Os Princípios Da Ação Católica

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OS PRINCÍPIOS DA AÇÃO

CATÓLICA – PARTE 1/4


Publicado em 24/10/2017

Pelo Pe. François-Marie


Chautard
Fonte: Le Chardonnet nº 260 – Tradução: Dominus Est
Conforme diagnosticou São Pio X na sua encíclica Notre charge
apostolique de 25 de agosto de 1910, o «pecado original» do Sillon não
consistia numa falta de generosidade, mas sim numa falta de formação.
Esse fato é importante: M. Sangnier e seus adeptos foram católicos
piedosos e zelosos; infelizmente esse ardor foi desviado por uma cruel falta
de conhecimento, e por se emanciparem da autoridade eclesiástica. É por
isso que, antes de se lançar no campo da ação[1], é indispensável instruir-
se.
Ademais, antes mesmo de buscar os princípios da ação católica, é
importante conhecer a natureza da ação católica. Mas para aprender isso
convém examinar o objetivo da ação católica.

I – OBJETIVO DA AÇÃO CATÓLICA: A CRISTANDADE


São Pio X forneceu uma descrição da natureza da Ação católica em sua
magistral encíclica Il fermo proposito de 11 de junho de 1905:
«Com efeito, todos nós da Igreja de Deus somos chamados à formar um
único corpo cuja cabeça é Cristo; corpo do qual, conforme ensina o
Apóstolo Paulo, “coligado e unido por todas as juntas, por onde se lhe
subministra o alimento, obrando à proporção de cada membro, toma
aumento de um corpo perfeito para se edificar em caridade”.
E assim nessa obra de “edificação do Corpo de Cristo” (…) Nosso primeiro
dever é o de ensinar, de indicar o método a seguir e os meios a se empregar,
de advertir e de exortar paternalmente; é também dever de todos Nossos
caríssimos filhos ao redor do mundo ouvir Nossos conselhos e de aplicá-
los antes em si mesmos e cooperar eficazmente para que eles também
sejam comunicados aos demais, cada um conforme a graça que recebeu de
Deus, conforme seu estado e suas funções e conforme o zelo que inflamar
em seu coração.
Aqui Nós queremos somente relembrar essas múltiplas obras de zelo para
o bem da Igreja, da sociedade e dos indivíduos — comumente designadas
pelo nome de Ação Católica — que, pela graça de Deus, florescem em todos
os lugares…».
A Ação católica tem portanto como objetivo a instauração do reino de Jesus
Cristo na Igreja, nas sociedades e nos indivíduos. Seu campo de atividade é
imenso e diz respeito tanto à sociedade civil quanto à eclesiástica. Não se
deve então reduzi-la ao apostolado privado. Ao contrário: ela visa a
instauração integral do reino de Jesus Cristo.
Pode-se resumir isso em uma palavra, e São Pio X o fez em uma passagem
célebre. O que se deve ter em vista é a restauração da «cidade católica»:
«Veneráveis irmãos, é preciso lembrar energicamente, nesta época de
anarquia social e intelectual em que cada um se coloca como doutor e
legislador, que não se construirá a cidade senão como Deus a construiu;
não se edificará a sociedade se a Igreja não deitar as bases e não dirigir os
trabalhos. Não, a civilização já não é mais algo a ser inventado, e nem é uma
cidade nova a se construir nas nuvens. Ela já existia, ela existe, é a civilização
cristã, é a cidade católica»[2].
Os papas falam igualmente da restauração da ordem social. Que eles falem
de ordem social ou de cidade católica, ou mesmo de civilização católica ou
cristandade, isso indica umfim bem claro. Não se trata unicamente de agir
sobre indivíduos ou micro-sociedades como a família, mas sim sobre a
sociedade como um todo em seu emaranhamento de instituições tanto
sociais quanto políticas. É a vila, o bairro, a província e o país que devem
ser cristãos. Incluem-se aí as corporações de ofício (hoje chamados de
sindicatos), as empresas e as escolas.
Longe de se reduzir à cultura, ao aspecto midiático ou ocasional, a
civilização cristã tende à cristianização plena dos indivíduos e das
sociedades (tanto civil quanto eclesiástica) como foi a cristandade a qual
se referiu São Pio X[3].
Para compreender isso é preciso retornarmos a um dado fundamental de
toda ação cristã, de toda a moral cristã e de toda a vida cristã: o dogma da
graça.
II – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Princípio fundamental: o dogma da graça
Esse dogma permite em todas as épocas buscar a maneira pela qual se deve
considerar a vida cristã. Evidentemente isso pressupõe nuances (muitas
nuances), mas esse princípio é fundamental, de modo que esquecê-lo pode
conduzir à catástrofes.
Esse princípio pode ser enunciado da seguinte maneira: a graça — ou a
vida sobrenatural — vem se somar à natureza humana ferida pelo pecado
original.
A vida sobrenatural é um acréscimo. Isso significa que não haveria a graça
— a participação na vida divina — se não houvesse uma alma, um
fundamento natural, uma inteligência capaz de conhecer Deus e um
coração predisposto a amar Deus.
Por conseguinte, a santidade de um homem não é a mesma de um anjo, e a
de um adulto não é a mesma de uma criança e assim por diante. É por isso
que podemos dizer que a graça segue os contornos da vida natural.
A graça tem dois efeitos: o primeiro e mais fundamental consiste em elevar
a natureza. Assim, o sobrenatural eleva a inteligência pela luz da fé e a
vontade pela caridade; o sobrenatural eleva também a esperança e todas
as virtudes morais.
A graça, todavia, não só eleva a natureza. Ela cuida da natureza humana
ferida pelo pecado original, que está sempre pronta a cair no erro, na
dureza de coração, nas facilidades, no amor pelo conforto, no egoísmo e na
sensualidade. A graça vem para corrigir essas tendências ruins. Ela corrige
o espírito pela Revelação sobrenatural e pela vida de fé; pela graça, a
vontade é curada de seu amor próprio; de seu egoísmo, o espírito é curado
pela caridade e pelas outras virtudes.
Diante desse dogma da graça que vem a penetrar uma natureza, elevando-
a e corrigindo-a, surgem dois erros opostos que trazem consigo suas
respectivas desventuras: o angelismo e o naturalismo.
— O angelismo enfatiza indevidamente o sobrenatural em detrimento do
natural e da natureza ferida. No angelismo esquece-se que a santidade
depende do chão no qual o sujeito está pisando. Concretamente, o
angelismo para um cristão equivale a limitar-se à oração sem fazer seu
dever de estado. Na vida profissional isso consiste em acumular as novenas
para passar o serviço para outros sem contudo dar-lhe a devida atenção.
Para uma mãe de família é estar na missa quando seus filhos voltam da aula
ou quando seu marido volta do trabalho.
— O naturalismo consiste, ao contrário, em exaltar a natureza perdendo de
vista não somente as feridas profundas da natureza (o pecado original),
mas sobretudo as colaborações da graça e dos meios sobrenaturais. De
maneira prática, um «apóstolo» naturalista pensa em converter as almas
por meio de argumentos eruditos sem recorrer às orações e penitências.
Um pai de família naturalista não pensa em dar ao seu filho os meios
sobrenaturais: a criança fica numa escola não católica, cercada portanto de
uma atmosfera na qual o sobrenatural está excluído.
No domínio da ação católica esses dados têm importância capital, pois
deve-se levar em conta a natureza humana e a graça. Bem imprudente seria
o missionário que não levasse minimamente em conta os costumes locais
ou da natureza humana e se lançasse de cara no apostolado! «Fiz-me judeu
com os judeus» dizia São Paulo com conhecimento de causa…
É precisamente isso que havia esquecido Marc Sangnier. Pecando pelo
naturalismo, ele se enganou profundamente acerca da natureza humana e
imaginou uma sociedade de iguais onde os então adultos teriam por força
própria um comportamento responsável. Dupla quimera. Sangnier
esquecia por um lado a desigualdade natural dos homens como origem de
uma necessária hierarquia social e política, e do outro esquecia a ferida do
pecado original como origem do comportamento repreensível e
irresponsável de muitos homens.
São Pio X apontou o erro: o Sillon «trabalha para estabelecer uma era de
igualdade que, em virtude de si mesma, seria uma era mais justa. Assim,
para o Sillon, toda desigualdade de condição é uma injustiça (…)
Esse é um princípio supremamente contrário à natureza das coisas, pois é
gerador da inveja, da injustiça e da subversão de qualquer ordem
social»[4].
Contrariamente a isso, a Igreja sempre ensinou que, para cristianizar um
povo,deve-se conservar e proteger a ordem natural e seus costumes
legítimos. É por isso que, na Ação católica, a primeira regra é se adaptar ao
real; real esse que é um emaranhamento entre natural e sobrenatural. É
preciso respeitar as duas ordens sem querer manter uma em detrimento
da outra, e de tal maneira que a graça venha elevar e curar a ordem natural.
A Ação católica deve então ter o cuidado de agir de acordo com a ordem
natural entranhando-a da divina graça. Em poucas palavras, ela deve
cristianizar a ordem das coisas.

