O Corpocomo Meio de Aceitação
O Corpocomo Meio de Aceitação
O Corpocomo Meio de Aceitação
RESUMO
Este trabalho discute como a abertura a novas experiências se relaciona à forma como o sujeito percebe,
significa e cuida do corpo e de sua saúde estética. Participaram do estudo 159 estudantes universitários, que
responderam a Escala de Abertura a Experiências (EFA) e a Escala de Atitudes em Saúde e Estética (EASE).
Os dados foram correlacionados e compreendidos a partir da teoria de formação da personalidade de Jeffrey
Young. A correlação sugeriu que pessoas menos imaginativas e mais convencionais, pouco abertas a experi-
ências novas, se preocupam mais com o corpo, indicando submissão a padrões sociais de beleza. Cognições,
emoções e comportamentos perpetuados nas relações desenvolvidas na família e no círculo de relações afetivas
infantis ampliadas e a própria cultura colocam o corpo e a beleza como meio de aceitação e inserção social.
Esquemas vinculados ao primeiro domínio esquemático de desconexão e rejeição podem ser o centro da perso-
nalidade desses sujeitos.
ABSTRACT
THE BODY AS A MEANS OF ACCEPTANCE AND SOCIAL INSERTION: CONTRIBUTIONS FROM JEFFREY YOUNG
The study discusses how openness to new experiences relates to how the subject perceives, means and cares for
the body and its aesthetic health. Participating in the study were 159 university students who responded to
the Openness to Experience Scale (EFA) and Health and Aesthetic Attitudes Scale (EASE). The data were corre-
lated and understood from the personality formation theory of Jeffrey Young. The correlation suggested that
people less imaginative and more conventional, little open to new experiences, are more concerned with the
body, indicating submission to social standards of beauty. Cognitions, emotions and behaviors perpetuated in
the relationships developed in the family and in the circle of extended child affective relations and the culture
itself place the body and the beauty as a means of acceptance and social insertion. Schemes linked to the first
schematic domain of disconnection and rejection may be the center of personality of these subjects.
Endereço para correspondência: Avenida Batista Bonoto Sobrinho, 733, Prédio 9, Curso de Psicologia. Santiago, RS. CEP
97700-000. Telefone: (055) 3251-3151; 3251-3157. E-mail: [email protected]
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
38
O Corpo como Meio de Aceitação e Inserção Social: Contribuições a Partir de Jeffrey Young
Sisto, 2003). Os traços de personalidade seriam então características psicológicas que representam
tendências relativamente estáveis na forma de pensar, sentir e se comportar frente às pessoas e às
situações sociais vivenciadas. Estes traços são constantemente mantidos, reforçados ou minimiza-
dos, conforme a postura do próprio sujeito e suas interações sociais com o meio social e cultural que
produzem constantemente novos sentidos e significados (Sisto & Oliveira, 2007).
No Brasil, os cinco fatores básicos do Big Five Model denominam-se: Extroversão, Neuroti-
cismo, Socialização, Realização e Abertura à experiência. No entanto, a literatura internacional tem
apontado algumas divergências em relação aos nomes empregados, mas que não chegam alterar a
essência conceitual de cada um deles (Silva & Nakano, 2011). Conforme Nunes e Hutz (2002), o fator
“Extroversão” é compreendido como a quantidade e a intensidade das interações interpessoais pre-
feridas, nível de atividade, necessidade de estimulação e capacidade do sujeito em se alegrar. O fator
“Socialização” é uma dimensão interpessoal que se refere aos tipos de interações que uma pessoa
apresenta. O fator “Realização” representa o grau de organização, persistência, controle e motivação
para alcançar objetivos pessoais e profissionais. O fator “Neuroticismo” se refere ao nível permanente
de ajustamento - instabilidade emocional e o fator “Abertura” aos comportamentos exploratórios e
reconhecimento da importância de ter novas experiências.
