Morte e Vida Severina

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MORTE E VIDA SEVERINA – ROTEIRO

Sinopse + Resumo da obra


O poema dramático "Morte e Vida Severina" é a obra-prima do poeta
pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Escrito entre 1954
e 1955, trata-se de um auto de Natal de temática regionalista. Morte e
Vida Severina retrata a trajetória de Severino, que deixa o sertão
nordestino em direção ao litoral em busca de melhores condições de vida.
Severino encontra no caminho outros nordestinos que, como ele, passam
pelas privações impostas ao sertão. A aridez da terra e as injustiças contra
o povo são percebidas em medidas nada sutis do autor. Assim, ele retrata
o enterro de um homem assassinado a mando de latifundiários. Assiste a
muitas mortes e, de tanto vagar, termina por descobrir que é justamente
ela, a morte, a maior empregadora do sertão. É a ela que devem os
empregos, do médico ao coveiro, da rezadeira ao farmacêutico. Nota, ao
vagar pela Zona da Mata, onde há muito verde, que a morte a ninguém
poupa. Retrata, contudo, que a persistência da vida é a única a maneira de
vencer a morte. No poema, Severino pensa em suicídio jogando-se do Rio
Capibaribe, mas é contido pelo carpinteiro José, que fala do nascimento
do filho. A renovação da vida é uma indicação clara ao nascimento de
Jesus, também filho de um carpinteiro e alvo das expectativas para
remissão dos pecados.

Informativos Gerais
 Relação com os 100 anos de Arapiraca;
 Será uma releitura, tendo em vista as condições
apresentadas;
 Mais de um Severino, pois ele não foi o primeiro, único, e
nem o último a passar pelas adversidades do sertão
nordestino;
 Tempo de apresentação será de 20 a 25 minutos;
 Gravação das falas: 24 e 25 de setembro;
 Dia do projeto: 25 de outubro;
 Iremos encerrar o projeto;
 Pontuação: Será dividido com o projeto de
empreendedorismo.

Personagens e Funções

Roteiro: Maria Clara, Maria Esther, Edvan Victor, Larissa Santos e


André Gustavo;
Cenário e Projeção: André Gustavo, Gabriel Nunes, Samuel
Pereira, Marcelo Henrique, Vinicius Rodrigues e William Gabriel;
Atores e Narradores: Larissa Santos, Yasmin Nascimento, André
Gustavo, Rayane da Silva, Júlia Gabrielly, Isabela Medeiros, Laylla
Beatriz, Waleska Victória, Edvan Victor, Maria Esther, Lucas
Gabriel, Cleiton Matheus, Fernando Kawan, Sarah Moreira,
Marcelo Henrique, Kethillyn Fabiele, Gabrielly Soares e Miguel
Carneiro;
Fundos Musicais e Músicas: André Gustavo, Pedro Lucas, Gabriel
Nunes, Karllos Arthur, Leonardo de Almeida e João Paulo;
Suporte Técnico: Karllos Arthur, Pedro Henrique, André Gustavo,
Samuel Pereira e Miguel Carneiro.
Dança: Williane Nathaly, Maria Eduarda, Alanny Marques, Júlia
Gabrielly, Júlia Maria.
ROTEIRO
Leitura da Sinopse (Antes do inicio da apresentação) – Sem
atuante.

Boa noite, senhoras e senhores. Primeiramente, gostaríamos de


agradecer a presença de todos para prestigiar a nossa
apresentação. Nós, do segundo ano do ensino médio, auxiliados
pelas Professoras Aline Barbosa, Alessandra Reis e (nome da
professora nova), organizamos uma releitura da obra “Morte e
Vida Severina”. Bem, "Morte e Vida Severina" é uma obra de
João Cabral de Melo Neto, publicada em 1955. Trata-se de um
poema dramático que narra a jornada de um, no nosso caso mais
de um, retirante nordestino chamado Severino, que busca uma
vida melhor em meio à seca e à miséria que assola o sertão. A
obra é estruturada como um poema épico e utiliza uma
linguagem rica e seca, refletindo a dura realidade enfrentada
pelos personagens. Através da trajetória de Severino, o poema
aborda temas como a desigualdade social, a luta pela
sobrevivência e a esperança de um futuro melhor. Desejamos a
todos uma ótima noite, e fiquem com a nossa peça!

 TAL ATO IRÁ ACONTECER COM AS CORTINAS AINDA


FECHADAS.

PRIMEIRA CENA – RECITAÇÃO DO POEMA INICIAL (Sem


atuante)
 SEVERINO SOZINHO NO PALCO COMEÇA A RECITAR O
POEMA COM UM SEMBLANTE INDIFERENTE, COMO QUEM
JÁ HAVIA SE ACOSTUMADO COM AS PALAVRAS QUE DIZIA.
 MÚSICA (?) TOCA EM TOM BAIXO ENQUANTO SEVERINO
FALA.

