Art. 5
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28° Seminário
24 de Novembro de 2020
ARTIGO
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Sumário:
I. Introdução; II. Fundamentos jurídicos da Medida de Internação; III. Medida de Internação e Ideologia; IV.
Labelling Approach; V. Criminologia Crítica; VI. Teoria Clínica; VII. Considerações Psicológicas sobre a
Adolescência; VIII. Considerações Críticas sobre a Medida de Internação; IX. Proposta; Bibliografia
Resumo:
Pretende-se, a partir do estudo do fundamento jurídico e das teorias das penas, entender as motivações
explícitas e implícitas da aplicação de medida sócio-educativa de internação a adolescentes acusados de
praticar ato infracional, ao incluir a questão da ideologia em sua análise. Para isso buscam-se elementos na
Teoria do Labelling Approach, na Teoria Crítica e no Conceito Crítico de Criminologia Clínica, somados aos
elementos da Psicanálise, da Psicologia desenvolvimentista e da Psicologia sócio-histórica, para que
possam auxiliar na reflexão do que ocorre antes da aplicação da medida de internação e verificar quais os
efeitos de sua aplicação nos adolescentes que a elas são submetidos. Por se tratar de um tema complexo,
que não encontra unanimidade em suas análises, recorre-se, no presente, a diferentes visões da
problemática.
Palavras-chave:
Direito Penal Juvenil; Medida sócioeducativa; Internação; Criminologia; Adolescente em conflito com a lei;
Fundação Casa.
I. Introdução
Esse artigo tem por objetivo principal analisar, de um modo interdisciplinar e crítico, as medidas de
internação enquanto norma jurídica e realidade concreta.
A norma escrita (letra da lei) e sua aplicação, a vontade e a ideologia do legislador e, a atuação no mundo
do ser dessa mesma legislação são momentos diferentes, porém inseparáveis. O Direito tem que ser
considerado como um todo que engloba desde o instante da criação das normas (legislativo) até o ponto
em que produz alterações realmente no mundo fático (aplicação), quando deixa de ser uma norma geral e
abstrata para influir diretamente, e definitivamente, na vida dos indivíduos. “Por isso, a análise do sistema
penal e da marginalização social a ele ligada não pode ser feita, sob o aspecto jurídico, se o trabalho do
jurista se limita ao universo da norma, excluindo-se o conhecimento da eficácia e da aplicação concreta da
norma”[2].
A intenção deste trabalho é a compreensão das medidas de internação sob dois ângulos: antes de sua
aplicação e durante sua execução. Ou seja, busca-se discutir, sob um enfoque crítico, incluindo concepções
jurídicas, criminológicas e psicológicas, as motivações das medidas de internação e seus efeitos reais na
vida dos adolescentes.
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A principal diferença entre a visão garantista e a visão tutelar é a posição que os adolescentes ocupam nas
relações com os demais sujeitos sociais, tanto com a família, com o Estado e com a própria sociedade. Isso
significa dizer que passam a poder exigir o cumprimento de seus direitos, não mais se subordinando a
todos. Transformam-se em sujeitos de direitos e deixam de ser considerados objetos de tutela. Não é
diferente na relação com o Poder Judiciário. Anteriormente, o juiz era tido como um pai, que era incumbido
de dizer o que era o melhor para o jovem, sem a concretização dos princípios constitucionais processuais,
como o contraditório e o devido processo legal.
A atual etapa é tida como garantista exatamente por assegurar a existência das garantias processuais que
os adultos gozam. Assim, o adolescente passa a atuar de fato, a ter voz ativa e não mais ser objeto de uma
relação paternalista com o Estado. Passa a ser considerado sujeito propriamente dito, ou seja, passa a
contar com um rol de direitos e obrigações.
Além disso, a expressão “situação irregular”, que era o conceito fundamental para a compreensão do regime
anterior, passa a não fazer mais sentido na atual concepção, tendo deixado, inclusive, de constar da Lei.
Jovens em situação irregular eram aqueles marginalizados pela sociedade, pobres, abandonados,
delinquentes etc. Ao adotar expressamente a terminologia “crianças e adolescentes”, ao invés de “menores
em situação irregular” o ECA pretende se distanciar destes preconceitos que estavam arraigados na
mentalidade social, e de fato, teoricamente, é bem sucedido. Todavia, concluímos, ao final deste trabalho,
que o estereótipo fático da “situação irregular”, trazido pelos Códigos de Menores, não deixou de existir na
prática.
O foco, na legislação de menores, era a periculosidade e por essa razão havia a previsão da aplicação de
medidas pré-delituais e pós-delituais. A mera probabilidade de ocorrência do delito já era, por si só,
suficiente para a imposição de medidas ao adolescente. Tudo isso era justificado pela necessidade social e
até mesmo moral de se proteger o menor-delinquente-abandonado.
Na vigência do Código de Menores e, portanto sob o manto da situação irregular, pode-se dizer que as
medidas pré-delituais pouco se diferenciavam das pós-delituais, uma vez que o critério para sua definição
era a investigação biopsicossocial da criança ou do adolescente. Funcionavam ainda como uma
premonição: uma criança institucionalizada tinha grandes chances de tornar-se um adolescente infrator, e,
posteriormente, um adulto criminoso[3].
O Estatuto da Criança e do Adolescente mantém certa semelhança com a antiga legislação nesse ponto.
Também prevê atuações anteriores à prática delitiva, porém, de maneira diferente. Pretende atuar
preventivamente ao cometimento do ato infracional, contudo, não por meio da exclusão desses
adolescentes, mas por meio de políticas públicas gerais que, por meio da promoção e garantia de seus
direitos, buscam evitar que delitos venham a ser cometidos: são as chamadas prevenções primárias e
secundárias.
Encontramos as políticas básicas como prevenção primária e as políticas de proteção especial como
prevenção secundária. As medidas de internação são a última alternativa do Poder Público para coibir
determinadas práticas – ações ou omissões típicas, antijurídicas e culpáveis – praticadas por pessoas com
idade entre 12 e 18 anos.
Nesse sentido, pode-se falar em três tipos de prevenção: primária, secundária e terciária. A prevenção
primária é aquela que se dirige a toda comunidade, independentemente se seus membros estão em uma
faixa de risco maior ou menor de delinquir. A intenção é evitar o cometimento de delitos em geral e de
promover o bem-estar de toda população. Um exemplo seria a construção de escolas em áreas carentes
nesse setor[4]. Não se faz distinção entre aqueles que tenham cometido delitos e os que não tenham, e sim
busca-se desmantelar ambientes favoráveis ao aparecimento de condutas delitivas.
A prevenção secundária destina-se a grupos que tenham maior risco de delinquir, que apresentem atitudes
desviantes. Pode-se citar, como exemplo, o projeto que levou crianças que já haviam cometido delitos,
porém que não tinham se envolvido com a justiça criminal, para visitar penitenciárias e conversar com
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presos[5].
Já a prevenção terciária, na realidade, busca prevenir a reincidência daqueles que já delinquiram. Essa
espécie de prevenção está presente no campo das execuções penais, e inclui, entre outras medidas
socioeducativas, a medida de internação. As atuações nessa área são geralmente mais caras e também
menos eficientes do que as demais formas de prevenção[6].
A medida de internação é espécie da qual a medida sócio-educativa é gênero. As demais espécies descritas
no ECA são: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade
assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional[7]. Essas
medidas integram a chamada prevenção terciária.
Os outros mandamentos legais existentes no ECA se prestam a evitar que seja necessária a imposição da
medida de internação. Compete ao juiz da Vara da Infância e da Juventude a aplicação das medidas sócio-
educativas, mas o Promotor de Justiça pode aplicar diretamente as medidas de advertência, obrigação de
reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, ou qualquer medida protetiva
descrita no art. 101 do Estatuto[8].
Nota-se uma gradação na restrição da liberdade imposta. A semiliberdade é a medida intermediária entre o
meio aberto e a privação total de liberdade, é uma forma de privação de liberdade, mas que permite a
realização de algumas atividades externas à instituição responsável pelo cumprimento da medida.
O adolescente fica privado do convívio familiar e de sua comunidade, mas realiza atividades pedagógicas
e/ou profissionalizantes em meio aberto, de forma a conviver com outras pessoas que não estão cumprindo
medida sócio-educativa. O que é benéfico ao adolescente por não restringir por completo seu direito de ir e
vir e por não privá-lo do contato com a sociedade de forma a dilacerar seus vínculos com esta. Dessa forma,
o caráter pedagógico se faz mais intenso.
Contudo, não é demais afirmar que a aplicação de medida sócio-educativa é uma questão de política
criminal, uma vez que as condutas nas quais se pode aplicar tal medida sócio-educativa são as mesmas
tipificadas no Código Penal, mas a escolha pela aplicação de medida sócio-educativa em vez de pena de
reclusão ou detenção é uma escolha que se fundamenta na condição de desenvolvimento psicológico em
razão da idade dos autores. Não ocorre, de forma alguma, a opção pela não penalização, mas pela
penalização de maneira diferenciada, o que não significa dizer mais branda.
É válido destacar que é necessária a ocorrência de todos os requisitos exigidos pela lei para a penalização
do adulto para o adolescente ser responsabilizado. O adolescente não pode ser punido naquilo em que o
adulto não seria. Decorre daí a presença do princípio da legalidade também existente no Direito Penal
Juvenil[9], pois o adolescente só poderá ser responsabilizado por uma conduta tipificada antes da prática
delitiva.
Além disso, o nexo de causalidade entre a ação ou omissão praticada pelo adolescente e o resultado
reprovável obtido devem estar comprovados para ensejar a aplicação de qualquer medida sócio-educativa.
O bem jurídico necessariamente tem que ter sido lesado – ou ter sido exposto a perigo de lesão –
dolosamente pelo autor do fato ou, em casos excepcionais previstos em lei, ao menos culposamente.
