Antropologia Politica Av 1
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Como divisão basilar para todas as outras divisões presentes no sistema social,
a divisão do trabalho se apresenta. Inclusive “a relação política de poder precede e
fundamenta a relação econômica de exploração. Antes de ser econômica, a alienação é
política, o poder antecede o trabalho, o econômico é uma derivação do político, a
emergência do Estado determina o aparecimento das classes” (p.216). É por isso, pois,
que as sociedades primitivas apresentam uma recusa ao trabalho – e, portanto, a
economia –, porque tanto não cabe almejar ser rico entre pobres, como pelo fato de
que o trabalho não vem sozinho, ele traz junto um combo de corrompimento e
destruição da sociedade por intermédio da desigualdade, da hierarquização.
Transitando para a questão do político na sociedade ‘sem lei, sem rei’, sem
governo ou legislação definida, afirma que só existem, feita redução maciça, dois tipos
de sociedade: as que não possuem e as que possuem a figura estatal presente. E é
justamente neste ponto fundamental que se unem. Identifica, pois, duas forças que
aceleraram e ainda aceleram o ritmo da história, a primeira delas sendo a revolução
técnica do neolítico, a segunda, a revolução industrial do século XIX. Assevera,
contudo, que, apesar da transição, por exemplo, do nomadismo ao sedentarismo, que
possibilitou a descoberta e emergência, inclusive de formas do aparelho estatal, a sua
ausência alhures não atesta a incapacidade de determinada reunião de pessoas de
cultivar a terra, tão somente que isso não foi necessário. Todavia, essas transições, de
todo, não resultam em destruição da ordem social, ou, como o autor fala, da essência e
da natureza destas sociedades, só mudam as condições e instrumentos materiais de
existência.
“A história dos povos que têm uma história é, diz-se, a história da luta de classes.
A história dos povos sem história é, dir-se-á com ao menos tanta verdade, a história da
sua luta contra o Estado” (p.234)
Resumo: PRITCHARD, E.E. “Os Nuer do sul do Sudão”. Em: FORTES, Meyer &
EVANS-PRITCHARD,E.E., eds. Sistemas Políticos Africanos. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian. 1981.
Justificam o desvinculo com a Filosofia Política com o fato da mesma não ser um
ramo do conhecimento de observâncias comportamentais ou processuais, é, em via de
regra, normativo, identifica e descreve um devir, não observa e analisa o que é de fato.
Ademais, quando filósofos políticos empreendem uma tentativa de compreender como
as coisas são na realidade, carregam certo caráter evolucionista, haja vista que
recorrem a formas anteriores e ‘rudimentares’ da dinâmica política. Divergente disto, as
antropólogas sociais realizam “estudo científico de instituições políticas” de modo
“indutivo e comparativo” buscando “estabelecer e explicar as uniformidades
encontradas entre elas e as suas interdependências com outros aspectos de
organização social” (p.31)
“Uma das diferenças relevantes entre os dois grupos é o papel desempenhado pelo
sistema de linhagem na estrutura política” (p.33), que, divergente do sistema de
parentesco, corresponde ao “sistema segmentário de grupos de descendência unilinear
e permanente” único que “estabelece unidades corpóreas com funções políticas” (p.33).
E, entre os dois grupos, é no isento de centralização que carrega maior relevância,
tendo papel secundário o parentesco, tanto no A quanto no B.
“É digno de nota que a unidade política nas sociedades com organização estatal
seja numericamente maior que as que não tem uma organização estatal” (p.35).
Contudo, não quer dizer necessariamente que as mesmas devem ser muito pequenas
nem muito largas. Ainda assim, “é possivelmente verdade que haja um limite para o
volume de uma população capaz de se manter unida sem qualquer espécie de governo
centralizado” (p.35). E, ao diferenciar densidade de volume “poderia ser citado como
prova de que uma larga população numa unidade política e um elevado grau de
centralização política não andam necessariamente juntos com a grande densidade”
(p.36).
“Em todas as sociedades descritas neste livro o sistema político tem uma moldura
territorial, mas tem uma função diferente nos dois tipos de organização política” (p.40).
Essa diferença é justificada pela já ressaltada existência ou ausência do aparelho
estatal. Desse modo, nas sociedades estatais, e, sob a noção que um Estado é
concebido no momento em que um conjunto de indivíduos mantêm-se fixos num
determinado território, quem governa atua como “governante territorial” (p.41). Já os
Estados primitivos divergem dessa noção determinista e territorial, inclusive, a própria
“categoria de membro da comunidade local, e os direitos e deveres que a
acompanham, adquire-se, em regra, por meio de laços genealógicos, reais ou fictícios”
(p.41)
O título que leva esse tópico é a característica mais distintiva entre as formas de
governo. Nos de grupo A, um monarca pode usar da força para governança opressora
ou utilizá-la em concordância com o bem comum. Nos de grupo B como não há
centralização ninguém detém a incidência e função da força organizadora em
detrimento dos outros que integram segmentos.
Com comparações desse tipo, o autor busca explicitar que cerimônias do arranjo
‘bacântico’ se faziam comum nas tribos Bantos do Sudeste. Esse arranjo, por sua vez,
corresponde ao papel dominante das mulheres nos rituais e do papel masculino
secundário e subjugado ao primeiro. E que, como primeiro exemplo, trata-se de rito
“aparentemente contra a ordem estabelecida, mas que pretende abençoar tal ordem,
com o fito de conseguir prosperidade” (p.9). Fora do ritual, continuavam vivendo sob o
domínio da sociedade patriarcal, que demandava discrição e obediência, vivendo na
sombra de algum homem, seu pai, marido ou irmão. Em verdade, até mesmo nos
rituais, representavam, quase sempre o maléfico, o ruim. Aliás, até mesmo depois de
mortas, seus espíritos, diferente dos masculinos, continuavam causando o mal a
Zululândia.
