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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE


CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

JORGE LUIZ ZALUSKI

O FUTURO A CAMINHO:
educação escolar para adolescentes nas propostas de ensino do Paraná durante a
ditadura militar (1971-1984)

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação


em História, no Centro de Ciências Humanas e da
Educação da Universidade do Estado de Santa
Catarina, como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor em História.

Orientadora: Professora Doutora Sílvia Maria


Fávero Arend.

FLORIANÓPOLIS – SC
2021
2

JORGE LUIZ ZALUSKI

O FUTURO A CAMINHO:
educação escolar para adolescentes nas propostas de ensino do Paraná durante a
ditadura militar (1971-1984)

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação


em História, no Centro de Ciências Humanas e da
Educação da Universidade do Estado de Santa
Catarina, como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor em História.

Orientadora: Professora Doutora Sílvia Maria


Fávero Arend.

FLORIANÓPOLIS – SC
2021
Ficha catalográfica elaborada pelo programa de geração automática da
Biblioteca Setorial do FAED/UDESC,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Zaluski, Jorge Luiz


O futuro a caminho : educação escolar para adolescentes nas
propostas de ensino do Paraná durante a ditadura militar
(1971-1984) / Jorge Luiz Zaluski. -- 2021.
266 p.

Orientador: Silvia Maria Fávero Arend


Tese (doutorado) -- Universidade do Estado de Santa Catarina,
Centro de Ciências Humanas e da Educação, Programa de
Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2021.

1. História do Tempo Presente. 2. Educação. 3. Paraná. 4.


Ditadura Militar. 5. Adolescentes. I. Arend, Silvia Maria Fávero . II.
Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências
Humanas e da Educação, Programa de Pós-Graduação em História.
III. Título.
4
5

À todas as pessoas que lutam por um ensino mais justo!


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AGRADECIMENTOS

“O homem que volta ao mesmo rio,


nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”
- Heráclito

Para os/as historiadores/as, principalmente para os/as que investigam a História do


Tempo Presente (HTP), a reflexão de Heráclito pode parecer um tanto saturada. Mas quero
pedir emprestado o pensamento do autor para que, de alguma forma, os/as leitores/as deste
trabalho possam sentir os quatro anos dedicados à pesquisa ou sobre eles imaginar. Mas ao
invés ir ao rio, vamos cruzar a ponte.
Cruzar a ponte que liga o Continente à Ilha fez esticar a distância com as pessoas que
tive que deixar em Guarapuava-PR. Com a expectativa de realizar um sonho construído durante
o mestrado, toda vez que cruzava a ponte para me aproximar “dos meus”, percebia que eu já
não era mais o mesmo; e o mesmo ocorria na volta. A ponte também já não era mais a mesma.
“Os meus” já se confundiam com quem havia ficado no Continente ou na Ilha, e vice-versa, e
se perguntavam que outros sonhos se misturavam aos meus. Eram colegas de turma,
professores/as ou pessoas até então desconhecidas. Algumas delas também atravessaram a
ponte. Toda vez que se encontravam se fortaleciam para continuar com suas expectativas.
Sou muito grato pela minha turma de doutorado: Carina Santiago dos Santos; Débora
Pinguello Morgado; Dones Claudio Janz Júnior; Gabriela Lopes Batista; Gustavo Grein da
Silva; Hudson Campos Neves; Joelma Ferreira dos Santos; Karin Helena Antunes de Moraes;
Merylin Ricieli dos Santos; Regiane Maneira e Rúbia Caroline Janz. Conhecê-los foi essencial!
Obrigado por me auxiliarem a me tornar todas as vezes um novo eu. Sou grato por ter podido
contar com seu apoio nos momentos felizes e nos difíceis, principalmente naqueles em que
sentíamos nossas esperanças serem apertadas, nossas expectativas pisoteadas a ponto de não
sabermos o que fazer! Choramos, e muito, mas não desistimos. Fomos às ruas – e ainda iremos
quantas vezes for preciso –, pois compartilhamos de um sentimento difícil de ser explicado. Só
sei que é nosso, talvez seja isso que nos une. Talvez esse seja o motivo que leva nosso grupo
de whatsapp a ser movimentado mesmo em meio à pandemia.
Dones, Gabi, Helena, Jô, Merylin, Regiane e Rubia, pessoas das quais mais me
aproximei, obrigado por tudo. Obrigado por terem cruzado a ponte junto comigo. Obrigado por
me fazerem sorrir em dias tão complicados! Obrigado por me aguentarem! Podem contar
comigo para o que precisarem; aliás, os tubbies servem para isso. Como brincávamos!
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Elisangela da Silva Machieski, obrigado pela acolhida! Jamais esquecerei daquela noite
fria e chuvosa em que nos conhecemos, em que você recebeu um “doido” vindo do Paraná com
uma caixa de livros. Obrigado pelo jantar, ainda não pago. Sou grato por sua atenção,
generosidade e pelo conforto que me tem passado e passa. Espero um dia poder retribuir, nem
que seja com doces em outra viagem de congresso.
À Camila Serafim Daminelli sou extremamente grato pelo apoio, pelo tempo dedicado
em ler minhas coisas, coisas que nem sempre agradam. Obrigado pela parceria nos trabalhos!
Sinto-me honrado em ter compartilhado tantos momentos de debates e os poucos de ‘conversa
fora’ (infelizmente). Que possamos compartilhar mais momentos juntos, presencialmente, se
possível.
À Luciana Mendes, muito obrigado por você “aparecer”. Obrigado por me tirar da
quitinete e me apresentar a vida noturna em Florianópolis, por me fazer mudar minha concepção
sobre o yoga, por não desistir de me livrar do meu desânimo com o mundo, por me fazer escutar
coisas novas, pela companhia em todas as manifestações. Sinta-se abraçada como sinal de meu
agradecimento.
À professora dra. Sílvia Maria Favero Arend, meu sincero agradecimento pela
orientação, incentivo e confiança prestada. Esses quatro anos fizeram aumentar a admiração
por seu trabalho. Agradeço pelo tempo dedicado à leitura, pelo carinho, pela atenção e pela
forma de conduzir suas sugestões. Obrigado por se haver disposto a me ouvir, em construir
junto comigo novos sonhos, planos, e em alimentar minhas expectativas na carreira acadêmica.
Grato pela paciência e em “equilibrar a minha ansiedade”.
À professora dra. Rosemeri Moreira, Universidade Estadual do Centro-Oeste
(Unicentro), agradeço pelo apoio desde o mestrado. Recordo quando disse: “Quem faz mestrado
quer doutorado!” Confesso que não me imaginava cursando um. Sou extremamente grato pela
confiança, estendida com a participação na banca de defesa de doutorado. Tenho grande
admiração por seu trabalho, por sua posição e seu apoio em momentos difíceis. Que logo
possamos brindar por e para dias felizes!
À banca de defesa, professor dr. Humberto da Silva Miranda, da Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE), sou grato por termos compartilhado a construção de um evento
que marca uma nova fase dos estudos da história da infância e juventude. Agradeço pela atenção
e a leitura do trabalho. À professora dra. Luciana Rosar Fornazari Klanovicz, da Universidade
Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), agradeço por mais uma vez poder contar com sua
dedicação e leitura. À professora Maria Teresa Santos Cunha, obrigado pelos ensinamentos.
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Sou grato pelas aulas fantásticas de que pude participar. Que essas poucas palavras sejam do
tamanho de sua paixão pelos livros.
À banca de qualificação e defesa: dra. Caroline Jaques Cubas, obrigado pela leitura e o
afeto prestado na banca desde a qualificação; à professora dra. Cristiani Bereta da Silva, além
da admiração por seu trabalho, sou grato pela acolhida prestada quando integrava a coordenação
do programa. Estendo-lhe meu agradecimento por ter aceitado o convite em ambas as bancas.
À banca de qualificação, professora dra. Angélica Muller, da Universidade Federal
Fluminense, e ao professor dr. Claudio de Sá Machado Júnior, suas considerações foram
fundamentais para auxiliar nos caminhos que o trabalho percorreu. Sou grato pelas
contribuições.
Às professoras dra. Glaucia de Oliveira Assis, dra. Janice Gonçalves, dra. Mariana
Joffily, dra. Marlene de Fáveri e ao professor dr. Reinaldo Lindolfo Lohn, meus sinceros
agradecimentos por seus ensinamentos. Sinto saudades das aulas, vontade de compartilhar
novos momentos e em construir novas pontes de análise.
Ao professor Rogério Rosa quero estender meu sincero agradecimento, além de a toda
a equipe do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa
Catarina (PPGH-Udesc), em especial ao secretário Piter Kerscher, sempre tão disposto,
prestativo e atencioso em atender.
Agradeço também à Aline, ao Antero, ao Daniel, à Fernanda Santiago, ao Jade, à Larissa
Viegas, ao Otoniel, Chirley, colegas de turma e/ou integrantes do Laboratório de Relações de
Gênero e Família (Labgef), onde pudemos compartilhar debates e expectativas de um mundo
melhor.
Esta pesquisa também só foi possível devido ao apoio recebido por meio de bolsas de
estudo, inicialmente pelo Programa de Bolsas de Monitoria de Pós-Graduação (Promop) e,
depois, da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
Reconheço o apoio prestado.
Por fim, quero agradecer à minha companheira Elenice, por me aguentar nos dias
difíceis, por lhe ter tornado difíceis alguns dias, por me fazer e deixar viver. Tenho-lhe grande
admiração, assim como reconhecimento por seu apoio, confiança e por construirmos e
reconstruirmos nossos sonhos para seguirmos juntos nessa trajetória. À minha mãe Leoni, a
pessoa onde tudo começou, como no conto de Conceição Evaristo, pois sempre desejou que o
caminho dos filhos fosse diferente. Posso dizer que sim, mãe: encontrei pessoas que me
ajudaram a atravessar a ponte.
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RESUMO

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971, é considerada


como a principal legislação educacional brasileira instituída durante a ditadura militar (1964-
1985). A referida legislação tornou obrigatório que o ensino escolar fosse pautado na
formação técnica profissional. Esta tese tem por objetivo principal investigar como se deu a
implementação dos preceitos da referida legislação no currículo escolar do estado do Paraná
entre os anos de 1971 e 1984. A análise do processo histórico envolvido no objeto em
questão foi realizada a partir de um estudo de caso. Foi analisado o Complexo Escolar do
Colégio Estadual do Paraná, localizado na cidade de Curitiba, por ser considerado a principal
instituição escolar do estado, com vistas a compreender como a instituição efetivou a
proposta de ensino gestada em nível federal e estadual para os/as adolescentes que
estudavam entre a quinta e a oitava série do ensino fundamental. Na investigação, foram
utilizadas as seguintes fontes: a legislação educacional federal e estadual; a proposta
curricular do estado do Paraná, impressa na edição número 3 da revista Currículo; o Plano
de Implementação da Proposta Curricular; o Plano Diretor do Colégio Estadual do Paraná;
os livros de atas da Escola Tiradentes; os modelos de provas e relatórios do Serviço de
Orientação Educacional (SOE) da Escola Tiradentes. As fontes foram analisadas a partir dos
aportes teórico metodológicos da análise de conteúdos, da interseccionalidade, da História
do Tempo Presente (HTP) e da história das infâncias e juventudes. Os resultados encontrados
indicam/mostram que a proposta de ensino idealizou um modelo de adolescente que deveria
seguir as prescrições da escola, que endossavam uma concepção segundo a qual a educação
deveria voltar-se para o trabalho, além de se alinhar aos ditames ideológicos dos governantes
da ditadura militar. Nesse processo, as marcações sobre as idades da vida e as distinções de
gênero foram utilizadas para a estruturação do modelo de ensino. Para a melhor exposição
das questões, o trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro, são descritas as
modificações operadas no ensino escolar brasileiro a partir do prescrito na Lei nº.
5.692/1971; nele também é descrito o processo da construção de um ideal de adolescente. O
texto da proposta curricular, publicada na revista Currículo, é analisado no segundo capítulo,
com vistas a compreender como a legislação federal foi interpretada pelos gestores
educacionais do estado do Paraná. No terceiro capítulo, são abordadas as adesões e os
distanciamentos em relação à proposta de ensino em nível federal e estadual, instituída no
currículo do Complexo Educacional do Estado do Paraná/Escola Tiradentes. Por fim,
procura-se compreender, no quarto capítulo, como a proposta de ensino desenvolvida na
10

Escola Tiradentes para os/as adolescentes contribuiu para reforçar as desigualdades de classe
social e de gênero.

Palavras-Chave: História do Tempo Presente. Educação. Paraná. Ditadura Militar.


Adolescentes.
11

ABSTRACT

The Law of Guidelines and Bases of Education nº. 5692, of august 11, 1971, is considered the
main Brazilian educational legislation instituted during the military dictatorship (1964-1985).
This legislation made it mandatory for school education to be based on professional technical
training. This thesis has as main objective to investigate how the implementation of the precepts
of the referred legislation in the school curriculum of the state of Paraná between 1971 and
1984 took place. The analysis of the historical process involved in the object in question was
carried out from a study of case. The School Complex of Colégio Estadual do Paraná, located
in the city of Curitiba, was analyzed as the main school institution in the state, with a view to
understanding how the institution implemented the teaching proposal created at the federal and
state level for teenagers. who studied between the fifth and eighth grade of elementary school.
In the investigation, the following sources were used: federal and state educational legislation;
the curriculum proposal for the state of Paraná, printed in issue number 3 of the Currículo
magazine; the Curriculum Proposal Implementation Plan; the Master Plan of Colégio Estadual
do Paraná; the minutes books of Escola Tiradentes; the test models and reports of the
Educational Guidance Service (SOE) of Escola Tiradentes. The sources were analyzed from
the methodological theoretical contributions of content analysis, intersectionality, the History
of the Present Time (HTP) and the history of childhood and youth. The results found
indicate/show that the teaching proposal idealized an adolescent model that should follow the
school's prescriptions, which endorsed a concept according to which education should turn to
work, in addition to aligning itself with the ideological dictates of the rulers. of the military
dictatorship. In this process, the markings on the ages of life and gender distinctions were used
to structure the teaching model. For a better exposition of the issues, the work was divided into
four chapters. In the first, the changes made in Brazilian school education from what is
prescribed in Law no. 5692/1971; it also describes the process of constructing an adolescent's
ideal. The text of the curriculum proposal, published in the Currículo magazine, is analyzed in
the second chapter, with a view to understanding how the federal legislation was interpreted by
educational managers in the state of Paraná. In the third chapter, the adhesions and the distances
in relation to the proposal of teaching at the federal and state level, established in the curriculum
of the Educational Complex of the State of Paraná/Escola Tiradentes, are approached. Finally,
the fourth chapter seeks to understand how the teaching proposal developed at Escola
Tiradentes for adolescents contributed to reinforcing social class and gender inequalities.
Keywords: History of the Present Time. Education. Paraná. Military dictatorship. Teenagers.
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LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 Capa da Diretriz Curricular ........................................................... 79


Imagem 02 Gymnasio Paranaense inaugurado em 1904 .................................. 135
Imagem 03 Gymnasio Paranaense inaugurado em 1904 .................................. 135
Imagem 04 Folder publicitário sobre o ensino (frente) ...................................... 138
Imagem 05 Folder publicitário sobre o ensino (verso) ...................................... 138
Imagem 06 Brasão institucional ........................................................................ 144
Imagem 07 As unidades do Complexo Educacional do Colégio Estadual do 149
Paraná .............................................................................................
Imagem 08 O Currículo do Complexo de Ensino .............................................. 168
Imagem 09 Modelo de Avaliação Estudos Sociais – 1976 ............................... 196
Imagem 10 Datas, nomes e fatos – Estudos Sociais – 1976 ............................... 197
Imagem 11 Datas e fatos históricos – 1975 ....................................................... 198
Imagem 12 Datas Comemorativas .................................................................... 201
Imagem 13 Tradição paranaense – 1976 ........................................................... 201
Imagem 14 Modelo Familiar (1976) ................................................................. 203
Imagem 15 Comemoração (1976) ..................................................................... 203
Imagem 16 Ciências .......................................................................................... 206
Imagem 17 Antecipação da Iniciação Profissional ............................................ 226
Imagem 18 Teste de Interesse Weil ................................................................... 229
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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Corpo documental ............................................................................. 20


Tabela 02 Relação de cursos autorizados para a formação de 2º grau................ 255
Tabela 03 Grade Curricular ............................................................................... 83
Tabela 04 Prioridades esportivas ....................................................................... 93
Tabela 05 Objetivos da “Formação do cidadão brasileiro ................................. 97
Tabela 06 Objetivos da “Universalidade do Homem ........................................ 98
Tabela 07 Programas de Saúde .......................................................................... 107
Tabela 08 População infantojuvenil e “idade escolar” – Paraná – 1970 ........... 130
Tabela 09 População infantojuvenil de Curitiba – Censo 1970 ......................... 131
Tabela 10 População infantojuvenil de Curitiba – Censo 1980 ......................... 132
Tabela 11 População total de Curitiba em “Idade Escolar ................................. 132
Tabela 12 Conteúdos da E.M.C. e O.S.P.B ....................................................... 178
Tabela 13 Perfil profissional dos/as responsáveis .............................................. 217
Tabela 14 Idade dos/as estudantes ..................................................................... 224
Tabela 15 Áreas de interesse profissional .......................................................... 230
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LISTA DE ABREVISTURAS E SIGLAS

