Português – 11ºano
CESÁRIO VERDE
“Eu não sou como muitos que estão no meio de um grande ajuntamento de gente completamente
isolados e abstratos. A mim o que me rodeia é o que me preocupa...”
-Cesário Verde-
“Ao entardecer, debruçado pela janela, / E sabendo de soslaio que há campos em frente, / Leio até
me arderem os olhos / O livro de Cesário Verde... / Que pena que tenho dele! Ele era um camponês /
que andava preso em liberdade pela cidade...”
-Alberto Caeiro-
“Nesta cidade, onde agora me sinto / mais estrangeiro do que os gatos presas; / nesta Lisboa, onde
mansos e lisos / os dias passam a ver as gaivotas, / e a cor dos jacarandás floridos / se mistura à do
Tejo, em flor também, / só o Cesário vem ao meu encontro, / me faz companhia, quando de rua em
rua/ procuro um rumor distante / de passos ou aves, nem eu sei já bem.”
-Eugénio de Andrade-
A poesia de Cesário Verde é a de um artista plástico, enamorado do
concreto, que deambula pela cidade ou pelo campo e descreve de modo
vivo e exato as suas experiências. Esta objetividade da sua obra poética não
impede todavia a expressão de ideias e sentimentos que o definem: o
amor pela atividade útil, saudável, o respeito pela ciência positiva do seu
tempo, a confiança no progresso, a solidariedade com os humildes, vítimas
de injustiças sociais.
A expressão da realidade objetiva é, contudo, extremamente
conotativa; apesar do poeta se empenhar no real, a visão subjetiva é
marcante, há uma linguagem segunda a sugerir as impressões íntimas que
tais realidades suscitam na sua alma. Em muitos dos seus poemas assiste-
se à passagem constante do objetivo para o subjetivo. Assim, a poesia de Cesário Verde, se é
expressão do real exterior, é-o também de conteúdo psíquico. Muito embora não tenha a pretensão
de trazer fotografias da realidade para a literatura, o poeta deseja reduzir ao mínimo a interpretação
subjetiva dessa realidade.
Verificamos assim que, se a obra de Cesário Verde tem marcas de realismo, ela desvia-se um
pouco dos parâmetros desta estética aproximando-se dos processos impressionistas existindo uma
concordância entre as ideias e a forma de as exprimir. As palavras transformam-se em luz e cor,
sugerindo pinturas. O real concreto, os mínimos pormenores têm interesse enquanto passíveis de
Português – 11ºano
transmitir perceções sensoriais. Daí o poeta ter construído quadros de grande expressividade com
realidades aparentemente insignificantes.
A ATMOSFERA SOCIAL E CULTURAL DO SÉC. XIX NA POESIA DE CESÁRIO VERDE
Cesário Verde escreve numa época de contradições e conflitos em que a realidade circundante
sofre uma nítida decadência física e social. Tentativas de industrialização nos centros urbanos ou a
estagnação social da época da Regeneração, são fatores que se traduzem na obra do poeta numa
atmosfera de pessimismo, desencanto e consequente ânsia de evasão. O poeta viveu entre 1855 e
1886. Ideologicamente, ele vê-se rodeado de tentativas de superar a decadência e a debilidade da
sociedade: a geração de 70, movimentos republicanos, ideologias como o positivismo e o socialismo
proudhoniano, são fatores que decerto influenciaram a obra do poeta.
Por um lado, temos a revelação do real como ele se apresenta à observação e sob a forma de
denúncia social. Para tal o poeta sente a necessidade de apurar os sentidos; por outro lado temos as
manifestações emotivas do sujeito lírico que têm a ver com a existência sensível do “eu de luneta de
uma lente só” que dá ocasião a uma “visão de artista” condicionada por fatores como “luz do sol”,
“aromas”, “fumos”.
O facto de se apelidar Cesário Verde de realista deve-se, em grande medida, à evolução estilística
e temática que a sua obra revela, acentuada pela bipartição em “crise romanesca” e “naturais”. Na
segunda parte predominam composições que explícita ou implicitamente revelam uma tensão
dialética entre a cidade e o campo. A atmosfera conflituosa dos centros urbanos suscita no poeta a
necessidade de denunciar na sua “poesia prosaica” o ambiente corrupto, desvitalizado e tóxico da
cidade em oposição à simplicidade pacífica e salutar do campo.
No “Sentimento de um Ocidental”, Cesário socorre-se constantemente de uma imagística
estranha ao mundo citadino: foge, ora para o passado “Evoco então as crónicas navais...” ora para o
futuro, arquitetando-o a seu gosto “Esqueço-me a prever castíssimas esposas...”. A cidade, neste
poema, é um pretexto para se fugir dela.
“Pintor nascido poeta”, Cesário Verde é um daqueles artistas para quem o mundo externo conta
de modo primacial - e as suas emoções poéticas só atingem plena expressão quando “aquecidas”
pela visão pictórica onde o elemento cor é fundamental. Os seus melhores poemas propõem sempre
“quadros” já delimitados, em que parece ter havido uma seleção prévia e rigorosa.
