16 - Cruz - 2023
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DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS
Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e
boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.
Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada.
Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas
no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.
Atribuição
CC BY
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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AGRADECIMENTOS
Dedico este trabalho a todos os que um dia passaram pela minha vida, uma vez que minha experiência
pessoal é também uma experiência coletiva compartilhada.
Agradeço à Professora Doutora Maria João da Silva Ferreira Gomes por se fazer presente e disponível
mesmo fora do seu planejamento, e por sua orientação atenciosa.
Agradeço à Professora Doutora Maria Lurdes Dias Carvalho pelo carinho e participação em parte desta
caminhada.
Agradeço a todos os professores, colegas e funcionários com quem convivi durante o Mestrado em
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Ciências da Educação com especialização em Tecnologia Educativa da Universidade do Minho.
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Agradeço a todos os participantes do estudo, por sua disponibilidade e abertura e por tornarem esta
investigação possível.
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Agradeço a todos os educadores que já passaram pela minha vida, especialmente Jonas Pedrosa e
Adriano Justino Moreira.
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Agradeço profundamente aos autores, escritores, compositores, músicos, atores, cineastas e artistas em
geral, que salvam o mundo diariamente e sem os quais eu não seria o que sou hoje.
Agradeço especialmente à minha esposa Milena, por compartilhar comigo a vida e tantas aventuras.
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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE
Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não
recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou
resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.
Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.
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Do Regional Para o Global pelo Digital – O Contributo das TIC no ensino do Choro Brasileiro na Europa
RESUMO
O Choro é um gênero musical do século XIX considerado a primeira música urbana genuinamente
brasileira. Ainda que menos conhecido do que o Samba ou a Bossa Nova, as duas últimas décadas viram
um interesse crescente pelo Choro dentro e fora do Brasil, de forma que atualmente há clubes e escolas
de Choro em diferentes países. Ensinar e aprender um gênero musical nascido no Brasil, fruto direto de
sua miscigenação particular, em outro país, com diferentes características histórico-culturais, é
certamente uma tarefa desafiadora. No entanto, para além do interesse pelo gênero, é evidente que o
acesso ao Choro também aumentou na medida em que as tecnologias digitais disponíveis atualmente
nos conectam e reduzem distâncias, facilitando processos de intercâmbio cultural. Desta forma, este
estudo busca responder à seguinte questão de investigação: "Qual o contributo das Tecnologias de
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Informação e Comunicação (TIC) no processo de ensino e aprendizagem do Choro brasileiro realizado
por uma escola de Choro na Europa?" Para responder a esta questão, foram definidos como objetivos
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específicos: (i) identificar as tecnologias usadas pela escola no ensino do Choro; (ii) conhecer desafios
no ensino de um estilo musical regional em um local distinto daquele de sua origem; (iii) averiguar de
que forma as tecnologias ajudam a reduzir dificuldades no processo de aprendizagem do Choro; (iv)
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conhecer as percepções de professores e alunos sobre o uso das TIC no processo de ensino e
aprendizagem de música. Cabe mencionar que o estudo foi realizado em 2020, ano em que a pandemia
de COVID-19 impôs quarentena ao redor do mundo, de forma que a investigação ganhou novos contornos
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e sofreu adaptações que, possivelmente, tornaram-na ainda mais relevante. A opção metodológica foi de
natureza qualitativa e interpretativa, com um desenho de estudo de caso, que teve como técnicas de
recolha de dados a observação não participante com registro em notas de campo e grupos focais com
professores e alunos. A análise dos dados, realizada à luz da análise temática, permitiu-nos constatar
que as tecnologias digitais são de grande ajuda especialmente no que diz respeito a criar ou aumentar a
familiaridade dos alunos com o gênero musical estudado, para além de auxiliar no desenvolvimento de
aspectos musicais técnicos e teóricos. Pelas circunstâncias à época, foram apontadas ainda vantagens
em uma possível modalidade híbrida de ensino, empregando as potencialidades do ensino online de
forma a valorizar ainda mais os encontros presenciais com as trocas de experiências e o fazer música
coletivamente, otimizando o tempo de contato humano tão necessário, insubstituível e desejado.
