílio. A terra, segundo ele, foi criada plana no
primeiro dia e estava, por isso, totalmente coberta com água. No entanto,
no terceiro dia, o Senhor moldou-a com montanhas e depressões para
que a água fluísse, para formar o mar. A observação de montanhas e ilhas
rochosas prova que, numa determinada altura, estiveram juntas.

201
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

As fontes de luz foram criadas de forma independente do céu e a


seguir ligadas a ele, tal como um artista pinta um quadro e depois o
pendura na parede. O sol estava ligado ao Oriente, a lua ao Ocidente.
É rejeitada a ideia pagã segundo a qual o sol passa sob a terra durante a
noite. De facto, atravessa as regiões do Norte, escondido por uma espécie
de parede, e o seu percurso é obscurecido pelas águas. Isto é confirmado
pelo Eclesiastes 1, 5-6: «O sol nasce e põe-se, e apressa-se a voltar ao seu
lugar. Daí volta a nascer, vai para sul e depois vira para norte» (tal como
na Septuaginta). A duração variável do dia depende da extensão da
jornada do sol, uma vez que este nem sempre nasce no mesmo local. A lua
que mingua, morre e renasce é o símbolo da vida humana e uma garantia
da nossa ressurreição.
Durante o seu percurso, Severiano explica várias dificuldades do texto
sagrado. A criação dos anjos não é mencionada no Génesis, porque este
livro foi composto por Moisés depois do Êxodo, numa altura em que os
Judeus ainda estavam acostumados à idolatria que tinham aprendido no
Egipto: o legislador não lhes quis dar uma desculpa para voltarem aos
seus erros. Em relação ao silêncio da Bíblia, no que diz respeito aos quatro
elementos. isto não é surpreendente pois o céu e a terra implicam a
existência de água, fogo e ar. Além disso, o fogo e o ar estão intimamente
ligados. Os poderes superiores são do fogo - um fogo divino e imaterial,
no entanto associado com o nosso, como demonstrado pelo facto de
sermos capazes de «pedir emprestado» o fogo do sol, algo que não teria
sido possível se os dois fossem de natureza diferente. Além disso, se não
tivesse existido fogo na terra, como poderíamos obter uma faísca de uma
pedra ou de um pedaço de madeira?
Parece que os ouvintes de Severiano estavam bastante aborreci-
dos com as suas palestras sobre ciência natural. «Queremos aprender
teologia», gritaram, «não fisiologia!» O pregador replicou que esta crítica
estava errada, pois perto da teologia encontrava-se o estudo da natureza
que fornecia a base mais exacta para a santidade. Para banir a «fisiologia»
teriam de se banir os profetas, e os apóstolos que falavam dela. São Paulo
não concordou, o Próprio Salvador dedicou-se à fisiologia.
As ideias de Severiano e algumas de São Basílio, Diodoro e outros
foram retomadas no século VI por um autor anónimo a quem chamamos
Pseudo-Cesário (8). O seu trabalho, intitulado Diálogos, assumiu a forma
comum de perguntas e respostas, e constituiu um pequeno resumo de
conhecimento útil, tanto teológico como científico. Apesar do seu estilo

202
0 UNIVERSO Fls1co

difícil, granjeou uma vasta popularidade. Citado em antologias e em


crónicas bizantinas. foi traduzido para eslavo no século x e para árabe no
século XI. De um modo geral, Pseudo-Cesário reproduz o sistema de
Severiano, mas introduz algumas reflexões que podem ser suas. Aceita a
forma do universo semelhante a uma casa de três andares e um firma-
mento feito de gelo que serve de base a metade das águas. Aqui acrescenta
uma ilustração interessante. O Pison, segundo ele um dos quatro rios do
Éden, é o chamado Danúbio (noutro lado afirma que o Danúbio e o Indo
eram o mesmo!). No Inverno este rio fica coberto com uma camada de
gelo tão resistente que pode suportar dezenas de milhares de bárbaros a
cavalo, que invadem o território romano, na direcção da Ilíria e da Trácia.
Esta camada é banhada pela água abaixo de si e, às vezes, chove sobre o
gelo, no entanto, a água que está acima do gelo não se mistura com a água
que está abaixo. O firmamento não se dissolve com o calor do sol, porque
este é muito pequeno em termos de comparação, como um pequeno
candeeiro numa casa grande. Se alguém pegar numa travessa grande e
colocar um candeeiro por baixo, ela não se derreterá. A propósito, esta é
também a razão por que o sol se move continuamente: se tivesse ficado
estacionário, teria danificado o firmamento. Pseudo-Cesário discorda de
Severiano, ao afirmar que o sol não está ligado ao firmamento; em vez
disso, está suspenso, em tanques meios de ar, para dar leveza à sua
matéria. Nesse caso, pergunta o seu interlocutor, porque não balança com
o vento? Porque, responde, o vento sopra mais abaixo, perto da superfície
da terra. Além disso, o vento não tem poder para mover uma pedra nem
uma casa; como poderia deslocar um corpo tão grande como o sol? Se o
sol e a lua estivessem ligados ao firmamento teriam rasgado, com o seu
movimento, a superfície da cortina celeste. Em relação à trajectória do sol,
o autor especifica que durante a noite está escondido pelo solo elevado de
Capadócia ou pela cordilheira do Tauro; o que implica que, incidental-
mente, ele estava a escrever a sul da Ásia Menor. Nessa região a norte,
para lá da Capadócia, os raios do sol estão sombreados pelas águas e
vegetação, e são reflectidos, obliquamente, sob pressão do firmamento,
como acontece quando um candeeiro é colocado sob um ecrã.
Pseudo-Cesário deve ter vivido mais ou menos na mesma altura que o
retirado mercador de Alexandria, a quem chamamos Cosmas lndico-
pleustes, autor de Topografia Cristã (9). As principais ideias que expres- !
li,
sou neste livro, com todo o entusiasmo de autodidacta, são as que temos i
descrito, mas teve o mérito de as sistematizar, ilustrando-as com diagra-
1
1
í.
203

il
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

mas e avivando-as com as suas recordações pessoais. Apesar de não


parecer ter ido até à Índia, viajou de certeza pelo mar Vermelho, visitou a
Etiópia e a ilha de Socotorá, assim como outros países. Infelizmente, um
anterior trabalho geográfico de Cosmas perdeu-se; porque nele «descre-
veu mais detalhadamente toda a terra, tanto a que está para lá do oceano
como esta, e todos os seus países, juntamente com as partes sul desde
Alexandria ao oceano Antárctico, nomeadamente, o rio Nilo e os países
adjacentes, e todas as raças do Egipto e Etiópia; o golfo Pérsico ao lado,
com os países adjacentes e os seus habitantes do mesmo oceano, e da
mesma forma a nação do meio entre o rio e o golfo, com as cidades,
distritos e tribos aí existentes» (1º). Se não estou em erro, este foi o único
trabalho de geografia, baseado na experiência pessoal, produzido durante
o período bizantino.
O universo de Cosmas tinha o formato de uma caixa rectangular, com
uma tampa abobadada e parecia, como disse um comentador vitoriano:
«Um dos grandes recipientes em que as viajantes femininas dos nossos
dias transportam os seus vestidos.» A terra, dessa forma rectangular,
formava a base da caixa e estava rodeada, por todos os lados, pelo oceano
que não era navegável. Para Já do oceano, no entanto, havia uma faixa
estreita de terra, cuja porção oriental continha o paraíso terreno. Foi a esta
faixa que as quatro paredes do universo se uniram. A meio as paredes
suportavam um tecto, nomeadamente o firmamento com as águas acima.
Aí as paredes curvavam para o interior para circundar o Reino Celestial.
A superfície da terra era inclinada de norte para sul, como resultado tinha
que se subir quando se viajava para norte. Cosmas não explica, no
entanto, porque é que as águas do oceano não fluíam todas para o sul.
Algures no Norte havia também uma grande montanha (a mesma que
encontrámos no Pseudo-Cesário), atrás da qual o sol se escondia durante
a noite. Um princípio fundamental do sistema de Cosmas é que o universo
era exactamente reproduzido pelo Tabernáculo de Moisés que, da mesma
forma, se dividia em dois espaços pelo véu palatino, enquanto a mesa do
pão da proposição, cujo comprimento era o dobro da largura, e estava
colocada no sentido longitudinal de oriente para ocidente, tipificava a
terra. Embora esta noção possa parecer ridícula é preciso lembrar que a
teoria de uma terra rectangular tinha antecedentes na ciência grega, a qual
tendia a ser confirmada pela experiência de antigos viajantes, que sabiam
que era possível atravessar uma distância muito maior de ocidente para
oriente do que de norte para sul. O próprio Cosmas calculou a distância

204
0 UNIVERSO Ffs1co

da China a Gibraltar como sendo, aproximadamente, dezanove mil e


trezentos quilómetros, enquanto a dimensão norte-sul da terra era apenas
metade desse número.
O sistema de Cosmas tinha algumas fraquezas, mesmo dentro dos
seus termos de referência. Por exemplo, a sua noção de que as fontes de
luz do céu eram propulsionadas por anjos não tem autoridade na Bíblia.
Também não foi capaz de dar explicações satisfatórias sobre os rios
do Éden que ele, de certa forma, obrigou a fluir sob o braço oriental do
oceano antes de emergirem do solo. Apesar de tais máculas, admite-se que
Cosmas conseguiu, em primeira mão, construir um sistema bastante
coerente que satisfez os requisitos da Bíblia, as afirmações de simbolismo
e a experiência do viajante. E ainda mais, as suas ideias tiveram uma difu-
são considerável nos séculos seguintes, apesar do facto de a Topografia
Cristã, que continha quase cem ilustrações necessárias para a compreen-
são do texto, não poder ter sido copiada muitas vezes. No século IX foi
lida por Fócio (que, como intelectual, a considerou ridícula)(11), sendo
reproduzida num esplêndido manuscrito que ainda hoje existe (Vaticanus
graecus 699). Foi também traduzida para eslavo, talvez no século X, e
continuou a ser lida na Rússia, como uma obra de textos fidedigna, até ao
século XVII ( 12).
Restam poucas dúvidas de que a concepção antioquena do universo,
como exemplificado por Cosmas, reflectia as opiniões dos bizantinos
comuns sobre este assunto. Sempre que um santo bizantino tinha uma ~; '.
visão do Reino Celestial, ou do Juízo Final, pensava em termos de um r
'
universo com quatro cantos, coberto por um tecto, sobre o qual Deus tinha
a Sua residência e onde os eleitos viriam a ter uma ventura etema(13).
As ilustrações da Criação, em manuscritos do Antigo Testamento,
seguiam mais ou menos o mesmo modelo; e uma vez que uma igreja
bizantina era uma cópia simbólica do kosmos, também ela pressupunha
um mundo com a forma de uma caixa(14).
Parece que só no século xr foi feita uma tentativa para difundir, mais
uma vez, as doutrinas cosmológicas dos Antigos. No seu opúsculo enci-
clopédico De omnifaria doctrina (15), Miguel Pselos abordou, com
íl I:
alguma extensão, a estrutura do universo. Fez algumas concessões ao
cristianismo tradicional, reconhecendo que o mundo não era eterno (este
foi um ponto muito importante), e que os terramotos eram causados por
Deus como afirmado no Salmo 103, 32; no entanto, em relação ao restante,
enquanto denunciava «a sabedoria orgulhosa dos Helenos», apenas voltou

205
BlZÃNClO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

ao universo esférico. A De omnifaria doctrina foi primeiro dedicada ao


imperador Constantino IX e, na sua forma revista, a Miguel VII Ducas e,
a julgar pelo número de manuscritos ainda existentes, teve uma
popularidade considerável nos últimos séculos bizantinos. No entanto,
não era um trabalho que as pessoas comuns conseguissem perceber,
pelo que duvidamos que tenha tido impacto na consciência do público.
O bizantino comum ouvia os seus pregadores e contemplava os quadros
que adornavam as paredes da sua igreja. Toda a cosmologia de que
precisava tinha sido estabelecida pelo maior de todos os cientistas, o
profeta Moisés.

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Capítulo 9

Os Habitantes da Terra

A terra é habitada por animais e seres humanos. A diferença entre os


dois é que os humanos possuem uma alma racional e os animais não. Isto
é indicado no Levítico 17, 1 I, «A alma de toda a carne está no sangue»,
que é o mesmo que dizer que o princípio vital dos animais é de natureza
material. A mesma distinção é estabelecida no livro do Génesis, porque
ao criar os animais do mar e do ar Deus disse, «Que as águas sejam
povoadas de inúmeros seres vivos e que na terra voem aves» (Gen. 1, 20),
0 que significa que a vida está contida no animal, enquanto que no caso
do homem, Deus primeiro criou o seu corpo e depois «insuflou-lhe pelas
narinas o sopro da vida» (Gen. 2, 7), indicando assim a diferença entre
corpo e alma. O espírito do animal morre com o corpo, mas a alma
humana viverá para sempre.
Primeiro Deus criou os animais aquáticos para mostrar que a vida
começa com o baptismo. No Génesis os pássaros estão agrupados com os
peixes, porque eles nadam no ar mais do que andamf '). Há também uma
ligeira distinção entre a ordem de Deus referente aos peixes, nomeada-
mente, «Que as águas produzam criaturas que se movam com vida», e a
Sua ordem em relação aos animais terrestres, «Que a terra produza seres ,-
vivos, segundo as suas espécies». Os animais aquáticos têm uma
1-
207
BIZÂNCIO. Ü lMP~RIO DA NOVA ROMA

existência imperfeita: a sua visão e audição são fracas, não têm memória
nem imaginação, não reconhecem nenhum ser familiar. ao passo que os
animais terrestres têm sentidos mais apurados (2). A natureza de cada
espécie animal foi estabelecida pelos comandos de Deus e nenhuma
duração de tempo o alterará. Cada tipo tem a sua característica peculiar: o
leão é orgulhoso, o boi é calmo, o lobo é selvagem. Os animais que são
mais fáceis de capturar são também os mais abundantes (coelhos, cabras
selvagens, e por aí adiante).
Os animais foram criados para se sujeitarem ao homem. Isto é
indicado pelo seu nome tktênos = besta, fantasiosamente derivado de
ktêma = posse), e pelo facto de ter sido Adão que os nomeou, estabele-
cendo assim uma autoridade sobre eles, da mesma forma que quando
alguém se alista no exército imperial também é marcado pelo selo do
Império (3). Os milhares de nomes que Adão conseguiu inventar provam
a sua grande inteligência antes do pecado original. Os animais tinham um
objectivo triplo. Alguns foram criados para ser comidos, os mesmos que
hoje são abatidos; outros para transportar cargas, como cavalos e camelos.
O terceiro tipo consiste em animais «de imitação», que foram feitos para
entreter o homem que estava só no Éden. Alguns destes, como os maca-
cos, imitam gestos, outros, como os papagaios, imitam sons. Original-
mente, a serpente era muito amiga do homem, foi por isso que o diabo a
escolheu como instrumento. Nessa altura andava erecta graças a um
rápido rodopio da sua cauda. Mesmo hoje, quando está enfurecida, tenta
levantar a cabeça, mas volta rapidamente a uma posição rastejante, porque
não consegue resistir à força da condenação de Deus. No entanto, os ani-
mais viviam no Éden tal como os empregados vivem no palácio imperial:
apenas eram convocados quando o seu senhor precisava deles (4).
Outra razão para a criação dos animais foi para dar lições de moral e
fornecer símbolos teológicos. Os peixes grandes alimentam-se de peixes
pequenos: nós fazemos o mesmo quando oprimimos os fracos. O astuto
caranguejo espera que a ostra abra ao sol, depois atira seixos para evitar
que as valvas fechem, e assim devora a sua presa. Também nós agimos
como o caranguejo quando apontamos aos bens do nosso vizinho. A dissi-
mulação dos pólipos, que assumem a cor do que os rodeia, é imitada pelos
parasitas dos ricos e poderosos, pois estes homens são delicados ou
libertinos, de acordo com as circunstâncias. Também podemos tirar lições
admiráveis observando os habitantes das profundezas. Não estão separa-
dos por fronteiras naturais, no entanto, cada espécie está satisfeita por

208
OS HABITANTES DA TERRA

viver dentro do seu próprio território. Assim, as baleias, que são grandes
como as montanhas, foram naturalmente enviadas para o oceano Atlân-
tico, que não tem ilhas e não está cercado por nenhum continente do outro
lado. Connosco é diferente: estamos constantemente a mover «os marcos
antigos que os nossos pais estabeleceram» (Prov, 22, 28); continua-se a
dividir a terra, acrescenta-se casa a casa e campo a campo, enganando os
vizinhos. A víbora repugnante une-se com a enguia e a última subme-
te-se, embora não de bom grado. Da mesma forma as esposas devem
suportar os seus maridos, mesmo quando eles são violentos, bêbedos e
desagradáveis. Também os maridos devem aprender esta lição. A víbora
cospe o seu veneno antes de entrar nesta união; da mesma forma o marido
deve renunciar às suas maneiras duras. Ou, posto de maneira diferente, a
união da víbora e da enguia é adúltera. Os homens que invadem os casa-
mentos de outras pessoas devem reconhecer qual o tipo de réptil que estão
a imitar (5).
Os animais também nos ensinam lições mais nobres de autoridade e
religião. As abelhas são regidas por um rei (diríamos uma rainha) que
exerce uma ascendência natural e que, embora armado com um ferrão, não
usa esta arma. O rei não é nomeado pelos seus súbditos, não é eleito por
voto, nem atinge o poder pela regra da hereditariedade - três princípios que
muitas vezes nos levam aos piores resultados; a sua superioridade deve-se
à natureza. A transformação que o bicho-da-seda sofre, de lagarta apupa e
depois a borboleta, ensina a acreditar na mudança que os nossos próprios
corpos sofrem no momento da Ressurreição. Por isso, também o abutre,
que se reproduz sem cópula, permite-nos aceitar o nascimento virgem de
Cristo (6). Foi especialmente um trabalho chamado Physiologus, tão popu-
lar no Ocidente como no Oriente, que serviu para disseminar a interpre-
tação teológica do alegado comportamento animal: o leão que dorme de
olhos abertos tipifica o Cristo crucificado, cuja divindade permanece acor-
dada; o jovem pelicano que é morto pelos seus pais e volta à vida no
terceiro dia é também um símbolo de Cristo, e por aí adiante (7).
Como todos os homens medievais, os Bizantinos tinham um profundo
interesse pelos animais exóticos, quer reais, quer imaginários. O historia-
dor eclesiástico Philostorgius (8), a propósito do Éden terrestre, afirma que
os animais maiores se encontravam nas regiões a oeste e sul da terra,
apesar do calor que lá se fazia sentir. Ele enumera o elefante, o búfalo
indiano que viu em território romano, dragões com cerca de vinte e sete
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metros de comprimento e largos como vigas, dos quais tinha visto a pele, I'
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BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

a girafa, a zebra, a fénix, o papagaio e alguns pássaros malhados chama-


dos garamantes. Observara, em Constantinopla, a gravura de um unicór-
nio: tinha a cabeça de um dragão, um chifre retorcido, barba, um pescoço
comprido, um corpo como o de um veado e pés como um leão. No que diz
respeito aos macacos, havia milhares de variedades diferentes, muitos dos
quais eram levados para o Império Romano. Um chamava-se Pã: tinha
cabeça e pernas de cabra, mas o rosto era de um puro símio. Uma vez foi
enviado um exemplar para Constantino, o Grande, pelo rei da Índia, mas
morreu no caminho e chegou a Constantinopla mumificado. Philostorgius
pensa que este macaco era idolatrado pelos Helenos, tal como também
foram o sátiro e a esfinge. Esta tinha ele visto com os seus próprios olhos:
tinha seios descobertos como uma mulher, face redonda e voz parecida
com a dos humanos, mas inarticulada e irritada. Esta besta era muito
selvagem. Tal animal deveria ter sido trazido para Tebas em tempos anti-
gos. A lenda representou-o como alado, porque saltava agilmente, e como
enigma absoluto, devido à sua voz indistinta. Cosmas Indicopleustes
também dedicou uma dissertação aos animais exóticos (9). Descreve,
muito racionalmente, o rinoceronte. que tinha visto na Etiópia, o búfalo, a
girafa, o iaque, o almíscar, o «porco-veado», do qual provara a carne, e o
hipopótamo, cujos dentes vendera em Alexandria. Admite não ter visto
um unicórnio, mas descreve-o depois de ter observado quatro estátuas na
Etiópia. Explica que o unicórnio é difícil de apanhar. Quando perseguido,
salta de uma rocha, dá uma pirueta no ar e cai sobre o seu chifre que
amortece o choque. Além disso, a sua existência é confirmada pelas
Sagradas Escrituras.
Uma vez que Deus apenas criou duas espécies racionais, nomeada-
mente, os anjos e os homens, não se deveria acreditar em dragões que
assumem a forma humana e que enfeitiçam as mulheres. Eles existem,
mas são meras serpentes. Não é verdade que se levantam no ar e são
mortos por raios, como algumas pessoas ignorantes dizem ( 1 º). O mesmo
argumento se aplica aos sátiros do general Cecaumeno do século XI ( 11 ).
Se existissem, diz ele, como está escrito na Vida de São Paulo de Tebas ( 12),
e fossem seres racionais, como é que Cristo não chegou até eles? Qual o
profeta, qual o apóstolo que foi enviado para os instruir? Porque é que não
há nenhum evangelho dirigido aos sátiros? Os Padres do deserto, conti-
nua, viram vários animais estranhos que vivem naquelas zonas, tais como
dragões, áspides, basiliscos e unicórnios, cuja existência pode ser admi-
tida, mas não a dos sátiros.

210
Ü S HABITANTES DA TERRA

Na realidade, os monges santos tinham uma relação especial com o


reino animal. Muitos deles mostravam uma ternura particular para com os
animais. Um monge de Alexandria, dizem ( 13), dava de comer aos cães,
que estavam no seu mosteiro, todos os dias, dava farinha às formigas mais
pequenas, grãos às maiores e biscoitos embebidos em água aos pássaros.
Santo Estêvão, o Jovem (f. 794), até alimentou as inofensivas minhocas
pretas que viviam no deserto ( 14). A história mais famosa e instrutiva
sobre animais é, no entanto, a do leão de São Gerásimo, que mais tarde foi
transferido para São Jerónimo. Este leão, de cuja pata o santo tinha
extraído um espinho, permaneceu ao seu serviço e até transportava cargas
em vez do burro. Quando Gerásimo morreu, também o leão morreu de j
dor. «Isto sucedeu», diz João Moscho, «não porque o leão tivesse uma
alma racional, mas porque Deus queria glorificar os que O glorificam e
demonstrar a obediência que os animais tinham mostrado para com l
Adão» ( 15). O poder sobre os animais, que Adão perdeu devido ao pecado
original, poderia assim ser reconquistado pelo santo.
A ideia de que diferentes espécies animais tinham as suas caracterís-
ticas distintas e imutáveis - características que não eram apenas físicas,
mas também morais, tal como o orgulho do leão e a tranquilidade do
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boi - também se aplicava às raças humanas e aos povos. Isto fazia parte
de um antigo argumento contra a astrologia, que encontramos em Diodoro
de Tarso(16), e mais tarde no Pseudo-Cesãrio í!"). O ponto do argumento
era provar que os povos com diferentes costumes e instituições viviam nas
mesmas áreas geográficas, para que as suas peculiaridades não pudessem
ser atribuídas à influência astral. Assim, os Brâmanes e os Indianos vivem
na mesma região astral, no entanto, os primeiros são os mais virtuosos dos
homens, enquanto os últimos vivem como porcos. Os Caldeus e os Babi-
lónios praticam incesto, e fazem-no não apenas no seu país, mas mesmo
quando vivem no estrangeiro - 0 que «ainda fazem» entre os Medos, os
Partos, os Elamitas, os Egípcios, os Frígios e os Gálatas, «vivendo a sua
vida louca nalgumas aldeias». Exemplos semelhantes de depravação
sexual podem também ser observados noutras partes da terra, tal como a
Britânia, onde muitos homens se deitam com uma mulher, e muitas mulhe-
res com um homem. Os Eslavos, a que também chamam Danubianas,
devoram os peitos das mulheres que amamentam e arremessam as suas
crianças contra as rochas, enquanto outras tribos, que vivem na mesma
região, se abstêm de toda a carne. E enquanto alguns deles são violentos,
massacram os seus líderes, comem raposas, gatos selvagens e javalis, e

211.
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

chamam-se uns aos outros uivando como lobos; outros são abstémios e
dóceis. Se o nosso carácter fosse determinado pela posição das estrelas no
momento do nascimento, e se fosse verdade que a conjunção de Mercúrio
e Vénus, na casa de Mercúrio, produzia escultores e pintores, enquanto a
mesma conjunção, na casa de Vénus, produzia perfumistas, actores e
poetas, então porque é que estas ocupações estão totalmente ausentes entre
os Sarracenos, os Líbios, os Mouros, os Germanos, os Sármatas. os Citas
e, em geral, todos aqueles que vivem a norte do mar Negro?
A diversidade de povos foi explicada pela divisão da terra entre os
filhos de Noé e a subsequente multiplicação de línguas durante a constru-
ção da Torre de Babel; pois antes desse acontecimento toda a humani-
dade era só uma e falava a mesma língua, isto é, o hebraico. A lista básica
dos povos foi fornecida pelo capítulo 10 do Génesis. Na versão da
Septuaginta, esta lista contém um número de nomes que podem ser inter-
pretados no sentido étnico e outros que são claramente étnicos. Assim,
entre os oitos filhos de Jafet encontramos Javã (louan), que nos faz pensar
nos Iónicos, Tarses, que tem algumas semelhanças com os Trácios, assim
como com os Quetos (relembrando Cítio, uma cidade de Chipre) e com os
Ródios. Entre os quatro filhos de Cam, Mizraim refere-se claramente ao
Egipto (Misr), enquanto Canaã gerou Sídon, o Jebuseu, o Amorreu,
Arádios (de Arados, na Síria), o Samareu e Amati (da cidade de Amato,
em Chipre), etc.
A identificação destes nomes estrangeiros foi feita por Flávio
Josefo(18), que estava preocupado em mostrar a prioridade da Bíblia para
com as tradições pagãs. Segundo ele, dos vários povos, alguns manti-
veram os nomes hebreus originais, enquanto outros os perderam devido
aos Gregos (os Macedónios). Quando estes chegaram ao poder deram às
nações nomes que conseguiam compreender, criando assim a falsa
impressão de que estas nações eram de descendência grega. Josefa tam-
bém é responsável por uma divisão geográfica da terra entre os filhos de
-· Noé, uma divisão que foi mais tarde adoptada pela tradição cristã. Os des-
cendentes de Jafet, segundo ele, começaram por habitar o Tauro e o
i Amano (a extensão montanhosa entre a Síria e a Cilícia), depois avança-
ram para a Ásia até ao rio Tanais (o Don), e na Europa até ao estreito de
Gibraltar, sendo todo esse país desabitado na altura. Os filhos de Cam
\
ficaram com a costa da Fenícia e a Palestina até ao Egipto, e depois todo
o Norte de África até ao oceano Atlântico. Finalmente, os filhos de Sem

\:: receberam a maior parte da Ásia até ao oceano índico.

212


~l
Ü S HABITANTES DA TERRA

Algum tempo depois de Josefo, mas antes do século IV, foi elaborada
uma lista mais sistemática conhecida como A Divisão da Terra(l9). Este
texto, que não nos chegou na sua forma original, teve uma grande difusão
na Idade Média, não apenas no mundo que falava grego (aparece em todas
as crónicas bizantinas), mas também no Ocidente, na Síria, na Arménia, e
por aí adiante. É um pequeno tratado de geografia e etnografia que
engloba setenta e duas nações, sendo este o número de línguas que existia
na altura da construção da Torre de Babel. A divisão da terra entre os
filhos de Noé estendeu-se, mais ou menos, em três zonas paralelas de
oriente para ocidente: a linhagem de Jafet tinha todo o Norte, ao longo de
uma linha desde a Média a Gibraltar, a de Sem a zona do meio, e a de Cam
o Sul, ao longo de uma linha que corria pelo ponto de junção entre a
Palestina e o Egipto. O autor anónimo também acrescentou uma lista dos
povos que possuíam um alfabeto, e dos principais rios, ilhas e grandes
cidades.
Esta, a lista completa de povos conhecidos pela tradição bizantina, só
se estendia para oriente até ao Império Persa. A existência da Índia era do
conhecimento geral, mas os outros países da Ásia Central e Oriental esta-
vam envoltos em mistério. O sempre popular romance de Alexandre
forneceu maravilhosos detalhes sobre os povos e animais que habitavam
esses locais exóticos. Entre os vários textos relacionados com a lenda de
Alexandre circulava um Itinerário do Paraíso ao País dos Romanos (20).
Este texto informava-nos que perto do Éden terreno estava o país dos
Macarini ou Carnarini, de onde corria um vasto rio que se dividia em
quatro braços. Os Macarini são bons e devotos. Não têm fogo e não cozi-
nham qualquer comida, sendo sustentados pelo maná que cai do céu, e
bebem uma mistura de mel de abelhas selvagens com pimenta. As suas
roupas são tão puras que nunca se mancham. Não existe doença entre eles
e vivem até cento e dezoito e cento e vinte anos. Sabem de antemão a
altura da sua morte e preparam-se para isso deitando-se num sarcófago de
madeira aromática. Também não têm governo, porque vivem em perfeita
harmonia. Todas as pedras preciosas vêm do seu país. Perto dos Macarini
vivem os Brâmanes, que também são extremamente virtuosos. mas con-
forme se vai mais para ocidente há uma deterioração gradual. A cultura de
cereais começa no país de Nebus, 0 quinto do Oriente, que é também o
primeiro país que tem um governo de anciãos. Os guen:eiros encontram-
-se primeiro em Axum, 0 décimo país, depois vem a India Menor, que
gera um grande número de elefantes e, finalmente, a Pérsia, que é prós-

213
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

pera. mas muito cruel. Parece que houve poucas tentativas, da parte dos
Bizantinos. para integrar estes povos orientais numa estrutura bíblica. mas
afirmou-se que as nações virtuosas do Extremo Oriente eram cristãs.
O principal problema que ocorreu na mente bizantina. em relação aos
povos da terra, relaciona-se com o seu estatuto no plano da Divina Provi-
dência. A igualdade dos homens é proclamada no Evangelho, uma vez
que Deus «fez de um só sangue, todo o género humano para habitar em
toda a face da Terra, e fixou a sequência dos tempos e os limites para a
sua habitação; os homens devem procurar Deus, se porventura, tacteando,
o puderem encontrar, o qual, todavia, não está longe de cada um de nós»
(Actos 17, 26-27). No entanto, era como se estes vários povos não tives-
sem sido objecto de igual solicitude da parte do Senhor. Não houve difi-
culdade no Período Inicial, os 2900 anos, mais ou menos, que se esten-
deram desde a Criação à divisão das línguas. Então e os seguintes 2600
anos até à Encarnação? Os profetas foram apenas enviados aos Israelitas,
enquanto as outras nações permaneceram na ignorância sobre Deus. E o
período depois da Encarnação? Não interessa quão longínqua era a afir-
mação do Evangelho, ele não se estendeu a toda a terra. Finalmente, qual
era, no esquema da Divina Providência, o papel das nações pagãs?
Para estas questões encontram-se apenas respostas esporádicas e par-
ciais. Admitindo que todos os homens tinham «um só sangue», a antiga
maldição de Noé pesou sobre os descendentes de Canaã, filho de Cam:
«Maldito seja Canaã. Que ele seja o último dos escravos dos seus irmãos.
Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e seja Canaã seu escravo. Que Deus
aumente as posses de Jafet e que ele resida nas tendas de Sem, e seja
Canaã o seu escravo» (Gen. 9, 25-7). Acredita-se que esta maldição foi
feita não apenas porque Carn tinha visto a nudez do seu pai, mas também
como antecipação da ganância de Canaã ao invadir a Palestina e a Fenícia,
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terras que pertenciam a Sem. Assim, enquanto, denegria os Africanos
devido aos seus pecados ancestrais, Noé também profetizou o destino
glorioso da descendência de Jafet, uma vez que foi nesta última que o
cristianismo fez os maiores progressost-t).
Outra saída para dar alguma satisfação aos não crentes, que tinham
vivido antes da chegada de Cristo, foi dada pela declaração de São Pedro
de que o Senhor «também foi pregar aos espíritos que estavam no cárcere,
àqueles que outrora tinham sido rebeldes» (I Ped. 3, 19). Até foi dito que
São João Baptista, que tinha morrido antes de Cristo, começara a pregar
aos espíritos no Hades e que esta afirmação ficou completa na altura da

214
Os HABITANTES DA TERRA

Descida do Senhor. Para confirmar isto, afirmou-se que um jurista tinha,


em tempos, amaldiçoado Platão. Na noite seguinte o filósofo apareceu-lhe
num sonho e disse: «Pára de me amaldiçoar. Não nego que vivi como
pecador, mas quando Cristo veio para o Hades, eu fui o primeiro a acre-
ditar nele.» Não quer dizer com isto que o morto terá outra hipótese de se
arrepender. pois essa foi uma ocasião única (22).
Se uma rede pudesse, na altura, ser lançada em redor de todos aqueles
que tinham morrido antes da Crucificação, a dificuldade seguinte seria a
da universalidade da pregação cristã. Isto envolvia um ponto de impor-
tância considerável. Quando São Pedro disse «em qualquer nação, aquele
que O teme e põe em prática a justiça, é aceite por Ele» (Actos 1 O, 35),
falava numa altura em que o Evangelho ainda não tinha sido disseminado
por toda a parte, mas já não era este o caso (23). Se tivesse sido de outra
forma, os membros das «nações» (etlmikoi), isto é, os não cristãos, pode-
riam esperar ser salvos apenas pelas boas obras. Daí a necessidade de
provar que a Boa Nova tinha, de facto, sido levada a todos os países - um
mito que foi apoiado pelos Actos dos Apóstolos apócrifos. Alegou-se
que, antes de partirem nas suas missões, os apóstolos se reuniram em
Jerusalém e distribuíram entre si todas as regiões desabitadas do mundo.
São Pedro assumiu a responsabilidade pelos judeus circuncidados, Tiago
e João pelo Oriente, Filipe pela Samaria e pela Ásia, Mateus pela Pártia,
Tomás pela Arménia e pela Índia, André pela Biunia, Lacedemónia e
Acaia, e por aí adiante. A área geográfica da actividade de cada apóstolo
mostra grande variação de um texto para outro. Chegamos a encontrar
Mateus na terra dos antropófagos, Filipe e Bartolomeu na terra dos ofiófa-
gos e no deserto dos dragões-fêmea» (24). Perto de Tomás, que estava
activo na longínqua Índia, André revelou-se um grande viajante, uma vez
que evangelizou a Cítia, fundou igrejas ao longo da costa sul do mar
Negro (incluindo a de Bizâncio) e, finalmente, esteve também na Acaia, ! i

onde sofreu martírio (25).


Estas lendas ocultam uma realidade que permanece vagamente conhe-
cida, isto é, o progresso das missões cristãs. No Período Inicial bizantino
o domínio do cristianismo mostrou uma expansão notável. O historiador
eclesiástico Sozomeno, que escreveu no século V, assinalou a conversão
de todos os povos ocidentais entre o Reno e o oceano Atlântico. o dos
Arménios e dos Georgianos, e descreveu o progresso da fé verdadeira
entre os Persas (26). Um século mais tarde. o continuador de Zacarias de
Mitilene falou da missão que tinha sido enviada aos Hunos orientais, para

215
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

lá das Portas do Cáspio, e da tradução das Escrituras para o dialecto


local (27). Cristo não tinha dito «Tende confiança! Eu venci o mundo»
(Jo, 16, 33)? E mais uma vez «As portas do Inferno nada poderão contra
a minha Igreja» (Mt. 16, 18). O cumprimento destas profecias foi visto,
claramente, por Cosmas Indicopleustes. Havias igrejas cristãs, escreve
ele, tão longe como Ceilão, Malabar e a ilha de Socotorá.

E da mesma forma entre os Baccrianos, e os Hunos, e os Persas,


e o resto dos Indianos, Arménios da Pérsia, e Medas e Elamicas, e por
toda a cerra da Pérsia não há limite ao número de igrejas com bispos,
e grandes comunidades de povos cristãos, assim como muitos márti-
res e monges que também vivem como eremitas. Também na Etiópia
e Axum, e em todo o interior à sua volta; entre o povo da Arábia Feliz
- que é agora chamado Homericas - por roda a Arábia e Palestina,
Fenícia e toda a Síria, e Antioquia até à Mesopotâmia; entre os
Núbios e os Garamantes, no Egipco, Líbia, Pencápolis, África e
Mauritânia, até à Gadeira do Sul [Gades, em África), há igrejas cristãs
em roda a parte, e bispos, mártires, monges, e encarcerados, onde o
Evangelho de Cristo é proclamado. Da mesma forma também na
Cilícia, Ásia, Capadócia, Lazica e Ponto, e nos países do Norte
ocupados pelos Círios, Hircânios, Hérulos, Búlgaros, Helladikoi
[Gregos] e Ilírios, Dalmácios, Godos, Espanhóis, Romanos, Francos
e outras nações, até à Gadeira, no oceano em direcção à zona norte,
há crentes e pregadores do Evangelho, confessando a ressurreição dos
mortos; e assim vemos as profecias sendo cumpridas por todo o
mundo (28).

De facto, para um observador que vive no século VI, pode parecer que
não restou muito território para ser conquistado. O único grande obstáculo
era a Pérsia, onde o cristianismo já tinha feito progressos notáveis. No
entanto, foi relatado que o próprio rei da Pérsia, sob a influência do seu
médico cristão e de católicos nestorianos, deixara de comer a carne de
animais impuros e construíra um hospício para estrangeiros, algo de que
nunca se tinha ouvido falar(29).
O sonho de um oikoumenê completamente cristão ficou perto de se
realizar quando Heraclio subjugou o Império Persa e pôde, de facto, ter
i:
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formado uma parte importante da política desse imperador. O revés catas-
trófico que o cristianismo sofreu, imediatamente depois, foi totalmente
i
216
Os HABITANTES DA TERRA

inesperado. e pode dizer-se que o pensamento bizantino nunca se adap,.t,u


a isso. No século Vil. em particular, o sucesso do ethnlkoi colocou um
problema agonizante. Foi por vontade de Deus que o inimigo ímpio estava
a infligir tanto mal aos cristãos? Os eclesiásticos podiam apenas responder
que aquelas calamidades estavam de facto a ocorrer por vontade de Deus,
para punir os cristãos pelos seus pecados. No entanto, a boa sorte dos
hereges não se devia à sua virtude. «O inimigo sem lei e ímpio, subser-
viente como era à sua maldade inerente, infligiu-nos estas calamidades
que estão a desagradar a Deus, e como paga certamente irá sofrer castigo
eterno» (30). Até pareceu a alguns observadores que os ethnikoi eram mais
saudáveis, fisicamente superiores aos cristãos, entre os quais havia uma
grande quantidade de gota, lepra, epilepsia e outras doenças. O argumento
de que Deus lançou a doença sobre os cristãos porque os amava tinha
pouca convicção. Da mesma forma, Anastásio de Sinai tentou uma expli-
cação diferente. Ele diz que as doenças também ocorrem (isto é, a acres-
centar ao desejo de Deus) por razões hereditárias, ou por causa do ar. um
clima variável e húmido, ou comida e bebida em excesso. Que a qualidade
do ar possui este efeito é provado pelo facto dos habitantes de Aila
(Aqaba) nunca sofrerem de gota. A importância de uma dieta adequada
é demonstrada pelos Judeus que têm origem numa região seca. mas
saudável, mas que são viciados no consumo excessivo de carne. vinho e
molhos e, por isso, têm tantas doenças como os cristãos. A ideia de que a
epilepsia, ou posse demoníaca, se poderia dever a causas físicas era muito
estranha para a forma bizantina de pensar, no entanto, o Próprio Cristo
tinha dito do demónio: «Esta casta só pode ser expulsa com oração e
jejum» (Me. 9, 29). Então, se o demónio podia ser expulso pelo jejum. ele
podia também - claro que com a permissão de Deus - entrar num ~rpo
através da gula. Nem ninguém se deveria surpreender se forasteiros
hereges parecessem, em certas ocasiões, possuir certas faculdades sobre-
naturais, por exemplo os Sarracenos, que são capazes de prever quen_1 ,·~
ser morto no campo de batalha. Eles fazem-no observando certos smais
físicos - um facto confirmado por peritos em medicina, que afirmam que
a Providência colocou no corpo humano, especialmente nos olhos. al!u,~s
sinais secretos que anunciam a aproximação da morte, e que este~ sinais
são observados por demónios que depois enganam as pessoas. fazendo
previsões correctas. Além disso, é um facto conhecido que os pagãos e
hereges podem fazer milagres com a ajuda de demónios. Por exl"!mP!º· diz
Anastásio, houve em tempos um bispo herege de Cízico que. recitando

217
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

uma oração, foi capaz de arrancar uma oliveira que obstruía a janela da
sua igreja e, noutra ocasião, fez com que um cadáver falasse. Quando
morreu, várias aparições e alucinações aconteceram sobre o seu túmulo -
tudo por acção dos demónios. A única forma de distinguir entre um
milagre verdadeiro e um falso, entre o cristão e o pagão, é pelo resultado
que alcançam, pois «pelos seus frutos vós deveis conhecê-los» (31 ).
O predomínio da renúncia, depois da conquista árabe, foi talvez uma
indicação de que os argumentos da Igreja não iam ao encontro da aceita-
ção geral. No entanto, durante o período bizantino o sucesso de ethnikoi
foi explicado precisamente da mesma forma que tinha sido por Anastásio.
Esta argumentação foi aplicada aos Ávaros, aos Árabes, aos Búlgaros, aos
Russos, aos Latinos e, finalmente, aos Turcos. Em 860, durante o cerco de
Constantinopla pelos Russos, o patriarca Fócio declarou publicamente
que «Enquanto os povos de Deus se tornarem fortes e triunfarem sobre os
seus inimigos pela Sua Aliança. o resto das nações, cuja religião está em
falta, não aumenta em força pelas suas boas acções. mas devido às nossas
más» (32). No século XV, como muitas vezes antes, a mesma pergunta foi
feita: porque é que os Turcos são vitoriosos, enquanto nós estamos desor-
ganizados? Talvez seja porque não aceitámos a revelação superior de
Maomé, tal como os Judeus foram punidos por não terem aceite a de
Cristo? - Não, responde o imperador Manuel II Paleólogo. Primeiro, não
podemos ser comparados com os Judeus que, desde a queda de Jerusalém,
não tiveram nem rei, nem cidade, nem templo. Segundo, muitos impérios
apareceram e desapareceram e o seu sucesso não pode ser atribuído à sua
superioridade religiosa - por exemplo, o dos Assírios, o dos Persas, ou o
de Alexandre da Macedónia, que era manifestamente ímpio, uma vez que
sacrificou aos demónios. Além do mais - e aqui, finalmente, encontramos
um novo pensamento - existem no Ocidente vários Estados cristãos
que são mais poderosos do que o dos Turcos. Ainda resta algum tempo
antes do fim do mundo: quem sabe quais as alterações que nele podem
acontecer(33)?

218
Capítulo 10

O Passado da Humanidade

O bizantino comum, como todas as outras pessoas simples, tinha uma


percepção limitada da sucessão dos anos. Quando pensava em tais assun-
tos, calculava pelo sistema de indicções. A indicção corresponde a um
ciclo de quinze anos, inicialmente introduzida com o propósito do cál-
culo de impostos, mas quando alguém se referia, por exemplo, à quinta
indicção, estava a referir-se ao quinto ano (começando a l de Setembro)
de qualquer determinado ciclo, não o quinto ciclo. No seu Prado Espiritual,
João Moscho relaciona a seguinte história característica. Na Cilícia, no
sopé da cordilheira montanhosa de Amano, ele conheceu dois leigos
idosos. Disseram-lhe que sete anos antes tinham observado um fogo que
havia sido aceso, uma noite, no topo da montanha. Subiram-na durante o
dia para investigar, mas não encontraram nada. O fogo continuou a arder,
na escuridão, durante um período de três meses. Finalmente, uma noite
decidiram fazer a subida. Localizaram o fogo e permaneceram nesse local
até de manhã; nessa altura descobriram uma gruta com um eremita morto
que agarrava um livro do Evangelho. Junto a ele estava uma lápide com
a seguinte inscrição: «Eu, o humilde João, morri na indicção quinze.»
Então, os dois homens começaram a contar os anos. provavelmente pelos
dedos, e aperceberam-se, com choque, que tinham passado sete anos

219
=
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

desde o falecimento do eremita, embora parecesse que tinha morrido


nesse mesmo dia ( I ).
O registo que o monge fez da sua própria morte era, de facto, típico
das inscrições tumulares dos bizantinos do Período Inicial. Pode parecer
surpreendente, uma vez que se olha para uma lápide como um memorial,
cuja intenção é sobreviver durante muitos séculos, senão mesmo para
sempre; mas um bizantino ficava feliz por gravar na pedra uma inscrição
desta natureza: «O servidor de Deus, Teodoro, morreu a 13 de Agosto, um
domingo, indicção 13.» Era como se a informação transmitida pela inscri-
ção tumular fosse de interesse por apenas alguns anos, um ou dois ciclos
de indicção, no máximo.
A principal razão para este descuido com as datas absolutas está na
falta de uma forma de cronologia geralmente reconhecida. Na altura em
que Moscho escrevia (cerca de 600 d.e.), os documentos oficiais ainda
eram datados, como no período romano, pelo consulado; mas desde que
esta instituição se tornou uma fórmula vazia e o consulado foi assumido
pelo imperador, em intervalos regulares e alturas diferentes do ano, era
necessário ser uma espécie de especialista para fazer com que o sistema
tivesse sentido (2). O ano real, com o qual muitas vezes se identificava o
consulado, era menos confuso, excepto pelo facto que tinha que se saber
não apenas o ano de subida ao poder de um imperador, mas também o dia
e o mês. Depois havia múltiplas eras locais, especialmente nas províncias
orientais. Os Sírios calculavam, habitualmente, pela era selêucida (tam-
bém conhecida como a era dos Gregos), que começava a 1 de Outubro de
312 a.e. No entanto, em Antioquia havia uma era a começar em 49 a.C.,
em Bostra outra a 106 a.e., enquanto em Gaza, na Palestina, contavam
de 61 a.e. Em Alexandria, usavam a era de Augusto, de 30 de Agosto de
30 a.e., mas também a de Diocleciano (a era dos Mártires), de 284 d.C.,
e por aí adiante. O annus mundi ainda não era usado como um sistema
comum de datar e havia, como vamos ver, desacordos significativos em
relação ao método da sua contagem. Começou a aparecer, esporadica-
mente, no século vm, e lentamente ganhou terreno; mas mesmo nos
Períodos Médio e Tardio bizantinos, quando o annus mundi estava soli-
damente fortalecido, o uso de datas nas inscrições, manuscritos, edifícios
e outros, permaneceu uma excepção mais do que uma regra.
O interesse do annus mundi para o nosso objectivo é que reflectia toda
a concepção do passado humano que os cristãos tinham, tanto na Antigui-
dade tardia como nos períodos bizantinos, uma concepção que era

220
0 PASSADO DA HUMANIDADE

«histórica» e simbólica, e que tinha de ter em conta certos factores astro-


nómicos. Este sistema estava protegido num tipo de livro conhecido como
a «crónica universal» ou, como os Bizantinos muitas vezes lhe chama-
vam, a «crónica desde Adão». Quando os Bizantinos comuns queriam
informar-se sobre o curso da história passada, era a este tipo de livro que
recorriam. Como resultado, a crónica universal tinha uma grande circula-
ção e, uma vez que estava direccionada para o leitor comum, expressa-
va-se em linguagem simples. Com o passar do tempo, as crónicas eram
acrescidas de acontecimentos recentes. Eram tratadas, de facto, não como
obras literárias. mas como manuais ou almanaques que precisavam de
revisão periódica. Esta circunstância causou muita dificuldade aos erudi-
tos desejosos de identificar as camadas sucessivas de tais compilações.
Todavia, aqui não estamos preocupados com os problemas particulares de
atribuição, mas com o estilo como um todo e as ideias que contém.
A primeira impressão que as crónicas bizantinas produzem no leitor é
de ingenuidade, mas a trivialidade de muito do seu conteúdo não nos deve
cegar para a extrema complexidade da sua estrutura conceptual. São, de
facto, o produto de uma longa evolução e de muito empenho na instrução,
pelo que temos fazer uma breve pausa para examinar os seus antepassa-
dos. A história que contam não é a de uma nação, mas de todo o mundo
como era conhecido na altura. A parte principal dessa história é fornecida
pela Bíblia, mas várias outras linhas - assíria, egípcia, grega e romana -
foram entrelaçadas com ela. A sincronização destas histórias separadas
requer uma estrutura cronológica global. Mais importante, as crónicas
projectadas para explicar o trabalho da Divina Providência e, uma vez que
Deus age de uma forma ordenada, também a história deve expressar não
apenas os Seus propósitos morais, mas também a simetria do Seu dese-
nho. Então, porque processo foi este vasto panorama construído?
Para começar com o elemento cronológico, podemos assinalar que
muito antes do nascimento da historiografia cristã, os judeus helenizados
estavam muito preocupados em demonstrar a antiguidade, daí a respeita-
bilidade da sua religião em contraste com a natureza confusa e sem histó-
ria das tradições grega e romana. Já no século I d.C., Josefa escreveu, a
certa altura, sobre este assunto, e demonstrou não apenas que os registos
históricos dos Judeus se estendiam por um período de cerca de cinco mil
anos, mas que também eles eram mais fidedignos do que as histórias con-
traditórias contadas pelos historiadores gregos (3). O legado dos apologis- ,_
tas judeus foi avidamente agarrado pelos cristãos, estes tiveram que

221
'!
-
f--
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

enfrentar a mesma crítica dos seus adversários pagãos e, um pouco mais


tarde, tiveram a tarefa de lutar com os Judeus com as armas destes
últimos. Pelo que se sabe, o autor cristão mais antigo que fez um cálculo
cronológico mais detalhado, com base no Antigo Testamento, foi Teófilo
de Antioquia (no final do século u d.C.). Usando a versão da Septuaginta
(que difere, marcadamente, da hebreia em relação à cronologia), calculou
que a Criação aconteceu cerca de 5515 a.C. (4). Ele próprio admitiu que
os seus números eram aproximados, com um alcance máximo de erro
de cerca de duzentos anos. Contudo, o mais interessante é que foi capaz
de ligar a cronologia bíblica à do mundo greco-romano. pois nas
11 Crónicas 36. 21-22 declara-se que o fim do cativeiro da Babilónia (4954
depois da Criação, segundo os seus cálculos) coincidia com o primeiro
ano do rei Ciro da Pérsia. A partir daí foi simples, pois sabia-se que Ciro
reinou vinte e oito anos, e que a sua morte ocorreu contemporaneamente
à subida ao poder, em Roma. de Tarquínio, o Soberbo; desde essa altura,
segundo os manuais cronológicos, decorreram 713 anos até à morte de
Marco Aurélio ( 180 d.C.). Neste cálculo, a Encarnação de Cristo não tem
qualquer papel, nem Teófilo estava preocupado em estabelecer uma cro-
nologia relativa da história bíblica e pagã, uma tarefa que foi deixada
para os cristãos eruditos tardios, especialmente Africano (século Ili d.C.)
e Eusébio de Cesareia.
A esta prova «histórica» foi acrescentada uma consideração mística.
Os cristãos primitivos acreditavam, com a analogia dos Seis Dias da
Criação, que o mundo duraria seis mil anos, pois estava escrito que mil
anos eram como um dia na visão de Deus (SI. 90, 4). Se assim fosse, teria
sido particularmente satisfatório se a Encarnação tivesse acontecido exac-
tamente no ano 5500, o ponto central do sexto dia cósmico, ainda mais
porque a combinação das dimensões da Arca da Aliança eram cinco
côvados e meio (Êxodo 25, 10). Todos os sistemas iniciais cristãos e
bizantinos, excepto o de Eusébio, tentam chegar tão perto deste número
quanto possível.
O terceiro aspecto do problema tinha a ver com o ajuste dos calendá-
rios solar e lunar. Uma vez que Cristo ressuscitou na altura da Páscoa dos
Judeus (o décimo quarto dia do mês Nissan), acreditava-se que o primeiro
dia da Criação teria sido perto do mesmo dia, também um domingo, e que
deveria ter sido 25 de Março, o dia do equinócio da Primavera, segundo o
Calendário Juliano. Foi, de facto, o mesmo tipo de cálculo daquele usado
para determinar a data da Páscoa, um problema que preocupou bastante