Mas, para a medida de internação ser aplicada, não é suficiente que o ato infracional tenha sido praticado: é
fundamental que não exista medida sócio-educativa mais apropriada para o caso concreto, para alcançar a
reeducação e a ressocialização do adolescente, levando sempre em consideração suas características
individuais. O art. 100, caput, do ECA dispõe explicitamente sobre esse ponto, in verbis: “Na aplicação das
medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortaleci‐
mento dos vínculos familiares e comunitários”.
Vê-se daí que a intenção do legislador, ao prever medidas de internação, é que estas sejam aplicadas em
ultima ratio, por reconhecer que a privação de liberdade, em especial na fase de desenvolvimento intensa
que vive um adolescente, pode provocar cicatrizes, até mesmo irreparáveis, na formação da identidade e
nas relações sociais que o jovem estabelece. Pode, inclusive, gerar exatamente o oposto do almejado, ou
seja, a perda de vínculos com a família e com a comunidade ou até mesmo com a escola. E isso,
certamente, não está de acordo com os interesses da sociedade. A sócio-educação é também uma forma
de defesa social, ou seja, é um meio de prevenir a reincidência e de alcançar o caráter de prevenção
especial.
O art. 122 do ECA estabelece condições que devem estar presentes para a medida de internação ser
aplicada. Contudo, não basta que alguma das condições esteja presente no caso concreto, é necessário que
se faça a análise de qual medida é a mais adequada à singularidade daquele jovem.
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A medida de internação só poderá ser aplicada se o ato for praticado mediante grave ameaça, em caso de
reincidência em crimes graves ou em caso de descumprimento de medida imposta anteriormente[10].
“Relaciona-se a medida diretamente com a dignidade do bem jurídico penalmente tutelado na primeira
hipótese, e com a defesa da convivência social pacífica na segunda”[11]. Sendo assim, a aplicação da
medida de internação não está vinculada diretamente ao delito praticado, e sim às circunstâncias acima
expostas.
O parágrafo 2º desse mesmo artigo expressamente determina que a medida de internação seja a última
medida a ser aplicada, não podendo ser aplicada nos casos em que outra se fizer adequada. Dessa forma,
mesmo nos casos em que estiverem presentes alguma das condições descritas nos incisos I, II ou III para a
aplicação de medida de internação, esta aplicação não se dará de modo automático, ao contrário, deverá
ser aplicada apenas em último caso.
A medida de internação está disciplinada no art. 121, caput, do ECA[12] e é condicionada a três princípios
fundamentais, quais sejam: brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
O art. 121 do ECA, em seus parágrafos, dispõe, ainda, sobre as condições e características das medidas de
internação. Em seu parágrafo 2º está previsto que não há prazo determinado para o cumprimento da
medida e que a sua necessidade deve ser avaliada periodicamente. Essa é uma característica que diferencia
a pena aplicada aos adultos em relação à medida aplicada aos adolescentes, pois, quando da sentença
condenatória para um adulto, o juiz, obrigatoriamente, determina a duração da pena privativa de liberdade de
acordo com os patamares mínimo e máximo previstos em Lei. No caso de adolescentes em conflito com a
lei, contudo, a situação é diversa.
O conteúdo punitivo está claramente presente nos dois institutos: pena e medida sócio-educativa. Todavia, a
razão de não se ter determinado em sentença a duração da medida de internação torna evidente a intenção
de que a prevenção especial se concretize a partir do alcance de condições subjetivas que podem ser
atingidas a partir das atividades pedagógicas e de lazer desenvolvidas na instituição, o que vale dizer que o
processo sócio-educativo deve ser capaz de auxiliar o adolescente a alcançar essas condições objetivas.
E, considerando que cada adolescente é sujeito único e distinto, cada um terá desenvolvimento próprio e
também único, avaliável periodicamente pelos técnicos responsáveis e, sobretudo, pela autoridade
judiciária, que deverá decidir sobre a necessidade ou não de manutenção da medida de internação[13].
Nesse ponto, fica destacado o fato de que, no Direito Penal Juvenil, a principal finalidade da aplicação da
medida de internação é a preventiva especial, ou seja, a tentativa de evitar a reincidência, a vulnerabilidade
do adolescente e a marginalização secundária. E, isso se justifica exatamente no já comentado parágrafo 2°
do art. 121 do ECA, que não fixa prazo para o cumprimento da medida, de modo a vinculá-la não à gravidade
da infração, e sim ao desenvolvimento do adolescente durante o cumprimento da medida sócio-educativa.
“A própria verificação das necessidades pedagógicas do adolescente (arts. 100/113 do ECA) como uma das
diretrizes mestras de definição do regime adequado prestigia o entendimento de que o foco é mais no autor
do que no crime propriamente dito”[14]. Para que isso seja efetivo, deve-se seguir um plano individualizado
de medida. Deve-se, no entanto, tomar cuidado para que o Direito Penal do autor não passe a vigorar no
Direito Penal Juvenil.
A ideologia, de acordo com a concepção marxista, tem a função de ocultar diferenças e mostrar que a
sociedade é homogênea, indivisa, na qual o bem de um é, também, o bem de todos. Porém, a sociedade
moderna é heterogênea e a ideologia, portanto, acaba por escamotear a realidade, criando uma imagem
que não corresponde a realidade, escondendo os reais problemas e contradições sociais[15].
Para tal, trabalha com conceitos gerais, genéricos, tais como nação, família etc., não tratando as pessoas
individualmente. A primeira manifestação clara da ideologia é o próprio conceito de Estado, que, na verdade,
foi criado e é mantido pelas classes dominantes para servi-las, mas aparece, por força da ideologia, como
representação da sociedade como um todo.
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A função principal da ideologia é fazer com que pareça natural aos indivíduos que cada um exerça
determinado papel na sociedade, justificando, assim, as diferenças sociais como algo natural e próprio
daquela sociedade, algo que não deve ser discutido e que não pode ser mudado. Contudo, a realidade que
está por detrás da ideologia é outra: é aquela em que uma classe dominante se esforça em manter-se
dominante, mesmo que para isso tenha que usar de ferramentas capazes de gerar atrocidades, como é o
caso da marginalização.
Nesse contexto, o Estado é uma organização política que atende aos interesses da classe dominante, que
se utiliza da ideologia com o objetivo de manter o status quo e a sociedade coesa e de regulamentar e
organizar o uso da força. “Esta força está alicerçada, por sua vez, em uma ordem coercitiva, tipificada pela
incidência jurídica”[16]. Paradoxalmente, a legitimação do uso da força se dá por meio da validade que o
direito lhe confere e é o próprio Estado responsável por estruturar o modelo jurídico e ser a fonte criadora do
Direito[17].
O Direito, em sua acepção dogmática, também é uma forma de ideologia, pois também se presta à
ocultação. Isso porque é a expressão da vontade de uma minoria, ou seja, da classe dominante, que se
sobrepõe às demais vontades daquela sociedade. Mas isso se dá de uma forma muito sutil, de modo que o
direito recebe uma roupagem de ser um sistema justo, universal e inquestionável. Contudo, ignora as
diferenças nas relações sociais.
O Direito Penal é o ramo do Direito que pretende proteger bens jurídicos gerais e de segurança pública, na
medida em que se propõe a reduzir a criminalidade, por meio das funções da pena. Exatamente por lidar
com questões pungentes da sociedade, como a criminalidade, o criminoso, o bem, o mal, o medo, a
insegurança, o Direito Penal ganha um espaço muito grande e uma capa protetora legitimadora, já que
justifica sua existência pela necessidade de se alcançar a segurança social.
Dessa maneira pode ocultar suas reais intenções, pois é como se a sociedade tivesse entregado ao Sistema
de Justiça Criminal um cheque em branco em nome de sua segurança. “Neste aspecto, o primado está no
princípio da neutralidade estatal e na sua função histórica do agente de bem comum e de distribuidor da
justiça”[18]. Como já vimos, a própria neutralidade estatal é uma construção ideológica.
A medida sócio-educativa de internação não está fora dessa lógica. Ela faz parte do aparato estatal, do
Direito Penal, e, por essa razão, também atua ideologicamente para ocultar as reais intenções do Sistema de
Justiça Criminal. Com o compromisso de buscar a segurança social e de, inclusive, proteger os
adolescentes em conflito com a lei, acaba por ter legitimidade, mas, na realidade, sua intenção verdadeira
não é essa.
De acordo com o raciocínio apresentado acima, a intenção escondida é de selecionar quais dos
adolescentes que estão em conflito com a lei serão segregados e excluídos da sociedade por determinado
período de tempo. Com a camuflagem de se considerar a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
opta-se por privar esses jovens de liberdade, perpetuando a lógica perversa capitalista da exclusão social.
Antes de serem submetidos a alguma medida de internação, os adolescentes passam por um filtro. A
maioria dos delitos não chega ao conhecimento da justiça, outros, por sua vez, são considerados aptos a
receberem remissão. Essa duas situações impedem que os adolescentes sejam submetidos a qualquer
medida sócio-educativa.
Sendo assim, pode-se perceber o papel da ideologia nesse processo de seleção daqueles que serão
internados e daqueles que serão submetidos a outras medidas, como prestação de serviços à comunidade,
liberdade assistida ou advertência. Porém, não é apenas o instituto jurídico da medida de internação que
está a serviço da ideologia, mas também as próprias instituições destinadas ao cumprimento dessas
sanções. “A instituição reproduz as relações de poder na organização em todas as suas instâncias, desde o
nível funcional até as relações pessoais. É esse, basicamente, o caso da Febem [hoje, Fundação Casa],
determinando as relações com o adolescente e, portanto, influindo em seu processo de identificação”[19].
IV.Labelling Approach
Esta teoria criminológica surgiu na década de 1960, nos Estados Unidos, em meio a um ambiente
extremamente contestador dos valores do american way of life.
