Conferencia Dermeval SAVIANI
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1. Introduo O tema desta conferncia foi formulado pelos organizadores do Colquio que consideraram a convenincia (e necessidade) de abrir o evento com um balano prvio sobre a histria da histria da educao no Brasil, isto , sobre a historiografia da educao brasileira. Como, por sua vez, esse Colquio que ora se abre versa sobre as instituies escolares penso ser desejvel que o balano historiogrfico proposto seja feito tendo como foco principal a histria das instituies escolares no Brasil. Como assinalei em outro trabalho (SAVIANI, 2007, p. 9-14), a origem das instituies educativas remonta ao momento de ruptura do modo de produo comunal (o comunismo primitivo) que determinou o advento das sociedades de classes. Localiza-se a, nessa poca remotssima, o surgimento da escola, cuja data de referncia o ano de 3.238 a.C. no mbito das civilizaes sumria e egpcia (GENOVESI, 1999, p. 38). A partir dessa origem a instituio escolar se desenvolver na Grcia como paidia, enquanto educao dos homens livres, em oposio dulia3, que implicava a educao dos escravos, fora da escola, no prprio processo de trabalho. Com a ruptura do modo de produo antigo (escravista), a ordem feudal vai gerar um tipo de escola distinto da paidia grega. Diferentemente da educao ateniense e espartana, assim como da romana, em que o Estado desempenhava papel importante na organizao da educao, na Idade Mdia as escolas traro fortemente a marca da Igreja Catlica. O modo de produo capitalista provocar decisivas mudanas na prpria educao confessional e colocar em posio central o protagonismo do Estado, forjando a idia da escola pblica, universal, gratuita, leiga e obrigatria, cujas tentativas de realizao passaro pelas mais diversas vicissitudes. No Brasil a origem das instituies escolares pode ser localizada em 1549 com a chegada dos jesutas que criaram, na ento colnia portuguesa, a primeira escola brasileira (MATTOS, 1958, p. 37). esse o ponto de partida da histria das instituies escolares brasileiras cuja periodizao esbocei, a ttulo de hiptese de trabalho, nos seguintes termos:
Conferncia de abertura do V Colquio de Pesquisa sobre Instituies Escolares, organizado pela Uninove e realizado em So Paulo, de 27 a 29 de agosto de 2008. 2 Professor Emrito da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Coordenador Geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas Histria, Sociedade e Educao no Brasil (HISTEDBR). 3 Fao, aqui, um contraponto entre as palavras Paidia, cujo significado infncia e tambm educao da infncia, e dulia, que significa escravido; da, tambm, educao dos escravos.
O primeiro perodo (1549-1759) dominado pelos colgios jesutas; o segundo (17591827) est representado pelas Aulas Rgias institudas pela reforma pombalina, como uma primeira tentativa de se instaurar uma escola pblica estatal inspirada nas idias iluministas segundo a estratgia do despotismo esclarecido; o terceiro perodo (1827-1890) consiste nas primeiras tentativas, descontnuas e intermitentes, de se organizar a educao como responsabilidade do poder pblico representado pelo governo imperial e pelos governos das provncias; o quarto perodo (1890-1931) marcado pela criao das escolas primrias nos estados na forma de grupos escolares, impulsionada pelo iderio do iluminismo republicano; o quinto perodo (1931-1961) se define pela regulamentao, em mbito nacional, das escolas superiores, secundrias e primrias, incorporando crescentemente o iderio pedaggico renovador; finalmente, no sexto perodo, que se estende de 1961 aos dias atuais, d-se a unificao da regulamentao da educao nacional abrangendo a rede pblica (municipal, estadual e federal) e a rede privada as quais, direta ou indiretamente, foram sendo moldadas segundo uma concepo produtivista de escola (SAVIANI, 2005, p. 12). Cabe observar que ao longo de quase quatro sculos abarcando, portanto, os quatro primeiros perodos, as instituies escolares no Brasil constituram um fenmeno restrito a pequenos grupos. Foi somente a partir da dcada de 1930 que se deu um crescimento acelerado emergindo, nos dois ltimos perodos, a escola de massa. Assim, quando se deu a expulso dos jesutas em 1759, a soma dos alunos de todas as instituies jesuticas no atingia 0,1% da populao brasileira, pois