Segundo princípio: a natureza social do homem


A primeira aplicação desse primeiro princípio consiste em tomar nota de
um fato da natureza: o homem não é um ser isolado. Ele vive em sociedade
e não alcança seu bem de maneira individual, mas sim de maneira coletiva,
social e política. Deixado sozinho, mesmo na ordem natural o homem é
incapaz de chegar a seu bem especificamente humano: a virtude,
considerada em seu duplo sentido de contemplação e integridade moral.
Deixado sozinho o homem é um selvagem. Sem ser educado por sua família
e pela sociedade o homem permanece um adolescente perpétuo dominado
pelos seus instintos mais grosseiros.
«A realização integral do bem especificamente humano, observa Lachance,
é condicionada pela participação na unidade e na multiplicidade da
coletividade. É então enquanto homem que o indivíduo é sociável. Se ele
não tivesse bens espirituais a buscar, a ele bastaria, como é o caso de
muitas espécies de animais, viver em estado gregário»[5].

Os corpos intermediários
Por outro lado, a vida em sociedade não é um coletivismo em que há de um
lado o Estado todo-poderoso e providente e do outro o indivíduo isolado.
Esse coletivismo — intentado pelo comunismo ao preço de carnificina
humana e naufrágios econômicos — não pode existir senão sob a forte
pressão de poderosos órgãos políticos ou financeiros.
A ordem política natural não é assim. Ela comporta algo que se chama
corpos intermediários. Isso quer dizer que entre o indivíduo e o Estado (o
poder político supremo), encontram-se a família, o bairro, a cidade, a
província, as empresas locais, etc.
«Os corpos intermediários, escreveu René Pierron, são grupos sociais ou
agrupamentos humanos situados entre o indivíduo isolado (ou a família,
célula de base) e o Estado. Eles são constituídos — ora naturalmente, ora
por acordo deliberado — tendo como objetivo atingir um fim em
comum entre as pessoas que compõem esses grupos»[6].
Michel Creuzet diz em seguida: «Esses grupos são complementares uns aos
outros:
Local: grupo que se refere ao lugar de nascimento, de vida e de educação
de uma pessoa: cidade, paróquia, comunidade (…)
Profissional: grupos que dizem respeito à atividade humana: empresa,
profissão, trabalho, sindicatos (…)
Cultural: escola, faculdade local, companhia de música (…)
Religioso: a paróquia, a diocese e suas obras;
Recreativo: grupos esportivos, turísticos, de lazer, de colecionadores,
etc.»[7].
Cada conjunto de escalões intermediários constitui uma organização que
aplica o princípio de subsidiariedade, a saber: um tipo de delegação, de
descentralização do poder.
E cada corpo intermediário imprime sua marca no indivíduo. O homem é
naturalmente marcado por sua família, sua cidade, sua formação, seu
grupo profissional, seu país e sua cultura.
Por conseguinte, pretender cristianizar o homem separadamente das
estruturas que estão presentes em sua vida é uma ilusão profunda. Se o
homem vive num universo ateu, isto é, sem Deus na sua família, no seu
trabalho, e em toda sua vida social, então, de maneira geral, é utópico
pretender que ele tenha uma santificação verdadeira. Sendo assim, se se
quer cristianizar o homem é preciso cristianizar a sociedade: os corpos
intermediários e finalmente todas as instituições sociais e políticas.
É o que a Igreja sempre se esforçou para conseguir: ela pegou o homem tal
como ele era, dentro da sociedade. Então, após ter convertido os
indivíduos, ela batizou as nações e as cristianizou: é a Cristandade.
Em suma, toda a doutrina social e política da Igreja pode se concentrar na
aplicação desses dois primeiros princípios:
A graça deve entranhar toda a natureza do homem sem destruí-la;
Ora, o homem é sociável;
Então a graça deve entranhar, sem destruir, toda a vida social e
política do homem.
Como escreveu São Pio X, a Ação católica ultrapassa os arredores dos
indivíduos: «Aqui Nós queremos apenas lembrar essas múltiplas obras de
zelo, empreendimentos para o bem da Igreja, da sociedade e dos indivíduos,
comumente chamadas pelo nome de Ação Católica».
Infelizmente, os intelectuais pouco familiarizados com as realidades
concretas [8] imaginam que não é necessário cristianizar as sociedades até
em suas instituições políticas, e que basta que se obre no mundo da cultura
e das ideias;que basta o falatório sobre o efêmero, sobre o cultural; que
basta falar com o mundo, mostrar-lhe as coisas e dialogar.
Além da injúria feita aos direito essa obra deve ser realizada no âmbito e
no espírito cristão. Essa necessidade se vê hoje com as questões levantadas
pela obstinação terapêutica, pela eutanásia e pela pesquisa embrionária.
Esse domínio temporal depende diretamente das autoridades civis e
indiretamente das autoridades eclesiásticas, de modo que as autoridades
leigas devem obedecer às regras estabelecidas pela a Igreja no que diz
respeito à fé e moral. Com efeito, segundo São Pio X, o domínio moral «é o
domínio próprio da Igreja»[9]. Ademais, conforme sublinhou São Pio X, a
verdadeira civilização não pode existir senão sobre bases moralmente
saudáveis. Portanto, a verdadeira civilização cristã não pode existir sem a
Igreja.