Parte da premissa de que o crime é uma categoria mutável e que o fenômeno da criminalidade é natural.
Esta teoria se preocupa em compreender as reações das instâncias oficiais de controle, considerando que
tais instâncias desempenham um papel constitutivo da criminalidade. Segundo Alessandro Baratta, a teoria
do Labelling Approach entende que
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o status social de delinqüente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de
controle social da delinqüência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o
mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias[20].
Nesse sentido prossegue o autor: “Em determinado sentido, o comportamento é indiferente em relação às
reações possíveis, na medida em que é a interpretação que decide o que é qualificado desviante e o que não
o é”[21]. Por não existir uma definição natural e imutável do que é um comportamento criminoso, as
discussões a respeito das causas da criminalidade se transformam em indagações sobre as causas da
criminalização, tanto no que diz respeito à criação de normas quanto no que se refere à aplicação destas.
Segundo essa teoria, para que uma pessoa seja rotulada como criminosa basta que tenha tido contato com
a justiça penal uma única vez. Todo o estigma que essa pessoa carregará girará em torno deste fato. Isso
porque, entre outros fatores, as instituições em que as penas são cumpridas acabam por estimular essa
estigmatização e a incutir no indivíduo apenado os valores de um verdadeiro criminoso, criando assim, o
fenômeno chamado de “prisionização”. O que ocorre com muito mais intensidade nas “instituições totais”
de que nos fala Goffman[22].
Conclui-se, portanto, que as instituições que, pretensamente, objetivam alterar o comportamento desviante,
na realidade, operam de forma diretamente inversa, perpetuando-o. Nesse ponto se insere a discussão
acerca da chamada desviação primária e desviação secundária.
Shecaira muito bem sintetiza essa noção dizendo que a desviação primária é aquela que diz respeito
diretamente à estrutura psíquica das pessoas, tendo como fatores de influência as questões sociais,
culturais, econômicas e raciais. Já a desviação secundária diz respeito a uma classe de pessoas que
passam a ter problemas em função da reação que a sociedade tem contra a própria desviação, em função
do rótulo que recebem, e por essa razão passam a agir e a incorporar aquela identidade desviada[23].
É exatamente nesse ponto que reside a grande questão: como quebrar esse ciclo? Uma das propostas
trazidas por essa teoria, e posteriormente mais elaborada, é a chamada diversion, que consiste em,
basicamente, diversificar as instâncias de controle, tentando solucionar os conflitos longe da justiça
criminal tal qual conhecemos hoje, como é a sugestão da justiça restaurativa, que começa a ser aplicada no
Brasil.
Outra solução proposta é a eliminação dos registros criminais daquele que já cumpriu sua pena, para assim,
facilitar sua reinserção social. Além dessas, propõe-se uma abertura do cárcere para a sociedade livre, de
modo a estabelecer um diálogo efetivo entre esses indivíduos, para que se possa, então, pensar em
reintegração. Em suma, trata-se da “política dos quatro Ds”: Descriminalização, Diversion, Devido Processo
Legal e Desinstitucionalização.
V. Criminologia Crítica
Esta teoria surgiu, na década de 1970, concomitantemente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Com o
desenrolar do tempo e com o amadurecimento dessas ideias, passaram a ser identificadas três vertentes
distintas: neo-realismo de esquerda, minimalismo penal e abolicionismo penal. Contudo, essas três
correntes têm em comum uma visão, grosso modo, marxista da história e, consequentemente, do problema
da criminalidade[24].
De acordo com essa teoria, a tensão originada pela luta de classes é a gênese da criminalidade e da dupla
seletividade do sistema penal, o qual, em primeiro lugar, busca criminalizar aqueles de classes sociais
inferiores tipificando
as suas condutas cotidianas, e em segundo lugar, a seleção daqueles que serão estigmatizados, dentre
todos aqueles que praticaram uma ação criminalizada.
O neo-realismo de esquerda se contrapõe ao movimento conhecido como Lei e Ordem (Law and Order
Moviment), que, nos anos 1980, foi muito forte tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, defendendo o
aumento da repressão contra a criminalidade e contra as minorias étnicas. Para os neo-realistas de
esquerda, tanto as causas dos delitos quanto as vítimas devem ser o centro
dos estudos.
Shecaira entende que dentro da visão socialista, os neo-realistas de esquerda compreendem o fenômeno da
criminalidade não tendo só a pobreza como principal fator, mas considerando as demais características
incentivadas pelo sistema capitalista como causas importantes, tais como o individualismo, o consumismo,
a competição e os preconceitos[25].
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E, no que diz respeito às vítimas, entendem que o medo de ser vítima sentido por aquelas pessoas das
classes mais baixas, os operários, gera uma desorganização de classe muito maior do que nas classes
mais abastadas. Por essa razão, acaba por levar a uma divisão dentro da própria classe baixa, o que
acarreta uma falsa imagem do problema, pois passam a brigar entre si e acabam desviando o foco da luta
contra o sistema capitalista.
O minimalismo penal surge na Europa meridional e tem como principal expoente Luigi Ferrajoli. Seu objetivo
principal é a redução do Direito Penal o quanto antes. Na realidade, essa teoria é um aprofundamento de
uma questão já defendida pela Teoria do Labelling Approach, que visava à prudente não intervenção, tendo
como argumento base o fato de que a aplicação de penas privativas de liberdade e todas as consequências
originadas por essas são mais gravosas dos que os benefícios trazidos, além de, muitas vezes, não
solucionarem verdadeiramente o conflito, apenas disfarçando-o.
O abolicionismo penal passa a existir como pensamento acadêmico no Congresso Mundial de Criminologia,
de 1973, em Viena. Tal teoria possui correntes distintas, mas que concordam em seus pressupostos
básicos de que o sistema penal serve como uma forma de controle das classes dominantes com o objetivo
de impor um modo de vida, legitimando e reproduzindo as desigualdades sociais, perpetuando, em última
instância, suas injustiças.
Propõe a solução das situações-problema[26] de forma mais imediata, incluindo no processo os agentes
envolvidos no evento, de maneira mais singular, sem excluir a atuação dos juízes, promotores, policiais etc.,
apenas alterando a forma de atuação, não hierarquizando as relações e prevendo diversas soluções-
percurso para cada situação-problema, de modo que o resultado surja dos diálogos.
Ademais, consideram a pena de prisão ilegítima, pois na realidade é uma violência, uma coação brutal, que
não prevê qualquer diálogo ou acordo entre as partes, e que, ainda por cima, não atinge seus objetivos, ao
não evitar a reincidência e não intimidar o agente, visto que as causas da criminalidade estão muito mais
associadas a problemas sócio-econômicos do que à falta de intimidação imposta pelo sistema penal aos
cidadãos, sendo ilógico que o mal deva ser recompensado com um mal de igual ou maior proporção.
Nesse sentido, Edson Passetti afirma que “a abolição do castigo é a valoração de novos costumes, como
resposta-percurso para situações-problema. Não é apenas um efeito ou derivação do Direito Penal. Sua
existência é o reconhecimento que nossa cultura se funda numa sociabilidade autoritária (...)”[27].
Por esses motivos, as alternativas às penas impostas pelo Direito Penal são as principais propostas desses
estudiosos, que não pregam o fim do sistema de retribuição ou reparação dos danos causados. Ao
contrário, os abolicionistas propõem modelos mais efetivos, que realmente possam alcançar esses
objetivos, sem, inclusive, aplicar a pena de prisão que, em última instância, acaba por manter-se na lógica da
violência, sem alterar o paradigma atual, legitimando a submissão e a exclusão.
as chamadas penas alternativas – penas outras que não a prisão, restritivas e não privativas da liberdade
[surgem], não como reais substitutivos da prisão, no sentido de uma amenização de seus sofrimentos, de
uma humanização da pena, mas sim como um meio paralelo de ampliação do poder do Estado de punir[28].
De acordo com a autora, as propostas ao modelo atual de repressão que se convencionou chamar de penas
alternativas apenas ampliam o alcance do Estado e não alteram a lógica ilegítima de coerção penal
existente. Deve-se, então, pensar em soluções desvinculadas desta.
Contudo, os autores que defendem esta teoria entendem que a abolição penal não é possível de ser
implementada hoje e muito menos de uma maneira abrupta e imposta de modo coercitivo. Ao contrário,
deve ser algo construído pela sociedade, de acordo com sua mentalidade e seus valores, para serem aceitas
socialmente outras formas de resolução dos problemas da criminalidade, sem a imposição de mais
violência. Acreditam que a mídia pode auxiliar a acelerar esse processo de transformação social.
Tal teoria, que tem como data de nascimento o 1º Congresso Internacional de Criminologia Clínica no início
dos anos 1950, engloba, na realidade, três modelos: clínico tradicional (médico-psicológico), clínico
moderno (psicossociológico) e clínico crítico.
A Criminologia clínica inclui, em sua compreensão sobre o crime, as questões individuais que motivaram a
pessoa a cometer aquele delito específico. Os conceitos tradicional e moderno dão especial atenção ao
indivíduo e suas peculiaridades.
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Em linhas gerais, podemos dizer que o conceito tradicional de Criminologia Clínica adota uma postura
médico-psicológica, na qual o foco está no indivíduo, no seu corpo e na sua personalidade, se preocupando,
especialmente, em fazer diagnósticos e prognósticos em busca do tratamento adequado. Já o conceito
moderno adota a postura psicossociológica, ao incluir os fatores sociais na compreensão do fenômeno do
crime, com uma importância igual a assumida pelos fatores individuais, deslocando assim, o foco para o
indivíduo inserido em seu contexto social, com o intuito de alcançar a sua ressocialização[29].