delas estavam excludas as mulheres (50% da populao), os escravos (40%), os negros livres, os pardos, filhos ilegtimos e crianas abandonadas (MARCLIO, 2005, p. 3). E apesar do entusiasmo que marcou o incio do perodo republicano com a criao dos grupos escolares, at o final da Primeira Repblica o ensino escolar permaneceu praticamente estagnado, como se v pelo nmero de analfabetos em relao populao total, que se manteve no ndice de 65% entre 1900 e 1920, sendo que o seu nmero absoluto aumentou de 6.348.869 em 1900, para 11.401.715 em 1920. Em contrapartida, a partir da dcada de 1930 a matrcula geral saltou de 2.238.773 alunos (ensino primrio: 2.107.617; ensino mdio: 108.305; ensino superior: 22.851) em 1933 para 44.708.589 (primrio: 35.792.554; mdio: 6.968.531; superior: 1.947.504) em 1998 (BRASIL, 2003, p. 106). Considerando-se que a populao do pas girava em torno de 40 milhes em 1933, passando a aproximadamente 167 milhes em 1998, conclui-se que, enquanto a populao global quadruplicou, a matrcula escolar geral aumentou vinte vezes. Mas o que foi dito diz respeito histria como res gestae, isto , a histria da escola no Brasil tal como est sendo feita e no histria rerum gestarum, ou seja, a histria narrada, o estudo, o conhecimento da histria da escola brasileira tal como descrita nos tratados,
compndios e manuais de histria da educao. E o que me foi solicitado pelos organizadores com o tema Histria da histria da educao refere-se histria rerum gestarum. Tentemos, pois, abordar o tema proposto.
2. A histria da educao como reconstruo cognitiva do processo de desenvolvimento da educao ao longo do tempo Mas por que queremos conhecer a histria? Por que queremos estudar o passado, isto , as coisas realizadas pelas geraes anteriores? Considerando que pela histria que ns nos formamos como homens; que por ela que ns nos conhecemos e ascendemos plena conscincia do que somos; que pelo estudo do que fomos no passado descobrimos ao mesmo tempo o que somos no presente e o que podemos vir a ser no futuro, o conhecimento histrico emerge como uma necessidade vital de todo ser humano. Tendo em vista que a realidade humana de cada indivduo se constri na relao com os outros e se desenvolve no tempo, a memria se configura como uma faculdade especfica e essencialmente humana e atinge sua mxima expresso quando se manifesta como memria histrica. E a perda da memria histrica o que Hobsbawm considera um dos traos mais caractersticos da poca atual, como fica claro no seguinte pargrafo: A destruio do passado ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experincia pessoal das geraes passadas um dos fenmenos mais caractersticos e lgubres do final do sculo XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espcie de presente contnuo, sem qualquer relao orgnica com o passado pblico da poca em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofcio lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milnio. Por esse mesmo motivo, porm, eles tm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores. Em 1989 todos os governos do mundo, e particularmente todos os ministrios do Exterior do mundo, ter-se-iam beneficiado de um seminrio sobre os acordos de paz firmados aps as duas guerras mundiais, que a maioria deles aparentemente havia esquecido (HOBSBAWM, 1995, p.13). Friso: o ofcio dos historiadores lembrar o que os outros esquecem. Talvez seja essa a principal coisa que a pesquisa histrico-educacional tem a nos dizer mesmo porque tambm os cursos de formao de educadores parecem se mover num presente contnuo em decorrncia do esquecimento da histria. Pelo trabalho historiogrfico cabe-nos lembrar aos educadores e a toda a sociedade do pas aquilo que, embora presente em sua prtica cotidiana, tende a ser sistematicamente esquecido: que a situao na qual o trabalho educativo se processa, os avanos e recuos, os problemas que os educadores enfrentam so produtos de construes histricas. Nessa condio, sofrem, por um lado, as determinaes do passado;
mas, por outro lado, assim como a educao anterior foi produto da ao dos que nos precederam, ns, educadores atuais, tambm temos a prerrogativa de agir sobre o presente e mudar-lhe os rumos. Busquemos, pois, recuperar os conhecimentos histrico-educativos j produzidos num balano que evidencie suas principais manifestaes.