O meu nome é Severino,


não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá pras banda de Morro Santo,
limites de Craíbas.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

 MÚSICA PARA ABRUPTAMENTE


 SEVERINO TOMA UM TOM SÉRIO

Somos muitos Severinos


iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta, (APARECE ATRÁS DELE, UM RAPAZ
JOVEM, MAS COM UMA BENGALA, ANDANDO FRAQUEJADO,
PARA RETRATAR A VELHICE QUE ATACAVA MESMO OS MAIS
NOVOS)
de emboscada antes dos vinte, (DOIS HOMENS, UM COM UMA
ARMA ENQUANTO O OUTRO CORRE PARA FUGIR DA MORTE. O
COM A ARMA ATIRA E O QUE ESTAVA CORRENDO MORRE.
SOM DE BALA AO FUNDO)
de fome um pouco por dia (MULHER, SEMBLANTE TRISTE, COM
UMA CRIANÇA AO LADO E UM PRATO DE COMIDA VAZIO)
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida). (UM HOMEM, UMA MULHER GRÁVIDA E


UMA CRIANÇA APARECEM MANCANDO COM FERIDAS EM SEU
CORPO, SIMBOLIZANDO UMA DOENÇA.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

 OS TÍTULOS DAS CENAS DEVEM FALADOS PELO


NARRADOR (A) (SEM ATUANTE
SEGUNDA CENA - SEVERINO ENCONTRA DOIS HOMENS
CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE (SEM ATUANTES)
CENÁRIO: SERTÃO, OUTRA IMAGEM (AS IMAGENS DEVEM
ALTERNAR A CADA 15 SEGUNDOS, REPRESENTANDO OS
LUGARES QUE SEVERINO ESTÁ PASSANDO)

 OS QUE ESTAVAM NO PALCO, SAEM PELO LADO PARA DAR


ESPAÇO PRA PRÓXIMA CENA
 SEVERINO 1 SAI DE CENA, CORTINAS NÃO FECHAM
 SEVERINO 2 ENTRA JUNTO COM OUTRAS 2 PESSOAS (SEM
ATUANTE), CARREGANDO UMA REDE.

SEVERINO — A quem estais carregando, irmãos das almas, embrulhado


nessa rede? dizei que eu saiba.
PESSOA 1 — A um defunto de nada, irmão das almas, que há muitas horas
viaja à sua morada.
SEVERINO — E sabeis quem era ele, irmãos das almas, sabeis como ele se
chama ou se chamava?
PESSOA 2 — Severino Lavrador, irmão das almas, Severino Lavrador, mas já
não lavra.
SEVERINO — E de onde que o estais trazendo, irmãos das almas, onde foi
que começou vossa jornada?
PESSOA 1 — Onde a caatinga é mais seca, irmão das almas, onde uma
terra que não dá nem planta brava.
SEVERINO — E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte
morrida ou foi matada?
PESSOA 2 — Até que não foi morrida, irmão das almas, esta foi morte
matada, numa emboscada.
SEVERINO — E o que guardava a emboscada, irmão das almas e com que
foi que o mataram, com faca ou bala?
PESSOA 1 — Este foi morto de bala, irmão das almas, mas garantido é de
bala, mais longe vara.
SEVERINO — E quem foi que o emboscou, irmãos das almas, quem contra
ele soltou essa ave-bala?
PESSOA 2 — Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala
voando desocupada.
SEVERINO — E o que havia ele feito irmãos das almas, e o que havia ele
feito contra a tal pássara?
PESSOA 1 — Ter uns hectares de terra, irmão das almas, de pedra e areia
lavada que cultivava.
SEVERINO — Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas que podia ele
plantar na pedra avara?
PESSOA 2 — Nos magros lábios de areia, irmão das almas, os intervalos
das pedras, plantava palha.
SEVERINO — E era grande sua lavoura, irmãos das almas, lavoura de
muitas covas, tão cobiçada?
PESSOA 1 — Tinha somente dez quadras, irmão das almas, todas nos
ombros da serra, nenhuma várzea.
SEVERINO — Mas então por que o mataram, irmãos das almas, mas então
por que o mataram com espingarda?
PESSOA 2 — Queria mais espalhar-se, irmão das almas, queria voar mais
livre essa ave-bala.
SEVERINO — E agora o que passará, irmãos das almas, o que é que
acontecerá contra a espingarda?
PESSOA 1— Mais campo tem para soltar, irmão das almas, tem mais onde
fazer voar as filhas-bala.
SEVERINO — E onde o levais a enterrar, irmãos das almas, com a semente
do chumbo que tem guardada?
PESSOA 2 — Ao cemitério Pio 12, irmão das almas.
SEVERINO — E poderei ajudar, irmãos das almas? vou passar por lá, é
minha estrada.
PESSOA 1 — Bem que poderá ajudar, irmão das almas, é irmão das almas
quem ouve nossa chamada.
SEVERINO — E um de nós pode voltar, irmão das almas, pode voltar daqui
mesmo para sua casa.
PESSOA 2— Vou eu que a viagem é longa, irmãos das almas, é muito longa
a viagem e a serra é alta.

