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27/06/2018 Fundamentos Teóricos da Lingüística Textual – Cezar Azevedo

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Fundamentos Teóricos da Lingüístic


Textual
Cezar Andrade Marques de Azevedo
8 de março de 2006

Autora: Karin Elizabeth Rees de Azevedo*

A Linguística Textual surge dos estudos que se vêm desenvolvendo na área da linguística. A partir da década de

60, os linguistas constataram que a frase não dava conta de explicar a produção de sentidos e que seu sentido só

poderia ser encontrado a partir do texto com referência a um contexto situacional. Desta mudança de investigação

dos linguistas, FÁVERO & KOCH (1988: 11) enunciam:

Sua hipótese de trabalho consiste em tomar como unidade básica, ou seja, como objeto particular de investigação,

não mais a palavra ou frase, mas sim o texto, por serem os textos a forma específica de manifestações da

linguagem.

Surge, dessa forma, uma fase intermediária do estudo linguístico que propicia o aparecimento da Linguística

Textual, composta de três grandes momentos: o da análise transfrástica, o da gramática de texto e o da

construção das teorias de texto. Por meio desses momentos são propiciadas condições para que o texto se torne

o objeto de estudo da linguística. Importa salientar que esses momentos não ocorreram numa sucessão temporal e

se constituem em diferentes desenvolvimentos teóricos.

No momento das análises transfrásticas, a pesquisa parte do enunciado ou sequências de enunciados, tendo como

objetivo estudar as relações entre estes. Os estudos realizados partem da concepção de Benveniste sobre o

enunciado e enunciação, acrescentando a noção de subjetividade, em que se considera a ação do sujeito na

produção da enunciação. Portanto, a linguagem é vista como argumentativa na medida em que age na constituição

do texto.

Esses estudos linguísticos tentam partir do texto como um todo, porém, ao dividi-lo em sequências de enunciados

perdem a unidade semântica do texto. Isto ocorre porque procuram segmentá-lo, analisando a argumentatividade,

uma característica da linguagem que se manifesta por uma série de marcas ou instruções presentes no enunciado
 visando orientar os interlocutores a determinadas conclusões. Assim, as análises transfrásticas têm o texto não

 como uma sequência aleatória de frases, mas como uma sequência de enunciados que se apresentam construídos

por classes argumentativas, o que implica a existência de uma conclusão acompanhada de seus argumentos.

 Com a análise das classes argumentativas, os linguistas transfrásticos percebem a existência de enunciados

implícitos e explícitos, em que os primeiros são o que se quis dizer e os outros o que se disse. Um dos linguistas

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desta fase, Ducrot, procura analisar e explicar esta diferença propondo as noções de componente linguístico, em

que relaciona o posto – o que se disse-, e de componente retórico que tem num primeiro momento a noção de

pressuposto, sendo este o saber partilhado, e de subentendido, que é o que se quis dizer.

Ducrot (1987), num segundo momento, propõe uma mudança de percepção ao verificar que o posto e o

pressuposto fazem parte do componente linguístico, ou seja, do enunciado, e que o subentendido é do componente

retórico, da enunciação. Segundo esta concepção o pressuposto, que é o saber partilhado, vem marcado no

enunciado, e decorre da eficácia argumentativa, sendo que a semântica da língua não dá conta destes

componentes linguísticos. Com isso surge a semântica argumentativa que, diferenciando as noções de posto,

pressuposto e subentendido possibilitam a caracterização da linguagem pela argumentatividade.

As análises transfrásticas com seus estudos vão além da frase, contribuindo para a mudança de objeto de estudo

que se concretizará na Linguística Textual; no entanto, não chegam ainda ao texto como unidade semântica.

Num segundo momento, surge a gramática de texto, que tem como finalidade refletir sobre os fenômenos

linguísticos inexplicáveis por meio da gramática do enunciado. As pesquisas, nessa perspectiva, têm como modelo

a Gramática Gerativo-transformacional de Chomsky e a estendem ao texto, com o objetivo de formulação de

regras que dariam conta da produtividade textual.