3. A produo historiogrfica no campo educativo: construo e desconstruo da memria A construo da memria histrica da educao brasileira pode ser abordada a partir de trs vetores: a preservao da memria; o ensino de histria da educao; a produo historiogrfica propriamente dita.
a) preservao da memria As iniciativas de construo e preservao da memria da educao brasileira remontam ao final do sculo XIX e encontram ancoradouro no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, fundado em 21 de outubro de 1838. Seguindo uma orientao positivista o Instituto valorizava a tarefa de coletar, arquivar e publicar documentos visando a preservar a memria histrica e geogrfica do pas. guisa de ilustrao, destaco, pela relevncia e extenso das obras, duas contribuies caractersticas desse vetor. A primeira diz respeito a Jos Ricardo Pires de Almeida, membro honorrio do IHGB, autor daquela que considerada a primeira histria sistematizada da educao brasileira, consubstanciada no livro Linstruction publique au Brsil (1500-1889): histoire et legislation. Esta obra, publicada em francs em 1889, s foi traduzida para o portugus um sculo depois, em 1989. O autor da obra era mdico, mas estudou direito por trs anos e foi arquivista da Cmara Municipal, alm de adjunto na Inspetoria Geral de Higiene da Corte. Da, sua facilidade em coligir documentos e dados estatsticos sobre os quais apia a narrativa histrica que compe sua exposio da trajetria da instruo pblica no Brasil. Alm de citar passagens dos documentos legislativos e estatsticos no corpo do trabalho e em notas de rodap, vrios desses documentos so incorporados integralmente narrativa constitutiva da obra. Na traduo em portugus os 29 documentos que, no original, compunham as notas de rodap da Introduo do livro, cujo objeto a educao no perodo colonial, foram reunidos num Anexo, sendo introduzido, tambm, um ndice dos 46 quadros estatsticos que se distribuem ao longo do texto.
O segundo destaque se reporta a Primitivo Moacyr, tambm vinculado ao IHGB. Como advogado e funcionrio da Cmara dos Deputados desde 1895 at sua aposentadoria em 1933, acumulou o cargo de chefe da redao de debates com o servio de documentos parlamentares. Ancorando-se nessa experincia, Primitivo Moacyr levou ao p da letra o lema positivista o documento fala por si. Dedicou-se, assim, a coligir os documentos e public-los em volumes, primeiro na Coleo Brasiliana da Biblioteca Pedaggica Brasileira, coordenada por Fernando de Azevedo, de 1931, quando foi criada, a 1946, na Cia. Editora Nacional; depois, pela Imprensa Nacional atravs do Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (INEP), dirigido por Loureno Filho desde a sua criao, em 1938, at 1946. Foi publicado um total de 15 volumes, assim distribudos: A Instruo e o Imprio, trs volumes publicados entre 1936 e 1938 (1 vol. [1823-1853], 2 vol. [1854-1888], 3 vol. [18541889]); A Instruo e as Provncias, trs volumes publicados entre 1939 e 1940 (1 vol. [18341889, das Amazonas s Alagoas], 2 vol. [1835-1889, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro e So Paulo], 3 vol. [1835-1889, demais provncias]); A Instruo e a Repblica, sete volumes publicados entre 1941 e 1942 (1 vol., Reforma Benjamin Constant [1890-1892], 2 vol., Cdigo Fernando Lobo [1892-1899], 3 vol., Cdigo