Discurso Sobre A Origem Da Desigualdade Entre Os Homens

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"Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”

. Estado de Natureza: Igualdade e Liberdade Original

Rousseau começa sua análise com a ideia do estado de natureza, uma condição hipotética
em que os seres humanos existiam antes de qualquer tipo de sociedade organizada. Nesse
estado primitivo, segundo Rousseau, os homens eram iguais, livres e independentes. Ele
retrata os seres humanos como simples e guiados apenas por suas necessidades básicas:
sobreviver, procurar comida e reproduzir. Não havia competição, inveja, ciúmes ou ódio.
Cada indivíduo era movido pelo amor de si mesmo, uma espécie de instinto de
autopreservação, e pela piedade natural, uma compaixão inata pelos outros seres.

Nesse ponto, Rousseau diverge de outros filósofos como Thomas Hobbes, que acreditava
que o estado de natureza era uma guerra de "todos contra todos". Para Rousseau, os humanos
primitivos não eram violentos ou gananciosos, e não existiam grandes desigualdades porque
os recursos eram abundantes e os desejos eram simples. Nessa fase, os homens viviam em
harmonia com a natureza, satisfeitos com o que tinham e sem a necessidade de dominar ou
explorar uns aos outros.

. A Transição para a Sociedade e o Surgimento da Propriedade

A grande transformação, segundo Rousseau, ocorreu com o desenvolvimento da agricultura


e da metalurgia. A descoberta de técnicas para cultivar a terra e forjar ferramentas permitiu
aos seres humanos acumular bens e, com isso, surge um novo conceito: a propriedade
privada. Para Rousseau, esse é o momento decisivo que marca o início da desigualdade.

Ele afirma que a propriedade privada é a origem de todas as desigualdades sociais, pois,
quando os homens começaram a cercar pedaços de terra e reivindicar a posse sobre eles,
surgiu a competição, o desejo de mais riquezas e o poder. Rousseau expressa isso de forma
crítica ao dizer que "o primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, disse, 'isto é,
meu' e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar nele, foi o verdadeiro
fundador da sociedade civil". A partir desse ponto, os laços sociais se tornaram mais
complexos e as desigualdades se aprofundaram, pois alguns tinham muito e outros não
tinham nada.

. Desigualdade Natural x Desigualdade Moral ou Política


Rousseau faz uma distinção fundamental entre dois tipos de desigualdade:

- Desigualdade natural ou física: Relacionada às diferenças de força, saúde, idade,


habilidades e inteligência. Rousseau reconhece que essa desigualdade é inevitável, uma vez
que os seres humanos têm capacidades físicas e mentais diferentes desde o nascimento.

- Desigualdade moral ou política: Este é o tipo de desigualdade que Rousseau critica


fortemente. Ela surge não da natureza, mas das convenções sociais e das instituições. O
desenvolvimento da sociedade criou classes, regras e instituições que favorecem os ricos e
poderosos em detrimento dos pobres e marginalizados. As leis, segundo Rousseau, passaram
a ser ferramentas que defendem os interesses dos proprietários, perpetuando a desigualdade e
mantendo os menos favorecidos em uma posição submissa.

. O Papel das Instituições e da Sociedade Civil

Rousseau argumenta que as instituições modernas, ao invés de corrigirem ou mitigarem as


desigualdades, na verdade as legitimam e as agravam. Ele afirma que os governos, a justiça,
e as leis são instrumentos nas mãos dos ricos para consolidar seu poder. O contrato social que
deveria proteger a liberdade de todos, na verdade, protege a liberdade e a propriedade de
poucos.

Ele sugere que a desigualdade política é a mais perniciosa, porque ela transforma relações de
poder e riqueza em algo naturalizado e aparentemente imutável. Rousseau critica a forma
como as classes superiores usam o discurso da meritocracia para justificar suas riquezas,
fazendo parecer que a desigualdade é resultado das diferentes capacidades dos indivíduos,
quando, na verdade, é fruto de um sistema injusto.