Para a avaliação da personalidade nesse modelo já existem escalas que avaliam alguns dos
fatores separadamente. São elas: a Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo (Hutz &
Nunes, 2001), a Escala Fatorial de Socialização (Nunes & Hutz, 2007b) e a Escala Fatorial de Extro-
versão (Nunes & Hutz, 2007a), ao passo que outras duas contemplam os cinco fatores: Revised NEO
Personality Inventory (NEO-PI-R), cuja versão brasileira foi desenvolvida e adaptada por Flores-Mendoza
(2008), e a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), de autoria de Nunes, Hutz e Nunes (2010). A Es-
cala de Abertura a Experiências (EFA) foi desenvolvida por Vasconcellos e Hutz (2008) e os próprios
autores enfatizam a necessidade de desenvolver estudos que pensem de que forma este fator pode
estar relacionado ao sofrimento psíquico (demandas em Psicologia clínica e avaliação psicológica),
sugerindo então a EFA como instrumento de apoio tanto no contexto de pesquisa, quanto no da
intervenção psicológica. Sua relação com o sofrimento psíquico está na lógica de que baixos níveis
neste fator tendem a caracterizar pessoas mais convencionais em suas atitudes e que se mostram
mais dogmáticas, conservadoras em suas preferências, sugerindo indicadores para um contexto de
desenvolvimento de interações sociais disfuncionais e flexibilidade em suas crenças. O nível alto
neste mesmo fator já caracteriza aqueles sujeitos com maior facilidade de expressar curiosidade, ima-
ginação, criatividade e uma maior aceitabilidade frente ideias e padrões novos, diferentes e pouco
ou nada convencionais. A busca pela novidade é, portanto, algo interessante para o sujeito e poten-
cializa suas relações sociais (Costa & Widiger, 1993).
Nesse viés, problematiza-se o corpo, a saúde e a estética e seu potencial na produção de so-
frimento psíquico na atualidade (Moreira, Boff, Pessa, Oliveira & Neufeld, 2017) e o quanto o fator de
abertura à experiência da personalidade de um sujeito pode potencializar ou minimizar tal sofrimen-
to. Ou seja, o quanto se “prender” a valores sociais e culturais, tendo baixa flexibilidade na forma de
perceber o cuidar do corpo e não aceitar novos padrões e formas de vivenciar a beleza corporal, pode
estar relacionado à vulnerabilidade ao sofrimento psíquico ligado ao corpo e à estética.
39
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
Muitos sujeitos, principalmente os mais jovens, buscam atingir padrões ideais associados ao
corpo, mudando hábitos ou fazendo sacrifícios que podem levá-los à doença e à morte (Veras, 2010;
Camargo, Goetz, Bousfield, & Justo, 2011, Moreira et al., 2017). A busca pela identificação entre pares
e os meios de comunicação de massa são determinantes nessa busca pela beleza e estimulam a difu-
são maciça da “fabricação” de tais padrões corporais (Veras, 2010; Goetz, 2009, Moreira et al., 2017).
Grey, Horgan, Long, Herzog e Lindemulder (2016) apontam que este tipo de exposição apresenta
efeitos cumulativos na representação tanto do próprio corpo quanto do de outros. Adolescentes e
mulheres jovens são levadas a terem visões sexualizadas e objetificadas de si mesmas, em que a pes-
soa é vista e tratada como algo a ser usado por outros e não como um agente, um indivíduo único.
Gattario et al. (2015) evidenciam que em culturas ocidentais homens jovens valorizam e buscam não
só determinados padrões corporais e de imagem, como aparência musculosa, mas também ideais
de condicionamento, como resistência e velocidade, assim como certos padrões comportamentais,
como ser bem-sucedido, apresentar controle emocional ou audácia ao correr riscos.