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From Regional to Global through Digital –
The Contribution of ICT to the Teaching of Brazilian Choro in Europe
ABSTRACT
Choro is a musical genre from the 19th century, considered the first genuinely Brazilian urban music.
Although less known than Samba or Bossa Nova, the last two decades have seen a growing interest in
Choro both in Brazil and abroad, so there are now Choro clubs and schools in different countries.
Teaching and learning a musical genre born in Brazil, the direct result of such particular miscegenation,
in a foreign country with different historical and cultural characteristics is certainly a challenging task.
However, in addition to the interest in the genre, access to Choro has also clearly increased as digital
technologies currently available connect people and reduce distances, facilitating processes of cultural
exchange. Thus, this study seeks to answer the following research question: "What is the contribution of
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Information and Communication Technologies (ICT) in the teaching and learning process of Brazilian
Choro at a Choro school in Europe?". To answer such question, the following specific objectives were
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defined: (i) identify the technologies used by the school in teaching Choro; (ii) meet challenges in teaching
a regional musical style in a place different from that of its origin; (iii) find out how technologies help to
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reduce difficulties in the process of learning Choro; (iv) get to know the perceptions of teachers and
students in relation to the use of ICT in the music teaching and learning process. It should be mentioned
that the study was carried out in 2020, the year in which the COVID-19 pandemic imposed quarantine
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around the world, so the investigation gained new contours and underwent adaptations that might have
made it even more relevant. The study was qualitative and interpretive in nature adopting a case study
design, which used non-participant observation registered in field notes and focus groups with teachers
and students as data collection techniques. Data analysis, carried out in the light of thematic analysis,
allowed us to verify that digital technologies are of great help, especially with regard to creating or
increasing students' familiarity with the studied musical genre as well as developing technical or
theoretical aspects of music. Due to the circumstances at the time, advantages of a possible hybrid
teaching modality were also pointed out, so the potential of online teaching is used to value face-to-face
meetings even more, focusing on experience exchange and collective music-making, thus optimizing
human contact time that is so necessary, irreplaceable and desired.
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ÍNDICE
Lista de Quadros................................................................................................................................. ix
Lista de Apêndices .............................................................................................................................. ix
Lista de Siglas e Abreviaturas .............................................................................................................. ix
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1
1.1 Apresentação inicial e contextualização do estudo ..................................................................... 1
1.2 Questão e objetivos de investigação .......................................................................................... 3
1.3 Estrutura da dissertação ........................................................................................................... 4
1.4 Adaptações no estudo em função da pandemia de COVID-19 .................................................... 5
CAPÍTULO 2 - REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................. 7
2.1 O Choro ................................................................................................................................... 7
2.2 Comunidades de prática e de aprendizagem ........................................................................... 14
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2.3 As tecnologias de informação e comunicação na educação musical ........................................ 22
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA .......................................................................................................... 27
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3.1 Desenho metodológico ........................................................................................................... 27
3.2 Retomando as questões e objetivos de investigação ................................................................ 28
3.3 Breve caracterização da instituição ......................................................................................... 29
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5.2 Limitações do estudo .............................................................................................................. 73
5.3 Sugestões para estudos posteriores ........................................................................................ 73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................... 76
APÊNDICES ...................................................................................................................................... 80
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Lista de Quadros
Lista de Apêndices
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Apêndice A - Guião para grupo focal com professores.........................................................................80
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Apêndice B - Guião para grupo focal com alunos................................................................................81
Apêndice C – Solicitação de participação...........................................................................................82
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CD - Compact Disc
MP3 - Moving Picture Experts Group Layer-3 Audio
PDF - Portable Document Format
TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação
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CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
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É com satisfação que apresento este trabalho, que nasce a partir de uma trajetória pessoal como
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músico, educador e gente, iniciada em contexto de educação não formal, passando por diversos meios
de aprendizado, inclusive o formal e o acadêmico, mas principalmente, aprendendo com e na vida.