Epitcio Pessoa [1900-1910], 4 vol., Reformas Rivadvia e Carlos Maximiliano [1911-1925], 5 vol., Reforma Joo Luiz Alves-Rocha Vaz [1925-1930], 6 vol., Ensino Profissional, 7 vol., Ensino Agronmico); A Instruo Pblica no Estado de So Paulo, dois volumes publicados em 1942 (1 vol., 1890-1893 e 2 vol., 18931900). Os oito volumes referentes ao Imprio, s Provncias e ao Estado de So Paulo foram publicados na Coleo Brasiliana da Cia. Editora Nacional; os sete volumes sobre a Repblica foram publicados pela Imprensa Nacional por iniciativa do INEP. Tanto o livro de Jos Ricardo Pires de Almeida como os 15 volumes compilados por Primitivo Moacyr se tornaram referncia dos estudos subseqentes de histria da educao brasileira. A preocupao com a preservao da memria educativa vai assumir, a partir da configurao da histria da educao brasileira como um campo especfico de investigao, o carter de levantamento, identificao, classificao e catalogao de fontes. Isso ocorre de modo especial a partir dos anos de 1970 com a implantao dos programas de p-graduao, convertendo-se em projetos sistemticos a partir da dcada de 1990 com a instalao de grupos de pesquisa na rea de histria da educao.
O segundo vetor da construo da memria da educao brasileira foi a introduo da disciplina histria da educao no currculo dos cursos de formao de professores. Em 1928, no mbito da Reforma Fernando de Azevedo, introduziu-se no currculo da Escola Normal do Rio de Janeiro a disciplina histria da educao que, em 1932, na nova reforma dirigida por Ansio Teixeira, assumiu a denominao de filosofia e histria da educao. Por sua vez, o currculo do Curso de Pedagogia, criado em 1939, tambm contemplou histria da educao como uma de suas disciplinas. E em 1946, com a aprovao do Decreto conhecido como Lei Orgnica do Ensino Normal, este ensino foi estruturado em mbito nacional, com um currculo que albergava uma disciplina denominada histria e filosofia da educao. A presena da histria da educao nos currculos formativos trouxe a necessidade da elaborao de compndios que viessem a subsidiar os trabalhos dos professores. O primeiro desses manuais foi o livro Noes de histria da educao, de Afrnio Peixoto (1933), seguido das madres Francisca Peeters e Maria Augusta de Cooman, Pequena Histria da Educao (1936), de Bento de Andrade Filho, Histria da educao (1941), Theobaldo Miranda Santos (1945), tambm tendo por ttulo Noes de histria da educao, Ruy de Ayres Bello, Esboo de histria da educao (1945), de Raul Briquet (1946), Histria da educao: evoluo do pensamento educacional, Aquiles Archro Jnior, Histria da Educao, 1957, Jos Antnio Tobias, Histria da educao brasileira (s/d.) e Tito Lvio Ferreira, Histria da educao lusobrasileira (1966). Observe-se que esses manuais didticos cuidavam, dominantemente, de ministrar noes de histria geral da educao, dedicando poucas pginas histria da educao brasileira que era avaliada, pela maioria de seus autores, como praticamente inexistente, pouco relevante, com quase tudo ainda por fazer. Assim, o livro de Afrnio Peixoto reservou apenas 54 das 265 pginas educao brasileira; as madres Peeters e Cooman, 9, em 151; Bento de Andrade, 3, entre 272; Ruy de Aires Bello, 25 em 250; Theobaldo Miranda Santos, de 512 pginas, dedicou 37 educao brasileira, includas num apndice. Exceo