Pancreatite Aguda

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PANCREATITE AGUDA

O pâncreas é uma glândula mista com 80% de sua massa voltada para funções
exócrinas e 20% para endócrinas. A função endócrina se destaca na produção de
insulina (células betas) e glucagon (células alfas). Já a parte exócrina é composta pelas
células acinares que produzem enzimas digestivas e as secretam no ducto pancreático
que as leva para o duodeno, onde caem na segunda porção duodenal e atual na
digestão.

O pâncreas produz cerca de 1500ml de suco pancreático diariamente, uma secreção


salina, isotônica e alcalina (pH 8). A ativação de suas enzimas digestivas ainda dentro
do órgão desencadeia um processo inflamatório denominado pancreatite.

PANCREATITE AGUDA (PA) = inflamação aguda decorrente da ativação de enzimas


digestivas pancreáticas ainda dentro do órgão, podendo ou não ter envolvimento de
tecidos peripancreáticos e/ou órgãos a distância.

A PA é dividida em 2 fases distintas:

- Fase precoce, na primeira semana, onde a cascata de citocinas é ativada, dando


início a uma SIRS, a qual poderá evoluir para falência orgânica seguida por
disfunção de múltiplos órgãos.
- Fase tardia, de semanas há meses, é marcada pela persistência da inflamação
sistêmica e/ou surgimento de complicações locais.
ETIOLOGIA DA PANCREATITE AGUDA
PRINCIPAIS CAUSAS ASSOCIADAS = LITÍASE BILIAR E ALCOOLISMO.

Tabagismo e diabetes podem aumentar os riscos também.

Os casos são mais comuns em mulheres e a incidência aumenta com a idade.

Cálculos menores que 5mm e micro litíase aumentam substancialmente os riscos, pois
pequenos cálculos podem passar pelo ducto colédoco e impactarem na ampola de
Vater/ esfíncter de Oddi.

O álcool aumenta a síntese de enzimas digestivas e lisossômicas nas células acinares,


além de aumentar a sensibilidade dos ácinos a colecistocinina (hormônio do TGI
liberado no momento que o conteúdo gástrico passa para o intestino, estimulando as
células acinares e a contração da vesícula biliar, e assim a digestão). Portanto o etilismo
aumenta a atividade acinar e causa uma super produção de enzimas digestivas,
aumentando a predisposição à pancreatite.

Outra causa importante é a hipertrigliceridemia, geralmente em níveis de 1000 a


2000mg/dL, que gera a formação de radicais superóxidos que geram lesão pancreática
e fazem PA. Para evitar a recorrência nesses casos é fundamental o uso de
hipolipemiantes como fibratos, buscando manter os TG abaixo de 500. Uma outra opção
é o uso de bomba de infusão de glicose com insulina, sendo possível também realizar
plasmaférese para reduzir os TG.

Outras causas

- Pós CPRE;
- Medicamentosa (antiretrovirais e imunossupressores);
- Autoimunes;
- Infecções.
- Entre outras...

ACHADOS CLÍNICOS
O principal achado é a dor abdominal. Na PA haverá dor em abdômen superior, podendo
irradiar para ambos os hipocôndrios (dor em faixa), de forte intensidade e rápida
instalação, atingindo o pico da dor em torno de 10 a 15 minutos.

A dor pode ser desencadeada por cólica biliar ou libação alcoólica, é comum que haja
também náuseas e vômitos associados.

CASOS LEVES: desconforto abdominal e/ou plastrão palpável (massa palpável,


geralmente devido ao deslocamento do omento para a inflamação), sem distensão
abdominal ou sinais de instabilidade hemodinâmica.

CASOS GRAVES: dor abdominal intensa com distensão abdominal e sinais de irritação
peritonial. Nesses casos pode haver íleo adinâmico, respiração superficial por irritação
do nervo frênico, sinais de SIRS (febre, taquicardia, taquipneia...) e alteração do nível de
consciência por encefalopatia pancreática.

