Antropologia Politica Av 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA POLÍTICA
PROFESSOR: MAURO CORDEIRO DE OLIVEIRA JUNIOR
ALUNA: CLARA DE ASSIS SOARES NUNES

RESUMO: CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. In: A sociedade


contra o Estado, CLASTRES, Pierre. Editora Cosac Naify, 2014.

Como pode ser observado na perspectiva antro e eurocêntrica (etnocêntrica) de


humanidade, o outro sempre era enxergado pela falta (não pela alteridade), logo,
quando se identifica uma sociedade na ausência de Estado, pressupõe-se que, para
evoluir – e alcançar o alto patamar societário que por acaso é figurado por nós, que nos
orientamos por um sistema social de Estado Moderno – ela precisa superar essa
barreira a sua plenitude e passar a assumir uma organização governamental de poder
centralizado. E por seu cerne evolucionista e antropocêntrico, “dissimula uma opinião,
um juízo de valor, que prejudica então a possibilidade de constituir uma antropologia
política como ciência rigorosa” (p.207)

Na contramão desta concepção de que há uma linha evolutiva de


desenvolvimento a ser seguida por todas as sociedades, sendo a admissão do Estado
o seu fim, Clastres busca contestar esse tipo de abordagem analítica ao advogar que,
boa parte daquilo que é imposto como inferioridade, incapacidade ou qualquer outra
falta nos ditos selvagens e primitivos – quando estes são cotejados ao nosso modo de
gerir a vida – observa que o manejo e forma de organização social, política e
econômica corresponde e atende as necessidades daquele território, tempo e espaço,
com os instrumentos que os mesmos dispõem, que por sua vez, carregam uma
sofisticação de investimento manual.

Desse modo, ‘condenar’ uma sociedade ao primitivo por sua suposta


inferioridade é um argumento que não possui fundamento
[Nem] em direito nem em fato. Nem em direito, porque não existe
escala abstrata pela qual se possam medir as "intensidades"
tecnológicas: o equipamento técnico de uma sociedade não é
diretamente comparável àquele de uma sociedade diferente, e de
nada serve opor o fuzil ao arco. Nem em fato, uma vez que a
arqueologia, a etnografia, a botânica etc. nos demonstram
precisamente a potência de rentabilidade e de eficácia das
tecnologias selvagens. (p.210)
Logo, a problemática que deve orientar a análise dessas sociedades não deve
ser da falta de um instrumento conhecido por nós, mas sim das diferenças que
carregam. Dessa vez tomando a observância da sociedade por ela mesma, não em um
exercício de comparação às sociedades modernas. Todavia, nas expedições e visitas
que eram realizadas, além de evidenciar essa suposta falta, não contentava-se em
registar, como buscavam alterar esse quadro, implementando o que lhes seria a
salvação: a civilização. No caso dos índios, que não tinha um espírito capitalista
weberiano de acúmulo e produção de excedentes, bastando a economia de
subsistência, fizeram-lhe trabalhar, muitos vindo ao óbito por conta disso. A isso o autor
chama de axioma da ‘marcha da civilização ocidental’, da primazia do Estado e da
fundamentabilidade do trabalho.

Motivo de irritação para os colonizadores europeus e portugueses, a ociosidade


das tribos indígenas era superior ao curto tempo de trabalho, seja em horas seja anual.
E, do contrário do que se projeta, a falta de trabalho constante não as condena a
miséria, em verdade, se observa a abundância de recursos alimentares e a boa saúde
dos índios e índias. Produzir excedentes e trabalhar sem necessidade não condiz com
seu tipo de organização, em fato “é sempre pela força que os homens trabalham além
das suas necessidades. E exatamente essa força está ausente do mundo primitivo: a
ausência dessa força externa define inclusive a natureza das sociedades primitivas”
(p.213).

Entendendo essa força externa, coercitiva e generalizada como um fato social


durkheimiano, o autor pontua que, ao demostrar a categorização da antropologia
econômica e política, aquilo que em tese fundamentaria uma antropologia no âmbito
econômico já transita na esfera política. Nesse cenário, o trabalho essencial é aquele
que atende as necessidades energéticas próprias, o que ultrapassa isso é o trabalho
alienado, o uso alienado de tempo e esforço que poderiam ser gastos em festas ou
eventos bélicos. Ademais, quando se produz não para si (objetivo principal da
produção), mas para satisfazer demandas alheias é quando se perde o poderio sobre si
próprio e cai no império da dívida, salvo em casos de trocas recíprocas e igualitárias.
Quando já se pode identificar aquilo que faz a abordagem deixar de ser econômica e
passar a ser política; quando o trabalho é tido como alienado; quando se perde o
objetivo principal da produção é quando a sociedade já deixou de ser primitiva e passou
a ser ordenada pela divisão entre quem produz e aquele que usufrui de poder e da
produção.

