Os Princípios Da Ação Católica
Os Princípios Da Ação Católica
Os Princípios Da Ação Católica
Os corpos intermediários
Por outro lado, a vida em sociedade não é um coletivismo em que há de um
lado o Estado todo-poderoso e providente e do outro o indivíduo isolado.
Esse coletivismo — intentado pelo comunismo ao preço de carnificina
humana e naufrágios econômicos — não pode existir senão sob a forte
pressão de poderosos órgãos políticos ou financeiros.
A ordem política natural não é assim. Ela comporta algo que se chama
corpos intermediários. Isso quer dizer que entre o indivíduo e o Estado (o
poder político supremo), encontram-se a família, o bairro, a cidade, a
província, as empresas locais, etc.
«Os corpos intermediários, escreveu René Pierron, são grupos sociais ou
agrupamentos humanos situados entre o indivíduo isolado (ou a família,
célula de base) e o Estado. Eles são constituídos — ora naturalmente, ora
por acordo deliberado — tendo como objetivo atingir um fim em
comum entre as pessoas que compõem esses grupos»[6].
Michel Creuzet diz em seguida: «Esses grupos são complementares uns aos
outros:
Local: grupo que se refere ao lugar de nascimento, de vida e de educação
de uma pessoa: cidade, paróquia, comunidade (…)
Profissional: grupos que dizem respeito à atividade humana: empresa,
profissão, trabalho, sindicatos (…)
Cultural: escola, faculdade local, companhia de música (…)
Religioso: a paróquia, a diocese e suas obras;
Recreativo: grupos esportivos, turísticos, de lazer, de colecionadores,
etc.»[7].
Cada conjunto de escalões intermediários constitui uma organização que
aplica o princípio de subsidiariedade, a saber: um tipo de delegação, de
descentralização do poder.
E cada corpo intermediário imprime sua marca no indivíduo. O homem é
naturalmente marcado por sua família, sua cidade, sua formação, seu
grupo profissional, seu país e sua cultura.
Por conseguinte, pretender cristianizar o homem separadamente das
estruturas que estão presentes em sua vida é uma ilusão profunda. Se o
homem vive num universo ateu, isto é, sem Deus na sua família, no seu
trabalho, e em toda sua vida social, então, de maneira geral, é utópico
pretender que ele tenha uma santificação verdadeira. Sendo assim, se se
quer cristianizar o homem é preciso cristianizar a sociedade: os corpos
intermediários e finalmente todas as instituições sociais e políticas.
É o que a Igreja sempre se esforçou para conseguir: ela pegou o homem tal
como ele era, dentro da sociedade. Então, após ter convertido os
indivíduos, ela batizou as nações e as cristianizou: é a Cristandade.
Em suma, toda a doutrina social e política da Igreja pode se concentrar na
aplicação desses dois primeiros princípios:
A graça deve entranhar toda a natureza do homem sem destruí-la;
Ora, o homem é sociável;
Então a graça deve entranhar, sem destruir, toda a vida social e
política do homem.
Como escreveu São Pio X, a Ação católica ultrapassa os arredores dos
indivíduos: «Aqui Nós queremos apenas lembrar essas múltiplas obras de
zelo, empreendimentos para o bem da Igreja, da sociedade e dos indivíduos,
comumente chamadas pelo nome de Ação Católica».
Infelizmente, os intelectuais pouco familiarizados com as realidades
concretas [8] imaginam que não é necessário cristianizar as sociedades até
em suas instituições políticas, e que basta que se obre no mundo da cultura
e das ideias;que basta o falatório sobre o efêmero, sobre o cultural; que
basta falar com o mundo, mostrar-lhe as coisas e dialogar.
Além da injúria feita aos direito essa obra deve ser realizada no âmbito e
no espírito cristão. Essa necessidade se vê hoje com as questões levantadas
pela obstinação terapêutica, pela eutanásia e pela pesquisa embrionária.