Embora esta teoria guarde semelhanças com as demais teorias explanadas acima, seu foco principal
encontra-se na pessoa do encarcerado, na sua história pessoal, nos motivos que o levaram àquela situação,
no futuro e no presente dessa pessoa. Não se preocupa em fazer uma teoria que busque compreender o
fenômeno da criminalidade genericamente considerado. Ao contrário, aceita dialogar com diversas teorias
explicativas desse fenômeno para buscar conhecer aquele indivíduo de maneira específica.
Essa teoria analisa três questões fundamentais: a conduta tida pelo Direito Penal como criminosa; a ação
daquele indivíduo que foi selecionado pelo sistema penal por tê-la praticado, indagando por que, dentre
todos aqueles que praticaram aquela mesma ação delitiva, este foi selecionado; e, por fim, analisa a própria
prisão e as questões que ela coloca ao interagir com essa pessoa.
A partir de todos esses elementos, propõe-se a criar estratégias de intervenções que objetivam a
reintegração social do condenado.
O campo de trabalho do criminólogo clínico (ou psicólogo criminal), via de regra, é o presídio, o sistema
penitenciário. É ali que vai procurar entender os indivíduos ou grupos que se envolveram com a
delinqüência, e estudar a instituição prisional, suas regras, seus profissionais, seus hábitos etc[30].
A noção de adolescência, tal qual entendida hoje, é uma construção social que começou a ser criada
historicamente no século XIX[31]. É um consenso entre os estudiosos do assunto, pelo menos
substancialmente, que o início dessa fase, conhecida como adolescência, se dá com a puberdade, mas seu
final é uma incógnita[32]. Essa dúvida quanto ao final da adolescência, e início da fase adulta, interfere
diretamente na maneira como as pessoas passam por esse período, uma vez que não sabem quando e nem
como vão sair dessa fase “pré-adulta”, na qual já não se é mais criança, mas também não se é visto pelos
adultos como tal.
A adolescência é certamente uma fase muito complexa e marcante na vida das pessoas. É um período de
experimentações, de novidades, de descobertas, de conflitos, de sofrimento, de crescimento, de
amadurecimento, de crises, de construções... O adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades
extremas, que são perturbadas e perturbadoras para o mundo adulto, mas necessárias para o
estabelecimento de sua personalidade e de seu caráter[33], sendo esse o objetivo principal do seu momento
de vida. Deve desprender-se de seu mundo infantil, no qual a relação de dependência predominava, e
enfrentar o mundo dos adultos. Maurício Knobel considera que este é um período de vivências de
contradições, confusão e ambivalência, doloroso de se viver e caracterizado por tensões com o meio
familiar e social[34].
Essa fase é constantemente permeada de grande insegurança egóica[35], o que conduz às dificuldades de
relacionamentos tão comuns nessa fase[36]. “Entre a criança que se foi e o adulto que ainda não chega, o
espelho do adolescente é freqüentemente vazio”[37]. Sendo assim, as atitudes dos adolescentes tendem a
ser norteadas por essa insegurança, o que pode resultar em timidez ou em ações desinibidas para chamar
atenção. É uma constante, portanto, dessa fase, a confusão de identidade[38].
Segundo Calligaris, os adolescentes chegam ao extremo de acreditar que expressar essa rebeldia por meio
de atos ilegais só reforçará o amor que os adultos sentem por eles, isso porque estariam agindo de acordo
com os sonhos recalcados destes. Cria-se, então, uma situação extremamente complicada, porque, de um
lado o adolescente transgride para receber um olhar de igual, ou de admiração, ou, ainda, de amor do adulto,
e acaba recebendo, como consequência, repressão.
Essa repressão pode dar-se de modo preventivo ou punitivo. Quando a atuação do adulto se dá
preventivamente é pela imposição de regras ao comportamento adolescente, o que, por sua vez, acaba por
resultar na afirmação de que o adolescente ainda não é maduro o suficiente para ser um adulto. De outro
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lado, quando se dá de modo punitivo, o adolescente interpreta essa reprimenda como se sua ação não
tivesse sido compreendida pelos adultos.
Além disso, Levisky[39] traz à tona a discussão a respeito da percepção temporal, que é algo relevante
nessa fase da vida, na qual o jovem tem apenas o agora como perspectiva, vive apenas o presente,
negando o passado, ou seja, a infância, querendo se distanciar cada vez mais dela, e, ao mesmo tempo, tem
medo do futuro por representar o desconhecido, apesar de desejá-lo.
Aos poucos, o jovem adquire a capacidade de atuar da maneira que é esperada de um adulto. Seu
comportamento se altera conforme experimenta e toma consciência de questões sociais, culturais,
ideológicas, políticas e econômicas, passando a considerá-las importantes, desenvolvendo, assim, “um
raciocínio pautado em hipóteses e na reversibilidade dialética das proposições”[40], admitindo a
possibilidade de pensar sem necessariamente se apoiar em elementos da vida concreta.
Alvino Augusto de Sá[41], de acordo com o pensamento de Winnicott, destaca que o relacionamento entre a
criança e a mãe é fundamental para assegurar um desenvolvimento e um amadurecimento do indivíduo.
Problemas nessa primeira fase de desenvolvimento emocional podem gerar dificuldades de planejamento,
de instabilidade, de assumir responsabilidade pelos seus atos, de ética, um forte imediatismo etc., o que são
características presentes em muitos adolescentes, sendo observadas, também, naqueles que praticam
infrações. Uma das formas que a criança ou o adolescente pode encontrar para solucionar as privações
emocionais é o caminho da delinquência. “A criança e o adolescente em conflito com a lei (...) na maioria
das vezes é vítima de uma história de privações”[42].
Mais do que isso, privações emocionais tão fundamentais podem levar a pessoa a se fixar na fase em que
vivenciou essas privações, dificultando seu amadurecimento.
Tanto Winnicott quanto Alvino Augusto de Sá concordam que a confiabilidade do lar e da mãe são fatores
essenciais para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Quando a criança não encontra essa
confiabilidade na escola ou na relação com a mãe, que pode ser substituta, tenta buscá-la em um
relacionamento externo, na sua ligação com a sociedade, pois essa estabilidade é essencial para superar
esse estágio do seu desenvolvimento emocional. Segundo Winnicott, a maioria dos delinquentes não
supriram essa carência no estágio necessário de amadurecimento. Dessa forma, adverte o autor:
Enquanto está sob forte controle, uma criança anti-social pode parecer muito bem; mas, se lhe for dada
liberdade, ela não tardará em sentir a ameaça da loucura. Assim, ela transgride contra a sociedade (sem
saber o que está fazendo) a fim de restabelecer o controle proveniente do exterior[43].
A psicanálise, ao trazer à tona explicações para a delinquência como as abordadas acima, retira a ideia de
que a delinquência seria um fenômeno unicamente da pobreza, ao considerar o ser humano como sujeito de
desejos. Enxergar todos os indivíduos como sujeitos de desejos é fundamental para a compreensão do
fenômeno social. Essa compreensão da delinquência como resultado da busca por um desejo, coloca a
questão no plano do indivíduo, considerando que o que varia entre as pessoas não é o fato de serem seres
desejantes, mas sim a maneira como cada um lida com esses desejos, a ética utilizada por cada um para
controlá-los ou buscá-los[44].
A Psicologia social[45] traz outros elementos interessantes para a análise da adolescência. Segundo Ana
Bock[46] não existe um desenvolvimento natural de todo ser humano que dependa exclusivamente de sua
carga genética e de seu ser próprio. Muita influência é exercida pela cultura, pelas produções de todas as
ordens da sociedade em que esta pessoa está inserida. Por esse motivo, não é muito difícil chegar à
conclusão de que as diferentes formas de acesso a essa cultura interferem na maneira como a pessoa
absorverá os valores.
Neste sentido, Ana Bock[47] entende que a adolescência é uma construção sócio-histórica, e não algo
natural. Esse período entre a infância e a fase adulta, denominada adolescência, não é algo genético,
específico da raça humana. Na realidade, é fruto dos valores e da cultura da sociedade moderna. Ao se
considerar a adolescência como universal e natural, fica oculto todo o processo social que existe e existiu
para que essa etapa da vida tivesse as características que tem hoje.
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Outro ponto extremamente interessante trazido por Ana Bock é a questão de que a adolescência estudada,
geralmente, é a das classes média e alta, sem que isso seja explicitado. Não se cogita focalizar como esse
processo se dá em outras classes sociais, até mesmo porque a adolescência é vista como algo natural a
todas as pessoas, independentemente do papel social que desempenham. Esses estudos são somente
aplicados aos jovens de outras classes sociais como sendo a atitude esperada deles, expectativa esta que é
costumeiramente frustrada.
A concepção sócio-histórica apresentada por Bock vira de cabeça para baixo a outra apresentada acima.
Nesse período de tempo chamado adolescência, o jovem é obrigado a esperar para entrar no mundo adulto,
mas não por uma questão natural, biológica, genética, mas sim por uma questão cultural, uma imposição do
mundo capitalista adulto, para que os próprios adultos possam ficar mais tempo no mercado de trabalho.
Contudo, os jovens das classes pobres não podem aguardar, ao mesmo tempo em que se especializam,
para entrar no mercado de trabalho, ao contrário, precisam começar a trabalhar o quanto antes para seu
sustento e o de sua família.
De acordo com Winnicott[48], a criança normal, ajudada nos estágios iniciais pelo seu próprio lar,
desenvolve o que é chamado de “ambiente interno”, propício a um bom desenvolvimento. Já a antissocial
não teve a oportunidade de criar um bom “ambiente interno” e por isso necessita de um controle externo
feito por pessoas extremosas a fim de obter a oportunidade de vir a ser feliz, capaz de brincar ou trabalhar.
Nesse sentido, “o comportamento anti-social nada mais é do que um S.O.S., pedindo o controle de pessoas
fortes, amorosas e confiantes”[49]. Assim poderá a criança recuperar seus impulsos primitivos de amor, seu
sentimento de culpa e seu desejo de corrigir-se. Cabe aqui destacar que essa observação se aplica a todas
as crianças e adolescentes, independentemente de sua classe social.