Como divisão basilar para todas as outras divisões presentes no sistema social,
a divisão do trabalho se apresenta. Inclusive “a relação política de poder precede e
fundamenta a relação econômica de exploração. Antes de ser econômica, a alienação é
política, o poder antecede o trabalho, o econômico é uma derivação do político, a
emergência do Estado determina o aparecimento das classes” (p.216). É por isso, pois,
que as sociedades primitivas apresentam uma recusa ao trabalho – e, portanto, a
economia –, porque tanto não cabe almejar ser rico entre pobres, como pelo fato de
que o trabalho não vem sozinho, ele traz junto um combo de corrompimento e
destruição da sociedade por intermédio da desigualdade, da hierarquização.

Transitando para a questão do político na sociedade ‘sem lei, sem rei’, sem
governo ou legislação definida, afirma que só existem, feita redução maciça, dois tipos
de sociedade: as que não possuem e as que possuem a figura estatal presente. E é
justamente neste ponto fundamental que se unem. Identifica, pois, duas forças que
aceleraram e ainda aceleram o ritmo da história, a primeira delas sendo a revolução
técnica do neolítico, a segunda, a revolução industrial do século XIX. Assevera,
contudo, que, apesar da transição, por exemplo, do nomadismo ao sedentarismo, que
possibilitou a descoberta e emergência, inclusive de formas do aparelho estatal, a sua
ausência alhures não atesta a incapacidade de determinada reunião de pessoas de
cultivar a terra, tão somente que isso não foi necessário. Todavia, essas transições, de
todo, não resultam em destruição da ordem social, ou, como o autor fala, da essência e
da natureza destas sociedades, só mudam as condições e instrumentos materiais de
existência.

“É então a ruptura política — e não a mudança econômica — que é decisiva”


(p.219). É a esta aparição na cena do sistema social, que configura revolução política,
quem se deve conceber a responsabilidade de destruir a sociedade em sua forma
primitiva, o Estado. Como representante de força externa e coercitiva, seria por
intermédio dela que se conseguiria alterar o quadro e ritmo de produção, uma vez que o
aparelho estatal é visto como capacitador do exercício da violência dominadora e
opressiva. Todavia, para a emergência do mesmo, se é necessário o advento de
classes sociais antagonizadas pela exploração, o autor, tenta – asseverando que esta
visão é frágil por ser meramente instrumental –, pois, identificar o que possibilita o
aparecimento de tal divisão. Não o seria por propriedade privada, ou por motivo de
ordem econômica, pois não se há o desejo de posse, de abundância. Seria impossível,
porque, como a economia, e trabalho, há a recusa ao Estado.

Passa então a descrever as condições para o seu não-aparecimento. Sem fé,


sem lei, sem rei, a visão ocidental dos índios do século XVI é sugerido como capaz de
traduzir as sociedades primitivas. Nesta tribo há um chefe, todavia, o mesmo não
exerce nem representa poder, comando, ordem, dotado, em termos bourdienianos, de
capital simbólico, neste caso, o prestígio, o mesmo é responsável por apaziguar
conflitos que surjam, faz isso por meio da persuasão, de sua capacidade eloquente, e,
se não o conseguir, perde seu prestígio na sociedade. Dispõe de habilidades, além da
retórica, de coordenar operações bélicas, de caça. Entretanto, o mesmo está em função
da sociedade, é ela quem exerce poder sobre ele, nunca sendo tolerado que busque
converter suas habilidades e prestígio em autoridade política.

São raras as tentativas de subverter as relações, acontecem, especialmente em


períodos de guerra, “uma vez as coisas terminadas, e qualquer que seja o resultado do
combate, o chefe guerreiro volta a ser um chefe sem poder, e em nenhuma hipótese o
prestígio decorrente da vitória se transforma em autoridade” (p.225) O risco
(permanente e levado pela ‘força das coisas’) decorre, primeiramente, do gosto dos
índios pela guerra, segundo por ser ela palco que garante e chama por prestígio. Desse
modo, quando o chefe guerreiro, condenado a desejar guerrear para manter acesso
seu prestígio, deixa seus interesses ultrapassarem os da sociedade, ele tenta usurpar
as relações, fazendo a tribo agir como sua vontade, fato nunca aceito pela sociedade.

A morte é o destino do guerreiro, pois a sociedade primitiva é tal


que não permite que a vontade de poder substitua o desejo de
prestígio. Ou, em outros termos, na sociedade primitiva, o chefe,
como possibilidade de vontade de poder, está antecipadamente
condenado à morte. O poder político isolado é impossível na
sociedade primitiva; nela não há lugar, não há vazio que o Estado
pudesse preencher (p.227).
A sociedade primitiva, como lugar próprio do poder, é caracterizada por exercer
um poder pleno sobre tudo que a mesma compõe, minguando toda e qualquer tentativa
de centralizar e fragmentar o poder, como o seria no caso dos chefes-guerreiros, ou no
advento de um Estado, quando se estabelecesse a divisão social de classes. Todo os
seus esforços, quando necessário, voltam-se para fazer manutenção da ordem social
primitiva. Contudo, existe um campo que sua soberania não alcança que é o “domínio
demográfico, domínio regido por regras culturais, mas também por leis naturais, espaço
de desdobramento de uma vida enraizada tanto no social quanto no biológico” (p.229).
Considerando que uma sociedade primitiva funciona melhor quanto menor for o número
de integrantes, o aumento populacional poderia abalá-la. Em vista disso, que a
segmentação de grupos pode ser lida como uma tentativa de barrar a emergência do
Estado, que, em tese, age para unificar.