Casos avançados podem apresentar sinais de hemorragia, sendo 2 possíveis:

- Sinal de Grey-Turner: equimose dos flancos por hemorragia retroperitoneal.


- Sinal de Cullen: equimose periumbilical por hemorragia intraperitoneal.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da pancreatite aguda vem com 2 dos 3 seguintes:

- Dor em abdômen superior;


- Aumento de enzimas pancreáticas em 3x o limite superior da normalidade;
- Exame de imagem compatível com pancreatite aguda.

EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratoriais
✓ Dosagem de amilase sérica (mais utilizado);
✓ Dosagem de lipase sérica;

A Amilase é a primeira a se elevar, porém a Lipase é a mais específica para as doenças


pancreáticas de fato, tendo em vista que outras doenças não relacionadas ao pâncreas
podem elevar a Amilase, como a isquemia mesentérica. A combinação da dosagem de
Amilase e Lipase, juntas, tem acurácia superior no diagnóstico.

✓ TGP 3x acima da normalidade pode indicar PA biliar;

✓ Dosagem de TG deve ser feita para indicar a causa da PA, sendo que estes só
podem ser considerados causa quando acima de 1000mg/dL.

✓ Dosagem de PCR é útil para indicar a gravidade do quadro, sendo quadros com
PCR acima de 150 considerados de maior gravidade. Outros marcadores de pior
prognóstico são: Hematócrito > 44% e ureia.

✓ A FUNÇÃO RENAL deve ser mensurada em todos os pacientes com PA. Um


estudo demonstrou que valores de creatinina superiores a 1,8mg/dL após
hidratação adequada tem correlação com o desenvolvimento de necrose
pancreática.

✓ O CÁLCIO é outro marcador de gravidade da PA, e deve ser solicitado de rotina,


pois tanto hipo quanto hipercalcemia podem causar PA, embora a hipo costume
ser, na maioria das vezes, consequência da PA.

Exames de imagem
- Ultrassonografia do abdomen

Exame que deve ser realizado em todos os pacientes, porém em alguns casos,
quando há distensão de alça junto, não será possível visualizar adequadamente.
A USG pode detectar inflamação pancreática, cálculos biliares e cálculos no
ducto colédoco.
Ao exame, o pâncreas aparece aumentado e hipoecoico.
- Tomografia com contraste

A TC com contraste deve ser solicitada em caso de USG inviável, dúvida


diagnóstica, suspeita de necrose, deterioração clínica ou avaliação de
complicações/ envolvimento de outros órgãos.
Outros exames: USG endoscópico e CPRE.

Na avaliação das complicações, a Necrose pancreática estéril tem mortalidade menor


que a infectada, porém é difícil diferenciar as duas, posto que ambas geram clínica
semelhante com febre e leucocitose. Porém a TC é importante aliada, por exemplo, a
presença de gases sugere necrose infectada.

Caso permaneçam dúvidas quanto a presença de infecção, é recomendada punção


aspirativa com agulha fina guiada por TC para colheita de material para Gram e cultura.

CLASSIFICAÇÃO
A classificação é feita quanto a sua forma clínica, as complicações e a gravidade.

FORMA CLÍNICA

Pancreatite aguda edematosa: edema focal ou difuso no pâncreas, podendo haver


acúmulo de líquido Peri pancreático.

Pancreatite aguda edematosa. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa mostram aumento pancreático difuso,
densificação dos planos adiposos peripancreáticos (setas longas) e acúmulos líquidos agudos no espaço pararrenal anterior
esquerdo e na goteira paracólica esquerda (setas curtas), sem áreas de necrose parenquimatosa.

Pancreatite aguda necrotizante: há necrose do parênquima ou tecido peri-


pancreático. Em 7-10 dias os riscos de infecções sobrepostas aumentam
significativamente.
Pancreatite aguda necrosante. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa. Pancreatite aguda necrosante em homem
de 52 anos. Hipocontrastação difusa do colo, corpo e cauda pancreáticos (setas em A), compatível com extensa área de
necrose, identificando-se pequena área de parênquima preservado no processo uncinado (seta em B). C,D: Imagens axiais de
TC pós-contraste fase venosa. Pancreatite aguda necrosante em mulher de 35 anos. Extensas áreas de necrose
parenquimatosa pancreática (setas longas), associadas a áreas de esteatonecrose no espaço pararrenal anterior esquerdo e no
mesocólon transverso (setas curtas).