Esse domínio temporal depende diretamente das autoridades civis e
indiretamente das autoridades eclesiásticas, de modo que as autoridades
leigas devem obedecer às regras estabelecidas pela a Igreja no que diz
respeito à fé e moral. Com efeito, segundo São Pio X, o domínio moral «é o
domínio próprio da Igreja»[9]. Ademais, conforme sublinhou São Pio X, a
verdadeira civilização não pode existir senão sobre bases moralmente
saudáveis. Portanto, a verdadeira civilização cristã não pode existir sem a
Igreja.
A Cristandade
Esse entranhamento sobrenatural da ordem individual, social, política,
temporal e espiritual é o que a Igreja fez — graças à colaboração das
autoridades civis — naquilo que se chamou Cristandade e que São Pio X
chamou de civilização cristã.
— Do ponto de vista estritamente religioso, a Igreja se esforçou para
desenvolver a vida sobrenatural:
Pela pregação da fé por meio de catecismo, sermões dominicais, missões
paroquiais e literatura religiosa.
Pela proteção contra a heresia através da vigilância e proibição de
publicações heterodoxas, das condenações, do index, da Santa Inquisição,
etc.
Pelo culto: a missa em cada cidade, o ofício divino cantado e todas as
diversas orações.
Pela fundação de inumeráveis ordens religiosas e monastérios que cobriram
a Europa inteira.
Pela instauração de uma rede de paróquias que trazem a toda a população
o socorro cotidiano e familiar da Igreja.
Pela obra das missões apostólicas.
Pela fundação de terceiras-ordens, que são afiliadas às ordens religiosas.
— Do ponto de vista temporal, a Cristandade não aboliu a natureza. Ela não
suprimiu a família, nem as cidades, províncias ou Estados, nem o trabalho,
nem as classes sociais, nem o poder político, nem a guerra, nem a educação
e nem a cultura.
Longe de suprimi-las, a Cristandade impregnou-as da divina graça:
A família: A Igreja fortificou-a trazendo-lhe uma indissolubilidade mais
firme, abençoando-a e honrando a mulher e mãe de família cristã,
especialmente pelo culto à Virgem Maria.
A cidade:A Igreja estabeleceu a cidade em torno da igreja e do altar e
unificou-a em torno do seu cura. A Igreja ritmou também a vida da cidade
não só com o som dos seus sinos e ofícios divinos, mas também com todo
seu ciclo litúrgico e festas de padroeiros.
O trabalho: Longe de abolir e de exacerbar as desigualdades, ela buscou
permear sua influência sobrenatural nas confrarias corporativas. Ela
inaugurou as festas dos padroeiros e instaurou o espírito cristão nos
costumes e a caridade entre os membros.
As classes sociais:progressivamente, a Igreja suprimiu a escravidão. Por
outro lado, ela abençoou e reforçou os votos de fidelidade para com as
autoridades (os Senhores), ensinando os súditos a verem em seus
superiores como espelhos da autoridade de Deus; e aos superiores ensinou
quais eram seus deveres pelos quais eles iriam prestar contas no tribunal
divino.
O poder político: A Igreja batizou e converteu — não sem dificuldades — as
autoridades políticas. Os nomes de Constantino e Clóvis (para citar apenas
dois) estão para sempre gravados na memória da Igreja. Ela consagrou os
reis para dar-lhes ajuda, uma base e orientação espiritual, ordenando-lhes
a defender a fé e assegurar o bem e a proteção dos seus súditos,
especialmente os pobres e os fracos.
A guerra: A Igreja instaurou a trégua de Deus e insuflou o espírito
autenticamente cavalheiresco.
A educação: A Igreja cobriu a cristandade de escolas anexas às catedrais e
depois de universidades, e ao mesmo tempo salvou de uma perda
irreparável o patrimônio intelectual da Antiguidade.