A família também é um ambiente social potencial na formação do autoconceito corporal,
que pode influenciar na busca pelo corpo perfeito. Famílias com padrões relacionais (cognitivos,
emocionais e comportamentais) rígidos e de disciplina exacerbada, no qual o corpo e a manutenção
da beleza, conforme padrões sociais culturais, funcionam como instrumento de controle e podem
tender a contribuir para o sofrimento psíquico relacionado ao corpo. Isso pode ocorrer com a escola
e as relações sociais desenvolvidas neste local, na medida em que, quando os professores e/ou o
grupo de iguais não oferecem atendimento às necessidades emocionais básicas, tais como aceitação
e pertencimento, limites, disciplina, autonomia, empatia ao sujeito ou condicionam a oferta destes,
aos padrões de beleza corporais (Martins, Nunes, & Noronha, 2008). Esse cenário pode oferecer
contexto para a etiologia de transtornos psiquiátricos ligados ao corpo (em especial os Transtornos
Dismórficos Corporais - TDCs), tais como a anorexia, a bulimia, a vigorexia e a plasticomania e ou-
tras comorbidades (transtornos de humor e de ansiedade, por exemplo) (Veras, 2010; Goetz, 2009;
Moreira et al., 2017). A insatisfação com o corpo é uma ameaça ao bem-estar psicológico para uma
ampla gama de etnicidades, em maior ou menor grau (Bucchianeri et al., 2016, Moreira et al., 2017).
Os padrões de apego e vínculos afetivos estabelecidos entre a criança em desenvolvimento
com suas figuras de apego importantes (na família ou na escola e grupos sociais mais amplos) for-
mam esquemas iniciais desadaptativos ligados a temas, características cognitivas e comportamentais
chaves que caracterizam seu contexto de desenvolvimento emocional (Young, 2008). Tais esquemas
estarão diretamente relacionados ao modo de ser e agir e, nesses termos, à própria personalidade. A
supervalorização da beleza e o culto ao corpo podem representar formas de manutenção de apego,
aceitação e sentimento de pertencimento familiar e social, quando ele sempre foi meio de acesso a
essas necessidades emocionais básicas ou, quando ele se constituiu como uma porta de entrada para
que estas necessidades emocionais pudessem ser satisfeitas por outras vias. Esse último se deve ao
fato de que na era de valorização da beleza, o culto ao corpo pode oferecer facilmente uma aceitação
e sentimento de pertença, que pode não ser atingido de outras formas, oferecendo ao sujeito as
necessidades emocionais não supridas na infância ou adolescência. Da mesma forma, manter-se nos
40
O Corpo como Meio de Aceitação e Inserção Social: Contribuições a Partir de Jeffrey Young
padrões preestabelecidos e não se abrir para novas experiências de vivenciar e significar o corpo e a
beleza pode funcionar como uma estratégia de enfrentamento a esquemas disfuncionais: respeitando
os padrões de beleza não se corre o risco de não ser aceito, amado e idealizado pelos outros (e por
si próprio).
O objetivo deste estudo é discutir de que forma a abertura a novas experiências, medida por
intermédio da EFA, pode estar relacionado à forma como o sujeito percebe, significa e cuida do corpo
e de sua saúde estética avaliada por intermédio da Escala de Atitudes em Saúde e Estética (EASE).
Os resultados encontrados serão discutidos levando em consideração a compreensão da formação
personalidade, conforme pressupostos de Jeffrey Young (Young, 1990). Jeffrey Young desenvolveu, na
década de 90, um modelo teórico integrado para a compreensão da formação da personalidade e do
desenvolvimento humano que caracterizou a terapia do esquema, uma forma avançada das terapias
cognitivo-comportamentais (Wainer, Paim, Erdos, & Andriola, 2016). A teorização sobre o desenvol-
vimento da personalidade normal e patológica realizada por Young relaciona aspectos entre genética
e aprendizagem, evolução da identidade pessoal e vínculos de apego desenvolvidos na infância. Esta
teoria integrou, de forma coesa e dinâmica, todas as postulações anteriores de terapeutas cognitivos
comportamentais, relacionando conhecimentos deste campo teórico e prático com conhecimentos
da neurociência, psicanálise, gestalt e teoria do apego (Wainer et al., 2016; Young, Klosko & Weishaar,
2008; Young, 1990).
MÉTODO
Participantes
Fizeram parte do estudo 159 estudantes universitários de duas universidades (uma pública e
outra comunitária) situadas no interior do Estado do Rio Grande do Sul, destes. 56 participantes eram
homens e 103 mulheres, com idade média de 20,1 anos e desvio-padrão de 1,6.