A Cristandade
Esse entranhamento sobrenatural da ordem individual, social, política,
temporal e espiritual é o que a Igreja fez — graças à colaboração das
autoridades civis — naquilo que se chamou Cristandade e que São Pio X
chamou de civilização cristã.
— Do ponto de vista estritamente religioso, a Igreja se esforçou para
desenvolver a vida sobrenatural:
Pela pregação da fé por meio de catecismo, sermões dominicais, missões
paroquiais e literatura religiosa.
Pela proteção contra a heresia através da vigilância e proibição de
publicações heterodoxas, das condenações, do index, da Santa Inquisição,
etc.
Pelo culto: a missa em cada cidade, o ofício divino cantado e todas as
diversas orações.
Pela fundação de inumeráveis ordens religiosas e monastérios que cobriram
a Europa inteira.
Pela instauração de uma rede de paróquias que trazem a toda a população
o socorro cotidiano e familiar da Igreja.
Pela obra das missões apostólicas.
Pela fundação de terceiras-ordens, que são afiliadas às ordens religiosas.
— Do ponto de vista temporal, a Cristandade não aboliu a natureza. Ela não
suprimiu a família, nem as cidades, províncias ou Estados, nem o trabalho,
nem as classes sociais, nem o poder político, nem a guerra, nem a educação
e nem a cultura.
Longe de suprimi-las, a Cristandade impregnou-as da divina graça:
A família: A Igreja fortificou-a trazendo-lhe uma indissolubilidade mais
firme, abençoando-a e honrando a mulher e mãe de família cristã,
especialmente pelo culto à Virgem Maria.
A cidade:A Igreja estabeleceu a cidade em torno da igreja e do altar e
unificou-a em torno do seu cura. A Igreja ritmou também a vida da cidade
não só com o som dos seus sinos e ofícios divinos, mas também com todo
seu ciclo litúrgico e festas de padroeiros.
O trabalho: Longe de abolir e de exacerbar as desigualdades, ela buscou
permear sua influência sobrenatural nas confrarias corporativas. Ela
inaugurou as festas dos padroeiros e instaurou o espírito cristão nos
costumes e a caridade entre os membros.
As classes sociais:progressivamente, a Igreja suprimiu a escravidão. Por
outro lado, ela abençoou e reforçou os votos de fidelidade para com as
autoridades (os Senhores), ensinando os súditos a verem em seus
superiores como espelhos da autoridade de Deus; e aos superiores ensinou
quais eram seus deveres pelos quais eles iriam prestar contas no tribunal
divino.
O poder político: A Igreja batizou e converteu — não sem dificuldades — as
autoridades políticas. Os nomes de Constantino e Clóvis (para citar apenas
dois) estão para sempre gravados na memória da Igreja. Ela consagrou os
reis para dar-lhes ajuda, uma base e orientação espiritual, ordenando-lhes
a defender a fé e assegurar o bem e a proteção dos seus súditos,
especialmente os pobres e os fracos.
A guerra: A Igreja instaurou a trégua de Deus e insuflou o espírito
autenticamente cavalheiresco.
A educação: A Igreja cobriu a cristandade de escolas anexas às catedrais e
depois de universidades, e ao mesmo tempo salvou de uma perda
irreparável o patrimônio intelectual da Antiguidade.
A cultura: a arte em todas as suas vertentes não somente foi encorajada
como foi cristianizada, elevada à posição de instrumento de culto.
E o que dizer das obras de beneficência feitas pelos hospitais que atendem
aos desvalidos [Hôtels-Dieu], leprosarias e asilos de todos os tipos! Não
acabaríamos nunca de enumerar as obras suscitadas pela Igreja em seu
desejo de restaurar todas as coisas em Cristo Jesus.
Cristianizar as estruturas
Dessa enumeração nos é imposta uma conclusão: a Igreja fundou e
cristianizou as estruturas a fim de melhor cristianizar os indivíduos:
Na ordem propriamente espiritual, a Igreja fundou as estruturas; Ela
sempre teve essa preocupação. Após a passagem dos missionários, seu
primeiro esforço constante foi o de perpetuar o apostolado através da
fundação de paróquias, dioceses, monastérios e ordens religiosas. Por
exemplo, São Bento não teria difundido tanto sua ordem e não continuaria
a difundi-la se não tivesse estabelecido estruturas e uma regra. Ele
perenizou sua obra por meio de uma regra.
Na ordem temporal, a Igreja suscita e cristianiza as estruturas. Ela não se
contenta em marcar culturalmente as pessoas, mas visa batizar as
estruturas. Esse foi o erro do Sillon, do modernismo, de Maritain e de todos
os liberais ao pretender que é preciso se contentar com a ordem espiritual
e alcançar os indivíduos sem buscar batizar as estruturas temporais. É um
erro profundo que é condenado pela doutrina e pela prática tradicionais
da Igreja.
Uma outra conclusão se impõe: essas estruturas são multiformes.
Na ordem espiritual a organização da Igreja não é totalitária. Não há o papa
de um lado e logo em seguida o cura da paróquia. Não é um coletivismo
religioso. Não é também um igualitarismo absoluto ou a democracia. Entre
o papa e os curas das paróquias há os bispos. E em cada diocese há
paróquias e obras diocesanas diversas, múltiplas, mais ou menos
independentes umas das outras ou independentes das paróquias, as quais
são da competência dos bispos ou pelo menos de Roma pelas obras
nacionais (arqui-confrarias). Sem esquecer os religiosos e religiosas que
respondem diretamente ao bispo ou ao papa.
Na ordem temporal a Igreja visa cristianizar os corpos intermediários:
cidades e corporações; quando elas são ameaçadas, protegê-las (assim
como na Antiguidade era o papel dos defensores das cidades que tinham
os bispos ameaçados pelos invasores bárbaros); e quando elas são
destruídas, reconstruí-las.
A Ação Católica dos homens do século XXI consiste então em buscar e
proteger a cristianização das estruturas, dos corpos intermediários
existentes e em recriar os corpos intermediários onde eles não existirem.
Entretanto, antes de prosseguirmos e expor os meios para alcançar isso, é
preciso fornecer dois outros princípios essenciais da Ação Católica: as
«relações que todas as obras da ação católica devem ter com a autoridade
eclesiástica»[11] e o caráter confessional dessas obras (isto é, se elas
devem confessar absolutamente a fé católica).
OS PRINCÍPIOS DA AÇÃO
CATÓLICA – PARTE 2/4
Publicado em 27/10/2017

Pelo
Pe. François-Marie Chautard
Fonte: Le Chardonnet nº 260 – Tradução: Dominus Est
No artigo anterior foram evocados os objetivos assim como os três
princípios da ação católica tais como o Magistério nos deu em seus
ensinamentos:
O objetivo da ação católica é contribuir para a instauração do Reino de
Jesus Cristo nos indivíduos, nas famílias e nas sociedades.
Esses três primeiros princípios[1] da ação católica são os seguintes:
A ação católica deve se adaptar à ordem natural e impregná-la da graça.
Em poucas palavras, ela deve cristianizar a ordem das coisas.
Sendo a natureza do homem sociável, a ação católica deve impregnar sem
destruir toda a vida social e política do homem, ou seja, cristianizar os
corpos intermediários e, finalmente, todas as instituições sociais e
políticas.
Sendo dupla a natureza das obras humanas — temporal e espiritual —, os
princípios da ação católica variam de acordo com esses dois modos. E esses
princípios engendram outros:

