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3o Simpósio Sul da Associação Brasileira de História das Religiões

Educação, Religião e Respeito às Diversidades


CCE/UFSC, 20 a 22 de novembro de 2017
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Congregação Cristã no Brasil: uma denominação pentecostal clássica,


subsidiada pelo calvinismo reformista

André Luiz de Castro Mariano1

Introdução
Como se sabe, a Reforma Protestante completou em 2017 seus 500 anos,
mantendo sua presença em nível original, estando representado pelas Igrejas
Protestantes Históricas e também através de desdobramentos, dos quais, a
Congregação Cristã no Brasil é uma destes. Portanto, seu fundador, Louis
Francescon, antes de iniciar sua trajetória no pentecostalismo, era presbiteriano de
origem, assim, levando com ele parte de suas crenças, para a Igreja fundou, no final
da primeira década do século XX.
A proposta desta comunicação aborda esta que é a primeira denominação
pentecostal brasileira, cujos elementos da teoria calvinista estão presentes em seus
paradigmas, no estilo de vida e visão de mundo, sobretudo, aqueles voltados à
predestinação. A abordagem tem como referencial principal reflexões weberianas,
mas conta com perspectivas de autores contemporâneos que tratam o assunto e,
assim, construirmos um comparativo entre o clássico e as novas abordagens. Mas,
nada melhor do que iniciarmos por alguns pensamentos de figuras centrais do
movimento reformista.
Quando pensamos a Reforma a partir de Lutero e sua perspectiva de “vocação”
ou de Calvino e sua visão sobre “predestinação”, é possível perceber que a relação
entre religião e sociedade, não se trata de extremos desconectados, mas de esferas
que se interagem o tempo todo, cujas influências estão em constante circulação entre
as partes. Dito de outra maneira, os homens que compõem quaisquer sociedades,
sejam elas ocidentais, orientais ou as chamadas primitivas (que de primitivas não tem
nada) parecem, em alguma medida, ligar os acontecimentos aos quais estão
envolvidos, a alguma fonte que transcendam suas próprias realidades. Porém, esta
mesma relação entre religião e sociedade pode ser fonte de exploração, de

1Doutorando em Ciências Sociais pela Unesp/Marília, Mestre em Antropologia Social pela UFPR e Gr
aduado em Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. E-mail: [email protected]
m.br

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impedimento ao avanço – basicamente por estar ancorada a tradições –, e, em alguns


casos, criando uma geração de pessoas, obstinadas pelo trabalho excessivo que
colocando em prática uma ética moral exacerbada, apoiadas em conceitos de
calvinistas, sobretudo, o de predestinação, subsidiou de forma contundente o que
Weber chamou de “espírito do capitalismo”.
É interessante refletir que conceitos que surgiram no início do século XVI vêm
subsidiando pensamentos e estilos de vida do mundo moderno ao longo dos séculos,
com destaque para o século XIX, chegando ao século XXI, presente na religiosidade
ocidental e influenciando a sociedade, ainda com muito fôlego. Esta é uma das razões
desta comunicação, mostrando que a Reforma Protestante continua muito presente
em nossa sociedade, subsidiando denominações cristãs protestantes históricas e o
que é de nosso interesse, a Congregação Cristã no Brasil, conhecida também como
CCB. Entretanto, para chegar até ela, nada mais justo que começar do principio, ou
seja, dos reformadores Lutero e Calvino. Cabe dizer que estes são apenas dois entre
muitos outros que surgiram na Europa, com indagações aproximadas, porém, neste
momento, ambos são suficientes para fornecer elementos para este texto.

Algumas sinalizações sobre a Reforma protestante


Quando se pensa em Reforma protestante, automaticamente nossas reflexões
se voltam ao mais famoso dos reformadores, Martinho Lutero. Ele, de origem alemã,
doutor em Filosofia, professor universitário e monge agostiniano, viveu momentos de
intensa crise em relação a sua visão teológica e alguns posicionamentos defendidos
pela Igreja Católica. Para Lutero, a Igreja explorava sistematicamente os leigos e não
detinha legitimidade para ligar o humano ao divino, pois acreditava que somente a fé
em Deus, garantiria a salvação aos homens. Esta salvação, mediante o acesso a Deus
e perdão dos pecados seria possível sem nenhuma intercessão por parte da Igreja ou
de pagamentos, o que desencadeou uma de suas maiores polêmicas na Igreja,
protestando, sobretudo, contra as indulgências. De acordo com Lutero, somente Deus
tinha autoridade para perdoar pecados e em 1517, Lutero apresentou uma série de
teses, noventa e cinco pra ser mais exato. Essas teses afirmavam inclusive que o
papa não possuía nenhuma autoridade para perdoar de pecados.
Entre as noventa e cinco teses, sete foram selecionadas para nortear a
reflexão: as teses 05 e 21 apresentavam o papa como uma autoridade não legítima