a essa regra geral o livro de Tito Lvio Ferreira. Filiado tradio do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Tito Lvio rechaa a idia de se aproximar a histria da literatura. Para ele a Histria no a favor nem contra ningum, porque os documentos no so a favor nem contra. Ela se escreve com documentos... em Histria no h autoridade, h documentos. E a Histria no existe antes do historiador escrev-la (FERREIRA, 1966, p. IX). Entendendo que a Histria do Brasil se divide em dois perodos: histria lusobrasileira, at 1822 e Histria Nacional, de 1822 em diante, dedica as 287 pginas do livro, distribudas em 67
breves captulos, educao desde a chegada dos portugueses at o momento da independncia. Coerente com sua filiao terica, baseia sua escrita em farta documentao. Iniciativas mais consistentes de elaborar manuais didticos especificamente voltados para a histria da educao brasileira diferenciados, portanto, dos compndios anteriormente citados que privilegiavam a histria geral da educao, iro surgir a partir da dcada de 1970. Sua produo articula-se, portanto, com o desenvolvimento das pesquisas na rea, delas se beneficiando. Esto nesse caso os trabalhos de Otaza de Oliveira Romanelli, Histria da educao no Brasil (1978), de Maria Lusa Santos Ribeiro, Histria da educao brasileira: a organizao escolar (1978) e de Maria Elizabete S. P. Xavier, Olinda Maria Noronha e Maria Lusa S. Ribeiro, Histria da Educao: a escola no Brasil. So Paulo, FTD, 1994. Mais recentemente, procurando incorporar, para efeitos didticos, a multiplicidade de pesquisas no campo da histria da educao brasileira, foi lanada a coletnea Histrias e memrias da educao no Brasil, em trs volumes (STEPHANOU e BASTOS, 2004/2005), reunindo 50 autores e 53 textos que buscam cobrir, a partir de recortes determinados, toda a histria da educao brasileira desde as origens at os dias atuais.
c) produo historiogrfica Os estudos sistemticos de histria da educao brasileira remontam ao j citado trabalho de Jos Ricardo Pires de Almeida sobre a histria da instruo pblica no Brasil, abrangendo o perodo que vai de 1500 at o ano de sua publicao, em 1889. Um novo trabalho de envergadura comparvel s veio a surgir mais de meio sculo depois, em 1943. Trata-se do alentado estudo de Fernando de Azevedo, A cultura brasileira, cuja terceira parte denominada A transmisso da cultura aborda a trajetria da educao brasileira desde as origens at a data de sua publicao (AZEVEDO, 1971). No obstante a importncia desses trabalhos pioneiros e o peso que tiveram na produo posterior, a configurao do campo da histria da educao brasileira como um domnio historiogrfico especfico relativamente recente, datando de pouco mais de meio sculo. Podemos localizar sua origem na ascenso do Prof. Laerte Ramos de Carvalho ctedra de histria e filosofia da educao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP para cujo concurso apresentou a tese As reformas pombalinas da instruo pblica, em 1952, tese essa que veio a ser publicada em livro somente em 1978 (CARVALHO, 1978). No exerccio da ctedra Laerte props a alguns de seus ex-alunos um programa de pesquisas cobrindo certos temas bsicos da histria da educao brasileira. Dessa proposta surgiram importantes trabalhos realizados entre os anos 50 e 70 do sculo XX.