Quarto princípio: a ação católica deve estar submissa à autoridade


eclesiástica
Se a ação católica visa instaurar o Reinado de Nosso Senhor na ordem
puramente espiritual ou temporal, sua ação é eminentemente sobrenatural
e diz respeito à ordem da graça. Ora, o que diz respeito à ordem da graça
diz respeito à autoridade eclesiástica. Por conseguinte, a obediência
condiciona o sucesso do apostolado, conforme ensina Pio XII:
«Essa estreita colaboração do laicato ao apostolado hierárquico, em uma
inteligente e alegre obediência em relação aos chefes espirituais que o
Espírito Santo colocou para reger a Igreja de Deus, é a garantia de sucessos
sobrenaturais divinamente prometidos aos mensageiros do Evangelho
(…)»[2].
Contrariamente a isso, afastar-se da tutela eclesiástica nas esferas que lhe
pertencem equivale a se privar das bênçãos do Céu.
O Magistério da Igreja é particularmente claro sobre esse capítulo da
obediência. Em várias ocasiões os papas retornaram ao assunto,
especialmente com o Sillon[3]. Essa insistência explica-se facilmente pela
propensão recorrente na qual os leigos engajados na ação política e social
emancipam-se voluntariamente da autoridade eclesiástica. Ativos na
Cidade, esses leigos esquecem facilmente que as esferas sociais e políticas
tocam a moral cristã e, por isso mesmo, dependem da hierarquia
eclesiástica: «não se edificará a sociedade, insiste São Pio X, se a Igreja não
deitar as bases e não dirigir os trabalhos»[4].
Certas áreas dependem exclusivamente da autoridade temporal.
Entretanto, muitas das áreas afetam, de alguma forma,as competências
eclesiásticas. Em particular, a educação, a medicina e a economia estão
estreitamente ligadas aos princípios morais. E muito idealista seria aquele
que imaginasse encontrar soluções gerais fazendo da economia uma
direção moral.
Evidentemente isso não significa que os leigos não tenham qualquer poder
de direção e nem que a doutrina política da Igreja se confunda com a
teocracia. Entretanto, isso significa que, por direito, os leigospermanecem
sujeitos à hierarquia católica nos assuntos que tratam de fé e moral. A
batina evidentemente não tem de dirigir os protocolos da pesquisa médica,
mas se por ventura a pesquisa tiver como objeto os embriões humanos ou
qualquer outra questão que concerne de alguma forma mesmo à moral
natural, então a Igreja possui um dever e um direito de controle. É,
portanto, para retomar uma expressão de São Pio X, uma «alta direção», e
não um minucioso controle dos mínimos detalhes e aplicações.
Mais precisamente, a autoridade da Igreja distingue-se na medida em que
a ação se relaciona diretamente a um assunto espiritual — como um
patronato, um curso de catecismo, um grupo de orações — ou sobre uma
questão temporal em que certos aspectos dizem respeito à fé e à moral,
como a medicina ou as leis econômicas.
Assim, a direção de uma obra propriamente espiritual
concerne diretamente e em todos os seus aspectos à autoridade
eclesiástica. Por outro lado, a direção de uma obra propriamente temporal
concerne diretamente à autoridade temporal e indiretamente à autoridade
espiritual. A gestão de uma empresa depende por direito a um leigo, mas
esse poder permanece sujeito à autoridade eclesiástica do ponto de vista
moral. Dessa maneira, se um leigo vier à faltar com o direito cristão na sua
gestão, a autoridade eclesiástica estaria em posição de — pelo menos por
direito — penalizá-lo; como, por exemplo, se um diretor de empresa
forçasse, por meio do seu próprio cargo, seus empregados a trabalharem
de domingo.

Embora seja
de natureza temporal, a pesquisa médica não escapa, assim como outras
disciplinas, ao direito de controle da Igreja.
Colocados esses princípios, podemos medir a amplitude e a extensão dos
poderes da Igreja na Cidade: na medida em que a ação católica visa
cristianizar as estruturas e os indivíduos, ela tende a um objetivo tanto
espiritual como temporal. Ela não é então puramente temporal, e portanto
deve estar sujeita à hierarquia, ou seja ao direito comum da Igreja, aos
bispos. Tudo isso está alias nitidamente exposto por São Pio X:
«Resta-nos, Veneráveis irmãos, tratar de uma outra questão da maior
importância: a relação que todas as obras da ação católica devem ter com
a autoridade eclesiástica.
Se se considerar bem as doutrinas que Nós desenvolvemos na primeira
parte da Nossa Encíclica, concluir-se-á facilmente que todas as obras que
vêm diretamente ao encontro do ministério espiritual e pastoral da Igreja,
e que por conseguinte se propõem a um fim religioso, visam diretamente o
bem das almas e devem em todos os seus detalhes estarem subordinadas à
autoridade da Igreja e, portanto, igualmente à autoridade dos bispos, que
foram estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a Igreja de Deus nas
dioceses em que lhes foram confiados.
Mas, mesmo as outras obras que, conforme dissemos, são especialmente
fundadas para restaurar e promover em Cristo a verdadeira civilização
cristã, e que constituem no sentido mais alto a ação católica, não podem de
maneira alguma serem concebidas independentes do conselho e da alta
direção da autoridade eclesiástica, especialmente porque todas elas devem
se conformar aos princípios da doutrina e da moral cristã; e menos ainda é
possível concebê-las em oposição mais ou menos aberta à essa mesma
autoridade.
É certo que tais obras, dada sua natureza, devem se mover com a liberdade
que lhes razoavelmente convém, pois é sobre elas mesmas que recairá a
responsabilidade das suas ações, sobretudo nos assuntos temporais e
econômicos, assim como naqueles da vida pública, administrativa ou
política — todas elas alheias ao ministério puramente espiritual. Mas uma
vez que os católicos carregam sempre o estandarte de Cristo, por isso
mesmo eles carregam o estandarte da Igreja; e é portanto razoável que eles
recebam-no das mãos da Igreja, que o guarda para que sua honra seja
sempre imaculada, e que à ação dessa vigilância maternal os católicos
submetam-se como filhos dóceis e afetuosos.
Daí fica manifesto o quão errado estavam aqueles que, embora poucos,
aqui na Itália e sob Nossos olhos, quiseram se encarregar de uma missão
que não haviam recebido nem de Nós e nem de qualquer um dos nossos
Irmãos do episcopado; e que se puseram à cumpri-la não somente sem o
devido respeito à autoridade, mas até mesmo indo abertamente contra a
vontade dela, buscando legitimar sua desobediência por meio de
distinções fúteis. Eles diziam, ainda assim, que levavam um estandarte com
o nome de Cristo; mas tal estandarte não poderia ser de Cristo, pois eles
não traziam consigo a doutrina do Divino Redentor, de modo que aplicam-
se aqui essas palavras: “O que a vós ouve, a mim ouve: e o que a vós
despreza, a mim despreza” [Luc. 10, 16]; “O que não é comigo, é contra
mim; e o que não colhe comigo, desperdiça” [Luc. 11, 23]. Essa é uma
doutrina de humildade, submissão e respeito filial»[5].