Português – 11ºano
A CIDADE E O CAMPO
Cesário Verde canta o quotidiano não só da cidade de Lisboa mas também do campo onde viveu
na sua infância. Para escapar à limitação da cidade, encontra uma identificação ativa e concreta com
o campo: um espaço onde os trabalhadores e as atividades são parte integrante e com quem o poeta
se identifica como vemos no poema “Em Petiz” e “Nós”.
O contraste cidade/campo é assim um dos temas fundamentais da poesia de Cesário Verde e
revela-nos o seu amor ao rústico e ao natural por oposição a um certo repúdio pelo urbano. No
entanto, se há poemas onde o poeta transmite uma certa atração pela cidade como em
“Cristalizações” ou mesmo em “Num Bairro Moderno”, outros há em que a cidade se revela
verdadeiramente opressiva como nos quatro poemas do “Sentimento de Um Ocidental” em que ela
lhe “desperta um desejo absurdo de sofrer” com a sua “cor monótona e londrina”, o céu baixo, os
becos, “as construções iguais, direitas”, que sufocam e aprisionam. Nos poemas da cidade surgem,
no entanto, referências ao campo como o cabaz da vendedeira de legumes surrealisticamente
transformado numa figura feminina, representando a natureza, “não se ouve o choro de uma nora”,
“as notas pastoris de uma longínqua flauta”. Mas é no poema “Nós” que Cesário Verde se revela
apaixonado pelo campo, elogiando-o por oposição à cidade maléfica onde grassa a doença num
ambiente de inferno por oposição à “vida pletórica, potente” que brota no campo, o “salutar refúgio”
para onde vai toda a família. É no campo que o poeta encontra a sua energia perdida daí a ligação
com o mito de Anteu que caracteriza o novo vigor que se manifesta quando há um reencontro com a
origem, com a mãe-terra, como se pode verificar no poema “Num Bairro Moderno” quando ele
recebe a “força, a alegria, a plenitude” através do contacto com a vendedeira.
Cesário era, na verdade, “um camponês preso em liberdade pela cidade”.
O REAL E O CONCRETO
Na poesia de Cesário Verde nota-se um enorme interesse pelo real, cujas impressões tenta captar.
Procura constantemente as imagens concretas a fim de reconstituir a realidade. São coisas simples
que ele observa com um olhar de artista, a cada instante, nas suas deambulações.
Cesário Verde, embora se sinta atraído pelo campo, é um poeta sensível a todas as pulsações da
cidade, onde encontramos a sua preocupação quase febril em captar e traduzir o real quotidiano e,
como poeta parnasiano, observa o exterior, as ruas, as pessoas, os cheiros, os ruídos, os movimentos,
pintando-os com cores e formas como se de um quadro se tratasse. Efetivamente, tem em si a
capacidade de poetizar o real visionando as situações do dia-a-dia “mesmo quando desce para o
emprego/com as tonturas de uma apoplexia”, através de uma atenção permanente ao que o rodeia
chegando à minúcia de observar “os papéis pintados” e o “reluzir das porcelanas” quando passa
pelas “casas apalaçadas”. Surpreende instantes imersos em luz, fixando a impressão que esses
instantes lhe deixam na sensibilidade no preciso momento em que os vê utilizando então o “pincel”
impressionista.
Português – 11ºano
Podemos facilmente comprovar estas situações no poema “Num Bairro Moderno”, quando retrata
a manhã de Agosto cheia de sol onde a vendedeira “rota, pequenina, azafamada” vem vender os
legumes notando-se “o algodão azul da meia”. Também no poema “Avé-Marias”, situado na zona
ribeirinha, observa o fim da tarde que “se tolda de uma cor monótona e londrina” com a sua
azáfama, o seu movimento de gentes, os que partem “felizes”, os lojistas, os mestres carpinteiros, as
varinas que depois de um trabalho exaustivo nas descargas do carvão se dirigem, “hercúleas,
galhofeiras” para “o bairro onde miam gatos e o peixe podre gera focos de infeção”.
Embora existindo a visão subjetiva, dado que a realidade é interiorizada pelas suas emoções,
Cesário Verde consegue transmitir o real quotidiano multifacetado através das impressões que este
real deixa em si próprio escrevendo-o depois com caneta de artista.
O PARNASIANISMO
Como designação de escola literária, o Parnasianismo deve a sua origem ao título de uma
publicação francesa "Le Parnasse Contemporain"; surgiu e alastrou como reação contra o
Romantismo egocêntrico e sentimentalista.
O Parnasianismo é uma arte impassível, serena, plástica, mera reprodução da realidade em formas
e cores. Tem assim duas características principais: objetividade quanto aos temas e expressão
literária correta e exata quanto à forma. A poesia volta-se para o mundo exterior substituindo os
temas subjetivos por temas objetivos inspirados na vida, na história, na natureza, pondo de parte a
efusão sentimental. No entanto, apesar de retratar os temas como são na realidade, existe sempre a
subjetividade do poeta embora não desfigurada pelo sentimentalismo.
A objetividade dos temas exprime-se em formas nítidas, perfeitas, adequadas, evitando-se os
adornos exagerados (tom declamatório, repetições, pontuação excessiva).
A influência do Realismo revela-se no gosto pela análise, nitidez, precisão, descritivismo.