Obra Unicamp Folheto Morangos Mofados
Obra Unicamp Folheto Morangos Mofados
Obra Unicamp Folheto Morangos Mofados
AULAS ESPECIAIS
PORTUGUÊS
AS OBRAS DA UNICAMP
MORANGOS MOFADOS
1. Breve biografia material (sua residência no Jardim Paulista é muito melhor
1948 – Caio Fernando Loureiro de Abreu nasce em 12 de que as que tivera na Europa), o que lhe permite um
setembro em Santiago, interior do Rio Grande do Sul. balanço existencial que inspirará o florescimento dos
1961 – Escreve A Maldição de Saint-Marie, drama re- contos de Morangos Mofados.
cheado de clichês, mas que fez sucesso entre colegas de 1982 – Publica Morangos Mofados, que o alça à condição
adolescência. Reformulado em 1988, torna-se A Maldição de “antena de sua sociedade e de seu tempo”, bem como
do Vale Negro, que conquista o Prêmio Molière. de “voz de sua geração”.
1963 – Muda-se para Porto Alegre, indo morar em um 1992 – A década seguinte à estreia de Morangos Mofados
internato de rapazes. É a fase de solidão, compensada com presencia o desabrochar da consagração do autor. Prova
a leitura de Dostoiévski, Nietzsche, Proust, Joyce, Virginia disso é que, neste período, quando viaja para a Europa, o
Woolf, Salinger, Sartre, Simone de Beauvoir, Katherine autor conseguir sustentar-se pela literatura. É também
Mansfield, Herman Messe, Graciliano Ramos, Guimarães quando passa a publicar crônicas semanais no jornal O
Rosa, Clarice Lispector. Estado de S. Paulo.
1966 – Publica seu primeiro conto, “O Príncipe Sapo”, na 1994 – Notando manchas na pele, submete-se a exames
revista Cláudia. no hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Diagnóstico:
1967 – Entra para a Universidade Federal do Rio Grande AIDS. Passa a escrever, de maio deste ano a dezembro de
do Sul, nos cursos de Letras e de Artes Cênicas. 1995, “Cartas para além dos muros”, crônicas em que,
1968 – Graças à vitória em um concurso, muda-se para ousadamente, revela a sua doença. Volta então para Porto
São Paulo, tornando-se redator da revista Veja. Já nesta Alegre, onde colabora para o Caderno Cultura do jornal
cidade, por ter participado de passeatas contra a ditadura gaúcho Zero Hora. Dedica-se à família e à jardinagem.
militar implantada em 1964, chega a ser fichado pelo 1996 – Morre em 25 de fevereiro, de pneumonia, causa
Departamento de Ordem Social (DOPS). Impactado com mortis comum aos imunodepressivos da época.
a opressão, muda-se para Campinas, mais precisamente
para o sítio Casa do Sol, da poeta Hilda Hilst. Lá, entre 2. Contexto histórico-social
em contato com experiências que lhe abrem a mente, tanto Caio Fernando Abreu vinculou a sua literatura à
para as ousadias e para a vida quanto para a literatura. Geração Beat. Trata-se de um movimento cultural surgido
1971 – Muda-se para o Rio de Janeiro, oscilando entre o nos Estados Unidos entre a segunda metade da década de
prazer de ler Kafka, Proust, Erico Verissimo e a obrigação 1950 e a primeira metade da década de 1960, e que
de produzir textos, principalmente para a revista Pais e buscava uma forma de existência que se opusesse aos
Filhos. Nesse mesmo ano, volta para Porto Alegre, onde padrões tradicionais da sociedade de então. Por isso, seus
é preso por posse de substâncias ilícitas. integrantes adotaram um estilo de vida nômade,
1973 – Passa a morar na Europa, residindo em más dedicaram-se ao amor livre e entregaram-se de maneira
condições em Estocolmo e Londres. Ganha a vida lavando desenfreada ao rock e às substâncias ilícitas.
pratos, sem deixar de se dedicar à literatura. Na capital Pertence a essa vertente Jack Kerouac (1922-1969),
inglesa, é preso por ter roubado a biografia de Virginia autor de On the Road (1957), obra considerada a “bíblia
Woolf. Depois disso, passa a ter, ao lado de sua máquina hippie”. Também faz parte desse grupo William
de escrever, uma foto dessa escritora. Burroughs (1914-1997) e Allen Ginsberg (1926-1997),
1974 – Volta a Porto Alegre, dedicando-se ao teatro e ao que, com seus cabelos cumpridos, botas e roupas pouco
jornalismo. convencionais para a época, inspirou o visual dos hippies,
1977 – Volta a São Paulo, passando a escrever para as grupo que se consagraria em 1969 com o festival de
revistas Pop e Nova. É a fase de relativa estabilidade Woodstock.