Quinto princípio: a ação católica deve ser confessional


Por ter um objetivo sobrenatural, a ação católica deve usar de meios
sobrenaturais e propagar a fé católica. Necessariamente, ela vem
acompanhada da profissão pública de sua pertença à fé católica. Se por
infelicidade ela não o fizer, sua ação cessaria de ser propriamente católica
e deveria antes se chamar ação neutra ou deísta, ou até mesmo ecumênica.
Porquanto, a ação católica não deve ser aconfessional (sem religião) e nem
mista (inter-religiosa).
Uma outra razão que conduz ao mesmo princípio: o católico deve evitar na
medida do possível tudo aquilo que coloque em perigo sua fé ou a profissão
pública da sua fé. É por isso que o católico deve evitar atuar em terrenos
estreitamente ligados à fé ou à moral com os acatólicos.
Santo Tomás de Aquino observou muito justamente: «Assim, certos estão
de tal modo firmes na fé, que se pode esperar, da sua convivência com os
infiéis, que antes, os convertam do que percam a fé. Por onde, não se lhes
deve proibir comuniquem-se com os infiéis, pagãos ou judeus, que ainda
não receberam a fé; e sobretudo urgindo a necessidade. – Aos que porém
forem simples e fracos na fé, cuja subversão possa provavelmente temer-
se, se lhes deve proibir comunicar com os infiéis; e sobretudo para que não
venham a ter com eles grande familiaridade ou com eles comuniquem, sem
necessidade»[6].
Ora, ser firme na fé supõe não somente tê-la, mas tê-la bem «arraigada» e
bem formada; algo que é privilégio de poucos. Daí o escândalo frequente
dos jovens de antigamente, que perdiam a fé no serviço militar e hoje
perdem-na na universidade laica.
Essa defesa se compreende se entendermos a tendência natural da
psicologia humana à colocar de lado a diferença (religiosa ou não) a partir
do momento em que se trabalha em comum. Com efeito, a inclinação
natural (ou naturalista) é relegar ao segundo plano sua fé para evitar se
zangar ou desagradar seus colegas. Sob o pretexto de eficácia na própria
ação apostólica, a tentação habitual consiste em se mostrar «discreto»
acerca da sua fé, imaginando que se poderá mais tarde afirmá-la mais
nitidamente. Isso é esquecer que a contrapartida da associação com
acatólicos terá ela também um preço, e que será ainda mais difícil afirmar
sua fé uma vez que ela já foi colocada entre parênteses.
Assim, é ilusório querer se opor ao aborto dissimulando suas convicções
católicas e as razões propriamente católicas que sustentam essa defesa.
Conformar-se com argumentos e slogans puramente filantrópicos equivale
a deixar a ação propriamente católica.
Além disso, se por infelicidade, esse gênero de ação se enraizar numa
prática habitual, o combate ao aborto não terá algo de verdadeiramente
católico, mas antes de propriamente naturalista: acaba-se por não
combater mais o aborto como antes sendo um pecado cometido contra
Deus, mas sim como uma ofensa à Vida; algo que, no final das contas, está
em conformidade com os pagãos:
«O perigo dessas colaborações, escreveu Mons. Lefebvre, reside na
necessidade de dever ocultar os propósitos católicos que nos fazem agir e,
assim, de dar a impressão que nossos propósitos são puramente naturais
e humanos. Isso já é praticamente alinhar nossos propósitos de ação aos
propósitos acatólicos»[7].
Deposto por São Gregório VII,
Henrique IV, imperador do Sacro Império Romano-Germânico veio fazer
a amendehonorable em Canossa aos pés do pontífice (nave lateral da
basílica de São Pedro)
Uma ação comum pode entretanto ser empreendida excepcionalmente com
os acatólicos[8], seguindo condições bem precisas, conforme resumiu
Mons. Lefebvre:
«Nessa colaboração é preciso que nossos propósitos estejam claramente
afirmados (1), e por conseguinte que o objetivo a alcançar seja especificado
(2) e em geral breve (3), não necessitando contatos prolongados (4) que
perturbem a afirmação da fé»[9]. Senão, isso constituiria «um ecumenismo
prático inadmissível entre católicos e escandalosos»[10].
Seguindo o mesmo princípio, o católico não deve entrar em sindicatos
neutros ou mistos[11]. Ele não deve ter ação católica (ou seja, com um
objetivo ou contato religioso) com os acatólicos.
No fundo, essa chamada a uma ação propriamente católica corresponde à
uma tentação persistente dos homens de ação: abandonar os meios
sobrenaturais em prol das ações exclusivamente naturais. Isso equivale a
contradizer frontalmente o objetivo da ação católica, que consiste
precisamente em cristianizar a ordem natural.
Ainda falta saber como escolher os meios adequados (naturais e
sobrenaturais) para aplicar esses cinco princípios da ação católica.
OS PRINCÍPIOS DA AÇÃO
CATÓLICA – PARTE 3/4
Publicado em 30/10/2017