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Sempre acreditei, e a vida vem confirmando, que não existe ambiente ou situação específica
para o aprendizado. O aprendizado é a própria vida, e conforme fui vivendo, aprendendo e estudando,
vozes como as de Paulo Freire e José Pacheco, pessoas que admiro como profissionais, mas ainda mais
como gente, vieram se somar às minhas vozes internas e reforçar minhas percepções.
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Uma das experiências educacionais mais transformadoras, positivas e marcantes que tive na
vida, curiosamente se deu em um ambiente formal de educação, no ensino fundamental, em uma escola
em Xerém, no município de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Digo curiosamente porque,
ao contrário do que seria ideal, “transformadora”, “positiva” e “marcante” não são palavras usadas com
frequência para descrever a experiência do ensino fundamental, em especial para alunos da rede pública
em um local de classe média baixa, como era meu caso.
Ocorre que havia ali uma faísca, uma pessoa que foi capaz de transformar positivamente o
ambiente à sua volta, envolvendo toda a comunidade. O diretor transformou aquela escola pública em
algo que hoje (re)conheço como Comunidade de Aprendizagem. E sem que ele ou eu soubéssemos, nos
anos que ali passei, foi acesa em mim a chama de transformação possível.
Anos depois, eu já músico e ainda estudante, como me mantenho até hoje, tive a oportunidade
de ingressar em uma outra escola, agora de música, também com grande potencial transformador. Parte
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formal e parte informal, fato que será esclarecido mais à frente, a escola dedicava-se ao ensino do gênero
musical Choro, nascido no Rio de Janeiro no século XIX, fruto da mistura de influências europeias e
africanas. A escola havia sido criada por músicos experientes no Choro, os chamados “chorões”,
atendendo a uma demanda dos jovens que desejavam aprender o estilo diretamente com os mestres.
Uma vez mais acompanhei, ao longo dos anos que lá estive, as transformações nas vidas das
pessoas através não só da música, ferramenta poderosa por si só, mas do “fazer música” coletivamente.
Aposentados desenvolvendo novo gosto pela vida, jovens em situação de vulnerabilidade social
encontrando uma profissão e se tornando muito bons nela, profissionais de outras áreas, como
advogados, médicos e dentistas, entre outros, descobrindo o poder da arte em suas vidas, são apenas
alguns exemplos de transformações que vi acontecer. Nesta nova Comunidade de Aprendizagem, mais
uma vez, eu também me transformei e ao conhecer mais sobre este gênero musical, apaixonei-me
profundamente pelo Choro com suas frases melodiosas e ao mesmo tempo irrequietas. Afinal, não é
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sem razão que entre nomes de choros famosos temos “Assanhado”, “Atrevida” ou ainda “Segura Ele”.
Encantei-me por este gênero, não apenas por ser uma ferramenta de alto desenvolvimento musical e
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técnico, mas também, e principalmente, por ser um retrato musical da cultura brasileira, uma alegre
mistura de povos, culturas e influências com imenso potencial agregador e socializador.
Tal potencial, pode ser facilmente identificado em uma autêntica roda de Choro e, felizmente,
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mostrava-se presente também na proposta pedagógica da escola, com pessoas de diferentes idades,
classes sociais e níveis de desenvolvimento musical tocando juntas ao fim de uma manhã de aulas, no
ensaio do “Bandão”, uma prática de conjunto semanal com dezenas, e frequentemente, centenas de
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pessoas, como se pode ver na impressionante imagem que ilustra a página principal do site da referida
escola1. Tal evento semanal acabou por se tornar atração turística e programação cultural na cidade do
Rio de Janeiro, atraindo curiosos e amantes do gênero, músicos e não músicos, de diferentes regiões do
Brasil e até do mundo.
