Psicologia Da Educação Com Ênfase em Emoção e Inteligência

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7.

Psicologia da Educação com ênfase em emoção e inteligência

A temática das relações entre afetividade e inteligência, entre razão e


emoção, foi herdada pela Psicologia, da Filosofia, como campo de reflexão
sobre a natureza humana. Seriam as emoções desconhecidas pela razão
confirmando a máxima de Pascal: “O coração tem razões que a própria razão
desconhece” ( La Taille et al 2012). As emoções seriam exclusivamente
prejudiciais ao funcionamento da racionalidade? Pode-se compreender as
emoções com a mesma ‘lógica’ com que se compreende a razão? Há emoções
conscientes? Pode-se falar em caráter emocional da inteligência nas práticas
pedagógicas?

As perguntas formuladas acima poderiam se multiplicar em muitas


outras dependendo da ótica escolhida para sua análise e do modelo escolhido
como referência teórica compreensiva. Neste texto serão tratadas as relações
postuladas para a afetividade e a inteligência à luz de diferentes teorias
psicológicas da Educação, a saber, de Vygotsky, Wallon e Piaget.

Estas perspectivas foram escolhidas por três razões principais. A


primeira é que frequentemente estas abordagens são apontadas como
privilegiando ou a inteligência ou a afetividade como únicos motores do
desenvolvimento psicológico e sua implicação nos estudos educacionais. A
segunda razão é que articulações referentes às relações entre afetividade e
inteligência, de acordo com estes modelos teóricos, são usualmente deixadas
em segundo plano, o que pode levar a visões unilaterais sobre o
desenvolvimento psicológico. Finalmente, a terceira razão é que há certa
contemporaneidade histórica entre os autores e a construção dos seus
modelos teóricos, o que confere alguma convergência às suas conceituações,
mas também pontos importantes de divergência, interessantes para a
discussão aqui pretendida no âmbito educacional.

Para tal propósito, agrupamos numa seção, os modelos teóricos de


Wallon e Vygotsky, e, numa outra seção final, as concepções de Piaget sobre
as relações entre afetividade e inteligência. Esta organização se deve ao fato
de considerarmos que a teoria piagetiana, se comparada às teorias

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psicogenéticas de Vygotsky e Wallon, parece ser a única a apontar a ideia de
uma correspondência constante entre aspectos afetivos e intelectuais em
qualquer conduta, não apenas de maneira geral, mas em todas as fases do
desenvolvimento.

Para Wallon, a relação entre afetividade e inteligência é de alternância,


podendo as primeiras emoções criar estruturações cognitivas e para Vygotsky,
estas relações são de modo complementar, estando as emoções entendidas no
âmbito das funções mentais, das quais o pensamento faz parte. Como nos
interessa aqui ressaltar o caráter de correspondência apontado por Piaget para
estas relações, optamos por separar a apresentação da abordagem piagetiana
das perspectivas de Wallon e Vygotsky no final do texto.

La Taille et al (2012) sobre a temática das relações entre razão e


emoção iniciam o assunto, afirmando que as dicotomias presentes nas
relações entre mente e corpo, razão e emoção, natureza e cultura, podem ser
vantajosas para a apresentação didática de tema tão complexo, mas são
imprescindíveis para sua compreensão integral no campo da formação de
professores. Os diferentes modelos psicológicos buscaram lidar com a
dicotomia entre razão e emoção, inserindo entre elas relações de tipo causal
ou de preponderância, o que redundou em denominações tais como teorias
‘cognitivistas’ ou teorias ‘afetivas’. Denominações como essas, unilaterais,
acabaram, ao longo do tempo, conferindo a alguns modelos uma espécie de
‘posse’ desses aspectos da natureza humana, de forma excludente, dando a
impressão de que os elementos cognitivos e afetivos, partes integrantes do
funcionamento psicológico dos indivíduos, poderiam ser tomados, cada um,
como a totalidade do mesmo.

Podemos notar, então, que, para algumas abordagens a inteligência


parece estar submetida à afetividade, ou vice-versa conforme algumas críticas
feitas à abordagem piagetiana do assunto. Assim, consideramos muito
importante rever os estatutos e os papéis atribuídos aos aspectos afetivos e
cognitivos, nas diferentes teorias para empreender uma compreensão para
além da visão dicotômica da natureza humana.