222
0 PASSADO DA HUMANIDADE

a Igreja primitiva. Por essa altura, os Judeus já tinham abandonado um


calendário puramente lunar e haviam adaptado um ano solar-lunar de 354
dias (J 2 meses de 29 ½ dias), isto é, onze dias mais curto do que o ano
solar, mas a cada três anos eles inseriam um mês adicional (embólico).
Desta forma, a data da Páscoa dos Judeus, em vez de mudar por todo o
ano solar, como as festas dos maometanos, poderia permanecer na
Primavera. Os cristãos, por seu lado, que estavam no Calendário Juliano,
tinham escolhido, no século III, um ciclo de oito anos para calcular a data
da Páscoa. A razão é que oito anos solares (incluindo dois anos bissextos)
= 2922 dias, o que é muito perto de 99 meses lunares (cinco anos de 12
meses, mais três anos de 13 meses) = 2923 ½ dias. Este ciclo deu oito
datas possíveis para a Páscoa dos Judeus, para que no nono ano se voltasse
ao mesmo dia do mês que no primeiro; mas não coincidiu com os mesmos
dias da semana. Para ter ambos os factores em conta, era preciso
multiplicar 8 x 7 = 56. Depois de 56 anos, a Páscoa dos Judeus voltaria
então ao mesmo dia do mês e ao mesmo dia da semana. A tabela pascal
mais antiga que foi preservada, a de Hipólito, usa na realidade um ciclo
de 112 anos (56 x 2). Claro que ainda havia um intervalo de um dia e meio
a cada oito anos, uma deficiência que foi mais tarde remediada por ciclo·
mais precisos.
A tabela de Hipólito é, no entanto, suficiente para ilustrar o princípio
envolvido. O primeiro dia da Criação calhou, como dissemos, num
domingo, no dia 25 de Março. Uma vez que a lua foi criada no quarto dia,
e na fase cheia (sendo todos os trabalhos de Deus perfeitos), o primeiro 14
de Nissan terá sido na quarta-feira, 28 de Março, caso tenha sido criada de
manhã, ou quinta-feira, 29 de Março, se criada à noite. Segundo o cânone
de Hipólito, as datas possíveis para 14 de Nissan eram: 18, 21, 25 e 29 de
Março; e 2, 5, 9 e 13 de Abril. A escolha recaiu, por isso, na quinta-feira,
29 de Março, uma sincronia que, de acordo com o mesmo cânone, ocorreu
em 266 e 322 d.C. Se contarmos para trás, a data da Criação, mais o ano,
menos um (uma vez que não há ano 0), tinha que ser um múltiplo de 112.
O resultado, se era para calhar tão perto quanto possível de 5500 a.C.,
seria 5503 (5503 + 322 - l = 5824 = 112 x 52).
A discrepância de Hipólito, de um dia e meio a cada oito anos, entre
os calendários solar e solar-lunar, levou, como dissemos, à invenção de
ciclos mais precisos. O que prevaleceu no Oriente foi um ciclo de 19 anos,
e este precisava de um novo cálculo da data da Criação, que nesta ,. ,
!I :

altura se pensava ter ocorrido em 5492 a.C. Esta é a chamada era de

223
B IZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

Alexandria, ainda usada pelos cronistas Jorge Sincelo e Teófanes, no


início do século IX. Todavia, por essa altura, a era bizantina normal de
5508 a.e. já tinha sido introduzida para também ter em conta o ciclo de
indicção, e foi esta era bizantina que prevaleceu até ao fim do Império (5).
A discussão antecedente, de certa forma enfadonha, era necessária
para explicar a estrutura cronológica da visão bizantina da história.
A estrutura principal da crónica universal foi estabelecida no século m,
aperfeiçoada por Eusébio no início do século IV, e mais tarde sistema-
tizada pelos alexandrinos Panodoro e Aniano no século v. O trabalho
destes pioneiros chegou até nós apenas em fragmentos. O primeiro pre-
servou a crónica bizantina, a do antioqueno João Malaias, datada do
século VI, e é seguida pela Crónica Pascal no século VII, por Jorge Sincelo
e Teófanes no início do século IX, por Jorge, o Monge, em meados do
século IX, pelas várias versões de Simeão Logoteta no século X, e por aí
adiante. Continuou-se a tradição da crónica universal, mesmo depois da
queda de Constantinopla para os Turcos, sendo fornecida a leitura histó-
rica do povo grego até à revolução de 1821.
Num plano alargado, o conteúdo da crónica do mundo era 0
seguinte(6). O registo da idade pré-diluviana não levantava dificuldades
particulares, pois baseava-se na Bíblia e no Antigo Testamento apócrifos.
No entanto, podemos notar que este longo período (2362 anos, de acordo
com alguns cálculos) foi marcado por um processo de nomenclatura e
invenções práticas, apesar de muito deste conhecimento se ter perdido
mais tarde, como resultado do Dilúvio. Adão deu nomes a todos os ani-
mais; Caim inventou as medidas da terra, enquanto os três filhos de
Lameque descobriram, respectivamente, a criação de gado, instrumentos
musicais e a forja de latão e ferro. O maior sábio desse período remoto foi,
no entanto, Set que criou o alfabeto hebraico, descobriu a sucessão dos
anos, meses e semanas, e deu nomes às estrelas e aos cinco planetas. Os
nomes que concedeu aos planetas (o sol e a lua já tinham recebido os seus
de Deus) foram, curiosamente, Cronos, Zeus, Ares, Afrodite e Hermes,
por isso não foram os planetas que tiveram nomes de deuses pagãos, mas
os deuses (que eram na realidade homens) que foram nomeados segundo
os planetas. Set, que tinha sido divinamente avisado do Dilúvio, foi sufi-
cientemente esperto para escrever os nomes das estrelas num bloco de
pedra que sobreviveu à catástrofe e permitiu a Canaã compilar uma astro-
nomia. Parece também que algumas cartas dos Caldeus foram inventadas,
antes do Dilúvio, pelos chamados Despertos, o mesmo que os misteriosos

224
0 PASSADO DA HUMANIDADE

filhos de Deus que casaram com as filhas dos homens no Génesis 6, 2, e


que estas cartas foram usadas para expressar algum conhecimento
mágico. Foram mais tarde descobertas por Salah, que se tornou versado
neste conhecimento perigoso e o transmitiu a outros.
O Dilúvio, que destruiu toda a humanidade à excepção de Noé e da
sua família, teve um papel importante para estabelecer uma cronologia
relativa da história dos Judeus e dos pagãos. Entre as várias tradições
nacionais correntes na Antiguidade tardia, apenas os Assírios (pelo menos
era o que se pensava) mencionaram uma inundação universal. O Dilúvio
de Deucalião, da mitologia grega, foi considerado como tendo sido local
e não universal; em relação aos Egípcios nunca tinham sequer ouvido
falar de uma cheia. A conclusão é que apenas os Assírios, ou Caldeus,
tinham uma história que se prolongava até antes do Dilúvio. Segundo os
seus registos tinham existido dez reis antediluvianos, o último dos quais,
Xisuthrus, foi salvo do Dilúvio. O que acontece é que Xisuthrus era o
mesmo que Noé, e a história dos Caldeus e dos Judeus era a mesma. Em
relação aos Egípcios, que não tinham qualquer memória de uma cheia,
mas falavam de um prolongamento da história para trás até trinta mil
anos, só se pode concluir que não sabiam contar. Evidentemente, a histó-
ria do Egipto começou depois do Dilúvio, sendo o seu primeiro gover-
nante Mizraim, o neto de Noé.
A divisão da terra entre os filhos de Noé (de que já falámos) e a
subsequente multiplicação das línguas, forneceu os pontos de início natu-
rais para a história de vários povos pagãos. Um dos descendentes de Cam
foi Nimrode, o caçador valente que governava algo chamado a terra de
Sinnaar (Génesis IO, 10), evidentemente na Assíria, ou Pérsia, apesar
dessa parte do mundo parecer ter sido atribuída a Sem. A Bíblia esquece-
-se de dizer que Nimrode também inventou a magia e a astrologia que
ensinou aos Persas, e que quando morreu foi idolatrado e tomou-se uma
estreia no céu, a mesma que Oríon. Por isso, Nimrode era uma espécie de
gigante, e não foi estranho que lhe tivesse sucedido outro gigante cha-
mado Crono, o filho de um tal Úrano e Afrodite. Este Crono, ao subjugar
toda a Síria e Pérsia, tomou-se o primeiro governante dos homens. Casou
com Semíramis (a quem os Assírios chamavam Reia) e teve dois filhos,
Nino e Zeus (também chamado Picos), e uma filha, Hera, com quem Zeus
casou. Para piorar as coisas, quando Crono morreu, sucedeu-lhe Nino, que
casou com a sua própria mãe, Semíramis, implantando-se, assim, este
louco costume de incesto entre os Persas. Apesar dos seus pecados, a

225
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

prole de Crono estava agora lançada no seu percurso histórico. Nino,


apropriadamente, construiu Nínive. Depois dele reinou um tal Thouras,
que foi renomeado Ares e era venerado pelos Assírios sob o nome persa
lsic) de Baal. Quanto a Picos Zeus, tomou-se rei de Itália, uma parte do
mundo que, nessa altura, não tinha cidades nem governo, sendo simples-
mente habitada pela tribo de Jafet. Este Zeus, que era uma pessoa apai-
xonada, gerou uma numerosa prole com as suas concubinas. O seu
sucessor, Fauno (renomeado Hermes), teve que enfrentar as conspirações
dos seus setenta e tantos meios-irmãos e, finalmente, fugiu para o Egipto
onde foi recebido com grande honra, porque tinha trazido com ele uma
grande quantidade de ouro e também era capaz de predizer o futuro.
Finalmente, Hermes tomou-se rei do Egipto. Sucedeu-lhe o fraco Hefesto,
que viria a ser relembrado por duas coisas que alcançou: primeiro,
introduziu uma lei obrigando as mulheres do Egipto a praticar a mono-
gamia; segundo, recebeu, graças a uma oração mística, um par de tenazes
do céu, o que lhe permitiu forjar armas de ferro - pois antes os homens
lutavam com mocas e pedras. Pode notar-se, casualmente, que embora
algumas características dos deuses do Olimpo ainda sejam indistinta-
mente perceptíveis, nesta miscelânea de contra-senso, a sua origem grega
foi esquecida. A prole de Crono é representada como sendo assíria ou
persa; Zeus governou em Itália, enquanto Hermes e Hefesto estão associa-
dos ao Egipto.
Os deuses pagãos, e os seus descendentes, estavam assim inseridos
no período de cerca de cinco séculos que iam da construção da Torre de
Babel a Abraão, um período sobre o qual a Bíblia não tem quase nada a
dizer, excepto uma genealogia simples (Génesis 11 ). Este era o tempo da
«idolatria antiga», inventada por um tal Serugue da tribo de Jafet, e durou
até Tera, pai de Abraão, que era escultor. A idolatria (hellênismos), deri-
vada do costume de fazer estátuas de homens importantes, tornou-se
popular no Egipto, Babilónia e Frígia, espalhando-se depois à Grécia,
onde recebeu o seu nome segundo Hellên, um filho de Picos Zeus.
Com Abraão atingimos um dos pontos nodosos que marcou o curso da
história universal, pois foi ele que introduziu o verdadeiro conhecimento
de Deus e enfraqueceu os ídolos· do seu pai. Ele próprio um caldeu,
inaugurou a história do povo hebreu. Também foi uma figura importante
na história da ciência: sendo versado em astronomia, em virtude das suas
bases caldaicas, ensinou esta disciplina aos Egípcios. Foi também com os
Caldeus que aprendeu o uso das letras e o transmitiu aos Fenícios de

226
0 PASSADO DA HUMANIDADE

quem, mais tarde, os Gregos derivaram o seu próprio alfabeto. Mais ainda,
foi contemporâneo de Melquisedeque, o rei-sacerdote pagão que fundou
Jerusalém, e era o protótipo de Cristo. O reino de Sicião, o mais antigo na
Grécia, foi estabelecido, mais ou menos, na mesma altura.
A fase seguinte do processo histórico foi fornecida por Moisés, o
maior de todos os profetas antes de João Baptista e, por acaso, o primeiro
historiador. A importância de Moisés deveu-se, não tanto ao facto de ter
retirado o seu povo do cativeiro, mas à superior revelação que lhe foi con-
cedida e aos «sinais» que acompanharam toda a sua carreira. Como
Cristo, Moisés, em criança, foi salvo da morte, assim como os outros
recém-nascidos masculinos do seu povo; também como Cristo, retirou-se
para o deserto - não por quarenta dias, mas por quarenta anos. Quando
abriu o mar Vermelho, fê-lo com um movimento cruciforme, e ao lançar
uma árvore nas frias águas de Marah, também isso apontou para a cruz
que dá vida. Os doze poços de água e as setenta palmeiras em Elim
representavam os doze maiores e os setenta menores apóstolos. O maná,
que foi reunido no sexto dia da semana e permaneceu íntegro no domingo,
prefigura o corpo de Cristo. Finalmente, apesar de Moisés ter morrido e
sido enterrado, ninguém conseguiu ver o seu túmulo. O código religioso
que Moisés estabeleceu era, obviamente, provisório, adaptado à percep-
ção imperfeita e costumes idólatras do seu povo - uma sombra da reali-
dade do que viria. Contudo, por comparação com os povos pagãos do seu
tempo - ele era tido como tendo sido contemporâneo de Ínaco, primeiro
rei dos Argivos - Moisés era uma figura de cultura superior, uma observa-
ção que serviu para provar, mais uma vez, que todo o conhecimento
pagão, especialmente o grego, fora um desenvolvimento muito mais
tardio e derivativo.
O grande sábio seguinte dos Israelitas foi o rei Salomão que, apesar da
sua lastimável fraqueza por mulheres, adquiriu conhecimento de todas as
coisas naturais e escreveu livros sobre plantas e animais. Também
descobriu vários remédios e encantamentos contra demónios. Estes livros,
plagiados pelos gregos «iatrossofistas», foram mais tarde destruídos por
ordem de Ezequias, que viu que as pessoas os usavam para fins médicos,
em vez de rezar a Deus pela cura. Também havia interesse considerável
pelo Templo de Salomão, que era especialmente venerado por ser na
altura o único templo do verdadeiro Deus. As figuras esculpidas de queru-
bins, que continha, eram muitas vezes citadas como justificação do uso de
ícones. Em relação à Arca da Aliança, que estava colocada no local mais

227
1 1

BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

sagrado de todos, não só denotava a forma do universo mas também


imitava a de um misterioso templo que havia sido mostrado a Moisés no
cume do monte Sinai - um templo, podemos imaginar, que se parecia
com a igreja cristã. Salomão viveu poucos anos depois da Guerra de Tróia,
cuja história, como é contada nas crónicas bizantinas, derivava não de
Homero, mas das fábulas de Dictis.
Depois de Salomão, a história dos Israelitas deteriorou-se e mereceu
pouca atenção, excepto dos profetas que lutaram, em vão, para corrigir os
costumes do Povo Escolhido. O foco de interesse muda agora para os
reinos pagãos, primeiro o dos Assírios, que capturaram Jerusalém e
destruíram o Templo, depois para o dos Persas, sob o qual os Judeus não
tinham permissão para voltar a casa. O tempo da história universal é agora
acelerado e a altura exacta da Encarnação é revelada pelo profeta Daniel.
O reino persa é derrotado por Alexandre, que chega perto de adorar o
verdadeiro Deus e, depois de fazer ofertas a Jerusalém, parte na sua
marcha para o Oriente. A Índia aparece no horizonte distante, com o «rio
Oceano» que rodeia toda a terra e os virtuosos Brâmanes. O Império de
Alexandre está dividido; Antíoco Epifânio profana o Templo restaurado e
funda a «abominação da desolação», de acordo com a profecia de Daniel.
Os reinos sucessores fazem guerra uns contra os outros, até serem
conquistados por Roma.
A Encarnação de Cristo, que é o evento central de todo o processo
histórico, corresponde ao reinado de Augusto, o primeiro governante a
dominar toda a terra e o portador da paz universal. Contudo, uma vez que
o Império Romano é o quarto reino profetizado por Daniel, faz prever
adequadamente o advento do Criador dos quatro elementos. O expirar das
sete «semanas» de Daniel está, além disso, relacionado com a supressão
dos consagrados sumos sacerdotes dos Judeus. Os imperadores romanos,
depois de Augusto, são largamente olhados do ponto de vista do cristia-
nismo. Sob Tibério, Cristo é crucificado. A Crucificação acontece a uma
sexta-feira, porque o homem foi criado ao sexto dia e Adão comeu o fruto
da árvore proibida à sexta hora do dia. A ressurreição repete a Criação.
Os milagres de Cristo são relatados por Pilatos a Tibério, o qual permite
i:·' uma liberdade completa à afirmação cristã, para que toda a terra se encha

.. com ela. O reinado do fraco Caio testemunha a conversão de São Paulo e


o martírio de Estêvão; o de Cláudio, a instituição do monasticismo por
São Marcos. Sob Nero, o primeiro perseguidor dos cristãos, Pedro, Paulo,
Tiago e Lucas são condenados à morte. Entretanto, tinham sido dados

228
_,
0 PASSADO DA HUMANIDADE

quarenta anos aos Judeus, a contar da Ascensão, para se arrependerem.


A sua falha em fazê-lo resulta na pilhagem de Jerusalém e na destruição
do Templo. Este é o quarto cativeiro dos Judeus e não terá fim, nem os
Judeus terão mais profetas. As suas consequentes tentativas de reconstruir
o Templo são frustradas de uma forma sobrenatural.
Enquanto o cristianismo se difunde, começam a aparecer as primeiras
heresias - as de Basílides, Valentino, Taciano e Bardesanes. Mesmo o eru-
dito e abstémio Orígenes cai em erro - um erro que mais tarde vai ser
revivido por Ário. Depois aparece um falso Cristo na pessoa de Mani, um
seguidor de um tal Buda. Ele rejeita o Antigo Testamento e ensina que
Jesus Cristo era um fantasma. A sua doutrina terrível inspira numerosas
heresias cristãs. Nesta altura estamos perto do final do século III d.C.,
quando é feita uma última resistência contra o cristianismo, pelos impe-
radores Diocleciano e Maximiano, mas ambos têm uma morte violenta
[sic]. Finalmente, Constantino torna-se imperador. Adoece, vê São Pedro
1
e São Paulo num sonho, é curado pelo papa Silvestre e aceita o baptismo
com a sua mãe Helena. O cristianismo triunfa, reúne-se o I Concílio em
Niceia, sendo o trono do Império mudado para a Nova Roma, que é
também a Nova Jerusalém. É assim inaugurada a última fase da história
universal. Tudo o que resta para ser feito antes do Segundo Advento é
eliminar as heresias e levar a mensagem cristã ao fim da terra.
Em resumo, esta é a visão do passado que se encontra nas crónicas
bizantinas, um panorama tanto vasto quanto obscuro. Procura-se, em vão,
qualquer desenvolvimento coerente da história, ou qualquer sinal da preo-
cupação de Deus com a salvação da humanidade. O âmbito da história,
providencialmente guiada, é universal no Dilúvio e na Torre de Babel,
mas é depois reduzida a um mero gotejar no Pentecostes quando, em
teoria, se toma universal mais uma vez. O período de intervenção de cerca
de dois mil e setecentos anos, que é mais ou menos metade da história
antes da Encarnação, permanece na sombra, excepto o destino dos
Judeus. Mas e as outras pessoas cujos anais resumidos foram dados
por Eusébio, em colunas paralelas? Eram, aparentemente, confiados, por
Deus, aos «anjos das nações» que, devido à sua ineficácia mais do que à
sua fraqueza (pois tiveram que suportar o impacto de ataques furiosos da
parte dos demónios), não puderam fazer melhor do que introduzir o culto
astral; o que, por sua vez, degenerou em idolatria grosseira (7).
O trabalho da Divina Providência manifestou-se no cumprimento de
profecias e, mais misteriosamente, em correspondências numéricas, como

229

i
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

alguns padrões abstractos num tapete oriental. Ainda mais obscura, a


doutrina da Trindade e do nascimento Virgem era, parece, proclamada em
adivinhas pelo oráculo de Apolo e pelas Sibilas, sendo escrita, aqui e ali,
em blocos de pedra. Quando, por exemplo, um templo pagão muito
antigo, em Cízico, estava a ser convertido numa Igreja da Virgem Maria
no reinado de Leão l (457-474), foi encontrado um oráculo inscrito a seu
lado e um outro idêntico em Atenas. Ambos eram a resposta à seguinte
questão colocada pelos cidadãos: «Profecia para nós, Ó profeta Febo
Apolo, cuja casa esta será.» O deus respondeu: «O que quer que possam
fazer que leve à virtude e ordem. Pela minha parte, eu proclamo um Deus
de trindade, regendo lá no alto, cuja Palavra eterna será expressa por uma
simples virgem. Como uma seta abrasadora, atravessará todo o mundo,
capturá-lo-á e dá-lo-á como presente ao seu Pai. Esta será a Sua casa e
Maria é o seu nome» (8). Embora possamos sentir uma dúvida justificável
em relação à autenticidade de tais inscrições, o facto é que alguns
Bizantinos tentaram, de uma forma desajeitada. mostrar que também aos
pagãos tinha sido dada, na remota Antiguidade, uma oportunidade de
ouvir a mensagem cristã.
Embora degradado no processo de constante repetição, o perfil bizan-
tino da história universal nunca perdeu as características que nele foram
construídas entre os séculos II e v d.C. O carácter fabuloso e impreciso do
conteúdo «profano» devia-se ao facto de os compiladores iniciais das
crónicas cristãs terem que, forçosamente. confiar nos compêndios popula-
res a que podiam deitar a mão, especialmente, àqueles que davam listas e
datas dos governantes de vários países - Beroso da Assíria. Maneta do
Egipto, Castor da Assíria, da Grécia e de Roma. etc. Os historiadores
sérios da Antiguidade não tinham as características próprias de tal uso.
Pelos padrões modernos, a investigação histórica levada a cabo por
Africano, Eusébio e pelos seus sucessores pode, de facto, parecer de
bastante má qualidade, mas não se pode negar que constituiu um esforço
muito considerável. Além do mais, foi um esforço que não poderia ser
repetido no Período Tardio bizantino, uma vez que muita da documen-
tação necessária se tinha entretanto perdido. Na historiografia, corno em
muitas outras áreas de conhecimento, os Bizantinos comuns permaneciam
limitados ao legado do Período Inicial cristão.

230
Capítulo 11

O Futuro da Humanidade

«Queridos filhos, estamos no fim da história deste mundo. Já ouvimos


que se aproxima o Anticristo, e já muitos como ele têm aparecido; deste
modo, sabemos que se aproxima o tempo do fim.» Assim escreveu o
apóstolo João (I Jo. 2, 18), e ele próprio acreditava um pouco que viveria
para ver o Segundo Advento, pois não tinha o Senhor dito dele a Pedro,
«Se eu quiser que ele viva até ao meu regresso, que te importa isso?»
(Jo. 21, 22-23).
A crença no iminente fim do mundo era uma pedra fundamental do
cristianismo primitivo e, apesar de no início da era bizantina se terem já
passado três séculos desde a Ascensão de Cristo ao Céu, não era uma crença
que pudesse ser facilmente posta de lado. Pois, sem o Segundo Advento, a
visão cristã da história reduz-se a algo de absurdo. Mais ainda - e este ponto
precisa de ser enfatizado - não havia qualquer razão teológica, simbólica ou l
~
numérica para este acontecimento ter sido adiado para um qualquer futuro
indefinido. Tal adiamento teria prejudicado o equilíbrio e a simetria da
revelação divina; mas também havia, para dizê-lo asperamente, «coisas»
r
insuficientes para preencher um excessivamente longo período de espera. 1· /
As «coisas» em questão, os elementos básicos da visão escatológica, ;I
eram retiradas da Bíblia e dos livros apócrifos. Particularmente fidedigno, ,,!.

231
B IZÂNC IO. 0 lM PéRIO DA N O VA R OM A

uma vez que vinha dos próprios lábios de Cristo, era o «apocalipse
sinóptico» (Mt. 24; Me. 13; Lc. 21). Este previa, primeiro, um período de
guerra entre os reinos e as nações, de «fome e pestes, e terramotos em
diversos locais», que anunciariam o «início das lamentações» (ou, mais
literalmente, o nascimento das dores). Todas as formas de injustiça seriam
então frequentes e muitos falsos profetas chegariam; mesmo assim, «o
evangelho do reino» seria pregado a todo o mundo, «e depois viria o fim».
«A abominação da resolução mencionada por Daniel, o profeta» ficaria no
local sagrado, e haveria grandes aflições e lamentações, mas para bem do
eleito, esses dias seriam encurtados. Depois o sol e a lua perderiam a sua
luz, as estrelas cairiam do céu e o Filho do Homem apareceria nas nuvens
com poder e glória. O eleito deveria ver os sinais apropriados; pois,
embora a altura exacta do Segundo Advento não fosse conhecida nem
sequer dos anjos, mas apenas do Pai, «esta geração não deveria passar até
todas estas coisas estarem cumpridas».
O apocalipse de Cristo era parte essencial da grande onda de espe-
culação escatológica que varreu o mundo judeu entre o século II a.C. e o
século I d.C. Este não é o local para examinar em detalhe as várias ideias
que foram expressas na altura, porém, podemos realçar alguns dos
motivos que iriam ter um papel importante no período bizantino. Parti-
cularmente importante era o mito do Anticristo, mencionado no passo
joanino que citámos no início deste capítulo. Já esboçado no Livro de
Daniel, «o homem do pecado», ou «o filho da perdição», assume uma
forma mais concreta nos ensinamentos de São Paulo. Ele apareceria na
altura da «queda», um pouco antes do Segundo Advento, e sentar-se-ia no
Templo de Deus, fazendo-se passar por Deus e fazendo milagres, mas o
verdadeiro Senhor destruí-lo-ia «com O espírito da sua boca» (II Tess. 2).
Também se acreditava que o Anticristo pertencia à tribo de Dan, que seria
enfrentado por Elias (ou Elias e Enoque, sendo estes, presumivelmente, as
duas testemunhas mencionadas no Apocalipse), que ele mataria, que o seu
reino duraria três anos e meio, e por aí adiante. Também do livro de Daniel
vem a noção de quatro reis ou bestas, o último dos quais - o que tem
dentes de ferro e dez chifres, a besta que «deve devorar toda a terra,
esmagá-la e quebrá-la em pedaços» - era geralmente identificada com o
Império Romano, apesar do facto de na mente do autor ter claramente
denotado os Selêucidas. O reino da quarta besta seria directamente
seguido pelo Juízo Final (Dan. 7). De origem ainda mais antiga, nomea-
damente, o Livro de Ezequiel (caps. 38-39), era a noção de Gog e Magog

232
0 FuTURO DA HUMANIDADE

(ou, mais correctamente, Gog da terra de Magog), as nações do Norte que


iriam lutar com Israel nos últimos dias. Isto foi retirado do Apocalipse e
associado ao «pequeno período» quando Satanás fosse «libertado da sua
prisão», onde tinha estado confinado durante mil anos (Apo. 20, 8). Para
os Bizantinos do Período Tardio havia aqui uma pista adicional, pois Gog
é descrito como sendo «príncipe de Rosh», que na versão da Septuaginta
é traduzido por «Rhos» - o mesmo nome criado para os Russos.
Quando a substância confusa destas e doutras crenças bíblicas e
parabíblicas foi passada para os Bizantinos, já tinha sofrido uma transfor-
mação significativa: em vez de se aplicar, como tinha feito no início, ape-
nas ao futuro da nação judaica, o seu significado foi estendido para englo-
bar todos os homens e, em particular, os cristãos. O papel do Império
Romano no padrão «das últimas coisas» foi reconhecido, quer Roma fosse
olhada como inimigo (como no Apocalipse) ou, pelo contrário, como o
poder que repelia o advento do Anticristo. Mais ainda, a crença pagã na
eternidade de Roma foi confirmada pela identificação de Roma com o
Quarto Reino, que estava destinado a durar até ao fim dos tempos. Mesmo
a conversão do Império ao cristianismo poderia ser feita para se adaptar
ao esquema apocalíptico, uma vez que o próprio Cristo tinha profetizado
que o Evangelho seria levado a todo o mundo como um prelúdio necessá-
rio para a catástrofe final. Contudo, uma circunstância não prevista foi a
transferência da capital de Constantinopla. A contribuição bizantina era
adaptar, mais uma vez, o esquema de forma a colocar Constantinopla no
centro do palco universal.
Dada a natureza fragmentária da prova, é difícil determinar o processo
desta adaptação. Um texto sibilino do final do século IV, cujo conteúdo
pode ser reconstruído com alguma certeza, não apenas não atribuiu qual-
quer importância particular a Constantinopla, como ainda pressagiou que
a nova capital não duraria sessenta anos. Quando o mesmo texto foi
revisto, nos primeiros anos do século VI, por um autor que escreveu na
Síria, o número 60 foi alterado para 180, mas o tom sarcástico da observa-
ção foi mantido: «Não sejas arrogante, cidade de Bizâncio, pois não deve-
rás reinar três vezes sessenta anos!» (1) Noutro texto da mesma data
(e. 500 d.C.), nomeadamente, a Sétima Visão de Daniel, que apenas sobre-
vive na versão arménia, Constantinopla tem um papel mais crucial, no
entanto distintamente maléfico. É representada como «a Babilónia das
1
Sete Colinas» que enriqueceu às custas de outras terras e está cheia de
todo o tipo de injustiças. O autor tem um verdadeiro prazer ao detalhar as
l
r
1
l, ,,.
233 f'
,,
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

calamidades que em breve cairiam sobre a fraca capital: as suas muralhas


iriam ruir, os seus habitantes lentamente pereceriam até, no final dos
tempos, não restar nenhum vestígio deles. Então as pessoas apontariam
para o seu sítio e exclamariam, «Aquilo era na realidade uma cidade?» (2)
O reinado do imperador Anastásio, quando estes oráculos foram com-
postos, parece ter sido uma altura de intensa especulação escatológica.
A razão disto é fácil de discernir. Desde o século Ili, se não antes, tinha
prevalecido uma visão de que o mundo estava destinado a durar seis mil
anos, em analogia aos Seis Dias da Criação. Não tinham os Salmos dito,
expressamente, que mil anos eram como um dia aos olhos de Deus?
(S. 90, 4). Uma vez que, como já vimos, a Criação data de aproximada-
mente 5500 a.e., e a Encarnação de Cristo ocorreu, precisamente, a meio
do último «dia», o fim viria cerca de 500 d.C. A data exacta dependia,
claro, do sistema de contagem adaptado. Pressupondo o uso da chamada
era de Alexandria (a de Aniano), o fim do mundo era esperado em 508.
Quando tal não ocorreu, foi deixado algum espaço para jogar com os
números. Que isto foi feito em alguns trimestres é sugerido pelo seguinte
episódio curioso que teve uma ampla circulação na altura. Dizia-se que,
pouco antes da sua morte (518), Anastásio teve um sonho: um anjo apare-
ceu-lhe segurando um livro e, depois de virar cinco páginas, leu o nome
do imperador e disse-lhe: «Cuidado, devido à tua ganância, vou apagar
catorze [anos].» Apavorado com esta visão, Anastásio chamou o seu adi-
vinhador, e foi informado que morreria em breve. De facto, ele adoeceu
pouco tempo depois e morreu a meio de uma terrível tempestade(3). Uma
vez que Anastásio tinha oitenta e oito, ou oitenta e nove anos, na altura da
sua morte, é difícil imaginar um qualquer observador racional com
esperança que ele vivesse mais catorze anos. A sugestão da história é que,
provavelmente, ele teria sobrevivido, fosse ou não pelas suas extorsões
fiscais, até ao fim do mundo em 532, mas é difícil explicar como se
chegou ao último número. Talvez tenha sido calculado desde o tempo da
Paixão de Cristo.
Apesar da privação que pode ter causado com as suas medidas finan-
ceiras e a oposição que pode ter provocado por apoiar a causa monofisita,
era certamente difícil olhar para Anastásio, um governante extremamente
competente, no papel de um rei apocalíptico. Todavia, com Justiniano era
diferente, a sua ambição ilimitada resultou em muitas perdas humanas.
Este homem enigmático, que na sua aparência física parecia o infame
imperador Domiciano, foi alegadamente visto a aparecer à noite transfor-

234
0 FUTURO DA HUMANIDADE

mado num fantasma sem cabeça, cuja cara estava muitas vezes transfor-
mada numa massa de carne incaracterística, pelo que poderia certamente
ser olhado como Príncipe dos Demónios ou o próprio Anticristo. De qual-
1
1
quer maneira, esta foi a dedução que Procópio formulou na sua História
Secreta (4). Além disso, o reinado de Justiniano estava cheio de guerras
sem fim, com terramotos, pestes e todas as outras formas de calamidade.
Numa determinada ocasião, quando Constantinopla foi abalada por um
terrível terramoto, em 557, o rumor de que o mundo estava a chegar ao
fim ganhou grande aceitação, havendo sido particularmente agitado pelos
«santos loucos» que alegaram ter recebido intimações sobrenaturais do
futuro. A população entrou em pânico: alguns fugiram para as montanhas
e tornaram-se monges, outros deram dinheiro às igrejas, os ricos distri-
buíram esmolas pelos pobres, e mesmo os magistrados abandonaram, por
algum tempo, os seus costumes desonestos (5).
A crise sempre intensa dos últimos séculos VI e vn só poderia ter
exortado uma influência semelhante na mente das pessoas. Tibério II, um
imperador virtuoso, foi assegurado por um anjo do Senhor de que o tempo
da impiedade apocalíptica não ocorreria durante o seu reinado. Assim
confortado, ele morreu em paz (6). A expectativa de calamidades medo-
nhas foi de facto cumprida durante o reinado do tirano Focas (602-610),
seguidas pela guerra desesperada entre os impérios romano e persa e o
cerco de Constantinopla pelos Ávaros (626). Todos os sinais apontavam
para a catástrofe final. Uma profecia atribuída ao rei persa Cósroas II,
proclamava que a supremacia «babilónia» sobre os Romanos duraria pelo
menos três «hebdómadas» a partir do ano 59 l (por outras palavras, até
612), depois do que, na quinta «hebdómada» (619-626), os Romanos
derrotariam os Persas; «e quando estas coisas tiverem acontecido, o dia
sem noite amanhecerá sobre os homens» (7). Por uma coincidência maior,
as campanhas de Heraclio contra a Pérsia duraram seis anos, como os Seis
Dias da Criação. O seu regresso triunfal à capital (628) corresponde ao
domingo divino (8) e foi seguido por aquilo que apenas pode ser interpre-
tado como um acto apocalíptico deliberado: Heraclio viajou para Jerusa-
lém para dar graças a Deus e restituiu ao monte Gólgota a relíquia, mira-
culosamente «inventada», da Cruz Verdadeira. Não ficou lá por muito
tempo.
Quem quer que tenha posto a circular a profecia de Cósroas II não
sabia que a sua quinta «hebdómada» correspondia, na verdade, a um
acontecimento de magnitude cósmica, o ano da Hégira. O advento vito-

235

t ;'
BIZÂNCIO. 0 IMPÍiRIO DA NOVA ROMA

rioso dos Árabes não tinha sido previsto, explicitamente, na literatura


apocalíptica, mas quando o califa Omar entrou em Jerusalém com a sua
capa de pêlo de camelo imunda e pediu para ser conduzido ao local do
Templo de Salomão, onde poderia construir uma casa de oração da sua
própria «blasfémia», o patriarca Sofrónio não conseguiu deixar de excla-
mar: «Na verdade esta é a abominação da desolação que está no local
sagrado, como afirmado pelo profeta Daniel!» (9) O Anticristo tinha apa-
recido; e se não era da tribo de Dan, era, de qualquer forma, um descen-
dente de Ismael. Os Árabes eram um povo bíblico enviado por Deus para
representar as calamidades dos «últimos dias». É verdade que o seu domí-
nio tinha sido visto a durar mais do que os esperados três anos e meio, mas
não poderia ser de longa duração. A única pergunta era: quanto tempo?
Não muito, porque o fim está perto «e não resta muito tempo». Assim
escreveu, no terceiro trimestre do século VII. um monge da Mesopotâmia,
o autor da chamada Revelação de Metódio de Patara ( 10). Este texto,
originalmente composto em siríaco, rapidamente traduzido para grego e
latim, estava destinado a exortar uma profunda influência no pensamento
escatológico da Idade Média - de facto, o seu impacto pode ser traçado
até ao século XIX; e isto apesar da Revelação ter sido produzida numa
remota parte do mundo, em resposta à situação difícil da Igreja jacobita
sob domínio muçulmano. O autor ficou escandalizado com a atitude de
muit~s dos seus correligionários que tinham procurado alojamento junto
dos Arabes, negado mesmo a sua fé. Parece que alguns deles viraram
as suas esperanças para o rei da Etiópia que era, na altura, o único
governante independente da fé monofisita, e isto com referência ao
Salmo 68, 31, «A Etiópia estenderá as mãos para o Senhor». A possibili-
dade de uma intervenção da Etiópia na Mesopotâmia era, assumidamente,
muito remota; em vez de esperar que isto acontecesse, o nosso autor
batalhou para mostrar que a salvação viria de Bizâncio, que era, por assim
dizer, o mesmo que a Etiópia. Ele justificou esta visão surpreendente com
as seguintes considerações. Filipe da Macedónia tinha casado com
Chuseth (isto é Olímpia), filha de Phol, rei da Etiópia. Depois da morte de
Filipe, Chuseth voltou para casa e foi dada em casamento a Bizas, rei de
Bizâncio. Tiveram uma filha, chamada Bizância, que casou com Rómulo
Arquelau (ou Armaleios), rei de Roma, e recebeu essa cidade como
prenda de casamento. Rómulo e Bizância tiveram três filhos: Arquelau
(ou Armaleios), que reinou em Roma, Urbano que reinou em Bizâncio, e
Cláudio que reinou em Alexandria. Assim, o Império dos Romanos e dos

236

• i
0 FUTURO DA HUMANIDADE
I
Gregos provou ter origem etíope, e foi esse Império que iria manifesta-
mente «estender as suas mãos para Deus».
Depois de fornecer esta demonstração e alguns outros factos da histó-
ria universal, o nosso autor continua a descrever a devastação causada
pela conquista árabe e equipara a miséria do seu tempo ao «declínio» que
havia sido previsto por São Paulo. Mas, depois do domínio árabe ter
durado setenta e sete anos (ou dever-se-á ler sete vezes sete?), surgirá «um
imperador dos Gregos, isto é, dos Romanos», que «acordará como que do
sono, e como um homem que tivesse bebido vinho» (S. 78, 65). Castigará
os Árabes e impor-lhes-á uma pesada opressão. Então todos voltarão a
casa, seja ela na Cilícia, lsáuria, África, Grécia ou Sicília: a Arábia será
devastada e o Egipto queimado. Então a paz reinará: as cidades serão
reconstruídas; as pessoas vão comer e beber, casar e dar em casamento.
Mas não durante muito tempo: pois agora Gog e Magog vão fugir das
Portas do Cáspio e invadir as terras orientais, no caminho até Joppa, onde
o arcanjo do Senhor os vai castigar. Então, o imperador romano conti-
nuará para Jerusalém e habitará lá dez anos e meio; e o Anticristo vai apa-
recer, um homem nascido em Corazaim e criado em Betsaida (Mt. 11, 21).
O imperador vai subir o rochedo do Gólgota e colocar a sua coroa na
Cruz Verdadeira, e esta subirá aos céus. O Anticristo será enfrentado por
Enoque e Elias que ele matará, e ele próprio será destruído pelo Senhor.
Finalmente, o Filho do Homem aparecerá em julgamento.
A esperança de que o Império Árabe desmoronasse no século VII
pareceu, a certa altura, estar perto de se concretizar. A guerra civil árabe
(661-665), o fracassado ataque sobre Constantinopla (674-678) e as incur-
sões destrutivas dos Mardaítas na Síria e na Palestina poderiam ser confir-
madas com esta visão. Os Árabes tiveram que aceitar a paz em termos
desfavoráveis para o imperador Constantino IV e, como escreveu um
cronista, «havia uma grande tranquilidade tanto no Oriente como no
Ocidente» ( 11 ). Em breve, contudo, os Árabes estariam de novo na ofen-
siva. Não sabemos, em detalhe, como esta nova situação foi feita para se
encaixar na visão apocalíptica, excepto que a duração antecipada do
Império Árabe foi alargada gradualmente: no final do século VIII foi-lhe
atribuído um período de prosperidade e o poder avaliado num total de
cento e cinquenta e dois anos(l2). Cerca de 820, um profeta siciliano ficou
satisfeito por adaptar o Pseudo-Metódio, mas introduziu um novo porme-
nor, isto é, que o último imperador seria revelado em Siracusa. Enviaria
os seus emissários «para as regiões interiores de Roma e subjugaria as
l
1.
j
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1
237
l
, ..! .!
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

nações de cabelos louros, e juntos perseguiriam Ismael». Em Roma, o


imperador encontraria um tesouro enterrado, suficiente para pagar às suas
tropas, e depois marcharia por terra para Constantinopla. Então, apare-
ceria o Anticristo, etc. (13). Uma característica interessante desta profecia
é que atribui aos povos germânicos um papel no esquema escatológico.
As «nações de cabelos louros» estavam destinadas a ter um papel impor-
tante na última profecia bizantina: por vezes identificadas com os Ociden-
tais, outras vezes com os Russos.
Temos mencionado que os apocalipses provinciais não reflectem, na
totalidade, o estatuto engrandecido de Constantinopla no plano místico.
Esta alteração da importância, confirmada pela transferência da Cruz
Verdadeira para a capital, deve ter ocorrido durante os séculos das trevas:
agora Constantinopla aparece como a Nova Jerusalém, o repositório das
mais preciosas relíquias da Cristandade. Para uma explicação desta visão
alterada é necessário olhar para a Vida de Santo André, o Louco, que eu
atribuiria ao início do século VIII, apesar de habitualmente ser datada dos
séculos IX ou X. Crê-se que Santo André, que pertenceu à classe dos
santos loucos, tenha vivido no século v, mas é pouco provável que tenha
sequer existido; nem é clara qual a intenção que inspirou a composição da
sua longa Vida. De qualquer forma, este texto veio a ter imensa populari-
dade, o que se deve, em grande parte, à secção escatológica que contém.
A última é apresentada na forma de conversa entre André e o seu discí-
pulo Epifânio. Sem oferecermos uma tradução literal, resumiremos os
seus pontos principais (14).
O discípulo iniciou a conversa perguntando: «Dizei-me, por favor,
como é que o fim deste mundo vai chegar? Através de que sinal saberão
os homens que a consumação está próxima? Como é que esta cidade, a
Nova Jerusalém, desaparecerá, e o que vai acontecer às igrejas sagradas
que estão aqui, às cruzes e aos ícones venerados, aos livros e às relíquias
dos santos?»
O homem santo respondeu:

Em relação à nossa cidade deveis saber que até ao final dos tem-
pos não temerá qualquer inimigo. Ninguém a tomará - longe disso.
Pois fora confiada à Mãe de Deus e ninguém a retirará das suas mãos.
Muitas nações baterão com força nas suas muralhas, mas quebrarão
as suas trombetas e partirão envergonhadas, enquanto ganhamos
muita riqueza com elas.

238
0 FUTURO DA HUMANIDADE

Ouve agora sobre «os inícios das lamentações» e o fim do mundo.


Nos últimos dias, o Senhor vai elevar um imperador da pobreza e ele
caminhará com justiça: colocará um fim em todas as guerras, enri-
quecerá os pobres e será como nos dias de Noé. Pois os homens serão
ricos, viverão em paz, comendo e bebendo, casando e dando em
casamento. A partir daí o imperador virará a sua face para o Oriente
e humilhará os filhos de Hagar [os Árabes], pois o Senhor ficará
muito zangado com a sua blasfémia. O imperador aniquilá-los-á e
consumirá os seus filhos com o fogo. Recuperará novamente a Ilfria
ao Império Romano e o Egipto trará o seu tributo mais uma vez.
Colocará a sua mão direita sobre o mar e subjugará as nações dos
louros, e humilhará todos os seus inimigos. O seu reinado durará
trinta e dois anos. Nesses dias, todo o ouro escondido será revelado
pelo desejo de Deus e o imperador espalhá-lo-á entre os seus súbditos
em enormes quantidades, e todos os seus nobres se tornarão como
imperadores na riqueza, e os pobres como os nobres. Com grande
zelo, perseguirá os Judeus, e nenhum ismaelita será encontrado nesta
cidade. Ninguém tocará lira nem cítara, nem cantará canções, ou
cometerá qualquer outro acro vergonhoso; pois ele abominará tais
homens e erradicá-los-á da Cidade do Senhor. E haverá grande
alegria, como nos dias de Noé antes do Dilúvio.
Quando o seu reinado tiver terminado, estabelecer-se-á o «início
das lamentações». Depois, o Filho da Injustiça aparecerá e reinará
nesta cidade crês anos e meio, e fará com que seja feita canta maldade
como nunca foi cometida desde o início do mundo. Decretará que os
pais se deverão deitar com as suas filhas e as mães com os seus filhos,
e irmãos com irmãs, e quem quer que se recuse a fazê-lo será punido
com a morte. O fedor e a abominação surgirão perante o Senhor que
ficará cruelmente encolerizado, e Ele mandará os seus trovões e raios
para castigar a cerra. Muitas cidades serão queimadas e os homens
ficarão paralisados com medo.
A partir daí outro imperador reinará sobre esta cidade e rene-
gará Jesus Cristo. Lerá os escritos dos pagãos e converter-se-á ao
paganismo. Queimará as igrejas e chamará à Cruz que dá a· vida
cadafalso. Nesses dias haverá trovões temíveis nos céus e violentos
terramotos que farão com que as cidades caiam. Nação erguer-se-á
contra nação, e reis contra reis, e haverá aflição e lamentações na
cerra.

239

BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Quando este reino ímpio tiver acabado, um imperador virá da


Etiópia e reinará doze anos em paz, e reconstruirá as igrejas dos
santos em ruínas. E depois, um outro imperador virá da Arábia e
reinará um ano. Durante o seu reinado, os fragmentos da Cruz
Verdadeira serão reunidos novamente e ser-lhe-ão dados. Ele irá para
Jerusalém e aí depositará a cruz, pondo a sua coroa por cima,
entregando a sua alma.
Logo após, três jovens tontos chegarão a esta cidade e reinarão
em paz cento e cinquenta dias, depois dos quais se zangarão uns com
os outros e farão uma guerra civil. O primeiro irá para Tessalonica e
alistará os seus habitantes com idades superiores a sete anos,
incluindo padres e monges. Construirá grandes navios e rumará a
Roma, e recrutará as nações dos louros. O segundo jovem irá para a
Mesopotâmia e para as Cidades e, também ele, alistará os padres e os
monges. E depois irá para o ponto central da terra ou, como outros
dizem, para Alexandria, e aí esperará pelos seus companheiros.
O terceiro erguerá um exército na Frígia, Cária, Galácia, Ásia,
Arménia e Arábia, e entrará na cidade de Sylaion [na costa sul da Ásia
Menor], que não será capturada por ninguém até ao final dos tem-
pos. Quando os três se encontrarem, travarão urna grande batalha
uns contra os outros, e cortar-se-ão em pedaços, como ovelhas num
matadouro. Todos os três reis serão mortos, e o sangue dos Romanos
correrá em ribeiros. Nenhum deles sobreviverá. Então, todas as
mulheres tornar-se-ão viúvas; sete mulheres procurarão um homem e
não o encontrarão. Abençoados serão aqueles que servem o Senhor
em montanhas e grutas e que não verão estes demónios.
Uma vez que não terá restado nenhum homem da nobreza, uma
plebeia chegará ao Ponto e governará esta cidade. Nesses dias haverá
conspirações e massacres em todas as ruas e em todas as casas: os
filhos matarão os seus pais, e as filhas as suas mães. Nas igrejas haverá
depravação e matanças, música, danças e jogos, como nenhum
homem viu antes. Esta rainha impura transformar-se-á a si própria
numa deusa e lutará contra o Senhor. Manchará os altares com
esterco e juntará todos os navios sagrados, os ícones dos sancos, as
cruzes, os evangelhos e todos os livros escritos, fará uma grande pilha

- e queimá-los-á. Procurará as relíquias dos santos para as destruir, mas


não as encontrará; pois o Senhor, invisivelmente, retirá-las-á desta
cidade. Destruirá a mesa do altar de Santa Sofia e, virada para o

240
0 FUTURO DA HUMANIDADE

Oriente, dirigir-se-á ao Mais Elevado com palavras como estas:


«Fui ociosa, Ó tão chamado Deus, ao apagar a Vossa Face da Terra?
Vê o que Vos fiz, e Vós não fostes capaz de tocar nem num fio do
meu cabelo. Esperai um pouco e derrubarei o firmamento, subirei até
Vós, e veremos quem é o mais forte.»
Então, o Senhor, muito zangado, esticará a Sua mão. Agarrará a
sua force foice e cortará a terra desde a parte debaixo da cidade, e
ordenará às águas que a engulam. Com um grande impacto, as águas
brotarão para diante e elevarão a cidade a uma grande altura,
rodando-a como uma mó de moinho, e depois atirá-la-ão para
baixo e afundá-la-ão no abismo. Desta forma a nossa cidade chegará
ao fim.

Depois, Santo André considera o problema se, em relação à destruição


do reino dos pagãos, os Judeus serão reunidos em Jerusalém e se poderão
reinar até ao fim do sétimo milénio. Ele está inclinado a acreditar que se
reunirão, mas para serem punidos em vez de recompensados. Contudo,
Epifânio não está interessado na fé dos Judeus. «Deixai estas coisas de
lado», diz ele, «e dizei-me, ó pai, se Santa Sofia vai ser engolida junta-
mente com a cidade, ou se, como algumas pessoas afirmam, ficará sus-
pensa no ar por uma força invisível.» «O que dizes meu filho?», responde
o santo. «Quando toda a cidade se afundar, como é que Santa Sofia
permanecerá? Quem precisará dela? Certamente, Deus não habita em
templos feitos pela mão. A única coisa que permanecerá será a coluna do
Fórum, uma vez que contém os Pregos da Cruz. Os navios que passam
ficarão atracados a esta coluna. Durante quarenta dias a cidade será
chorada, e depois o Império será dado a Roma, Sylaion e Tessalonica, mas
apenas por pouco tempo, uma vez que o fim estará perto .. Nesse mesmo
ano Deus abrirá as Portas do Cáspio e as nações impuras. setenta e dois
reinos delas, jorrarão por toda a terra. Comerão carne humana e beberão
sangue humano; até cães, ratos e sapos os consumirão com prazer. O sol
t~ansformar-se-á em sangue e a lua será escurecida. Os habitantes da
Asia fugirão depois para as Cíclades e lá chorarão durante seiscentos e
sessenta dias. Finalmente, o Anticristo chegará da tribo de Dan. Não
nascerá naturalmente, mas Deus libertá-lo-á do Inferno. e moldur-lhc-é
um corpo impuro. O seu advento será anunciado por Elias, Enoque e São
João, o Evangelista. O Anticristo matã-los-ã e fará uma guerra terrível
contra Deus. Abençoados aqueles que sofrerem por fé naqueles dias.»