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para o perdão de pecados. Na quinta: “O papa não quer nem pode dispensar de
quaisquer penas [...].”. Na vigésima primeira: “Erram, portanto, os pregadores de
indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas
indulgências do papa”. As teses 24 e 27 chamam a atenção das pessoas para não se
deixarem ser usurpadas: “Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente
ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena”. Em
seguida: “Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda
lançada na caixa, a alma sairá voando”. Na tese 37, Lutero aproxima quaisquer
pessoas que se entendam com legitimidade frente ao sagrado de não só acessá-lo,
mas também a tudo aquilo que a divindade disponibiliza. Portanto: “Qualquer cristão
verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da
Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência”. Finalizando a seleção
de teses, nas de número 66 e 82, Lutero busca demonstrar que o interesse real da
Igreja era a usurpação de recursos das pessoas, cujo objetivo pré-definido se tratava
da construção da Basílica de São Pedro e, se realmente o papa tivesse autoridade
para interceder em favor de alguém, por que não por razões outras. De acordo com
Martinho Lutero: “Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que
hoje se pesca a riqueza dos homens” e na tese seguinte ele questiona, “[...] por que o
papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema
necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um
número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da
basílica - que é uma causa tão insignificante?”.
As declarações de Lutero geraram um grande desconforto na cúpula da Igreja
Católica, sobretudo, no Papa Leão X, que condenou as declarações apresentadas por
Lutero, através de decreto e, em 1521, foi realizado o Concilio de Worms que
determinou a retratação por parte do Monge, a respeito de seus posicionamentos - o
que não aconteceu.
Se Lutero está entre os reformadores mais conhecido, talvez um pouco menos
que este, figura João Calvino. Nascido na França em 1509, Calvino estudou em
algumas das melhores escolas francesas e a principio, desejava seguir a trajetória
eclesiástica, entretanto, abandonou este projeto para seguir a carreira jurídica. Sua
teologia sobre predestinação ganhou o mundo de forma inquestionável, sendo esta
sua principal teoria. Segundo Calvino, todas as coisas em curso, assim como todas

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as pessoas fazem parte de um plano de salvação ou de perdição eterna. Estas


escolhas são previamente feitas por Deus, quanto aos destinos de todos e de todas
as coisas. Ou seja, sāo predestinados a uma finalidade específica. Está base teórica
vai subsidiar todas as suas interpretações. Portanto: “A conclusão a que Calvino
chegou foi que Deus já traçou o destino de todos os seres humanos antes de
nascerem. Se são ou não [salvos], não depende da vontade, do que façam ou
sintam...” (WALLS, 2014, p. 124). Este conceito vai ser seguido sistematicamente por
todas as denominações de linha calvinista

Vocação e predestinação a partir de uma análise weberiana


Uma, entre inúmeras mudanças decorrentes da Reforma protestante, é uma
nova concepção de vocação. Embora o conceito continuasse mostrando sua força, a
nova perspectiva apresentou a visão de vocação diferente da clausura monástica
católica, dando ao homem a possibilidade de vocação como ação sobre o mundo. Na
forma mais branda, envolvendo um misticismo tradicionalista como é o caso de Lutero
e na forma mais radical, através de um agir mais incisivo, levando as últimas
consequências em nome da predestinação calvinista.
Embora a Reforma protestante tenha aberto uma gama de possibilidades de
novas interpretações, a visão tradicionalista oriunda do catolicismo ainda era um
paradigma arraigado na visão de mundo das pessoas. O próprio Lutero, não
conseguiu se desvencilhar desta perspectiva. Para ele, as pessoas deviam aceitar
sua condição e se dedicar exclusivamente a sua vocação.
Com Calvino, a vida religiosa tinha uma perspectiva distinta, e vinha através de
um conjunto que considerava por um lado o isolamento do mundo, a partir de uma
vida ascética, mas por outro, a proposta era encorajar as pessoas transcenderem sua
condição e assim, agirem sobre este mesmo mundo. Isto só foi possível, porque o
calvinismo deu ao homem, uma nova modalidade de relação com o mundo. Nela, o
dogma de predestinação forneceu as pessoas o entendimento de que tudo e todos
servem apenas para atender a vontade de Deus e, ao mesmo tempo, a promoção de
seu Nome.
Essa mudança de paradigma só aconteceu graças ao conceito de
predestinação, que reside em responder o dilema da incerteza do porvir
transcendental, ou seja, escatológico, ao mesmo tempo, fornecendo a pessoa,