. A Corrupção da Moral Humana

Para Rousseau, o progresso da sociedade corrompeu o que ele chama de bondade natural
dos seres humanos. No estado de natureza, os homens eram compassivos e guiados pela
necessidade de sobreviver; na sociedade moderna, eles são movidos por orgulho, inveja e
vaidade. A convivência em sociedade faz com que os indivíduos se comparem uns aos
outros, desejem mais do que precisam e busquem o reconhecimento e a aprovação dos outros,
em vez de apenas buscar sua própria sobrevivência. Isso leva a uma degradação moral, onde
os seres humanos estão constantemente competindo uns com os outros.
7. Conclusão e Crítica ao Progresso

Rousseau encerra o discurso afirmando que a desigualdade é, portanto, um subproduto do


progresso humano. Ele não argumenta contra o desenvolvimento tecnológico em si, mas sim
contra as estruturas sociais que surgem a partir dele. As sociedades modernas, com suas
classes, leis e riquezas, são, para ele, um afastamento da verdadeira liberdade e igualdade que
os homens possuíam no estado de natureza.

Ele também critica a ideia de que o progresso é necessariamente positivo. Para Rousseau, o
desenvolvimento da civilização trouxe mais sofrimento do que bem-estar, criando
desigualdade, injustiça e alienação. O verdadeiro progresso deveria ser moral, com as
sociedades voltando-se para a simplicidade, a compaixão e a justiça.

Importância da Obra

O "Discurso sobre a Origem da Desigualdade" é uma crítica profunda ao capitalismo


emergente e às instituições políticas e sociais de sua época. Rousseau influenciou pensadores
posteriores, como Karl Marx, que também veria a propriedade privada como a raiz da
exploração, e movimentos revolucionários, como a Revolução Francesa, que buscava
igualdade e justiça social.

Rousseau nos desafia a pensar sobre o que é realmente natural na condição humana e o que
é uma construção social, levando a uma reflexão crítica sobre o poder, a riqueza e a justiça.
Ele nos lembra que, muitas vezes, o que consideramos como "normal" ou "inevitável" nas
relações sociais pode ser fruto de decisões humanas, e, portanto, passível de transformação.

1. Discurso sobre as Ciências e as Artes (1750)


- Pergunta central: Rousseau pergunta se as ciências e as artes contribuíram para o
aprimoramento dos costumes. Sua resposta é negativa.

- Tese de Rousseau: Ele argumenta que, em vez de melhorarem os costumes, as ciências e as


artes funcionam como "máscaras" que ocultam os vícios humanos, como vaidade, orgulho e
egoísmo. Elas trazem brilho e refinamento, mas, ao mesmo tempo, escondem a proliferação
desses vícios.

- Impacto civilizatório: Rousseau vê os processos de civilização como um caminho para a


perda progressiva da liberdade. O resultado é o surgimento de um homem egoísta,
compulsivamente ambicioso e profundamente marcado por vícios.

- O contraste com o homem selvagem: Rousseau idealiza o "homem selvagem", um


indivíduo não civilizado que vive uma existência livre e feliz, em contraste com o homem
corrompido pela civilização.

- Ciências e artes como veneno e antídoto: As ciências e artes não são totalmente negativas,
mas, segundo Rousseau, elas têm um papel ambíguo, pois ao mesmo tempo que corrompem,
podem ser vistas como um possível antídoto contra os próprios males que causam.

2. O Iluminismo e o Contratualismo de Rousseau

- Herdeiro do contratualismo: Rousseau segue a tradição do contratualismo (que inclui


autores como Hobbes e Locke), discutindo a fundamentação do Estado a partir do consenso
dos indivíduos.

- Elementos-chave do contratualismo em Rousseau:

- O poder soberano deve ser baseado no Contrato Social.

- A liberdade civil deve ser definida e protegida no contexto das formas de governo.

- O contrato, em vez de legitimar a submissão ao Estado, deve garantir a participação


política de todos os indivíduos.