 PESSOA 2 TROCA O APOIO DA REDE COM O SEVERINO, E


ENQUANTO SEVERINO E PESSOA 1 SEGUEM VIAGEM,
PESSOA 2 SEGUE NA DIREÇÃO CONTRÁRIA.

SEVERINO — Mais sorte tem o defunto irmãos das almas, pois já não fará
na volta a caminhada.
PESSOA 1 — O cemitério não cai longe, irmãos das almas, seremos no
campo santo de madrugada.
SEVERINO — Partamos enquanto é noite irmãos das almas, que é o
melhor lençol dos mortos noite fechada.

 AMBOS SAEM DO PALCO PARA QUE A PRÓXIMA CENA SE


INICIE.
TERCEIRA CENA - O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR
POR SEU GUIA, O RIO PERUCABA, CORTOU COM O VERÃO
CENÁRIO: RIO SECO
 SEVERINO SEGUE CAMINHO COM UM TERÇO NA MÃO
SEVERINO 3 - Antes de sair de casa aprendi a ladainha das vilas que vou
passar na minha longa descida. Sei que há muitas vilas grandes, cidades
que elas são ditas sei que há simples arruados, sei que há vilas
pequeninas,
todas formando um rosário cujas contas fossem vilas, de que a estrada
fosse a linha. Devo rezar tal rosário até o mar onde termina, saltando de
conta em conta, passando de vila em vila.
Vejo agora: não é fácil seguir essa ladainha entre uma conta e outra conta,
entre uma e outra ave-maria, há certas paragens brancas, de planta e
bicho vazias, vazias até de donos, e onde o pé se descaminha.
Não desejo emaranhar o fio de minha linha nem que se enrede no pêlo
hirsuto desta caatinga. Pensei que seguindo o rio eu jamais me perderia:
ele é o caminho mais certo, de todos o melhor guia.
Mas como segui-lo agora que interrompeu a descida? Vejo que o
Perucaba, como os rios lá de cima, é tão pobre que nem sempre pode
cumprir sua sina e no verão também corta, com pernas que não
caminham. Tenho que saber agora qual a verdadeira via entre essas que
escancaradas frente a mim se multiplicam.
Mas não vejo almas aqui, nem almas mortas nem vivas vejo somente à
distância o que uma senhorinha. Será que lida pra mim ela teria?

 SEVERINO SAI DO PALCO PARA TROCA DE PERSONAGENS


 O PRÓXIMO SEVERINO ENTRA PELO MESMO LUGAR QUE
O OUTRO SEVERINO SAIU
QUARTA CENA - DIRIGE-SE À MULHER VARRENDO O TERREIRO
QUE DEPOIS, DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ
(MULHER: WALESKA)

 WALESKA COM A VASSOURA VARRENDO O TERREIRO


ENQUANTO O SEVERINO FICA REBERANDO E
PERGUNTANDO
SEVERINO —— Muito bom dia senhora, que nessa janela está sabe dizer
se é possível algum trabalho encontrar?
WALESKA —— Trabalho aqui nunca falta a quem sabe trabalhar o que fazia
o compadre na sua terra de lá?
SEVERINO —— Pois fui sempre lavrador, lavrador de terra má não há
espécie de terra que eu não possa cultivar.
WALESKA —— Isso aqui de nada adianta, poucos existe o que lavrar mas
diga-me, retirante, o que mais fazia por lá?
SEVERINO —— Também lá na minha terra de terra mesmo pouco há mas
até a calva da pedra sinto-me capaz de arar.
WALESKA —— Também de pouco adianta, nem pedra há aqui que amassar
diga-me ainda, compadre, que mais fazias por lá?
SEVERINO —— Conheço todas as roças que nesta chã podem dar o
algodão, a mamona, a pita, o milho, o caroá.
WALESKA —— Esses roçados o banco já não quer financiar mas diga-me,
retirante, o que mais fazia lá?
SEVERINO —— Melhor do que eu ninguém sei combater, quiçá, tanta
planta de rapina que tenho visto por cá.
WALESKA —— Essas plantas de rapina são tudo o que a terra dá diga-me
ainda, compadre que mais fazia por lá?
SEVERINO —— Tirei mandioca de chãs que o vento vive a esfolar e de
outras escalavras pela seca faca solar.
WALESKA —— Isto aqui não é Vitória nem é Glória do Goitá e além da
terra, me diga, que mais sabe trabalhar?
SEVERINO —— Sei também tratar de gado, entre urtigas pastorear gado
de comer do chão ou de comer ramas no ar.
WALESKA —— Aqui não é Surubim nem Limoeiro, Oxalá! mas diga-me,
retirante, que mais fazia por lá?
SEVERINO —— Em qualquer das cinco tachas de um bangüê sei cozinhar
sei cuidar de uma moenda, de uma casa de purgar.
WAESKA —— Com a vinda das usinas há poucos engenhos já nada mais o
retirante aprendeu a fazer lá?
SEVERINO —— Ali ninguém aprendeu outro ofício, ou aprenderá mas o
sol, de sol a sol, bem se aprende a suportar.
WALESKA —— Mas isso então será tudo em que sabe trabalhar? vamos,
diga, retirante, outras coisas saberá.
SEVERINO —— Deseja mesmo saber o que eu fazia por lá? comer quando
havia o quê e, havendo ou não, trabalhar.
WALESKA —— Essa vida por aqui é coisa familiar mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar? sabe cantar excelências, defuntos encomendar? sabe
tirar ladainhas, sabe mortos enterrar?
SEVERINO —— Já velei muitos defuntos, na serra é coisa vulgar mas nunca
aprendi as rezas, sei somente acompanhar.
WALESKA —— Pois se o compadre soubesse rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias, que a freguesia bem dá.
SEVERINO —— Agora se me permite minha vez de perguntar: como
senhora, comadre, pode manter o seu lar?
WALESKA —— Vou explicar rapidamente, logo compreenderá: como aqui
a morte é tanta, vivo de a morte ajudar.
SEVERINO —— E ainda se me permite que volte a perguntar: é aqui uma
profissão trabalho tão singular?
WALESKA —— é, sim, uma profissão, e a melhor de quantas há: sou de
toda a região rezadora titular.
SEVERINO —— E ainda se me permite mais outra vez indagar: é boa essa
profissão em que a comadre ora está?
WALESKA —— De um raio de muitas léguas vem gente aqui me chamar a
verdade é que não pude queixar-me ainda de azar.
SEVERINO —— E se pela última vez me permite perguntar: não existe
outro trabalho para mim nesse lugar?
WALESKA —— Como aqui a morte é tanta, só é possível trabalhar nessas
profissões que fazem da morte ofício ou bazar. Imagine que outra gente de
profissão similar, farmacêuticos, coveiros, doutor de anel no anular,
remando contra a corrente da gente que baixa ao mar, retirantes às
avessas, sobem do mar para cá. Só os roçados da morte compensam aqui
cultivar, e cultivá-los é fácil: simples questão de plantar não se precisa de
limpa, as estiagens e as pragas fazemos mais prosperar e dão lucro
imediato nem é preciso esperar pela colheita: recebe-se na hora mesma
de semear.