Arena Aliança Renovadora Nacional


Alep Assembleia Legislativa do Estado do Paraná
Assintec Associação Inter-Religiosa de Educação
Anpuh Associação Nacional de História
APMI’s Associações de Proteção à Maternidade e à Infância
Cepe Centro de Pesquisas Educacionais
CPOR Centro de Preparação de Oficiais de Reserva
CPRA Centro Paranaense de Referência em Agroecologia
CAP Certificado de Aptidão Profissional
CEP Colégio Estadual do Paraná
Codepar Companhia de Desenvolvimento do Paraná
CFC Conselho Federal de Cultura
CFE Conselho Federal de Educação
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
OCDE Cooperação e Desenvolvimento Econômico
DECr Departamento Estadual da Criança
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
DNS Doutrina de Segurança Nacional
EMC Educação Moral e Cívica
Epem Equipe de Planejamento do Ensino Médio
ESG Escola Superior de Guerra
Esalq/USP Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de
São Paulo
Fecli Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati
Fafig Faculdade de Filosofia a Ciências e Letras de Guarapuava
FEB Força Expedicionária Brasileira
Fundepar Fundação de Desenvolvimento Educacional do Paraná
Unicef Fundo das Nações Unidas para a Infância
Getrec Grupo Especial de Trabalho para a Reforma de Ensino em Curitiba
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IAM Instituto de Assistência ao Menor
LBA Legião Brasileira de Assistência
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MEC Ministério da Educação e Cultura


MES Ministério da Educação e Saúde
Mobral Movimento Brasileiro de Alfabetização
MEP Museu da Escola Paranaense
Oacep Observatório Astronômico do Colégio Estadual do Paraná
ONU Organização das Nações Unidas
OSPB Organização Social e Política Brasileira
PDC Partido Democrata Cristão
PSECD Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos
PPP Projeto Político-Pedagógico
Premem Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio
RMC Região Metropolitana de Curitiba
Erpled Regional sobre Planejamento da Educação
Rehial Red de Estudios de Historia de las Infancias en America Latina
Seec Secretária Estadual de Educação e Cultura
Seed Secretaria de Estado da Educação e Desportos
SOE Serviço de Orientação Educacional
Senpar Simpósio de Ensino do Paraná
Usaid United States Agency for International Development
PUC-RJ Universidade Católica do Rio de Janeiro
Unicentro Universidade Estadual do Centro-Oeste
UEM Universidade Estadual de Maringá
UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa
UFF Universidade Federal Fluminense
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UnB Universidade Nacional de Brasília
16

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 18

1 Entre a infância e a vida adulta: as fases da vida nas legislações


educacionais .......................................................................................... 38
1.1 Infâncias, adolescentes e o ensino escolar na legislação brasileira:
construções das idades da vida ............................................................... 40
1.1.2 Adolescentes e o futuro que está por vir: a cidadania como horizonte de
expectativa através da EMC e a OSPB .................................................... 50
1.1.3 O ensino escolar da infância até a adolescência: intersecções entre
classe e idade .......................................................................................... 55
1.2 Adolescentes e projeto de nação: normativas nacionais para o
desenvolvimento educacional ................................................................. 60
2 Urgência disciplinar: reverberações da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação n.º 5.692 na proposta de ensino do estado do Paraná
(1971-1984) ............................................................................................ 73
2.1.1 O estado do Paraná em movimento: educação escolar em contextos de
modernização ........................................................................................ 76
2.1.2 2.1.2 – A proposta de ensino paranaense: estudantes sob a ótica
disciplinar .............................................................................................. 80
2.2 O currículo dos/as trabalhadores/as ....................................................... 86
2.2.1 Comunicação e expressão: estéticas corporais desejáveis ..................... 80
2.2.2 Estudos sociais: a internalização de valores sociais durante a “pré-
adolescência” .......................................................................................... 98
2.2.3 Ciências: políticas de racionalização corporal ........................................ 107
2.2.4 “Parte Diversificada”: docilizar trabalhadores/as e gerir a economia ..... 114
3 O Complexo de Ensino Estadual do Paraná: adesões e
ressignificações (1971-1984) ................................................................. 128
3.1 Colégio Estadual do Paraná: projeções de futuro(s) modernizador(s) ..... 136
3.2 O Complexo Escolar “Colégio Estadual do Paraná” ............................... 148
3.3 As escolas do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná .. 155
3.3.1 Escola Dr. Xavier da Silva ...................................................................... 156
3.3.2 Escola Professor Brandão ...................................................................... 157
17

3.3.3 Escola Conselheiro Zacarias .................................................................. 159


3.3.4 Escola Dona Carola ................................................................................ 160
3.3.5 Escola Aline Picheth ............................................................................... 161
3.3.6 Escola Amâncio Moro ............................................................................ 162
3.4 O currículo do Complexo de Ensino ....................................................... 164
3.4.1 As disciplinas escolares do Plano Curricular ......................................... 168
4 As configurações do ensino escolar: adesões, negociações e
(re)configurações na Escola Tiradentes (Curitiba 1972-1984) .......... 187
4.1 A “Escola Tiradentes” e a Lei número 5.692/1971: novas configurações 188
4.1.2 Para atender à Lei n. 5.692/1971: um modelo educacional em
movimento ............................................................................................. 194
4.2 Persistências do passado no presente: rupturas pedagógicas arraigadas
ao passado............................................................................................... 197
4.3 Sondar, orientar e qualificar: expectativas para a formação profissional 211
4.3.1 Escola Tiradentes: silêncio, sondagem sendo realizada! ........................ 217
Considerações finais ............................................................................. 235
Referências ............................................................................................ 243
Fontes documentais ................................................................................ 259
Anexos .................................................................................................... 260
18

INTRODUÇÃO

Por aqueles tempos, pelo interior andavam uns missionários. Um


dia a notícia correu. Eles iriam demorar por ali e montariam uma
escola. Quem quisesse aprender a ler, poderia ir. Ponciá
Vicêncio obteve o consentimento da mãe. Quem sabe a menina
um dia sairia da roça e iria para a cidade. Então, carecia de
aprender a ler. Na roça, não! Outro saber se fazia necessário. O
importante na roça era conhecer as fases da lua, o tempo de
plantio e da colheita, o tempo das águas e das secas. A garrafada
para o mal da pele, do estômago, do intestino e para a excelência
das mulheres. Saber a benzedura para o cobreiro, para o osso
quebrado ou rendido, para o vento virado das crianças. O saber
que se precisa na roça é diferente em tudo o da cidade. Era
melhor deixar a menina aprender a ler. Quem sabe, a estrada da
menina seria outra.
(EVARISTO, p. 25, 2017)

A história de Ponciá Vicêncio, personagem do conto da escritora brasileira Conceição


Evaristo, é tão semelhante à de muitas histórias de pessoas do Brasil, que é difícil acreditar que
se trate apenas de uma criação literária. Desde a infância, Ponciá Vicêncio, menina de pele
negra, enfrentou diferentes barreiras em relação às condições de vida, que seriam ainda mais
difíceis se ela não tivesse sido escolarizada. O saber escolar em sua vida aparece como uma
expectativa de futuro, pois, aprender a ler permitiria escapar dos males de uma vida incerta, de
viver onde se cruzam, segundo a mãe da mulher, apenas as crenças, o conhecimento popular e
a esperança de sobrevivência. “Quem sabe, a estrada da menina seria outra.” Diante da
expectativa investida por Ponciá Vicêncio e sua mãe, confundindo sua história com a de tantas
outras, cabe perguntar: Quantos “caminhos” são possíveis por meio da educação escolar?
Como problematiza Evaristo, os saberes promovidos pela escola vão muito além do
aprender a ler e escrever. Na história narrada, sair da roça e investir suas expectativas nas
relações sociais que estabelecem na cidade ampliou o conhecimento de Ponciá. No mundo
urbano, a escola “encaminharia” a menina, no percurso entre a infância e a vida adulta, a um
cenário entrelaçado entre os saberes disciplinares e as expectativas em relação à menina/mulher.
A trajetória das crianças e adolescente na escola, desde a infância, serviu como
provocação para refletir sobre os impactos do ensino escolar na formação de distintas gerações,
e sobre o quanto o currículo escolar de cada época pode contribuir para formar uma população
infantojuvenil compreendida como ideal. Tendo em vista esse incômodo, procurei investigar o
modelo educacional proposto a partir pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5.692, de
11 de agosto de 1971 (Lei nº. 5.692/1 971) e as suas reverberações no currículo do estado do
Paraná, entre os anos de 1971 e 1984. A tese defendida neste estudo é a seguinte: o modelo de
19

ensino implementado no Paraná esteve em consonância com o proposto em nível federal e


visava forjar estudantes que estivessem aptos para atuar em um mercado de trabalho que se
ampliava e modernizava sob uma ótica nacionalista e desenvolvimentista.
Esta pesquisa teve suas primeiras problematizações no ano de 2012. A partir de uma
aula de Sociologia, que ministrei sobre relações de gênero, mulheres e mídia, uma estudante de
ensino médio afirmou que compreendia os problemas levantados durante a aula, pois sua mãe
guardava os cadernos do tempo em que estudava, e que “neles consta como deveria ser uma
mulher”. Foi solicitado à estudante que emprestasse o referido caderno. Quando entregue,
percebi tratar-se do caderno da disciplina “Indústria Caseira”, cursada por sua mãe em 1982. A
abertura do caderno provocou um misto de sentimentos. De um lado, por sua importância como
fonte histórica e, de outro, por não querer acreditar no conteúdo da disciplina ministrado em
um passado tão recente. Ensinava-se nas escolas do Paraná às estudantes a casar, a maternagem1
dos filhos/as, a serem donas de casa e submissas ao marido.
O conhecimento desse fato levou à pesquisa desenvolvida no mestrado com a qual
procurei, de forma geral, perceber as relações entre as legislações nacionais e o conteúdo do
caderno da disciplina “Indústria Caseira” dos anos 1971-1983. Juntei esse material a outros
documentos escolares da Escola Ana Vanda Bassara, instituição de ensino em que a disciplina
havia sido ministrada à mãe da aluna. Na pesquisa, identifiquei parte da trajetória daquela
instituição, bem como as expectativas construídas por meio do ensino de “Indústria Caseira”, e
suas contribuições para a formação das subjetividades de Liza, proprietária do caderno e
personagem central da narrativa.
As inquietações, ou talvez melhor, as surpresas com o modelo educacional da época,
todavia, não cessaram. Ao constatar que em outras escolas do estado, no mesmo período, se
lecionava a mesma disciplina (“Indústria Caseira”), ou saberes muito semelhantes, procurei
conhecer as particularidades desse processo educacional em diferentes cidades da região. Com
esse tema ingressei no curso de doutorado da Universidade do Estado de Santa Catarina. Mesmo
partindo de uma ideia um tanto vaga, entendia que, por meio desses três cadernos, poderia
compreender as relações de gênero e o ensino escolar no estado do Paraná durante a ditadura
militar.

1
Maternidade e maternagem, mesmo que construídas historicamente, são concepções distintas. A maternidade
consiste na compreensão a partir da distinção em relação corpo biológico supostamente propício às mulheres para
serem mães. Essa concepção, ao longo do tempo, contribuiu para forjar o ideário do amor materno associado à
configuração da norma familiar burguesa. Neste ideário, as mulheres seriam as principais responsáveis pela
educação dos/as filhos/as, e demais cuidados. Nesse processo, a maternagem foi sendo constituída como um
conjunto de normas sobre como ser uma “boa mãe”, e sobre os cuidados necessários para com os/as filhos desde
o nascimento. Sobre o tema ver: BADINTER, 1985; BALUTA, 2019; MOREIRA, 2017.
20

Ao me dar conta dos problemas e limitações da pesquisa, procurei novas fontes para dar
conta da abrangência do tema. Foi nesse momento, ao ter contato com a revista Currículo, em
especial com a terceira edição, referente ao ano de 1973, que a pesquisa tomou novos rumos,
pois a disciplina cursada por Liza, e por tantas outras meninas no período, fazia parte de um
projeto educacional mais amplo, desenvolvido no Paraná durante a ditadura militar,
problemática central desta tese.
A fim de compreender a proposta educacional da ditadura militar, delimitei o recorte
temporal aos anos de 1971 a 1984. A escolha desse recorte de temporal se justifica pela data da
emissão da Lei nº. 5.692 no ano de 1971. O ano de 1984, por sua vez, está associado às
modificações ocorridas na legislação federal que exigiram reformular o ensino escolar.
Para realizar a investigação, utilizei a documentação dos arquivos das seguintes
instituições: a Escola Tiradentes e a do Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná,
ambas localizados em Curitiba, e que integraram o Complexo de Ensino do Colégio Estadual
do Paraná, formado por um conjunto de oito escolas, estruturado, em termos administrativos,
durante o período da ditadura militar. A documentação das duas instituições contribuiu
sobremaneira no processo de análise do ensino escolar implementado na época.
O acesso aos documentos arquivados por essas duas instituições escolares não foi fácil.
De maneira geral, muitos profissionais da área da educação do estado do Paraná, na atualidade,
não consideram os documentos escolares fonte histórica, desinteressados em preservar “papel
velho”. Esta perspectiva contribuiu para que o destino desses documentos fosse a “sala escura
lá dos fundos” da escola.
A historiadora Janice Gonçalves, ao se interrogar sobre o controle de documentos de
informação pública, questionou as dificuldades de acesso a esse material para consulta e
utilização para a produção do conhecimento histórico. Escreve a autora:
A garantia de acesso aos documentos públicos está atrelada a dispositivos legais, mas
também às condições de organização e conservação física dos documentos. Quanto à
organização e à conservação física, cabe às instituições, tendo em vista as demandas
sociais por transparência, o direito à informação e o direito à memória, dispor de
recursos humanos e tecnológicos para evitar que o tratamento técnico adequado a ser
dado aos documentos impeça o acesso rápido e amplo à documentação”
(GONÇALVES, 2013, p. 281).

Garantir a preservação e o acesso à documentação são ações de suma importância para


a pesquisa na área da História. De maneira geral, nos projetos arquitetônicos dos prédios
escolares no Brasil no século XX foram priorizadas as salas de aula e uma área para as
atividades administrativas e pedagógicas (sala da direção da escola, da secretaria, “salas dos
professores”, etc.). Raras são as escolas que contam com um pequeno espaço destinado ao
21

arquivo permanente. Diante da produção de um conjunto de documentos escolares, o que fazer


com tanto “papel velho”? Usualmente, montantes de papéis acabaram amontoados em salas não
utilizadas dessas instituições, em meio a goteiras e a muita poeira. No estado do Paraná, a
Deliberação nº 31/1986 - CEE/PR, de 5 de dezembro de 1986, permitiu que os documentos
escolares com cinco anos ou mais fossem incinerados.2 Tal regulamentação fez com que parte
da história da educação, das instituições escolares e das relações sociais vivenciadas pelos/as
estudantes e professores/as do estado fosse apagada.
Dois motivos contribuíram para que um restrito tipo de documentação fosse arquivado
e/ou depositado em locais inapropriados para a sua conservação. O primeiro tipo diz respeito a
um conjunto de documentos que comprovam o grau de escolarização dos antigos discentes. O
segundo, é relativo aos registros de cunho trabalhista. Muitos/as professores/as ou outros
funcionários das escolas, ao buscarem a aposentadoria, se depararam com a necessidade de
comprovar tempo de serviço. É recente o processo de informatização de dados, assim como de
padronização das contratações. Para comprovar os anos de trabalho, os/as professores/as
recorreram aos documentos arquivados pela escola, principalmente ao livro de ponto. Tal
processo contribuiu para a preservação de um número considerável de registros de
funcionários/as, ou do histórico de notas. Esse material, todavia, nem sempre foi arquivado de
forma correta; em muitos casos, nem os/as próprios/as funcionários/as das escolas sabem se
eles existem. Como afirma Gonçalves (2013, p. 282), é “impossível garantir convenientemente
acesso a algo que não se controla, não se conserva, não se conhece, não se compreende: o
adequado tratamento técnico dos conjuntos documentais arquivísticos”, conclui, é “condição
fundamental para sua acessibilidade”.
Para a historiadora da educação Alici Rigoni Jacques, muitos artefatos da cultura escolar
acabam sendo esquecidos. Adentrar ambientes deixados à poeira provoca um instigante desejo
pela pesquisa, por conhecer mais sobre a história das instituições, das memórias, do passado
escolar. Debruçar-se sobre arquivos escolares torna possível perceber a movimentação do
ensino e da história da educação, materializadas em documentos. Para Jacques, a constituição
de arquivos escolares (em espaços escolares), ou a ausência deles, demonstra uma
caracterização da instituição, do entendimento sobre a história. Já quando se conscientizam “da
importância de salvaguardar seus registros documentais, buscam construir sua identidade

2
Por tratar de assuntos voltados ao meio ambiente, a Lei nº 12.493, de 22 de janeiro de 1999, proibiu o uso da
incineração e passou a ser utilizada a reciclagem como destino dos documentos. Mais tarde, novas legislações
passaram a vigorar em âmbito federal, sendo elas: Decreto nº. 5.940, de 25 de outubro de 2006 e a Lei Federal
nº. 12.305, de 2 de agosto de 2010.
22

institucional e, assim, tudo o que está guardado pode constituir-se em fontes de estudo para a
História da Educação” (JACQUES, 2015, p. 323).
O acesso à documentação escolar para o desenvolvimento dessa pesquisa, conforme
mencionado, não se deu de modo fácil por três razões: em função da não preservação dos
documentos nas escolas; do receio dos servidores das escolas frente a um pesquisador revirando
a documentação de sua instituição e, finalmente, em função de um projeto recentemente
desenvolvido no estado do Paraná. Em 2013, o projeto “Nossa Escola Tem História”, criado
pelo Decreto nº 8.242 em 16 de maio de 2013, buscou reunir a documentação considerada
histórica de cada instituição escolar. Uma parcela desses documentos foi encaminhada ao
Museu da Escola Paranaense (MEP), localizado na cidade de Curitiba. Devido às normas de
funcionamento da citada instituição, não foi possível ter acesso aos documentos que passaram
a fazer parte desse acervo.3 Esse projeto também resultou na formação de “Centros de
Memória”, que, desde 2016, criou espaços para a preservação da história e da documentação
de cada instituição. Contudo, na maioria dos casos em que se tentou fazer a coleta de fontes, foi
observado ter sido esse espaço destinado à preservação das medalhas de campeonatos
esportivos, aos quadros com as fotografias dos diretores/as e do/a patrono/a, às bandeiras do
Brasil e do Paraná, dentre outros objetos com os quais se tem pensado, a partir da perspectiva
da cultura material escolar, construir uma memória da instituição de caráter oficial. Para muitos
servidores, a “história da escola está ali”!
Foge a esse cenário o Colégio Estadual do Paraná (CEP), que, mesmo apresentando
problemas, possui um setor específico para a guarda dos documentos, bem como uma servidora
estadual responsável pela organização do acervo denominado Centro de Memória. A instituição
conta com um rico material, composto por distintos documentos produzidos nos mais de 150
anos de funcionamento da escola. Essa organização e salvaguarda dos documentos escolares
representa a percepção de que é por meio deles que se torna possível investigar o passado e
compreender a história da educação, das instituições, das práticas escolares. Como destaca
Maria Teresa Santos Cunha, o material arquivado, “mais do que um acúmulo de objetos e
documentos cristalizados no tempo e no espaço, constitui-se, no tempo presente, como uma
mudança epistemológica marcada pela ascensão da dimensão memorial da vida escolar” (2015,
p. 293).

