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Análise do soneto "Tanto de meu estado me acho incerto"
Luís Vaz de Camões foi um poeta renascentista português, nascido
por volta de 1524, em Lisboa, tendo morrido a 10 de junho de 1580. É o maior representante do Classicismo português. A sua obra mais célebre são Os Lusíadas, embora tenha escrito várias outras, bem como poemas que foram posteriormente compilados em 1595, 15 anos após a sua morte, na coletânea Rimas, onde encontramos o texto em estudo, Tanto de meu estado me acho incerto. Este soneto insere-se na corrente renascentista, o Classicismo ou Quinhentismo, e é um exemplo da medida nova, visto que este tipo de composição poética foi importado de Itália nesse período por Sá de Miranda.
Neste texto é abordado o tema da experiência amorosa e o
assunto compreende os efeitos contraditórios que a observação da mulher que ama causa no sujeito poético e o sofrimento amoroso provocado por esse momento. O poema é um soneto, logo é constituído por duas quadras e dois tercetos, num total de 14 versos decassilábicos: Tan/to/de/meu/es/ta/do/me a/cho in/cer/to. A rima é interpolada e emparelhada, com o seguinte esquema rimático: ABBA/ABBA/CDE/CDE. Em todo o texto, a rima é rica, pois as palavras rimantes não pertencem à mesma classe gramatical (“incerto” – adjetivo/ “aperto” – forma verbal), com a exceção dos grupos de versos 9 e 12 e 11 e 14, em que a rima é pobre (“voando” / “ando” – formas verbais). Esta composição pode dividir-se em duas partes. Na primeira, que corresponde às três primeiras estrofes, é descrito o estado de espírito do sujeito poético, caracterizado por sentimentos contraditórios e pelo “desconcerto” (v. 5), pela tristeza, pelo sofrimento. Na última estrofe, que corresponde à segunda parte, descobrimos uma possível causa desse estado de espírito: a observação da mulher amada. Os sentimentos do sujeito poético são tão intensos que se tornam contraditórios (“que em vivo ardor tremendo estou de frio” – v. 2). Ele está em desacordo consigo mesmo e em sofrimento. O “eu” lírico suspeita que o amor, isto é, a observação da sua amada, seja a causa desse conflito interno. Ao longo do soneto, para realçar a inquietação atual e contínua do sujeito poético, são utilizadas antíteses (“ardor” / “frio” – v. 2; “choro” / “rio” – v. 3; “todo abarco” / “nada aperto” – v. 4; “fogo” / “rio” – v. 6). Também com a finalidade de demonstrar a sucessão e a intensidade deles, o poeta recorre a anáforas (“agora espero, agora desconfio/ agora desvario, agora acerto” – vv. 7-8), que mostram igualmente o estado permanente de ansiedade e de sofrimento em que o sujeito poético vive. Como já foi visto noutros textos de Camões, o amor é aproximado a realidades intensas, como os elementos da natureza, para realçar o fervor deste sentimento, como podemos observar no verso 6 (“da alma um fogo me sai, da vista rio”). Nesse verso, assim como no 9, observamos hipérboles, usadas para amplificar o sofrimento do sujeito lírico e para destacar o delírio amoroso do “eu” poético (“estando em terra, chego ao Céu voando”). O desejo de ver e de estar com a mulher que ama é tão forte e o estado de perturbação dele é tão veemente que tem uma perceção contraditória do tempo, criando assim um paradoxo (“nu’hora acho mil anos” – v. 10). A utilização da apóstrofe (“minha senhora” – v. 14) remete para a noção de mulher inatingível, a quem o sujeito poético presta vassalagem. Todos estes sentimentos conflituantes são provocados pelo amor, o que o transforma num sentimento contraditório. Na escrita deste poema, Camões teve influências italianas, de Petrarca e da lírica trovadoresca. Vemos a influência da poesia trovadoresca quando a mulher amada é referida como “minha Senhora” (v. 14). Em grande parte das cantigas de amor galego-portuguesas, assim como no texto, não existe interação entre os dois, somente contemplação da senhora por parte do sujeito poético (trovador), que lhe presta vassalagem sem esperar nada em troca. Também é influência desta forma de literatura o facto de a contemplação da mulher amada ser uma etapa do processo amoroso. Já a influência de Petrarca é mais extensa. Petrarca foi um poeta renascentista italiano em quem Camões se inspirou para descrever a figura feminina dos seus poemas (cujo retrato idealizado vem já das cantigas de amor). Nos seus poemas, o “eu” lírico descreve o desconcerto e o sofrimento provocados pela observação da amada, bem como os efeitos contraditórios do amor, tal como o poeta português faz neste poema. As influências italianas resumem-se ao uso do soneto e do verso decassilábico. Podemos então concluir que o amor, nomeadamente a visão da mulher que ama, perturba o sujeito poético ao ponto de ficar num estado permanente de ansiedade e de sofrimento devido à contradição dos seus sentimentos. Camões relata este acontecimento, embelezando-o e enriquecendo-o de uma maneira única, como nenhum outro poeta português alguma vez conseguiu, mostrando-nos mais uma vez o seu valor e a sua superioridade em relação a todos os outros grandes poetas.