Como todo centenário, o Choro passou por altos e baixos de popularidade ao longo de sua
existência, mas nas duas últimas décadas, um número cada vez maior de pessoas, dentro e fora do
Brasil, têm se interessado pelo gênero e renomados músicos internacionais vêm descobrindo e dando
ainda mais visibilidade a ele, como é o caso da clarinetista israelense Anat Cohen. Atualmente, não é
incomum ver na plataforma de streaming YouTube, músicos de países tão distantes quanto Japão ou
Rússia tocando Choro2. Destaca-se ainda a presença de festivais e rodas de Choro em diferentes cidades
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A este propósito ver, por exemplo, https://www.casadochoro.com.br/portal/view/escola_portatil
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Links: https://youtu.be/LhBCMw2PBcQ, https://youtu.be/9bCb8RFMYpU
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ao redor do mundo e a instauração de uma filial internacional de uma escola brasileira de Choro na
Europa, local escolhido para esta investigação.
É também evidente que nas duas últimas décadas não foi apenas o interesse das pessoas pelo
gênero que aumentou, mas também, e quem sabe até, principalmente, seu acesso a ele. O encurtamento
de distâncias e a facilidade de compartilhamento de arquivos de áudio, vídeos e partituras, por exemplo,
promovidos pelas tecnologias digitais especialmente a partir do século XXI, tem tido grande impacto na
propagação do gênero pelo Brasil e pelo mundo, como afirma Lara (2009):
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Ensinar um gênero musical nascido no Brasil, fruto direto de sua miscigenação particular, em
países com características tão diferentes daquelas encontradas no berço do Choro, certamente é uma
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tarefa desafiadora. Entretanto, é de se supor que no século XXI, em que a globalização ganhou novas
dimensões, a tecnologia que nos conecta e reduz distâncias, venha facilitar tais processos de intercâmbio
cultural. É neste contexto e nesta perspectiva que desenvolvemos esta pesquisa, tendo subjacentes a
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Desta forma, o objetivo geral da pesquisa realizada foi investigar o contributo das TIC no processo
de ensino e aprendizagem de música, neste caso particular de uma escola de Choro na Europa.
Subjacente a este estudo estiveram os seguintes objetivos específicos:
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• identificar as tecnologias usadas no ensino de música pela escola em cujo contexto se
desenvolveu o estudo;
• conhecer desafios no ensino de um estilo musical regional em um local distinto daquele de
sua origem;
• averiguar de que forma as tecnologias ajudam a reduzir dificuldades no processo de
aprendizagem do Choro;
• conhecer as percepções de professores e alunos sobre o uso das TIC no processo de ensino
e aprendizagem de música.
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na apresentação e contextualização do estudo, apresentando também a forma de organização da
dissertação e trazendo apontamentos sobre a influência que a pandemia COVID 19 trouxe no
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desenvolvimento do mesmo. O “Capítulo II – Revisão de literatura”, é dedicado à revisão narrativa de
literatura, abordando três temas distintos que se relacionam nesta pesquisa: o Choro, Comunidades de
Prática e de Aprendizagem e o uso das TIC na educação musical. O enquadramento teórico foi realizado
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abordados.
Como o Choro está no centro desta investigação, a revisão de literatura se iniciou por ele. Sua
origem, características musicais e socioculturais, formas tradicionais de aprendizado e relevância cultural
na música brasileira são abordadas neste tópico que apresenta trabalhos de historiadores, pesquisadores
musicais, músicos e chorões, dos quais destacamos: Pinto (1936), Tinhorão (1997), Sève (1999), Diniz
(2003), Lara (2009), Fiorussi (2012) e Rizzi (2016).