Estado de Natureza
- Não é um estado de guerra: Para Rousseau, o estado de natureza não implica
necessariamente em maldade ou violência. Ele descreve o estado natural dos humanos como
amoral e sem conflitos violentos. A ausência de moralidade não significa necessariamente
maldade.

- Características dos humanos no estado de natureza:

- Negativas: Sem comunicação, sem invenções, sem trabalho organizado, sem moradia fixa
(vida nômade), e sem guerra. Eles viviam uma vida isolada e amoral.

- Positivas: Perfectibilidade (a capacidade de se aperfeiçoar), amor de si (amor-próprio


saudável), e liberdade. Esses conceitos formam a base de uma vida natural, onde a existência
era independente e livre.

- Desigualdades naturais: Desigualdades de força, agilidade e resistência não privam


ninguém dos meios de sobrevivência. No estado de natureza, a autossuficiência material
garantia a ausência de qualquer tipo de dominação física entre os humanos.

Transição do Estado de Natureza para a Sociedade Civil

- Socialização progressiva: O estado de natureza foi lentamente sendo substituído por


formas incipientes de socialização. A vida em bandos, o estabelecimento da vida familiar e a
introdução de costumes comuns (como resultado de viverem sob o mesmo clima e com as
mesmas práticas alimentares) deram início à socialização humana. Rousseau chama essa fase
de "Idade do Ouro".

- O surgimento das paixões: A socialização trouxe consigo não apenas as vantagens de uma
vida comunitária, mas também os vícios, como vaidade e crueldade. Comodidades
enfraqueciam tanto o corpo quanto o espírito.

A Grande Revolução Técnica

- Agricultura e metalurgia: Rousseau vê a introdução da agricultura e da metalurgia como


eventos decisivos que marcaram o fim da "Idade do Ouro". Esses desenvolvimentos deram
origem à divisão do trabalho e à propriedade privada, aumentando drasticamente a
desigualdade entre os homens.
Divisão do Trabalho e Propriedade

- Dependência: A divisão do trabalho criou um sistema de dependência. Os ricos dependiam


do trabalho dos pobres, e os pobres dependiam da propriedade dos ricos para sobreviver. Isso
levou à institucionalização das desigualdades sociais.

O Estado de Guerra Generalizada

- Pacto Iníquo: O surgimento da propriedade levou ao que Rousseau chama de "pacto


iníquo", que estabelece a sociedade civil. Esse pacto aparenta firmar paz e liberdade, mas na
prática representa a usurpação econômica e política. Ele cria uma distinção entre governantes
e governados e consolida a desigualdade.

- Novas formas de desigualdade: O pacto leva à criação de uma nova forma de


desigualdade, entre poderosos e fracos, entre dominantes e dominados.

Três Estágios da Desigualdade

- Rousseau identifica três estágios no progresso da desigualdade:

1. Propriedade: Desigualdade entre ricos e pobres.

2. Formação da sociedade e das leis: Desigualdade entre governantes e governados.

3. Despotismo: Desigualdade extrema entre senhores e escravos.

4. Contrato Social e o Estado Legítimo

- O Contrato Social: A principal preocupação de Rousseau no *Contrato Social* é como


criar uma forma de associação em que os indivíduos, ao se unirem, mantenham sua liberdade.
Eles só obedeceriam a si mesmos e, assim, permaneceriam tão livres quanto antes.

- Diferença entre o Discurso e o Contrato Social:

- No Discurso sobre a Desigualdade, Rousseau estuda a questão histórica e factual das


desigualdades.

- No Contrato Social, ele se concentra em como o corpo político deve ser formado no
âmbito do dever-ser.
- Questões fundamentais: Rousseau busca responder a duas perguntas:

- O que é o homem?

- O que ele deve ser?

No *Discurso sobre a Desigualdade*, Rousseau foca na afirmação do indivíduo frente aos


imperativos sociais. Já no *Contrato Social*, ele inverte essa relação, colocando o indivíduo
como parte de uma comunidade, submetendo-se a ela por meio de um pacto legítimo.

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