3
Os documentos encaminhados para o Museu da Escola Paranaense, até o momento da busca de fontes, ainda
estavam em processo de higienização e catalogação. Com as recomendações da banca de qualificação, em 2019,
optou-se por seguir com as fontes das duas escolas já mencionadas. Ponto favorável à pesquisa devido as limitações
impostas com a pandemia a partir de 2020.
23

O acesso ao acervo do Centro de Memória ocorreu no segundo semestre de 2018. Em


2019, a instituição foi selecionada para passar por uma reforma, em decorrência de um projeto
do governo do estado do Paraná. Tal fato gerou grande apreensão no pesquisador, pois o acesso
seria interditado por tempo indeterminado. Optei então por fotografar o máximo possível de
documentos produzidos durante o recorte temporal da pesquisa. Esse processo resultou na
ampliação da coleta de fontes, mesmo sem saber se elas contribuiriam diretamente para a
investigação.
Já na Escola Tiradentes o problema foi a ausência de entendimento da importância da
guarda dos documentos para a pesquisa na área da História. Os “papéis velhos”, em sua maioria,
quando não considerados importantes para uso da secretaria para as finalidades já explicitadas
anteriormente, se misturavam, em depósitos com outros objetos de uso escolar. Ou seja, eram
depositados na sala escura lá dos fundos! Há alguns anos, estudantes e professores/as do curso
de pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) iniciaram um projeto de catalogação
e separação desses documentos. Contudo, o referido o projeto não teve continuidade. O acervo
documental da Escola Tiradentes continha documentos pouco ou ainda não utilizados em
pesquisas da historiografia das áreas da história das infâncias e juventudes e da História da
Educação.
Pelo pesquisador não residir em Curitiba, a ida até os arquivos demandou muitas
viagens. O tempo da pesquisa encurtou quando foi anunciada a interrupção do atendimento no
Centro de Memória, como também pela necessidade de agilizar o registro fotográfico na Escola
Tiradentes, pois a instituição não possuía espaço ou funcionários para atender os procedimentos
da pesquisa.4 Devido a isso, muitos documentos foram fotografados sem ser previamente
analisados, o que resultou na ampliação do número de fontes coletadas.
A pesquisa das fontes nos acervos foi balizada pela Lei nº. 5.692/1971, sendo coletados
mais de mais de 7.000 documentos nos dois arquivos das instituições escolares. Fotografei esses
registros com câmera digital e armazenei em plataformas on line. A tabela 1 - Corpo
Documental - apresenta um panorama do conjunto de documentos coletados nos mencionados
arquivos.

4
Em 2019, estudantes do Colégio Estadual do Paraná (CEP) passaram a frequentar a Escola Tiradentes, devido à
reforma iniciada no mesmo ano.
24

Tabela 1: Corpo documental


Tipologia de Documento Centro de Memória do Escola Tiradentes
CEP
Documentos diversos 453 228
Encaminhamentos sobre avaliação 91 15
Estatuto dos funcionários - 48
Legislações federais e estaduais - 247
Livros ata 149 643
Modelo de provas - 1189
Ofícios 141 23
Plano diretor - 163
Projetos de educação física 291 39
Projeto de implantação 1533 -
Revista Currículo 619 -
Regimento 60 -
Serviço de orientação educacional - 1381
Validação de estudos no estrangeiro - 67
Total 3337 4043
Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

Posteriormente, os documentos que seriam utilizados na presente investigação, em


número de 3.720 arquivos, foram separados com base a tipologia, recorte temporal e por
apresentarem os principais encaminhamentos para a implementação do ensino fundamental da
5ª à 8ª série, de acordo com a legislação federal. Sendo assim, as fontes utilizadas para esta
pesquisa são de diferente natureza, a saber: 1) Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº. 5.692,
de 11 de agosto de 1971 (Lei nº. 5.692/1971); 2) edição número 3 da revista Currículo; 3) Plano
de Implementação do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná; 4) Plano diretor;
5) livros ata; 6) modelos de prova; 7) relatório de atividades do Serviço de Orientação
Educacional (SOE); 8) decretos-lei produzidos em nível federal e estadual durante o período
estudado.
Esse conjunto documental, explorado em sua especificidade, contribuiu para perceber a
movimentação do ensino no passado e no presente, as aproximações e distanciamentos entre
macro e micro, permitindo-me confirmar o que escreve Cunha ao se referir às fontes escolares:
Objetos e documentos escolares, antes tratados pela sua utilidade passam, cada vez
mais, a valerem pela sua capacidade de remeter a outra coisa - valor de signo - e para
uma compreensão do conjunto de fazeres praticados no interior da escola. Estes
materiais são imprescindíveis à pesquisa porque documentam, também, as reformas
educacionais, as políticas, as propostas de ensino, na perspectiva daqueles que acatam
25

ou subvertem as imposições e enfrentam dificuldades e dilemas para por em prática


aquilo que foi elaborado pelo poder público (CUNHA, 2015, p. 295).

A análise metodológica foi desenvolvida a partir das categorias analíticas apresentadas


pelos estudos da interseccionalidade, com o objetivo de compreender a intencionalidade
projetada em cada documento. Ao possuir um acervo documental variado, analisar diferentes
tipos de registros torna possível compreender o panorama nacional e distanciamentos ou
aproximações com as reverberações em nível estadual e municipal. Assim, ao investir na análise
do discurso de distintos suportes escritos, como legislação, livros de atas, currículos, dentre
outros, é possível compreender os significados de sua produção e os sentidos atribuídos aos
enunciados.
O filósofo Michel de Foucault, ao analisar a produção dos discursos, indica não poderem
eles ser compreendidos por si mesmos. Para o autor, toda produção de discurso está interligada
à sua condição de produção, à dos interlocutores e à do contexto de enunciação. Utilizar
diferentes fontes, construídas em espaços e tempos distintos, tal como indica Foucault:
[...] trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situação;
de determinar as condições de sua existência; de fixar seus limites da forma mais justa;
de estabelecer suas correlações com os outros enunciados a que pode estar ligado; de
mostrar que outras formas de enunciação exclui. Não se busca, sob o que está
manifesto, a conversa semi-silenciosa de um outro discurso: deve-se mostrar por que
não poderia ser outro, como exclui qualquer outro, como ocupa, no meio dos outros e
relacionado a eles, um lugar que nenhum outro poderia ocupar” (FOUCAULT, 2008,
p. 32).

Neste sentido, os documentos devem ser analisados a partir de sua condição de produção
e do contexto observado. Mais que enunciados formulados, a produção dos documentos está
imersa em disputas, em relações de poder materializadas de forma discursiva que só será
possível compreender se se analisar também o seu contexto. Assim, a correlação com o corpo
documental selecionado para a pesquisa serve tanto para compreender sua especificidade,
quanto torna possível evidenciar aproximações, distanciamentos, adesões, negociações
materializadas discursivamente que impõem o que pode e o que não pode ser dito, o que está
ou não autorizado a ser falado.
Seguindo as observações de Foucault, ao supor que, “em toda sociedade a produção do
discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos” (FOUCALT,
2014, p. 08), o/a pesquisador/a pode criar um conjunto de classificação dos elementos textuais
ou visuais com base em categorias. Essa categorização auxilia na compreensão dos aspectos
políticos e socioculturais do contexto de sua produção. Segundo o autor, “sabe-se que não se
26

pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de
qualquer coisa” (FOUCALT, 2014, p. 09). Nesta investigação, a classificação documental e a
análise dos enunciados se deu com base nas seguintes categorias: legislação, currículo,
infâncias, adolescências, escolarização, relações de trabalho e direitos. Estas categorias
tornaram possível perceber a movimentação dos sentidos atribuídos aos conteúdos e a adesão
ou não dos enunciados aos documentos produzidos em âmbito federal, estadual e municipal.
Como indica Foucault, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas
de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”
(FOUCALT, 2014, p. 10). Nesse sentido, por meio da documentação escolar é possível perceber
as relações de poder instituídas socialmente e materializadas nos discursos proferidos para o
âmbito educacional, e, no movimentar-se da história, visualizar como a(s) narrativa(s)
empregada nos documentos ao mesmo tempo que permeavam disputas de poder conduziam
para forjar uma realidade desejada.
Em relação aos aportes teórico-metodológicos da interseccionalidade, desenvolvidos a
partir do movimento de mulheres e do feminismo negro. Durante o século XX, autoras como
Angela Davis, Lélia Gonzalez, Bell Hooks, Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge, dentre outras,
refletiram como distintos marcadores sociais interseccionam a produção das relações sociais
em determinado momento histórico, e com elas interagem.5 O uso analítico do termo contribui
para provocar o que a historiadora Ana Maria Veiga chama de virada epistêmica (VEIGA,
2020), pois a atenção em perceber as intersecções e como elas orientam os sujeitos contribui
para romper com análises hegemônicas e perceber as diferenças dentro da diferença. A partir
das noções conceituais desse paradigma, é possível compreender como diferentes marcadores
sociais interferiram na construção das narrativas educacionais e, ao mesmo tempo, como os
marcadores sociais reforçaram distintas concepções de infância e adolescência construídas nos
documentos legislativos e escolares do estado do Paraná.
A bacharela em serviço social e doutoranda em Estudos de Gênero, Carla Akotirene,
afirma que na proposta interseccional se deve prestar atenção para que a análise não seja feita
com base em uma soma de hierarquias. A interseccionalidade possibilita perceber como
diferentes marcadores sociais se cruzam e interferem na construção de relações sociais. Nesse

5
C.f.: COLLINS, Patricia Hill. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020. DAVIS, Angela. Mulheres, raça
e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de
Janeiro: Zahar, 2020. HOOKS, Bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019. ZALUSKI,
Jorge Luiz. O que é interseccionaliadde? In: BODART, Cristiano das Neves (Org.). Conceitos e categorias do
ensino de Sociologia. v. 2. 1. ed. Maceió, AL: Editora Café com Sociologia, 2021. (Coleção Conceitos e Categorias
do ensino das Ciências Sociais, v. 2).
27

jogo em movimento, torna-se possível visualizar as exclusões e as inclusões. Ou seja, como


afirma Akotirene, “a interseccionalidade é, antes de tudo, lente analítica sobre a interação
estrutural em seus efeitos político e legais” (AKOTIRENE, 2018, p. 58). A autora afirma, ainda:
“Em vez de somar identidades, analisa-se quais condições estruturais atravessam corpos, quais
posicionamentos reorientam significados subjetivos desses corpos, por serem experiências
modeladas por e durante a interação nas estruturas” (AKOTIRENE, 2018, p. 39). A análise
interseccional foi realizada considerando os seguintes marcadores sociais: relações de gênero,
geração (idades da vida), classe social e “raça/etnia”.
A historiadora Ana Silva Volpi Scott, em texto publicado no livro História das Crianças
no Brasil Meridional, indica que nos últimos 30 anos se tem ampliado o interesse pelo estudo
da “idade”, pelos “grupos de idade”, ou pelas “idades da vida”. Para Scott, essa atenção está
associada a mudanças na estrutura da idade da população, cada vez mais perceptíveis conforme
a movimentação da sociedade.6 Segundo a autora, essa constatação pelos/as historiadores/as
estimula cada vez mais a comparação com o passado para compreender as mudanças ocorridas
ao longo do tempo. Neste sentido, as marcações sobre as “idades” ou as “idades da vida”
contribuem para perceber como os limites impostos sobre a diferença etária serviram para
conduzir a organização social, as expectativas construídas em relação aos sujeitos com base na
diferença etária. Para a autora, hoje vivemos em um apagamento dos limites estabelecidos nas
idades da vida, pois, “em certo sentido, as “tradicionais fronteiras biológicas”, que serviram
para diferenciar as etapas umas das outras, especialmente vinculadas a um recorte de gênero,
estão diluídas” (SCOTT, 2015, p. 16). Assim, com base na compreensão de que as “idades da
vida” são construídas historicamente, pretende-se perceber como as marcações em torno da
idade, ao mesmo tempo que influíram na organização do ensino, também foram utilizadas como
parte de um processo para forjar uma realidade. Nesse percurso, a geração é constituída a partir
de experiências semelhantes. Sem integrar um grupo social concreto, “estabelece uma gama
mais ou menos restrita de experiências sociais em comum àqueles indivíduos e encaminha-nos
a certo tipo de ação social” (GROPPO, 2017, p. 55).
A categoria relações de gênero é fundamental para compreender como as diferenças de
gênero, percebidas socialmente, agiram (e agem) na configuração do ensino com base nas
expectativas construídas em torno dos/as estudantes. Cabe destacar que se compreende gênero

6
Para Scott, essa movimentação está vinculada a processos individuais e coletivos que correspondem ao menos a
quatro processos importantes para perceber as modificações sobre as “idades da vida”. Para a autora, tais processos
são: “1) o intenso processo de envelhecimento que tem caracterizado a população em geral; 2) o acesso tardio dos
jovens ao mercado de trabalho; 3) a saída tardia da casa dos pais; 4) a rejeição da ideia de que o casamento é o
destino inexorável dos indivíduos” (SCOTT, 2020, p. 14-15).
28

com base nos estudos da historiadora estadunidense Joan Scott. Para a autora, conceitualmente,
gênero serve como “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos”. Rejeitando o determinismo biológico, o uso conceitual de gênero,
conforme Scott, “coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo,
mas que não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade”
(SCOTT, 1995, p. 7). Neste sentido, as configurações sociais, construídas historicamente,
foram constituídas a partir das distinções desiguais em torno do gênero em que, por serem
dispares, são constantemente confrontadas. Como destaca Scott, “o gênero é uma forma
primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).
Para Sueli Carneiro, a educação brasileira, historicamente, foi construída de forma
hierárquica por meio de diferentes processos educativos, que excluíram e reafirmaram a posição
de determinados grupos sociais. Para a autora, “é nosso pressuposto que ‘raça/etnia’ é um dos
elementos estruturais de sociedades multirraciais de origem colonial”. Portanto, investigar os
processos educacionais, e a história da população infantojuvenil no Brasil, deve partir de uma
análise que tenha a ‘raça/etnia’ como um dos marcadores sociais constantemente presentes.
Para Carneiro, na análise, devemos ter cuidado para que uma noção conceitual não se
sobreponha às demais. Exemplo disso são os conceitos de classe social, que, muitas vezes,
“invisibilizam ou mascaram a contradição racial presente nas sociedades multirraciais, posto
que nelas raça/cor/etnia, em especial para o Brasil, são variáveis que impactam a própria
estrutura de classes que se sobrepõem” (CARNEIRO, 2005, p. 29). Nesse sentido, é importante
destacar que nos documentos selecionados para este trabalho, não foi encontrado indicações do
uso do termo raça. Contudo, dada a configuração do estado do Paraná, principalmente aos
processos imigratórios de origem europeia, e, em consonância com as observações de Carneiro,
parto do pressuposto de que a configuração da educação escolar paranaense esteve permeada
por uma estrutura racial em que se priorizava a população branca. Ponto que se ampliava na
medida que se valorizava a cultura e identidade como sinônimos da origem de países da Europa.
A noção de raça não é fixa. Como indica o filosofo Sílvio Almeida, “seu sentido está
inevitavelmente atrelado às circunstâncias históricas em que é utilizado” (ALMEIDA, 2019, p,
19). Um conceito “relacional e histórico”, sempre em conflito e permeado por relações de
poder. No Brasil, historicamente marcado pela valorização do europeu, tomado como homem
universal, contribuiu para a branqueamento da população e o fortalecimento do racismo.7

