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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

FABRÍCIO BACHIEGA ZAMBROSI

TERRA OU MORTE: TRAJETÓRIA INTELECTUAL E REVOLUCIONÁRIA DE HUGO


BLANCO (1958-1972)

FRANCA
2017
FABRÍCIO BACHIEGA ZAMBROSI

TERRA OU MORTE: TRAJETÓRIA INTELECTUAL E REVOLUCIONÁRIA DE HUGO


BLANCO (1958-1972)

Dissertação de Mestrado apresentada à


Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, como pré-requisito para
obtenção do Título de Mestre em História. Área
de concentração: História e Cultura Política.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro.

FRANCA
2017
Zambrosi, Fabrício Bachiega.
Terra ou morte: trajetória intelectual e revolucionária
de Hugo Blanco (1958-1972) / Fabrício Bachiega
Zambrosi. – Franca : [s.n.], 2017.

154 f.

Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual


Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientador: Marcos Sorrilha Pinheiro
1.Hugo Blanco (1934). 2.Peru - Condições sociais.
3. Intelectuais - Atividades políticas. I. Título.
CDD –985.063
FABRÍCIO BACHIEGA ZAMBROSI

TERRA OU MORTE: TRAJETÓRIA INTELECTUAL E REVOLUCIONÁRIA DE HUGO


BLANCO (1958-1972)

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de
Mestre em História. Área de concentração: História e Cultura Política.

BANCA EXAMINADORA

Presidente: Marcos Sorrilha Pinheiro.


Dr.(a) Nome do Orientador, Instituição

1º Examinador:_________________________________
Dr.(a) Nome do Examinador, Instituição

2º Examinador: _______________________________
Dr.(a) Nome do Examinador, Instituição

Franca, __ de _________ de 2017.


Às escolas públicas deste país.
Agradecimentos

Agradeço, antes de tudo, a Deus, que concedeu infinitas graças para a realização deste
trabalho.
A toda minha família, que desde sempre derramou as mais belas palavras e gestos de
carinho, alimentando minha alma com força, dedicação e disciplina, para a concretização
desta pesquisa. Sou imensamente grato por ter ao meu lado meu pai, Raimundo, e minha mãe,
Vera, que me ensinaram desde cedo o valor do trabalho e das letras. Agradeço também à
companhia dos meus amados irmãos, Fernando e Flávio, que são exemplos de pessoas e
profissionais. A meu primo Guilherme. Obrigado pelos livros trazidos do EUA.
Aos camaradas da trajetória escolar, universitária e da vida adulta. Assim, não poderia
esquecer os meus Professores, todos eles, desde o ciclo básico, mas sem deixar de mencionar
Seu Jader, D. Cecília e D. Marilda, que me mostraram cedo a riqueza das ciências humanas.
Agradeço ainda o carinho e a companhia dos amigos de infância, que cultivam a amizade
assim como o tempo cultiva os vinhos. São eles: Murilo Barthman. Patrick F. Coutinho,
André Morett, Thales (cabeça), Paulo Eduardo, Lucas (Banwa), Roberto (Durval) e Dieguin.
Aos amigos que contribuíram nesta jornada das mais diversas formas: obrigado,
Francisco, Inácio, Paulo, Andrea, Maria Luiza e, principalmente, obrigado Noely Breda.
Obrigado Maria Natalina, Luzia Angélica, Daniela, Alex Belduscho, Francisco...e tantos
outros.
Aos Amigos constituídos na UNESP-Franca, que, apesar da distância, são seres de
coração de grande fôlego: prontos para correrem para longe, mas com a mesma disposição
pararegressarem. Agradeço a cada um de vocês, que estiveram na origem de tudo: Junin
(Taz), Mateus (Tuche),Danilo (Celeste), Galhardo, Paulo (Pizza), Denis, Caloi, Lagosta,
Lenin, Gustavo, André, Elvis, Alex, Aliene, Cinthia Bonareto e Erica Albarral. Agradeço
também à minha amiga Mayara Brandão e, de forma especial, à minha grande amiga Marina
C. Bianchi. Mas não poderia deixar de destacar, também, dois grandes amigos e ex-jogadores
do time mais simpático da primeira década dos anos 2000 da Unesp, o Peitão de Frango. São
eles: Valter Nailton e Fred Maciel. Abriram sua casa e sua paciência a mim. Sou eternamente
grato. Mas sem esquecer toda a contribuição intelectual de Fred, que cedeu seu tempo e seu
conhecimento às minhas dúvidas e reflexões. Obrigado também à Equipe de Judô da UNESP,
coordenada pela extinta Atlética Clodoaldo Silva.
Aos professores da UNESP-Franca que, em meio a todas as dificuldades, todos os
anos mobilizam seus instrumentos, seus conhecimentos, sua paciência e perseverança para
talharem pedras brutas, que chegam das mais diversas partes do estado e do Brasil. Expresso
aqui minha admiração, pois transformam tais pedras, que se afundariam nas mais rasas poças,
em pilares prontos a caminharem sozinhos e a seguirem os nobres passos de seus mestres,
sejam nas escolas ou nas universidades espalhados pelo país.
Nesse sentido, agradeço também aos Profs. Drs. que participaram do meu exame de
qualificação, Alberto Aggio e Marcos Alves, pelas reflexões e críticas.
À Cinthia Xavier, minha companheira de todas as horas, que, com todo amor e
carinho, conheceu de perto as alegrias e dificuldades deste caminho. Leitora,conselheira e
incentivadora assídua dos meus escritos, tornou-se um dos alicerces em que se ergueu este
trabalho. A você, amor, sou muito grato por tudo. Por cada palavra e por cada gesto. Você é
um presente.
À Sandra Palomino, peruana apaixonada pelo Brasil, que fez o favor que nenhum
dinheiro pode pagar. Obrigado pelos livros enviados do Peru, sem os quais este trabalho nem
sequer seria possível. Jamais esquecerei tamanho gesto.
Uma vez li que nada que pudesse ser medido poderia continuar suficientemente
grande. Eis aqui, portanto, minha dificuldade de encontrar as palavras certas para agradecer a
meu orientador, Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro, pois nada que eu disser irá alcançar o
tamanho da minha gratidão. Gratidão por ter acreditado no sonho deste garoto e por não ter
desistido diante das minhas falhas. Agradeço o companheirismo, a amizade, a todas as
conversas e cada minuto de sua atenção. Obrigado pelas críticas, pela paciência, pelas leituras
e correções. Levarei você, meu amigo e orientador, para sempre comigo.
Finalmente, agradeço imensamente à agência fomentadora de pesquisa CNPq, que
financiou a maior parte deste trabalho.
“Eis o que aprendi do sol, desse opulento sol
de inesgotável riqueza que, ao pôr-se,
derrama o seu ouro pelo mar; por isso,
até os mais pobres pescadores
remam com dourados remos”.

Friedrich Nietzsche. Assim falava Zaratustra


ZAMBROSI, Fabrício B. Terra ou Morte: trajetória Intelectual e revolucionária de Hugo
Blanco (1958-1972). 2017. 155 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho,
Franca, 2017.

Resumo

A presente dissertação tem como objeto a trajetória intelectual e revolucionária do trotskista


peruano Hugo Blanco, entre 1958 e 1972. As datas mencionadas compreendem o momento
em que Blanco deixou a cidade e foi para o campo iniciar seu trabalho revolucionário entre os
camponeses e a publicação de sua mais importante obra, o livro Terra ou Morte. Hugo Blanco
atuou entre os camponeses do vale da La Convención y Lares, na região de Cuzco, até ser
preso em 1963, sendo exilado, posteriormente, no início dos anos 70, por iniciativa do
governo militar que tomou o poder no Peru, em 1968. As ações de Blanco integraram um
contexto específico do Peru e da América Latina. O primeiro, diz respeito a sua atuação na
região serrana, onde predominava uma estrutura agrária com diversas características pré-
modernas, que foi mencionada e atacada pela pena e pela espada de Blanco. O segundo,
aborda a questão de que a América Latina, desde 1959, estava sendo abalada pelos ecos
causados pela Revolução Cubana. Como consequências das possibilidades inauguradas por
essa Revolução, especialmente quanto ao seu conteúdo político-militar que o governo cubano
e alguns intelectuais fizeram questão de destacar, de consagrar e de irradiar pelo continente,
como a adoção da guerra de guerrilhas, as organizações políticas de esquerda do continente
também ficaram estimuladas a aplicar em seus países esta luta armada enquanto estratégia.
Foi neste contexto, portanto, que a ação e a teoria do projeto revolucionário de Hugo Blanco
emergiu. Diante disso, o nosso principal objetivo foi demonstrar que este projeto dialogou o
tempo todo com os referidos contextos, mas, principalmente, com as novas ideias e
perspectivas abertas pela Revolução Cubana. Contudo sustentamos que Hugo Blanco teve a
particularidade de insistir em uma proposta contrária a guerra de guerrilhas, pois, uma vez
vinculado ao trotskismo, estruturou seu projeto a partir dos ensinamentos de Leon Trotsky e
de sua relação com a IV Internacional e suas seções Latino Americanas, como o SLATO. De
todo modo, mais do que tentar refutar a guerra de guerrilhas, Hugo Blanco se colocou como
um intelectual disposto a compreender e adaptar o trotskismo às particularidades da realidade
rural do Peru. Na ocasião, valeu-se de importantes elementos que compõem a tradição política
do país, como o indigenismo e o marxismo.

Palavras-chave: Hugo Blanco, Peru, Intelectual Revolucionário, Castro-Guevarismo,


Trotskismo.
Abstract

The present dissertation project was based on the evaluation of the intellectual and
revolutionary trajectory of the Peruvian trotskyist Hugo Blanco, between 1958 and 1972. This
period corresponded to the moment in which Hugo Blanco moved out from the urban area to
the rural area in order to begin his revolutionary movement; at this time, he also published his
most important book, Land or Death. Hugo Blanco acted among the peasants from the La
Convención and Lares, region of Cuzco, until be arrested in 1963. Then, he was sent to exile
by the military government at early 70’s. Hugo Blanco’s actions formed an unique context
within Peru and Latin America. The first one concerns his interference in the mountainous
area of the country, where there was an agrarian structure having several pre-modern
characteristics. This structure received significant emphasis and severe criticism in the texts
published by Hugo Blanco. And, the second one deals with the manner by which the Latin
America was being influenced by the Cuban Revolution. As an outcome of the several
possibilities originated from this revolutionary movement, particularly with regard to its
political and military content that were valorized and disseminated across the continent by
Cuban government and intellectuals, including the use of guerrilla, the left-political
organization of the continent planned also to use such a strategy in their own countries. In this
scenario, it was raised the bases of the revolutionary project proposed by Hugo Blanco.
Accordingly, we aimed with this research to demonstrate that his project interacts with the
mentioned historical context, principally with the new ideas and perspectives offered by the
Cuban Revolution. However, the proposal of Hugo Blanco had the peculiarity of offering
alternatives in relation to the ideas propagated by the mentioned revolution. This might be
associated to the fact that he structured his project based on the lessons learned from Leon
Trotsky and his connection with the sections of IV International dedicated to Latin America,
such as SLATO. In summary, rather than refute the adoption of guerrilla, Hugo Blanco acted
as intellectual proposing a better understanding and utilization of trotskyism in accordance
with the peculiarities of the rural area of Peru. In this context, he also used important elements
that constituted the political organization of the country, such as the indigenism and marxism.

Keywords: Hugo Blanco, Peru, Intellectual Revolutionary, Castro-Guevarism, Trotskyism.


Siglas

APRA Alianza Popular Revolucionaria Americana

CI Comité Internacional da IV Internacional

ELN Ejército de Liberación Nacional

FTC Federación de Trabajadores de Cuzco

FPCLCyL Federación Provincial de Campesinos de La Convención y Lares

MIR Movimiento de Izquierda Revolucionaria

FIR Frente de Izquierda Revolucionaria

OLAS Organización Latinoamericana de Solidariedad

PCP Partido Comunista Peruano

POR Partido Obrero Revolucionario

POR-T Partido Obrero Revolucionario – Trotskista

SLATO Secretariado Latinoamericano del Trotskismo Ortodoxo

SI Secretariado Internacional da IV Internacional

SU Secretariado Unificado da IV Internacional

SWP Socialist Work Party

TLT Tendência Leninista Trotskista

TMI Tendência Majoritária Interna


SUMÁRIO

Introdução 12

1.Buscando: o Peru Profundo, Hugo Blanco e o Contexto Histórico (1920-1970) 20


1.1. As haciendas no Peru 24
1.2. O gamonal e o gamonalismo 26
1.3. Camponeses 28
1.4. Alterações sobre as estruturas da região serrana 33
1.5. Hugo Blanco, vida, e contexto histórico do Peru entre 1920 e 1970 39
1.6. Hugo Blanco e o Peru após a Segunda Guerra Mundial e o início do governo militar 51

2. Hugo Blanco, o Comunismo Internacionalista e a Revolução Cubana 62


2.1. A Revolução Russa: a herança marxista-leninista 64
2.2. As origens do movimento trotskista e a IV Internacional nos anos 50 69
2.3. O Partido Comunista peruano 76
2.4. APRA 82
2.5. A Revolução Cubana e a relação de Hugo Blanco com o castro-guevarismo 88
2.6. O internacionalismo cubano e trotskista (SLATO): uma disputa 93

3. A ação e reflexão revolucionária de Hugo Blanco 99


3.1. No cárcere? Então, às letras: a obra Terra ou Morte 102
3.2. Hugo Blanco e o Poder Dual 115
3.3. Hugo Blanco e a tomada do Poder 124
3.4. Terra ou Morte e a IV Internacional 129
3.5. Hugo Blanco: trotskismo e cultura política peruana 133

4. Considerações Finais 144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 147


12

INTRODUÇÃO

Dentre os atores do político que nas últimas décadas cada vez mais passaram a ser
objetos de trabalhos historiográficos, está a figura do intelectual. Resultado da retomada e da
renovação vivida pela história política após os anos setenta, mas também em razão do
desenvolvimento próprio do seu campo de atuação, a história envolvendo os intelectuais,
como defendeu Jean-François Sirinelli (2003), avançou, alcançou status de autonomia e se
tornou um lugar privilegiado para a análise de fenômenos históricos.
Porém, se os trabalhos dedicados especificamente aos intelectuais surgiram em
tempos consideravelmente recentes, o mesmo não podemos dizer sobre este personagem. A
figura do intelectual é antiga e suas origens, principalmente daquele que mais nos interessa,
isto é, o intelectual preocupado e interessado em pensar os assuntos da cidade, remonta à
antiguidade clássica. Por outro lado, antes de serem assim chamados, esta figura (o
intelectual), a depender do tempo e da sociedade que estava inserido, reconheceu-se e foi
reconhecido mediante outros nomes, como: sábios, filósofos, clercs e homens de letras.
Apesar dos nomes variados ao longo do tempo, queremos chamar a atenção para uma
característica permanente desses homens, que é justamente, segundo Norberto Bobbio, a de
serem:
os sujeitos a quem se atribui de fato ou de direito a tarefa específica de
elaborar e transmitir conhecimentos, teorias, doutrinas, ideologias,
concepções de mundo ou simples opiniões, que acabam por constituir as
ideias ou os sistemas de ideias de uma determinada época e de uma
determinada sociedade (BOBBIO, 1996, p. 110).

Considerando os intelectuais dentro dos pressupostos mencionados, é possível


dimensionar o papel relevante que este personagem pode desempenhar em suas respectivas
sociedades. No mundo ocidental, com destaque para os séculos XIX e XX e para a região que
compreende a América Latina, os intelectuais atuaram em diversas frentes, que englobavam o
desafio da construção de suas nações e as denúncias frente às condições sociais da população
em meio às ditaduras civis ou militares, que se estabeleceram em diversos momentos da
história do continente americano. Ainda corroboraram para que os intelectuais tivessem este
alcance de participação nas sociedades latinas, não apenas a sua condição de tratar e
manipular ideias, mas outros fatores, como a legitimidade diante de outros grupos sociais e a
própria modernização dessas sociedades, provocada pela dinamização da economia, criação
de universidades, ampliação da classe média, e crescimento do ensino e do mercado editorial
ao longo do período em questão.
13

Por conta de sua função social estar atrelada ao pensamento e a reflexão em torno dos
problemas de sua comunidade, o substantivo intelectual, por vezes, confunde-se com o
adjetivo, imaginando-se que tais pessoas estariam apenas reclusas a ambientes ilustrados ou
acadêmicos. Entretanto, é bom que se diga que não consideramos Hugo Blanco, o intelectual
peruano que é alvo deste trabalho, pertencente a este grupo de intelectuais que na América
Latina ficou conhecido por seus vínculos às universidades ou à elaboração de grandes obras,
fossem elas filosóficas ou literatas, ainda que estas estivessem carregadas com viés político e
social. Segundo entendemos, Blanco faz parte de outra categoria de intelectual, aquela que
integra o grupo conhecido como intelectual revolucionário, figura esta que deixou a sua marca
na história da América Latina, especialmente durante a segunda metade do século XX.
Como argumentou Norberto Bobbio, por intelectual revolucionário compreende-se a
figura de alguém que comunga do “[...] princípio de que não se faz revolução sem uma teoria
revolucionária (...) (BOBBIO, 1996, p. 125)”. Trata-se daquele que se coloca “[...] contra o
poder constituído em nome de uma nova classe e pela instauração de uma nova sociedade [...]
(BOBBIO, 1996, p. 124)”, além de se conceber como sujeito fundamental para a execução e
criação dos meios que conduzirão ao fim desejado, isto é, a revolução. Eis, por conseguinte, o
prisma pela qual compreenderemos Hugo Blanco ao longo do trabalho.
Desta feita, Hugo Blanco foi um personagem da história peruana que dedicou boa
parte de sua trajetória a promover a revolução socialista. Imbuído desse ideal, empunhou tanto
a pena como a espada. A empreitada não custou a sua vida, mas vários anos na prisão e no
exílio. O período significativo das ações revolucionárias de Hugo Blanco foi desenvolvido na
área rural do Peru, entre os camponeses desse país, precisamente a partir de 1958, quando
deixou a cidade para se juntar àqueles, no vale de La Convención, no departamento de Cuzco.
Desde então, e até 1963, ano em que foi preso, esteve com os camponeses e a fundar
sindicatos, os quais, liderados por ele, se tornaram a fagulha de um incêndio que desencadeou
diversos ataques às estruturas políticas, sociais e culturais dessa região, que eram famosas
pelo seu “arcaísmo”. De qualquer maneira, estes ataques, mais do que a expressão de seu
espírito revolucionário, eram também sinais de suas concepções indigenistas, dada a
permanente defesa aos índios camponeses que Blanco percebia como vítimas no Peru.
Por outro lado, enquanto o mencionado período ficou marcado pela sua praxe
revolucionária, os anos seguintes foram marcados pelo seu trabalho intelectual, uma vez que
os seus principais escritos datam de meados dos anos 60 e início dos anos 70. No caso,
fazemos referência aos trabalhos intitulados, respectivamente, como El camino de nuestra
revolución e Terra ou Morte. Feitas tais considerações, convém, inclusive, demarcar o recorte
14

que compõe a presente dissertação: os anos entre 1958 e 1972, isto é, entre a ida de Hugo
Blanco ao campo e a publicação do livro Terra ou Morte.
Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que, antes de adentrarmos propriamente dito
na análise da trajetória intelectual e revolucionária de Hugo Blanco, procuramos destacar
importantes fenômenos políticos, sociais e cultuais que davam forma e conteúdo ao contexto
peruano e latino-americano. Com isso, objetivamos compreender a trajetória intelectual e
revolucionária de Hugo Blanco articulada, não isolada do referido contexto.
Hugo Blanco desenvolveu sua trajetória intelectual e revolucionária em um período
em que a ideia de Revolução havia voltado à ordem do dia na América Latina. Esta opção
política estava ancorada na recente vitória dos revolucionários cubanos, em 1959, que, pouco
tempo depois, inauguravam o primeiro Estado socialista do continente americano. Como
afirmou Allan Angel (2009), tal revolução produziu um efeito “eletrizante” sobre as esquerdas
do continente, de tal maneira que muitos grupos e sujeitos passaram a se movimentar e a
acreditar que o socialismo estava a “la vuelta de la esquina”, não faltando outra coisa para
concretizá-lo a não ser a radicalização, o sacrifício e a força de vontade. Na época, foram
destaque destes princípios especialmente os jovens universitários. Hugo Blanco, por exemplo,
era jovem e oriundo do meio universitário.
A Revolução Cubana, por sua vez, emergiu no cenário continental não apenas
animando outros revolucionários, mas oferecendo novos referenciais políticos e
organizacionais para as esquerdas do continente executarem a revolução. Para alguns
intelectuais revolucionários, dadas as novidades empregadas pelos combatentes cubanos ao
longo do processo de tomada de poder, a Revolução Cubana foi interpretada como um ponto
de mutação em relação a outros modelos de revolução. Não sem razão, para Régis Debray, o
movimento cubano foi uma “Revolução na Revolução”. Essa noção de ruptura esteve
vinculada, principalmente, à relevância que se deu aos aspectos militares em detrimento do
político, no interior do processo e da teoria revolucionária. A partir de então, a Revolução
Cubana e seus entusiastas não apenas questionaram a hierarquia que existia entre luta armada
e a esfera do partido, que antes garantia a superioridade e a prioridade deste último sobre o
primeiro, como equalizaram e submeteram à luta armada as funções antes delegadas ao
partido.
Em outras palavras, para muitos admiradores e intelectuais revolucionários, a
Revolução Cubana consagrava a guerra de guerrilhas, isto é, a teoria do foco guerrilheiro
como modelo de revolução. Noção esta que foi chamada neste trabalho principalmente de
“castro-guevarismo”. Assim, por meio de um pequeno grupo armado, atuando
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preferencialmente no meio rural, a esquerda latino-americana podia declarar,


independentemente do país, o início da revolução socialista. Afinal, uma vez crendo que as
condições objetivas para esta última estavam de norte a sul da América Latina, faltariam
apenas as condições subjetivas, que seriam garantidas a partir do momento em que um grupo
armado entrasse em ação.
Inserido neste contexto, Hugo Blanco também se deparou com grupos da esquerda
peruana sendo atraídos e “eletrizados” pela Revolução Cubana. No início dos anos 60, por
exemplo, cisões no interior de tradicionais partidos dessa esquerda, como o Partido
Comunista e o APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), significaram o
surgimento de duas organizações inspiradas no modelo cubano, o Exército de Libertação
Nacional (ELN) e o Movimiento de Izquierda Revolucionário (MIR), respectivamente. Na
época, tais grupos procuraram instalar guerrilhas nos Andes peruanos. De qualquer maneira,
até 1965, as ações armadas destes grupos haviam sido desarticuladas pela repressão do
exército nacional. Tais organizações, na história do Peru, ficaram conhecidas por integrarem a
primeira fase da denominada Nueva Izquierda.
Desta maneira, contemporâneo destes fatos e destes grupos, Blanco foi um intelectual
revolucionário que teve atrás de si a sombra da Revolução Cubana ao longo de todo o período
que abarca este trabalho. Contudo, excetuando a simpatia e o efeito “eletrizante” que tal
revolução também imprimiu sobre Hugo Blanco, este passou a maior parte do tempo
dialogando com ela mais para recusá-la como modelo do que para aprová-la. Blanco, como a
maior parte da esquerda latino-americana, entendia que adotar o modelo caribenho de
revolução era o mesmo que empregar a guerra de guerrilhas. Como discordava de tais
princípios, dedicou a maior parte do seu trabalho intelectual para refutar os conceitos
envolvidos nessa teoria revolucionária, bem como para propor outras concepções,
especialmente voltadas para o Peru.
Diante deste desenho, entendemos Hugo Blanco como um sujeito inserido em um
debate intelectual, a nível nacional e continental, que gravitava em torno de ideias
relacionadas às táticas e estratégias revolucionárias. Desta feita, um dos principais objetivos
deste trabalho é demonstrar com quem e com quais ideias Hugo Blanco dialogou; quem e que
ideias contestou, aceitou e até mesmo ignorou enquanto participava deste debate.
Questionando a viabilidade de se repetir ou exportar a guerra de guerrilhas para outros
países da região, especialmente para o Peru, Blanco se esforçou para interferir na realidade
nacional e continental mediante a defesa de determinadas ideias, em que propunha outra via
para a revolução. Essa via, à semelhança dos defensores da Revolução Cubana, havia
16

renunciado ao caminho reformista que alguns tradicionais partidos da esquerda estavam


cultivando naquele momento. Contudo, defendemos que a via que ele ofertou, apesar da
evidente parceria com a violência revolucionária, não se fundamentava no foco guerrilheiro. E
acreditamos que a razão para tal foi assegurada principalmente por sua filiação ao trotskismo.
Segundo Eduardo Fioravanti (1974), Hugo Blanco foi apresentado ao trotskismo por
seu pai ainda na adolescência. O casamento entre ambos, por sua vez, precisa ser creditado à
estadia que teve na Argentina entre 1954 e 1956, quando foi para Buenos Aires estudar
agronomia na Universidade de La Plata. Lá foi incorporado ao partido trotskista, conhecido
como POR (Partido Obrero Revolucionario), em que também entrou em contato com um dos
principais teóricos do trotskismo no continente Americano: Nahuel Moreno. A partir de então,
Hugo Blanco aprofundou seu engajamento político e revolucionário, caminho este que
culminou, anos depois, na liderança dos camponeses no vale de La Convención, em Cuzco, no
Peru, a partir de 1958.
Longe das trilhas teleológicas, essa mencionada trajetória de Hugo Blanco é
importante porque demonstra sua condição de intelectual revolucionário. Pois, na Argentina,
o trotskismo aprendido esteve vinculado às atuações entre as massas urbanas, com destaque
para o proletariado sindicalizado, proveniente de grandes fábricas. Porém, não foi esta a
realidade que Blanco encontrou quando, em 1956, retornou ao Peru. Este país, mesmo na
capital Lima, como era carente de consideráveis complexos industriais, era carente também
do sujeito que foi consagrado, tanto por Karl Marx como por Leon Trotsky, como símbolo e
protagonista da revolução socialista: o proletariado. Além disso, as organizações de massa
localizadas nas áreas mais modernas do Peru estavam, em sua maioria, vinculadas ao aprismo
e ao Partido Comunista, deixando pouca margem de penetração para os trotskistas.
Diante deste quadro acima esboçado, defendemos que Blanco foi forçado a realizar
todo um esforço intelectual e prático para adaptar seu trotskismo às condições peruanas, bem
como para plantá-lo entre as massas. Para tanto, e como procuramos demonstrar ao longo
deste trabalho, além de recorrer à população do mundo rural, aos ensinamentos de Leon
Trotsky e às lições tomadas no país platino, Hugo Blanco contou com diversas outras ideias
que já estavam presente na tradição política peruana, como o socialismo e o indigenismo.
Apesar das necessárias adaptações do trotskismo à realidade peruana, acreditamos que
Hugo Blanco sempre preservou os princípios que estavam na base da teoria revolucionária
trotskista, condição esta que garantiu, segundo a nossa interpretação, uma distância segura
perante a compreensão comumente ventilada a respeito da chamada guerra de guerrilhas.
Desta forma, Blanco sempre foi categórico em defender a relevância do partido frente a
17

qualquer agrupamento armado, fosse este uma guerrilha ou uma milícia. Isto é, no seu modo
de ver, os aspectos políticos e militares do processo revolucionário deviam permanecer
hierarquicamente desiguais, e sem perdas do primeiro em relação ao segundo. A respeito do
partido, prevalecia a noção de partido de vanguarda, organização responsável por conduzir,
educar e organizar um dos pontos mais fundamentais de toda revolução: as massas. Deste
processo, segundo Blanco, nasciam as revoluções. Ademais, era necessariamente deste
processo que emergia a luta armada; não o caminho inverso.
A respeito ainda do trotskismo e do socialismo internacional, convém adiantarmos que
nos preocupamos em localizar Hugo Blanco no interior da IV Internacional Comunista e
evidencia a importância desta última durante o movimento camponês no vale de La
Convención. Esta preocupação veio à tona na medida em que avançávamos na pesquisa e
identificávamos que desde que Hugo Blanco havia estado na Argentina, ele jamais havia
passado despercebido ou desvinculado da IV Internacional. Entre 1961 e 1963, por exemplo,
além de duas cartas enviadas a Blanco por Nahuel Moreno, que na época era líder da seção
argentina intitulada SLATO (Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo), este
órgão procurou auxiliar teoricamente e materialmente o processo revolucionário que Hugo
Blanco havia inaugurado em seu país. Não o bastante, enquanto nos preocupávamos com a
história da IV Internacional e suas implicações com a “Revolução Peruana”, acabamos por
problematizar a história de outras Internacionais que marcaram presença na América Latina,
como a III Internacional1 e, ainda, a “Internacional de Havana”. Isto foi relevante porque foi
possível identificar, na época das ações de Hugo Blanco, certa disputa e concorrência entre o
SLATO e Havana, uma vez que ambas, além de representarem táticas e estratégias
divergentes, galgavam que seus respectivos métodos fossem aplicados e disseminados nos
países da região.
Uma vez clareados nossos principais problemas e objetivos, convém destacar como
procuramos desenvolvê-los nos três capítulos que integram a presente dissertação. Vejamos.
No primeiro capítulo, intencionamos, em um primeiro momento, apresentar alguns
aspectos estruturais da sociedade peruana, com destaque para o mundo rural. Desta maneira,
chamamos a atenção para o fato do Peru estar, em meados do século XX, ainda vinculado à
imagem de que o país possuía duas realidades, a saber, a costa e a serra. A primeira carregava
os signos do desenvolvimento e da modernização, mas não a segunda. A serra representava o
1
A III Internacional foi desarticulada em 1943. De qualquer modo, as Internacionais foram idealizadas
almejando organizar e expandir a revolução para além de suas fronteiras originais, mediante suporte teórico,
técnico, material e humano.
18

atraso. Mas foi justamente nessa paisagem que encontramos as primeiras ações do nosso
intelectual revolucionário no Peru. Foi aqui que Hugo Blanco iniciou seu trabalho entre os
camponeses, que, no caso peruano, eram indígenas dedicados ao trato da terra e da
agricultura, e que permaneciam vinculados às haciendas e aos donos destas mediante relações
pessoais e arcaicas de trabalho. Além disso, procuramos demonstrar também como a região
em questão, na época, era atingida por consideráveis transformações, fruto dos processos de
modernização desencadeados especialmente por meio de ações do Estado peruano, desde a
década de 1920. O primeiro capítulo também se dedica a apresentar Hugo Blanco inserido no
contexto social, político e cultural do Peru, entre os anos vinte e o início dos anos setenta do
século XX, momento pelo qual aproveitamos para chamar a atenção para a relação entre a
corrente de pensamento indigenista e Hugo Blanco.
No segundo capítulo, contextualizamos Hugo Blanco no interior das ideias do
socialismo revolucionário que emergiram na América Latina e no Peru desde o início do
século XX. Dessa maneira, destacamos, em um primeiro momento, os ecos e efeitos da
Revolução Russa (1917). Posteriormente nos dedicamos à Revolução Cubana (1959). Com
isso, quisemos abordar o surgimento e a trajetória do partido comunista peruano, do
movimento trotskista, do partido aprista e dos grupos inspirados na revolução de 1959, mas
sem deixar de salientar as principais ideias circuladas por cada um e as inimizades que tais
correntes e grupos desde cedo nutriram um pelo outro. Não obstante, neste segundo capítulo
também nos atentamos em rastrear as linhas de tensão, comunicação e disputa entre as ideias
ventiladas por cada uma das Internacionais surgidas na esteira de cada uma das revoluções
mencionadas.
No terceiro capítulo, embora sem nos esquecermos de outros escritos, procuramos
apresentar a principal obra de Hugo Blanco: o livro Terra ou Morte, publicado em 1972. Aqui
demonstramos quais eram as intenções do autor com a publicação desta obra, assim como
com quais ideias relacionadas ao socialismo revolucionário Hugo Blanco estava dialogando e
concordando; quais estava defendendo, contestando ou mesmo ignorando. Tendo em vista
este objetivo, nos pareceu ficar evidente neste livro o esforço do autor em se colocar como um
autêntico trotskista, conhecedor dos ensinamentos de Leon Trotsky, precisamente do
Programa de Transição, redigido por este, em 1938, e, principalmente, aplicador do
mencionado Programa. Ao longo do livro, notamos ainda que, mais do que a aplicação, Hugo
Blanco se esforçou para adaptar o Programa de Transição à realidade rural em que se
encontrava.
19

Além disso, neste último capítulo tentamos deixar claro como o livro Terra ou Morte
também era um recado à IV Internacional, que, na época, segundo alguns membros, estava se
inclinando a incorporar os princípios da guerra de guerrilha em detrimento dos ensinamentos
de Leon Trotsky. Por fim, tivemos o objetivo de demonstrar como as ações de Hugo Blanco
no vale de La Convención, entre os camponeses, não deixou de ser uma significativa ruptura,
especialmente em relação a algumas ideias que Trotsky havia consagrado aos camponeses no
interior de processos revolucionários.
A modo de conclusão, nas considerações finais, retomaremos as principais ideias
apresentadas, buscando afirmar os vínculos de Hugo Blanco com o trotskismo e as
singularidades de seu projeto revolucionário ao longo de sua trajetória, especialmente frente à
Revolução Cubana.
A respeito das fontes, utilizamos, principalmente, os mais importantes textos de Hugo
Blanco: El Caminho de Nuestra Revolución e Milícia ou Guerrilha, que foram publicados,
inicialmente, no Peru, em 1964, e a obra Terra ou Morte, publicada em 1972. Além desses
escritos, nos valemos de algumas correspondências que Hugo Blanco escreveu ou recebeu
dentro do período que recorta o presente trabalho. Nesse sentido, analisamos as cartas
trocadas com um dos maiores novelistas do país, o indigenista José María Arguedas, em
1969; uma carta enviada, em 1970, ao um dirigente americano e trotskista do Socialist Work
Party, que era vinculado a IV Internacional; e a carta recebida de Nahuel Moreno, em 1961.
No caso, Moreno era vinculado à referida internacional e dirigente da seção argentina
conhecida por SLATO.
20

1. Buscando o Peru Profundo, o contexto histórico e Hugo Blanco (1920-1972)

Yo [gamonal], como índios.


Yo, ladrón!...¿Quiénes hablan asi?
¿De dónde han salido?
¿Por cuál de sus bocas ha lanzado
el demonio a esos farsantes rabiosos?
¡Dios! Detén el cambio del mundo.
Antes, que yo era peor, me respetaban.
José María
Arguedas – Todas las Sangres.

O presente capítulo está dividido em duas partes principais. Na primeira parte,


intencionamos demonstrar as principais características que compunham a estrutura agrária da
serra peruana até meados da década de 1960. Com isso queríamos destacar qual foi o mundo
com que o intelectual revolucionário Hugo Blanco, no final da década de 50, se deparou ao
fazer sua travessia do campo à cidade, em busca dos meios para realizar o que entendia ser a
revolução socialista no Peru. Não menos importante, nos servimos dessa mesma estrutura
para explicar a construção, a formação e a ação desse intelectual. Na segunda parte, a atenção
foi destinada ao contexto peruano entre 1920 e 1970. Aqui enfocamos os principais
fenômenos econômicos, sociais, políticos e culturais que ajudam a contextualizar o período e
que, de uma forma direta ou indireta, integram a trajetória política e intelectual de Hugo
Blanco.
Na década de 1960, o peruanista francês François Bourricaud, no início do seu livro
Poder y sociedad en El Peru (1967), apresentava umas das imagens mais marcantes sobre a
estrutura agrária2 do país: a percepção de que o Peru vivia duas realidades bastante distintas.
Esta realidade era expressa pelas diferenças entre duas regiões, a saber: a Serra e a Costa.
Sendo esta última mais próxima do mundo moderno e capitalista, enquanto a outra carregava
as mais diversas características contrárias. Vejamos isso através destas duas citações, que,
embora longas, servem para introduzir essa noção, bem como adiantar algumas características
que a fundamentavam:

2
Entendemos estrutura agrária como afirmou Norman Long: “Contudo, uma estrutura agrária abrange muito
mais do que esse conjunto de fatores de produção e recurso técnico, natural, chamado usualmente sistema
agrícola. Compreende, além disso, as instituições legais e políticas que sustentam esse sistema, as relações entre
o campo e a cidade, as estruturas de comercialização, as classes sociais presentes na zona rural, os negociantes,
os artesãos e diferentes classes de agricultores e o sistema econômico maior que, em alguns casos, inclui a
economia mundial” (LONG, 2009, p. 405).
21

Hay que señalar algunas de las características esenciales de la Sierra […]


Los gamonales y patrones del interior reinan sobre inmensos dominios; en
el Sur, en Cuzco, en Puno, las haciendas de más de 20.000 hectáreas no son
excepcionales: son, según se dice, latifundios. Pero la mayor parte de esas
inmensas extensiones está cubierta de rastrojos, abandonada. El barbecho
paraliza no poco de lo que resta. Las cosechas son magras, expuestas como
están al rigor de un invierno árido y glacial. En esos pastos viven rebaños
que dan una carne y una lana mediocres. La mayor parte de esos inmensos
dominios brindan una renta neta que, en relación con el capital inmobiliario
comprometido, resulta desalentadora. La explotación, inclusive cruel e
inhumana, de una mano de obra improductiva no basta para hacer del
gamonal un creso. Pocos progresos se alcanzaron en el dominio de la
agricultura, pero se aportaran mejoras sensibles a la cría de ganado.
Algunas haciendas de Puno e Cuzco, pero sobre todo algunos inmensos
dominios del centro […].pueden dar cuenta de rendimientos muy honorables
en materia de lana y carne. […] Al mismo tiempo, y dejando de lado
algunas grandes explotaciones que disponen de medios considerables, y
excepción hecha de la más elevadas altitudes donde la población indígena
está diseminada, se combinaron la resistencia de los hombres y la natureza
al progreso, a la tecnificación, y los latifundistas del interior, sobre todo en
la región Sur, sólo alcanzaron un nivel muy bajo de productividad
(BOURRICAUD, 1989, p. 48-49).

Em relação à Costa, ele expôs:

En contraste con la Sierra, los valles de la costa abrigan una agricultura


eficaz y bien dirigida. Los rendimientos de las grandes plantaciones de
azúcar y de algodón colocan al Perú entre los principales países
productores. La agricultura de la costa está mecanizada y dispone de
abundantes herramientas. Consumen en grandes cantidades abonos y
productos anti criptogámicos. Emplea una mano de obra asalariada, de la
que una parte desciende de la sierra para la cosecha y otra está constituida
por antiguos serranos ya instalados en la costa y en vías de contraer allí
nuevos hábitos, de aprender nuevos estilo y una nueva “cultura”. Esta mano
de obra cuenta con sus sindicatos, recorre a la huelga, obtiene salarios
crecientes; ya ha ingresado en el sector de la economía monetaria. Además,
la agricultura costera se ha vuelto hacia exportación. Véndese al exterior
más de 60% del azúcar. En cuanto el algodón, una vez satisfecha la
demanda de la industria textil nacional, poco más o menos de la mitad de la
cosecha queda disponible para las ventas en el extranjero. [...] Frente a los
latifundios, arcaicos y, sobre todo, improductivos de la sierra, la agricultura
de la costa puede pasar por ser el sector dinámico por excelencia
(BOURRICAUD, 1989, p. 49).

Antes de comentarmos as citações, convém acrescentar o diagnóstico de Julio Cotler e


de Felipe Portococarrero referente ao desenvolvimento humano em dadas regiões naquele
mesmo período: a costa detinha 47% da população nacional, 79% da população alfabetizada,
69% da população urbana, 69% da população eleitoral, 61% do ingresso nacional e um
ingresso per capita de 123%; enquanto a serra apresentava 46% da população nacional, 41%
22

da população alfabetizada, 26% da população urbana, 26% da população eleitoral, 35% do


ingresso nacional e 71% do ingresso per capita (COTLER; PORTOCOCARRERO, 1976, p.
267).
Como já anunciamos, essas informações parecem confirmar a existência de áreas
opostas em termos de modernização capitalista e desenvolvimento humano. Mas é importante
realçar alguns aspectos antes de prosseguirmos. Primeiro, embora as características da Costa
sejam relevantes, são as da região serrana que mais nos interessam. Segundo, essa polarização
representada por ambos os autores é fruto de uma visão essencialmente panorâmica, que se
serve de generalizações típicas de uma instrumentalização metodológica, e que para os
objetivos deste trabalho mais vale seu valor heurístico. Porque é evidente que, se olharmos
um pouco mais de perto, as exceções saltarão aos nossos olhos. Assim, embora fosse evidente
que a região serrana estivesse marcada por características pré-modernas, em meados do século
XX, já era possível notar, ao mesmo tempo, algumas transformações. Transformações que
foram, como pretendemos demonstrar ao longo do capítulo, fundamentais para Hugo Blanco
desencadear suas ações.
De qualquer maneira, a permanência de características pré-modernas e os diversos
arcaísmos da serra, em meados dos anos 50, por diversas razões, eram um fato e passaram a
provocar inquietações cada vez mais intensas nos diversos grupos sociais que compunham a
sociedade peruana. Dentre eles os intelectuais. Diversos estudiosos desse período, embora
estivessem longe de serem os pioneiros na tentativa de compreender e interpretar o Peru,
passaram a investigar o país tendo essas mesmas intenções. O objetivo era compreender os
motivos pelos quais o Peru expressava realidades tão contraditórias e desiguais. Essa foi uma
das intenções, por exemplo, do IEP (Instituto de Estudos Peruanos), fundado em 19643, e que
publicou o resultado dos seus primeiros estudos em uma coleção que, não por acaso, apareceu
intitulada pelo sugestivo nome Peru Problema.
A produção intelectual do Instituto é mencionada aqui não exatamente pela
legitimidade e autoridade que os estudos do Instituto possuem no meio intelectual peruano.
Mas, principalmente, porque a acolhida positiva da primeira publicação pertencente à coleção

3
Dentre os objetivos do IEP, o que se pode notar é que seus intelectuais acreditavam que, valendo-se do
passado, de um modelo teórico adequado para abordá-lo e se levassem em consideração as várias dimensões
dessa sociedade articulando-as, poderiam descrever o processo histórico do Peru e, assim, explicar os problemas
do país. Nesta perspectiva, assim expôs um dos mais prestigiosos autores do Instituto, o intelectual José Matos
Mar: Entender el Perú, diagnosticarlo, significa ante todo comprender su historia. Explicar la historia del Perú
significa, a su vez, concebir un modelo teórico en el que las diversas configuraciones sociales acorridas en su
largo proceso evolutivo se ofrezcan racionalmente concatenadas e interpretadas (MATOS MAR, 1983, p. 19).
23

Peru Problema, que, na ocasião, 1968, foi eleito pela imprensa como el libro del año,
corroborava para reforçar a ideia de que existia um consenso: o Peru era um celeiro de
problemas. Sendo um deles a permanência do desenvolvimento desigual que citamos.
Ao mesmo tempo, tais considerações demonstram que fica difícil menosprezar o
alcance que os intelectuais latino-americanos são capazes de cultivar no interior de suas
sociedades, por conta do papel de destaque que eles ocupam dentro das mesmas (ver
HOFMEISTER, 2004, p. 8). Nesse sentido, é válida a interpretação que veja relação entre o
título do livro e as críticas contidas em suas páginas e estrutura social e agrária peruana, bem
como a relação entre o golpe militar que ocorreu no país no mesmo ano, 1968. De certa
maneira, as principais bandeiras do regime erigido pelo General Velasco Alvarado como a
questão da terra, a reforma agrária e o camponês eram centrais naquelas análises (cf.
PINHEIRO, 2013, p. 59-60).
De qualquer forma, se é importante reconhecer as mencionadas características
estruturais da sociedade peruana, em relação à costa e à serra, ainda na década de 60,bem
como a existência, no período em questão, de um debate intelectual a respeito da referida
estrutura, é porque ambas convergem na direção de Hugo Blanco. Este, como se sabe, atuou
na serra, precisamente no vale de La Convención, no departamento de Cuzco, onde se deparou
com diversos elementos pré-modernos, que cerceavam a vida social e política dos
camponeses. Elementos estes, aliás, que apareceram mais tarde em seu trabalho intelectual.
Além disso, é importante que se diga que o referido debate foi aprofundado especialmente
após as ações de Hugo Blanco, pois chamou a atenção da sociedade e dos intelectuais para os
problemas que acometiam, na sua maioria, o mundo rural da região serrana.
Assim sendo, chamou nossa atenção, ao mesmo tempo, o fato de muitos estudiosos,
em diferentes momentos, compararem a estrutura agrária da serra peruana e o modo de vida
que se levava nessas regiões ao feudalismo europeu. É bem verdade que a referência possa ser
passível de crítica, no entanto não eram simbolicamente equivocadas. Isto foi o caso, por
exemplo, de José Carlos Mariátegui (2007), Victor Villanueva (1967), Eric Hobsbawm (1969)
e Manuel Burga e Alberto Flores Galindo (1994; 1997c). Em nossa concepção, essa
abordagem é a constatação, mais uma vez, de que nesta região vários tipos de arcaísmos ainda
regiam a vida, a economia e a política da população ali localizada.
Agora, como não é possível enveredarmos por todos os elementos que compõem a
estrutura agrária do país, suas características pré-modernas e seus arcaísmos, nos ateremos
àqueles que possuem importância direta para o nosso trabalho. Nesse percurso, para sermos
mais exatos, abordaremos fenômenos da parte que ficou conhecida como “mancha índia”, que
24

compreende os departamentos da Região Andina Central e Sul do Peru, estendendo-se até


algumas regiões do altiplano boliviano. Vejamos.