SEVERINO —— Pois então tá certo, não vou mais lhe amolar. Estou indo
embora agora e procurar o meu lugar.

 SE DESPEDEM E SEVERINO VAI EMBORA

QUINTA CENA - O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O


FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM INTERROMPER A VIAGEM.

—— Bem me diziam que a terra se faz mais branda e macia quando mais
do litoral a viagem se aproxima. Agora afinal cheguei nesta terra que
diziam. Como ela é uma terra doce para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui têm água vitalícia. Cacimbas por todo lado
cavando o chão, água mina. Vejo agora que é verdade o que pensei ser
mentira Quem sabe se nesta terra não plantarei minha sina? Não tenho
medo de terra (cavei pedra toda a vida), e para quem lutou a braço contra
a piçarra da Caatinga será fácil amansar esta aqui, tão feminina.
Mas não avisto ninguém, só folhas de cana fina somente ali à distância
aquele bueiro de usina somente naquela várzea um bangüê velho em
ruína. Por onde andará a gente que tantas canas cultiva? Feriando: que
nesta terra tão fácil, tão doce e rica, não é preciso trabalhar todas as horas
do dia, os dias todos do mês, os meses todos da vida.
Decerto a gente daqui jamais envelhece aos trinta nem sabe da morte em
vida, vida em morte, severina e aquele cemitério ali, branco de verde
colina, decerto pouco funciona e poucas covas aninha.

SEXTA CENA - ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE


EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O
LEVARAM AO CEMITÉRIO

 SEVERINO OUVE VOZES AO LONGE E AVISTA UMA


PROCISSÃO SEGUINDO O ENTERRO DE UM HOMEM.