A cultura: a arte em todas as suas vertentes não somente foi encorajada
como foi cristianizada, elevada à posição de instrumento de culto.
E o que dizer das obras de beneficência feitas pelos hospitais que atendem
aos desvalidos [Hôtels-Dieu], leprosarias e asilos de todos os tipos! Não
acabaríamos nunca de enumerar as obras suscitadas pela Igreja em seu
desejo de restaurar todas as coisas em Cristo Jesus.
Cristianizar as estruturas
Dessa enumeração nos é imposta uma conclusão: a Igreja fundou e
cristianizou as estruturas a fim de melhor cristianizar os indivíduos:
Na ordem propriamente espiritual, a Igreja fundou as estruturas; Ela
sempre teve essa preocupação. Após a passagem dos missionários, seu
primeiro esforço constante foi o de perpetuar o apostolado através da
fundação de paróquias, dioceses, monastérios e ordens religiosas. Por
exemplo, São Bento não teria difundido tanto sua ordem e não continuaria
a difundi-la se não tivesse estabelecido estruturas e uma regra. Ele
perenizou sua obra por meio de uma regra.
Na ordem temporal, a Igreja suscita e cristianiza as estruturas. Ela não se
contenta em marcar culturalmente as pessoas, mas visa batizar as
estruturas. Esse foi o erro do Sillon, do modernismo, de Maritain e de todos
os liberais ao pretender que é preciso se contentar com a ordem espiritual
e alcançar os indivíduos sem buscar batizar as estruturas temporais. É um
erro profundo que é condenado pela doutrina e pela prática tradicionais
da Igreja.
Uma outra conclusão se impõe: essas estruturas são multiformes.
Na ordem espiritual a organização da Igreja não é totalitária. Não há o papa
de um lado e logo em seguida o cura da paróquia. Não é um coletivismo
religioso. Não é também um igualitarismo absoluto ou a democracia. Entre
o papa e os curas das paróquias há os bispos. E em cada diocese há
paróquias e obras diocesanas diversas, múltiplas, mais ou menos
independentes umas das outras ou independentes das paróquias, as quais
são da competência dos bispos ou pelo menos de Roma pelas obras
nacionais (arqui-confrarias). Sem esquecer os religiosos e religiosas que
respondem diretamente ao bispo ou ao papa.
Na ordem temporal a Igreja visa cristianizar os corpos intermediários:
cidades e corporações; quando elas são ameaçadas, protegê-las (assim
como na Antiguidade era o papel dos defensores das cidades que tinham
os bispos ameaçados pelos invasores bárbaros); e quando elas são
destruídas, reconstruí-las.
A Ação Católica dos homens do século XXI consiste então em buscar e
proteger a cristianização das estruturas, dos corpos intermediários
existentes e em recriar os corpos intermediários onde eles não existirem.
Entretanto, antes de prosseguirmos e expor os meios para alcançar isso, é
preciso fornecer dois outros princípios essenciais da Ação Católica: as
«relações que todas as obras da ação católica devem ter com a autoridade
eclesiástica»[11] e o caráter confessional dessas obras (isto é, se elas
devem confessar absolutamente a fé católica).
OS PRINCÍPIOS DA AÇÃO
CATÓLICA – PARTE 2/4
Publicado em 27/10/2017
Pelo
Pe. François-Marie Chautard
Fonte: Le Chardonnet nº 260 – Tradução: Dominus Est
No artigo anterior foram evocados os objetivos assim como os três
princípios da ação católica tais como o Magistério nos deu em seus
ensinamentos:
O objetivo da ação católica é contribuir para a instauração do Reino de
Jesus Cristo nos indivíduos, nas famílias e nas sociedades.
Esses três primeiros princípios[1] da ação católica são os seguintes:
A ação católica deve se adaptar à ordem natural e impregná-la da graça.
Em poucas palavras, ela deve cristianizar a ordem das coisas.