1.1. As haciendas no Peru

As haciendas estão diretamente ligadas às formas de apropriação da terra que foram


introduzidas no Peru ao longo dos séculos que seguiram a conquista espanhola. Hugo Blanco
apresentou conclusão semelhante, pois afirmou que hacienda “é o latifúndio importado pela
conquista espanhola” (BLANCO, 1979, p. 41). Nesse sentido, suas origens remontam ao
século XVI e estiveram vinculadas ao desenrolar dos processos de ocupação e exploração das
terras e aos problemas envolvendo a mão de obra e a progressiva relevância da agricultura,
após o declínio da exploração de metais preciosos ao final do referido século. No entanto,
foram nos séculos seguintes que as haciendas se espalharam e se consolidaram, o que deu
origem ao que ficou conhecido como sistema de haciendas (KEITH, 1976, p. 57).
Dentre as principais marcas desse sistema, estava o caráter privado (BURGA;
FLORES GALINDO, 1997, p. 167) e extensivo de apropriação das terras (MATOS MAR;
FUENZALIDA, 1976), cujo resultado foi uma intensa concentração de áreas. Aliás, se existiu
algo que a colonização espanhola legou ao Peru foi justamente essa concentração: da colônia
à República, a paisagem rural do país conviveu com essa característica4. Mas não é a mera
concentração nem porque esse dado imperava justamente onde aconteceu o movimento
camponês liderado por Hugo Blanco, na década de 1960 (FIORAVANT, 1974), que resume a
relevância da hacienda para o nosso trabalho. Na verdade, a questão é que ela guardava no
seu interior importantes particularidades, especialmente naquelas localizadas na região
serrana, e, para alguns estudiosos, nela estariam as razões que frenavam a modernização e o
fim da marginalização da população indígena e camponesa do Peru.
No entanto, mais adiante, o leitor terá a oportunidade de perceber também que tal
sistema e as instituições sociais e políticas que giravam em torno dessa última não guardavam
mais todo o seu vigor em meados da década de 1960. Isto é, o sistema de hacienda ainda era
uma realidade, mas encontrava-se fragilizado, pois, além de sua constante ineficiência
produtiva, passou a ser questionado pelos seus inimigos tradicionais e pelos novos grupos que

4
Eis os dados a respeito da concentração de terras no Peru na década de 1960: “Región de la costa. – Sobre
761,000 hectáreas de tierra de cultivo: 10% de propietarios poseen el 89% del área agrícola; 90% de poseen el
11% del área agrícola. Región de la sierra. – Sobre 9’039,000 hectáreas de cultivo y pastos naturales: 3% de
propietarios poseen el 83% del área agrícola; 97% de propietarios poseen el 17% del área agrícola”
(VILLANUEVA, 1967, p. 15).
25

emergiram no Peru dentro de um contexto de modernização social e econômica,


especialmente ao longo do século XX. Ou seja, além das comunidades indígenas, que muitas
vezes circundavam tais áreas, e daqueles que integravam o interior das haciendas, os quais
Henri Favre chamou de “gentes de haciendas” (1976, p. 127), tal sistema passou a ser
questionado pelos novos grupos.
De qualquer forma, antes de avançarmos, é necessário definirmos estas propriedades
características da região sul do Peru, cujo nome também pode ser haciendas tradicionais. Para
tanto recorreremos à definição estabelecida pelo próprio Favre:

Más que por la superficie sobre la que se extiende, la hacienda se


caracteriza en efecto, por un sistema determinado de producción y de
relaciones sociales que juegan en su interior. […] llamaremos “hacienda” a
toda propiedad individual de tierras, cualquiera sea su extensión, sobre la
que vive una población estable, directa e individualmente ligada al
propietario o a su representante por una serie de obligaciones personales,
tanto materiales como simbólicas, que la mantienen en estado de
servidumbre, admitida o disimulada, o por lo menos en una situación
primitiva de dominación y de dependencia (FAVRE, 1976, pp. 105-106).

Em resumo, além de demonstrar quais são as particularidades das haciendas


tradicionais, a citação acima revela a um só tempo qual é a base que a sustenta: arcaísmos
econômicos, sociais e políticos. Esse conjunto era evidenciado, obviamente, pela baixa
produção, irrisório desenvolvimento técnico, mão de obra servil e, fundamentalmente, através
do tipo de relação que se dava entre os donos dessas haciendas e aqueles que estavam
envolvidos ou submetidos ao seu domínio ou às suas influências de poder, como as “gentes de
hacienda”. Porém não é este o momento para analisar tais grupos e a relação entre ambos; o
mais importante agora é deixar claro que o sistema de haciendas na região sul do Peru estava
aquém das características modernas, como pode ser confirmado pela afirmação a seguir de
José Matos Mar (1980)

No obstante esa diversidad, en términos generales, además de su


significación económica, la hacienda era un símbolo de poder, asociado a
un particular estilo de dominación social y política. Al respecto, cabe
destacar que por no representar únicamente una forma de organización
productiva, sino también un patrón de establecimiento humano, la hacienda
conllevaba un conjunto de relaciones sociales que combinando
autoritarismo con paternalismo, siempre respondían a una misma situación:
el dominio de un patrón sobre la totalidad de sus dependientes, fueran o no
sus trabajadores. De modo tal que la hacienda resultaba un mundo
relativamente cerrado sujeto al control del hacendado (MATOS MAR,
1980, p. 25).
26

Estabelecidas, nesse sentido, a origem, a permanência, a definição, bem como algumas


das razões que explicam porque ela é relevante para nosso trabalho, cabe agora adentramos
num tema que, embora possua nomes diferentes, praticamente se confundem com a hacienda:
o gamonal e o gamonalismo. Com tais conceitos, queremos chamar a atenção para mais
alguns dos aspectos da realidade que compunham o Peru profundo, inclusive uma realidade
que fazia parte do vale de La Convención. Não obstante, a problematização desses dois
conceitos abre importantes portas para uma análise que intenciona perceber as relações
envolvendo hacienda, hacendados e a “gente de hacienda”. Caminho esse interessante
também, porque, no Peru, essa relação dialogava com o delicado problema indígena
(historicamente marginalizado), com o desenvolvimento do capitalismo do país, com a
construção de um Estado centralizado e a própria ideia de nação.

1.2. O gamonal e o gamonalismo

Em relação ao gamonal e ao gamonalismo, inicialmente há que ser salientado que o


primeiro diz respeito a um indivíduo e o segundo a um sistema. Em segundo lugar, que os
dois são característicos do sul da região serrana (BURGA; FLORES GALINDO, 1994).
Ambos os fenômenos, no entanto, são mais bem compreendidos se forem contextualizados;
sendo assim, o gamonal e o gamonalismo se desenvolveram principalmente após a
proclamação da independência, em 1821, tendo seu apogeu entre o final do século XIX e as
primeiras décadas do século XX (CABALLERO, 1981, p. 240). Nesse sentido, eles
conversam, ainda, com uma outra característica relevante do período republicano, a saber, a
fragilidade do poder central, que foi bastante evidente até 1920. Com isso, queremos dizer que
o gamonal e o gamonalismo são frutos do vácuo de poder deixado pelo Estado peruano, cujo
resultado foi o surgimento de poderes locais. Este poder, por sua vez, não deve ser
compreendido desvinculado do domínio de haciendas.
Sobre os gamonales (ou gamonais), convém destacarmos que seus indivíduos formam
um grupo social pouco coeso e bastante heterogêneo, uma vez que existia uma rivalidade
constante entre eles, porque cada um deles refletia as particularidades econômicas, sociais e
culturais das diferentes regiões que compunham a parte sul da serra (BURGA; FLORES
GALINDO, 1994). Há, contudo, alguns denominadores comuns para este grupo: todos eles,
por exemplo, são proprietários daquelas haciendas ditas tradicionais e costumam conservar e
praticar algumas atitudes semelhantes em relação à maneira como exploram economicamente
suas terras e como mantém a “gente de hacienda” sob sua influência e controle.
27

O gamonalismo, por sua vez,foi objeto de análise de muitos intelectuais, sendo um dos
mais famosos o intelectual José Carlos Mariátegui. Para este autor, que escreveu no início do
século XX, o gamonalismo e haciendas (tradicionais) estavam entrelaçados. Essa estreita
ligação era a prova de muitas coisas, dentre elas, que o Peru não havia conseguido avançar ou
consolidar a nação liberal que o advento da República de 1821 previa. Conforme entendia,
hacienda e gamonalismo, ao caminharem juntos, promoviam a formação de poderes locais, os
quais fatalmente minavam qualquer intento de universalidade da lei imaginado pelo projeto
liberal, uma vez que as fronteiras da hacienda possuíam regras próprias, por meio do recurso
da força. Indo um pouco mais além, isso que expomos é um dado destacável porque, quando o
gamonalismo e a hacienda inviabilizavam o projeto iniciado em 1821, isso queria dizer,
igualmente, que o Estado peruano mantinha uma enorme população desassistida, assim como
impedida a formação de uma cultura de participação democrática nos moldes imaginados
pelos regimes republicanos do século XIX. E o que mais nos chamou a atenção, ainda, é que
essa população era justamente a indígena, aquela que simplesmente compunha quatro quintos
da população total. Diante disso, ainda segundo Mariátegui, o gamonalismo era mais uma
razão que justificava até mesmo a afirmação de que o Peru era uma nação inconclusa.
Mariátegui, contudo, não percebeu no gamonalismo apenas um dado importante para
comprovar a falência do projeto liberal e a manutenção da exclusão da população indígena,
ele percebeu por esse fenômeno as razões de sua própria reprodução, por conseguinte, a
permanência daquela falência. Pois, o gamonalismo expressava não apenas um poder
econômico (hacienda), mas o alcance do poder político que os donos das haciendas
estabeleceram no Peru5. Isso quer dizer que uma fatia considerável do Estado e de suas
instituições esteve sujeita à influência direta ou indireta daqueles, fossem eles da costa ou da
serra, o que, certamente, contribuiu para que muitos interesses desse grupo pudessem ser
atendidos ao longo do tempo, como a manutenção de poderes locais. Não obstante, esse
quadro era possível em função da rede de pessoas (funcionários públicos ou grupos sociais de
uma forma geral) que os hacendados articulavam, mobilizavam e controlavam. Acerca do
tema, Mariátegui afirmou:

5
El factor central del fenómeno es la hegemonía de la gran propiedad semifeudal en la política y el mecanismo
del Estado. Este es un fenómeno definitivamente republicano y criollo y de ninguna manera colonial, ni español.
En la Colonia, los grandes propietarios de la tierra eran españoles y criollos, pero por la naturaleza del estado
colonial los terratenientes gozaban principalmente de pode económico y prestigio social, no así de poder y
gobierno políticos. Con el advenimiento de la República se produce el secuestro de las propiedades religiosas y
fortalecimiento del poder terrateniente de los criollos. Además, desaparecida la administración colonial, los
propietarios de la tierra acceden al poder político y al gobierno militar de las regiones (GALINDO, 1994, p.
169).
28

El término ‘gamonalismo’ no designa sólo una categoría social y


económica: la de los latifundistas o grandes propietarios agrarios. Designa
todo un fenómeno. El gamonalismo no está representado sólo por los
gamonales propiamente dichos. Comprende una larga jerarquía de
funcionarios, intermediarios, agentes, parásitos, etc. (…) El factor central
del fenómeno es la hegemonía de la gran propiedad semifeudal en la
política y el mecanismo del Estado(MARIÁTEGUI, 2007, p. 28)

Nesse sentido, tendo em vista o que afirmamos até este momento, um dos pontos que
devemos chegar é o alcance do conceito em questão para se compreender os elementos que
compõem a estrutura agrária da serra peruana. O outro ponto, e mais importante, é que o
gamonalismo ainda persistia no Peru em meados do século XX. Sobre isso, o autor Fioravanti
(1974, p. 57-58), por exemplo, demonstrou, através de sua pesquisa, o alcance desse
fenômeno justamente no vale em que Hugo Blanco atuou. E o interessante, por sua vez, é que
o próprio Blanco parecia reconhecer o fenômeno do gamonalismo, pois os localizamos em
seus escritos, apesar da edição brasileira se referir ao tema em questão através do termo
caciquismo, como é possível observar nesta passagem: “o caciquismo de La Convención e
Lares levou a estes vales as relações de produção e o sistema de exploração serrano”
(BLANCO, 1979, p. 44)
No capítulo em que discutimos as ideias de Hugo Blanco, por exemplo, demonstramos
como o gamonalismo, elemento característico da serra peruana, e que prosperou no vale de La
Convención,foi fundamental para Blanco desempenhar sua característica de intelectual, pois
foi a partir deste fenômeno que ele sustentou a aplicação daquilo que Leon Trotsky chamava
poder dual à realidade peruana. Neste particular, consideramos que, de certa forma, Blanco
procurou “peruanizar” o trotskismo.

1.3. Os Camponeses

Existe, ainda, outro tema que exige nossa atenção e que está diretamente relacionado
com tudo o que foi dito até agora: os camponeses. Estes são, aliás, os personagens que muito
nos interessa, afinal, foram estes que Hugo Blanco liderou no vale de La Convención, na
década de 1960. Contudo, é necessário realizar algumas breves advertências sobre o grupo em
questão e sobre os movimentos que estes desencadearam ao longo de sua história peruana.
Etnicamente falando, a maior parte da população peruana é composta pela população
indígena, e a grande maioria desta está localizada na região serrana. Porém, ainda que
29

etnicamente possam ser assim classificados, por conta de toda uma peculiaridade histórica que
vincula as lutas desses grupos aos movimentos sociais, em um processo de auto
reconhecimento, nós os trataremos como camponeses, até porque, como afirmava José Carlos
Mariátegui “La raza indígena es una raza de agricultores” (MARIÁTEGUI, 2007, p. 42).
Além disso, para o nosso trabalho, existe um tipo de camponês que nos é mais
interessante, são aqueles que estavam fixados no interior das haciendas, chamados também de
“gente de hacienda” ou de colonos. Por fim, tais informações são importantes porque
revelam um outro dado sobre os movimentos campesinos peruanos, a saber, que o
protagonismo, nesse período, havia sido transferido das comunidades para os colonos, por
conseguinte, para o interior das haciendas (BURGA; FLORES GALINDO, 1997c).
Os camponeses integravam a estrutura agrária da serra peruana. No sul, tendo em vista
o que foi dito até este momento, a maioria deles estava sujeita à vida oferecida pelas
haciendas tradicionais, ou seja, eles estavam submetidos às expressões arcaicas dessa
instituição.Neste,em particular, era muito comum a concessão de terras aos camponeses em
troca de trabalhos a serem realizados nas terras do gamonal. Acerca do assunto, assim
escreveu Hugo Blanco, na obra Terra ou Morte:

O hacendado dá uma parcela ao camponês para que este trabalhe em


benefício próprio. Como pagamento (...) o camponês, colono, “índio de
hacienda”, é obrigado a trabalhar nas culturas do hacendado. Esta relação do
tipo feudal se complementa com outras obrigações do camponês: trabalho
gratuito nas construções, caminhos (faenas), transporte dos produtos,
trabalho doméstico em casa do patrão (pongo), etc. Muitas destas obrigações
incluem a família do camponês (BLANCO, 1979, p. 42)

Acontece que as manifestações desse arcaísmo eram resultado de diversos


condicionamentos, garantidos por fatores que iam da condição estrutural da região à maneira
como os gamonais expressavam seu poder sobre os camponeses. Quem comentou sobre o
resultado desse desenho sobre a vida dos camponeses foi o sociólogo Julio Cotler (1969), cuja
conclusão foi a elaboração de um modelo esquemático bastante conhecido: o triângulo sem
base, como mais abaixo explicamos.
Antes, contudo, comentaremos sobre os traços que formavam o referido desenho. Para
Cotler (1983), estes eram alguns dos principais condicionamentos: o monopólio da terra; a
baixa urbanização da região; a pouca diversificação sócio-ocupacional, uma vez que a grande
maioria da população economicamente ativa se dedicava às atividades agropecuárias; o baixo
30

desenvolvimento tecnológico; o isolamento geográfico da população camponesa; e o alto


índice de analfabetismo, que neste caso significa o desconhecimento da língua castelhana.
Tais elementos limitavam o horizonte de possibilidades dos camponeses, fazendo com
que a grande maioria desses continuassem vinculados à sua região, adequando-se às
oportunidades que ali eram oferecidas, bem como as propostas de trabalho, no regime de
colonato, que, em última instância, não significava outra coisa que a sujeição ao trabalho
servil no interior de alguma haciendae de algum gamonal, à semelhança de como Hugo
Blanco descreveu logo acima, como é possível identificar na seguinte afirmação de Julio
Cotler:

Este sistema supone que el propietario mestizo ofrece en usufructo


indefinido una parcela de tierra o de pastizales al trabajador indígena a
condición de que éste le retribuya con ciertas “obligaciones”. La
retribución que debe prestar el indígena es variada: trabajar gratuitamente
la tierras de la hacienda durante un número de días a la semana, pastear los
animales de la misma, prestar servicios domésticos en la casa-hacienda o en
la residencia urbana del propietario, venderle a éste, y al precio que
establece, los excedentes que pueda lograr el colono-indígena, etc.
(COTLER, 1983,p 175).

Esses condicionamentos, ao mesmo tempo, colocavam o gamonal numa situação


privilegiada, que, ao fim e ao cabo, era reconhecida inclusive pela população camponesa.
Ainda segundo Cotler (1983), essa posição desfrutada por parte dos gamonais era possível
porque estes controlavam os recursos-chave da região: a terra e a educação. Tais controles
lhes forneciam autoridade, as principais fontes de capitalização e, fundamentalmente, a
capacidade de serem intermediários, também comerciais, entre as instituições estatais e a
população camponesa, uma vez que, para tanto, previa-se o conhecimento da língua
castelhana. Por fim, como resultado dessas condições estruturais, da posição do gamonal nela
e do reconhecimento dos camponeses frente àquele, emanavam e se sobressaiam as relações
pessoais entre esses dois, que, se por um lado minavam a articulação dos camponeses entre si,
por outro, elevavam-se os laços que animavam a dependência e a conivência destes com os
gamonais. Neste ponto, devemos recordar a importância do paternalismo6.
Em resumo, se mantivermos um pouco mais de atenção sobre o tema em questão, tudo
isso que expressamos segue o modelo esquemático desenvolvido por Julio Cotler (1969) e

6
Assim afirmaram Manuel Burga e Flores Galindo acerca do tema: “el paternalismo era una de las actitudes que
legitimaba la explotatión del gamonal. Aparecía confundido con un despotismo despiadado. (…) El trato con
sus colonos oscilaba entre la ternura y la violencia. Se sentían padres de sus indios, los podían amar y castigar
(1994, p. 165).
31

denominado como “triângulo sem base”. O modelo de Cotler tem esse nome, pois os
integrantes que compõe a suposta base dessa pirâmide encontram-se desarticulados e
fragmentados, não estabelecendo relações horizontais entre si. São, portanto, uma população
que não consegue se converter em uma classe social, deixando o modelo analítico desprovido
de um alicerce (conforme observamos na figura abaixo). Ao mesmo tempo, os integrantes da
base estão diretamente ligados à elite, através de mecanismos que convergem para cima, mas
sem que isso resulte em vínculos com seus pares. De baixo para cima existe uma poderosa
amarração, de cunho personalista e que contribui ainda mais para o isolamento entre os
membros da “base”. Neste sentido, o que estrutura esta pirâmide, ou seja, o que faz dela um
modelo que se sustenta, é o patriarcalismo. Tais relações estabelecidas entre a população
fragmentada e as elites coesas representam as laterais do triângulo. Neste processo, os
gamonais desempenham um papel decisivo, pois são aqueles responsáveis por articular os
polos do modelo.

Fonte: http://perueconomico.com/ediciones/69/articulos/1253

Por fim, cabe agora problematizar como toda essa estrutura agrária, principalmente
esta última parte, que tratou da relação entre gamonais e camponeses, se entrelaça com a
trajetória de Hugo Blanco. De uma maneira geral, identificamos que os elementos aqui
tratados também apareceram de alguma maneira no trabalho intelectual de Blanco, mas
apareceram carregados de reprovação. Assim, notamos que Hugo Blanco foi um sujeito em
constante desacordo com as condições a que eram submetidas os camponeses. Nesse sentido,
sua ação revolucionária e intelectual nunca deixou de atacar e reivindicar o fim dessa
estrutura que mencionamos. Em La Convención, por exemplo, enquanto esteve junto aos
32

camponeses, Hugo Blanco orquestrou, com estes últimos, diversas investidas contra as
haciendas e o gamonalismo, por exemplo.
Mas este posicionamento, obviamente, não era proveniente apenas de seu vínculo com
o socialismo que, no seu cerne e na sua vertente revolucionária, como o trotskismo, prevê
imediatamente o fim dessas estruturas arcaicas no campo, isto é, a Revolução Agrária7. Ou
seja, há outros fatores além deste que queremos chamar a atenção neste momento. Desta
forma, aquele posicionamento, na verdade, era em razão também de suas concepções em
favor dos indígenas peruanos, por conseguinte, em razão de seu indigenismo, incorporados
durante a sua primeira infância e pela literatura indigenista, que foi lida por Blanco durante
sua juventude (VILLANUEVA, 1967). E, apesar de retomarmos e ampliarmos a questão do
indigenismo em outro momento, convém adiantar desde já que esta literatura tinha a
particularidade de chamar bastante atenção para o mundo rural, principalmente, para as
formas de interação entre gamonais e camponeses (BOURRICAUD, 1989, p. 48).
Assim, tendo, em grande medida, o referido mundo como pano de fundo, essa
literatura, desde o final do século XIX, tornou-se uma valiosa testemunha e divulgadora, no
interior da sociedade peruana, sobre importantes elementos que faziam parte da estrutura
agrária serrana, como as haciendas tradicionais e os elementos que giravam em torno dela.
Além disso, de maneira poética, chamava atenção para as relações humanas que nasceram
dentro dessa estrutura. Um breve olhar sobre algumas obras, como fez Bourricaud em relação
ao livro El mundo es ancho y ajeno de Ciro Alegria e Yawar Fiesta de José María Arguedas, é
o suficiente para compreender que o que prevalece nessa literatura é um universo de relações
desiguaise de conflito entre gamonais e os camponeses.
Com isso, ainda que estivesse na essência do trotskismo a revolução agrária,
consideramos que é significativo o vínculo entre indigenismo e Hugo Blanco para
compreendermos as origens da ação intelectual e revolucionária do mesmo, especialmente a
defesa apaixonada dos índios camponeses e o ataque também apaixonado à mencionada
estrutura agrária. Afinal, em uma carta a um dos maiores novelistas peruanos, José Maria
Arguedas, em 1969, Hugo Blanco não apenas exaltou grandes nomes da literatura indigenista,
como os responsabilizou por alimentar o mencionado sentimento de amor e ódio, após o
fazerem perceber, na sua visão, as injustiças a que eram submetidos os camponeses peruanos:

7
A Revolução Agrária que integra o pensamento trotskista prevê o ataque às estruturas arcaicas/feudais que
predominam no campo. No entanto, ela não significa uma coletivização forçada e imediata das terras. Na
verdade, essa Revolução supõe o fim do regime de servidão, o parcelamento das terras entre os camponeses e
incentivos a favor do desenvolvimento produtivo dessas terras. Tal, noção, por exemplo, apareceu no livro
Programa de Transição (p. 41-42, 1978), escrito por Leon Trotsky. Ao mesmo tempo, no Trotskismo, a
Revolução Agrária é observada como uma etapa fundamental dentro do processo revolucionário.
33

“por eso (...) mucho respeto a esos señores: Clorinda Matto, Ciro Alegría, Jorge Icaza,
Enrique López Albújar. Esos señores pusieron la semilla en mi corazón cuando sólo era un
muchacho, ellos también ayudaron para que mi sangre hirviera, me hicieron ver lo que no
veía” (BLANCO, 2009, p.9)8.

1.4. Alterações sobre as estruturas da região serrana

No início desse capítulo, nos valemos das afirmações de François Bourricaud, de Julio
Cotler e Felipe Portocarrero para chamarmos a atenção para os arcaísmos que ainda existiam
na serra em meados do século XX. No entanto, não devemos encará-los como fenômenos que
guardavam toda sua força e coesão. De certa maneira, neste mesmo período, verificou-se que
tais estruturas começavam a perder seu vigor por conta de transformações sociais e
econômicas no Peru e que finalmente começavam a refletir no campo. Em outras palavras, o
famoso triângulo sem base de Julio Cotler encontrava-se fragilizado. Como consequência,
podemos citar, inclusive, o movimento camponês de Hugo Blanco, pois tanto emergiu como
se espalhou para outras regiões se alimentando de tais desgastes.
Esse novo panorama vivido pelo Peru, por sua vez, se deu por conta de uma conexão
mais orgânica entre as regiões que integravam à sociedade global, que, há tempos, mas
principalmente nesse período (anos cinquenta), passava por intensas transformações
modernizantes. Contribuíram, ainda, reformas na estrutura de educação, saúde e na área de
medicamentos que proporcionaram um aumento da natalidade infantil, provocando um
crescimento populacional. Ao mesmo tempo, a incorporação de tecnologia no setor da
produção permitiu reconfigurações nas formas de trabalho tradicionais. Como afirmou Hugo
Neira (1968, p. 49) “El impacto modernizante penetrará profundamente en el área de sombra
sureña”. Vejamos essa questão com mais calma.
As importantes transformações que atingiam o Peru, bem como suas principais
consequências, podem ser expressas pela seguinte afirmação de Alberto Andriazén (1990, p.
15): “1950, para muchos peruanos, es un año casi mágico. Es el inicio de lo que muchos
sociólogos y cientistas políticos han llamado la nueva industrialización, modernización y
urbanización”. Estas foram responsáveis por mudarem, senão completamente o desenho, a
maior parte das cores e dos traços que desenhavam a sociedade peruana. Se seguirmos alguns
8
BLANCO, H. Cartas entre José Maria Arguedas e Hugo Blanco. Lucha Indígena Lima, 22 de maio de 2009.
Disponível em: http://www.luchaindigena.com/wp-content/uploads/2009/06/Cartas-entre-Jos%C3%A9-
Mar%C3%ADa-Arguedas-y-Hugo-Blanco.pdf. Acesso em: 20/02/2017.
34

autores, como Wilfredo Kapsoli (1982), Pedro Gibaja Vargas Prada (1983), Julio Cotler
(2006), Giorgio Alberti (1976), dentre outros, o novo momento que o país vivia foi seguido
por novidades no interior dos grupos que até então haviam tido maior protagonismo na
condução da política do país, dando espaço para a ascensão de outros mais próximos dessas
transformações, cuja consequência foi privilegiar áreas e grupos que não estivessem restritos
aos setores primários da produção.
Assim sendo, e tendo em vista a afirmação de Andriazén (1990), profundas alterações
acometeram a economia nacional, pois o país deixava de ser predominantemente agrário; o
protagonismo, para sermos mais exato, passou a ser evidenciado na economia de tipo urbano.
Entre 1950 e 1963, a participação da agricultura para a conformação da riqueza nacional
baixou de 35% para 20%. Seguindo essa linha, a força de trabalho, entre 1950 e 1970,
diminuiu a porcentagem da população ativa no campo, enquanto a de tipo urbano deu
importantes saltos positivos (COTLER, 2006, p. 232-233).
Como a agricultura perdia espaço, os grupos atrelados a ela diminuíram sua
participação na vida nacional, tanto no nível econômico como no nível político, cedendo, por
conseguinte, espaço para que setores urbanos se fortalecessem. De todo modo, a partir dessa
nova onda de transformações capitalistas, a pressão imediata recaiu em maior medida sobre as
haciendas ditas tradicionais. Uma das principais razões desse processo estava na baixa renda
per capita que essa agricultura rendia ao Peru: em 1960 ela gerava um valor de 23% abaixo
da média de outros 51 países de população semelhante (COTLER, 2006, p. 235). Outro fator
girou em torno da incapacidade dessa agricultura de suprir com alimentos uma população que
não parava de crescer em números, o que levou os governantes a recorrerem à importação de
alimentos. Acerca do assunto, Flores Galindo e Manuel Burga escreveram: “la mayoría de las
haciendas persistían en ser tradicionales, rutinarias, mientras la demanda interna, sobre todo
de productos alimenticios, había aumentado. Inicialmente esta demanda fue cubierta (…)
recorriendo a las importaciones de alimentos” (BURGA; GALINDO, 1997c, p. 210).
Neste quadro de modernização, podemos perceber que esta provocou na sociedade
peruana uma melhoria na qualidade de vida de maneira generalizada. Com mais acesso a
hospitais e medicamentos, a população passou a crescer. Este fato que poderia ser
comemorado, no entanto, provocou um desmoronamento da estrutura gamonal no sul andino,
uma vez que o crescimento populacional gerou também um exército de mão de obra que não
conseguia ser incorporado pelas haciendas tradicionais, que, ao seu passo, não tinham
capacidade para produzir alimentos suficientes para toda essa gente que se agigantava ao seu
redor. As insatisfações aumentaram e a radicalização passou a ser uma opção contra um
35

sistema que, além de autoritário, agora já não conseguia gerar sustento aos camponeses
atrelados a ele.
Diante disso, a solução para muitos camponeses que viviam nessas regiões foi a de
deixar suas famílias e migrar para outros lugares do país onde poderiam ganhar dinheiro. A
partir dos anos 40, a população serrana partiu em direção à costa. População essa que se
colocou em movimento devido, em grande medida, aos seus referidos problemas internos,
como a falta de terra e o aumento demográfico, mas principalmente pelas atrações que o
desenvolvimento urbano-industrial oferecia àquela população, com destaque para o consumo,
a educação e oportunidades de emprego.
No entanto, dada sua magnitude e também ao caráter dependente do
desenvolvimento econômico peruano, essa mesma migração foi responsável, como defendeu
Aníbal Quijano (1978), por criar grandes bolsões de marginalização nas cidades: as
conhecidas “barriadas”. Longe de ser uma solução para os problemas de falta de emprego, a
migração representou uma transferência da pobreza para os setores urbanos, diante de um país
que, resistente à modernização, não conseguia incorporar e transformar essa massa de pessoas
em trabalhadores. O fato, em última instância, é que as ditas transformações foram
insuficientes e incapazes de incorporar toda a população que se deslocava. A título de
exemplo e para nos aproximarmos um pouco mais da dimensão dessas migrações,
observemos estes números trazidos por Julio Cotler e Felipe Portocarrero: “las 17 ciudades
mayores de 20.000 habitantes de la costa aumentaron su población en 240% (...)” (1976, p.
270). E, por fim, tais haciendas, mas principalmente ogamonalismo, tiveram sua legitimidade
questionada após os movimentos campesinos da década de 60, isto é, durante o movimento
liderado por Hugo Blanco. Sem essas transformações, talvez fosse impossível que o
empreendimento de Blanco obtivesse o sucesso que teve.
Se a modernização da economia peruana e os grupos que faziam parte desse processo,
de uma forma ou de outra, colaboraram para fragilizar a manutenção das haciendas
tradicionais da região serrana, uma vez que passaram a perceber os problemas que ela gerava,
os golpes sobre aquela advieram também de seu próprio entorno. Seu auge, certamente, foram
as revoltas camponesas dos anos 60, mas, antes delas, um conjunto de fatores deram sua
contribuição. Para as nossas preocupações, por sua vez, apenas alguns merecem maior
atenção.
Primeiramente podemos começar mencionando aquilo que Guilhermo de la Peña
(2009) chamou de “capitalização da agricultura”, que, aliás, foi bastante característico no vale
de La Convención, onde Hugo Blanco atuou. Na ocasião, a região se tornou uma grande
36

produtora de café, com vínculos com o mercado nacional e internacional, situação esta que
conduziu a um choque de interesses entre camponeses e haciendados. Os primeiros
descobriram, por iniciativa própria, as vantagens do cultivo e da venda do café, que era
realizado nas terras que lhes eram concedidas em troca de trabalho, e passaram a perceber
cada vez mais as desvantagens que a manutenção dos arcaísmos e da concentração fundiária
causavam sobre seus interesses econômicos. O resultado, mais tarde, mediante a liderança de
Hugo Blanco, foi a contestação não apenas do tipo de relação de trabalho pouco capitalista
que ligava camponeses e haciendados, mas a contestação do próprio sistema de hacienda,
uma vez que os camponeses passaram a ocupar as terras, a expulsar os gamonais e a
implementar uma reforma agrária.
Outro fenômeno importante foi a proletarização dos camponeses, dentro de algumas
haciendas, que procuraram se modernizar em resposta aos novos tempos. Isto provocou uma
maior monetarização da região. Vantagens também foram trazidas pelas construções de
estradas, em que se destacam também a chegada da linha de trem, e que possibilitaram a
intensificação de intercâmbios, especialmente comerciais, alcançando a dimensão
internacional (comércio de lã e café). A abertura de linhas férreas e rodoviárias não apenas
trouxe mais dinamicidade econômica à região, como promoveu um encurtamento na distância
entre sul andino com a capital e outros setores urbanos em desenvolvimento. Ao mesmo
tempo em que isso expandiu o horizonte de possibilidades dos camponeses, que poderiam
imaginar uma nova vida construída na cidade, também representou um maior intercâmbio de
experiências de mobilização entre os movimentos sociais e intelectuais da costa e da serra.
Isto fica claro com a adoção do modelo de sindicatos por parte dos camponeses, como
discutiremos mais adiante.
Com um olhar mais aguçado, como já dissemos, é possível considerar tais mudanças e
novidades pontos essenciais para a fragilização do poder dos gamonais, uma vez que as
relações “personalistas” entre este último e os camponeses eram incompatíveis com a
proletarização destes. Por outro lado, a abertura de novas rotas de transporte também
comprometia o gamonalismo, à medida que dava mais mobilidade aos camponeses, fato que
retirou dos gamonais a sua condição de intermediários, fosse para o comércio, fosse para o
diálogo com as instituições estatais ou com os caudilhos da região. Em relação às estradas, se
insistirmos um pouco mais nesta questão, veremos que Flores Galindo foi muito mais preciso
em sua análise do que Wilfredo Kapsoli (1982), que via na Ley de Conscripción vial, do
governo de Leguía (1919-1930), a consolidação do poder do capital estrangeiro e das
oligarquias regionais sobre a população indígena e camponesa do interior do país. Parece que,
37

ao menos nas décadas seguintes, esta equação mudou completamente de figura, sendo
responsável por fragilizar esse poder. De qualquer forma, tais fatores, apesar de fundamentais,
não encerram o assunto, porque falta mencionarmos a sindicalização agrária, isto é, a
reivindicação econômica do trabalhador dentro das normas previstas pela lei, que, em último
caso, foi outro golpe sobre as haciendas tradicionais.
A sindicalização agrária nos importa, primeiramente, porque foi um dos responsáveis
por fornecer aos sujeitos atomizados e que ocupavam a parte inferior do triângulo sem base de
Julio Cotler (1969) as relações horizontais de que eram destituídos; por conseguinte, forneceu
organização e articulação. Em segundo lugar, a sindicalização merece atenção porque foi a
organização de massa preferida de Hugo Blanco. Entre 1958 e 1963, por exemplo, Blanco
fundou dezenas de sindicatos camponeses na região onde atuou. Contudo, em seu trabalho
intelectual e revolucionário, como demonstramos especialmente no último capítulo, foi
possível identificarmos a intenção de ultrapassar os objetivos que animaram a fundação dos
primeiros sindicatos na região, uma vez que derramou sobreas novas organizações um tom
com conteúdo mais revolucionário do que, necessariamente, econômico.
No Peru, o sindicalismo não possui uma história muito antiga, desenvolveu-se durante
as primeiras décadas do século XX, especialmente na região da costa, onde a modernização
estava dando seus primeiros passos, fosse dentro da economia urbano-industrial, fosse na
produção agrícola. O mais interessante, no entanto, é que esse tipo de organização, aos
poucos, penetrou na região serrana. É verdade que estes não chegaram a ter a mesma
importância e o reconhecimento do Estado e dos principais partidos de massa do período,
como tiveram os sindicatos da costa, mas foram suficientes para organizar e dar voz aos
camponeses localizados na outra parte do país.
A presença de sindicatos significava, ainda, algumas outras mudanças que acometiam
o cerne dessa população. Dentre elas, as formas de organização e reivindicação mais próxima
da realidade urbana, que se concretizavam na própria figura do sindicato e em algumas
estratégias de luta, como a greve. Cotler e Portocarrero (1976, p. 270-271), no interior dessa
perspectiva, mencionaram a importância do aprofundamento dos contatos entre a região da
costa e da região serrana, que se davam pelos meios de comunicação de massa e pelas
migrações. Essas, ao mesmo tempo em que colocaram os camponeses mais próximos das
formas de luta que envolvia o proletariado da região da costa, não desligaram os camponeses
de suas haciendas ou de suas comunidades de origem, fazendo da manutenção desse contato o
caminho pelo qual o sindicato foi sendo incorporado pela população campesina da região da
serra. Foi esse tipo de organização, portanto, que passou a se valer os camponeses,
38

principalmente do interior das haciendas (os colonos) para alcançar seus objetivos. Acontece
que isso revelou, a um só tempo, outros pontos importantes: a mudança na forma e no
conteúdo dos movimentos camponeses, pontos estes bastante característicos após 1945, como
vamos demonstrar agora.
Com o passar do tempo, as exigências dos camponeses ganharam elementos mais
modernos, que estavam muito mais próximos daquelas transformações ligadas à capitalização
da economia campesina e do estreitamento dos contatos entre mundo urbano e rural do que
dos elementos próprios do mundo indígena. Passaram, nesse sentido, a lutar pelo
cumprimento da lei, que proibia, dentre as várias coisas, os trabalhos gratuitos e garantia
jornadas de 8 horas, bem como pela manutenção da posse da terra e pelo fim das arcaicas
relações sociais e econômicas. Segundo Eduardo Fioravanti, por exemplo, ao comentar sobre
os sindicatos localizados na região onde tivemos a atuação de Hugo Blanco, “el movimiento
sindical de La Convención y Lares es la respuesta adecuada del campesinado para eliminar
los frenos al desarrollo del sistema capitalista” (FIORAVANTI, 1974, p. 6).
Nesse sentido, é válida a afirmação de que as demandas dos camponeses ganharam
novos contornos, evidenciando o distanciamento e a perda do protagonismo dos elementos
característicos do mundo indígena para que os camponeses se colocassem em movimento.
Essa constatação, por sua vez, não pode ser observada como algo banal, pois demonstra uma
mudança significativa em relação ao movimento camponês de outros tempos, como ressaltou
Pedro Gibaja Vargas Prada (1983) ao comentar os movimentos campesinos entre 1945-1964.
Segundo argumentou, a mobilização e as exigências dos camponeses tinham um caráter mais
reformista, o que contrastava bastante com os anseios e como até então a população
camponesa dessas regiões havia demonstrado seus descontentamentos e exigido mudanças.
Seguindo esta análise, anteriormente a mobilização dos camponeses girava em torno de
revoltas violentas, imersas em ideologias que conversavam diretamente com perspectivas
advindas do interior da sociedade indígena. O conteúdo dessas mobilizações era, portanto,
marcado por perspectivas milenaristas, nativistas e messiânicas, fato que irá perder a força em
meados do século XX. Se observarmos o livro de Wilfredo Kapsoli Los movimientos
campesinos en el Peru 1879-1965 (1982), já mencionado aqui outras vezes, quando este
tratou dos levantes da década de 1920 e dos posteriores a 1945, é possível confirmar essa
descontinuidade pontuada por Pedro Gibaja.
Portanto, os pontos abordados até aqui são relevantes porque falam, direta ou
indiretamente, do mundo que Hugo Blanco ia encontrar ao fazer sua travessia da cidade para
o campo. Neste novo ambiente, ele se deparou com a maioria dos arcaísmos que descrevemos
39

até o momento. Porém, como já anunciamos, tratava-se de um universo também em


reconfiguração, onde o clássico triângulo sem base de Julio Cotler (1969) começava a
desmoronar, em virtude das transformações pontuadas. Ademais, desmoronava também o
poder dos gamonais, uma vez que estavam perdendo apoio de tradicionais aliados da região
costeira (KAPSOLI,1982, p.119), e tal isolamento gerou e acelerou os questionamentos de
vários grupos envolvidos no desenvolvimento urbano-industrial do Peru após 1945 e
acentuados após 1956.
Se não bastasse, a penetração de perspectivas mais capitalistas e progressistas, ou seja,
mais modernas, fruto de intercâmbios comerciais e culturais entre as regiões urbanas e rurais,
foram ainda, pelos caminhos abertos que passaram a conectar mais intensamente tais áreas,
fatores estes que se somam à referida fragilização. E, para encerrar, nos referimos à
sindicalização dos camponeses. Desta feita, a partir de agora, nos ataremos ao contexto
histórico peruano mais próximo do poder central.

1.5. Hugo Blanco, vida, e contexto histórico do Peru entre 1920 e 1970.

Em 1919, mais um capítulo era escrito na história do Peru republicano. Depois de


complicada eleição, ascendia ao poder, nas palavras de Flankin Pease, “el personaje más
relevante de la política peruana de la primera mitad del siglo XX” (1995, p. 162): Augusto
Bernardino Leguía, nascido em Lambaye, em 1863. Apresentando-se como aquele que
conduziria o Peru rumo ao mundo moderno, atraiu a atenção e simpatia de diversos grupos
que foram aparecendo e tomando corpo ao longo das primeiras décadas do século, como: a
classe média, os operários e os universitários, sendo os discentes da Faculdade de San Marcos
os que o nomearam de Maestro de la Juventud. Conseguiu apoio também dos camponeses e
de indigenistas, com seu discurso, pelo menos no início, a favor desses dois últimos.
O tom daquelas eleições foi marcado por um evidente desgaste do partido da situação,
o Partido Civil, e pela aglutinação dos grupos opositores formados por constitucionalistas,
liberais e democratas em torno de Leguía. Este se sagrou vencedor; no entanto, o poder só foi
conquistado por meio de um golpe de Estado, pois se temia que a ala derrotada anulasse as
eleições por desconfiarem de fraudes. Seguiu-se o golpe e a dissolução do Congresso, mas
logo reaberto, com membros apoiadores do novo governo. Para Carlos Contrera e Marcos
Cueto (2007, p. 236), é nítido que tais ações destinavam a dar maior poder de decisão nas
mãos do Executivo, que, aliás, foi uma das principais marcas ao longo do período em que
Leguía esteve na direção do Estado peruano.
40

Leguía permaneceu como chefe máximo da nação entre 1919 e 1930. Com o auxílio
de intelectuais, como o do positivista Mariano H. Cornejo, denominou seu governo como um
momento de ruptura por excelência e, adotando o lema Patria Nueva, tentava sinalizar que
novos tempos chegavam ao país. O que deveria ser ultrapassado era o velho Peru,
representado, política e socialmente, pelo domínio do Partido Civil, que desde 1899
mantinha-se no poder, com a exceção do período do governo de Guillermo Billinghurst
(1912-1914).
As acusações de Leguía, bem como as várias críticas que, ao longo do tempo, muitos
intelectuais destinaram ao período do civilismo, eram um ataque geral à maneira como esse
partido se apossou do Estado e organizou a sociedade e os recursos da nação, pois era
evidente, aos olhos dos acusadores, o caráter oligárquico desse empreendimento9. Nesse
sentido, não foram desacertados os estudiosos que nomearam o período em questão de
“República Aristocrática”.
Alberto Flores Galindo (1994), que se consagrou como um especialista neste período,
chamou de oligarquia o grupo social que comandou tal República. Além de uma certa coesão
econômica e cultural, esse grupo ficou conhecido por ser numericamente reduzido, por se
manter distante dos grupos populares e por ter sido destituído de projetos que dessem ao
Estado a capacidade de ser uma instituição em condição de acolher e integrar toda a
população, especialmente daquela que compunha a maior parcela da população peruana: os
camponeses. Para as nossas preocupações, por sua vez, esse momento da história peruana
merece ser destacado porque foi característico dele o poder representado pela posse da terra e
o fortalecimento de vários mecanismos culturais, econômicos e institucionais que promoviam
e mantinham a marginalização e a exploração da população camponesa da região serrana e
que podem ser exemplificados pela violência e os arcaísmos vistos nas seções anteriores.
Dentre eles, podemos destacar o gamonal, que, segundo o mesmo autor, possuía uma relação
orgânica com a oligarquia da costa: “En la relación entre oligarquía y clase subalternas
ocupó um lugar decisivo, como nexo, el gamonalismo”. (BURGA; FLORES GALINDO,
1994, p. 140). Por isso, tendo em vista que Hugo Blanco foi um personagem típico do
momento de desarticulação do modelo oligárquico, é interessante que também saibamos como
o mesmo se constituiu.

