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Introdução
Como se sabe, a Reforma Protestante completou em 2017 seus 500 anos,
mantendo sua presença em nível original, estando representado pelas Igrejas
Protestantes Históricas e também através de desdobramentos, dos quais, a
Congregação Cristã no Brasil é uma destes. Portanto, seu fundador, Louis
Francescon, antes de iniciar sua trajetória no pentecostalismo, era presbiteriano de
origem, assim, levando com ele parte de suas crenças, para a Igreja fundou, no final
da primeira década do século XX.
A proposta desta comunicação aborda esta que é a primeira denominação
pentecostal brasileira, cujos elementos da teoria calvinista estão presentes em seus
paradigmas, no estilo de vida e visão de mundo, sobretudo, aqueles voltados à
predestinação. A abordagem tem como referencial principal reflexões weberianas,
mas conta com perspectivas de autores contemporâneos que tratam o assunto e,
assim, construirmos um comparativo entre o clássico e as novas abordagens. Mas,
nada melhor do que iniciarmos por alguns pensamentos de figuras centrais do
movimento reformista.
Quando pensamos a Reforma a partir de Lutero e sua perspectiva de “vocação”
ou de Calvino e sua visão sobre “predestinação”, é possível perceber que a relação
entre religião e sociedade, não se trata de extremos desconectados, mas de esferas
que se interagem o tempo todo, cujas influências estão em constante circulação entre
as partes. Dito de outra maneira, os homens que compõem quaisquer sociedades,
sejam elas ocidentais, orientais ou as chamadas primitivas (que de primitivas não tem
nada) parecem, em alguma medida, ligar os acontecimentos aos quais estão
envolvidos, a alguma fonte que transcendam suas próprias realidades. Porém, esta
mesma relação entre religião e sociedade pode ser fonte de exploração, de
1Doutorando em Ciências Sociais pela Unesp/Marília, Mestre em Antropologia Social pela UFPR e Gr
aduado em Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. E-mail: [email protected]
m.br
para o perdão de pecados. Na quinta: “O papa não quer nem pode dispensar de
quaisquer penas [...].”. Na vigésima primeira: “Erram, portanto, os pregadores de
indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas
indulgências do papa”. As teses 24 e 27 chamam a atenção das pessoas para não se
deixarem ser usurpadas: “Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente
ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena”. Em
seguida: “Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda
lançada na caixa, a alma sairá voando”. Na tese 37, Lutero aproxima quaisquer
pessoas que se entendam com legitimidade frente ao sagrado de não só acessá-lo,
mas também a tudo aquilo que a divindade disponibiliza. Portanto: “Qualquer cristão
verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da
Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência”. Finalizando a seleção
de teses, nas de número 66 e 82, Lutero busca demonstrar que o interesse real da
Igreja era a usurpação de recursos das pessoas, cujo objetivo pré-definido se tratava
da construção da Basílica de São Pedro e, se realmente o papa tivesse autoridade
para interceder em favor de alguém, por que não por razões outras. De acordo com
Martinho Lutero: “Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que
hoje se pesca a riqueza dos homens” e na tese seguinte ele questiona, “[...] por que o
papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema
necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um
número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da
basílica - que é uma causa tão insignificante?”.
As declarações de Lutero geraram um grande desconforto na cúpula da Igreja
Católica, sobretudo, no Papa Leão X, que condenou as declarações apresentadas por
Lutero, através de decreto e, em 1521, foi realizado o Concilio de Worms que
determinou a retratação por parte do Monge, a respeito de seus posicionamentos - o
que não aconteceu.
Se Lutero está entre os reformadores mais conhecido, talvez um pouco menos
que este, figura João Calvino. Nascido na França em 1509, Calvino estudou em
algumas das melhores escolas francesas e a principio, desejava seguir a trajetória
eclesiástica, entretanto, abandonou este projeto para seguir a carreira jurídica. Sua
teologia sobre predestinação ganhou o mundo de forma inquestionável, sendo esta
sua principal teoria. Segundo Calvino, todas as coisas em curso, assim como todas
elementos para ação no tempo presente, graças a uma pergunta norteadora: “Serei
eu um dos eleitos?” (WEBER 2002, p. 83).
A prova cabal é o tempo, que pode mostrar através de resultados práticos na
vida daqueles que são os eleitos de Deus para o porvir, baseado nas experimentações
das benesses materiais, em tempo real. Dito de outra forma, o calvinista também
busca a fé, mas por uma via material. Além disto, para o calvinista um tipo de conduta
exemplar, tem como objetivo promover a imagem da divindade em que cultua, ou seja,
glorificar a Deus. Com isto, o calvinista estava liberado para criar seu próprio caminho,
no sentido de busca pela salvação, somados a um significativo crescimento material.
Embora a teoria da predestinação tenha sido uma entre inúmeras outras da
reforma, com certeza ela se destaca pela sua capacidade de subsidiar uma mudança
radical de paradigmas. Certamente, a normalização da fé, cujo reflexo foi à
capacitação de produção uma força de trabalho sem precedentes e, ao mesmo tempo,
um dos catalisadores da modernidade.