Instrumentos
Os instrumentos de coleta de dados foram a Escala de Atitudes e Saúde e Estética - EASE (Go-
etz & Camargo, 2014) e a Escala Fatorial de Abertura a Experiência - EFA (Vasconcellos & Hutz, 2008).
Os itens da EASE avaliam três fatores relacionados à saúde e estética, nas dimensões cognitivas,
afetivas e comportamentais, criados a partir de representações sociais difundidas na mídia impressa,
contendo afirmações mais frequentes, expressivas e polêmicas sobre o corpo, coletadas de artigos
de revistas nacionais em um estudo prévio realizado por Goetz, Camargo, Bertoldo e Justo (2008),
e das representações sociais de universitários sobre saúde e estética descritas por Camargo, Goetz,
Bousfield e Justo (2011). O primeiro fator avalia aspectos físicos da saúde e estética, tendo como itens
de avaliação dos constructos afirmações relacionadas à nutrição, dieta, exercícios, beleza, cirurgias,
tratamentos e orientação profissional. O segundo fator avalia aspectos psicológicos da saúde e esté-
tica, com os itens relacionados a cirurgias, tratamentos, traços ou características individuais, satisfa-
41
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
ção, autoestima e orientação profissional. O terceiro fator avalia aspectos biopsicossociais da saúde
e estética, com os itens relacionados a critérios diagnósticos dos transtornos dismórficos corporais,
transtornos obsessivo-compulsivos, transtornos de ansiedade e depressão, distúrbios alimentares,
tratamentos, cirurgias e orientação profissional (Goetz & Camargo, 2014).
Estes aspectos são descritos em 20 itens afirmativos, com opções de respostas que variam
entre “muito favorável”, “favorável”, “nem favorável nem desfavorável”, “pouco favorável” e “des-
favorável”. O EASE é um instrumento válido e confiável para a mensuração de atitudes em saúde e
em estética corporal, sendo relevante, entre outros aspectos, devido ao fato de que dentre os testes
e instrumentos de avaliação psicológica regulamentados pelo Conselho Federal de Psicologia, não
há nenhum especificamente voltado à análise de diversos problemas ou transtornos que relacionam
saúde e estética (Goetz & Camargo, 2014).
A EFA tem 42 itens construídos a partir da revisão da literatura referente aos descritores da
personalidade concordantes com o modelo dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade, alguns estu-
dos contemplando as facetas que integram os diferentes fatores e trabalhos anteriores produzidos no
Brasil enfocando marcadores da personalidade utilizados em língua portuguesa. Os fatores avaliados
pela EFA são “Atitudes”. “Hábitos e Valores” e “Fantasia”. Os itens do primeiro fator expressam um
envolvimento ativo com situações que possibilitem mudanças ou que envolvam novidades. Os itens
do segundo fator expressam, ao mesmo tempo, a tendência que o indivíduo possui de manter-se
arraigado aos seus próprios hábitos, às suas tradições e aos seus valores. Os itens do terceiro fator
investigam a tendência que um indivíduo tem de conceber idéias ou fomentar pensamentos pouco
convencionais e que requerem uma maior capacidade criativa. As opções de respostas aos itens ocor-
rem em uma escala tipo likert, de 1 a 7, sendo 1 “discordo totalmente” e 7 “concordo totalmente”
(Vasconcellos & Hutz, 2008).
Procedimento
Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em salas de aula. A aplicação foi realizada
por equipe de pesquisa formada por alunos do curso de graduação em Psicologia devidamente treina-
dos e habilitados para a aplicação dos instrumentos. Realizou-se um rapport sobre o estudo (objetivos
e benefícios), enfatizando-se a autonomia frente à participação na pesquisa, bem como aspectos de
sigilo e confidencialidade dos dados. Aos participantes do estudo, ofereceu-se o Termo de Consenti-
mento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias para assinatura e, posteriormente, foram aplicados os
dois instrumentos. A pesquisa foi submetida ao comitê de ética em pesquisa com seres humanos da
Universidade Federal de Santa Maria, sob registro CAAE nº 45107015.1.1001.5346.