Além disso, deve-se considerar que, ao ser inserida em uma instituição que se destina a acolher jovens que
foram afastados de seus vínculos afetivos por força de uma decisão judicial (como um abrigo, por
exemplo), ocorre um rompimento, geralmente brusco, com as relações anteriores, as quais serviam de
referencial para essa pessoa. Nesse novo meio, terá que estabelecer novos vínculos e referenciais a partir
de novas interações. Isso pode resultar em diversas sequelas sociais e emocionais[50].
Cabe a nós discutir aqui o que isso significa e como esse processo se dá. Contudo, como já explicitado
acima, é arriscado tentar aplicar uma teoria baseada em valores a pessoas que não compartilham dessas
condições. Porém, por outro lado, Kahn Marin[51] destaca que a própria instituição compartilha desses
valores e tenta encaixar os jovens nestes. Isso está diretamente relacionado com a questão da ideologia,
discutida no item III, quando destacamos que esta desconsidera as diferenças e, por meio de lacunas, tenta
justificar porque cada um ocupa o papel que exerce na sociedade, de forma com que isso pareça natural.
As instituições onde as medidas de internação são cumpridas também seguem esses princípios. Tentam
adotar a lógica do modelo familiar, entendido como a fórmula do desenvolvimento sadio.
O resultado desse processo não pode ser o esperado, visto que opera de acordo com uma lógica que na
realidade é ilógica para seus receptores.
Se pensarmos na relação que Winnicott estabelece entre privação emocional e delinqüência, podemos
entender que a internação de adolescentes, cuja história de vida é permeada de privações emocionais, não
pode trazer resultados positivos, pois a instituição não tem características ambientais propícias a um bom
desenvolvimento emocional, prejudicando “ainda mais a habilidade do adolescente em realizar trocas com o
meio e ampliar um sentimento de envolvimento amoroso com a coletividade, com a vida e consigo
mesmo”[53].
O que é mais importante é a possibilidade de simbolização e de superação dos conflitos via significação.
Estes processos é que devem ser incentivados na atuação da Fundação Casa na relação com esses jovens.
O olhar assistencialista, com o significado de que esses adolescentes são pobres coitados, a visão de que é
melhor não explicitar as faltas para não relembrá-los do já sofrido, isso sim pode gerar problemas sérios na
formação desses futuros adultos.
Trabalhar com as questões reais, sem esconder os problemas, é a única saída para a construção de algo
positivo. Deve-se tomar cuidado para não perpetuar o estereótipo atribuído a esses jovens: carente, logo,
marginal. Quando o indivíduo é tratado dessa forma, visto assim por todos – o tempo todo –, a
possibilidade de ele incorporar para si esta visão, introjetando os estigmas, e começar a desempenhar esse
papel é grande.
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A medida sócio-educativa de internação é um instituto jurídico de grande relevância social. Como já visto, é
aplicada por uma instituição e envolve a atuação de diversos profissionais e operadores do Direito.
Ademais, o fato de que, segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em 2006
aproximadamente 11.873 adolescentes cumpriam medida sócio-educativa em meio fechado no Brasil[54], o
que corresponde a 30% dos adolescentes aos quais foi imposta alguma medida sócio-educativa, é um
número bastante significativo. Soma-se a isso, ainda, a quantidade de jovens que já cumpriram medida de
internação e os familiares de todas essas pessoas, tanto dos internos, ex-internos e profissionais do
sistema de justiça juvenil.
No presente trabalho, adotamos como foco de análise o Estado de São Paulo, o qual conta com 50% de
todos os adolescentes internados do país, sendo que não possui 50% dos jovens deste e nem um índice de
criminalidade desproporcionalmente maior[55]. Contudo, sua maior relevância encontra-se no fato de que
esse instituto jurídico repercute em toda a sociedade, pois as pessoas envolvidas nesse processo de
internação reagem a ele de forma a impactar as relações sociais.
A seletividade do sistema punitivo é considerada uma realidade por todas as teorias criminológicas
apresentadas neste trabalho, de forma que todas elas incorporam as ideias nascidas com o Labelling
Approach no que se refere à rotulação social. O Direito Penal Juvenil, por adotar normas e princípios do
Direito Penal, também apresenta essas características.
De acordo com os teóricos do Labelling Approach, o contato com as instâncias formais de controle
estigmatiza o indivíduo. Isso ocorre não só pelo registro em sua folha de antecedentes – o que, certamente,
dificultará seu ingresso e/ou desenvolvimento no mercado de trabalho – mas, principalmente, por ter
passado um grande tempo encarcerado, submetido a condições humilhantes, sendo tratado como
delinquente, o que constitui forte indução no sentido de se comportar como tal. É, portanto, rotulado e tende
a continuar exercendo esse papel social mesmo após a sua saída da cadeia. Isso não é diferente nas
medidas de internação, pois também são penas privativas de liberdade que são cumpridas em uma
instituição total[56].
o ato infracional, tal qual o crime, é uma realidade construída socialmente, dentro dos interesses ínsitos a
uma sociedade discriminadora. Nessa linha de argumentação, a construção da criminalidade não é
somente a prática de atos contra lei, mas também a reação aos mesmos atos. Maior será a criminalidade
tanto quanto maior for a reação
Dessa forma, as medidas de internação nada mais são do que a efetiva restrição de liberdade em
estabelecimento próprio destinado a isso, onde convivem somente adolescentes que praticaram atos
infracionais. Apesar das diferenças existentes entre as cadeias e as instituições destinadas à internação de
adolescentes, a semelhança em sua essência é muito grande, pois não fogem de suas características de
instituições totais.
A relevância dessa discussão é realçada pelo fato de que o discurso mais presente nos meios de
comunicação, que, a um só tempo, formam e expressam a opinião pública, é de que as medidas de
internação não são penas e de que os adolescentes infratores não são punidos pela Justiça, como se
houvesse uma espécie de complacência com estes.
o novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo (...). Ao entrar, é imediatamente
despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de nossas mais antigas instituições totais,
começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações, profanações do eu. O seu eu é
sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado[58].
Sendo assim, busca-se a normalização destes indivíduos e sua submissão total à rotina e às regras
impostas, docilizando seus corpos e enfraquecendo seu ego. Neste sentido, Foucault conclui que
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o que se procura reconstruir nessa técnica de correção não é tanto o sujeito de Direito, que se encontra
preso nos interesses fundamentais do pacto social: é o sujeito obediente, o indivíduo sujeito a hábitos,
regras, ordens, uma autoridade que se exerce continuamente sobre ele e em torno dele, e que ele deve
deixar funcionar automaticamente nele[59].
O sistema penal incentiva que os apenados, sejam eles adultos ou adolescentes, aprendam a ser submissos
e a obedecer às regras,não importando quão violentas sejam. Ocorre que essas características não são
qualidades na vida em sociedade, pois a vida livre é diametralmente oposta à vida intramuros, sendo
baseada em regras de convivência muito diferentes. Nota-se, nesse ponto, um paradoxo, pois “se o preso
demonstra um comportamento adequado aos padrões da prisão, automaticamente merece ser considerado
como readaptado à vida livre”[60], recebendo benefícios, tais como, redução de pena e parecer psicológico
favorável à sua descarcerização ou desinternação.
Portanto, a pessoa acaba introjetando as regras violentas e se sujeitando a elas para, assim, sair da prisão
mais cedo, mas, ao mesmo tempo, acaba, nesse processo, adotando características que contribuem para a
perpetuação do estereótipo de criminoso: violento, desadaptado ao convívio social, desconhecedor das
regras básicas da convivência pacífica. Isso também ocorre com os adolescentes submetidos à medida de
internação.
A questão do controle do tempo, abordada por Goffman, também se faz presente na Fundação Casa.
Apesar da existência de diversos cursos e aulas, não há a possibilidade de escolha por parte dos internos,
pois é a própria direção da instituição quem decide quem frequentará quais cursos e oficinas e em quais
horários[61]. Isso corrobora o argumento de que essas instituições funcionam como instituições totais,
estabelecem o controle sobre os apenados por meio da vigilância e das regras estritas, em que não há
qualquer espaço para diálogo ou construção conjunta. Dessa forma, a tendência é que o jovem adote uma
postura passiva perante sua vida, tanto porque qualquer discordância resulta em punições violentas.
Ocorre que, durante a fase processual, o adolescente desempenha, ao menos em tese, um papel ativo, ao
falar e ser ouvido. Porém, isso não é valorizado dentro da instituição, ao contrário, é considerado como algo
negativo. Nos dizeres de Alvino Augusto de Sá,
se, no julgamento perante o juiz, o jovem é “ouvido”, tem (ou deveria ter) valorizada a sua “fala”, se ele é
respeitado como um sujeito que participa (ou deveria participar) ativamente do processo das decisões a
seu respeito, todo esse enfoque muda posteriormente, sobretudo ao ser encaminhado a uma instituição
fechada[62].
E é dessa forma que os adolescentes percebem as relações de hierarquia na instituição, notam que devem
adotar uma postura passiva diante das situações e que sua opinião não é valorizada. Podemos inferir isso
do fato de que 66% dos adolescentes entrevistados – levantamento realizado pela própria Febem (atual
Fundação Casa), em 2006 – responderam que “entrar em debate com funcionário atrasa a caminhada. Gera
a maior situação, mesmo quando ele está errado” tem “tudo/muito a ver comigo”[63]. Nesse sentido, Flávio
Frasseto assegura que “eventual resistência é encarada como subversão, prova cabal do desvio,
confirmação da perigosidade”[64].