LUCAS E CLEITON (PARTE MARCADA TODOS FALAM) —— Essa cova em


que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida.
LUCAS E CLEITON (PARTE MARCADA TODOS FALAM) —— é de bom
tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe neste latifúndio.
LUCAS E CLEITON (PARTE MARCADA TODOS FALAM) —— Não é cova
grande. é cova medida, é a terra que querias ver dividida.
LUCAS E CLEITON (PARTE MARCADA TODOS FALAM) —— é uma cova
grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no
mundo.
LUCAS E CLEITON (PARTE MARCADA TODOS FALAM) —— é uma cova
grande para teu defunto parco, porém mais que no mundo te sentirás
largo.
LUCAS E CLEITON (PARTE MARCADA TODOS FALAM) —— é uma cova
grande para tua carne pouca, mas a terra dada não se abre a boca.
—— Viverás, e para sempre na terra que aqui aforas: e terás enfim tua
roça.
—— Aí ficarás para sempre, livre do sol e da chuva, criando tuas saúvas.
—— Agora trabalharás só para ti, não a meias, como antes em terra alheia.
—— Trabalharás uma terra da qual, além de senhor, serás homem de eito
e trator.
—— Trabalhando nessa terra, tu sozinho tudo empreitas: serás semente,
adubo, colheita.
—— Trabalharás numa terra que também te abriga e te veste: embora
com o brim do Nordeste.
—— Será de terra tua derradeira camisa: te veste, como nunca em vida.
—— Será de terra e tua melhor camisa: te veste e ninguém cobiça.
—— Terás de terra completo agora o teu fato: e pela primeira vez, sapato.
—— Como és homem, a terra te dará chapéu: fosses mulher, xale ou véu.
—— Tua roupa melhor será de terra e não de fazenda: não se rasga nem
se remenda.
—— Tua roupa melhor e te ficará bem cingida: como roupa feita à medida.
—— Esse chão te é bem conhecido (bebeu teu suor vendido).
—— Esse chão te é bem conhecido (bebeu o moço antigo)
—— Esse chão te é bem conhecido (bebeu tua força de marido).
—— Desse chão és bem conhecido (através de parentes e amigos).
—— Desse chão és bem conhecido (vive com tua mulher, teus filhos)
—— Desse chão és bem conhecido (te espera de recém-nascido).
—— Não tens mais força contigo: deixa-te semear ao comprido.
—— Já não levas semente viva: teu corpo é a própria maniva.
—— Não levas rebolo de cana: és o rebolo, e não de caiana.
—— Não levas semente na mão: és agora o próprio grão.
—— Já não tens força na perna: deixa-te semear na coveta.
—— Já não tens força na mão: deixa-te semear no leirão.
—— Dentro da rede não vinha nada, só tua espiga debulhada.
—— Dentro da rede vinha tudo, só tua espiga no sabugo.
—— Dentro da rede coisa vasqueira, só a maçaroca banguela.
—— Dentro da rede coisa pouca, tua vida que deu sem soca.
—— Na mão direita um rosário, milho negro e ressecado.
—— Na mão direita somente o rosário, seca semente.
—— Na mão direita, de cinza, o rosário, semente maninha,
—— Na mão direita o rosário, semente inerte e sem salto.
—— Despido vieste no caixão, despido também se enterra o grão.
—— De tanto te despiu a privação que escapou de teu peito à viração.
—— Tanta coisa despiste em vida que fugiu de teu peito a brisa.
—— E agora, se abre o chão e te abriga, lençol que não tiveste em vida.
—— Se abre o chão e te fecha, dando-te agora cama e coberta.
—— Se abre o chão e te envolve, como mulher com que se dorme.

 SEGUEM PROCISSÃO ATÉ AS COXIAS ENQUANTO


SEVERINO VAI ATRÁS.

SEXTA CENA - O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS


PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE

—— Nunca esperei muita coisa, digo a Vossas Senhorias. O que me fez


retirar não foi a grande cobiça o que apenas busquei foi defender minha
vida de tal velhice que chega antes de se inteirar trinta se na serra vivi
vinte, se alcancei lá tal medida, o que pensei, retirando, foi estendê-la um
pouco ainda.
Mas não senti diferença entre o Agreste e a Caatinga, e entre a Caatinga e
aqui a Mata a diferença é a mais mínima. Está apenas em que a terra é por
aqui mais macia está apenas no pavio, ou melhor, na lamparina: pois é
igual o querosene que em toda parte ilumina, e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça, a vida arde sempre com a mesma chama mortiça.
Sim, o melhor é apressar o fim desta ladainha, o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia é chegar logo a Arapiraca, derradeira ave-maria do
rosário, derradeira invocação da ladainha, Recife, onde o rio some e esta
minha viagem se fina.

 CORTINAS SE FECHAM PARA A MUDANÇA DE CENÁRIO.


 CENÁRIO: FAZER LÁPIDES PARA COMPOR O PALCO E
ARRUMAR 2 PÁS
 SOM: (SE FOR POSSÍVEL) SOM DE PÁ NA TERRA

SÉTIMA CENA - CHEGANDO AO RECIFE O RETIRANTE SENTA-SE


PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE,
SEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIRO

 SEVERINO DESCE DO PALCO E SE SENTA NA FRENTE DELE,


AGACHADO, OUVINDO A CONVERSA DOS COVEIROS.
 ENQUANTO FALAM, OS COVEIROS CAVAM AS LAPÍDES.