Essa produtividade textual liga-se à noção de competência textual postulada por Chomsky e que FÄVERO & KOCH

(op. cit.:14) assim apresentam:

Sendo o texto muito mais que uma simples sequência de enunciados, a sua compreensão e a sua produção derivam

de uma competência específica do falante – competência textual – que se distingue da competência frasal ou

linguística em sentido estrito [como a descreve, por exemplo, Chomsky (1965)]. Todo falante de uma língua tem a

capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados, e esta competência é,

também, especificamente linguística – em sentido amplo.

Partindo dos estudos da Gramática gerativo-transformacional, que não conseguiu explicar a organização textual

subjacente à sequência das frases, procuram os gramáticos de texto, a partir do critério de aceitabilidade, verificar

a diferença entre sentido e significado. Postulam, assim, que haveria uma gramática vista como um conjunto de

regras finitas aplicadas à produção de sentidos.

Os gramáticos de texto observam que a linguagem se define pela textualidade, e esta não se restringe à sequência

aleatória de frases; ela deveria ser explicada através de uma organização subjacente ao enunciado que desse a

noção de completude de texto, pela qual se poderiam diferenciar textos organizados de frases aglomeradas.

Utilizando como partida o saber interiorizado da língua proposto por Chomsky, os gramáticos de texto

pressupõem que há um saber interiorizado pelos usuários da língua que é tratado por competência textual, e suas

regras poderiam explicar como se resume ou se parafraseia um texto, ou ainda, como, a partir de um título, pode-

se expandir um texto. Este saber interiorizado se daria por um conhecimento de língua que é responsável pela

construção da coesão textual, e um conhecimento de mundo que é responsável pela construção da coerência

textual. Assim, aqueles teóricos buscaram descrever as regras da gramática da competência textual que pudessem

dar conta desta produtividade, que é entendida como um processo pela coesão e coerência.

No intuito de explicar a textualidade a partir de uma gramática, os gramáticos de texto acabaram verificando que o

mesmo texto produzia sentidos diferentes a cada leitura feita por um mesmo leitor, ou por diferentes leitores. Com

esta constatação, verificou-se que não há regras para a produção de sentidos e sim estratégias, criando desse

modo, uma das bases da Linguística de Texto.

As teorias de texto, num terceiro momento, partem das investigações dos linguistas acerca da linguagem no

intuito de observar como acontecia a produção de sentido, privilegiando a Pragmática. Os linguistas desse

momento, segundo FÁVERO & KOCH (op. cit.:15), expandem estas investigações do texto ao contexto, entendido,

em geral, como conjunto de condições – externas ao texto – da produção, da recepção e da interpretação do texto.

Importa ressaltar que a incorporação da pragmática aos estudos linguísticos gerou posicionamentos diversos por

parte de vários autores. Enquanto, para alguns, a pragmática se constitui em um componente acrescentado à

gramática textual, cuja finalidade é dar conta da situação comunicativa na qual o texto é introduzido, para outros,

a pragmática é um componente integrado à descrição linguística que tem como ponto de partida o ato de

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comunicação, associado aos pressupostos psicológicos e sociológicos, inserido numa situação comunicativa

específica.

Destes últimos estudiosos, temos em Schmidt uma representação importante na constituição de uma teoria de

texto que parte dos atos de comunicação integrados ao seu real funcionamento social. Conforme FÁVERO & KOCH

(op. cit.:15):

Para Schmidt, o ato de comunicação, como forma específica de interação social, torna-se o explicandum da

linguística, de modo que a competência que constitui a base empírica da teoria de texto deixa de ser a

competência textual, passando a ser a competência comunicativa (capacidade de o falante empregar

adequadamente a linguagem nas diversas situações de comunicação).

A partir dos estudos feitos por Austin sobre os atos da fala, e de Grice sobre as máximas conversacionais, em que a

linguagem é vista como uma função social, e uma forma de trabalho, regida por regras de contexto social que têm

ação sobre o outro, os pragmáticos trabalham o texto observando a situação comunicativa, ou seja, o contexto de

sua produção.