9
Podemos entender o conceito de oligarquia segundo a definição de François Bourricaud “Aquí se enlazan dos
nociones, la de um poder absoluto y la de que ese poder está ejercido pou um número reducidísimo de
personas” (1989, p. 39).
41

Para derrotar os civilistas, cujos membros, em sua maioria, eram grandes


proprietários de terra da costa e da serra peruana, e ligados à produção agroexportadora,
Leguía se aproximou dos grupos mais próximos do desenvolvimento capitalista do país: a
burguesia industrial, os operários e classe média, e se valeu da incapacidade daquele governo
de incorporar politicamente tais grupos. Com isso, o representante da Pátria Nueva não
apenas chegou ao poder, como selou a derrota política do Partido Civil, haja vista que as
eleições de 1919 foram as “últimas” desse partido (PEASE, 1995, p. 163), pois em todos os
pleitos posteriores seus membros apareceram junto a outros grupos, isto é, compondo frentes
partidárias.
A derrota civilista estende-se ainda a outro âmbito: o Cultural, o que demonstra, a
um só tempo, que esse grupo não se mantinha apenas baseado em poder econômico.
Contribuíram para isso a Reforma Universitária de 1919 e a emergência da geração intelectual
dos anos 20, que, como veremos, trouxe José Carlos Mariátegui e Raul Haya de la Torre, dois
importantes nomes para o estudo da esquerda peruana; o exílio que um dos principais
intelectuais civilistas se impôs, José de la Riva Agüero, muitas vezes foi interpretado como a
evidencia dessa derrota. Contudo, convém lembrar que de nenhuma forma a derrota foi
econômica. De nenhuma forma as condições materiais da oligarquia que formava tal partido,
no início do século XX, foram atacadas, daí uma das razões para que as haciendas e o
gamonalismo continuassem imperando em algumas regiões do país.
Apesar do discurso de Leguía, as reformas modernizantes atingiram apenas alguns
setores urbanos e não conseguiram avançar sobre a serra, a não ser timidamente. De uma
forma geral, é possível identificar em Leguía alguém que desejou modernizar o Peru. Se não
atacou o poder econômico dos hacendados, incentivou os grupos industriais, atendeu a
algumas reivindicações dos trabalhadores e, em relação à classe média, para Franklin Pease
(1995), o período de Leguía simplesmente significou a ascensão dessa classe. O projeto de
caráter mais progressista do presidente não estava apenas no apoio e na aproximação desses
grupos, mas especialmente também nas reformas urbanas nas várias capitais do país, nos
projetos viários que passaram a integrar regiões isoladas e na criação dos mecanismos de
centralização política, com a criação do Banco de Reserva del Perú, a passagem da
propriedade das águas para as mãos do Estado, o fortalecimento das instituições militares e a
ampliação da burocracia estatal. Essa centralização, por exemplo, provocou certo
desequilíbrio, apesar de incipiente, no poder dos gamonais da região serrana, pois passou a
minar os poderes locais.
42

No entanto, seu governo desgastou-se por diversos fatores ao longo do tempo. Nem
mesmo os elogios vindos de estrangeiros, como aquele proferido pelo embaixador dos
Estados Unidos, que chamou Leguía de “El gigante del Pacífico”, foram suficientes para
mantê-lo a frente do Estado. Mas quem selou de fato sua queda foi a crise do capitalismo
mundial do final dos anos 20, uma vez que todo seu projeto era dependente dos empréstimos
norte-americano e do bom funcionamento do comércio mundial. Isto é, dependia em grande
medida de tudo aquilo que a Crise de 1929 colocou abaixo. Não por acaso, portanto, 1930
significou o fim do oncenio de Leguía.
Apesar de seu colapso final, o período de Leguía proporcionou o surgimento de novas
possibilidades de discursos identitários e de projetos culturais de construção da nação peruana
que antes estavam alijados pela presença da oligarquia no poder. Com a maior articulação de
setores médios e a breve migração de camponeses para a costa, a temática do indígena
começou a ganhar as páginas de livros, revistas e jornais. Justamente por isso, no início do
século, o Peru foi marcado por um dos seus movimentos culturais mais simbólicos: o
indigenismo. De maneira geral, esse movimento, no continente, conheceu seu apogeu entre os
anos de 1920 e 1970 e esteve ligado às perspectivas humanistas, bem como com o contexto
dos países latinos do final do século XIX e início do século XX, a saber, o desenvolvimento
capitalista e a construção da nação. Justamente por isso foi um movimento profundamente
marcado por seu tom ideológico, político e social, promovido especialmente por intelectuais.
De um modo geral, podemos afirmar como fez Henri Favre, “(...) o indigenismo na América
Latina é, em primeiro lugar, uma corrente de opinião que tende a proteger a população
indígena, a defendê-la das injustiças de que é vítima e a fazer valer das qualidades ou
atributos positivos que reconhecem” (2011, p. 3).
Essa noção, carregada de humanismo, acompanhou as diferentes expressões
indigenistas que apareceram nos diferentes países do continente, como a artística, a cultural,
as associações e as políticas oficiais. No entanto, estas não estavam desvinculadas de
problemáticas maiores, como a questão, já referida, da nação e o avanço do capitalismo.
Grosso modo, sobre a primeira, existia em certos setores da sociedade a percepção de que a
independência e, por conseguinte, a constituição das repúblicas latino-americanas, não haviam
conseguido integrar os índios ao longo do século XIX. Estes continuavam marginalizados, as
divisões e as exclusões dos mais variados tipos entre índios e não índios prosseguiam. Isto é, a
nação, de forma plural e verdadeiramente republicana, ainda não era uma realidade. Mas que
poderia vir a ser desde que, na visão dos indigenistas, se valorizasse a figura do índio. Se
levarmos este ponto para o Peru, não fica estranho se notarmos que contra a “República
43

Aristocrática”, comandada pela oligarquia civilista, ergueram-se muitos intelectuais que se


valeram do indigenismo.
Dentro desse movimento continental, o Peru é um dos seus mais importantes
expoentes. Neste país, como não poderia ser diferente, o indigenismo é um movimento de
longa data, heterogêneo e de profunda ressonância nas mais diversas áreas que compõem a
vida social do país. Carlos Contreras e Marcos Cueto relataram: “aunque El idigenismo se
inició en la literatura, su influencia se extendió a la política, la pintura (Sabogal), las
ciencias sociales (Mariátegui), la arqueología (Julio C Tello) y la medicina (Núñez Butrón)”
(2007, p. 247). Nesse sentido, tendo em vista a dimensão desse movimento, é importante não
o perdermos de vista se quisermos compreender uma fração importante das ideias que
povoaram o imaginário político e social do Peru durante boa parte do século XX. E,
obviamente, o próprio Hugo Blanco, como mencionado anteriormente. Afinal, se assim
também se expressou Blanco em um trecho do seu livro Terra ou Morte: “sem dúvida, a luta
no campo é do camponês contra o cacique; mas, a reivindicação do índio, da nacionalidade
oprimida, é um ingrediente fundamental. Por isso, nós sempre falamos em quéchua, sempre
exaltamos o índio” (BLANCO, 1979, p. 43), é porque nosso intelectual sustentava o tom de
defesa e exaltação dos índios camponeses peruanos.
Se retornarmos ao governo Leguía, perceberemos que este se desenvolveu num
período de efervescência do indigenismo, de tal maneira que é possível percebê-lo misturado
ao seu projeto de governo. Segundo Manuel Burga e Flores Galindo (1994, p.264), estaríamos
diante daquilo que ele chamou de El Indigenismo oficial. Nesse sentido, foi muito
representativo, nos anos iniciais do Oncenio, o apoio que despendeu a população camponesa
(indígena) e que apareceu publicamente de várias maneiras: com a criação da seção de
assuntos indígenas no Ministério de Fomento, formou o Patronato da Raça indígena,
estabeleceu o dia do índio, organizou centros agrícolas e escolas técnicas nas zonas rurais,
discursou na língua quéchua, a qual desconhecia, e reconheceu juridicamente as comunidades
indígenas, que desde o decreto, em 1824, de Simon Bolívar, estavam extintas (BURGA;
FLORES GALINDO, 1994, p. 207). Como é possível detectar, ficam claras a identificação e a
responsabilidade assumidas pelo Estado frente aos assuntos camponeses (indígenas).
Contudo, fica nítido também que estamos diante de algo que ultrapassa aquele humanismo
indigenista por razões distintas. Se por um lado o indigenismo de Leguía foi demagógico 10,

10
“A primera vista la política de Leguía respecto al campesinado indígena tuvo un carácter contradictorio. Por
un lado, se desarrolló una política indigenista que revalorizaba el papel del indígena en nuestra sociedad
rescatándole su credencial ciudadana y su papel protagónico en la economía. Esta política implicó un cierto
44

por outro, tais ações, por refletirem as intenções modernizantes da Patria Nuevae pela
proximidade do governo com os setores mais progressistas da sociedade peruana,
identificavam-se com o desenvolvimento capitalista do país. Nessa perspectiva, tais órgãos
serviriam para livrar os camponeses da servidão, aumentar a produção e elevar a mão de obra
disponível para o capitalismo crescente do país. Este tema foi resumido por Favre, assim:

Na medida em que freia a expansão do capitalismo incipiente na América


Latina durante o final do século XIX, a formação social de origem colonial
que a independência deixou subsistir apresenta-se como um anacronismo
cada vez menos tolerável a partir de 1900. Sob a pressão dos novos
interesses econômicos, que reforçam progressivamente sua representação
política às custas do poderes agrários tradicionais, mas também sob
influência crescente dos setores já modernizados da sociedade, os governos
acabam por tomar medidas legislativas ou regulamentárias que tendem a
reordenar as relações entre índios e população não-indígena e a modificar a
condição indígena. Ainda que tímida e em geral pontuais até 1930, essas
medidas, amplamente inspirada na obra pioneira da revolução mexicana, se
coordenam e se radicalizam depois desta data.
A política indigenista constituiu um capítulo dentro de uma política mais
geral de modernização da sociedade (FAVRE, 2011, p. 62).

Mas, simultaneamente ao projeto de Leguía e até mesmo antes, o indigenismo também


apareceu através de associações, que, na classificação de Manuel Burga e Flores Galindo
(1994, p. 264), poderíamos chamar de “indigenismo de denúncia”. A “Associação Pro-
Indígena” (1905-1916), criada em Lima, fundou revistas e células em diversas partes do país,
pelas quais conseguiram denunciar a situação de servidão dos índios, ao mesmo tempo em
que os assessorava juridicamente, especialmente nas comunidades (ayllu), que muitas vezes
eram vítimas dos avanços dos latifundiários.
Essa associação foi seguida por muitas outras, como a “Pro-Derecho Indigena
Tahuantinsuyo”, que também cumpriu seu papel de defesa e denúncia. É importante lembrar
que tais associações, embora de forma muito germinal, ajudaram a aproximar intelectuais e a
população indígena, assim como ajudaram a plantar no cerne dessa população a iniciativa da
organização e da reivindicação sob novas perspectivas, isto é, as rebeliões violentas e
explosivas, próprias da cultura índia, concorriam, agora, com a via institucional e o trâmite de

nivel de enfrentamiento con los planteamientos gamonales tradicionales. Sin bargo, por otro lado la ardorosa
retórica pro indigenista se combinará con una despiadada explotación de la misma población indígena.
Durante el régimen de Leguía se darán la leyes de conscripción vial (obligando a la población a trabajar
gratuitamente en la construcción de carreteras) y la ley de vagabundería (concediendo a los hacendados,
mineros y empresarios en general la posibilidad de usar coactivamente la mano de obra indígena desocupada).
Por otro lado, se tolerará la consolidación de muchas haciendas sobre la base de usurpación de tierras
indígenas y las protestas de la población serán ahogadas en sangre. Igualmente, en el plano tributario deberán
soportar los pobladores indígenas una fuerte carga” (VALDERRAMA, M.; ALFAJEME, A., 1978, p. 91).
45

processos legais. É possível encontrarmos inclusive o pai de Hugo Blanco nesse contexto,
afinal, foi ele um advogado que assessorou juridicamente índios serranos. E, segundo alguns
autores, os relatos trazidos pelos camponeses até seu pai, enquanto Blanco era criança, foram
importantes para engendrar suas ideias e concepções indigenistas.
Essas mudanças podem ser relacionadas, ainda, segundo Carlos Arroyo Cetal (2015), à
proximidade com que aquelas associações colocaram os índios com o mundo urbano, que na
época, início do século XX, era sacudido por um emergente proletariado organizado em torno
do anarco-sindicalismo. De qualquer forma, há outro ponto a se observar. As ações de Leguía,
os canais de comunicação abertos pelas associações e as novas estratégias de protesto dos
indígenas tinham um denominador comum: o Estado. Por conseguinte, esse quadro é
importante porque, mais tarde, quando Hugo Blanco vai para o campo promover a revolução,
ele partiu também da experiência e de instrumentos já utilizados na região e que tinham o
tramite legal como principal caminho para os camponeses expressarem suas demandas.
A literatura foi outro meio e, obviamente, um dos mais importantes pelo qual o
indigenismo se fez visto, lido e se fez influente na América Latina 11. No Peru, não foram
poucos os intelectuais que legaram obras indigenistas, isto é, o país Peru foi um reduto de
autores que, como diria o filósofo Santo Agostinho (2010, p. 171), “com a língua de sua
pena” se colocaram a serviço da defesa dessa população que cobria a maior parte das terras
peruanas. Nesse sentido, na contra mão da marginalização e do papel secundário a que
haviam ficado submetidos os índios, os indigenistas, sobretudo os literatos, procuraram
exaltar as qualidades que cercavam o índio, bem como erigir os valores nacionais a partir da
revalorização de sua cultura e população. Dentro desse movimento literário, seu apogeu
ocorreu entre o final do século XIX, com a publicação de “Aves sem ninho”, de Clorinda
Mato de Turner (pseudônimo), e o final da década de 60, com a morte de José María
Arguedas, autor este com quem Hugo Blanco trocou algumas correspondências em 1969, aqui
já mencionadas.
Como já adiantamos, foi essa mesma literatura responsável também por disseminar na
sociedade diversas concepções a respeito da vida dos camponeses que ocupavam a região
serrana do país, que certamente, ao longo do tempo, ajudaram a promover e legitimar diversas
ações políticas a favor dessa população, uma vez que o grosso de seus escritos serviram para

11
Eis as características dessa literatura, segundo Henri Favre: “O que caracteriza a literatura indigenista é a
intenção social que contém e que se afirma já de maneira muito notável em ‘Aves sem ninho’. Ao tomar
resolutamente o partido dos índios, essa literatura comprometida se entrega à crítica da sociedade que os oprime
e os explora. Pretende ser historicamente verdadeira, sociologicamente exata, moralmente edificante e
politicamente eficaz, com uma preocupação pela eficiência que, em alguns autores prevalece sobre qualquer
outra. Seu gênero de predileção é a novela (...)” (2011, p. 24).
46

denunciar a desconfortável situação dos camponeses dentro das haciendas e fora destas. Neste
caso, chamamos novamente a atenção para Hugo Blanco, pois parece ter comungado, desde
cedo, de um profundo indigenismo, inicialmente alimentado e cultivado pela literatura em
questão. Um estudioso do caso de La Convención, Victor Villanueva, por exemplo, também
considera importante se levar em conta a literatura indigenista para se compreender as
afirmações e os caminhos seguidos pelo intelectual revolucionário Hugo Blanco.

El futuro dirigente campesino leía, devoraba cuanto libro caía en su poder,


siempre en busca de una explicación a los problemas que ya se planteaba,
algo que escaleciera sus dudas. Prefería la novela de tendencia social e
indigenista. Clorinda Mato de Turner, Jorge Icaza, Eustacio Rivera y Ciro
son los autores que más recuerda y que Hugo considera como los que
dejaron más Honda huella en sus años mozos (VILLANUEVA, 1967, p.
73).

No entanto, temos motivos suficientes para achar que as ações e as ideias de Hugo
Blanco não ficaram presas a esse indigenismo humanista ou de denúncia. Em nossa
concepção, a trajetória intelectual e revolucionária de Blanco foi a expressão desse
indigenismo envolvido e imerso em concepções marxistas. E, no Peru, tanto o marxismo
como a simbiose entre este último e o indigenismo foi um fenômeno significativo, pois
passou a compor uma importante tradição política que foi alimentada, desde o início do século
XX, pelos escritores indigenistas e pelo principal marxista peruano, José Carlos Mariátegui.
Tais ideias, por sua vez, foram mais bem trabalhadas no terceiro capítulo, pois, no momento,
o que devemos deixar expresso é que identificamos no trabalho de Hugo Blanco a
convergência daquelas duas correntes de pensamento. Nesse sentido, se observarmos de perto
o trabalho intelectual e revolucionário de Hugo Blanco, compreenderemos que o ataque
apaixonado de Hugo Blanco aos arcaísmos da serra, ao mesmo tempo em que era o fruto de
seu indigenismo, como aqui foi colocado em outro momento, também era a expressão de seu
marxismo, afinal, este último, principalmente na vertente trotskista12, pressupunha a extinção
de tais arcaísmos, durante o processo revolucionário que conduzia a sociedade ao socialismo.

12
No livro, a Revolução Permanente (1985), de Leon Trotsky, por exemplo, o projeto revolucionário ali
apresentado foi elaborado, em grande medida, para sociedade atrasadas, em que sobreviviam diversas estruturas
arcaicas/feudais. Desta forma, Trotsky pressupunha que, assim que a revolução tomasse sua principal forma,
aspecto este identificado na tomada do poder, uma das primeiras etapas seria a destruição dessas estruturas, que
era, a um só tempo, uma maneira de atender as demandas do campesinato e uma maneira de atrair os
camponeses em favor do proletariado, que se acreditava ser a verdadeira e única classe revolucionária. O
interessante, por sua vez, é que, nesse livro, Trotsky sustentava a ideia de que a implementação do socialismo em
países atrasados era possível, dentre outras coisas, porque combinava o programa mínimo com o programa
máximo, isto é, a tomada do poder significava, simultaneamente, que a sociedade ia ser abalada por diversas
revoluções, que eram: a revolução agrária, a revolução burguesa e a socialista, daí o aspecto permanente presente
47

Antes de avançarmos, é importante abordar a emergência dos dois mais importantes


partidos de esquerda do Peru, que também surgiram no período em questão, isto é, durante o
“oncênio”, e que marcariam a maior parte do teatro político do país ao longo das próximas
décadas: o Partido Comunista, antes chamado de Partido Socialista, e o APRA (Alianza
Popular Revolucionaria Americana). Ambos, de orientação marxista, foram fundados,
respectivamente por José Carlos Mariátegui e Victor Raul Haya de la Torre, e refletiam o
contexto internacional (Revolução Russa (1917) e Revolução Mexicana (1910), por exemplo,
e o contexto nacional, marcado pelas mudanças trazidas à sociedade peruana pelo
desenvolvimento capitalista. No entanto, foram partidos com diferenças marcantes entre si e,
por isso, apesar desses dois intelectuais e partidos terem emergido em um contexto comum,
em que se destaca também o mesmo cenário intelectual (ambos eram membros da geração
que ficou consagrada por vanguarda intelectual dos anos 20), no fim das contas, tinham ideias
e projetos bastante divergentes13.
De qualquer forma, o mais interessante foi o resultado deste cenário intelectual, uma
vez que consolidou nomes, ideias e partidos, que foram responsáveis por marcarem
profundamente a política, gerações de intelectuais e a própria maneira de se entender e de
mudar os rumos do Peru ao longo de todo o século XX. Dentre estas ideias e atitudes, estava a
luta contra a oligarquia. Acerca desses dois partidos, Nelson Manrique expôs:

En El Perú, desde fines de la década Del veinte se dieron intentos orgánicos


por derrocar El orden oligárquico, mediante la constitución de los que
debieron ser los dos más importantes partidos antioligárquicos y
antiimperialistas del siglo XX y El surgimiento de los dos líderes más
importantes de la historia política peruana republicana. José Carlos
Mariátegui (...) y Vítor Raúl Haya de la Torre.(MANRIQUE, 2009, p.18).

no título do livro do autor em questão. Com isso, Trotsky, a um só tempo, defendia que não pulava nenhuma
etapa e garantia que todas estas fossem cumpridas (PASQUINO, 2009, p. 1261).
13
Alan Angell resumiu algumas dessas diferenças, mas para nossas preocupações fica o protagonismo que
Mariátegui, sempre muito mais que Haya de la Torre, destinou aos camponeses: “(...) As diferenças entre ele e
Haya de la Torre eram profundas e o debate entre ambos repercutiu muito além do Peru e de sua época. A atitude
de Haya perante o campesinato aproximava-se do ideário marxista ortodoxo, no qual o desdém pela falta de
potencial revolucionário do campesinato vinha acompanhado de conselhos paternalistas para que participassem
do movimento revolucionário. Mariátegui, em compensação, admirava os camponeses por sua capacidade de
sobreviver em condições duríssimas e via em suas organizações as sementes de um futuro socialismo peruano.
Haya de la Torre enfatizava o papel do Estado central na tarefa de criar a nação: Mariátegui preferia começar
desenvolvendo a sociedade civil – somente então seria possível alcançar o poder. Haya de la Torre tinha uma
visão muito mais militar que elitista do poder e legitimava a insurreição destinada a conquistar o poder do Estado
como política fundamental da Apra. Sua visão do partido era disciplinada, autoritária e vertical, e ele próprio se
via como o Lênin peruano. A versão que Mariátegui dava ao partido era muito mais ampla, mais participativa e
pluralista (...)”(ANGELL, 2009, p. 484-485).
48

Apesar de retomarmos elementos importantes da trajetória política e intelectual de


Mariátegui em outros momentos deste trabalho, convém anunciarmos desde já alguns pontos.
Assim, o Partido Comunista fundado por Mariátegui teve um papel coadjuvante, na década de
30 e nas seguintes, em comparação com o APRA. Contudo essa não foi a situação planejada
por seu idealizador, que, desde cedo, ou melhor, desde a Revolução Russa e de seu exílio na
Europa (onde entrou em contato com ideias que ecoariam em seus escritos), procurou
compreender a realidade peruana e promover ações que organizariam o nascente proletariado,
a fim de construir as condições favoráveis para a revolução e o socialismo peruano. Para
tanto, coordenou e escreveu em revistas, sendo a mais importante delas a Amauta, ministrou
aulas na Universidade Popular Gonzáles Prada, que o aproximaram do proletariado, e
organizou a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (COTLER, 2006). Porém, no
auge de seu engajamento, em 1930, a morte lhe atingiu. O partido ficou nas mãos de seu
Secretário Geral, Eudócio Ravines, que, por ter adotado acriticamente os ditames da III
Internacional, que os distanciavam tanto da revolução como dos grupos sociais diferentes do
proletariado, provocou o isolamento e o enfraquecimento do partido, espaço esse que foi
ocupado pelo aprismo.
Mas as contribuições de Mariátegui não se limitam a isso. Para muitos estudiosos, o
referido autor foi responsável por enriquecer o marxismo latino-americano, ao desenvolver
uma leitura bastante particular dessa corrente de pensamento, algo que ficou evidente no seu
mais importante livro, Sete ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, de 1928, de tal
maneira que Michel Löwy (1999) chamou seu marxismo de “marxismo criativo”.
Desta forma, primeiramente, podemos destacar a preocupação que teve em privilegiar
as particularidades da sociedade e da história peruana, para então se valer do prisma marxista
para analisar os problemas nacionais. O resultado foi um “marxismo criativo”, que se explica
em função, dentre outras coisas, por reconhecer que cada país detinha uma trajetória particular
de desenvolvimento, assim como uma trajetória particular para se chegar ao socialismo.
Portanto, os caminhos e as bases para se construir o socialismo no Peru seriam singulares.
Grosso modo, nesta rota particular, o socialismo na República Andina teria como
protagonistas os índios camponeses, como agentes principais na revolução, uma vez que o
país carecia de efetivos na classe trabalhadora. Além disso, cumpriam importante papel as
comunidades indígenas que ainda existiam no Peru no século XX, que, aliás, eram a prova
viva da ligação natural dos camponeses com o coletivismo, por conseguinte, com o
comunismo. Por fim, a realização do socialismo seria a única maneira de devolver a dignidade
aos camponeses, e assim, consolidar plenamente a nação, como único jeito de anular o regime
49

que permitia a permanência da hacienda, da servidão e do gamonalismo, isto é, a


marginalização e exploração da maior parte da população do país
Outro importante partido foi o APRA, que a partir das eleições de 1931, passaria a
marcar profundamente a vida social e política do Peru (MANRIQUE, 2009, p. 26). Suas
origens, segundo Peter F. Klarén (1976), estão relacionadas com os efeitos do capitalismo
imperialista sobre a população e as fazendas produtoras de cana de açúcar, na costa norte do
país14. Nesse sentido, temos que observar o APRA como um partido que teve seu
desenvolvimento à sombra da modernização capitalista na região da costa do Peru e que se
ateve em grande parte ao mundo urbano; tais condições foram fundamentais para que tal
partido firmasse importantes posições entre a classe média, proletária e camponesa dessa
região, conseguindo mobilizá-las por mecanismos que resultaram em lutas que iam de
sindicatos a levantes armados (MANRIQUE, 2009, p. 62). Nesse sentido, o APRA
representava o novo ambiente político social do Peru.
Seu fundador foi Haya de La Torre, que, no início, compartilhou ideias e projetos em
conjunto com Mariátegui, mas que se distanciaram posteriormente sobre vários pontos. A
importância que o APRA atingiu na vida política peruana é relevante para o trabalho que aqui
nos propomos por vários pontos. Primeiramente, podemos chamar a atenção para a infiltração
que teve no norte do país, isto é, no lugar onde o capitalismo adentrou com mais força, pois,
geograficamente, acabou deixando a região serrana com uma penetração aprista mais frágil,
situação reforçada também pelo desinteresse que os partidos oficiais alimentavam sobre a
população analfabeta, e que no Peru era predominante justamente na serra. Esse quadro é um
dado que merece atenção porque consideramos que isto ajudou Hugo Blanco a escolher os
sindicatos serranos para atuar, os quais estavam, comparados aos da costa, distantes do
controle aprista, portanto, mais sujeitos à introdução e incorporação de novas ideologias e
14
O capitalismo imperialista, no Peru, possui uma longa história. Do século XIX em diante, a presença do
capital inglês foi predominante, mas não durante o século XX, quando o protagonismo passou a ser do capital
proveniente dos Estados Unidos. Este, aliás, foi o responsável por embarcar de vez o Peru na nova fase do
capitalismo mundial. Isso foi acompanhado pelo controle acentuado, embora não absoluto, da economia peruana,
que pode ser observado pela entrada de capitais estadunidenses num ritmo cada vez mais acelerado e pelo
volume das exportações destinadas a esse país, que só tendeu a se elevar durante as primeiras décadas do século
passado. Para tanto, além dos interesses próprios do capitalismo imperialista, não podemos esquecer a abertura
do canal do Panamá, em 1914, pois só veio a favorecer essa relação (COTLER, 2006). Dentro desse contexto,
algo marcante foi o estabelecimento de grandes companhias norte-americanas, cuja presença, num estilo
“tentacular”, adentrou e cooptou diversos setores, que podemos destacar o produtivo, os transportes e o
financeiro. Manuel Burga e Flores Galindo (1994), ao fazerem o levantamento cronológico desse processo até
1930, ofereceram uma dimensão do processo: “1901 Formación de la Cerro de Pasco Corp; 1903 W. R. Grace
comienza a comprar fábricas textiles; 1907 American Vanadium Company; 1913 La International Petroleum
Company, filial de la Standard Oil de New Jersey, compra los derechos y las instalaciones de la London &
Pacific Co.;1916 Banco Mercantil Americano.;1920 National City Bank of New York.; 1921 Formación de la
Northeb Peru Mining and Smelting Company.; 1927 La W. R. Grace compra la hacienda Paramonga y varios
anexos ubicados en los alrededores” MANUEL BURGA; FLORES GALINDO, 1994, p. 111).
50

ações (COTLER; PORTOCARRERO, 1976, pp. 272-276). Podemos acrescentar também que,
na época, isto é, final dos anos 50, existia na esquerda um ar de profundo descontentamento
com o APRA, em virtude da sua postura menos combativa e mais próxima de seus antigos
inimigos. Em 1956, por exemplo, ajudou a eleger um autêntico membro da oligarquia,
Manuel Prado. Esta e outras atitudes fizeram com que muitos simpatizantes e membros
rompessem com o partido.
Portanto, como quisemos demonstrar, até o final do governo de Leguía, em 1930, o
Peru vivenciou uma mudança considerável no contexto social, político, cultural e econômico,
fruto da fragilidade política oligárquica, do advento de novas ideias, partidos, grupos sociais e
o aprofundamento da modernização capitalista. O fim da “Patria Nueva”, como já
anunciamos, esteve intimamente ligado não só com a crise internacional do capitalismo
iniciada em 1929, mas também com o peso do contexto interno, até porque ele foi o
responsável por fornecer à década de 30 um dos personagens mais marcantes: os militares.
Estes derrubaram Leguía e assumiram as rédeas do Estado. Num primeiro momento, o
protagonismo foi do militar Luiz Sánchez Cerro, mas depois de assassinado, em 1932, foi
substituído pelo general Óscar R. Benavides, que ficou no poder entre 1933-1939. Para
Manuel Burga e Galindo e Manuel (1994, p. 19), a presença da farda na política significava a
tentativa desesperada da oligarquia de manter-se no poder, já que era incapaz de monopolizar
o Estado sozinho, como fizera antes.
A presença de Sánchez Cerro e de Benavides neste momento da história peruana deve
ser observada tendo em vista o contexto político e social emergido a partir de todas aquelas
mudanças mencionadas, já que passaram a produzir, de uma forma geral, um clima bastante
conturbado, afinal, greves, paralisações e sublevações de diferentes setores sociais tornaram-
se eventos corriqueiros. Esse clima tenso teve a contribuição do Aprismo. A força que o
partido demonstrou nas eleições de 1931, ao receberem enorme quantidade de votos e
mostrarem considerável poder de organização, infiltração e mobilização das forças populares
foi algo que preocupou a já assustada elite política e social, que viria a se amedrontar ainda
mais com o atentado perpetrado por um militante aprista contra a vida do vencedor daquelas
eleições de 1931, Sanchéz Cerro. O resultado dessa conjuntura foi a intensificação da
repressão sobre os membros do APRA, que foram presos, exilados ou mesmo mortos. Não
obstante, os grupos dirigentes trataram de impedir que o referido partido participasse das
eleições de 1936, assim como estenderam, via Congresso, por mais três anos o mandato de
Óscar R. Benavides. Como afirmou Gonzalo Portocarrrero:
51

A partir de 1931, con el surgimiento del Apra, el orden oligárquico ya no


era cuestionado esporádicamente, a propósito de crisis económicas, sino
también en forma sistemática y permanente. No obstante, la movilización
popular de principios de los años 30 fue detenida mediante violencia y la
imposición de dictaduras(1983, p. 12).

Enquanto o APRA ajudava a dar o tom da política durante a década de 30 e enquanto


as transformações vividas pelo país iam produzindo também seus efeitos econômicos, sociais
e culturais, embora isso tenha se dado com mais vigor na região da costa do que na serra, em
1934, na cidade de Paruro, no Departamento de Cuzco, no dia 15 de novembro, nascia Hugo
Blanco Galdós. Seus pais eram mestiços e pertenciam à pequena burguesia provinciana,
portanto à classe média. É irmão de Oscar, um engenheiro, e de Luchi, uma jornalista.
Durante sua primeira infância, os relatos que tivemos acesso costumam ressaltar o contato que
Blanco teve com os problemas e abusos cometidos pelos gamonales, ao acompanhar os
relatos trazidos pelos índios camponeses até seu pai, um advogado. Peter Camejo (1971), por
exemplo, na introdução do livro Terra ou Morte, comentou que foi nesse período que Blanco
começou a se interessar pelos índios e pela sua situação pouco confortável. Victor Villanueva,
por sua vez, aproveitou para chamar atenção para outras influências, como a escola, mas
principalmente para a influencia materna: “Sólo su madre, de origen campesino, no pertence
al mismo estrato social de la familia. Quizás de Ella heredó Hugo el amor por la gente del
campo y su vocación auténticamente campesina (...)” ( VILLANUEVA, 1967, p. 72). Nesse
sentido, seguiu querendo saber mais sobre o passado incaico e tratou de aprender a língua
indígena, o Quéchua. Enfim, concluímos que é possível considerar que as bases do
indigenismo de Hugo Blanco tenham sido, sim, plantadas a partir das experiências de sua
infância, mas que seriam mais enraizadas durante a juventude, como já nos referimos, com a
estreita aproximação com a literatura indigenista.

1.6. Hugo Blanco e o Peru após a Segunda Guerra Mundial e o início do governo militar

Em 1939, o Peru iniciava outro processo eleitoral, pois os três anos acrescidos ao
mandato de Óscar Benavides pelo congresso chegavam ao fim. O vencedor foi o civil Manoel
Prado. Nesse período, diferente dos anos 30, o governo pôde se desenrolar sobre um clima
político mais tranquilo. Isso foi possível, em grande parte, por fatores internos e externos.
Eclodia na Europa a Segunda Grande Guerra e a aliança que Prado firmou com os Estados
Unidos e, consequentemente, com as democracias ocidentais, exigiu do governo uma postura
menos enérgica, colaborando assim para que a sociedade civil voltasse a se organizar com
52

menos cerceamentos. Esse quadro político de tensões amenizadas foi nutrido também pelos
próprios partidos de esquerda, que, em troca das perseguições, comprometeram-se em não
fomentar as massas. Além disso, o Partido Comunista adotou como queria a III Internacional
a estratégia de formar frentes populares, uma aliança com diferentes grupos sociais a fim de
combater a ameaça nazista que se fazia presente tanto na Europa como na América Latina.
Isso também ficou conhecido como “browderismo”.
Quanto ao APRA, numa mesma direção, tratou de reavaliar e mudar sua postura da
década anterior. Nesse sentido, buscou o apaziguamento e a aproximação com seus inimigos
históricos, o imperialismo dos EUA e até mesmo a oligarquia peruana, bem como passou a
adotar a via parlamentar. Quem resumiu muito bem este período foi Julio Cotler:

Essa mudança radical na política externa teve imediata repercussão interna.


Uma vez que Prado se inscrevia como sócio da política de boa vizinhança,
proclamada pelo Departamento de Estado, o APRA limitava a sua oposição
ao governo e deixava de promover levantes militares, enquanto o governo
liberava um número apreciável dos seus dirigentes que se encontravam
presos. Tanto o APRA como o Partido Comunista reduziram a luta popular
para não perturbar a adesão do governo aos aliados, pois, do contrario, os
dois partidos seriam acusados de favorecer indiretamente o eixo. Em troca, o
governo diminuiu a repressão ao APRA, procurando oferecer a imagem de
um governo consensual e democrático. O número de organizações sindicais
reconhecidas cresceu de forma notável: entre 1936 e 1939, o governo de
Benavides reconheceu 33 sindicatos; entre 1940 e 1944, Prado reconheceu
118. Em 1944, foi autorizada a organização da Confederação de
Trabalhadores do Peru (2006, pp. 209-210).

Durante os anos quarenta, bem como uma boa parte da década anterior, a vida
econômica do Peru se estabilizou. A exportação voltou a crescer, passados os anos críticos da
crise de 1929, e foi comum também o incentivo Estatal em favor da industrialização com uma
política protecionista e o aumento do fisco sobre as exportações, política adotada
especialmente por Manoel Prado e usada para aquecer a indústria nacional (CONTRERAS;
CUETO, 2007, p. 262). No entanto, esse quadro economicamente positivo foi se esfacelando
após o fim da Segunda Guerra, uma vez que as exportações declinaram, enquanto elevavam-
se as importações e o custo de vida; em 1947, por exemplo, o custo estava 60% maior do que
três anos antes (COTLER, 2006. p. 220). Passada a bonança, quem herdou esses problemas
foi o governo de Bustamante y Rivero, iniciado em 1945, representante dos ventos
democráticos advindos diretamente da luta contra o nazi-fascismo na Europa, que varriam a
América Latina e chegavam ao Peru.
O entusiasmo democrático, no entanto, não foi suficiente para sanar aqueles
problemas, muito menos foi capaz de tornar a elite política e econômica plenamente simpática
53

aos princípios democráticos. Na verdade, esta se mostrava bastante descontente com os novos
rumos da política, que parecia incapaz de melhorar a economia, mas que promovia desordem
social com os sindicatos reconhecidos. Soma-se a isso, a desconfiança que esse grupo
alimentava em relação à política de apaziguamentos que o APRA promovia no Congresso.
Para completar, no início de 1948, este partido, reconhecendo que seria independente de
qualquer política de “boa vizinhança”, impedido pela coalizão dos grupos economicamente
mais poderosos de chegar ao poder, desencadeou um novo levante militar. Depois de serem
derrotados, foram tirados da legalidade. Três semanas depois, por outro lado, quem saiu de
cena foi Bustamante y Riveiro, deposto pelo General Manuel Odría, colocando fim à
experiência democrática peruana.
O governo de Odría (1948-1956), segundo Carlos Contreras e Marcos Cueto (2007),
significou a restauração oligárquica. Isso porque a economia teve uma reorientação, os
incentivos à industrialização e a proteção desta foram substituídos por uma política mais
liberal, portanto, menos protecionista e mais aberta ao capital estrangeiro. Para Julio Cotler,
quem soube aproveitar essa nova reorientação no Peru foi o capital norte-americano, que, até
o final da década de 60, aumentou em 38% seus investimentos no país (COTLER, 2006, p.
226). Contudo, se esse panorama não era favorável ao desenvolvimento de uma burguesia
nacional e autônoma:

Assim, diferente do que tinha acontecido em outros países latino-


americanos, a participação do capital estrangeiro no desenvolvimento
industrial foi, desde o princípio, determinante. A burguesia industrial
peruana teve de se contentar em ser um satélite das novas empresas
estrangeiras, relação semelhante à da burguesia agrária e mineira dos
enclaves (COTLER, 2006, p. 229-230).

Tampouco ela impediu, ainda considerando as afirmações do mesmo autor, o


desenvolvimento e o incremento de uma economia mais urbana, mais industrial e menos
agrícola. Aqui, para sermos mais exatos, estamos diante da afirmativa de Alberto Andriazen
(1990), que colocamos na seção anterior, no que diz respeito às transformações que o período
significou para a história peruana. Corroboraram para isso, além da entrada do capital
estrangeiro, as ações do próprio governo, que giraram, para exemplificarmos, em torno da
despesa pública, cuja proporção, em comparação com o governo anterior, elevou-se em 45%
(COTLER, 2006, p. 243). Dentro desses gastos estavam a ampliação da educação secundária
e superior, ampliação da infraestrutura, saúde e obras públicas, sendo algumas delas
54

monumentais, como a construção do prédio do Ministério da Educação (COTLER, 2006, p.


301).
Não custa lembrarmos, ao mesmo tempo, que tais ações revelam uma maior atenção
sobre os problemas urbanos, que só fizeram agravar os problemas do mundo rural, que, além
de ficar desassistido, sofria as consequências, como já colocamos, do crescimento
demográfico, da falta de terras e dos baixos investimentos. Não é por acaso, por exemplo, que
as maiores levas de migração serra-costa foram desse momento. Porém, se economicamente,
de uma forma geral, o governo buscava alternativas e o país dava sinais de mudanças,
politicamente o período de Odría pode ser considerado uma restauração oligárquica devido ao
trato que ele deu aos partidos de esquerda, que foi de cunho repressivo.
Milhares de camponeses deixavam as fazendas, seus arrendamentos, sua propriedade
ou suas comunidades para se fixarem nas principais cidades do país. Existia agora nas cidades
um novo personagem: o migrante, que, acertadamente Alberto Andriazén afirmou,
“expresaba la crisis en el campo y la búsqueda de nuevos horizontes sociales, económicos e
culturales” (ANDRIAZÉN, 1990, p. 16). O migrante, no entanto, não nos interessa pelas
diversas pesquisas antropológicas fomentadas por intelectuais interessados nas trocas
simbólicas e na construção de novas identidades, mas sim no fato de que ele não foi integrado
economicamente. As enormes massas de camponeses que migraram para as cidades não
terminaram no interior das indústrias, mas marginalizadas nas barriadas formadas em torno
das cidades, como nos lembra a historiadora Gabriela Pellegrino Soares (2000). Era um país,
portanto, guiado por uma economia que, por mais que se modernizasse, ainda era incapaz de
pintar seu camponês de proletário. Assim, tendo em vista o que foi exposto, o panorama
esboçado nos importa porque consideramos que mais tarde, por um lado, ajudou Hugo Blanco
notar que o Peru, assim como havia percebido Mariátegui décadas antes, carecia da
tradicional vanguarda da revolução: o proletariado, por outro, o fez notar a possibilidade do
protagonismo passar a ser dos camponeses.
O governo de Odría foi marcado pelo seu caráter autoritário. Uma das primeiras
medidas que adotou ao chegar ao poder foi tirar da legalidade o APRA, o Partido Comunista e
os sindicatos a eles associados. Contudo, foi diante desse panorama repressivo que
encontramos o jovem Hugo Blanco, o qual já demonstrava sua índole contestatória ao
participar, em 1951, de uma greve no Colégio de Ciências de Cuzco que visava destituir do
cargo o diretor, colocado ali por Odría. Outro episódio foi seu envolvimento, no ano seguinte,
no movimento estudantil da faculdade de San Marcos, onde provavelmente entrou em contato
direto com apristas e os comunistas, uma vez que tais partidos haviam penetrado no interior
55

das universidades públicas, onde procuravam articular melhor a oposição ao governo


(CONTRERAS; CUETO, 1997, p. 302). Anos depois, em 1954, quando foi para a Argentina
estudar Agronomia, continuou atuando entre os estudantes, até que se deparou com o
movimento trotskista, o qual o marcará profundamente, tema este que será abordado nos
próximos capítulos (VILLANUEVA, 1967, p. 74).
Blanco retornou apenas dois anos depois de ter deixado o país. E de fato voltou em
um momento bastante promissor para os partidos de esquerda, agraciados com um regime
mais brando após Odría deixar o poder em 1956, e porque o movimento comunista
internacional era afetado por profundas mudanças, ganhando com isso um dinamismo maior.
Mas se Blanco chegou no momento em que os ares mais democráticos traziam de volta à vida
pública os tradicionais partidos, o APRA e o PC, isso coincidiu com a crise interna que estes
mesmos partidos começavam a enfrentar, que, como é sabido, resultou em rachas vigorosos
em tais organizações, cujo desenrolar foi o aparecimento de uma esquerda com novas siglas.
Aqui fazemos referência a Nueva Izquerda15, isto é, a um conjunto de organizações que, no
final dos anos 50, passou a compor a vida política peruana e que, dentre os vários fatores
responsáveis por lhe fazer possível, não podemos esquecer da influência da Revolução
Cubana, em 1959. Blanco, por exemplo, integrou-se ao POR peruano (Partido Obrero
Revolucionário), de tendência trotskista, e que tem origem em 1944, após o desmembramento
de uma fração do PC, mas que teve maior atuação também após 1956 (BEJAR, 1990).

15
Aqui se pode ler sobre o nascimento da “Nueva Izquerda”. Alguns autores que abordaram o assunto e tentaram
explicar suas origens, parecem encaixá-la numa espécie de pêndulo que balança entre fatores internos e externos
ao Peru, é o caso de Héctor Bejar (1990) e Jorge Nieto (1990), por exemplo. Com a diferença do foco que, no
final, acabam dando a cada um desses fatores, ambos os autores chamaram a atenção para o panorama
internacional iniciado com o fim da Segunda Guerra Mundial, que provocou questionamentos em Partidos
Comunistas de todo o mundo, em função da dissolução da III Internacional, em 1943, pela Revolução Chinesa,
em 1949, pela morte do líder da União Soviética, Stalin, em 1953, pelas denúncias de Kruschovi no XXI
Congresso da PCUS, em 1956, pela repressão aos movimentos populares conduzidos pelo exército vermelho na
Europa e pela Revolução Cubana, em 1959. No contexto interno, a esquerda pagava um preço muito alto pelos
longos anos de repressão promovidos pelo governo de Odría, que impediram o amadurecimento político do PC e
do APRA. O PC ainda era vítima de sua inexpressividade política, dos desentendimentos internos e da
incapacidade de compreender claramente o que se passava internacionalmente e internamente, tanto com o
movimento comunista, como com a sociedade peruana em si. Do outro lado, o APRA, ao aprofundar sua política
de apaziguamento e aliança com seus inimigos históricos, a oligarquia e os Estados Unidos, representada
especialmente pela coalizão que estabeleceu com o governo de Manoel Prada (Convivência) e depois com
odristas no início dos anos 60, abriram um expressivo vazio na esquerda peruana e um desentendimento digno de
nota no interior do partido. Para muitos militantes, o ambiente interno e externo era um convite para romperem
com ambos os partidos, para assim ressurgirem com novos nomes e propostas. O PC deu origem ao que ficou
conhecido como Exército de Liberación Nacional (ELN), e o APRA deu origem ao APRA Rebelde,
posteriormente conhecido como Movimento de Izquierda Revolucionaria (MIR). Partes dos trotskistas peruanos
deram início ao FIR (Frente de Izquierda Revolucionaria). Foram grupos que marcaram em grande medida os
anos 60, com destaque para a proposta de luta armada que tinham em seus programas, especialmente porque a
Revolução Cubana parecia o norte a ser seguido para a Revolução.
56

A Nueva Izquerda (cf. nota anterior) é relevante para o nosso trabalho por diversos
fatores. Primeiro porque a ação de Hugo Blanco e os partidos a que ele estava ligado ou
ajudou a fundar são classificados dentro dos aspectos que caracterizaram essa esquerda, cujos
mais relevantes se referem aos métodos de luta e algumas ideias políticas. No entanto, temos
motivos suficientes para perceber em Hugo Blanco fatores que, ao mesmo tempo em que o
aproximam das principais características dessa Nueva Izquierda, o colocavam distante dela.
Nesse sentido, se a Revolução Cubana o influenciou de alguma forma, defendemos que isso
deva ser relativizado, o que já parece não poder ser feito na mesma proporção com as
organizações contemporâneas a sua. O Ejército de Liberación Nacional (ELN), nascido do
racha do Partido Comunista, e o Movimento de Izquierda Revolucionaria (MIR), nascido do
cisma do APRA, considerando diversos autores, especialmente o recente livro do holandês
Jan Lust (2013), que traz entrevistas e trechos de documentos valiosos sobre cada uma dessas
organizações, demonstram o peso que o exemplo irradiado pela ilha caribenha teve sobre suas
iniciativas. O fato de vários de seus membros terem ido treinar em Cuba é algo que temos que
levar em consideração. Porém, se medindo pelas táticas e estratégias da Revolução Cubana,
podemos distanciar Blanco dessas organizações, elas se aproximavam pela paisagem de ação,
isto é, o campo, e não mais a cidade e também por comungarem oposição em relação às elites
políticas. As razões para os mencionados distanciamentos, por sua vez, foram expostos nos
próximos dois capítulos.
Em 1956, após eleições, Odría deixava o poder. Os problemas econômicos, políticos e
sociais estavam muito além do remédio que o Estado, de característica oligárquica, estava
munido e disposto a dar. A economia, demasiadamente aberta e dependente de um mercado
internacional, minguou quando este deixou de consumir os produtos nacionais reduzindo os
recursos do governo e, consequentemente, seus investimentos, marcados pelos gastos em
infraestrutura, saúde e educação, cada vez mais urgentes em função do novo ambiente urbano
(migração serra-costa). Politicamente, a oposição emergia dentro de seus próprios apoiadores,
que desaprovava tais gastos, além de uma classe média mais moderna, cansada do clima
repressivo – Ley de Seguridade Interior – e já em condições de oferecer seus próprios projetos
políticos para o país, conforme aponta Gabriela Pellegrino Soares (2000). Tudo isso fragilizou
o governo, que acabou convocando as eleições, mas que foi vencida por Manoel Prado,
representante do Movimento Democrático Peruano.
É interessante que não deixemos de mencionar que no pleito de 1956, Prado concorreu
com novas opções políticas: a Ação Popular (AP), a Democracia Cristã (DC) e o Movimento
57

Social Progressista (MSP). Apesar de suas especificidades, todos eles tinham um


denominador comum:

As alternativas políticas formuladas pelos novos partidos políticos peruanos


pretendiam reorientar o rumo do desenvolvimento capitalista no país.
Buscavam, por diferentes caminhos, incorporar as demandas políticas dos
setores populares, cuja pressão aumentava com a chegada dos migrantes a
Lima, com a formação das barriadas e com a luta do campesinato contra os
grandes proprietários de terra. (SOARES, 2000, p. 54).