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O curioso é que o conto “Morangos Mofados” tem repressão do regime militar. Além disso, esse fungo se
como epígrafe um trecho de uma famosa canção dos reproduz por meio de esporos, que são células que se
Beatles, “Strawberry Fields Forever” (1967), composta espalham no ar, contaminando o ambiente – o que se pode
por John Lennon e Paul McCartney: entender como o clima de opressão da década de 1970 se
disseminando em todo o contexto social, inclusive nas
Let me take you down relações pessoais.
‘cause I’m going to strawberry fields Portanto, a metáfora presente no título da obra
nothing is real, and nothing to get representa a derrocada dos sonhos da geração de Caio
hung about Fernando Abreu, que vivenciou os morangos, ou seja, o
strawberry fields forever espírito libertário da década de 1960, que lutou por uma
revolução sociocultural modernizadora, mas que se
A tradução poderia ser: deparou, na década de 1970, com esse fruto mofado, ou
seja, com esses ideais sufocados pela opressão da ditadura
Me deixe te levar comigo militar e de uma sociedade conservadora que a endossava.
porque estou indo para os campos de morangos Marginalizados, restava a esses jovens a melancolia,
nada é real e não há nada com que se preocupar sentimento dominante em Morangos Mofados.
Campos de morangos para sempre
3.2. A divisão da obra
Essa canção, que revela a faceta psicodélica dos Morangos Mofados apresenta dezoito contos,
Beatles, é marcada pelos ideais de seu período – a década divididos em três partes. A primeira, O Mofo, engloba as
de 1960 –, pois revela, no desejo de ida aos campos de seguintes narrativas: “Diálogo”, “Os Sobreviventes”, “O
morangos, uma disposição para a fantasia (“nada é real”) Dia em que Urano Entrou em Escorpião”, “Pela Passagem
como escape para os problemas de seu tempo (“não há de uma Grande Dor”, “Além do Ponto”, “Os
nada com que se preocupar”): a efervescência político- Companheiros”, “Terça-Feira Gorda”, “Eu, Tu, Ele” e
social provocada por eventos como a Guerra do Vietnã “Luz e Sombra”. A segunda, Os Morangos, é composta
(muitos jovens não viam razão em sacrificar suas vidas dos seguintes textos: “Transformações”, “Sargento
em um conflito armado, o que gerou o lema “Faça amor, Garcia”, “Fotografias”, “Pera, Uva ou Maçã?”, “Natureza
não faça guerra”), a Guerra Fria, a luta pelos direitos civis Viva”, “Caixinha de Música”, “O Dia em que Júpiter
de igualdade (a liberdade sexual, os movimentos encontrou Saturno”, “Aqueles Dois”. A terceira,
feminista, gay, black power, a ascensão de Malcolm X e Morangos Mofados, é composta apenas do conto que dá
Martin Luther King), a luta contra as ditaduras, a nome ao livro.
reprovação ao capitalismo reacionário e selvagem, a A primeira parte da obra trata de narrativas dominadas
preocupação com a ecologia, a rejeição a um estilo de vida pela metáfora do mofo, ou seja, pela individualidade
nutrido pelos mais velhos, mas que não correspondia ao reprimida ou massacrada pela sociedade conservadora.
espírito revolucionário da juventude, grupo ao qual Caio Essa problemática não desaparece na segunda parte, que
Fernando Abreu pertencia. Dessa forma, a canção tem como diferencial o domínio da metáfora do morango,
metaforiza os ideais de entrega a uma vida prazerosa, da que anuncia que essas individualidades, ainda que
qual esse fruto tradicionalmente foi símbolo. prejudicadas pelo status quo, encontram, a seu modo,
No entanto, o adjetivo associado a “morangos”, tanto mesmo que timidamente, vazão para sua realização
no conto quanto no livro em que está inserido, é pessoal. Já a terceira parte, de uma única narrativa,
“mofados”, o que indica que essa infrutescência não foi concilia de maneira tensa as duas realidades anunciadas
aproveitada. Traduzindo a metáfora: os sonhos de uma no título: os prazeres da explosão de vida e a repressão
geração não foram degustados, não se realizaram. O imposta pelo meio reacionário. Detalhe: essa tensão é tão
agravante é que, além de não terem sido desfrutados, problemática que provocou um embate de desfechos:
estragaram-se, corromperam-se, pois foram tomados por como já dito, o autor montou o seu texto de maneira que
fungos. E enriquece a análise da obra a consciência de o protagonista perdesse a própria existência; no entanto, a
algumas características biológicas do mofo: ele se dá própria personagem impôs uma outra lógica narrativa,
muitas vezes em razão de a matéria orgânica estar em entregando-se à vida, com sonhos reconfigurados.