Para os pragmáticos, o “dito” só pode ter valor dentro da situação em que foi produzido, por ser apenas nesta

circunstância que se pode entender o que se quis dizer. Diferenciam-se, assim, dos gerativistas, que postulavam

uma competência linguística, e dos gramáticos de texto que apresentavam a competência textual, ao proporem

uma competência comunicativa, em que é o conjunto de regras sociais que determina o “jogo atuacional”

entendido como: o que, a quem, quando, como, onde e por que falar.

Dessa maneira, partindo do modelo teórico do jogo atuacional, em que se observava a “performance” do indivíduo,

e do conceito de competência comunicativa, em que as instruções dadas pelo contexto situacional são cuidadas,

propõem a “Semântica Instrucional”, definida como o conjunto de significados produzidos a partir das instruções

dadas pelo contexto situacional concreto.

Os estudos até então desenvolvidos procuram descrever e explicar como ocorre a produção de sentidos a partir

das representações mentais que as pessoas constroem lendo um determinado texto, para com isso, elaborar uma

teoria de texto de base cognitiva, podendo explicar a coesão, a coerência e a tipologia de texto. Os pesquisadores

utilizam dos fundamentos da Psicologia Cognitiva e Social, recorrendo a uma teoria de memória que possa auxiliar

na explicação de como ocorre o processamento das informações e seu armazenamento na memória.

Para Kintsch & Van Dijk (1983), a teoria da memória que vem da psicologia cognitiva que melhor se aplica é a de

memória por armazenamento, em que a memória é lugar de estocagem de informações, e está dividida em duas

partes: memória de curto prazo e memória de longo prazo. Na primeira, constrói-se a representação mental

através do processamento das informações recebidas, e, na segunda, ocorre o armazenamento das representações

mentais de ordem social, ou seja, os conhecimentos de mundo e de língua, bem como os de experiências pessoais

que são denominadas por memória social e memória individual, respectivamente.

Dessa forma, seguindo o modelo cognitivista, para os linguistas de texto, a pessoa, ao ler um texto, transforma as

frases (língua) em proposições (sentidos) em sua memória de curto prazo e, essas proposições serão expandidas

através de associações feitas com o seu conhecimento de língua (chamados de implicaturas) e os de mundo

(chamados de inferências), que já estavam arquivados. As proposições que têm sentido secundário recebem o

nome de microproposições, e podem ser ordenadas por sentidos primários, ou seja, pelas conclusões, em relação

aos secundários, que são os argumentos, que, de acordo com a superestrutura do texto, constroem, através da

expansão e redução, a base do texto.

Com a base de texto estando construída, as microproposições que sofreram redução e expansão podem ser

transformadas e hierarquizadas seguindo os esquemas textuais, para se obter os sentidos globais, chamados de

macroproposições, que constroem a macroestrutura do texto, ou seja, a coerência.

Os linguistas de texto, assim, passam a considerar o texto como um processo através do qual os enunciados são

processados cognitivamente, obtendo-se a base de texto pela expansão e a coerência pela redução e

hierarquização das informações.

Deixa-se então a palavra ou frase isolada para se estudar o texto, pois se verificou que o homem tem em sua

linguagem o texto como unidade de comunicação e que há diversos fenômenos linguísticos que só são explicados

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no interior do texto, ocorrendo, assim, uma mudança no objeto de estudo. Passa-se a pesquisar o que faz com que

um texto seja texto, ou seja, procura-se verificar quais são os elementos responsáveis pela textualidade.

Nessa perspectiva, as teorias de texto apontam para a mudança de estudo seguindo o caminho do texto à frase

como propõe SCHMIDT (1978:173):

A teoria de texto exige que a frase seja abordada no jogo de atuação comunicativa a partir do texto. Esta exigência

encontra a sua justificativa no fato de que o campo da linguística não apresenta uma via que conduza da frase

(como forma no sistema linguístico) ao texto (como forma-em-função bivalente – linguística e social). Se

pretendemos considerar a linguística como uma linguística de Texto, portanto,é preciso seguirmos o caminho que

vai do texto à frase.