2 Será adotado nesta comunicação, o nome do fundador da Congregação Cristã no Brasil, Louis
Francescon, conforme a utilizada por ele, em seu livro autobiográfico. Alguns pesquisadores/escritores
fazem menção ao mesmo personagem como Luis Francescon ou Luigi Francescon, mas trata-se da
mesma pessoa.
3 As Igrejas Presbiterianas embora utilizem o batismo para marcar o rito de passagem, a forma como i
sto acontece é por aspersão, ou seja, uma porção de água é derramada sobre a cabeça do batizado.
Outra forma de marcar este mesmo rito de batismo é o de imersão. Neste, todo o corpo da pessoa bat
izada precisa ficar submerso em água. A cerimônia pode ser realizada em rios, lagos, piscinas, etc.
Siepierski (2002, p. 556), a “Congregação Cristã tem seu início em São Paulo, através
de um cisma provocado por Francescon na Igreja Presbiteriana do Brás. Seu
desenvolvimento se dá primordialmente entre imigrantes italianos e seus
descendentes”.
Esta metodologia de aproximação de membros de Igreja protestantes e a
divulgação de dogmas quando oportuno, gerando no interior do grupo uma série de
desconfortos até chegar a algum tipo de cisma, não é uma particularidade de
Francescon, mas algo oriundo do pentecostalismo. Os próprios fundadores da
Assembleia de Deus, no Norte do Brasil, utilizaram a mesma metodologia de inserção
e cisma, porém dentro da Igreja Batista.
Portanto, o que difere a CCB das outras denominações não são os cismas. Na
verdade, rompimentos é uma das características inerentes às religiões proselitistas,
que crescem basicamente a partir da instauração de crises tanto pessoais quanto
coletivas. A distinção está em seu caráter exclusivista. Um apontamento de Foerster
(2009), em sua tese de doutorado em Ciências da Religião, mostra esta conceituação
por parte dos adeptos de forma bem explicita: “Eternos são Deus e a sua lei,
transmitida na sua forma pura e verdadeira, desde os primórdios, somente na
Congregação” (FOERSTER, 2009, p. 169). Fora deles não há Salvação, sobretudo,
porque assim como eles estão para Deus, Deus está para eles.
Três exemplos curtos e objetivos, coletados em um mesmo local – uma
empresa de estruturas metálicas pesadas, chamada Brafer, na região metropolitana
de Curitiba –, mas em momentos distintos, cuja relação podem ser uteis para
apresentar a crença exclusivista de eleição por parte do grupo, e ao mesmo tempo, o
não reconhecimento de quaisquer religiosos que estejam à margem deste dogma. O
primeiro destes é Batoré4, operador de ponte rolante, membro ativo da Congregação
Cristã. Este, sempre que tinha oportunidades, procurava demonstrar uma suposta
superioridade religiosa. Em um questionário, aplicado na pesquisa antropológica, com
destino a membros de várias denominações e funcionários da mesma empresa, a
resposta dele sobre outras Igrejas cristãs, demonstrou uma segregação religiosa,
mesmo referente a segmentos que poderiam ser vistos como pares. De acordo com
4Seu nome é Nelson, portanto o fato de todos chamarem por apelido demonstra que sua conversão
na CCB aconteceu após sua admissão na empresa. Caso ele chegasse já converto a esta religiosidade,
seus companheiros de trabalho, o chamaria pelo nome ou de “Irmão”.
ele, “as pessoas de outras denominações evangélicas não tem a mesma fé que nós
[da CCB] temos isto porque, estão no mesmo caminho dos católicos, dos espíritas e
dos ateus”. Esta perspectiva, não acontece com outros segmentos pentecostais, pois
reconhecem, ainda com algumas reservas 5 , a ligação religiosa entre Igrejas
semelhantes.
Uma segunda narrativa, a de Maycon, (neto e filho de adeptos da CCB),
soldador especializado em processos de soldagem MIG/MAG é outro exemplo de
mesma linha. Em uma interlocução, entre outros assuntos, ele relatou um episódio de
um encontro ocasional entre seu pai e um homem, dentro de um estabelecimento
comercial. Ambos, não se conheciam, mas ao que parece, o perfil estereotipado de
seu pai fez com que este homem interpretasse sua ligação religiosa específica 6 ,
configurando a seguinte pergunta: “O senhor é crente?”. Após a resposta positiva,
este homem, provavelmente esperando estabelecer um diálogo entre ambos, afirmou
que era adepto da Assembleia de Deus. Neste momento, Maycon percebeu esta
forma de segregação sociorreligiosa: “Eu vi na cara do meu pai que eles excluem as
outras. Se eles fazem convite para você ir na igreja deles, você vai, mas se for para
eles irem na sua, eles não vão”
Para finalizar as exemplificações, um acontecimento entre o pesquisador, e
Israel, ainda no período em que se estava sendo construídos caminhos para uma
aproximação mais eficiente, podem corroborar esta distinção entre “salvos” e “não
salvos”. Israel, que é também soldador especializado, membro da CCB e músico da
referida denominação, em uma das interlocuções disse que o fato do pesquisador
desejar de conhecer melhor o funcionamento de sua Igreja – a liturgia do culto as
relações entre membros e, sobretudo, a relação com o sagrado – o deixava
particularmente feliz, pois entendia que toda esta busca de conhecimento, fazia parte
na verdade, de um processo de conversão a Deus, na CCB7.