Sendo a natureza do homem sociável, a ação católica deve impregnar sem
destruir toda a vida social e política do homem, ou seja, cristianizar os
corpos intermediários e, finalmente, todas as instituições sociais e
políticas.
Sendo dupla a natureza das obras humanas — temporal e espiritual —, os
princípios da ação católica variam de acordo com esses dois modos. E esses
princípios engendram outros:
Embora seja
de natureza temporal, a pesquisa médica não escapa, assim como outras
disciplinas, ao direito de controle da Igreja.
Colocados esses princípios, podemos medir a amplitude e a extensão dos
poderes da Igreja na Cidade: na medida em que a ação católica visa
cristianizar as estruturas e os indivíduos, ela tende a um objetivo tanto
espiritual como temporal. Ela não é então puramente temporal, e portanto
deve estar sujeita à hierarquia, ou seja ao direito comum da Igreja, aos
bispos. Tudo isso está alias nitidamente exposto por São Pio X:
«Resta-nos, Veneráveis irmãos, tratar de uma outra questão da maior
importância: a relação que todas as obras da ação católica devem ter com
a autoridade eclesiástica.
Se se considerar bem as doutrinas que Nós desenvolvemos na primeira
parte da Nossa Encíclica, concluir-se-á facilmente que todas as obras que
vêm diretamente ao encontro do ministério espiritual e pastoral da Igreja,
e que por conseguinte se propõem a um fim religioso, visam diretamente o
bem das almas e devem em todos os seus detalhes estarem subordinadas à
autoridade da Igreja e, portanto, igualmente à autoridade dos bispos, que
foram estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a Igreja de Deus nas
dioceses em que lhes foram confiados.
Mas, mesmo as outras obras que, conforme dissemos, são especialmente
fundadas para restaurar e promover em Cristo a verdadeira civilização
cristã, e que constituem no sentido mais alto a ação católica, não podem de
maneira alguma serem concebidas independentes do conselho e da alta
direção da autoridade eclesiástica, especialmente porque todas elas devem
se conformar aos princípios da doutrina e da moral cristã; e menos ainda é
possível concebê-las em oposição mais ou menos aberta à essa mesma
autoridade.
É certo que tais obras, dada sua natureza, devem se mover com a liberdade
que lhes razoavelmente convém, pois é sobre elas mesmas que recairá a
responsabilidade das suas ações, sobretudo nos assuntos temporais e
econômicos, assim como naqueles da vida pública, administrativa ou
política — todas elas alheias ao ministério puramente espiritual. Mas uma
vez que os católicos carregam sempre o estandarte de Cristo, por isso
mesmo eles carregam o estandarte da Igreja; e é portanto razoável que eles
recebam-no das mãos da Igreja, que o guarda para que sua honra seja
sempre imaculada, e que à ação dessa vigilância maternal os católicos
submetam-se como filhos dóceis e afetuosos.
Daí fica manifesto o quão errado estavam aqueles que, embora poucos,
aqui na Itália e sob Nossos olhos, quiseram se encarregar de uma missão
que não haviam recebido nem de Nós e nem de qualquer um dos nossos
Irmãos do episcopado; e que se puseram à cumpri-la não somente sem o
devido respeito à autoridade, mas até mesmo indo abertamente contra a
vontade dela, buscando legitimar sua desobediência por meio de
distinções fúteis. Eles diziam, ainda assim, que levavam um estandarte com
o nome de Cristo; mas tal estandarte não poderia ser de Cristo, pois eles
não traziam consigo a doutrina do Divino Redentor, de modo que aplicam-
se aqui essas palavras: “O que a vós ouve, a mim ouve: e o que a vós
despreza, a mim despreza” [Luc. 10, 16]; “O que não é comigo, é contra
mim; e o que não colhe comigo, desperdiça” [Luc. 11, 23]. Essa é uma
doutrina de humildade, submissão e respeito filial»[5].