Possivelmente contraditório a tudo que se advogou neste capítulo, o autor


apresenta os Tupi-Guarani, que, provavelmente, estavam a ponto de constituir uma
forma de organização política semelhante a estatal. A sociedade foi palco do entrave
entre chefes, que almejavam o poder de um rei, e os profetas, que previam a batalha
contra o Um, o Mal, constatação metafísica qual o autor realiza leitura política para
sugerir que este Um é o Estado, que ameaça com divisão de classes, de trabalho, com
alienação, com desigualdades e conflitos todo o sistema social. Conclui ao considerar
que os profetas conseguiram um feito não realizado por chefes-guerreiros, e
relacionando palavra com poder (uso da violência), a palavra profética, como um
comando, dissimula a vontade e discurso do poder, e, talvez, esconda a figura do
déspota.

“A história dos povos que têm uma história é, diz-se, a história da luta de classes.
A história dos povos sem história é, dir-se-á com ao menos tanta verdade, a história da
sua luta contra o Estado” (p.234)

Resumo: PRITCHARD, E.E. “Os Nuer do sul do Sudão”. Em: FORTES, Meyer &
EVANS-PRITCHARD,E.E., eds. Sistemas Políticos Africanos. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian. 1981.

i. O objetivo deste livro


Os autores objetivam fornecer duas coisas, (1) um guia dos princípios e padrões de
organização política, ou seja, dos sistemas políticos africanos e (2) de contribuir com a
“política comparativa” (p. 25)

ii. Uma amostra representativa de sociedades africanas


O mesmo é composto por ensaios, cabendo cada um corresponder à “condensação
de um estudo detalhado do sistema político de um só povo” (p.27), utilizando do treino
em teoria e de melhor abordagem etnográfica, fornecem “um modelo útil pelo qual os
sistemas políticos de outros povos na mesma área podem ser classificados” (p.27).

É frisado que, nas oito sociedades observadas, identifica-se uma “conexão


intrínseca entre a cultura de um povo e sua organização social” (p. 29), todavia, não se
pode, a partir dessa relação, fazer generalizações do tipo que sugerem sociedades que
compartilham de mesmo universo simbólico e cultural carregam mesmo tipo de
organização estrutural política. Podem haver tanto semelhanças culturais entre os
diferentes tipos de estrutura, quanto diferentes manifestações culturais entre os que
adotam estruturas iguais.

Cientes disso, e, nesse empreendimento, buscou-se, sempre que possível, realizar


análise e teorização desvinculada do referencial da Filosofia Política. Acreditam,
inclusive, que os estudiosos poderão extrair conclusões - convertidas em método - do
mesmo tipo.
iii. A filosofia política e a política comparativa

Justificam o desvinculo com a Filosofia Política com o fato da mesma não ser um
ramo do conhecimento de observâncias comportamentais ou processuais, é, em via de
regra, normativo, identifica e descreve um devir, não observa e analisa o que é de fato.
Ademais, quando filósofos políticos empreendem uma tentativa de compreender como
as coisas são na realidade, carregam certo caráter evolucionista, haja vista que
recorrem a formas anteriores e ‘rudimentares’ da dinâmica política. Divergente disto, as
antropólogas sociais realizam “estudo científico de instituições políticas” de modo
“indutivo e comparativo” buscando “estabelecer e explicar as uniformidades
encontradas entre elas e as suas interdependências com outros aspectos de
organização social” (p.31)

iv. Os dois tipos estudados de sistema político

Os tipos de sistemas enquadram-se em duas categorias, tratadas por ‘grupo A’:


aquelas sociedades que possuem um modo de governança baseado – ou que muito se
assemelha – no aparelho estatal e onde há distinções hierárquicas concernentes a
privilégios e status, ou seja, uma sociedade estatal; tratadas por ‘grupo B’: aquelas
sociedades que não possuem um poder administrativo centralizado em instituições
como as judiciais, tampouco têm um distinção nítida por intermédio do poder ou
riqueza, ou seja, Estados primitivos.

Nos estudos do grupo A as problemáticas eram centradas no desenrolar/dinâmica


desse poder ou no capital simbólico de quem o detinha, já quem estudava o grupo B
“foram forçados a considerar o que na ausência de formas explícitas de governo se
podia tomar como constituindo a estrutura política de um povo” (p.32-33).

v. Parentesco na organização política

“Uma das diferenças relevantes entre os dois grupos é o papel desempenhado pelo
sistema de linhagem na estrutura política” (p.33), que, divergente do sistema de
parentesco, corresponde ao “sistema segmentário de grupos de descendência unilinear
e permanente” único que “estabelece unidades corpóreas com funções políticas” (p.33).
E, entre os dois grupos, é no isento de centralização que carrega maior relevância,
tendo papel secundário o parentesco, tanto no A quanto no B.