Paralelamente iniciativa do professor Laerte, articulada no mbito da academia, foram surgindo outras contribuies como as do Pe. Seraphim Leite (1938-1950), Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Zoraide Rocha de Freitas (1953), Histria do ensino profissional no Brasil, Luiz Alves de Mattos (1958), Primrdios da educao no Brasil, Celso Suckow da Fonseca (1961), Histria do ensino industrial no Brasil, Pe. Leonel Franca (1960), O mtodo pedaggico dos jesutas e Geraldo Bastos Silva (1969), A educao secundria: perspectiva histrica e teoria. Com a institucionalizao dos programas de ps-graduao, a partir de 1970, as pesquisas em educao, de modo geral, e, especificamente, na rea de histria da educao comearam a se desenvolver mais sistematicamente. Na dcada de 1990 emerge um novo surto de desenvolvimento da historiografia educacional brasileira que se encontra ainda em desenvolvimento. Uma caracterstica dessa nova fase a diferenciao das fontes e a disperso dos objetos com a concentrao em estudos de aspectos especficos, analisados com alto grau de detalhamento. Podemos fazer uma leitura da produo historiogrfica sobre a educao brasileira considerando-a como um processo de construo-desconstruo da memria educacional. Jos Ricardo Pires de Almeida e Fernando de Azevedo, seguindo ambos uma orientao positivista, produziram, no entanto, histrias da educao comprometidas. Pires de Almeida se empenhou em construir uma memria educativa que exaltava os feitos do Imprio brasileiro. Fernando de Azevedo, por sua vez, se empenhou em construir uma histria sob medida para a exaltao do movimento renovador de cuja liderana ele prprio se considerava investido. Para isso, desconstruiu a memria educativa do Imprio caracterizando-o como um perodo de descaso para com a educao em continuidade com a fase pombalina que teria destrudo o sistema jesutico sem nada colocar em seu lugar. Laerte Ramos de Carvalho pode ser situado em continuidade com os renovadores. No mbito da pesquisa ele sucede, entre 1961 e 1965, a Fernando de Azevedo como diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais. Entretanto, histria sociolgica de orientao positivista de Fernando de Azevedo, ope uma histria filosfica. Para Laerte a histria deve ser compreendida (no sentido diltheyano da expresso). E compreender descobrir o esprito que animou os eventos histricos. A educao, na sua manifestao histrica, a concretizao de um ideal. Procurar fazer a histria da educao sem buscar o sentido ntimo, a filosofia, que animou os propsitos dos reformadores, tentar construir um castelo sobre movedios alicerces (CARVALHO, 1978, p. 8).
Parte das pesquisas desenvolvidas nas dcadas de 1970 e 1980 procurou, inspirada no marxismo, construir uma memria crtica da educao brasileira, desconstruindo a memria escolanovista ao evidenciar seus vnculos com o liberalismo e sua crena na revoluo social pela revoluo educacional, magistralmente expressa na frase de abertura do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova: Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importncia e gravidade ao da educao. Nem mesmo os de carter econmico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstruo nacional (MANIFESTO, 1984, p. 407). Finalmente, a historiografia que vem sendo produzida a partir dos anos de 1990 procura desconstruir a memria crtica definida como de corte preponderantemente marxista, entendendo que nas duas dcadas precedentes teria ocorrido uma acomodao entre a historiografia de padro azevediano e a de tipo marxista (WARDE E CARVALHO, 2000, p.26).
4. O que as pesquisas nos dizem Sintetizando as consideraes feitas, podemos chegar s seguintes observaes: a) As iniciativas ligadas preservao da memria sinalizam para a exigncia no apenas da organizao e preservao dos acervos j constitudos com um manancial de fontes devidamente armazenadas e catalogadas, formando bases de dados convenientemente informatizadas. Alm disso, impe-se desenvolver uma conscincia preservativa que conduza os atuais responsveis pela educao (dirigentes dos sistemas em mbito federal, estadual e municipal, diretores de unidades escolares, professores e alunos de todas as disciplinas e a populao de modo geral) a preservar todos os tipos de materiais suscetveis de se constiturem em fontes para o estudo da educao brasileira. b) As pesquisas sobre os manuais didticos nos revelam que o ensino sistemtico da disciplina histria da educao constitui um elemento imprescindvel na construo da memria da educao. No entanto, como assinalei em outro trabalho (SAVIANI, 2002, p. 17), a poltica educacional que se busca implementar em nosso pas tende a secundarizar a importncia dos estudos de carter histrico. De fato, tenho sentido em nossa comunidade de historiadores da educao a percepo de que a histria da educao, enquanto disciplina, tende a desaparecer do currculo dos cursos de pedagogia e, com maior razo, dos recentes cursos das escolas normais superiores ou dos institutos superiores de educao. E, por vezes, tenho a impresso de que alguns de ns tendemos a nos conformar com isso admitindo que o cultivo da histria da educao se concentrar nos cursos de ps-graduao stricto sensu. Contudo, para l dos interesses especficos da rea que sero prejudicados com essa poltica educativa j que as