7
GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio. (Orgs.). Políticas da Raça: experiências e legados da abolição e da
pós-emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2014. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças:
cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1931. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
29

Para o filósofo Frantz Fanon, o conceito de raça opera de duas maneiras. Na primeira, o
conceito opera como característica biológica, pautado nos traços físicos. No segundo, “como
característica étnico-cultural, em que a identidade será associada à origem geográfica, à
religião, à língua, ou em outros costumes” (FANON, 1980, p. 36). Deste modo, em conjunto
com as contribuições de Carneiro, compreende-se por raça/etnia a relação de distinção do
branco em comparação à população negra e indígena, nos aspectos físicos e manifestações
culturais. Seja pelo elemento estrutural da sociedade, como pela percepção da tentativa histórica
de constituir a valorização de um grupo em detrimento do outro, como em relação aos
indígenas, “as técnicas utilizadas têm sido diversas, conforme as circunstâncias, variando desde
o uso de armas, às manipulações identitárias e sutis que uma hora se chama de assimilação,
outra hora de aculturação ou miscigenação, outras vezes é o apelo à unidade nacional”
(NASCIMENTO, 2016, p. 131).
O filosofo da educação Dermeval Saviani levanta considerações sobre a história e a
historiografia da educação brasileira. Para o autor, as pesquisas em História da educação antes
com foco somente na “história das instituições”, caminharam, a partir da década de 1980,
procurando analisar os ideários pedagógicos, a construção dos currículos, a atuação dos
diferentes atores sociais no contexto escolar, os livros didáticos, a arquitetura escolar, etc.
(SAVIANI, 2008). Desde os anos de 1980, uma parcela significativa destas investigações foi
realizada nos programas de pós-graduação em educação do País.
A obra “História da Educação no Paraná: caminhos da pesquisa e do ensino”, organizada
por Evelyn de Almeida Orlando e Cláudio de Sá Machado Jr., permite compreender parte do
percurso da produção acadêmica sobre a história da educação desenvolvida pelos programas de
pós-graduação em Educação de instituições de ensino superior paranaense (ORLANDO;
MACHADO JR., 2020). Nesse percurso de consolidação de um campo e suas aproximações
com outras áreas, em especial a História, o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR
possui um número significativo de estudos. Nesta pesquisa, foi recorrente a consulta ao banco
de teses e dissertações desse curso, em especial nos que versam sobre o CEP sob o contexto da
ditadura militar.
Entre estes estudos, destaca-se a dissertação de Alicia Mariani Lucio Landes da Silva,
intitulada, “Tempo de indicar caminhos: o serviço de orientação educacional no Colégio
Estadual do Paraná (1968-1975)”. O estudo descreve como se deram a formulação da Lei nº.
5.692/1971 e a tentativa de implementação do prescrito na legislação no Colégio Estadual do
Paraná, com especial ênfase ao Serviço de Orientação Educacional (SOE), direcionado ao
30

acompanhamento pedagógico para a identificação dos possíveis interesses profissionais dos/as


estudantes (SILVA, 2008).
O livro, “Educação na ditadura civil-militar: políticas, ideários e práticas (Paraná,
1964-1985)”, 2012, organizado por Nadia Gaiofatto Gonçalves e Serlei Maria Fischer Ranzi,
ambas professoras do PPGH-UFPR, reúne textos que resultam de trabalhos defendidos no
PPGE-UFPR. Esses textos investigam sobre as reverberações do modelo educacional
desenvolvido durante a ditadura militar, em especial sobre os ecos da Lei nº. 5.692/1971.
Analisando diferentes fontes, os/as autores apresentam um panorama do ensino escolar da
época e dos entraves enfrentados por ações decorrentes do governo autoritário. Em publicação
recente, 2019, em obra organizada por Nadia Gaiofatto Gonçalves e Suzete de Paula Bornatto,
intitulada “Educação e Sociedade na ditadura civil-militar: adesões, acomodações e
resistências”, as autoras apresentam artigos relativos a novos trabalhos defendidos e/ou em
andamento no PPGE-UFPR. Os textos reunidos na obra exploram um conjunto documental
produzidos em três âmbitos: o federal, o estadual e o municipal (conforme cada instituição), e
adentram as discussões sobre as adesões e/ou o distanciamento do modelo educacional em
comparação aos ditames do governo autoritário. As três obras mencionadas apresentam
contribuições de diferentes ordens para a escrita da tese, especialmente no que tange à
documentação e ao contexto histórico.
Com a publicação da obra do historiador Philippe Ariès, em 1960, denominada
“História Social da Criança e da Família”, inaugurou-se um novo campo de investigação na
História. Para o autor, a reorganização das relações sociais no âmbito da família sob a
perspectiva burguesa reconfigurou a concepção de infância. Sob a projeção de uma outra
configuração de família, “o sentimento” de infância desenvolveu-se em razão das exigências
do mundo moderno, e isto, segundo Ariès, “correspondeu a uma necessidade de intimidade, e
também de identidade: os membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero
de vida” (ARIÈS, 1986, p. 278).
Apesar desta interpretação, que apresenta importantes contribuições à história da
população infantojuvenil, a análise do autor está centrada em uma narrativa hegemônica de
infância, ou seja, à burguesa, gestada a partir do século XIX, sobretudo na Europa. Colin
Heywood, na obra “Uma história da infância: da idade média à época contemporânea no
ocidente”, publicada no Brasil em 2004, tece críticas à interpretação de Ariès. Heywood, a partir
de distintas fontes e interpretações historiográficas, problematiza a constituição de um “olhar”
único sobre a população infantojuvenil nos diferentes contextos socioespaciais e temporais.
Para o autor, os processos de escolarização para meninos e meninas, o acesso aos serviços de
31

saúde e a socialização pelo trabalho, ou por outros meios, foram fundamentais para a formação
de uma população infantojuvenil plural ao longo do século XX, especialmente em países da
América Latina, Ásia e África. Esta tese foi construída a partir desta última perspectiva teórica
e historiográfica.
Em relação à historiografia brasileira, relativa à história das infâncias e juventudes, três
obras foram importantes para a construção desta tese. De certa forma, estas obras apresentam o
percurso percorrido pela historiografia brasileira nas últimas duas décadas sobre a temática. No
Brasil, a obra “História da Criança no Brasil”, organizada pela historiadora Mary del Priore,
em 1999, é considerada como um marco nos estudos de história da infância no País. A obra
trata de temáticas como a educação, o castigo, as brincadeiras, as relações de trabalho, as
experiências das crianças escravizadas, etc. Como destaca Priore, a obra apresenta “o resultado
de um cruzamento de olhares sobre o tema abrangente da infância na história” (DEL PRIORE,
2021, p. 17). Para a autora, no Brasil e no mundo existe uma enorme diferença entre o mundo
infantil ideal e o real. Do riso e a brincadeira, são comumente associados, às crianças são
submetidas aos desejos dos adultos, ao que devem ser, ao que precisam. Segundo Del Priore,
“as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento
físico e moral, sobrando-lhes pouco tempo para a imagem que normalmente a ela está
associada” (DEL PRIORI, 2021, p. 8).
A obra “História social da infância no Brasil”, organizada pelo por Marcos Cezar de
Freitas, tem como foco cenários sociais e discursos de caráter jurídico, médico, pedagógico,
psicológico e de pensadores sociais. Desse conjunto de narrativas emergem discursos que
produziram sujeitos que “transitam” por escolas, hospitais, creches, instituições correcionais,
etc. As análises sobre a população infantojuvenil apresentada na obra contribuiu para
compreender como os discursos foram fundamentais para a construção de uma população
infantojuvenil idealizada, e outras consideradas marginalizadas.
Em 2013, foi criado o Grupo de Trabalho de História da Infância e Juventude da
Associação Nacional de História (Anpuh). A constituição desse GT demostra a consolidação
de um campo de estudos sobre o tema, bem como a preocupação com a manutenção dos direitos
da população infantojuvenil brasileira conquistados desde o período da redemocratização
brasileira. Em 2015 foi criada a Red de Estudios de Historia de las Infancias en America Latina
(Rehial), que ampliou o debate e contribuiu para a construção do campo em nível continental.
Resultado dessa parceria, a obra “Infâncias e juventudes no século XX: histórias latino-
americanas”, organizada por Sílvia Maria Fávero Arend, Esmeralda Blanco de Moura e Susana
Sosenki, composta por reflexões de diferentes autores/as do continente latino-americano,
32

apresenta um panorama múltiplo em que é possível estabelecer “conexões entre histórias a um


só tempo únicas e plurais no transcorrer do século XX (AREND; MOURA; SOSENSKI, 2018,
p. 11)”. As narrativas presentes na obra se valem de diferentes fontes, como os discursos
médicos, jurídicos, pedagógicos, publicitários, literários e de documentos produzidos pelas
crianças e adolescentes, que foram analisadas sob distintas concepções teóricas. Parte destas
narrativas questionam pressupostos teóricos instituídos há longa data na historiografia, como o
discurso da vitimização, a ausência de agência das crianças e adolescentes e a circulação dos
discursos entre o local e o regional.
Para as historiadoras Silvia Maria Fávero Arend e Esmeralda Blanco de Moura, ao
fazerem o levantamento das produções historiográficas desenvolvidas nos programas de pós-
graduação no sul do País, identificaram grande concentração de trabalhos sobre o acolhimento
da população infantojuvenil em orfanatos, instituições correcionais, escolas, dentre outros
espaços marcados pelo assistencialismo. Para as autoras, “políticas sociais norteadoras pelos
ideários da caridade, da filantropia e do higienismo/sanitarismo no Brasil desde o século XIX
preconizaram o confinamento de crianças, adolescentes e jovens em instituições asilares”
(AREND; MOURA, 2020, p. 52). A compreensão da trajetória da população infantojuvenil em
conjunto com as instituições fez com que o/a historiador/a buscasse fontes até então não
investigadas. Neste sentido, a história da infância e juventude tanto abriu um novo campo de
pesquisas, quanto abriu possibilidades de novas interpretações de documentos nunca antes
explorados. Assim, “é possível conhecer os diferentes discursos e representações sociais
evocados pelos partidos políticos, instituições governamentais e não governamentais no
processo de edificação de uma criança de caráter “nacional” na legislação brasileira” (AREND;
MOURA, 2020, p. 49).
O sociólogo Luís Antonio Groppo, ao pesquisar sobre a formação da noção conceitual
sobre a juventude, afirma que as transformações provocadas pelo advento da sociedade
industrial foram fundamentais para a gestação do ideário das idades da vida. No transcorrer do
século XX, um conjunto de narrativas da psicologia, da psicologia, do direito, etc. passaram a
descrever a fase da adolescência “associada ao sentimento, emoção a um excesso de energia”,
e, “ao mesmo tempo, o período com a maior frequência de neuroses e psicoses de todo o curso
da vida” (GROPPO, 2017, p. 29). Esse processo, como destaca o autor, se “resolveria com o
prolongamento da escolarização para preservar os adolescentes dos riscos da promiscuidade e
da delinquência” (GROPPO, 2017, p. 30). Ou seja, grande parte destes discursos compreendia
os/as adolescentes como um grupo homogêneo. Nesta tese, busca-se debater a questão da
33

delimitação das idades da vida a partir dos discursos sobre a implementação do prescrito na Lei
nº. 5.692/1971 no estado do Paraná.
Considerando a constituição do ensino escolar como uma política pública de direito,8
mas impossível de ser desvinculada dos propósitos do governo de cada contexto, as observações
de Foucault sobre a governabilidade instigam a pensar como o processo educacional proposto
em âmbito federal, e suas reverberações em nível estadual e municipal, assumem o
compromisso da gerência da população. Como indica Foucault, “a problemática da população,
a arte de governar só podia ser pensada com base no modelo de família, com base na economia
entendida como gestão da família” (FOUCAULT, 2015, p. 424).
O acesso ao ensino escolar, pautado em uma educação dos sentidos, aliada a valores
morais, como o casamento, criar os/as filhos/as, sexo, sexualidade, educação para o trabalho,
dentre outras expectativas, deveria passar pelo processo pedagógico da escola como forma
primeira de propor a governabilidade da população. Assim, os saberes produzidos na escola
assumiriam o compromisso de serem reproduzidos no âmbito da família. Para Foucault, são
alvo fundamental do governo da população “o interesse individual – como consciência de cada
indivíduo constituinte da população – e o interesse geral – como interesse da população,
quaisquer que sejam os interesses e as aspirações individuais daqueles que a compõem”
(FOUCAULT, 2015, p, 426). Tal propósito agiria constantemente na projeção e expectativas
construídas sobre os/as adolescentes.
Benjamin Cowan, em sua obra, “Securing sex: morality and repression in the making of
Cold War Brazil”,9 ainda não traduzida no Brasil, analisou discursos que por aqui circularam
em contextos autoritários. A análise sobre o período da ditadura militar (1964-1985) centrou o
seu foco em discursos comunistas, que estariam corrompendo os valores morais vigentes no
Brasil. Para Cowan, a modificação de valores socioculturais a partir da segunda metade do
século XX provocaram um estranhamento em grupos sociais, em sua maioria políticos e
religiosos, vistos como conservadores. O autor utiliza, em sua investigação, a noção de pânico
moral, idealizado pelo sociólogo sul-africano Stanley Cohen na década de 1970. Tal
compreensão desencadeou uma série de ações compreendidas como “pânico moral”, ações com

8
O acesso à escola pública e gratuita, no Brasil, foi resultado de um longo processo de debates. A partir da
Constituição de 1934, a educação escolar passou a ser reconhecida como direito de todos/as, e coube ao governo
federal fixar o plano nacional de educação. Foi apenas através do Decreto – lei n. 8.529, de 2 de janeiro de 1946,
que se tornou obrigatória a matrícula em instituições de ensino para as crianças a partir dos sete anos de idade.
Para a historiadora Silvia Maria Fávero Arend, “foi por meio das legislações civis, penais e das específicas que
versam sobre as crianças e adolescentes que os Estados nacionais legitimaram o ideário da infância” (AREND,
2019, p. 42).
9
Protegendo o sexo: moralidade e repressão na construção da Guerra Fria Brasil (Tradução do autor).
34

que se pretendia proteger a juventude e livrá-la dos perigos da subversão (COWAN, 2016).
Este discurso norteou a construção da legislação escolar, bem como a dos currículos e das
propostas pedagógicas instituídas no período.
A Lei nº. 5.692/1971, em âmbito nacional, e a Diretriz Curricular, desenvolvida no
estado do Paraná, publicada na revista Currículo, foram construídas a partir de um conjunto de
discursos sobre a população infantojuvenil. As reflexões do educador Tomaz Tadeu Silva são
fundamentais para compreender como o processo de construção do currículo está permeado por
disputas de poder. Além da configuração do conjunto de disciplinas que o compõem, da carga
horária e dos procedimentos pedagógicos projetados por ele, a composição curricular expressa
todo um desencadeamento de ações políticas, econômicas, sociais e culturais que tanto atingem
o currículo quanto são constituídas a partir desses processos. Para Silva, “as narrativas contidas
no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre o
conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais”
(SILVA, 2011, p. 186). O currículo é, então, uma construção social que, de forma hierárquica,
afirma o que pode e o que não pode ser dito na escola. Para o autor:
[...] em uma posição estratégica nessas reformas, precisamente porque o currículo é o
espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes
significados sobre o social e sobre o político. É por meio do currículo conhecido como
elemento discursivo da política educacional, que os diferentes grupos sociais,
especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua
“verdade” (SILVA, 2001, p. 21).