Desse modo, distinguem três possíveis tipologias de sistema político, no primeiro “a


estrutura política e a organização de parentesco se encontram completamente
fundidos”, no segundo “uma estrutura de linhagem é a moldura do sistema político”
condensador, consistente e autônomo, já no terceiro “a moldura da estrutura política é
uma organização administrativa” (p.34). Sendo assim, num sistema político, o
parentesco possui limitações na união de agentes organizados para manutenção da
coesão social, e a linhagem não o faz tão eficazmente como um sistema de tipo
administrativo.

vi. A influência da demografia

“É digno de nota que a unidade política nas sociedades com organização estatal
seja numericamente maior que as que não tem uma organização estatal” (p.35).
Contudo, não quer dizer necessariamente que as mesmas devem ser muito pequenas
nem muito largas. Ainda assim, “é possivelmente verdade que haja um limite para o
volume de uma população capaz de se manter unida sem qualquer espécie de governo
centralizado” (p.35). E, ao diferenciar densidade de volume “poderia ser citado como
prova de que uma larga população numa unidade política e um elevado grau de
centralização política não andam necessariamente juntos com a grande densidade”
(p.36).

vii. A influência do modo de vida

Para além da densidade e volume, há a relação que toma as condições


socioambientais como elementar à estrutura política tendo em vista que determinam
modos de vida. “Em geral (...) determinam os valores dominantes do povo e influenciam
fortemente as suas organizações sociais, incluindo os seus sistemas políticos” (p. 36-
37). Então, a divisão de riqueza, status e obrigações varia de grupo A para grupo B, a
partir do momento em que em um as funções são exaltadas e suscetíveis a
hierarquização, noutro, como não há essa mesma repartição de atividades
administrativas, o valor não reside no ‘trabalho’ em detrimento de outro trabalho menos
rentável em termos valorativos.

viii. Sistemas políticos compostos e a teoria da conquista

Relacionada ao desenvolvimento das sociedades de ambos grupos, especialmente


as do grupo A, que é uma junção de povos dessemelhantes, os autores indagam: “em
que medida a heterogeneidade cultural de uma sociedade está correlacionada com um
sistema administrativo e a autoridade central” (p.39). Para logo em seguida sugerir que
a diversidade cultural e econômica está diretamente associada a organização política e
estatal, haja vista serem as últimas imprescindíveis para permitir a coexistência da
supracitada diversidade “dentro de um sistema político único” (p.39).

Todavia, fugindo de generalizações, um governo centralizado pode emergir tanto da


diferença quanto em sociedades mais homogêneas, seja cultural ou economicamente
falando. No entanto, é nítido “que a teoria de conquista do Estado primitivo (...) deve
tomar em conta não apenas o modo da conquista e as condições de contato, mas
também as semelhanças e divergências da cultura e do modo de viver dos
conquistadores e conquistado e das instituições políticas de que são portadores e
entram na nova combinação” (p.40).

ix. O aspecto territorial

“Em todas as sociedades descritas neste livro o sistema político tem uma moldura
territorial, mas tem uma função diferente nos dois tipos de organização política” (p.40).
Essa diferença é justificada pela já ressaltada existência ou ausência do aparelho
estatal. Desse modo, nas sociedades estatais, e, sob a noção que um Estado é
concebido no momento em que um conjunto de indivíduos mantêm-se fixos num
determinado território, quem governa atua como “governante territorial” (p.41). Já os
Estados primitivos divergem dessa noção determinista e territorial, inclusive, a própria
“categoria de membro da comunidade local, e os direitos e deveres que a
acompanham, adquire-se, em regra, por meio de laços genealógicos, reais ou fictícios”
(p.41)

x. O equilíbrio de forças no sistema político


“Um sistema político relativamente estável em África apresenta um equilíbrio entre
tendências conflituosas e divergentes” (p.41). Por exemplo, no grupo A existe
implicitamente um acordo para contrabalancear poderes e de suprimir aquele ou aquela
que pareça estar abusando do poder. Agentes políticos como “conselheiros e os
funcionários rituais” (p.43) atuam para manter o “princípio geral de que o poder e a
autoridade devem ser distribuídos” (p.43). Em verdade, “todo aquele que desempenha
funções políticas tem responsabilidades com vista ao bem comum, conforme os seus
direitos e privilégios” (p.43). Em se tratando de arranjos constitucionais, essas
sociedades possuem “apenas uma teoria de governo” (p.45) e, em caso de possível
despotismo exitoso seguido de algum tipo de rebelião, há mera realocação de pessoal,
não de modelo.

Já no grupo B o equilíbrio é feito por e em nome da “linhagem social, não em termos


administrativos” (p.45). Os sistemas políticos são semelhantes entre os segmentos e, “a
série de relações intersegmentárias que constitui a estrutura política é um compromisso
de lealdades locais opostas e de laços rituais de linhagem divergentes” (p.45), então,
ao invés de serem acionados agentes políticos para sanar eventuais conflitos, a
sociedade deve encontrar estabilidade nas próprias relações entre segmentos.

xi. A incidência e função da força organizadora

O título que leva esse tópico é a característica mais distintiva entre as formas de
governo. Nos de grupo A, um monarca pode usar da força para governança opressora
ou utilizá-la em concordância com o bem comum. Nos de grupo B como não há
centralização ninguém detém a incidência e função da força organizadora em
detrimento dos outros que integram segmentos.