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Iniciaremos pela abordagem de Henri Wallon , a qual privilegia o aspecto
afetivo, indicando seu papel estruturante no início da vida da criança. Para este
autor, a emoção organiza a vida psíquica inicial e antecede as primeiras
construções cognitivas. A gênese da cognição está, pois, para Wallon, nas
primeiras emoções, as quais, por sua vez, estão diretamente ligadas ao
desenvolvimento do tônus (aspecto orgânico). O mesmo autor define o
desenvolvimento como a passagem do eu orgânico ao eu psíquico, pela via
das primeiras emoções que são, em essência, o instrumento para a interação
com o outro, antes que a cognição seja construída. Assim, as emoções
permitem, no início da vida, a construção dos conhecimentos sobre o mundo e
a construção da personalidade. O autor apresenta o que considera como a
sequência do desenvolvimento quanto à construção da pessoa a partir da ideia
do papel estruturador das primeiras emoções em relação à cognição, para
depois descrever o desenvolvimento como um movimento de alternância de
predominâncias, ora afetiva ora cognitiva, culminando com uma
preponderância cognitiva.

Para esse autor, o início de sua vida a criança possui emoções que são
independentes da representação. Essas emoções iniciais são o recurso
expressivo das necessidades por excelência, diferentemente dos sentimentos e
paixões que dependem de representações. Desse modo, a ideia essencial
sobre a emoção na perspectiva de Wallon, aponta a emoção como um
elemento se nutre do efeito que causa no outro. A abordagem de La Taille et al
(Ibidem) está de acordo com as etapas da construção da pessoa postulada por
Wallon, a saber: 1) etapa de indiferenciação entre eu e outro; 2) diferenciação
gradativa entre eu e outro com o despontar da ‘pessoa’; e 3) chegando
(aproximadamente na idade escolar) à fase categorial, na qual, já de posse de
instrumentos cognitivos tais como a representação e o pensamento racional,
utiliza-os para coordenar as emoções e para construir conhecimentos. Vemos
então que, para Wallon, as emoções podem inicialmente criar operações
cognitivas que permitirão a construção do conhecimento, por um lado, e, por
outro, podem estruturar a ‘pessoa’ no início da vida, sem a participação da
cognição (nem mesmo a sensório-motora).

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Já a perspectiva de Vygotsky propõe que a razão teria a capacidade de
controlar as emoções mais primitivas, graças ao domínio dos instrumentos
culturais, em especial a linguagem. O autor aborda o desenvolvimento
psicológico das funções superiores na infância, tais como memória, percepção,
pensamento, imaginação e vontade. Para o autor, as teorias que valorizaram o
pensamento da criança no plano biológico deveriam (como fez Piaget)
considerar simultaneamente os momentos sociais e biológicos no
desenvolvimento do pensamento.

O ponto onde se encontram afetividade e inteligência, para Vygotsky, é


na palavra, quanto aos seus dois componentes essenciais: o significado e o
sentido. Sabemos que o estudo das funções cognitivas superiores tomando
como referência a intervenção da mediação cultural, foi o foco de Vygotsky.
Encontraremos como destaque em suas formulações a conceituação de ‘pa-
lavra’, bem como a de ‘pensamento verbal’. Estas ilustram as ênfases
conceituais internas a este modelo teórico, direcionando a psicologia da
educação para análise e fundamento de diversos momentos do processo de
escolarização, e especial, na fase alfabetização e letramentos dos sujeitos.

Voltemos à palavra, que nos interessa no contexto das relações entre


afetividade e inteligência. A palavra possui, então, dois elementos: o significado
e o sentido. O primeiro refere-se a um sistema de relações objetivas que
formam uma espécie de núcleo estável, o qual pode ser compartilhado com
outros indivíduos do mesmo grupo cultural. O significado está, assim, para
Vygotsky, mais relacionado ao desenvolvimento dos processos cognitivos
superiores. O sentido, por sua vez, se refere ao significado para cada indivíduo,
que está, portanto, diretamente relacionado às suas vivências particulares,
sendo assim o pólo mais afetivo da palavra. A palavra reúne, então, de acordo
com a teoria vygotskyana, subjetividade e intersubjetividade, razão e emoção,
afetividade e cognição, constituindo relações de complementaridade e não de
causalidade ou alternância como pretendia Wallon.