COMPLICAÇÕES

Locais: suspeitamos quando há persistência de dor abdominal ou sinais inflamatórios.


São exemplos: coleções líquidas peripancreáticas, pseudocistos pancreáticos, coleção
necrótica aguda e necrose encapsulada (walled-off necrosis)

Walled off necrosis

Sistêmicas: são complicações de doenças pré-existentes precipitadas pela pancreatite


ou surgimento de falência orgânica secundária a inflamação, um exemplo é o paciente
que faz insuficiência renal após uma PA.

GRAVIDADE
Pancreatite aguda leve: PA sem disfunção orgânica e sem complicações.

Pancreatite aguda moderadamente grave: PA com disfunção orgânica transitória (que


não dura mais que 48 horas) associada ou não a complicações locais.

Pancreatite aguda grave: PA com tudo de ruim, tem disfunção orgânica persistente
(+48 horas) associada a complicações locais (pseudocisto, necrose ou abcesso), e tem
também complicações sistêmicas.

São disfunções orgânicas: choque, insuficiência renal com creatinina >2mg/dL após
hidratação adequada, insuficiência respiratória com PO2 < 60mmHg e sangramento
do TGI >500ml em 24h.

São complicações sistêmicas: CIVD, acidose metabólica grave, hipocalcemia


significativa (Ca < 7,5, o VR é 8,8 a 10,4) ou pelo menos 3 dos critérios de Ranson.

Critérios de Ranson
CRITÉRIOS QUE INDICAM PIOR PROGNÓSTICO

Existem vários além dos de Ranson, aqui vou colocar o menor: BISAP

- Ureia >30mg/dL;
- Confusão mental ou rebaixamento de consciência;
- SIRS;
- Idade > 60 anos;
- Presença de derrame pleural.
TRATAMENTO
O tratamento da PA é baseado em medidas de suporte, já que nenhuma medicação se
mostrou capaz de cessar a inflamação pancreática.

Os pacientes devem ser monitorizados nas primeiras horas de evolução, receber


oxigenoterapia em casos de hipoxemia e serem protamente avaliados quanto ao estado
hemodinâmico, buscando medidas de ressuscitação precocemente, quando
necessárias.

DIETA

A realimentação precoce é fundamental para a melhora do paciente. Quando falamos


em precoce, quer dizer em até 48h de evolução, mas a American Gastroenterology
Association recomenda que, quando possível, o ideal é nas primeiras 24h.

Existem fortes evidências de que a realimentação precoce diminui os dias de infecção


necrótica, diminui o tempo de internação, as disfunções orgânicas e a mortalidade em
geral.

Iniciamos a dieta quando sabemos que será tolerada, isto é, diante de um paciente com
melhora da dor abdominal e peristaltismo preservado. Vemos que há peristaltismo
preservado quando há melhora dos sintomas de náuseas e vômitos + presença de RH
na ausculta abdominal.

O ideal é que o paciente receba dieta VO ou por sonda enteral, reservando a parenteral
apenas para os pacientes que não tolerem a via enteral ou que não atinjam a meta
nutricional nas primeiras 72h. Nesses que não atingem, mantemos a enteral e
acrescentamos a parenteral. Manter é importante para reduzir a permeabilidade
intestinal e diminuir a translocação bacteriana, evitando disfunções e complicações.

HIDRATAÇÃO

A hidratação é um dos pilares do tratamento e melhoria dos desfechos. O paciente com


PA tem aumento da permeabilidade vascular, o que o leva a um estado de hipovolemia.
Sendo assim, a hidratação tem por objetivo melhorar a microcirculação pancreática e
evitar alterações circulatórias e renais devido a hipovolemia.

A solução de escolha são os cristaloides, preferencialmente o Ringer Lactato.