xii. Diferenças em resposta ao governo europeu

As distinções delineadas no tópico antecedente evidenciam-se quando relacionadas


“as normas dos governos coloniais “ (p.48). No grupo A há limitações do uso da força
por pressão do colonizador, mesmo que deturpe suas ações, não mais visando
contribuir pelo bem comum, mas por ensejo do colonizador. No grupo B o governo
colonial consegue usurpar o tipo de administração conduzida pelo sistema de linhagem,
fazendo-a entrar em colapso e substituí-la pelo sistema burocrático de tipo centralizado.

xiii. Os valores místicos associados a função política

“Em ambas as sociedades do grupo A e do grupo B os governos europeus podem


impor a sua autoridade, mas em nenhuma delas são capazes de estabelecer laços
morais com o povo sujeito” (p.50). Desse modo um monarca não é um simples
governante, atua como símbolo da unidade social, personificação dos valores
societários. No caso de sociedades sem chefe, as ações dos segmentos são orientadas
pela tradição, mito e seus símbolos. No primeiro grupo o colonizador pode realocar o
rei, no segundo grupo não possui poder de realocar valores. Isto significa que, dentro
da organização política, membros procuram encontrar o sentimento de unidade no rei
ou na tradição compartilhada entre os segmentos, sendo as práticas e o rei valores em
si mesmos.

Em termos funcionalistas-estruturais, os símbolos e práticas simbólicas “tornam o


sistema social [sociedade] intelectualmente tangível e coerente” (p.52), além de tornar o
entorno desse mesmo sistema ocupado por “valores místicos que evocam a aceitação
da ordem social” (p.52). E, não ter conhecimento objetivo sobre isso não é de todo mal,
afinal, se o africano e a africana assim o fizesse, os símbolos “perderiam o poder que
tem sobre ele” (p.53) e ela. Sob a ótica da africana e do africano são “estas
observâncias rituais como uma suprema salvaguarda das necessidades vitais da sua
existência e das relações básicas que edificam sua ordem social” (p.53). Ou seja,
atuam num plano individual quanto coletivo e, por tal, imprescindíveis ao bom
funcionamento político.

Ainda em tempo, os autores afirmam que a relação política, de conteúdo utilitário e


pragmático, seja entre administradores ou de modo ‘vulgar’ entre cidadãs comuns,
possui características materiais e morais, do dever de pagar e a obrigação moral de
compensar, de acordo com os exemplos dados. São essas ações, como parte do corpo
de normas morais e legais, contribuições à continuidade e estabilidade do sistema
social.
xiv. O problema dos limites do grupo político

Concluem a introdução evidenciando que a unidade política está sempre inserida


numa perspectiva maior, que é a própria sociedade. Destarte, como existem muitas
relações que a definem enquanto centro da estrutura, há outras relações que carregam
enorme peso no sistema social, todas com equiparáveis capacidades de unir.

RESUMO: GLUCKMAN, Max 1963. "Rituals of Rebellion in South-East Africa", in:


Gluckman, Max.Order and Rebellion in Tribal Africa, Cohen & West, London, 1963
(reimpressão de
1971), capítulo III, pp. 110-136.
Importante ressalvar, como consta na versão digital desta obra, que a mesma foi
apresentada sob o título, de The Frazer Lecture (A palestra de Frazer), em 1952, e
publicada primeiramente com o título em inglês Rituals of Rebellion in South-East Africa
dois anos depois. E, a própria plataforma digital é um sítio criado para melhorar a
disseminação de escritos antropológicos ao traduzi-los para a língua lusófona.

Logo de início, Max Gluckman, traz um trecho da obra frazeriana O Ramo de


Ouro, que descreve o ritual do rei e também sacerdote que protegia o ramo num
bosque de Nemi, para introduzir-nos no tema central do texto: rituais de rebelião. O
autor, que integra a escola evolucionista, percorreu a história em tempo e espaço,
estudando povos ditos primitivos, para encontrar similitudes em certos costumes que
envolviam o trato da terra e, especialmente, fertilização. Ademais, consegue relacioná-
los com mito e ritos, e, no centro desses rituais identifica um ser endeusado que vinha a
óbito e regressava a vida por intermédio de amor feminino, representando mesmo ciclo
terreno.

Todavia, Frazer simplifica o problema quando só busca pelo fundo padronizado e


intelectual dos supracitados costumes. Gluckman, antropólogo social, dá maior enfoque
aos “componentes sociais” das cerimônias que observou (Bantos do Sudeste, na
Zululândia, Suazilândia e Moçambique). Nestas, observa rituais realizados no período
em que a chuva é incipiente, e, apesar de, em via de regra, serem direcionadas a
figuras masculinas que possuem alta posição social, identifica uma dirigida a uma
deusa. Ademais, ponto que ressalta é a característica que mais se destaca, a de revelar
tensões sociais ao produzirem rituais de rebelião, haja vista que pessoas que, fora
deste momento se apercebem numa posição de subjugação a um poder dominante – a
exemplo da dominação masculina sobre as mulheres – se rebelam nos rituais. Por tal,
Gluckman pretende demonstrar que as mesmas “seguem esquemas tradicionais
estabelecidos e sagrados nos quais são questionadas as distribuições particulares de
poder e não a própria estrutura do sistema. Isso permite protesto institucionalizado,
além de renovar a unidade do sistema de várias e complexas maneiras”. (p.7)