lugar fechado – o que se pode entender como os anos de
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3.3. Resumo dos contos escolhidos bate insistentemente, mas não é atendido. Entra em um
3.3.1. “Diálogo” desespero tão grande que, primeiramente, chega a colocar
Por pertencer à parte O Mofo, “Diálogo” discorre em dúvida se estava no endereço certo e, por fim, numa
sobre os desejos que são sufocados pelo contexto social. situação mais crítica, questiona se de fato existira aquele
Além disso, essa narrativa é bastante peculiar, pois amado.
apresenta unicamente um diálogo, como atesta o seu
começo: 3.3.3. “Terça-Feira Gorda”
Outro conto de O Mofo é mais uma narrativa sobre
A: Você é meu companheiro. um indivíduo que tem seu desejo sufocado pelo contexto
B: Hein? social conservadora. É a história de dois homens que se
A: Você é meu companheiro, eu disse. conhecem e se entregam a um jogo de sedução em um
B: O quê? baile de carnaval, durante a famosa “terça-feira gorda”.
A: Eu disse que você é meu companheiro. Como os dois não se sentem à vontade para a entrega
B: O que é que você quer dizer com isso? amorosa, saem do salão e vão para a praia, onde a
A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso. conjunção carnal se materializa. No entanto, após tanta
B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto. felicidade, aparece um grupo de homofóbicos que parte
A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranoico. para cima do casal, iniciando um processo de
linchamento. O narrador-protagonista consegue escapar,
O irônico é que não se estabelece um diálogo mas não obtém sucesso em livrar o seu companheiro da
efetivamente, pois se configura uma falta de comunicação, agressão.
uma falta de compreensão contaminada por uma paranoia
a respeito do significado da palavra “companheiro”. Essa 3.3.4. “Pera, Uva ou Maçã?”
imprecisão semântica foi sabiamente explorada por Caio Este conto faz parte de Os Morangos, momento em
Fernando Abreu, que conseguiu, assim, materializar o que as personagens, apesar de inseridas na mesma
espírito de seu tempo. Para tanto, basta lembrar que problemática levantada em O Mofo, conseguem agir e
“companheiro”, primeiramente, significa apenas “a pessoa buscar seu próprio caminho existencial. Seu narrador é
que faz companhia”, ou mesmo “quem participa das personagem, um terapeuta que atende uma paciente,
atividades ou crenças de outra pessoa”. No entanto, essa provavelmente jovem, mas não mais na tenra adoles-
palavra tem uma conotação política, sendo muito utilizada cência, às segundas e quintas, sempre às 17 horas.
entre os indivíduos do espectro de esquerda. Dessa forma, Configura-se aqui uma rotina, que reflete o universo
explica-se, em um meio dominado pela opressão política conservador padronizado, na qual a todo custo deve ser
da ditadura militar, o medo de ser associado aos encaixada a garota, uma outsider, uma ex-cêntrica.
socialistas. Além disso, “companheiro” era uma forma É bastante valioso notar neste conto a incapacidade
eufemística, discreta de se referir ao cônjuge de uma do terapeuta em entender o que está se processando em
relação homoafetiva. Semelhante ao contexto político, sua paciente, que sintomaticamente no final do conto é
configura-se o medo de ser identificado como chamada de cliente. De fato, ele não está muito interes-
homossexual em um ambiente marcado pelo sado no potencial de personalidade dela, apenas está
conservadorismo. preocupado em formatá-lo na sociedade conservadora e,
portanto, limitadora. Daí não entender o que ela relata, daí
3.3.2. “Além do ponto” o bocejo, daí não parar de olhar o relógio – enfim, ele não
Também integrante da parte O Mofo, “Além do está voltado para o aspecto humano dela.