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elementos para ação no tempo presente, graças a uma pergunta norteadora: “Serei
eu um dos eleitos?” (WEBER 2002, p. 83).
A prova cabal é o tempo, que pode mostrar através de resultados práticos na
vida daqueles que são os eleitos de Deus para o porvir, baseado nas experimentações
das benesses materiais, em tempo real. Dito de outra forma, o calvinista também
busca a fé, mas por uma via material. Além disto, para o calvinista um tipo de conduta
exemplar, tem como objetivo promover a imagem da divindade em que cultua, ou seja,
glorificar a Deus. Com isto, o calvinista estava liberado para criar seu próprio caminho,
no sentido de busca pela salvação, somados a um significativo crescimento material.
Embora a teoria da predestinação tenha sido uma entre inúmeras outras da
reforma, com certeza ela se destaca pela sua capacidade de subsidiar uma mudança
radical de paradigmas. Certamente, a normalização da fé, cujo reflexo foi à
capacitação de produção uma força de trabalho sem precedentes e, ao mesmo tempo,
um dos catalisadores da modernidade.

Congregação Cristã no Brasil e a teoria da predestinação


Louis Francescon2, o fundador da Congregação Cristã, nasceu em 1866, na
Itália. Em março de 1890 ele imigrou para os Estados Unidos, país em que ao lado de
alguns imigrantes italianos fundam em 1892, a primeira Igreja Presbiteriana Italiana
em solo norte-americano. Dois anos mais tarde, em 1894, Francescon, lendo a carta
do apóstolo Paulo, em Colossenses 2: 12, entende que estava percorrendo sua
trajetória religiosa de forma incompleta, por não ter sido batizado por imersão3, o que
acontece quase uma década depois:

Como o pastor se encontrava na Itália, competia a mim como ancião, presidir o


serviço que se realizava no domingo. Assim tive oportunidade de dizer ao povo o
que eu sentia em meu coração e lhes falei: Após 09 anos que o Senhor me falou
em obedecer ao Seu mandamento, amanhã com a ajuda de Deus, terei a

2 Será adotado nesta comunicação, o nome do fundador da Congregação Cristã no Brasil, Louis
Francescon, conforme a utilizada por ele, em seu livro autobiográfico. Alguns pesquisadores/escritores
fazem menção ao mesmo personagem como Luis Francescon ou Luigi Francescon, mas trata-se da
mesma pessoa.
3 As Igrejas Presbiterianas embora utilizem o batismo para marcar o rito de passagem, a forma como i

sto acontece é por aspersão, ou seja, uma porção de água é derramada sobre a cabeça do batizado.
Outra forma de marcar este mesmo rito de batismo é o de imersão. Neste, todo o corpo da pessoa bat
izada precisa ficar submerso em água. A cerimônia pode ser realizada em rios, lagos, piscinas, etc.

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oportunidade de obedecê-lo e se algum de vós quiser assistir, venham.


(FRANCESCON, 1977, p. 09).

A decisão posterior ao batismo encontrou resistências por grande parte dos


presbiterianos. Se, antes, ele já havia acumulado descontentes em decorrência de
suas ideias inovadoras, mas também vistas por muitos como heresias, com a
efetivação do rito, sua permanência ficou insustentável. Por isto, após se reunir com
a Igreja, fez considerações e em seguida, pediu desligamento.
A desvinculação da Igreja Presbiteriana, somados ao surgimento do
pentecostalismo na América do Norte, acabou proporcionando a ele, o acesso a novos
paradigmas. Portanto, além do paradigma do batismo nas águas, ele estava diante do
paradigma do pneuma:

O Senhor me fez encontrar com um irmão americano, um dos primeiros a receber


a promessa do Espírito Santo, em Los Angeles, no ano de 1906 e, por meio dele
soube que na W. North Ave, 943, havia uma missão que anunciava a promessa do
Espírito Santo e que o próprio pastor (W.H. Durham) a havia recebido. Na primeira
semana freqüentei sozinho aquele serviço e o Senhor me confirmou que aquela era
Sua obra. (FRANCESCON, 1977, p.11-12).

