Trabalho Alberto

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Atividade avaliativa I – Introdução à Psicologia

Introdução

De acordo com a psicóloga Marina Massimi, questionamentos como “quem sou


eu?”, propostos por filósofos ainda na Antiguidade Grega, representam para a história
da cultura ocidental o nascimento do conceito de pessoa. 1 Obrigando qualquer indivíduo
a instantaneamente a acessar seu íntimo, esta pergunta provocadora atravessou séculos
e, de alguma forma, abriu caminhos para o estudo da psicologia como conhecemos hoje.

A delimitação de pesquisas sobre questões psicológicas e a introdução deste


conhecimento como científico é resultado de um processo de interioridade, criado a
partir de premissas socioculturais e fenômenos históricos. No presente artigo, à luz do
trabalho de Messani (2010), Figueiredo e Santi (2008) discutiremos o encontro com o
“eu” em concepções filosóficas ao longo da Antiguidade Clássica, Idade Média,
Renascimento e Modernidade. Também apontaremos as precondições para o
estabelecimento da psicologia como campo independente.

Principais concepções sobre a interioridade ao longo da história europeia

Podemos resgatar conhecimentos acerca do homem e de seu psiquismo, na


Antiguidade Clássica (VIII a.C. – V d.C.), a partir de fontes como a Poesia Épica, as
Tragédias, a Medicina e a Filosofia. No entanto, segundo Messani, o marco inicial do
percurso conceitual do “eu” ocorre no século V a.C. a partir da filosofia grega socrática-
platônica e aristotélica, alicerce da História dos Saberes Psicológicos.2

No que se refere à filosofia de Sócrates (469 – 399 a.C.), nos atemos a figura do
daimon, que seria como uma voz divina da consciência interior, que possui princípios,
aponta caminhos e obedece aos deuses.3 Sua definição é explicada no texto Apologia de
Sócrates, por seu discípulo Platão (328 a.C. – 347 d.C). 4 Messani aponta que o
pensamento socrático considera a alma a essência do homem, e foi utilizada por seus

1
MASSIMI, M. A pessoa e o seu conhecimento: algumas etapas significativas de um percurso conceitual.
Memorandum: Memória e História em Psicologia, [S. l.], v. 18, p. 2, 2010.
2
Ibidem. P. 6.
3
Ibidem. P. 11.
4
PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
posteriores Platão e Aristóteles para diferenciar os homens dos demais seres, criando a
ideia de alma racional. A alma então seria o princípio que dá a vida e pode ser
diferenciada através de níveis como o vegetativo, comuns às plantas, o sensitivo,
comuns apenas aos animais e ao homem e o racional, exclusivo do homem.5

A tentativa de definição da alma e sua imortalidade em diálogos socráticos como


em Fédon e a contribuição de Aristóteles (384 – 322 a.C.) em trabalhos como Eudemo,
De partibus animalibus e De Anima nos revela uma concepção, ainda na Idade Antiga,
de alma e corpo.6

– Muito bem, prossigamos, disse Sócrates, não é verdade que em nós há duas
coisas, uma que é o corpo e outra que é a alma?
– Nada mais certo! – Disse Cebes.7

Três fases de sua psicologia:


1. Eudemo: fase juvenil inspirada à teoria platônica: Afirma a imortalidade e
a transcendência da alma e sua presença no corpo como uma prisão.
2. De partibus animalibus: o corpo é o instrumento da alma que usa dele para
realizar seus fins.
3. De Anima: aplica o binômio matéria-forma e potência-ato. A alma é a
forma substancial do corpo, atualiza-se nele. Porém, ela permanece imortal.
4. Para Aristóteles a alma não é apenas caracterizada pela dialética razão-
paixão, mas antes de mais nada é vida (como por exemplo nas plantas).8

A ideia promovida pela filosofia grega de “homem interior”, que se conecta com
um Deus divino, foi muito importante para o cerne da filosofia patrística de Santo
Agostinho, durante a Idade Média. (séc. V – XV). A relação com a verdade deixa de ser
a partir da correspondência mente e realidade externa, ou “alma e corpo” passando a ser
somente interna, visto que pode ser encontrada dentro de nós. Podemos perceber
também algumas questões psicológicas desta corrente de pensamento no que tange a
subjetividade do tempo, do hábito e a trindade memória, inteligência e vontade.9

No tratado O Mestre reafirma, em consonância com a tradição filosófica


grega, que o "homem interior", lugar onde o indivíduo dialoga com a
divindade, é o centro mais íntimo da alma racional: “Deus deve-se procurar e
suplicar no próprio íntimo da alma racional, o que se denomina – “o homem
interior”. (389/1991, p. 55). Este foi o ponto de chegada do itinerário

5
MASSIMI, M. Op. cit. P. 15.
6
Ibidem. P. 18.
7
PLATÃO. Fédon. São Paulo: Edipro; Edição de bolso, 2016.
8
MASSIMI, M. Op. cit. P. 18.
9
Ibidem. P. 23.
gnosiológico da filosofia grega e representa para Agostinho o ponto de
partida para empreender seu percurso.10

Em relação à outra importante corrente filosófica medieval, a Escolástica,


citamos Santo Thomás de Aquino, que por influência de Aristóteles, buscou pensar
sobre as potências da alma. Para ele, “pessoa” não seria a mesma coisa do que
“essência” do ser humano, pois a primeira compreende princípios específicos dos seres
e não os individuais. De acordo com Massani, este pensamento foi a sistematização
definitiva do conceito de pessoa. 11