241 I
1
1111

BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Naturalmente, o Anticristo será derrotado e arrastado de volta para o


Inferno. A trombeta soará, Deus aparecerá em Sião e o Julgamento terá
lugar.
Tal é a perspectiva do coalho de sangue descrito por Santo André,
o Louco. É uma miscelânea de elementos que, nesta altura, se terão
tornado familiares para o leitor. Colocando de lado várias características,
que são típicas da mentalidade bizantina (desaprovação da música e dos
jogos, um horror de relações sexuais e o incesto, em particular), podemos
notar que os Árabes são olhados como o principal inimigo sem serem,
aparentemente, muito temidos. Santo André não prevê um período de
supremacia árabe: pelo contrário, serão rapidamente derrotados. No
entanto, a subjugação do inimigo não abre um período de felicidade e
tranquilidade. A soma total dos anos de prosperidade que podem ser
esperados na terra acresce a quarenta e cinco; o resto será um conto de
carnificina dura e destruição. Também podemos comentar a pouca
abertura da visão geográfica de André: ele está ciente de certas cidades
periféricas como Roma, Tessalonica e Sylaion, cujos habitantes esca-
parão das calamidades que têm lugar no centro da história, mas essen-
cialmente apenas está preocupado com o destino de Constantinopla. E em
Constantinopla estão as relíquias dos santos e da Paixão, mais do que as
igrejas ou os ícones, que constituem o principal objecto da preocupação
de Deus.
Fomos ensinados a olhar para a segunda metade do século X como
marcando o apogeu da Bizâncio medieval, no entanto mesmo nesses dias
de sucesso militar muitos povos permaneceram profundamente pessimis-
tas. O historiador Leão, o Diácono, que decidiu registar em crónica, para
o bem da posteridade, todas as coisas terríveis que havia testemunhado,
nem sequer tinha a certeza de que haveria uma posteridade: Deus poderia
decidir interromper aqui e ali o «navio da vida»(IS). Um pouco antes,
Nicetas David, o Pajlagónio, tinha conseguido demonstrar, através de
uma contagem, de certa forma obscura, que o mundo acabaria em 1028.
Da «semana cósmica» apenas restavam seis horas e oito minutos: a pro-
posição de que o final dos dias estava próximo era tão óbvia que não
precisava de demonstração, sendo confirmada pela loucura dos imperado-
res, a corrupção dos magistrados e a absoluta falta de dignidade de bispos
e monges(16). Contudo, as pessoas comuns não faziam contas. Em vez
disso, olhavam para os monumentos enigmáticos da sua cidade, as está-
tuas, os arcos e colunas triunfantes sobre os quais estavam retratadas
(

J
242
0 FuTURO DA HUMANIDADE

cenas de guerra e cativeiro. Estavam convencidos de que estas tinham


sido feitas por antigos «filósofos», que previram deste modo a queda de
Constantinopla e o fim do mundo. Durante algum tempo até pensaram
(presumivelmente depois do ataque de Igor, de 941) que a cidade estava
destinada a ser capturada pelos Russos ( 17).
Não precisamos de seguir, passo a passo, os desenvolvimentos seguin-
tes do pensamento escatológico bizantino. No período comneno afirmou-
-se que Constantinopla não atingiria a idade de mil anos, e que cairia antes
de 1324, calculando desde a data da sua fundação ( 18). O mesmo período
produziu um conjunto de profecias dinásticas, que mais tarde circularam
sob o nome do imperador Leão, o Sábio (886-912) e serviriam como pro-
tótipo das profecias papais atribuídas a Joaquim de Fiore. Estas previam
uma sucessão de cinco imperadores, que seriam seguidos por uma divisão
do Império e depois o seu ressurgimento (19). No final do século XII
parecia haver uma grande preocupação com o «rei libertador», o mesmo
que já conhecemos na Vida de Santo André, o Louco - o rei que estava
destinado a reinar trinta e dois anos e derrotar os Ismaelitas: Isaac II
Ângelo ( I 185-1195), que fantasiosamente se identificava com esta
figura(2º). Compreensivelmente, quando Constantinopla caiu nas mãos
dos cruzados e o Império foi desmembrado, o mito do «rei libertador»
assumiu ainda uma maior relevância: é um tema constante na grande
eflorescência de escrita oracular, que ocorreu no final do século XIII, em
parte como reacção à traição da fé ortodoxa pelo imperador Miguel VIII
Paleólogo no Concílio de Lião ( 1274). Aqui está uma profecia típica desta
época que mostra como, mais uma vez, os elementos tradicionais foram
reinterpretados para se adequarem a uma realidade em mudança.

Assim disse o Deus Todo-Poderoso: «Que infelicidade a Vossa,


Cidade das sete colinas, quando o ceptro dos anjos [significando a
dinastia dos Ângelos] reinar sobre vós! Constantinopla será rodeada
por tropas e cairá sem resistência [em 1203]. Uma criança reinará
agora na Cidade [o jovem Aleixo IV]. Ele colocará as suas mãos nos
santuários sagrados e dará os navios sagrados aos filhos do Interno
[Aleixo foi forçado a confiscar pratas da igreja para restituir aos
cruzados e aos Venezianos]. Então a serpente adormecida acordara,
castigará a criança e tomará a sua coroa. A nação dos cabelos louro. ~
reinará em Constantinopla sessenta e cinco anos [na l't.'alidad<."
cinquenta e sete].

243
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

Até aqui tem sido história passada; começa agora a profecia. As


nações do Norte marcharão para baixo e travarão uma grande guerra com
as nações do Sul. As ruas de Constantinopla serão inundadas com sangue.
Sendo este castigo considerado suficiente, um velho homem, vestido
imundamente, será encontrado do lado direito de Constantinopla (possi-
velmente uma referência ao legítimo imperador aprisionado João IV
Láscaris). Os anjos vão coroá-lo em Santa Sofia e dar-lhe uma espada,
dizendo: «Tem coragem, João, e conquista o inimigo!» Ele derrotará os
Ismaelitas e levã-los-á à «árvore erma» (isto é, ao fim do mundo). No seu
regresso, os tesouros da terra serão revelados e todos os homens se
tornarão ricos. Reinará trinta e dois (ou, nalgumas versões, doze) anos.
Vai prever a sua própria morte, irá para Jerusalém e entregará a sua coroa
a Deus. Depois dele reinarão os seus quatro filhos, um em Roma, um em
Alexandria, um em Constantinopla e um em Tessalonica. Eles lutarão entre
si e serão destruídos. Depois, uma mulher louca reinará em Constantinopla.
Profanará as igrejas e, como punição, a cidade será inundada, e apenas
restará a Colina Seca (a Xerolophos ou sétima colina), projectando-se da
água Tessalonica reinará por um curto período de tempo, mas também ela
será inundada, assim como Esmirna e Chipre. Então o Anticristo reinará três
anos e meio, e exaltará os Judeus e reconstruirá o Templo de Jerusalém.
Deus conterá a chuva e queimará a terra até uma profundidade de treze
côvados. Os céus abrir-se-ão e Cristo virá na sua glória (21 ).
Mais uma data para o fim do mundo foi deixada de reserva, a saber, o
fim do sétimo milénio que, pela contagem dos Bizantinos, corresponde a
1492 d.C. Quando os habitantes de Constantinopla viram o avanço con-
tínuo dos Turcos Otomanos, não conseguiram deixar de acreditar que
nesta altura todos os sinais apontavam, de forma inequívoca, para a catás-
trofe final. Este reparo foi insistentemente pronunciado, entre outros, pelo
popular pregador José Briénio. O líder da facção antilatina em Constan-
tinopla, Genádio Scolário, estava convencido que o mundo acabaria em
1493-1494 (ele contou desde 5506 a.C.), e foi provavelmente esta crença
que fez com que aceitasse de Mehmed, o Conquistador, a tarefa de liderar
a comunidade ortodoxa. A disputa da terra estava quase acabada e as
recompensas dos céus à vista. A única coisa que importava agora era
manter a fé de cada um imaculada. Abençoados são aqueles que mantêm
a sua fé durante os últimos sofrimentos (22).
Porque é que a cidade tinha caído? Esta era a questão agonizante que
os sobreviventes gregos continuavam a perguntar-se, enquanto tentavam,

244
0 FUTURO DA HUMANIDADE i
1
desesperadamente, salvar os seus parentes e estabelecer relações de tra-
balho com os seus novos mestres. Um sacerdote que escreveu a 29 de
Julho de 1453 - exactamente dois meses depois do desastre - pede a um

amigo na cidade de Ainos (a actual Enez): «Eu imploro-vos, meu bom /
Senhor, que me envieis o livro de São Metódio de Patara, um exemplar
velho ou novo, se por acaso tiverdes um. Por favor, não negligencieis este
pedido, pois preciso realmente dele. Também vos imploro que me envieis,
se conseguirdes encontrar, algumas ovas de peixe seco» (23). O ano profé- !
J
tico de 1492 chegou e passou. O mundo continuou a existir.
O drama final da história humana, que Deus «pelo Seu julgamento
i
inescrutável» continuou a adiar, seria o Segundo Advento - e pode fazer-
-se aqui uma pausa para perguntar como se esperava que isto acontecesse.
Aqui deve-se seguir a visão exacta deste acontecimento, contida na Vida
de Basüio, o Jovem (século X), cujo discípulo, de nome Gregório, foi
transportado para o céu e, por assim dizer, foi-lhe concedida uma «visão
antecipada» especial. Tirando partido da vantagem de estar num ponto
elevado, Gregório viu primeiro uma cidade construída com ouro e pedras
preciosas. Era tão grande como o círculo do firmamento; as suas paredes
tinham trezentos côvados de altura e doze portões, todos fechados com
segurança. Esta era a Nova Sião, que Cristo tinha construído, depois da
sua encarnação, como um local de descanso para os Seus apóstolos e
profetas. Depois de certos preparativos terem sido feitos pelos anjos,
abriu-se um orifício nos céus e uma coluna de fogo desceu à terra. Ao
mesmo tempo um anjo foi enviado a Satanás (o Anticristo), que havia
reinado três anos na terra. O anjo tinha um pergaminho em fogo, no qual
estava inscrita uma missiva do Senhor, ordenando a Satanás que limpasse
todo o mal e corrupção que tinha causado, e que depois partisse para o
Inferno. Então, o arcanjo Miguel e outros doze anjos fizeram soar as suas
trombetas e a morte chegou. Todos pareciam iguais, por outras palavras,
não havia diferença entre homens e mulheres, nenhum sinal de idade, e
mesmo as crianças foram transformadas em adultos. Alguns, todavia,
tinham faces resplandecentes e inscrições luminosas nas sobrancelhas,
expressando as suas respectivas qualidades, enquanto os pecadores esta-
vam cobertos de sujidade e esterco, com lama e cinzas, ou com as erup-
ções da lepra, cada um de acordo com o seu pecado. Havia ainda alguns
que pareciam animais - esses eram os idólatras que nunca tinham ouvido
falar de Cristo ou Moisés. Os pecadores, como o justo, estavam identifi-
cados pela inscrição, e entre eles encontravam-se os heréticos - arianos,

245
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

maniqueístas, paulicianos, iconoclastas, jacobitas e muitos outros. Nessa


altura já o trono do Senhor estava preparado: não na terra, mas suspenso
no ar, e perto dele colocara-se uma cruz à vista da qual os Judeus e os
Ismaelitas ficaram petrificados com medo. Quatro contingentes de anjos
tomaram o seu lugar nos quatro pontos cardeais e outro contingente nos
quatro cantos da terra. Depois Cristo apareceu numa nuvem e os virtuosos
desenvolveram asas e foram ao seu encontro no ar. Quando Cristo se
sentou no Seu trono, a terra rejuvenesceu e o firmamento ficou novo: as
estrelas dissiparam-se, uma vez que o seu lugar tinha sido tomado pelos
santos e o sol desapareceu, pois Cristo era o novo sol. Em vez do oceano,
apareceu um rio em chamas para correr por todo o lado. Depois os anjos
colocaram-se a ocidente, rodearam todos os idólatras, e todos aqueles que
não tinham tido qualquer conhecimento de Deus, e lançaram-nos na
corrente de fogo. Apenas restavam para ser julgados os Israelitas, os cris-
tãos e os membros «das nações» que não tinham adorado ídolos. Os justos
foram, então, colocados à direita de Cristo, e os pecadores, um grupo
esmagadoramente maior, à esquerda. Desde os tempos de Adão aos de
Abraão, apenas um em vinte mil ou um em quarenta mil foi salvo: desde
Abraão até à Encarnação um em mil, ou mesmo um em dez mil; e do
tempo da afirmação de Cristo em diante um em três, ou um em quatro.
Então, Cristo levou todos os justos em procissão até à Cidade Celeste.
A Virgem Maria vinha primeiro, depois João Baptista, os apóstolos, os
mártires e os confessores, os profetas e os bons reis dos Judeus. e por aí
adiante. Entre os grupos maiores dos justos estavam os pobres de espírito,
os penitentes, os misericordiosos, os pacificadores, os que foram perse-
guidos e aqueles que haviam mantido a sua virgindade. Os grupos mais
pequenos incluíam membros «das nações» que tinham vivido antes do
advento de Cristo, os santos loucos, os juízes justos, e aqueles que manti-
veram o seu casamento imaculado.
Era agora tempo de lidar com os pecadores. Primeiro foram separados
por períodos (de Adão ao Dilúvio, de Noé a Moisés, etc.), e depois por
categorias. Mais uma vez, cada categoria é listada com uma indicação
do seu tamanho relativo - um comentário interessante da vida bizantina.
O maior grupo de todos, composto tanto pelo clero como pelos leigos, era
o dos libertinos (asôtoi): essas eram as pessoas que costumavam andar a
cavalo ou em mulas gordas, que compravam muitos trajes, investiam em
casas luxuosas e propriedades no campo, os alcoólicos, os fornicadores e
os adúlteros. Eram seguidos por muitos monges que tinham demonstrado

246
0 FUTURO DA HUMANIDADE

indiferença, preguiça, avareza e desobediência - de facto, diz-se que


quase toda a raça de monges se afundara num declínio sem esperança, nos
últimos estádios da história humana. Outros grandes grupos eram os
mágicos, os pederastas e os sodomitas, os ladrões (quase infinito em
número), os irados, os invejosos, os gárrulos e, é claro, os hereges e os
judeus (excepto aqueles que haviam seguido a lei de Moisés antes da
Encarnação). Graças à intervenção da Virgem Maria, dois grupos de
tamanho médio foram no último momento salvos da condenação, sendo- i
-lhes dada residência - claro que não na Jerusalém sagrada, mas nos seus
subúrbios menos desejados. Esses eram as crianças não baptizadas dos
cristãos e aqueles que não tinham sido nem bons nem maus.
O passo seguinte foi a investidura dos justos, conduzida por Cristo
numa igreja enorme situada dentro da Cidade Celeste. Tronos, coroas e
I
1

trajes de púrpura foram conferidos aos santos, da mesma forma que o


imperador bizantino concedeu altos cargos aos seus oficiais. A investidura
foi seguida por um serviço litúrgico e o serviço por um banquete espiri-
tual. Finalmente, todos os justos se acomodaram na sua nova e eterna
rotina. Um «reino superior» fora estabelecido, a oriente da Cidade, como
habitação para Cristo, a Virgem Maria, João Baptista e os santos que
tinham asas suficientemente fortes para viajar até lá; os restantes per-
maneciam na Cidade que tinha casas, igrejas, capelas, jardins e outras
instalações. Em resumo, não tanto uma Nova Jerusalém, mas uma Nova
Constantinopla (24).
A ênfase que demos às ideias bizantinas sobre o futuro da humanidade
e o Segundo Advento mostra, por todas as reinterpretações graduais
sofridas, uma notável adesão ligada às suas origens bíblicas. Seria um erro
relegar tais ideias para a esfera da fantasia e os contos de velhas mulhe-
res: pois, à parte a própria Sagrada Escritura, dificilmente qualquer outra
categoria de literatura era lida avidamente pelo homem comum, como
textos do oráculo. Eles forneciam uma chave para a compreensão da men-
talidade bizantina e, como tal, merecem a atenção do historiador. Provam,
antes de mais, que não se esperava na terra nenhuma felicidade ou
satisfação duradoura. O propósito dos «últimos dias» era sujeitar os cris-
tãos a uma série de testes cruéis, de forma a separar os eleitos dos peca-
dores. Uma vez que o Messias já tinha vindo, não poderia haver uma
idade messiânica no futuro. O Apocalipse de São João, o único livro
bíblico que olha mais além, até mil anos de felicidade antes do fim do
mundo, não tinha estatuto canónico em Bizâncio e, por isso. não era tido

247
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

em conta a este respeito. Outra característica impressionante da profecia


bizantina refere-se à ausência de qualquer espírito nacional. Assumida-
mente, o âmbito geográfico dos oráculos tendia a encolher, até estar prati-
camente limitado aos destinos de Constantinopla, mas isso era meramente
um sinal de miopia. Preocupados com os seus próprios problemas, os
habitantes do diminuído Estado bizantino não tinham a visão de abraçar
toda a humanidade. A satisfação dos seus anseios consistia na destruição
simultânea dos Ocidentais e dos Ismaelitas (agora identificados com os
Turcos). Mesmo assim, o «rei libertador» não seria conduzido ao seu
lugar num período de renascimento nacional; ao vingar ofensas bizantinas
introduziria o fim do mundo. Foi apenas depois da queda de Constan-
tinopla, de facto bastante tempo depois, que o libertador, o imperador
«que tinha estado adormecido», ou «transformado em mármore», assumiu
o papel de um herói nacional que conduziria os Turcos para fora de
Constantinopla, substituiu a cruz na cúpula de Santa Sofia e estabeleceu
u~ Estado grego.

248
Capítulo 12

A Vida Ideal

Como deveria ser conduzida a vida na terra com o inevitável fim do


mundo à vista? Após o advento de Cristo, a humanidade atingira a sua
maturidade, e isso significava que estavam em vigor padrões de compor-
tamento mais rígidos do que aqueles que tinham sido aceitáveis durante a
lei anterior. Nos tempos do Antigo Testamento fora permitida alguma
licença. Noé pode ter sido um homem justo e perfeito na sua própria gera-
ção, mas agora já não seria considerado perfeito. Nessa altura era sufi-
ciente cumprir a Lei; agora a admissão ao Céu estava barrada, a não ser
que se excedesse a justiça dos escribas e dos fariseus (Mt, 5, 20). Não
apenas assassinato, como tinha sido o caso antes, mas mesmo a ira e a
linguagem abusiva eram agora causas de perdição; não apenas adultério,
mas mesmo um olhar lascivo, de soslaio, lançado a uma mulher; não
apenas perjúrio, mas a blasfémia de todos os juramentos ( 1 ).
Para alcançar a perfeição um homem tinha de vender os seus bens,
distribuir os lucros pelos pobres e renunciar ao mundo, tanto material
como espiritualmente - em suma, tomar-se monge. Contudo, uma vez
que a maioria das pessoas era demasiado fraca, ou indolente, para seguir
este difícil caminho, fora estabelecido um método para viver em socie-
dade. O seu princípio básico era o de ordem (kosmos, taxis, eutaxia). Deus

249
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

havia comprimido o universo de uma forma ordenada e era Seu desejo que
a vida humana fosse levada com o mesmo espírito (2). Observando o
princípio da ordem divinamente apontada, tanto nas relações sociais como
na esfera privada, sujeitamo-nos à harmonia do universo: a vida na terra,
com todas as suas imperfeições inerentes, assume semelhanças com a
vida no Céu.
Tal como o universo é regido, monarquicamente, por Deus, também a
humanidade é governada pelo imperador romano. A encarnação de Cristo,
como já realçámos, foi providencialmente regulada para coincidir com a
construção do Império Romano, que colocou um fim nas divergências e
guerras, isto é, na desordem causada pela partilha de poder entre vários
Estados autónomos (polyarchia) (3). Deus não só ordenou a existência do
Império, mas também escolheu cada um dos imperadores, sendo essa
a razão pela qual não foram formuladas quaisquer regras humanas para a
sua nomeação. Isto não significa que o imperador fosse sempre um bom
homem: Deus, na Sua sabedoria, pode, deliberadamente, seleccionar um
mau imperador de forma a punir a humanidade pelos seus pecados(4).
As alternativas para legitimar o governo do imperador eram a usurpação
(tyrannis) e a anarquia. Um tyrannos era alguém que se tentava tornar
imperador em oposição ao desejo de Deus e, consequentemente, falhava;
pois se ele tivesse sucesso era porque Deus estava do seu lado, deixando
ele de ser um usurpador. A ausência de autoridade única ou regras da
plebe (dêmokratia) equivalia à confusão.
Deus rege a humanidade inspirando medo do Inferno e prometendo
recompensa no Céu (5), por outras palavras, com um pau e uma cenoura.
Da mesma forma, o imperador governa os seus súbditos pelo medo: os
seus inimigos são postos na prisão, expulsos, disciplinados pelo chicote,
privados da sua visão ou da sua vida. Mesmo os inocentes «servem-no
tremendo»: podem ser enviados para a batalha, ou ser-lhes dadas tarefas
desagradáveis, mas ninguém se atreve a desobedecer (6). Claro que é
preferível para o imperador governar súbditos ao seu dispor, e ao fazê-lo
deve manifestar certas qualidades que também são partilhadas por Deus.
Acima de tudo, deve amar os homens (philanthrôpos). Enquanto perma-
nece imponente, devido à sua autoridade, deve fazer-se a si próprio amado
pelo exercício da beneficência. Generosidade e clemência são espe-
cialmente apropriadas ao imperador, mas ele também deve insistir na
observância directa da lei (eunomia). Na sua própria pessoa deve ser auto-
comedido, circunspecto, resoluto em acção e lento na ira. O seu único

250
A VIDA IDEAL

cargo é, no entanto, definido, primeiro e principalmente, pela sua relação


com Deus, o único ser de quem ele precisa. O seu maior ornamento é, por
isso, a piedade (eusebeia) (7). Tem, por definição, fé em Cristo (pistas en
Christô) e ama a Cristo (philochristosy; sendo estes atributos expressos na
sua titularidade, como foi também a de ser vitorioso (nikétês, kal/inikos),
uma vez que a vitória lhe foi concedida pela sua piedade.
O imperador era sagrado (hagios) e habitualmente retratado com
uma auréola. O seu palácio era da mesma forma sagrado, domus divina,
rodeado por uma zona de protecção de «separação» (11am imperio magna
ab universis secreta debentur) (B). Quando aparecia em público, fazia-o
por intermédio de um cerimonial que era reflexo do trabalho harmonioso
do universo, sendo ele próprio sinónimo de ordem (ta.xis)(9). Os seus
súbditos comunicavam com ele através de aclamações rítmicas e repeti-
tivas como na divina liturgia, e quando eram recebidos em audiência
prostravam-se no chão. O que o imperador era para os seus súbditos, Deus
era para o imperador. Encontram-se, da mesma forma, desde o século VII
em diante, representações do imperador terreno executando o mesmo acto
de adoratio, ou proskynêsis, perante Cristo no trono.
Era o imperador também um padre, um segundo Melquisedeque? Tem
que se admitir que a sua posição em relação à Igreja não foi claramente
planeada na altura da conversão de Constantinopla e permaneceu, até ao
fim, algo ambígua: não foi delineada uma fronteira precisa entre imperium
e sacerdotium, um facto que muitas vezes levou a um conflito de jurisdi-
ção. No entanto, é justo dizer-se que, embora o imperador nunca tenha
exercido a função de padre de oferecer o sacrifício da eucaristia, e não
tenha definido, como regra, o dogma religioso, era encarado como sendo,
no fundo, o responsável por manter a pureza da fé, convocando concílios
ecuménicos da Igreja e reforçando a conversão dos hereges. A declaração
mais enfática da autoridade episcopal versus autoridade imperial, num
documento bizantino oficial, encontra-se, provavelmente, no código
legal de Basílio I, que se acredita ter sido inspirado pelo patriarca Fócio.
O patriarca de Constantinopla é aí descrito como a «imagem viva de
Cristo», e os seus objectivos como a preservação do povo ortodoxo, a
conversão dos hereges e até mesmo o incitar do infiel a tornar-se
«imitador» da verdadeira fé ( 10). Todavia, Leão VI, o sucessor de Basílio, ' 1
11

legislou apenas sobre assuntos eclesiásticos e até repreendeu o seu '


patriarca por não ter um papel mais activo nos assuntos que lhe diziam 1
j
respeito (11). •·

251
BIZÂNCIO. Q IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Em teoria, o imperador governava todos os homens ou, de qualquer


forma, todos os cristãos ortodoxos. A existência de governantes pagãos
não violava este postulado, pois desde que os pagãos continuassem sem
se converter estavam fora da esfera da Divina Providência, mas se adap-
tassem o cristianismo ortodoxo, reconheceriam ipso facto a derradeira
autoridade do imperador. Esta poderia ter sido uma aproximação plausível
da verdade, no Período Inicial bizantino, quando a estrutura da ideologia
imperial se juntou, mas tomou-se cada vez menos credível quando
apareceram outros Estados independentes cristãos durante a Idade Média.
A ficção da «família de príncipes», na qual o imperador bizantino
ocupava a mais alta posição, foi da mesma forma colocada em circulação
e cuidadosamente alimentada pelas prescrições do protocolo da corte.
É um comentário curioso sobre a incapacidade bizantina de repensar os
seus princípios, de que o mito imperial ainda estava exposto no final do
século XIV, quando o Império estava limitado ao território de Constan-
tinopla.
A autoridade do imperador era transmitida aos magistrados (archontes)
que nomeava. Vale a pena observar que o termo archõn, que não tem
equivalente preciso em português, indicava todas as pessoas investi-
das de um comando - militar, civil e, nalguns casos, mesmo eclesiástico.
O dever dos súbditos, de obedecer aos seus archontes, estava explicita-
mente declarado na Bíblia: «Pois não há poder senão o de Deus. Por isso
os que recusam o poder, recusam a ordem de Deus» (Rom. 13, 1-2): A neces-
sidade de tal obediência para o bem da ordem (eutaxia) e em deferência
para com ele, que nomeou o magistrado, o derradeiro Deus a agir através
do imperador, foi enfatizada pelos Padres da Igreja (12). Além disso, todos
sabiam que as pessoas poderosas eram como grandes peixes que engoliam
os peixes pequenos: nada havia a ganhar em opor-se-lhes ( 13).
A posição do clero, e especialmente dos bispos, no esquema da vida
ideal era tanto honrada como onerosa. Ordenado pela imposição das
mãos, como tinha sido Josué, por si só o padre tinha a faculdade de admi-
nistrar o baptismo, perdoar pecados e executar o sacrifício litúrgico. A sua
tarefa era instruir o seu rebanho e proteger os pobres - e instruir não
apenas através de palavras, mas dando também o exemplo. Uma vez
que era servo de todos tinha de ser humilde; uma vez que as suas imper-
feições eram evidentes para todos tinha de levar uma vida sem vergonha.
Precisava de ser experiente, paciente e vigilante; saber quem incitar e
quem reprimir, quem louvar e quem repreender. Apesar da sua dignidade

252
A VIDA IDEAL

ser exaltada - de facto, quando o espírito ultrapassa o corpo, também o


sacerdócio é maior do que a autoridade terrena - ele tinha de se lembrar
que no final apresentaria contas pelo seu posto e, como todos os homens,
corria o risco da condenação eterna (14).
Junto do clero, juízes, professores e médicos ocupavam postos de
responsabilidade peculiar. O juiz estava perto de ser um archôn, uma vez
que determinava a fé dos litigantes no seu tribunal. Precisava de formação
prévia e grande inteligência. Acima de tudo, tinha de manter na sua
mente a imagem da verdadeira justiça, como um atirador que dispara uma
seta a um alvo, e tratar todos de igual forma, fosse amigo ou estranho, rico
ou pobre - algo que, infelizmente, não acontecia frequentemente. Abs-
traído das aparências, tinha de olhar para os locais secretos do coração e
estava intimado a mostrar a nobre virtude de misericórdia (philanthrôpia)
e moderar o medo com clernênciat U). O professor, como o bispo, tinha
de dar um bom exemplo. Estando na posse de um dom, era obrigado a
dá-lo abundantemente àqueles que queriam aprender, mas ao fazê-lo tinha
muitas vezes que usar a vara(16). Os médicos parecem ter sido menos
considerados: as Vidas dos santos estão cheias de referências à sua
inutilidade e ganância, admitindo-se, abertamente, que em vez de curarem
o doente, era frequente agravarem o seu estado. Mesmo assim, o médico
experiente tinha um papel necessário, que era tanto físico quanto moral:
sabia como aplicar um tratamento gradualmente, de forma a produzir
melhores resultados, como administrar medicamentos amargos em
chávenas revestidas com mel e como infundir hábitos higiénicos nas
pessoas saudáveis mostrando-lhes os terríveis instrumentos do seu
ofício ( 17).
Entre os membros comuns da sociedade, os soldados e agricultores
eram os mais úteis. Sendo papel dos soldados manter a paz. eram bem
recompensados por meio de donativos. Era seu dever, como enfatizado
por São João Baptista (Lc. 3, 14), ficarem satisfeitos com o seu soldo e
não causar problemasj 'ê). A vida do soldado não era tão difícil como a do
agricultor, pois este tinha constantemente de labutar fizesse calor ou frio,
levantar-se da cama cedo e defender a sua cabana isolada. O solo que

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lavrava era muitas vezes pobre e rochoso, mas se tivesse sucesso e nasces-
sem frutos, a sua alegria era maior do que se tivesse cultivado um terreno
fértil (19). Por outro lado, os mercadores dedicavam-se a uma profissão
que rapidamente levava a actos imorais. Havia muita liberdade de acção
para se ser desonesto na compra e venda de produtos, e pedir emprestado

253
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

e emprestar a juros era um grande mal. Era nosso dever não virar as costas
a qualquer pessoa que nos pedisse emprestado (Mt. 5, 42), mas exigir
juros era proibido. Um homem sobrecarregado com um empréstimo não
tinha qualquer alegria na vida e nenhum descanso no sono. Via o seu
credor nos seus sonhos, odiava os dias e os meses que o aproximavam da
data de pagamento. Os empréstimos eram causa de mendicidade, ingra-
tidão e perjúrio. Era infinitamente melhor contentar-se com os seus
próprios meios, mesmo que fossem irrisórios. do que recorrer ao dinheiro
de outro homem (2º). No que diz respeito aos artesãos, estes praticavam
algumas técnicas úteis que haviam sido inventadas para todos. não tanto
pela mente humana. mas mais com a ajuda divina. Era inútil preocupar-se
com a visão da sua perfeição adicional (21 ).
Os escravos, que formavam o elemento mais baixo da sociedade,
tinham o dever absoluto, repetidamente enfatizado na Bíblia, de obedecer
aos seus mestres, mesmo que estes fossem cruéis. A instituição de
servidão era ela própria um mal, a consequência do pecado de Carn
(Gen. 9-25), pelo que se louvava dar alforria a escravos herdados. No
entanto, viver inteiramente sem eles dificilmente se tornaria praticável.
Um senhor era bem aconselhado a lavar os seus próprios pés, para ser
geralmente auto-suficiente. Não precisava de um criado para lhe entregar
as suas roupas, ou acompanhá-lo ao banho, mas era impensável um
homem livre cozinhar (22). Por outro lado, era impróprio que uma pessoa
comum comprasse um escravo apenas para o exibir. Em geral, os mestres
eram instados a tratar os seus escravos humanamente, e a não lhes bater.
Não se pode duvidar que o cristianismo introduziu alguma clemência
nas relações sociais. especialmente em relação à escravatura. As Vidas
dos santos sublinham, repetidamente, que todos os homens foram feitos
do mesmo barro e castigam os mestres cruéis. Ocasionalmente é também
feito um apelo para redistribuição da riqueza. Assim, Agapito, no século
VI, comenta que os ricos e os pobres «sofrem males semelhantes de
circunstâncias diferentes; os primeiros rebentam com o excesso, ao passo
que os segundos são destruídos pela fome». Da mesma forma ele insta o
imperador a pegar nalgum do lucro dos ricos e dá-lo aos pobres, para
obter uma maior igualdade (23). Ao salientar continuamente a obrigação
dos cristãos de dar esmolas, a Igreja obteve o mesmo resultado de forma
mais eficaz e em maior escala do que qualquer intervenção que o governo
poderia ter tido. Ao mesmo tempo, há que admitir que nenhuma reforma
fundamental da sociedade foi advogada, sobretudo porque o mérito

254
A VIDA IDEAL

residia na acção voluntária. Se a riqueza em si houvesse sido um mal, não


se procuraria tranquilidade junto de Abraão, pois este fora um homem
rico, senhor de trezentos e dezoito criados domésticos (24). Admite-se que
a origem de distribuição desigual está na injustiça: Deus deu igualmente
a todos os homens, da mesma forma que a propriedade pública do
imperador estava disponível para todos. Não ocorreu nenhuma disputa ou
litígio sobre o uso dos banhos, estradas ou mercados, ao passo que as
pessoas estavam constantemente a processar-se umas às outras por causa
da propriedade privada. No entanto, uma vez que a riqueza era herdada de
pai para filho, e sendo impossível pesquisar a sua origem até chegar ao
acto da injustiça original, o que importava era que o seu detentor a usasse
sabiamente e a partilhasse com os necessitados (25).
A liberalidade era prescrita a todos, mas isso não significava que a
ordem da sociedade, na qual todos tinham o seu local nomeado, precisasse
de mudar. Dois textos bíblicos foram repetidamente citados sobre esta
ligação: «Que cada homem fique no estado em que foi chamado por
Deus» (] Cor. 7, 20) e «Não mudes os marcos antigos que os teus pais
estabeleceram» (Prov. 22, 28). Os revolucionários, os subversores da
ordem tneôteristês) atraíram a condenação universal. Além disso, os
poderosos e os ricos eram suficientemente castigados pelas mudanças na
fortuna, à qual os pobres eram imunes, sendo a derradeira igualdade tra-
zida com a morte. «Quando vemos um archôn a morrer, então contempla-
mos um grande mistério. Aquele que todos os condenados temiam é agora
arrastado como um condenado; aquele que acorrentava prisioneiros é
agora julgado como um deles» (26).
Havia um grupo especial na sociedade, independente de todas as
classes sociais: os monges. É instrutivo, nesta ligação, examinar a escolha
das citações bíblicas que São João Damasceno considerou aplicáveis à
vida monástica (27) - todas elas dirigidas à totalidade da comunidade
cristã, por exemplo: «Qualquer de vós, que não renuncie a tudo quanto
tem, não pode ser Meu discípulo» (Lc. 14, 33); «Não se pode servir Deus
e ao dinheiro» (Lc, 16, 13); «Nenhum soldado se embaraça com os
negócios do mundo» (II Tim. 2, 4); e outros. Como já salientámos no capí-
tulo 5, o monge era um leigo. Era o cristão perfeito. o verdadeiro filósofo;
o que significava, idealmente falando. que todos os cristãos se deviam ter
tornado monges. Então, porquê a necessidade de se retirarem do mundo?
Porque a vida diária estava cheia de distracções (perispasmos) e perturba-
ções que enevoavam o espelho da alma e a tornavam incapaz de reflectir

255
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

a luz divina; porque a mente perturbada não podia atingir a libertação da


preocupação (amerimnon), que era a marca da perfeição. Daqui se conclui
ser a vida solitária preferível à vida em comunidade. A tranquilidade
(hêsychia) era um requisito para purificar a alma; servia para satisfazer o
desejo, a ira, a lamentação e o medo, e tornava aquelas «bestas selvagens»
mais acessíveis aos poderes da razão. Todavia, por um estranho paradoxo,
o monge tomou-se a si próprio mais vulnerável aos ataques do demónio,
porque era o principal inimigo do demónio. Era ele que «se munia com
todas as armas de Deus» e aceitava a luta «não contra a carne e o sangue,
mas contra os principados, contra os poderes, contra os governantes das
trevas deste mundo, contra os espíritos sobrenaturais do mal» (Ef, 6, 11-12).
Mas se vencesse as suas próprias paixões, teria força para resistir a todos
os assaltos demoníacos.
Podemos agora perceber porque nunca surgiu a questão da «utilidade
social» do monge no mundo bizantino. Era perfeitamente óbvio que o
homem que atingira supremacia sobre os poderes das trevas e que
alcançara a confiança de Deus era o membro mais útil da comunidade, e
garantia o seu bem-estar, o da sua região e o do Império como um todo.
A sua missão era principalmente interna, não externa; e apenas depois de
ter ganho a sua própria luta espiritual estaria em posição de satisfazer o
seu objectivo mais amplo. Podemos acrescentar que enquanto o padre
indigno era capaz de levar a cabo os seus deveres sacerdotais, o monge
indigno era absolutamente inútil.
O mesmo código de moralidade aplicava-se tanto aos monges como
aos leigos. Embora possa ser um exagero dizer que a virtude era vista
quase exclusivamente em termos negativos, é uma verdade inegável que
a Antiguidade tardia e uma boa parte da Idade Média se caracterizaram
por uma aversão obsessiva ao mundo material, e isto não apenas entre os
cristãos. De que outra forma se pode explicar o sucesso dos maniqueístas?
A alma humana era vista como uma fortaleza que tinha de ser guardada,
vigilantemente, contra ataques externos. Os seus pontos fracos eram as
suas portas, cinco em número, correspondendo aos cinco sentidos.
A primeira porta era a da fala, precisava de ser fortificada pelas braça-
deiras e pelas barras transversais, consistindo na constante recitação da
Sagrada Escritura: desta forma os candidatos indesejáveis seriam
excluídos. A segunda era a da audição: era essencial não admitir através
dela quaisquer conversas fúteis, ou qualquer coisa imprópria. A terceira
era a do olfacto, tinha de ser ligada à imagem de todos os perfumes doces

256
A VIDA IDEAL

que tinham o efeito de acalmar a «tensão» da alma. A porta da visão


estava particularmente exposta; por isso era importante ver tão poucas
mulheres quanto possível e evitar o teatro. A função adequada da visão era
contemplar a beleza da natureza. A quinta porta, a do tacto, tinha de ser
guardada contra roupas suaves, camas confortáveis e contacto com outros
corpos humanos. No entanto, não era suficiente manter as portas sob
vigia; os cidadãos que viviam na fortaleza da alma tinham de cumprir
«leis rigorosas e temíveis» e obedecer aos seus próprios «magistra-
dos» (28). Prescrições igualmente negativas aplicavam-se à moralidade do
corpo. Um homem tinha de se abster do adultério, da embriaguez e da
gula, uma mulher do uso de perfume e de adornos artificiais. O corpo
apenas precisava de tratamentos suficientes para a preservação da
saúde(29).
Entre os muitos vícios e imperfeições a que os seres humanos eram
propensos, alguns eram vistos com um grau de reprovação que pode pare-
cer bizarro. Talvez não seja surpreendente que, num período em que os
alimentos eram geralmente pouco abundantes, a gula fosse considerada
um pecado grave, mas não é tão evidente que levasse a desejos impuros e
à licenciosidade, e que fosse o caminho para todo o mal. No entanto,
sendo esta a opinião prevalecente, acreditava-se que tal como o fumo
afasta as abelhas, também a gula afastava a graça do Espírito Santo de
cada um (30). A fraqueza (parrhêsia) era também olhada como uma
grande imperfeição, pois era o pecado a que os monges estavam parti-
cularmente sujeitos, nomeadamente, a indiferença do tédio (akêdia). Por
outro lado, considerava-se o luto (penthos) uma virtude, especialmente
necessária para os monges, mas recomendável a todas as pessoas. O mais
estranho de tudo é a condenação do riso: «É proibido, em geral, aos
" r. i
1

cristãos rirem-se e, particularmente, aos monges» (31 ). Parece que Cristo


nunca se tinha rido. No máximo era permitido sorrir, como havia feito o
sírio São Julião Sabas quando recebeu a notícia da morte de Juliano,
o Apóstata (32).
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O antifeminismo era um princípio fundamental do pensamento bizan-
tino até à esporádica introdução das ideias ocidentais de amor romântico, jf
por volta do século XII. Diz-se que olhar para uma mulher é como ser atin-
gido por uma seta envenenada: quanto mais veneno permanece na alma,
mais corrupção produz (33). É claro que havia mulheres virtuosas: eram
aquelas que nunca mostravam a face a um estranho (34). No entanto, em
geral, eram vermes rastejantes, filhas da mendicidade, inimigas da paz.

257
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

A lista dos seus vícios e fraquezas é infindável: frívolas, tagarelas e licen-


ciosas. Acima de tudo, são viciadas no luxo e no esbanjamento. Carrega-
va-se de jóias, colocava pó na face, pintava as bochechas com rouge,
perfumava os seus trajes, e assim se transformava numa armadilha mortal
para seduzir os jovens através dos seus sentidos. Riqueza alguma era
suficiente para satisfazer os desejos de uma mulher. Dia e noite pensava
apenas em ouro e pedras preciosas, em roupas de púrpura e bordados,
cremes e perfumes. Se não fosse pelo desejo sexual, nenhum homem em
seu juízo perfeito desejaria partilhar a sua casa com uma mulher e sofrer
as consequentes ofensas, apesar dos serviços domésticos que ela exe-
cutava. É por isso que Deus, conhecendo a sua natureza desprezível, lhe
deu desde o início a arma da sexualidade (35).
Abstraídos das mágoas que os esperavam, os homens bizantinos con-
tinuaram a casar e, ao fazê-lo, tinham o apoio ressentido de São Paulo.
Nos dias iniciais da história humana, aqueles descritos no Antigo Testa-
mento, o casamento tinha sido dirigido para a procriação tão estimada
pelos Judeus. No entanto, agora que «as coisas estavam a diminuir e a
chegar ao seu derradeiro fim». tais considerações já não se aplicavam <36).
Além disso, a terra estava suficientemente populada, e a ideia de que a
raça humana seria extinta pela castidade universal quase não tinha justi-
ficação. A multiplicação das espécies devia-se inteiramente a Deus, e a
única altura em que tinha sido quase totalmente apagada, pelo Dilúvio,
foi ocasionada pela licenciosidade, o oposto da castidade. Já não sendo a
procriação essencial, o objectivo principal do casamento era proteger os
homens da promiscuidade. O casamento devia ser um «porto de pureza»,
um pontão que quebrava as ondas do desejo. Era necessário para os
fracos, mas um obstáculo para os fortes que sabiam acalmar o furor da
natureza através do jejum e da vigília. Contudo, se o matrimónio queria
atingir este fim louvável, era necessário os pais casarem os seus filhos o
mais cedo possível e, em qualquer caso, antes de terem uma carreira, ou
antes de terem obtido funções ao serviço do imperador. Pois se o casa-
mento fosse adiado, um jovem recorreria a prostitutas e desenvolveria o
gosto pelo riso, pelo discurso irreverente e comportamento indecoroso.
Uma mulher de boas fanu1ias recusar-se-ia a satisfazer tais desejos arden-
tes, com o resultado de que o noivo começaria a negligenciá-la depois de
duas noites (37).
Independentemente das precauções tomadas, o casamento era uma
-
fonte de perturbações intermináveis. Era uma espécie de escravatura

258
A VIDA IDEAL

mútua, apenas tornada pior se os esposos fossem de fortuna diferente.


Destruía a tranquilidade pela presença de filhos e por preocupações finan-
ceiras. Se um homem procurasse uma escapatória, envolvendo-se numa
actividade cívica, seria inevitavelmente manchado pelo pecado: ficaria
irritado com os seus concidadãos, sofreria insultos, adoptaria posturas fal-
sas. Os males de um segundo casamento eram correspondentemente
maiores: impróprio em si mesmo, criava discórdia na família e até mesmo
as cinzas da esposa que havia partido se tornavam uma fonte de inveja.
Para que uma situação má se tornasse mais tolerável, era necessário
aplicar regras rigorosas à conduta da família. Não se deveria desperdiçar
qualquer sentimentalismo com as crianças, estas tinham que ser purgadas,
desde o início, do pecado da vaidade. Já era suficientemente mau as rapa-
rigas usarem jóias, mas os rapazes usarem o cabelo comprido e serem
adornados com colares e brincos era absolutamente abominável. O rapaz
modelo, aquele que um dia poderia ser santo, tinha a seriedade de um
homem idoso tpuer senexy: não brincava, nem convivia com os seus
colegas da escola, com medo de ser contaminado pelas suas formas
maléficas. A autoridade do pai na família era essencial, mas este não a
deveria fazer valer batendo nos filhos: palavras duras e repreensões eram
mais eficazes. A única razão válida para recusar obediência ao pai era a
determinação de responder a um chamamento maior: um rapaz que deci-
disse tornar-se monge tinha justificação para fugir de um casamento pre-
viamente combinado. Uma vez que o Céu estava para a terra como os
anjos para o homem, assim estava a virgindade para o casamento. A sua
superioridade é provada pelo facto de ser apreciada apenas pela Igreja
cristã: os judeus evitavam-na e os pagãos viam-na com perplexidade.
A virgindade também era, assumidamente, praticada por certos hereges.
como os maniqueístas, mas «a castidade dos hereges é pior do que toda a
devassidão» (38). Tal como o jejum, a virgindade não era um bem absoluto
em si mesma, sendo sim tornada boa pela intenção. Frustrada pela pre-
sença das preocupações mundanas, requer que sejamos puros tanto no
corpo como na mente. Era o meio mais seguro de subir acima do pântano
da vida terrena.
Embora a família fosse a célula básica da existência humana, alguns
pedidos eram também feitos pela comunidade que muitas vezes aconte-
cia ser a cidade. Já comentámos os ataques vitriólicos lançados por um
homem da igreja sobre uma das principais amenidades da vida urbana da 1-
Antiguidade tardia, nomeadamente, o teatro, mas a sua reprovação não se

259
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

limitava a essa instituição: a cidade como um todo era um mal. Se con-


sultarmos São João Damasceno, mais uma vez descobrimos que a secção
relevante na sua antologia se chama «Em referência à cidade cheia de
impiedade», e que é feita inteiramente de passagens críticas, começando
com o Salmo 55-59 ( «Eu vi violência e conflito na cidade») e continuando
para os castigos de Nahun, Sofonias, Oseias, Isaías. Jeremias, Ezequiel,
São Basílio e São Gregório de Nazianzo (39). Nem uma palavra de sim-
patia para a polis. A cidade era o cenário de danças e brincadeiras, de
tabernas, banhos e bordéis. As mulheres passavam de cabeça descoberta.
Tudo nelas era indecente: o discurso, os gestos, o traje, o penteado, o
movimento dos membros e os olhares de soslaio que lançavam. Também
os jovens, que eram vistos na cidade, simulavam feminilidade e deixavam
crescer o cabelo (40). De facto, as pessoas iam tão longe como decorar as
suas botas. E o mercado, com as suas exibições de ouro e coisas pre-
ciosas (41 )? Mesmo Jerusalém, a Cidade Santa, não era melhor do que as
outras, pois todo o tipo de tentações estava presente nela: quartéis de
soldados, prostitutas, mimos, bobos e uma tal multidão de ambos os sexos
«que aquilo que se desejaria evitar em qualquer parte, era-se aqui
obrigado a sofrer na totalidade» (42). Se a virtude era escassa nas cidades,
no campo abundava. «Com que frequência», afirma São Simeão, o Louco,
«vi camponeses locais virem à cidade para receber a comunhão! Eram
mais puros do que ouro na sua bondade e simplicidade, e porque o pão que
comem vem do suor da sua própria testa» (43).
Então o que deveria fazer um cristão nas redondezas urbanas?
Se precisava de divertimento podia dar um passeio pelo jardim, num
riacho ou num lago; podia ouvir o canto das cigarras ou visitar o santuário
de um mártir suburbano, onde os corpos eram restaurados com saúde e as
almas edificadas. Até podia tentar, apesar de tudo o que foi dito acima,
desfrutar da sua fanu1ia. Não comentaram uns bárbaros, certa vez, que os
Romanos inventaram os prazeres do teatro, porque não tinham mulheres
nem filhos (44)? Acima de tudo, é claro, um cristão deveria ir à igreja
- não apenas aos domingos e dias festivos, mas tão frequentemente
quanto possível, pelo menos duas horas por dia. O que poderia, na reali-
dade, ser mais agradável do que frequentar a igreja? Em vez de canções
diabólicas e bailarinas prostitutas, fornecia o trinado dos profetas, o canto
do serafim, as palavras do Evangelho. Cristo estava lá, na mesa do altar,
o Espírito Santo estava lá em serviço. A igreja era como um porto calmo
no meio do turbilhão. No entanto, as pessoas tinham de ser persuadidas

260
A VIDA IDEAL

para ir lá. Consideravam a missa aborrecida, e apenas a reputação de um


pregador famoso as levaria à igreja às centenas. Mas depois de aplaudirem
o sermão, como no teatro, nem sequer se preocupavam em ficar para a
liturgia dos fiéis. Andar pelos jardins, ouvir o canto das cigarras e
frequentar a igreja - tudo isso podia ser feito da mesma forma numa aldeia
ou na cidade. Apesar do facto de o ecclesia Christi ter extraído os seus
recursos, os seus líderes e a sua retórica das cidades, a sua mensagem era
fundamentalmente antiurbana. Odiava não apenas os teatros e os banhos,
a música e as danças, a câmara do conselho e o tribunal, mas o próprio
facto de as pessoas se juntarem em público, quando deveriam ter ficado
em casa. E por isso, quando as cidades entraram em colapso, o sonho da
Igreja ter-se-á realizado. Se São Basílio tivesse podido voltar à vida e
visitar o kastron de Cesareia nos séculos IX ou X, não teria encontrado
teatros, mimos, nem bobos, nem mulheres de cabeça descoberta. Teria
visto que todas as pessoas permaneciam em casa e se reuniam apenas para
ir à igreja. Não era necessário um pregador famoso para as levar lá - o
mais provável era não haver sequer um pregador. São Basílio deveria ter
ficado satisfeito; mas então, talvez o seu olhar crítico lhe tivesse dito que
o trabalho do demónio ainda continuava a florescer, apesar das
circunstâncias alteradas.
Ouvimos falar com tanta frequência sobre a penetração do cristia-
nismo pelo helenismo que tendemos a não dar atenção a um facto muito
básico: o esquema da vida cristã, como proposto pelos Padres do século IV,
e mantido durante o período bizantino, era a antítese do ideal helénico de
polis. Profundamente enraizado como estava na Bíblia, o esquema cristão
era também um reflexo da ordem autoritária e arregimentada do Último
Império. Baseava-se numa monarquia absoluta, rigidez social e servi-
lismo. Olhava para o mundo material, o mundo da carne, com um horror
quase maniqueísta. Também espelhava a instabilidade dos tempos ao
comparar o homem virtuoso a uma fortaleza fortificada. Embora não
precisemos imaginar que o bizantino comum vivia em completa confor-
midade com a propaganda da Igreja, é sem dúvida o efeito de uma mensa-
gem repetida de século para século. Uma análise da literatura bizantina
revelará os seus rumos em mais do que um assunto.

261
Parte III

O Legado
Capítulo 13

Literatura

Como indicámos no capítulo 1, o multinacional Império da Nova


Roma não se expressou apenas em grego. Muitos dos seus habitantes
falavam e escreviam noutras línguas. Se, por isso, definirmos a literatura
bizantina como a de um império e de uma civilização, devemos incluir
sob este título, para além do seu constituinte principal grego, um corpus
considerável de escritos em latim, siríaco, copta, eslavo eclesiástico, até
mesmo arménio e georgiano. Não o vamos fazer aqui, mas é útil relembrar
que se nos confinarmos ao grego estaremos a desconsiderar um padrão
complexo de influências recíprocas, que se manifestaram não apenas na
migração de textos, mas também nos hábitos linguísticos e mentais.
A literatura bizantina grega, por outras palavras tudo o que foi escrito
em grego entre os séculos rv e xv, surpreende-nos imediatamente pela
grandeza do seu volume. Exactamente qual a sua extensão ninguém
parece ter calculado. Digamos que, fazendo uma estimativa imperfeita,
encheria dois ou três mil volumes de tamanho normal. Uma parte - apesar
de por agora não ser muito grande nem muito importante - ainda perma-
nece por publicar, isto é, está apenas disponível em manuscritos: e uma
parte considerável perdeu-se - bastante elevada no Período Inicial. mais
baixa no Período Médio e, de um modo geral, pequena no Período Tardio.