Compreende-se a proposta curricular analisada como um conjunto discursivo de ações


e procedimentos a serem exercidos no ensino escolar para a reprodução das desigualdades
sociais em nível local, regional e nacional. As observações de Jacques Revel sobre a
microanálise são oportunas para compreender as reverberações na implementação da Lei nº.
5.692/1971. A legislação foi responsável por reconfigurar o modelo educacional em âmbito
nacional (macro) e em escalas menores (estadual e município). A análise dos documentos
escolares tornou possível compreender as adesões, as aproximações ou os distanciamentos em
relação ao pretendido pelos governantes federais. Como indica o autor, porém, “mudar as
escalas de representação em cartografia não consiste apenas em representar uma realidade
constante em tamanho menor, e sim em transformar o conteúdo da representação (ou seja, a
escolha daquilo que é representável)” (REVEL, 1998, p. 20).
Em consonância com os debates da história e da historiografia da educação e da história
da infância e da juventude, esta pesquisa se insere no campo de estudos das culturas políticas
com base na perspectiva de René Rémond, de que “o campo do político não tem fronteiras
35

fixas, e as narrativas de fechá-lo dentro de limites traçados para todo o sempre são inúteis”
(REMOND, 2003, p. 443). Para o historiador Serge Berstein, a cultura política corresponde a
“um grupo de representações, portadoras de normas e valores” (BERSTEIN, 2009, p. 35). Sem
considerar um conceito “guarda-chuva” sob o qual se pretende abarcar todas as manifestações
possíveis, essa concepção amplia o campo de observação – geralmente associado ao sistema
político - e permite rejeitar a proposta de somente uma interpretação sobre o político, e auxilia
a perceber como, na movimentação do tempo, as relações sociais se configuram de diferentes
maneiras e configuram disputas, e como, nessa tensão, “se inscreve no quadro das normas e dos
valores que determinam a representação que uma sociedade faz de si mesma, do seu passado e
de seu futuro” (BERSTEIN, 1988, p. 353). Os enunciados dos documentos analisados nesta
tese permitem identificar disputas em torno do saber escolar instituído no período em estudo.
Reinhart Koselleck, na obra “Estratos do Tempo: estudos sobre a história”, indica
caminhos metodológicos que auxiliam na compreensão do tempo e da história. Para o autor,
“os tempos históricos consistem em vários estratos que remetem uns aos outros, mas que não
dependem completamente uns dos outros” (KOSELLECK, 2014, p. 19). Na investigação
histórica, esse entrelaçado temporal pode ser percebido nas fontes, documento primordial para
o oficio do historiador. Para Koselleck, a espessura do tempo, sua duração, continuidade ou
rompimento, podem ser percebidos em duas categorias: a de espaço de experiência e a de
horizonte de expectativas. Segundo o autor, “ambas as categorias são apropriadas para tratar o
tempo histórico, pois o passado e o futuro se entrelaçam na presencialidade da experiência e da
expectativa” (KOSELLECK, p, 2014, p. 307).
Por meio dessas duas categorias, compreende-se que as experiências, construídas no
passado, comparadas às do presente lançam projeções para o futuro. Neste sentido, as fontes
históricas apresentam a materialização dessa movimentação no tempo – passado do historiador
– em que o/a historiador/a deverá identificar as rupturas temporais para então sustentar a
apreensão como tempo histórico, sempre em movimento. Como indica Kosseleck, “eles
constituem uma diferença temporal no presente, entrelaçando o passado e o futuro de modo
desigual” (KOSELLECK, p, 2014, p. 307).
Por compreender que parte do passado ainda está viva no presente, esta pesquisa se
insere no campo de estudos da História do Tempo Presente (HTP), e com ele se compromete.
Os historiadores Antônio Manoel Elíbio Júnior e Rosenilson da Silva Santos afirmam que “a
germinação de um pressuposto metodológico que considera que a história não é somente o
estudo do passado, mas também do passado no presente, irá abrir ao campo um novo vetor de
investigação” (JÚNIOR; SANTOS, 2019, p. 21).
36

Para Henry Rousso, “o historiador do tempo presente ‘faz como se’ ele pudesse agarrar
na sua marcha o tempo que passa, dar uma pausa na imagem para observar a passagem entre o
presente e o passado, desacelerar o afastamento e o esquecimento que espreitam toda
experiência humana” (ROUSSO, 2016, p. 17). Assim, imerso em diferentes temporalidades,
o/a historiador, que busca investigar o tempo presente, deve perceber como a constituição do
presente está atravessada por passado e presente, e como, nessa tensão, a projeção de futuro é
atravessada por acontecimentos que provocam continuidades e/ou rupturas que se reconfiguram
no tempo. Como afirma Rousso, “a presença do passado mais distante pode ser por vezes mais
intensa do que eventos próximos” (ROUSSO, 2016, p. 19).
Os capítulos da tese abordam um passado recente, ainda em movimento, que, de acordo
com a compreensão de Rousso, trata de uns sujeitos ainda aí. São os/as legisladores/as,
intelectuais, professores/as, as instituições ainda em funcionamento, e principalmente os/as
estudantes, os/as futuros/as adolescentes que experienciaram o modelo educacional
desenvolvido durante a ditadura militar.
Para tanto, além da introdução e das considerações, a tese apresenta quatro capítulos.
No primeiro, “Entre a infância e a vida adulta: as fases da vida nas legislações educacionais”,
enfatiza-se a análise das principais legislações educacionais em âmbito federal, desenvolvidas
ao longo do século XX, até a Lei nº. 5.692/1971. Esse percurso investigativo busca identificar
como as idades da vida foram sendo construídas com vistas a forjar noções de infância e
adolescência ideais.
No segundo capítulo, ““Urgência disciplinar”: reverberações da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação n.º 5.692 na proposta de ensino do Estado do Paraná (1971-1984)”, analisa-
se a Diretriz Curricular desenvolvida pela equipe de currículo do estado do Paraná e publicada
na revista Currículo, em 1973. Objetiva-se, neste capítulo, identificar as aproximações e/ou os
distanciamentos com as prescrições instituídas em nível federal – por meio da legislação –, bem
como analisar como o modelo de ensino que deveria ser implementado no estado do Paraná
estava atrelado ao ideal de adolescente que se pretendia construir.
O terceiro capítulo da tese - "O Complexo de Ensino Estadual do Paraná: adesões e
ressignificações (1971-1984)” - busca refletir como, a partir de debates em nível nacional e
estadual se desenvolveu a proposta de implementação do modelo educacional em Curitiba, em
especial no Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná. Esse complexo foi
desenvolvido pela junção de distintas escolas, em que o CEP, compreendido como instituição
modelo, serviu para nortear o ensino que deveria ser desenvolvido em todo o estado.
37

O quarto capítulo - “As configurações do ensino escolar: adesões, negociações e


(re)configurações na Escola Tiradentes (Curitiba 1972-1984)” -, na tentativa de perceber parte
da implementação do modelo de ensino na formação dos/as adolescentes na Escola Tiradentes,
investigando, para isso, os livros de atas, os relatórios de provas e os relatórios do Serviço de
Orientação (SOE), buscou identificar as reverberações do modelo de ensino na escola. Nesse
percurso, o conjunto de ações pedagógicas, materializadas em avaliações, questionários para a
“sondagem de aptidão”, dentre outros documentos utilizados, permitiu aproximar um pouco
mais o olhar sobre a realidade local.
Para você leitor/a, interessado no tema, ou até mesmo “os sujeitos ainda aí” que
projetaram seus sonhos por meio do ensino, que, como no conto de Conceição Evaristo no
início deste texto, se arriscaram a construir novos saberes, convido a mensurar o tempo, a tentar
separar o passado que passa e a insistir na pretensão de um futuro favorável à população
infantojuvenil, pois, como afirma Rousso, “o importante não é mais o que passou, mas o que é
preciso reter e aquilo sobre o qual podemos agir” (ROUSSO, 2007, p. 284).

Boa leitura!
38

CAPÍTULO I

Entre a infância e a vida adulta:


as fases da vida nas legislações educacionais

A história da infância e da juventude brasileira possui muitas aproximações com a


história da Educação. Por mais que a educação escolar não seja a única responsável pelo
processo de formação da e sobre a população infantojuvenil, a associação histórica que se faz
entre os estudos de uma e outra parece ser difícil de separar. Com a emergência do acesso ao
ensino escolar, anunciada no início do século XX, e a realização de políticas educacionais de
acesso à escolarização desdobraram-se novas configurações sociais que contribuíram para a
construção de um novo olhar sobre a população infantojuvenil.
Para a historiadora Sílvia Maria Fávero Arend, diferentes discursos ao longo do tempo
contribuíram para introduzir a noção de infância. Dadas as especificidades de cada local e
contexto histórico, esse processo obteve, no caso brasileiro, maior ênfase no século XX, mas
iniciado com a formação de um modelo de Estado republicano em fins do XIX. Para Arend, em
relação à infância, “foi por meio das legislações civis, penais e específicas que versam sobre as
crianças e adolescentes que os Estados nacionais legitimaram o ideário da infância” (AREND,
2015, p. 421). Neste sentido, a infância passou lentamente a ser compreendida como uma fase
de vida que precisa ser protegida. Sem limitar-se à marcação etária e/ou corporal, ela foi
percebida como um momento de transição para a vida adulta. Por isso, por representar o futuro,
sua proteção oscilou entre sua utilidade quando na vida adulta e a garantia de direitos no
momento presente.
Em consonância com essa percepção, a implementação da configuração da família
nuclear burguesa ganhou força. Isto ocorreu, do ponto de vista jurídico, através do “pátrio
poder”, instituído pelo Código Civil de 1916,10 que outorgou ao pai e à mãe consanguíneos a
responsabilidade pela criação e educação de seus/as filhos/as, bem como garantiu aos homens
a posição de “chefe de família”. Segundo Arend:
En este contexto histórico, la institución del instituto jurídico del pátrio poder poseía
varias funciones. La primera estaba relacionada a la disminución de la autoridad
paterna (y, eventualmente, materna) en relación a los hijos e hijas que, hasta este
momento histórico, era casi ilimitada. La segunda buscaba delegar a los padres, sobre
todo los consanguíneos, la responsabilidad por la maternidad, enseñanza y sustento
de la prole. Por fin, las personas menores de edad de Brasil eran transformadas en
“hijos/as del Estado”, una vez que, desde una óptica de la gestión de la población,
pasaban a ser consideradas como el futuro de la nación. Si la madre, el padre u otro
pariente no cumpliera con las responsabilidades prescritas en la ley, las autoridades

10
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916.
39

judiciales podían suspender o retirar el pátrio poder transfiriéndolo a los


representantes del Estado. Observamos, así, la ley buscando instituir prácticas y
valores burgueses para los distintos grupos sociales – campesinos, pobres urbanos,
inmigrantes, las clases medias, etc.– que componían la sociedad brasileña en aquel
momento histórico (AREND, 2018, p. 228).

Nesse momento, junto à concepção de que a população infantojuvenil deveria ser


protegida, passava-se, por meio do Código Civil de 1916, a difundir na sociedade brasileira um
ideário relativo à família nuclear burguesa,11 norteado pela perspectiva da superioridade
masculina. Assim, a infância passou a gozar de centralidade na família e foi atribuída aos pais
a responsabilidade para com os/as filhos/as.12 Questão essa amplificada por meio do Código de
Menores de 1927,13 primeira legislação que amparou juridicamente a população infantojuvenil.
Nesse processo de implementação da legislação, o acesso ao ensino escolar tornou-se
gradativamente um direito das crianças, dos adolescentes e jovens.
Neste capítulo será analisado como, ao longo do século XX, foram sendo constituídas
diferentes concepções sobre as idades da vida da população infantojuvenil em conjunto com as
legislações educacionais brasileiras. Entende-se que as noções de infância e adolescência
vigentes no País guardam estreitas relações com o ensino escolar. Neste sentido, marcando
continuidades e rupturas, as políticas educacionais de cada contexto contribuíram para forjar
um ideário sobre as idades da vida. O capítulo é dividido em duas partes. Na primeira, descreve-
se o percurso das principais legislações educacionais, com o intuito de identificar como as
marcações sobre a infância e a adolescência serviram de base para fundamentar as prescrições
escolares. Na segunda, em conjunto com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5.692, de
11 de agosto de 197, investiga-se como, por meio do ensino escolar, construía-se um ideário de
infância e adolescência alinhado aos ditames da ditadura militar.

11
Compreende-se por família nuclear burguesa a implementação de um conjunto de ações desenvolvidas em fins
do século XIX em que as definições sobre os membros da família e suas contribuições no grupo familiar
ganharam novos sentidos. Nesse processo, a distinção de hábitos de saúde e higiene, por exemplo, vistos como
pertencentes à burguesia, passaram cada vez mais a serem incorporados às classes pobres por meio de discursos
médicos, jurídicos, dentre outros. Com a atuação cada vez maior do Estado na intimidade familiar, as concepções
sobre a infância e a atuação dos pais consanguíneos ganharam novos significados, principalmente em relação às
mulheres/mães (ARIÈS, 1986) (CAMPOS; MATTOS, 2007).
12
É importante destacar que o Código Civil de 1916 auxiliou a repensar a cultura da violência praticada contra a
infância. A historiadora Esmeralda Blanco de Moura, ao investigar sobre o uso do castigo como recurso
pedagógico e persuasivo durante a infância, demonstra que a legislação pouco avançou, pois ainda se legitimava
a prática da violência dos familiares contra o público infantil, desde que correcional. Para a autora, por mais
moderações a lei previsse, “anteriormente, um traço como tantos outros da legislação colonial, propensa a
medidas extremas, pródiga em penas cruéis, o castigo manteve-se, no Brasil, republicano, como recurso em
educação reconhecido juridicamente” (MOURA, 2018, p. 34).
13
BRASIL. Decreto nº 17.943-a, de 12 de outubro de 1927.
40

1.1 – Infâncias, adolescentes e o ensino escolar na legislação brasileira: construções das


idades da vida

Até a década de 1930, não foi instituída nenhuma legislação que tivesse como escopo a
população infantojuvenil como um todo no âmbito da educação escolar. Mesmo com a
instauração do modelo republicano, no âmbito educacional o país viveu toda a Primeira
República sob os auspícios da Lei de 15 de outubro de 1827, que instaurou o ensino elementar,
destinado à construção de escolas de primeiras letras. Nessa legislação, com exceção das
marcações de gênero, não se fazia qualquer menção aos/as estudantes em base à diferença
etária. Com um processo em construção, as idades da vida, em especial da população
infantojuvenil, ao menos nessa legislação, não eram motivo de preocupação, principalmente
em áreas distantes dos grandes centros urbanos, onde era comum pessoas de diferentes faixas
etárias estudarem na mesma sala e/ou série.14
Esse cenário passou por um processo de mudança principalmente a partir da criação do
Ministério da Educação e da Saúde Pública (MES), em 1930, e da atuação de Francisco
Campos, que contribuiu na elaboração de decretos que promoveram a estruturação do ensino
escolar até o universitário. Interessava, naquele momento, ampliar o acesso ao ensino escolar.
Com um conjunto de ações, a Reforma Francisco Campos auxiliou na reconfiguração do ensino
escolar brasileiro. Parte deste processo pode ser observada na fixação de séries e na distribuição
dos/as estudantes com base na faixa etária.15

14
O documento, de forma explícita, indica a desigualdade de gênero, reforçada por meio do ensino escolar. A
legislação indica que a educação das meninas devia ser oferecida em formato diferente da dos meninos, em
escolas específicas para “formar prendas domésticas” e que não tivessem acesso aos estudos das áreas da
geometria, por exemplo. Os artigos 11 e 12 do documento informam que “Haverão escolas de meninas nas
cidades e villas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessario este estabelecimento”,
e “As mestras, além do declarado no art 6º, com exclusão das noções de geometria e limitando a instrucção da
arithmetica só às suas quatro operações, ensinarão tambem as prendas que servem á economia doméstica; e serão
nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquellas mulheres, que sendo brazileiras e de reconhecida
honestidade, se mostrarem com mais conhecimentos nos exames feitos na fórma do art. 7º” (BRASIL, 1827).
Como forma de reconhecimento a tal dedicação, o sucesso escolar, com base no artigo 7º do documento, poderia
garantir às estudantes uma vaga como professora, depois de exame frente à comissão. Importante destacar que
no início do século XX existiram algumas leis educacionais direcionadas ao ensino técnico, como forma de
preparar mão de obra qualificada para assumir atividades profissionais nos setores industriais e de repartição
pública, constituídos a partir do modelo republicano recém-instaurado. Nesse conjunto de ações voltadas ao
ensino destinado à população infantojuvenil carente, em condição de rua ou considerada infratora, destaca-se o
patronato, cujo objetivo era retirar crianças e adolescentes das ruas (naquele momento utilizava-se a concepção
de “menores de idade”). Sobre o assunto, ver: BOEIRA, Daniel Alves. Uma “solução” para a menoridade na
Primeira República: o caso do Patronato Agrícola de Anitápolis/SC (1918-1930). Dissertação (Mestrado) -
Depto de História - Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2012; ZANLORENZI, Maria
Josélia. Educação para o Trabalho: a criação das Escolas Técnicas no Paraná (1900-1950). 1. ed., Jundiaí, São
Paulo, Paco, 2017.
15
A elaboração da Reforma Francisco Campos é o resultado de um longo debate, com o objetivo de melhorar a
qualidade e o acesso ao ensino escolar no Brasil. Em 1924, a criação da Associação Brasileira de Educação
(ABE) contribuiu para dar maior visibilidade aos problemas enfrentados na educação escolar. Contudo, a
41

Como a criação do ensino secundário, por exemplo, a partir do Decreto nº 19.890, de