Em assim sendo, podemos compreender porque 64% dos internos que responderam a pesquisa, em 2006,
disseram que tem “tudo/muito a ver comigo” o fato de que “aqui, se você não faz algum curso, você acaba
se atrasando. Então, para você não aumentar sua caminhada aqui você acaba fazendo”[65]. Esse dado
revela que os adolescentes não percebem os cursos que lhe são oferecidos como uma possibilidade de
futuro, mas sim como uma forma de minimizar seu tempo de internação.
a evidência derivada da análise do comportamento nos diz que mesmo quando a coerção[66] atinge seu
objetivo imediato ela está, a longo prazo, fadada ao fracasso (...) plantamos as sementes do
desengajamento pessoal, do isolamento da sociedade, da neurose, da rigidez intelectual, da hostilidade e da
rebelião[67].
A Teoria do Labelling Approach, se aplicada a esses adolescentes, revela-nos uma realidade perversa, na
qual o jovem receberá o rótulo de criminosos e o assimilará, passando a agir como tal, o que provoca uma
espiral de reincidência[68]. Ao escrever sobre a relação entre essa teoria e o Direito Penal Juvenil, Karyna
Sposato diz que “os efeitos são ainda mais incisivos em se tratando de pessoas em desenvolvimento.
Parece inegável que a rotulação de delinqüente para um jovem pode constituir-se como identidade numa
fase em que a personalidade está em formação”[69].
Nesse sentido, a Defensoria Pública de Ribeirão Preto ingressou com uma ação no Judiciário para que fosse
proibida a raspagem dos cabelos dos jovens internos na Fundação Casa.
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O juiz acolheu o pedido liminarmente, no dia 26 de agosto de 2008, por entender que tal prática fere a
dignidade desses jovens, ao violar a integridade física, psíquica e moral. Ademais, tal corte de cabelo cria
uma marca nesses jovens, de modo que, mesmo depois de deixarem a instituição, continuam a ser
reconhecidos na rua como ex-internos. De acordo com notícia veiculada na Folha da Região de Riberão
Preto, em 28 de agosto de 2008, a mãe de um ex-interno, que não quis se identificar, prestou o seguinte
depoimento:
É um choque, é muito assustador ver o filho que nunca raspou a cabeça com ela desse modo. Acredito que
o mesmo acontece quando o menino sai na rua. Todo mundo olha e sabe que aquele já teve passagem.
Acho que no máximo poderiam cortar bem baixinho, mas não raspar[70].
Por outro lado, as escolas criminológicas abordadas anteriormente – Labelling Approach, Teoria Crítica e
Teoria Clínica – não trabalham apenas com a noção de etiquetamento resultante do processo de
prisionização, do estigma gerado e que passa a ser vivido pela pessoa apenada. Tratam, também, da
fundamental questão da seletividade do sistema Penal. Essas teorias se utilizam do conceito de
vulnerabilidade, defendendo que o sistema está predisposto a punir determinada camada social, em razão
da marginalização.
Sendo assim, tem-se que determinado grupo social é eleito cliente preferencial do aparato repressor e o
contato com este tem o efeito de fortalecer essa condição de marginalizado, aumentando sua
vulnerabilidade perante o sistema e enfraquecendo o ser humano no que tange às características que lhe
conferem dignidade.
Dessa forma, vemos que aqueles selecionados o serão novamente e desempenharão o papel de criminosos
cada vez com mais verdade e intensidade. Isso ocorre também no Direito Penal Juvenil, não sendo uma
exclusividade do Direito Penal aplicado aos adultos, o que é extremamente cruel, pois desde muito cedo
esses adolescentes iniciarão seu ciclo nesse processo.
Ocorre que o objetivo declarado no ECA é exatamente oposto a esse: é de educar esses jovens e
proporcionar-lhes melhores condições para serem incluídos na sociedade quando saírem da medida de
internação. Nesse sentido, diversos cursos profissionalizantes são oferecidos na Fundação Casa: caso eles
retornem a ela, será compreendido que não aproveitaram a chance que o Estado lhes deu, como se esses
cursos profissionalizantes fossem suficientes para assegurar um emprego digno a alguém.
Apesar de todas essas atividades pedagógicas oferecidas na instituição, tem-se uma porcentagem alta de
reincidência ainda na fase tutelada pelo ECA. Dentre os adolescentes internados que responderam a
pesquisa em 2006, 29% disseram-se reincidentes[71]. Esse número não inclui aqueles que já haviam sido
submetidos a outra medida sócio-educativa que não a internação e nem aqueles que cometeram novos
delitos após completarem 18 anos.
Podemos notar a preocupação do legislador com esse ponto, uma vez que o Estatuto proíbe a divulgação
do contato que jovens experimentaram com a justiça criminal juvenil, não podendo ser considerado como
circunstância agravante da reincidência e dos maus antecedentes na fase adulta. Ademais, esse é o
principal motivo pelo qual a regra é a do segredo de justiça nas Varas da Infância e da Juventude, tudo isso
em um claro esforço para tentar minimizar a rotulação que daí adviria. Porém, essa rotulação não existe
apenas em decorrência da folha de antecedentes criminais, mas também pela posição social ocupada por
essas pessoas.
Murray Sidman explica que a ameaça de retornar à situação de encarcerado não é suficiente para que atos
ilegais não se repitam, sendo que a reincidência é esperada, pois
o controle coercitivo não deixa alternativa para o infrator que carece de certas habilidades socialmente
desejáveis. As privações impostas dentro dos muros das prisões dificilmente são mais severas do que os
conhecidos rigores de fora. Jogados de volta ao mesmo e antigo cenário, sem um novo modelo de
comportamento e desta vez rotulados como criminosos, sujeitos a restrições ainda maiores, por que, então,
dever-se-ia esperar que eles agissem de modo diferente do que agiram antes?[72]
Se analisarmos os dados divulgados pela própria Fundação Casa, em pesquisa realizada em 2006, notamos
que a grande maioria dos jovens entrevistados responderam que “isso de mão para trás, cabeça baixa, de
dizer sim senhor, sim senhora é muito humilhante”[73] (72% responderam que essa afirmação “tem
tudo/muito a ver comigo”). Podemos considerar que esse sentimento de humilhação corrobora a posição de
Sidman acima explicitada.
Andar com as mãos sempre para trás e ser obrigado a concordar com tudo que lhes é dito é um ato violento,
uma grande privação. Nesta mesma pesquisa, constatou-se que 54% responderam que “tem tudo/muito a
ver comigo” o fato de “a gente aqui dentro parecer um animal que está sendo domado”[74]. A partir disso,
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pode-se, com mais facilidade, visualizar os danos irreparáveis que essa violência contínua gera, em especial
se considerarmos a posição de Knobel quando afirma que “o adolescente não pode manter uma linha de
conduta rígida, permanente e absoluta, ainda que muitas vezes o pretenda e o procure”[75].
Além de notar que as teorias criminológicas abordadas acima podem ser aplicadas aos adolescentes em
conflito com a lei, almejamos deixar clara a relação entre essas ideias e a formação de identidade desses
jovens. Esta questão foi analisada sob duas perspectivas principais: a fase vivida por eles antes da
internação e a influência da internação na sua formação. Abordamos a questão da relação existente entre
privação emocional e delinquência, muito comum em famílias pobres, além da questão de que essa fase é
marcada por transgressões e conflitos de valores. E como resposta a esses atos, o que recebem é a
punição com pena privativa de liberdade. Tal internação tem um impacto muito especial nessa fase da vida.
Erickson assevera que,
se o “resto de nós” diagnosticar esses jovens como psicóticos ou criminosos, de modo a desfazer-se deles
eficientemente, isso poderá constituir o passo final na formação de uma identidade negativa. A uma elevada
proporção de jovens, a sociedade está oferecendo unicamente essa “confirmação” convincente. Os bandos
e quadrilhas, naturalmente, convertem-se em sub-sociedades para aqueles que assim foram
confirmados[76].
Os elementos trazidos pela visão sócio-histórica da Psicologia nos possibilitam a compreensão desse
fenômeno de outra forma. Ana Bock[77] discute que a análise da adolescência realizada por grande parte
dos psicólogos de referência nessa área tem como objeto de estudo a adolescência da classe burguesa,
sem considerar as diferenças de valores existentes entre a família burguesa e a família pobre. Tenta-se,
segundo a autora, aplicar tais concepções a pessoas que não compartilham delas, ao contrário, que têm
histórias de vida muito distintas.
A pesquisa desenvolvida por Kahn Marin[78] aborda essa visão, relacionando-a à questão da seletividade do
sistema Penal na aplicação das medidas de internação. Segundo a autora, a instituição que aplica as
medidas de internação opera em uma lógica burguesa de bem e de futuro: algo que não dialoga com os
receptores da comunicação, não possibilitando a simbolização e a superação dos conflitos que culminaram
com a internação. Não faz sentido para essas pessoas a imposição de disciplina, cursos e regras. Não se
identificam com o que tentam ensinar-lhes e por essa razão não aprendem. O que é natural e perfeitamente
compreensível, como se cada polo falasse uma língua e viesse de uma cultura completamente diferente.
Podemos fundamentar ainda mais esse raciocínio baseando-nos na concepção de que as práticas
criminosas são formas de solucionar conflitos de ordem interindividual e intraindividual. Contudo, tais
soluções não levam à pacificação interna, ou seja, à simbolização. Exatamente por essa razão, Baratta as
considera irracionais[79].
Os atendimentos realizados por psicólogos na Fundação Casa, segundo Kahn Marin e Sirlei Alves, não
estabelecem efetivamente um canal de comunicação com os internos. Estes querem demonstrar que
internalizaram as regras que lhes são impostas para poderem receber um parecer favorável à desinternação,
como se respondessem o que os funcionários quisessem ouvir, mas não o que realmente estão pensando
ou sentindo. Isso é muito problemático, porque vive-se um “faz de conta”. Esses jovens, em razão de que
manterão sua vulnerabilidade e em razão dos rótulos que lhes são atribuídos, provavelmente, voltarão a ser
privados de liberdade.
a reclusão é uma marca simbólica que “pune” o sujeito, por um crime contra a sociedade, mas,
paradoxalmente, acaba por incentivar e reforçar as causas que impulsionaram o ato, ou seja, é uma medida
que contribui para o aumento do nível de pressão e revolta interna, tornando insuportáveis os níveis de
violência[80].