265
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Seria interessante conhecer, em termos percentuais, o volume da


literatura bizantina, mas, mais uma vez, o cálculo ainda não foi feito. Que
a esmagadora massa é de natureza religiosa é imediatamente óbvio: só a
hagiografia tem cerca de dois mil e quinhentos itens (1 ). Junto dela
podem-se colocar sermões, livros litúrgicos (incluindo a poesia litúrgica),
teologia, tratados religiosos, comentários sobre a Bíblia e os Padres, e
muito mais além disso. Por contraste, o elemento secular é muito restrito:
todos os historiadores poderiam ser englobados em cerca de cem volumes,
e o mesmo se aplica aos epistológrafos. O léxico e outros compêndios,
comentários sobre autores antigos, tratados científicos e pseudocientífi-
cos, podem ser responsáveis, entre si, por cerca de duzentos volumes. Em
relação à poesia secular, provavelmente caberia em trinta volumes.
A maior parte das discussões de literatura bizantina baseou-se numa
amostra muito pequena da produção total.
Seria injusto julgar a literatura bizantina pelo critério de prazer esté-
tico que proporciona ao leitor moderno. Se não somos cativados ou movi-
dos por isso, é porque o nosso gosto por literatura é, em larga escala, dia-
metralmente oposto ao dos bizantinos letrados. Apreciamos originalidade,
enquanto eles valorizavam os lugares-comuns; ficamos impacientes com
a retórica, enquanto eles estavam apaixonados por ela; apreciamos con-
cisão, enquanto eles estavam naturalmente inclinados para a elaboração e
verbosidade. Vamos, de momento, pôr de lado o julgamento e tentar per-
ceber melhor a literatura bizantina no seu contexto histórico. Para o fazer
temos que ter em conta vários factores.
O primeiro refere-se ao desenvolvimento da língua grega. Para o eru-
dito clássico médio o grego aparece congelado em dois estádios, o épico
(Homero, Hesíodo) e o ático literário dos séculos v e IV a.C. A sua subse-
quente evolução, incluindo o que é muitas vezes chamado o Novo Testa-
mento grego, é considerada uma fase decadente. Como todas as línguas
vivas, o grego sofreu um desenvolvimento contínuo na fonologia, morfo-
logia, sintaxe e vocabulário, ocorrendo a mudança decisiva no período
helenístico, quando o grego se tornou um meio de comunicação interna-
cional. Aqui não é o local para descrever em detalhe estas mudanças, mas
temos que assinalar um factor. que teria consequências duradouras, isto é,
o desaparecimento da quantidade de vogais (longas e curtas, por natureza
ou posição), cujo lugar foi tomado pelo acento tónico. Como resultado, os
padrões métricos em que a poesia grega se havia baseado tornaram-se
ininteligíveis. Ao mesmo tempo, ou um pouco mais tarde, muitas outras

266
LITERATURA

mudanças tiveram lugar: os ditongos deixaram de ser pronunciados, a voz


verbal dupla e média, o modo optativo e o caso dativo, todos perderam o
seu uso habitual, etc. Da extensão que se conhece, o grego normal falado,
do período bizantino, estava muito mais próximo do grego moderno do
que do antigo.
Apesar da desaprovação dos eruditos clássicos, não havia nada ineren-
temente mau nestas mudanças. Embora lhe faltasse muitas das nuances do
grego antigo, a linguagem falada poderia ter sido elevada a um nível
literário. Além disso, muitos membros da Igreja defendiam, activamente,
o uso de discurso modesto e rejeitavam o «estilo fino dos helénicos», que
comparavam ao mel proverbial que pingava da boca de uma prostituta.
Argumentavam que cultivar as métricas épica e jâmbica não era apenas
uma infantilidade; era um insulto a Cristo e aos apóstolos (2). Tal conselho
foi desprezado. Para o melhor ou para o pior, a tradição das escolas
prevaleceu. E assim se desenvolveu não tanto uma diglossia, uma língua
dupla, mas toda uma ordem de níveis linguísticos. O ático foi reservado
para as belas-letras. Este não era o ático do século v a.C., mas o dos áticos
do período imperial romano, e quanto mais rebuscado melhor. Depois
havia a língua da Bíblia e da liturgia, que correspondia ao koinê do
período helenístico. Finalmente, havia o discurso comum, que já se tinha
afastado uma distância considerável do koinê. Entre estes três níveis bási-
cos eram possíveis infinitas gradações. O autor sofisticado, a não ser que
estivesse constantemente controlado, deslizava naturalmente para usos
menos clássicos. O autor «de gostos medianos» tentaria frequentemente,
embora em vão, elevar o seu estilo ao nível dos superiores. O autor «sem
cultura» esforçar-se-ia por atingir o idioma da Igreja. O caos linguístico
era ainda pior do que se imagina, uma vez que as edições que usamos
foram sujeitas a um processo de correcção. Só quando consultamos os
manuscritos de trabalhos que não eram considerados tão «clássicos» nos
apercebemos da quantidade de variação permitida.
Em geral, admitia-se que um estilo clássico não era conducente à
clareza e tinha, forçosamente, que ser abandonado em tratados técnicos,
apesar de ser habitualmente necessária uma desculpa para o fazer. Assim,
Constantino Porfirogeneta, ao introduzir o seu De administrando imperio,
acha necessário dizer: «Não fui estudioso para exibir uma escrita fina, ou
um estilo ático, inchado com o sublime e grandioso, mas antes tive ânsia
de, através da narrativa diária e de conversação, vos ensinar aquelas coisas
que eu acho que não devem ignorar» (3). Da mesma forma no Prefácio do

267
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Livro de Cerimónias: «Com a intenção de tornar o nosso texto mais claro


e inteligível, usámos um estilo simples e popular, e aquelas mesmas pala-
vras e nomes que no discurso corrente foram há muito ligadas a cada
coisa» (4). Não precisamos de procurar uma melhor ilustração da atitude
bizantina em relação à linguagem e ao estilo. Era muitas vezes necessário
falar sem rodeios, mas não se considerava elegante; chamá-la pelo seu
nome clássico produzia muito mais prazer. Havia um local para «exibir»
literatura e um local para a escrita comum. O sublime e o grandioso
pertenciam exclusivamente ao primeiro.
Visto que o ático era uma língua morta. o seu uso contínuo tinha uma
dimensão tanto literária como social. No lado literário tudo o que precisa
ser dito é que muito poucos autores bizantinos tiveram sucesso ao lidar
com ela criativamente (Pselos é uma excepção notável). Os restantes que
aspiravam ao ático lutavam, com dificuldade. com os seus optativos e os
seus mais-que-perfeitos. nunca com a certeza absoluta de como formar a
terminação do passado, o que fazer com a partícula an, se usar o duplo
«s», ou o duplo «t». É talvez surpreendente que, no todo, eles se tenham
dado tão bem como se deram, mas é inútil procurar mérito literário nas
suas composições pomposas. O que é talvez mais significativo, numa
perspectiva histórica, é que o conhecimento do ático era a marca de uma
elite - não necessariamente a dos ricos e poderosos, nem sempre a da
corte imperial, mas no entanto de uma elite. Como explicámos no capí-
tulo 6, o acesso à linguagem antiga dependia de uma educação retórica
que, depois do desastre do século VII, estava limitada a um pequeno grupo
de prováveis funcionários públicos e homens do clero. A literatura que
produziram era a de um círculo restrito: mais ninguém conseguia
entender.
Não pode haver dúvidas de que o grego «eclesiástico» era o principal
meio da literatura bizantina exclusiva das belas-letras e, de uma forma ou
de outra, pode ser responsável por quase oitenta por cento. Uma vez que
era usado na igreja, devia ser compreensível para um segmento conside-
rável da população, no entanto nunca foi forjado como uma ferramenta
sensível de expressão. Havia nele algo intrinsecamente trivial e prosaico.
Os escritores «de gostos medianos», esforçando-se por um efeito mais
rico, tendiam a empilhar adjectivo em cima de adjectivo para alinhar uma
cadeia de frases quase sinónimas, ou de outra forma complicavam as suas
construções com tais resultados cómicos como hosoi ... tên apotagên
tautên dia tês pros tous en tê kata Christon hêlikia proêkontas ebebaiõsan

268
LITERATURA

hypotagês (literalmente, «aqueles que esta renúncia pelo eminente daque-


les de acordo com a eminência pré-eminente de Cristo, confirmaram
submissão»), com esta reunião de palavras Gregório Palamas tentou des-
crever os monges que confirmaram a sua renúncia do mundo, subme-
tendo-se aos pais espirituais (5). A elevada incidência de construções
paratãcticas, que o grego parece ter herdado do mundo semita, produziu
uma monotonia penetrante, sendo introduzida considerável ambiguidade
pelo uso indiscriminado do pronome da terceira pessoa (ou adjectivo).
Quando Teófanes escreve sobre o imperador Nicéforo que, «havendo
montado um cavalo manso e dócil, com a providência de Deus atirou-o e
partiu-lhe o pé direito» (6) é difícil perceber quem fez o quê a quem. Mas
o que fazer com esta frase da Vida de São Pacámio: «tomando pão dele,
o contínuo deu-lho de forma a restaurá-lo, de acordo com a sua injunção
de que poderia ficar curado?» {7)
Em relação à fala diária do povo, não era, infelizmente, considerado
digna de ser escrita. Dos Períodos Inicial e Médio bizantinos, apenas se
conhecem poucos trechos de diálogo, como aquele entre os fãs do circo
romano e o mensageiro de Justiniano (8), poucas linhas de versos popula-
res e as provas de papiros e inscrições. Como veremos, a emergência do
demõtíco na literatura teve que esperar até ao século XII.
O segundo factor que temos que considerar, ao qual já aludimos ante-
riormente, é a existência de um público literário. No Período Inicial bizan-
tino, a classe curial das cidades provinciais produzia tal público, apesar de
estar certamente a diminuir: Procópio podia ainda afirmar que era lido por
todo o Império (9). Mas com o declínio das cidades, o público leitor tam-
bém desapareceu. Não é, certamente, por acaso que a literatura elegante
tenha deixado de ser produzida. Estamos muito gratos ao pequeno grupo
de funcionários públicos cultos, homens do clero que presidiram à trans-
missão da herança antiga nos séculos IX e x, mas não os podemos des-
crever como constituindo fórum suficiente para a produção de literatura,
cujo objectivo é entreter e agradar. Apenas quando as cidades recupera-
ram, por volta do século XI, foram introduzidas condições mais favo-
ráveis, o que se pode confirmar na íntegra através dos escritos que che-
garam até nós. Por exemplo, a novela erótica, um género antigo que tinha
morrido no século m d.C. e, repentinamente, reapareceu no período
comneno. É verdade que os quatro exemplares que possuímos são
absolutamente entediantes, mas o seu insuficiente mérito literário não nos
deve preocupar agora. O que importa salientar é que tais trabalhos, cujo

269
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

único propósito era divertir e excitar, começaram de novo a ser compostos


por poetas proeminentes. Toma-se evidente que se dirigiam a um público
letrado pelo estilo que adaptaram e pela grande abundância de reminis-
cências conhecidas que introduziram, por vezes de um modo divertido;
que tiveram algum sucesso é-nos indicado pelo número de manuscritos
em que estas prosas são preservadas. Talvez o seu objectivo fosse, em
primeiro lugar, a recitação oral nos salões literários, cuja existência em
Constantinopla é confirmada nos séculos XI e XII. De qualquer forma, a
esfera da literatura cortesã estava a expandir-se: já não se limitava ao
círculo profissional restrito, alcançando agora um dado segmento da aris-
tocracia. Os esforços de Miguel Pselos para tornar a aprendizagem dispo-
nível, de uma forma agradável (muitas vezes versificada), para várias
personagens nobres, podem ser vistos à mesma luz. Não devemos ima-
ginar, claro, que este novo público era numeroso, ou que se estendia para
lá dos grandes centros de Constantinopla e de Tessalonica. No entanto,
depois de criado só deixou de existir no final do Império, e formou o pano
de fundo sobre o qual a literatura bizantina tardia deveria ser vista.
O terceiro factor que devemos ter em conta refere-se à disponibilidade
dos livros. No capítulo 6 já aludimos ao elevado custo e escassez de
pergaminhos, o material em que os livros bizantinos eram normalmente
escritos desde o século Vil, quando o fornecimento de papiro egípcio foi
cortado. Mas mesmo antes da perda do Egipto para o Império, um livro
não era de forma nenhuma um artigo barato. Um episódio contado por
João Moscho referia-se a um monge muito pobre da Palestina, que estava
desejoso de ter um Novo Testamento. Apesar de um colega lhe ter ofere-
cido uma cópia de graça, ele recusou-se a aceitá-la como presente, e foi
trabalhar como operário em Jerusalém. Pagavam-lhe nove Jolles por dia.
Não gastava quase nada em comida e, depois de algum tempo, juntou três
solidi, que era o preço do Novo Testamento t U), Uma vez que um solidi
era equivalente a cento e oitenta folles, o nosso monge teria necessitado
de sessenta dias de trabalho, não tendo em consideração as suas despesas
de subsistência. Em termos modernos, o preço de um Novo Testamento
custaria, pois, mais de trezentas libras. Pela mesma quantia, como vimos,
poder-se-ia comprar um burro, que seria provavelmente o maior
investimento de um homem pobre.
A produção de um manuscrito mais longo, especialmente se tivesse de
ser copiado sob encomenda, era, é evidente, muito mais cara. Apenas para
citar um exemplo, o famoso Codex Clarkianus de Platão, encomendado

270

''
LITERATURA

por Aretas de Cesareia, um manuscrito de boa qualidade de 424 folhas,


custou treze solidi para ser transcrito e oito para o pergaminho, o equi-
valente a dois anos do salário de um trabalhador manual. Em termos
modernos isso seria cerca de três mil libras. Independentemente de como
se convertem estes números para equivalentes modernos, é óbvio que a
posse de livros era apenas possível para os ricos e para as instituições com
dinheiro. Um nobre com meios poderia ter tido, digamos, vinte volumes;
talvez mais se, por acaso, herdasse uma biblioteca de família, que era
acrescentada de geração em geração. O mosteiro fundado no século XI por
Miguel Ataliates, um homem rico e instruído, recebeu originalmente vinte
e oito livros, aumentando para setenta e nove depois da morte do funda-
dor( 12). O famoso Mosteiro de São João em Patmos, na altura da sua
grande prosperidade ( 1201 ), tinha trezentos e trinta volumes; mas esse era
o resultado de mais de um século de recolha de livros, por um estabeleci-
mento que tinha, na altura, cento e cinquenta monges e que beneficiara de
repetidas acções imperiais de beneficênciat U).
O custo dos livros estava directamente relacionado com o uso que lhes
era dado. Um erudito profissional, que muitas vezes havia recorrido a
empréstimos, precisaria de vários manuais escolares, assim como exem-
plares de prosa antiga e poesia, nos quais poderia mergulhar para orna-
mentar os seus próprios escritos. Um cavalheiro comum com recursos
daria pouco uso a autores pagãos; preferiria alguma literatura patrística,
ou talvez alguns livros que satisfizessem a sua curiosidade em relação à
estrutura magnífica da Criação, tal como o Physiologus, uma crónica ou
duas, e, claro, uma interpretação dos sonhos. Ler era um trabalho labo-
rioso, feito principalmente para aperfeiçoamento moral, não para diverti-
mento. Aqui está o conselho que Cecaumeno, um general reformado, d11 a
um jovem destinado a uma carreira militar:

Quando estiverdes livre, e não ocupado com os deveres de um


comandante, lede livros, tanto histórias como escritos da lgrej,1. Não
pergunteis «Qual o benefício de um soldado ler livros t'l.'.lt"si:istk'\'1..~?..,,
porque iréís tirar grande proveito deles. Se prestardes :u~·•wJ,,
suficiente, colherás deles não apenas doutrinas t' histórias ~litkmtes,
mas algo gnómico, moral e direcrivas militares. De fiKhl, q11;111~• h"-fo
o Antigo Testamento está relacionado com cstr;ué~i.1. 11." N,,,\\
Testamento, também o leitor assíduo rirard muita» dir~·1i\•<1s l'll" -\
mente.

271
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

E mais uma vez: «Lede muito e aprendereis muito. Persisti, mesmo


que não percebais, pois depois de lerdes um livro várias vezes, recebereis
discernimento de Deus e percebê-lo-ás.» E mais uma vez:

Quando tiverdes um livro, lede-o em privado. Depois de terdes


lido um pouco, não comeceis a contar as páginas, ou a escolher os
passos de que mais gostais e a ler apenas esses. Não, deveis começar
da capa onde o texto começa, e ler o livro até já não existir mais
nenhuma palavra, e desta forma ireis lucrar bastante. Pois é
característica de uma pessoa superficial não ler todo o livro duas ou
três vezes, mas pegar nalguns dos seus excertos apenas para
tagarelar ( 14).

Provavelmente, seria um erro pensar que o conteúdo de uma biblio-


teca particular (excepto a de um erudito profissional) diferia marcada-
mente da de uma biblioteca de um mosteiro. Para o confirmar, podemos
olhar para o testamento do nobre da Capadócia, Eustáquio Bailas ( 1059),
que já tivemos ocasião de mencionar. Bailas construiu uma igreja parti-
cular, algures na região de Edessa, e dedicou-lhe vários itens de gravuras,
assim como uma surpreendentemente grande colecção de livros, oitenta
no total ( 15). Podem ser analisados no quadro seguinte:

Bíblicos 10
Litúrgicos 33
Patrísticos 12
Padres do deserto 3
Apócrifos (Testamento dos Doze Patriarcas)
Hagiografia 4
Miscelâneas cristãs (Pandektês, Melissa) 2
Direito canónico 3
Seculares (1 livro de direito; l livro de sonhos; 1 Esopo;
1 Georgius Pisides; 2 crónicas, 1 romance de
Alexandre; 1 Aquiles Taciano; 1 gramática;
1 Persica) 10
Indeterminado 2

272
LITERATURA

É uma lista instrutiva, especialmente porque se refere a uma província


bastante distante. Infelizmente, não somos informados de como Boilas
adquiriu estes livros. Uma vez que ele próprio não era um homem
instruído, podemos suspeitar que se tratava de uma biblioteca famíliar,
acumulada ao longo de períodos de várias gerações e com a intenção, em
grande parte, de servir as necessidades de uma igreja particular. üm
antigo Boilas pode ter frequentado a escola em Constantinopla, daí a gra-
mática, o Esopo e o Aquiles Taciano. Duas características são especial-
mente de notar: com a excepção de Písides (provavelmente o poema De
opificio mundii, não está representado um único autor bizantino, «de
gostos elevados». Segundo, não havia praticamente quaisquer trabalhos
recentes, excepto Melissa (uma miscelânea de passagens edificantes, que
se diz datarem do século XI), e a Vida de São Miguel Maleinus (f. 961 ).
Esta falta de consideração pela literatura contemporânea, ou quase con-
temporânea, era típica do mundo bizantino.
Então qual era o propósito da composição literária? Certamente.
nenhum autor bizantino tinha a ambição ou pretensão de igualar os
clássicos - não tanto os clássicos da Antiguidade pagã como os clássicos
cristãos - São João Crisóstomo, os dois Gregórios, São Basílio, Sinésio,
Esses estavam num pódio especial e, a julgar pelo número de manuscritos
preservados, eram mais lidos do que quaisquer outros autores. A tarefa
dos epígonos era narrar acontecimentos recentes, por receio de caírem no
esquecimento (uma preocupação muitas vezes expressa), para registar as
vidas dos santos contemporâneos, para compilar a doutrina e o ensina-
mento moral dos Padres e produzir todo o tipo de manuais úteis. Não nos
surpreende que os Bizantinos tenham mostrado pouco interesse pela sua
própria literatura, e nenhum pela biografia dos seus escritores. a razão por
que sabemos tão pouco sobre eles. Era considerado suficiente dizer. no
título, que fulano tinha sido diácono de Santa Sofia, ou bispo de Sinada,
ou protospatharios, por outras palavras colocá-lo na hierarquia ( 16). A parte
da literatura «fina» limitava-se, como o nosso capítulo sobre educação
sugeriu, à exibição retórica. Parece que muita desta produção requintada
tinha como objectivo a recitação oral, não apenas discursos e sermões.
mas também cartas, as Vidas dos santos escritas em estilo elevado, talvez
mesmo capítulos de história. Depois da recitação ter lugar, e o orador ter
recebido o aplauso dos seus amigos, 0 texto estava apto a ser esquecido,
a não ser que o próprio autor, ou um membro do seu círculo restrito. se
desse ao trabalho de O copiar como um exemplar digno de imitação. Mas

273
BIZÂNCIO. Ü IMPÉRIO DA NOVA ROMA

E mais uma vez: «Lede muito e aprendereis muito. Persisti, mesmo


que não percebais, pois depois de lerdes um livro várias vezes, recebereis
discernimento de Deus e percebê-lo-ás.» E mais uma vez:

Quando tiverdes um livro, lede-o em privado. Depois de terdes


lido um pouco, não comeceis a contar as páginas, ou a escolher os
passos de que mais gostais e a ler apenas esses. Não, deveis começar
da capa onde o texto começa, e ler o livro até já não existir mais
nenhuma palavra, e desta forma ireis lucrar baseante. Pois é
característica de uma pessoa superficial não ler rodo o livro duas ou
três vezes, mas pegar nalguns dos seus excertos apenas para
tagarelar (14).

Provavelmente, seria um erro pensar que o conteúdo de uma biblio-


teca particular (excepto a de um erudito profissional) diferia marcada-
mente da de uma biblioteca de um mosteiro. Para o confirmar, podemos
olhar para o testamento do nobre da Capadócia, Eustáquio Bailas (1059),
que já tivemos ocasião de mencionar. Bailas construiu uma igreja parti-
cular, algures na região de Edessa, e dedicou-lhe vários itens de gravuras,
assim como uma surpreendentemente grande colecção de livros, oitenta
no total(15). Podem ser analisados no quadro seguinte:

Bíblicos 10
Litúrgicos 33
Patrísticos 12
Padres do deserto 3
Apócrifos (Testamento dos Doze Patriarcas)
Hagiografia 4
Miscelâneas cristãs (Pandektês, Melissa) 2
Direito canónico 3
Seculares (1 livro de direito; I livro de sonhos; I Esopo;
1 Georgius Pisides; 2 crónicas, 1 romance de
Alexandre; I Aquiles Taciano; 1 gramática;
1 Persica) IO
Indeterminado 2

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LITERATURA

É uma lista instrutiva, especialmente porque se refere a uma província


bastante distante. Infelizmente, não somos informados de como Bailas
adquiriu estes livros. Uma vez que ele próprio não era um homem
instruído, podemos suspeitar que se tratava de uma biblioteca familiar,
acumulada ao longo de períodos de várias gerações e com a intenção, em
grande parte, de servir as necessidades de uma igreja particular. Um
antigo Bailas pode ter frequentado a escola em Constantinopla, daí a gra-
mática, o Esopo e o Aquiles Taciano. Duas características são especial-
mente de notar: com a excepção de Písides (provavelmente o poema De
opificio mundii, não está representado um único autor bizantino, «de
gostos elevados». Segundo, não havia praticamente quaisquer trabalhos
recentes, excepto Melissa (uma miscelânea de passagens edificantes, que
se diz datarem do século XI), e a Vida de São Miguel Maleinus (f. 961).
Esta falta de consideração pela literatura contemporânea, ou quase con-
temporânea, era típica do mundo bizantino.
Então qual era o propósito da composição literária? Certamente,
nenhum autor bizantino tinha a ambição ou pretensão de igualar os
clássicos - não tanto os clássicos da Antiguidade pagã como os clássicos
cristãos - São João Crisóstomo, os dois Gregários, São Basílio, Sinésio.
Esses estavam num pódio especial e, a julgar pelo número de manuscritos
preservados, eram mais lidos do que quaisquer outros autores. A tarefa
dos epígonos era narrar acontecimentos recentes, por receio de caírem no
esquecimento (uma preocupação muitas vezes expressa), para registar as
vidas dos santos contemporâneos, para compilar a doutrina e o ensina-
mento moral dos Padres e produzir todo o tipo de manuais úteis. Não nos
surpreende que os Bizantinos tenham mostrado pouco interesse pela sua
própria literatura, e nenhum pela biografia dos seus escritores, a razão por
que sabemos tão pouco sobre eles. Era considerado suficiente dizer, no
título, que fulano tinha sido diácono de Santa Sofia, ou bispo de Sinada,
ou protospatharios, por outras palavras colocá-lo na hierarquia ( 16). A parte
da literatura «fina» limitava-se, como o nosso capítulo sobre educação i
li I•

sugeriu, à exibição retórica. Parece que muita desta produção requintada


tinha como objectivo a recitação oral, não apenas discursos e sermões,
mas também cartas, as Vidas dos santos escritas em estilo elevado, talvez
mesmo capítulos de história. Depois da recitação ter lugar, e o orador ter
recebido o aplauso dos seus amigos, o texto estava apto a ser esquecido,
a não ser que o próprio autor, ou um membro do seu círculo restrito, se
desse ao trabalho de o copiar como um exemplar digno de imitação. Mas

273
BIZÂNCIO. 0 lMPéRIO DA NOVA ROMA

mesmo que fosse copiado, não tinha grande circulação. A maior parte
destes textos sobreviveu num único manuscrito. Estes representam a
«eternidade» da literatura bizantina, no sentido de que cada geração de
escritores não se construía sobre a existência e ideias da geração prévia,
mas antes mantinha uma relação constante com os seus modelos distantes.
A prova disto, como todos os estudantes de filologia bizantina sabem, é
que um texto não firmemente atribuído a um autor identificável, e com
falta de qualquer referência histórica clara. é quase impossível de datar.
Os exemplos são abundantes e muitas vezes embaraçosos - e não esta-
mos a falar apenas de pastiches, tais como os diálogos pseudolucianistas,
ou as Orações Leptíneas, que há muito se atribuíam a Aélio Aristides
(século II d.C.), mas que hoje se acredita serem obras de Tomás Magister
(século XIV)( 17). Cartas de Isidoro de Pelúsio (século V) foram atribuídas,
por um erudito reputado, ao patriarca Fócio (século IX), e ainda hoje se
discute se a versão grega de Barlaão e Josafat pertence a São João
Damasceno (século vun ou, tal como parece ser mais plausível, se se
trata de um trabalho do século XI. Até se argumentou que um texto
histórico, a saber, A Tomada de Tessalonica, de João Caminiates, não
fora escrito pouco depois de 904, como todos julgavam, mas no início do
século XV (18). Tal incerteza não teria sido possível se o estilo da literatura
bizantina tivesse mostrado um desenvolvimento consistente.
Depois destas observações preliminares, temos que considerar três
tipos de escrita, cada um relacionado com um diferente nível linguístico.
Pedimos desculpas pela omissão, no nosso levantamento, da poesia litúr-
gica. Ninguém negará que os hinos de Romano, o Melodista, em parti-
cular, e os de Cosmas de Maiuma, André de Creta e João Damasceno, em
menor extensão, exibem uma alegria de expressão e profundidade de
sentimento que estão normalmente em falta em quase todos os trabalhos
de poesia bizantina. no entanto, seria enganador tratá-los simplesmente
em termos poéticos. A compreensão da hinografia precisa de algum
conhecimento da sua função litúrgica, da sua estrutura musical e da sua
base semítica; acima de tudo precisa de uma atitude mental que é provável
que o leitor moderno não possua.
A nossa primeira amostra refere-se à historiografia, inegavelmente
uma das grandes proezas das cartas bizantinas. Não falaremos aqui da
crónica que já discutimos no capítulo 10. Uma «história» pertencia a um
tipo diferente: era escrita em grego antigo, imitava os modelos antigos e
narrava a acção através de uma associação de eventos, em vez de seguir

274
LITERATURA

uma linha meramente cronológica. Deveria explicar o porquê e o como,


«pois o corpo da história é, de facto, mudo e vazio se privado das causas
de acção» (19). Era também um ramo da retórica, muitas vezes mudando
para o louvor ou a injúria e incluindo, normalmente, tanto o discurso
fictício como a dissertação etnográfica. Talvez a característica mais notá-
vel da historiografia bizantina seja a sua continuidade: apesar de muitas
das histórias dos séculos IV e v terem perecido, temos uma sequência !
i
quase ininterrupta desde os séculos VI ao XV. Procópio, que descreveu as 1
j
guerras do imperador Justiniano, foi continuado por Agatias nos anos
552-559, Menandro Protector (de quem apenas sobreviveram fragmen-
tos), no período de 559-582 e Teofilacto Simocatta em 582-602. O reinado
desastroso de Focas marcou uma interrupção, mas a história foi retomada
mais tarde pelo patriarca Nicéforo, que cobriu o período de 602-769. No
meio século seguinte, até 813, estamos inteiramente dependentes do cro-
nista Teófanes, mas a história revive com Genésio (813-886), e os Conti-
nuadores de Teófanes (813-961 ), a quem sucedeu Leão, o Diácono (959-
-976), e Miguel Pselos (976-1078), o último sobreposto com Miguel
Ataliates (1034-1079) e Nicéforo Briénio (1070-1079). No período
comneno temos Alexiad de Anna Comnena ( 1069-1118), continuada por
João Cinnamus (1118-1176) e Nicetas Coniates (l l 18-1206): no exílio
niceno aparece Jorge Acropolites (1203-1261); na época dos Paleólogos
temos Jorge Pachymeres (1261-1308), Nicéforo Gregoras (1204-1359) e
as memórias do imperador João Cantacuzeno ( 1320-1356); finalmente,
Laonicus Chalcocondyles (1298-1463) e o panegirista do conquistador
turco, Miguel Critobolus (l 451-1467).
Naturalmente, nem todos estes historiadores tinham igual mérito, e
alguns deles, como o patriarca Nicéforo, eram pouco mais do que para-
fraseadores das crónicas numa linguagem arcaica. No entanto, muitos
deles não eram apenas escritores talentosos, mas também homens de
negócios que tinham conhecimento dos acontecimentos que descreviam
em primeira mão. Outros eram imperadores, ou membros da família
imperial. Esta circunstância dá à historiografia bizantina alguma autori-
dade e proximidade que não teria possuído caso tivesse sido delegada a
profissionais de letras.
Em muitos aspectos, o maior dos historiadores bizantinos, e certa-
mente o mais conhecido hoje, é Procópio de Cesareia, apesar de ser prova-
velmente mais admirado pela clara extensão da sua narrativa, objectivi-
dade e precisão do que pela profundidade dos seus pontos de vista, ou

275
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

pelas suas qualidades literárias puras. Em estilo e abordagem modelou-se


a si próprio em Tucídides sem. contudo, imitar a complexidade de Atenas.
Era um autor meticuloso e, por vezes - como ao descrever as últimas fases
da resistência ostrogoda em Itália-, foi capaz de transmitir um sentido de
grandeza trágica. Noutros aspectos teve menos sucesso. As suas digres-
sões nem sempre são bem temporizadas - como quando interrompe uma
explicação da história persa primitiva com um episódio absurdo sobre
uma ostra «nadadora» que foi perseguida por um tubarão (2º) - e os traços
de carácter das suas personagens não são bem delineados. Mesmo no caso
do general Belisário, a quem tinha servido como assessor em várias cam-
panhas e que deverá ter conhecido intimamente, não se afigura capaz de
traçar um retrato natural (21 ). O grande distanciamento que Procópio
assume na sua História das Guerras e o seu aparente cepticismo em
relação ao cristianismo têm, em grande medida, uma função estilística.
Porém, é questionável se essa será a sua única função. Num trabalho pla-
neado para ter grande divulgação, sob a governação autocrática de
Justiniano, a distância era a atitude mais prudente a adoptar para um
homem que, como Procópio, tinha fortes perspectivas políticas que não
coincidiam com as do imperador. Mas, mesmo em as Guerras, pode ler-se,
nas entrelinhas, a sua desaprovação em relação às políticas de Justiniano.
No que diz respeito à sua atitude religiosa, vale a pena reflectir na passagem,
muito citada, referente à disputa doutrinal entre católicos e monofisitas:

Conheço bem o assunto da controvérsia, mas devo evitar men-


cioná-lo; pois considero que investigar a natureza de Deus e o tipo a
que deverá pertencer um acto imprudente. De facto, julgo que nem
mesmo acerca de assuntos humanos o homem tem uma compreensão
exacta, e muito menos terá acerca daquilo que concerne à natureza
de Deus. Devo, por isso, permanecer em silêncio sobre estas questões
de modo a não incorrer em qualquer perigo, com o único objectivo
de evitar que este assunto seja desacreditado. Pela minha parte, não
expressaria qualquer opinião sobre Deus, excepto a de que Ele é
inteiramente bom e detém o mundo em Seu poder. Mas deixai cada
homem, seja ele um padre ou um leigo, dizer o que pensa saber
acerca desta matéria (22).

A adesão aos modelos clássicos é, dificilmente, uma explicação sufi-


-, ciente desta declaração, cuidadosamente expressa em palavras, mas curio-

276
LITERATURA

sarnente ambígua. Será que Procópio quer insinuar que uma manifestação
da doutrina católica (ou monofisita) sobre a natureza de Deus resultaria na
sua descrença? E qual o tipo de perigo que quer evitar?
O problema perene associado a Procópio é o de um homem, com os
seus indiscutíveis dons e aparente integridade, que compôs, no período de
cerca de uma década, três trabalhos com espíritos completamente diferen- i
tes, a saber: Guerras, uma obra imponente e objectiva, História Secreta,
essencialmente difamadora e, por fim, Construções, desavergonhada- 1
mente encomiástica. Conjecturou-se que esta última, que descreve com
rasgados louvores o vasto programa de construção de Justiniano, fora
ocasionada por alguma promoção, ou distinção de favor, que o autor possa
l
i
ter recebido do imperador. Mas, quanto à História Secreta? Uma vez que !
não era para ser publicada, as hipóteses são que expressa fielmente as
opiniões pessoais de Prócopio ou, de qualquer forma, as suas opiniões
naquela fase da sua carreira, em particular. Todavia, dos três trabalhos este
é aquele que se terá mais problemas em aceitar. Diverte pelo registo esca-
broso da juventude de Teodora, mas cansa pela invectiva constante contra
todos os actos da política de Justiniano. Mesmo Belisário, representado
em Guerras como um homem corajoso, de muitos recursos mas modesto,
é aqui caracterizado como um fraco comovente. O mais estranho de rude
é a aparente convicção do autor, declarada sem qualquer sinal de ironia,
de que o imperador era um demónio em forma humana. É pouco provável
que isso fosse uma piada, e ficamos a pensar se Procópio, sob a sua
máscara de cepticismo cultivado, não seria tão supersticioso como a maior
parte dos seus contemporâneos.
Depois de Procópio houve um marcado declínio nos escritos histó-
ricos. O seu sucessor Agatias, que era jurista de profissão e poeta por
inclinação, não tinha qualquer experiência dos assuntos públicos, nem
nenhum compromisso para com a objectividade da história, que olhava
como sendo semelhante à poesia, e servindo principalmente um propósito
moral (23). Uma degradação posterior é perceptível no trabalho moralista
de Teofilacto, após o que houve uma interrupção prolongada na prática da
historiografia. O seu renascimento (pondo de lado o esforço bastante débil
do patriarca Nicéforo) teve que esperar até meados do século X, quando o
patronato de Constantino Porfirogeneta resultou em duas histórias que
remontam a 813, período em que o cronista Teófanes pousara a sua pena.
Os anónimos Continuadores de Teófanes estão, superficialmente, gratos
aos modelos clássico e bizantino inicial, e merecem algum louvor por

277
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

delinearem os imperadores iconoclastas em cores que não exclusivamente


o preto, mas cerca de nove partes de preto e uma parte cinzenta. Se alguns
germes de humanismo puderem ser detectados nesta pequena concessão à
objectividade, dever-se-á realçar que os Continuadores eram dominados
tanto por preconceitos teológicos como dinásticos. Eram historiadores da
corte, encarregues de perpetuar, em prosa aceitável, a versão oficial dos
acontecimentos.
Saltando outro século e a discreta História de Leão, o Diácono, con-
frontamo-nos com uma obra de arte cuja originalidade é do mais impres-
sionante, pois não é explicável em termos de um desenvolvimento
anterior. A Cronografia, de Miguel Pselos, nem sequer pode ser atribuída
a qualquer género estabelecido, porque não é propriamente uma história,
mas uma memória privada. Tradicionalmente, a pessoa da história era
mantida em segundo plano: depois de se apresentar no prólogo (por
exemplo, «O meu nome é Agatias, sou natural de Mirina, o meu pai era
Memnónio», e por aí adiante), poderia, se precisasse, aparecer ocasional-
mente para dizer que tinha visto isto ou aquilo com os seus próprios olhos.
Pselos não era assim: palra constantemente sobre si próprio, os seus
estudos, os seus progressos intelectuais, o seu retiro para um mosteiro, o
feitiço que lançou sobre os sucessivos imperadores, etc. A guerra, o tema
habitual das histórias, não lhe interessa especialmente, e muitas vezes
evita-o. Consegue, por exemplo, contar a história de Basílio II sem
mencionar uma única vez a subjugação da Bulgária. O que lhe interessa
são as intrigas da corte, especialmente a descrição dos motivos e do
carácter humanos. A Cronografia é uma verdadeira galeria de retratos.
Mais, descreve até as mudanças de carácter. Basílio II (que Pselos não
conhecera) evolui, sob a pressão de acontecimentos, de um homem
voluptuário para outro severo, desconfiado e irascível. Podemos imediata-
mente visualizá-lo vestido com roupas modestas, falando mais como um
camponês do que como um cavalheiro, enrolando a sua barba rala, ou
então colocando as mãos na anca. Romano III, que Pselos desprezava,
muda em resultado da doença. O elegante mas inculto Miguel IV, que a
imperatriz Zoé tomou como amante, apesar de mais velha, torna-se um
governador sério e consciencioso assim que sobe ao trono. Todas as perso-
nagens principais introduzidas são tornadas memoráveis, tanto pela
descrição física como moral: o frívolo Constantino VIII (sabemos com
surpresa que também era um cozinheiro talentoso), Zoé e Teodora, o
eunuco João, que era mais temido quando estava bêbedo do que quando

278
LITERATURA

sóbrio, o corado e jovial Constantino IX Monómaco, e muitos mais. E em


relação à observação psicológica basta ler o parágrafo que descreve a
aversão culpada com que Miguel IV, então acometido de epilepsia, olha
para a sua esposa imperial (24).
Claro que Pselos tinha modelos clássicos, e facilita a nossa tarefa ao
nomeá-los (Demóstenes, Isócrates, Aélio Aristides, Plutarco, etc.) (25).
Mas os mesmos modelos haviam estado disponíveis para Constantino
Porfirogeneta e para os Continuadores de Teõfanes, que fizeram uso deles
da forma que consideraram mais apropriada. O problema não reside neste
.1
ponto, mas no facto de Pselos exibir uma sensibilidade e avidez de obser-
vação que havia faltado antes. A não ser que se atribua estas característi-
cas apenas ao seu génio pessoal, temos que procurar uma explicação mais
alargada, que pode talvez ser encontrada no aparecimento de uma burgue-
sia urbana, a que o próprio Pselos pertencia. De facto, não era o único; e
apesar de nenhum dos seus contemporâneos ter deixado uma obra de igual
variedade, não é difícil detectar neles vislumbres do que se pode apenas
chamar um espírito leigo. Para o confirmar, veja-se o extraordinário
poema em que Cristóvão de Mitilene satiriza a recolha de relíquias
dúbias (26) - um poema que, a propósito, já havia sido atribuído ao
período iconoclasta.
É um comentário triste sobre o gosto do público bizantino que a
Cronografia de Pselos deveria ter chegado até nós num único manuscrito.
Contudo, foi certamente usada, mesmo plagiada, por historiadores poste-
riores, notavelmente Briénio, Anna Comnena e Zonaras. E pode dizer-se
que, depois de Pselos, as qualidades de observação pessoal e as realistas
descrições de carácter não se perderam. São muito evidentes na Alexiad,
um trabalho que é muitas vezes dissimulado, mas vívido e cheio de discer-
nimento psicológico, para além de minuciosamente investigado; e igual-
mente a salientar na extraordinária História de Nicetas Coniates. O modo
como o final da época imperial de Bizâncio (pois Nicetas testemunhara a
catástrofe de 1204) fora registado por um autor que combinara todos os
artifícios tradicionais de uma retórica habilidosa com uma humanidade,
uma receptividade e um cepticismo recém-estabelecidos (27), parece-nos
perfeitamente adequado.
O segundo exemplo refere-se à hagiografia que, como já indicámos,
representa provavelmente o género simples mais vasto da literatura bizan-
tina. Sob esta categoria é habitual agrupar um enorme leque de textos,
cujo denominador comum se traduz pelo modo como todos se referem a

279
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

personalidades que tiveram uma celebração litúrgica, tanto santos cristãos


como figuras bíblicas: biografias de santos, narrativas mais pequenas,
registos de martírio, de milagres póstumos, da invenção e interpretação de
vestígios, histórias sobre ícones, apocalipses, etc. A forma de apresen-
tação varia muito, tal como o nível linguístico. Os exemplares mais inte-
ressantes estão, no entanto, escritos em grego-padrão «eclesiástico».
A forma mais antiga de hagiografia cristã era o passio (o registo de
um julgamento e morte de um mártir). mas isto já era algo do passado
quando o período bizantino começou. As duas formas principais que nos
irão preocupar são a pequena narrativa e a biografia completa. Ambas
apareceram quase simultaneamente em meados do monasticismo egípcio,
e não por acaso, uma vez que o monge era o sucessor do mártir. Histórias
simples de como o Padre Patermuthius podia velejar pelo ar e passar por
portas fechadas, de como o Padre Helles atravessara um rio às costas de
um crocodilo e de como São Macário curara as crias de uma hiena
circulavam de boca em boca, e eram depois compiladas em livros a que
chamaram paterica ou gerontica. Já referimos no capítulo 5 algumas
das melhores colecções conhecidas deste tipo. Além de relatarem os
feitos sobrenaturais realizados pelos monges, as pequenas narrativas
sublinhavam os princípios morais, os aforismos memoráveis e a disciplina
particular (ergasia) perseguidos por este ou aquele asceta. Uma vez que
estamos perante uma literatura de tradição originalmente oral, foi natural-
mente sujeita a variações e a repetições: a mesma história ou histórias
semelhantes seriam. por exemplo, atribuídas a diferentes santos. A idade
de ouro da paterica estende-se desde o final do século IV até ao século VII.
Sempre expressa num registo claramente popular, apresenta um encanto
considerável, mas também uma inevitável monotonia.
A mais antiga Vida ampliada é a de Santo Antão, por Atanásio de
Alexandria (e. 360 d.C.), a qual já aqui mereceu diversas referências. Uma
vez que a Vida de um santo (bios ou muitas vezes bios kai politeia, que
significa vida e conduta) se destinava mais a ser um louvor do que uma
biografia crítica, é natural que fosse modelada por certas prescrições das
escolas de retórica para atingir esse fim. Através do manual de Menandro,
que se baseia no louvor a um governante (basilikos Logos), podemos
descobrir de que prescrições estamos a falar. Começar-se-á, diz ele, com
uma introdução na qual se expressará embaraço por se ir empreender uma
,i ' tarefa de tal magnitude. Depois desta introdução, mencionar-se-á o local
1 de origem do governante (patris). Se por acaso tiver nascido numa cidade

280
LITERATURA

famosa, a mesma será louvada; caso contrário, poder-se-á glorificar


a nação a que pertence. Continuar-se-á a falar da sua família (genos):
se fora gloriosa, aprofundar-se-á esse aspecto, se assim não for, será
omitido. A seguir virá o nascimento e muitos sinais milagrosos que o
possam ter acompanhado (se não ocorreu nenhum, não se deverá hesitar
em inventar alguns); aparência física, a formação, a educação - com parti-
cular ênfase na capacidade de aprendizagem do jovem exemplo de perfei-
ção, pois, naturalmente, superava todos os seus colegas da escola-, dons
naturais e por aí adiante até aos seus feitos em adulto, adequadamente
subdivididos por categorias e virtudes (28). j
Mutatis mutandis estas regras resumidas eram aplicadas à celebração
dos santos cristãos. Certas questões, é claro, já não eram relevantes, tais
como a beleza física, feitos de guerra, batalhas navais, etc., mas o restante
podia ser usado com considerável vantagem. De acordo com tudo isto
desenvolveu-se um esquema hagiográfico que, no caso de um santo
monástico, funcionava mais ou menos como passaremos a explicar. Na
introdução, o autor admitia a sua incompetência para celebrar os méritos
do Santo X. Fora, contudo, ordenado pelo seu superior (abade ou bispo),
e não se atreveria a desobedecer, apesar da humildade da sua mente e da
rusticidade (agroikia) da sua dicção. Então, começaria por mencionar o
local de origem do santo: a verdadeira patris deste último seria, é evi-
dente, a Jerusalém Celeste. Porém, tinha estado na cidade ou aldeia Y que,
mesmo que fosse um pouco obscura, adquiria por isso renome imortal.
Os pais dos santos eram, quase invariavelmente, ricos e nobres (endoxoi)
e o seu nascimento habitualmente pressagiado num sonho, ou acompa-
nhado por outros sinais. Quando estava em idade de ir para a escola
evitava a companhia dos outros rapazes. Rejeitava completamente toda a
aprendizagem clássica, ou então assimilava apenas a quantidade que
considerava necessária, apesar de a sua natural aptidão ser extraordinária.
Quando atingia a adolescência, o santo recusava o casamento que lhe
tinha sido arranjado pelos seus afectuosos pais e retirava-se para um
mosteiro vizinho. Durante vários anos executava, com total humildade, as
tarefas mais subalternas, mostrando zelo exemplar no jejum e nas orações.
Quando atingia a força moral e a impassibilidade necessárias, retirava-se
para uma cela isolada ou para o deserto. As suas vitórias sobre os demó-
nios, actos de cura e profecias preenchiam o resto da sua vida. Finalmente,
seria investido no sacerdócio, mas, normalmente, recusaria todas as ofer-
tas de bispado. Preveria a sua própria morte e morreria pacificamente com

281
f ,_
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

uma idade avançada. Por fim, a sua santidade seria confirmada por mila-
gres póstumos, alguns dos quais eram, habitualmente registados assim
como também o dia e o mês do falecimento do santo.
Uma das vantagens de tal esquema era que podia ser aplicado a
qualquer santo monástico, em relação a quem nada de definitivo se sabia,
a não ser o seu nome, local de origem e data da sua celebração litúrgica.
Muitas Vidas (não apenas dos monges, mas também dos mártires, bis-
pos. etc.) são, assim, apenas um conjunto de frases feitas; outras não são
só fictícias em si mesmo, mas também em relação aos santos que prova-
velmente nunca existiram; e algumas são fictícias, apesar de se referirem
a santos que, por acaso, foram muito bem documentados (tal como Santo
Epifânio de Salamina). Colocando de lado tais produtos dúbios, perma-
nece um resto considerável de Vidas que são, de um modo geral, de con-
fiança. Muitas delas foram escritas por discípulos de santos, ou por um
homem de uma geração mais tardia que foi, apesar de tudo, capaz de
explorar fontes de informação oral. São ricas em detalhes precisos e
pitorescos, valiosos para o historiador, uma vez que as histórias formais
são incompletas a este respeito. De facto, as Vidas dos santos são muitas
vezes a nossa melhor fonte para recriar o quotidiano das cidades e aldeias
bizantinas, e há, felizmente, um vasto conjunto de excelentes textos,
começando com a Vida de Porfírio, bispo de Gaza, por Marco, o Diácono
(século V), passando para a de São Hipácio por Callinicus, as de Santo
Eutímio e de São Sabas, por Cirilo de Citópolis (um autor notado pela sua
precisão), a de São Simeão, o jovem asceta retirado, de São Teodoro de
Sykeon, de São Simeão, o Louco, e a de São João Esmoler, entre muitos
outros. O período iconoclasta produziu uma enchente de Vidas interessan-
tes (notavelmente, a de Santo Estêvão, o Jovem), continuando a hagiogra-
fia a florescer até ao século XI, quando se começa a observar um declínio.
Não apenas as autênticas, mas mesmo algumas das Vidas fictícias
podem ainda ser lidas com prazer e diversão. No entanto, a sua principal
deficiência, do nosso ponto de vista, é que nunca transmitem um sentido
de desenvolvimento psicológico de um santo, apesar de estarem explicita-
mente preocupadas com o seu progresso espiritual. Uma vez que o santo
é um modelo de virtude desde a sua mais precoce infância e não tem
aspectos negativos, sabemos com antecedência que permanecerá o mesmo
durante toda a sua existência terrena. Nunca sucumbirá à tentação
nem errará, excepto por excesso de zelo, ou por agir sob falsa declaração.
Esta previsibilidade era tão apreciada pelo público bizantino como o é um

282
LITERATURA

filme ocidental por um público moderno de cinema; pois não pode haver
dúvida de que a hagiografia fornecia não apenas edificação, mas tam-
bém satisfação de desejos. Os homens medievais, vivendo num mundo
real de medo, incerteza e doença, precisavam dos seus heróis que derro-
tavam demónios, envergonhavam os médicos e nunca vacilavam nos seus
propósitos.
As Vidas dos santos que consideramos mais apelativas foram escritas
numa linguagem simples, às vezes à beira do vernáculo, mas mais fre-
quentemente reflectindo o uso linguístico normal da Igreja. A necessidade
de comunicar com um público não instruído nem sempre era procurada.
Leôncio de Neápolis (século vn) insiste neste ponto no Prefácio da Vida
de São João Esmoler: «A consideração que me despertou, especialmente,
para esta tarefa era que deveria contar o conto no meu estilo prosaico, não
adornado e humilde, para que o homem iletrado comum pudesse tirar
benefício das minhas palavras» (29). Todavia, esta abordagem não estava
destinada a durar. No Período Médio bizantino sentia-se que os hagió-
grafos ingénuos não tinham alcançado a dignidade do seu assunto:
«Distorceram algumas acções [dos santos], enquanto a outro respeito, não
sendo capazes de estabelecer o que era apropriado, descreveram a virtude
dos santos de uma forma deselegante. Não criavam um bom argumento,
nem o adornavam com palavras bonitas.» Como resultado, as Vidas dos
santos tornaram-se objecto do ridículo e o público afastava-se devido ao
seu estilo descuidado (30). A tarefa de recompor a herança hagiográfica
dos séculos mais antigos foi primeiro levada a cabo cerca de 900 d.C.
por Nicetas, o Paflagânio, o qual se dedicou a cerca de cinquenta Vidas
sem, no entanto, ganhar grande notoriedade. Algumas décadas mais tarde,
Simeão Metafrastes, possivelmente por instigação de Constantino
Porfirogeneta, fez uma revisão mais detalhada. Parafraseou cerca de cento
e trinta e cinco, manteve outras doze inalteradas e publicou toda a colec-
ção em dez volumes organizados pelo calendário. O seu esforço ganhou
aceitação, sobrevivendo cerca de setecentos manuscritos do menologium
metafrástico, o que significa que um grande número de igrejas e mosteiros
os adoptou para uso litúrgico.
O Metafrastes escrevia num grego «adequado», não tão retorcido
como o de Nicetas, o Paflagônio. Alguns críticos contemporâneos
consideraram-no insuficientemente sofisticado, mas outros louvaram-no
por ter seguido um curso médio e ter tido êxito ao agradar ao público
culto, pela variedade e beleza do seu estilo e por se fazer entender pelos