Essas novas opções políticas, no entanto, não são o foco do nosso trabalho. Mas elas
nos servem para marcar, por um lado, como em meados do século XX, os tradicionais
partidos de esquerda, o APRA e o PC, estavam perdendo espaços para outras opções. Sem
contar, é claro, o nítido rechaço que os fundadores desses mesmos novos partidos estavam
nutrindo pelo APRA, pois desaprovavam a nova política deste, que havia ficado mais próxima
da elite econômica e política do país, isto é, os seus antigos inimigos.
Por outro lado, servem para mostrar como o descontentamento avançou sobre a classe
média, que vinha engrossando suas fileiras, desde Leguía, em função da ampliação do Estado,
da educação e pelo desenvolvimento capitalista do país. Mas é interessante notar que, além da
percepção de que o Peru precisava encontrar novos caminhos para os novos tempos a que
estavam sujeitos, esses partidos pareciam recuperar muitos elementos da tradição política
peruana nascida principalmente com Mariátegui e Haya de la Torre, o que nos faz achar
possível, apesar das óbvias diferenças que cada um fez das ideias desses dois, colocar tais
partidos em paralelo com algumas perspectivas da Nueva Izquierda. Estas, vejamos, não
estavam distantes da maioria destes elementos que apareceram no jornal “Libertad”, do
Movimento Social Progressista (MSP), onde se lê: “El diario se define como antiimperialista,
antiyanqui, antioligárquico, hostil a la convivencia, al APRA y al régimen de Prado”
(BOURRICAUD, 1989, p. 234). No partido Acción Popular, embora menos enfático, as
referências ao programa inicial de Haya de la Torre evidenciam de uma outra forma a mesma
recuperação (BOURRICAUD, 1989, p. 257).
Simultaneamente ao início dos questionamentos no interior da esquerda internacional
e nacional, que ajudaram a produzir a Nueva Izquierda e outros tantos partidos, acontecia a
administração de Manoel Prado, sucessor de Odría. A ruptura maior com o regime anterior,
certamente, foi a abertura política, pois economicamente a doutrina continuava de cunho
liberal. Este último ponto não surpreende se consideramos a origem de Prado: oligárquica.
58

Aliás, na época, circulava a ideia de que a economia peruana era controlada por um clã
composto por 30 famílias, sendo uma delas a de Prado (LUST, 2013, p. 58). De todo modo,
apesar dos muitos esforços, como a troca do ministro da fazenda, empréstimos adquiridos no
exterior e o fim da sustentação artificial da moeda (PEASE, 1995, p. 225), Prado não
conseguiu melhorar a economia.
Não obstante, a pressão sobre o governo aumentou em outras duas direções. Primeiro,
porque as eleições de 1962, por diversos motivos internos, sagrariam Haya de la Torre chefe
máximo na nação. Segundo, porque, nestes anos, os camponeses, a partir da organização de
Hugo Blanco, davam mostras do quão convulsionado estava o campo e de como não era mais
possível ignorar ou se aliar às características arcaicas da região serrana. Flores Galindo
relatou: “Ese año los Andes peruanos estaban convulsionados por trescientos mil campesinos
reclamando tierras, escuela y pago salarial” (2005, p. 321). E a quem de perto observava
eram os militares, a quem não agradavanenhum pouco esse contexto. Eles, por fim,
interromperam o governo de Prado através de um golpe. Foram os militares responsáveis
também pela repressão ao movimento camponês e a prisão de Hugo Blanco, em 1963. Na
prisão, este passou a se expressar mais intelectualmente. É a partir desse momento que
abundam seus escritos.
Os militares puseram fim às ações de Hugo Blanco após este ter dado início aquilo que
muitos autores chamaram de Revolução Agrária. Aníbal Quijano (1979), Victor Villanueva
(1967) e Eduardo Fioravanti (1974), entre outros, por exemplo, seguiam esta linha, afirmaram
que os camponeses liderados por Blanco haviam cumprido tal revolução, pois acreditavam
que a estrutura pré-moderna da região havia sido atacada e desarticulada pelos camponeses.
Este processo, por sua vez, teve início em 1958, quando Hugo Blanco se mudou para a cidade
de Cuzco, e, logo depois, para o vale de La Convención, onde entrou em contato com a
população campesina da região. Blanco começou seus trabalhos nas terras do colono Andrés
Gonzales, um camponês que trabalhava nas terras do gamonal mais conhecido da zona de
Chupimayo, área esta que integrava o referido vale. O gamonal em questão era Alfredo
Romainville.
Em 1958, Hugo Blanco chegou ao vale de La Convención, no momento em que os
seus 15 sindicatos organizavam, no mês de setembro de 1958, La Federación Provincial de
Campesinos de La Convención y Lares (FPCLCyL). Na época, tais sindicatos e a Federación
em questão eram vinculadas à Federación de Trabalhadores de Cuzco (FTC), isto é, com laços
com o Partido Comunista Peruano. Um mês depois, em dezembro, elegeu-se a primeira junta
que ia dirigir a FPCLCyL. No geral, os camponeses queriam o fim das relações arcaicas de
59

trabalho e a propriedade das terras que ocupavam na condição de arrendatários. De todo o


modo, o interessante é que, em 1959, já era possível identificar militantes ligados ao trotskista
Hugo Blanco figurando entre os nomes que dirigiam a FPCLCyL. No caso, Andrés Gonzalez
foi eleito para o cargo de secretário geral da Federación (FIORAVANTI, 1974, p. 172),
demonstrando assim que a estratégia de Blanco, convém lembrar, não esteve longe do
entrismos aprendido entre os trotskistas argentinos. E isso ficou mais evidente com a eleição
de Hugo Blanco como secretário geral do sindicato da zona de Chupimayo. Nesta condição
tinha a chance de participar das assembleias da Federación e de percorrer todo o vale para
difundir suas concepções revolucionárias, a fim de cooptar outros sindicatos da região ou
então fundas novos sindicatos. De qualquer maneira, conquanto esta fosse sua intenção, isso
acabou gerando um conflito vigoroso com as lideranças e os sindicatos ligados ao partido
comunistas, que, como exporemos no próximo capítulo, marcará profundamente seu trabalho
intelectual.
Ainda que nem todos os sindicatos estivessem sob o raio de ação do sindicato de
Chupimayo, é fato que Blanco e seus pares conseguiram fundar dezenas de sindicatos na
região, bem como ganharam para sua luta uma parcela considerável de tantos outros. E, neste
caminho, a literatura sobre o tema em questão costumou chamar a atenção para fato de esses
sindicatos ligados a Hugo Blanco terem seguido uma dinâmica diferente das reivindicações
legalistas que eram sugeridas e defendidas especialmente pelo Partido Comunista Peruano,
justamente porque Hugo Blanco teria sido responsável por radicalizar as ações dessas
organizações. E as ações que comprovariam isso foram as greves de camponeses, a invasão
das haciendas, a realização de uma reforma agrária16 sobre as terras invadidas e a formação da
luta armada. Segundo Hugo Blanco, o sindicato que estava na vanguarda de tudo isso era o de
Chupimayo: “Chaupimayo sempre esteve na vanguarda: nas mobilizações de massa, na força
que assumiu o poder camponês, na preparação armada, na milícia, na guerrilha” (BLANCO,
1979, p. 52). Contudo, o auge desse sindicalismo revolucionário no vale aconteceu entre 1961

16
No auge do movimento Hugo Blanco decretou a reforma agrária no vale em questão. Esta reforma foi expressa
em cinco ponto: primeiro, “la Asamblea General de cada Sindicato debe nombrar una “Comisión de Reforma
Agrária” surgida de su seno” (VILLANUEVA, 1967, p. 127). Segundo, “los colonos (arrendires) y sub-colonos
(alegados) se convierten automáticamente en propietarios de las tierras que trabajan” (p. 127). Terceiro, “las
tierras no cultivadas se distribuyen en parcelas, comenzando fundamentalmente por los campesinos más pobres”
(p. 127). Quarto, “las tierras en las cuales se han hecho plantaciones para el hacendado, quedan en poder de éste
si es que no ha tenido un comportamiento caracterizado por atropello humano. De lo contrario, esos cultivos y si
es posible la casa-hacienda con las instalaciones que hayan pasado a poder del Sindicato en forma coletiva, se
dedican a escuela, botiquín, canalizaciones, etc. Quinto, Las autoridades al servicio de los gamonales no podrían
intervenir porque los únicos que conocen bien la realidad agraria son los propios campesinos” (p. 128).
60

e 1962. No ano seguinte, Hugo Blanco já estava preso pelas forças militares que haviam
chegado ao poder no ano anterior.
A duração dos militares no comando do Estado foi curta, apenas de um ano, em 1963
já aconteciam novas eleições. O golpe de 1962 foi bem diferente daqueles ocorridos durante a
República, pois não foi de caráter “caudilhesco”, mas institucional. O que se percebe é uma
mudança de perspectiva dos militares, uma vez que, mais do que uma questão de lei e ordem,
as Forças Armadas passaram a entender a necessidade de novos projetos políticos para o país,
projetos que fossem, fundamentalmente, modernizantes, para superar as perspectivas
oligárquicas e superar as estruturas arcaicas que acometiam os camponeses da Serra, assim
como tratar dos problemas sociais trazidos pelos migrantes.
Tais ideias foram fomentadas e discutidas ao longo dos anos 50, especialmente no
CEAM (Centro de Altos Estudos Militares) e no SI (Serviço de inteligência do Exército), mas
que não estiveram livres da influência dos Estados Unidos e do clima da Guerra Fria. Nesse
sentido, dentro do contexto da época e na posição que o Peru ocupava no bloco ocidental, as
ações e reflexões dos militares se enquadram na luta contra o comunismo, que foi pensado
para ser feito no interior do próprio território. Ao final, as forças armadas reconheceram a
necessidade de reformas que atacassem as fragilidades econômicas e sociais da população,
pois, em última instância, eram elasque formavam um ambiente fértil para a subversão da
população em direção ao comunismo.
Não menos importante, os militares reconheceram, ao mesmo tempo, a incapacidade
do governo civil de empreender tais reformas, porque, uma vez presos em querelas
partidárias, que travavam projetos fundamentais, como a reforma agrária, assim como presos
no conceito de luta de classes e na inércia do discurso democrático, esqueciam-se do interesse
maior: a nação. Este foi outro motivo para que em 1968 os militares resolvessem pôr fim à
presidência de mais um civil: o governo de Fernando Belaúde Terry, eleito em 1963, e
fundador da AP, Acción Popular. Tendo o caminho livre, os militares trataram de empreender
seus objetivos. O primeiro deles foi realizar uma ampla reforma agrária, em 1969. É
interessante recuperarmos que concomitante a isso, Hugo Blanco escrevia um dos seus mais
importantes livros, Terra ou Morte, que trata justamente da luta pela terra que ele e os
camponeses haviam realizado anos antes no vale de La Convencón. Sobre a reforma agrária
dos militares, assim escreveu Pedro Gibaja Vargas Prada: “(...) una reforma agraria que si
bien no solucionó el problema agrario peruano, sí logró una radical transformación de los
patrones de tenencia y propiedad de la tierra” (1983, p. 12).
61

Para encerrarmos, embora consideramos importante os fatores internos para que Hugo
Blanco tenha escrito o livro referido, é relevante não perdermos de vista o contexto
internacional, especialmente o que Cuba passou a significar para as esquerdas latino-
americanas a partir do final dos anos 60, especialmente para os intelectuais que atuavam
nessas fileiras. Até porque o que não falta no livro de Blanco são críticas ao modelo cubano
de revolução. Quem chamou a atenção para isso foi Jorge Castañeda (1994, p. 159), que
destacou a ruptura do consenso entre os intelectuais, que, de uma forma geral, em todos os
países abaixo dos Estados Unidos, apoiavam ou simpatizavam com a Revolução Cubana. Foi
a partir de 1968 que o casamento entre os intelectuais espalhados pelo continente e a ilha
caribenha passou a enfrentar maiores problemas. Isso foi apoiado pela evidente derrota de
todos os movimentos revolucionários armados que eclodiram nos diversos países da América
do Sul e Central e pelo aprofundamento das relações entre Cuba e a União Soviética (URSS),
evidenciada pelo apoio que Fidel Castro deu à invasão da Tchecoslováquia. De qualquer
maneira, como deixaremos claro nos próximos capítulos, o desacordo entre Hugo Blanco e a
Revolução Cubana são anteriores a 1968, demonstrando assim que suas críticas não
esperaram a constatação da derrota das guerrilhas que haviam surgido no continente ou a
aproximação de Cuba com a URSSS.
Portanto, nesta parte do capítulo quisemos descrever os principais aspectos
econômicos, sociais, políticos e culturais do Peru, do início do século até o golpe militar de
1968. A atenção que destinamos a tais elementos é uma tentativa de recuperamos uma parte
do contexto vivido por Hugo Blanco, o qual pensamos ser importante para explicar parte de
seu projeto de revolução para o Peru.
62

2. Hugo Blanco, o Comunismo Internacionalista e a Revolução Cubana.

“O que parece indubitável e inquestionável


é que nenhum historiador poderá
contar a história de nosso século sem
amarrá-la “no fio das revoluções”.

Hannah Arendt-Sobre a Revolução

No início da década de 1970, Hugo Blanco publicou seu mais importante livro: Terra
ou Morte. Embora apresente muitos aspectos que o qualifiquem como um livro de memória, a
julgar pelos esforços do autor em recordar, registrar e narrar o movimento camponês de La
Convención, seu valor, dentro das perspectivas da atual pesquisa, deve ser medido pelas
intenções políticas do autor que perpassam a obra. Contudo, além deste texto há outro que foi
escrito anteriormente, em 1964, enquanto Blanco esteve preso, e intitulado: El camino de
nuestra revolución, que foi direcionado especialmente aos seus companheiros que davam
continuidade ao movimento camponês na referida região.
Apesar da distância temporal dos textos e dos contextos de produção e publicação, os
temas e os conceitos mobilizados por eles nos servem como uma importante porta de entrada
para identificarmos onde estava localizado Hugo Blanco no interior da esquerda latino-
americana e com quais correntes de pensamento que a compunham Blanco dialogou, isto é, se
aproximou, se distanciou, concordou ou refutou. Este percurso permitirá recuperar,
compreender e problematizara trajetória deste intelectual revolucionário.
Após o auge alcançado pelo movimento camponês na região de La Convención,
Blanco foi preso no início de 1963. Em termos gerais, o que nos chamou bastante atenção foi
sua defesa e identificação com o trotskismo, tanto em nível teórico-metodológico, como nos
termos de organização política. Aliás, foi em função da atuação de Blanco que, no início dos
anos 60, o trotskismo peruano engendrou seu fortalecimento, alcançando patamares que o
tiraram da marginalidade política. Sobre esta identificação e visibilidade do trotskismo,
Blanco insistiu em sustentá-la durante todo o período ao qual se dedica o presente trabalho.
Porém, foi justamente a observação de sua condição enquanto intelectual que
demonstrou que sua atuação dentro da esquerda peruana não estava desvinculada de
polêmicas que envolviam, de uma forma geral, a esquerda latino-americana. Aspecto este que
intencionamos demonstrar ao longo deste capítulo.
63

Nesse sentido, é interessante observar que Blanco não economizou espaço em seus
trabalhos para defender o trotskismo perante outros conceitos do marxismo revolucionário
demonstrando muitas vezes que, não necessariamente, o maior inimigo para o sucesso das
propostas de seu grupo político estivesse localizado em torno dos grupos identificados e
organizados à direita, mas na verdade no interior da própria esquerda. Esta perspectiva, por
exemplo, foi facilmente percebida em seus principais escritos, pois várias vezes o
encontramos definindo quem foram os principais desarticuladores do movimento camponês
que ele liderou: os stalinistas e os putchistas (também chamados de oportunistas). Em outras
palavras, se referia aos membros do Partido Comunista Peruano e àqueles que, naquele
momento, entusiasmados com a Revolução Cubana e com as novidades táticas e estratégicas
trazidas pela mesma, se guiaram pelo modelo desta última.
Portanto, não foi por acaso que em 1964 Blanco escreveu aos seus companheiros
tecendo elogios à respeito dos esforços contra o putchismo que alguns membros haviam
injetado à frente revolucionária (FIR),criada pelos trotskistas: “Es así como aún dentro de sus
limitaciones han dado una batalla heroica contra el putchismo y su profundo significado
(…)” (BLANCO, 1965, p. 6). Mais à frente, sobre o principal desafio e êxito na condução das
massas campesinas, afirmou queisto se devia àsuperação do seguinte problema: “el interno es
la lucha por la direción del movimiento campesino entre nosotros y los oportunistas y los
stalinistas” (1965, p. 9).
Em resumo, em uma primeira análise, tais afirmações confirmam que Hugo Blanco foi
um intelectual revolucionário que esteve ligado aos principais temas de discussão da esquerda
do continente americano, ao mesmo tempo em que confirma a multiplicidade de vertentes
políticas e ideológicas que a compunham, bem como a relação tensa entre elas. Como ficou
expressa por Allan Angel:

Não existia, nem existe ainda, uma esquerda unida. As relações entre os
diversos grupos, partidos e movimentos que afirmavam ser a verdadeira
esquerda foram frequentemente hostis, quando não violentas. Às vezes, a
competição foi mais intensa entre eles do que com os partidos de direita. Se
a história da esquerda é em parte uma história de uma luta heroica e paciente
contra terríveis obstáculos, também é em parte uma história de sectarismo,
de rivalidades pessoais e de mesquinharia (ANGELL, 2009, p. 471).

Se as afirmações de Blanco colaboraram para confirmar esta característica da esquerda


latino-americana mencionada por Angell, em uma segunda análise, as mesmas indicam queé
preciso enquadrar a ação e o pensamento de Hugo Blanco na esteira das consequências
64

políticas e ideológicas provocadas tanto pela Revolução Russa, de 1917, quanto pela
Revolução Cubana, de 1959. Afinal, nosso intelectual esteve localizado justamente em um
contexto em que ocorreu o encontro dessas duas teorias revolucionárias.

2.1A Revolução Russa: a herança marxista-leninista.

A Revolução de Outubro de 1917 produziu efeitos praticamente imediatos sobre a


América Latina. As razões são diversas, mas, em uma primeira análise é interessante não se
perder de vista o status mitológico que esta adquiriu e exerceu sobre os mais diversos grupos
sociais, com destaque para o movimento operário e os intelectuais (BETANCOURT, 1995, p.
62-63). Silvio Pons (2014), em seu livro A Revolução Global, dedicou-se em grande medida a
pensar os efeitos dessa revolução na Europa e na Ásia. De qualquer forma, é fato que tais
efeitos se estenderam também sobre a América Latina, pois os diversos canais de recepção e
de expressão do marxismo que essa parte do continente conheceu revelam o seu vínculo com
o imaginário inaugurado pela Revolução de Outubro, o qual se assentava: na ideia de que
havia emergido um Estado revolucionário e proletário, guardião e protagonista do
universalismo igualitário, assim como da revolução mundial.
A análise de Raul Betancourt compartilha dessa perspectiva entusiasmada do que a
revolução bolchevique teria provocado sobre a América Latina:

Na realidade, a Revolução de Outubro encontrou não apenas uma rápida,


mas também ampla e duradoura ressonância. Tanto em círculos intelectuais,
como também em organizações operárias, a vitória dos bolcheviques na
Rússia é saudada com grande simpatia e solidariedade. [...] De maneira
semelhante a outras regiões, a Revolução de Outubro representa, portanto,
para a América Latina, um incomparável impulso para as forças
revolucionárias da sociedade, com o que ela potencia logicamente, com
força, as condições para uma ampla recepção do marxismo do subcontinente
(BETANCOURT, 1995, p. 61-62).

Sob os efeitos da Revolução Russa, portanto, o rio que conduzia o marxismo à


América Latina passou a ficar mais caudaloso, especialmente pela ação dos diversos grupos
sociais que foram atraídos por essa revolução, mas também porque ocorreram fundações de
inúmeros partidos comunistas no continente. Betancourt (1995, p. 73), por exemplo, viu na
fundação de tais partidos um dos canais privilegiados para a entrada e desenvolvimento do
pensamento marxista no continente latino-americano. Porém, os efeitos da Revolução Russa
sobre a América Latina não se limitaram a isso, mesmo porque o continente observava um
65

movimento que, embora houvesse realizado a revolução no interior das fronteiras nacionais,
guardava em seu seio o gérmen da revolução internacionalista preconizado por Karl Marx.
Nesse sentido, desde o início, os bolcheviques reconheciam a necessidade de exportar
a revolução para além das fronteiras russas, exportação esta que encontrou expressão na
fundação, em 1919, da Komintern, isto é, a III Internacional Comunista. A criação desse
organismo resolveu, inclusive, uma contradição importante, pois, como afirmou Hannah
Arendt, “quando um movimento, internacional em sua organização, universal em seu alcance
ideológico e global em sua aspiração política, toma o poder num único país, coloca-se
obviamente em situação contraditória” (ARENDT, 2012, p. 439).
Desta feita, a Komintern procurou estabelecer células comunistas nas mais variadas
partes do mundo sob seu controle. Por um lado, como sublinhou Betancourt (1995, p. 72),
isso significou uma ligação orgânica entre a América Latina e o movimento que se
autodenominava internacional, ao mesmo tempo em que redundou no início de um processo
chamado de “bolchevização” (PONS, 2014), o que significou, em um primeiro momento, que
o controle se daria pela transferência do modelo de revolução experimentado por Lênin às
outras partes do mundo, isto é, a transferência do marxismo-leninismo17.
Contudo, convém ressaltar que o cerceamento que a Internacional promoveu sobre os
partidos comunistas espalhados pelo mundo, até 1927, não foi tão profundo como haveria de
ser no período posterior a esta data, haja vista que foi durante a década de 1920, por exemplo,
que se deu o surgimento de ricas adaptações do marxismo à América Latina, representadas
por autores como José Carlos Mariátegui, já mencionado no capítulo anterior. Além disso,
apesar das intenções coercitivas do Komintern, seus primeiros Congressos pareciam menos
inflexíveis e, por vezes, mais próximos da realidade presente no subcontinente americano
(BETANCOURT, 1995, p. 70-71). Alberto Flores Galindo, por exemplo, defendeu que foram
as resoluções do Congresso de 1921 que orquestraram boa parte do caminho percorrido por
Mariátegui para conceber seu marxismo heterodoxo e seu partido socialista, apesar de
reconhecer que esta ligação tenha sido apenas informal, pois a vinculação direta entre o
marxismo peruano com o Komintern apenas se daria após 1927, durante o predomínio do
“stalinismo” (FLORES GALINDO, 1982, p. 75).

1717
Como observou Domenio Settembrini, “O Leninismo é a interpretação teórico-prática do marxismo, em
clave revolucionária, elaborada por Lenin num e para um país atrasado industrialmente como a Rússia, onde os
camponeses representavam a enorme maioria da população” (2010, p. 679). Nesse sentido, foi um conceito que,
embora nascido para atender as particularidades da Rússia, tornou-se modelo sobre a tomada e a gestão do poder,
identificados com a insurreição armada, a ditadura do proletariado e o partido de vanguarda.
66

Se o Komintern durante os primeiros anos da década de 1920 não apareceu como uma
instituição capaz de impedir que na América Latina surgissem expressões autônomas quanto à
reflexão e à prática do marxismo, a mesma instituição, por outro lado, foi fundamental para
consagrar e difundir, através de seus partidos, a bandeira do maxismo-leninismo, principal
recurso teórico e prático para a concretização da revolução socialista. Eis, portanto, uma das
tradições mais importantes legadas pela Revolução Russa: o conceito marxista-leninista de
revolução. Este conceito nos chama a atenção, uma vez que a sua utilização se dá de maneira
recorrente no interior das concepções sobre revolução elaboradas por Hugo Blanco em seus
livros, com especial destaque à necessidade da violência revolucionária, mas sobretudo em
relação ao partido de vanguarda.
Esta concepção de partido foi lançada por Vladimir Lenin, no início do século XX,
através do livro intitulado Que Fazer (1978). Nesta obra, em reflexão sobre os instrumentos
de poder e organização passíveis de aplicação no contexto revolucionário, o autor defendeu a
existência de um organismo político integrado por revolucionários profissionais que fossem,
igualmente, condutores das massas e garantidores dos caminhos que os levariam à vitória do
socialismo. Acerca do assunto, afirmou Settembrini: “Partido que será o depositário da
verdade, como intérprete da essência mais real da classe operária, a encarnação atual do
socialismo, a única garantia de seu advento futuro” (2010, p. 681).
O conceito de partido de vanguarda apareceu constantemente desde os primeiros
textos de Hugo Blanco e, no livro Terra ou Morte, a falta de um partido de vanguarda foi
apresentado como a principal deficiência da revolução peruana, como é possível identificar
nesta passagem: “mas também vejo esta atividade, como uma mostra do funesto que é o
descaso pela construção do partido revolucionário, de tipo leninista” (BLANCO, 1971, p. 29).
Contudo, consideramos que o marxismo-leninismo que apareceu reivindicado na obra
de Hugo Blanco não esteve diretamente vinculado às ações do Komintern ou pelo partido
comunista peruano, pois o primeiro foi extinto em 1943 e o segundo, na época da formação e
atuação política de Hugo Blanco, embora ainda se colocasse como o autêntico representante
do marxismo-leninismo, já não o praticava seguindo seus preceitos iniciais, uma vez que as
concepções stalinistas passaram a predominar em tais organizações, especialmente após 1927.
Nesse sentido, se Hugo Blanco se valeu de princípios leninistas, ele o fez, certamente,
de duas maneiras: indo direto às fontes ou, principalmente, acionando-os pela ponte
construída pelo movimento trotskista até o leninismo. Este segundo ponto, por exemplo, fica
claro se observarmos o Programa de Transição, de 1938, redigido por Trotsky, e que tinha
como um de seus alicerces o marxismo revolucionário elaborado por Lênin (SAGRA, 2005,
67

p. 140). Além disso, ao longo de sua trajetória política e intelectual, Leon Trotsky se
aproximou em diversos momentos do tipo de partido inspirado por Lenin (PASQUINO, 2010,
p.1266). Por conta disso, não surpreende que em um trecho do livro Terra ou Morte, ao se
referir direta ou indiretamente aos diversos modelos de revolução que haviam surgido desde a
Revolução Russa, Blanco afirmou, sem deixar escapar o tom positivo, que: “[lá] está o
caminho de Lênin e Trotski” (BLANCO, 1971, p. 30), o que demonstra sintonia e
conhecimento das duas leituras do marxismo revolucionário. Por fim, o posicionamento em
paralelo destes dois líderes revolucionários mostra, a um só tempo, que o autor em questão
percebia muito mais semelhanças do que diferenças entre o trotskismo e o leninismo.
Assim, a defesa que Hugo Blanco fez do partido de vanguarda estava assentada em
grande medida no conhecimento e na concordância que ele cultivara com as concepções do
leninismo ou com o trotskismo. Mas não unicamente isso. Temos a impressão de que tal
defesa foi realizada também em razão da sua condição de homem de ação. Pois, como toda a
trajetória do movimento revolucionário dos camponeses no vale de La Convención foi
marcada pelo conflito e pela tensão entre diferentes correntes da esquerda, Blanco foi
testemunha dos esforços de seus pares e de seus inimigos para preservar e cooptaras
organizações de massa (sindicatos e federações campesinas) que haviam nascido no interior
dos latifúndios localizados no referido vale. Aliás, essa política de cooptação era uma das
bases que sustentavam a ideia do partido de vanguarda. Na ocasião, a disputa foi bastante
polarizada entre os trotskistas e o Partido Comunista, como é possível observar nesta
afirmação de Fioravanti (1974, p. 205):

(...) existían en los valles dos zonas claramente delimitadas: los partidarios
de Blanco controlaban las propiedades de Romainville (Huadquiña,
Chaupimayo y Santa Rosa) y el valle de Lares, así como la dirección de la
Federación Provincial de Campesinos de La Convención y Lares, mientras
que los partidos del Partido Comunista dominaban los distritos de Santa
Ana, Maranura, Huayopata y Echarate).

A disputa foi de dada importância que “el PCP [Partido Comunista peruano] envió a
la Convención y Lares a más de treinta militantes cuzqueños a apagar el ‘fuego’ propagado
por Blanco” (FIORAVANTI, 1974, p. 205). Este “incêndio”, na visão dos comunistas, dizia
respeito àlinhaconferida pelas propostas mais radicais que Hugo Blanco e seus pares
deramaos sindicatos da regiãoe que pregavamo fim das relações arcaicas de trabalho ea
invasão de terras e o fim do latifúndio. Tais ações se opunham àquelas incentivadas pelo
Partido Comunista, naquele momento.
68

Vale ressaltar que as atuações do Partido Comunista na região foram fundamentais


para se elevar o sectarismo e a tensão na região, pois tal partido não apenas conseguiu
preservar e firmar sua presença política e ideológica frente aos trotskistas, como também
conseguiu atrair determinados sindicatos que estavam sob o raio de influência da FPCLCyL
(Federación Provincial de Campesinos de La Convención y Lares), fundada em 1961 e
controladas naquele momento por Blanco e seus correligionários. A fragmentação no interior
desta Federação aconteceu a partir de abril de 1962, justamente após Blanco ter sido eleito
secretário geral. Dos 83 sindicatos votantes, 32, mais simpáticos a uma linha reformista, não
aceitaram a eleição de Blanco. Pouco tempo depois, tais sindicatos estavam sob a influência
do Partido Comunista, ao mesmo tempo em que passaram a apoiar a repressão do movimento
camponês na região. (FIORAVANTI, 1974, 206-207).
Portanto, foram essas disputas no interior da esquerda, especialmente no interior do
movimento camponês em La Convención, que provavelmente explicam uma das razões de
Hugo Blanco ter defendido com tanta avidez, desde a sua prisão em 1963, que a falta de um
partido de vanguarda foi uma lacuna elementar. Temos a impressão de que a experiência lhe
demonstrou o quão frágil fora a disciplina das massas naquelas circunstâncias e o quão
arriscado é deixá-la “à sorte” de sua espontaneidade. Em outras palavras, desvinculada do
partido, principalmente em um contexto de disputa por sua direção. Mas é bom lembrar
também que este comportamento do Partido Comunista corroborava para Hugo Blanco
compreendê-lo como um órgão esvaziado de qualquer conteúdo revolucionário.
Ademais, convém acrescentar que esta necessidade do partido de vanguarda defendida
por Hugo Blanco também pode estar ligada à constatação de que os objetivos e princípios
político-ideológicos do socialismo estiveram, em grande medida, circunscritos aos líderes do
movimento. Ou seja, tais princípios não haviam penetrado as massas, por conseguinte, isto
teria inviabilizado o aprofundamento do movimento camponês na direção que Blanco
desejava: a revolução socialista, bem como teria favorecido que tais massas se inclinassem na
direção do viés reformista dos comunistas. Nesse sentido, para evitar estes resultados, era uma
questão imperativa a construção do partido, pois apenas este garantiria a educação e a
condução das massas rumo ao socialismo.
Por fim, é interessante realçar que a defesa do partido de vanguarda demonstrada por
Hugo Blanco não foi necessariamente uma defesa mais do leninismo do que do trotskismo,
pois reivindicar o partido de vanguarda era o meio pelo qual os trotskistas se colocavam na
liderança do movimento e liderar a revolução era justamente um dos cernes do movimento
trotskista, pois como afirmou José Roberto Campos: “A crise histórica da humanidade, para
69

os trotskistas, se reduzia à crise histórica de direção revolucionária” (1981, p. 39).Contudo,


isto não encerra o tema, pois logo mais perceberemos que esta defesa do partido e do
trotskismo também era uma resposta às organizações que tentavam traduzir no Peru o castro-
guevarismo. Mas antes de tratarmos disso, convém dedicar atenção às origens do trotskismo,
uma vez que o mesmo esclarece algumas questões sobre o stalinismo e a equalização deste
último, por parte de Blanco, com o reformismo.

2.2. As origens do movimento trotskista e a IV Internacional nos anos 50.

Para Silvio Pons (2014, p. 110), em 1923, na Alemanha, teria sido a última vez que os
líderes da União Soviética haviam arriscado a segurança do Estado revolucionário em favor
da revolução mundial, política esta que só viria a se aprofundar, sobretudo, durante o período
identificado com o stalinismo, isto é, de 1927 até 1953. Nessa linha adotada por Stalin, o
sentido dado à III Internacional e ao papel dos partidos comunistas, que desde a vitória da
Revolução Russa em 1917 havia se alastrado pelo mundo, foram inclinados a se combinar
com os interesses nacionais da União Soviética. Isso, como sublinhou Pons, não significou
que o Komintern havia renunciado à revolução mundial, mas estava claro que ela foi
ressignificada dentro da concepção do “socialismo em um só país”.
Porém, ainda que esses novos ventos não custassem e nem diminuíssem os
entusiasmos e a legitimidade que muitos grupos sociais continuariam a cultivar pela
Revolução de Outubro (PONS, 2014, p. 11), no plano prático e teórico, a história foi outra,
pois o marxismo revolucionário que o Komintern fez ecoar desde a União Soviética até aos
partidos comunistas espalhados pelo mundo provocou consequências profundas. Em último
caso, coube aos partidos comunistas nacionais uma intensa burocratização vinda de cima para
baixo, bem como a imposição de estratégias e interpretações ortodoxas do marxismo como a
revolução por etapas e o “socialismo em um só país”. Conforme Pons:

Sobretudo a partir do início dos anos de 1930, os quadros do Komintern e de


suas seções nacionais foram amplamente submetidos a práticas
institucionalizadas de natureza pedagógica e normativa, paralelas e
substitutivas daquelas aplicadas nas respectivas comunidades nacionais
(2014, p. 159).

Mas foi exatamente nesse momento de burocratização, dogmatismo e de definição do


“socialismo em um só país” representado pelo stalinismo na União Soviética que se começou
a definir também outra corrente teórica e prática do marxismo identificada sob um nome,
70

sendo este de importante valor para o nosso trabalho: o trotskismo. O trotskismo foi um termo
que surgiu na União Soviética para caracterizar, dentro do Partido Comunista, a ala de
membros mobilizados em torno de Leon Trotsky, os quais se opunham aos caminhos que
alguns dirigentes do Partido Comunista estavam dando à revolução de 1917. Mas como tal
oposição foi muito mais oscilante do que linear e decisiva, o resultado foi o afastamento e
posterior expulsão de Trotsky, tanto do partido como da União Soviética (CAMPOS, 1985, p.
25-32).
Em 1927 a oposição que ele encabeçara havia sido derrotada e em 1929 foi obrigado a
deixar a Rússia. De qualquer maneira, outro resultado dessa oposição que precisa ser
mencionado foi que os trotskistas passaram a conhecer uma crítica e perseguições que a
União Soviética fez questão de perpetuar e de espalhar para todos os partidos comunistas, o
que produziu e legou um longevo desacordo entre trotskistas e comunistas para além da
Rússia. Hugo Blanco foi testemunha deste conflito dentro da esquerda, pois responsabilizou a
perseguição que sofreu do Partido Comunista Peruano devido à sua condição trotskista. Em
1956, por exemplo, logo após retornar da Argentina e dois anos antes de se juntar aos
camponeses, organizou a formação de um sindicado de vendedores de jornais com o objetivo
de adentrar na Federación de Trabajadores de Cuzco (FTC), que era controlada pelos
comunistas, e da qual foi expulso. Sobre isso, Blanco afirmou que: “(...) yo era trotskista,
entonces me expulsaron de la Federación, no me admitían y bueno en La Convención
comenzaron a decir que yo era: “agente del imperialismo (...)”(BLANCO, 2011, p. 244).
O ponto envolvendo as tensões entre stalinismo e trotskismo que culminou com a
expulsão de Trotsky nos é fundamental, porque foi durante o período de exílio que Trotsky
mobilizou toda sua competência teórica e prática, contribuindo, a um só tempo, para
denunciar, pelo menos na sua visão, os descaminhos que Stalin destinava ao Estado
Revolucionário, bem como para recolocar os partidos comunistas filiados à III Internacional
de volta ao caminho que os levaria em direção à revolução mundial (CAMPOS, 1985, p. 11).
Contudo, a degeneração burocrática que havia atingido o Partido Comunista Soviético, a
preponderância dos interesses nacionais em detrimento da revolução mundial e, ainda, a
adoção de estratégias equivocadas e executadas pelo Komintern– como aquelas que
contribuíram para a derrota dos revolucionários e a ascensão dos nazistas ao poder na década
de 1930, na Alemanha (COGGIOLA, 1984, pp. 12-13) –, foram alguns dos fatores que
colaboraram para que Trotsky achasse que a III Internacional havia renunciado aos seus
objetivos originais. Conforme José Roberto Campos:
71

A Internacional Comunista, por seu lado, transformou-se numa máquina


burocrática e monolítica, a serviço da política conservadora de Stalin. Seguiu
os ziguezagues do dirigente soviético que, para construir seu “socialismo” na
Rússia isolada, compactuou com os países imperialistas, inclusive com
Hitler(1985, p. 40).

Diante deste panorama, Trotsky e seus apoiadores, depois de terem se reunido em


torno da oposição à esquerda, concluíram pela necessidade de criarem outra Internacional.
Isto aconteceu na França, em 1938, e ficou conhecida como a IV Internacional, sendo sua
bandeira o Programa de Transição redigido por Trotsky. Apesar de representar mais uma
continuidade do que uma ruptura com o leninismo e com os congressos da III Internacional
anteriores ao stalinismo (SAGRA, 2005, p. 139-143), a IV apareceu oferecendo à esquerda
mundial o trotskismo como uma via possível para a revolução socialista, especialmente em
termos de direção. Tal movimento, inclusive, foi importante para os rumos que tomou o
socialismo na América Latina, pois esta não ficou imune a esse contexto de emergência do
trotskismo. Com efeito, as disputas dentro do Partido Comunista Soviético e a posterior
organização da IV Internacional contribuíram para o surgimento dos primeiros grupos
trotskistas na América Latina.
Este foi o caso, por exemplo, do trotskismo peruano cujos primeiros militantes
advieram de cisões no interior do partido comunista (ALEXANDER, 19991) e o próprio
Hugo Blanco foi um trotskista que se inserira dentro dos quadros da referida internacional.
Aspecto este que não ficou evidente apenas pelos contatos que estabeleceu com a
internacional e seus integrantes, mas também pelo seu trabalho intelectual. No próximo
capítulo demonstramos como o conteúdo do livro Terra ou Morte foi, em última instância, a
defesa do Programa de Transição.
Contudo, é preciso dizer que o trotskismo, embora não tenha alcançado o aspecto de
uma doutrina codificada, nem um elevado grau de organização, ofereceu a seus militantes um
conjunto de princípios coerentes para a teoria e prática do marxismo, principalmente para uma
atuação nos países da periferia do capitalismo, que, segundo Michael Löwy (2015, p. 111),
ficou evidenciado na principal obra deste intelectual revolucionário, A Revolução
Permanente. Esta obra também, em diversos sentidos alcançou o status de rigorosa
importância em função da leitura singular a que Trotsky foi capaz de oferecer do marxismo18.
Porém, neste momento, o que mais nos interessa é o trotskismo enquanto movimento político

18
Como defendeu Gianfranco Pasquino, a [...] teoria da revolução permanente, a qual [...]constitui
provavelmente a contribuição mais original do pensamento marxista depois de Marx e Engels”(PASQUINO,
2010, p 1261).
72

e prática revolucionária, especialmente a partir da década de 1950, pois é neste ponto que
localizamos Hugo Blanco.
Na década de 50, o trotskismo não passava pelos seus melhores momentos. Nas
palavras de Michael Löwy (2005, p. 201), o período em questão significou o mesmo que uma
“travessia do deserto”, tamanhos foram os desafios. A morte de Trotsky, assassinado a mando
de Stalin, no México, em 1940, e o início da Segunda Guerra Mundial não contribuíram para
o fortalecimento e o amadurecimento do trotskismo. Na verdade, tais fatores colaboraram
para que as organizações filiadas à IV Internacional aprofundassem suas fragilidades. Como
sublinhou José Roberto Campos: “logo veio a II Guerra Mundial que, ao lado do assassinato
de Trotski [...] contribuiu para dispersar a nova organização – pequena, isolada da classe
operária, frágil teórica e praticamente” (1985, p. 12).
Diante disso, não demorou para que a jovem IV Internacional sofresse duros golpes,
sendo o mais relevante a cisão de 1953, momento que inaugurou duas grandes correntes: o
Secretariado Internacional da IV Internacional (SI), dirigido pelo Belga Ernest Mandel, e o
Comitê Internacional da IV Internacional (CI), dirigido pelo francês Pierre Lambert.
Lembrando que durante todo o período que tivemos o movimento de camponeses em La
Convención, Hugo Blanco cultivou de alguma maneira relações mais próximas com o Comitê
Internacional. Este elo, por sua vez, era realizado por meio de uma seção localizada na
Argentina, o SLATO (Secretariado Latinoamericano del Trotskismo Ortodoxo), liderado pelo
trotskista Nahuel Moreno. A divisão da IV Internacional, por sua vez, não foi algo que
permaneceu solidificado no tempo, afinal, em 1963, vários grupos identificados com o
Comitê Internacional se reincorporaram ao Secretariado Unificado da IV Internacional (SU).
Sendo um desses grupos a seção argentina liderada por Nahuel Moreno19.
Assim, não bastasse a fragilidade da IV Internacional após a II Guerra Mundial, a
cisão ocorreu também em função da recusa, por parte de alguns partidos trotskistas, de
aceitarem as diretrizes organizadas por um dos delegados da Internacional, o grego Michel
Pablo, que foram apresentadas no III Congresso Mundial, em Paris (1952). Pablo, analisando
o contexto pós-guerra, ofereceu o caminho do “entrismo” para os partidos trotskistas, isto é,
afirmava que a opção que restava aos trotskistas, diante da mais nova guerra mundial que se
19
Esta unificação, por um lado, se não significou a superação das diferenças internas, uma vez que tensões
internas continuaram a marcar presença, por outro, esta unificação revelou o impacto que a Revolução Cubana
causou sobre a IV Internacional. Como ressaltou Isabella Meucci (2015), a vitória dos revolucionários, o tom
marxista que estes acabaram emplacando à revolução e a convergência das análises de trotskistas de diferentes
seções sobre o que se passava na ilha contribuíram para a reunificação de 1963. Com efeito, podemos considerar
que a partir deste momento, o trotskismo internacional passou a estar, como diria Osvaldo Coggiola (1984), “sob
o signo da Revolução Cubana”, o que certamente teve um impacto profundo sobre a trajetória intelectual de
Hugo Blanco, pois este se manteve crítico ao castro-guevarismo.
73

anunciava, era adentrar nos partidos comunistas submetidos à burocracia stalinista procurando
cooptá-los, para então, resgatando-os das mãos destes, os transformarem em partidos
revolucionários novamente. Acontece que suas considerações não agradaram a todos, aliás,
para alguns, o programa de Pablo era a negação do programa que havia inaugurado a
Internacional, isto é, a recusa das linhas expressas pelo Programa de Transição (CAMPOS,
1985, p. 54).
Sobre as ideias de Pablo, Mabelle Bandoli (2016), no artigo intitulado
Desenvolvimentismo e institucionalização partidária: o trotskismo invulgar do POR (1952-
1960) tratou da cisão de 1953, trazendo assim, resumidamente as considerações daquilo que
ficou conhecido como pablismo, como se segue abaixo:

Em essência, os textos defendiam que o mundo vivia um período diferente


daquele no qual a IV foi fundada: o conflito entre o imperialismo americano
e os Estados operários encabeçados pela URSS estava em ponto de ebulição
e uma nova guerra mundial viria a irromper em curto prazo.
[...]
A emergência da guerra abreviaria o “tempo histórico” disponível para a
construção de partidos “verdadeiramente revolucionários” (trotskistas). As
massas estariam animadas pelos importantes processos de transformação
social em curso no leste europeu e na China, e eles vinham acontecendo sob
a direção soviética. Todos esses fatores empurravam o comando da provável
revolução para as mãos da burocracia stalinista: somente “séculos de
transição” para o socialismo poderiam diluir tamanha força política.
Depois de vencer a guerra contra o imperialismo, se abriria o momento de
levar as massas a lutar diretamente contra o stalinismo. Somente então os
trotskistas se empenhariam em puxar a política soviética para a esquerda,
fazendo surgir tendências centristas que acabariam por prevalecer sobre o
“oportunismo direitista” vigente. Para cumprir cada uma das etapas dessa
jornada, os trotskistas tinham a tarefa urgente de se integrar no real
movimento das massas. O primeiro passo a ser dado era integrar os
militantes trotskistas nos partidos comunistas em todo o mundo, com o
objetivo de influenciar sua política. Assim, a partir de dentro, se iniciaria o
longo processo de reconquista do imenso aparato controlado por Stálin
(BANDOLI, 2016, p. 286).

Contrários a Michel Pablo estiveram o Partido Comunista Internacionalista (francês),


que foi excluído da IV Internacional. Em seguida, por sua vez, os franceses organizaram, com
apoio de seções inglesas, suíças e do SWP (Socialist Workers Party) estadunidense o Comitê
Internacional da IV Internacional, formalizado em 1953. Essas divisões que aconteciam no
movimento trotskista impactaram sobre as organizações trotskistas da América Latina. Na
Argentina, por exemplo, país que desde o pós-guerra vinha se transformando “numa espécie
de centro-latino americano” do trotskismo (COGGIOLA, 1984, p. 49), existia uma disputa
74

entre dois grupos que ansiavam representar a IV Internacional, representados por Nahuel
Moreno e João Posadas.
Como o III Congresso Mundial que havia incorporado as ideias de Michel Pablo foi o
mesmo que reconheceu a organização de João Posadas, na Argentina, para representar o
movimento trotskista internacional, Nahuel Moreno, que em um primeiro momento havia
aceitado a decisão, rompeu com o Secretariado Internacional (SI) e se juntou ao Comitê
Internacional (CI) em 1954. Para tanto, criou o Secretariado Latino americano do trotskismo,
o (SLATO), que agregava seções da Argentina, do Chile e do Peru. Por fim, o resultado
dessas cisões foi a emergência de dois organismos responsáveis pela organização do
trotskismo na América Latina, pois, enquanto Moreno liderava o SLATO, Posadas executava
a constituição do Bureau Latino-americano (BLA) ligado ao SI. Diante disso, não é um
exagero reconhecermos também que o continente americano, durante a década de 1960,
contava com diversas “Internacionais”, que, em última instância, buscavam sua hegemonia
sobre a revolução e os movimentos de esquerda na região. Conforme Coggiola “de fato,
Moreno e Posadas enviaram delegados onde podiam e consumaram a divisão dos grupos
trotskistas do continente” (1984, p. 56).
É importante lembrar, igualmente, que foi justamente no ano de 1954 que Hugo
Blanco se mudou para Buenos Aires, onde deu início ao curso de agronomia na Universidade
de La Plata. Com efeito, juntou-se ao grupo de Moreno quando este formalizava o SLATO.
Nesse sentido, partimos do princípio de que Blanco, além de ter sido o elo para que o Comitê
Internacional chegasse a ter representação no Peru (COGGIOLA, 1984, p. 71), foi exatamente
na Argentina onde ele experimentou importantes lições, que certamente o acompanharam
quando, em 1956, voltou ao Peru. Contudo temos que destacar que o trotskismo peruano,
durante o período em questão, não deixou de apresentar as mesmas fragilidades do trotskismo
internacional. Assim, a partir de 1956, o Peru conviveu com dois PORs, o de Ismael Frías,
ligado ao SI e ao BLA de Posadas, na Argentina; e o de Hugo Blanco, ligado ao CI e ao
SLATO, este a partir de maio de 1957, dois meses depois de realizarem o I Congresso do
partido do POR.
Sobre as lições aprendidas por Blanco na Argentina podemos destacar a linha seguida
pelo grupo de Moreno. Estes mudaram sua atitude em relação ao governo populista
desenvolvido por Juan D. Perón (1952-1955), passando a apoiá-lo, após o golpe de 1955. A
partir desse momento ficou bastante evidente o entrismo perpetrado pelo grupo de Moreno
sobre os sindicatos submetidos e comandados pelo peronismo, atitude essa que, por um
75

momento, valeu-lhes maior participação dos trotskistas no movimento de massa


(COGGIOLA, 2006, pp. 153-154).
Assim, a maneira como Blanco atuou entre os camponeses, em Cuzco, não nos parece
muito diferente daquela aprendida na Argentina, pois as organizações e a proximidade com as
massas mantiveram-se em uma posição de destaque dentro de sua tática, haja vista a
quantidade de sindicatos fundados por Blanco no vale de La Convención. Além disso,
algumas ações revelam que estava inserido dentro do entrismo, pois procurou adentrar e
cooptar alguns sindicatos da região, inclusive sobre alguns que estavam sob o controle do
Partido Comunista. Martin Mangiantini comentou essa experiência de Blanco no país platino:
“[...] Hugo Blanco, un militante de la corriente morenista que, tras su estancia en Argentina,
retorno a Perú y se dedico a la tarea de sindicalizar al movimiento campesino en el Valle de
la Convención y Lares” (MANGIANTINI, 2015, p. 7).
Porém, seria um equívoco afirmarmos que a ação de Blanco apenas repetia no Peru o
que aprendeu na Argentina. Pois deixar a cidade para organizar os camponeses, em 1958, e
posteriormenteiniciar a partir deles o processo revolucionário, não apenas contrariava as
lições aprendidas em solo platino, como era uma atitude singular ante as próprias ideias de
Leon Trotsky, que insistiam no protagonismo das massas urbanas. Mas Blanco parece ter
transcendido esta lógica ao iniciar a sindicalização dos camponeses, em Cuzco. Jun Lust, no
seu livro “Lucha revolucionára”, Perú:1958-1967, trouxe o depoimento de um ex dirigente
do FIR, Guilhermo Serpa, que afirmou: “me parece está muy claro que la presencia de Hugo
en el Cuzco, en la organización de los sindicatos, es mérito exclusivo de la iniciativa suya,
Hugo puso el FIR ante un escenario de lucha concreta, en Chaupimayo” (LUST, 2013, p. 78-
79). Tais problematizações, por sua vez, foram aprofundadas e esclarecidas no próximo
capítulo.
Por fim, convém comentar que o referido contexto foi impactado pela Revolução
Cubana, de 1959. Tal evento é fundamental, pois nos ajuda a compreendera radicalização e o
tom da crítica que Hugo Blanco despendeu à agenda reformista, tanto dos apristas como dos
comunistas, bem como as principais razões que levaram ao surgimento da Nueva Izquierda20
no Peru. São estes aspectos que passaremos a estudar a partir de agora.