Após ter passado por ambas as experiências, em 1906, Francescon iniciou ao


lado de sua mulher, uma maratona proselitista, cujo público alvo era basicamente
imigrantes italianos membros de Igrejas Presbiterianas, onde era membro
(FRANCESCON, 1977, p.16), mas também imigrantes italianos residentes nos
Estados Unidos de linha católica e protestantes. Em setembro de 1909, Francescon,
Lombardi, e Lucia Menna entenderam que precisavam divulgar o dogma pentecostal
pela América Latina, viajando para a Buenos Aires, capital da Argentina. Em 1910, já
havendo implantado uma igreja em Buenos Aires e outra na cidade de Tigre, a parada
seguinte foi o Brasil (FRANCESCON, 1977, p.19-21).
Registros do próprio Francescon mostram que os primeiros adeptos vieram de
Santo Antônio da Platina no Paraná (FRANCESCON, 1977, p. 23), mas sua
concentração efetiva foi em São Paulo Capital, sempre mantendo a mesma
metodologia de divulgação de dogmas pentecostais: aproximar de imigrantes
italianos, membros de Igrejas Presbiterianas e em seguida provocar cismas: Segundo

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Siepierski (2002, p. 556), a “Congregação Cristã tem seu início em São Paulo, através
de um cisma provocado por Francescon na Igreja Presbiteriana do Brás. Seu
desenvolvimento se dá primordialmente entre imigrantes italianos e seus
descendentes”.
Esta metodologia de aproximação de membros de Igreja protestantes e a
divulgação de dogmas quando oportuno, gerando no interior do grupo uma série de
desconfortos até chegar a algum tipo de cisma, não é uma particularidade de
Francescon, mas algo oriundo do pentecostalismo. Os próprios fundadores da
Assembleia de Deus, no Norte do Brasil, utilizaram a mesma metodologia de inserção
e cisma, porém dentro da Igreja Batista.
Portanto, o que difere a CCB das outras denominações não são os cismas. Na
verdade, rompimentos é uma das características inerentes às religiões proselitistas,
que crescem basicamente a partir da instauração de crises tanto pessoais quanto
coletivas. A distinção está em seu caráter exclusivista. Um apontamento de Foerster
(2009), em sua tese de doutorado em Ciências da Religião, mostra esta conceituação
por parte dos adeptos de forma bem explicita: “Eternos são Deus e a sua lei,
transmitida na sua forma pura e verdadeira, desde os primórdios, somente na
Congregação” (FOERSTER, 2009, p. 169). Fora deles não há Salvação, sobretudo,
porque assim como eles estão para Deus, Deus está para eles.
Três exemplos curtos e objetivos, coletados em um mesmo local – uma
empresa de estruturas metálicas pesadas, chamada Brafer, na região metropolitana
de Curitiba –, mas em momentos distintos, cuja relação podem ser uteis para
apresentar a crença exclusivista de eleição por parte do grupo, e ao mesmo tempo, o
não reconhecimento de quaisquer religiosos que estejam à margem deste dogma. O
primeiro destes é Batoré4, operador de ponte rolante, membro ativo da Congregação
Cristã. Este, sempre que tinha oportunidades, procurava demonstrar uma suposta
superioridade religiosa. Em um questionário, aplicado na pesquisa antropológica, com
destino a membros de várias denominações e funcionários da mesma empresa, a
resposta dele sobre outras Igrejas cristãs, demonstrou uma segregação religiosa,
mesmo referente a segmentos que poderiam ser vistos como pares. De acordo com

4Seu nome é Nelson, portanto o fato de todos chamarem por apelido demonstra que sua conversão
na CCB aconteceu após sua admissão na empresa. Caso ele chegasse já converto a esta religiosidade,
seus companheiros de trabalho, o chamaria pelo nome ou de “Irmão”.