De acordo com os pesquisadores e psicólogos Luís Cláudio Figueiredo e Pedro


Santi, a transição para o Renascimento (séc. XV – XVI), na perspectiva da história da
psicologia, promoveu a experiência da subjetividade privatizada. Vê se que quando as
tradições e os costumes do medievo entraram em crise, os homens se viram obrigados a
olhar para o seu íntimo, considerando critérios de certo e errado.12

Não podendo esperar pelo conselho de uma figura de autoridade, o homem


viu-se obrigado a escolher seus caminhos e arcar com as consequências de
suas opções. Nesse contexto, houve uma valorização cada vez maior do
"Homem", que passou a ser pensado como centro do mundo. [...] A perda de
referências coletivas, como a religião, a "raça", o "povo", a família ou uma lei
confiável obriga o homem a construir referências internas. Surge um espaço
para a experiência da subjetividade privatizada: quem sou eu, como sinto, o
que desejo, o que considero justo e adequado?13

Ao nos atermos a personagens da época, tais como Dom Quixote (1605) e


Hamlet (1599), podemos perceber um universo interno e as influências do período. “Ser
ou não ser, eis a questão”. Os autores também citam o nascimento da imprensa como
determinante para a difusão da leitura silenciosa e particular, construindo-se um ponto
de vista próprio.14

Os autores concluem que a noção de realidade privada começa a partir do


período renascentista, mas foi a modernidade que influenciou pensamentos sobre a
liberdade do homem, um dos elementos básicos da democracia e da sociedade do
consumo.15 Outro marco para esta transição foram as concepções filosóficas do
racionalismo, inaugurado por René Descartes, em que a dúvida é a única certeza,

10
Ibidem.
11
Ibidem. P. 29.
12
FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Psicologia, uma nova
introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: EDUC, p, 25, 2008.
13
Ibidem. P. 21-25.
14
Ibidem. P. 26
15
Ibidem. P. 23.
“penso, logo existo”, e o empirismo, por Francis Bacon, na valorização da experiência
dos sentidos.16

Descartes é tomado como inaugurador da modernidade no sentido em que ele


marca o fim de todo um conjunto de crenças que fundamentavam o
conhecimento. O homem moderno não busca a verdade num além, em algo
transcendente; a verdade agora significa adquirir uma representação correta
do mundo. Essa representação é interna, ou seja, a verdade reside no homem,
dá-se para ele. O filósofo Francis Bacon, contemporâneo de Descartes, pode
ser apresentado como o fundador do moderno empirismo. Sua preocupação,
como a de Descartes, era a de estabelecer bases seguras para o conhecimento
válido e, também como Descartes, ele as procurava no campo das
experiências subjetivas. A diferença era que para Bacon a razão deixada em
total liberdade pode-se tornar tão especulativa e delirante que nada do que
produza seja digno de crédito. É necessário dar à razão uma base nas
experiências dos sentidos, na percepção, desde que essa percepção tenha sido
purifica da, liberada de erros e ilusões a que está submetida no cotidiano. 17

A Psicologia como campo independente na ciência

Por abraçar influências filosóficas, físicas, biológicas e sociais, a psicologia se


delimitou plenamente como um campo independente somente no final do século XIX.
Uma das razões para este estabelecimento tardio foi justamente a dificuldade de se
desvincular dessas diversas áreas do conhecimento, apresentando especificações
próprias e métodos adequados18. A “psique” também não era um objeto de estudo
visível ou observável, o que não se encaixava na corrente positivista que imperou ao
longo deste século.19

Segundo Figueiredo e Santi, a psicologia foi instituída como ciência após


Wilhelm Wundt (1832 – 1920) defender que existe a possibilidade de um campo
científico que transita entre as ciências exatas, naturais e sociais. Suas pesquisas
interdisciplinares e sua capacidade de intermédio merecem grande mérito. Para
compreender a experiência subjetiva, Wundt aplicou um método experimental,
pesquisando processos elementares da mente determinados por condições físicas do
ambiente e o método comparativo da antropologia e filologia analisando fenômenos
culturais e contextos sociais.20

16
Ibidem. 31.
17
Ibidem. P. 32-34.
18
Ibidem. P. 14.
19
De acordo com os positivistas, uma teoria só é correta se for plenamente comprovada por métodos
científicos.
20
FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Op. Cit. P. 62.
Esta iniciativa influenciou outros projetos21 e formas de pensar o ramo das
ciências psicológicas, servindo como base para a criação, ao longo do século XX, de
diversos objetos e abordagens como conhecemos hoje.

Reflexões

A Psicologia como um ramo científico nasce na Europa em fins do século XIX,


a partir de determinadas precondições socioculturais. No entanto, é de extrema
importância a compreensão de que o percurso do conceito de pessoa, discutido neste
trabalho, refere-se exclusivamente à experiência europeia ocidental, cultura que se
propõe erroneamente como universal.

São diversas as formas, os períodos e os processos em que outros povos, em


especial os orientais e os do Sul, olharam para si e construíram suas subjetividades ao
longo da história da humanidade.

Referências Bibliográficas

FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Psicologia, uma nova
introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: EDUC, p, 25, 2008.

MASSIMI, M. A pessoa e o seu conhecimento: algumas etapas significativas de um percurso


conceitual. Memorandum: Memória e História em Psicologia, [S. l.], v. 18, p. 2, 2010.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

______. Fédon. São Paulo: Edipro; Edição de bolso, 2016.

21
Como apresenta Figueiredo e Santi (2008), depois de Wundt possuímos o projeto de Titchener, a
Psicologia Funcional, o Comportamentalismo, a Psicologia Gestalt, entre muitos outros.

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