Cabe aqui considerarmos a teoria de Winnicott no que se refere ao desenvolvimento psíquico sadio.
Segundo ele, a terapêutica para o tratamento da tendência antissocial não pode se dar apenas pela
psicoterapia, mas é necessário também que o jovem esteja inserido em um ambiente capaz de proporcionar
a recuperação daquilo que a falha ambiental anterior acarretou[81]. Salienta, ainda, o efeito negativo que
condenações em tribunais podem gerar nesse processo, afirmando que a possibilidade de que se encontre
o caminho para um bom desenvolvimento fica muito dificultada, mesmo nos casos em que a instituição
realizar um trabalho profilático adequado[82]. Deve-se fazer a ressalva de que nem todos adolescentes que
são submetidos à medida de internação têm tendência antissocial, no sentido técnico apresentado por
Winnicott.
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Nesse ponto, a Criminologia Clínica Crítica ganha especial relevância, pois essa teoria entende que a
condição de vulnerabilidade dessas pessoas selecionadas pelo sistema Penal deve ser reduzida enquanto
cumprem a pena restritiva de liberdade, por meio de medidas que as fortaleçam psiquicamente. Tudo isso é
ainda mais urgente quando se trata de “pessoas em desenvolvimento”.
Sirlei Alves destaca três motivos que estão diretamente relacionados aos apresentados até aqui, que
explicam por que essa capacidade de simbolização, logo, de fortalecimento psíquico, é tão complicada na
Fundação Casa:
Primeiro, a “recusa” do sujeito perante um ambiente que é percebido como persecutório, ameaçador e
aniquilador. Segundo, a ausência de uma escuta que os considere como sujeito. Terceiro esse tipo de
ambiente de caráter prisional que institui algo da ordem da subjugação do outro, da “lei do silêncio”
semelhante a um mandato para “calar-se”, em que o adolescente não pode mais dizer e saber de si senão
pelo desejo do outro[83].
A ideologia comparece como pano de fundo de toda essa estrutura. Existem os objetivos declarados – a
letra da lei que pretende que a medida de internação sirva para reeducar esses adolescentes, de forma a
propiciar instrução, por intermédio das aulas ali disponíveis, e inserção no mercado de trabalho, por meio da
qualificação que lhes é oferecida – que são progressistas e tentam, a todo custo, se desvincular da lógica
vigente anterior à edição do ECA. E, também, os objetivos ocultos, escamoteados – o espírito da lei ou, para
ser mais precisa, do ordenamento jurídico como um todo – que são aqueles protegidos e propagados pela
ideologia e por sua capacidade de fazer parecer que as coisas são assim porque devem ser assim e que
tudo é lógico e justo. As teorias criminológicas de fundo marxista que abordamos entendem que a intenção
do Direito Penal é perpetuar a lógica cruel e capitalista da exclusão.
Como consequência, a partir desse entendimento, pode-se concluir que o Direito Penal Juvenil também é
seletivo e perverso, ao determinar a internação de jovens em uma instituição que acarretará efeitos
negativos e por vezes irreversíveis na formação psíquica e na perspectiva de inserção social. O ciclo que
trata da desviação primária e da desviação secundária se inicia já nessa fase, sendo que isso influenciará
diretamente a construção da identidade desses sujeitos.
Manter um sistema coeso, pessoas integradas em nome de algum objetivo é função da ideologia (...) É uma
representação ilusória que se faz de um indivíduo ou de um grupo, com a intenção de relacioná-lo com suas
condições de existência, negando, ou melhor, escondendo as reais condições – indivíduo oprimido
respondendo a uma ordem geral distante de suas necessidades, a serviço de um poder dominante[84].
Todos esses pontos realçados acima corroboram a tese abolicionista de ilegitimidade do sistema penal, por
se basear em uma sociedade inexistente, ignorando as reais condições desta e propondo ações brutais que
não pressupõem qualquer diálogo com a parte que arcará com a aflitividade dessas penas.
O segundo aspecto se refere aos conflitos vividos pelos próprios funcionários, que, ao terem internalizada a
ideologia dominante, se contradizem, muitas vezes de modo inconsciente, ao atenderem esses jovens. Ao
mesmo tempo em que se esforçam para que eles mudem de postura ao serem reeducados, compreendem
que eles não agiram de modo reprovável ao cometer aquele delito que culminou com a sua internação,
tendo em vista sua classe social, seus desejos e todo o complexo contexto em que estava inserido. E, por
mais que se esforcem para esconder essa opinião, muitas vezes, acabam transparecendo, o que leva esses
meninos à conclusão de que os funcionários não agem como eles porque provêm de uma classe social que
não necessita disso para saciar seus desejos consumistas ou porque não têm as qualidades necessárias
para o cometimento de delitos.
Já o terceiro aspecto diz respeito à ideologia e aos verdadeiros objetivos da Fundação Casa. A versão oficial
é a de buscar apenas o bem dos adolescentes que estão sendo internados para crescerem, se educarem e
se inserirem socialmente após a desinternação. De outro lado, a versão que também está presente, porém,
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de uma forma camuflada, é a de que o adolescente em conflito com a lei deve ser castigado, punido e, por
isso, deve ser excluído e deve sofrer.
não é de admirar, frente a tal conjuntura, que os estabelecimentos observem uma atividade marcadamente
ambígua – quando não assumem, o que é pior, uma postura burocratizada, ora cínica, ora hipócrita – haja
vista ser impossível operacionalizar a incoerência[86].
Fica claro, então, que as medidas de internação não se prestam a alcançar os objetivos declarados e, por
outro lado, as teorias apresentadas ao longo deste trabalho são verificáveis na realidade fática desse
instituto jurídico.
Isso quer dizer que, apesar das louváveis alterações legislativas, na prática o que ocorre é uma reprodução
do sistema de exclusão e marginalização social, que não só seleciona sua clientela cruelmente, como
também a estigmatiza. O que se vê é que isso ocorre desde a adolescência das pessoas nessas condições
de vulnerabilidade, tornando-as ainda mais enfraquecidas psicologicamente.
Ademais, concluímos que muitos delitos cometidos nessa fase da vida são apenas uma tentativa de se
autoafirmar, se autoconhecer e de testar os limites, algo saudável na concepção desses estudiosos. A
punição que recebem em troca é muito gravosa e dolorosa, deixando marcas indeléveis na personalidade
dessas pessoas.
IX. Proposta
Diante da análise realizada e da conclusão de que os efeitos negativos da reclusão nessa fase da vida,
considerando-se seus antecedentes e seus consequentes, são gravíssimos, sentimo-nos na obrigação de
apresentar alguma proposta.
Já que concluímos, após termos transitados por diversas áreas, que a falta de diálogo, a precária
comunicação, as dificuldades existentes para a real simbolização das faltas e carências, a própria privação
de liberdade, a violência que isso representa e as marcas que deixa são os principais problemas do modelo
atual e, por entender que a questão da criminalidade não se resolve com Direito Penal, mas com a
implantação de políticas públicas, acreditamos ser uma proposta interessante a Justiça Restaurativa.
A Justiça Restaurativa segue a lógica de fortalecimento de diálogo, de efetiva comunicação que possibilite
a simbolização e a elaboração da culpa, por parte do agressor, e a possibilidade do perdão e da
compreensão, por parte da vítima a qual deixa de ter a vontade de vingança tão presente. Ademais, coloca
esse agressor no centro da comunicação, como um sujeito ativo, e não apenas passivo que finge ter
absorvido as regras, valores e ideais que lhe são impostos na Fundação Casa. Isso possibilita um
fortalecimento psíquico do seu “eu”, propiciando que deixe de ser vulnerável perante o sistema Penal, o qual
não mais o rotulará como delinquente.
É pautada pela mediação, na resolução horizontal de conflitos, sendo que fazem parte desse processo o
agressor, a vítima e a sociedade, ou seja, todos os envolvidos no processo de agressão causado pelo delito
cometido. Ocorre que a proposta restaurativa não se enquadraria nas chamadas penas alternativas e seria,
ao contrário, uma alternativa às penas, pois regida por princípios e valores diversos do modelo retributivo
vigente[87].
Nesse processo restaurativo, o ofensor deve ser responsabilizado pelos seus atos, porém, não de uma
maneira passiva, e, sim, ativa. Deve compreender a dimensão do mal que provocou tanto para a vítima
quanto para a sociedade. E cabe à sociedade ajudar as vítimas a sanarem suas necessidades e ajudar o
ofensor também, atendendo suas carências. Dessa forma, não se alcançaria apenas a restauração, mas,
sobretudo, a transformação. Segundo Howard Zehr “a responsabilização é multidimensional e
transformadora”[88], devendo ser sempre incentivada.
Leonardo Sica apresenta esse quadro sinótico[89], o qual explicita as diferenças entre o modelo atual de
justiça penal e o modelo restaurativo.
Modelo Tradicional
Modelo Alternativo
Objeto
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Objetivos
Crime
Meios
Figura Profissional
Operadores penitenciários
e sociais
Exatamente por falarem e serem ouvidos, esses jovens têm a possibilidade de compreender as dimensões
de seu ato e de tentarem mitigar as consequências deste. Passam a estar no centro, e não apenas a receber
uma punição do Estado, entram em contato com os conflitos da vítima e, por esse motivo, têm a
possibilidade de simbolizá-los e superá-los, de modo a saírem fortalecidos da experiência.