oportunidades de exerccio profissional diminuiro, cabe considerar a questo mais ampla ligada formao das novas geraes de educadores que sero privadas do conhecimento sistemtico da histria da prpria atividade a que escolheram se dedicar. Alm disso, fica tambm a questo: a poltica educacional atual, guiando-se pelo princpio da racionalizao dos custos, busca atingir resultados imediatos ligados ao desempenho em sala de aula. Pretende, assim, formar professores tcnicos, capazes de se desempenhar perante os alunos em sala de aula, dando conta do programa tal como apresentado nos manuais escolares elaborados de acordo com os parmetros curriculares nacionais propostos pelo MEC. No se trata, pois, de formar professores cultos, capazes de propiciar aos seus alunos uma formao mais ampla e aprofundada dos aspectos envolvidos no objeto da docncia que exercem. Ora, no primeiro caso quando se trata de formar professores tcnicos, disciplinas como histria da educao ficaro de fora ou ocuparo lugar secundrio ao passo que, no segundo caso em que se busca formar professores cultos, esse tipo de disciplina ser considerado central nos currculos formativos dos novos professores. Como especialistas em histria da educao ns teremos que nos posicionar diante dessa alternativa que nos posta pela poltica educacional. c) O processo de construo-desconstruo da memria educativa levado a efeito pela historiografia nos diz fundamentalmente duas coisas: em primeiro lugar, que a pesquisa, partindo sempre das produes anteriores, um processo coletivo que necessita submeter crtica no apenas o que fora estabelecido previamente pelos pesquisadores precedentes, mas tambm os prprios achados; em segundo lugar e por conseqncia, em lugar de sucumbir aos atrativos do jogo da construo e desconstruo da memria, cumpre restabelecer o que parece, hoje, fora de moda: a investigao desinteressada da verdade. Como assinalou Hobsbawm (1998, p. 8), sem a distino entre o que e o que no assim, no pode haver histria. E acrescenta:
Seja como for, o relativismo no far na histria nada alm do que faz nos tribunais. Se o acusado em um processo por assassinato ou no culpado, depende da avaliao da velha evidncia positivista, desde que se disponha de tal evidncia. Qualquer leitor inocente que se encontrar no banco dos rus far bem em recorrer a ela. So os advogados dos culpados que recorrem a linhas ps-modernas de defesa (Idem, p. 8-9).
V-se, ento, que as pesquisas histrico-educacionais tm muito a nos dizer sobre a educao no Brasil. A educao brasileira, r de tantas acusaes, inclusive de historiadores, necessita de uma linha de defesa baseada na velha evidncia factual. Ou, como diria Marx, na pesquisa desinteressada da verdade. Uma linha de defesa ps-moderna s far com que sua inocncia seja obscurecida pelas verossimilhanas com as mais diversas mazelas que tm
marcado a vida social e cultural de nosso pas. Com a palavra os historiadores da educao. Querem eles advogar a causa da educao brasileira? Para responder afirmativamente basta serem simplesmente historiadores. A histria e a historiografia possuem virtudes formativas intrnsecas, no carecendo de justificativa externa. Isto porque o homem um ser histrico por excelncia: a historicidade define sua essncia e a histria sua morada. Eis a o princpio educativo que deveria presidir a organizao das instituies escolares na atualidade: a radical historicidade do homem.
5. Concluso: entre o individual e o coletivo As instituies escolares se desenvolvem e se consolidam na poca moderna tendo como referncia o mtodo simultneo, como fica evidenciado na percepo que tiveram os jesutas, em sua nascena, no sculo XVI, da superioridade do modus parisiensis, que inaugura o ensino coletivo, sobre o modus italicus, centrado no ensino individual. Mas o suporte do funcionamento das escolas continuou sendo, por largo tempo, a instituio do preceptorado. Configurou-se, portanto, uma contraposio entre o ensino coletivo ministrado nas escolas e o ensino individual a cargo do preceptor, como se evidencia nessa constatao de Piero Lucchi:
At alm da metade do sculo XVIII, o ler, escrever e contar no se ensinam na escola, normalmente, e no so sequer consideradas coisas de que se devam ocupar os professores. De fato a escola pblica(assim era chamada toda escola coletiva, mesmo se de iniciativa privada, contraposta ao ensino individual do preceptor) se nos apresenta, at quase ao final do antigo regime, como um edifcio suspenso no ar, sem o andar trreo das escolas elementares (LUCCHI, 1985, p. 26).