18 de abril de 1931, ficou autorizado, desde que aprovado mediante inspeção de integrantes do
MES, o funcionamento do ensino secundário, que foi distribuído em fundamental, com duração
de cinco anos, e complementar, com duração de dois anos, sendo obrigatório para quem
desejasse ingressar no ensino superior.16 Tendo em vista o referido o documento, o acesso ao
ensino secundário só era permitido aos/as estudantes com idade mínima de 11 anos, desde que
aprovados/as nos exames admissionais,17 destinados à seleção dos/as ingressantes.18
Com base nessa distribuição, os discursos sobre as idades da população infantojuvenil
foram tomando espaço em âmbito educacional. A separação entre os/as estudantes com base na
idade remete ao entendimento de que era preciso atribuir uma atenção especial a eles/as,
conforme a faixa etária a que pertenciam, fosse pelas etapas do desenvolvimento da
aprendizagem, ou pela tentativa de distanciar os mais novos dos mais velhos. Pelo Decreto nº
19.890, também é possível perceber como os discursos educacionais estavam em consonância
com o setor jurídico, principalmente os que versavam sobre a proteção das crianças, tanto por
parte dos adultos quando dos/as que estavam ainda em processo de saída da infância, mas que
caminhavam para uma nova fase, em sentido à vida adulta.
Passada mais de uma década, novas propostas educacionais introduziram alterações na
configuração do ensino. Em 1942, sob a liderança de Gustavo Capanema no MES, a elaboração
das Leis Orgânicas de Ensino,19 ou Reforma Capanema, como ficou conhecida, visava tanto à

Reforma Francisco Campos não atendeu de forma satisfatória à ampliação do acesso ao ensino escolar. Com
grande distinção de classe, acabou sendo mais vantajoso para a população economicamente mais abastada. A
insatisfação com a reforma levou ao que ficou conhecido como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
composto por um grupo de intelectuais que questionavam as desigualdades sociais do Brasil e as relações com o
ensino escolar brasileiro (ROMANELLI, 1998).
16
A distribuição de séries e a composição curricular podem ser identificadas no referido documento, o Decreto nº
19.890, de 18 de abril de 1931. Pelo disposto, o ensino secundário deveria ser implantado no Colégio Pedro II,
no Rio de Janeiro. As demais instituições de ensino que viessem a ofertá-lo, deveriam passar por inspeção. A
aprovação esteve condicionada à comparação com o Colégio Pedro II. O Colégio Estadual do Paraná obteve essa
aprovação, o que garantiu a liberação para ofertar o ensino secundário.
17
O exame de admissão foi implementado durante a reforma de Francisco Campos (Decreto nº 19.890, de 1931).
18
Em seu artigo 19, o documento informou que, “Quando o estabelecimento se destina á educação de rapazes e o
regimen for o de internato, a idade do candidato não excederá de 13 annos” (Decreto nº 19.890, de 18 de abril
de 1931). Um indício de que pertencer ao gênero masculino e ter idade superior aos 13 anos o proibiria de
frequentar instituições escolares sob o regime de internato. Isto era comum principalmente nos grandes centros,
para onde os estudantes se deslocavam para seguir os estudos, por não terem acesso na localidade em que viviam.
Talvez essa proibição se sustentasse numa cultura do trabalho, em que ao se “aproximar da vida adulta”, faria
poderiam receber outras atribuições cuja realização seria dificultada pelo regime de internato. Importante
destacar que nesse momento já vigorava o Código de Menores de 1927; mesmo que tenha servido como
instrumento jurídico para a proteção infantojuvenil contribuiu para a formação de uma visão estereotipada
sustentada pela associação da ideia entre “menor” e infrator (MORELLI;1996, 2018).
19
Integram o conjunto de leis da Reforma Capanema os seguintes documentos: Decreto–lei 4.73, de 30 de janeiro
de 1942: - Lei Orgânica do Ensino Industrial; Decreto–lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que cria o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial; Decreto–lei 4.244, de 9 de abril de 1942 – Lei Orgânica do Ensino
Secundário; Decreto–lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943: - Lei Orgânica do Ensino Comercial.
42

reestruturação do ensino escolar, como integrou a política governamental de Getúlio Vargas. A


partir do Decreto–lei 4.244, de 9 de abril de 1942 – Lei Orgânica do Ensino Secundário, o
ensino escolar passou a ser distribuído em ensino primário, da primeira à quarta série, e em
ensino secundário, dividido em duas etapas: o ginasial, com duração de quatro anos, e o curso
clássico e o curso científico, com duração de três anos. Para ingressar no ginasial, o/a estudante
precisava ter no mínimo 11 anos de idade, ou completar essa idade até 30 de junho do ano
letivo.
Essa proposta educacional integrou um projeto político construído durante o governo
de Getúlio Vargas que tinha, entre outros objetivos, o de fomentar a industrialização do País. O
grupo político que passou a governar a nação buscava transformar a economia a partir do setor
industrial. Nesse sentido, garantir o acesso ao ensino escolar era fundamental no processo de
formação dos futuros trabalhadores/as. Interesse que se manteve apoiado nos ideais de
patriotismo construídos e reforçados por um conjunto de atos e prescrições pedagógicas
norteados por discursos associados à noção de progresso.
Para o historiador Benjamin Cowan, a proposta de cunho desenvolvimentista de Getúlio
Vargas provocou a insatisfação em parte da população por entender que o Brasil passava por
uma desmoralização, principalmente, naquele momento, por se ampliarem as distâncias entre
as decisões da Igreja Católica sobre o ensino nas escolas. Entretanto, com aproximações e
distanciamentos, com apoiadores ou não do projeto de governo, as decisões tomadas foram
sustentadas no sentido de manter um equilíbrio para a realização de diferentes ações. Como
indica Cowan, “Vargas cooptou o moralismo e a masculinização como motores do progresso”,
valendo-se “de alianças e amizades pessoais com os líderes direitistas e católicos” (COWAN,
2016. p. 23).
São comuns, nos estudos sobre da história e historiografia da educação brasileira,
observações sobre patriotismo e civismo desenvolvidas nas escolas durante o governo de
Getúlio Vargas. Essa reflexão não deve ser tomada apenas como uma das formas encontradas
para construir a aceitação do líder político ou da construção do sentimento de pertencimento à
nação. O conjunto de ações desenvolvidas naquele momento se explica pela tentativa de
manutenção ou sustentação do governo, mas também tinha em vista proporcionar a construção
(formação) de uma nova geração de pessoas sem se afastar de valores morais compartilhados.
A educação escolar tornou-se o espaço propício para isso, principalmente para o suposto reforço
da moralidade. Pode-se destacar que o debate em torno das distinções de gênero foi um dos
elementos mais visíveis na estruturação do ensino escolar, assim como constituiu uma tentativa
de conciliar ações pedagógicas com a moral.
43

A masculinização, como força motora para o progresso da proposta governamental de


Getúlio Vargas, exposta por Cowan, refere-se a um conjunto de ações em que existiu o reforço
da centralidade dos homens na tomada de decisões em âmbito público e privado. Na educação,
observa-se, uma organização explícita de ensino generificado, que separou as meninas dos
meninos. Esta separação ocorria por meio de turmas separadas, mas também através de uma
proposta curricular e em escolas específicas, com o propósito de educar as meninas para a
“economia doméstica”, no intuito de que se tornassem, no futuro, boas mães, esposas, e
soubessem gerir o espaço doméstico. Já aos estudantes meninos se ofertavam disciplinas que
os preparavam para assumir diferentes atividades profissionais (ZALUSKI, 2016).
Há que se salientar que o processo de estruturação do ensino escolar não deve ser visto
como algo isolado. Ao ensino escolar foi atribuída a função de promover a formação dos/as
adolescentes a caminho da passagem para a vida adulta, um percurso a ser construído sobretudo
através da escola. O Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, foi o primeiro documento
legislativo em nível federal, no âmbito da educação, a utilizar o termo adolescente.20 Com base
nessa legislação, o ensino secundário deveria “formar, em prosseguimento da obra educativa
do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes”. Essa atribuição dialoga com os
debates sobre a ideia de menor infrator, em que a adolescência deveria receber uma atenção
especial para suspostamente formar a moral dos/as estudantes. Em conjunto com esse preceito,
o Art. 23 do documento sobre a educação moral e cívica mencionava: “Deverão ser
desenvolvidos nos adolescentes os elementos essenciais da moralidade: o espírito de disciplina,
a dedicação aos ideais e a consciência da responsabilidade (BRASIL, Decreto-lei nº 4.244, de
9 de abril de 1942). A escolarização desse público deveria impedir um possível desvio de
condutas aceitas socialmente e, como detentores do futuro, contribuir para a ligação de uma
geração a outra sem que fossem rompidas as relações sociais instituídas tendo por base a
moralidade.
Para José Carlos Libâneo, o ensino escolar desenvolvido no Brasil a partir da década de
1930 expressa um momento de ruptura com modelos tradicionais de ensino e marca a inserção
de um modelo educacional liberal. Conforme o autor, a Pedagogia Liberal foi desenvolvida sob
a ideia de que era função da escola preparar os estudantes para o desempenho de “papéis
sociais” conforme as capacidades individuais. Nesse intuito, a atuação por parte das camadas

20
O documento também deixava de utilizar o termo “matéria” para referir-se à composição curricular. Desde as
Leis Orgânicas do Ensino, os termos “disciplina” e “currículo” passaram a integrar as prescrições escolares. A
adoção desta nomenclatura dialogava com os debates internacionais sobre a educação. Sobre o assunto, ver:
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e
Educação. n. 2, 1990. p. 177-229.
44

dominantes em defender uma educação para toda a população esteve alicerçada a interesses
pessoais, tanto pelo poder transformador da sociedade por meio da educação, como em função
de um modelo de ensino aliado à manutenção das desigualdades sociais provocadas pelo
capitalismo (LIBÂNEO, 1990).
As concepções pedagógicas da Pedagogia Liberal, ou Escola Nova, teve o filósofo
norte-americano John Dewey como um de seus principais percursores. Propunha que o ensino,
aliado aos estudos da Psicologia, em especial às etapas do desenvolvimento cognitivo, se
pautasse por uma metodologia ativa, em que os/as estudantes fossem estimulados, por um lado,
a experimentar e, por outro, a pensar por si.
Com base na posição de Dewey, a experiência desenvolvida por meio de trabalhos
manuais proporcionaria o desenvolvimento cognitivo, físico e emocional e auxiliaria no
desenvolvimento da autonomia dos/as estudantes.21 Anísio Teixeira,22 aluno de Dewey, foi um
dos principais precursores dos ideais da Escola Nova no Brasil.
Ao estabelecer comparações entre o Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, com as
concepções pedagógicas desenvolvidas pela Escola Nova, entende-se que as prescrições para o
ensino escolar estiveram alicerçadas sobre o preceito de uma adolescência em movimento para
a vida adulta. Por mais que o modelo educacional proporcionasse autonomia no
desenvolvimento da aprendizagem, esteve sustentado no interesse em garantir a boa conduta
dos/as estudantes, interesse esse aliado à tentativa da manutenção/reconfiguração das
desigualdades de gênero instituídas socialmente. Nesse sentido, a percepção sobre as fases da
vida, principalmente em relação à adolescência, foi sustentada pela ideia de que estes deveriam

21
Sobre as transformações pedagógicas na história da educação ver: VEIGA, Cynthia Greive. Cidadania e
Educação na trama da cidade: a construção de Belo Horizonte em fins do século XIX. 1. ed. Bragança Paulista:
EDUSF, 2002; VEIGA, Cynthia Greive; FONSECA, Thais Nivia Lima e (Org.). História e Historiografia da
Educação no Brasil. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003; LINHARES, Meily Assbú; FONSECA, Thais
Nivia Lima. Diálogos da história da Educação (Org.). Ponta Grossa: Estúdio. Texto, 2017.
22
Anísio Teixeira graduou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1922. Retornou à Bahia,
em 1924, e iniciou suas atividades como inspetor educacional. Em 1927, quando foi aos Estados Unidos, teve
contato com o Johon Dewey, o que o auxiliou a ser um dos percursores da Escola Nova no Brasil, quando
retornou em 1931. Teixeira foi um dos integrantes do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em defesa
do ensino público, gratuito, laico e obrigatório. Junto com a proposta de implementação de um ensino ativo, na
tentativa de os/as estudantes resolverem problemas práticos, Teixeira defendia a organização do ensino com base
em um currículo técnico, voltado principalmente à população mais pobre, devido ao grande número de abandono
escolar devido à necessidade de trabalhar. Conforme Teixeira, essa atenção voltada à formação técnica deveria
ocorrer na segunda fase do ensino, destinada aos adolescentes. Contudo, tal percepção ficou restrita às leis
específicas para o ensino profissional, desenvolvidas apenas na década de 1940. Na década de 1960, por meio
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, fizeram-se claras distinções
entre o ensino humanístico e o tecnológico. Talvez essa alteração tenha sido possível por Teixeira ter uma maior
participação em órgãos educacionais do governo, entre eles, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep)
e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atualmente, a CAPES), onde atuou
até o golpe de Estado de 1964 (MORAES, 2012) (CORSETT; ECOTEN, 2012) (PINTO, 2021).
45

receber uma educação escolar que auxiliasse na manutenção de valores sociais, mas, acima de
tudo, garantisse, por meio do ensino, que pudessem ter uma ocupação profissional. Ou seja, era
também uma forma de combater a considerada “vadiagem” infantojuvenil prescrita como
infração no Art. 61 do Código de Menores de 1927, onde se afirmava que, “si menores de idade
inferior a 18 annos forem achados vadiando ou mendigando, serão apprehendidos e
apresentados à autoridade judicial” (BRASIL, 1927). Assim, ao tempo que se constituía uma
adolescência que deveria frequentar os bancos escolares e ser preparada para o trabalho, estar
em condição de vadiagem era reproduzir um modelo de adolescência não desejado e aceito no
campo jurídico.
Adentrar a adolescência com base na distinção etária não era garantia de acesso ao
ensino escolar. Apenas com o Decreto-lei n. 8.529, de 2 de janeiro de 1946,23 é que ficou
instituída a obrigatoriedade do ensino para a população infantil, em idade entre os sete e os doze
anos, mas se restringiu ao ensino primário.24 Nesta perspectiva, a considerada infância passou
a ser compreendida como detentora de direitos, aos menos no que correspondia ao acesso ao
ensino escolar, diferentemente do público adolescente, pois, mesmo que existisse uma cobrança
direcionada à formação moral e à ocupação, naquele momento não havia conquistado o ensino
escolar como direito. Assim, tentava-se ampliar as distâncias entre a infância e a vida adulta,
mas havia obstáculos que dificultavam o acesso dos/as adolescentes ao ensino escolar.
Na medida em que se desenharam novas percepções sobre o universo infantojuvenil, os
documentos jurídicos nacionais relativos a tal universo mostram a tentativa em proporcionar
um ensino escolar conectado com os contextos socioeconômicos de sua época. A partir da
Declaração Universal dos Direitos da Criança, promulgada pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 1959, a população infantojuvenil paulatinamente começa a se constituir-se
como sujeito de direitos. Este processo se refletiu lentamente também no acesso ao ensino
escolar.

23
Documento assinado por José Linhares, presidente do Brasil entre os meses de outubro de 1945 até janeiro de
1946.
24
Em seu Art. 41, o documento indica: “O ensino primário elementar é obrigatório para todas as crianças nas
idades de sete a doze anos, tanto no que se refere à matrícula, como no que diz respeito à freqüência regular às
aulas e exercícios escolares” (Decreto-lei n.8.529, de 2 de janeiro de 1946). Parte dos reflexos desse decreto-lei
pode ser observada na ampliação do acesso das estudantes meninas ao ensino escolar. Por serem meninas, e por
até então não terem a obrigatoriedade de frequentar a escola, o acesso às instituições de ensino foi muito limitado.
A obrigação estabelecida sob forma de lei, garantiu que frequentassem a escola mais cedo. Nas décadas de 1960,
e 1970, para as que foram mães, integraram uma geração de mulheres que, em sua maioria, foram alfabetizadas
ou deram continuidade aos estudos. Importante destacar que a ampliação do número de estudantes influiu no
crescimento do número de eleitores/as, posto que o Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881 - Lei Saraiva -,
como ficou conhecido, proibia pessoas analfabetas de votar (ZALUSKI, 2016).
46

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira - Lei nº. 4.024, de 20 de


dezembro de 196125 foi promulgada durante o governo de João Goulart. Essa legislação resultou
de um longo processo de discussão, iniciado ainda na década de 1940, com o intuito de ampliar
o acesso ao ensino e atender de forma satisfatória à população pobre. Com um viés democrático,
propunha que ser a educação direito de todos, e por isso deveria ser dada no lar e na escola. A
partir dessa nova lei, foram substituídas as Leis Orgânicas de Ensino,26 o que fez com que o
ensino secundário fosse reestruturado, mas se mantiveram as legislações destinadas à formação
específica para a indústria, o comércio e a agricultura.27 Contudo, foi a primeira legislação a
unificar o ensino à da educação infantil até o nível universitário.
Com base na Lei de Diretrizes e Bases, o ensino escolar foi dividido em “Educação Pré-
Primária”, destinada “aos menores até sete anos”, a ser ministrada em escolas maternais ou
jardins-de-infância, em “Ensino Primário”, da 1ª à 4ª série, a partir dos sete anos de idade, e em
“Ensino Médio”, para “a formação do adolescente”. Essa etapa correspondia ao “ciclo ginasial”,
com “duração de quatro séries anuais, e o colegial, de três, no mínimo”. Mais uma vez, a idade
da vida foi estendida e associada ao ensino escolar. Essa modificação fez com que se
estendessem por mais tempo os anos de estudo, de seis para sete anos, estendendo-se, por
consequência, o percurso de institucionalização da adolescência.28