Os Zulu não tinham estabelecido nem o conjunto de deuses a quem cultuavam


muito menos as formas com as quais deveriam fazê-lo. Entretanto reconheciam a
Nomkubulwana, a Princesa do Céu - e o céu, para esse povo era o responsável pelas
manifestações da devastação. A ala feminina de Zululândia que homenageavam a
Princesa do Céu (não mais o fazendo na época em que o autor as estudou),
diferentemente do ‘movimento’ nacional de ritual, comumente dirigido por homens
guerreiros. Com base nos estudos de Padre Bryant pôde assegurar-se que a princesa
caracteriza-se como outra divindade do tipo cereal, também por demandar das
mulheres ‘atos obscenos’ que faziam-na agir e utilizar indumentárias de modo que
representavam tabu na sociedade, no caso, agir e vestir-se como homens.

Com comparações desse tipo, o autor busca explicitar que cerimônias do arranjo
‘bacântico’ se faziam comum nas tribos Bantos do Sudeste. Esse arranjo, por sua vez,
corresponde ao papel dominante das mulheres nos rituais e do papel masculino
secundário e subjugado ao primeiro. E que, como primeiro exemplo, trata-se de rito
“aparentemente contra a ordem estabelecida, mas que pretende abençoar tal ordem,
com o fito de conseguir prosperidade” (p.9). Fora do ritual, continuavam vivendo sob o
domínio da sociedade patriarcal, que demandava discrição e obediência, vivendo na
sombra de algum homem, seu pai, marido ou irmão. Em verdade, até mesmo nos
rituais, representavam, quase sempre o maléfico, o ruim. Aliás, até mesmo depois de
mortas, seus espíritos, diferente dos masculinos, continuavam causando o mal a
Zululândia.
Até mesmo a representação que é feita do Céu desenha a figura da mulher como
algo negativo, “eles distinguiam dois tipos de Céu. O primeiro, simbolizado pelo raio em
forma de lâmina, é bom e masculino; o segundo, simbolizado pelo raio em forma de
forquilha, é feminino e perigoso” (p.11). Todavia, existia um espaço para a boa ação
ritual feminina, tornar-se adivinha, que, por ser doença dolorosa, por vezes, levava a
vida da mulher.

Assim, a mulher Zulu tinha acentuada sua subordinação social e


sua inerente posição ambivalente pelas crenças e práticas
padronizadas de seu povo. Elas potencialmente ameaçavam o mal
por meios rituais. Mas, na prática, além de serem úteis como
principais cultivadoras das roças, eram essenciais para a
sociedade. (p.11)
E, até mesmo na sua função de ‘produzir filhos’, que é de reconhecida
necessidade, se desse à luz a dois meninos, era culpada por criar ameaça a força e
continuidade grupal, pois gerou dois rivais competindo por um único posto. Que é um
exemplo nítido da ambivalência que permeiam os rituais, mito e crenças, habita no
modo como as ações e consequências femininas são tratadas. Além disso, também
quando casavam, deveriam levar em consideração que a ruína (divórcio) de seu
matrimônio afetaria um eventual casamento de seu irmão, quem herdou da família do
cunhado um gado.

“As colheitas, e dessas depende a vida social, dependem elas próprias do ritmo
sazonal e da generosidade e da boa qualidade das estações. A deusa, possuidora do
privilégio de conceder ou impedir uma colheita generosa, liga dessa forma a vida social
ao mundo natural que a cerca” (p.14). Desse modo, a Princesa do Céu assume uma
figura feminina, concedendo a mulher leis e ensinando-as de que modo devem cultivar
a terra.

O autor passa então para a análise de uma cerimônia de nível nacional que
envolve colheita e a realeza, neste, identifica a nitidez da rebelião no processo político.
Doutora Hilda fornece-o informações descritivas sobre o ritual incwala executado pelo
grupo Suazi e que representa uma cerimônia de primeiros frutos. Estes costumavam
ser furtados, e, a sanção do mesmo recaia sobre o roubado, não sobre quem
transgredia o tabu de não comer até que a cerimônia seja oficialmente iniciada.
A própria sanção sobre esse tabu destaca o tema principal do
conflito com o qual estamos lidando. O rei tinha que competir com
seus súditos para "morder o novo ano", cuja entrada se fazia
quando o sol alcançava o trópico. Mas o rei também deve "competir
com o sol" e iniciar a cerimônia antes do solstício. (p.15)
Descreve esta cerimônia com riqueza de detalhes, desde o adorno das cabaças,
e do temperamento (orgulhoso e raivoso) do boi que dá sabor ao ritual, até os cânticos
proferidos. Tudo isto para explicitar a realização de um ritual em prol da renovação de
ciclo anual. Neste empreendimento, ao fim do ritual, o autor evidencia o que seria, sob
sua ótica, um ’trabalho do povo para o reinado’ cujo labor sempre é “empregado o
termo para trabalho sem energia: desconfio que seja um protesto, pelo menos ao nível
do Inconsciente, contra o trabalho para o Estado” (p.18).