Assim sendo, os fundamentos da Linguística, que se denomina Linguística de Texto, são formados dos estudos

linguísticos que passam a ter o texto como unidade de estudo. Embora esses estudos sejam fundamentados em

pressupostos básicos comuns, chegam a diferir bastante uns dos outros, conforme o enfoque predominante. De

acordo com as várias tendências, em razão da amplitude do campo, a Linguística Textual, na forma como é

entendida atualmente, apresenta diversas vertentes de estudo.

Procurando apresentar os pontos comuns às diversas correntes, MARCUSCHI (1983: 12-13) propõe uma definição

provisória da Linguística Textual, tentando estabelecer o seu campo de atuação. Caracteriza-a como uma

linguística dos sentidos e dos processos cognitivos e não mais como uma linguística da organização dos

constituintes frasais quando afirma:

Proponho que se veja a LT, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo das operações linguísticas e

cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou

orais. Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes linguísticos, c coerência conceitua ao nível

semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações ao nível pragmático da produção de sentido no

plano das ações e intenções. Em suma, a LT trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo

universo de ações humanas. Por um lado deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente

linguístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve considerar a organização reticulada ou tentacular,

não linear, portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções

pragmáticas.

O autor inclui, ainda, os critérios de coesão e coerência para sustentar sua proposta no contexto dessa nova

ciência que insere a pragmática no estudo da linguagem, e que possibilita estabelecer a relação existente entre

texto e contexto.

Complementando esta proposta encontramos em FÁVERO & KOCH (1983: 34) a sugestão de que a Linguística

Textual seja vista como:

… um estudo das operações linguísticas, cognitivas e argumentativas reguladoras e controladoras da produção,

construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais.

Desse posicionamento, entendemos a Linguística Textual como disciplina de caráter interdisciplinar, em que a

autonomia do texto, segundo Marcuschi (1983), deve ser abordada enquanto categorias funcionais, que ele

subdivide em quatro fatores, a saber:

– os de contextualização, que contribuem para a criação de uma expectativa a respeito do texto;

– os de conexão sequencial, que são elementos constitutivos da textualidade ao garantirem a coesão textual.

(Tais fatores, no entanto, não são suficientes nem necessários para a textualidade);

– os de conexão conceitual-cognitiva, que dizem respeito à coerência e respondem pelo processamento

cognitivo do texto, garantindo sua organização e estabilização da experiência humana; e,

– os de conexão de ações, que se referem a elementos pragmáticos e se fazem presentes no momento de

atualização de um texto.

Acrescenta o autor que essas categorias funcionais não esgotam os aspectos de observação do texto, que para isso

é preciso que se tenha um aparato teórico que envolva uma teoria semântica, uma teoria gramatical sensível a

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todas as informações cotextuais, uma teoria pragmática do funcionamento linguístico, bem como uma teoria da

comunicação e elementos da psicologia cognitiva.

Uma vez que a Linguística Textual passa a ter como seu objeto de investigação o texto, e este é considerado

unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem

diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto, os estudiosos passaram a

pesquisar o que faz com que um texto seja um texto, na verdade, a verificar quais os elementos ou fatores

responsáveis pela textualidade. Essa visão de textualidade ocorre do “fracasso” dos linguistas em definir texto por

meios exclusivamente linguísticos, incluindo, dessa forma, reflexões de ordem sociológica que no dizer de

SCHMIDT (1978: 163) dão a entender que o texto deve ser abordado não como fenômeno meramente linguístico,

mas a partir de um modo de textualidade.

Essa textualidade, de acordo com Schmidt, tem uma dupla estrutura, isto é, uma estrutura a ser abordada tanto

sob o enfoque linguístico como sob o enfoque do aspecto social, pois os textos funcionam como a realização

linguística da textualidade, como matrizes para as ocorrências coerentes dos elementos do sistema linguístico.

Nesse momento, importa ressaltar que vários são os elementos ou fatores responsáveis pela textualidade, mas o

que nos interessa abordar é o mecanismo coesivo. A coesão, como elemento de textualidade, se manifesta no

nível microtextual através das relações entre os elementos do texto possibilitando sua interpretação. Em relação

ao conceito de coesão textual Halliday & Hasan (1976), apud KOCH (1994 : 17):

…apresentam o conceito de coesão textual, como um conceito semântico que se refere às relações de sentido

existentes no interior do texto e que o definem como um texto… a coesão ocorre quando da interpretação de

algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser

efetivamente decodificado a não ser por recurso ao outro.