Pelo Pe. François-Marie Chautard


Fonte: Le Chardonnet nº 268 – Tradução: Dominus Est
Cristianizar a sociedade em todos os seus elementos e fazer irradiar Cristo
Rei: tal é o desejo caro a muitos corações católicos.
Ainda é preciso saber como se tomar uma decisão acerca dos meios. Por
isso, após ter evocado os grandes princípios da Ação católica, resta-nos ver
como aplicá-los: em quais campos de ação[1] e segundo quais condições.
«Ademais, importa — observa São Pio X — definir claramente as obras
pelas quais as forças católicas devem se esforçar empregando toda sua
energia e constância. Essas obras devem ser de uma tão evidente
importância, responder de tal maneira aos desejos da sociedade atual,
adaptar-se tão bem aos interesses morais e materiais — sobretudo os do
povo e das classes mais pobres —, que, enquanto instiga nos promotores
da ação católica a melhor atividade para obter os resultados importantes e
certos que se devem esperar dessas obras, elas sejam também facilmente
compreendidas e alegremente bem-vindas por todos»[2].
Privilegiar as estruturas
Além disso, mantidas inalteradas todas as outras coisas, parece necessário
visar ainda mais as estruturas[3] que os indivíduos. O indivíduo afeta os
demais indivíduos e desaparece em seguida. A estrutura permanece.
Privilegiar as estruturas já existentes
Essa atenção às instituições é dupla. Por um lado ela visa dar novamente
um respiro às estruturas existentes, isto é, dar um verdadeiro espírito
cristão; por outro lado ela visa fundar novas estruturas.
Esse apostolado pode então se ordenar em duas
palavras: conservar e desenvolver. Antes de fazer melhor do que aquilo
que existe, convém antes fazer bem aquilo que existe. Também vale mais
proteger e desenvolver as obras existentes.
Infelizmente, esse princípio é frequentemente esquecido. Seduzido por
uma idéia que lhe parece genial, o apóstolo se lança de cabeça numa obra
que aos seus olhos parece indispensável: uma nova confraria, um novo
círculo, um grupo de oração em torno de uma devoção esquecida há muito
e que lhe parece imperativo ressuscitar[4]. Na Ação católica, assim como
em tudo, é preciso desconfiar da tentação que tem aparência de bem.
Com efeito, frequentemente é preferível apoiar o que já existe. Além disso,
é um meio certo de evitar o apego à uma obra pessoal e todos os
inconvenientes humanos que ela traz consigo.
Num segundo momento, após ter desenvolvido uma obra suficientemente
madura, é preciso expandir.
A Ação católica pode conter assim quatro partes:
Defender: o bem, a verdade, uma boa obra, etc. Trata-se aqui tanto de
proteger uma boa obra quanto evitar a propagação do mal. Essa defesa é
multiforme: impedir que se estenda o trabalho até o domingo, lutar contra
as amostras de pornografia, opor-se à destruição da igreja da vizinhança,
participar de conferências contraditórias[5], ou petições como as que Leão
XIII encorajou[6].
Apoiar: muitas obras de salvação devem sua existência somente à ajuda
de fiéis generosos de suas pessoas ou de seus bens. Nos absurdos anos que
se seguiram após o Concílio, muitos padres fiéis à Tradição tiveram a boa
graça da ajuda de fiéis que não se contentavam em «se servir» e doavam de
si mesmos. Esse tipo de ajuda é muito variado: devotar-se ao coral de uma
paróquia, assinar a revista paroquial (além do bem recebido, é uma
maneira de manter uma obra), colocar seus filhos nas boas escolas (além
do bem primordial para as próprias crianças, trata-se de manter as obras
existentes), preferir ir a um simpósio em vez de passear, ir à excursão até
Lourdes [ndt: no caso do Brasil, à Aparecida] organizada pela paróquia em
vez de fazer sua viagem «pessoal» na qual você só atende ao próprio
interesse, etc.
Ampliar: Após ter apoiado ou mantido obras, é preciso reforçá-las e
melhorá-las. Pode-se recrutar para os retiros espirituais, levar os novatos
a um curso de catecismo, a uma escola, a um círculo de jovens famílias, a
um acampamento de férias, etc.
Fundar: Enfim, após ter ampliado suficientemente, convém difundir por
meio da fundação de novas estruturas: um curso de catecismo [7], uma
escola, um grupo de estudos, um círculo de Tradição ou um grupo de terço
numa nova capela.
Privilegiar as estruturas existentes
Além disso, é mais oportuno privilegiar as estruturas naturais e
primordiais[8] em vez das estruturas artificiais e secundárias, tanto da
sociedade civil quanto da eclesiástica.
Por exemplo, se um leigo se pergunta se ele deve aplicar seu tempo livre
na fundação de uma nova confraria ou na ajuda a uma escola, mais vale
ajudar a escola; é mais necessário e mais fundamental.
Em um texto que dificilmente envelhecerá[9], Pio XII indicou três campos
de apostolado que um cristão deve considerar como prioritários. Não serão
encontrados campos novos e inexplorados; ao contrário, o que se
encontrará serão os terrenos clássicos e acessíveis a todo católico: a Igreja,
a família e o trabalho[10]. O resto vem depois, tão logo estiverem
fortificados e desenvolvidos esses campos de ação.
Esse ensinamento de Pio XII, afinal de contas, não foi senão uma aplicação
do princípio segundo o qual devemos defender e restaurar os corpos
intermediários[11]. A ação católica se diversifica enquanto visa a
santificação:
Da família[12]: desde ajuda financeira até os acampamentos de jovens,
passando pela monitoria de crianças durante a Missa e o Movimento
Católico das Famílias. No mundo da Tradição, onde as jovens mães de
família estão frequentemente sobrecarregadas, a organização mais
estruturada de ajuda concreta às mães feita pelas jovens garotas que se
devotam benevolentemente a tal atividade é um exemplo.
Da escola[13]: A obra das escolas representa um belo terreno para o
apostolado. Essa ajuda, mencionada acima, pode se realizar de diversas
maneiras. Sem dúvida é importante trazer uma ajuda financeira[14]. Os
pais, que comumente não têm dinheiro, costumam deixar a situação mais
confortável aos avós. Mas é mais benéfico ainda investir a sua própria
pessoa, oferecendo-se benevolentemente para dar cursos caso possua
habilidades que possam ser oferecidas[15]; ou ajudando a escola nas
várias atividades que fazem parte dela: cozinha, manutenção e
monitoramento de alunos.
Agremiações profissionais[16]: a Tradição conta ainda com diversos
grupos desse tipo: Association Catholique des infirmiers et médecins
[Associação Católica de enfermeiros e médicos], Association des Juristes
Catholiques [Associação de Juristas Católicos]. Para apoiar esse tipo de
agremiação pode-se entrar em uma, torná-la conhecida às pessoas
próximas e propagar os materiais impressos e afins que demonstram sua
necessidade.
Cidades pequenas e a vida política: Um certo número de fiéis conseguiu
obter uma responsabilidade política e ter uma influência real. Destacam-
se, dentre outras possibilidades de ação, a interdição de uma festa rave, a
interdição da construção de uma mesquita, a restauração da igreja local,
etc. O próprio Mons. Lefebvre encorajava os fiéis a ocuparem cargos de
responsabilidade na vida política local, e o movimento Civitas o fez.
A ação católica é portanto bem mais completa que as manifestações de rua
ou colagem de cartazes. Não que essas duas ações não sejam jamais boas,
mas a ação católica deve ser mais profunda, mais durável e mais eficaz. Por
conseguinte, ela não se coloca naquilo que é passageiro. E para ser mais
eficaz, ela deve proteger e desenvolver antes de tudo as estruturas
naturais.
E o que é verdade para sociedade civil é verdade para a sociedade
eclesiástica[17].
Privilegiar os objetivos próximos
Na mesma linha de ideias de um apostolado que privilegia os meios
naturais, convém antes se ocupar de objetivos ao nosso alcance em vez de
se comprometer com um objetivo de grande envergadura ou afastado do
nosso campo de ação.
Infelizmente, por conta da intervenção midiática, há uma tendência a se
entusiasmar por uma obra longínqua; à se apiedar das vítimas cuja ajuda
não nos é possível. Ora, a teologia moral é clara: nós devemos amar e ajudar
nosso próximo, ou seja, aquele que é mais próximo de nós: próximos pela
fé, pelos laços de sangue, pela nacionalidade, etc.
Em particular, antes de pensar em fundar todo tipo de associação, é
preferível defender as estruturas que estão próximas de nós: nossa
paróquia, a escola local, o grupo do priorado, etc.
Antes de fundar um grupo político ou de lutar contra a subversão, o pai de
família deve se ocupar com sua esposa e com seus filhos.
É um sistema cristão e «civilizacional» que é preciso criar, e não uma
insígnia cristã visível a todos e em todos os lugares. Portanto, não é preciso
considerar o apostolado da mesma maneira que, grosso modo, considera-
se o comércio. Essa distinção tem sérias consequências no emprego de
meios mais concretos. Por trata-se de apoiar obras basicamente naturais
como a família, os meios adequados serão frequentemente naturais e, por
isso mesmo, acessíveis à maioria. O combate na internet, por exemplo, é
certamente útil, mas secundário, e portanto ele deve servir para
desenvolver as estruturas cristãs naturais. Quando se vê quanto tempo