A revisão de literatura segue com um tema que está, do meu ponto de vista, intrinsecamente
ligado ao Choro, pela forma como este sempre foi transmitido e ensinado: Comunidades de Prática e de
Aprendizagem. Os trabalhos de Nóvoa (1987), Afonso (2001), Figueiredo (2002), Castells (2004),
Fonterrada (2008), Ferreira e Flores (2012), Freire (2013), Pacheco (2014, 2019, 2021) e Etienne
Wenger-Trayner e Beverly Wenger-Trayner (2015), foram importantes fontes de pesquisa.
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Com grande número de estudos recentes sobre o tema, o uso das TIC na educação musical
encerra nossa revisão de literatura. Apresentam-se brevemente os avanços técnicos e o aumento de
possibilidades e investigações na área, bem como questões referentes ao planejamento e objetivos de
uso das mesmas por parte dos professores, questão bastante apontada pelo pesquisador B. Silva (1999,
2001), referindo-se ao uso das TIC na educação em geral e igualmente relevante na educação musical.
Dentre os pesquisadores consultados como referência, destacamos os trabalhos de Mota e Coutinho
(2009), Aliel e Gohn (2012), Jacinto (2014), Faria, Franceschini, Ogata, Rocha e Souza (2015), Machado
(2015), N. Silva (2016) e Barradas (2018).
O “Capítulo 3 – Metodologia”, apresenta o desenho metodológico e as ferramentas de recolha
de dados escolhidas, bem como os motivos para tais escolhas, além de caracterizar o estudo com dados
da instituição e dos participantes.
No “Capítulo 4 – Apresentação e discussão dos dados”, são apresentados os dados coletados e
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é feita a discussão dos mesmos, enquanto o “Capítulo 5 – Conclusões e considerações finais” encerra
o presente texto com uma síntese das conclusões e algumas considerações finais, apontando as
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limitações do presente estudo e deixando sugestões para trabalhos futuros.
Importa ainda referir que foi adotada a norma brasileira da língua portuguesa, dada a
nacionalidade do autor da dissertação. No que diz respeito à lista de referências bibliográficas, bem como
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à sua referenciação ao longo do texto, foram seguidas as indicações publicadas pela American
Psychological Association (APA, 7ª edição), enquanto o corpo do texto segue as normas de formatação
da Universidade do Minho.
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Cabe indicar neste ponto que este estudo teve início no ano de 2020, quando o mundo se
deparou com a pandemia de COVID-19, de forma que alterações e adaptações, especialmente no tocante
à recolha de dados, se fizeram necessárias. As visitas à escola, as observações de aulas e grupos focais
que seriam feitos presencialmente ocorreram por meio de videoconferência e o próprio tema da pesquisa,
o contributo das TIC no ensino do gênero musical Choro, ganhou novos contornos e destaque ainda
maior do que quando o projeto foi pensado. Na realidade, em contexto de confinamento social, a
tecnologia tornou-se no próprio meio pelo qual as aulas eram possíveis.
Passado o susto inicial frente às dificuldades jamais antecipadas que a pandemia trouxe, creio que o
estudo tenha ganhado ainda mais relevância no âmbito da Tecnologia Educativa e das Ciências da
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Educação como um todo, ao investigar a percepção de professores e alunos em relação ao uso das TIC
nas aulas de música, levantar as adaptações que foram necessárias, os prós e contras de tais
adaptações, bem como contributos que, se mantidos, poderão dar origem a um modelo híbrido que
venha reunir as melhores características de cada modalidade, presencial e online.
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CAPÍTULO 2 - REVISÃO DE LITERATURA
Este capítulo é dedicado à revisão narrativa de literatura, abordando três temas distintos que se
relacionam nesta pesquisa: o Choro, Comunidades de Prática e de Aprendizagem e o uso das TIC na
educação musical. Como mencionado na introdução, o enquadramento teórico foi realizado a partir da
bibliografia estudada durante o curso de Mestrado em Ciências da Educação - Tecnologia Educativa da
Universidade do Minho, pesquisas realizadas nas plataformas RCAAP (Repositórios Científicos de Acesso
Aberto de Portugal) e Sucupira (Brasil), livros, artigos e vídeos sobre os assuntos abordados.