20
A história da Nueva Izquierda ultrapassa os anos sessenta, contudo só nos interessa a sua primeira fase, isto é,
entre 1959-1965, que foi o momento em que as organizações que a integravam promoveram a luta armada no
Peru.
76

2.3. O Partido Comunista Peruano

Como já adiantamos em outros momentos, no Peru, o Partido Comunista se originou


do Partido Socialista, fundado em 1927, por José Carlos Mariátegui. Todavia, este último só
recebeu o nome de Comunista em 1930. Esta alteração, por sua vez, na história do
comunismo peruano, foi muito mais do que uma mudança de sigla; significou, em último
caso, o enquadramento deste partido aos ditames de Moscou, marcando toda a trajetória
política do partido no país.
Apesar de as distâncias e as preocupações de Moscou terem tido maior foco em outras
regiões do mundo (ANGELL, 2009, p. 476), as interferências do Komintern na América
Latina não deixaram de ser sentidas. A influência sobre o continente, bem como a forma
como isso ocorria foram muito bem descritas por Alberto Flores Galindo em seu clássico livro
La agonia de Mariátegui, de1982. Neste livro, o autor destacou os desacordos entre os
delegados peruanos, que representavam o recém fundado Partido Socialista, com as diretrizes
da Komintern, ocorridos na primeira conferência continental dos partidos comunistas latino-
americanos, em Buenos Aires, no ano de 1929.
Mariátegui, embora fosse o principal ideólogo e teórico do marxismo e do referido
partido, não compareceu à conferência, sendo representado pelos correligionários e operários
Hugo Pesce e Julio Portocarrero. A despeito dos vários pontos altos desta obra de Flores
Galindo (1982), o que devemos colocar em relevo é justamente o ponto que temos insistido: o
progressivo burocratismo e dogmatismo corporificado pela Komintern, pois o autor em
questão, mais de uma vez, demonstrou a tentativa da internacional em cercear as concepções
heterodoxa sem relação ao Partido Socialista e ao marxismo heterodoxo que advinham da
delegação peruana, que, como se sabe, eram as marcas do pensamento de Mariátegui. Nesse
sentido, praticamente inexistiu, na conferência de Buenos Aires, espaço para que os princípios
que sustentavam o Partido Socialista fossem aceitos dentro das concepções da Internacional,
que, adotando o conceito de “classe contra classe”, previa um partido Comunista monolítico,
disciplinado e composto apenas pelo proletariado, enquanto Mariátegui defendia um partido
aberto às questões regionais, incorporando o indígena e os intelectuais no corpo de filiados.
Ainda segundo Flores Galindo, este partido menos homogêneo estava assentado na
capacidade de Mariátegui de considerar como fator fundamental a realidade peruana, tanto na
leitura e interpretação do marxismo, quanto em sua aplicação em seu país.Assim, diante da
falta de um proletariado maduro e numericamente considerável, ele optou por um partido com
bases mais amplas com enfoque nas comunidades andinas. Na leitura de Mariátegui, a questão
77

do trabalho e da exploração do mesmo passava pela compreensão da relação dos camponeses


com a terra.
Porém, a defesa de um partido com tais características e que levasse em conta os
aspectos nacionais só elevava os desacordos com a Internacional, pois esta não considerava a
existência de especificidades nacionais, o que existia para ela era apenas uma realidade
continental: a realidade latino-americana. Sendo assim, ao final da conferência, os delegados
peruanos colecionavam uma porção de ratificações feitas por diversos outros delegados,
especialmente por aquele que fora responsável pela organização do encontro: Vittorio
Codovilla.
A configuração deste panorama é válida justamente porque, logo depois, em 1930, a
morte encontrou Mariátegui, e o seu projeto de partido, bem como sua leitura do marxismo
acabaram sendo sepultados com ele, dando início àquilo que o próprio Flores Galindo chamou
de processo de “desmarieteguização” do Partido Socialista. Um dos responsáveis por isso foi
Eudocio Ravines, então secretário geral do Partido, que ao suceder Mariátegui como
presidente da agremiação, alterou o nome do partido de Socialista para Comunista. É
importante destacar também que, quando procurou relegar ao esquecimento as concepções de
Mariátegui, Ravines não estava fazendo outra coisa a não ser fidelizar o partido recém
organizado à III Internacional e aderir à sua forma de atuar junto aos partidos (PRIEGO,
1990, p 268).
Para o movimento comunista peruano, a mudança de direção que Ravines impôs ao
partido teve consequências marcantes, como a manutenção dos comunistas em segundo plano
na vida política do país, uma vez que, na década de 1930, o protagonismo político das
esquerdas junto às massas ficou para o PAP (Partido Aprista Peruano), fundado por Haya de
la Torre. Isso se deu por alguns motivos que envolvem a própria capacidade pessoal e
carismática de Haya de la Torre, mas também, em função da estratégia adotada pelo Partido
Comunista em acordo com as diretrizes da Internacional: “classe contra classe”. No caso
peruano, esta estratégia favoreceu não apenas o isolamento do proletariado, mas do próprio
partido em relação às massas de uma forma geral. Acerca do assunto, Priego afirmou:

La táctica de “clase contra clase suponía la creación del frente único


obrero; los comunistas esperaban que reforzaría la conciencia de clase del
proletariado, acentuaría su independencia respecto a la burguesía […]. El
espíritu sectario manifestado en la acción práctica de la nueva línea
imposibilitó la acción conjunta de los comunistas y los socialistas e hizo más
tensas las relaciones con los miembros de las organizaciones
socialdemocrátas (PRIEGO, 1990, pp. 271-271).
78

Acontece que esse quadro de isolamento do partido não foi apenas uma condição do
início dos anos 1930, mas uma constante das décadas subsequentes. Como se pode notar, essa
condição está relacionada aos vínculos estabelecidos com o Komintern, pois contribuíram
para que o dogmatismo se tornasse predominante, deixando o partido e seus membros muito
mais preocupados em adaptar-se às ordens vindas de Moscou do que incliná-los a uma
reflexão sobre as singularidades políticas e socioeconômicas do Peru, bem como sobre as
práticas e as teorias revolucionárias do marxismo.
De qualquer maneira, pode-se acrescentar também que, se o isolamento dos anos
iniciais se prolongou até as décadas posteriores, isso está diretamente relacionado com o
desenrolar da própria história peruana, que passou por um número incontável de reveses
políticos que desaguariam em uma série de golpes e contragolpes de Estado, governos
autoritários e uma considerável modernização capitalista conduzida também de forma
autoritária. A combinação de tais elementos possibilitou que novos questionamentos
surgissem em torno da realidade peruana, provocando uma espécie de renovação no
pensamento político no Peru, fato que resultou no rompimento de alguns personagens e
setores populares com os tradicionais partidos, tanto da esquerda como da direita, que
integravam o cenário político peruano até então (ANDRIAZÉM, 1990).
Simultaneamente a todo esse processo, outra razão para o enfraquecimento do Partido
Comunista no Peru esteve ligada ao abandono progressivo de antigas bandeiras do partido,
como o radicalismo insurrecional representado pelo leninismo e a incorporação de uma pauta
cada vez mais reformista e democrática21, pois tudo isso, apesar de condizente com a onda

21
À semelhança dos anos 20, na década de 30 a Revolução Russa continuou atraindo simpatizantes pelo mundo,
sendo os intelectuais um dos grupos mais inclinados a essa simpatia (PONS, 2014, p. 157; ANGELL, 2009, p.
477). Além disso, as recomendações do VII Congresso do Komintern, realizado em 1934, não tardou a produzir
seus efeitos sobre os partidos comunistas latino-americanos. Eudócio Ravines, então dirigente do partido no
Peru, adotou a recomendação de se produzir as famosas “Frentes Populares”, ou seja, a uma união antifascista de
partidos comunistas, socialistas e democrático-burgueses (LÖWE, 2006, p. 28). As “Frentes”, contudo merecem
menção não simplesmente porque mostraram mais uma vez o vínculo entre os partidos do subcontinente
americano e o Komintern, nem porque conseguiram atrair grupos sociais para além do proletariado ou porque
realizaram a união entre grupos esquerdistas que tiveram, anteriormente, suas siglas e seus programas
reprovados pelo partido comunista peruano, como o APRA e o Partido Socialista. O fato é que o programa da
“Frente Popular” encabeçado pelo partido comunista peruano confirmava o apoio às agendas de caráter
reformista em detrimento de uma agenda radical/insurrecional (LÖWE, p. 30). Com isso queremos afirmar que a
revolução socialista não estava mais na ordem do dia. Nas eleições de 1936, no Peru, já foi possível observar a
atuação das “Frentes Populares”, mas apesar de ela ter atraído a simpatia de uma ampla massa urbana e ter
juntado uma força relativamente interessante entre as esquerdas, foram os grupos identificados por tenderem à
direita que se sagraram vencedores. No entanto, a vitória foi alcançada através de um golpe, o qual foi
responsável por manter o General Benavides no poder até 1939, sendo que o mesmo já dirigia o Peru desde
1933. O golpe foi seguido pela perseguição aos partidos de esquerda e às organizações sindicais, com destaque
para os sindicatos vinculados à CGTP (Confederación General de Trabajadores del Perú). O PC comunista,
embora clandestino, não deixou de interferir na política e na organização das massas peruanas, contudo a linha
79

democrática gerada pelo final da Segunda Guerra Mundial, no campo específico da


esquerda,estava na contra mão dos novos questionamentos trazidos pela Revolução
Cubanaapós 1959.
Em relação ao contexto de modernização a que nos referimos logo acima, ela merece
destaque porque gerou um novo grupo social: “as novas classes médias” (ANDRIAZÉN,
1990). Tendo sua base social assentada em profissionais liberais, essa nova classe média
produziu uma elite de intelectuais que extraíram seu grau de coesão a partir de sua leitura
comum sobre o processo de modernização do Peru, de suas frustrações em relação à
derrocada do governo democrático (1945-1948) e de seu cosmopolitismo(ANDRIAZÉN,
1990, p. 23).Tais características foram traduzidas em novos pensamentos políticos e em novos
partidos (mencionados no capítulo anterior), como: a Democracia Cristiana, o Movimiento
social Progresista e a Acción Popular. Este último, por exemplo, venceu as eleições de 1963.
Em resumo, é possível observar que este novo grupo social não convergiu na direção dos
tradicionais partidos da esquerda peruana, ilustrando, por conseguinte o isolamento do Partido
Comunista peruano22.
Ao mesmo tempo, é fundamental sublinhar que o isolamento desses tradicionais
partidos de esquerda (PCP e APRA) acontecia porque os governos autoritários daquele
período ofereceram importantes complicadores à vida destas organizações políticas.
Internamente, a ditadura do General Manuel Odría (1948-1956) colocou o Partido Comunista,
o Partido Aprista e as associações sindicais atreladas a eles, na clandestinidade. E, além de
comprometer a organização das massas, a ditadura comprometeu o próprio desenvolvimento
do pensamento político dessas organizações partidárias. Justamente por isso que, para Alberto
Andriazén (1990) e Jorge Nieto (1990), os referidos partidos de esquerda, com o fim dos oito
anos de governo Odría, reapareceram no cenário político de redemocratização com ideias

de atuação continuou orquestrada por uma agenda reformista. Com a aproximação da Segunda Guerra Mundial,
algumas mudanças a nível interno externo do movimento comunista aconteceram, deixando sua marca sobre o
Partido Comunista peruano. No Peru, esta política ficou bastante evidente durante as eleições de 1939 e durante
o desenrolar da segunda guerra mundial, principalmente a partir do momento em que a aliança entre União
Soviética e Estados Unidos se evidenciavam. Nesse caminho boa parte do esforço do partido esteve em prol das
forças democráticas e na luta contra os simpatizantes do totalitarismo europeu, que, no País andino, apareceram
ligados ao candidato José Quesada, em torno do grupo denominado Frente Patriótico, em 1939 (ANDERLE,
1985, p. 375). Na ocasião, os valores democráticos eram representados pelo candidato Manuel Prado, o qual teve
apoio do partido comunista peruano. Mas esse apoio representou uma mudança considerável em importantes
concepções internas do partido, concepções estas que foram umas das principais bandeiras de sua fundação: a
luta contra a oligarquia e contra o imperialismo estadunidense. Assim, deixar de lado as críticas aos Estados
Unidos e alinhar-se a Prado, quando o mesmo era conhecido por ser um autêntico representante da oligarquia,
significava aproximar-se, a um só tempo, de inimigos históricos do partido comunista (LÖWE, p. 28; 30). Mais
tarde, a manutenção dessa agenda moderada e a aproximação com tais inimigos foram fundamentais para o
surgimento da Nueva Izquierda.
22
Esse distanciamento também foi vivido pelo partido aprista, que não conseguiu atrair, como o fizeram na
década de 30, as classes médias emergentes.
80

defasadas em relação às transformações modernizadoras e às perspectivas dos novos grupos


sociais.
No entanto, dentro das fronteiras nacionais, este era apenas um dos desafios
enfrentados pelos partidos de esquerda, o outro desafio estava no surgimento de outro sujeito
político fundamental para a compreensão do período: os jovens universitários. Como se sabe,
o processo de modernização e expansão do sistema educacional, entre os anos 40 e 50,
produziu uma considerável população de jovens universitários (BEJAR, 1969). O próprio
Hugo Blanco era um jovem nessa condição. E, à semelhança das classes médias, muitos
destes jovens, no fim dos anos 50 e início dos 60, não apenas se distanciaram do Partido
Comunista ou do aprismo, como passaram a criticá-los ao ponto de criarem novas
organizações políticas dissidentes. Na ocasião, surgiram, a partir de uma cisão do partido
comunista, o ELN (Ejército de Liberación Nacional), comandado por um jovem universitário,
e o MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionário), também comandado por jovens
universitários que haviam rompido com o aprismo. Eis, portanto, duas das principais
organizações que compuseram a primeira fase da Nueva Izquierda.
Embora obviamente relacionado com o contexto interno até agora esboçado, a atitude
desses jovens e, consequentemente o surgimento da Nueva Izquierda deve ser compreendida e
também vinculada aos fatores posicionados fora do Peru. Nesse sentido, é importante
destacarmos os efeitos causados sobre estes jovens pela Revolução Cubana de 1959, pois a
postura combativa que os marcavam era reflexo dos efeitos “eletrizantes” dessa revolução
(ANGELL, 2009). A Revolução Cubana, mais do que ter posto em cheque as bandeiras
reformistas e democráticas que eram empunhadas tanto pelo Partido Comunista como pelo
Partido Aprista naquele momento, bem como as alianças que ambos estavam consolidando
com antigos inimigos: o grupo oligárquico e os Estados Unidos, convenceu muitos jovens de
que a revolução era iminente, que bastava a radicalização e o sacrifício para concretizá-la.
Nesse contexto, estava Hugo Blanco e consideramos que não ficou imune a esta “eletrização”.
Assim, a radicalização a que conduziu os camponeses em La Convención deve ser vista
dentro deste contexto.
Ademais, ograu de desencanto com os tradicionais partidos de esquerda e a busca por
novas direções realizadas pelos jovens naquele momento podem ser medidos pela seguinte
afirmação de Hugo Blanco: “O POR (Partido Obrero Revolucionario) surgiu como expressão
da necessidade de um partido verdadeiramente operário e revolucionário, frente à traição dos
partidos chamados de esquerda da época: o APRA e o Partido Comunista Peruano” (1972, p.
34).
81

Mas, se formos um pouco mais além, perceberemos que a situação pouco confortável
do Partido Comunista Peruano também estava relacionada com o contexto soviético. Até
pouco antes de 1956, a União Soviética gozava de intenso prestígio no mundo, pois, além de
ter saído vitoriosa da Segunda Guerra, havia ampliado sua área de influência no espaço
europeu (PONS, 2014). No entanto, após a morte de Stalin, em 1953, as coisas começaram a
mudar. O relatório elaborado por Nikita Krushchov e lido no XX Congresso do Partido
Comunista Soviético denunciou os crimes cometidos por Stalin durante seu período no
poder23. As consequências para o mundo comunista foram praticamente imediatas, pois
colocou em xeque todo um conjunto de elementos que sustentavam o mito revolucionário do
Estado Soviético.
Assim sendo, desde 1956, a Revolução Russa começou a passar por um processo de
desmistificação que custou, num curto prazo, a unidade do movimento e boa parte do
prestígio e do apoio que os comunistas conseguiam arregimentar nas mais diversas partes do
mundo e nos mais diversos grupos sociais (PONS, 2014, p. 388). Sílvio Pons, por exemplo,
observou que após esta data ocorreu uma debandada de intelectuais dos partidos comunistas.
Mas a responsabilidade pela configuração desse quadro também estava assentada na repressão
violenta que os soviéticos emplacaram sobre os revolucionários húngaros, no ano de 1956 24.
Em outras palavras, na segunda metade da década de 1950, o movimento comunista
internacional passava por uma crise profunda. A morte de Stalin, a divulgação do relatório
secreto e a crise húngara abriram, a um só tempo, um vácuo de poder e consequências
imprevisíveis para todo o mundo comunista (PONS, 2014, p. 399).
Além disso, é neste instante que não podemos nos esquecer da IV Internacional, pois
foi oportuno este momento de fragilização da liderança de Moscou, uma vez que, desde sua
origem, a IV Internacional anunciava críticas aos partidos comunistas e há tempos tentava se
colocar como representante do comunismo internacional e dirigente da revolução mundial. O
destaque deste acontecimento ganha ainda mais peso em nossa análise quando percebemos

23
Em 1956, o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Nikita Krushchov leu, no 20°
Congresso do Partido Comunista, o relatório secreto que denunciava os crimes cometidos pelo seu antecessor,
Josef Slatin. Na ocasião, Krushchov criticou diversas políticas promovidas por Stalin, como os expurgos da
década de 30 e o culto à personalidade de Stalin. Tal relatório foi relevante especialmente para abalar certa
confiança e admiração que muitos grupos sociais espalhados pelo mundo alimentavam pelo comunismo
representado pela União Soviética.
24
Em 1956 eclodiu, na Hungria, uma revolução. Contrários ao governo instituído com apoio da União Soviética,
a população húngara se levantou. A repressão inicial, conduzida especialmente contra os estudantes, acabou por
animar outros grupos, o que contribuiu para ampliar a massa participante. Dentro de alguns meses, por sua vez, a
revolução foi derrotada, e contou com forte participação das tropas soviética. Na época, este episódio, junto com
o “relatório secreto”, colaborou para que muitos grupos e pessoas reavaliassem seu apoio a União Soviética.
82

que sua ocorrência se deu no mesmo ano em que o POR (Partido Obrero Revolucionario) foi
refundado no Peru, em 1956.
Portanto, para as preocupações do nosso trabalho, o que deve ser percebido é que o
movimento comunista, nos âmbitos nacionais ou internacionais, não gozava de estabilidade e
o seu prestígio passava por uma crise difícil de ser ignorada. Jorge Castañeda (1994), por
exemplo, sublinhou que nesse período era possível decretar a morte dos partidos comunistas
da América Latina, pois não passavam de organizações de pouca relevância política,
incapazes de se colocarem à luta pelo poder.

Os partidos latino-americanos converteram-se essencialmente em


organizações de “denuncia”, dedicadas à defesa de um eleitorado nacional
ou estrangeiro, mas já não estavam dispostos e nem eram capazes de lutar
pelo poder. E muito menos pela revolução. Nas vésperas da Revolução
Cubana, teria sido possível escrever com justiça o epitáfio desses partidos
(...) (CASTAÑEDA, 1994, p. 40-41).

Essa constatação não estava toda ela em desacordo com o caso peruano, como foi
possível notar até aqui. E isso deve ser ressaltado porque esta conjuntura descrita abriu
brechas não apenas para que um novo grupo político (ELN) pudesse emergir a partir das
cisões internas do Partido Comunista25, mas para o próprio crescimento da participação dos
trotskistas, que, aproveitando as mesmas brechas, conseguiram elevar sua inserção entre as
massas urbanas e, principalmente entre as rurais.

2.4. APRA

Como foi possível notar na citação colocada mais acima, Hugo Blanco considerava o
APRA como um partido traidor. Embora já tenhamos anunciado algumas informações que
possam esclarecer este julgamento, convém um maior grau de precisão sobre o tema. Além
disso, esse julgamento não foi privilégio apenas de Blanco, mas inclusive de membros
internos do Partido Aprista, os quais, ao não entrarem em acordo com os dirigentes irrompeu

25
Foi exatamente este contexto de crise interna e externa dos partidos comunistas que contribuiu para que
membros do partido comunista peruano, sendo muitos deles jovens, saíssem ou fossem expulsos do partido,
dando, a partir disso, a formação do ELN (Exército de Liberación Nacional), um dos principais grupos armados
que compuseram a Nueva Izquierda entre 1959-1965. Conforme entende Jan Lust, “En el grupo estaban algunos
exmiembros del PCP. Anteriormente, ellos habían formado parte de una corriente crítica dentro del partido
comunista que surgió, por un lado, de la insatisfacción respecto del rumbo político implementado por la
dirección nacional y, por otro, bajo la influencia de una serie de acontecimientos acaecidos en el movimiento
comunista internacional” (2013, p. 137).
83

uma cisão no partido provocando a fundação do APRA-Rebelde, posteriormente chamado de


MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), e que integrou o grupo de organizações que
compuseram a primeira fase da Nueva Izquierda.
De qualquer maneira, levando em consideração as preocupações deste trabalho,
chamaremos a atenção para o contexto de fundação do APRA, ainda na década de 1920, e sua
reconfiguração nos anos 50.Embora reconheçamos a importância da história do movimento
aprista para a compreensão de toda a trajetória política do Peru ao longo do século XX,
enfocaremos apenas nos referidos períodos, uma vez que nos esclarecem as devidas razões
que levaram ao julgamento proferido por Hugo Blanco, bem como as razões do surgimento do
MIR.
Como foi anunciado no capítulo anterior, o APRA foi o principal partido de massas do
Peru. Seu líder e fundador, Raúl Haya de la Torre, valendo-se de um certo carisma, do
reconhecimento como líder estudantil advindo desde a reforma universitária de 1919 e de um
partido comunista incapaz de atrair as massas e integrar outros grupos sociais, teve caminho
aberto para participar e promover muitos dos principais acontecimentos da vida política
peruana a partir dos anos 30. O APRA, no entanto, no seu nascimento, não tinha uma origem
nem um programa fechado sobre as fronteiras peruanas, pois, além de ter sido fundado no
México, em 192426, Haya de la Torre cultivava uma perspectiva internacionalista, pois seu
projeto estava focado em seu caráter continental, como é possível notar em alguns de seus
principais pontos: luta contra o imperialismo estadunidense, contra a oligarquia, unidade
política da América Latina, nacionalização de terras e indústrias e internacionalização do
canal do Panamá. Outra característica marcante dessa organização era a defesa pela formação
de frentes, identificadas na “frente única de trabalhadores manuais e intelectuais”.
A simpatia pelo APRA é possível ser notada pelas células apristas que começaram a
aparecer em alguns países latino-americanos, bem como pelo apoio nutrido no início, por José
Carlos Mariátegui, que em 1923 em regresso da Europa, passava a viver no Peru novamente.
Nesse sentido é bem verdade que Haya de la Torre e Mariátegui mantiveram-se próximos
durante um tempo, até que as ideias de cada um fossem se definindo e, por conseguinte,
acabaram se distanciando, sobretudo a partir de 1927. Esta proximidade aconteceu
porqueambos emergiram contra a ordem oligárquica, contra o latifúndio, os arcaísmos destes
e o imperialismo estadunidense. Mas as polêmicas travadas na segunda metade da década de

26
Posteriormente, como intencionava participar das eleições de 1931, e as leis então vigentes impediam o
vínculo com qualquer organização internacionalista, Haya de La Torre fundou o Partido Aprista Peruano (PAP).
84

1920 provocaram uma cisão incontornável entre eles, de tal maneira que durante toda a
existência do APRA, estes se mantiveram anticomunistas e ambos empreenderam uma
disputa vigorosa pelo controle das organizações de massa que existiam no país. De qualquer
maneira, não sendo o conteúdo do desacordo entre os dois autores aquilo que nos interessa, o
que pode ser sublinhado é que este rompimento entre Haya e Mariátegui serve para reforçar
uma afirmação que já fizemos: as frequentes divisões e disputas que marcavam a esquerda no
continente.
Mas se os desacordos acabaram prevalecendo entre os dois autores (FLORES
GALINDO, 1982), existiu por sua vez a semelhança de ambos terem ambicionado uma leitura
própria do marxismo. Para Haya de la Torre, conforme se entende, em função de uma leitura
bastante particular do marxismo e a partir de uma perspectiva que objetiva valorizar em
demasia as particularidades da América Latina (LÖWY, 1999), recusando-se, assim, a
escrever a história desta parcela do continente americano sob a ótica eurocêntrica
(PORTOCARRERO, 1983), partia do princípio de que o futuro e o desenvolvimento do Peru
seguiriam um caminho diferente das etapas pelas quais passou a Europa. Em última instância,
objetivava-se atingir uma organização econômica e social, nem capitalista, nem comunista
(PORTOCARRERO, 1983, p. 73). Nesse caminho, segundo Gonzalo Portocarrero (1983, pp.
70-73), o papel de destaque recairia sobre o Imperialismo, as classes médias e o Estado
nacionalista “antiimperialista”.
Em relação às concepções políticas do APRA, podemos afirmar que no início o
radicalismo revolucionário era algo presente no horizonte aprista, haja vista os vários levantes
armados que perpetrou em seus anos iniciais. Sobre isto podemos destacar o evento que ficou
conhecido como o Massacre de Trujillo, em 1932. Mas o interessante é que esta radicalidade
não ficou restrita ao grupo dirigente do partido, pelo contrário, ela foi difundida pelas massas,
especialmente pela capilaridade junto à sociedade civil que o partido desenvolveu através de
várias organizações sociais, atingindo também setores do exército de baixa patente.
Julio Cotler (2006, p. 193) comentou como a região Norte, conhecida pelo seu
desenvolvimento capitalista, esteve sob influência aprista através de organizações sindicais,
culturais, juvenis, estudantis, profissionais e até desportivas. O problema, contudo, ainda
segundo Cotler, era que o APRA, apesar da forte base popular, não contava com o apoio
dentro das camadas altas da sociedade, especialmente no interior da oligarquia (COTLER,
2006, p. 199). Sendo que essa falta de apoio foi agravada ainda mais pela aproximação entre
oligarquia e militares, pois este fato os colocou diante do APRA como seus dois principais
85

críticos e opositores. O resultado disso foi a constante perseguição ao APRA e a todas as


organizações de massa ligadas a ele, ao longo dos próximos anos27.
Contudo, independente dos caminhos trilhados pelo aprismo e por seus opositores, o
que temos que chamar a atenção é que o APRA, no seu início, possuía uma agenda radical e
combativa, que teve apoio de uma grande parcela das massas formadas por proletários,
camponeses e, até mesmo, a classe média que emergia no cenário público em função da
modernização capitalista no início do século XX (ANDRIAZÉN, 1990). Assim, o
internacionalismo, a luta contra a oligarquia, o capitalismo e o imperialismo estadunidense
eram identificados sob sua bandeira. O próprio Hugo Blanco pareceu um tanto convencido de
que essas eram as perspectivas políticas que guiavam o APRA, como podemos identificar
nesta entrevista que ele concedeu e que foi publicada no livro Apogeo y crisis de la izquierda
peruana: Hablan sus protagonistas, em 2011:

Es que el APRA, cuando nació, era un movimiento revolucionario


antiimperialista, antioligárquico, antimilitarista, que planteaba la unidad de
Latinoamérica contra el imperialismo, pero fundamentalmente nació como
anti yanqui. Entonces después comenzó el reblandecimiento (BLANCO,
2011, p. 248).

Embora esta citação também denuncie certa simpatia que Blanco cultivou pelo o
aprismo enquanto era estudante dos ciclos iniciais, que pode ser confirmada principalmente
no início desta mesma entrevista28 e por algumas afirmações de Eduardo Fioravanti (1974),
ela nos ajuda a compreender porque ele considerou, como dissemos mais acima, que o APRA
cometera traição. Ora, Blanco reconheceu que à semelhança do Partido Comunista, o APRA,
no lugar da sua agenda radical, cada vez mais se inclinou à tendência reformista. Além de

27
Embora com perspectivas radicais, em 1931, Victor Raul Haya de la Torre concorreu às eleições. Como se
pode imaginar, quem venceu foram os grupos e os interesses organizados em torno da União Revolucionária,
encabeçada pelo general Luíz Sanchez Serro, militar que havia derrubado anos antes o governo de Augusto
Leguía. Acontece que, em 1932, os ânimos que haviam polarizado a disputa entre os dois partidos não haviam
diminuído. Assim, Sanchez deu início a leis que permitiam perseguir opositores, impedir reuniões, proibir
publicações e prender pessoas. O APRA foi uma das primeiras vítimas desse clima. Soma-se a esse quadro a
tentativa de assassinato do presidente cometido por um militante aprista, as greves e, principalmente, o levante
desencadeado pelo partido em Trujillo, como já mencionamos. Foi, inclusive, nessa ocasião, como afirmou
Carlos Contreras e Marcos Cueto (2002, p. 259), que começou o embate entre o partido de Haya de la Torre e o
exército, pois durante o levante vários oficiais foram mortos pelo APRA deixando este permanentemente
maculado aos olhos do exército. O clima de instabilidade se agravaria ainda mais quando o diretor do jornal El
Comercio, Antonio Miró Quesada, um dos principais veículos que se opunham ao APRA, foi assassinado.
Mesmo fim que acometeu Sanchez Cerro em 1933. O desfecho desse panorama foi a nomeação de outro militar
para a condução do país, Óscar R. Benavides, que ficou no poder até 1939.
28
“Yo entre a la izquierda y a la vida política cuando era joven. Era la época de Odría, cuando el partido
aprista y el partido comunista estaban fuera de la ley. Yo simpatizaba con la izquierda en general o sea con el
APRA y con el partido comunista” (BLANCO, 2011, p. 243).
86

bastante contraditória, pois a defesa que passou a fazer do imperialismo, dos Estados Unidos e
suas alianças com a oligarquia da sociedade peruana, demonstravam uma ruptura com as
bandeiras que um dia fundamentaram sua origem.
Assim, com esta viragem, que foi se tornando evidente, especialmente a partir dos
anos 40,o APRA foi levado ao encontro dos políticos tradicionais e dos setores mais
conservadores da sociedade peruana, ao ponto de aparecerem como a opção oligárquica no
plano eleitoral durante a década de 1960. Assim sendo, para as eleições de 1945, que
marcariam o início daquilo que Carlos Contreras e Marcos Cueto (2007, p. 261) chamaram de
respiro democrático, o APRA já havia adotado uma política muito mais conciliatória do que
radical. Antes das eleições, por exemplo, o famoso discurso “interamericanismo democrático
sem império” dava mostras das novas intenções do partido, que de uma maneira geral,
renunciava a suas árduas críticas ao imperialismo estadunidense, o capitalismo e aos grupos
dominantes. Para Julio Cotler, o partido de Haya de La Torre, durante os três anos de
democracia, diferente dos anos 30, quis atender aqueles que ele representava (as camadas
populares) dentro do jogo parlamentar (COTLER, 2006, p. 216).
Como se sabe, este respiro democrático foi sufocado pelo golpe liderado pelo militar
Manuel Odría, que perduraria por oito anos no poder. Durante este período, convém recordar,
que o APRA teria passado por um problema semelhante ao que destacamos sobre o Partido
Comunista anteriormente, pois, o regime ditatorial havia comprometido o desenvolvimento do
pensamento político de ambos os partidos, deixando-os em defasagem com o país que durante
o período em questão aprofundava sua modernização capitalista29.
Além disso, ao longo deste contexto de viragem do APRA, formou-se um grupo de
inclinação mais radicalizada, liderado por Luis de la Puente, no interior do Partido Aprista e
que se opunham aos caminhos que os dirigentes levavam o partido naquele momento. O
resultado foi a expulsão da maior parte dessa oposição, que ocorreu a partir de 1959, isto é,
quando os efeitos da Revolução Cubana já se faziam sentir sobre o referido grupo. Na época,
formaram o APRA-Rebelde, que mais tarde seria mudado para MIR (Movimiento de
Izquierda Revolucionaria), mencionado anteriormente. Tal grupo foi responsável por
desenvolver atividades com os conceitos do castro-guevarismo no Peru durante a primeira
metade da década de 60. Acerca do tema, Jan Lust escreveu:

29
Tais fatos, por seu lado, não comprometeram a inserção e a capilaridade do partido em questão na sociedade
peruana, uma vez que permaneceram como o principal partido de massa do Peru e porque ainda ganhariam as
eleições de 1961, embora esta tenha sido anulada pelo golpe militar de 1962.
87

El Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR) fue una organización que


surgió de la Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA). La
derechización del APRA, por un lado, y la Revolución Cubana, por otro,
empujaron a un grupo de apristas a fundar una nueva organización, APRA
Rebelde. Sin embargo, esta fue precedida pelo Comité Aprista de Defesa de
los Principios Doctrinarios de la Democracia Interna, que quería detener el
proceso de la derechización del APRA. Bajo la influencia de la Revolución
Cubana y la marxistización de la organización misma, pronto abandonó
todas las viejas posiciones apristas. La izquierdización culminó con la
creación del MIR (LUST, 2013, p. 233).

Eis que, chegado a este ponto, fica claro, portanto, a fragilização da esquerda
tradicional, bem como a emergência de importantes grupos que compuseram a Nueva
Izquierda a partir das cisões que aquela sofreu. Este cenário nos ajuda a entender como existiu
um terreno propício para o surgimento de novas lideranças, sejam elas voltadas a dialogar
com os setores médios e urbanos da sociedade ou com os setores camponeses e andinos, como
foi o exemplo de Hugo Blanco. Por outro lado, nos deixa evidente como o projeto de Blanco
se deu em um momento em que não havia consenso sobre os caminhos da esquerda e até
mesmo a via radical se desmembrava entre as opções maoístas, castristas ou aquelas
perpetradas pelo próprio Blanco.
Não há dúvidas, conforme sustentamos neste trabalho, que a ação intelectual de Hugo
Blanco se deu em diálogo com esta esquerda fragmentada e, mais especificamente, com a
esquerda radical. Justamente por isso é tão importante entendermos quais eram as propostas
deste setor, com especial destaque ao modelo Cubano que, em meados da década de 1960, era
hegemônico no Peru30. Portanto, a partir daqui nos preocuparemos com a Revolução Cubana,
pois, como afirmou Jorge Castañeda “Em nenhum país latino-americano, a esquerda local
deixou de ser influenciada por Cuba” (CASTAÑEDA, 1994, p. 69). Contudo, a relação que
nos importa recai somente sobre alguns pontos, como seu internacionalismo e o aspecto
político-militar do paradigma revolucionário consagrado pela revolução de 1959. Esse
caminho é relevante justamente porque envolve o contexto de formação e atuação do
intelectual revolucionário Hugo Blanco.

30
Já nas décadas de 1970 e 1980, o protagonismo da esquerda radical esteve reservado a partidos de orientação
Maoísta, como era o caso do Sendero Luminoso.
88

2.5. A Revolução Cubana e a relação de Hugo Blanco com o castro-guevarismo

No início de janeiro de 1959, um grupo liderado por Fidel Castro marchou triunfante
sobre Havana, a capital cubana. Para alguns pesquisadores, a Revolução Cubana, assim como
um dia foi a Revolução Russa, marcou profundamente as esquerdas latino-americanas. Estas,
sob os efeitos eletrizantes provocados pela referida revolução (ANGELL, 2009, p. 506),
tiveram seus dogmas abalados e sua inércia reformista, característicos daqueles anos,
transformados em impulso e entusiasmo a favor da transformação imediata. Em outras
palavras, a Revolução Cubana trouxe o tema da revolução de volta ao primeiro plano na
América latina.

Antes de Fidel entrar em Havana, a esquerda latino-americana havia sido reformista,


gradualista ou resignadamente pessimista diante da possibilidade de um triunfo
revolucionário. Nas três décadas seguintes, a revolução passou a ser o primeiro item
de sua ordem do dia (CASTAÑEDA, 1994, p. 69).

Dentro dessa perspectiva, se por um lado a Revolução Cubana reacendeu as


possibilidades revolucionárias das esquerdas no continente, ela, por outro lado, colaborou
para plantar inúmeros questionamentos a respeito de um velho problema do continente, que
assim era nomeado por Michael Lowy (1999, p. 9): o caráter da revolução. A Revolução
Cubana, nesse sentido, inaugurou novas possibilidades, tanto práticas quanto teóricas para a
realização da revolução no continente e para a própria compreensão da formação sócio-
econômica da região. A “teoria da dependência”, que a revolução em questão ajudou a
engendrar (CASTAÑEDA, 1994, p. 70), legitimava a um só tempo a revolução caribenha e a
possibilidade de ela ser compartilhada por grupos revolucionários de outros países da região,
até porque, confirmadas por esse novo prisma teórico, as condições objetivas mostravam-se
semelhantes entre os demais países do continente.
Sendo assim, o desdobramento que a Revolução Cubana causou e que mais nos
chamou a atenção, além daqueles já citados, está nas táticas e estratégias que ela anunciou,
especialmente por recorrer ao uso das armas. Não que isto tenha sido inventado neste evento,
pois a luta armada, principalmente na região que envolve a América Central, “tinha muitos
antepassados”, como afirmou Jorge Castañeda (1994, p. 69). No entanto, o significado pela
qual a Revolução atribuiu ao uso das armas detinha suas características próprias, sendo
reconhecida principalmente pela ruptura com determinadas tradições revolucionárias, como
em relação a alguns pontos tornados exemplares pela Revolução Russa, por conseguinte, pelo
89

marxismo-leninismo e ainda pelo movimento trotskista. É claro que o exemplo cubano de


revolução não nasceu pronto, ele é um movimento a posteriori (após 1959), como afirmou
Luciano Bonet (2009, p. 152). De qualquer forma, é importante que se diga que a
conceituação histórica do movimento em questão foi realizada por intelectuais
revolucionários, como Che Guevara e Régis Debray, que contribuíram para formar os
conceitos que passaram a ser sinônimos da Revolução Cubana, como o guevarismo, o
castrismo-guevarismo, o foquismo e o debraysmo.
Porém, apesar das diferenças que obviamente emanam cada um desses conceitos
acima e apesar de estarem longe de resumirem ou explicarem a Revolução Cubana como um
todo, devem ser entendidos aqui, como também o fez Jean Rodrigues Sales (2008), num
sentido amplo, servindo assim para identificar os grupos que se inspiravam, sobretudo, no
aspecto político-militar dessa revolução. Sendo assim, os ismos apontados acima
pressupunham que os fatores objetivos já estavam dados pelo continente, faltando apenas os
fatores subjetivos, que seriam alcançados através da aplicação das táticas e estratégias ligadas
à guerrilha. Nesse caminho, por fim, a necessidade de um partido de massa a priori mostrava-
se desnecessário.
Dentro do castro-guevarismo, a tática de guerrilha apareceu como uma das grandes
chaves para se fazer a guerra revolucionária. Nesse sentido, os rebeldes cubanos superaram o
uso militar da guerrilha, uma vez que lhe deram um sentido político (SAINT-PIERRE, 1999).
Assim sendo, lutava-se pela conquista do poder31. Quem pode confirmar essa passagem é
Luciano Bonet, que afirmou: “graças justamente à experiência da Revolução Cubana, quando
se fala em guerra de guerrilha, ninguém se refere mais a uma simples técnica militar, mas a
uma forma de luta (armada), cujo objetivo é lutar pelo poder político” (2009, p. 152).
Mas se a Revolução Cubana pintava a tática de guerrilhas com as cores do significado
político, esta não é necessariamente a grande novidade que apresentou. O que chamava a
atenção na Revolução Cubana foi a ruptura que ela efetivou em relação a certos paradigmas
revolucionários, especialmente aqueles que foram consagrados pela revolução bolchevique,
como a obrigatoriedade da direção do movimento ser conduzida por um partido de inspiração
marxista-leninista, o qual era percebido como “guia e vanguarda” do movimento das massas
(BONET, 2009, p.153).
Assim sendo, a Revolução Cubana apresentou a possibilidade de o processo
revolucionário acontecer em outros termos, justamente porque o protagonismo passaria do

31
Pelo menos essa é uma das possibilidades de interpretação abertas pela perspectiva político-militar.
90

partido para a guerrilha; em outras palavras, da esfera política para a esfera militar. Esta
superação foi defendida no livro Revolução na Revolução, do intelectual francês Régis
Debray (1967). Nessa obra, o autor apresentou e acrescentou os diversos pontos que tornavam
o castro-guevarismo o exemplo mais adequado para o sucesso revolucionário, especialmente
perante a inércia dos partidos de esquerda tradicionais e perante as particularidades do
continente latino-americano, assim como tratou de ultrapassar as divisões e as hierarquizações
no interior da teoria revolucionária referentes às esferas política e militar.
Assim, Debray defendeu a viabilidade de um próspero casamento entre as duas
esferas, mas não sem deixar claro de que estava rompendo com aquele princípio hierárquico e
divisional entre os âmbitos político e militar: “[...] a guerra de guerrilhas é a essência política
e que, não se pode, pois, opor o político ao militar” (DEBRAY, 1967, p. 69). Além disso, se a
guerrilha gera seus próprios quadros políticos e é responsável por agregar as massas em torno
de si, bem como por engendrar posteriormente a formação do próprio partido político, Debray
transformou a guerrilha na principal fonte geradora de poder, da revolução e das condições
revolucionárias. Com efeito, foi isso também que garantiu ao autor a possibilidadede
caracterizar a guerrilha de “o pequeno motor que ativa o grande motor” (DEBRAY, 1967,
p.88).
Tais considerações a respeito destes aspectos da Revolução Cubana são essenciais
porque elas nos auxiliam na compreensão de boa parte do trabalho intelectual de Hugo
Blanco, pois inúmeras foram as referências, e geralmente em um tom negativo, que ele
destinou àquilo que estamos chamando de castro-guevarismo. Este tom negativo, ao que tudo
indica, esteve presente em suas obras no período de análise de nossa pesquisa: seus escritos
do cárcere de 1964, intitulado El caminho de nuestra revolución, e seu livro Terra ou Morte,
publicado logo no início da década de 1970, demonstram que preservou o referido tom.
Assim, em ambas as obras, Blanco manteve a noção de putchista a todos aqueles que se
inclinaram a aplicar a concepção de guerra de guerrilha.
Contudo, é preciso esclarecer duas coisas. A primeira, é que o olhar crítico em relação
a essa linha revolucionária deixou evidente a defesa de outra linha: o paradigma
revolucionário consagrado por Lenin e Trotsky, enfim, pela revolução bolchevique de 1917.
A segunda, é que, com isso, Blanco almejava ser compreendido como alguém que conseguiu
legitimar, a um só tempo, a violência revolucionária, isto é, a defesa do uso das armas sem ser
enquadrado pelo paradigma cubano, pois, como ele destacou: “nós trotsquistas temos
defendido (...) o conceito marxista-leninista de que é impossível que os exploradores deixem
o poder sem luta. Não é possível o trânsito pacífico para o socialismo; a luta armada (...) é
91

uma fase inevitável da revolução” (BLANCO, 1979, p. 81). Ou seja, ao mesmo tempo em que
Blanco parece se aproximar do castro-guevarismo ao realçar o caráter violento e militar da
revolução, ele se distanciava ao defender o conceito leninista, que oferecia concepções muito
claras e hierárquicas sobre a importância das massas e do partido sobre o militar. Em seus
primeiros escritos do cárcere, ele observaria:

Justamente nuestra critica a los putchistas era porque ellos supeditaban la


lucha armada a una preparación, organización y planificación
completamente independiente del movimiento de masa y del desarrollo del
partido. Nosotros planteamos justamente lo contrario: inmediata
preparación de la lucha armada y del aparato que la llevara a cabo,
partiendo de un partido férreamente organizado en íntima ligazión con el
movimiento campesino y sus organizaciones. Debo dejar claramente
establecido, que la nuestra no fue nunca una batalla contra la lucha
armada, sino contra el putchismo (BLANCO, 1965, p. 12).

Portanto, fica um tanto claro que o autor não saiu em defesa, como fez Régis Debray,
da supremacia do aspecto militar em detrimento do aspecto político das organizações
revolucionárias. E nem imaginou que a estratégia a seguir fosse a criação de focos
guerrilheiros isolados das massas. Pelo contrário. Blanco procurou rebaixar essa concepção
revolucionária ao taxá-la pelo vocábulo putchismo; era, portanto, um evidente juízo de valor
por parte de Blanco. Dessa forma, Hugo Blanco pareceu bastante categórico a respeito destes
pontos, quando fez questão de colocar o partido posicionado no lugar mais alto da prática
revolucionária e responsável por pensar as ações armadas, além de vinculado com as massas,
de empregá-las como tática, não como estratégia. Aspecto este que foi reforçado no livro
Terra ou Morte, publicado em 1972:

Os trotsquistas sabemos que a luta armada é uma fase obrigatória da


revolução, mas somente isso: uma fase. A luta revolucionária é um processo,
através do qual as massas crescem em sua organização, em sua consciência,
em suas formas de luta, guiadas por sua vanguarda consciente, pelo partido
revolucionário (BLANCO, 1979, p. 81)

Mas estes posicionamentos de Blanco, obviamente, não eram apenas retóricos. Na


verdade, o que percebemos é Blanco participando ativamente de um debate a nível nacional e
continental sobre qual projeto revolucionário deveria vencer: o trotskista ou o castro-
guevarista. Assim sendo, podemos entender que o texto El caminho de nuestra revolución, a
um só tempo, promoveu diretamente a defesa do leninismo e do trotskismo, mas também se
dirigiu indiretamente como uma crítica aos outros grupos da Nueva Izquierda (ELN e ao
92

MIR) que emergiram no Peru com claras tendências foquistas. Anos mais tarde, podemos
considerar que o livro Terra ou Morte insistia neste debate, inclusive contra as teses de Régis
Debray, que haviam surgido anos antes.
Esta defesa e desacordos podem ser notados na seguinte situação que envolveu a
condenação, por parte de líderes Trotskistas, como Hugo Blanco e Nahuel Moreno, de alguns
companheiros que se inclinaram às práticas do paradigma cubano no Peru no início dos anos
60. Alguns destes membros, no caso, foram enviados pelo SLATO32 da Argentina, que na
época era liderado por Moreno, sendo que eles foram responsáveis por fundarem o FIR
(Frente de Izquierda Revolucionaria). Em cartas recentemente publicadas (MORENO, 2006),
que foram trocadas entre estes últimos e os militantes enviados até o Peru, é possível perceber
a reprovação por parte de Moreno em relação aos assaltos cometidos ao longo de 1962 pelos
militantes do FIR com a intenção de levantar somas em dinheiro para a compra de armas, que
supririam uma possível guerrilha. Moreno, contrariamente, insistia que o fundamental era o
fortalecimento do partido e o trabalho entre as massas. Próximo a esta ponderação esteve
Blanco mais tarde: “no camarada Pereira, que foi enviado para reforçar nosso trabalho, essa
tendência era mais forte. Por esta razão, junto com o ganho positivo de seu trabalho, estava a
influência negativa de sua pressão‘putchista’ (...)” (BLANCO, 1979, p. 94).
Outro ponto que podemos destacar para demonstrar o distanciamento de Blanco em
relação ao castro-guevarismo, foi sua constante defesa, nos seus textos, da relevância das
massas para se chegar às atividades militares. Nestas defesas, Blanco insistia que o caminho
até a luta armada deveria ser o resultado do amadurecimento da consciência de classe das
massas, uma iniciativa que necessariamente deveria partir delas, embora vinculadas ao partido
de vanguarda. Nesse sentido, nos diferentes momentos que defendeu a formação de milícias
ou guerrilhas, as massas apareceram como o denominador comum, como se pode notar em: “a
milícia é produto da ascensão do campesinato. As massas, tendo entendido a necessidade da
luta armada, criam as milícias” (BLANCO, 2006, p. 466), e em, “cremos que as guerrilhas
surgirão como a nossa; composta pelos camponeses do lugar, como fruto de sua maturação”
(BLANCO, 1979, p. 82).
Assim sendo, fica claro também que Blanco nunca esteve próximo às ideias de Régis
Debray, que havia invertido esta lógica, uma vez que acreditava que o estabelecimento de um
foco guerrilheiro em uma dada região pudesse ser de fato “motor” capaz de angariar as
massas a seu favor. Para Blanco, inclusive, esta era uma tática inconveniente, pois, não sendo

32
Dentre os militantes estava aquele que chamavam de Camarada Pereyra.
93

uma iniciativa das massas, apenas reforçava o caráter artificial do foco, por conseguinte,
suscetível ao fracasso: “se o trabalho é feito através do crescimento da massa, não há porque
se recorrer a guerrilhas artificiais” (BLANCO, 1979, p. 82).
Portanto, clareados estes pontos sobre os desacordos do trabalho intelectual de Hugo
Blanco com o castro-guevarismo, podemos destacar o quanto é problemática uma afirmação
como esta de François Bourricaud:

En el exterior, “la Revolución Peruana” tiene un modelo: la acción


castrista, que los trotskistas se toman muy en serio. Digamos en general que
los grupos trotskistas consideran, según la fórmula famosa de Fidel, que la
Cordillera de los Andes puede muy bien convertirse en la Sierra Maestra del
continente sudamericano […]. Pero la fascinación castrista se añadirá a
partir de 1962 el ejemplo de un joven peruano, Hugo Blanco, que organiza
en el valle de la Convención […] algunas guerrillas de que hablará mucho
la prensa limeña (BOURRICAUD, 1989, p. 246).