Segue, pois, com o resumo da ‘grande cerimônia nacional’ descrita pela Doutora
Kuper, nesta também identifica um sentido ambivalente, característico de rituais de
rebelião, quando o rei provoca amor e ódio. A autora observa duas possíveis
interpretações para o ato, já Gluckman pondera que ambas são corretas, portanto,
tanto se quer a expulsão quanto o retorno do rei, tanto os cânticos quanto os próximos
movimentos dos súditos partícipes do ritual expressam essa nítida ambivalência.
Ademais, as descrições das cerimônias deixam evidente

seu simbolismo mais importante. É possível sentir a atuação das


poderosas tensões que formam a vida nacional (...) não é apenas
uma declaração maciça de união, mas também uma ênfase no
conflito, uma afirmativa de rebelião e rivalidade contra o rei, com
afirmações periódicas de união com o rei e de retirada de poder do
rei. A estrutura política é santificada na pessoa do rei, por ser essa
estrutura a fonte de prosperidade e força que protege a nação
interna e externamente (p.21)
E os rituais como representação simbólica dos modos de vida, explicitam a
crença dos Suazi de que, desse modo, se preservam a unidade e prosperidade do solo
fértil e de toda a comunidade local.

Concluindo, homenageia mais uma vez Sir James Frazer, quem observou a vida
de reis temporários, cuja existência objetivava a manutenção da unidade social. Pois, o
próprio ritual de rebelião, é visto por Gluckman como ocorrendo no âmbito de uma
ordem social que não está sendo questionada, em verdade, encontra-se muito bem
definida e estabelecida. Todos e todas, como advoga o autor, acreditavam e aceitavam
a ordem social como ela se apresentava. E, mesmo que houvesse conflito social, ele
não deve ser entendido como fomentador da destruição da ordem e estrutura vigente,
mas como item fundamental a existência da mesma. Aliás, “todo sistema social é um
campo de tensões, cheio de ambivalências, cooperações e lutas contrastantes. Isso é
verdade tanto para sistemas sociais (...) estacionários (...) como para sistemas que
mudam e se desenvolvem” (p.24). Logo, em ambos tipos o conflito, segmentação ou
divergências desenvolvem-se de modo a manter a unidade social, por exemplo, do
(bom) reinado.

Respondendo ao questionamento dessas cerimônias serem realizadas em


período das primeiras colheitas é simples, a emergência da fartura é sempre motivo de
alívio e festejo, a fome que a antecede é motivo de diversos conflitos. A cerimônia das
mulheres e a do rei são agrícolas e feitas em época de plantio. Remetendo à explicação
sociológica, da relação da coesão com colheitas na cerimônia, dada por Fortes e
Evans-Pritchard, o autor pontua que “se a comunidade quer obter (...) prosperidade (..)
ela deve ter alimentos. Isso (...) é o óbvio. Mas talvez seja menos óbvio acentuar que as
interpretações comunais na procura de alimentos podem entrar em conflito com os
interesses individuais. Pois, para obter comida, os homens necessitam de terras, de
enxadas e de gado; eles precisam de mulheres que cultivem suas roças” (p.30-31).
Estes são aspectos que fomentam conflitos, todavia, quando se vive em comunidade,
quando se mantem matrimônio, quando se cultiva a terra e colhe o que se plantou,
potencializa relações sociais e noções comunitárias que possibilitam laços associativos
que solucionam os conflitos. O maior interesse de toda e de todas as comunidades,
bem como da estrutura é o de manter a ordem social.

Já no tipo ocidental de sociedade, esse tipo de dramatização e encenação de


papeis sociais de modo simplificado não seria possível, tamanha é a diversidade de
grupos que habitam uma mesma nação. Justamente pela heterogeneidade que não
temos rituais desenvolvidos ou frequentes.

FICHAMENTO DIRETO: KUSCHNIR, Karina. “Antropologia e política”.


RBCS, Vol. 22, n. 64.
“A abordagem da política pela antropologia pode ser definida de uma forma simples:
explicar como os atores sociais compreendem e experimentam a política, isto é, como
significam os objetos e as práticas relacionadas ao mundo da política.” (P. 163)

“O interesse da antropologia pela política existe desde os primórdios da disciplina, uma


vez que o estudo de sociedades e relações sociais é estreitamente ligado à temática
das relações de poder” (P. 163)

“Com o avanço da tradição estrutural-funcionalista britânica, no entanto, a política


ganhou espaço, sobretudo nas etnografias realizadas no contexto colonial anglo-
africano.” (P. 163)

“No contexto brasileiro, desenvolveu-se, na década de 1990, um conjunto de trabalhos


autodenominados antropologia da política, que tiveram sua institucionalização mais
importante no Núcleo de Antropologia da Política (NuAP), sediado no Museu Nacional
da UFRJ [...] (P. 164)

“O objetivo do NuAP, como definiu Peirano (1998), era partir da “suposição básica de
que a categoria política é sempre etnográfica”. Ao investigar a política legitimada pelos
padrões ocidentais modernos, “deslegitimando pretensões essencialistas,
sociocêntricas e conformistas”, revela-se que a própria percepção da “política” como
uma esfera social à parte de outras esferas é produto dessa ideologia moderna. ”
(P.164)