25
O documento foi assinado por Tancredo Neves (advogado), primeiro ministro do Brasil - 1961-1962; Alfredo
Nasser (advogado), ministro da Justiça - 1961-1962; Ângelo Nolasco de Almeida (militar), ministro da Marinha
- 1961-1962; João de Segadas Viana (militar), ministro de Guerra; Francisco Clementino de San Tiago Dantas
(advogado), embaixador da ONU em 1961; Walther Moreira Salles (empresário-banqueiro), ministro da
Fazenda; Virgílio de Morais Fernandes Távora (militar), ministro de Transporte; Armando Monteiro Filho
(engenheiro), ministro da Agricultura; Antonio de Oliveira Brito (advogado), ministro da Educação e Cultura -
1961-1962; André Franco Montoro (advogado, pedagogo e filósofo), ministro do Trabalho - 1961-1962; Clóvis
Monteiro Travassos (militar), ministro da Aeronáutica (161-1962); Estácio Gonçalves Souto Maior (médico),
ministro da Saúde - 1961-1964; Ulysses Guimarães (advogado), ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior - 1961-1962 - e Gabriel de Resende Passos (advogado), ministro de Minas e Energia (1961-
1962).
26
Substituiu o Decreto-lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942, que organizou o ensino secundário em dois ciclos: o
ginasial, com quatro anos, e o colegial, com três anos, e o Decreto-lei n. 8.529, de 2 de janeiro de 1946, que
organizou o ensino primário e nível nacional.
27
Cursos de formação técnica e normal, e respectivas leis: Decreto-lei 8.530, de 2 de janeiro de 1946, que
organizou o ensino normal; Decretos-lei n 8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946, que criaram o Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); Decreto-lei n. 9.613, de 20 de agosto de 1946, que organizou o
ensino agrícola e manteve o Decreto-lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que instituiu o Senai.
28
A Lei nº. 4.024/1961 possuía prescrições acerca dos adolescentes e adultos que não frequentavam as instituições
de ensino em “idade escolar”. Em seu Artigo 99, afirmava: “Aos maiores de dezesseis anos será permitida a
obtenção de certificados de conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza após
estudos realizados sem observância de regime escolar. Parágrafo único. Nas mesmas condições, permitir-se-á a
obtenção do certificado de conclusão de curso colegial aos maiores de dezenove anos”. A educação de jovens e
adultos, como ficou conhecida mais tarde, passou a ser motivo de debates a partir de 1947, e levou à criação da
Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes (Ceaa). Desde então, encontros nacionais e internacionais
visaram promover uma atenção especial, com a produção de materiais e didáticas específicas para esse público.
Em 1958, durante o governo de Juscelino Kubitscheck, a realização do II Congresso de Educação de Adultos
promoveu importantes debates que ampliaram o atendimento à população maior de 18 anos e não escolarizada.
Foi desenvolvida a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (Cnea), com importantes contribuições
47

Ainda em relação às modificações, a Lei nº. 4.024/1961 extinguiu a obrigatoriedade do


ensino militar nas escolas e a separação dos estudantes com base nas diferenças entre os sexos.
Sendo assim, ao menos na letra da lei, estudantes de todo o país deveriam receber a educação
escolar com base numa mesma proposta curricular. O prescrito na lei contribuiria para que as
turmas passassem a ser compostas de forma mista. Contudo, o mesmo documento apresenta
indícios de algumas continuidades. Segundo a legislação, o ensino primário poderia ser
estendido por mais dois anos, com o objetivo de fornecer aos estudantes a possibilidade de se
irem iniciando “em técnicas de artes aplicadas, adequadas ao sexo e à idade” (BRASIL, Lei nº.
4.024, de 1961).
A implementação da Lei de Diretrizes e Bases contou com financiamento da agência
norte-americana United States Agency for International Development (Usaid), que, depois do
golpe de Estado, em 1964, intensificou suas relações com o Brasil. Nesse processo, foi
contratada uma equipe técnica para formar a Equipe de Planejamento do Ensino Médio (Epem)
junto ao Ministério da Educação (ME). Com o avançar do regime autoritário, novas decisões
foram tomadas pelos governantes relativamente ao ensino. Contudo, a passagem do governo
democrático para a forma autoritária trouxe outras configurações. O ensino escolar e a
população infantojuvenil ganharam novas conotações, que, associadas ao projeto de governo
militar, serviram de base para que fossem colocadas em prática novas propostas educacionais.
O historiador Rodrigo Patto Sá Motta, ao apresentar considerações sobre o ensino
durante as décadas de 1960-1970, refere-se a duas questões fundamentais para compreender o
cenário relativo ao ensino naquele período. Ainda na década de 1960, tivemos a instituição de
duas legislações que foram decisivas para se desenhar uma nova projeção sobre e para o ensino
da população infantojuvenil. O Decreto-Lei nº 869, de 12 de setembro de 1969,29 tornou
obrigatório o ensino da disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC), do ensino primário até
o superior. Essa disciplina tinha um caráter ideológico, sustentado pelo nacionalismo, a fim de
combater tudo o que fosse considerado subversivo. A outra legislação foi a Lei nº 5.540, de 28
de novembro de 1968, conhecida como ‘Reforma Universitária’. Por um lado, contribuiu para
a modernização da infraestrutura das universidades; por outro, abriu espaço para a estruturação

do pedagogo Paulo Freire. Sua participação foi decisiva, principalmente pelo método apresentado, que, além de
alfabetizar, visava desenvolver a criticidade nos/as estudantes (PAULA; ZALUSKI, 2020).
29
O Decreto-lei nº 869 foi aprovado por Augusto Hamann Rademaker Grünewald, militar, vice-presidente durante
o governo do general Emílio Garrastazu Médici; Aurélio De Lyra Tavares, general; Márcio de Souza e Mello,
marechal e ministro da Aeronáutica; Tarso Dutra (Paulo de Tarso de Morais Dutra), bacharel em ciências
jurídicas e sociais, foi ministro da Educação de 15 de março de 1967 a 30 de outubro de 1969. Os três primeiros
foram integrantes da junta provisória que governou o Brasil de 31 de agosto a 30 de outubro de 1969, devido ao
afastamento provisório de Costa e Silva. Foi durante esse período que foi promulgado o decreto que tornou
obrigatória a disciplina de EMC.
48

do ensino superior privado, o que pouco contribuiu para o ingresso e a manutenção de um maior
número dos/as estudantes (MOTTA, 2014).
A historiografia sobre o tema (CUNHA, 2014; LIBÂNEO, 1990; MOTTA, 2014) indica
que na década de 1960 a entrada no ensino superior era muito discrepante em comparação com
o número de concluintes do ensino médio. Essa distância foi ampliada com a Reforma
Universitária, e contribuiu para fomentar as manifestações contrárias ao governo militar.
Em meio a esse cenário de insatisfações, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971 (Lei 5.692/1971),30 que alterou drasticamente o
ensino brasileiro. Da autonomia para a elaboração curricular e demais avanços alcançados a
partir da Lei nº 4.024/1961, o cenário educacional passou para a obrigatoriedade em
desenvolver um ensino profissional. Ou seja, a população infantojuvenil passaria a receber uma
educação direcionada à formação para o mercado de trabalho.
De acordo com a Lei nº 5.692/1971, o ensino escolar ficou dividido da seguinte forma:
ensino fundamental de primeiro grau, distribuído entre o primário da 1ª à 4ª série, e sua
continuidade da 5ª à 8ª série; o ensino de segundo grau, de três anos de ensino. Nessa nova
organização, com a exclusão dos exames de admissão, o ensino primário não realizaria uma
formação para o trabalho. Atribuía-se, todavia, a responsabilidade aos/as professores, a quem
competia realizar “sondagens de aptidão” da 5ª à 8ª série, para identificar os supostos interesses
profissionais dos/as estudantes. A partir destes resultados, seriam ofertadas disciplinas
compatíveis com tais interesses profissionais. A continuidade dos estudos, no ensino médio, se
limitou à formação técnica, por meio de cursos profissionalizantes de distintas áreas de atuação
profissional.31
Conforme enunciado na Lei nº 5.692/1971, o currículo escolar para o ensino da 5ª à 8ª
série deveria ser composto por dois grandes grupos de disciplinas. No primeiro, as disciplinas
de cunho obrigatório, de formação geral, e, no segundo, diante da obrigatoriedade do ensino
profissional, as disciplinas seriam pautadas nos interesses de cada localidade, após apresentação
prévia aprovação e aceitação da Secretária de Educação de cada estado da Federação. Essa

30
O documento foi assinado pelos seguintes governantes: Emílio Garrastazu Médici (militar), que assumiu o
governo do Brasil entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974; Jarbas Gonçalves Passarinho (militar),
governador do estado do Pará, ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Costa e Silva; ministro da
Educação (1969-1974), quando foi um dos responsáveis pela assinatura do Ato Institucional Número Cinco
(AI.5); Julio de Carvalho Barata, formado em Direito, foi membro da Ação Social Brasileira (ASB), movimento
político de inspiração fascista, fundado no Rio Grande do Sul, mais tarde (entre 1969 e 1974), ministro do
Trabalho e Previdência Social (CPDOC, s/d).
31
A Lei nº 5.692/1971 instituiu ainda a obrigatoriedade de a equipe gestora de cada instituição de ensino ampliar
gradativamente a oferta das séries até completar o ensino fundamental, para as instituições de ensino primário, e
o ensino de segundo grau, as que, até aquele momento, já ofertavam o ensino ginasial.
49

proposta foi utilizada como uma forma de melhor atender às especificidades de cada localidade,
com a intenção de estimular o sentido da população em receber um ensino escolar condizente
com a especificidade do mercado de trabalho.
Para Libâneo, essa concepção de ensino esteve pautada no tecnicismo, uma vertente
pedagógica que ganhou força durante a ditadura militar, que buscava modelar os/as estudantes
por meio de habilidades e conhecimentos vistos como úteis e necessários ao pleno
desenvolvimento do sistema capitalista. O ensino tecnicista foi influenciado pelos estudos do
behaviorismo, linha da psicologia desenvolvida pelo psicólogo Burrhus Frederic Skinner.
Skinner compreendia a aprendizagem como um processo que deveria ser desenvolvido por meio
do desempenho, e que a modelagem dos/as estudantes deveria ser feita por meio do reforço
repetitivo. Conforme Libâneo, para que o ensino funcionasse, deveriam serem criadas
condições para proporcionar a aprendizagem, pois, segundo essa concepção, “o ensino é um
processo de condicionamento através do uso de reforço das respostas que se quer obter”
(LIBÂNEO, 1990, p. 31).
A Escola Tecnicista, alicerçada sobre a teoria do capital humano, desenvolvida pelo
economista Theodore William Schultz, tinha como objetivo desenvolver na escola a mesma
lógica da empresa, como forma de tornar o ensino mais eficaz e produtivo. Os conteúdos
deveriam ser organizados fora da escola; o/a professor/a serviria como um elo entre o saber
científico e o/a estudante, compreendido como passivo no processo de aprendizagem. Com fins
instrucionais, a reflexão e/ou o debate eram vistos como desnecessários, pois a aprendizagem
deveria servir para ordenar sequencialmente a instrução pretendida (ARANHA, 1996).32
Em relação à população infantojuvenil, através da Lei nº 5.692/1971, foi estendida a
obrigatoriedade de frequentar o ensino escolar, que passou dos 12 para os 14 anos, mas apenas
para o cumprimento do ensino fundamental. O mesmo documento também propunha como
dever do ensino de 1º grau proporcionar a “formação da criança e do pré-adolescente”,
destinando-se o “2º grau à formação integral do adolescente”. Com a ampliação do tempo
escolar, buscava-se implementar uma nova concepção societária acerca da população
infantojuvenil. Assim, a população infantojuvenil teria prolongado o seu percurso da infância
até a vida adulta, com a introdução de mais uma fase da vida, a pré-adolescência. Isso

32
Importante destacar que o modelo tecnicista de ensino foi influenciado pelo pensamento de Herbert Spencer. O
referido intelectual contribuiu para o desenvolvimento das noções conceituais sobre o suposto “evolucionismo
social”. Spencer, ao interpretar os estudos do biólogo Charles Darwin, defendia que a teoria de Darwin poderia
ser aplicada na compreensão do desenvolvimento das sociedades, em especial das culturas. Essa concepção
contribuiu para o processo de construção de justificativas para a colonização da África no século XIX, e do
arianismo, que teve maior ênfase durante a Segunda Guerra Mundial.
50

significava que, tendo em vista os debates da Psicologia sobre o desenvolvimento cognitivo e


censório-motor, presentes na Lei nº 5.692/1971, o percurso institucionalizado da infância até à
adolescência deveria garantir a “qualificação para o trabalho e o preparo para o exercício
consciente da cidadania” (BRASIL, Lei nº 5.692, de 1971).
No Brasil, no início de 1970, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas (IBGE), 32% da população do país possuía entre 5 e 19 anos. Desse número,
19.693.089 pessoas tinham entre 7 e 14 anos de idade e passaram a ter o ensino escolar como
obrigatório. De acordo com a Lei nº 5.692/1971, o ensino escolar deveria proporcionar ao/à
estudante a possibilidade de galgar a denominada cidadania. Contudo, os discursos no campo
da educação direcionados à população infantojuvenil durante a ditadura militar ora pendiam
para a aquisição de direitos sociais, ora para o controle e o combate da considerada subversão.
Para compreender melhor esses enunciados, cabe refletir sobre os impactos de uma educação
voltada ao preparo da cidadania, conforme se demonstra a seguir.

1.1.2 Adolescentes e o futuro que está por vir: a cidadania como horizonte de expectativa
através da EMC e a OSPB

A cientista política Mara Tereza Aina Sadek escreve que “o processo de incorporação
de direitos estabelece o rol de componentes que definirão a igualdade, produzindo
consequências no cotidiano” (SADEK, 2012, p. 32). Assim, a ampliação da obrigatoriedade do
ensino escolar, mesmo que ainda não gratuito, mas obrigatório para todos/as, ainda que de
forma muito lenta proporcionaria a abertura de um processo de construção de igualdade social.
Para a autora, o ensino escolar “tem por objetivo um padrão mínimo de igualdade no que se
refere ao usufruto dos bens coletivos” (SADEK, 2012, p. 33). Por meio do ensino escolar, a
trajetória de adolescentes e jovens adquire novos rumos que provavelmente impossíveis de
serem experenciados.
Com base na Lei nº 5.692/1971, a possibilidade do usufruto da cidadania está entre essas
experiências. Ou seja, frequentar o ensino escolar garantiria a cidadania como algo inerente à
formação do estudante e condição para a sua passagem para a vida adulta. Sendo assim, em
relação ao ensino escolar, quais os limites impostos aos direitos de parte da população
infantojuvenil, conquistados até a década de 1970? De que forma, com base na Lei nº
5.692/1971, o enunciado dessa legislação reforça formas de exclusão de direitos à população
infantojuvenil?
51

Por mais contraditório que seja, em meio ao autoritarismo característico das ações dos
governantes da ditadura militar, a ampliação do acesso ao ensino garantiria a um número maior
de pessoas a possibilidade de frequentar os bancos escolares. Todavia, frequentar o ensino
escolar enquanto adolescente não era garantia de ser percebido/entendido como cidadão. Em
seu artigo primeiro, a Lei nº 5.692 afirmava o seguinte:
O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-
realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da
cidadania (BRASIL, Lei nº. 5.692, de 1971).