Mas esta afirmação é um tanto problemática não apenas tendo em vista o que expomos
parágrafos acima. A questão é que Bourricaud pareceu confundir a simpatia que as esquerdas,
de uma forma geral, nutriram pela vitória da Revolução Cubana com a importação do castro-
guevarismo. No caso peruano, por exemplo, a importação e aplicação dessa estratégia
revolucionária não foi regra geral para todos os grupos que compunham a Nueva Izquierda, na
verdade o que percebemos é que podemos restringir isto à ELN e ao MIR deixando os
trotskistas vinculados às ações de Hugo Blanco no vale de La Convención um tanto distantes
dessa questão. E esta constatação ficou mais clara a partir da análise das origens de cada
grupo, principalmente a partir da análise dos vínculos que cada grupo estabeleceu com Cuba.
Por conseguinte, foi fundamental termos retomado a perspectiva internacionalista, tanto dos
castristas como dos trotskistas, pois demonstrou mais uma vez que existia uma disputa entre
ambos para impor seus métodos revolucionários. Na ocasião, percebemos o esforço do
SLATO, do qual fazia parte Hugo Blanco, em impor seu controle sobre os caminhos que
tomavam a revolução peruana. A estes pontos nos dedicaremos neste momento.

2.6. O internacionalismo cubano e trotskista (SLATO): uma disputa

É sabido que desde 1959, ou seja, desde o momento em que os rebeldes marcharam
sobre Havana, a Revolução Cubana foi ganhando um status internacionalista, pois a revolução
não podia e nem deveria se restringir sobre a ilha; ela deveria se espalhar por todo o
continente latino-americano.
94

Che-Guevara, intelectual revolucionário que marchou em Havana em 1959, deixou


esse internacionalismo expresso tanto em sua obra como em suas ações. Segundo Luiz
Bernardo Pericás (1999, pp.154-157), tendo um projeto continental, Guevara defendia que
uma revolução socialista não poderia sobreviver sobre um só país. Assim sendo, estes
deveriam se auxiliar de diferentes formas, pois somente por esse caminho conseguiriam se
fortalecer econômica e politicamente, sobretudo frente aos países capitalistas. Essa
cooperação também englobava o indivíduo revolucionário, que seria “global”, pois mesmo
lutando em diferentes partes do mundo eles se sentiriam identificados entre si, uma vez que
lutariam pelos mesmos motivos e valores: humanistas e marxistas (PERICÁS, 1999, p. 154-
155). Tais projetos foram levados a cabo pelo próprio Guevara quando lutou e tentou
organizar, na África, a independência de alguns países e quando em 1967, na Bolívia, tentava
pavimentar outro trecho da revolução socialista continental (CASTAÑEDA, 1994, p. 77).
No entanto, comentar o internacionalismo do guevarismo não encerra a questão, pois a
expansão da Revolução Cubana não se assentava apenas no exemplo do voluntarismo heroico
envolvido pelo conjunto de ações e ideias de Guevara. O ponto, nesse sentido, é destacar que,
para além de “Che”, existiu a institucionalização da expansão da revolução por parte do
governo cubano. Isto ficou bastante claro, por exemplo, na obra “Utopia Desarmada” de Jorge
Castañeda (1994), principalmente se acompanharmos a descrição da ascensão e queda que o
autor desenhou (1994, pp. 55-67) a respeito do personagem e dos cargos que o conhecido
“Barba Ruiva” ocupou dentro dos quadros do governo Cubano.
Segundo o autor, entre 1961 e 1992, Manuel Piñeiro, então denominado “Barba
Ruiva”, esteve ligado (ou à frente) àquilo que ficou conhecido como a “Internacional” de
Havana, isto é, um órgão responsável pelo desenvolvimento e auxílio do movimento
revolucionário continental. Para tanto, Piñeiro teve disponíveis homens, campos de
treinamento, serviço de inteligência, dinheiro, armas e o reconhecimento do próprio Fidel
Castro. A importância de Piñeiro, contudo, oscilou junto com a política de Cuba para exportar
ou não a revolução. Assim, seu auge ficou configurado durante os anos 60, enquanto, nos
anos 70 em diante, sua importância decresceu, demonstrando não apenas a derrota da luta
armada na América Latina, mas também as mudanças na linha política da ilha. Foi durante a
década de 60 que Cuba prestou os mais diversos tipos de ajuda aos grupos de esquerda latino-
americanos, principalmente com treinamento e armas para que fosse possível disseminar os
germens da revolução em seus respectivos países, na organização de focos guerrilheiros.
Diante disso, não seria uma afirmação equivocada considerar que parte da Nueva
Izquierda no Peru, de alguma forma, foi atingida pelas intenções de Cuba em exportar sua
95

revolução, junto com suas estratégias e métodos. Aliás, isto é um dado tido como certo, pois,
conforme é mencionado no livro de Jan Lust (2013), os principais militantes do Ejército de
Liberación Nacional (ELN) foram treinados em Cuba. Ali também aprenderam a estratégia
política militar revolucionária: o castro-guevarismo. Além do ELN, outros militantes
peruanos estiveram lá para treinar, eram os membros do MIR (Movimiento de Izquierda
Revolucionaria).
Essa marca da Revolução Cubana dentro da formação da Nueva Izquierda estava
inserida no projeto de exportação da revolução. No caso, queremos chamar a atenção para
uma das formas que foram utilizadas para que isso fosse possível: atração intencional de
jovens peruanos até a ilha por meio de concessão de bolsas de estudos, mas com o intuito de
que aderissem aos treinamentos militares lá existentes. Sobre esta estratégia, podemos
considerar que ela foi eficaz, pois quase a metade dos estudantes peruanos que se mudaram
para Cuba adotaram a via revolucionária e os treinamentos (LUST, 2013, p. 153). Hugo
Blanco, por sua vez, embora fosse um jovem universitário, não teve sua formação política em
Cuba, mas na Argentina, onde entrou em contato com o trotskismo. Ainda segundo Jan Lust
(2013, p. 146)

A comienzos de la década de 1960, el Gobierno cubano envió, tanto a los


partidos comunistas como a los partidos de la oposición izquierdistas en
toda América Latina, el mensaje de que había becas disponibles. A partir de
entonces, 1962, cientos de estudiantes latinoamericanos arribaron a la isla.

Para não nos alongarmos, queremos dizer que além de representar uma tentativa de
exportar a revolução pelo continente, o treinamento desses jovens passava por uma questão
muito mais militar do que teórica e política, demonstrando assim que o objetivo final de tais
bolsas era o de exportar as estratégias e as táticas consagradas pela Revolução Cubana. Os
comentários e depoimentos de ex combatentes do ELN sobre o período de treinamento em
Cuba, trazidos pelo livro de Jan Lust, demonstram que a maior parte do tempo era gasto com
exercícios para combates armados, como é possível observar nessa declaração de Antonio
Pacheco: “teóricamente era tanto en organizar la guerrilla como en el manejo de armas.
Cómo manejar, cómo desarmar, cómo armar en caso de que se encasquille. No recibimos
una formación política” (LUST, 2013, p. 154).
Porém, esse quadro esboçado não esgota a nossa problematização, pois, se é verdade
que os cubanos tentaram exportar a revolução, também é verdade que essa exportação foi
muitas vezes aceita ou até mesmo buscada pelos grupos de esquerda. Nesse sentido, muitos
96

jovens interessados em aprender a fazer a revolução com os cubanos aproveitaram as bolsas


de estudos que acabamos de mencionar. Não o bastante, os principais membros do ELN, antes
de se depararem com as bolsas, já tinham viajado para Cuba em 1961 em busca de
treinamento guerrilheiro. Também já haviam rompido com o Partido Comunista e, estavam
simpatizados e convencidos o suficiente, a um só tempo, com a Revolução Cubana e as táticas
e estratégias consagradas por essa. Tais membros, por exemplo, já haviam publicado, no Peru,
o seguinte manual cubano “Ciento cincuenta preguntas a um guerrillero” (LUST, 2013, p.
139).
Do outro lado, no MIR, em 1960, o seu principal líder, Luis de la Puente, viajava pela
segunda vez para Havana, onde se encontrou com Che Guevara e estabeleceu vínculos com a
direção cubana. Na volta ao Peru, Guevara mandou um cubano junto com Puente para que o
auxiliasse com atividades de promoção da luta armada do MIR no Peru (LUST, 2013, pp.
244-246). Nesse sentido, uma parte considerável da Nueva Izquierda peruana confirma a
seguinte afirmação de Jorge Castañeda “[...] contava também o terceiro fator que contribuiu
para a participação cubana: a disposição da esquerda para aceitar – e, o que é principal,
solicitar – a interferência de Cuba em função de uma busca constante de relações
privilegiadas com a ilha” (CASTAÑEDA, 1994, p. 66).
Chegado a este ponto, convém pensarmos onde se localizavam, dentro dessa
problemática, Hugo Blanco e as organizações trotskistas e até que ponto podemos afirmar que
eles seguiram um caminho avesso a este descrito sobre o ELN e o MIR. Em primeiro lugar,
Hugo Blanco não viajou a Cuba ou procurou estabelecer vínculos estreitos com o projeto
revolucionário que era irradiado da ilha. Ao contrário, embora fosse um admirador da
Revolução Cubana e um defensor da ação revolucionária, o que notamos, tanto em sua prática
quanto em seu trabalho intelectual, foi sua proximidade com vários conceitos trotskistas, cujo
aprendizado havia se dado, sobretudo na Argentina. Some-se a isso o vínculo que ele
estabeleceu com outra Internacional: o SLATO, que de diferentes maneiras procurou se
colocar como dirigente daquela iminente revolução peruana, após as primeiras notícias
positivas do trabalho que Blanco desenvolvia entre os camponeses de La Convención.
Esta iniciativa do SLATO ficou evidente com o envio de militantes dessa seção até o
Peru, bem como o esforço de seu líder, Nahuel Moreno, em traçar as linhas teóricas e práticas
em favor dos trotskistas que estavam no Peru, linhas estas que ficaram marcadas pelas críticas
em relação ao castro-guevarismo, embora reconhecesse a inevitabilidade da luta armada. Esta
conclusão tiramos a partir da leitura das cartas que Moreno trocou com tais militantes (entre
1961-1963), que foram publicadas recentemente (MORENO, 2016), e também pela leitura do
97

artigo de Sabrina Cordal (2016), que analisou tal correspondência. A título de exemplificação
transcrevemos o seguinte trecho de uma das cartas que Moreno enviou ao militante Daniel
Pereira, em 15 de junho de1962.

Nuestro objetivo inmediato debe ser ayudar enseguida a Hugo Blanco y su


movimiento. Por ese medio demostraremos en los hechos que nuestra
concepción revolucionaria es coherente y posible y no la irresponsable de
“la acción por la acción”, separada del movimiento de las masas. Le
demostraremos así a nuestros amigos, los castristas, que el heroico
movimiento de ellos, solo sirve para hundirnos, desprestigiarnos, y quemar
a los mejores cuadros latinoamericanos en aventuras separadas del
movimiento de masas. La ayuda inmediata a Hugo Blanco, la considero un
problema primordial, decisivo, tan importante como en un momento
determinado votar a favor o en contra de una insurrección. Así deben
comprenderlos usted (MORENO, 2016, p. 21).

No entanto, apesar das intenções desse organismo de se colocar como direção, poderia
se argumentar que o conteúdo desta afirmação não se estendia integralmente a todos os
trotskistas que atuaram no Peru e até mesmo ao líder do SLATO, Nahuel Moreno. Primeiro
porque os trotskistas enviados da Argentina pelo SLATO, como foi dito em outro momento,
passaram a provocar assaltos a bancos entre 1961 e 1962, com o objetivo de conseguirem
dinheiro para financiar a compra de armas e o estabelecimento de focos guerrilheiros junto à
área em que estava Blanco. Além disso, podemos acrescentar que, no mesmo ano dos
assaltos, 1962, Moreno decidiu enviar alguns trotskistas argentinos a Cuba para pedir ajuda ao
movimento de Hugo Blanco no Peru (GONZÁLES, 1999, p. 316). Acontece, todavia, que
Moreno reprovou profundamente os assaltos e os objetivos que o sustentavam e, ao mesmo
tempo, aquele pedido de ajuda só foi realizado quando se percebeu que o FIR, o POR e a
maioria dos quadros do SLATO, no Peru, haviam sido liquidados pela repressão em abril de
1962, o que aconteceu após o segundo assalto. Mesmo com o pedido e o envio de um grupo,
os efeitos intencionados não foram alcançados, pois o grupo, depois que chegou à Ilha, não
manteve contato com os trotskistas argentinos ou os peruanos. E, quando retornaram, por
terem incorporado o castro-guevarismo, romperam com os trotskistas argentinos logo em
1963 (GONZALES, 1999, p. 316).
Com isto exposto, nossa intenção era demonstrar que as relações entre a Nueva
Izquierda e a Revolução Cubana não podem ser observadas como simétricas. Além disso,
percebe-se o esforço, até onde foi possível, do trotskismo internacional representado pelo
SLATO em manter a revolução peruana mais próxima de sua linha política e militar do que
daquela representada por Cuba. E, para encerrar, se Blanco, pouco antes de ser preso, em
98

1963, arriscou a formação de uma guerrilha que o deixou isolado das massas, no seu trabalho
intelectual o encontramos defendendo a inviabilidade dessa iniciativa se esse grupo armado
não estiver submetido às organizações de massa ou do partido, demonstrando mais uma vez a
defesa e seu vínculo com o trotskismo. Mas,tais considerações comentaremos ainda no
próximo capítulo.
Portanto, a intenção do capítulo era demonstrar de quais correntes revolucionárias que
compunham a esquerda peruana e latino-americana Hugo Blanco procurou se aproximar e se
distanciar. Nesse caminho, ainda, procuramos deixar claro que não é possível observar o
trabalho revolucionário e intelectual de Blanco como uma mera cópia das práticas castro-
guevaristas, ou ainda como um braço da mesma. Isto feito, cabe-nos, então, responder: qual
foi, portanto, o projeto de Revolução defendido por Hugo Blanco? De antemão, podemos
afirmar que seu projeto foi o resultado de um esforço de adaptação dessas correntes que, a seu
entender, se aproximavam mais à realidade peruana sem negar a dimensão internacionalista
da revolução.
99

3. A ação e reflexão revolucionária de Hugo Blanco

“A revolução é uma grande devoradora


de energias individuais e coletivas”.
Leon Trotsky – A Revolução Traída

Alguns anos após o movimento camponês no vale de La Convención e a prisão de


Hugo Blanco em 1963, o jornalista peruano Hugo Neira declarava que os segredos desse
movimento permaneciam em grande parte desconhecidos, pois seu principal personagem, o
líder camponês Hugo Blanco, preso em uma prisão localizada em uma ilha do Oceano
Pacífico, ainda não havia oferecido sua versão sistematizada sobre o caso.

La historia, en fin, del hombre que guarda hoy el secreto de la movilización


campesina, [esta] en un desolado peñón del Pacífico, a veinticinco minutos
del puerto del Callao, en la isla-prisión del Frontón, en donde el “sistema”
le ha condenado a veinticinco años por dinamizar esas masas (NEIRA,
1968, p. 89).

E de fato, Hugo Blanco demorou a realizar sua versão sobre aqueles anos, isto é, sobre
aquele momento em que ele mesmo foi um dos personagens que colaboraram para que um
dos maiores novelistas do Peru, José Maria Arguedas, chamasse o período de “este tempo de
convulsión” (ROWE, 1979, p. 132-135). Assim, como já indicamos em outros momentos, isto
só seria contrariado no início da década de 70, com a publicação de sua principal obra, o livro
Terra ou Morte, o qual será, em grande medida, alvo das reflexões deste capítulo, apesar de
nos valermos de outros textos simultaneamente, sendo alguns destes já mencionados.
Por outro lado, antes disso, ou seja, antes de ter sido possível se deparar com o que
Hugo Blanco tinha a dizer sobre o que havia acontecido no vale de La Convención, entre 1958
e 1963, outros autores deram sua contribuição a respeito da temática. E, para Hugo Blanco e
alguns outros amigos e simpatizantes, isso estava se tornando um problema, pois estas
publicações não estavam captando, segundo eles, o âmago do que havia sido o movimento
camponês do referido vale. Conforme expressou o próprio Blanco.

A exigência de meus camaradas me fez compreender minha obrigação de


fazer este informe, ainda que tardio. Assim como a severa crítica ao meu
silêncio, de Hugo Neira e outros amigos. Eles me fizeram compreender que
este silêncio é o principal culpado da distorção, ou incompreensão do
movimento camponês de La Convención e de Cuzco (1979, p. 30).
100

É por isso também que, além de uma espécie de “livro de memórias”, devemos
compreender Terra ou Morte inserida dentro de um contexto em que a temática da estrutura
agrária e dos camponeses enquanto movimento político ganharam um novo fôlego no Peru.
Nesse sentido, o que queremos dizer é que Blanco escreveu a sua principal obra depois de
outros autores terem abordado a mesma questão. E mais, o fez em diálogo com os demais e,
ao mesmo tempo, como forma de dar uma satisfação aos seus apoiadores, ainda que essas não
fossem suas únicas motivações.
No entanto, notamos que os posicionamentos de Blanco frente a tais escritos foram
realizados de forma ligeira, ou seja, no lugar de apresentar e desenvolver sistematicamente no
seu texto a polêmica com estes autores, Blanco apenas mencionou alguns nomes, o título das
obras e com quem ele mais se inclinou a concordar. Assim sendo, ao que tudo indica, tais
obras apareceram diluídas no seu texto sem referências diretas. De qualquer maneira,
identificamos uma obra que Blanco fez questão de nomear seu autor e expressar seu
desacordo, foi o livro de Victor Villanueva, intitulado Hugo Blanco y la Rebelión Campesina
(1967), como é possível identificar a seguir. E as razões disto provavelmente estão na
preocupação demasiada do autor com os aspectos político-militares do movimento, que, como
vimos, não eram a prioridade de Blanco.

Respeito, ainda que divirja parcialmente delas, as sérias exposições do tema,


por parte do jornalista Hugo Neira, e do sociólogo norte-americano Wesley
W. Craig1. Assim como o artigo de Aníbal Quijano, Os Movimentos
Camponeses Contemporâneos na América Latina (não conheço seu livro
sobre movimento camponês do Peru). Estes autores compreendem a essência
do movimento camponês, diferentemente de Villanueva e outros autores
(BLANCO, 1979, p 30).

Contudo, em nossa análise, foi possível perceber que o objetivo do autor não foi
somente o de responder a tais obras. Há outras “intenções”, que tentaremos deixar claro ao
longo do capítulo. Desta forma, Terra ou Morte, além de ter sido o meio pelo qual Hugo
Blanco expressou o seu pensamento revolucionário, foi também o lugar onde ele ofereceu seu
olhar a respeito da sua experiência vivida junto ao movimento camponês no vale de La
Convención. É por isso que, a um só tempo, o livro possuiu o duplo objetivo de crítica e
exaltação dessa experiência revolucionária, bem como o de oferecer uma espécie de via
alternativa para a revolução no Peru, em que se buscava se distanciar dos caminhos que
estavam sendo percorridos pela esquerda peruana dos anos 60 que, como indicamos no

1
Apesar dos esforços, não conseguimos ter acesso a obra de Weslay Craig.
101

capítulo anterior, permanecia preso em suas concepções reformistas ou haviam se inclinado


ao que chamamos de castro-guevarismo. Contudo, é importante ressaltar que tais intenções
não foram as únicas do livro mencionado, isto é, o livro em questão também foi um espaço no
qual o autor pôde “reviver” ideias e perspectivas que apareceram em escritos anteriores, como
no texto El caminho de nuestra revolución, de 1964. Como vemos:

Espero que a exposição dos aspectos positivos e negativos de minha


experiência, sirva como contribuição à luta revolucionária na América
Latina, especialmente. Espero que contribua para a compreensão de que
além do oportunismo reformista e da ação desesperada de grupos audazes,
desligado do movimento de massas, está o caminho de Lênin e Trotski
(BLANCO, 1979, p. 30).

Além disso, convém mencionar que Hugo Blanco resolveu escrever porque não
entendia que fosse possível acomodar a sua experiência revolucionária dentro daquilo que,
segundo ele, seus observadores estavam chamando de “sindicalismo” ou “guerrilha”, até
porque, para Blanco, apesar de sua prática e teoria revolucionária terem se valido de
sindicatos e da luta armada, elas estavam a uma distância segura de tal caracterização. Assim,
para Blanco, o seu trabalho no vale representou outra coisa, em outras palavras, algo entre
estes dois polos. Diante disso, sublinhou: “creio que este trabalho ajudará a compreensão
daquilo que não foi, simplesmente, ‘sindicalismo’, como vêem uns, ou ‘guerrilha’, como
vêem outros” (BLANCO, 1979, p. 30).
É neste ponto, portanto, que devemos localizar o pilar do esforço que permite
caracterizar Hugo Blanco como um intelectual revolucionário, à medida que este intencionou
ultrapassar as definições dadas por terceiros e os caminhos da mencionada esquerda e, ao
mesmo tempo, procurou produzir interpretações sobre sua realidade e teorizar sua experiência
revolucionária. Mas qual foi, afinal, a perspectiva que Blanco ofereceu à experiência com os
camponeses no vale de La Convención? Eis a sua afirmação: “[...] vejo-o como uma
demonstração positiva da aplicação da metodologia de Programa de Transição” (BLANCO,
1979, p. 31). Ou seja, o olhar que Blanco imprimiu à sua experiência seguia inserindo-a
dentro do programa revolucionário trotskista, por conseguinte, dentro do Programa de
Transição, o mesmo princípio que, em 1938, havia dado origem à IV Internacional. Assim
sendo, podemos dizer que Blanco passou boa parte do livro demonstrando o quanto a sua
experiência esteve inserida dentro desse referido Programa. E como, a partir disso, ele
procurou se colocar equidistante tanto das acusações de sindicalista, reformista e de
102

guerrilheiro. Por outro lado, o colocou em franco debate com os trotskistas latino-americanos
nas discussões a respeito dos caminhos percorridos por esta filiação.
Contudo, isso não quer dizer que Terra ou Morte tenha sido o único e primeiro texto
em que seja possível extrair dos escritos de Blanco conceitos e ideias advindas da teoria
trotskista, pois desde seu já mencionado texto de 1964, El camino de nuestra revolución, tal
identificação era pertinente, sendo possível de serem encontrados conceitos caros a Leon
Trotsky, como a necessidade de um partido verdadeiramente revolucionário (vanguarda), a
tática do poder dual e a luta armada organizada em torno de milícias. Porém, diferente deste
primeiro momento, Terra ou Morte estava em outro patamar, pois esteve preocupado tanto
com a teoria, quanto com sua aplicação. Além disso, à diferença de 1964, Blanco fez questão
de se apresentar como trotskista revolucionário e não poupou esforços para inserir sua
experiência dentro do programa dessa linha revolucionária, inserindo-a como elemento de
uma tradição trotskista peruana.
Para encerrar, mais do que uma sustentação teórica que pudesse legitimar sua
experiência dentro do trotskismo, acreditamos que existem outras interpretações possíveis
sobre Terra ou Morte, que vão desde transformar o livro em uma possível advertência para a
IV Internacional, a qual havia se reunificado em 1963, como um projeto que tentou traduzir o
trotskismo à realidade peruana. Tais questões serão tratadas ao longo do capítulo.

3.1. No cárcere? Então, às letras: a obra Terra ou Morte.

Terra ou Morte foi publicado no Peru em 1972. Sua redação, por sua vez, foi realizada
na prisão. Blanco estava preso desde 1963, após ser capturado pelos esforços das forças
armadas, que objetivou colocar fim às ocupações de terra no vale de La Convención. Na
época, como já mencionamos, o Peru não usufruía da normalidade democrática, pois em 1962
os militares haviam realizado um golpe, que, a um só tempo, destituiu do poder o presidente
democraticamente eleito, Manoel Prado, e impediu que o vencedor das eleições daquele ano,
o aprista Victor Raúl Haya de la Torre, assumisse a presidência do país. Apesar de a
normalidade democrática ter sido reinaugurada logo no ano seguinte, a sorte de Hugo Blanco
não mudou, pois permanecia no cárcere. Na realidade, sua situação até se agravaria, pois em
1966 foi condenado à pena de morte. Tal condição apenas se inverteria após grande pressão
da opinião pública, nacional e internacional, com a participação de destacáveis personagens
do meio intelectual. Dentre outras figuras políticas e instituições destacamos:
103

Isaac Deutscher, Jean-Paul Sartre, Simone Beauvouir, a Liga Internacional


dos Direitos do Homem, a Internacional de Anistia, dez membros ingleses
do Parlamento, Bertrand Russell, 400 intelectuais dos Estados Unidos,
prisioneiros políticos do México, uniram-se na campanha internacional em
favor da anistia (CAMEJO, 1979, p. 22)

A pressão contra a execução de Blanco surtiu efeito, pois ela não foi cumprida;
contudo, o intelectual só conheceria a liberdade no final de 1970. Neste momento, o Peru
estava sob o efeito de outra ditadura militar, comandada pelo General Velasco Alvarado, a
mesma ditadura que, após libertar Blanco em dezembro de 1970, o exilou em setembro de
1971. Nesta época, por sua vez, a obra Terra ou Morte já estava prestes a ser publicada, o que
de fato aconteceu no ano seguinte.
O mencionado livro de Hugo Blanco possui sete capítulos (Síntese Cronológica, Meio
Geoeconômico e social, O partido, Duas Linhas, Poder Dual, Luta Armada e Processo
Judicial). Tais capítulos foram antecedidos por uma introdução, de autoria de Peter Camejo,
dirigente do Socialist Workers Party dos Estados Unidos (SWP), e por um Prólogo, este de
autoria do próprio Hugo Blanco. Mas, antes de tudo, pensamos ser necessário sublinhar que a
escrita dessa introdução, no início dos anos 70, por um membro do SWP, uma das seções
mais importantes da IV Internacional, evidenciava não apenas a notoriedade atingida por
Hugo Blanco no seio do trotskismo, mas como essa aproximação revelava os agrupamentos
que andavam acontecendo no interior da IV Internacional. Demonstrando, assim, que uma
relação entre esta última e a publicação de Terra ou Morte não é de modo algum equivocada.
No entanto, sobre este aspecto procuramos deixar claro mais à frente.
Se recuperarmos o que vínhamos dizendo, segundo o dirigente Camejo (1979, p. 18),
“Terra ou Morte é um resumo de 20 anos do desenvolvimento político de Hugo Blanco, como
estudante, trabalhador e camponês”, em outra palavras, é uma obra que pode ser vista dentro
de uma certa maturidade. De fato, enquanto Hugo Blanco escrevia as linhas do seu livro, sua
idade já ultrapassava os trinta anos. Por conseguinte, ele não era mais aquele jovem
universitário chegado da Argentina, como o fora um dia, quando regressou ao Peru em 1956.
Pelo contrário, neste momento ele já acumulava uma experiência revolucionária e havia se
tornado uma figura pública conhecida, alimentada também pelas consequências que
envolveram sua prisão, como a campanha contra a sua execução.
Além disso, como figura pública, usufruía de um prestígio que o conduziu a um status
próximo ao de lenda, de tal maneira que era ouvido e respeitado por diversos grupos sociais e
políticos, dentro e fora do Peru, bem como se tornou uma espécie de mito entre os
camponeses. Como afirmou Victor Villanueva: “La campaña realizada conmovió al Perú
104

entero y el nombre de Hugo Blanco saltó a las primeras páginas de los diarios rebasando las
fronteras patrias para convertirse en personaje continental” (1967, p. 151). Mais tarde, outro
estudioso do caso de La Convención, Eduardo Fioravanti (1974), também destacaria o alcance
que Hugo Blanco atingiu entre os camponeses:

Hugo Blanco se convirtió de hecho en líder indiscutible del campesinado


peruano, su nombre recorría de boca en boca toda la Sierra del país,
convirtiéndose en un personaje legendario y mítico. Los campesinos de La
Convención relatan cómo Blanco siempre escapaba de la policía
transformado en perro, en puna, en gato. […] Muchos de estos piensan que
nunca fue detenido y que anda organizando sindicatos en otras regiones del
país (FIORAVANTI, 1974, p. 194)

Portanto, quando Hugo Blanco escreveu Terra ou Morte, ele não era um personagem
desconhecido na sociedade peruana. E certamente foi o reconhecimento construído nestes
anos que o manteve em condições de ser um político influente no Peru nos anos seguintes 2.
Tal condição aumentou as expectativas pela publicação de suas páginas.
Em um dos primeiros capítulos, chamado “meio geoeconômico e social”, o autor
apresentou a região que seria o objeto de análise, o departamento de Cuzco, na serra ao sul do
Peru, tendo as ações fundamentais sido desenvolvidas na zona de La Convención e Lares
(BLANCO, 1979, p. 38). Após esta delimitação, o autor passa a caracterizar a região e, de
fato, se limita a fazer uma descrição dos aspectos da geografia econômica e social do local,
conforme anunciado no título do capítulo. Nesse sentido, ao tratar da geografia do lugar, fez
questão de mostrar algumas diferenças entre a parte serrana e a parte que compunha o vale,
que era onde estava La Convención. Em seguida, Blanco destacou os principais produtos
produzidos em cada uma dessas regiões, os quais, segundo ele, estavam na base dos conflitos
entre hacendados e camponeses que atingiram o vale posteriormente, uma vez que
despertaram e aguçaram os interesses econômicos de cada um. Destacamos: “a diferença
fundamental entre estes vales quentes e a região serrana reside nas suas culturas [agrícolas]
que são permanentes na maioria e não anuais. Esta característica teve grande incidência nos
fenômenos econômicos e sociais da região” (BLANCO, 1979, p. 39).

2
Não foi por acaso que em meados dos anos 70, quando o governo militar ensaiava entregar o governo aos civis,
Blanco, que já tinha sido autorizado retornar ao Peru, foi eleito com o maior número de votos entre as forças da
esquerda, para participar da Assembleia Nacional Constituinte. Anos mais tarde, o mesmo personagem disputou
as eleições presidenciais, ficando na quarta colocação. E, nesta época, segundo Alberto Flores Galindo (1997, p.
91), Blanco era o líder da esquerda mais conhecido do país (FLORES GAINDO, 1997, p. 91). De qualquer
maneira, apesar do malogro no pleito presidencial, ainda seria eleito deputado entre 1980 e 1985, e eleito
senador em 1990.
105

Diferente dos produtos agrícolas produzidos na Serra, os que eram produzidos no vale
(o café, o cacau, o chá, dentre outros) eram produtos que passaram a render ganhos mais
significativos para aqueles envolvidos em sua produção. Esta situação foi alimentada por uma
demanda que cresceu tanto dentro como fora do país: “a produção da margem da selva [vale]
está dedicada principalmente à exportação a outras regiões do país e ainda para outros países”
(BLANCO, 1979, p. 39). No entanto, apesar de mencionar tais questões, Blanco não as
aprofundou, ou seja, não se atentou em questionar as razões que fizeram do vale um lugar de
considerável geração e aplicação de capital e que estavam relacionadas com o
desenvolvimento das comunicações e pela demanda favorecida pelo contexto mundial. Sobre
isso, o estudioso polaco Zbigniew Kowalewaski (1974), destacou que

Esta explosión en la producción del café y el té la facilitó, por supuesto, la


inauguración del ferrocarril y de las carreteras […] Sin embargo, las
causas básica fue otra: durante a II guerra mundial y posteriormente debido
a la guerra de Carea se nota una fuerte demanda de materias primas y de
los productos alimenticios tropicales en el mercado mundial. En el Perú,
entre los años de 1950 y 1965, la exportación del café aumentó en 3450% y
el valor de las exportaciones en 2900%. El valle de La Convención que tiene
magníficas condiciones naturales para el desarrollo del cultivo de café,
racciona positivamente a la demanda coyuntural del extranjero
(KOWALEWASKI, 1974, p. 147).

Hugo Blanco também não se preocupou em mencionar que grande parte da iniciativa
de produzir estes produtos agrícolas de maiores ganhos e investimentos e de maior demanda
internacional partiu dos camponeses da região. Iniciativa esta vinculada especialmente a partir
dos esforços de uma figura nova do ponto de vista jurídico das relações de trabalho, os
“arrendieres” (NEIRA, 1968, p. 8), que, a partir de um contrato, recebiam uma parcela de
terra dos hacendados, em troca de trabalhar determinados dias da semana nas terras do
proprietário, entre outras obrigações. Assim, ante o que foi dito, foram os arrendatários, ainda
que beneficiados por fatores externos, os principais beneficiados e responsáveis por
dinamizarem a economia da região.
Porém, esta não era o foco da narrativa de Hugo Blanco, apesar de reconhecê-la.
Blanco se preocupou mais em chamar a atenção para as relações arcaicas (“feudais”) de
produção que persistiam no vale, bem como para as iniciativas dos hacendados em promover
a expulsão dos arrendatários das terras em que se produziam os produtos de elevado interesse
comercial, fatores pelos quais, segundo ele, estiveram na base para a formação dos primeiros
sindicatos no vale: “esta agudização das contradições impulsionou a sindicalização do
campesinato na zona” (BLANCO, 1979, p. 46).
106

Estes sindicatos, por sua vez, não foram integrados apenas por arrendatários, mas por
outras categorias de camponeses que surgiram no vale. Os bons rendimentos trazidos pelas
culturas permanentes e a inclinação dos hacendados, em exigirem maior atenção dos
arrendatários às suas terras, colaboraram para que fosse necessário um incremento na mão de
obra. No caso, merece atenção a iniciativa dos arrendatários, que, para atender à demanda das
obrigações exigidas pelos fazendeiros, recorreram a novos braços. Com isso a região se
tornou um lugar de atração para outros camponeses, o que foi responsável pelo surgimento de
trabalhadores que ficaram conhecidos pelos seguintes nomes: o “allegado” e o “habilitado”3.
Mas o interessante, acima de tudo, é que, quanto à relação de produção e trabalho, o que
predominou entre hacendados e camponeses, mesmo em relação aos recém-chegados,
segundo Blanco sublinha em seu texto, foi o seu caráter arcaico, nos moldes do indicado no
capítulo primeiro. Conforme resumiu Hugo Blanco:

O hacendado dava ao camponês arrendatário uma extensão de selva virgem


para que ele a cultivasse. Dentro do conceito de pagamento por
arrendamento, o arrendatário devia trabalhar determinados números de dias
para o hacendado; em alguns casos devia pagar, além disso, uma certa soma
em dinheiro. Havia outras obrigações adicionais, como o trabalho de
mulheres e crianças (“palla”), trabalhos gratuitos em caminhos, canais, etc.
[...]
Com o desenvolvimento das culturas permanentes surgiu a necessidade de
maior quantidade de mão-de-obra. O hacendado exigiu mais condições e o
arrendatário necessitou mais tempo para realizar o trabalho na sua parcela.
Assim, surge o allegado (agregado) [...] que recebe dele [arrendatário] uma
pequena parte da terra, que será paga com dias de trabalho, como o imposto
a ele pelo hacendado.
[...]
Além deles, havia o habilitado, trabalhador assalariado trazido da montanha.
Estes trabalhadores, geralmente, iam ao vale apenas por uma temporada –
em maior escala na época da colheita. (BLANCO, 1979, p. 44-45).

Foram contra essas relações arcaicas de produção, sustentada pelos hacendados, que
os camponeses se movimentaram. Ou melhor, não apenas isso, como destacou Hugo Blanco,
mas também pelas iniciativas levadas a cabo pelos donos das hacendas em retomar à força as
parcelas de terra concedidas aos arrendatários, que, por sua vez, atingiriam diretamente
também os camponeses na condição de “allegados”, uma vez que a terra destes provinham da
concessão de uma parcela cedida pelos arrendatários. Logo, não foi por acaso que os
sindicatos se alicerçaram, sobretudo a partir de arrendatários e allegados. Explicando:

3
A necessidade de mão de obra na região produziu uma cadeia de trabalhadores camponeses que estavam
diretamente relacionados.
107

O cacique não só exigia melhores condições ao arrendatário, como seu maior


sonho era despejar os arrendatários e agregados, e apropriar-se das
plantações. O arrendatário e o agregado, por outro lado, desejavam que as
condições não fossem tão duras e que fosse assegurada sua permanência na
parcela (BLANCO, 1979, p. 45).

Essa linha de raciocínio seguida por Hugo Blanco, que também foi aplicada por ele
quando esteve em ação no vale, entre 1958-1963, foi muito interessante, porque, apesar de
serem nítidas as diferenças entre os grupos que integravam a classe camponesa, reuniu e
separou as categorias da região em apenas duas classes antagônicas: os hacendados e os
camponeses (VILLANUEVA, 1967, p. 76), demonstrando assim o seu entendimento de que
os interesses e a exploração sofrida pelos camponeses eram semelhantes, independente da
categoria laboral ao qual estivessem vinculados. Este raciocínio, por exemplo, não foi seguido
pelo autor Eduardo Fioravanti (1974), que percebeu mais contradições do que semelhanças
entre os grupos que compunham os camponeses, podendo se constituir em uma espécie de
crítica àquilo que Blanco postulou.
De qualquer forma, a habilidade de líder sindical de Hugo Blanco em ajudar na
coordenação das ações dos camponeses, bem como o reconhecimento óbvio dos arrendatários
de que precisavam do apoio dos outros camponeses, inclusive daqueles que não possuíam a
concessão de nenhuma parcela de terra, foram fundamentais para que na região surgisse uma
polarização entre as duas classes mencionadas.
Apesar de ter sido feita de maneira breve, em seu livro, Blanco reforçou as
contradições entre hacendados e camponeses valendo-se da história peruana, especialmente
sobre a questão do domínio da terra. Neste particular, atentou para o fato de que desde os
tempos do domínio colonial e pós-colonial os camponeses haviam sido os grandes
perdedores, quer fossem aqueles membros das comunidades indígenas (ayllu), quer fossem
camponeses que viviam no interior de uma hacienda. Para Blanco, a história do Peru era a
história das agressões das haciendas sobre os camponeses.
Neste aspecto em particular, convém acrescentar, que não foi possível perceber
qualquer tipo de esforço por parte do autor em dar à temática qualquer tom menos parcial,
conforme podemos ler:

Hacienda – É o latifúndio importado pela conquista espanhola. Não foi


afetado pela independência. Bolívar e outros libertadores eram hacendados.
Os chefes militares da guerra da Independência foram premiados com
haciendas em prejuízos dos índios.
108

A hacienda, o latifúndio, foi crescendo às custas das comunidades


camponesas; arrebatando terras com aparência legal ou sem ela.
A Hacienda é uma grande extensão de terra parcialmente cultivada em forma
extensiva.
Na época pré-incaica e incaica, a agricultura teve um caráter intensivo, se
cuidou muito da terra cultivável. Os “andenes”, terraços escalonados, foram
construídos para salvar da erosão a pouca terra cultivável das ladeiras
andinas; [...].
Os Conquistadores, durante a Colônia, e seus herdeiros da República se
encarregaram de destruir os “andenes”, de assassinar o solo como se
assassinaram o homem. Na época colonial houve um grande massacre de
índios. O conquistador [...] cultivava de forma extensiva e assassina. Esta
modalidade foi seguida pelo latifúndio republicano, pelos caciques [...]
(BLANCO, 1979, p. 41).

Embora seja possível identificarmos nestas passagens tanto uma herança de seu
indigenismo como uma herança do curso de agronomia iniciado por Blanco na Argentina, em
1954, pois há tanto a defesa dos índios quanto a preocupação com o trato do solo, a intenção
do autor foi a de demonstrar os aspectos históricos dos problemas dos camponeses que
persistiam. Por isso, mostrou que, além do latifúndio ter persistido ao longo da história
peruana, os grupos dirigentes do país estiveram diretamente vinculados às haciendas. Com
isso, a sorte dos camponeses teria estado à mercê dos interesses destes últimos – “Na serra de
Cuzco, as formas predominantes de produção são as da comunidade indígena, ou “ayllu” e
seu oposto: a hacienda, o latifúndio” (BLANCO, 1979, p. 40). Não obstante, exatamente aqui
temos a oportunidade, se observarmos com maior atenção, de perceber que o olhar empregado
pelo autor para enquadrar a questão estava inserido em uma perspectiva sócio-econômica. Na
sua visão, portanto, o problema estava ancorado na terra enquanto fonte de poder econômico,
social e político que ela garantiu ao longo do tempo a seus donos.
É por isso também que percebemos Hugo Blanco inserido numa tradição
interpretativa iniciada por José Carlos Mariátegui ainda na primeira metade do século XX.
Este, como se sabe, observou o problema indígena e camponês pelo prisma materialista e
econômico, por conseguinte, um problema diretamente vinculado à propriedade da terra. Com
isso, e como se sabe, Mariátegui não apenas rompeu com outras interpretações e soluções que
até então eram oferecidas, como percebeu que um dos principais gargalos do Peru
contemporâneo estava na manutenção daquilo que à época se chamava de “feudalismo
andino”4.

4
Até mesmo a caracterização de “feudal” para as relações trabalhistas nos Andes, por parte de Blanco, guarda
esta aproximação aos escritos de Mariátegui.
109

Nós que, do ponto de vista socialista, estudamos e definimos o problema do


índio, começamos por declarar absolutamente superados os pontos de vista
humanitários ou filantrópicos [...]. Nosso primeiro esforço tende a
estabelecer seu caráter de problema fundamentalmente econômico. [...]. Não
nos contentemos em reivindicar o direito do índio à educação, à cultura, ao
progresso, ao amor e ao céu. Começamos por reivindicar, categoricamente,
seu direito à terra.
[...]
O problema agrário se apresenta, antes de qualquer coisa, como o problema
da liquidação do feudalismo no Peru (MARIÁTEGUI, 2010, p. 67-68).

O vínculo de Hugo Blanco com as contribuições interpretativas legadas por


Mariátegui não se encerra aqui. Blanco compartilhava da ideia de que a solução para os
problemas relacionados ao campesinato gravitava em torno de questões que envolviam a terra.
Porém, assim como Mariátegui, ele sabia que este problema culminava numa questão também
política, que abordaremos em seguida. Desta feita, não foi por coincidência que Blanco tenha
intitulado sua obra de Terra ou Morte. Sobre isso, inclusive, poderia se argumentar que o
título seria uma referência ao lema mais impactante lançado pelo sindicato liderado por Hugo
Blanco, à época das invasões de terra no vale de La Convención. No entanto, da maneira
como está colocado, “Terra ou Morte”, é possível compreender que a terra aparece como
denominador comum tanto para o sucesso e continuidade da classe camponesa, como para o
seu perecimento e, por consequência, do próprio país. Assim, demonstraria que não há
solução razoável para o Peru que fugisse da questão da terra – “mostrar que el campesinato
elevará el Perú hasta las nubes, cuando posea la tierra. Mostrar, en fin, que para el Perú el
dilema es: Tierra o Muerte” (BLANCO, apoud NEIRA, p. 239).
Contudo, se levamos em consideração que o regime de propriedade de terras no Peru
tinha um significado que ultrapassava o meramente econômico, devemos recuperar o
fenômeno conhecido como gamonalismo, que abordamos no capítulo primeiro. Apenas assim
o problema da terra poderá ser compreendido em sua relação direta com a política e as
dinâmicas do poder.
O gamonalismo foi demonstrado por Mariátegui, e mais tarde também apareceu na
obra de Hugo Blanco. Com o problema colocado nesses termos, para tais autores, a
manutenção do latifúndio resultava na emergência de grupos que, ao longo do tempo,
controlavam e influenciavam o sistema de poder do Peru, mantendo sob seu domínio
importantes fatias das instituições estatais, contribuindo, dessa forma, para as mazelas
jurídicas, sociais, econômicas, políticas e culturais da população camponesa. Não por acaso,
devemos reconhecer no levante camponês liderado por Blanco, mais do que um movimento
110

pela recuperação de terras, uma tentativa de romper com o passado senhorial (sustentado pelo
domínio da terra), o qual os indígenas comumente estiveram submetidos na serra.
Com efeito, segundo Hugo Blanco, e como logo mais demonstraremos, foi na fissura
aberta pela quebra desta estrutura fundiária e, por conseguinte, no enfraquecimento do
gamonalismo, que se estabeleceu o lugar onde se deu a instalação do poder dual no vale de Lá
Convención:

É preciso recordar as características semifeudais da hacienda: o cacique não


é apenas o patrão, dono dos meios de produção. É ele que quase diretamente
“coloca” juízes e autoridades locais, assim como “coloca” professores ou
“tira” escolas. Além disso, ele suplanta em grande medida as autoridades
locais nas suas funções. É ele diretamente quem “faz justiça”. Pode proibir a
existência de “tiendas” (estabelecimento comerciais) ou monopolizá-las
(BLANCO, 1979, p. 74).

Tendo seguido tais questões ao longo do capítulo que nomeou de “Meio


Geoeconômico e Social”, Hugo Blanco intencionou demonstrar um pouco ao leitor a respeito
do contexto com o qual ele se deparou ao se posicionar na paisagem rural peruana. Dentro
dessas intenções, fez questão de focar as características infraestruturais da região para explicar
as classes sociais e os interesses ligados a cada uma delas. Ao mesmo tempo, temos a
impressão de que este caminho percorrido foi uma maneira de legitimar as ações
desencadeadas no vale, pois essas foram empreendidas pelos camponeses, uma classe que,
vista pelo prisma do autor, tinha sua história prejudicada por um sem-número de mandos e
desmandos perpetrados por diferentes grupos privilegiados do Peru. Diante disso, só restou a
Blanco afirmar que “(...) o índio era uma nacionalidade oprimida” (BLANCO, 1979, p. 43).
Por fim, mas não menos importante, convém acrescentar que com este capítulo Hugo Blanco
procurou oferecer as bases concretas/objetivas às quais se ancorou o seu Programa de
Transição.
Assim sendo, não sem razão, no restante do livro, Blanco se esforçou para inserir sua
experiência dentro do referido Programa5, sendo esta aproximação realizada inclusive quando
o autor reconhece a ocorrência de distanciamentos entre o Programa e as ações empreendidas
por seu movimento. Neste particular, em alguns momentos percebemos uma mea culpa de
Blanco, especialmente quando destacou que a principal falha promovida pela organização
camponesa no vale de La Convención coincidia com a não implementação de um dos

5
Com a exceção do último capítulo, que foi dedicado ao processo judicial que envolvia sua prisão, o resto do
livro representa um esforço de identificação e aplicação do Programa de Transição.
111

alicerces básicos que sustentavam a estratégia redigida por Trotsky, em 1938. No trecho a
seguir é possível identificar o que Blanco entendia sobre o Programa, bem como qual foi a
principal lacuna.