Recomenda-se hidratação individualizada e guiada por metas, um dos melhores


parâmetros para avaliar a efetividade é a diurese, esperamos 0,5 a 1ml/kg/hora.
Avaliamos também pelo exame clínico do paciente.

A recomendação das diretrizes para hidratação inicial é de 250 a 500ml/ hora. Para
pacientes hipovolêmicos, a hidratação em ritmo de 5-10ml/kg/hora é indicada.
ANALGESIA

A analgesia busca controle sintomático. Podemos usar analgésicos simples, anti-


inflamatórios e opioides. De acordo com o livro da USP, a Meperidina não é
recomendada.

ANTIBIOTICOTERAPIA

A profilaxia com antibióticos para pacientes com necrose pancreática NÃO É


RECOMENDADA.

O uso dos antibióticos se reserva aos pacientes com evidência de infecção,


preferencialmente colhida em PAAF guiada por TC.

A ATB terapia empírica inicia-se com ampla cobertura para gram negativos
(carbapenêmicos) posteriormente ampliada para gram positivos e fungos.

CPRE

A CPRE é indicada somente em casos de evidência de coledocolitíase e colangite


associadas. Deve ser realizada, nesses casos, preferencialmente nas primeiras 24h.
Lembrando que em qualquer situação a CPRE pode agravar o caso, havendo inclusive
risco de causar uma nova pancreatite.

COLECISTECTOMIA

Pacientes com PA leve, de causa biliar presumida, muito se beneficiam de


colecistectomia (idealmente laparoscópica) na mesma internação da PA. Existem
evidências que provam que a realização da CVL evita novos episódios de pancreatite,
diminui os riscos de complicações relacionadas a cálculos e reduz a mortalidade
desses pacientes em geral.

Quanto aos pacientes com PA grave e/ou necrose retroperitoneal, muito se discute em
relação ao momento da cirurgia. Como o momento ideal para cirurgia é quando houver
menor grau de inflamação sistêmica, muitos cirurgiões preferem realizá-la após 8-12
semanas.

COMPLICAÇÕES
A maioria das PA´s que evoluem com coleções podem ser manejadas de maneiras não
invasivas, no entanto, caso ocorra aumento significativo da coleção, sinais sugestivos
de infecção como febre alta e piora da leucocitose ou gás na imagem, pode ser
necessário intervenção endoscópica ou cirúrgica.
Mais associadas a PA graves, que geralmente evoluem com necrose pancreática e
peripancreática, formando uma massa inflamatória que pode vir a gerar pseudocistos e
abcessos. A necrose é um fator que predispõe a infecção em muitos casos.

A infecção da necrose piora muito o prognóstico e aumenta as chances de óbito,


portanto é fundamental diferenciar necrose estéril de necrose infectada. A melhor
maneira para isso é a PAAF, no entanto, esse procedimento pode ser evitado caso haja
gás na TC.

A necrose pancreática deve ser abordada cirurgicamente em casos de infecção e piora


clínica inexplicada. A cirurgia aberta para necrosectomia sempre foi padrão ouro para
essa abordagem, no entanto, estudos recentes mostram benefício em realizar
intervenção percutânea ou drenagem via endoscópica.

Em pacientes com evolução clínica estáveis, a cirurgia deve ser postergada em 4


semanas, para que se forme uma cápsula fibrótica ao redor da necrose e facilite a
ressecção.

Uma crescente surge atualmente em intervir apenas em pacientes com necrose


pancreática que apresentem deterioração clínica, uma conduta expectante que busca
evitar intervenções desnecessárias.

Em casos de necrose infectada, a antibioticoterapia está indicada. Podemos usar um


carbapenêmico como Meropenem, ou a associação de ciprofloxacina com
metronidazol.

Por fim, temos os pseudocistos do pâncreas, complicações que geralmente surgem de


pacientes com PA, que se apresentam como dor abdominal ou massa palpável. O
diagnóstico pode ser feito com TC e não é recomendada cirurgia para pacientes
assintomáticos, independentemente do tamanho.

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