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ele, “as pessoas de outras denominações evangélicas não tem a mesma fé que nós
[da CCB] temos isto porque, estão no mesmo caminho dos católicos, dos espíritas e
dos ateus”. Esta perspectiva, não acontece com outros segmentos pentecostais, pois
reconhecem, ainda com algumas reservas 5 , a ligação religiosa entre Igrejas
semelhantes.
Uma segunda narrativa, a de Maycon, (neto e filho de adeptos da CCB),
soldador especializado em processos de soldagem MIG/MAG é outro exemplo de
mesma linha. Em uma interlocução, entre outros assuntos, ele relatou um episódio de
um encontro ocasional entre seu pai e um homem, dentro de um estabelecimento
comercial. Ambos, não se conheciam, mas ao que parece, o perfil estereotipado de
seu pai fez com que este homem interpretasse sua ligação religiosa específica 6 ,
configurando a seguinte pergunta: “O senhor é crente?”. Após a resposta positiva,
este homem, provavelmente esperando estabelecer um diálogo entre ambos, afirmou
que era adepto da Assembleia de Deus. Neste momento, Maycon percebeu esta
forma de segregação sociorreligiosa: “Eu vi na cara do meu pai que eles excluem as
outras. Se eles fazem convite para você ir na igreja deles, você vai, mas se for para
eles irem na sua, eles não vão”
Para finalizar as exemplificações, um acontecimento entre o pesquisador, e
Israel, ainda no período em que se estava sendo construídos caminhos para uma
aproximação mais eficiente, podem corroborar esta distinção entre “salvos” e “não
salvos”. Israel, que é também soldador especializado, membro da CCB e músico da
referida denominação, em uma das interlocuções disse que o fato do pesquisador
desejar de conhecer melhor o funcionamento de sua Igreja – a liturgia do culto as
relações entre membros e, sobretudo, a relação com o sagrado – o deixava
particularmente feliz, pois entendia que toda esta busca de conhecimento, fazia parte
na verdade, de um processo de conversão a Deus, na CCB7.

5 A Igreja do Evangelho Quadrangular, por exemplo, é apontada por adeptos da Assembleia de Deus
como uma “igreja de portas largas”, ou seja, que não exige de seus membros comportamentos muito
rígidos, geralmente, voltados aos chamados “usos e costumes”
6 Pessoas, membros de Igrejas pentecostais clássicas adotam o uso de roupas sociais em todos os

momentos do cotidiano. Homens, não usam publicamente camisas de malhas, bermudas, tênis ou
bonés. Estão sempre de barbas aparadas, cabelos bem penteados e utilizam palavreados próprios de
cunho formal. As mulheres não utilizam calças, saias curtas, roupas decotadas, unhas ou rostos
pintados.
7 Era do conhecimento de todos que o pesquisador também era pastor da Igreja do Evangelho

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Conclusão
Com certeza, a Congregação Cristã no Brasil não é a única denominação de
linha cristã evangélica, oriunda da tradição calvinista. Basicamente, os protestantes
históricos estão entre os que mais se valem dos ideais de Calvino. Max Weber (2002)
já havia mencionado os metodistas e os batistas como adeptos do calvinismo, mas
sabemos que os presbiterianos fazem parte deste grupo. Ribeiro (2012, p. 56)
apresenta a doutrina calvinista presente na Igreja Presbiteriana como o resultado de
uma apropriação dos ideais dos reformadores Lutero e Zwínglio, mas, sobretudo, de
Calvino. Bobosin (1995, p. 23) apresenta Francescon como responsável por implantar
o pentecostalismo residual calvinista no Brasil, através da Congregação Cristã no
Brasil. Mendonça (2004) também encontra elementos que unem a Congregação
Cristã no Brasil e seu fundador, Louis Francescon ao calvinismo e ao
presbiterianismo, inclusive com possibilidade na definição de sua identidade como
Igreja:

A Congregação Cristã no Brasil inicia-se com a mesma experiência fundante da


Assembléia de Deus e acabou fortemente institucionalizada. Talvez esta
característica tenha seu fundamento no traço calvinista herdado de seu fundador, o
valdense e depois presbiteriano nos Estados Unidos, Luis Francescon. A herança
calvinista da CCB reflete-se bastante na ordem e na disciplina, tanto na vida privada
como no culto, assim como na vida institucional. A forte institucionalização dessa
igreja, ao que se observa, reduziu mais ainda o espaço para a ação livre do sagrado
(MENDONÇA, 2004, p. 42).