283
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

não instruídos. Aos olhos de Miguel Pselos, a proeza do Metafrastes


foi maior do que «todos os eruditos helénicos» (31 ). Este estranho juízo
traz-nos ao cerne da atitude bizantina para com a literatura. Admitindo
que o Metafrastes escrevera em grego aceitável, o que fez, na realidade,
foi agarrar num corpus de textos que tinham toda a vivacidade e a parti-
cularidade de um dado cenário, e reduziu-os a um conjunto de frases
feitas. Suprimiu detalhes concretos e parafraseou termos não elegantes.
Eram as respostas de um mártir aos seus torturadores insuficientemente
resolutas? Ele melhorou-as. Era a disciplina de um monge narrada de uma
forma demasiado ingénua? Ele elevou-a ao nível desejado. Poderá ser um
exagero dizer que o Metafrastes pressagiou a morte da hagiografia grega,
mas certamente contribuiu para a sua castração, enquanto causava tam-
bém o desaparecimento de muitos textos antigos que parafraseou.
É curioso observar que, no século XII, o patriarca Nicolau Muzalon orde-
nou a destruição da Vida de São Paraskeve, o Jovem, com o fundamento
de que tinha sido escrita «por algum camponês» em linguagem comum C32).
Temos que resistir à tentação de chegar ao extremo oposto e supor
que qualquer texto escrito numa linguagem mais popular é ipso facto
dotado de mérito literário. A validade desta reserva é demonstrada pelo
nosso terceiro exemplo que se refere à literatura bizantina no vernáculo.
Desde o movimento romântico, os poucos trabalhos em questão atraíram
atenção considerável e ganharam um lugar no curriculum normal dos
estudos gregos modernos. São certamente de interesse para o filólogo,
assim como para o historiador social, mas há que admitir que como
literatura são bastante decepcionantes.
Provavelmente, os trabalhos literários iniciais do vernáculo são os
chamados poemas prodrómicos, que parecem datar da primeira metade do
século XII <33). São atribuídos ao poeta da corte Teodoro Prodromos, daí o
seu nome tradicional. A atribuição é contestada, não sendo certo se esta-
mos a lidar com a efusão de vários autores, ou de uma única pessoa que
assume disfarces diferentes. Escritos em versos populares de quinze
sílabas (stichos politikos), os poemas consistem em queixas dirigidas aos
imperadores João li e Manuel I, assim como a qualquer outro membro da
família comnena. Num caso somos apresentados a um marido dominado
pela esposa, noutro ao pai de uma grande família que não pode viver do
seu modesto salário, no terceiro a um pobre monge que é tratado dura-
mente pelo seu abade, no quarto a um intelectual esfomeado (já mencio-
nado no capítulo 3). O cenário é o da classe média urbana e as principais

284
LITERATURA

preocupações do autor são com o seu estômago. Tenta ser engraçado


introduzindo cenas cómicas com humor disparatado e inventando combi-
nações bizarras de palavras (talvez como paródia aos poetas arcaicos),
mas o humor é arruinado por um tom de servilismo monótono e por uma
repetição entediante.
A crescente ascendência de modas ocidentais sobre a aristocracia do
Período Tardio bizantino, se não sobre o público em geral, reflecte-se num
número de romances de cavalaria no vernáculo, de que cinco foram preser- !

vados, com um intervalo de datas dos séculos XII ou XIII até ao século xv.
Apenas um dos cinco, nomeadamente Callimachus e Chrysorrhoe (34),
pode ser atribuído a um autor conhecido, a saber, Andronico Paleólogo,
primo do imperador Andronico II. A data da sua composição é assim
cerca de 1300 d.C. Modelos ocidentais precisos foram identificados por
dois dos cinco, a saber, Phlorios e Platzia Phlore (uma versão do ampla-
mente difundido Floire et Blanchejlor), e Imberios e Margarona (do fran-
cês Pierre de la Provence et la bel/e Maguelonne, ou um precursor do
mesmo). Esta é praticamente toda a informação factual que ternos à nossa
disposição em relação a estes curiosos poemas.
Ao contrário dos romances de amor eruditos do século xu, a que j:
aludimos, os romances de cavalaria não têm um contexto clássico falso:
aqui somos transportados para um mundo distintamente medieval de
cavaleiros corajosos, donzelas louras, bruxas, dragões e castelos incon-
quistáveis. No poema que é provavelmente o mais antigo e também o
mais atractivo, nomeadamente Belthandros e Chrysantza (35), a geografia
é suficientemente real. O herói, que é o filho mais novo do imperador
bizantino, deixa a sua casa, atravessa a Ásia Menor, que está em mãos
turcas, é emboscado ao passar num desfiladeiro de urna montanha na
cordilheira do Tauro, atinge Tarso e as fronteiras da Cilícia arménia, e
depois continua para Antioquia, onde se apaixona pela filha do rei latino
Chrysantza, Todas as indicações adequam-se perfeitamente ao século XII,
ou à primeira metade do século XIII. O único elemento de fantasia é o
Castelo do Amor situado a dez dias de viagem de Tarso, mas havia vários
castelos românticos na Cilícia de que o autor pode ter ouvido falar. No
entanto, o que nos interessa aqui não é a geografia, mas o clima cultural
do poema. Belthandros é claramente Bertrand, enquanto o seu pai, o
imperador, se chama Rodophilos, que soa mais a Rodolfo. O herói de
cabelos louros não hesita em se tomar o vassalo tlizios) do rei de Antio-
quia. É um grande caçador e lutador, e nele há uma total ausência de
~ :
285 Íit'

. :.
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

sentimentos religiosos. De facto, não hesita em ter uma espécie de casa-


mento com a aia da sua amada, um casamento solenizado pelo patriarca
de Antioquia. O Castelo do Amor, com as suas estátuas alegóricas, é
certamente alheio à tradição bizantina, qualquer que seja a sua origem.
Contudo, mais extraordinária é a atitude do poeta para com o amor. Con-
trariamente ao precedente bizantino, os jovens protagonistas dedicam-se
livremente ao sexo pré-marital e, depois de atravessarem um riacho
abundante, vagueiam completamente nus durante vários dias. Apenas
quando um navio bizantino por acaso os resgata, a princesa é entregue aos
cuidados de um eunuco. A mesma luxúria impregna o mais fantástico e
mais entediante poema de Callimachus e Chrysorrhoe. A heroína é pri-
meiro descoberta pendurada nua pelo cabelo, no Castelo do Dragão, e
depois de ter sido salva o Príncipe Encantado perde pouco tempo a con-
sumar a sua paixão, após um banho à deux. Esta forma suave de porno-
grafia não tinha, claramente, nada a ver com a «tradição popular» grega:
representava os devaneios de uma aristocracia conquistada por costumes
e regras ocidentais, mas não suficientemente sensível às qualidades
literárias dos romances ocidentais que imitavam de longe. Belthandros
tem poucos versos bons e relativamente poucos recursos estilísticos:
Callimachus é quase só verbosidade.
Se ainda não mencionámos até agora o muito mais meritório épico, ou
antes romance, de Digenes Akrites, isso deve-se à dificuldade em o cate-
gorizar quanto à sua forma de produção literária (36). Baseia-se em contos
heróicos da fronteira oriental, a terra disputada entre Bizâncio e os Árabes,
nos séculos IX e X. Na altura em que o poema foi redigido, os contos em
questão tinham-se tornado bastante obscuros, mas a investigação moderna
conseguiu identificar de várias personagens e acontecimentos históricos,
não todos do mesmo período, mas pertencentes a várias camadas, uma das
quais era certamente associada às guerras paulicianas e outra à recon-
quista bizantina no século seguinte. Se os eruditos tivessem tido menos
sucesso em identificar os antepassados literários do poema, não seria
certamente por falta de tentativas. Foram apresentadas numerosas teorias,
nenhuma delas totalmente convincente. A principal dificuldade provém
do facto de possuirmos cinco versões gregas divergentes, assim como
fragmentos de uma versão russa. A reconstrução do original Digeneid que,
- 1
de acordo com alguns eruditos, data, pelo menos em parte, dos anos 934-
-944, envolve por isso uma margem de conjectura considerável. A opinião
também se divide quanto ao facto de o hipotético Digeneid ter sido escrito

286
LITERATURA

numa linguagem popular ou, como parece mais provável, literária. A mais
satisfatória e consistente das versões gregas, a de Grottaferrata (quase
com quatro mil linhas de extensão), não pode ser anterior a meados do
século XI, sendo certamente o trabalho de um autor com alguma educação,
pois conhecia não só a Bíblia e alguns refrães patrísticos, mas também os
romances de Aquiles Taciano e Heliodoro. A popularidade de tais roman-
ces antigos, no século XI, é atestada por Miguel Pselos (37), e vimos que
existia uma cópia de Aquiles Taciano na biblioteca de Eustáquio Boilas,
localizada em Osrhoene, por outras palavras, na mesma região onde
Digeneid parece ter sido composto.
O Digenes de Grottaferrata é feito de dois contos de origem e data
diferentes, o do emir árabe que casa com uma nobre bizantina e se con-
verte ao cristianismo, e o do seu filho Basílio Digenes Akrites. Este,
quando cresce, torna-se uma espécie de barão de fronteira, foge com a
adorável Eudocia Ducaena com quem casa, e passa a vida a lutar com
ladrões (apelatai) e animais selvagens. Finalmente, constrói para si pró-
prio um esplêndido palácio perto do rio Eufrates, onde morre ainda na flor
da juventude. Basílio não é um general bizantino, mas um senhor indepen-
dente, um herói com força de super-homem e perícia, que repetidamente
derrota todos os exércitos sozinho. É arriscado pronunciarmo-nos sobre as
qualidades literárias de um poema que se acredita ser bastante obscuro nas
suas várias redacções. No texto de Grottaferrata, a dicção é muitas vezes
prosaica e há muita moralização. Também a acção tende a ser obscura ou
inconsistente. Por exemplo, somos informados, perto do final (VII, 20lff.),
que Digenes havia subjugado os Árabes e trazido paz às terras romanas,
quando nada do género havia sido mencionado antes. Numa história que,
caso contrário, tem falta de elementos sobrenaturais, é surpreendente ser
de repente confrontado com uma serpente que assumiu a forma humana e
depois desenvolve três cabeças. A bélica Maximô, descendente das ama-
zonas que Alexandre, o Grande, havia trazido da terra dos Brâmanes,
resume uma estranha figura num mundo que é, excepto para ela, povoado
por homens e mulheres. E as infidelidades do herói, apesar de desculpadas
até certo ponto, são integradas na intriga de forma inadequada. Apesar dos
' -1
seus muitos defeitos, Digenes Akrites dá-nos, contudo, um vislumbre de um
cenário verdadeiramente heróico que contrasta fortemente com as fantasias
anémicas dos romances de cavalaria.
Os poucos exemplos que nos chegaram não formam, seguramente,
uma base suficiente para podermos tecer um juízo sobre a literatura bizan-

287
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

tina como um todo, apesar de acreditarmos que ficamos, no mínimo, com


uma pequena ideia. Para um observador moderno esta literatura parece
deficiente em muitos aspectos. Contém uma grande quantidade de versos,
mas quase nenhuma poesia e nenhum trabalho dramático. Apresenta
ironia, muitas vezes ríspida, mas praticamente nenhum humor. Com muito
poucas excepções, não retrata o amor, a não ser o amor sagrado ou
parental. Não faz uso de linguagem irreverente nem de joie de vivre.
A literatura bizantina é solene, até sombria, no tom, e apresenta-se, prova-
velmente, no seu melhor quando descreve a morte, catástrofes e a insta-
bilidade da existência humana.
É habitual sustentar que o grande feito dos homens de letras bizan-
tinos não está na criação de trabalhos originais, mas na preservação de
heranças clássicas. É um facto inegável que a principal parte da literatura
grega antiga, ainda existente, nos chegou através de Bizâncio. Também é
verdade dizer que a preservação não é um processo passivo: implicava a
recolha de livros, a sua cópia e edição. Necessitava da escrita de comentá-
rios, compilação de glossários e enciclopédias. A Bibliotheca de Fócio, a
Antologia Grega, a Excerpta de Constantino Porfirogeneta, a Souda, os
comentários homéricos de Eustáquio representam grandes feitos de erudi-
ção, assim como os esforços dos filólogos paleólogos como Maximus
Planudes e Demetrius Triclinius. Então, porque é que os Bizantinos, que
prestaram tanta atenção aos clássicos pagãos, nunca compreenderam o seu
espírito? A culpa foi atribuída à Igreja, ou monacato, em autocracia. Não
se acredita que qualquer destes factores seja suficiente para explicar a
impenetrabilidade peculiar da mente medieval a um conjunto de ideias e
valores que considerava externos, fracos e obsoletos. Contudo, pode ser
mais proveitoso procurar uma resposta em algumas das considerações que
foram fornecidas no início deste capítulo. Mudanças fundamentais nas
atitudes e mentalidades raramente ocorrem sem as respectivas mudanças
nas estruturas sociais. A sociedade bizantina poder-se-ia ter transformado,
e a geração de Pselos dá-nos alguma razão para supor que os seus hábitos
intelectuais, incluindo a sua relação com os clássicos, poderiam ter evo-
luído numa nova direcção. Infelizmente, os acontecimentos decidiram de
outra forma.
- 1
:

288
Capítulo 14

Arte e Arquitectura

É justo dizer que a arte é a parte da herança bizantina que exerce sobre
nós uma atracção imediata. Esta afirmação não seria verdadeira há cem
anos, e se o é hoje, é porque o nosso próprio gosto estético deixou o
naturalismo em direcção à abstracção parcial ou mesmo total. Como
Robert Byron escreveu, em 1930: «Das numerosas culturas europeias,
cujos monumentos os nossos gostos consideram grandes, a arte represen-
tativa bizantina foi a primeira a descobrir aqueles fenómenos compreen-
didos do princípio da interpretação, em vez da reprodução, que nos nossos
dias apoia toda a expressão artística» ( 1 ). Por razões completamente
diferentes, os artefactos bizantinos foram também muito apreciados na
Idade Média. O erudito árabe al-Djahiz (século IX), embora comentasse
que os Bizantinos não tinham ciência nem literatura, gostava bastante dos
seus trabalhos de carpintaria, escultura e têxteis. «Os antigos Gregos»,
conclui, «eram homens de grande cultura, enquanto os Bizantinos são
artesãos» (2).
Em oposição à sua apreciação agora difundida, uma compreensão
adequada dos Bizantinos, a qual deverá residir no seu desenvolvimento e
na sua ligação aos factores históricos e sociais, não foi ainda totalmente
alcançada. Para isto há muitas razões. Em primeiro lugar, a arte bizantina,

289
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

como a literatura, era inegavelmente muito conservadora. Uma vez que


evoluiu lentamente, a datação da sua oeuvre raramente é um assunto
fácil, especialmente tendo em conta o facto de a grande maioria dos
objectos e edifícios não ter datas. Segundo, a arte bizantina era anónima e
impessoal. De qualquer forma, na arte da Europa Ocidental, desde a Idade
Média, personalidades individuais atraem muita da nossa atenção, de
modo que a história da arte europeia não se preocupa apenas com a evolu-
ção das formas - é também a história das pessoas que viveram vidas
conhecidas, que introduziram inovações, que exprimiram as suas opiniões
sobre arte. que exerceram influência sobre outros artistas conhecidos.
Nada do género se aplicou à arte bizantina. Em Bizâncio, os artistas eram
olhados como artesãos e não se interessavam pelo registo dos seus nomes
ou das suas personalidades O primeiro e único pintor bizantino conhecido
é Teófanes, o Grego, activo na Rússia no final do século XIV e início do
século xv. No que diz respeito aos arquitectos, nenhum é mencionado
pelo nome depois de Antémio e Isidoro, os construtores da Santa Sofia
justiniana. A nossa terceira dificuldade resulta da quase ausência de
crítica artística bizantina, a falta de literatura que poderia ter discutido. ou
avaliado, trabalhos de arte em termos que não fossem puramente retóri-
cos. A nossa última e talvez mais séria dificuldade prende-se com o modo
como a arte bizantina é apenas preservada em fragmentos. A devastação
a que a maior parte das terras bizantinas foi sujeita. ao longo dos séculos,
não apenas eliminou muitas criações artísticas bizantinas, mas também
determinou aquilo a que se pode chamar o padrão de preservação. A des-
truição de monumentos foi mais sistemática no centro do Império, em
Constantinopla, na Ásia Menor e na Trácia, do que ao longo da periferia
como, por exemplo, na Itália, na Grécia, na Macedónia jugoslava e em
partes da Síria e do Chipre. Daqui sucede que a arte bizantina é mais bem
conhecida nas suas manifestações provinciais do que metropolitanas.
Outro aspecto da destruição é que afectou os monumentos seculares
mais gravemente do que os religiosos, uma vez que, depois da conquista
otomana, as igrejas tiveram uma oportunidade de permanecer nas mãos
das comunidades cristãs, ou então foram, por vezes, preservadas sendo
convertidas em mesquitas. Um outro resultado do processo destrutivo é a
importância relativa das artes menores na colecção de obras remanescente
da produção artística bizantina. Enquanto os edifícios e decorações murais
eram derrubados, os objectos portáteis de valor, tais como trabalho de
ourives, lustres, entalhes de marfim e manuscritos iluminados, tendiam a

290
ARTE E ARQUITECTURA

migrar para a Europa Ocidental, onde sobreviveram em tesouros públicos


de catedrais e museus.
Para além destas dificuldades objectivas, foram levantados outros
obstáculos pelos mesmos eruditos que, nos últimos cem anos, tinham feito
tanto para descobrir e registar a disjecta membra da arte bizantina. Não
queremos depreciar a sua proeza. Foram feitos grandes progressos, tanto
na exploração artística como no estudo de artefactos portáteis. Em J 886-
-1891, um dos criadores da história da arte bizantina, N. P. Kondakov,
publicou, numa tradução francesa, a sua Histoire de l'art byzantin consi-
déré principalement dans Les miniatures. A limitação expressa no título
devia-se ao facto de, na altura, se saber muito pouco sobre a pintura
monumental bizantina. Hoje em dia já não é o caso: extensas séries de
frescos e mosaicos foram descobertos por toda a parte nos Balcãs, Rússia,
Capadócia, Ponto, Cáucaso e Chipre. Progressos semelhantes, ou mesmo
maiores, foram feitos noutros campos. Mas enquanto o nosso conheci-
mento cresceu, enormemente, e continua a crescer, deve admitir-se que a
interpretação dos dados acumulados nem sempre avançou em direcções
sensatas. Foi despendido demasiado esforço a debater assuntos irreais: por
exemplo, se as origens da arte bizantina devem ser procuradas no Oriente
ou no Ocidente, e se no Oriente, se os impulsos decisivos vêm de Alexan-
dria ou de Antioquia, ou da Mesopotâmia, ou de outro local na Ásia
Central. Todos os tipos de «escolas» foram inventados e vários objectos
não documentados foram em determinada altura atribuídos a uma
escola, depois a outra. Foi postulada uma sucessão de «renascimentos».
O que não foi suficientemente compreendido é que a arte bizantina
seguiu em grande parte a mesma linha de desenvolvimento que a literatura
bizantina e, de facto, todas as outras manifestações da cultura bizantina.
No levantamento breve que se segue tentaremos apresentá-la, o máximo
possível, numa perspectiva histórica.
Ao falarmos da arte bizantina do Período Inicial ou da arte cristã
inicial (que vem a ser quase a mesma coisa), temos que nos lembrar que
queremos dizer a arte do Império Romano tardio, adaptada às necessi-
dades da Igreja. Pode ser que a oposição dos cristãos primitivos à repre-
sentação artística tenha sido excessivamente exagerada pelos historia-
dores; mesmo assim, não se pode dizer que tinham um programa artístico.
O ensino de Jesus, ao contrário do de Mani, não foi transmitido com a
ajuda de imagens. O problema ele uma arte cristã colocou-se pela primeira
vez na altura da conversão de Constantino, quando o próprio imperador,

291
BIZJ\NCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

os seus parentes e membros do alto clero (que, como Jª vimos, se


tomaram de repente muito ricos) começaram a erigir esplêndidas igrejas.
Para a sua forma arquitectural foi rapidamente descoberta uma fórmula
(de facto. pode até ter preexistido): esta era a basílica, uma entrada em
forma de colunata rectangular com um palco elevado, ou benta, numa das
pontas. Adaptada de um tipo de edifício amplamente usado no mundo
romano para uma variedade de fins judiciais, comerciais, militares e ceri-
moniais, a basílica cristã foi desenhada para satisfazer os requisitos da
sy11axis: a nave espaçosa para albergar a assembleia de fiéis, enquanto a
bema elevada era para o clero, com a cadeira do bispo colocada no centro.
Proporcionava-se uma mesa para o sacrifício da eucaristia e outra para as
oferendas dos fiéis. Embora a armação arquitectural da igreja não tenha
criado qualquer dificuldade inerente, o inverso era verdade para a
decoração.
Certamente, mesmo antes do reinado de Constantino, os cristãos
tinham adaptado certas fórmulas pictóricas, tais como as que se vêem nas
decorações das primeiras catacumbas, em sarcófagos e na Capela de
Dura-Europos, no Eufrates. Executadas no estilo corrente da pintura e
escultura romanas, eram pequenas vinhetas ilustrando, com a máxima
economia, um número de episódios cruciais do Antigo e do Novo
Testamento, que estavam relacionados com os temas da salvação e da
vida depois da morte. Estas vinhetas, muitas vezes enigmáticas no seu
significado, não eram, contudo, apropriadas para decorar as enormes pare-
des oferecidas pelas abundantes fundações do período de Constantino.
No início, não parece ter sido encontrada nenhuma solução satisfatória.
As composições abreviadas de arte das catacumbas foram conservadas e
enriquecidas com motivos de apoio intrincados; em relação ao resto,
introduziu-se assuntos «neutros» do repertório secular, tais como cenas de
caça e pesca, ou simplesmente grandes quantidades de decorações com
plantas. É, com efeito, o que encontramos nos escassos monumentos que
sobreviveram quanto à decoração de meados do século IV - por exemplo,
no mausoléu de Santa Constança, em Roma, e, possivelmente, o de
Constâncio I, em Centcelles, perto de Tarragona. Parece que apenas no
final do século se chegou a uma abordagem mais racional na decoração
das igrejas, recorrendo-se aos ciclos bíblicos, sequências de ilustrações
mais ou menos intrincadas, que se justificavam como consistindo em
instruções para os iletrados. A mudança para uma arte cristã narrativa é
documentada na carta de São Nilo, de cerca de 400 d.C. (3), mas o

292
ARTE B Alí()UITI!( 'l'IIUA

monumento mais antigo que sobreviveu, incorporn,ldt,:; f.i'"'l1"W.r'~~


é Santa Maria Maior em Roma (e. 445 d.C.). ·
Isto leva-nos ao assunto da iconografia cristã que vnÍâ a,~ um:í- ~~
tão importante na história da arte bizantina. Já na pa.'IM1gt:t'~ ct,-_,,, ~tt~ .
para o século IV encontramos um grau razoável de e<,mí.4,t.êr-.ci.a, ~ ~
sentação de cenas bíblicas em monumentos amplamente ~.afu.~ :n
espaço: a Queda do Homem, o Sacrifício de Isaac e a P~• d"c. V,a :-
Vermelho são reproduzidos em Dura-Europos, numa forma rec:J!;nite::;,ia,.--
mente semelhante à das catacumbas de Roma. No caso de ffi'l'2ge;T'i dh
Antigo Testamento, é provável que a sua iconografia dem,e de fuma.
judaicas, talvez de manuscritos bíblicos ilustrados. A situaçãoegmruraf.-
mente diferente no caso do Novo Testamento, que adquiriu a 5ua für:na.
canónica apenas perto de 200 d.C. No século m já se eocoerram repre-
sentações dos milagres de Cristo, embora numa forma muito ~ca.
mas uma elaboração mais completa da iconografia do Novo T~
parece ter sido alcançada apenas nos séculos IV e v. O exemplo ems;
antigo que sobreviveu de um ciclo extenso do Novo Testamente, !l.Wl1!
contexto de monumento, está na Igreja de Santo Apolinário Nove, an
Ravena (e. 500 d.C.); os mais antigos manuscritos ilustrados e..u:.-renres -
dos Evangelhos são do século VI: o Códice Rossanensis, o fr~~
Sinop (agora em Paris) e o Códice da Rábula Siriaca (agora em Fkiren._,
O que é relevante para a história subsequente da arte bizantina ~ o f..à."t\.~
de os ciclos completos das ilustrações, tanto do Amigo como do No,·ti
Testamento, quaisquer que sejam a sua origem e data precisas. terem ~
estabelecidos de forma oficial cerca de 500 d.C .. o mais tarefar. füi pn.n-;ss
que mostram que os ciclos hagiográficos também foram elaborado..• ~rre
os séculos IV e VI para decorar as paredes dos santuários dos m•. írti~ -
Todo este corpus de material pictórico, de que tão pouco sobrevive 1'14..~~--
deve ter tido a mesma importância na Idade Média que a Iiteratura pams-
tica em relação aos teólogos e pregadores tardios. Forneceu um p.'h.fr.k, i.k-
referência e um grupo de lugares-comuns.
O feito artístico dos séculos IV e v está na criação de uma arte que ~-r.t
cristã, tanto no conteúdo como no propósito. Este período nu'.t~ll\ eoiu-
cidiu com uma tendência estilística independente do c.:ris1i:mtSllli.' t' que
pode ser melhor descrita como uma arte greco-romnm1 mais • · tk~·'\'t'lltnt-
·
lizada, ·
Os antecedentes deste desenvolvimento P odeem ·s 1:'r 1111,"\dl'-"
• • _ 1.k:-'\k-
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os séculos I e II d.C., por exemplo, na escu tura une • •n1· r1·,1 de Palmim ê nas
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pinturas e entalhes pagãos de Dura-Europos. A prec · 1 01ninância• 1.k orua-

293
BIZÂNCIO. 0 IMP~RIO DA NOVA ROMA

mentes, o abandono gradual da terceira dimensão, a frontalidade das


figuras humanas e o desprezo pela escala - estes são os traços, particular-
mente evidentes, em muito do trabalho provincial do Período Tardio
imperial. A manutenção de padrões clássicos dependia da clientela enri-
quecida, por um lado, e de uma tradição artística de artesãos de alto nível,
por outro: ambas desapareceram na sequência de guerras civis e de crises
económicas do século Ili. A legislação do século IV reconhece a escassez
dos arquitectos e dos artesãos dotados, cujo recrutamento teve que ser
encorajado por meio de bolsas de estudo do Estado e pela concessão de
várias regalias (4). Tais medidas, mesmo sob as melhores condições,
requerem um período de tempo antes de darem frutos, ao passo que o
ambicioso programa de construção de Constantino e dos seus sucesso-
res precisava de um fornecimento imediato de todos os tipos de arte-
sãos em grande número. O resultado foi uma construção de má qualidade
e um tipo de decoração que, apesar de toda a sua pretensão, revelou
com clareza o seu provincianismo e a incompetência dos seus criadores.
Os pórfiros «Tetraroas», em Veneza, que como se sabe agora foram trazi-
dos de Constantinopla, oferecem uma boa ilustração do que era consi-
derado apropriado na arte de fazer retratos imperiais no período de
Constantino.
Juntamente com o declínio do artesanato tradicional apareceu um
crescente pedido de ostentação, pompa e brilho. Aqui a corte imperial
estabeleceu o tom: o conjunto teatral, o mármore e o mosaico, as tapeça-
rias púrpura, o ritual solene das audiências, entradas e saídas, a riqueza
extravagante das roupas. Havia uma arte de propaganda imperial com a
sua própria iconografia: o imperador sempre triunfante, maior do que o
tamanho natural, como que petrificado numa dada pose, recebendo tribu-
tos, distribuindo honrarias, pisando os pescoços do inimigo, presidindo a
jogos públicos. O que era apropriado ao imperador terreno era igualmente
apropriado a Cristo, e por isso a arte da Igreja não hesitou em ir buscar a
arte preexistente da corte. O Bom Pastor, no mausoléu de Gala Placídia,
em Ravena, já não está vestido como um pastor: usa uma túnica púrpura com
riscas douradas. Na Igreja de Santa Pudenciana, em Roma (e. 400 d.C.),
Cristo, em trajes esplêndidos, está entronizado numa êxedra semicircular
e recebe a aclamação dos apóstolos. Noutros locais Ele pisa a víbora e o
basilisco, como o imperador pisou os inimigos prostrados, ou recebe a
.! oferenda de coroas de ouro dos Seus discípulos e santos. Pode ver-se nas
representações artísticas um crescente uso de brilho que se acentua até que
í1
: 1
294
i; .i
1
1 .
J.I
ARTE E ARQUITECTURA

o fundo das composições se torna uma massa de ouro sólida, como na


cúpula em mosaico da rotunda em Tessalonica, possivelmente de meados
do século v. 1
Se a arte dos séculos IV e V pode ser vista em termos de uma degra-
dação do estilo clássico, tal padrão já não é adequado para julgar a arte da
época justiniana. Numa data não longe de 500 d.C. ocorreu uma alteração
estética. Ainda não estamos em posição de explicar como, ou por que
razão, mas há indicações de que o novo estilo foi deliberadamente intro-
duzido e nos círculos mais elevados da sociedade. O desenvolvimento da
escultura ornamental e do capitel, em particular, fornece uma boa ilustra-
ção deste fenómeno. Deve explicar-se que as pedreiras de mármore
de Proconnesus, no mar de Mármara, prosseguiam um activo negócio de
exportação, e que artigos já preparados, tais como capitéis, lajes de para-
peitos, púlpitos e outros, eram enviados para todas as partes do Império,
incluindo o Ocidente. Não interessa quem os desenhava, eram considera-
dos como algo de grande qualidade, e certamente estabeleceram a nova
moda em muitas terras distantes. Até bem dentro do século V, os ateliês
estatais do Proconnesus aderiram aos tipos de capitel tradicional, nomea-
damente, o coríntio (ou compósito) e o jónico. Independentemente de as
folhas de acanto e as volutas se tornarem pouco clássicas, as formas
básicas foram mantidas. A partir de cerca de 500 d.C. encontra-se uma
forma inteiramente nova, a imposta, decorada com um padrão global, às
vezes profundamente entalhada, parecendo uma fita num fundo escuro.
Uma linguagem totalmente nova em termos de ornamentos emerge nesta
altura, e o melhor local para a estudar é na Igreja de São Polyeuctus, em
Istambul (e. 524-527) (5). Era uma igreja muito grande (cerca de cin-
quenta metros quadrados), provavelmente com cúpula, mas a superestru-
tura desapareceu completamente, deixando apenas as suas fundações e
um grande número de elementos esculpidos em mármore do Proconnesus.
A última mostra a mais desconcertante variedade de ornamentos: pavões
com a cauda expandida, palmeiras estilizadas, palmeiras-anãs de tipo
sassânida, plantas trepadeiras em forma de voluta, trabalho de cestaria,
vasos com vegetais de formas estranhas a crescer. O efeito total deve
ter sido esmagadoramente opulento, talvez não inteiramente harmonioso;
de qualquer forma, representou uma quebra consciente com a tradição
clássica. Há dois factos importantes a reter sobre São Polyeuctus - pri-
meiro, que fora encomendada pela princesa juliana Anícia, uma das mais
aristocráticas e, possivelmente, a mulher mais rica que vivia então em

295
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Constantinopla; segundo, que fora construída cerca de menos de uma


década antes de Santa Sofia.
Os arquitectos e decoradores de Santa Sofia (532-537) terão tido
conhecimento de São Polyeuctus e parecem ter escolhido uma abordagem
mais moderada. Não há necessidade de falar da esplêndida Catedral
justiniana, pois já foi suficientemente descrita e discutida. Para mais, o
edifício chegou aos nossos tempos quase intacto. O visitante só precisa
de se lembrar que a cúpula original era mais baixa do que a actual cerca
de seis metros, de modo que a curvatura do tecto formava uma cobertura
mais contínua e produzia um efeito mais ousado; e que a iluminação
interior era mais forte do que hoje. pois as paredes laterais (tympana) da
nave parecem ter sido rasgadas por grandes janelas. Deverá ter também
em consideração a vastidão do mosaico dourado (agora apenas preservado
em fragmentos) e o esplendor do mobiliário, todo revestido a folha de
prata - o resguardo da capela-mor, o dossel sobre a mesa do altar, os
assentos em arco para o clero na abside e o monumental púlpito no meio
da nave. Ao contemplarmos hoje a estrutura vazia, não podemos deixar
de notar que também Santa Sofia é fundamentalmente um edifício não
clássico. A sugestão ténue da forma de basílica é a principal concessão à
tradição, mas as perspectivas do interior curvam em formas estranhas;
as colunas são de tamanho e proporções diferentes; a sequência superior
foi intencionalmente construída de modo a não alinhar com a inferior;
os capitéis são do tipo imposta entalhados; e a decoração original do
mosaico, tanto quanto se pode dizer, não tinha qualquer figura e imitava
o efeito de sedas cintilantes, avivadas com padrões abstractos. Os obser-
vadores do século XVIII não estavam totalmente enganados ao descre-
verem Santa Sofia como «gótica».
Há outros sinais de ruptura deliberada com o passado do período
justiniano. Enquanto a basílica ainda permanecia o tipo mais comum de
igreja nas províncias, os edifícios prestigiados tendiam cada vez mais a ter
cúpula, como São Vitale, em Ravena (e. 530-545), e São Sérgio e São
Baco em Constantinopla (e. 531-536). O pavimento axadrezado, que tinha
sido praticamente de rigueur nas igrejas do Período Inicial bizantino, foi
substituído em Santa Sofia por grandes blocos de mármore; não estava
destinado a ser recuperado séculos mais tarde. O entablamento horizontal
faz a sua última aparição em São Sérgio e em São Baco. Em relação à
pintura monumental, é difícil discernir uma tendência clara nos trabalhos
ainda existentes. Talvez a aproximação mais chegada da arte do capitel

296
A RTE E A RQUITECTURA

seja fornecida pelo mosaico da abside da Transfiguração no monte Sinai,


que data dos últimos anos do reinado de Justiniano. Com o seu sólido
fundo de ouro e figuras angulares suspensas no espaço, produz um efeito
de abstracção hipnótica.
Pode dizer-se, por isso, que um estilo distintamente bizantino tinha
aparecido no século VI sem, todavia, desalojar totalmente o que restava da
tradição clássica. Se o mosaico do monte Sinai, com a sua completa
eliminação de paisagem, era «progressivo», os de São Vitale, em Ravena,
eram conservadores: pois, no último monumento, as composições no
presbitério ainda se empenham no naturalismo. As figuras são sólidas e
têm um cenário «real» de céu, rochas e árvores. Mesmo os retratos mais
formais de Justiniano e de Teodora são feitos para sugerir uma acção que
está a decorrer num espaço tridimensional. Podemos a princípio não notar
que Justiniano e os seus acompanhantes são representados a caminhar, e
não parados, mas não se pode deixar de observar que a procissão tem
lugar no interior, sob um tecto em forma de arca. A coexistência do velho
e do novo, do naturalismo (independentemente de ser apresentado de
forma desajeitada) e da abstracção era o produto de uma sociedade que
apresentava ela própria contrastes semelhantes. O historiador Procópio,
que bebia nos ideais da Antiguidade, e João de Amida, cuja perspectiva
era essencialmente medieval, viveram no mesmo mundo.
A fusão dos dois opostos não parece ter sido alcançada no século e
meio que separa a morte de Justiniano da explosão da iconoclastia, apesar
de se poder referir que este longo período é muito pouco conhecido pelas
suas manifestações artísticas. Segundo a perspectiva de alguns eruditos a
idade em questão foi marcada pela crescente importância de ícones, e
nisto são apoiados pela prova de textos. É, por isso, tentador atribuir ao
final do século VI e século VII o pequeno número de ícones preservados
em encáustica, especialmente os esplêndidos exemplares do monte Sinai,
que parecem expressar a mesma intensidade de sentimento religioso
que encontramos em histórias contemporâneas de milagres ornamentados
por ícones. Infelizmente, estas pinturas notáveis não estão datadas, sendo
possível que algumas delas possam remontar ao tempo de Justiniano. Não
há, todavia, razão para duvidar da data do século VII relativamente a
um exemplo muito citado do estilo «icónico», a saber, o mosaico de
São Demétrio ladeado por doadores, na igreja do mesmo santo em
Tessalonica. O protector celestial que salvou a sua cidade dos ataques dos . !
Bárbaros ergue-se aqui em toda a sua magnificência imaterial e imóvel,

297
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

adequadamente assinalado pela rigidez geométrica do seu traje cerimonial


luminoso. No entanto, seriam os próprios Bizantinos sensíveis à distinção
que fizemos entre os estilos naturalistas e «simbólicos»? Uma leitura dos
textos relevantes sugere que não. Aos seus olhos, um ícone era um retrato
real que transmitia completamente o aspecto físico da personagem
sagrada representada. Nesta ligação temos que citar o Cânone 82 do
Concílio Quinissexto (692) (6). Ao censurar o velho hábito de representar
Cristo sob a forma de um cordeiro e recomendar que Ele deveria ser, em
vez disso, representado na forma humana, opõe-se à simbologia (typos) da
imagem. Argumenta que esta simbologia teria sido apropriada à Antiga
Lei, quando a Verdade podia ser mostrada apenas por sinais e sombras
ténues, ao passo que a Nova Lei não precisava de simbologia: Verdade
e Graça estavam lá, para todos verem, na forma humana de Cristo.
A mesma ideia foi mais tarde repetida e elaborada no Sínodo Ortodoxo
de 843. Considerar, por isso, a arte religiosa bizantina como simbólica
revela um grave mal-entendido: pelo contrário, procurava ser explícita,
literal, até mesmo realista.
A sobrevivência simultânea da tradição helénica do naturalismo está
documentada através de alguns exemplos pertencentes à esfera secular.
Aqui deve mencionar-se, em primeiro lugar, o pavimento de mosaico do
palácio imperial de Constantinopla que, a acreditar nas provas arqueoló-
gicas, deve ser posterior ao tempo de Justiniano. Este pavimento consti-
tuía o limite de um vasto pátio com colunatas, englobando uma grande
variedade de vinhetas dispostas num fundo branco. O tema é retirado da
vida rural: caça de animais, camponeses lavrando a terra, jogos de crian-
ças, uma mãe a dar de mamar, um pescador, um urso a matar uma ovelha,
um macaco a trepar a uma árvore, etc. A reprodução de figuras humanas,
animais e árvores é tão extraordinariamente expressiva, os efeitos colori-
dos tão variados e subtis, que muitos eruditos insistiram em atribuir o
mosaico a um período muito anterior. Contudo, o pavimento do palácio
não é um exemplo isolado da sobrevivência do classicismo: outro é forne-
cido por um número considerável de gravuras de prata que continuaram a
ser produzidas até cerca de meados do século VII, e que podem ser datadas
com precisão graças à marca que apresentam. Estes objectos não são ape-
nas antigos em estilo: muitos deles são decorados com assuntos retirados da
mitologia pagã, tais como Meleagro e Atalanta, Posídon, Sileno e Ménades.
Quando o Império Bizantino inicial chegou ao fim, deixou, pois, um
legado complexo e não assimilado, produzido, por um lado, por um

298
ARTE E ARQUITECTURA

classicismo de certa forma degradado e, por outro, por um estilo mais


abstracto e decorativo. É importante perceber que estes não correspon-
diam às esferas seculares e religiosas, respectivamente. Pelo contrário,
colocava-se permanentemente um certo grau de classicismo no corpo da
ilustração bíblica e hagiográfica que tinha atingido, como vimos, uma
I
forma canónica no início do século VI. Isto explica o facto, um pouco
estranho no início, de no Período Tardio bizantino o nível mais alto de
I
classicismo estar associado ao tema religioso tradicional.
A história da arte bizantina, desde cerca de 650 até cerca de 850, é
bastante omissa. Algumas deduções relativas à arte de Constantinopla, na
passagem do século VIII, podem talvez ser efectuadas a partir dos mosai-
cos e frescos, agora apenas preservados em fragmentos, executados em
Roma para o papa João VII (705- 707). O padrão artístico da cunhagem de
'j
ouro imperial foi na verdade aperfeiçoado, numa imitação directa dos
J
I
tipos dos séculos v e VI, sob Constantino IV, especialmente nos seus r,·

últimos anos (681-685), tendo-se mantido um bom nível sob Justiniano II,
o primeiro imperador a colocar uma imagem de Cristo nas suas moedas.
Estas manifestações não nos deverão surpreender, uma vez que corres-
pondem ao breve período de euforia e consolidação que se seguiu ao
fracasso do ataque árabe a Constantinopla.
O impacto da iconoclastia na arte tem que ser avaliado mais na base
de provas textuais do que de monumentos existentes. Dera-se, certamente,
uma vasta destruição de trabalhos anteriores comportando representações
religiosas: foram queimados ícones portáteis, pinturas de muros e mosai-
cos raspados ou caiados, gravuras litúrgicas derretidas, manuscritos ilumi-
nados mutilados. Não podemos, obviamente, imaginar que esta destruição
fora levada a cabo com a crueldade sistemática de um Estado policial
moderno. Por exemplo, ficamos surpreendidos ao saber que alguns mosai-
cos e pinturas do palácio patriarcal de Constantinopla, o centro nevrálgico
da iconoclastia, só foram removidos em 768, quarenta anos depois da
promulgação da sua proibição (7). Em Tessalonica, os mosaicos de São
Demétrio não parecem ter sido molestados, mas o mosaico da abside
.
,

de Monê Latomou (Hosios David), na mesma cidade, foi escondido atrás


de uma cobertura protectora. Em geral, parece-nos que a destruição foi
mais severa em Constantinopla e na Ásia Menor ou, por outras palavras,
em áreas que estavam sob um controlo governativo eficaz. Os iconoclas-
tas não conseguiram erradicar todos os traços da arte religiosa do cristia-
nismo primitivo no Oriente, mas certamente diminuíram o seu volume.

299
BIZÂNCIO. 0 lMP~RIO DA NOVA ROMA

Ao desenvolver uma forma substituta de decoração de igrejas, os


iconoclastas confiaram nos motivos «neutros». Na famosa Igreja de
Blachemae, em Constantinopla, ergueram imagens de árvores e vários
animais, incluindo garças, corvos e pavões, rodeados por ornatos espira-
lados de folhas de hera; ao fazê-lo, foram acusados pelos seus oponentes
de transformar a casa de Deus numa loja de fruta e num aviário (8). Assim,
consciente ou inconscientemente, voltaram ao tipo de decoração que
havia sido usada nas igrejas no século IV. Os iconoclastas também deram
mais ênfase ao ícone da cruz. Na Igreja de Santa Irene, em Constanti-
nopla, reconstruída depois do terramoto de 740, uma cruz simples, numa
base em escada, ocupa a semicúpula da abside - trata-se do mesmo
desenho que os imperadores iconoclastas usavam, de forma consistente,
na sua cunhagem. Cruzes semelhantes também existiam nas absides
de Santa Sofia, em Tessalonica, e na Igreja da Dormição, em Niceia
(destruída em 1922). Em ambos os casos a cruz foi mais tarde substituída
por uma figura da Virgem e do Menino. Algumas capelas rústicas na
Capadócia, e noutros locais, exibem uma decoração sem figuras, consis-
tindo em cruzes e uma variedade de motivos ornamentais, incluindo
animais e plantas. Estes foram muitas vezes atribuídos ao período ico-
noclasta, apesar de na maior parte dos casos a sua data ser um pouco
incerta.
Embora se opusessem ao uso de figuras humanas na arte religiosa, os
iconoclastas são conhecidos como tendo tolerado, e até encorajado, as
representações seculares tais como as cenas de caça e de hipódromo. Um
exemplo disto foi fornecido por um monumento chamado Milion, um arco
monumental, em Constantinopla, que marcava o ponto inicial da grande
auto-estrada que atravessava a península Balcânica. Este monumento fora
decorado com imagens dos seis concílios ecuménicos, que haviam sido
apagadas por Constantino V e substituídas por uma representação do seu
cocheiro favorito (9). Temas seculares figuravam também, de forma proe-
minente, nos esplêndidos edifícios que foram construídos no palácio pelo

imperador Teófilo: imagens de escudos e outras armas, de animais, árvo-
res e homens a apanhar fruta, são especificamente mencionados ( 1º). Uma
distinção semelhante, entre arte religiosa e secular, foi mantida pelos
califas omíadas de Damasco: enquanto a representação de todos os seres
humanos, e até de animais, era excluída das mesquitas, os palácios dos
príncipes eram livremente decorados com pinturas, mosaicos e esculturas
com efígies de governadores e cortesãos, imagens de caçadas e banquetes,

300
ARTE E ARQUITECTURA

de músicos e até de mulheres nuas. Enquanto a jurisdição do califa per-


maneceu na Síria, a arte da corte árabe e dos imperadores iconoclastas
parece ter fluído em canais paralelos.
A contribuição mais significativa do período iconoclasta para o desen-
volvimento da arte bizantina está, contudo, na formulação de uma teoria
exacta e de uma motivação para a pintura religiosa. Durante um século
inteiro as melhores mentes de Bizâncio debruçaram-se sobre este pro-
blema; e enquanto que os escritos dos teóricos iconoclastas foram destruí-
dos, os dos seus oponentes ortodoxos - dos patriarcas Germano e Nicéforo,
de São João Damasceno e de São Teodoro, o Estudita - enchem muitos
j
volumes. O debate foi conduzido num plano teológico e filosófico e
f
centrado em questões tais como a autoridade bíblica e patrística, a relação
entre imagem e arquétipo (a pessoa nele representada) e, especialmente, a [
admissibilidade de representar Cristo, que era tanto Deus como homem. t
A conclusão a que finalmente se chegou, era que cada um tinha o direito t
de retratar tais personagens sagradas como tinham na realidade aparecido
na terra na forma visível: Cristo porque era um homem completo, os san-
tos, e até mesmo os anjos, porque eles próprios se manifestavam numa
forma humana em várias ocasiões; mas não Deus, o Pai, nem a Santíssima
Trindade. Também se declarara que a imagem diferia do seu arquétipo no
que diz respeito à «essência» ou «substância» (ousia), mas que era idên-
tica em relação à «pessoa» (hypostasis). Era como a impressão de um anel
de sinete ou o reflexo num espelho. Por outras palavras, o ícone era consi-
derado um retrato verdadeiro e exacto.
Uma consequência inevitável desta definição era a imutabilidade dos
tipos iconográficos: o artista não tinha liberdade para alterar as caracte-
rísticas aceites deste ou daquele santo. Mas a definição também implicava
outra coisa, nomeadamente a validade dos tipos iconográficos. Em toda a
literatura do período iconoclasta ninguém, pelo que se sabe, pensou
em colocar a questão prática: como saber se o ícone é uma cópia? Por
\
exemplo, qual a prova que temos de que São Pedro tinha um nariz aqui-
lino e cabelo encaracolado grisalho? Mesmo que tivesse, bastaria retratar
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um homem com um nariz aquilino e cabelo encaracolado grisalho para
obter a cópia exacta de São Pedro? A incapacidade dos Bizantinos colo-
carem tais perguntas e o facto de verem o problema do ícone noutros
termos que não teológicos revelam uma verdade geral sobre a sua intuição
artística. A sua arte era indiferente ao indivividual e ao particular. Algu-
mas distinções principais, tais como a cor do cabelo, o comprimento e a 11·
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B IZÂNCIO. 0 IM PÉRIO DA N OVA ROM A

forma da barba, detalhes da roupa e a autenticação das inscrições,


eram consideradas suficientes para estabelecer uma identidade. Não é
por isso de admirar que a arte bizantina nunca tenha produzido nenhum
retrato real.
A restauração da adoração de ícones, entre 780 e 814, foi demasiado
transitória para deixar quaisquer resultados duradouros. Apenas depois
da liquidação final da iconoclastia, em 843, se fez um esforço maior
para recriar a arte religiosa. A tarefa não podia ter sido fácil, uma vez que
a tradição de pintura sagrada havia sido quebrada. Para ter a certeza, o
regime razoavelmente tolerante de Miguel II e Teófilo não conseguiu
evitar que alguns homens determinados pintassem, sub-repticiamente,
ícones ou manuscritos ilustrados, mas, mesmo assim, quando o pintor
Lázaro (um dos poucos que conhecemos pelo nome) foi surpreendido
neste tipo de actividade, sujeitaram-no a tortura física e prisão ( 11 ). Havia,
contudo, um amplo abismo entre trabalho de pequena escala, que poderia
ser levado a cabo em segredo, e a formação de ateliês regulares, capazes
de redecorar as vastas igrejas de Constantinopla. A tarefa era tão grande
que o seu cumprimento teve que ser alargado por mais de um século: em
Santa Sofia, o primeiro mosaico figurativo, o da Virgem e do Menino na
abside, que ainda existe, foi feito em 867; a Igreja de São Sergius e São
Baco foi redecorada entre 867 e 877, a dos Santos Apóstolos entre 867 e
886, a da Virgem Maria da Fonte (fora das muralhas de Constantinopla)
algum tempo depois de 879. Além disso, estavam a ser construídas
muitas igrejas novas, as quais também precisavam de decoração pintada.
A segunda metade do século IX deverá ter sido uma altura de intensa
actividade para os artistas bizantinos.
Muitas das fórmulas adaptadas depois de 843 continuariam a ser usa-
das nos trezentos anos seguintes, se não mais. Na arquitectura eclesiástica,
o edifício com cúpula estava agora firmemente estabelecido. Quando
comparado com as igrejas do tempo de Justiniano, as do século IX e dos
séculos seguintes eram distintamente pequenas. De facto, os arquitectos
bizantinos nunca mais construiriam em larga escala - algo que merece
ponderação. O desenho de dupla armação, como o de Santa Sofia, foi
abandonado a favor de um interior mais unificado. Constantinopla deu
preferência à planta em cruz de braços iguais, onde a cúpula central era
suportada por quatro colunas estruturais, um modelo que encontramos
pela primeira vez nos mosteiros bitínios, no final do século VIII. Havia
uma tendência para as cúpulas múltiplas, como já na Nea Ekklêsia (Nova

302
A RTE E A RQUITECTURA

Igreja), dedicada por Basílio I em 880, que tinha cinco - presumivel-


mente, uma no centro e uma em cada um dos quatro cantos do quadrado.
O exterior permaneceu, de início, bastante triste, como no Período Inicial
bizantino, mas tornou-se progressivamente alegre com as pilastras e arca-
das embutidas, produzindo assim um efeito mais de arte plástica. Também
se desenvolveu uma preferência por silhuetas mais altas e menos atarraca-
das. A partir do século XI, usava-se o ladrilho para formar padrões orna-
mentais no exterior, mas mais nas províncias do que em Constantinopla.
O tratamento do interior permaneceu, em princípio, como tinha sido
no Período Inicial bizantino. As superfícies verticais das paredes estavam
cobertas com blocos de mármore de cores diferentes até à imposta dos
arcos e abóbadas, marcada por uma cornija saliente; o espaço acima da
cornija estava decorado com mosaico. Nas igrejas mais modestas, o
mesmo efeito era imitado com tinta. Entalhe ornamental raso, habitual-
mente realçado com tinta e brilho, era aplicado à cornija, às lajes do para-
peito, às ombreiras das portas e das janelas e, especialmente, ao templon,
o anteparo de mármore aberto, que separava o presbitério da nave. Hoje é
difícil captar a extraordinária, embora excessiva, riqueza de tais interiores,
uma vez que todas as igrejas bizantinas deste período que sobreviveram
sofreram mutilações: Hosios Loukas, na Grécia, e São Marcos, em Veneza
estão talvez mais perto de transmitir o efeito final pretendido.
Foi na decoração de mosaico que os artistas bizantinos atingiram o seu
maior sucesso. Há razões para acreditar que a fórmula para tal decoração,
adaptada à arquitectura contemporânea, foi desenvolvida no século IX,
mas não há nenhum exemplar, razoavelmente completo e preservado, que
seja anterior ao século XI. Em Santa Sofia, em Constantinopla, os mosai-
cos de figuras executados a partir de 867 podem apenas ser descritos
como encaixes, esplêndidos em si próprios, mas inevitavelmente em desa-
cordo com a imensidão do seu cenário arquitectural. Em Santa Sofia, em
Tessalonica, os mosaicos, provavelmente, do século IX, limitam-se à
Ascensão na cúpula. Para encontrar uma decoração de mosaico que
abranja todo o interior de uma igreja temos que ir até Hosios Loukas
(início do século xi), a Nea Monê, em Quios (1042-1056) e Daphni, perto
de Elêusis (e. 1100). Exemplos mais antigos chegam-nos apenas através
de textos.
Apesar das suas diferenças, estas decorações têm muitas caracte-
rísticas comuns. O mais importante é que a disposição dos assuntos é
hierárquica. A disposição normal do Período Médio bizantino (não nos

303
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

estamos a referir a nenhum monumento específico) é, mais ou menos, a


seguinte. A parte mais alta da igreja, o centro da cúpula, é reservada para
a Divindade, habitualmente na forma de Cristo Pantocrator (o governante
do universo): é um busto de Cristo fechado num medalhão circular. Cristo
está, às vezes, rodeado pela sua escolta angélica de arcanjos, serafins e
querubins. O segundo local de honra - a semicúpula da abside - é reser-
vado para a Virgem Maria que, habitualmente, está ladeada pelos arcanjos
Miguel e Gabriel. Por baixo de Cristo e do Seu séquito vêm os apóstolos
e os profetas; por baixo da Virgem pode ver-se a Comunhão dos Apósto-
los, assim como as figuras dos santos eclesiásticos. isto é, os bispos
(São João Crisóstomo, São Basílio, Santo Atanásio, os dois São
Gregórios, etc.) e os diáconos (Santo Estêvão, São Lourenço, etc.), que
estão assim representados como se fossem participar na liturgia celebrada
dentro do presbitério. Os quatro pendentes de abóbadas que suportam a
cúpula eram tradicionalmente ocupados pelos quatro Evangelistas. A zona
da nave, por cima da comija, tinha espaço para um ciclo das cenas do
Novo Testamento. Qualquer superfície de parede remanescente, na nave,
era atribuída a figuras únicas de santos «seculares», muitas vezes agrupa-
dos por categorias, tal como os guerreiros sagrados (Jorge, Demétrio, os
dois Teodoros, e por aí adiante), os médicos (Cosmas, Damião, Pan-
teleemon), os monges (António, Arsénio, Eutímio) ou os mártires. O prin-
cípio geral desta disposição permaneceu em vigor até ao final do Império
Bizantino; de facto, foi conservado pela Igreja Ortodoxa até hoje.
Dizer que um esquema decorativo, tal como o que descrevemos,
forma a civitas Dei seria uma evidência, uma vez que todas as igrejas
cristãs se esforçam, de uma forma ou de outra, por representar o Reino
de Deus. Digamos que o que distingue o sistema bizantino do românico e
do gótico é que civitas Dei foi restringida a uma ideia principal: a Nova
Lei cristã. Não é um speculum mundi: não encontramos na decoração da
igreja bizantina quaisquer alegorias de virtudes e vícios, quaisquer signos
do zodíaco, quaisquer representações de actividades rurais típicas de cada
mês do ano, quaisquer artes liberais, quaisquer vinhetas de trocas comer-
ciais e ofícios. O que os Bizantinos chamavam «conhecimento exterior»
foi mantido de fora. Até o Antigo Testamento fora excluído, à excepção
das figuras dos profetas cuja função era anunciar a Encarnação. Mais
uma vez somos levados de volta ao Concílio Quinissexto e ao Sinódico
Ortodoxo: as sombras e ícones da antiga ordem tomaram-se desnecessá-
rios pela suprema realidade, o aparecimento de Deus entre os homens,

304
ARTE E ARQUITECTURA
1
pela acção da Virgem Maria. A civitas Dei bizantina é o Novo Testamento l
e o coro dos santos cristãos.
Outra característica da decoração da igreja bizantina, do século IX até
ao século XII, é a restrição do elemento da narrativa. Em vez dos prolon-
gados ciclos da arte primitiva cristã, a história do Novo Testamento foi
condensada num número limitado de episódios-chave, uma espécie de
1
calendário litúrgico composto pelas principais festas, começando com a
Anunciação (habitualmente no pé-direito que ladeia o presbitério) e
terminando com a Dormição da Virgem (na parede ocidental da nave). Tal
selectividade estava de acordo com a forma arquitectural da igreja bizan-
tina do Período Médio. Uma vez que as superfícies verticais das paredes
estavam cobertas com mármore, quase não havia espaço na nave para
mais de uma dúzia de composições figurais, desde que estas estivessem
representadas numa escala razoavelmente grande.
Considerando a decoração da igreja bizantina média, de um ponto
de vista formal, somos surpreendidos, em primeiro lugar, pela eliminação
de «espaço de imagem». Elementos de paisagem e de arquitectura foram
removidos o mais possível e substituídos por um fundo dourado uniforme.
Em algumas composições, tais como a Natividade, o Baptisrno e a
Entrada em Jerusalém, como o cenário não poderia ser totalmente elimi-
nado foi transmitido por um número de apoios simples, como no palco
moderno. Bastava uma cruz para a Crucificação. Na Anastase (Angústia
do Inferno), a ideia de inferno podia ser transmitida por um pequeno
e escuro precipício, cheio de urna série de ferragens (as fechaduras e
parafusos do Inferno) e com dois sarcófagos de onde os eleitos emergiam.
Na Anunciação, a casa da Virgem podia ser omitida, deixando apenas os
dois protagonistas. Na Lavagem dos Pés (como em Hosios Loukas), dois
bancos e urna bacia eram os únicos suportes necessários.
A ausência de perspectiva natural, que é outra característica da arte l,.l / li
bizantina, remonta directamente ao Período Inicial cristão. O tamanho das
figuras numa composição depende mais da sua importância hierárquica 1
do que da sua posição no espaço. Consideremos, por exemplo, a bela /l / t
Natividade em Daphni: a Virgem Maria e José estão colocados no ~ ;
mesmo plano, no entanto, a Virgem é distintamente maior do que o seu
marido. Os anjos são, mais ou menos, do mesmo tamanho que José, mas
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estão de pé, a urna distância considerável, atrás de uma montanha. Dois J 1
deles ainda conseguem esticar os braços sobre a montanha que, por isso,
aparece como um objecto de papel machê com quase um metro de altura.