ponto” relata a frustração dos desejos do indivíduo. Trata- O que a jovem conta é a experiência epifânica que
se da história de um homem, pobre e marginalizado, que tivera enquanto caminhava para o consultório. Primeira-
parte para um encontro amoroso, mas o faz em meio a mente, havia se encantado com ameixas que vira à venda,
imensas dificuldades: está debaixo de uma chuva que o por isso comprara uma porção delas e passou a se entregar
deixa ensopado; ao escorregar na rua, quebra a garrafa de a degustá-las a ponto de se lambuzar. Era a dedicação ao
conhaque que carrega, encharcando sua roupa de álcool. prazer de viver. Até que deu de encontro com um caixão
Ainda assim, alimenta a esperança de que, ao encontrar o que era conduzido em um funeral, o que a fez derrubar
seu amado, será acolhido com uma ducha e um cobertor sem querer as ameixas. Refeita do choque, em que tudo
quente. No entanto, ao chegar à porta do seu companheiro, parecia estar paralisado, ela descobre que o mais
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importante é apostar nas ameixas – ou seja, mergulhar na dos Beatles, em 8 de dezembro de 1980, evento que
delícia de existir. E era essa descoberta que ela estava passou a ser visto como o final dos sonhos da geração de
ansiosa para compartilhar na sessão de terapia. Como 1960.
símbolo disso, entrega uma ameixa ao terapeuta, Coerente com todo esse contexto simbólico, o casal
desejando-lhe “Feliz Ano Novo”, embora ainda fosse se separa, ele se retirando do apartamento, e cada um
setembro. Valores que ele, incompetente, pois subor- tentando encontrar um rumo em sua existência
dinado aos princípios de uma sociedade conservadora reconstruída.
limitante, não compreendeu.
3.3.6. “Aqueles Dois”
3.3.5. “O Dia em que Júpiter Encontrou Saturno” Um dos mais antológicos contos de Caio Fernando
Este é um conto que produz no leitor certa dificuldade Abreu, “Aqueles Dois” narra a história de Raul e Saul,
de compreensão por causa de sua estrutura lacunar, o que dois solitários que se conheceram no ambiente de
faz com que se busque seu sentido em elementos externos. trabalho. Vindos de relacionamentos heteroafetivos fra-
Narra-se aqui o reencontro de um casal, um homem e uma cassados, acabam descobrindo, no decorrer do tempo,
mulher, em meio a uma festa em um apartamento na afinidades que vão fortalecendo a amizade entre eles, o
avenida Henrique Schaumann, em São Paulo. Iniciam um que vai atiçando a curiosidade e maledicência dos demais
diálogo com toques de surrealismo: colegas de trabalho, em especial das mulheres, uma vez
que desejam dois solteiros tão bonitos. Ainda assim, eles
– Você gosta de estrelas? passam ao largo a esse falatório (indicado pela expressão
– Gosto. Você também? que dá nome ao título do conto, típica de mexericos),
– Também. Você está olhando a lua? trocando experiências ligadas a gostos estéticos, prin-
– Quase cheia. Em Virgem. cipalmente cinema e canções.
– Amanhã faz conjunção com Júpiter. No entanto, quanto mais forte vai ficando a amizade
– Com Saturno também. entre os dois, mais ambígua ela vai se tornando,
– Isso é bom? aproximando-se em vários momentos da homoafeti-
– Eu não sei. Deve ser. vidade. O clímax foram as festas de final de ano, que
– É sim. Bom encontrar você. comemoraram juntos.
– Também acho. Janeiro começa, o que simboliza a chegada de um
novo tempo. Que foi impactante. Mal Raul e Saul chegam
(Silêncio) à repartição, o chefe os chama: recebera cartas de alguém
que assinava como “Um Atento Guardião da Moral” e que
– Você gosta de Júpiter? denunciava o relacionamento dos dois, qualificando-o
– Gosto. Na verdade “desejaria viver em Júpiter onde como “relação anormal e ofensiva”, “desavergonhada
as almas são puras e a transa é outra”. aberração”, “comportamento doentio”, “psicologia
– Que é isso? deformada”. Em razão disso, o encarregado, que se via
– Um poema de um menino que vai morrer. orientado por dois guias, “a-reputação-de-nossa-firma” e
– Como é que você sabe? “tenho-que-zelar-pela-moral-dos-meus-funcionários”,
– Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro. decidira demiti-los.