Situado hoje como um crítico do trabalho no movimento camponês de


Cuzco, vejo-o como uma demonstração positiva da aplicação da
metodologia de Programa de Transição, do ascenso gradual, partindo das
necessidades imediatas mais sentidas pelas massas, partindo do seu atual
nível de consciência, de organização, de luta.
[...]
Mas também vejo esta atividade, como uma amostra do funesto que é o
descaso pela construção do partido revolucionário, de tipo leninista. Posto
que a construção do partido é parte indispensável do Programa de Transição,
não se pode falar com propriedade de nem sequer tê-lo aplicado
corretamente [...]. Sem partido não só há uma má aplicação do programa,
como há uma má elaboração dele (BLANCO, 1979, p. 29).

Mais do que reivindicar os princípios expressos pelo “Programa de Transição”, como


a ascensão gradual das massas, ficou evidente que Blanco não deixou de equalizar sua
experiência revolucionária com aquilo que havia se tornado uma das principais questões para
Leon Trotsky, a saber, as fragilidades das condições subjetivas para a revolução, sendo esta
entendida quanto ao nível de consciência das massas e também em relação à direção das
mesmas.
A IV internacional, por exemplo, foi imaginada para dar conta destas questões, uma
vez que, na concepção de Trotsky, a ascensão do stalinismo e os descaminhos da III
Internacional haviam renunciado a tal tarefa. Assim, quando nos atentamos às preocupações
de Hugo Blanco a respeito do movimento camponês em La Convención, percebemos a
acusação de que faltaram ambas as coisas, isto é, os fatores subjetivos: consciência e direção.
Porém, para Blanco, que insistiu ao longo de todo o livro, esses fatores poderiam ter sido
alcançados se o partido de vanguarda tivesse sido construído, como é possível identificar
nesta passagem:

A construção do partido revolucionário que, assimilando a experiência da


luta de classes mundial, extraía de sua própria penetração no movimento de
massa, um programa de reivindicações transitórias, para orientá-las e dirigi-
las, desde sua situação atual até a tomada do poder, um partido que se
fortaleça a si próprio, através desse trabalho, aumentando seu nível,
engrossando suas fileiras com os melhores elementos extraídos da luta de
classes, estendendo sua influência [...] (BLANCO, 1979, p. 31-31).
112

Em sintonia, portanto, com o programa teórico trotskista, Blanco reconhecia ainda que
as condições objetivas já estavam dadas, faltando apenas, além do partido, a construção de
uma ponte que conduziria essa massa à tomada inevitável do poder e, por conseguinte, à
violência revolucionária, representada pela luta armada (BLANCO, 1979, p. 29). Mas,
diferente de Trotsky, que tinha uma noção das condições objetivas em um sentido macro e até
internacional, notamos que Blanco deixou transparecer em seu trabalho uma visão mais
regionalista das mesmas. Nesse sentido, conseguiu destacar as condições que acometiam o
contexto rural da serra peruana, como as questões materiais, econômicas e políticas, mas não
estendeu isso ao resto do país ou a uma perspectiva mundial. Certamente, porque essa nunca
foi uma tarefa que Blanco se colocou. Porém, o interessante é que, justamente pelo fato de ter
se limitado a uma realidade em particular e porque pensou a sua experiência inserida no
trotskismo, é que podemos classificar Hugo Blanco como um autor preocupado em traduzir o
trotskismo para a realidade peruana.
Desta feita, não foi por acaso que, em seu livro, Hugo Blanco esteve interessado em
colocar em destaque o desenvolvimento econômico da região, bem como as contradições
desenvolvidas entre camponeses e hacendados, ou as lutas de interesses entre ambos e até
mesmo a disputa entre comunistas e trotskistas pelos sindicatos camponeses, pois nisto tudo
estariam as condições objetivas. Aliás, objetivas e plenamente maduras. As mesmas
condições que, partindo dos princípios expressos pelo Programa de Transição, seriam as
molas propulsoras que conduziram as massas a um nível de consciência mais elevado, em
outras palavras, que levariam as massas a ultrapassarem o “programa mínimo” em favor do
“programa máximo”. Desta forma, se, para Trotsky, a estratégia era fazer das lutas diárias do
proletariado, por menores e mais econômicas que fossem, uma via que levasse a classe a
tomar consciência sobre a necessidade de derrubada do capitalismo e a instauração do
socialismo, o mesmo pensou Blanco, embora tenha sido em relação ao campesinato peruano.

É preciso ajudar as massas no processo da sua luta quotidiana em encontrar a


ponte entre as suas reivindicações actuais e o programa da revolução
socialista. Esta ponte deve constituir num sistema de reivindicações
transitórias, partindo das condições atuais e da consciência atual de grandes
camadas da classe operária, e conduzindo invariavelmente a uma só e
mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado (TROTSKY, 1978,
p. 24-25).

Portanto, ainda que a lacuna partidária tenha sido uma constante, como Hugo Blanco
demonstrou ao longo do livro Terra ou Morte, o aprofundamento das ações dos camponeses
no vale, que, de petições conduzidas por advogados contratados pelos primeiros sindicatos da
113

região, passaram a fazer greves, invadir haciendas e organizar a luta armada, tinha o objetivo
de conectar o movimento camponês à esteira do programa transitório, pois evidenciava um
processo permanente rumo à conscientização e radicalização. Em outras palavras, a superação
progressiva do “programa mínimo”.
Isto também deixa evidente a existência de uma tentativa de tradução do trotskismo à
realidade peruana, pois, diferente de Trotsky, Blanco não estava pensando no proletariado e o
contexto urbano, mas nos camponeses das haciendas. Desta preocupação do autor em se
adaptar ao contexto rural, por exemplo, surgiu um novo sentido para as greves dos
camponeses, que, segundo Blanco, ganharam um contorno e um significado diferente
daquelas praticadas pelo proletariado urbano. Em 1963 o jornal Obrero y Campesino circulou
esta concepção de Blanco, que apareceria também mais tarde no livro Terra ou Morte:

La huelga es una gran arma de los “colonos”, “arrendires”, etc.


El obrero no puede resistir una huelga por mucho tiempo, pues deja de
percibir salario y se muere de hambre. Al no vender su fuerza de trabajo, no
darla, no recibe el pago, el salario.
El campesino, al hacer la huelga deja de “paga” el derecho de usufructuar
el pedazo de tierra que el hacendado dice ser de su propiedad. Deja de
pagar en trabajo, y como no paga en ninguna otra forma, usufructúa la
tierra como si fuera de su propiedad mientras dura la huelga. (BLANCO
Apud NEIRA, 1968, p. 240.

Mas, fora essa adaptação à realidade peruana, o que interessa frisar é que Blanco fez
questão de destacar que o que havia acontecido no vale de La Covención foi a implantação do
Programa de Transição próximo aos moldes trotskistas, principalmente, para evidenciar que
seu projeto não foi o mesmo de outros setores da esquerda. Este ponto, aliás, Blanco
esclareceu em diversas situações. No livro, este quadro foi incrementado por referências aos
momentos de disputa e tensão entre comunistas e trotskistas, demonstrando assim que essa
condição conflituosa estava ancorada em projetos revolucionários essencialmente opostos.
Para Blanco, os comunistas peruanos haviam renunciado ao marxismo revolucionário
ensinado por Lênin e Trotsky, pois estavam reproduzindo apenas o “programa mínimo” que,
como já indicamos no capítulo anterior, foi ganhando força a partir da ascensão do Stalinismo
na União da República Socialista Soviética. Contudo, é bom lembrar que tais acusações
devem ser compreendidas pelo prisma do trotskismo.

O stalinismo, como em outros lugares, cobria seu oportunismo com a divisão


do programa revolucionário em um “programa mínimo” e um “programa
máximo”. Dentro desse critério, o programa mínimo planejava uma série de
114

conquistas “que se possa obter” dentro do sistema atual; e no remoto


programa máximo, estavam a tomada do poder e o socialismo (BLANCO,
1979, p. 59).

Esta temática foi desenvolvida especialmente no capítulo intitulado “Duas Linhas”. O


capítulo foi manejado para mostrar que existiram duas linhas políticas atuando entre os
camponeses de La Convención: os trotskistas e os comunistas, linhas estas que foram
mostradas pelo autor como sendo antagônicas e inconciliáveis. A primeira, segundo o autor,
representava a verdadeira teoria revolucionária, enquanto a segunda estava imersa numa
contaminação burocrática e que atuava como freio do movimento revolucionário – “Assim,
em Cuzco ocorreu o confronto do Programa de Transição deficientemente manejado [...] com
o programa mínimo reformista” (BLANCO, 1979, p. 60). Com efeito, Hugo Blanco chamou a
atenção, ao longo do capítulo, sobre como as táticas e estratégias propostas e utilizadas pelos
sindicatos controlados pelos trotskistas não tinham nada de reformista, porque, apesar de se
valerem de caminhos semelhantes aos utilizados pelos comunistas, como o uso dos trâmites
legais, estes eram apenas instrumentos acessórios. Na verdade, isso servia muito mais para
demonstrar aos camponeses a necessidade da radicalização, uma vez que os canais oferecidos
pela República para a solução dos conflitos e o atendimento dos interesses dos camponeses
eram ineficazes, além de profundamente tendenciosos, pois estavam sob a égide do
gamonalismo. Neste caso, de fato, Blanco tentava mais uma vez demonstrar a execução do
Programa de Transição, afinal, como afirmou um importante teórico do trotskismo, sua
aplicação se acelerava e se aprofundava desde que se conseguisse comprovar às massas a
ineficácia dos tramites legais e normais:

São necessárias lutas por objectivos transitórios (quer dizer, lutas que
aparecem aos trabalhadores como necessárias à solução dos seus problemas,
mas irrealizáveis no quadro do funcionamento normal do regime capitalista,
quer dizer, desembocando numa situação pré-revolucionária [...] para
permitir à consciência de classe dar um salto qualitativo em frente
(MENDEL, 1978, p. 14)

Mas para explicar as razões dessas teses em relação ao Partido Comunista, Blanco se
valeu da teoria da degeneração burocrática desenvolvida por Leon Trotsky, ainda na década
de 1930, formulada para esclarecer a derrota dos princípios que haviam guiado a Revolução
de Outubro e a criação da III Internacional. Para Trotsky, na União Soviética, aconteceu a
ascensão de um grupo responsável apenas em exercer o poder: a casta burocrática.
115

Hugo Blanco, bebendo nessa fonte interpretativa, também considerava que a ascensão
da chamada burocracia acabou usurpando o poder na União Soviética, pois se ergueu e se
fortaleceu às custas da inviabilização da participação das massas e comprometendo o
centralismo burocrático do Partido Comunista soviético. Este processo culminou numa
concepção de país que nem era socialista e nem capitalista, pois: “a União Soviética é um
Estado operário degenerado em proveito da burocracia; mas é um Estado operário, não
capitalista” (BLANCO, 1979, p. 57). Para Blanco, foi este Estado responsável por promover
Partidos Comunistas afeitos ao programa mínimo e contrários ao programa máximo;
incentivaram ainda direções reacionárias, que freavam a ascensão das massas, assim como
promoviam ideias contraditórias com os princípios que animaram a III Internacional no início:
a necessidade de que outras revoluções deflagrassem pelo mundo, sobretudo na Europa.
Explica:

Esta burocracia do Estado operário, que distorcia em proveito próprio,


manobrava, como mesmo objetivo, não apenas a política exterior soviética,
mas, o que é pior, apoiada no prestígio que gozava a grande revolução
operária entre os comunistas do mundo. Em nome dela começou sutilmente
a distorcer política e organizativamente os partidos comunistas do mundo;
convertendo-os, de seções nacionais do partido mundial da revolução que
eram, em meros instrumentos da política externa soviética. Transformando-
se, como dissemos, em política externa da burocracia (BLANCO, 1979, p.
57).

O seu esforço em mostrar-se vinculado ao trotskismo não se encerrou aqui. Ele


continuou no capítulo seguinte, ao tratar sobre o Poder Dual. De qualquer maneira, é possível
reconhecer, ao mesmo tempo, que o destaque e, igualmente, a defesa do Programa de
Transição possam revelar o vínculo de Hugo Blanco a uma das tendências verificáveis na IV
Internacional após a reunificação de 1963 (MARIE, 1990, p. 96), isto é, a tendência que
visava retomar e rever tal Programa.

3.2. Hugo Blanco e o Poder Dual

Na sequência de seu livro, Hugo Blanco tratou de outros temas caros ao programa
trotskista: o poder dual e a luta armada. Os dois temas, por sua vez, apareceram em capítulos
separados, mas o fato é que são conceitos interdependentes. De qualquer maneira, o que
116

devemos nos atentar primeiro é justamente quanto ao esforço de Blanco em demonstrar que
de fato ele havia constituído esse poder no vale de La Convención, pois como pontuou ao
final do capítulo em que abordou o tema em particular: “estamos convencidos que houve o
Poder Dual” (BLANCO, 1979, p. 79). Mas o que seria o poder dual?
Para Leon Trotsky, a dualidade de poderes é uma situação própria de épocas
revolucionárias, um momento, por conseguinte, em que a unidade de poder é posta em xeque.
Por outras palavras, um período em que não vigora mais as condições da suposta classe
dominante de impor, mediante o controle do Estado, o seu controle econômico e político
sobre as outras classes e sobre todo o território. Nestas condições, abre-se uma situação em
que a classe dominante convive com classes organizadas que almejam e praticam ações a fim
de fragilizar o poder constituído e de inaugurar e impor um novo sistema social, deixando
evidente que cada uma dessas classes possui interesses inconciliáveis. Além disso, em uma
situação de poder dual, fora o controle de uma parte do território, as classes antes submetidas
às classes dominantes atuam com independência e muitas vezes convergindo à esperança de
outras camadas, mas, principalmente, “(...) concentra, efetivamente, em suas mãos, uma parte
importante do poder do Estado (...)” (TROSTKY, 1977, p. 185). De qualquer forma, eis a
resposta de Blanco para poder dual:

Em toda sociedade existem classes antagônicas e a classe privada do poder


aspira inevitavelmente a fazer variar em seu favor, com maior ou menos
grau, os rumos do Estado.
[...]
O Regime de dualidade de poder apenas surge aonde se chocam de modo
irreconciliável as duas classes; e constitui, além disso, uma de suas linhas
fundamentais (BLANCO, 1979, p. 70).

Entretanto, estas não foram palavras suas, mas palavras do famoso revolucionário
russo Trotsky, o que demonstrava a filiação de Blanco aos seus ensinamentos, e de modo
algum isto foi feito sem intenção. A verdade é que Blanco desejou convencer a quem o lesse,
como forma de legitimar o movimento liderado por ele, que de fato havia conseguido emular
o poder dual no vale de La Convención. Isto era importante por diversos motivos, por um
lado porque este conceito era mais um daqueles que podiam escorar seu projeto sob a
bandeira trotskista, bem como garantir que havia alcançado, na época, uma situação
revolucionária; por outro, demonstrava que sua práxis foi envolvida por teoria revolucionária,
não por ações aleatórias ou aventureiras. Nesse sentido, convencido da força esclarecedora da
117

teoria, se colocou a explicar porque estava convencido de que existiu, naquele evento, isso
que se classificou de poder dual.
Enquanto se dedicava a este objetivo, foi possível notar outro esforço de Blanco em
traduzir o trotskismo à realidade peruana, aspecto este que deixou transparecer na seguinte
afirmação: “ante o desconhecimento ou interpretação errada sobre nosso conceito de Poder
Dual [...]” (BLANCO, 1979, p. 70). A recorrência ao termo “nosso” deixa ainda mais
evidente a interpretação de que aquilo que ele produzira, apesar de trotskista, era, antes de
mais nada, peruano. E a singularidade do poder dual que emergiu no vale, Blanco a
identificou assentada no seu caráter não nacional, mas local, e não na disputa de poder entre
as classes que classicamente antecede a vitória socialista, isto é, entre a burguesia e o
proletariado, mas entre os “camponeses e os gamonais”:

É certo que no Peru a dualidade em escala nacional não se dará entre o poder
burguês e o campesinato, mas entre o poder burguês e o proletariado [...].
Mas isto não contradiz que, em escala local, dentro desse processo, surjam
germes de poder dual entre o governo burguês e outros setores populares que
não sejam o proletariado, inexistente, quase, em muitas zonas (BLANCO,
1979, p. 73).

Esta condição demonstra o esforço de acomodação à realidade peruana não só porque


Hugo Blanco sabe que há lugares em que se predomina a população camponesa, mas porque
acredita conhecer a realidade do sistema de poder da serra peruana, conforme foi demonstrado
nos primeiros capítulos do livro que aqui analisamos. Portanto, sabe que o poder na região se
concentra e gravita em torno dos gamonales, condição essa responsável também pela
existência do gamonalismo, como indicamos em outras oportunidades6. Além disso,
reconhece que ambos existem a partir de uma aliança e consentimento com os grupos
dominantes do país, os quais se localizam não necessariamente apenas na serra mas também
na costa, e que o autor optou apenas em chamá-los de burgueses ou governo burguês. Daí, por
mérito dessa aliança, está a razão dessa citação trazer a ideia de que o poder dual, em escala
local, nascer entre os camponeses e o que Blanco nomeou de governo burguês.
Desta maneira, com o problema colocado nesses termos, a dualidade de poderes no
campo não poderia emergir do confronto de burgueses e hacendados (burguesia e
aristocracia), uma vez que seus interesses não se chocavam de forma irreconciliável, pelo
contrário, podiam até se complementar. Em 1964, no texto El caminho de nuestra revolución,

6
“Em síntese, é o amo [gamonal] quase feudal. O poder está claramente concentrado nele [...]” (BLANCO,
1979, p. 74).
118

Hugo Blanco passou ideia semelhante, porque, apesar de anunciar certa contradição e
fragilidade nos interesses desses grupos, em nenhum momento identificou a concorrência
entre esses poderes. Por isso que, ao fim e ao cabo, para Blanco, o poder dual se daria entre
camponeses e hacendados7, pois, além dos interesses e a vontade de poder de ambos serem
antagônicos e irreconciliáveis, o último, devido às suas alianças, representava ao mesmo
tempo a burguesia peruana, isto é, os grupos que nosso intelectual entende como dominante.
Como sublinhou Hugo Blanco:

Trotsky afirma que nem sempre a coexistência de poderes implica


dualidade de poderes. Ele cita o caso da nobreza latifundiária e a
burguesia da Prússia, nós podemos citar o caso dos caciques e a da
burguesia no Peru em que, por fortes que sejam às vezes os conflitos
entre as classes que repartem o poder: sua base social é comum e suas
desavenças não ameaçam chocar-se com o aparato do Estado
(BLANCO, 1979, p. 70).

Para Blanco, o poder dual que surgiu no Vale de La Convención se expressou de


diversas maneiras. O autor citou, por exemplo, o fato de os camponeses, organizados em
sindicatos, terem nomeado juízes que substituíram as autoridades locais, “autoridades
burguesas” (BLANCO, 1979, p. 75-76) e formalizarem a “lei da reforma agrária”. Além
destes exemplos, o autor citou a execução de obras públicas, bem como a construção de
escolas e pagamentos dos professores, dentre outras coisas.
Mediante esta condição, Eduardo Fioravanti afirmou que “de esta manera, las masas
campesinas irían paulatinamente arrebatando el poder económico y político-social a los
grandes propietarios respaldados por todas las autoridades político-administrativas”
(FIORAVANTI, 1974, p. 195-196). Ou seja, nas versões de Blanco e de Fioravanti fica a
perspectiva de que os camponeses foram capazes de abrir uma situação em que se fragmentou
a unidade do poder, pois teriam conseguido retirar o controle político, econômico e territorial
que, na região em questão, era costumeiramente localizado na figura do gomonal. Mas, se
assim se expressou o poder dual, qual foi sua base de sustentação? Foram os sindicatos

7
A título de exemplo, reproduzimos parte de uma citação apresentada no texto de Eduardo Fioravanti: “desde
que se organiza el sindicato, el campesino siente la necesidad de un organismo que haga justicia interna, pues
el hacendado ya no puede cumplir esa función debido precisamiente a la ruptura de relaciones que significa la
organización del sindicato; y, por otra parte, las autoridades políticas, judiciales y policiales se manifiestan
como instrumentos del patrón” (BLANCO, APOUD FIORAVANTI, 1974, p. 197).
119

camponeses: “el instrumento para la implantación del poder dual es el sindicato campesino”
(FIORAVANTI, 1974, p. 196)8.
Mas antes de adentrarmos nesta questão dos sindicatos, que, aliás, detém expressiva
relevância no pensamento de Hugo Blanco, convêm outras considerações a respeito do poder
dual.
Assim sendo, é expressivo recordar que esta temática não foi visitada pelo nosso autor
apenas durante a redação do livro Terra ou Morte. Poder dual, na verdade, é um conceito que
apareceu ainda nos escritos do cárcere de 1964: el camino de nuestra revolución. No entanto,
apesar dos princípios que sustentam o significado deste conceito ter permanecido ao longo do
período que compreende os dois referidos escritos, ficou evidente que as preocupações não
eram mais as mesmas. Em 1964, o norte que amparou este texto era justamente a ampliação
do movimento camponês, que naqueles anos se estendeu para além das fronteiras de La
Convención. Desta forma, atrelado aos princípios trotskistas, aos quais, segundo o
depoimento de um ex dirigente da juventude do Partido Comunista, “Blanco era muy fiel
[...]” (LUST, 2013, p. 91), ele ventilou algumas tarefas imediatas aos companheiros que,
diferentemente do que se passava com ele, permaneciam em liberdade e em ação juntos aos
camponeses, que eram justamente o de desenvolver o poder dual no campo.
Nesse sentido, naquele momento, Blanco informava a necessidade dos trotskistas de
tomarem a direção dos sindicatos que foram se alastrando pelo país, a exemplo do que
aconteceu no vale onde atuou. Na ocasião, como já reconhecia os problemas da falta de um
partido de vanguarda, deixou claro que tais trotskistas estariam sob a égide do Partido.
Contudo, foi categórico ao afirmar que, estar à frente de um sindicato deveria significar um
aprofundamento qualitativo sem precedente no interior do movimento camponês e do próprio
sindicato, pois de nada valeria penetrar entre as massas, tomar sua direção, fazer propaganda,
agitá-las e fazê-las entrarem em ação se a direção trotskista não tivesse consciência que seu
objetivo fundamental nesse processo era fazê-lo culminar na concretização do poder dual. Ou
seja, era necessário imprimir o tom e a consciência da situação revolucionária que os

8
A perspectiva que Hugo Blanco quis oferecer à ideia de poder dual, além de ter sido aludida por Eduardo
Fioravanti, foi captada também por Aníbal Quijano: “Las invasiones de las tierras de las haciendas de La
Convención que eran luego poseídas y trabajadas de manera colectiva por los sindicatos, dieron también como
resultado la formación de una nueva estructura de poder local, casi totalmente independiente del poder oficial y
tradicional, que llegó a controlar a través de los sindicatos, no solamente la apropiación y el trabajo colectivo de
las tierras de las haciendas invadidas, sino también todo los demás aspectos de la vida diaria de las localidades,
incluyendo la administración de justicia. Se había formado, así una especie de estado dentro del Estado
(QUIJANO, 1979, p.127).
120

sindicatos eram responsáveis por constituir. Pois, caso contrário, este poder estaria se
erguendo sobre bases frágeis, ou pior, se daria de forma inconsciente, por conseguinte, de
forma não revolucionária – “Hay el peligro que la tomada de la dirección real del
movimiento campesino por nuestro partido, no signifique un cambio qualitativo en este
desarrollo inconsciente del poder dual” (BLANCO, 1965, p. 10).
Desta forma, Hugo Blanco exigia uma “revolução” interna profunda nos sindicatos,
penetrados e cooptados para o trotskismo. Por outras palavras,“[...] la transformación del
sindicato o la organización campesina, de organización simplemente masiva del
campesinado, en organización de masa conscientemente revolucionarias” (BLANCO, 1965,
p. 10), os quais, com efeito, eram os embriões de poder dual.
Esta nova condição almejada, segundo Blanco, os conduziria a outro nível de luta
revolucionária, nível este que amadureceria a tal ponto que afastaria qualquer dúvida de que o
poder dual não havia rompido com a forma inconsciente, que era justamente o início da luta
armada. Esta nova condição nascia do poder fracionado, pois como uma fatia do Estado e do
território não estava mais sob as mãos da antiga classe dirigente, esta era impelida a retomar
seu antigo controle, enquanto a sua concorrente era impelida a se defender e, em determinadas
situações, ampliar os seus domínios. Foi por isso, inclusive, que Leon Trosky afirmou: “o
fracionamento do poder prenuncia a guerra civil” (TROTSKY, 1977. p. 185). Desta forma,
pode-se notar que, para Blanco, a luta armada era a consequência inevitável de organizações
com objetivos revolucionários. Eis o que destacou Hugo Blanco (1965, p. 11):

Concretamente, camaradas, el tomar la dirección del movimiento campesino


en una zona o región de nuestro país, significa elevarnos a una nueva tarea,
y el tener que elevar a las organizaciones campesinas a esa nueva tarea;
ellas es nada mas ni nada menos que el arte de la lucha armada. Porque
poder dual en desarrollo significa lucha armada real o potencial. Porque
dirección revolucionaria consciente de un poder dual en desarrollo significa
preparación consciente y revolucionaria de una la lucha armada inevitable.

Essa passagem é importante também porque reforça algumas considerações realizadas


no capítulo anterior, como o princípio de que a luta armada para Hugo Blanco partiria em
conjunto e a partir das massas, e não por meio da formação de um pequeno grupo guerrilheiro
separado daquelas, como ele achava que fazia o castro-guevarismo.
O poder dual, igualmente, significa situação revolucionária, expressa na consciência
da necessidade da luta armada. Mas isso, nas obras escritas por Hugo Blanco, não representou
um apreço pela formação de guerrilhas, muito menos percebeu nesta um organismo gerador
de poder, como alguns outros teóricos defensores da Revolução Cubana chegaram a conceber.
121

Do seu lado, Blanco acreditava que, embora a consciência do poder dual estivesse em grande
medida representada pela preparação e a inevitável luta armada, a base desse poder estava
primeiramente com as massas, precisamente nos sindicatos camponeses, uma vez que estes
expressavam a união e as decisões políticas de camponeses organizados. Foi por isso,
inclusive, que na maioria das vezes recomendou a formação de milícias, devido à conexão
orgânica que ele acreditava que este tipo de formação militar cultivava com as massas. Porém,
como mais à frente apontamos, nos momentos em que, nos seus escritos, cedeu e reconheceu
a possibilidade de se valer do uso e da formação de guerrilhas, esta foi esvaziada do
significado castro-guevarista, pois, além de ser emulada a partir das massas, ela estaria,
simultaneamente, submetida ao partido.
Não obstante, como já foi possível notar, foi tratando de poder dual que certamente
alcançamos uma das principais organizações que integram o arcabouço intelectual e
revolucionário de Hugo Blanco: os sindicatos. A respeito da importância e da
interdependência entre poder dual e sindicatos, Hugo Neira chegou a afirmar que ambos
compreendem as concepções políticas preferidas por Hugo Blanco (NEIRA, 1967, p. 94).
Mas, apesar da importância conferida aos sindicatos, evidenciada especialmente no texto el
caminho de nuestra revolución, Blanco aproveitou para chamar a atenção em Terra ou Morte
para que sua experiência não fosse confundida com sindicalismo. Com isso, obviamente,
Blanco tentava escapar de algumas acusações que pudessem distanciá-lo do programa
trotskista, pois, como destacou Trotsky ao longo do texto “Programa de Transição”: “ao
mesmo tempo, a IV Internacional rejeita e condena resolutamente todo o fetichismo sindical,
comum aos “trade-unionista” e aos sindicalistas” (TROTSKY, 1978, p. 29). Além disso, e
junto a outras críticas, Leon Trotsky fez questão de ressaltar também que os sindicatos não
podem e não devem substituir jamais o partido.
Crente, desde o início, e provavelmente desde sua estadia entre os trotskistas
argentinos, a respeito da importância das massas, Blanco fez questão de organizá-las quando
chegou ao vale de La Convención. Ali, como se sabe, fundou dezenas de sindicatos
camponeses. É claro que Blanco não foi o pioneiro na região, pois antes dele já existiam
alguns sindicatos. No entanto, é fato que esta organização de massa, não apenas cresceu em
proporção, como ultrapassou as intenções iniciais: as exigências por melhores condições de
trabalho, melhores salários, o cumprimento de leis que já existiam, o fim dos trabalhos
gratuitos e, especialmente, a utilização dos canais legais de reivindicação. Nesse sentido, para
a maioria dos autores aqui mencionados, foi com a chegada de Hugo Blanco que os sindicatos
122

ganharam um novo tom, o tom revolucionário9, pois desencadearam ações que galgavam
romper as estruturas econômico-sociais e políticas, que há tempos regulavam a vida dos
camponeses da região. E, no olhar de Blanco, isto era em decorrência de terem atacado a base
dessa estrutura: o latifúndio.
Os pesos transformadores que os sindicatos alcançaram, por sua vez, na prática, mais
tarde corroboraram para que Blanco sistematizasse essa experiência em seu trabalho
intelectual, onde aproveitou para chamar a atenção para um novo significado e uma nova
tarefa que deveriam ser cumpridas pelos sindicatos camponeses. Com efeito, sua ideia estava
ancorada em fazer desta organização mais do que um organismo de massa e de classe, mas
uma organização geradora de poder e estabelecida sobre bases democráticas, tal qual foram
um dia, em sua leitura, os sovietes durante a Revolução Russa – “el sindicato campesino se
erige paulatinamente en un verdadeiro organismo de poder popular democrático [...]”
(BLANCO apud FIORAVANTI, 1974, p. 196). Com isso, acreditava produzir no Peru uma
situação semelhante ao período revolucionário russo, quando os soviets desencadearam a
situação de dualidade de poderes.
A aposta em sindicatos equivalentes aos soviets ganhou tal amplitude no pensamento
de Hugo Blanco que o mesmo chegou a afirmar que o sindicato campesino era o único
“partido revolucionário sui generis de masas que hay en nuestro pais” (BLANCO, 1965, p.
12), pois:

No creo que en el Perú llegue a surgir otro organismo con apoyo del
movimiento de las masas que sea capaz de dirigir y llamar a acciones
revolucionarias. No creo en la posibilidad de soviets o grandes partidos de
masa que puedan llamar por sí solos a la revolución. Los sindicatos
cumplirán esse rol (BLANCO, 1965. p. 12-13).

Segundo Robert Alexander, Blanco amadureceu esta ideia especialmente na prisão e a


considerou como inovadora dentro do próprio trotskismo: “he used his time to develop a
particular approach to revolution in Peru which was substantially different from the
traditional Trotskyist position […]” (ALEXANDER, 1991, p. 639). Em sintonia com Robert
Alexander esteve Eduardo Fioravanti, que procurou realçar a semelhança dos sindicatos com
os soviets, bem como aquele como gerador e aplicador de poder, possível de se observar
nestas citações:

9
De acordo com esta concepção está Eduardo Fioravanti: “Un nuevo carácter adquirirían los sindicatos
campesinos con la llegada de Hugo Blanco al valle de La Convención”(1974, p. 91).
123

Los valles de La Convención y Lares estuvieron controlados en (1961-1962)


por un Estado de Soviets Campesinos que aplicaban sus proprias leyes de
forma democrática (FIORAVANTI, 1974, p. 175).

Blanco laid particular stress on the importance of peasant unions in the


Peruvian Revolution. He saw them as incipient soviets and urged that they
reach out to undertake de facto government activities in their localities, such
as providing health care, carrying out local public works projects, and
developing extension services for their members (ALEXANDER, 1991, p.
639).

Como já expomos em outras passagens, uma conclusão como esta não estava em
desacordo com o que também expressou Blanco. No entanto, queremos terminar afirmando
que, em último caso, nosso intelectual quis deixar registradas as seguintes impressões: que o
poder é gerado a partir das massas e tendo o partido como guia, deixando entrever, por outras
palavras, que a revolução socialista peruana dependia deste caminho. Por outro lado, a outra
impressão que convém mencionar é que todo este conjunto de afirmações objetivava deixar
expresso o protagonismo das massas camponesas, aspecto, aliás, evidente em todos os
escritos de Blanco, mas que provavelmente apareceu com uma intenção especial no livro
Terra ou Morte.
Assim, consideramos que deixar o mencionado aspecto evidente era importante
porque significava também uma crítica e uma alternativa em relação ao governo militar
inaugurado em 1968, a partir de um golpe. Naquele momento, como se sabe, assumiu o poder
o General Juan Velasco Alvarado, governo responsável por devolver ao Estado a condição de
sujeito político cujo resultado foi a implementação de um projeto de modernização autoritário
(CONTRERAS;CUETO, 2007, p. 328). Dentre as diversas reformas colocadas em práticas,
destacou-se a reforma agrária que este governo deu início em 1969. Na ocasião, aproveitando
a bandeira revolucionária que se autocolocou e, porque a pauta em questão era uma
reivindicação de diversos ramos políticos e sociais, o governo militar aproveitou para dar
início à expropriação de latifúndios, tanto na região serrana como na região da costa do país.
Até 1979, foram desapropriados 9.1 milhões de hectares e 369 mil famílias foram
beneficiadas.
Não nos cabe, por sua vez, retomarmos as consequências e os problemas dessa
reforma agrária. O importante, na verdade, é identificar no livro Terra ou Morte a intenção de
diminuir a relevância dessa reforma realizada pelos militares, que, em última instância,
almejava cooptar as demandas da classe camponesa e servia como um desestimulante para a
ação independente dos mesmos.
124

3.3. Hugo Blanco e a tomada do Poder

Apesar de Hugo Blanco, como já anunciamos, passar o maior tempo em Terra ou


Morte defendendo o Programa de Transição, bem como sua aplicação no vale de La
Convención, ficou implícito que durante este processo acreditava-se que estava em curso a
Revolução Agrária peruana, ou seja, estavam se alterando as estruturas arcaicas/feudais que
até então predominavam na paisagem rural10. Anos antes, em 1964, no texto El caminho de
nuestra revolución, Hugo Blanco não apenas chamou de Revolução Agrária o que estava
acontecendo no Peru, como percebia nesse particular algo profundo e fundamental. Mas a
maneira que abordou o assunto, é preciso que se diga, revelou também a ideia de que teriam
sido os trotskistas os descobridores e desencadeadores dessa revolução.

Hoy todo el mundo se llena la boca señalando la Revolución Agraria y las


ocupaciones de tierras como el fenómeno más importante del Perú y
posiblemente de Latinoamérica, de igual manera que todo el mundo acepta
al Cuzco como vanguardia de este proceso; es necesario recordar que
quienes descubrieron todos estos fenómenos y señalaron las perspectivas,
fuimos nosotros (BLANCO, 1965, p. 5).

A Revolução Agrária, como se sabe, estava representada pelas invasões de terras das
haciendas, atitude esta suficiente, para diversos autores (VILLANUEVA, 1967;
FIORAVANT, 1974; NEIRA, 1968; QUIJANO, 1979) defenderem que esse processo era
sinônimo de alteração das estruturas que predominavam na paisagem rural peruana,
especialmente em relação à serra. Neste particular, assim escreveu Aníbal Quijano em 1965:

Por su naturaleza y sus consecuencias, el proceso de invasión de la tierras


de las haciendas es la tendencia más avanzada del movimiento campesino, y
la que le otorga alcance revolucionario. Al despojar a los terratenientes de
la propiedad de la tierra, los despoja de la base fundamental de su poder en
la sociedad, contribuye a su disolución como clase, cambia radicalmente la
situación social de los campesinos, y transforma radicalmente las relaciones
de poder en el campo (QUIJANO, 1979, p. 126).

10
Lembrando que a Revolução Agrária evocada aqui não era sinônima de coletivização das terras. Esta
Revolução, para tais autores, inclusive para Leon Trotsky, tanto no seu livro A Revolução Permanente (1985),
como no Programa de Transição(1978), significava o ataque às estruturas arcaicas/feudais que predominavam
no campo, situação esta que previa o parcelamento das propriedades entre os camponeses, incentivos em favor
do desenvolvimento produtivos dessas terras e o fim dos regime de servidão. Atender e oferecer essas condições
aos camponeses, inclusive, era a maneira que Trotsky acreditava que faria com que os camponeses seguiriam em
apoio do proletariado durante e após a insurreição revolucionária. A reforma agrária executada por Hugo Blanco,
no vale em questão, enquanto esteve à frente dos camponeses, adequava-se noção de Revolução Agrária
justamente porque realizou o mencionado ataque e parcelamento de várias haciendas ali localizadas.
125

Contudo, não foi apenas a ideia de Revolução Agrária que tais autores identificaram.
De uma maneira geral, eles, e guardadas suas particularidades, também apontaram para a
ideia de que essa revolução não ultrapassou a perspectiva agrarista, sendo, por conseguinte,
seu grande problema a falta de planos para se tomar o poder.
Para Victor Villanueva, o problema estava na direção, precisamente com o SLATO,
sob a liderança de Nahuel Moreno, que vacilava em elaborar um programa que desse suporte
político e militar para o FIR e aos camponeses sob o comando de Hugo Blanco levarem a
cabo a insurreição revolucionária. Esta lacuna, ainda segundo o mesmo autor, era gravíssima,
pois “[...] una insurrección es una operación militar hecha con fines políticos”
(VILLANUEVA, 1967, p. 113). Com efeito, sem oferecer o referido programa, nem o
SLATO, nem o movimento de Hugo Blanco podiam ser considerados revolucionários. E o
problema se agravava, na análise de Villanueva, pelo fato de que o plano do SLATO se
inclinava cada vez mais em empreender, junto aos camponeses, apenas uma espécie de
projeto estratégico-político de implementação do poder dual que não almejava a insurreição,
mas apenas a constituição de sindicatos e milícias armadas para defender e tomar as terras dos
latifúndios da região, não para assaltar o poder.

La ocupación de tierra, pues, era un bueno medio para movilizar al


campesinado y ulteriormente desencadenar la insurrección; empero, las
acciones armadas eran indispensables para proseguir el proceso. Sin
embargo, parece que la ocupación de tierras no era solamente la bandera
que buscaba el dirigente del SLATO, era toda una concepción estrategico-
política, se pretendía la conquista del poder dual, la formación de milicias
campesinas y la aplicación estricta de la tesis trotskista lo que deseaba
Nahuel Moreno […]. Perolas tesis expuestas anteriormente es totalmente
correcta en cuanto a praxis revolucionaria se refiere. La ocupación de
tierras y su defensa, por exitosa que sea, no conduce necesariamente al
poder (VILLANUEVA, 1967, p. 103-104). (Grifo nosso).

Conquanto fosse Blanco um grande defensor da construção de sindicatos


revolucionários, por conseguinte, defensor das organizações de massas sui generis que
acreditava ancorar, assim como engendrar o poder dual e a expressão armada deste poder: as
milícias camponesas, também é verificável que Blanco não deixou às claras qualquer
estratégia que consagrasse a esse corpo militar o objetivo imediato de tomar o Estado. No
escrito de 1964, por exemplo, uma insurreição tal qual foi imaginada por Villanueva, com
todo seu teor político e militar, não apareceram rabiscados nos textos de Hugo Blanco, até
126

porque este mesmo renunciava o ataque ao poder. Para Blanco, a questão precisava de fato ser
colocada em termos defensivos, como é possível ler na seguinte afirmação:

es decir, el sindicato con su dirección no tiene que plantearse las acciones


armadas como una lucha directa por el poder, como una lucha directa
contra el gobierno, sino meramente defensiva contra las detenciones de
dirigentes o de defensa de las tierras ocupadas” (BLANCO 1965, p. 13).

À semelhança das críticas de Victor Villanueva, para o estudioso polonês Zbigniew M.


Kowalewski (1974, p. 34-36), isso se dava em função daquilo que chamou de “ortodoxia
ideológica” alimentada por sua formação trotskista e submissão ao SLATO, que não o
deixava vislumbrar uma luta armada e um aparato militar para além da milícia defensiva
dependente das massas. Com efeito, por assim ter se comportado, para este autor, sua
experiência não rompeu com a forma meramente sindicalista. Além destas considerações,
convém mencionar as ideias de Eduardo Fioravanti (1974), que, embora tenha seguido essa
tendência de ter visto nas milícias a intenção apenas defensiva, por conseguinte, longe de
intenções insurrecionais, acabou amenizando os efeitos negativos da ideologia trotskista e do
controle do SLATO. Para Eduardo Fioravanti, os erros de Blanco estiveram no excesso de
confiança de Blanco no espontaneísmo das massas e na força dos sindicatos camponeses
enquanto expressões de uma genuína consciência socialista.
Além disso, a maioria dos autores que analisaram os acontecimentos ocorridos em La
Convención estavam convencidos de que as milícias não cumpriam o objetivo de tomar o
poder, porque esta função era própria das guerrilhas revolucionárias, que tinham, além de
claros objetivos políticos, inúmeras vantagens táticas e militares sobre as primeiras. A
guerrilha, por exemplo, tem a vantagem de ser móvel e com isso ficaria preocupada em se
fixar em alguma área ou mesmo em declarar tal área livre das mãos do poder e controle do
inimigo, concepção esta em que se erguia a tática trotskista baseada nas milícias e no poder
dual. Para os defensores da guerra de guerrilhas, esse poder baseada na declaração e defesa de
uma área livre devia ser abandonado porque era, inclusive, um convite que facilitava o serviço
das instituições repressoras, como o exército. Corroboravam para tais concepções a recente
vitória dos revolucionários cubanos e a tentativa de sistematização levadas a cabo pelos
trabalhos teóricos de intelectuais, como Régis Debray. Este último, aliás, no seu livro
Revolução na Revolução, além de circular as mencionadas ideias, ao contrário de Hugo
Blanco, destinou bastante atenção em desmontar qualquer esperança revolucionária, caso esta
se pautasse na formação de milícias.
127

Do seu lado, Hugo Blanco pautou-se bem mais nas milícias do que nas guerrilhas, mas
não por mera retórica, porque, além das milícias estarem na base do pensamento trotskista, ele
percebia que no Peru elas atendiam à etapa revolucionária e às particularidades do país,
especialmente na região rural. A respeito disso, destacou que, antes de qualquer coisa, no
campo, os camponeses estão organizados sob organismos de massas (sindicatos) que
precederam o surgimento da luta armada, o que colocava o processo revolucionário peruano,
por exemplo, num ponto de partida singular ante outras revoluções: “as experiências cubanas,
chinesas etc. caracterizaram-se, em seu ponto de partida, pela ausência de organização das
massas combatentes, até então considerada uma condição prévia [...]. No Peru já existem
organizações que agrupam amplas massas” (BLANCO, 2006, p. 465). Com efeito, defendia
que se as massas já estão organizadas, muito mais coerente era a constituição de milícias,
dada a ligação fisiológica de ambas, pois baseava-se no princípio de que as massas
organizadas, e mediante a elevação do seu nível de consciência, que seria garantida pela
atuação do partido, brotariam as milícias camponesas e a violência revolucionária. E assim
sendo, a guerra de guerrilha ficava descartada, porque de nada valeria a implementação de um
grupo guerrilheiro isolado das massas dentro do contexto em que Hugo Blanco acreditava em
que os camponeses peruanos estavam.
Desta forma, e observando tais afirmações, para Hugo Blanco, era obviamente um
equívoco destinar, no Peru, à luta armada as mesmas tarefas e relevâncias que tiveram em
outras revoluções. Em outras palavras, tentava confrontar a perspectiva de que em seu país, a
guerrilha pudesse ser o caminho pelo qual se engendraria o grande motor responsável pelas
revoluções, como queria Regis Debray (1967). Ademais, as milícias eram o caminho
conveniente porque, segundo Hugo Blanco, elas se adaptavam à realidade da vida camponesa
propriamente dita: “portanto, o guerrilheiro sai de sua casa para regressar a ela no final da
luta. Em compensação, o miliciano fica em casa, dedica-se ao trabalho e, quando é preciso
lutar, luta” (BLANCO, 1964b, p. 468). Não por acaso assim deixou destacado: “de cem
camponeses dispostos a lutar, 99 quererão ser milicianos e só um, guerrilheiro” (1964b, p.
468).
De qualquer modo, ainda que a maior parte do tempo Hugo Blanco tenha se dedicado
a promover positivamente as milícias, poderia se argumentar que Blanco tenha intentado a
formação de uma guerrilha logo antes de ser preso em 1963, bem como teria economizado,
em seus escritos, críticas em relação às guerrilhas. Apesar da aparente contradição, o fato é
que, quando observamos seu trabalho intelectual, apesar de sua preferência pela milícia, não
notamos Hugo Blanco condenando a utilização da guerrilha. O que o intelectual
128

revolucionário em questão pareceu querer demonstrar é que, para os trotskistas, a revolução


não pode ser sinônima de guerra de guerrilha, esta não pode se tornar estratégia nem a única
tática disponível, assim como não deve sobrepor as funções do partido.
Mas, caso a guerrilha seja adotada pelos trotskistas, é importante que ela seja
esvaziada de todo seu conteúdo castro-guevarista. Nessas duas passagens, por exemplo, é
possível identificar a sujeição das guerrilhas ao trotskismo, quando Blanco afirma: “deve-se
explorar todos os conhecimentos em matéria de guerrilha que possam ser adaptados à nossa
estratégia”. E logo à frente concluiu: “entretanto, nada se opõe à organização de guerrilhas.
Algumas podem ser constituídas com elementos dispostos a lutar, para ajudar as milícias. Mas
o órgão fundamental da luta armada no Peru é a milícia do sindicato, dirigida pelo partido”
(BLANCO, 2006, p. 468).
Entretanto, é fato que se seguirmos os autores citados até aqui, apesar da defesa que
Hugo Blanco ofereceu às milícias, elas não contavam com conteúdo político claro, isto é, a
acusação de que faltou plano para se tomar o poder de assalto procedia. No caso, a impressão
que se tinha é que as milícias entravam em cena apenas como grupos armadas que se
restringiam à Revolução Agrária, à defesa das terras invadidas e a manutenção de situação
permanente de poder dual.
Contudo, ao que nos parece, o intelectual revolucionário em questão encontrou uma
maneira de se esquivar dessa acusação, que foi justamente a de tentar enquadrar toda sua
experiência no vale de La Convención dentro do Programa de Transição, trabalho este que
efetivou ao escrever o livro Terra ou Morte. Pois, ao realizar este caminho, a um só tempo,
Blanco garantia seu distanciamento em relação ao que ele entendia por castro-guevarismo,
bem como retirava a noção de que não se almejava ações em prol da insurreição, isto é, a
tomada do Estado, que ia garantir a implementação do socialismo. Afinal, a captura do poder
era algo implícito no Programa, não precisando ser evidenciado. Assim, pode-se considerar
que, durante o processo revolucionário, existam etapas e diversos meios para se vencer estas
etapas, mas não existe outro fim, isto é, o objetivo último é a insurreição, mesmo porque tal
programa estava diretamente vinculado ao programa máximo. Com efeito, em algum
momento, as milícias deixariam sua condição de defesa para se posicionar numa condição de
ataque, até porque, o poder dual que elas expressariam não almejava a estabilização, mas o
avanço sobre a parte concorrente.
Ao mesmo tempo, sustentar a ideia de que se executou o Programa de Transição era
uma maneira de se contrapor às acusações sindicalistas e agraristas a que seu movimento se
tornou alvo. Ora, se tal programa não possuía outro fim a não ser a tomada do poder e a
129

implementação do socialismo, certamente, na visão de Blanco, não havia razão para que ele
fosse acusado de ter se circunscrito a uma agenda econômica. Sendo esta agenda o fim dos
trabalhos servis impostos aos camponeses das haciendas e o parcelamentos das terras com a
reforma agrária propostas por Hugo Blanco. Pois, diferente do que aconteceu, não planejava
frear a ascensão revolucionária das massas campesinas quando estas estivessem livres do
regime de servidão e nem quando tivessem alcançado a propriedade da terra. Na verdade, seus
escritos dão a entender que o plano era defender estas conquistas através das milícias, mas,
simultaneamente, intensificar o processo revolucionário (amadurecendo as condições
subjetivas e despertando, inclusive, as massas urbanas) até se chegar à etapa da tomada do
poder. Ou seja, ao que nos parece, Blanco quer dizer que a Revolução Agrária não era o fim,
mas apenas o meio, ou, por outras palavras, o ponto de partida da revolução no Peru.
Finalmente, porém, é preciso que se considere que o livro Terra ou Morte não foi
apenas uma defesa do Programa de Transição e dos métodos e estratégias trotskistas, dentro
de uma realidade nacional. Em nossa compreensão, o referido livro tinha uma ambição mais
ampla, pois certamente estava vinculado aos debates que aconteciam na IV Internacional, no
início dos anos 70, deixando evidente, mais uma vez, que os entendimentos da Revolução
Peruana e da trajetória do intelectual revolucionário Hugo Blanco não estavam desconectados
desse órgão. A isto nos dedicaremos agora.