305
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BIZÂNCIO. 0 iMPéRIO DA NOVA ROMA

A perspectiva oposta, ou meramente inconsistente, é regularmente apli-


cada a peças de mobília, tais como tronos que parecem mais estreitos à
frente do que atrás, e cujo assento está, habitualmente, inclinado para a
frente num plano curvado - um fenómeno que já é observável nos mosai-
cos do século v de Santa Maria Maior. A distância já não é indicada pelas
gradações de cor, nem há uma fonte uniforme de iluminação. As figuras
não têm sombras. Apesar destes artifícios que visam criar um efeito con-
trário ao da ilusão, as figuras humanas individuais permanecem. por
vezes, surpreendentemente antigas. A razão disto está, acredita-se, na
extraordinária tenacidade da tradição iconográfica da ilustração bíblica.
A instrução do artista bizantino envolve a reprodução fiel das fórmulas
que, como vimos, iam até ao Período Tardio do Império Romano. Pela
mesma razão todas as figuras bíblicas mantiveram o seu traje antigo,
consistindo numa túnica e clâmides: não se usavam os trajes bizantinos
contemporâneos. Aqui somos confrontados com um problema mais vasto
que tem sido objecto de discussão prolongada, isto é, a relação da arte
bizantina com a arte antiga, pelo que teremos de fazer uma breve pausa
para a examinar.
Na opinião de muitos académicos recentes, a história da arte bizantina
foi pontuada por alguns movimentos de renascimento, dos quais os
mais importantes são reconhecidos como sendo os chamados Renas-
cimentos macedónio e paleólogo. O primeiro destes adquire o seu nome
da dinastia macedónia e, acredita-se, com indícios algo questionáveis, que
atingiu o seu auge no reinado de Constantino VII Porfirogeneta. Deve
dizer-se de imediato que o Renascimento macedónio não se reflecte em
qualquer trabalho existente de pintura de mural ou de mosaico; a sua
marca é apenas sentida nas artes menores, especialmente nos manuscritos
iluminados e nos marfins esculpidos.
No campo da iluminura de manuscritos, os mais importantes «traba-
lhos de renascimento» são o Saltério de Paris (Parisinus gr. 139), a Bíblia
do patrício Leão, no Vaticano (Reginensis gr. I ), o Rótulo de Josué, tam-
bém no Vaticano (Palatinus gr. 431) e os Evangelhos de Stavronikita
(Mosteiro de Stravonikita, no monte Atos, cod. 43). O Saltério de Paris é,
provavelmente, o mais impressionante destes manuscritos, por isso deter-
-nos-emos para analisar a famosa miniatura que representa a oração de
Isaías. Externamente, é muito antiga. O profeta está ladeado por duas per-
sonificações, a Aurora, na forma de um querubim, e a Noite, uma figura
esbelta que segura um véu encrespado, que parece descer de alguma

306
ARTE E ARQUITECTURA
~
i
antiga Hécate ou Selene. No entanto, o efeito geral é, de certa forma, insa-
tisfatório. As figuras estão alinhadas sem qualquer preocupação de
composição ou escala, o desenho tem falsos locais (especialmente no caso 1
da Aurora), a faixa de solo não se esbate, sendo a sua linha terminal desa- /·
jeitadamente disfarçada por arbustos em flor. Ou considere-se a Unção
de David no Reginensis gr. 1 (datada de cerca de 940). Aqui, mais uma
vez há um ar superficial de antiguidade, mas a arquitectura por trás faz
pouco sentido - a mão esquerda da figura de Clemência cresce direc-
tamente do cotovelo, e os seis irmãos de David têm apenas dois pares de
pernas. O Rótulo de Josué, um exemplo único de ilustrações contínuas,
exibe a mesma mistura de personificações antigas, as cenas de «Pompeia»
e parte de desenhos de figuras mal interpretadas. Todos os três manus-
critos reproduzem a iconografia tradicional do Antigo Testamento, e são
cópias mais ou menos fiéis dos originais do Período Inicial bizantino. Até
que ponto as cópias partem dos seus originais perdidos é agora quase
impossível determinar; mas mesmo que tenha havido alguma adaptação,
ela não atinge um fenómeno de criatividade genuína. Os pseudoclássicos
mais do que os clássicos, os manuscritos iluminados do Renascimento
macedónio reflectem o gosto pela antiguidade artificial e anémica dos
círculos da corte.
Observações muito semelhantes podem ser feitas em relação às gra-
vuras de marfim do período macedónio. Figuras individuais têm, oca-
sionalmente, algo da qualidade da estatuária antiga, como no painel que
representa os apóstolos João e Paulo (agora em Veneza), a ajuda do com-
panheiro de André e Pedro, em Viena, o tríptico Harbaville, no Louvre,
etc. Contudo, o classicismo nunca se estende para além das figuras indivi-
duais. No marfim romano do Cabinet des Médailles, de cerca de 945,
Cristo está na forma antiga, enquanto o par imperial parece bone-
cos empalhados, sendo a mobília representada em perspectiva inversa.
As composições narrativas podem ter resultado de um recurso ao «relevo
pictórico» da forma helénica, mas a oportunidade não foi aproveitada.
De considerar, por exemplo, a insígnia dos· Quarenta Mártires no Museu
de Berlim. O tema, que deve vir de um original bizantino iniciai, repre- ff:':
,,
•'
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senta os santos a congelar até à morte num lago. Ao variar a elevação
'!
do relevo, o gravador podia ter conseguido uma ilusão de profundidade,
todavia, optou por não o fazer. O trabalho figurativo é bom, mas a sua
profundidade não é uniforme, com o resultado de que os santos parecem
estar empilhados num monte. O que é particularmente instrutivo, no

307
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

domínio de marfins bizantinos, é que encontramos a menor quantidade de


estilo clássico precisamente onde poderíamos ter esperado encontrar a
maior, nomeadamente, no grupo de umas decoradas com assuntos mito-
lógicos, e outros seculares, de que a uma de Veroli, no Museu Alberto
e Vitória, é um excelente exemplo. Nestes objectos, as figuras surgem
sempre como pigmeus obesos que cabriolam, sem a elegância e a tran-
quilidade que, no domínio dos marfins, caracteriza os santos cristãos, e
somente eles.
É, por isso, bastante errado chamar ao Renascimento macedónio um
regresso à Antiguidade. Se os artistas bizantinos tivessem tido a avidez de
imitar a arte clássica, não teria havido falta de modelos ao seu alcance.
A própria Constantinopla era um museu de estatuária antiga reunida para
propósitos de decoração urbana entre os séculos IV e VI; o campo também
estava cheio de vestígios clássicos. Para dar apenas um exemplo, o grande
templo de Adriano, em Cízico, com a sua riqueza em escultura, ainda
estava de pé no século XV, quando foi descrito por Círio de Ancona.
No entanto, parece que os Bizantinos lhe deram pouca atenção. De facto,
o objectivo do Renascimento macedónio, tanto na arte como na literatura,
consistia num regresso não à antiguidade pagã, mas ao período em que o
Império cristão fora grande, tal como o objectivo político dos imperadores
macedónios fora a restauração do reino de Justiniano. Esses fragmentos e
peças da arte cristã primitiva que tinham sobrevivido aos problemas
iconoclastas eram imitados para benefício dos imperadores e cortesãos,
mas não houve assimilação de valores clássicos. O movimento, como
dissemos, parece ter sido restringido às artes menores; significativamente,
não se fez nenhuma tentativa para criar grandes esculturas em pedra ou
bronze, nem mesmo estátuas imperiais. No final do século X, o renasci-
mento da corte tinha morrido. Pode ter deixado alguma marca no desenho
de figuras no período que sucedeu, mas não desviou a arte bizantina do
seu curso natural.
Aquela que se pode chamar a fase madura da arte bizantina situa-se,
aproximadamente, entre os anos 1000 e 1150, durante o período de ressur-
gimento urbano. Esta arte tinha uma ampla radiação além dos confins do
Império: os artesãos bizantinos eram chamados a Kiev e Novgorod, ao
Monte Cassino, a Palermo e a Cefalü, A influência bizantina entrava em
Itália através de Veneza, da Sicília e dos territórios imperiais situados no
Sul da península. Mais a norte, particularmente na Germânia, a difusão do
estilo bizantino verificou-se numa data mais tardia (desde cerca do final

308
ARTE E ARQUITECTURA

do século XII), principalmente através de trabalhos portáteis tais como


manuscritos iluminados.
No domínio da arquitectura, o século x viu mais actividade do que j
qualquer período anterior desde a queda do Império Bizantino inicial. 1
Também mostrou alguma originalidade. Infelizmente, sabemos muito
pouco sobre as grandes fundações imperiais em Constantinopla. cuja
extravagância é censurada por Pselos, por exemplo, no Mosteiro da
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f

Virgem Peribleptos, construído por Romano III, e o de São Jorge de


Mangana, encomendado por Constantino IX. Pode conjecturar-se que
forneciam modelos para monumentos contemporâneos na Grécia, tais
!
1:
como Hosios Loukas, Nea Monê e Daphni - todos os três partilham uma
nova forma, a de um espaço interior octogonal coberto por uma cúpula em
arco de suporte. Uma vez que esta forma veio quase de certeza da
Arménia, os arquitectos bizantinos deviam estar desejosos de aceitar
inspiração de terras distantes. Também levaram a sua própria perícia ao 1
estrangeiro, ao empreender grandes projectos como Santa Sofia em Kiev
e a reconstrução da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém.
Já indicámos algumas das características salientes da pintura deste
período, talvez sem assinalar suficientemente a sua originalidade estilística.
O trabalho dos séculos rx e x parece ter sido reproduzido, frequentemente,
a partir de modelos muito anteriores, sem qualquer transformação criativa,
ao passo que o do século XI tem um selo mais distinto. Afastou-se do
classicismo para uma abordagem caligráfica de duas dimensões, que às
vezes é decorativa e elegante (como em muitos manuscritos iluminados),
noutras alturas vigorosa e severa. A linha, mais do que modelar, tem um
papel cada vez mais importante. Os tecidos, às vezes, assumem vida própria
com uma turbulência que não é justificada pelo movimento da figura.
Remoinhos de pregas concêntricas são aplicados no peito e nádegas, e a
parte final da clâmide esvoaça com frequência, como se fosse varrida por
um vento forte. Embora não seja fácil organizar os trabalhos que sobrevi-
veram numa sequência evolucionária estrita, pode dizer-se que um koinê
pictórico foi elaborado durante este período, uma espécie de vernáculo que
os artistas bizantinos perceberam e usaram numa vasta área geográfica.
Meados do século XII marca outro ponto de viragem e o início de um
desenvolvimento mais rápido da pintura bizantina. As novas tendências
podem ser vistas na decoração de Nerezi, datada de 1164, na Macedónia
jugoslava. É um trabalho da mais alta qualidade encomendado por
um membro da família imperial - Aleixo Comneno. neto do imperador

309
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Aleixo I. Os frescos de Nerezi são altamente estilizados, no entanto


carregados com uma intensidade dramática. Notamos aqui certos fenó-
menos que iriam ser continuados e exagerados no meio século seguinte:
agitação de tecidos que tende a formar pregas ondulantes, composição de
figuras em termos de grupos (como na Deposição da Cruz, onde a Virgem
e João, o Evangelista se curvam para a frente, para segurar o corpo caído
de Cristo, formando assim uma espécie de arco) e um plano em que as
figuras humanas estão fechadas dentro da linha de montanhas que ecoa as
formas do corpo (como na Lamentação e na Transfiguração). O próximo
passo da evolução, marcado por uma turbulência crescente de movimento
e tecidos, unificação de composições e uma crescente ênfase em telas
de fundo arquitecturais, pode ser visto no vasto conjunto de mosaicos de
Monreale, executado nos anos setenta e oitenta do século XII, por um
ateliê que estava em contacto com as últimas tendências em Constanti-
nopla. E assim se chega à última fase de pintura bizantina, antes de 1204,
que nos aparece representada por um número de pequenas igrejas provin-
ciais: Kurbinovo, no lago Prespa (1191 ), a Anargyroi, em Kastoria (não
datada) e Lagoudera, em Chipre (1192). Um belo ícone da Anunciação, no
monte Sinai, exemplifica o mesmo estilo com mais elegância e pode, por
isso, ter sido feito em Constantinopla. O estilo em questão é verda-
deiramente fin de siêcle: as figuras, alongadas e torcidas, estão cobertas
com um rolo de pregas como serpentinas e, por vezes, uma teia de estrias
douradas. Em Lagoudera, são usadas formas arquitecturais complexas
como pano de fundo, apesar da sua interpretação permanecer a duas
dimensões. Os ícones do Sinai exibem, de forma surpreendente, em pri-
meiro tela, um riacho a correr: as suas águas são habitadas por garças,
patos, peixes e polvos, todos desenhados a uma escala absurdamente
pequena se comparada com as figuras humanas, mas mostrando contudo
um novo interesse pelo detalhe pitoresco.
A impressão, sugerida pelos monumentos acima, de uma convulsão
artística, entre cerca de 1150 e 1200, é confirmada por outras fontes.
A escultura «principal» que havia estado inactiva durante vários séculos,
parece ter revivido ou, de qualquer forma, pensou-se no seu reviver:
o imperador Andronico I, dizem, estava prestes a construir a sua própria
estátua em bronze quando foi derrubado do trono(I2). O campo da arte
secular foi alargado: o canonista Balsamon (falecido e. 1195) relata que os
homens ricos tinham, nas suas casas, imagens de temas eróticos e entalhes
de figuras em estuque(13). O mais significativo de tudo era a emergência

310
ARTE E ARQUITECTURA

do artista como indivíduo. O pintor principal deste período foi um tal


Eulálio que participou na redecoração da Igreja dos Santos Apóstolos em
Constantinopla, e diz-se que incluiu o seu próprio retrato, vestido no seu
traje diário, numa representação de Mulheres no Sepulcro ( 14) - uma 1

liberdade completamente surpreendente para os padrões bizantinos. Dois j


outros pintores chamados Chênaros e Chartoularis usufruíam de favores
na corte (15). Em 1200, o peregrino russo António de Novgorod menciona
um pintor contemporâneo de grande talento, um tal Paulo que foi respon-
sável por uma intrincada interpretação do Baptismo de Cristo em Santa
Sofia ( 16). É também na mesma metade do século que as «assinaturas» de
pintores (inscrições em que o pintor é nomeado) começam a aparecer na
arte monumental. O caso mais antigo, pelo que se sabe, está na Igreja da
Natividade, em Belém onde em ll69 um novo grupo de mosaicos foi
executado pelos artistas Efraim e Basílio. Em 1183, um tal Teodoro
Apseudes assinou os murais no eremitério de São Neófito, em Chipre. 1 1
Embora sempre excepcionais, as assinaturas dos pintores tomam-se rela- l
tivamente mais frequentes a partir desta altura.
A história da arte bizantina no século XIII e, mais particularmente, no
período 1204-1261, ainda não foi satisfatoriamente desvendada. Supõe-se
que um grande número de artistas fugiu de Constantinopla e encontrou
1
1

emprego em várias cortes ortodoxas: primeiro, na corte grega de Niceia,


Trebizonda e Arta, talvez também nas cortes sérvia e búlgara. É uma pena
que não se saiba nada de definitivo sobre a arte de Niceia, que era o cen-
tro do mais dinâmico dos três principados gregos e tem, por isso, uma
forte pretensão de ter tido um papel líder no desenvolvimento artístico.
Pode-se esclarecer este assunto, se as pinturas enegrecidas, na arruinada
Igreja de Santa Sofia, em Niceia, alguma vez forem limpas. Tudo o que se
pode dizer, no presente, é que as pinturas dos monumentos mais marcan-
tes do século XIII bizantino estão situadas na Jugoslávia - estamos a
referir-nos em particular a Milesevo (e. 1230-1236) e Sopoéani (e. 1265). 1
Infelizmente, nada sabemos dos verdadeiramente grandes artistas que f
j
decoraram estas duas igrejas. Em ambos os casos foi feita uma tentativa, -~
pouco habitual, para tentar imitar mosaicos com tinta, pois em vez do
normal fundo azul, encontramos fundos amarelos (originalmente
dourados), cobertos com uma fina grelha de linhas escuras. O estilo destas
duas decorações, embora mostre algum contacto com os modelos cristãos
primitivos, é particularmente extraordinário pelo seu sentido de volume.
As figuras humanas, especialmente em Sopoéani, são como estátuas e

311
BIZÂNCIO. 0 lMPéRIO DA NOVA ROMA

estão colocadas à frente dos fundos arquitecturais vistos a três dimensões


- casas, êxedras, colunatas, com peças de tecido à volta das colunas, ou
estendidas de uma estrutura para outra, por outras palavras, que vêm da
arte da Antiguidade tardia. As mesmas tendências são também aparentes
nos frescos recentemente limpos de Santa Sofia, em Trebizonda (e. 1250),
mostrando assim que temos perante nós um fenómeno não confinado à
Sérvia, mas comum a todo o mundo bizantino.
A pintura paleóloga representa o último esforço criativo da arte bizan-
tina e, pressagiada em Sopoéani, emerge quase em simultâneo com a
recuperação de Constantinopla aos Latinos (1261 ). A radiação deste
estilo, embora não tão vasta como a dos Comnenos, fora todavia conside-
rável: encontra-se por todos os Balcãs, em partes da Ásia Menor e, numa
data mais tardia, na Rússia. Esta é a prova clara do prestígio cultural dos
Bizantinos, mesmo numa altura de profunda fraqueza política.
O exemplo mais famoso do estilo paleólogo é facultado pelos mosai-
cos e frescos de São Salvador em Chora (Kariye Camii), em Constanti-
nopla, executados cerca de 1315-1321, por ordem de Teodoro Metochites,
ministro das Finanças e mais tarde primeiro-ministro do imperador
Andronico 11. Este monumento pode servir, pois, para definir as carac-
terísticas da nova arte. O que nos surpreende, em primeiro lugar - e isto
aplica-se a todas as igrejas paleólogas-, é a multiplicação de imagens e a
sua pequena escala. Comparada com a arte bizantina dos séculos XI e XII,
o elemento da narrativa foi bastante aumentado. Em Kariye Camii, só nos
dois nártices (a decoração da nave já quase desapareceu completamente)
podemos ver um ciclo dedicado à vida da Virgem, que originalmente con-
sistia em vinte episódios, um ciclo da infância de Cristo em catorze episó-
dios e um ciclo do ministério de Cristo, que consistia em, pelo menos,
trinta e duas cenas. Uma vez que estamos a lidar com um espaço razoavel-
mente pequeno, o efeito geral é de uma superpopulação pictórica extrema.
Noutras decorações paleólogas, tais como a de Deêani (e. 1348), na
Sérvia, o número de cenas é ainda maior: tem-se a impressão de que todas
as paredes estão apinhadas de figuras.
o 1
O efeito de superpopulação é ainda ampliado pelo facto de o fundo de
todas as composições narrativas não ser deixado relativamente plano,
estando antes sobrecarregado com uma variedade de formas arquitectu-
•! ' rais. Isto produz uma certa ilusão de profundidade, mas o uso da terceira
! r
dimensão é sempre contraditório e, aos nossos olhos, confuso. Em regra,
a acção tem lugar numa espécie de palco estreito que é delimitado, no

312
ARTE E ARQUITECfURA

fundo. por uma parede com um número de alas e pavilhões salientes. Em


vez de existir um único ponto de vista, há habitualmente vários: na mesma
imagem um edifício pode ser visto de cima e outro de baixo. um da direita
e outro da esquerda. Nem nunca se tentou produzir uma ilusão de espaço
interior como Duccio e Giotto fizeram, alguns anos antes da execução de
decoração de Kariye Camii - mesmo quando uma cena é feita para ter
(
lugar no interior. o tecto é sempre omitido. 1
Os «grupos de teatro» da pintura paleóloga são povoados com figuras 1
alongadas, que tendem a ter cabeças e pés muito pequenos (os últimos /
estão muitas vezes mal ligados ao tornozelo), cinturas grossas e barrigas 1
da perna inchadas. São embrulhados em roupas largas que caem, ou ondu- j
lam numa cascata de pregas, terminando habitualmente numa língua pro-
nunciada. Embora a sua estrutura anatómica seja incerta, as figuras têm
um relevo considerável devido ao uso de realces brilhantes. O esquema de
cor é muito rico, exibindo frequentemente justaposições mais carregadas,
tais como de azul e púrpura. A expressão da cara é pensativa, doce e quase
sentimental: a rigidez da pintura bizantina inicial desaparecera.
Quando os mosaicos de Kariye Carnii atraíram a atenção dos espe-
cialistas, há cerca de cem anos, apenas podiam ser comparados aos
trabalhos de Cavallini, Giotto e Duccio. Um pouco mais tarde as decora-
ções semelhantes da igreja de Mistra passaram a ser conhecidas, e assim
apareceu a questão de Oriente ou Ocidente? - da relativa prioridade dos
Renascimentos italiano e bizantino, uma questão que fez correr muita
tinta. Hoje, o número de decorações paleólogas disponíveis para estudar
é. na verdade, considerável, e muitas delas são muito mais antigas do que
Kariye Carnii, que é vista como representando uma fase de certa forma
académica e decadente do estilo. A relação da pintura paleóloga, que
agora reconhecemos como sendo de crescimento inato, com a da Itália
permanece ilusória, e embora possamos falar de um paralelismo geral
entre as duas, o número de cedências específicas feitas pelos pintores
bizantinos do Ocidente é extraordinariamente pequeno. Isto não é sur-
preendente se nos lembramos que este período, em Bizâncio. foi domi-
nado pela hostilidade para com o catolicismo latino e romano. Em vez de
se virarem para o Ocidente, os pintores bizantinos voltaram-se para o seu
próprio passado, e parece que encontraram modelos, muitos, entre os
manuscritos que imitam o estilo clássico do século X, que eram eles pró-
prios cópias de manuscritos muito anteriores, dos séculos v e VI. Falar, por
isso, do Renascimento paleólogo é bastante enganador, porque o termo

313
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

«renascimento» implica um alargamento de horizontes e a libertação do


espírito, enquanto a arte paleóloga sugere um envolvimento antiquário.
O género da primeira metade do século XIV foi capaz de mais desenvol-
vimento. Podia mover-se na direcção de uma espiritualização mais intensa,
como fez no trabalho desse grande mestre supremo, Teófanes, o Grego, que
esteve activo em Novgorod e Moscovo, entre 1378 e 1405; ou poderia
mover-se para uma maior «laicização», absorvendo detalhes da vida e trajes
contemporâneos, fazendo composições mais pitorescas, como nos
fascinantes frescos de Ravanica (e. 1375-1385) e Manasija ( 1406-1418), na
Sérvia, e os de Peribleptos (final do século XIV) e Pantanassa (1428-1445),
em Mistra. O colapso político de Bizâncio evitou, no entanto, estas duas
tendências promissoras de mais desenvolvimento em solo nacional. Era
agora na Rússia que a herança artística bizantina, transformada por uma
intuição diferente, teria os seus mais ricos frutos, enquanto Creta, ocupada
pelos Venezianos, se fundiu com o Renascimento italiano e o maneirismo.
A arquitectura do período paleólogo, embora não tão significativa
como a pintura, tem o seu próprio encanto considerável. Aqui a dívida
para com o Ocidente é por vezes mais significativa. O Parigorítissa. em
Arta (e. 1290), tem a aparência de um palácio italiano e contém arqui-
voltas entalhadas de uma forma puramente ocidental. Alguns edifícios
seculares, tais como o chamado Tekfur Saray, em Istambul (final do
século Xlll), os palácios de Mistra e Trebizonda, têm a mesma forma
cúbica, com múltiplos andares, e os dois últimos têm janelas em forma de
ogiva. A maioria das igrejas paleólogas é, contudo, de tradição bizantina
pura. Distinguem-se pelas suas silhuetas altas, pela quebra de superfícies
planas e por um uso extravagante de ornamento exterior: a Igreja dos
Santos Apóstolos, em Tessalonica (e. 1315), é um bom exemplo. De facto,
os exteriores chamam mais a atenção do que os interiores que, devido à
sua altura acrescentada, não transmitem aquela impressão de um espaço
abobadado unitário - a comija celestial das antigas igrejas bizantinas.
Olhar para a cúpula de uma igreja paleóloga é como olhar para um buraco
invertido. Assim, a relação que havia prevalecido em séculos anteriores
entre a arquitectura e a decoração ao nível da pintura fora finalmente
quebrada: da parte da arquitectura, porque o tecto e as partes superiores
das paredes são vistos a um ângulo demasiado acentuado; da parte da
pintura, porque cada imagem se tornou uma entidade em si própria.
Para concluir este rápido levantamento da arte bizantina, podemos
permitir-nos algumas reflexões gerais. Indiscutivelmente, a nossa visão

314
ARTE E ARQUITECTURA

desta arte é muito fragmentada e desequilibrada. Se mais da sua oeuvre


secular tivesse sido preservada, teríamos certamente encontrado uma
maior variedade e abertura às influências do exterior. Dizem, por exem-
plo, que o imperador Teófilo estava tão encantado com os relatos que
tinha ouvido dos palácios de Bagdad que se esforçou por imitá-los (17);
e que uma entrada ao estilo seljúcida, completa com estalactites e
azulejos envidraçados, foi erigida no palácio imperial em meados do
século XII ( 18). E por falar em azulejos envidraçados, foi apenas nos
últimos quarenta ou cinquenta anos que o seu uso extensivo na decoração
de paredes bizantinas se tornou conhecido, embora ainda tenhamos alguns
problemas em visualizar o efeito pretendido. Também havia muito movi-
mento de objectos importados, tais como metalurgia islâmica, sedas e
cristais de rocha, que certamente exerceram alguma influência no gosto
bizantino. De facto, em algumas das artes menores, incluindo os têxteis e
o barro, é muitas vezes difícil distinguir os produtos bizantinos de outros
do Próximo Oriente.
Limitados, em grande escala, à esfera conservadora da arte religiosa
bizantina, e prejudicados pela nossa admiração pelos clássicos da Anti-
guidade, colocamos tendencialmente demasiada ênfase nas tradições
antigas. Tentámos sugerir que, tal como os escritores bizantinos não
tinham qualquer compreensão real da literatura grega da Antiguidade,
também os artistas bizantinos não tinham qualquer interesse na arte clás-
sica do período pagão, quer grego, quer romano. O que sabiam da Anti-
guidade foi-lhes filtrado pelo cânone da ilustração bíblica e hagiográfica,
e retrocederam várias vezes para exemplares anteriores. Todavia, ao
fazê-lo, os artistas bizantinos da Idade Média não conseguiram deixar de
parafrasear os modelos que imitavam, e é nesta paráfrase selectiva que
reside muita da beleza da arte bizantina. Enquanto que a arte cristã pri-
mitiva tendia a ser ostensiva e, se julgada pelos padrões clássicos, incom-
petente, a arte bizantina infundiu nas formas antigas a sua distinta ·1

espiritualidade e elegância. Renunciou ao naturalismo, sem cair em total '


abstracção, e reteve sempre uma certa percepção da figura humana
ornada. Apoderou-se de uma tradição de policromia brilhante e transfor-
mou-a numa paleta de riqueza e harmonia soberbas, mais tarde herdada
pelos Venezianos. Foi uma arte de chavões, mas a sua função principal era
expressar uma mensagem que nunca variava: a re-determinação infindá-
vel do drama cristão, a presença do Reino Celestial, a mediação dos
santos. Dentro destes limites teve um sucesso admirável.

315
t
1

\1
ii
\
t

Apêndice
Lista cronológica dos imperadores bizantinos

Constantino I (governo único) 324-337


Constantino II 337-361
Juliano 361-363
Joviano 363-364
Valente 364-378
Teodósio I 379-395
Arcádio 395-408
Teodósio II 408-450
Marciano 450-457
Leão I 457-474
Leão II 474
Zenão 474-475
Basilisco 475-476
Zenão (novamente) 476-491
Anastásio I 491-518
Justino I 518-527
Justiniano I 527-565
Justino II 565-578
Tibério I Constantino 578-582
Maurício 582-602

317
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Focas 602-610
Heraclio 610-641
Constantino IIl e Heraclonas 641
Constâncio II 641-668
Constantino IV 668-685
Justiniano 11 685-695
Leôncio 695-698
Tibério 11 698-705
Justiniano 11 (novamente) 705-711
Filípico 711-713
Anastásio 11 713-715
Teodósio lll 715-716
Leão lil 716-740
Constantino V 740-775
Leão IV 775-780
Constantino VI 780-790
Irene 790
Constantino VI (novamente) 790-797
Irene (novamente) 797-802
Nicéforo I 802-811
Estaurácio 811
Miguel I Rangabe 811-813
Leão V 813-820
Miguel II 820-829
Teófilo 829-842
Miguel lll 842-867
Basílio l 867-886
Leão VI 886-912
Alexandre 912-913
Constantino VII 913-959
Romano I Lecapeno 920-944
Romano II 959-963
Nicéforo 11 Focas 963-969
João I Tzimices 969-976
Basílio II 976-1025
Constantino VIIl 1025-1028
Romano III Argiro 1028-1034
Miguel IV 1034-1041

318
APÊNCIDE. LISTA CRONOLÓQICA DOS IMPERADORES BIZAl'ITINOS

Miguel V 1041-1042
Zoé e Teodora 1042
Constantino IX Monómaco 1042-I055
Teodora (novamente) 1055-1056
Miguel VI 1056-1057
Isaac I Comneno 1057-I059
Constantino X Ducas l059-I067
Romano IV Diógenes 1068-1071
Miguel VII Ducas 1071-1078
Nicéforo III Botaniates l078-I081
Aleixo I Comneno 1081-1118
João II Comneno III8-1143
Manuel I Comneno 1143-1180
Aleixo II Comneno 1180-1183
Androníco I Comneno 1183-1185
Isaac II Ângelo II85-I 195
Aleixo III Ângelo II95-1203
Isaac II (novamente) e Aleixo IV Ângelo 1203-1204
Aleixo V Murzuflo 1204

Em Niceia

Teodoro I Láscaris 1204-1222


João III Ducas Vatatzes 1222-1254
Teodoro II Láscaris 1254-1258
João IV Láscaris 1258-1261

Miguel VIII Paleólogo 1258-1282


Andronico II Paleólogo 1282-1328
Andronico III Paleólogo 1328-1341
João V Paleólogo 1341-1391
João VI Cantacuzeno 1347-1355
Andronico IV Paleólogo 1376-1379
João VII Paleólogo 1390
Manuel II Paleólogo 1391-1425
João VIII Paleólogo 1425-1448
Constantino XI Paleólogo 1449-1453

319
1
!
·- ---·•···

Abreviaturas utilizadas nas notas

AB Analecta Bollandina
BZ Byzantinishce Zeitschrift
Cod. Just. Codex Justinianus, ed. P. Krueger = Corpus iuris civilis, II
(Berlim, 1929)
Cod. Theod. Codex Theodosianus, ed. Th. Mommsen (Berlim, 1905).
Trad. inglesa de C. Pharr, The Theodosian Code (Prin-
ceton, 1952)
CSHB Corpus scriptorum historiae byzantine (Bona, 1828-1897)
DOP Dumbarton Oaks Papers
Joannou, Discipline P.-P. Joannou, Discipline générale antique (IVe_JXe s.),
U 1, U2 (Grottaferrata, 1962)
JRS Journal of Roman Studies
Just, Nov. Justiniani Novellae, ed. R. Schoell e W. Kroll = Corpus
iuris civilis, III (Berlim, 1928)
PG Patrologia graeca, ed. J. P. Migne (Paris, 1857-1866)
Pl Patrologia latina, ed. J. P. Migne (Paris, 1844-1880)
PO Patro/ogia orientalis (Paris, 1907- )
REB Revue des études byzantines
ROC Revue de l'Orient chrétien
1
TM Centre de Recherche d'Histoire et Civilisation de Byzance, ·1
Travaux et mémoires
.1
Zepos, Jus J. e P. Zepos, Jus graeco-romanum (Atenas, 1931)

321
'I
!
;
Notas

CAPÍTULO 1: POVOS E LÍNGUAS

(1) Honigmann, E. (ed.), Le Synekdêmos d'Hiéroklês et l'opuscule géographique


de Georges de Chypre (Bruxelas, 1939).
(2) Ed. J. Rougé (Paris, 1966).
( 3 ) Ver Cosmas lndicopleustes, Christian Topography, Prólogo, ed. W. Wolska-
-Conus, 1 (Paris. 1968), 255-257.
(4) P. J. Alexander, The Oracle of Baa/bek (Washington, D.C., 1967). 14.
(5) Procópio. História Secreta, XXIll. 24.
(6 ) Gregorii I Registrum epistularum, VII. 27, Monumento Germaniae historica,
Epist., 1/ 1 (Berlim, 1887), 474.
(7) P. Van den Ven (ed.), La Vie a11cie1111e de S. Syméon Stylite /e je1111e, l
(Bruxelas, 1962), cap. 189, pág. 168.
(8) H. Pétré (ed.), Itinerarium Aetheriae, XLVII 3--4 (Paris. 1948), 260-262.
(9) Jerome, Adv. Rufinum, li 22: III. 6, PL XXlII. 446A, 462A.
(1º) L. Clugnet, «Vie et récits de l'abbé Daniel de Scété», ROC. V (1900), 71.
(11) Pratum spirituale, PG LXXXVll/3, 2884, 2909, 2976. 3004, 3017. Cf. Evá-
grio, Historia ecclesiastica, ed. J. Bidez e L. Parmentier, 1. 7 (Londres, 1898), 13.
(12) Procópio, Guerras, VI. 21. 39.
(13) Procópio, História Secreta, XVIII, 13. li;),
(14) lbid.• XVIII, 20-21.
(15) Procópio, Construções, IV. 4. 3.
(16) E. de Stoop (ed.). Vie d'Alexandre L'Acémête, §§27. 43. PO VI. 678. 692.
(17) Vira Theodosii Coenobiarchae, IX, PG CXIV. 505C.

323
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(18) Antoninus de Piacenza, ltinerarium, ed. P. Geyer, ltinera hierosolymitana


(Viena, 1898), §37, pág. 184.
(19) E. Schwartz (ed.), Acta Conciliorum Oecumenicorum, Ili (Berlim, 1940),

70, 146, etc.


(2º) E. Stein, «Introduction à l'histoire et aux institutions byzantines», Traditio,
VII (l 949-1951 ), 154. Sobre estimativas da população do Egipto. Síria e Ásia Menor
ver A. C. Johnson, F. M. Heichelheim e T. R. S. Broughton, em T. Frank (ed.),
An Economic Survey of Ancient Rome, II (Baltimore, 1936), 245 ff.; IV (1938), 158,
815-816.
(21) The Third Part ofthe Ecc/esiastical History of John Bishop of Ephesus, trad.
R. Payne Smith (Oxford, 1860), 432-433.
(22) P. Lemerle, «La chronique improprement dite de Monemvasie», REB, XXI
(1963), 9-10.
(23) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor (Leipzig, 1883), A. M. 6183, 365.
(24) lbid., A. M. 6180, 6184, pp. 364-366.
(25) Nicéforo Patriarca, Opuscula historica, ed. C. de Boor (Leipzig, 1880), 68-
-69.
(26) lbid., 66; Teófanes, Chronographia, A. M. 6237, 6247, 6270, pp. 422,429,
452.
(27) Leão VI, Tactica, PG CVII, 969A.
(28) P. Lemerle, «La chronique improprement dit», 10.
(29 ) Life of St Nikon Metanoeite, ed. S. Lampros, Neos Hellênomnêmon, III
(Atenas, 1906), 194.
(30) Constantino Porfirogeneta, De Cerimoniis, CSHB, I, 666, 669.
(31) Anna Comnena, Alexiad, XV. 2. 4, ed. B. Leib, III (Paris, 1945), 192.
(32) Nicetas Coniates, Historia, ed. J.-L. van Dieten (Berlim, 1975), 16.
(33) João Clímaco, Scala paradisi, PG LXXXVIII, 721.
(34) Leão Gramático, Chronographia, CSHB, 307-308.
(35) F. Dvomik (ed.), La Vie de S. Grégoire le Décapolite (Paris, 1926), 54.

CAPITULO 2: SOCIEDADE E ECONOMIA

(1) Leôncio de Neápolis, Life of St. Symeon the Fool, ed. L. Rydén (Upsala,
1963), 128.
(2) lbn Khordâdhbeh, Bibliotheca geographorum arabicorum, ed. M. J. de
Goeje, VI (Leiden, 1889), 81; V. Minorsky, «Marvazi on the Byzantines», Annuaire de
L'/nsr. de Philol. et d'Histoire Orientales et Slaves, X (1950), 460.
( 3 ) Cf. H. Ahrweiler, «Un discours inédit de Constantin Vil Porphyrogénete»,
TM, II (1967), 399.
(4) H. Beckh (ed.), Geoponica, pref. 6 (Leipzig, 1895), 2.
(5) Constantino VII, Nov. VIII, pref. em Zepos, Jus, I, 222.
(6) Leão VI, Tactica, PG CVII, 796A.

324
NOTAS

(7) Anõn., On Strategy, 1-III, Griechische Kriegsschriftsteller, ed. H. Kõchly e


W. Rüstow, IU2 (Leipzig, 1855), 42ff.
(8 ) Zosimus, Historia nova, 11/34.
(9 ) R. Keydell (ed.), Historiae, v. 13. 7 (Berlim, 1967), 180.
(10) João Lydus, De magistratibus, ed. R. Wünsch (Leipzig, 1903), I. 28.
(11) João de Éfeso, Lives of the Eastern Saints, ed. E. W. Brooks, PO XVII,
158-159.
(12) João Crisóstomo, ln Matth. hom. LXVI, PG LVHI, 630.
( 13 )A.-J. Festugiêre (ed.), Léontlos de Néapolis: Vie de Syméon /e Fou et Vie de
Jean de Chypre (Paris, 1974 ), 255ff.
(14) Just. Nov., XL, pref. 1.
( 15 ) A.-J. Festugiêre (ed.), Lije of St. John de Almsgiver (Paris, 1974), 378.
(16) A.-J. Festugiêre (ed.), Vie de Théodore de Sykêon, 1 (Bruxelas, 1970), cap. 78.

(17) Heraclii Nov. em Zepos, J11s, I, 28-30.


(18) Just, Nov., III. l.
( 19) The Sixth Book of the Select Letters of Severius Patriarch of Antioch, trad.
E. W. Brooks, 11/1 (Londres, 1903), I. 8 e 17, pp. 43, 64-65.
(20) G. Pasquali (ed.), Epist. XXV (Berlim, 1925), 79.
(21) João Moscho, Pratum spirltuale, PG LXXXVII/3, 2998C.
(22) A.-J. Festugiêre (ed.), Lije of St John the Almsgiver, 387.
(23) The Syriac Chronicle Known as that of Zachariah of Mitylene. trad. F. J.

Hamilton e E. W. Brooks (Londres, 1899), VII. 6, pág. 166.


<24) A.-J. Festugiêre (ed.), Lije of St John the Almsgiver, 392.
( 25 ) Cod. Tlzeod., XIV. 20.
(26 ) Chronicon Pachale, CSHB, 1, 593.
(27) A.-J. Festugiêre (ed.), Life of St John the Almsgíver, 367.
(28) João Moscho, Pratum, PG LXXXVIV3, 2980D.
(29) Marco, o Diácono, Lije of Porphyry, ed. H. Grégoire e M.-A. Kugener

(Paris, 1930), cap. 6, pág. 6.


(30) Procópio, História Secreta, IV, 31. lf
(31) João Lydus, De magistratibus, Ili. 26-28.
(32) ln Matriz. hom. LXVI, PG LVIII, 630.
( 33 ) João Crisóstomo, De inani Gloria et de educandis liberis, ed. A.-M.
i
Malingrey (Paris, 1972), §§ 13-15.
(34) Doctrina Jacobi 1111per baptizati, ed. N. Bonwetsch, Abh, Kõn. Ges. d. Wiss.
Gõttingen, Phil.-hist. Klasse, Neue Folge, XIU3 (19IO), 90.
( 35 ) João Crisóstomo, De inani gloria, ed. A.-M. Malingrey, §70.
(36 ) G. Tchalenko, Villages antiques de la Syrie du nord (Paris, 1953), I, 377ff.

(37)Cod. Just., XI. 52. 1.


( 38 )
lbid., XI. 48. 21.
(39) Cecaumeno, Strategicon, ed. G. G. Litavrin, Sovety i rasskazy Kekavmena
(Moscovo, 1972), §20, pág. 152.
(40) Lectantius, De mortibus persecutorum, ed. J. Moreau, VII (Paris, 1954), 84ff.

325
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(41) N. Bonwetsch (ed.), Doctrina Jacobi, 90-91.


(42) Gregório de Nissa, Contra Eunomium, PG XLV, 260-261; Sozomen, Histo-
ria ecclesiastica, ed. J. Bidez e G. C. Hansen, lll. 15. 8 (Berlim, 1960), 126-127.
(43) J. B. Bury, The Imperial Administrative System in lhe Ninth Century (Lon-
dres, 1911), 20.
(44) Ed. W. Ashbumer em Journal oj Hellenic Studies, XXX ( 191 O), 85- 108;
xxxn (1912), 68-95.
(45) M.-H. Fourmy e M. Leroy, «La Vie de S., Philarête», Byzantion, IX (1934),
113.
(46) Methodii, Vita S. Theophanis Confessoris, ed. V. V. Latysev, Mémoires de
l'Acad. des Sciences de Russie, Vllls sér., Classe hist.-philol., XJll/4 ( 1918), 3ff.
(47) Theophanes Continuatus, CSHB, 227-228, 316-321.
(48) Can. 14 em Joannou, Discipline, 1/1, 316.
(49) J. Becker (ed.), Legatio Constantinopolitana, 3.0 ed., LXIII (Hanôver e
Leipzig, 1915), 210-211.
(5º) Vie de S. Luc le Stylite, ed. F. Vanderstuyf, PO XI, 208.
(51) Constantino Porfirogeneta, De administrando imperio, ed. Gy. Moravcsik e
R. J. H. Jenkins (Washington, D.C., 1967), cap. 22/79, pág. 98.
(52) Theophanes Continuatus, CSHB, 76
(53) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M.6211, pág. 400.
(54) Pseudo-Simeão, Anna/es, juntamente com Theophanes Continuatus, 684;
Jorge, o Monge, ibid., 836
(55) Theophanes Continuatus, CSHB, 399.
(56) Constantino Porfirogeneta, De thematibus, ed. A. Pertusi (Vaticano, 1952), 91.
\.
(57) N. G. Svoronos, «Le cadastre de Thêbes», Bulletin de correspondance
héllénique, LXXXIII (1959), 74-75.
(58) Miguel Attaliates, Historia, CSHB, 218ff.
(59) D. l. Polemis, The Doukai (Londres, 968), 3.
60
( ) J. Mavrogordato (ed.), Digenes Akrites, I. 265ff. (Oxford, 1956), 18.
(61) Textos em Zepos, Jus, l, 198ff., 222ff., 240ff., 249f., 262ff.
(62) lbid., 256.
(63) lbid., 215.
64
( ) Nicetas Coniates, Historia, ed. J.-L. van Dieten, 208-209.
(65) Cecaumeno, Strategicon, ed. G. G. Litavrin, §§4, 6, pp. 124-126, 130.
(66) P. Lernerle, Cinq études sur /e X/e siêcle byzalllin (Paris, 1977), 49ff.
(67) Anna Comnena, Alexiad, XII, 12. 1, ed. B. Leib, III, 125.
(68) The Russian Primary Chronicle, trad. S. H. Cross e O. P. Sherbowitz-Wetzor
(Cambridge, Mass., 1953), 64ff.
(69) J. Nicole (ed.), Le Livre du Préfet (Genebra, 1893); trad. de E. H. Freshfield,
Roman Law in the Later Roman Empíre (Cambridge, 1938). Ambos re-impressos em
I. Dujl:ev (ed.), To eparchikon biblion (Londres, 1970).
<7º) N. Oíkonomides, «Quelques boutiques de Constantinople au Xs siêcle»,
DOP, XXVI (1972), 345ff.

326
N OTAS

(7 1) Miguel Pselos, Chronographia, ed. E. Renauld, I (Paris, 1926), 96, 102.


(12) lbid., l, 132.
(73) lbid., 11, 145.
(74) Cecaumeno, Strategicon, ed. G. G. Litavrin, §3, pág. 124.

CAPÍTULO 3: O DESAPARECIMENTO E O RENASCIMENTO DAS CIDADES

(1) Expositio totius mundi, XXVI, XXXV, XXXVIII, XLIX.


(2) G. Garitte (ed.), la prise de Jérusalem parles Perses (Lovaina, 1960), 50-53.
(3) Procópio, Construções, VI. 6. 14-16.
(4) Miracula S. Artemii, ed. A. Papadopoulos-Kerameus, Varia graeca sacra
(São Petersburgo, 1909), 26.
(5) João Crisóstomo, De inani gloria, ed, A.-M. Malingrey, §4.
(6 ) De Lazaro, 11, PG XLVIII, 986; De Lazaro, VI, PG XLVIII, 1034-I035.
(1) ln epist. I ad Thess., V, PG LXII, 428.
(8) ln Matth. hom., XXXVII, PG LVII, 427.
(9 ) ln Matth. hom., VI, PG LVl1, 71-72.
( 1º) ln illud, Salutate Priscillam, PG LI, 188.
(11) Fr. 1, C. Müller (ed.), Fragmenta historicorum graecorum, IV (Paris, 1851),
201-202.
( 12) Ed. L. Rydén (Upsala, 1963).
(13) Priscus, fr. 8, Fragmenta hist, graec., ed. C. Müller, IV, 78.

(14) Procópio, Construções, IV. 1, 31.


(15) Teodoreto, Epist., ed. Y. Azéma (Paris, 1955), VII, XV, XXXIII (XXIX), etc.,
pp. 79, 86, 98, etc.
(16) The Chronicle o/ Joshua the Stylite, trad. W. Wright (Cambridge, 1882),
17-43.
(17) Malaias, Chronographia, CSHB, 422.
(18) Procópio, História Secreta, VII.
( 19) A. Cameron, Circus Factions (Oxford, 1976).
(2º) Procópio, Guerras, II. 23. 1.
1
(21) Hist. eccles., IV. 29
(22) Procópio, Guerras, II. 22. 1.
(23) Procópio, História Secreta, XVIII. 44.
(24) lbid., XXIII. 19-21.
(25) Miracula S. Demetrii, l. IO, PG CXVI, 1261ff.
( 26 ) Anna Comnena, Alexiad, XIV. 2-3, ed. B. Leib, III, 178.
(27) Miracula S. Demetrii, PG CXVI, 1337A.
(28) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6180, pág. 364.
(29) F. Dvorník, la \lie de S. Grégoire /e Décapolite (Paris, 1926). 59.
<3º) lbn Khordâdhbeh, Bibl. geogr. arab., ed. M. J. de Goeje, VI, 77-80.
(31) Teófanes, Chronographia, A. M. 6287. pág. 469.