“Para a antropologia, é preciso investigar tais trocas dentro do contexto etnográfico em


que ocorrem, buscando a compreensão das relações sociais envolvidas. Em muitos
casos, essa compreensão é fundamental para percebermos que a política opera com
valores da sociedade mais abrangente, tradicionalmente associados a outras esferas
da vida social, como família e religião, mas considerados ilegítimos quando operados
na esfera política. ” (P.165)

“Como afirmou Abélès (1997), a antropologia não tem como objetivo criticar as práticas
políticas, mas entender a maneira pela qual as relações de poder emergem numa
situação determinada, adquirindo significado para os atores sociais. Parte sempre do
pressuposto de que a “democracia” é um modelo teórico, e que, portanto, não existe de
forma pura.” (P.165)

“A abordagem antropológica privilegia técnicas de pesquisa qualitativas, voltadas para a


realização de trabalho de campo com observação participante e entrevistas em
profundidade, freqüentemente produzindo “estudos de casos”.” (P.166)

“A antropologia pode contribuir nesse debate porque sua principal tarefa é estudar não
o que a política deve ser, mas o que ela é para um determinado grupo, em um contexto
histórico e social específico. Compreender, “do ponto de vista do nativo”, práticas
muitas vezes diferentes daquelas que idealizamos pode gerar incômodo, intelectual ou
cívico, mas um incômodo necessário, pois, como disse Geertz, “se quiséssemos
verdades caseiras, deveríamos ter ficado em casa” (2001, p. 67). ” (P. 166)

FICHAMENTO EM RESUMO: MAFEJE, Archie. (1971/2020). A ideologia do


tribalismo. Pontos de interrogação:revista de crítica cultural, 10(2), pp.253-265.

 No artigo, Mafeje analisa o uso dos conceitos de "tribo" e "tribalismo" nas


ciências sociais e antropologia por estudiosos do continente africano.
 Poucos autores podem escrever sobre a África sem mencionar repetidamente o
"tribalismo". Seria este o signo que distingue os continentes? Ou é apenas um
reflexo dos sistemas cognitivos das pessoas que escrevem sobre a África e seus
"convertidos" africanos? É muito difícil separar a realidade objetiva da percepção
subjetiva, quase tão espinhosa quanto a purificação dos conceitos das ciências
sociais de todas as conotações ideológicas.
 O colonialismo europeu, como todas as épocas históricas, trouxe consigo certas
formas de recriar a realidade africana. Ele considerava as sociedades africanas
tribos especiais. Esse método cria algum ponto cego ou viés ideológico que torna
difícil para os associados ao sistema ver essas sociedades sob qualquer outra
luz. Assim, se o tribalismo deve ser entendido como uma peculiaridade da África,
a própria ideologia é de origem particularmente européia.
 O Sul não tem uma palavra para "tribo", mas apenas a palavra "país", "família" e
"linhagem". Em várias circunstâncias, o governo colonial ajudou a criar as
chamadas "tribos" no sentido de comunidades políticas, um processo que
coincidiu e apoiou o interesse dos antropólogos pelas "tribos" e forneceu a base
material e ideológica., de o que hoje chamamos de "tribalismo". Antropólogos e
cientistas sociais anglo-saxões referem-se, em suas sutilezas usuais, a
'precursores' ou 'grupos de referência'.
 Por um tempo, e apesar das mudanças que ocorreram, a maioria dos
antropólogos britânicos permaneceu interessada no estudo das tribos "puras",
ignorando todas as inovações dessas sociedades ao longo do século XX. Na
melhor das hipóteses, eles tratam essas inovações como invasões, tanto
indesejadas quanto periféricas à vida humana real.
 Como a conhecemos hoje, o governo indireto tem consequências econômicas e
políticas muito diretas. De fato, as crenças liberais da maioria dos antropólogos
foram ativadas e eles começaram a lamentar a subsequente “desintegração” das
sociedades tradicionais africanas, perdendo seu “equilíbrio e coesão” inicial.
 Clyde Mitchell publicou um estudo hoje considerado um clássico entre os
antropólogos sobre a dança Kalela. uma dança tribal praticada na região
conhecida como Cinturão de Bronze na África Central. Demonstrando coragem,
Mitchell chegou à surpreendente conclusão de que, longe de ser uma expressão
do tribalismo, a dança Kalela era uma expressão da divisão social e do nível de
prestígio na cidade, e ali, ao contrário do campo, "tribalismo" é apenas um
"catálogo interativo". Esta continua a ser a formulação antropológica padrão,
como visto nos editoriais de Philip Hugh Gulliver e em vários artigos publicados
em seu livro editado Tradition and Transition. change in East Africa, 1969.
 A antropologia clássica definiu uma tribo como "uma comunidade autônoma e
auto-suficiente, praticando uma economia de subsistência com pouco ou
nenhum comércio exterior". Desde então, os antropólogos têm lutado para
decidir se todas as formas de governo na África são tribais ou se algumas se
qualificam como o microcosmo mais respeitável do "estado" ou não.

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