3.4. Terra ou Morte e a IV Internacional

Enquanto a pesquisa se desenvolvia, percebemos que a principal obra de Hugo


Blanco, o livro “Terra ou Morte”, agregava um objetivo que, como já dissemos, ultrapassava
o caráter de simples memória, de crítica em relação aos trabalhos que tentaram dar conta de
explicar o movimento camponês que Blanco havia liderado ou de mera defesa do Programa
de Transição. Nesse sentido, identificamos que dificilmente poderíamos desligar a produção e
divulgação do livro Terra ou Morte da esteira das consequências produzidas pelo IX
Congresso do Secretariado Unificado da IV Internacional (1969), pois enquanto se publicava
o livro no Peru, em 1972, no mesmo ano acontecia a formalização (ou formação) de dois
grupos antagônicos no interior da Internacional, que ficaram conhecidos como Tendência
Leninista Trotskista (TLT) e Tendência Majoritária Interna (TMI), sendo ambas correntes o
resultado de polêmicas a respeito do que ficara decidido no referido congresso.
Além disso, é bom lembrar que esta polarização eclodiu no seio da Internacional
exatamente quando ela estava prestes a completar uma década de superação da cisão de 1953,
130

pois o SI e o CI haviam sido reunificados em 1963, sob a bandeira do SU (Secretariado


Unificado da IV Internacional). Mas é importante dizer que não estamos falando de todas as
seções trotskistas. Do lado do CI, por exemplo, somente participaram da reunificação o SWP
e o SLATO. Do outro lado, Juan R. Posadas havia rompido com o SI, em 1962, fundando
uma Internacional própria.
De qualquer maneira, achamos importante problematizarmos Hugo Blanco neste
contexto, pois nos deparamos com algumas questões que nos levaram a compreender o seu
referido livro como uma voz ativa dentro da Internacional, sendo Terra ou Morte, portanto,
uma das expressões do grupo Tendência Leninista Trotskista (TLT), que claramente
discordava das conclusões a respeito da revolução para a América Latina decidida pelo IX
Congresso do Secretariado Unificado, em 1969. Ao mesmo tempo, isso noticia que, apesar de
preso desde 1963, a notoriedade de Hugo Blanco à frente da IV Internacional não foi menor
do que sua relevância como personagem da esquerda peruana.
Corroboram para o que acaba de ser exposto não apenas a seguinte afirmação do
historiador Osvaldo Coggiola (1984, p. 71): “as coisas chegariam ao ponto de, em 1972,
várias organizações do SU, encabeçadas por Joseph Hansen (dirigente do SWP), Nahuel
Moreno e o peruano Hugo Blanco, formarem uma “Tendência Leninista Trotskista” de
oposição à direção do SU”, mas também uma carta trocada por Hugo Blanco e Joseph
Hansen, em 1970, enquanto aquele ainda estava preso. Nesta correspondência foi possível
perceber o desconforto que ambos estavam nutrindo pelas teses vencedoras do IX Congresso,
bem como uma clara inclinação de se agruparem a fim de encabeçarem uma oposição. Mas
qual foi o principal ponto de inflexão que colaborou para a emergência desse grupo? Isto
Hugo Blanco nos respondeu no início de sua carta: “the object of this letter is to convey our
opinion on the international debate on Latin America. We repeat once again that we stand on
the Transition Program. That we are against the guerrillerista current” (BLANCO, 1970)11
Eis, por conseguinte, a questão que foi fechada entre os correspondestes trotskistas: a
luta contra o “guerrilheirismo”, que na verdade não era outra coisa do que a crítica em relação
àquilo que em outros momentos chamamos de castro-guevarismo. Ou seja, o IX Congresso se
posicionou, como veremos a partir de agora, a favor da perspectiva de que o trotskismo, ao

11
BLANCO, H. NOME DA CARTA, ANO DA CARTA. In: SWP. International Information Bulletin, nº 7, set.
1970.Disponível em: https://www.marxists.org/history/etol/document/fi/iib-1970-76/2-apr-1970-intl-inf- Acesso
em: 15 jun. de 2017.
131

longo de todo o continente latino-americano, deveria focar na luta armada, principalmente na


constituição de guerrilhas rurais a fim de levar a cabo a revolução socialista no continente,
dando a entender que a guerra de guerrilha não seria apenas uma tática, e sim, sua estratégia.
Ainda a respeito da carta de Hugo Blanco para Hansen, ela também é importante
porque nela foi possível identificar posicionamentos fundamentais que Hugo Blanco tentou
sustentar, pouco tempo depois, com a publicação do seu livro Terra ou Morte, em 1972.
Nesse sentido, como expusemos páginas acima, se Hugo Blanco intencionou inserir seu
projeto revolucionário junto aos camponeses dentro do Programa de Transição, isso também
expressava a intenção de convencer seus leitores para não confundirem suas ações e a luta
armada desenvolvida no vale de La Convención com aquilo que, na carta, chamava de
“guerrilheirismo”.Desta forma, para refutar esta última e evitar interpretações com que não
concordava, como aquela levada a cabo por Victor Villanueva (1967), advertiu que a
violência revolucionária perpetrada por ele e pelos camponeses não era exemplo de guerrilha
e nem de guerrilha trotskista. Na verdade, a luta armada havia sido o resultado da aplicação
do genuíno programa trotskista, isto é, do Programa de Transição, como argumentou neste
trecho do escrito em questão: “[...] Chaupimayo should not have been that of a‘Trotskyist
guerrilla’ as was done in general, but as an example of the application of the Transition
Program in opposition to guerrilla-ism” (BLANCO, 1970). Assim, de uma maneira geral,
esta carta,parece,confirmava toda a desconfiança que desde cedo Blanco nutriu em relação ao
castro-guevarismo.
Para alguns estudiosos (COGGIOLA, 1984; MEUCCI, 2015; MONTEIRO, 2016), a
reunificação da IV Internacional de 1963 pode ser creditada, em grande medida, à superação
das críticas, aos acordos e até mesmo ao “entusiasmo” que as seções do SI e do CI
começaram a cultivar em relação à Revolução Cubana, como a concepção de que na ilha
havia surgido um estado operário de “tipo particular”; de que o processo revolucionário
iniciado em 1959 confirmava a validade das concepções da “Revolução Permanente”, de
Leon Trotsky; de que sujeitos revolucionários “imperfeitos” podiam cumprir importantes
papéis. O problema, por sua vez, é que foi sintomático desta reunificação, não apenas uma
confluência em relação a determinadas análises teóricas, mas um entusiasmo prolongado a
respeito de diversos outros pontos. Desta feita, emergiram no interior do Secretariado
Unificado (SU) grupos cedendo para Havana o comando da revolução socialista no continente
132

latino-americano, assim como uma considerável relevância dada ao conteúdo revolucionário


representado pelo castro-guevarismo12.
Este momento, em que Cuba e o castro-guevarismo ampliaram seu status de principal
líder e modelo desencadeador e promovedor da revolução socialista no continente, inclusive
dentro do trotskismo, ficou evidente pelo resultado do IX Congresso do Secretariado
Unificado da IV Internacional. Para tanto, além da incorporação e concessões feitas pelos
trotskistas ao paradigma revolucionário cubano, foi importante – sem nos esquecermos de
todo o esforço de exportação e coordenação da revolução pelo continente que, como
colocamos no capítulo anterior, já era evidente desde o início dos anos 60 – o surgimento da
Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), em 1967. Michael Lowy
comentou o significado desta última para às esquerdas do continente:

Em 1967, o congresso da Organização Latino-Americana de Solidariedade


(OLAS) reuniu-se em Havana, constituindo a expressão política mais
elevada desse primeiro período do castrismo no continente. A significação
histórica desse congresso encontra-se, em primeiro lugar, na sua tentativa de
coordenação continental, pela primeira vez desde Bolívar, do processo
revolucionário latino-americano, e, em segundo lugar, na inequívoca e
franca proclamação da unidade do conteúdo democrático e socialista da
revolução latino-americana. [...]. A OLAS também tomou posição a favor da
guerrilha como o método de luta mais eficaz na maioria dos países do
continente (LOWY, 2006. P. 47).

Foi nesse contexto, portanto, em que Cuba aprofundava sua responsabilidade pela
revolução em toda a América Latina, que apareceu no interior da organização trotskista, o
Secretariado Unificado (SU), um documento escrito pelo dirigente italiano Lívio Maitan, em
1968, em que se notava reverberações das intenções e propostas previstas pela OLAS.
Segundo Isabella Duarte Pinto Meucci (2016), este dirigente achava que estavam prontas as
condições objetivas para a revolução ao longo de todo o continente e que esta ganharia
expressão através de lutas armadas, sobretudo na forma de guerrilhas rurais: “Maitan
acreditava que a luta armada no continente latino-americano iria assumir a forma específica
da guerrilha rural” (MEUCCI, 2016, p. 176). Esta visão, por sua vez, não era única dentro do
SU. No início de 1969, Joseph Hansen, o principal dirigente do SWP nos Estados Unidos,
apresentou um documento questionando as análises de Maitan e denunciando sua demasiada
sintonia com a direção cubana e com o modelo de revolução representado pelo castro-

12
Conforme um artigo publicado pela historiadora Isabella Duarte Pinto Meucci (2016, p. 173), este último
ponto ganhou força dentro do SU entre os anos de 1968 e 1974.
133

guevarismo (MEUCCI, 2016, p. 176-177). Hansen defendeu outra posição. Acreditava que o
partido, além de ser a prioridade dos militantes trotskistas, deveria ser hierarquicamente
superior ao aspecto militar, demonstrando assim que o partido era a estratégia a ser
perseguida, não a formação de guerrilhas. Em outras palavras, entendia estar defendendo o
legado de Leon Trotsky.
De qualquer maneira, conquanto existissem as posições divergentes, foram justamente
as posições de Lívio Maitan que prevaleceram no IX Congresso do Secretariado Unificado.
Segundo Osvaldo Coggiola (1984, p. 71), “os documentos do IX Congresso (1969) orientam
as seções latino-americanas para a preparação da luta armada (inclusive no campo) em toda
circunstância, ainda que as lutas operárias ocupem o centro da cena”. Vitoriosas as teses de
Maitan, o que se seguiu, como já foi anunciado, foram as polêmicas no interior da
Internacional a respeito da questão da guerrilha, de tal maneira que em 1972 apareceram os
dois grupos representantes de duas correntes, a Tendência Leninista Trotskista (TLT) e a
Tendência Majoritária Interna (TMI).
De qualquer modo, o objetivo é problematizarmos Hugo Blanco dentro deste
panorama. Assim, levando em conta tudo o que foi dito a respeito da trajetória intelectual e
revolucionária dele e como o livro Terra ou Morte foi publicado no mesmo ano em que se
formalizava o grupo Tendencia Leninista Trotskista, o qual ele integrava, acreditamos que
Blanco estava contribuindo para se posicionar contra o que foi decidido no IX Congresso.
Além disso, e como procuramos demonstrar ao longo do presente trabalho, nosso intelectual
cultivou, desde o início, pouco entusiasmo em diminuir o trotskismo em detrimento da
novidade representada pelo castro-guevarismo. Aspectos estes que foram reforçados e
destacados ao longo do referido livro. Ao mesmo tempo, a defesa que ele fez do Programa de
Transição, assim como a utilização de diversas referências às obras de Trotsky revelariam que
a solução não estava no abandono do trotskismo, talvez sim no seu aprimoramento, mas
nunca na sua substituição.

3.5. Hugo Blanco: trotskismo e cultura política peruana

Existe, ainda, na trajetória do intelectual revolucionário Hugo Blanco, outro ponto


importante que queremos chamar a atenção. Acreditamos que, enquanto ele desenvolvia suas
ações no vale de La Convención e, posteriormente, no livro Terra ou Morte, quando afirmou
que estas mesmas ações estavam inseridas dentro do programa trotskista, por trás de tudo isso,
ele estava operando uma ruptura com concepções consagradas pelo trotskismo, como a
134

excessiva desconfiança em depositar sobre os ombros do campesinato tarefas revolucionárias.


Blanco rompeu com isso porque os camponeses por ele organizados, pelo o que tudo indica,
teriam levaram a efeito a Revolução Agrária; isto é, a superação dos arcaísmos presentes no
campo, questão esta que Leon Trotsky, assim como em relação à revolução socialista,
acreditava ser somente conduzida pela única classe que concebia como revolucionária: a
proletária.
A título de exemplo, transcrevemos a seguinte afirmação de Trotsky, que apareceu no
prefácio do Manifesto Comunista que seria lançado na África do Sul, em 1937, mas que
parece resumir o núcleo de seu pensamento: “a purificação da sociedade dos males feudais só
é possível se o proletariado, liberto das influências dos partidos burgueses, for capaz de se
colocar à frente do campesinato e estabelecer a sua ditadura revolucionária” (TROTSKY,
2005, p. 166). No Peru, guardadas as proporções, isso de fato aconteceu, mas a partir dos
camponeses, não do proletariado.
O fato em questão, por sua vez, deve ser apreciado pela seguinte base já anunciada
neste trabalho, isto é, como um esforço em traduzir o trotskismo à realidade peruana. Mas,
neste particular, é preciso recordar a importância de uma dada cultura política peruana.
Assim, acreditamos que o deslocamento de Hugo Blanco, da cidade para o campo, em 1958, e
toda a mobilização dos camponeses foram, em grande medida, possíveis porque o nosso
intelectual estava inserido em uma cultura política (BERSTEIN, 1998) que entendia e
depositava considerável protagonismo político, econômico e social no camponês para a
construção do socialismo no Peru. Além disso, chamamos a atenção para esta cultura política
porque, as organizações representantes da IV Internacional, na qual Blanco possuía algum
tipo de vínculo, pouca relevância concedia aos camponeses. Vejamos.
Quando observamos os escritos de Hugo Blanco, fica evidente que o olhar que ele tem
sobre a sociedade peruana é um tanto restrita ao mundo rural e, sobre este, é curioso que o
vocabulário utilizado por ele para se referir à população predominante dessa região tenha uma
origem mais socioeconômica do que cultural. Isto é, Blanco parece preferir tratar os indígenas
como camponeses, portanto, como classe. Com efeito, não foi sem intenção que Blanco
colocou em relevo, especialmente ao longo do livro Terra ou Morte, a estrutura produtiva da
serra peruana, em que envolveu a geografia e a população indígena da região. Pois, para ele,
chamar a atenção ao modo de produção agrícola, às relações de trabalho que cercavam as
unidades produtivas presentes na região, principalmente em relação às haciendas, e nomear os
trabalhadores dessas unidades a partir de sua relação com a terra significava destinar aos
indígenas uma roupagem mais campesina e social.
135

Acontece que este olhar socioeconômico que Blanco priorizou sobre os indígenas,
embora fundamental para compreender os objetivos de nosso autor, não era uma novidade no
interior da tradição política peruana, pois é herdeira de uma leitura marxista da sociedade que
ganhou força ainda na primeira metade do século XX. Para tanto, importante foram as
contribuições dos socialistas, sobretudo dos intelectuais. Como afirmou Carlos Fernandez,
“Fueron los socialistas peruanos los que transformaron a los indios en campesinos” (2011, p.
8). E isto esteve longe de ser algo banal para a história do país, pois “este cambio se
oficializará cincuenta años más tarde, en la década del 70, cuando el Gobierno del Gral.
Juan Velasco modificó el nombre del 'Día del Indio' por el 'Día del Campesino”
(FERNANDEZ, 2011, p. 8). Apesar de tudo, o que queremos mostrar são as razões e
importância dessa transformação de terminologia para compreendermos como Hugo Blanco
se inseria dentro da tradição por ela estabelecida.
No socialismo, as sociedades são divididas em classes e são estas as responsáveis por
revoluções, o que sem dúvida deixa claras algumas das razões dos socialistas almejarem a
referida transmutação social, no caso do índio peruano. No entanto, é importante dizer que
não se estava apenas em busca de uma redefinição de classe. Isso também era o resultado do
esforço intelectual dos socialistas, que estavam reconhecendo, nas primeiras décadas do
século XX, além das particularidades do Peru (de população predominantemente indígena e
uma burguesia não revolucionária), que a massa proletária, pelo seu número irrisório, não
bastaria para conduzir o país à revolução. Em outros termos, denominar o indígena como
camponês fazia parte de uma saída teórica para o problema da ausência da classe proletária no
país.

El socialismo no solamente es una visión del mundo y una interpretación de


las relaciones sociales, es también una guía para la acción política de la
clase trabajadora. Y a la clase trabajadora se la distingue de acuerdo a la
actividad que realiza al interior del proceso productivo, o por el tipo de
trabajo que desempeña. Desde esta perspectiva, a los trabajadores se les
clasificaba fundamentalmente como obreros o campesinos y no como
blancos o indios. A partir de entonces, al indio que trabajaba en el campo se
le empezó a llamar 'campesino' (FERNANDEZ, 2011, p. 8).

Nesse sentido, percebemos Hugo Blanco como herdeiro de uma tradição socialista
peruana que tomou fôlego na primeira metade do século XX, pois Blanco, durante sua
trajetória de intelectual revolucionário, demonstrou-se cônscio da categoria de classe
camponesa, pois assim preferiu se expressar sobre os índios peruanos. Além disso, deixou
evidente em sua obra e em seus feitos que realmente acreditava ter desencadeado o ponto de
136

partida da Revolução Peruana justamente na região rural e a partir dos camponeses,


defendendo assim o potencial revolucionário destes últimos. Foi por isso que, mais uma vez,
o conectamos com essa tradição, pois ela, além de depositar a concepção de que os índios
integravam uma classe, carregava a noção de que os indígenas eram detentores de um
importante potencial combativo, revolucionário.
A construção dessa tradição, componente de uma cultura política socialista no Peru,
não foi algo simples, pois houve a contribuição de ramos e elementos diversos que integram a
vida social peruana. De qualquer maneira, convém salientar que o encontro operado entre
indigenismo e marxismo cumpriu um papel fundamental nas análises produzidas sobre a
questão agrária e revolucionárias no Peru. Daí a importância em se mencionar, ainda que
brevemente, sobretudo o principal socialista peruano, José Carlos Mariátegui e a literatura
indigenista, sendo esta representada especialmente pelo autor Luis Valcárcel.
Do seu lado, Mariátegui ofereceu relevante protagonismo aos camponeses para a
revolução e construção do socialismo peruano, contribuição esta divulgada por meio de seu
trabalho intelectual, que teve a revista Amauta e a obra, de 1927, Sete ensaios de
interpretação da realidade peruana como os principais canais de expressão. Mas esse novo
papel dos indígenas não teria alcançado a mesma relevância na obra de Mariátegui se não
tivesse sido, dentre outras coisas, a inserção do autor no contexto intelectual da época, que
gravitava em torno do indigenismo (TIBLE, 2009, p. 102-103). Assim, segundo Jean Tible,
foi fundamental o prólogo que Mariátegui escreveu sobre o livro Tempestade em los Andes,
em 1927, do indigenista Luis E. Válcarcel. Neste livro, por exemplo, Mariátegui se deparou
com o indigenismo combativo e radical do autor que muito lhe chamou a atenção, pois
encontrou ali a ideia de que os índios estavam à espera de seu Lenin para realizarem uma
revolução. Desta forma, ao mesmo tempo, não podemos esquecer a contribuição dos
indigenistas para a construção dessa mudança de nomenclatura:

Houve, desse modo, uma progressiva tomada de consciência de que os


índios poderiam ser sujeitos revolucionários. É no seu prólogo ao livro de
Luis Valcárcel, Tempestade en los Andes, onde pela primeira vez o formula
claramente. Estamos em 1927. Esse texto explicita sua busca por uma síntese
entre o espírito radical do indigenismo de Valcárcel e sua crítica marxista.
(TIBLE, 2009, p. 103).

É claro, por sua vez, que o encontro operado não encerrava a questão. Assim, se o
indigenismo deu sua contribuição, tão importante quanto ele foi a leitura marxista pouco
ortodoxa da história peruana realizada por Mariátegui. Nessa sua leitura, especialmente ao
137

longo da obra citada de 1927, Mariátegui reconheceu, mediante a análise econômica da


história do Peru, a existência de diversos entraves econômicos e sociais para o
desenvolvimento do país, os quais, através de diversas formas, estavam ligados à manutenção
daquilo que ele chamou de “feudalismo peruano”. Como adiantamos em outros momentos,
Mariátegui pressupunha que esta condição tinha comprometido o desenvolvimento material,
por conseguinte, o avanço do capitalismo peruano. Além disso, deixava evidente que uma
grande parcela da população, especialmente a indígena, não usufruía, na prática, da igualdade
jurídica prevista nas leis e na Constituição. Demonstrando, assim, que a emancipação política
não havia significado, a respeito do território e da população, a implementação plena do
espírito liberal e burguês que havia animado os grupos realizadores dessa independência, tal
qual uma vez, acreditava, teriam animado aqueles que realizaram a Revolução Americana ou
a Francesa.
Mariágui também defendia que o Peru que nasceu após a independência, apesar de seu
programa liberal, não ofereceu uma classe dirigente do Poder que não fosse latifundiária e
aristocrática, conservando assim sua mentalidade nada produtivista e seus privilégios
“feudais” sobre a terra e sobre o índio (2010, p. 62). Inclusive, para o autor, a manutenção
dessa aristocracia no poder foi favorecida, ainda, porque a revolução de independência
coincidiu com o momento em que a burguesia peruana ainda era “larval” (2010, p. 81),
portanto, sem condições de se impor perante o outro grupo. Como consequência, a
ineficiência deste último abriu caminho para o não aparecimento de uma “burguesia
nacional”, uma vez que o grupo próximo do exercício do poder se contentou em ser
intermediário do capitalismo imperialista do período (2010, p. 50). Por essas razões,
Mariátegui concluía que, no Peru, a revolução dita burguesa/liberal havia passado da hora.
Nesses termos, a derrota da referida revolução era mais que evidente, não restando
outra saída para se alcançar um Peru moderno e superar seus entraves e suas injustiças, a não
ser a Revolução Socialista. Mas, para tanto, pesava contrariamente inúmeros fatores,
especialmente o baixo grau de industrialização do Peru, pois gerava apenas um número
reduzido de personagens integrantes da classe agente da revolução: o proletariado. Com
efeito, foi nesse cenário que os índios/camponeses insurgiram como protagonistas da
revolução e da construção do socialismo. Assim, Mariátegui teve o mérito, segundo Alberto
Flores Galindo (1982, p. 54), de ter descoberto o sujeito que executaria a revolução: o
camponês.
Foi dentro deste quadro, portanto, que Mariátegui considerou que a revolução peruana
deveria ser diretamente socialista e reavaliou a composição social da vanguarda para a
138

revolução. O proletariado manteve-se no horizonte do autor, sendo um dos pilares, mas o


protagonismo foi se inclinando cada vez mais para o lado dos indígenas camponeses. No
entanto, não era só uma questão numérica. Na verdade, Mariátegui considerava a revolução
socialista o mais novo mito do seu tempo, mito este que levantaria os camponeses em direção
à ação política e em direção ao socialismo (2010, p.53). Além disso, ancorava sua esperança
na tradição de lutas dos camponeses e do coletivismo representado pelas comunidades, os
famosos “ayllus” (FLORES GALINDO, p. 52, 1982). Conforme assinalou Henri Favre, este
último aspecto mencionado fez com que Mariátegui acreditasse que os indígenas tinham uma
tendência natural para o comunismo (FAVRE, 2011, p. 36).

Esta aliança entre o feudalismo e o imperialismo, que permite qualificar a


América Latina de “semifeudal” e de “semicolonial”, opõe-se ao surgimento
de uma burguesia e bloqueia o desenvolvimento de um capitalismo nacional.
Por isso, é impossível a transição do ao socialismo pela via democrática
burguesa. O socialismo resultará necessariamente de uma ruptura
revolucionária. E tal ruptura será efetuada pelo índio, substituto funcional do
proletariado (FAVRE, 2011, p. 35).

Portanto, o nosso objetivo foi expressar, ainda que brevemente, a importância dos
socialistas, especialmente de Mariátegui, assim como dos indigenistas para a composição
dessa tradição que afirmamos em que Hugo Blanco estava inserido. Porque, se existiu no Peru
uma cultura política socialista que pensou os indígenas como uma classe indispensável para a
Revolução Socialista no Peru, quando Hugo Blanco foi para o campo, organizou os
camponeses e confiou que a partir dos camponeses a revolução socialista começaria,
acreditamos que ele trilhava essa cultura política iniciada ainda na primeira metade do século
XX.
Acreditamos, ainda, que essa cultura política teve sua importância aumentada devido
ao contexto daquela época. Afinal, a década de 1950 produziu inúmeras revoluções e
convulsões políticas e sociais em países situados à margem das metrópoles capitalistas, como
Coreia, Vietnã, Argélia, Cuba, dentre outros, tornando evidente que, naquele momento, a
vanguarda não estava necessariamente nas metrópoles capitalistas e sob o auspicioso
proletariado, mas, sim, no campo, com os camponeses distantes dos centros industrializados.
A importância dessa cultura política pode ser constatada também se observarmos
algumas das concepções que pareciam ser o eixo da IV Internacional. Esta, que enfrentava as
consequências da cisão de 1953, não foi rápida para realizar alterações em seus programas a
partir da dinâmica dessas novas revoluções. Nesta questão, o posicionamento de Blanco
139

também chamou a atenção, pois sua atitude estava em desacordo com o que previa o Comitê
Internacional da IV Internacional. O (CI), no seu primeiro encontro mundial, aprovou as
propostas trazidas pelo dirigente trotskista americano Farrell Dobbs, que insistia no
protagonismo revolucionário das massas urbanas nas metrópoles capitalistas, como ponto de
partida para a revolução mundial (MONTEIRO, 2016, p. 317), e não os países periféricos e
muito menos as massas camponesas. Apesar de tudo, também foi verdade que esta tendência
do CI não encontrou unanimidade durante o congresso, pois a seção latino-americana
(SLATO), por exemplo, passou a se inclinar em favor e a defender a relevância de revoluções
na periferia do mundo capitalista.
No caso do SLATO, em 1958, o então dirigente, o argentino Nahuel Moreno,
participou do referido congresso e, como discordava do que acabou sendo decidido pelo CI,
publicou, em 1959, um informe que levava o seguinte nome: La Revolución Permanente en la
pós-guerra: crítica al documento de Farrell Dobbs. No trecho a seguir é possível identificar
sua principal crítica:

El parágrafo 17 comete el error opuesto en relación a la construcción del


movimiento del trotsquista, pues elimina a los partidos coloniales e
semicoloniales como factor activo, de vanguardia, en la construcción del
Partido Mundial de la Revolución Socialista (MORENO, 2002).

Contudo, em nossas considerações, o importante não é destacar os desacordos no


interior da Internacional, mas, sim, frisar a desatenção que tanto o CI como o SLATO
destinavam ao campesinato. Afinal, se o primeiro nem o menciona, o segundo não o
especifica. Nesse sentido, apesar das críticas de Nahuel Moreno, não foi possível verificar nos
trabalhos deste último uma atenção especial a respeito dos camponeses, nem mesmo quando
chamava a atenção para o trabalho revolucionário nos países coloniais ou semicoloniais, como
no referido informe. Nos dois textos que publicou tendo como referência o Congresso de
195813, os sujeitos revolucionários na periferia capitalista não apareceram sublinhados
especificamente, mas, sim, diluídos no interior da expressão “massas coloniais”.
Assim, é exatamente aqui que podemos anunciar mais uma vez a relevância da cultura
política peruana indicada, pois era esta que guardava um conjunto de símbolos, tradições,
ideias, vocabulários, dentre outras coisas (BERTEIN, 1998), que garantiam e legitimavam o

13
Além do texto La Revolución Permanente en la pós-guerra: crítica al documento de Farrell Dobbs, Moreno
publicou Tesis sobre el frente unico revolucionário: teses de Leeds. Disponível em:
https://www.marxists.org/espanol/moreno/1950s/1958fu-1.htm
140

protagonismo dos camponeses em uma possível revolução socialista, diferentemente do que


estava sustentando o Comitê Internacional da IV Internacional, sua seção na Argentina e o
SLATO. Além disso, podemos afirmar que a relevância de Hugo Blanco esteve na condição
de ter sido uma voz que surgiu do interior do movimento trotskista e carregando um projeto
revolucionário singular, pois, no final dos anos 50 e início dos anos 60, chamou a atenção
para uma classe social um tanto menosprezada pelo trotskismo: os camponeses.
Para alguns estudiosos, esta tendência pouco simpática da IV Internacional em relação
aos camponeses, ainda no final dos anos 50, era antiga. Nesse sentido, ao invés dos trotskistas
ultrapassarem a postura de menosprezo, eles passaram a reproduzir as ideias que estavam
presentes nos trabalhos de Leon Trotsky (LoWY, 2010, p. 123), que, por sua vez, eram
herdeiras de conclusões formuladas ainda por Karl Marx no século XIX, em seu clássico livro
“Dezoito Brumário”, no qual “[...] o campesinato era visto como um “saco de batatas”,
incapaz de auto-organização independente ou hegemonia social” (LOWY, 2010, p. 123). Foi
por isso que, na atual tese de mestrado, o pesquisador Márcio Monteiro afirmou que (durante
o pós-guerra) o movimento trotskista internacional, como não conseguiu superar essa
desconfiança a respeito dos camponeses, continuou a depositar demasiada esperança sobre a
única e verdadeira classe revolucionária: o proletariado. Razão pela qual também os
trotskistas não conseguiram figurar na dianteira dos movimentos revolucionários na segunda
metade do século XX. Conforme defende o autor:

[...] tanto Trotsky, quanto grande parte dos trotskistas do pós-guerra,


mantiveram a noção “clássica” do marxismo acerca da mesma. Dessa forma,
esse foi um elemento que certamente influiu na desorientação analítica e
estratégica que acometeu o movimento trotskista ante as revoluções
ocorridas nos anos de 1940 em diante, uma vez que as mesmas não só
fugiam às expectativas trotskianas acerca de qual deveria ser o seu sujeito
político (o partido marxista), como também muitas vezes tiveram no meio
rural o seu epicentro (MONTEIRO, 2016, p. 88).

E ao que tudo indica, Blanco foi formado na Argentina sob essa bandeira que
depositava a esperança revolucionária nos ombros apenas do proletariado. Contudo,
defendemos que ele conseguiu ultrapassar alguns pontos desse “preconceito”, em que
contribuiu não apenas a realidade que se deparou ao chegar ao Peru, em 1956, ou seja, que o
país não era essencialmente urbano e industrial – “[...] en Lima, pero entraba a una fábrica —
yo acostumbraba estar en fábricas de 10 mil obreros, 5 mil obreros en Argentina— pero solo
tenía 20 ó 15 obreros, no había sindicato”(BLANCO, 2011, p. 244) – mas a cultura política a
qual já nos referimos. Foi neste ponto, aliás, que identificamos o outro aspecto que conferiu
141

singularidade a sua experiência revolucionária. Isto é, Blanco também se afastou de Trotsky


no que dizia respeito à Revolução Agrária. Segundo propunha:

Foi então que iniciei minha militância camponesa; pois, ainda que como
militantes do POR tivéssemos um critério desproporcionadamente ‘obrerista’
para o Peru, como marxistas praticávamos o método de ver a realidade e
assimilar seus ensinamentos, e de atuar ali donde passa a corrente
revolucionária (BLANCO, 1979, p. 36)

Sobre isso, é importante que se esclareça que não estamos aqui a defender a ideia de
que Trotsky fez pouco caso dos camponeses, uma vez que é sabido o papel fundamental que
tiveram para consolidação da Revolução Russa de 1917, bem como o papel de destaque que
tiveram no interior da teoria revolucionária dos principais líderes dessa revolução
(PASQUIM, 2013). Haja vista ainda que, no livro A Revolução Permanente (1985. p. 51),
Leon Trotsky se esforçou em se defender das acusações de seus opositores, que diziam que
ele havia tentado diminuir a importância da classe camponesano processo revolucionário
russo.
Na verdade, queremos destacar o fato de que Blanco e os camponeses desencadearam
na região a Revolução Agrária, isto é, estavam eles quebrando uma estrutura arcaica ou, por
outras palavras, “o feudalismo andino”. A existência de um tipo de “Revolução Agrária”
naquele período foi confirmada pelos estudos de autores como Aníbal Quijano (1965), Victor
Villanueva (1967), Eduardo Fioravanti (1974) e,mais recentemente no livro de Jan Lust, no
qual o autor afirma: “la lucha campesina en la Convención y Lares fue revolucionaria en el
sentido de que desempeñó un papel crucial en la destruicción de las relaciones de producción
semifeudales” (LUST, 2013, p. 71).
Contudo, tais autores não pararam para refletir sobre como essa “revolução”
representava um distanciamento entre Hugo Blanco e as concepções de Leon Trotsky, como
aqui propusemos interpretar. Trotsky não acreditava que os camponeses fossem capazes de
desencadear nem uma revolução socialista, nem uma revolução agrária, pois estes eram
incapazes de uma atuação independente. Para ele, os camponeses sempre precisariam de uma
classe que os convocasse e os guiasse pelos caminhos das referidas revoluções, que, neste
caso, só poderia ser realizada pelo proletariado. E isto Trotsky deixou bastante claro no seu
clássico livro A Revolução Permanente (1985).

Numerosas camadas das massas trabalhadoras, sobretudo no campo, só serão


arrastadas pela revolução e politicamente organizada depois que o
142

proletariado das cidades, como vanguarda da revolução, tiver empunhado o


leme do Estado. [...] A sorte dos interesses revolucionários mais elementares
dos camponeses e, poder-se-ia dizer de todo o campesinato como ordem
social, está ligada, assim, à sorte de toda a revolução, isto é, à sorte do
proletariado.
[...]
Não será possível, no entanto, que o campesinato afaste o proletariado para
tomar-lhe o lugar? É impossível. Toda a experiência histórica desmente essa
hipótese, ao mostrar a absoluta incapacidade de o campesinato desempenhar
um papel político independente (TROTSKY, 1985, p. 57)
Mas, o fato de a revolução agrária ter criado condições favoráveis à ditadura
do proletariado foi determinado pela incapacidade de os camponeses
resolverem o seu problema histórico com suas próprias forças e sob sua
própria direção (TROTSKY, 1985, p. 65)

Ora, Hugo Blanco parece ter rompido com essa lógica, porque não esperou o
proletariado urbano se movimentar e conclamar os camponeses em favor da Revolução
Agrária, também não foi determinante que os primeiros tomassem o poder. Aliás, esta
revolução, como foi praticamente obra das massas camponesas, questionava ainda a visão de
que elas eram incapazes de se organizarem, resolverem suas próprias questões e executar
tarefas revolucionárias. Igualmente, dava a entender que, no Peru, o despertar da revolução
socialista se daria realmente a partir do campo, com ampla participação das massas
camponesas, resolvendo primeiro as antigas demandas desta classe, para depois seguir rumo
às cidades, ao encontro do proletariado, e não o contrário. Essas noções, inclusive, Blanco
deixou expressas em uma nota publicada pelo jornal trotskista Obrero y Campesino, que
circulou em agosto de 1963: “los otros sectores del pueblo comiezan a ver los resultados
benéficos de la sindicalización y de la revolución y llegan a compreender la potencia
encerrada en la masa campesina, que de ser liberada llegaría a distancias imprevisibles”
(BLANCO, apud VILLANUEVA, 1967, p. 125).
E finalmente, a novidade dos fatos foi percebida e endossada pelo líder do SLATO,
Nahuel Moreno, que, em 24 de abril de 1961 enviou uma carta a Blanco. Nesta carta foi
possível encontrar afirmações como esta:

Creo que tú tienes el mérito de haber visto antes que nadie que en vuestro
país se había iniciado ya la revolución agraria. [...]. Vuestra revolución
tiene un rasgo específico: ha comenzado en esta etapa como revolución
agraria y no como una revolución obrera o de todo el pueblo contra el
imperialismo. Tiene como su vanguardia al campesinado de una zona, el
Cuzco, que se planta el problema de la tierra, mientras el proletariado de
las ciudades y de las minas, se mantiene a la retaguarda, a la defensiva
(MORENO, 2016, p.2).
143

De qualquer maneira, a revolução socialista no Peru não seria realizada unicamente


com a participação dos camponeses. O próprio Hugo Blanco reconheceu, no livro Terra ou
Morte, que, ao final do processo revolucionário, o poder dual estaria localizado entre o poder
burguês e o proletariado (BLANCO, 1979, p. 73), demonstrando assim que as massas urbanas
são essenciais para a concretização da insurreição, por conseguinte, a tomada do poder, e,
obviamente, para a implementação do socialismo. Entretanto, apesar de nesse ponto Blanco
parecer dogmático, uma vez que parece ancorar-se no que dizia Trotsky, isso parece não
compromete a novidade do projeto de Hugo Blanco quanto às tarefas revolucionária que
destinou ao campesinato, pois, diferente do que parece acreditar Leon Trotsky, não seria o
proletariado a classe que despertaria os camponeses em favor da Revolução Socialista e nem
seriam aqueles que cumpririam a Revolução Agrária em nome dos camponeses. Na verdade,
no Peru, Hugo Blanco destinou a esta última classe importantes papeis em ambas as tarefas.
Dessa maneira, se a Revolução Agrária era realizada pelos camponeses independentemente do
proletariado e se esta mesma revolução era apenas uma das etapas no interior do processo
revolucionário que ia culminar com a insurreição, era porque os camponeses eram
responsáveis tanto por engendrar o início dessa revolução, como os responsáveis por despertar
e acompanhar a classe que ia dar o golpe final e fatal, isto é, o proletariado.
É possível, portanto, tendo em vista o papel que foi oferecido à classe camponesa,
perceber a singularidade do projeto iniciado por Hugo Blanco no Peru e até mesmo frente a
IV Internacional. Tal singularidade se fez por meio da releitura do trotskismo a partir de uma
tradição presente na cultura política socialista peruana que, desde seus primórdios, concebeu o
indígena como uma classe camponesa. Por meio desse encontro de tradições, Blanco operou
um movimento que não se concretizou primeiramente no campo da teoria, tendo sido aplicado
no levante de La Convención e, posteriormente, formulado em sua obra primordial, Terra ou
Morte. O livro, portanto, mais do que uma narrativa memorialística de seus feitos, apresenta-
se como um caminho alternativo para a revolução socialista, fugindo da opção imposta pela
guerrilha cubana e abrindo o diálogo com os setores internacionalistas do trotskismo.
144

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória intelectual e revolucionária do trotskista Hugo Blanco a que nos


propusemos analisar, portanto, possibilitou a abordagem de interessantes questões que
envolviam não só esse personagem, mas a própria configuração da esquerda latino-americana
em meados do século XX.
Nesse sentido, a problematização da trajetória de Hugo Blanco relevou que ele estava
inserido em um contexto em que as esquerdas e os inúmeros intelectuais do continente latino-
americano estiveram de algum modo envolvidos com os ecos provenientes da Revolução
Cubana, em 1959. Mas Blanco não se apresentou como um mero observador desse momento
histórico, na verdade, colocou-se como um intelectual revolucionário, por conseguinte, um
homem de ação e porta voz ativo no interior dessa esquerda, intencionando dialogar,
polemizar e criticá-la. Por isso, não sem razão, a abordagem aqui realizada configura-se
relevante exatamente porque também ajuda a revelar que nem todos os movimentos armados
que surgiram após 1959, na região, seguiam fielmente a linha revolucionária anunciada pela
Revolução Cubana.
Nesse caminho, procuramos destacar como todo o trabalho de Hugo Blanco, em
grande medida, se construiu a partir da Revolução Cubana, sendo um dos seus principais
objetivos, com isso, explicitar a respeito dos equívocos em se querer aplicar e copiar às
realidades nacionais do continente o castro-guevarismo, isto é, a guerra de guerrilhas. O outro
objetivo foi demonstrar, frente às táticas e estratégia dessa, as vantagens de se guiar pelo
marxismo revolucionário legados por Lênin e Trotsky.
Com efeito, o trabalho intelectual de Hugo Blanco, em muitos momentos, apresenta-se
como uma espécie de advertência. Advertia os grupos que compuseram a primeira fase da
Nueva Izquierda peruana, tanto o ELN como o MIR, por seus diversos vínculos diretos com o
castro-guevarismo. Mas advertia também seus próprios companheiros, especialmente alguns
vindos da Argentina, e que foram enviados pelo SLATO, pelas inclinações evidentes que
destinaram o FIR na direção também do castro-guevarismo. O recado era claro, para Hugo
Blanco, a esquerda peruana e os militantes advindos da região platina haviam se desviado da
linha mais correta e revolucionária do marxismo: o trotskismo. E, por fim, Blanco não deixou
de advertir a IV Internacional, após o seu IX Congresso, 1969. Para ele, o “guerrilheirismo” a
que o trotskismo do Secretariado Unificado estava se submetendo representava mais uma vez
o perigoso desvio em direção ao castro-guevarismo.
145

Deste modo, enquanto realizava suas críticas ao modelo de revolução que a ilha
caribenha e outros intelectuais revolucionários faziam questão de divulgar e ressaltar, Blanco,
a seu modo, se colocava como defensor das táticas e estratégias consagradas pela cartilha
trotskistas como o mais conveniente, inclusive, à realidade peruana. Assim, sua preocupação
esteve em fazer a defesa do partido de vanguarda; e também em fazer a defesa de que o ponto
de partida das revoluções iniciam-se necessariamente com o vínculo, com a direção e com a
educação das massas, que seria garantido a partir do mencionado partido, e cujo resultado era
a culminação em uma situação de poder dual e da luta armada, isto é, em uma situação
revolucionária. De qualquer modo, a defesa de cada desses princípios não deixou de ser uma
maneira de refutar e combater muitos dos caminhos em que se assentava o exemplo
revolucionário de Cuba, como procuramos deixar claro ao longo do trabalho. Isto também
ficou evidente quando Blanco, ao mencionar as possibilidades de se valer de guerrilhas, estas
foram esvaziadas dos fundamentos que sustentavam o modelo de guerra de guerrilhas.
Outro ponto importante foi a Revolução Agrária a que Hugo Blanco e outros
estudiosos do caso de La Convención acreditaram que foi posto em prática nessa região.
Primeiramente, ainda que esta revolução estivesse na base do pensamento trotskista, como
quisemos demonstrar, ela, em último caso, nos pareceu como um fenômeno que acabou
superando parte do pensamento de Leon Trotsky e das concepções veiculadas pela IV
Internacional naquele momento, principalmente quanto às secções que Hugo Blanco tinha
algum tipo de vínculo. Afinal, este último destinou às massas camponesas tarefas
revolucionárias que antes eram exclusivas do proletariado, e que era o caso da referida
Revolução Agrária. De qualquer maneira, como defendemos no presente trabalho, apesar da
aparente novidade, esta nova responsabilidade a que ficaram submetidos os camponeses teve
a contribuição de toda uma tradição política peruana em que participavam tanto o indigenismo
como o socialismo peruano, o que significou, igualmente, o esforço de se adaptar o trotskismo
a realidade do país em questão.
Em segundo lugar, além dessa novidade, é importante não esquecer que a Revolução
Agrária que mencionamos, embora tenha sido um ataque realizado pelos camponeses ao
sistema de hacienda e a todas às características arcaicas/feudais que este sistema sustentava,
dentro da trajetória de Hugo Blanco, tal Revolução deve ser medida não apenas como a
expressão de seu trotskismo, mas também como expressão de seu indigenismo. Assim,
defender os índios camponeses a partir dos ataques aos gamonais e aos latifúndios não
deixavam de ser uma forma de atender suas ideias e sentimentos atrelados e alimentados pela
corrente indigenistas, que, como procuramos deixar claro, estiveram na base da formação de
146

Hugo Blanco enquanto sujeito. Nesse sentido, os ânimos que motivaram e que explicam a dita
Revolução Agrária que Hugo Blanco deu forma estão, de alguma maneira, estão para além do
seu trotskismo, uma vez que suas ações e pensamentos não deixaram de ser uma expressão de
defesa e valorização da população indígena do Peru.
Ademais, convém retomar o exercício intelectual de Blanco. Neste caminho, como
procuramos demonstrar, seus escritos revelaram uma intensa tentativa de adaptar o trotskismo
a realidade peruana a que estava inserido, de tal maneira que, em muitos momentos, seu
trotskismo era, antes de mais nada, peruano. Este esforço, por exemplo, ficou evidente com a
escrita do livro Terra ou Morte, pois, ao mesmo tempo em que tentava demonstrar que sua
experiência revolucionária entre os camponeses representava a aplicação do Programa de
Transição, em muitos momentos o percebemos manejando diversos conceitos do trotskismo
revolucionário a fim de adaptá-los a realidade de seu país.
Portanto, o intelectual revolucionário Hugo Blanco foi um personagem da esquerda
peruana que, mediante sua teoria e a sua ação, se colocou a serviço da revolução socialista
peruana. Blanco refletiu, sim, muitas características do contexto da época, mas não como
mero espectador pacífico, pelo contrário, foi ele um sujeito ativo, que advertiu e polemizou
com as esquerdas, interferindo diretamente, a nível nacional e internacional, em um debate,
principalmente, relacionados às ideias, táticas e estratégias revolucionárias, tanto para o Peru
como para o continente latino-americano.
147

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