327
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(32) H. Grégoire, «Inscriptions historiques byzantines», Byzantion, IV (1927-


-1928), 438.
(33) G. E. Bates, Byzantine Coins, Archaelogical Exploration of Sardis, Mono-
graph 1 (Cambridge, Mass., 1971 ), 6-7.
(34) Ibn Khordâdhbeh, Bibl. geogr. arab .. ed. M. J. Goeje. VI, 84.
(35) Epist. 47 em J. Darrouzês, Epistoliers byzantins du xc siêcle (Paris, 1960),
246.
(36) K. Homa, «Das Hodoiporikon des Konstantin Manasses». BZ. XIII (1904),
339.
(37) O. Seeck (ed.), Notitia dignitatum (Berlim. 1876), 229-243.
(38) Procópio, História Secreta, XXII, 17.
(39) Nicéforo, Opuscula historica, ed. C. de Boor, 64.
(40 ) Teófanes, Chronographia, A. M. 6238, pág. 423.
(4') Miracula S. Artemii, ed. A. Papadoupolos-Kerameus, Varia graeca sacra, 26.
(42) Teófanes, Chronographia. A. M. 6232, pág. 412.
(43) Jbid., A. M. 6247, pág. 429.
(44) lbid., A. M. 6258, pág. 440.
(45) Th. Preger (ed.), Scriptores originum Constantinopolitanarum, I (Leipzig,
1901), 19ff.
(46) Theophanes Continuatus, CSHB, 321 ff.
(47) P. Lemerle, «La chronique irnproprernent dite de Monemvasie», REB, XXI
(1963), 10.
(48) Theophanes Continuatus, CSHB, 339.
(49) P. Noailles e A. Dain (eds.), Les Nouvel/es de Léon VI le Sage (Paris, 1944),
artigo 4, artigo 15, pp. 21 ff., 59ff.
(5º) Ed. G. G. Litavrin, §§3, 39, 51, pp. 124, 202, 220.
(51) D.-C Hesseling e H. Pernot (eds.), Poêmes prodromiques en grec vulgaire
(Amesterdão, 1910), 72ff.
(52) G. Moravcsik, «Barbarische Sprachreste in der Theogonie des Johannes
Tzetzes», By-,.antinisch-neugriechische Jahrbiicher, Vil (1928-1929), 352ff.; reimpresso
em Studia byz.antina do mesmo autor (Budapeste, 1967), 283ff.
(53) Villehardouin, La conquête de Constaninople, ed. E. Faral, I (Paris, 1938),
caps. 128, 192, pp. 131,195.
54
( ) Embassy to Tamerlane, trad. G. le Strange (Londres, 1928), 87ff.

- : CAPÍTULO 4: OS DISSIDENTES

(1) Cod. Theod., XVI. 1. 2; Cod. Just., l. l. 1.


(2 )
! (3)
Cod, Theod., XVI. 2. 16.
Just. Nov., CXXXVII, praef.
i (4 ) Confessio rectaefidei, PG LXXXVI, 1013A. Cf. Cod. Just., l. 1. 5.
!
i
1'
(5) Cod., Theod., XVI. 5. 28.
1
i· 328
-\
i;
11
li
NOTAS

(6 ) Marco, o Diácono, life of Porphyry, ed. H. Grégoire e M.-A. Kugener, caps.


11, 19, pp, li, 16.
(7) Ver J. B. Segai, «Pagan Syriac Monuments in the Vilayet of Urfa», Anatolian
Studies, Ili (1953), l07-112.
(8 ) João de Éfeso, lives o/ the Eastern Saints, PO XVIII, 681; Miguel, o Sírio,
Chronique, ed. J.-B. Chabot, II/2 (Paris, J 902), 207-208.
(9 ) lives oj the Eastern Saints, PO XVII, 229ff.
(1º) Ver, por exemplo, Callinicus, lije of St. Hypatius, ed. G. J. M. Bartelink
(Paris, 1971 ), 74, 80.
(11) Por exemplo, J. C. Lawson, Modem Greek Folk/ore and Ancient Greek
Religion (Cambridge, 191 O).
(12) Concílío de Trullan can. 61, 62, 65 em Joannou, Discipline, 1/1, 196ff.• 203.
(13 ) 111st. Nov., XLV, pref. A legislação anterior pode ser encontrada em Cod.
Theod., XVI. 8.
( 14) 111st. Nov .• CXLVI.
(15) Malaias, Chronographia, CSHB, 433; The Chronic/e of John, Bishop of
Niki11, trad. R. H. Charles (Londres-Oxford. 1916), 142.
(16) Sobre estes acontecimentos ver I. Shahld, The Martyrs of Najrân (Bruxelas,
1971).
(17) Sebeos, Histoire d'Héraclius, trad. F. Macler (Paris, 1904), 63.
(18 ) G. Garitte (ed.), la prise de Jérusalem, 17-18.
(19) «S. Georgíi Chozebitae Vita», AB, VII (1888), 134.
(2º) F. Dõlger, Regesten der Kaiserurkunden des ostrõmischen Reiches, I (Muni-
que-Berlim, 1924), n.º 206.
(21) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6214, pág. 401: Miguel,

o Sírio, Chronique, trad. J.-B. Chabot, II/3, 489-490.


(22) Can. 8 em Joannou, Discipline, 1/1, 261-263.
( 23 ) Theophanes Continuatus, CSHB, 341-342.
(24) The ltinerary o/ Benjamin of Tudela, trad. M. N. Adler (Londres, 1907), IOff.

(25) De haeresibus, PG XCIV, 677ff.


(26) Cod. Theod., XVI. 5. 9.
(27) A. Adam, Texte zum Manichãismus (Berlim, 1954), n.º 56.
(28) Procópio, História Secreta, XXII. 25.
·( 29 ) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6214, pág. 401.
( 3 º) The Homilies of Photius, trad. C. Mango (Cambridge, Mass .• 1958), 279ff.
(31) Hist. ecc/es., ed. J. Bidez e L. Parmentier, II. 5, pág. 53.
( 32 ) lbid., III. 14, pp. 111 ff.
( 33 ) Miguel, o Sírio, Chronique, trad. J.-B. Chabot, 11/3, 412-413.
( 34 ) Constantino Porfirogeneta, De administrando imperio, ed. Gy. Moravcsik e
R. J. H. Jenkins, cap. 50, pág. 237.
( 35 ) Teófanes. Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6270. pág. 452.
(36 ) Vira S. Pancratii, ed. A. N. Veselovskij, «Iz istorii romana i povesti»,
Sbornik Otdel. Russk. Jazyka i Slov. lmper. Akad. Nauk, XL/2 ( 1886), 90.

329
BIZÁNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(37) Teófanes, Chronographia, A. M. 6275, pp. 456-457.


(38) The Homilies of Photius, trad. C. Mango, 302ff.
(39) Nov. 15, ed. P. Noailles e A. Dain, 59-61.
(40 ) Pedro, o Siciliano, ed. Ch. Astruc et ai., em «Les sources grecques pour

l'histoire des Pauliciens d'Asie Mineure», TM, IV (1970), 59. § 157.


(41) J. Darrouzes. Epistoliers byzantins du xe siêcle, 275.
(42 ) Le Traité contre les Bogomiles de Cosmas le Prêtre, trad. H.-Ch. Puech e

A. Vaillant (Paris, 1945), 85-86.


(43) lbid., 93-94.
(44) J. Gouillard, «Le Synodicon de I'Orthodoxie». TM, 11 (1967), 183ff.
(45) Anna Comnena, Alexiad, XIV. 8, ed. B. Leib, III, 177ff.
(46) Procópio, História Secreta, XI. 26.
(47) Nicéforo, Antirrheticus lll, PG e, 501 B.
(48 ) Pedro, o Siciliano, ed. Ch. Astruc et al., em «Les sources grecques», 53,

§139.
(49 ) Confessio rectae jidei, PG LXXXVI. 993C.
(5º) Teodoro, o Estudita, Epist., 11 155, PG XCIX, 1481-1485.

CAPÍTULO 5: O MONASTICISMO

(1) Vita S. Antonii, caps. 3-4, PG XXVI, 844-845.


(2 ) Ver, por exemplo, The Oxyrhynchus Papyri, II (Londres, 1899), n.os 251-253.
(3 ) Vira S. Antonii, cap. 14, col. 865.
(4) A. Boon, Pachomiana latina (Lovaina, 1932), 3ff.
(5) Praecepta, §49, ibid., pág. 25.
(6 ) J. B. Pitra, luris ecclesiastici graecorum historia et monumenta, I (Roma,
1864), 487ff.
(7) Epistula Ammonis, em F. Halkin (ed.), S. Pachomii vitae graecae (Bruxelas,
1932), §2, pág. 97.
( 8 ) The Longer Rufe, PG XXXI, 925C.
! (9) PG XXXI, 905ff.

(1º) H. Delehaye, Les saints stylites (Bruxelas, 1923), 1-94.


(11) Cod. Theod., XVI, 3. 1 e 2.
i
(12) João Crisóstomo, Adv. oppugnatores vitae monasr., PG XLVII, 320-322.
(13) A.-J. Festugiere (ed.), Vie de Théodore de Sykéôn (2 vols., Bruxelas, 1970).
( 14 ) Ver a sua Vida, ed. L. Rydén; Evágrío, Hist. eccles., ed. J. Bídez e L.
Parmentier, IV. 34.
( 15 ) Just. Nov., V.
(16) Texto (insatísfatório) em PG LXXXVIl/3, 2852ff. Trad. francesa de M.-J.
Rouet de Joumel, Le Pré Spirituel (Paris, 1946).
(17) Ed. E. W. Brooks, PO XVII, XIX.
(18) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6262, pág. 445.

330
NOTAS

19
( ) Ver especialmente o seu Testamentum, PG XCIX, l 8 I 7ff.
(2º) Hypotypôsis, §25, ibid., 17 I 3A.
( 21) Zepos, Jus. I, 213.
( 22 ) lbid., 249ff.
(23) Ibid., 267-269.
24
) Ver especialmente João de Antioquia, De monasteriis /aicis non tradendis,
(
PG CXXXII, l l l 7ff.
( 25 )
Ver P. Lemerle et ai. (eds.), Archives de l'Athos (fundado por G. Millet),
(Paris, 1937-).
( 26 ) Ver especialmente Treatise on Confession em K. Holl, Enthusiasmus und
Bussgewalt beim griechischen Mõnchtum (Leipzig, 1898), 11 Off.
(27) De emendando vila monastica em T. L. F. Tafel, Eustathii opuscu/a
1
(Frankfurt, 1832; reimpresso em Amesterdão, 1964), 2l5ff.
(28) 1. P. Tsiknopoullos (ed.), Kypriaka typika (Nicósia, 1969), lff.
I
(29) Neófito, Typicon, ibid., 69ff. Para uma discussão da sua vida ver C. Mango
e E. J. W. Hawkins, «The Hermitage of St. Neophytos and its Wall Paintings», DOP,

I
XX ( 1966), l 22ff.
( 3 º) Hagloreitikos tomos em P. Chrêstou et ai. (eds.), Grêgoriou tou Palama
syngramata, II (Tessalonica, 1966), 568-569.
(31) J. Lefort (ed.), Actes d'Esphigménou = Archives de l'Athos. VI (Paris, 1973), /:
n.º 12, pp. 89-90.
(32) Ver N. Oikonomidês, «Monastêres et moines, lors de la conquête ottomane»,
1
Siidost-Forschungen, XXXV (1976) lff.

CAPÍTULO 6: A EDUCAÇÃO

(1) H. Rabe (ed.), Hermogenis opera (Lepzig, 1913), lff.


<2) Ver L. Petit, les étudiants de Libanius (Paris, 1957).
(3) lbid., 170.
(4) «Oration of Constantius» (355 d.C.), em Temístio, Orationes, ed. G. Downey
e A. F. Norman, 20d-2la, vol. III (Leipzig, 1974), 125. Trad. inglesa em G. Downey,
«Education and Public Problems as Seen by Themistius», Trans. Amer: Philol. Assoe., .!
LXXXVI ( 1955), 295.
(5) Cod. Theod., XIV. 9. 3 = Cod. Just., XI. 19. 1.
(6 ) Cod. Theod., XV. 1. 53: VI. 21. 1.
<7) Const. apost., I. 6, ed. F. X. Funk, Didascalia et Constitutiones apostolorum
(Paderbom, 1905), 13-15.
!":
(8) Vita S. Antonii, caps. 20, 73, PG XXVI, 873, 945.
(9 ) C. A. Trypanis (ed.), Fourteen Early Byzantine Cantica (Viena, 1968),
estrofe 17, pp. 36-37.
(1º) Sócrates, Hist. eccles., III. 16. Cf. Sozomen, Hist. eccles., V. 18.
(11) João Crisóstomo, ed. A.-M. Malingrey, De inani gloria, §§39, 52.

331
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(12) N. G. Wilson (ed.), On the Value of Greek Literatura (Londres, 1975).


(13) M.-A. Kugener (ed.), PO li, 7ff.
(14) Cod. Just., l. 5. 18. 4. Cf. 1. 11. 10. 2.
(15) F. Nau, «L'Histoire ecclésiastique de Jean d'Asie», ROC, li (1987), 481-482.
(16) Malaias, Chronographia, CSHB, 491.
(17) Procópio, História Secreta, XXVI, 5.
(18) T. Gaisford (ed.), Georgii Choerobosci dictata, III (Oxford, 1842).
(19) Ver W. Bühler e C. Theodoridis, «Johannes von Damaskos terminus post
quem für Choiroboskos», BZ, LXIX (1976), 397ff.
(20) Can. 71 em Joannou, Discipline, Ili, 208-209.
(21) Zachariã von Lingenthal (ed.), Collectio librorum juris graeco-romani
ineditorum (Leipzig, 1852), 11.
(22) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6218, p. 405.
(23) H. Berbérian, «Autobiographie d' Anania Sirakaci», Revue des études
arméniennes, N. S., l (1964), 189-194.
(24) Vita Tarasii, ed. I. A. Heikel, Acta Societatis Scientiarum Fennicae, XVII
(Helsingfors, 1899), 423.
(25) Scriptor incertus de Leone, juntamente com Leão Gramático CSHB, 350.
(26) Theophanes Continuatus, CSHB, 185ff.
(21) Genesius, CSHB, 98.
(28) Anthol. Palatina. XV. 36-38. Cf. R. Aubreton, «La translittération d'Hornêre»,
Byzantio11, XXXIX (1969), 13-34.
(29) P. Matranga, Anecdota graeca (Roma, 1850), 555-556.
(30) Theophanes Continuatus, CSHB, 446.
(31) R. Browning, «The Correspondance of a Tenth-Century Byzantine Scholar»,
Byza111io11, XXIV (1954), 397-452; R. Browning e B. Laourdas, «To keimenon tôn
epistolôn tou kôdikos B.M. 36749», Epetêris Hetairtas Byzantinõn Spo11dô11, XXVll
(1957), 151-212.
(32) Ver P. Lemerle, «La Vie ancienne de S. Athanase l' Athonite»,
Le Millénaire
du Mont Athos, 963-1963, I (Chevetogne, 1963), 59ff.
33
( ) Ver artigo de Constantino IX, lohannis Euchaitorum metropolitae quae ...
supersunt, ed. J. Bollig e P. de Lagarde (Gotinga, 1882), n.º J 87, pp. 195-202;
A. Salaê (ed.), Novella constillltio saec. XI medii (Praga, 1954).
(34) Pselos, Chronographia, ed. E. Renauld, I, 135-138.
(35) F. I. Uspenskij, «Deloproizvodstvo po obvineniju Ioanna Itala v eresi»,
lzvestija Russk. Arkheol. lnstit. v Konstantinopole, II (1897), 1-66.
(36) J. Gouillard, «Le Synodikon de l'Orthodoxie», TM, II (1967), 57-61.
(37) Anna Comnena, Alexiad, V, 8, ed. B. Leib, II, 32ff.
(38)
Pseudo-Luciano, Tirnarion, ed. R. Romano, §43-44 (Nápoles, 1974), 88-89.
J. Darrouzês, Recherches sur les «offikia» de /'Ég/ise byzantlne (Paris,
(39)
1970), 71 ff.
(40) R. Browning, «A New Source on Byzantine-Hungarian Relations in the
Twelfth Century», Balkan Studies, 11 (Tessalonica, 1961), 173-214.

332
NOTAS

(41) A. Pignani, «Alcuni progimnasmi di Niceforo Basilace», Rivista di studi


bizantini e neoellenici, N. S., VIII/IX (J 971/2), 295-315.
(42) P. Lemerle, «Élêves et professeurs à Constantinople au xe siêcle», Acad. des
Inser. et Belles-Lettres, Lecture faite dans la séance ... du 28 Nov. 1969, pág. 11.
(43) Reg, brev .• question 292, PG XXXI, 1288.

1
CAPfTULO 7: O MUNDO INVISfVEL DO BEM E DO MAL f,
(1) Synaxarium ecclesiae Constantinopolitanae, ed. H. Delehaye, Propylaeum
I
ad Acra Sanctorum Novembris (Bruxelas, 1902), I07ff.
(2) Iohannis Euchaitorum ... quae ... supersunt, ed. J. Bollig e P. de Lagarde,
r
pág. 31.
(3 ) Can. 35 em Joannou, Discipline, 1/2, 144-145. 1
(4) Interpret, epist, ad Coloss., PG LXXXII, 6f3. i.
(5) Então, por exemplo, Pseudo-Cesário, I. 48, PG XXXVIII, 917.
(6 ) Th. Preger (ed.), Scriptores originum Constantinopolitanarum, l (Leipzig, 1.
1901). 86.
(7) PG CXl, 692.
( 8 ) Pantoleon diaconus, Miracula S. Michaelis, em F. Halkin (ed.), Inédits
byzantins d'Ochrida, Candie et Moscou (Bruxelas, 1963), 150.
(9 ) Ver C. Walter, «Two Notes on the Deesis», REB, XXVI (1968), 311-336.
(10) Ver N. H. Baynes, «The Supernatural Defenders of Constantinople», AB,
LXVII (1949), 165ff.; reimpresso em Byzantine Studies and Other Essays (Londres,
1955), 248ff.
(11) Ver J. Ebersolt, Sanctuaries de Byzance (Paris, 1921), 54ft'.
(12) Ver N. H. Baynes, «The Finding of the Virgin's Rob», Annuaire de l'/nst. de
Philol. et d'Hist. Orient. et Slaves, IX (1949), 87ff.; reimpresso em Byzantine Studies,
240ff.
( 13 ) G. Anrich, Hagios Nikolaos (2 vols., Leipzig, 1913-1917).
(14) Ver H. Delehaye, Les légendes grecques des saints militaires (Bruxelas,
1909), I03ff.; id., Les origines du cu/te des martyrs (Bruxelas, 1933), 228-229;
P. Lemerle, «Saint-Dérnétrius de Thessalonique», Bulletin de correspondance
héllénique, LXXVII (1953), 660ff.; M. Vickers, «Sirmium or Thessaloniki?». BZ,
LXVII (1974), 337ff.
( 15 ) PG LXXXVII/3, cap. 180, col. 3052.
(16) Vita S. Basilii iunioris, ed. S. G. Vilinskij, Zapiski Imp, Novorossijskago

Universiteta, VII (Odessa, I 911 ), 318ff.


( 17) Miracula S. Artemii, ed, A. Papadopolos-Kerameus, Varia graeca sacra, 19. 29.
(18) Ver E. Peterson, «Zur Bedeutungsgeschichte von parrêsia», R. Seeberg
Festschrift, l (Leipzig, 1929), 283ff.; G. J. M. Bartelink, «Quelques observations sur
parrêsia dans la littérature paléo-chrétienne», Graecitas et latinitas christianorum
primaeva, suppl. 3 (Nijrnegen, 1970), 5ff., 155ff.

333
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(19) Vira S. Basilii iunioris, ed. S. G. Vilinskij. Zapiski lmp. Nov. Univ .. VII. 344-345.
(20) J. Goar, Euchologion sive rituale graecorum (Paris, 1647). 730-731.
(21) Anrich. Hagios Nikolaos, l, l 2ff.
(22) A.-J. Festugiêre (ed.), Vie de Théodore de Sykéôn, I, §8, 16, 26a. 43.
(23) Jbid .. §44 (cf. 114-116), I 18, 161.
(24) Vira S. Andreae sali, §90. PG CXI, 732.
(25) Vita S. Basilii iunioris, ed. A. N. Veselovskij, Sbornik Otdelenija Russkago
Jazyka i Slov. lmp. Akad. Nauk, Llll (1891), suppl., 7.
(26) Vira S. A11to11ii, §9. 28, PG XXVI. 857, 888.
(27) lbid., §65, PG XXVI. 935.
(28) Life of St Symeon the Fooi, ed. L. Rydén, 14 I.Cf. A.-J. Festugiêre (ed.), Life
of St John the Almsgiver. 395-396 e notas, 613-617.
(29) Vita S. Basilii iunioris. ed. A. N. Veselovskij. Sbornik Otdelenija Russkago
Jazyka i Slov. Imp. Akad. Nauk., XLVI ( 1889). suppl.. 19ff.
(30) Pseudo-Macarius Alexandrinus, De sorte animarum, PG XXXIV, 388ff.
(31) L. Petit, X. A. Siderides e M. Jugie (eds.), Oeuvres completes de Georges
Sclwlarios, 1 (Paris. 1928), 505ff. Cf. Symeon de Thessalonica. Responsa ad Gabrielem
Pentapolitanwn, PG CLV, 84lff.

CAPÍTULO 8: O UNIVERSO FfSICO

(1) Ver Philostorgius, Historia ecclesiastica, lll. 9-10.


(2) R. Arnaldez (ed.), De opificio mundi (Paris, 1961 ), § 15-16, 29, 45-46, 56. 58.
(3) Ad A11tolycum, II. 13ff.
(4) Ed. S. Giet (Paris, 1950).
5
( ) Esta visão errada remonta a Aristóteles, Meteorologica, 352b.
6
( ) Bibliotheca, cod. 223, ed. R. Henry, IV (Paris, 1965), especialmente pp. 42-43.
r) PG LVJ, 429ff.
8
PG XXXVIII, 852ff. Cf. R. Riedinger, Pseudo-Kaisarios (Munique, 1969)
( )
9
!, Ed. W. Wolska-Conus (3 vols., Paris, 1968-1973): trad. J. W. McCrindle, The
( )
! 1 Christian Topography of Cosmas, an Egyptian Monk (Londres, 1897). Ver também
l 1
W. Wolska-Conus. La Topographie Chrétienne de Cosmas Indicopleustês (Paris, 1962).
!1
1; 1
( º) Ed. W. Wolska-Conus, I, 255-257: trad. J. W. McCrindle, 2.
(11) Bibliotheca, cod. 36, ed. R. Henry, I (Paris, 1959), 21-22.
(12) Ver E. K. Redin, Khristlanskaja Topograjija Koz'my Indikoplova po
greêeskim i russkim spiskam, l (Moscovo, 1916).
(13) A ligação entre Cosmas Indicopleustes e a iconografia bizantina do Juízo

il l 1
Final é discutida por D. V. Ainalov, The Hellenistic Origins of Byzantine Art, trad. E.
e S. Sobolevítch (Nova Brunswick, N. J., 1961), 33ff.
1 (14) Ver A. Grabar, «Le témoignage d'une hymne syriaque sur l'architecture de
!' la cathédrale d'Edesse», Cahiers archeotogiques, li ( 1947), 54ff.
(15) Ed. L. G. Westerink (Nijmegen, 1948), §I20ff.

334
,, ..
1
N OTAS

CAPÍTULO 9: OS HABITANTES DA TERRA

(1) Basílio, Homil. VII( em S. Giet (ed.), Hexaemeron, 440; Severiano de Cabala,
De 1111111di creatione oral. IV, PG LVI, 458.
{2) Basílio, ibid., 43 J ff.
(3 ) Severiano, De mundi creatione oral. V, PG LVI, 481.
(4) !d .. Orat. VI. ibid., 484.
(5 ) Basílio, Homil. VII em S. Giet (ed.), Hexaemeron, 402ff.
(6) /d., Homil. VIII em S. Giet (ed.). Hexaemeron, 446ff.
(7) Ed. F. Sbordone (Milão, 1936), §1. 4, etc.
(8 ) Hist. eccles., III. 11.
(9) W. Wolska-Conus (ed.), Christian Topography, III, 315ff.
( 1º) João Damasceno, De draconibus, PG XCIV, 1600. 1
(11) Cecaumeno, Strategicon, ed. G. G. Litavrin, Sov. i rassk. Kekavmena, 678.
(12) J. Bidez, Deux versions grecques inédites de la V,e de Paul de Thêbes,
t
Compilação de trabalhos publicados pela Fac. de Filos. e Letras de Gand, fase. 25
( 1900), l 2ff.
(13 ) Moscho, Pratum spirituale, cap. 184, PG LXXXVIl/3, 3056.
( 14) Acta Sanctorum, Julho, III ( 1723), 605-606.
( 15 ) Pratum spirituale, cap. 107, PG LXXXVIl/3, 2965ff.
(16) Fócio. Bibtiotheca, cod. 223.
( 17 ) PG XXXVIII, 980ff.
( 18 ) Antiquitates judaicae, l. 5-6.
( 19) Versão completa em Chronicon Paschale, CSHB, I, 46ff. Ver também Epifâ-
nio, Adversus haereses, PG XLII, 160; id., Ancoratus, §113, PG XLIII. 220ff.; W.
Wolska-Conus (ed.), Topographie Chrétienne, I, 329ff.; Georgius Syncellus. CSHB.
1, 82ff. Cf. A. von Gutschmid, Kleine Schriften, V (Leipzig. 1894), 240ff., 585ff.
(20) Expositio totius mundi, ed. J. Rougé, 1 lOff. Um texto grego semelhante é
A. Klotz (ed.), «Hodoiporia apo Edem tou Paradeisou achri tôn Rhornaíôn»,
Rheinisches Museum fiir Philologie, LXV (1910), 606ff. Para a versão georgiana ver
Z. Avalichvili, «Géographie et fégende dans un récit apocryphe de S. Basile ». ROC,
XXVI ( 1927-1928), 279ff.
(21) W. Wolska-Conus (ed.), Topographie Çhrétienne, II, 133ff.; Jorge Sincelo,
CSHB, I, 94.
(22) Anastásio de Sinai, Quaestiones, PG LXXXIX, 764. ;'
(23) /bid., 708.
/!
(24) R. A. Lipsius e M. Bonnet (eds.), Acta apostolorum apocrypha, Wl

(Leipzig, 1898), 46-47, 65; IU2 (1903), 37, 100.


(25) Ver F. Dvornik, The ldea of Apostolicity in Byzantium and the Legend of the
Apostle Andrew (Cambridge, Mass., 1958), J38ff.
(26) Sozomen. Hist. eccles., ed. J. Bidez e L. Parmentier, II. 6-14. Sobre este .,
!
assunto ver W. H. C. Frend, «The Missions of the Early Church, 180-700 AD».
Religion Popular and Unpopular (Londres. 1976), VIII. i

335
j
1'

.!
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(27) The Syriac Chronicle known as that of Zachariah of Mitylene, trad. F. J.


Hamilton e E. W. Brooks (Londres, 1899), XII, 7, p. 329ff.
(28) Ed. W. Wolska-Conus, I, 503ff.
( 29 ) Syriac Chronicle of Zachariah of Mitylene, trad. F. J. Hamilton e E. W.

Brooks, XII, 7, pp. 331-332.


(30) Anastásio de Sinai, Quaestiones, PG LXXXIX, 484.
(31) Ibid., 521, 732-733.
(32) The Homilies of Photius, trad. e. Mango (Cambridge, Mass., 1958), 107.
(33) Manuel II Paleólogo, Dialoge mit einem «Perser», ed. E. Trapp (Viena,
1966), 55ff.

CAPITULO 10: O PASSADO DA HUMANIDADE

(1) Pratum spirituale, cap. 87, PG LXXXYil/3. 2944-2945.


(2 ) No final da datação consular ver E. Stein, «Post-consulat et autokratoreio»,
Mélanges Bide: (Bruxelas, 1933-1934), 869ff.
(3) Ver especialmente o seu Co11tra Apionem.
(4) Ad Autolycum, lll. 24ff.
(5 ) Sobre este assunto ver V. Grumel, La chronologie, Traité d'études byzan-
tines, ed. P. Lemerle, I (Paris, 1958).
(6 ) O que se segue foi seleccionado de várias crónicas, em particular das de
Malaias, Syncellus e Georgius Monachus.
(7) Georgius Monachus, ed. C. de Boor, 78-79, 224ff. Cf. Eusébio, Demonstraria
evangelica, IV. 8. 1.
(8 ) K. Buresch, Klaros. Untersuchungen zum Orakelwesen des spãteren
Altertums (Leipzig, 1889), 111-112.

CAPITULO 11: O FUTURO DA HUMANIDADE

(1) P. J. Alexander, The Oracle of Baalbek (Washington, D.e., 1967), 14, 25,
53-55.
(2 ) F. Macler, «Les apocalypses apocryphes de Daniel», Rev. de l'histoire des
religions, xxxm ( 1896), 288ff.
(3) Malaias, Chronographia, CSHB, 408-409; Chronicon Paschale, CSHB, I,
610-611; João Moscho, Pratum spirituale, cap. 38, PG LXXXVII/3, 2888-2889.
(4) Vlll. 13; XII. 19-32. Cf. B. Rubin, «Der Fürst der Dãmonen», BZ, XLIV
(1951), 469ff.; id., «Der Antichrist und die "Apocaíypse" des Prokopios von
Kaisareia», Zeltschr: der Deutschen Morgenlãndischen Gesellschaft, ex ( 1961 ), 55ff.
;; 1 i ( 5 ) Agatias, Historiae, V. 5, ed. R. Keydell, 169-170.
(6) Theophylactus Simocatta, Historiae, ed. C. de Boor, 1. 2 (reimpresso Estu-
garda, 1972), 43.

336
NOTAS

(7) lbid., V. 15, pp. 216-217.


(8)Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6119, pp. 327-328.
(9) lbid., A. M. 6127, p. 339.
(1º) O texto grego é de V. M. Istrin (ed.), Otkrovenie Mefodija Patarskago i
apokrifiéeskija Videnija Daniila (Moscovo, 1897), Textos, 5ff. A versão em latim é
de E. Sackur (ed.), Sibyllinische Texte und Forschungen (Halle, 1898), 57ff.
Cf. M. Kmosko, «Das Riitsel des Pseudornethodius», Byzantion, VI (1931), 273ff.
(11) Teófanes, Chronographia, A. M. 6169, pág. 356.
(12) H. Usener «De Stephano Alexandrino», Kleine Schriften, IV (reimpresso
Osnabrück, 1965), 276.
(13) First Vision of Daniel, ed. A. Vassiliev, Anecdota graeco-byzantina (Mos-
covo, 1893), 33ff.
(14) PG CXI, 852ff.; L. Rydén, «The Andreas Salas Apocalypse», DOP, XXVIU
(1974), 197ff.
( 15 ) Leão. o Diácono, Historia, CSHB, 4.
(16) L. G. Westerink, «Nicetas the Paphlagonian on the End of the World», r
Essays in Memory of B. laourdas (Tessalonica, 1975), l 77ff.
( 17) Th. Preger (ed.), Scriptores originum Constantinopolitanarum, II (Leipzig,
1907), §47. Cf. §§50, 73, 79.
( 18 ) João Tzetzes, Epistu/ae, ed. P. A. M. Leone (Leipzig, 1972), 88; id.,
Historiae, ed. P. A. M. Leone (Nápoles, 1968), 370-371.
( 19 ) PG CVII, l l 29ff. Cf. C. Mango, «The Legend of Leo the Wise», Zbornik
radova Yizantoloskog Instituta, VI (Belgrado, 1960) 59ff.
(2º) Nicetas Coniates, Historia, ed. J.-L. Van Dieten (Berlim, 1975), 355.
(21) V. M. Istrin (ed.), Otkrovenie Mefodija Patarskago, 135ff. Cf. A. Vassiliev

(ed.), Anecdota graeco-byzantina, 43ff.


(22 ) L. Petit, X. A. Sideridês e M. Jugie (eds.), Oeuvres completes de Georges
Scholarios, IV (1935), 511-512. Cf. I (1928), 211; III (1930), 94, 288, 383, etc.
( 23 ) J. Darrouzês, «Lettres de 1453», REB, XXll ( 1964), 91.
( 24 ) Vita S. Basilii iunioris, ed. Veselovskij, Sbornik Otdelenija Russkago Jazyka
i Slov. lmp. Akad. Nauk., XLVI, suppl., 12ff.

CAPÍTULO 12: A VIDA IDEAL

(1) João Crisóstomo, De virginitate, §83, PG XLVIII, 594.


<2) J. Nicole (ed.), Book of the Prefect, Proern (Genebra, 1893), 13.
(3 ) Eusébio, Praeparatio evangelica, l. 4. 3ff.
(4 ) Anastásio de Sinai. Quaestiones, PG LXXXIX, 476.
(5) João Crisóstomo, De inani gloria, ed. A.-M. Malingrey, §67.
(6 ) Teodoro, o Estudita, Parva catechesis, ed. E. Auvray (Paris, 1891). 16.
(7) Agapito, Capita admonitoria, PG LXXXVI/1, 1164ff.
(8) Cod. Theod., XV. 1. 47.

337
BIZÂNCIO. 0 ]MPÉRIO DA NOVA ROMA

(9) Constantino Porfirogeneta. De Cerimoniis, Proem, ed. A. Vogt, l (Paris,


1935), 1-2.
(10) Epanagoge, tit. 3 em Zepos. Jus. 11, 242.
(l l) P. Noailles e A. Dain (eds.), les Nouvelles de Léon VI le Sage. artigo 17, 63ff.
(12) Ver as citações recolhidas por João Damasceno. Sacra Parallela, ed. M.
Lequien, alpha, tit, 21 (Paris, 1712). 11. 358-359.
(13) Antiochus Monachus, Pandectes, cap. 37. PG LXXXIX. 1549.
(14) João Damasceno, Sacra Paral/ela, ed. M. Lequien, epsilon, tits. 17-18, 11.

509ff; Paraflela Rupefucaldina, ibid., 779ff.


(15) /bid .. delta, tit. 18-19. pág. 440ff.
(16) lbid., delta, tit. 11. pág. 435.
( 17) lbid., iota, tit. 5. pág. 557.
(18) lbid., sigma. tit. 15. pág. 688.
(19) lbid., gama. tit. 5, pág. 405.
(20) lbid., delta. tit. 9. pág. 430ff.
(21) Diodoro de Tarso citado por Fócio, Blbliotheca. cod. 223. ed. R. Henry. IV. 34.

(22) João Crisóstomo, De inani gloria, ed. A.-M. Malingrey, §70.


(23) Capita admonitoria, §16, PG LXXXVl/1, 1169.
(24) João Crisóstomo. ln i11scriptio11em altaris, §2. PG LI, 69.
(25) João Crisóstomo. ln epist. I ad Timoth. hom. XII. PG LXII, 562-563.
(26) Anastásío, 011 the Departed, em C. A. Trypanis (ed.), Fourteen Early
By;;antine Cantica (Viena, 1968). 63.
(27 ) João Damasceno, Sacra Parai/ela, ed. M. Lequien, mu, tit. IO, II, 609ff.
(28) João Crisóstomo, De inani gloria, ed. A.-M. Malingrey, §23ff.
(29) João Crisóstomo, ln epist. I ad Timoth, hom. IV, PG LXII, 524.
30
( ) Antíoco, Pandectes, cap, 4, PG LXXXIX, 1444.
(31) lbid., cap. 95, col. 1721. Ver discussão em I. Hausherr, Penthos, Orientalia
Christiana Analecta, 132 (Roma, 1944 ). 109ff.
( ) Teodoreto, Historia religiosa. ed. P. Canivete A. Leroy-Molinghen, n. 14,
32

vol. 1 (Paris, 1977), 224-226.


33
( )Antíoco, Pandectes, cap. 17, PG LXXXIX, 1480.
34
( Moscho, Pratum spirituale, cap. 78, PG LXXXVIl/3, 2933.
)
35
( ) João Crisóstomo, Contra eos qui subintroductas habent, §5. PG XLVIl, 502.
(36) Eusébio, Demonstratio evangelica, 1. 9. 1-4.
(37) João Crisóstomo, ln epist. I ad Thess. hom. V, PG LXII, 426; João Crisós-
tomo, De inani gloria, ed. A.-M. Malingrey, §81.
-· 1 (38) João Crisóstomo, De virginitate, §5, PG XLV111, 537.
i (39) João Damasceno, Sacra Parai/ela, ed. M. Lequien, pi, tit. 31, 11, 670-671.
i (40) João Crisóstomo, ln Matth. hom. XXXVIJ, PG LVIJ, 426.
i
(41) João Crisóstomo, ln Kalendas, PG XLY111, 954, 960.
(42) Jerome, Epist. LV111, PL XXII, 582.
(43) Leôncio de Neápolis, Life of St Symeon the Fool, ed. L. Rydén, 167.
(44) João Crisóstomo, ln Matth. hom. XXXYIJ, PG LVIJ, 428.

338
NOTAS

CAPÍTULO 13: LITERATURA

(1) Ver F. Halkin, Bibliotheca hagiographica graeca, 3.ª ed. (3 vols., Bruxelas,
1957); F. Halkin, Auctarium bibl. hagiogr: graecae (Bruxelas, 1969).
(2) Nilo, Epist, 49, PG LXXIX, 220.
( 3 ) &I. Gy. Moravcsik e R. J. H. Jenkins (Washington, D. C., 1967), cap. 1, pág. 48.
(4) Ed. A. Vogt, I (Paris, 1935), 2.
(5) P. Chrêstou et ai. (eds.), Grêgoriou tau Palama syngramata, II (Tessalonica,
1966), 568.
(6 ) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6295, pág. 479.
(7) L. Th. Lefort, les Vies copies de Saint Pachôme (Lovaina. 1943), XLIIf.
(8) Teófanes, Chronographia, ed. C. de Boor, A. M. 6024, pp. 181 ff.
(9) Procópio, Guerras, VIII. 1. 1.
(1º) R. Hercher (ed.), Erotici scriptores graeci, II (Leipzig, 1859), 161-577.
(11) Pratum spirituale, cap. 134, PG LXXXVIl/3, 2997.
(12) F. Miklosich e J. Müller (eds.), Acta et diplomata graeca medii aevi, V
(Viena, 1887), 324ff.; W. Nissen Die Diataxis des Michael Attaleiates von 1077 (Jena,
1894), 86ff.
(13) Ch. Diehl, «Le trésoret la bibliothêque de Patmos au commencement du 13c
síecle», BZ, 1 ( 1892), 496ff.
(14) Cecaumeno, Strategicon, ed. G. G. Litavrin, §§21, 46, 63, pp. 154,212.240.
( 15 ) P. Lemerle, Cinq études sur /e X/e siêcle byzantin (Paris, 1977), 24f.
(16) Ver as observações valiosas de L. G. Westerink, Nicétas Magistros: lettres
d'un exilé (Paris, 1973), 9ff.
( 17) F. W. Lenz, «On the Autorship of the Leptinean Declamations ... », American
Journal of Philology, LXIII ( 1942), l 54ff.
( 18 ) A. P. Kazhdan, «Some Questions Addressed to the Scholars who Believe in
the Authenticity of Kaminiates "Capture of Thessalonica"», BZ. LXXI ( 1978), 301 ff.
(19) Theophanes Continuatus, CSHB, 167.
(2º) Procópio, Guerras, I. 4. l 7ff.
(21) Procópio, Guerras, VII. 1. 5-15.
(22) Procópio, Guerras, V. 3. 6-9.
(23 ) Agatias, Historiae, ed. R. Keydell, Proem, 12 e 1. 7, pp. 6, 18-19.
(24) Ed. E. Renauld. 1, 63.
(25) J. F. Boissonade (ed.), On lhe Characteristics of Certain Writings,
juntamente com De operatione daemo1111111 (Nuremberga, 1838), 50ff.
(26) E. Kurtz (ed.), Die Gedichte des Christophoros Mitylenaios (Leipzig, 1903),
n.º 114.
(27) Ver a análise perceptiva de Nicetas por A. P. Kazhdan, Kniga i pisatel'v
Yizantii (Moscovo, 1973), 82ff.
(28) L. Spengel. Rhetores graeci, III (Leipzig, 1856), 368ff.
(29 ) A.-J. Festugiêre (ed.), Néapolis: Vie de Syméon Léontios dele Fou et Vie de
Jean de Chypre, 344.

339
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

(30) Pselos, Encomium Metaphrastae, em E. Kurtz e F. Drexl (eds.), Scripta


minora, l (Milão, 1936), 100.
(31) lbid., 101.
(32) H.-G. Beck, Kirche und theologische Literatur im byzant. Reich (Munique,

1959), 640.
( 33 ) D.-C. Hesseling e H. Pernot (eds.), Poêmes podromiques en grec vu/gaire

(Amesterdão, 191 O).


(3 4 ) M. Pichard (ed.), Le Roman de Callimaque et de Chrysorrhoé (Paris, 1956).
(35) E. Legrand (ed.), Biblíothéque grecque vulgaire, 1 (Paris, 1880), 125ff.
Todos os cinco romances estão convenientemente acessíveis em E. Kriaras, Byzantina
hippotika mythistorêmata, Basikê bibliothêkê, II (Atenas, 1955).
( 36 ) J. Mavrogordato (ed.), Digenes Akrites, com trad. inglesa. nem sempre de
confiança (Oxford, 1956 ). Uma edição mais elaborada foi tentada por E. Trapp,
Digenes Akrites: Synoptische Ausgabe der ãltesten Versionen (Viena. 1971 ).
(37) J. F. Boissonade (ed.), 011 the Characteristics of Certain Wrimgs, 48.

CAPITULO 14: ARTE E ARQUlTECTURA

( 1) The Birth of Western Painting (Londres, 1930), 25.


(2) Ver Ch. Pellat, «Al-Óahiz: Les nations civilisées et les croyances religieuses»,
Journal asiatique, CCLV (1967), 71.
(3) PG LXXIX, 577ff.
(4) Cod. Theod .• XIII, 4. 1 e 4.
(5) Ver relatórios preliminares de R. M. Harrison e N. Firatli, em DOP, XIX
(1965), 230ff.; XX (1966), 222ff.; XXI (1967), 273ff.; XXII (1968), 195ff.
(6) Joannou, Discipline, UI, 218-220.
(1) Nicéforo, Opuscula historica, ed, C. de Boor, 76.
(8 ) Vita S. Stephani iunioris, PG c, 1120.
(9) lbid., 1172.
1
( º) Theophanes Continuatus, CSHB, 139ff.
(11) lbid., 102ff.

(12) Nicetas Coniates, Historia, ed. J.-L. Van Dieten, 332.


(13) G. A. Rallês e M. Potlês, Syntagma tôn theiôn kai hierôn kanonõn, II
(Atenas, 1852), 545-546.
(14) Nicholas Mesarites, Description of the C/111rch of the Holy Apostles, ed. com
trad. inglesa de G. Downey, XXVIII. 23, Trans. of the American Philos. Society, N.S.,
XLVIU6 (1957), 855ff.
( 15) A. Maiuri, «Una nuova poesia di Teodoro Prodromo», BZ, XXIII ( 1920), 399f.
( 16 ) Ch. Loparev (ed.), Kniga palomnik (São Petersburgo, 1899), 17.

i. (17) Theophanes Continuatus, CSHB, 98f.


(18) Nicholas Mesarites, Die Palastrevolution des Johannes Komnenos, ed. A.
1 !
1. Heisenberg (Würzburg, 1907), 44f.
1
-!
!
340
Bibliografia

INTRODUÇÃO

O melhor manual da história bizantina é G. Ostrogorsky, History of rhe Byzantine


State, 2.ª ed. (Oxford, 1968), traduzido por J. Hussey da 3.• ed. do mesmo autor
Geschiclzte des byzantinischen Staates (Munique, 1963). O trabalho mais antigo de
A. A. Vasiliev, History of the Byzantine Empire, 2.ª ed. (Madíson. Wísc., 1952), conti-
nua a ser útil em alguns aspectos. Para uma maior cobertura geográfica, incluindo
países adjacentes a Bizâncio, ver The Cambridge Medieval History, I (1911) e II
(1913) até 717 d.C., e JV, pt 1 (1966) para o período 717-1453.
A parte inicial da história bizantina, até à morte de Justiniano I (565), foi tratada
em detalhe por J. B. Bury, History of the Later Roman Empire (2 vols., Londres,
1923) e, mais exaustivamente, por E. Stein, Histoire du Bas-Empire (2 vols., Paris-
-Bruxelas-Amesterdão, 1949-1959). Sente-se a falta de registos tão bem documenta-
dos da restante história bizantina. Entre as muitas monografias, dedicadas a reinados
individuais e períodos mais longos, merecem menção as seguintes:

J. B. Bury, History of the Later Roman Empirefrom Arcadius to Irene (2 vols.,


Londres, 1889).
P. Goubert, Byzance avant l'lslam, 1, 11/1, 11/2 (Paris, 1951-1965).
A. Lombard, Constanrin V. empereur des Romains (Paris, 1902).
J. B. Bury, History of the Eastern Roman Empire from the Fali of Irene to the
Accession of Basil I (Londres, 1912).
A. Vogt, Basile t«, empereur de Byzance (Paris, 1908).
S. Runciman, The Emperor Romanus lecapenus and his reign (Cambridge, 1929).

341
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

A. Rambaud, L'Empire grec au X' siêcle: Constantin Porphyrogénête (Paris,


1870).
A. Toynbee, Constantine Porphyrogenitus and his World (Londres, 1973).
G. Schlumberger, Un empereur byzantin au XC siêcle. Nicéphore Phocas (Paris,
1890).
-. L'épopée byzantine à la jin du x• siêcle, 3 vols. (Paris, 1896-1905).
F. Cha1andon, Les Comnene, I. Essai sur le rêgne d'Alexis Jer Comnêne (Paris,
1900).
-, Les Comnene. li. Jean li Comnêne et Manuel I Co11111ene (Paris, 1912).
D. M. Nico!, The Last Centuries of Byzantium, 126/-1453 (Londres. 1972).

Para os Estados bizantinos destruídos:

M. J. Ango1d, A Byzantine Government in Exile. Government and Society


under the Laskrids of Nicaea (Londres, 1975).
D. M. Nico! The Despotate of Epiros (Oxford, 1957).
W. Miller, Trebizond, the Last Greek Empire (Londres. 1926).
D. A. Zakythenos, Le despotat grec de Morée, 2.• ed. (2 vols., Londres, 1975).

Entre numerosos livros dedicados à civilização e cultura bizantina, o mais abran-


gente é L. Bréhier, Le monde byzanti11, II, Les institutions de l'Empire byzantin (Paris,
1949) e lll, La civilisation bytantine (Paris, 1950). Ver também The Cambridge Medie-
val History, IV, pt 2 (1967). Mais moderno e incisivo na sua abordagem é A. Guillou,
La civilisation byzantine (Paris, 1974). São também dignos de nota os seguintes:

N. H. Baynes e H. St L. B. Moss (eds.), Byzantium. An Introduction to East


Roman Civílization (Oxford, 1948).
H.-G. Beck, Das byzantinische Jahrtausend (Munique, 1978).
Ch. Diehl, Byzance: Grandeur et décadence, 2.• ed. (Paris, 1926): trad. inglesa,
Byzantium: Greatness and Decline (Brunswick, N. J. 1957) com uma boa
bibliografia de P. Charanis.
H. W. Haussig. Kulturgeschichte von Byzanz, 2.3 ed. (Estugarda, 1966); trad.
1
i' inglesa, A History of Byzantine Ctvilization (Londres, 1971 ).
H. Hunger, Reich der neuen Mitte: Der christliche Geist der byzantinischen
Kultur (Graz, 1965).
A. P. Kazdan, Yltantijskaja kul'tura (Moscovo, 1968); trad. alemã Byzanz. und
seine Kultur (Berlim, 1973).
- A. P. Rudakov, Oêerki vizantijskoj kul'tury po dannym greêeskoj agiografi
!'1, (Moscovo, 1917; reimpresso em Londres, 1970).
S. Runciman, Byzantine Civi/ization (Londres, 1933).

O leitor determinado pode também conseguir extrair muita informação útil de Ph.
Koukoules, Byzantinôn bios kai politismos (5 vols., Atenas, 1948-1952).

342
BIBLIOGRAFIA

C A P ÍT U L O 1: P O V O S E L fN G U A S

Não existe qualquer trabalho abrangente sobre os povos do Império Bizantino.


Do Período Inicial, uma grande parte de informação pode ser encontrada em A. H. M.
Jones, The Cities of the Eastern Roman Provinces, 2.ª ed. (Oxford, 1971). Para uma
observação baseada em fontes hagiográficas e limitada às províncias orientais ver
A. P. Rudakov, Oêerki vtzantijskoj kul'tury (reimpresso em Londres, 1970), 45ff. Há
algumas boas observações gerais em E. Stein, «Introduetion à l'histoire et aux
institutions byzantines», Traditio, VII (1949-1951), 154ff. Um número de estudos
relevantes de P. Charanis foram reimpressos no seu Studies 011 the Demograplzy of the
Byzantine Empire (Londres, 1972).

Grego, latim e linguas autóctones

G. Bardy La question de tangues dans L'Église ancienne (Paris, 1948).


G. Dragon, «Aux origines de la civilisation byzantine. Langue de culture et
langue d'état», Rev. historique, CCXLI (1969), 23-56.
R. MacMullen, «Provincial Languages in the Roman Empire», Amer: Journal of
Philol., LXXXVII (1966), 1-17.
P. Peeters, Le tréfonds oriental de l'hagiographie byzantine (Bruxelas,
1950).
H. Zilliacus, Zum Kampf der Weltsprachen im ostrõmischen Reicli (Helsingfors,
1935).

Ásia Menor

K. Holl, «Das Fortleben der Volkssprachen in Kleinasien in nachchristlicher


Zeit», Hermes, XLIII (1908), 240-254.
W. M. Ramsay, «The intermixture of Races in Asia Minor», Proc. of the British
Acad., VII (1915-1916), 359-422.
L. Robert, Noms indigênes dans l'Asie Mineure gréco-romaine (Paris, 1963).
S. Vryonis, Jr., The Decline of Medieval Hellenism in Asia Minor (Berkeley-Los
Angeles, 1971 ), 42ff.

Síria e Palestina

F. Altheim e R. Stiehl, Die Araber in der alten Welt, I (Berlim, 1964).


M. Avi-Yonah, The Holy Land Jrom the Persian to the Arab Conquests (Grand
Rapids, Mich., 1966), 212ff.
-, The Jews of Palestine (Oxford, 1976).
R. Dussaud, La Pénétration des Arabes en Syrie avant l'lslam (Paris, 1955).
F. Nau, Les Arabes chrétiens de Mésopotamie et de Syrie (Paris, 1933).

343
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

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-, Egypt from Alexander the Great to the Arab Conquest (Oxford, 1948).
E. R. Hardy, Christian Egypt: Churcli and People (Nova Iorque, 1952).
R. MacMullen, «Nationalism in Roman Egypt», Aegyptus, XLIV ( 1964 ), l 79ff.
Th. Papadopoullos, Afrlcanobymntina. Byzantine lnfluences on Negro-Sudanese
Cultures (Atenas, 1966).

Norte de África

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( 1968), 85-95.
C. Courtois, Les Vandales et /'Afrique (Paris, 1955).
-, «Saint Augustin et le problême de la survivance du punique», Rev. africaine,
XCIV (1950), 259-282.
M. Simon, «Punique ou berbere?», Ann. de /'lnst. de Philol. et d'Hist. Orient. et
Slaves, Xlll (1953), 613-629.

Itália e Sicília

L. Bréhier, «Les colonies d'orientaux en Occident au commencement du


moyen-âge», BZ, XII (1903), 1-39.
P. Charanis, «On lhe Question of the Hellenization of Sicily and Southem ltaly
during the Middle Ages», Amer. Hist. Rev., LII (1946), 74-86.
A. Guillou, Régionalisme et indépendance dans l'Empire byzantin a11 VII' siêcle
(Roma, 1969), 77ff.
G. Rohlfs, Scavi linguistici nel/a Magna Grecia (Roma, 1933).
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L. Ruggini, «Ebreí e orientali nell'ltalia settentrionale fra il IV e il VI secolo
d. Cr,», Studia et documenta historiae et Juris (Pontif. Inst. Utriusque Juris),
XXV (1959), 186-308.
E. Sestan, «La composizione etnica della società in rapporto alio svolgimento
della civiltà in ltalia nel sec. VII», Caratteri dei sec. VII in Decidente = Setti-
mane di studio dei Centro ital. di studi sull'alto medioevo, V/2 (Espoleto,
1958), 649-677.