Discordando dessa conceituação temos Marcuschi (1983), que preceitua que a coesão não se trata de condição

necessária nem suficiente para a textualidade, suscitando com isso estudos acerca da distinção entre coesão e

coerência textuais.

Partindo do pressuposto que a coesão possibilita ao texto maior legibilidade e explicita os tipos de relações

estabelecidas entre os elementos linguísticos que o compõem, encontramos o seguinte conceito de coesão

segundo KOCH (op. cit. 19):

… o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam

recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual.

Dessa forma, entendemos a coesão como o resultado do uso dos elementos que estabelecem relações de sentido

através de recursos semânticos de uma sentença que se liga com outra anterior. A coesão refere-se, portanto, aos

processos de sequenciação que asseguram, ou permitem recuperar, uma ligação linguística significativa entre os

elementos que ocorrem na superfície textual. Foram inúmeras as propostas de classificação das relações coesivas,

e de acordo com alguns dos estudiosos desses mecanismos de coesão, encontramos, a partir de suas observações

nos estudos realizados, os mecanismos nomeados diferentemente.

Para Halliday e Hasan (1976), apud Fávero (1991), são cinco os tipos de mecanismos coesivos: referência,

substituição, elipse, conjunção e léxico. Os elementos de referência são itens da língua, que não são interpretados

por si mesmos, mas que remetem a outros para sua interpretação. Podem ser de referência situacional (exofórica)

e textual (endofórica). A substituição é a que ocorre com a colocação de um item no lugar de outro elemento do

texto, e até mesmo, de uma oração inteira. A elipse ocorre onde há a omissão de item lexical, um sintagma, uma

oração ou todo um enunciado, que pode ser recuperado pelo contexto. A conjunção (ou conexão) é apresentada

como elemento que permite estabelecer relações específicas entre elementos ou orações no texto. Os elementos

conjuntivos são coesivos não por si mesmos, mas indiretamente, em virtude das relações específicas que se

estabelecem entre as orações, períodos e parágrafos. A coesão lexical pode ser obtida por meio de dois

mecanismos: a reiteração e a colocação.

No primeiro, a coesão é obtida por meio da repetição do mesmo item lexical através de sinônimos, hiperônimos e

nomes genéricos. No segundo, a coesão é resultante do uso de termos do mesmo campo significativo.

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Fávero (1991) questiona a classificação apresentada por Halliday & Hasan (1976) e propõe três tipos de coesão: a

referencial, a recorrencial e a sequencial, que são sugeridas como classificação em termos da função que exercem

esses mecanismos na construção do texto e não de classes de palavras, ou de léxico.

Já Mira Mateus et alii (1983) apresenta dois grandes grupos de mecanismos coesivos, entendendo-os como

processos de sequencialização, que asseguram uma ligação linguística significativa entre os elementos que

ocorrem na superfície textual. São esses grupos denominados de coesão gramatical e coesão lexical. Ao primeiro

grupo correspondem os processos de sequencialização denominados de coesão frásica, coesão interfrásica (ou

junção), coesão temporal e coesão referencial. Ao segundo grupo pertencem os mecanismos de reiteração e

substituição.

Koch (1994), questionando a distinção entre referência e substituição, apresenta dois grupos de teóricos. De um

lado, aqueles que consideram que toda retomada de referentes textuais ocorre por substituição, e de outro, os que

se opõem à visão de substituição.

Entre os teóricos ligados ao primeiro grupo, Koch aponta Harweg (1968), pois ele entende o texto como uma

sucessão de unidades linguísticas constituídas por uma “cadeia pronominal ininterrupta”. O pronome é visto por

ele como toda e qualquer expressão linguística co-referencial, isto é, que expressa um mesmo referente, que é

retomado no texto por formas linguísticas substitutivas, denominadas de “múltiplo referenciamento”, e entende a

substituição como troca de uma expressão linguística por outra dada. Nesse sentido, não há necessidade de

distinção entre referência e substituição.