COVEIRO 1 —— O dia hoje está difícil não sei onde vamos parar. Deviam
dar um aumento, ao menos aos deste setor de cá. As avenidas do centro
são melhores, mas são para os protegidos: há sempre menos trabalho e
gorjetas pelo serviço e é mais numeroso o pessoal (toma mais tempo
enterrar os ricos).
COVEIRO 2 —— pois eu me daria por contente se me mandassem para cá.
Se trabalhasses no de Casa Amarela não estarias a reclamar. De trabalhar
no de Santo Amaro deve alegrar-se o colega porque parece que a gente
que se enterra no de Casa Amarela está decidida a mudar-se toda para
debaixo da terra.
COVEIRO 1 —— é que o colega ainda não viu o movimento: não é o que se
vê. Fique-se por aí um momento e não tardarão a aparecer os defuntos
que ainda hoje vão chegar (ou partir, não sei). As avenidas do centro, onde
se enterram os ricos, são como o porto do mar não é muito ali o serviço:
no máximo um transatlântico chega ali cada dia, com muita pompa,
protocolo, e ainda mais cenografia. Mas este setor de cá é como a estação
dos trens: diversas vezes por dia chega o comboio de alguém.
COVEIRO 2 —— Mas se teu setor é comparado à estação central dos trens,
o que dizer de Casa Amarela onde não para o vaivém? Pode ser uma
estação mas não estação de trem: será parada de ônibus, com filas de
mais de cem.
COVEIRO 1 —— Então por que não pedes, já que és de carreira, e antigo,
que te mandem para Santo Amaro se achas mais leve o serviço? Não creio
que te mandassem para as belas avenidas onde estão os endereços e o
bairro da gente fina: isto é, para o bairro dos usineiros, dos políticos, dos
banqueiros, e no tempo antigo, dos bangunlezeiros (hoje estes se
enterram em carneiros) bairro também dos industriais, dos membros das
associações patronais e dos que foram mais horizontais nas profissões
liberais.
COVEIRO 2 —— Só pedi que me mandasse para as urbanizações discretas,
com seus quarteirões apertados, com suas cômodas de pedra.
COVEIRO 1 —— Esse é o bairro dos funcionários, inclusive
extranumerários, contratados e mensalistas (menos os tarefeiros e
diaristas). Para lá vão os jornalistas, os escritores, os artistas ali vão
também os bancários, as altas patentes dos comerciários, os lojistas, os
boticários, os localizados aeroviários e os de profissões liberais que não se
libertaram jamais.
COVEIRO 2 —— Também um bairro dessa gente temos no de Casa
Amarela: cada um em seu escaninho, cada um em sua gaveta, com o nome
aberto na lousa quase sempre em letras pretas. Raras as letras douradas,
raras também as gorjetas.
COVEIRO 1 —— Gorjetas aqui, também, só dá mesmo a gente rica, em
cujo bairro não se pode trabalhar em mangas de camisa onde se exige
quepe e farda engomada e limpa.
COVEIRO 2 —— Mas não foi pelas gorjetas, não, que vim pedir remoção: é
porque tem menos trabalho que quero vir para Santo Amaro aqui ao
menos há mais gente para atender a freguesia, para botar a caixa cheia
dentro da caixa vazia.
COVEIRO 2 —— Passo para o dos industriários, que também é o dos
ferroviários, de todos os rodoviários e praças-de-pré dos comerciários.
COVEIRO 1 —— Passas para o dos operário, deixas o dos pobres vários
melhor: não são tão contagiosos e são muito menos numerosos.
COVEIRO 2 —— é, deixo o subúrbio dos indigentes onde se enterra toda
essa gente que o rio afoga na preamar e sufoca na baixa-mar.
COVEIRO 1 —— é a gente sem instituto, gente de braços devolutos são os
que jamais usam luto e se enterram sem salvo-conduto.
COVEIRO 2 —— é a gente dos enterros gratuitos e dos defuntos
ininterruptos.
COVEIRO 1 —— é a gente retirante que vem do Sertão de longe.
COVEIRO 2 —— Desenrolam todo o barbante e chegam aqui na jante.
COVEIRO 1 —— E que então, ao chegar, não tem mais o que esperar.
COVEIRO 2 —— Não podem continuar pois têm pela frente o mar.
COVEIRO 1 —— Não têm onde trabalhar e muito menos onde morar.
COVEIRO 2 —— E da maneira em que está não vão ter onde se enterrar.
COVEIRO 1 —— Eu também, antigamente, fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei que jamais entenderei: essa gente do Sertão que desce
para o litoral, sem razão, fica vivendo no meio da lama, comendo os siris
que apanha pois bem: quando sua morte chega, temos que enterrá-los em
terra seca. —— Na verdade, seria mais rápido e também muito mais
barato que os sacudissem de qualquer ponte dentro do rio e da morte.
COVEIRO 2 —— O rio daria a mortalha e até um macio caixão de água e
também o acompanhamento que levaria com passo lento o defunto ao
enterro final a ser feito no mar de sal.
COVEIRO 1 —— E não precisava dinheiro, e não precisava coveiro, e não
precisava oração e não precisava inscrição.
COVEIRO 2 —— Mas o que se vê não é isso: é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia morre gente que nem vivia.
COVEIRO 1 —— E esse povo de lá de riba de Pernambuco, da Paraíba, que
vem buscar no Recife poder morrer de velhice, encontra só, aqui chegando
cemitério esperando.
COVEIRO 2 —— Não é viagem o que fazem vindo por essas caatingas,
vargens aí está o seu erro: vêm é seguindo seu próprio enterro.

 SEVERINO SOBE DE VOLTA PRO PALCO E AS CORTINAS SE


FECHAM PARA A RETIRADA DAS LAPÍDES.

OITAVA CENA - O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM DOS CAIS


DA PERUCABA
 CENÁRIO: ALGUNS METROS DE TNT (NÃO ESPECIFICADO
QUANTO) PARA REPRESENTAR O RIO.