Essa herança calvinista vem da ligação ulterior de Francecon com


presbiterianismo, sendo o conceito de predestinação uma referência para toda
construção doutrinaria e religiosa, porém não teológica. Na verdade, a CCB, ao longo
de seus mais de cem anos de existência, jamais reconheceu outra fonte de
conhecimento fora os textos bíblicos, contidos no Antigo Testamento e no Novo
testamento. Não é necessário recorrer a professores para ensino dos membros ou
Instituições para formação do quadro de especialistas, pois o Espírito Santo é o único
e verdadeiro professor e o conhecimento adquirido acontecem nos templos e nas
casas dos membros, quando na condição de promotores de cultos familiares.
Essa herança calvinista, representada, sobretudo, pelo conceito de

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predestinação aliada a outras variáveis construídas por eles ao longo dos anos, cujo
objetivo é reduzir pressões e conflitos, acaba sendo um regulador eficiente. Dito de
outra forma, não precisa investir em crescimento, pois Deus já fez suas escolhas e
estas pessoas virão sobrenaturalmente; não precisa lidar com polêmicas teológicas,
porque esta forma de conhecimento é apresentada como mundana; não precisa
investir em professores, nem lidar com suas questões, porque o Espírito é o único e
verdadeiro professor; não precisa pressionar os membros a doarem altas somas
monetárias, pois basicamente toda a Igreja, inclusive o ancião 8 não dependem
financeiramente do trabalho eclesiástico, pois o que prevalece é o trabalho voluntário
dos anciãos, músicos, pessoas que trabalham na construção e manutenção de suas
Igrejas. Estas características proporcionam a Congregação Cristã no Brasil, mesmo
possuindo grandes e bem construídos templos, lidar com o conjunto com custos mais
baixos que outras denominações, que necessitam patrocinar através de seus
membros, os salários de pastores e muitas vezes a própria construção e manutenção
de suas instalações religiosas.
Se a CCB não precisa de muitos investimentos para manutenção, ela conta
ainda com outro elemento que a alivia de pressões oriundas de uma possível
sobrecarga em ter que cuidar sistematicamente de pessoas na forma assistencialista.
Embora a denominação conte com a chamada “obra da caridade” 9 o conceito de
predestinação tem em sua Genesis a imagem de eleição como sendo o sucesso na
vida cotidiana como um reflexo do mundo por vir. Ou seja, não ser bem sucedido neste
mundo, pode ser interpretado como não predestinado. Isto força os fieis a saírem de
suas zonas de conforto, pois a predestinação, ao contrário da vocação que remete
todos os acontecimentos, sejam eles bons ou ruins, a vontade de Deus, condiciona
aqueles que adotam esta postura, o avanço sistemático de seus limites e ao repudio
da dependência crônica, mesmo que seja do próprio grupo. Afinal, como os únicos
herdeiros de um Deus tão poderoso que criou todas as coisas, quaisquer
representações aquém desta magnitude, não pode vir de um predestinado eleito a
salvação.

Referências
BOBSIN, Oneide. Teologia da Prosperidade ou Estratégia de Sobrevivência. In:
Estudos Teológicos, v. 3 n. 1, 1995

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FOERSTER, Norbert Hans Christoph. A Congregação Cristã no Brasil numa área de


alta vulnerabilidade social no ABC paulista: aspectos de sua tradição e transmissão
religiosa – a instituição e os sujeitos. Tese de doutorado em Ciências da Religião.
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Universidade Metodista de
São Paulo. São Bernardo do Campo-SP, 2009.
FRANCESCON, Louis. Histórico da obra. São Paulo, Ed. IGAL, 1977.
MATOS, Alderi Souza de. Breve história do protestantismo no Brasil. In: Revista de
Teologia da Faculdade FAIFA. 2011, p. 1-26. Disponível em:
http://www.faifa.edu.br/revista/index.php/voxfaifae/article/view/27/46. Acesso em: 02
set. de 2017
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. A experiência religiosa e a institucionalização da
religião. In: Estudos Avançados v. 18, n. 52, 2004.
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. Análise antropológica dos símbolos da Igreja
Presbiteriana do Brasil. In: Ciências da Religião – História e Sociedade v. 10, n. 2,
2012.
SIEPIERSKI, Paulo D. A inserção e expansão do pentecostalismo no Brasil. In:
BRANDÃO, Sylvana. (org). Histórias das Religiões no Brasil. Recife: Ed. UFPE. 2002.
WALLS, Jerry L.; DONGELL, Joseph R. Por que não sou calvinista. São Paulo: Ed.
Reflexão, 2014.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo-SP: Ed.
Martin Claret, 2002.

8
Ancião, trata-se de uma colocação religiosa, análoga à de um pastor evangélico ou padre católico.
9
Trata-se de um grupo de pessoas, cuja responsabilidade é fazer o levantamento e em seguida cuidar
de pessoas que fazem parte do grupo religioso e estão passando por necessidades, geralmente de
alimentos. O grupo também é responsável por visitar enfermos, sendo que homens, visitam homens e
mulheres visitam mulheres.

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