Assim entendidas, as instituies escolares se limitavam ao ensino ulterior escola primria correspondente aos ensinamentos de que passou a se ocupar a escola secundria. De acordo com o mesmo autor, s se tinha acesso escola, portanto, depois de ter aprendido a ler e possivelmente tambm ao menos a segurar com as mos a caneta... Sabemos assim que para ser admitido na escola era necessrio demonstrar saber ler comodamente... (ibidem, p. 27). V-se que, contrariamente ao que sugerido pela lgica da organizao institucional, a implantao dos sistemas educacionais nos diferentes pases no se desenvolveu da base para a cpula, ou seja, da escola primria passando pela mdia ou secundria para atingir o nvel superior. Na verdade, o caminho histrico foi percorrido em sentido inverso, pois as universidades se organizaram em primeiro lugar, j a partir da Idade Mdia, desde o sculo XI. Posteriormente foram organizadas, a partir da segunda metade do sculo XVI e ao longo dos
sculos XVII e XVIII, as escolas secundrias, das quais so exemplos caractersticos os colgios jesutas. E foi somente no decorrer do sculo XIX que se ps o problema da organizao da escola primria que se procurou resolver mediante a implantao dos sistemas nacionais de ensino. Nessas condies, se para ingressar nos colgios secundrios era necessrio o domnio prvio da leitura e da escrita, como se dava esse aprendizado se no havia escolas primrias? De fato esse requisito era preenchido pelo preceptorado que fornecia, mediante o ensino individual, o suporte para o ensino coletivo desenvolvido nas escolas. E mesmo quando as instituies escolares se generalizam tendendo a absorver a totalidade do fenmeno educativo, a dialtica entre o individual e o coletivo se instala em seu interior obrigando os agentes pedaggicos a articular esses dois aspectos da formao humana, tarefa que as escolas cumprem com visvel dificuldade. A base dessa relao entre o individual e o coletivo se encontra no prprio desenvolvimento histrico da humanidade. Com efeito, a histria feita pelos homens considerados como indivduos vivos, compelidos a produzir sua prpria existncia. Mas, como assinala Marx, se so os homens que fazem a histria eles no a fazem segundo sua livre deciso, mas em circunstncias dadas, independentemente de sua vontade. Trata-se, com efeito, de circunstncias que eles encontram j de antemo constitudas por obra de seus antepassados. Articula-se, assim, o individual e o coletivo, ou seja, as aes dos sujeitos sobre o suporte das instituies. Esse fenmeno pode ser detectado nos tpicos anteriormente apresentados nesta exposio, o que pode ser ilustrado com a questo da preservao da memria. Destaquei, no referido tpico, a grande contribuio para a preservao da memria histrica da educao no Brasil de dois indivduos: Jos Ricardo Pires de Almeida e Primitivo Moacyr. Evidenciou-se que a memria da educao muito deve iniciativa de suas aes. Mas ficou tambm evidenciado que suas aes foram suscitadas e efetivadas sobre o suporte do coletivo objetivado institucionalmente no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. Espero, nos limites de uma simples conferncia de abertura, ter correspondido proposta dos organizadores do V Colquio de pesquisa sobre instituies escolares, que me induziram a abordar o tema Histria da histria da educao no Brasil: um balano prvio e necessrio, levando em conta o tema geral do evento: entre o individual e o coletivo. Com certeza as breves indicaes aqui apresentadas sero objeto de adequado aprofundamento nas Mesas Redondas e nos trabalhos de que se ocuparo os participantes do evento nos prximos dois dias.
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