muitos dos fiéis passam olhando os sites da Tradição em busca de qualquer
novidade, é o caso de perguntar se esses sites fazem um serviço ou um
desserviço à vida interior dos fiéis, fim supremo do apostolado.
Os meios artificiais
Além disso, ao se esforçar para manter uma obra artificial (como um site
de internet) os meios utilizados serão mais artificiais e mais perigosos de
se manusear, valorizando mais a imaginação e o «marketing» do que a vida
interior e o dever de estado, predispondo o apóstolo mais à
superficialidade do que à mortificação ou à interioridade ou ao
sobrenatural.
Por infelicidade, quem é da era da comunicação em massa sonha com
meios proporcionais à sua ambição. Sonha-se com meios artificiais e fáceis:
grande manifestação, grande público, mailing, programas de rádio,
televisão ou internet. São meios artificiais cujos resultados são
frequentemente escassos… sobrenaturalmente. Frequentemente os meios
artificiais levam a resultados sensacionais… mas artificiais. O efeito está à
altura da causa. Se o apóstolo usa de todos os meios para obter sucesso,
esses meios artificiais, que os santos sabem usar, vêm num segundo
momento.
Manifestação ou confissão pública
Um desses meios artificiais restantes é a manifestação pública com seus
slogans tais como aquelas manifestações que se vê passar na capital todos
os dias.
Essa manifestação de caráter escandaloso deve ser absolutamente distinta
de uma manifestação de confissão pública de fé, como é uma procissão do
Santíssimo Sacramento. Tal confusão seria funesta tanto num sentido
como no outro. Uma procissão é uma ação que decorre naturalmente e
estruturalmente da fé católica. Não há nada de artificial no próprio
conceito de uma procissão ou de um desfile, pois é natural ao homem e ao
cristão manifestar publicamente aquilo que ele louva — ou mesmo aquilo
que reprova. Um desfile militar, uma procissão do Santíssimo Sacramento,
uma festa local com seus desfiles inocentes são obras que decorrem da
natureza social do homem. Uma procissão em honra à Virgem Maria é tudo,
menos um meio artificial de apostolado, mesmo se uma procissão vir a ser
algo que vise o aspecto quantitativo ou sensacional.
Em contrapartida, esses qualificativos (artificialidade, o aspecto
quantitativo e sensacional) adequam-se naturalmente à manifestação
pública criada na democracia moderna, porquanto ela é uma caricatura da
natureza sociável do homem, na qual uma trupe instigada pela fúria berra
insultos com tal desordem, que não se pode nem mais falar em desfile.
Noutros casos, a manifestação parece um passeio de classe para adultos no
qual as pessoas soltam balões e, desta maneira, acreditam estar servindo
uma causa.
Nossa época usa e abusa das manifestações. Ademais, estas se integram
perfeitamente ao sistema democrático. A democracia tem como
fundamento — oficial — a multidão; A multidão faz as leis. Além disso, num
sistema democrático, a manifestação de massa serve de válvula de escape.
Como nos dias do carnaval de Veneza em que um manifestante que gritou
sem parar para seus governantes após ter se vestido com uma camiseta
adequada à situação — isso mostra o quanto o homem moderno precisa
sempre se cobrir com um disfarce —; voltou a se acalmar por ter então se
manifestado diante de todos. Ele protestou publicamente o tanto que pôde
e desfrutou da satisfação de ter ao menos defendido aquilo que lhe é caro.
O apóstolo reluta em usar esse meios. Se ele o usa, é a contragosto; e só
após ter constatado que, nas circunstâncias presentes, esse meio ficou
como o único utilizável — um pouco como a greve justa na qual as
condições de legitimidade são tão severas quanto raras. Em termos de
eficácia, raramente compensa.
Bem mais vantajoso são os campos de influência e direção. E, novamente,
trata-se de privilegiar a qualidade de ação e não a multidão de ativos.
As posições de influência
«É certo, lembrou São Pio X, que as constituições atuais dos Estados dão
indiscriminadamente a todos a faculdade de exercer influência sobre a
coisa pública; e os católicos, com o devido respeito às obrigações impostas
pela lei de Deus e pelos preceitos da Igreja, podem certamente usar isso em
proveito próprio; e podem de tal maneira, que eles podem se mostrar tão
capazes como os demais (ou mesmo mais do que os outros) ao cooperar
com o bem-estar civil e social do povo. Ao fazer isso, eles adquirirão aquela
autoridade e prestígio que lhes tornarão capazes de defender e promover
os bem maiores, ou seja, os bens das almas»[18].
E de maneira ainda mais explícita, Leão XIII, em um documento maior
sobre a Ação católica, Graves de communi, de 18 de janeiro de 1901,
lembrou a importância das posições de influência: «Deve-se, sobretudo,
recorrer à benevolente ajuda daqueles cuja posição, fortuna, cultura
espiritual ou moral garantem-lhes mais influência na sociedade. Estando
ausente essa ajuda, dificilmente será feito algo de verdadeiramente eficaz
que venha a melhorar, da maneira que se gostaria, a vida das pessoas».
Além disso, são diversos os postos de influência no seio da sociedade civil.
Eis alguns exemplos:
O padre. Pode parecer surpreendente colocá-lo aqui. Com efeito, embora
seu poder de decisão ou de direção seja quase inexistente na cidade, seu
poder de influência é considerável. Evidentemente não é ele quem vai
dirigir o funcionamento de um empreendimento. Mas ao exercer sua
influência sacerdotal tanto sobre os diretores quanto sobre os
empregados, ele espalha-a sobre a empresa. Pela pregação no púlpito, no
confessionário, no catecismo, na direção espiritual, por meio da escrita ou
das conferências, ou antecipadamente na formação escolar, ele exerce uma
influência real, invejada pelos inimigos de todo aquele que é cristão.
O jornalista, a mídia. Neste caso também, seu papel de decisão é quase nulo.
Todavia, seu poder de influência, sobretudo num mundo dominado pela
opinião pública, é extremamente forte.
O professor. Ele insufla um espírito, uma maneira de julgar, de pensar e,
portanto, de agir. O ofício de professor, embora difícil de se exercer nos
dias de hoje, permanece um dos mais belos e mais úteis no que diz respeito
à obra civilizatória.
O médico, o advogado, em suma: o notável. A influência do médico é
conhecida: curando os corpos, é raro que ele não venha a desempenhar
qualquer papel sobre as almas. Ademais, o notável, seja qual for,
permanece uma referência. Se o médico, o advogado ou o tabelião vão à
missa tradicional e têm uma família numerosa com filhos bem criados, eles
tornam-se referência e acabam ficando conhecidos em seu círculo pessoal,
em seu segmento profissional e em sua clientela.
Esse papel de influência é muito importante, especialmente por ele não
necessitar de um grande número de pessoas e nem a possessão de uma
autoridade efetiva. No jargão moderno, estamos falando de lobbying. Este
termo é frequentemente entendido num sentido subversivo, embora não
seja necessariamente o caso. Pelo menos não para os católicos.
Dirigir
Por fim, acima do poder de influência encontra-se o poder de direção. O
diretor de uma empresa, o chefe de uma equipe médica num hospital, um
oficial superior e o enfermeiro chefe: todos têm grande importância. Suas
decisões repercutem desde o topo até a base da hierarquia e lhe dão um
caráter. É o superior que insufla caráter na hierarquia ou deixa que outro
lá se instaure. Pode-se atenuar os efeitos de uma má direção ou melhorar
ainda mais os efeitos de uma boa; substituí-la, jamais. O que é conhecido
na esfera profissional (pontualidade e competência) é também verdadeiro
no domínio moral.
Alguns exemplos concretos surgem: que um diretor não admita anedotas
picantes ou hostis à religião por parte de seus colaboradores não é
indiferente ao caráter do conjunto.
«A bondade e a justiça dos princípios cristãos, ressalta São Pio X, a reta
moral que professam os católicos, seu inteiro desinteresse por aquilo que
lhe é pessoal, a franqueza e a sinceridade com aqueles que buscam
unicamente a verdade, o sólido, o supremo bem dos outros, enfim, sua
evidente aptidão para servir os verdadeiros interesses econômicos do
povo: tudo isso não pode deixar de causar impressão sobre o espírito e
sobre o coração»[19].
Além disso, e mesmo que a ideia seja rejeitada, o chefe representa sempre
um pai e um modelo. Ademais, ele pode se permitir certos conselhos ou
admoestações que um outro não poderia.
Novamente, não é portanto uma questão estatística ou de números[20]. É
uma questão de mérito e de prática concreta da vida cristã na vida
profissional, especialmente através da competência. A consequência
apostólica é nítida. É preciso ser ambicioso para influenciar e dirigir. Não
é um orgulho disfarçado; é, ao contrário, uma caridade cristã bem
esclarecida que é antípoda da pusilanimidade fácil e cômoda que camufla
a preguiça e a indiferença ao bem comum da Cristandade.
Não é preciso nem dizer que essa ação apostólica pressupõe que o apóstolo
atenda à certas condições.
OS PRINCÍPIOS DA AÇÃO
CATÓLICA – PARTE 4/4
Publicado em 03/11/2017