—— Nunca esperei muita coisa, é preciso que eu repita. Sabia que no


rosário de cidade e de vilas, e mesmo aqui em Arapiraca ao acabar minha
descida, não seria diferente a vida de cada dia: que sempre pás e enxadas
foices de corte e capina, ferros de cova, estrovengas o meu braço
esperariam.
Mas que se este não mudasse seu uso de toda vida, esperei, devo dizer,
que ao menos aumentaria na quartinha, a água pouca, dentro da cuia, a
farinha, o algodãozinho da camisa, ao meu aluguel com a vida. E
chegando, aprendo que, nessa viagem que eu fazia, sem saber desde o
Sertão, meu próprio enterro eu seguia. Só que devo ter chegado adiantado
de uns dias o enterro espera na porta: o morto ainda está com vida.
A solução é apressar a morte a que se decida e pedir a este rio, que vem
também lá de cima, que me faça aquele enterro que o coveiro descrevia:
caixão macio de lama, mortalha macia e líquida, coroas de baronesa junto
com flores de aninga, e aquele acompanhamento de água que sempre
desfila (que o rio, aqui no Recife, não seca, vai toda a vida).

 PERTO DE FINALIZAR A CENA, APARECE UM HOMEM


PRÓXIMO AO RIO.

NONA CENA - APROXIMA-SE DO RETIRANTE O MORADOR DE


UM DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA
DO RIO

SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, que habita este lamaçal, sabes
me dizer se o rio a esta altura dá vau? sabe me dizer se é funda esta água
grossa e carnal?
HOMEM —— Severino, retirante, jamais o cruzei a nado quando a maré
está cheia vejo passar muitos barcos, barcaças, alvarengas, muitas de
grande calado.
SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, para cobrir corpo de homem não
é preciso muito água: basta que chega o abdome, basta que tenha fundura
igual à de sua fome.
HOMEM —— Severino, retirante pois não sei o que lhe conte sempre que
cruzo este rio costumo tomar a ponte quanto ao vazio do estômago, se
cruza quando se come.

SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, e quando ponte não há? quando
os vazios da fome não se tem com que cruzar? quando esses rios sem água
são grandes braços de mar?
HOMEM —— Severino, retirante, o meu amigo é bem moço sei que a
miséria é mar largo, não é como qualquer poço: mas sei que para cruzá-la
vale bem qualquer esforço.
SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, e quando é fundo o perau?
quando a força que morreu nem tem onde se enterrar, por que ao puxão
das águas não é melhor se entregar?
HOMEM —— Severino, retirante, o mar de nossa conversa precisa ser
combatido, sempre, de qualquer maneira, porque senão ele alarga e
devasta a terra inteira.
SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, e em que nos faz diferença que
como frieira se alastre, ou como rio na cheia, se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?
HOMEM —— Severino, retirante, muita diferença faz entre lutar com as
mãos e abandoná-las para trás, porque ao menos esse mar não pode
adiantar-se mais.
SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, que lhe pergunte permita: há
muito no lamaçal apodrece a sua vida? e a vida que tem vivido foi sempre
comprada à vista?
SEVERINO —— Severino, retirante, sou de Nazaré da Mata, mas tanto lá
como aqui jamais me fiaram nada: a vida de cada dia cada dia hei de
comprá-la.
HOMEM —— Seu José, mestre carpina, e que interesse, me diga, há nessa
vida a retalho que é cada dia adquirida? espera poder um dia comprá-la
em grandes partidas?
HOMEM —— Severino, retirante, não sei bem o que lhe diga: não é que
espere comprar em grosso tais partidas, mas o que compro a retalho é, de
qualquer forma, vida.
SEVERINO —— Seu José, mestre carpina, que diferença faria se em vez de
continuar tomasse a melhor saída: a de saltar, numa noite, fora da ponte e
da vida?

DÉCIMA CENA - UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O


HOMEM, ANUNCIA-LHE O QUE SE VERÁ
MULHER —— Compadre José, compadre, que na relva estais deitado:
conversais e não sabeis que vosso filho é chegado? Estais aí conversando
em vossa prosa entretida: não sabeis que vosso filho saltou para dentro da
vida? Saltou para dento da vida ao dar o primeiro grito e estais aí
conversando pois sabeis que ele é nascido.

DÉCIMA PRIMEIRA CENA - APARECEM E SE APROXIMAM DA


CASA DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS CIGANAS, ETC

CIGANA 1 —— Todo o céu e a terra lhe cantam louvor. Foi por ele que o
Rio Perucaba não elevou.
CIGANA 2 —— Foi por ele que o rio fez parar o seu motor: a lama ficou
coberta e o mau-cheiro não voou.
CIGANA 1 —— E a alfazema do sargaço, ácida, desinfetante, veio varrer
nossas ruas enviada do rio distante.
CIGANA 2 —— E a língua seca de esponja que tem o vento terral veio
enxugar a umidade do encharcado lamaçal.
CIGANA 1 —— Todo o céu e a terra lhe cantam louvor e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
CIGANA 2 —— Cada casebre se torna no mocambo modelar que tanto
celebram os sociólogos do lugar.
CIGANA 1 —— E a banda de maruins que toda noite se ouvia por causa
dele, esta noite, creio que não irradia.
CIGANA 2 —— E este rio de água, cega, ou baça, de comer terra, que
jamais espelha o céu, hoje enfeitou-se de estrelas.