– Hein? No momento em que Raul e Saul estão saindo da
repartição, o que poderia ser uma derrota de dois
(Silêncio) divergentes diante de um sistema opressor,
surpreendentemente se configura em uma virada de jogo:
Os constantes silêncios representam a dificuldade de
reestabelecer conexão do casal, após anos de afastamento. Mas quando saíram pela porta daquele prédio grande e antigo,
Ambos construíram novos históricos de vida após a parecido com uma clínica psiquiátrica ou uma penitenciária,
derrocada de seus sonhos, tema basilar em Morangos vistos de cima pelos colegas todos nas janelas, a camisa
Mofados e que não pode ser esquecido neste conto. E essa branca de um e a azul do outro, estavam ainda mais altos e
falência de ideais está representada na referência a tiros, mais altivos. Demoraram alguns minutos na frente do edifício.
imediatamente lembrados quando toca a música de John Depois apanharam o mesmo táxi, Raul abrindo a porta para
Lennon. Trata-se da alusão ao assassinato do ex-integrante que Saul entrasse. Ai-ai! alguém gritou da janela. Mas eles
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não ouviram, O táxi já tinha dobrado a esquina. Pelas tardes mesmo táxi, o que é uma forma de afrontar, com o
poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia gema companheirismo, aquela sociedade conservadora. A
de um enorme ovo frito no azul sem nuvens do céu, ninguém reação vem de um grito anônimo da janela,
mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos caricaturizando a homossexualidade, como ocorrera em
ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes “Terça-Feira Gorda”, outro conto em que dois homens
para sempre. E foram. afrontam o conservadorismo. A diferença é que em
“Aqueles Dois” o preconceito não é percebido, tamanha a
É importante notar que o ambiente de trabalho é distância (e a superioridade) que os protagonistas
apresentado como sombrio, sem cor, sem vida, semelhante assumem diante daquele meio social, o que o último
a “uma clínica psiquiátrica ou uma penitenciária”. Sair de parágrafo reforça, por meio até de uma inversão dos finais
um local assim não seria derrota, mas vitória, por isso de contos de fada: “ninguém mais conseguiu trabalhar em
Raul e Saul estarem se retirando “ainda mais altos e mais paz na repartição”, pois todos ali “tinham a nítida
altivos”. Estão “além do ponto”, tanto que tomam o sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram”.
Exercícios
1. Explique a ironia que se estabelece a partir do título 4. Qual dos dois contos apontados na questão anterior
do conto “Diálogo”, que abre Morangos Mofados, de apresenta um desfecho trágico e por isso, obviamente,
Caio Fernando Abreu. infeliz? Explique.
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RESOLUÇÃO
PORTUGUÊS
AS OBRAS DA UNICAMP
MORANGOS MOFADOS
1) A ironia anunciada no título de “Diálogo” está no também provocar, em uma sociedade homofóbica,
fato de o conto apresentar apenas uma sequência porque retrógrada, perseguição e até morte.
de discursos diretos sem que se efetive uma
comunicação, já que as duas personagens não 3) As duas narrativas que justificariam a paranoia
conseguem se entender. presente em “Diálogo” são “Terça-Feira Gorda” e
“Aqueles Dois”, já que seus protagonistas são dois
2) A paranoia, isto é, a desconfiança extrema das homens, companheiros, que vivem a tensão
duas personagens de “Diálogo”, A e B, é ativada provocada pela homofobia.
por causa dos sentidos que podem ser associados à
palavra “companheiro”. Esse zelo exagerado se dá 4) “Terça-Feira Gorda” apresenta final trágico, pois
em razão do contexto histórico-social em que elas os dois personagens, após se conquistarem durante
estão inseridas, que é o da ditadura militar um baile de carnaval e se entregarem ao enlace
brasileira vigente entre 1964 e 1985 e que deu amoroso à beira do mar, são alvo de violência
respaldo a valores conservadores ou até mesmo homofóbica. O narrador consegue escapar da
retrógados. Nesse sentido, pode se referir à forma violência, mas não obtém sucesso em resgatar o seu
como os integrantes da esquerda se chamavam. companheiro, que é linchado.
Portanto, ser identificado a esse espectro político
poderia causar, em tempos de domínio da direita 5) “Aqueles Dois” tem um desfecho positivo, pois,
ditatorial, perseguição, prisão e até morte. O outro apesar de seus protagonistas, Raul e Saul, serem
significado possível está ligado à maneira indireta demitidos por razões homofóbicas, saem engran-
e até mesmo eufemística com que o cônjuge de um decidos quando comparados com seus compa-
homossexual costumava ser chamado. Assim, estar nheiros de trabalho, infelizes em sua mediocridade
relacionado a essa orientação homoafetiva poderia preconceituosa.
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ANOTAÇÕES
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