Iniciamos pelo tema que permeia todo este estudo, a primeira música urbana genuinamente
brasileira: o Choro.
2.1 O Choro
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Assim como ocorre em diversos movimentos, estilos ou gêneros artísticos, há diferentes teorias
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e alguma controvérsia quanto aos detalhes da origem do Choro como gênero ou estilo musical,
especialmente em relação ao seu nome. Buscando o verbete “choro” no dicionário online Michaelis
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Definições próximas também são encontradas nos dicionários online Houaiss (s.d.), Aulete (s.d.),
Priberam (s.d.) e Dicio (s.d.). Ou seja, o verbete “choro” quando relacionado à área da música, refere-se
não somente ao gênero musical, mas também ao conjunto de músicos que tocam tal gênero e às
composições com as características deste.
O documentário Chorinhos e Chorões nos conta que
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Na origem, "Choro" era o nome dado a pequenos conjuntos populares formados com
instrumentos de origem europeia e africana. A Polca de origem europeia fornecia a
maior parte do repertório desses conjuntos que no correr dos anos passaram a
compor músicas mais apropriadas a seus instrumentos e sensibilidade. Assim, de
conjunto musical, o Choro passou a ser um gênero musical. Seus cultores tocavam
músicas chorosas e sentimentais, daí o nome "Choro" (Fontoura, 1974).
Mas o fato de o nome “Choro” estar relacionado a músicas “chorosas e sentimentais” não é
uma explicação aceita de forma unânime. Uma versão diferente vem de Raimundo (1936) citado por
Cascudo (2001), explicando que os negros faziam, em datas especiais como São João ou em festas nas
fazendas, bailes com dança chamados “xolo”, palavra que teria sido confundida com a parônima
portuguesa “xoro” e ao chegar à cidade, foi grafada com “ch”, virando assim “choro”.
Esta explicação se relaciona com a informação de que nos tempos do surgimento do Choro como
gênero musical, também se chamavam “choros” as festas e encontros em que os músicos se reuniam
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para tocar, como nos conta Diniz (2003), em seu Almanaque do Choro:
características, o que ajudará o leitor a compreender pontos importantes desta investigação, e sabendo-
se que alguns detalhes em relação às suas origens e histórias são por vezes, controversos, serão
apresentadas as informações mais aceitas e difundidas por historiadores, pesquisadores e “chorões”,
os músicos praticantes do gênero, conforme apresentado na introdução deste trabalho.
O século XIX foi de grandes mudanças para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.
Tais mudanças se iniciaram com chegada da Família Real em 1808, mas ocorreram especialmente após
a coroação de D. Pedro II Imperador em 1841. A segunda metade do século traria muitas novidades
como a iluminação a gás, construção da rede de esgotos e da primeira ferrovia do Brasil, inauguração
do Conservatório Imperial de Música, entre outros. Esta nova estrutura demandava mão-de-obra e assim
foi se formando a classe média baixa de funcionários públicos e privados no Rio de Janeiro (Aranha,
2008).
Antes da chegada da Família Real havia basicamente dois tipos de música, representativas de
duas classes sociais: de um lado, a música da corte, europeia, tendo a Polca como destaque; do outro
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lado, a música dos escravos, especialmente o Lundu. Esta nova classe média baixa formada por brancos,
negros e mestiços, acabou por fundir traços daqueles dois universos musicais existentes até então,
criando a primeira música genuinamente brasileira.
Tal mistura resultou em um estilo musical de grande riqueza, complexidade melódica e rítmica,
formas e harmonias seguindo um padrão próprio, como podemos ver na fala de Tom Jobim, citado por
Rizzi (2016):
O primeiro grande nome do que viria a ser chamado de Choro, e considerado por muitos o “pai”
do gênero, é Joaquim Antônio da Silva Callado, exímio flautista, compositor e professor do Imperial
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Conservatório de Música, que se apresentava nos saraus promovidos pelo então Imperador D. Pedro II
(Fontoura, 1974).