5 A Igreja do Evangelho Quadrangular, por exemplo, é apontada por adeptos da Assembleia de Deus
como uma “igreja de portas largas”, ou seja, que não exige de seus membros comportamentos muito
rígidos, geralmente, voltados aos chamados “usos e costumes”
6 Pessoas, membros de Igrejas pentecostais clássicas adotam o uso de roupas sociais em todos os
momentos do cotidiano. Homens, não usam publicamente camisas de malhas, bermudas, tênis ou
bonés. Estão sempre de barbas aparadas, cabelos bem penteados e utilizam palavreados próprios de
cunho formal. As mulheres não utilizam calças, saias curtas, roupas decotadas, unhas ou rostos
pintados.
7 Era do conhecimento de todos que o pesquisador também era pastor da Igreja do Evangelho
Conclusão
Com certeza, a Congregação Cristã no Brasil não é a única denominação de
linha cristã evangélica, oriunda da tradição calvinista. Basicamente, os protestantes
históricos estão entre os que mais se valem dos ideais de Calvino. Max Weber (2002)
já havia mencionado os metodistas e os batistas como adeptos do calvinismo, mas
sabemos que os presbiterianos fazem parte deste grupo. Ribeiro (2012, p. 56)
apresenta a doutrina calvinista presente na Igreja Presbiteriana como o resultado de
uma apropriação dos ideais dos reformadores Lutero e Zwínglio, mas, sobretudo, de
Calvino. Bobosin (1995, p. 23) apresenta Francescon como responsável por implantar
o pentecostalismo residual calvinista no Brasil, através da Congregação Cristã no
Brasil. Mendonça (2004) também encontra elementos que unem a Congregação
Cristã no Brasil e seu fundador, Louis Francescon ao calvinismo e ao
presbiterianismo, inclusive com possibilidade na definição de sua identidade como
Igreja:
predestinação aliada a outras variáveis construídas por eles ao longo dos anos, cujo
objetivo é reduzir pressões e conflitos, acaba sendo um regulador eficiente. Dito de
outra forma, não precisa investir em crescimento, pois Deus já fez suas escolhas e
estas pessoas virão sobrenaturalmente; não precisa lidar com polêmicas teológicas,
porque esta forma de conhecimento é apresentada como mundana; não precisa
investir em professores, nem lidar com suas questões, porque o Espírito é o único e
verdadeiro professor; não precisa pressionar os membros a doarem altas somas
monetárias, pois basicamente toda a Igreja, inclusive o ancião 8 não dependem
financeiramente do trabalho eclesiástico, pois o que prevalece é o trabalho voluntário
dos anciãos, músicos, pessoas que trabalham na construção e manutenção de suas
Igrejas. Estas características proporcionam a Congregação Cristã no Brasil, mesmo
possuindo grandes e bem construídos templos, lidar com o conjunto com custos mais
baixos que outras denominações, que necessitam patrocinar através de seus
membros, os salários de pastores e muitas vezes a própria construção e manutenção
de suas instalações religiosas.
Se a CCB não precisa de muitos investimentos para manutenção, ela conta
ainda com outro elemento que a alivia de pressões oriundas de uma possível
sobrecarga em ter que cuidar sistematicamente de pessoas na forma assistencialista.
Embora a denominação conte com a chamada “obra da caridade” 9 o conceito de
predestinação tem em sua Genesis a imagem de eleição como sendo o sucesso na
vida cotidiana como um reflexo do mundo por vir. Ou seja, não ser bem sucedido neste
mundo, pode ser interpretado como não predestinado. Isto força os fieis a saírem de
suas zonas de conforto, pois a predestinação, ao contrário da vocação que remete
todos os acontecimentos, sejam eles bons ou ruins, a vontade de Deus, condiciona
aqueles que adotam esta postura, o avanço sistemático de seus limites e ao repudio
da dependência crônica, mesmo que seja do próprio grupo. Afinal, como os únicos
herdeiros de um Deus tão poderoso que criou todas as coisas, quaisquer
representações aquém desta magnitude, não pode vir de um predestinado eleito a
salvação.
Referências
BOBSIN, Oneide. Teologia da Prosperidade ou Estratégia de Sobrevivência. In:
Estudos Teológicos, v. 3 n. 1, 1995
8
Ancião, trata-se de uma colocação religiosa, análoga à de um pastor evangélico ou padre católico.
9
Trata-se de um grupo de pessoas, cuja responsabilidade é fazer o levantamento e em seguida cuidar
de pessoas que fazem parte do grupo religioso e estão passando por necessidades, geralmente de
alimentos. O grupo também é responsável por visitar enfermos, sendo que homens, visitam homens e
mulheres visitam mulheres.