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas das duas escalas utilizadas a partir das dimen-
sões contempladas pelas mesmas.
42
O Corpo como Meio de Aceitação e Inserção Social: Contribuições a Partir de Jeffrey Young
EASE
Fatores EFA
Total Asp. Psic. Asp. Fis. Asp. Bio.
Total -0,030 -0,174 -0,037 0,009
Fantasia -0,018 -0,231 *
-0,024 0,122
Valores 0.009 -0,154 0,059 -0,037
Atitudes -0,067 -0,097 -0,138 -0,012
*. p < 0,05
Optou-se por usar uma medida não paramétrica de correlação, uma vez que, conforme o teste
de Kolmogorov-Smirnov não foi evidenciado um processo de distribuição normal na amostra estu-
dada para um dos instrumentos aplicados. O Coeficiente de Spearman, versão não paramétrica do
r de Pearson, foi utilizado por não exigir nenhum pressuposto de distribuição normal, podendo ser
utilizado para variáveis ordinais (Dancey & Reidy, 2006).
Os resultados apontam correlações significativas e negativas (-0,231) entre aspectos psicoló-
gicos da saúde e estética e tendência de conceber ideias pouco convencionais que requerem maior
capacidade criativa. Não foram encontradas correlações significativas para os demais fatores.
DISCUSSÃO
Os dados indicam, de forma sutil, que as pessoas menos imaginativas e mais convencionais,
pouco abertas a experiências novas, se preocupam mais com o corpo. Isso possibilita a inferência
de que elas podem ser mais críticas em relação ao corpo e submissas a padrões sociais de beleza.
Essa maior criticidade e submissão à avaliação e desejo do outro sobre si pode estar relacionado a
padrões familiares e de apego que determinaram o desenvolvimento da personalidade do sujeito e a
construção de sua imagem corporal (Veras, 2010; Tavares, 2003).
43
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
44
O Corpo como Meio de Aceitação e Inserção Social: Contribuições a Partir de Jeffrey Young
alvo para discriminação e não os problemas relativos à saúde. É nesse sentido que podemos falar em
bullying relacionado à obesidade infantil (Costa, Souza, & Oliveira, 2012; Janssen, 2004).
Como a beleza do corpo representa um padrão social (Moreira et al., 2017), ser aceito em
virtude da estética corporal acaba confirmando, que ter um corpo bonito pode oferecer vantagens
a quem o conquista. Isso pode ser explicado pelo reforço social e modelagem. O reforço social
ocorre, quando as pessoas internalizam atitudes e comportam-se buscando aprovação dos outros
que retroalimentam o comportamento de origem. Assim, quando a cultural e a mídia em geral evi-
denciam corpos magros, é bem provável que influenciem as pessoas a se sentirem desconfortáveis,
inadequadas ou até mesmo excluídas se estiverem acima do peso, fazendo então com que busquem
o corpo idealizado para se sentirem confortáveis no grupo social ao qual pertencem (Saikali, Soubhia,
Scalfaro & Cordás, 2004).
A modelagem refere-se ao processo em que o individuo observa comportamentos de outros
e os imita. Na Teoria Social Cognitiva de Bandura (1977) existem efeitos que inibem ou diminuem o
comportamento e efeitos, que desinibem ou aumentam o comportamento. Na vida cotidiana, de for-
ma não intencional, temos condição de modelar o comportamento através do reforço ou reprovação
do mesmo. No que se refere à imagem do próprio corpo, isso pode ocorrer por intermédio do que
é falado ou pelo modo como o indivíduo se sente olhado pelo outro (Veras, 2010). Ainda, ter a esté-
tica corporal socialmente desejada pode afastar do sujeito a consciência de seus esquemas iniciais
desadaptativos de isolamento social, defectividade e vergonha, comuns aos sujeitos que utilizam
estratégias de enfrentamento de hipercompensação. Ter o corpo valorizado e desejado socialmente
pode ser uma forma de reafirmar ideias de supervalorização própria.