Pelo Pe. François-Marie


Chautard
Fonte: Le Chardonnet nº 269 – Tradução: Dominus Est
Por mais pertinente que sejam os campos de ação do Apóstolo, e por mais
elevado que esse campo seja na sociedade, sua eficácia depende
necessariamente de algumas condições pessoais.
Ora, o católico que deseja ver o reino de Jesus Cristo intervém em dois tipos
de esfera bem distintas: uma puramente espiritual e a outra puramente
temporal. Além disso, o verdadeiro apóstolo deve ser dotado de qualidade
espirituais e humanas.
Meios sobrenaturais
Um adágio filosófico extremamente simples ensina que a causa é
proporcional ao efeito. Se o apóstolo pretende fazer uma obra
sobrenatural, ele mesmo deve ser profundamente sobrenatural. Caso
contrário, sua ação será humana e o fruto… humano. Se o apóstolo quer
obter um fruto bem profundo e durável, ele mesmo deve ter um vida
interior profunda.
O apóstolo deve, portanto, ter necessariamente como apoio uma profunda
vida interior. Por isso é que os papas insistem tanto na vida de oração que
deve dirigir toda a ação católica, que por sua vez é um prolongamento da
ação salvífica de Cristo e dos Apóstolos. E, com efeito, trata-se de uma
verdadeira vida de oração, e não do cumprimento de alguns exercícios de
piedade. É uma vida de piedade, e não um verniz de piedade que não teria
qualquer influência sobre a maneira de viver e julgar.
Essa vida de oração deve igualmente ser acompanhada de uma vida de fé
sólida e instruída. E a formação doutrinal deve também ter uma
importância de primeira ordem. Enfim, o apóstolo não deve poupar-se de
um verdadeiro espírito de sacrifício.
Conforme escreveu São Pio X, «Antes de tudo, é preciso estar
profundamente convencido de que o instrumento é inútil se ele não é
apropriado ao trabalho que se quer executar. Conforme o que foi
evidenciado acima, a ação católica, na medida em que se propõe a restaurar
todas as coisas em Cristo, constitui um verdadeiro apostolado para a honra
e glória do próprio Cristo. Para bem cumpri-lo é preciso que se tenha a
graça divina e que o apóstolo só a receba se estiver unido a
Cristo. Somente quando tivermos formado em nós Jesus Cristo é que
podemos mais facilmente trazê-Lo às famílias e à sociedade. Todos aqueles
que são chamados a dirigir ou que se consagram à promover o movimento
católico, devem ser católicos à toda prova, convictos de sua fé, firmemente
instruídos nos assuntos religiosos, sinceramente submissos à Igreja e
especialmente à suprema Sé Apostólica e ao Vigário de Jesus Cristo sobre
a terra; eles devem ser homens de piedade verdadeira, de varonil virtude,
íntegros nos costumes e de uma vida de tal modo intemerata que eles
sirvam a todos de eficaz exemplo.
Se a alma ainda não está preparada, não só será difícil promover o bem aos
demais, mas será quase impossível agir com retidão de intenção e faltar-
lhe-ão as forças para suportar com perseverança os problemas que surgem
com todo apostolado: as calúnias dos adversários, a frieza e pouca ajuda
até mesmo dos homens bons, e finalmente há às vezes os ciúmes dos
amigos e dos companheiros de luta (sem dúvida perdoável, dada a
fraqueza da natureza humana, mas muito danoso e causador de discórdias,
de ofensas e querelas intestinas). Somente uma virtude paciente e firme no
bem, e ao mesmo tempo suave e delicada, é capaz de remover ou diminuir
essas dificuldades de maneira que a obra a qual estão consagradas as
forças católicas não sejam comprometidas. A vontade de Deus, dizia São
Pedro aos primeiros cristãos, é que, obrando, vós caleis os
insensatos: “porque assim é a vontade de Deus, que obrando bem façais
emudecer a ignorância dos homens imprudentes” [1Pe 2, 15]»[1].
Quase meio século mais tarde, Pio XII renovava a mesma advertência
insistindo na virtude pessoal. Esse esclarecimento nos parece capital
conforme cresce a cada dia a distância entre a vida em comum e a vida
pessoal: zelosos em grupo na ocasião de alguma manifestação, muitos
católicos abdicam da luta quando estão isolados.
Esses meios sobrenaturais são evidentemente usados nas obras
puramente espirituais como um grupo de oração, no apostolado do
catecismo, etc. Mas eles têm da mesma maneira seu lugar necessário nas
obras temporais: um trabalhador cristão irradiará em sua empresa se ele
conhece seu catecismo, se ele é aplicado ao seu dever de estado, se ele reza
em seu trabalho, evita as palhaçadas e outras palavras que soam
inconvenientes na boca de um cristão, etc.
Qualidades naturais
Dito isso, as qualidades naturais não devem entretanto ser deixadas de
lado, longe disso. Seria um sonhador o apóstolo que negligenciasse suas
reuniões de apostolado ou de ação sob o pretexto de que ele oferece seu
apostolado à Providência. Seria cair num angelismo bem afastado do
espírito do cristianismo.
Esses meios naturais são os seguintes: a organização metódica — ou
mesmo científica —, a competência, o espírito de equipe, a polidez e a
pontualidade. Em suma, esses meios são aqueles que têm todo espírito
sério que se lança num empreendimento.
Quantas ações de pequena ou grande envergadura falham por falta de
preparação suficiente, por uma estupenda negligência dentre os apóstolos
(negligência entretanto sobrenatural), que não permitiriam tal desleixo se
se tratasse de seu dever de estado profissional. Pense nas equipes de um
movimento de juventude que parte de noite para uma sessão de amostra
de cartazes. Eles recitaram antes seu rosário, mas não pensaram em trazer
consigo a cola, em ter um plano direcionado àquele segmento visado e
discutem entre si sobre preferências supérfluas. E eis que eles se
surpreendem com o pouco sucesso do empreendimento.
A imprecisão, a improvisação e o amadorismo devem ser banidos se se tem
alguma ambição de sucesso. Como em todas as coisas naturais e
sobrenaturais, a negligência não pode jamais produzir frutos.
«…para que a ação católica seja eficaz em todos os aspectos, advertiu São
Pio X, não basta que ela seja proporcionada às necessidades sociais atuais;
convém antes que ela se faça valer por todos os meios práticos que lhe
fornecem hoje o progresso dos estudos sociais e econômicos, as
experiências já realizadas em outros lugares, as condições da sociedade
civil e a própria vida pública dos Estados»[2].
Ademais, essa ação não deve ser unicamente individual, caso contrário ela
seria ineficaz. Ela deve ser dirigida ao cerne das organizações estruturadas
e hierarquizadas[3]. Querer agir unicamente de uma maneira solitária
reduz consideravelmente o campo e a eficácia do apostolado. O
individualismo não convém de maneira alguma, sobretudo no apostolado!
Evidentemente, esses meios naturais são identificados nas obras mais
diretamente temporais, mas também se encontram nas obras puramente
espirituais: o apostolado de um movimento de juventude desenvolve
melhor se os membros desse movimento são pontuais, organizados,
disciplinados e sabem trabalhar em equipe. Eis, por exemplo, uma
conferência sobre assunto espiritual programada para acontecer num
horário determinado. Mas os membros interessados chegam à conta-gotas
de modo que a conferência não pode começar senão com meia hora de
atraso. Resultado: a refeição prevista após a conferência é marcada para
outro dia (e isso irrita a todos), e a prece final é abreviada — quando não
pura e simplesmente suprimida. A falha pode incidentalmente vir do
próprio conferencista, cuja intervenção pode ser desleixada e mais longa
que o previsto. E então, os que vieram pela primeira vez prometem a si
mesmos nunca mais voltar num movimento em que os slogans de
campanha são diametralmente e ridiculamente opostos às realidades
concretas.
É um fracasso: os membros são desencorajados e o demônio esfrega as
mãos.
A necessidade de uma elite
Em outros termos, a Ação católica requer um espírito de perfeição
antípoda ao espírito do mundo, do espírito de facilidade e do diletantismo.
Se o católico quer se envolver em uma ação de qualquer extensão, então
que ele se envolva com coragem e perseverança, munido de todas as
qualidades que preparam as vitórias do futuro.
Na ordem sobrenatural, somente os santos, as almas verdadeiramente
naturais, fazem as coisas avançarem e convertem as almas. Os 12 apóstolos
converteram o mundo. Hoje, quantos milhões de católicos há? Eles fazem
a Igreja avançar?
Na ordem natural só os espíritos judiciosos, metódicos, organizados e
audaciosos obtêm sucesso. Nessa esfera, a competência, o método, o esprit
de finesse [espírito de perspicácia] e a força de convicção trazem consigo
as boas recomendações. Hoje em dia, quantos católicos consideram o
apostolado não como um passatempo, mas como uma ação
cuidadosamente organizada, atenciosamente preparada e pacientemente
conduzida?
Por fim, quaisquer que sejam as qualidades requeridas, tudo se reduz a
isto: o espírito de perfeição. Que possam todos os católicos cultivar esse
espírito em vez de simplesmente sonhar com ele. Só o espírito de perfeição
poderá trazer de volta à Igreja e à Cidade o brilho com o qual sempre
resplandeceram e que são capazes de irradiar em todas as épocas.

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