Para La Taille et al (Ibidem) Piaget apresenta sua proposição própria


para as relações entre afetividade e inteligência. Sinteticamente faz
corresponder à evolução do período sensório-motor, o que denominou afetos
perceptivos, etapa na qual a afetividade, assim como a inteligência, está ligada

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às necessidades fisiológicas e às ‘novidades’ trazidas pelo exercício da
percepção. São basicamente sentimentos de agrado e desagrado, êxito e
fracasso, decorrentes das ações no mundo. Na etapa subsequente, a das
representações pré-operatórias, na qual predominam a imitação, o jogo
simbólico e as intuições rígidas e inflexíveis, ocorreriam sentimentos também
de natureza intuitiva (as simpatias e antipatias), rígidos e inflexíveis, bem como
sentimentos ligados às pessoas como objetos privilegiados, ainda que falte à
afetividade, assim como à inteligência, maior flexibilidade e conservação,
mesmo que os afetos tenham já certa estabilidade. Os afetos são, entretanto,
mais estáveis do que no período anterior.

Quando a inteligência se torna operatória trazendo enorme avanço no


sentido da reversibilidade e flexibilidade do pensamento, permitindo a
descentração cognitiva, a afetividade também evolui passando a se regular em
sistemas de valores hierarquizados, bem como coordenando conflitos entre
tendências de forças diferentes. Nesse período, os sentimentos se tornam
normativos incorporando em sua dinâmica, as regras, a reciprocidade de
interesses e os valores. Ao apresentar este processo de desenvolvimento da
afetividade, Piaget introduz o conceito de força de vontade como regulação
superior, isto é, como uma força cognitiva que regula emoção e inteligência.

A partir do que foi sinteticamente exposto, vemos que, de acordo com as


ênfases de cada um dos modelos apresentados, haverá uma diversidade de
abordagens teóricas das relações entre afetividade e inteligência no campo da
Psicologia da Educação. Assim, no caso da perspectiva de Wallon, é
importante focalizar as interações entre sujeito e objetos, destacando dentre
estes objetos, o outro que se emociona, e que permite a gênese das primeiras
cognições e a construção dos conhecimentos pela criança. Trata-se então, de
destacar os detalhes das interações sociais, as emoções que se expressam
nas ações e nas palavras daqueles que delas participam, adultos e crianças.

Já se a abordagem subjacente for a vygotskyana, a ênfase estará nas


relações histórico-culturais expressas especialmente na linguagem da criança e
também do adulto, relações essas que terão influência tanto no
desenvolvimento como na aprendizagem. Assim, a afetividade estará
diretamente ligada às subjetividades dos envolvidos nas interações, permeadas

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e transformadas pela cultura em suas diferentes manifestações, assim como
transformando-a reciprocamente na socialização dos sujeitos. O estudo da
linguagem, da palavra e das narrativas como resultado das relações de
reciprocidade entre sujeito e objeto, da complementaridade entre afetividade e
racionalidade, será privilegiado neste contexto. Entretanto, de modo inverso os
escritos de Piaget que privilegiaram os aspectos racionais do funcionamento da
inteligência, não parecem se aplicar, contudo, nem aos seus escritos iniciais
sobre o pensamento irracional das crianças (como bem apontou Vygotsky) e
muito menos às suas últimas obras, as quais buscaram manter o dinamismo do
funcionamento psicológico, em seus aspectos racionais e afetivos.

Por fim, ao focalizarmos a Psicologia da Educação com ênfase em


emoção e inteligência é imprescindível considerar que os interesses, afetos,
experiência e estímulos são elementos estruturantes de uma inteligência
permeada pela emoção, produzindo, por isso, a produção de uma mente como
efeito das relações entre corpo, cérebro e afetos com pensa Antônio Damásio
(1996) em seus estudos sobre neurociências envolvendo a emoção, a razão e
o cérebro humano. Assim, tais teorias contemplam elementos ligados às redes
de afetividade, condutas e ao desenvolvimento cognitivo, cabendo uma
abordagem minuciosa de cada autor nas construções curriculares das
licenciaturas e, em especial, no âmbito da Pedagogia.

Referência

LA TAILLE, Yves de e outros. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas


em discussão, São Paulo: Summus, 2012.

DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro


humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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