O sujeito com nível significativo de criticidade em relação ao corpo e baixa abertura à experi-
ência pode ter, em sua estrutura de personalidade, esquemas iniciais desadaptativos ligados ao iso-
lamento social, pertencente ao domínio esquemático de desconexão e rejeição. Para Young e Brown
(2001) e Young (1990, 1999, 2003) o sujeito apresenta características de personalidade que indicam
representações mentais de ser isolado do restante do mundo, ser diferente dos outros e não fazer
parte de uma comunidade ou contexto social. Essas representações geralmente são causadas por
experiências em que, quando criança ou adolescente, o sujeito sentiu que ele ou a família eram dife-
rentes das outras pessoas ou de demandas sociais e culturais postas como ideais. Essas experiências
subjetivas podem ser causadas por tipologias familiares frias e rejeitadoras e contextos sociais em
que normas e padrões sejam excessivamente rígidos (Wainer et al., 2016; Young, 1990, 1999, 2008).
Assim, não se envolver em novas experiências é uma forma de proteção (estratégia de enfren-
tamento de evitação) e cuidar excessivamente do corpo (ou buscar por isso) é uma forma de alcançar
a aceitação social e uma oportunidade para que as necessidades emocionais básicas não supridas
em etapas do desenvolvimento anteriores possam ser resgatadas pela valorização e culto ao corpo.
Existe então a necessidade de seguir normas e padrões sociais para serem aceitas, determinando o
comportamento e a relação social. Ser convencional para não correr o risco do abandono e da não
aceitação. Submissão a regras e valores sociais em busca de aceitação social. O medo de não ser
aceito pelo outro faz com que o sujeito sinta extrema necessidade de alterar, negar ou esconder sua
imagem (Veras, 2010).
45
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
46
O Corpo como Meio de Aceitação e Inserção Social: Contribuições a Partir de Jeffrey Young
beleza na sociedade. Indica também a necessidade de um trabalho mais amplo investigando a relação
dessas variáveis, considerando algumas limitações do presente trabalho. Entende-se, de um modo
geral, que o caráter exploratório dessa pesquisa e a interpretação dos resultados obtidos a partir da
abordagem da Teoria dos Esquemas de Jeffrey Young, podem apontar um caminho promissor para
novos avanços nessa área.
REFERÊNCIAS
Abreu, C. N. (2005). Teoria do apego: Fundamentos, pesquisas e implicações clínicas. São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Andrew, R., Tiggemann, M., & Clark, L. (2016). Predictors and health-related outcomes of
positive body image in adolescent girls: A prospective study. Developmental Psychology,
52(3), 463-474. Doi: 10.1037/dev0000095
Bandura, A. (1977). Social learning theory. Prentice Hall, Englewood Cliffs, NJ.
Bucchianeri, M. M., Fernandes, N., Loth, K., Hannan, P. J., Eisenberg, M. E., & Neumark‑Sztainer,
D. (2016). Body dissatisfaction: Do associations with disordered eating and psychological
well-being differ across race/ethnicity in adolescent girls and boys? Cultural Diversity and
Ethnic Minority Psychology, 22(1), 137-146. Doi: 10.1037/cdp0000036
Camargo, B. V., Goetz, E. R., Bousfield, A. B. S., & Justo, A. M. (2011). Representações sociais do
corpo: Estética e saúde. Temas em Psicologia, 19(1), 257-268. Recuperado em http://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413‑389X2011000100021&lng=pt&tl
ng=pt.
Cazassa, M. J. (2007). Mapeamento de esquemas cognitivos: Validação da versão brasileira do Young
Schema Questionnaire – Short Form. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS.
Cazassa, M. J., & Oliveira, M. S. (2008). Terapia focada em esquemas: conceituação e pesquisas.
Revista de Psiquiatria Clínica, 35(5), 187-195.
Casazza, M. J., & Oliveira, M. S. (2012). Validação brasileira do Questionário de Esquemas de
Young: Forma breve. Estudos de Psicologia, 29(1), 23-31.