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Mestiço e vindo de uma família pobre, Callado aprendeu música com seu pai, professor de
música, pistonista e mestre de banda e, embora tenha vivido apenas até os 31 anos, tornou-se um dos
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músicos mais populares do Rio de Janeiro no Império, tendo recebido a condecoração de Comendador
da Ordem da Rosa, em 1879 (Enciclopédia Itaú Cultural, 2019).
Em um dos primeiros registros impressos sobre o gênero, chamado “O Chôro: reminiscência
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dos chorões antigos” publicado em 1936, Alexandre Gonçalves Pinto, carteiro e músico amador, após
descrever feitos de Callado apresentando-o como excelente instrumentista, compositor e improvisador,
finaliza: “Callado foi o rei da musica daquelle tempo” (p. 13).
Nesta chamada “primeira geração do Choro” juntam-se a Callado nomes como Chiquinha
Gonzaga e Ernesto Nazareth, entre outros.
Chiquinha Gonzaga, cuja mãe era filha de uma escrava alforriada e o pai um militar de família
aristocrata, foi educada para ser uma dama da Corte, mas tornou-se uma mulher revolucionária que
quebrou paradigmas e lutou por direitos e liberdades ao longo de toda a sua vida. Sua biografia mostra
que foi a primeira no Brasil em uma série de feitos: foi a primeira mulher pianista profissional, primeira
compositora, primeira maestrina, primeira Chorona, compositora da primeira canção de carnaval, além
de ter protagonizado um dos primeiros divórcios do país (cem anos antes deste se tornar um direito civil).
Abolicionista, chegou a vender partituras de porta em porta para angariar fundos para a Confederação
Libertadora, além de ter comprado a alforria de um escravo músico com o dinheiro da venda de suas
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músicas. Foi ainda uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, liderando a
campanha pela defesa dos direitos autorais. Compôs mais de 300 peças e faleceu aos 87 anos de idade
em 1935 (Instituto Moreira Salles, 2017).
Ernesto Nazareth tem uma obra que se situa entre o popular e o erudito, e sua música se faz
presente nas rodas de Choro e nas salas de concerto. Almeida (s.d.), pesquisador que organizou a linha
do tempo da vida de Nazareth em site lançado pelo Instituto Moreira Salles por ocasião da comemoração
de 150 anos do seu nascimento, nos conta que o compositor iniciou na música muito jovem, tendo
aprendido piano com sua mãe e composto sua primeira música aos quatorze anos, uma polca-lundu
cuja partitura seria lançada comercialmente um ano depois. Desenvolveu um estilo particular que
chamou de Tango Brasileiro. Entre 1910 e 1913, apresentou-se na sala de espera do mais luxuoso
cinema da cidade, o “Odeon”, local que muitos frequentavam apenas para ouvi-lo tocar, e para o qual
compôs música de mesmo nome, um de seus maiores sucessos. Teve uma composição de Heitor Villa-
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Lobos dedicada a si, “Chôros nº 1” a quem retribuiu com o estudo de concerto “Improviso” (Malta,
2019). Um acidente aos 10 anos de idade causou-lhe problemas auditivos que se agravaram com o
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passar do tempo, até a quase completa surdez. Faleceu aos 70 anos, em 1934.
Como o objetivo desta seção é apresentar uma contextualização do Choro como um todo, não
cabe um aprofundamento na história destes compositores. No entanto, mesmo esta curta biografia de
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três dos mais importantes nomes da primeira geração do Choro nos oferece uma ideia da diversidade
que deu origem ao gênero, e que nos aspectos musical, social e cultural, virou uma de suas mais notáveis
características. O Choro era, e ainda é, feito por homens e mulheres, mestiços, negros, brancos, de
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