Até mesmo a representação que é feita do Céu desenha a figura da mulher como
algo negativo, “eles distinguiam dois tipos de Céu. O primeiro, simbolizado pelo raio em
forma de lâmina, é bom e masculino; o segundo, simbolizado pelo raio em forma de
forquilha, é feminino e perigoso” (p.11). Todavia, existia um espaço para a boa ação
ritual feminina, tornar-se adivinha, que, por ser doença dolorosa, por vezes, levava a
vida da mulher.
“As colheitas, e dessas depende a vida social, dependem elas próprias do ritmo
sazonal e da generosidade e da boa qualidade das estações. A deusa, possuidora do
privilégio de conceder ou impedir uma colheita generosa, liga dessa forma a vida social
ao mundo natural que a cerca” (p.14). Desse modo, a Princesa do Céu assume uma
figura feminina, concedendo a mulher leis e ensinando-as de que modo devem cultivar
a terra.
O autor passa então para a análise de uma cerimônia de nível nacional que
envolve colheita e a realeza, neste, identifica a nitidez da rebelião no processo político.
Doutora Hilda fornece-o informações descritivas sobre o ritual incwala executado pelo
grupo Suazi e que representa uma cerimônia de primeiros frutos. Estes costumavam
ser furtados, e, a sanção do mesmo recaia sobre o roubado, não sobre quem
transgredia o tabu de não comer até que a cerimônia seja oficialmente iniciada.
A própria sanção sobre esse tabu destaca o tema principal do
conflito com o qual estamos lidando. O rei tinha que competir com
seus súditos para "morder o novo ano", cuja entrada se fazia
quando o sol alcançava o trópico. Mas o rei também deve "competir
com o sol" e iniciar a cerimônia antes do solstício. (p.15)
Descreve esta cerimônia com riqueza de detalhes, desde o adorno das cabaças,
e do temperamento (orgulhoso e raivoso) do boi que dá sabor ao ritual, até os cânticos
proferidos. Tudo isto para explicitar a realização de um ritual em prol da renovação de
ciclo anual. Neste empreendimento, ao fim do ritual, o autor evidencia o que seria, sob
sua ótica, um ’trabalho do povo para o reinado’ cujo labor sempre é “empregado o
termo para trabalho sem energia: desconfio que seja um protesto, pelo menos ao nível
do Inconsciente, contra o trabalho para o Estado” (p.18).
Segue, pois, com o resumo da ‘grande cerimônia nacional’ descrita pela Doutora
Kuper, nesta também identifica um sentido ambivalente, característico de rituais de
rebelião, quando o rei provoca amor e ódio. A autora observa duas possíveis
interpretações para o ato, já Gluckman pondera que ambas são corretas, portanto,
tanto se quer a expulsão quanto o retorno do rei, tanto os cânticos quanto os próximos
movimentos dos súditos partícipes do ritual expressam essa nítida ambivalência.
Ademais, as descrições das cerimônias deixam evidente
Concluindo, homenageia mais uma vez Sir James Frazer, quem observou a vida
de reis temporários, cuja existência objetivava a manutenção da unidade social. Pois, o
próprio ritual de rebelião, é visto por Gluckman como ocorrendo no âmbito de uma
ordem social que não está sendo questionada, em verdade, encontra-se muito bem
definida e estabelecida. Todos e todas, como advoga o autor, acreditavam e aceitavam
a ordem social como ela se apresentava. E, mesmo que houvesse conflito social, ele
não deve ser entendido como fomentador da destruição da ordem e estrutura vigente,
mas como item fundamental a existência da mesma. Aliás, “todo sistema social é um
campo de tensões, cheio de ambivalências, cooperações e lutas contrastantes. Isso é
verdade tanto para sistemas sociais (...) estacionários (...) como para sistemas que
mudam e se desenvolvem” (p.24). Logo, em ambos tipos o conflito, segmentação ou
divergências desenvolvem-se de modo a manter a unidade social, por exemplo, do
(bom) reinado.
“O objetivo do NuAP, como definiu Peirano (1998), era partir da “suposição básica de
que a categoria política é sempre etnográfica”. Ao investigar a política legitimada pelos
padrões ocidentais modernos, “deslegitimando pretensões essencialistas,
sociocêntricas e conformistas”, revela-se que a própria percepção da “política” como
uma esfera social à parte de outras esferas é produto dessa ideologia moderna. ”
(P.164)
“Como afirmou Abélès (1997), a antropologia não tem como objetivo criticar as práticas
políticas, mas entender a maneira pela qual as relações de poder emergem numa
situação determinada, adquirindo significado para os atores sociais. Parte sempre do
pressuposto de que a “democracia” é um modelo teórico, e que, portanto, não existe de
forma pura.” (P.165)
“A antropologia pode contribuir nesse debate porque sua principal tarefa é estudar não
o que a política deve ser, mas o que ela é para um determinado grupo, em um contexto
histórico e social específico. Compreender, “do ponto de vista do nativo”, práticas
muitas vezes diferentes daquelas que idealizamos pode gerar incômodo, intelectual ou
cívico, mas um incômodo necessário, pois, como disse Geertz, “se quiséssemos
verdades caseiras, deveríamos ter ficado em casa” (2001, p. 67). ” (P. 166)