Cohen, R. J., Swerdlik, M. E., & Sturman, E. D. (2014). Testagem e avaliação psicológica: Introdução
a testes e medidas. (8ª ed.; M. C. G. Monteiro, trad.) Porto Alegre: Artmed.
Costa, M. A. P., Souza, M. A., & Oliveira, V. M. (2012). Obesidade infantil e bullying: A ótica dos
professores. Educação e Pesquisa, 38(3), 653-665. Doi: 10.1590/S1517-97022012005000017
Costa, P. T. Jr., & McCrae, R. R. (1992). Revised NEO Personality. Inventory (NEO-PI-R) and NEO
Five-Factor Inventory (NEO-FFI) Professional manual. Odessa, FL: Psychological Assessment
Resources.
47
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
Costa, P. T., & Widiger, T.A. (1993). Introduction. In P.T. Costa & T.A. Widiger (Orgs.), Personality
disorders and the five-factor model of personality. (pp.1-10). Washington, DC: American
Psychological Association.
Cuperman, R., & Ickes, W. (2009). Big Five predictors of behavior and perceptions in initial
dyadic interactions: personality similarity helps extraverts and introverts, but hurts
“disagreeables”. Journal of Personality and Social Psychology, 97(4), 667-684.
Dancey, C. P., & Reidy, J. (2006). Estatística sem Matemática para Psicologia. Porto Alegre: Artmed.
Flores-Mendoza, C. (2008). Inventário de Personalidade NEO Revisado NEO PI-R– Manual. São
Paulo: Vetor.
Garcia, L. F. (2006). Teorias psicométricas da personalidade. In C. E. Flores-Mendoza & R. Colom
(Orgs.), Introdução à Psicologia das diferenças individuais. (pp. 219-242). Porto Alegre: Artmed.
Gattario, K. H., Frisén, A., Fuller-Tyszkiewicz, M., Ricciardelli, L. A., Diedrichs, P. C., Yager, Z.,
Franko, D. L., & Smolak, L. (2015). How Is men’s conformity to masculine norms related to
their body image? Masculinity and muscularity across western countries. Psychology of Men
& Masculinity, 16(3), 337-347. Doi: 10.1037/a0038494
Goetz, E. R. (2009). Representações sociais do corpo, mídia e atitudes. Tese de Doutorado em
Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, SC. Recuperado em https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/
handle/123456789/92473/272199.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Goetz, E. R., & Camargo, B. V. (2014). Escala de atitudes em saúde e estética: Construção
e validação. Fractal, Revista de Psicologia, 26(1), 199-222. Doi: 10.1590/S1984-
02922014000100015
Goetz, E. R., Camargo, B. V., Bertoldo, R. B., & Justo, A. M. (2008). Representação social do
corpo na mídia impressa. Psicologia & Sociedade, 20(2), 226-236. Doi: 10.1590/S0102-
71822008000200010
Grey, M. J., Horgan, T. G., Long, T. A., Herzog, N. K., & Lindemulder, J. R. (2016). Contrasting
objectification and competence: Body-competent images of women relieve women of self-
objectification. Journal of Media Psychology, 28(2), 88-93. Doi: 10.1027/1864-1105/a000159
Holzhauer, C. G., Zenner, A., & Wulfert, E. (2016). Poor body image and alcohol use in women.
Psychology of Addictive Behaviors, 30(1), 122-127. Doi: 10.1037/adb0000115
Hutz, C. S., & Nunes, C. H. S. S. (2001). Escala Fatorial de Neuroticismo. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Janssen, I., Craig, W. M., Boyce, W. F., & Pickett, W. (2004). Associations between overweight
and obesity with bullying behaviors in school-aged children. Pediatrics, 113(5), 1187-1195.
Martins, D. F., Nunes, M. F. O., & Noronha, A. P. P. (2008). Satisfação com a imagem corporal e
autoconceito em adolescentes. Psicologia: Teoria e Prática, 10(2), 94-105.