DÉCIMA SEGUNDA CENA - FALAM AS DUAS CIGANAS QUE


HAVIAM APARECIDO COM OS VIZINHOS
CIGANA 2 —— Atenção peço, senhores, para esta breve leitura: somos
ciganas do Egito, lemos a sorte futura. Vou dizer todas as coisas que desde
já posso ver na vida desse menino acabado de nascer: aprenderá a
engatinhar por aí, com aratus, aprenderá a caminhar na lama, como
goiamuns, e a correr o ensinarão o anfíbios caranguejos, pelo que será
anfíbio como a gente daqui mesmo. Cedo aprenderá a caçar: primeiro,
com as galinhas, que é catando pelo chão tudo o que cheira a comida
depois, aprenderá com outras espécies de bichos: com os porcos nos
monturos, com os cachorros no lixo. Vejo-o, uns anos mais tarde, na ilha
do Maruim, vestido negro de lama, voltar de pescar siris e vejo-o, ainda
maior, pelo imenso lamarão fazendo dos dedos iscas para pescar camarão.
CIGANA 1 —— Atenção peço, senhores, também para minha leitura:
também venho dos Egitos, vou completar a figura. Outras coisas que estou
vendo é necessário que eu diga: não ficará a pescar de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu de dizer todas as linhas não pensem que a vida
dele há de ser sempre daninha. Enxergo daqui a planura que é a vida do
homem de ofício, bem mais sadia que os mangues, tenha embora
precipícios. Não o vejo dentro dos mangues, vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama, é graxa de sua máquina, coisa mais limpa que a
lama do pescador de maré que vemos aqui vestido de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem que em sua vida tudo é triste, vejo coisa que
o trabalho talvez até lhe conquiste: que é mudar-se destes mangues daqui
do Capibaribe para um mocambo melhor nos mangues do Beberibe.

DÉCIMA TERCEIRA CENA - O CARPINA FALA COM O RETIRANTE


QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR PARTE DE NADA

HOMEM —— Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem
a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e
da vida nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil
defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê,
severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a
respondeu com sua presença viva.
E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente,
se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida mesmo
quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida como a de há
pouco, franzina mesmo quando é a explosão de uma vida severina.

DÉCIMA QUARTA CENA - CELEBRAÇÃO DE ARAPIRACA

Os três Severinos entram em cena, formando um triângulo no


centro do palco, iluminados por um feixe de luz. O ambiente é
carregado de emoção e reverência. O som de uma sanfona toca
suavemente ao fundo.

SEVERINO 1-- Nosso nome é Severino, não temos outro de pia.


SEVERINO 2-- Nosso nome é Severino, nosso destino é a via.
SEVERINO 3-- Nosso nome é Severino, em luta é que a gente se
cria.

Os Severinos falam em uníssono, as vozes se entrelaçando.

SEVERINOS (juntos)-- E entre a terra e o céu, em Arapiraca, eu


sou.
Seja na dor ou na alegria, todos somos um só.

Uma luz suave ilumina o fundo do palco, mostrando imagens de


Arapiraca: a feira, o povo, as paisagens.
SEVERINO 1-- Cem anos de história, de luta e de amor,
SEVERINO 2-- Arapiraca, terra de resistência,
Nela, a vida se levanta mesmo na dor.

SEVERINO 3-- Seja no sol escaldante ou na chuva que cai,


Nossos sonhos são raízes que nunca se vão.
E aqui, cada lágrima é semente que sai.

Os Severinos olham para o público, os olhos brilhando,


carregados de emoção.

SEVERINOS (juntos)-- Aqui, a vida e a morte se entrelaçam,


Na esperança e na dor, é o amor que nos abraça.

SEVERINO 1-- Arapiraca é nossa mãe, que nos dá voz,


SEVERINO 2-- Nela, o canto do povo ecoa,
SEVERINO 3-- E em cada canto, a força se renova.

Os três levantam as mãos, unindo-se em um gesto de celebração


e esperança.

SEVERINOS (juntos)-- Em cada esquina, um sonho, em cada casa,


um lar,
Nessa terra de todos, não há como escapar.
Severinos de Arapiraca, unidos a lutar.
Com essa declaração, os Severinos se entreolham e, juntos,
declamam em harmonia:

SEVERINOS (juntos)-- Meu nome é Severino, e é por isso que


estou aqui,
Para lembrar que, mesmo nas sombras,
É a vida que nos faz existir.

Enquanto a música se intensifica, o palco se enche de luz,


refletindo a força e a beleza de Arapiraca. Todos os personagens
se juntam aos Severinos, formando um grande círculo de união
e celebração.

Fim da peça.

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