Dos estudiosos que se opõem à visão de substituição da coesão referencial, Koch apresenta Kallmeyer e Meyer-

Hermann (1976), que partem da concepção de instruções durante o ato comunicativo por meio de elementos

linguísticos do texto, distinguindo três tipos básicos de instruções: as de consequência (nível pragmático), de

sentido (nível semântico) e as de conexão (nível sintático). Estas instruções de sentido realizadas através da

contribuição de elementos contextuais permitiriam o estabelecimento da relação textual adequada.

A autora cita, ainda, os estudos de Brown & Yule (1983), que, ao tratarem da coesão, incluem o uso de formas

substitutivas entre as diversas maneiras de estabelecer relações de referência. Ressaltam esses autores, ainda,

que à medida que o texto se desenvolve, o referente sofre mudanças de estado e sua descrição modifica-se.

Ainda Koch (1994), tendo por base a função dos mecanismos coesivos na constituição da textualidade, propõe

duas grandes modalidades de coesão: a referencial (referenciação, remissão) e a sequencial (sequenciação).

A coesão referencial é aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro elemento do

universo textual, distinguindo-se em forma referencial ou remissiva e elemento de referência ou referente textual,

destacando que a remissão pode ocorrer por catáfora ou anáfora. Esse elemento de referência tem noção bastante

ampla, podendo ser representado por um nome, um sintagma, um fragmento de oração ou todo um enunciado… é

algo que se ( re)constrói textualmente. KOCH (op. cit.:30)

Para a autora, as principais formas remissivas ou referenciais, partindo da classificação proposta por Kallmeyer et

alii (1976) são: formas remissivas referenciais e não-referenciais. Estas se subdividem em presas e livres. As

formas não-referenciais presas são aquelas que acompanham o nome, antecedendo-o e também acompanhando os

modificadores antepostos ao nome dentro do grupo nominal: os artigos definidos e indefinidos, os pronomes

adjetivos e, ainda, os numerais cardinais e ordinais. As formas não-referenciais livres são aquelas que não

acompanham um nome dentro de um grupo nominal, mas são utilizadas para fazer remissão, anafórica ou

cataforicamente, a um ou mais constituintes do universo textual: pronomes pessoais de terceira pessoa, pronomes

substantivos, os numerais, os advérbios pronominais que dão instrução para as noções de tema (aquilo sobre o

que se fala) e rema (o que se diz sobre o tema), expressões adverbiais que atuam catafórica e anaforicamente nas

porções do texto,e as formas verbais remissivas (pró-formas verbais).

As formas remissivas referenciais são as que, além de trazerem instruções de conexão, fornecem indicações no

nível da referência e ocorrem por meio de expressões ou grupos nominais definidos, nominalizações, expressões

sinônimas ou quase-sinônimas, nomes genéricos, hiperônimos ou indicadores de classe, formas referenciais com

lexema idêntico ao núcleo do sintagma nominal antecedente, com ou sem mudança de determinante. As formas

referenciais cujo lexema fornece instruções de sentido que representam uma “categorização” das instruções de

sentido de partes antecedentes do texto e formas referenciais em que as instruções de sentido do lexema

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constituem uma “classificação” de partes anteriores ou seguintes do texto no nível metalinguístico e a elipse.

Essas formas de referência ou remissão nem sempre se estabelecem sem ambiguidade, e, para um perfeito

entendimento, ou quebra da ambiguidade, o leitor/ouvinte terá que se decidir baseado nas predicações feitas e

observando o contexto em que se inserem.

A outra modalidade de coesão é a sequencial, que diz respeito aos procedimentos linguísticos através dos quais se

estabelecem, entre os segmentos do texto, diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas, à medida da

progressão do texto. Essa progressão textual pode ocorrer com ou sem os elementos recorrentes. São dois os tipos

de sequenciação: frástico, sem procedimentos de recorrência estrita, e parafrástico, com os procedimentos de

recorrência.

A sequenciação parafrástica ocorre quando na progressão do texto, encontramos procedimentos de recorrência

como: recorrência de termos, recorrência de estruturas – paralelismo sintático e de conteúdos semânticos –

paráfrase, de recursos fonológicos segmentais e/ou supra-segmentais, recorrência de tempo e aspecto verbal.