48
O Corpo como Meio de Aceitação e Inserção Social: Contribuições a Partir de Jeffrey Young
Moreira, G. S. X., Boff, R. M., Pessa, R. P., Oliveira, M. S., & Neufeld, C. M. (2017). Alimentação e
imagem corporal. In: Neufeld, C. B., Terapia cognitivo comportamental para adolescentes: Uma
perspectiva transdiagnóstica e desenvolvimental. (pp. 150-187). Porto Alegre: Artmed.
Mõttus, R., Kandler, C., Bleidorn, W., Riemann, R., & McCrae, R. R. (2016). Personality traits
below facets: The consensual validity, longitudinal stability, heritability, and utility of
personality nuances. Journal of Personality and Social Psychology, Advance online publication.
Doi:10.1037/pspp0000100
Nunes, C. H. S. S., & Hutz, C. S. (2002). O modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade.
In R. Primi (Org.), Temas em avaliação psicológica. (pp. 40-49). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Nunes, C. H. S. S., & Hutz, C. S. (2007a). Escala Fatorial de Extroversão: Manual técnico. São Paulo:
Casa do Psicólogo.
Nunes, C. H. S. S., & Hutz, C. S. (2007b). Escala Fatorial de Socialização: Manual técnico. São Paulo:
Casa do Psicólogo.
Nunes, C. H. S. S., Hutz, C. S., & Nunes, M. F. O. (2010). Bateria Fatorial de Personalidade (BFP):
Manual técnico. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Pacheco, L. M. B., & Sisto, F. F. (2003). Aprendizagem por interação e traços de personalidade.
Psicologia Escolar e Educacional, 7(1), 69-76.
Rebollo, I., & Harris, J. R. (2006). Genes, ambiente e personalidade. In C. E. Flores-Mendoza
& R. Colom (Orgs.). Introdução à Psicologia das diferenças individuais. (pp. 300-322). Porto
Alegre: Artmed.
Roberts, B. W., & DelVecchio, W. F. (2000). The rank-order consistency of personality traits from
childhood to old age: A quantitative review of longitudinal studies. Psychological Bulletin,
126(1), 3-25. Doi: 10.1037//0033-2909.126.1.3
Saikali, C. J., Soubhia, C. S., Scalfaro, B. M., & Cordás, T. T. (2004). Imagem corporal nos
transtornos alimentares. Revista de Psiquiatria Clínica, 31(4), 164-166.
Silva, I. B., & Nakano, T. C. (2011). Modelo dos cinco grandes fatores da personalidade: análises
de pesquisas. Avaliação Psicológica. 10(1), 51-62.
Tavares, M. C. G. C. F. (2003). Imagem corporal: Conceito e desenvolvimento. São Paulo: Editora
Manole.
Trentini, C. M., Hutz, C. S., Bandeira, D. R., Teixeira, M. A. P., Gonçalves, M. T. A., & Thomazoni,
A. R. (2009). Correlações entre a EFN – Escala Fatorial de Neuroticismo e o IFP – Inventário
Fatorial de Personalidade. Avaliação Psicológica, 8(2), 209-217.
Vasconcellos, S. J. L., & Hauck Filho, N. (Orgs.). (2014). A mente e suas adaptações: Uma perspectiva
evolucionista sobre a personalidade, a emoção e a psicopatologia. Santa Maria: Editora UFSM.
Vasconcellos, S. J. L., & Hutz, C. S. (2008). Construção e validação de uma Escala de Abertura à
Experiência. Avaliação Psicológica, 7(2), 135-141. Recuperado em: http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677‑04712008000200004&lng=pt&tlng=pt
49
MÁRCIA ELISA JAGER, DÉBORA TROMBINI COMIS, THIAGO FERREIRA MUCENECKI, EVERLEY ROSANE GOETZ, RAUL CORRÊA
FERRAZ, JAÍNE SILVEIRA FOLETTO e SILVIO JOSÉ LEMOS VASCONCELLOS
Recebido em 03/04/17
Revisto em 13/07/17
Aceito em 15/07/17
50