Bibliografia:
ABERASTURY, Arminda; KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre:
Artmed, 1981.
ALVES, Sirlei Fátima Tavares. Efeitos da internação sobre a psicodinâmica de adolescentes autores de ato
infracional. São Paulo: Método, 2005. (Monografia IBCCrim n. 36).
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direito penal.
3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: 2002. (Instituto Carioca de Criminologia).
BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à Naturalização da formação
do ser humano: a adolescência em questão. Caderno CEDES, v. 24, n. 62, Campinas, 2004.
CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. (Série Folha Explica).
CAMPOS, Ângela Valadares Dutra de Souza. O menor institucionalizado: um desafio para a sociedade.
Petrópolis: Vozes, 1984.
CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo:
Moderna, 1980.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
FRASSETO, Flávio. Execução da medida sócio-educativa de internação: primeiras linhas de uma crítica
garantista. Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD,
2006.
JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas:
Servanda, 2006.
KARAM, Maria Lúcia. Pela abolição do sistema penal. In:PASSETI, Edson (coord.). Curso livre de
abolicionismo penal. Rio de Janeiro, Renavan, 2004.
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LEVISKY. David Léo. Adolescência: reflexões psicanalíticas. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
MARIN, Isabel da Silva Kahn. Febem, família e identidade: o lugar do outro. 2. ed. São Paulo: Escuta, 1999.
PAPALIA, Diane E., OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In:PASSETI, Edson (coord.). Curso Livre de
Abolicionismo Penal. Rio de Janeiro: Renavan, 2004.
REIS, Alberto O. Advincula. personalidade e caráter. In:RAPPAPORT, Clara Regina (coord.). Teorias da
Personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1984. (Temas Básicos de Psicologia, v.7).
SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica. Palestra proferida em 31 de maio de 2004, no Laboratório de
Ciências Criminais no Auditório do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo.
_________. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2008.
SICA, Leonardo. Bases para o modelo brasileiro de justiça restaurativa. Novas direções na governança da
justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça, 2006.
____. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: RT, 2002.
SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2006.
________. Princípios e garantias para um Direito Penal Juvenil mínimo. Justiça, adolescente e ato infracional:
socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. 4. ed. São Paulo: RT. 2003.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008.
Site:
<www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/.spdca/sinase_integra1/>.
Acesso em 28.07.2008.
Vivian Calderoni
Advogada.
[1] Este artigo é a síntese da Tese de Láurea apresentada à Faculdade de Direito da USP, realizada sob a
orientação do Prof. Dr. Alvino Augusto de Sá, intitulada “Justiça Juvenil: uma análise crítica da medida de
internação” apresentada no final de 2008. Compôs, também, a banca examinadora a Profa. Dra. Ana Elisa
Bechara.
[2] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direito
penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: 2002. (Instituto Carioca de Criminologia), p. 187-8.
[3] SPOSATO, Karyna B. O direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2006. p. 76-7.
[4] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2008. p. 133-4.
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[7] Art.112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente
as seguintes medidas:
advertência;
liberdade assistida;
[8] JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas:
Servanda, 2006. p. 75.
[9] Direito Penal Juvenil é uma construção de parte da doutrina que o considera como um ramo autônomo
do Direito, apesar de não ser essa a posição ainda consagrada em razão do silêncio da Lei nesse sentido.
Consideram ser um ramo autônomo por ser regido por regras e princípios próprios e, portanto, seguir regras
de interpretações diferentes em relação ao Direito Penal e ao Direito da Criança e do Adolescente. Nesse
sentido Shecaira, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. Op.cit.; Sposato, Karina B. O
direito penal juvenil. Op.cit.
§1.º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses.
§2.º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
[12] Art.121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
[14] FRASSETO, Flávio. Execução da medida sócioeducativa de internação: primeiras linhas de uma crítica
garantista. Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD,
2006, p. 329.
[15] CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São
Paulo: Moderna.
[16] WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 74.
[17] NADER, Paulo. Filosofia do direito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 229.
[19] MARIN, Isabel da Silva Kahn. Febem, família e identidade: o lugar do outro. 2. ed. São Paulo: Escuta,
1999, p. 49.
[22] GOFFMAN, Ervin. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005.
[23] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004, p. 297-8.
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[26] As situações conflitivas que estão presentes quando do cometimento de um delito não são
ignoradas por essa Escola, ao contrário, são valorizadas. Ademais, o delito em si não é analisado
isoladamente como um momento único, e sim é compreendido como uma somatória de momentos, como
um ato inserido em um contexto complexo. Porém, por serem atos impulsionados por situações conflitivas
e por resultarem em mais novos conflitos são denominados situação-problema. Tal
expressão deixa clara a intenção de não considerar o ato isoladamente e sim de contextualizá-lo ao
considerá-lo uma situação.
[27] PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso livre de
abolicionismo penal. Rio de Janeiro, Renavan, 2004, p. 33.
[28] KARAN, Maria Lucia. Pela abolição do sistema penal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso livre de
abolicionismo penal. Rio de Janeiro, Renavan, 2004, p. 88
[29] SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica. Palestra proferida em 31 de maio de 2004, no Laboratório de
Ciências Criminais no Auditório do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo.
[30] SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: RT, 2007, p. 18.
[31] CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000 (Série Folha Explica). p. 19-21;
BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à naturalização da formação
do ser humano: a adolescência em questão. Caderno CEDES, Campinas, v. 24, n. 62, 2004, p. 32.
[32] Idem, p-21. PAPALIA, Diane E., OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2000, p. 310; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil, p. 9.
[33] “O termo ‘personalidade’ deriva de persona, que significa máscara. Está em relação estreita com as
noções de pessoa e personagem, ao passo que caráter origina-se do grego kharasséin ou kharakter
significando, respectivamente gravação e marca. A primeira destas noções, a de personalidade, é usada na
teoria psicanalítica, no sentido de compreender os interesses gerais da pessoa e o jogo conflitivo destes
interesses enquanto se acordam ou se opõem. Personalidade é, tomada, então, como sinônimo de aparelho
psíquico ou aparelho mental. Já o termo caráter é mais específico. Implica na aquisição e estruturação de
um certo número de traços ou marcas, deixadas no sujeito ao longo de seu processo de desenvolvimento, e
que determinam, no interior da personalidade, uma postura típica face aos diferentes acontecimentos e
situações da vida”. REIS, Alberto O. Advincula. Personalidade e caráter. In. Rappaport, Clara Regina (coord.).
Teorias da personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1984. Temas Básicos de Psicologia, v. 7,
p. 24.
[34] ABERASTURY, Arminda e KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto
Alegre: Artmed, 1981, p. 9-10.
[35] “O Ego, enquanto sistema, encontra-se voltado principalmente para o meio externo, sendo o instrumento
perceptível básico daquilo que surge de fora. Constituindo-se como órgão sensorial de toda personalidade,
o Ego é, entretanto, receptivo também às excitações provenientes do interior do sujeito. É, portanto, durante
seu funcionamento que surge o fenômeno da consciência.” Reis, Alberto O. Advincula, cit., p. 49.
[36] ALVES, Sirlei Fátima Tavares. Efeitos da internação sobre a psicodinâmica de adolescentes autores de
ato infracional. São Paulo: Método, 2005. Monografia IBCCrim n. 36, p. 205.
[38] ERIKSON, Erik. Identidade: juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 132.
[39] LEVISKY. David Léo. Adolescência: reflexões psicanalíticas. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
[43] WINNICOTT, D. W. Privação e delinqüência. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 122.
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[45] Como exemplo de autores da linha sócio-histórica, citamos: Aroldo Rodrigues, Silvia Lane, Bader
Sawaia, Wanderley Codo, Alex Sandro C. Sant’Ana, Carlos Eduardo Ferraço, Hiran Pinel, entre outros.
[50] CAMPOS, Ângela Valadares Dutra de Souza. O menor institucionalizado: um desafio para a sociedade.
Petrópolis: Vozes, 1984, p. 70-4 e 82-9.
[51] MARIN, Isabel da Silva Kahn. Febem, família e identidade: o lugar do outro. 2. ed. São Paulo: Escuta,
1999, p. 49.
[54] SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), Brasília, realizada pela Secretaria Nacional
de Direitos Humanos – Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), jun. 2006, p.
17.
[55] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil, cit., p. 110.
[56] Para Goffman o fato de que “todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única
autoridade (...) Cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia imediata de um grupo
relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as
mesmas coisas em conjunto (...) todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários
(...) a seqüencia de atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo
de funcionários. (...) As várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente
planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição” fazem de qualquer instituição, uma instituição
total. GOFFMAN, Erving. Op. cit., p. 17-8.
[57] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil, cit., p. 109.
[59] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 106.
[60] THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 11.
[62] SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica e psicologia criminal, cit., p. 102.
[66] O autor compreende coerção como o uso da punição e da ameaça de punição para conseguir que os
outros ajam como gostaríamos que agissem e à prática de recompensar pessoas, deixando-as escapar das
nossas punições e ameaças. SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. Campinas: Livro Pleno, 2003. p.
17.
[68] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e direito penal juvenil, cit., p. 132.
[69] SPOSATO, Karyna. Princípios e garantias para um direito penal juvenil mínimo. Justiça, adolescente e
ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 259.
[70] Liminar proíbe ex-Febem de raspar cabeça de menor infrator. Clipping da Defensoria Pública do Estado
de São Paulo. Recebido por e-mail: [email protected], em 28.08.2008.
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[87] SICA, Leonardo. Bases para o modelo brasileiro de justiça restaurativa. Novas direções na governança
da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça, 2006. p. 455.
[88] ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena,
2008, p. 190. [89] SICA, Leonardo. Direito de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: RT, 2002. p. 17.
[89] SICA, Leonardo. Direito de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: RT, 2002. p. 17.
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