A sequenciação frástica nota-se quando a progressão do texto vem assinalada por uma série de marcas

linguísticas pelas quais se relacionam os enunciados do texto, criando determinados tipos de relação, que

constituem fatores de coesão textual, na medida em que garantem a manutenção do tema, o estabelecimento de

relações semânticas e/ou pragmáticas entre os segmentos do texto, a ordenação e articulação de sequências

textuais. Os procedimentos de manutenção temática, progressão temática e encadeamento são os que de forma

geral enquadram-se na sequenciação frástica.

A manutenção temática ocorre pelo uso de termos pertencentes a um mesmo campo lexical ou por meio de um

esquema cognitivo ativado na memória do leitor/ouvinte que permite desfazer ambiguidades e avançar em

sequência no texto. A progressão temática se concretiza através de blocos comunicativos (tema/rema) que variam

em duas perspectivas: a oracional e a textual. Koch (1994) apresenta a visão de Danes(1970), em que este

procede a uma combinação das duas perspectivas nas cinco etapas seguintes: progressão temática linear,

progressão temática com um tema constante, progressão com tema derivado, progressão por desenvolvimento de

um rema subdividido e progressão com salto temático.

O encadeamento permite estabelecer relações semânticas e/ou discursivas entre orações, enunciados ou

sequências maiores do texto. Obtém-se por justaposição ou conexão. A justaposição ocorre com ou sem partículas

e, nesta última, extrapola o âmbito da coesão textual, cabendo ao leitor construir a coerência e estabelecer

mentalmente as relações semânticas e/ou discursivas. A justaposição com partículas estabelece um

sequenciamento coesivo entre partes da superfície textual, através de partículas ou sinais de articulação, que

operam em diversos níveis hierarquizados e funcionam como sinais demarcatórios das partes textuais.

A conexão é responsável pelo tipo de encadeamento entre as palavras, entre orações, enunciados ou partes do

texto por diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas, divididas em relações lógico-semânticas e

relações discursivas ou argumentativas. Nas primeiras, as relações são de tipo lógico. Na outra, os encadeadores

de tipo discursivo são responsáveis pela estruturação de enunciados em textos, e podem ocorrer entre orações de

um mesmo período e entre parágrafos de um texto. Esses conectores, ao introduzirem um enunciado,

determinam-lhe a orientação argumentativa, sendo assim, chamados também de operadores argumentativos. As

relações que estabelecem são pragmáticas, retóricas ou argumentativas.

Todos esses elementos apresentados têm função coesiva no texto, para com isso, auxiliar e facilitar a

interpretação do mesmo, ressaltando-se que devem ser usados em funções específicas para que realmente ocorra

a coesão textual.

A constituição dos sentidos nos textos é chamada de coerência textual, e tem entre seus fatores os elementos

linguísticos, o conhecimento de mundo, as inferências e a situação. A coerência textual não é uma propriedade do

texto, mas se constrói na interação do texto com seus usuários observando-se os fatores apresentados numa

situação comunicativa concreta. No entanto, é importante ressaltar que coesão e coerência se relacionam, embora

do ponto de vista analítico possam ser abordadas separadamente; no dizer de KOCH & TRAVAGLIA (1995: 44) são

duas faces de um mesmo fenômeno.

* Mestre em Língua Portuguesa, atuando como revisora de textos em Londrina. PR

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Mecanismos de Conexão Sequencial Exercendo a liderança baseada no poder de


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2 Comentários

Antonio Medeiros maio 13, 2018 Responder

Nossa, quanta riqueza. Quanta informação. Terei que ler novamente, só que longe dos meus
netos. Eles me fizeram perder no encadeamento das ideias. Vou reler. Gostei muito.
Uma pergunta: como se inicia esse estudo da linguagem? Alguns trechos vejo que há
necessidade de um pré requisito.
Pode me auxiliar?

Cezar Andrade Marques de Azevedo maio 15, 2018 Responder

Minha esposa Karin, redigiu este texto e está na fila para que ela possa responder.

Obrigado por sua manifestação

Cezar Azevedo.

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