Balcãs

V. Beãevliev, Untersuchungen liber die Personennamen bei den Thrakern


(Amesterdão, 1970), 69ff.
D. Detschew, Die Thrakischen Sprachreste (Viena, 1957).

,1 344
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V. Velkov, «Les campagnes et la population rurale en Thrace aux 1ve-v1e siêcles»,
Byzantinobulgarica, I (1962), 31-66. l,
Alguns desenvolvimentos depois do século VI

P. Charanís, «The Chronicle of Monemvasia and the Questíon of the Slavonic


Settlements in Greece», DOP, V (1950), 141-166.
-. «Ethnic Changes in the Byzantine Empire in the Seventh Century», DOP,
XIII ( 1959), 25-44.
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R. J. H. Jenkins, Byzantium and Byzantinism, Conferências em homenagem a
Louise Taft Semple (Cincinnati, 1963), 2Iff.
P. Lemerle, «La chronique improprernent dite de Monemvasie», REB XXI
( 1963), 5-49.
M. Vasmer, Die Slaven in Grieschenland, Abhandlungen d. Preuss. Akad. d.
Wiss., Philos.-hist. KI., 1941, Nr. 12.

CAPÍTULO 2: SOCIEDADE E ECONOMIA

Período Inicial

Toda a informação essencial pode ser encontrada em A. H. M. Jones, The later


Roman Empire, 284-602 (3 vols .. Oxford, 1964), e, numa forma mais condensada, do
mesmo autor The Decline o/ the Ancient World (Londres, 1966).

Administração, Impostos e o Exército

D. van Berchem, L 'armée de Dioclétien et la reforme constantinienne (Paris, I 952).


A. Déléage, la capitation du Bas-Empire (Mâcon, 1945).
R. Grosse, Rõmische Militãrgeschichte von Gallienus bis zum Beginn der byzan-
tinischen Themenverfassung (Berlim, l 920).
R. Guilland, Recherches sur /es institutions byzantines (2 vols., Berlim-Amester-
dão, 1967).
J. Karayannopulos, Das Finanzwesen des friihbyzantinischen Staates (Munique,
1958).

345
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

R. MacMullen, Soldier and Civilian in the Later Roman Empire (Cambridge,


Mass., 1963).
J. Maspéro, Organisation militaire de /' Egypte byzantine (Paris, 1912).
G. Rouillard, L'administration civile de l'Egypte byzantine, 2: ed. (Paris, 1928).

A Igreja

J. Gaudemet, L'Ég/ise dans l'Empire ro111ain (1vc-vc siêcles) (Paris, 1959).


A. H. M. fones, «Church Finance in the Fifth and Sixth Centuries», Journal o/
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M. Kaplan, Les propriétés de la Co11ro1111e et de l'Église dans l'Empire byzantin
siêctes; (Paris, 1976).
M. V. Levêenko, «Cerkovnye imuséestva V-VII vekov V vostoôno-Rimskoj
imperii», Yizantijsklj Vre111e1111ik, N.S., II ( 1949), 11-59.
E. Wipszycka, Les ressources et les activités économiques des églises en Egypte
du IV" m, VIII' siêcle (Bruxelas, 1974).

Trocas Comerciais e Mercadorias

H. Antoniadis-Bibicou, Recherches sur les douanes à Byzance (Paris. 1963).


R. S. Lopez, «The Role ofTrade in the Economic Readjustment of Byzantium in
the Seventh Century», DOP, XIII () 959), 67-85.
i. J. Rougé, Recherches sur l'organisation d11 commerce maritime en Méditerranée
sous l'Empire romain (Paris, 1966).
N. V. Pigulewskaja, Byzan: auf den Wegen nach /11die11 (Berlim, 1969).
J. L. Teall, «The Grain Supply of the Byzantine Em pire, 330-1025», DOP, XIII
(1959), 87-139.

Classes Sociais
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R. Ganghoffer, L'évolution des institutions municipales e11 Occident et en Orient
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L. Harmand, Libanius, Discours sur /es patronages (Paris, 1955).
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Sistema Monetário, Preços e Salários (Todos os Períodos)

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i
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Byzantinisten-Kongress (Munique, 1958), I.

Período Médio, Administração

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-, «Senat und Volk von Konstantinopel», ibid., 1966, n.º 6.
C. M. Brand, «Two Byzantine Treatises on Taxation», Traditio. XXV ( 1969), 35-60.
P. Charanis, Social, Economic and Political Life in the Byzantine Empire
(dissertações recolhidas) (Londres, 1973).
F. Dõlger, Beltrãge zur Geschichte der byzantinischen Finanrverwaltung
besonders des /0. und li. Jahrunderts (Munique-Berlim. 1927; reimpresso
em Hildesheim, 1960).

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CCXIX/1 (1958). 32-74, 254-284; CCXIX/2 (1958). 43-94.
-, «Recherches sur le régime agraire à Byzance: La terre militaire à l'époque
des Comnênes», Cahiers de ctvilisation médiévale, li ( 1959), 265-281.
-, Cinq études sur /e XI' siêcle byzantin (Paris, 1977).
R. Morris, «The Powerful and the Poor in Tenth Century Byzantium: Law and
Reality», Past and Presem, n.0 73 (1976). 3-27.
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1956).
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-. «Agrarian Conditions in the Byzantine Empire in the Middle Ages» em
Cambridge Economic History of Europe, ed. M. M. Postan, 2.0 ed. (Cam-
bridge, 1966), 205-234.
-. «Die Pronoia unter den Komnenen», Zbornik Radova Vizant. lnstituta, XII
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E. Sackur, Sibvllinische Texte 1111d Forschungen (Halle, 1898).
A. Vasiliev, «Medieval ldeas of the End of the World, West and East», Byzantion,
XVI (1942-1943), 462-502.

CAPÍTULO 12: A VIDA IDEAL

O único estudo que, segundo sabemos, tenta cobrir mais ou menos o mesmo que
este capítulo é A. Guillou «Le systeme de vie enseigné au VIIIº siêcle dans le monde
byzantin», I Problemi dei'Occidente nel sec. VIII= Settimane di studio dei Centro ital.
di studi sul/'alto medioevo, XX (Espoleto, 1973), 1, 343-381.
A extensa bibliografia sobre a concepção bizantina do Império, e do que o
compõe, pode ser encontrada em H. Hunger (ed.) Das byzantinische Herrscherbild
(Darrnstadt, 1975), 41Sff.
Alguns trabalhos importantes sobre este assunto são:

F. Dõlger, Byzanz. und die europãische Staatenwelt (Ettal, 1953).


F. Dvorník, Early Christian and Byzantine Political Philosophy (2 vols.,
Washington, D.C., 1966).
A. Grabar, L' empereur dans /' art byzantin (Paris, 1936).
H. Hunger, Prooimion. Elemente der bytantinischen Kaiseridee in den Arengen
der Urkunden (Viena, 1964).
E. von lvánka, Rhomiierreich und Gottesvolk (Freiburg-Munique, 1968).
G. Ostrogorsky, «Die byzantinische Staatenhierarchie», Seminarium Kondako-
vianum, VIII (1936), 41-61; reimpresso do mesmo autor Zur byzantinischen
Geschíchte (Darmstadt, 1973), 119-141.
-, «Toe Byzantine Emperor and the Hierarchical World Order», Slavonic and
East European Review, XXXV (1956-1957), 1-14.

~ r,. O. Treitinger, Die ostrõmische Kaiser- und Reichsidee nach ihrer Gestaltung im
hõfischen Zeremoniell (Jena, 1938; re-impresso Darmstadt, 1969).

"i,, Para o ideal monástico ver a Bibliografia do capítulo 5.


lj Numerosas monografias dedicadas aos Padres da Igreja, individual ou colectiva-
mente, discutem a sua doutrina, de moralidade cristã. Ver, por exemplo, S. Giet, Les
idées et l'action sacia/e de Saint Basile (Paris, 1941); e A. Puech, Saint Jean Chrysos-
tome et les maurs de son temps (Paris, 1891).

358
BIBLIOGRAFIA

CAPÍTULO 13: LITERATURA

O famoso manual de K. Krumbacher, Geschichte der byzantinischen Literatur,


2." ed. (Munique, 1897) foi suplantado por:
H.-G. Beck, Kirche und theologische Literatur im bytantinishcen Reicb (Muni-
que, 1959).
-, Geschichte der byzantinischen Volksliteratur (Munique, 1971).
H. Hunger, Die hochsprachliche profane Literatur der Byzantiner (2 vols, Muni-
que, 1978).

Algumas discussões e avaliações gerais

H.-G. Beck, «Antike Berdsamkeít und byzantínísche Kallílogia», Antike und


Abendland, XV (1969), 91-101.
-, «Das literarische Schaffen der Byzantiner», Ôsterr. Akad. d. Wiss., Philos.-
hist. KI., Sitzungsberichte, 294, 4 Abh. (Viena, 1974).
H. Hunger, «Aspekte der gríechischen Rhetorík von Gorgias bis zum Untergang
von Byzanz», ibid., 277/3 (Viena, 1972).
R. J. H. Jenkins, «The Hellenistic Origins of Byzantine Literature», DOP, XVII
(1963), 37-52.
A. P. Kaãdan, Kniga i pisarei v Vizantii (Moscovo, 1973).
G. L. Kustas, «The Function and Evolution of Byzantine Rhetoric», Viator, I
(1970), 55-73.
-, Studies in Byzantine Rhetoric (Tessalonica, 1973).
C. Mango, Byzantine Literature as a Distorting Mirrar, Inaugural Lecture
(Oxford, J 975).

Desenvolvimento da Lingua Grega


t
R. Browníng, Medieval and Modem Greek (Londres, 1969).
-, «The Language of Byzantine Literature», Byzantina kai Metabyzantina, ed.
S. Vryonis, Jr, I (Malibu, 1978), l03-133.
R. M. Dawkins, «The Greek Language in the Byzantine Period», in Byzantium.
An lntroduction to East Roman Ctvilization, ed. N. H. Baynes e H. St. L. B.
Moss (Oxford, 1953), 252-267.
S. Kapsomenos, «Die griechische Sprache zwischen Koine und Neugriechisch»,
'
Beríchte zum XI. lnternat. Byzantinisten-Kongress (Munique, 1958), !UI.
E. Kriaras, «Diglossie des demíers siêcles de Byzance», Proceedings of the X/11111
Intern, Congress of Byzant. Studies, Oxford, 1966 (Londres, 1967), 283-299.
S. 8. Psaltes, Grammatik der byzantinischen Chroniken (Gotinga, 1913).
1
1~
D. Tabachovítz, Études sur te grec de la basse époque (Upsala, 1943).

Aínda não existe um dicionário adequado do grego medieval. O famoso Glossa-


rium ad scriptores mediae et infimae graecitatis (Lião, 1688; muitas reimpressões) de

359
B IZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

C. Ducange ainda é, em muitos aspectos, o melhor. Para o Período Inicial ver


G. W. H. Lampe, Lexicon of Patristic Greek (Oxford, 1961-1968). E. A. Sófocles,
Greek Lexicon of the Roman and Byzantine Periods (Boston, 1870) é. em geral,
insatisfatório e estende-se apenas até 1100 d.C. Para a linguagem vemacular do
Período Tardio bizantino ver E. Kriaras, Lexiko rês mesaiônikês hellênikês dêmôdus
grammateias, 1100-1669 (Tesalonica, 1968- ).

Livros, Bibliotecas e Cultura

R. Browning, «Byzantine Scholarship», Past and Present, n.º 28 (1964), 3-20.


Byzantine Books and Bookmen. A Dumbarton Oaks Colloquium (Washington,
D.C.,1975).
G. Cavallo (ed.), Libri, editori e pubblico nel mondo antico (Rorna-Bari, 1975),
83ff.
A. Dain, Les manuscrits, 2.0 ed. (Paris, 1964).
R. Devreesse, lntroduction à /' étude des manuscrits grecs (Paris, 1954 ).
K. A. Manaphês, Hai en Kônstan1i11011polei bibliathêkai autokratorikal kai
patriarchikê (Atenas, 1972).
L. D. Reynolds e N. G. Wilson, Scrlbes and Scholars (Oxford, 1968), 44ff.

Historiografia

Um guia indispensável para os textos históricos bizantinos é Gy. Moravcsik,


Byzantinoturcica, 2.• ed., I (Berlim, 1958). Outros estudos são:
Averil Cameron, «Toe "Scepticism" of Procopius», Historia, XV ( 1966), 466-482.
-, Agathias (Oxford, 1970).
Averil e Alan Cameron, «Christianity and Tradition in the Historiography of the
Late Empire», Classical Quarterly, N.S., XIV (1964), 316-328.
M. E. Colonna, Gli storici bizantini dai tv ai XV seco/o (Nápoles, 1956).
R. J. H. Jenkins, «The Classical Background of the Scriptores post Theopha-
nem», DOP, VIII (1954), 13-30.
Ja. N. Ljubarskij, Mikhail Pse/1. Liãnost' i tvorêestvo (Moscovo, 1978).
B. Rubin, art. «Prokopios von Kaisareia», Paulys Realencyclopãdia der class.
Altertumswiss., XXlll/1 ( 1957), 273-599.
·i

Hagiografia

G. da Costa-Louillet, «Saints de Constantinople aux v111•, 1x• et x• siecles»,


Byzantion, XXIV ( 1955), 179-263, 453-511; XXV-XXVII ( 1957), 783-852.
-, «Saints de Sicile et d'Italie méridionale aux v111•, 1x• et x• siêcles»,
Byzantion, XXlX-XXX ( 1960), 89-173.
-, «Saints de Grêce aux vius, 1x• e xs siêcles», Byzantion, XXXI (1961), 309-
-369.

360
BIBLIOGRAFIA

H. Delehaye, Les légendes grecques des saints militaires (Paris, 1909).


-, Les passions des martyrs et les genres /ittéraires (Bruxelas, 1921).
-, Les saints stylites (Bruxelas, 1923).
-, Cinq leçons sur la méthode hagiographique (Bruxelas, 1934).
E. Patlagean, «Ancienne hagiographie byzantine et histoire sociale», Annales:
Economies, sociétés, civilisations, XXIIT (1968), 106-126.
I. Sevõenko, «Hagiography of the lconoclast Period» em Iconoclasm, ed. A.
Bryer e J. Herrin (Birmingham, 1977), li 3-131.

literatura vernacular

M. Jeffreys, «The nature and Origins of Political Verse», DOP, XXV1II (1974),
141-195.
M. e E. Jeffreys, «Imberios and Margarona», Byzantion, XLI (1971), 122-160.
B. Knõs, Histoire de la littérature néogrecque (Estocolmo, 1962).
M. I. Manoussacas, «Les romans byzantins de chevalerie et I'état présent des
études les concernant», REB, X (1952), 70-83.

Digenes Akrites

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Byzantine Studies, XV (1974), 317-338.
N. Oikonornidês, «L'"épopée" de Digenis et la frontiêre orientale de Byzance aux
xe et x1e siêcles», TM, VII ( 1979), 375-397.
A. Pertusi, «La poesia epica bizantina et la sua formazione», Au! dei Convegno
Internaz. sul tema: la poesia epica et la sua formazione (Roma, 1970), 481-
-544.
L. Polires, «L'épopée byzantine de Digénis Akritas», ibid., 551-581.

CAPfTULO 14: ARTE E ARQUITECTURA

Geral

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dres, 1961).
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1970).
Ch. Delvoye, L'art byzantin (Paris, 1967).
A. Grabar, Martyrium (3 vols., Paris, 1946).
-. L'art de la .fin de l'antiquité et du moyen âge (dissertações recolhidas)
(3 vols., Paris, 1968).
-. Les voies de création en iconographie chrétienne (Paris, 1979).

361
B IZÂNCIO. 0 lMPl:RIO DA NOVA ROMA

C. Mango, The Art of the Byzantine Empire, 312-1453. Sources and Documents
(Englewood Cliffs, N.J., 1972).
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W. F. Vollbach e J. Lafontaine-Dosogne, Byzan: und der christliche Osten,
Propylãen Kunstgeschichte 3 (Berlim, 1968).

Período Inicial

B. Brenk, Spãtantike und friihes Christentum, Propylâen Kunstgeschichte.


Supplementband l (Berlim, 1977).
F. W. Deichmann, Ravenna, Hauptstadt des spatantiken Abendlandes (2 vols. em
3 partes, Wiesbaden, 1969-1975).
A. Grabar, Le premier art chrétien (200-395) (Paris. 1966).
-, L'âge d'or de Justinien. De la mort de Théodose à l'lslam (Paris, 1966).
E. Kitzinger, «Byzantine Art in the Period between Justinian and íconoclasm».
Berichte zwn XI. Internai. Byzantinisten-Kongress (Munique, 1958), IV/1.
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C. R. Morey, Early Christian Art, 2.' ed. (Princeton, 1953).

Períodos Médio e Tardio

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pela Associação lntemac. dos Estudos Bizantinos em Veneza em Set. 1968
(Veneza, 1971 ).
O. Demus. Byzantine Art and the West (Nova Iorque, 1970).
A. Grabar, Byzance. L'art byzantin du moyen ãge (Paris, 1963).
G. de Jerphanion, Une nouvelle province de l'art byzantin. Les églises rupestres
de Cappadoce (4 vols., Paris, 1925-1942).
G. Millet, Monuments byzantins de Mistra (Paris, 1910).

Arquitectura

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R. Krautheimer, Ear/y Christian and Byzantine Archltecture, Pelican History of
Art, 2.' ed. (Harmondsworth, 1975).
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C. Mango, Byzantine Architecture (Nova Iorque, 1976).

Escultura

A. Grabar, Sculptures byzantines de Constantinople (IV'-X' siêcle) (Paris, 1963).


-, Sculptures byzantines du moyen ãge (XI'-XJV' siêcle] (Paris, 1976).
J. Kollowitz, Ostrõmische Plastik der theodosianischen Zeit (Berlim, 1941 ).

362
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Internar. Byzantinisten-Kongress (Munique, 1958), IV/2.
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R. Hamann-MacLean e H. Hallensleben, Die Monumentalmalerei in Serbien und
Makedonien (Giessen. 1963).
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-, O/d Russian Murais and Mosaics (Londres, 1966).
-, Storia dei/a pi/lura bizantina (Turim, 1967).
D. Levi, Antioch Mosaíc Pave111e11/s (2 vols., Prínceton, 1947).
C. Mango, Materiais for the Study of the Mosaics of Sr. Sophia ar lstanbul
(Washington. D.C., 1962).
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T. Velmans, la peinture murale byzantine à la jin du 111oye11 ãge (Paris, 1977).

Ícones

W. Felicetti-Liebenfels, Geschichte der byzantinischen lkonenmalerei (Olten-


-Lausana, 1956).
G.A. e M. Soteriou, Icônes du Mont-SinatÇ: vols., Atenas, 1956-1958).
K. Weitzmann, The Monastery of St. Catherine at Mount Sinai. The /cons, I
(Princeton, 1976).
K. Weitzrnann, M. Chatzidakis, K. Miatev, S. Radojéié, Friihe lkonen (Viena-
-Munique, 1965).

Manuscritos Iluminados

H. Belting e G. Cavallo, Die Bibe/ des Niketas (Wiesbaden, 1979).


H. Buchthal, The Miniatures of the Paris Psalter (Londres, 1938).
H. Buchthal e H. Belting, Patronage in Thirteenth-Century Constantinople. An
Atelier of Calligraphy and Book Decoration (Washington, D.C., 1978).
J. Leroy, les manuscrits syriaques à peintures (2 vols., Paris, 1964).
K. Weitzmann, Byzantinische Buchmalerei des 9. 1111d /0. Jahrunderts (Berlim,
1935).
-, The Joshua Roll. A Work of the Macedonian Renaissance (Princeton, 1948).
-, Illustrations in Rol/ and Codex, 2.• ed. (Princeton, 1970).
-, Studies in Classical and Byzantine Manuscript Illumination (Chicago. 1971 ).

363
B IZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Outras Artes Menores

A. V. Bank, Prikladnoe iskusstvo Vizantii IX-X// vekov (Moscovo, 1978).


E. Cruikshank Dodd, Byzantine Silver Stamps (Washington, D.C., 1961).
R. Delbrueck, Die Consulardiptychen und verwandte Denkmãler (2 vols., Berlim,
1929).
A. Goldschmidt e K. Weitzmann, Die byzantinischen Elfenbeinskulpturen des
zehnten bis dreizehnten Jahrhunderts (2 vols., Berlim. 1930-1934).
A. Grabar, Les ampoules de Terre Sainte (Monza, Bobbio) (Paris, 1958).
-, Les revêtements en or et en argent des icones byzantines du moyen âge
(Veneza, 1975).
W.-F. Volbach, Elfenbeinarbeiten der Spãtantike und des fruhen Mittelalters,
3.ª ed. (Mainz, 1976).
K. Wessel, Die byzantinische Emailkunst vom fünften bis dreizehnten Jahrhundert
(Recklinghausen, 1967); trad. inglesa, Byzantine Enamels from the 5th to the
13111 Century (Shannon, 1969).

1-
i

364
Índice remissivo

Abasgos, os, 23 Andronico II Paleólogo, imperador, 285


actores, 78- 79, 81 animais, 207-210
administração: civil, 46-47 anjos, 181-182
imperial, 48 Antioquia, na Pisídia, 26
militar, 46 Antioquia, na Síria, 26-27, 50-52, 77,
municipal, 46-47 116, 153
provincial, 46-59 Antão, santo, I 28-129
Aécio, herege, 56 na educação, 156
Agatias, historiador, 273, 275, 276 nos demónios, 190- I 91
Agostinho, Santo, 28 Vida de, 127-128
agricultores, 44-45, 56, 81, 254 Apocalipse, visões do, 234-242
agricultura, 56-57 Árabes, os, 9-10, 27-29, 95,237
Aleixo I Comneno, imperador, 65, 71, aramaico (língua), 27-28
72, 99, 12], 169,170,241,307 Aretas, bispo de Cesareia, 166
Alexandria: Igreja de, 50 Argivos, os, 33-34
Escola de, 152-153, 159-160 arianismo, 108
Anna Comnena, historiadora, 36, 122, aristocracia, a, 70- 71, 269
170,273,277 séquito de, 67-68
Anastásio I, Imperador, 50, 75 subida ao poder de, 65-66
Ancira, 26, 88-89, 99 aritmética, 151-152 le:
André, o louco, santo, 180, 236, 239- arménio (língua), 36 .
·241 Arménios, os, 22, 35, 38-39
Andronico I Comneno, imperador, arqueologia, 10, 14-16. 50, 56, 86, 99,
310 290-291

365
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

arqueológicas, escavações, ver arqueo- Barsymes, Pedro, 115


logia Basílio, São, 131-133, 273
arquitectura, ver também igrejas A Regra Breve, 133
eclesiástica, 291-315 A Regra Longa, 133
exemplos ainda existentes de, 290- e comunidade em Ponto, 133
-292 Hexaêmeron, 146, 198-201
monástica, 141 Basílio I, imperador, 37, 62, 65, 98, 100
arquivos, 11-14 Basílio II, imperador, 71, 140, 278
arte, bizantina, ver também icono- Belém, 132
clastia Benjamim de Tudela, 113
desenvolvimento de, 289-315 Berberes, os, 29
crença na, ícones, 118, 298, 302 Berytus [Beirute], 55, 160
frescos, 299 béssico (língua), 30-32
iconografia, 293, 301 bibliotecas, 271-273
iluminação de manuscritos, 306-307 bispos, 48
influência da, 308 deveres cívicos dos, 48
mosaicos, 297 leigos nomeados como, 48
perspectiva na, 305-306 posição hierárquica dos, 252-253
pintores, 310-311 provinciais, 63
pintura, estilo na, 309-310, 312 riqueza dos, 50
«renascimento macedónio» na, 306 ver também bispos individuais
«renascimento paleólogo» na, 313- Bitinia. 35-39, 61-62, 88, 141-142
-314 Bizacena, 29-30
Artémio, santo, 96, 97, 186 Bizâncio, Império de, definido, 21-41
artesão, 21, 54, 82 Blémios, os, 29
ascéticos, ver monges bogomilismo, 121-123
Ásia Menor, 9, 11-15, 34-36, 55, 93, Bulgária, 38, 69, 118
99 Búlgaros, os, 31, 34
declínio de cidades na, 87-89 burocracia, 57-58
grandes famílias na, 64
línguas, 26, 36-37 Cafres, os, 37
,. reforma da administração na, 59-60 Calábria, 34
astrologia, 169-170, 200-201 calendários, 222-224
astronomia, l 52 Capadócia, 35-37
Atanásio, santo, 131, 280 língua da, 23
Atenas, 34, 87, 160-161 casamento, na vida ideal, 258
Ávaros, os, 33, 94, 117-118 casas, ver edifícios
~-
_,•, Caucasianos, os, 23
""I:!
',. Balcãs, os, 11, 14, 22, 33-34, 55 Cecaumeno, 67-69, 72
:ti hereges nos, 117-118
1'
1.
Strategicon, 16, 100
l ;. invadidos por Eslavos, 33-34 Cesareia, na Capadócia, 26
1
_I população dos, 32 Cesário (Pseudo-), Diálogos, 202-204,
/ vida urbana nos, 81, 86 211
=s

366
ÍNDCE R EM ISSIVO

Céu, conceito bizantino de, 177-182 educação em, 167, 172


Chipre, 28, 35, 143-147 em mitos cristãos, 233
cidades, 75-106, ver também edifícios; hereges em, 123
vida urbana; e cidades individuais história de, 91 -99
Cirilo, São, 37 igrejas em, 92-96 (ver também igre-
Citas, 46 jas)
Citõpolis, 55, 82 judeus em, 112-113
Cízico, templo de Adriano em, 308 língua em, 22-26
classes médias, as, 54 literatura, 269-271
classes profissionais, 72, 99-101 massacre de latinos em, 102
clero, o, 45, 51-52, 253, ver também monasticismo, 134-135
bispos pavimento do Grande Palácio em,
cobre, 51-52, 72 298-299
comentário social peste em, 84, 94, 96
por Teodoro Ptochoprodomos, 99- população de, 77, 94
-101 queda de, 243-244
por Cosmas, 121-122 seca em, 98
comerciantes, 21, 56, 80, 254 transferência da Cruz Verdadeira
comércio, ver trocas comerciais para, 237-238
comida, 93-95 universidade de, 152-156
Constantino I, o Grande, 1l,27,91, 129 copta (língua), 31-32
Constantino II, imperador, 154-155 Corinto, 33-34, 55, 88, 99
Constantino IV, imperador, 237, 299 Corippus, poeta, 23
Constantino V, imperador, 97, 119, Cosmas Indicopleustes, 22, 55, 200
138, 162, 300 Topografia Cristã, 203, 205, 210
Constantino VII Porfirogeneta, impe- Cosmas, monge, 177-180
rador, 139, 166, 168, 306 Cosrnas, padre, 121- l 22
De administrando imperio, 267 cosmologia, ver universo
Excerpta, 168, 288 corte de Deus, a, 177-182
livro de Cerimõnias, 268 Criação r
Constantino VIII, imperador, 278 pensamento contemporâneo e, 197-
r
'
1

Constantino IX, imperador, 72, 168, -206 l-


206,279,309 explicação bíblica da, 195-197
Constantino X, imperador, 72 na cronologia, 221-224
/
Constantino Leichoudes, erudito, 168 Crisóstomo, São João, 54-56, 273-275
Constantinopla, 9, 11-15, 22-26, 50, na criação, 200
84-85 na educação. 157-159
atacada pela Pérsia, 34 no teatro, 78-80
capturada pelos cruzados, 102-103 cristianismo, 10, 21, 37-41
catedral de, 51 doutrina do, 107-109
como nova Jerusalém, 238 e anjos, 180-182
declínio de, 95-99 e Divina Providência, 213-215
edifícios em, 91-93 e educação, 156-158

367
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

egípcio, 29 monumentos, 75
expansão do, 215-217 posterior destruição de, 290
e história, 225-230 públicos, 75- 77
e santos, 182-186 religiosos, ver igrejas; mosteiros; e
e teorias da criação, 195-206 templos, pagãos
Virgem Maria no, 182 teatros, 78-80
Croatas, os, 34 ver também arquitectura; arte
crónicas, bizantinas, 220-230, vertam- educação
bém autores individuais e títulos clássica, 149-167
cronologia, 219-230 colapso do sistema, 161-163
Cruz Verdadeira, a, 235-239 eruditos, 166-169
cruzadas, 11, 14, 98 Escola Patriarcal, Constantinopla,
cunhagem, 51, 73, 88-90 172
Estado, I 52-158
Daco-Misianos, os, 29 estrutura, 149- I 73
Danelis de Patras, 62 religiosa, 156-174
Daniel, o Estilita, São, Vida de, 133 ver também temas individuais
Dara, 27, 52 Éfeso, 23, 87-89
decuriões Egéria, peregrina, 28
deveres e atributos dos, 46-48 Egípcios, os, 36
imposto dos, 56 Egipto, 15, 55, 93
rendimento dos, 52-53 colheitas no, 93-95
Demétrio de Tessalonica, São, 184 conquistado pelos Árabes e Persas,
demónios, ver demonologia 34
demonologia, 169, 186-193, 216-218 Igreja no, 49
deuses, pagãos, 109-111 língua no, 26-33
Dilúvio, o, na cronologia, 225 Emesa (Horns), 27
Diocleciano, imperador, 57-58, 154, ensino, 149-156
184,220,229 Epifânio, santo, 29
Diodoro de Tarso, 200, 211 Panarion, 114
!-·! Sobre a criação, 200-202 Erectéion, o, 77
dissidentes, 108-125 eruditos, 166-171
li Divisão da Terra, A, 213 escatologia, 231-247
Domiciano, imperador, 235 escravos, 53-57, 254
Ducas, fanu1a de, 64-65 salários dos, 53
dualismo; 125 Eslavos, os, 9, 11, 14, 31, 33, 36-37
hereges entre, 116-118
economia,a,51-58, 74 migração para a Bitínia, 36-39
&lessa (Urfa), 27, 82 escritos, ver literatura e autores indivi-
edifícios, 91, 99,293,314 duais
banhos, 78 Estado,o,44-48,55-56
casas, 99 colapso do Período Inicial bizantino,
= hipódromos, 80 58-60

= 1
368
ÍNDCE R EM ISSIVO

divergências com hereges, 120-122 capturada pelos Á varos, 33


Estêvão, santo, 185-186, 304 declínio da vida urbana na, 87
Estêvão, santo, o Jovem, 211,282 grego (língua), 21-39
Etiópia, 236 ático, 267-269
etnografia, 30, 33 na literatura clássica, 267-269
Eulálio, pintor, 311 Gregório I, papa, 23
Eustáquio Boilas, 68, 272, 287 Gregório, biógrafo de São Basílio, 185
Eustáquio de Niceia, 122 Gregório, o Decapolita, São, 40
Eustáquio de Tessalonica, 143
Evágrio, historiador, 84, 115-116 hebraico (língua), 29
exército, o bizantino, 35-37, 63-66 helenismo, 23, 26, 32, 35-39
hierarquia e administração de, 46 He/ladikos, 37, 64
na sociedade, 44-45 Hefaísto, o, 77
recrutamento para, 45 Heraclio, imperador, 34, 49, 60, 108,
reformas do, por Constantino, 45 112-ll3, 235
reforma do, sob Heraclio, 59 e hereges, 116
tamanho, 45 hereges
exorcismo, 187-189 definição de, 114
Expositio totius mundi et gentium, 22, castigos infligidos a, 114-115
54 em Constantinopla, 123
nos Balcãs, 117-118
família, a, 258-259 ver também heresias individuais
feudalismo, 67-69 heresias, 108, l 23, 229
Filareto, São, 61 causas sociais das, 123-125
Filo Judeu, 197 «nobres», 113-115, 124
filosofia, 153, 168- 169 «seitas», 113
Focas, a família, 64-65 ver também dualismo; iconoclastia;
Focas, imperador, 64-65 maniqueísmo; movimento mono-
Fócio, patriarca, 115, 119, 166 fisita 1
Bibliotlzeca, 288 Hermógenes, retórico, 150, 153
1
Hexaêmeron, 146, 198, 202
Gália, 32 hierarquia celeste, a, 181
Galo, César, 59 Hiérocles, Synecdemus, 22
Gaza, 55, 108 Hilário, santo, 132
geometria, 151, 170 Hino acatista, 156-157
Georgianos, os, 38 hipódromos, ver edifícios
Gerásimo, São, 132, 211 Hipólito, 222-224
Gerontius de Lampe, herege, 122 história
Godos, os, 30-32, 46 concepção bizantina de, 219, 225-
!-
Governo -230
imperial, 43-48 cristã, 231
municipal, 44-47 escritores de, 275-280
Grécia, 14, 31, 36, 55 judaica, 221

369
BIZÂNCIO. Ü IMPÉRIO DA NOVA ROMA

historiografia, 221-230, 275-280 Santa Constança. Roma, 292


Hunos, os, 31, 47. 81 Santa Irene, Constantinopla, 92,
300
Iberos, (Georgianos), os, 21-23 Santa Maria Maior, Roma, 293-306
ícones, ver arte, bizantina Santa Pudenciana, Roma, 294
iconoclastia, 118-123, 299, 302 Santa Sofia, Constantinopla, 97,
iconografia, ver arte, bizantina 296. 302-303
Igreja, a (Ortodoxa), 17, 23, 36, 40, Santa Sofia, Kiev, 309
47,63 Santa Sofia, Niceia, 311
administração da, 51 Santa Sofia. Tessalonica, 295, 303
e culto de anjos, 181-182 Santa Sofia, Trebizonda. 312
e demónios, 186-193 Santo Artérnio, Constantinopla, 96-
e hereges, 120-122 -97
e o teatro, 78-80 Santo Sepulcro, Jerusalém, 309
declínio nas fortunas da, 63 São Polyeuctus, Constantinopla,
doações à, 51 295-296
função da, na sociedade, 44-51 São Sérgio e São Baco, Constanti-
influência da, na arte cristã primi- nopla, 296
tiva, 291-315 Virgem Maria da Fonte, Constanti-
redistribuição de riqueza pela, 50-52 nopla, 302
riqueza da, 48-51 Ilíria, 31, 46
Igreja Romana, ver Igreja, a (Ortodoxa) imigração, 59-61
igrejas, 50, 74, 98-100 imperadores
Apóstolos Sagrados, Constantinopla, autoridade e sucessão, 43
302. 311,314 definição de ideal, 250
capelas privadas, 100 eleição dos, 43
cristãs, de templos pagãos, 76 governação comparada com a de
Daphni perto de Elêusis, 303-309 Deus, 250-252
decoração das, 292 papel na Igreja. 251-253
em Constantinopla, 92, 99 posição hierárquica, 251-253
em Sopoéani, 311 impostos, 56-58, 72
Hosios Loukas, Grécia, 141, 303 Inácio, patriarca, 139, 144, 163
Kurbinovo, 310 indicções, 219
Lagoudera, Chipre, 310 Inferno, conceito bizantino de, 193
mausoléu de Gala Placídia, Ravena, inscrições, 32
294 Irene, imperatriz, 119
_I Milesevo, 311 Isaac I Cornneno, imperador, 64, 72,
Mistra, 106, 313-314 293
1 '
1 Nea Ekklesia, Constantinopla, 302- Isaac II Ângelo, imperador, 144, 243
t -303 Isáuria, 23, 46, 237
1
Nea Monê, Quios, 303, 309 Isauros, os, 23
Nerezi, Macedónia, 309-310 Islão, 9, 14, 38
planta das, 292, 313 Itália, 10, 21, 30

370
fNDCE REM ISSIVO

Itinerário do Paraíso ao País dos Kondakov, N. P., 291


Romanos, 213
Lacedemónia, 38, 99
Jacob, o Judeu, 56-58 Lacõnia, 38, 55
Jerónimo, São, 129, 211 Laodiceia, 27, 55, 77
Jerusalém, 9, 28, 50, 78, 112, 132 latim, 21-32, 36
João II Comneno, imperador, 38, 73, Leão III, imperador, 64,112, II5, II9,
101,284 162
João VII, papa, 163, 299 Leão VI, Imperador, 62, 70, 100, 120,
João Baptista, São, 182-183, 214,227, 166,251
246-247, 253 Leão, o Diácono, historiador, 242, 275
João Damasceno, São, 114, 137, 163, Lecapeno, Cristóvão, 62
255,260,274,301 Lei
João de Amida (ou de Éfeso), 33, 109, ensino da, 153, 161, 168
297 Ecloga, a, 162
João Esmoler, São, 282-283 Lei dos Agricultores, 60
João Ítalo, filósofo, 171 Leôncio de Neápolis, 283
João Mavropous, erudito, 168, 180 Libânio, retórico, 31, 152-154
João Moscho, 29, 136, 141,185,211, Líbia, 27-30
219,270 Lydus,João,53
O Prado Espiritual, 219 língua, 21-31
João, o lfdio, 53 da educação, 173
Magistraturas do Estado Romano, em Constantinopla. 22-23. l02
53 na Ásia Menor, 23, 36
Jorge, o monge, 224 na Mesopotâmia, 26-28
Josefo, historiador, 212-213 221 na Palestina, 26
Joviano, Imperador, 27 na Síria, 26
Judeus, os, 21-41 no Egipto, 29, 33
e a educação, 157 ver também línguas individuais
estatuto dos, 1 10-113 literatura, 265-288
conversão forçada dos, 113 Liutprando de Cremona, 63
Justiniano sobre os, 110-113 Livro do Prefeito, O, 70-71
perseguição, l 10-113 livros, 156, 270
juízes, os, 45, 252 «locais sagrados», 27
funções desempenhadas pelos bis-
pos, 48 Macedónia, 55
Juliano, imperador, 157 Maleinoi, fanu1ia de, 64-65
Justiniano I, imperador, li, 21, 23, 30, maniqueísmo, 114-115, 120, 125, 256
31, 33, 108-109, passim manuscritos, 15,270
Justiniano II, imperador, 35, 64, 88, iluminação de, ver arte bizantina;
199 iconografia em, ver arte bizan-
Justino I, imperador, 116 tina
Justino II, imperador, 21, 80, l 16 mar Negro, o, 11, 23

371
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

Marcelino, Crónica de, 23 mulheres, 81, 257-258


Maurício, Imperador, 35, 85 multilinguismo, 27
medicina, ensino de, 153
médicos, 252-254 Nicéforo I, imperador, 37, 120, 137,
Menandro Protector, historiador, 275, 163,275,301
280 Nicéforo II Botaniates, imperador, 66
mercadores, 21, 56, 80, 254 Nicéforo Urano, 91
mercenários, 72 Nicetas Coniates, historiador, 67, 275,
Mesopotâmia, 26-28, 32, 55, 132 279
Metódio de Patara (pseudo-), Revela- Nicetas David, o Paflagónio, 242
ções de, 236 Nicolau de Myra, São, 183
Metódio, patriarca de Constantinopla, Nicolau de Sião, 187
139,142,236,245 Nilo. monge, 122
Miguel III, imperador, 89, 98, 165 Nísibis, 27, 39, 55
Miguel IV, imperador, 72, 180, 278- Nobadae, os, 29
-279 Notitia urbis Constanttnopolitanae, 93
Miguel Vlll Paleólogo, imperador,
1
243 ocupações, 54
Miguel, São, 181-182 orçamento, Estado, 57
Mileto, 89 Orígenes, 130
milho, 94-95 ortodoxo, Estado, 125
Mistra, 106 doutrina, 107-108, 119
mitologia, 225-226 e educação, 156
das quatro bestas, 232 Hino, 156
do Anticristo, 232-237 Ostrogodos, os, 29-31, 81-82
monasticismo, 127-148, 256
Monemvasia, Crónica de, 33, 37 Pacõmio, São, 129
monges, 22-23 paganismo, 108-11 O, 117
crenças dos, 130 Palestina, 10, 18, 28, 55, 82, 125
na sociedade, 135-139, 255-256 Pártenon,o, 77
vida dos, 129 paterica, 17, 136, 280-283
monotelismo, 101-102, 116 Patras, 33, 99
montanistas, 115 paulicianismo, 122-124
= morte definido, 120
crenças sobre a, 192-193 divergências com o Estado bizan-
vida depois da, 213-215 tino, 120-122
mosteiros, 28, 30, 32, 62-63, 82, 112, peças teatrais, 79
127-148 pedintes, 54, 80
movimento monofisita, 27, 29, 40, Peloponenses, os, 33, 36-38, 62, 99
108-109, 123,236 Pérgamo, 36, 82
conversão ao, 109 Pérsia, 10, 23, 38-39
doutrina do, 115-117 conquista a Síria, a Palestina e o
história do, 116-119 Egipto, 34

372
ÍNDCE REMISSIVO

conquistada por Heraclio, I 17 Rendakis, família, 64


Philostorgius, historiador, 209-210 rendeiros, 56-57
pobreza. 51-52 rendimentos, 51-53
população, 32 retórica, 274
crenças bizantinas sobre, 21 O ensino de, 153, 169
Porfírio, bispo de Gaza, 53, 282 riqueza, 51-56
povos, 210-218 Roma, 10-11, 26, 30. 34
origem dos, 224-229 queda do Império de, 34
praga, 32. 84 Romano I Lecapeno, imperador, 40,
preços. 51-53. 83, 95 139
Prisciano, gramático, 23 Rótulo de Josué, o, 306-307
Procópio de Cesareia, citado, 30-31, Rússia, I l, 69
77-79, 83. 84, 124-125, 274-277,
297 Sabas.São, 132,282
Construções, 277 salários, ver rendimentos
História das Guerras, 276 Saltério de Paris, o, 306
História Secreta, 235, 277 Samaritanos, os, 27-29, 123-125
produção, 55 revolta dos, 112
professores, 149, 151, 252 vertam- santos
bém eruditos em crenças religiosas, 182-186
João Ítalo, I 71 Vidas dos, ver paterica
Pselos, 169-170 Segundo Advento, ver escatologia
Temístio, I 54 seitas, hereges, ver heresias; dualismo;
profissões, 54 iconoclastia; maniqueísmo; movi-
proprietários, 47, 56, 73 mento monofisita
Providência, Divina, 213-215 Selímbria, 34. 99
Pselos, Miguel, 72, 168-171, 270,275 serviço civil, o, 45-47
Cronografia, 278-279 Severiano de Gabala, 200-201
De omnijaria doctrina, 205-206 na criação, 201-203
Ptochoprodomos, Teodoro, 100 Severo, patriarca monofisita de Antio-
quia, 116
Ravena, 15,30,292-295 Vida de, 159-161
recrutamento. exército, 45-46 Simeão, czar da Bulgária, 38, 67
regionalismo, 39-40 Simeão Logoteta, 224
religião, 39-41, 177-193 Simeão Metafrastes, 16,283
dissidentes, 108- I 25 Simeão, o Estilita, São, 132-136, 282
ortodoxa, 107-109 Simeão, o Louco, 79-81, 135. 192,282
o sobrenatural na, 177-193 Simeão, o Novo Teólogo, 142
ver também Igreja, a (Ortodoxa); Sincelo, Jorge, monge, 163, 224
bispos; hereges; heresias; paga- Sinésio de Cirene, 48
nismo; e movimentos indivi- Síria, 11, 27-28, 32, 34, 55
duais escavações na, 55
relíquias, religiosas, 182-184 língua na, 26-27, 33

373
BIZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

monasticismo na, 131-133 na cronologia cristã, 221-223


população da, 32 Teófilo, imperador, 118
siríaco (língua), 26-32 teoria musical, ensino de, 152, 160
Sírios, os, 33, 35, 38 Tessalonica, 34, 87, 113,270
Sklêroi, família, 64-65 Teofilacto Sirnocatta, historiador, 275
sobrenatural, o, 177-193 Tibério II, imperador. 235
sociedade trabalhadores, 98
definida e classificada, 43-58 salários de, 52-53
educação na, 151 Trácia, 31, 35-36. 55, 93, 95
em Constantinopla, 91-99 recrutamento, 46, 31
estrutura social, 58, 65-66 trácio (língua), 31
crescimento do feudalismo, 67-69 trocas comerciais, 55, 68- 70, 73, 93-
heresias religiosas na, 124 -94, 101
na vida ideal, 251-255 Tzetzes, João, 102
no Período Médio, 60- 72, 100-101
ver também vida urbana; vida rural; universidades, 151-166
comentário social universo, o, 195-206
soldados, 47, 60
deveres dos, 56, 254 Valente, imperador, 108, 133
ver também exército, bizantino Vândalos, os, 30
Soterico Panteugenes, patriarca eleito vencimento, ver rendimento
de Antioquia, 122 Veneza, 101 - 103
Via Egnatia, 31
tabernas, ver edifícios vida ideal, a, comportamento na, 257-
Tarásio, patriarca, 163 -261
teatro, 78-80 hierarquia da governação na, 251-
Tebas, 113 -256
temas, 59 sociedade na, 251- 261
templos, pagãos. 76 vida na aldeia, 61
Teodora, imperatriz, 23, 116, 180, 277- mosteiros na, 139-14 J
-278, 297 vida rural, 77-84
Teodoro de Sykeon, São, 135, 188, vida urbana, 16, 61-63, 68-69, 75-100
282 ver também cidades; sociedade; e
Teodoro, o Estudita, São, 125, 138, cidades individuais
142,163,301 violência, nas cidades, 83-85
Teodoro Prodrornos, 284 Visigodos, os, 30
Teodósio I, imperador, 11, 92
Teodósio II, imperador, Código de, 114 Xifilino, João, erudito, 168-169
Teodósio, o Cenobiarca, São, 31, 132
Teófanes, o Confessor, São, 62, 64, Zacarias, o Retórico, 159-160
142,162,224,269,275 Zeno, imperador, Édito da União, 116
Teófilo de Antioquia Zoé, imperatriz, 64, 72, 280, 278
na criação, 197-200 Zótico, prefeito pretoriano, 53-54

374
Índice

Prefácio....................................................................................................... 7

Introdução................................................................................................... 9

PARTEI
Aspectos da Vida Bizantina

l. Povos e Línguas................................................................................... 21
2. Sociedade e Economia......................................................................... 43
3. O Desaparecimento e o Renascimento das Cidades 75
4. Os Dissidentes..................................................................................... 107
5. O Monasticismo................................................................................... 127
6. A Educação.......................................................................................... 149

PARTE II
O Mundo Conceptual de Bizâncio

7. O Mundo Invisível do Bem e do Mal................................................. 177


8. O Universo Físico................................................................................ 195
9. Os Habitantes da Terra........................................................................ 207
10. O Passado da Humanidade................................................................... 219

375
B IZÂNCIO. 0 IMPÉRIO DA NOVA ROMA

11. O Futuro da Humanidade . .. .. . . . .. .. . .. 231


12. A Vida Ideal......................................................................................... 249

PARTE Ili
O Legado

13. Literatura.............................................................................................. 265


14. Arte e Arquitectura.............................................................................. 289

Apêndice: Lista cronológica dos imperadores bizantinos.......................... 317

Abreviaturas utilizadas nas notas 321

Notas .-;........................................................................................... 323

Bibliografia................................................................................................. 341

Índice remissivo . 365

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~l 376
LUGAR DA HISTÓRIA

1. A Nova História, Jacques Le Goff, Le Roy 36. Pensar a Revolução Francesa, François Furei
Lndurie, Georges Duby e outros 37. A Grécia Arraica de Homero a Ésquilo (Séculos
2. P11ra 1111w História Antropológica, W. G. 1., VIII-VI a.C.), Claude MosS<!
Randlcs, Nathan Wa1chcl e outros 38. Ensaios de Ego-Histâria, Pierre Nora, Mauricc
3. A Concepção Marxista da História, Helmut Agulhon, Pierre Chaunu, Georges Duby, Raoul
Fleischcr Girardet, Jacques Le Goff. Michellc Perrot, René
4. Senhoria e Feudalidade na Idade Média, Guy Remond
Fourquin 39. Aspectos da Antiguidad«, Moses 1. Finley
5. E.tplicar o Fascismo, Renzo de Feiice 40. A Cristandade no Ocidente /400-1700, John
6. A Sociedade Feudal, Marc Bloch Bossy
7. O Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade 41. As Primeiras Civilizações - /. Os Impérios do
Média, Ferdinnnd Lo! Bronze, Pierre Lévêque
8. O Ano Mil, Georges Duby 42. As Primeiras Civtttzações - li. A Mtsopotlimia /
9. 7.apata e a Revolução Mexicana, John Womnck Jr. / Os Hititas, Pierre Lévêque
10. Histâria tio Cristianismo, Ambrogio Donini 43. As Primeiras Ctvilizações - Ili. Os Indo-Europeus
11. A Igreja e a Expansão Ibérica, C. R. Boxer e os Semitas, Pierre Lévêque
12. História Econômica do Ocidente Meditval, Ouy 44. O Fruto Proibido, Marcel Bemos, Charles de la
Fourquin Ronclere, Jean Guyon, Philipc Lécrivain •
13. Guia de História Universal, Jacques Herman 45. AS Máquinas do Tempo, Cario M. Cipolla
15. Introdução d Arqueologia, Carl-Axel Mobcrg 46, História da Primeira Guerra Mundial /914-19/8,
16. A Decadência do Império da Pimenta, de A. R. Marc Ferro
Disney 48. A Sociedade Romana, Paul Veyne
17. O Feudalismo, Um Horizonte Teârico, Alain 49. O Tempo das Reformas (1250-/550) - lbl. I.
Gucrrcau Pierre Chaunu
18. A Índia Portuguesa ,m Meados do Século XVII, 50. O Tempo das Reformas (1250-1550) - lbl. li,
C. R. Boxer Pierre Chaunu
19. Reflexões Sobre a História, Jacques Le Goff 51. Introdução ao Estudo da Hist6ria Econômica;
20. Como se Escreve a Histdria. Paul Veync Cario M. Cipolla
21. História Económica da Europa Pré-Industrial, 52. Polftica no Mundo Antigo. M. 1. Finley
Cario Cipolla 53. O Século de Augusto, Pierre Grimal
22. Mo111ail/ou, Câtoros e Católicos numa Aldeia 54. O Cidadão na Grécia Allriga, Claude Mossé
Occitana ( /294-1324), E. Le Roy Ladurie 55. O Império Roma110, Pierre Grimal
23. Os Gregos Antigos, M. 1. Finley 56. A Tragédia Gllga, Jacqueline de Romilly
24. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente 51. Histâria e M,móna - Vol. /, Jacques !.e Goff
Medieval, Jacques Le Goff 58. Histõrta • M,m6ria - Vol. li, Jacques Le Goff
25. As Instituições Gregas, Claude Mossé 59. Homero, Jacquclinc de Romilly
26. A Reforma na Idade Média, Brenda Bollon 60. A lgreja no Ocidentt, Mireille Baumgartner
27. Economia e Sociedade 11a Grécia Antiga, Michel 61. AS Cidades Romanas, Pierre Grimal
Austin e Pierre Vidal Naqucl 62. A Civilização Grega. François Chamou,
28. O Teatro Antigo, Pierre Grimal 63. A Civilização do Renascimento, Jean Delumcau
29. A Revolução Industrial na Europa do Século XTX, 64. A Grécia Antiga. José Ribeiro Ferreira
Tom Kemp 65. A Descoberta de África, organizado por Calherine
30. O Mundo Hetentstico, Pierre Lévéque Coquery-Vidrovi1ch
31. Acreditaram os Gregos nos seus Mitos? Paul Vcync 66. No Princípio Eram os Deuses, Jean Bouéro
32. Economia Rural e Vida no Campo no Ocidente 61. Histõria da lgllja Católica, J. Derck Holmes,
Medieval ( Vol. I}, Georges Duby Bernard W. Bickers
33. Outono da /dadt média e Primavera dos Novos 68. A Btblia, organizado por Françoise Briquel-
Ttmpos? Philippe Wolff -Chatonnet
34. A Cívitização Romana, de Pierre Grimal 69. Recriar África. James Sweet
35. Economia Rural e Vida 110 Campo 110 Ocidente 70. Conquista. Destruição dos Índios ~ricano.,,
Medieval (Vol. I), Georgcs Duby Massimo Livi Bacci
LUGAR DA HISTÓRIA

71. A Rtmluçrio Francesa, 1789-/799, Michel Vovelle


72. História do Anarquismo, Jean Préposiet
73. Bizâncio. O Império da Nova Roma, Cyril Mango

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