O documento inferia que os/as estudantes possuíam potencialidades naturais, cabendo


ao ensino escolar desenvolvê-las “como elemento de auto-realização”. Logo, qualificar para o
trabalho e preparar para o exercício consciente da cidadania, tarefas apontadas como
prioridades para fins educacionais, guardavam estreitas relações uma com o outra. Como
complementares, ambos os objetivos necessitavam de um redirecionamento curricular que
possibilitasse seu cumprimento. Neste sentido, o dever da escola em cumprir a “auto-
realização” dos/as estudantes extrapolou a finalidade do conhecimento científico de cada
disciplina, tendo em seu horizonte as subjetividades dos/as estudantes para garantir uma
capacidade propícia ao trabalho e aos valores da sociedade civil.
Visando alcançar os referidos objetivos, duas concepções do campo do político deram
sustentação ao artigo primeiro da referida lei. A primeira concepção entendia ser a cidadania
um processo alicerçado no devir. Ou seja, a cidadania contemplava um horizonte de
expectativas coletivas que só poderia, ser conseguidas por meio do ensino escolar. A segunda
concepção entendia, por sua vez, que o exercício da cidadania poderia ocorrer em regimes de
governo não democráticos. Ambas as concepções foram utilizadas pelos governantes brasileiros
na década de 1970 para não outorgar direitos, bem como para legitimar a continuidade e/ou a
construção de novas formas de exclusão social.
Como indicam o cientista social André Botelho e a historiadora Lilia Moritz Schwarcz,
é importante lembrar que a cidadania não é um conceito estável. Sua formulação passa por
transformações e varia conforme o projeto político adotado em cada Estado-Nação em
diferentes contextos, sendo necessária também a ação dos sujeitos no meio em que vivem. Para
os autores, “cidadania envolve modos de identificação intersubjetiva entre as pessoas e
sentimentos de pertencimento criados coletivamente em inúmeras mobilizações, confrontos e
negociações cotidianas, práticas e simbólicas” (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p. 11).
52

Durante as décadas de 1960 e de 1970, ocorreram importantes discussões nacionais e


internacionais na busca por uma maior garantia de direitos para a população infantojuvenil
(AREND, 2015; MIRANDA, 2018; COSSE, 2018). Com as definições do que é pertencer à
infância ou à adolescência ainda em trânsito, essas questões reverberaram, de alguma forma, na
construção da legislação educacional brasileira do período, principalmente pela tentativa de
seguir as prescrições da Constituição de 1967.33 Nestas discussões somava-se junto aos debates
sobre a ampliação do ensino escolar como forma de garantir melhorias na mão de obra mais
bem qualificada, principalmente no labor exercido por adolescentes e jovens.34 De certo modo,
a Lei nº 5.692/1971 se coaduna com essa perspectiva, pois estendeu até os 14 anos a idade
máxima da obrigatoriedade do ensino escolar. Contudo, não bastava apenas a lei; era necessário
construir alternativas para a manutenção dos/as estudantes na escola.
A educação escolar foi apresentada como um direito de todos/as no referido discurso
jurídico. A Lei nº 5.692/1971, voltada à educação escolar brasileira, preconizava a
universalização do ensino sob um discurso pautado na liberdade. O documento apoiou-se em
princípios do liberalismo, segundo o qual os ideais de liberdade correspondiam aos direitos
civis considerados inalienáveis. Entretanto, em um período ditatorial, o Estado brasileiro
poderia se isentar de garantir a efetivação desses direitos.
Em relação ao ensino escolar, com base nas legislações que versam sobre o ensino, a
considerada adolescência ainda não havia conquistado direitos plenos. De acordo com a

33
O Ato Institucional Número Quatro - AI-4 - foi baixado em 1966 pelo presidente general Humberto de Alencar
Castelo Branco e serviu como instrumento jurídico para obrigar a criação de uma nova constituição federal. A
Constituição de 1967, promulgada junto com as demais legislações emitidas desde 1964, deu legitimidade à
ditadura civil-militar. Importante lembrar também que, no ano seguinte, o Ato Institucional Número Cinco - AI-
5 -, emitido pelo presidente general Artur da Costa e Silva, suspendeu as garantias constitucionais em relação
aos direitos políticos e civis e legitimou, do ponto de vista jurídico, a perseguição, a prisão e a tortura das pessoas
consideradas subversivas. Na Carta Magna, no título “Da Família, da Educação e da Cultura”, em seu Artigo
176, afirmava o seguinte: “A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e
solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola” (BRASIL, Constituição
de 1967).
34
Conforme estudo de José Pacheco dos Santos Junior, em muitos países, na década de 1960, a juventude foi
considerada como um elo propulsor para o desenvolvimento. Coadunado com essa perspectiva, em países
considerados subdesenvolvidos, o trabalho infantil tinha êxito por conciliar interesses pela mão de obra barata e
em proporcionar a manutenção da desigualdade social. Segundo Junior, as legislações no campo do trabalho
infantojuvenil sofreram avanços e recuos. Com discussões internacionais sobre o trabalho infantil, comissões de
distintos países, em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho, realizaram importantes conferências
para que se fizessem tentativas para solucionar o problema. Contudo, mesmo com uma lenta abertura favorável
à proteção infantojuvenil, tinha-se a pretensão de regularização do trabalho infantil, levando em consideração o
desenvolvimento físico e psíquico, aliado à intenção de “proteger o trabalhador do amanhã”. Para Junior, “aliada
a esse fundamento, estava a recomendação para que houvesse, de fato, a disposição de oferecer a crianças e
jovens uma instrução mais sólida antes do ingresso no mercado de trabalho” (JUNIOR, 2021, p. 125). Neste
sentido, a extensão da obrigatoriedade do ensino escolar até os 14 anos de idade, sob a formação em “educar
para o trabalho”, tornar-se-ia uma aliada do pretenso desenvolvimento econômico do País, envolto em discursos
do ensino como garantia da cidadania.
53

legislação, a passagem da “pré-adolescência” para a adolescência estava marcada também por


um processo de ruptura com o ensino. Com a extensão da obrigatoriedade do ensino dos 12 aos
14 anos, quem não conseguisse concluir a 8ª série até essa idade não teria o direito garantido
por lei a uma vaga na escola, pois o Estado brasileiro garantia vaga apenas aos/as estudantes
que estivessem em idade escolar condizente dos 7 aos 14 anos. Ou seja, não poderia sofrer
reprovação ao longo do ensino fundamental. Caso contrário, perderia o direito à vaga, o que
abriria espaço para que o/a estudante fosse direcionado às turmas noturnas, destinadas à
formação de jovens e adultos.
Entende-se que os conteúdos da disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC)
procuravam garantir a autorrealização, como também contribuíam para firmar a ideia de que o
cidadão/ã poderia ser produzido/a na escola. A obrigatoriedade da disciplina EMC, de constar
nos currículos das escolas do Brasil, foi a única ação no campo do ensino desenvolvida
exclusivamente pelos setores militares.35 O Parecer nº. 94, de 4 de fevereiro de 1971,36 emitido
pelo Conselho Federal de Educação, foi o documento elaborado para prescrever os objetivos,
as metodologias e demais prescrições sobre a EMC. Quando elaborada a Lei nº. 5.692/1971, a
disciplina da EMC já se fazia presente no cotidiano escolar. A legislação reafirmou, então, os

35
No Estado Novo, o ministro da Educação, Gustavo Capanema, estabeleceu por meio do Decreto-lei nº 2.072, de
8 de março de 1940, a obrigatoriedade da disciplina “Educação Cívica, Moral e Física da Infância e da
Juventude”. A Organização Social e Política Brasileira (OSPB) foi criada durante o governo de João Goulart,
sob proposta apresentada no Conselho Federal de Educação, em 24 de abril de 1962, destinada ao ensino ginasial.
Essa disciplina tinha por finalidade apresentar para os/as estudantes o conhecimento sobre o Estado, direitos e
deveres do cidadão, e concepções sobre democracia, dentre outros, a partir do golpe ditatorial, quando a EMC e
o Decreto-Lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, a tornaram obrigatória. Já a OSPB foi reformulada e mantida
como disciplina obrigatória no ensino de segundo grau. Com a reformulação, o objetivo passou em ensinar sobre
a importância do Estado, a obediência a regras dentre outros temas que pudesse legitimar o autoritarismo
promovido pelo governo (MARTINS, 2014).
36
A versão utilizada para esta pesquisa foi publicada na obra: AGUIAR, José Márcio (Org.). CFE – Pareceres
Básicos; Reforma – ensino de 1º e 2º graus. Brasília: Mai Editora, 1975. V.1. Esse parecer foi composto por uma
comissão especial do CFE para atender às particularidades da disciplina de “Educação Moral e Cívica”. Por meio
desse parecer, é possível identificar a existência de diferentes discursos (médico, pedagógico, jurídico e religioso)
e quais os encaminhamentos que cada um apresentou ao ensino escolar. Como uma proposta a ser levado a cabo
em todas as instituições de ensino, o documento foi elaborado por: Raymundo Muniz de Aragão, como
presidente, com formação em Medicina; foi ministro da Educação e Cultura durante o governo de Castelo
Branco, de 30 de junho a 4 de outubro de 1966; diretor da Faculdade de Ciências Biológicas da UB (1962/1963);
diretor da Escola Nacional de Química (1963); presidente do Conselho Deliberativo da Capes e reitor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro de 1966 a 1969; d. Luciano José Cabral Duarte, relator; e, ainda, Esther
de Figueiredo Ferraz, advogada e professora, em 1982, foi a primeira mulher no Brasil a tornar-se ministra da
Educação; Maria Terezinha Tourinho Saraiva, professora da rede municipal do Rio de Janeiro, secretária
executiva adjunta do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral); secretária municipal de Educação do Rio
de Janeiro entre 1975-1979; em 1968, contribuiu para o desenvolvimento do Grupo de Trabalho Especial (GT),
em que desenvolveu o projeto “Operação-Escola”, que tinha como objetivo melhorar o desempenho e
acompanhar a frequência dos/as estudantes no ensino. Pe. José Vieira de Vasconcellos e Tarcísio Meirelles
Padilha, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e em Filosofia
pela Universidade Federal Fluminense (UFF), foi juiz do trabalho de 1957 a 1979 e professor universitário em
diferentes instituições, entre elas a Universidade Federal do Rio de Janeiro (CHAGAS, 1989; INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, s.d.; FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, s.d.; LIMA, 2013).
54

interesses dessa disciplina e a continuidade em seguir o Parecer nº. 94. Conforme o parecer, os
interesses da disciplina e sua continuidade deveriam ser atingidos por meio do:
Programa para o ensino Primário [...]

- ampliação do horizonte social da criança, fixando a sua posição como membro de


um grupo maior;
- Oportunidade de exercitar suas habilidades, hábitos e atitudes necessárias ao seu
futuro papel de cidadão.
Enfoque: Escola – suas relações com a comunidade. [...]

Programa para o Ensino Ginasial [...]

- preparo do cidadão para a obediência à lei, à fidelidade ao trabalho e à


integração na comunidade.
- estímulo e desenvolvimento das habilidades e atitudes necessárias a uma vivência
democrática” (BRASIL, Parecer nº. 94, de 1971, grifos do autor).

A distribuição dos objetivos da EMC sinaliza como as marcações da idade sobre a


infância e a adolescência foram utilizadas para a prescrição dos encaminhamentos teórico-
metodológicos para seguir a referida disciplina. Mas, por ter sido reforçado na Lei nº.
5.692/1971 que o Parecer nº. 94 precisava ser visto como um guia educacional para o
atendimento da nova legislação, ambos serviram como instrumento para legitimar as ações
pedagógicas que institucionalizariam o “caminhar” da população infantojuvenil para a suposta
obtenção da cidadania.
A proposição da ampliação do horizonte social da criança era indicativa da necessidade
do “preparo do cidadão para a obediência à lei, à fidelidade ao trabalho e à integração na
comunidade”. Essa divisão contribuiu para legitimar a concepção da vida adulta como o ápice
do desenvolvimento social e, ao mesmo tempo, para reforçar que, nessa transição das etapas da
vida, a escola era a encarregada pela difusão de valores morais sobre o trabalho e a obediência
aos ditames do Estado ditatorial. De maneira institucionalizada e autorizada, o ensino escolar
atuaria sobre a subjetividade dos/as estudantes para “formar o futuro da nação”, condizente com
os valores expostos pelos militares, e que, aparentemente, seria apresentado aos/as estudantes
como escolhas. Contudo, a relação entre trabalho, vida adulta e cidadania era constantemente
associada a sucesso.
O cientista político Luís Felipe Miguel, ao propor perceber como as ações políticas
interferem na “formação das preferências”, indica que a ideia de autonomia faz com que as
pessoas acreditem que tomam decisões a partir de seus próprios interesses. Contudo, conforme
o autor, a autonomia diz respeito ao resultado da interação das pessoas no meio em que vivem,
e de acordo com o que lhes tenha sido disponibilizado. Nessa interação, o Estado age como
mediador na formação das pessoas, atuando, segundo Miguel, com um “paternalismo
55

coercitivo”, com a imposição de valores e a limitação de condições. Logo, “a autonomia é


constrangida sobretudo pelas relações de dominação, que operam tanto sobre as possibilidades
de comportamento efetivo, quanto sobre os processos de formação das preferências”
(MIGUEL, 2015, p. 602). Nesse sentido, as condições de futuro endereçadas aos/as estudantes,
esteve condicionada ao percurso escolar e ao cumprimento das obrigações que lhes foram
apresentadas, e na visão de que a cidadania pautada no trabalho e no respeito às leis era de
fundamental importância nessa proposta educacional.
Desse modo, as expectativas construídas para o futuro dos/as estudantes esteve envolta
numa posição meritocrática, pois presumia a existência de uma responsabilidade moral frente
ao sucesso individual. Com a negação da existência da ditadura, poderiam exercer a cidadania
forjada pelo Estado ditatorial. Não obter o sucesso escolar em consequência da inconclusão dos
estudos contribuía sobremaneira para as diferentes exclusões sociais, fosse no campo do
político, fosse no do econômico.37 Diante desse quadro, cabe refletir como as marcações da
idade, em conjunto com a compreensão sobre a infância e a adolescência, que tendiam ora para
a exclusão ora para inclusão, foram utilizadas pela Lei 5.692/1971.

1.1.3 – O ensino escolar da infância até a adolescência: intersecções entre classe e idade.

Como visto, as definições sobre a infância e a adolescência ao longo do tempo, foram


se configurando e contribuíram para marcar a presença no ensino. Levar em consideração essas
marcações para a elaboração das legislações escolares contribuiu para direcionar o ensino que
cada grupo deveria receber, quando, em conjunto, as definições de gênero agiram ou foram
utilizadas para delimitar o percurso educacional de cada um. Nessa trajetória, durante o século
XX, a atenção às fases da vida se fez cada vez mais presente nos debates em conjunto com a
psicologia da aprendizagem.38
Para a educadora Mirian Jorge Warde, os estudos da psicologia da aprendizagem, no
Brasil, adentraram os espaços educacionais em conjunto com o Legislativo, com o objetivo de

37
Entre os direitos políticos, destaca-se o de votar e ser votado. No Brasil, desde antes da República, através da
Lei Saraiva, o Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881, proibia às pessoas sem instrução escolar de votar. Foi
apenas por meio da Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, que as pessoas não “alfabetizadas”
puderam votar.
38
Destaca-se Jean Piaget como um dos percursores. Para o autor, a aprendizagem é um processo contínuo, sendo
mais bem desenvolvida se pensada conforme o processo de desenvolvimento da pessoa em seus aspectos físicos,
cognitivos, motores, etc. Ao organizar as etapas do desenvolvimento da aprendizagem, Piaget afirma existirem
os seguintes períodos: “sensório-motor (de 0 a 2 anos); pré-operatório (de 2 a 7 anos); das operações concretas
(de 7 a 11/12 anos) e das operações formais (de 12 anos em diante)” (PIAGET, 1978, p. 82-83).
56

resolver problemas de ensino, principalmente sobre os índices de reprovação. Para a autora,


“foi sob o impacto dos problemas de ensino-aprendizagem que a psicologia foi obrigada a
prestar atenção à fase primeira do desenvolvimento humano” (WARDE, 2011 p. 325). Como
resposta a esses e a outros problemas, foram criados “jardins de infância” e escolas com a
finalidade de amparar a infância, bem como para proporcionar um ensino escolar condizente
com as diferenças na idade e as expectativas construídas para a vida adulta.
Sob a influência dos discursos pedagógico, psicólogo e jurídico, a Lei nº. 5.692/1971
instituía um modelo de ensino pautado nas diferenças etárias, associadas ao desenvolvimento
da aprendizagem. De acordo com essa lei:
Art. 17. O ensino de 1º grau destina-se à formação da criança e do pré-adolescente,
variando em conteúdo e métodos segundo as fases de desenvolvimento dos
alunos.
Art. 18. O ensino de 1º grau terá a duração de oito anos letivos e compreenderá,
anualmente, pelo menos 720 horas de atividades.
Art. 19. Para o ingresso no ensino de 1º grau, deverá o aluno ter a idade mínima de
sete anos.
§ 1º As normas de cada sistema disporão sôbre a possibilidade de ingresso no
ensino de primeiro grau de alunos com menos de sete anos de idade.
§ 2º Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a
sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de
infância e instituições equivalentes.
Art. 20. O ensino de 1º grau será obrigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo aos
Municípios promover, anualmente, o levantamento da população que alcance a
idade escolar e proceder à sua chamada para matrícula.
Parágrafo único. Nos Estados, no Distrito Federal, nos Territórios e nos
Municípios, deverá a administração do ensino fiscalizar o cumprimento da
obrigatoriedade escolar e incentivar a freqüência dos alunos” (BRASIL, Lei nº.
5.692, de 1971; grifos nossos).

Desse modo, a atenção ao ensino escolar, desde a primeira infância, foi tomando espaço
nas legislações educacionais. Se, no início, o intuito do ensino nos jardins de infância se
destinava aos/as filhos/a da população abastada, passou, gradativamente, a integrar um direito
conquistado, que, oscilava entre o acesso ao atendimento especializado e/ou para as mães, como
um espaço para acolhimento de crianças para as mulheres terem onde deixar os/as filhos/as para
poderem trabalhar.39

39
Como destaca Ariès, essas instituições, que no século XIX e início do XX recebiam os/as filhos de famílias
abastadas com a finalidade de educar as crianças, contribuiu para a construção de uma representação social da
infância “pura” e “ingênua” (ARIÈS, 1960). Pesquisa recente da História da Educação informa que o Jardim de
Infância Emília Erichsen, fundado em 1862, na localidade de Castro, situada no estado do Paraná, por Emília
Erichsen, foi a primeira instituição do Brasil destinada ao ensino escolar para meninos e meninas com idade
inferior aos sete anos. Emília Erichsen, nascida em 1817, originária de família pertencente às elites de Recife,
não teve formação acadêmica, mas sua escolarização lhe permitiu acesso a outros idiomas, e seu domínio. Fator
esse que contribuiu para seu casamento com Conrado Erichsen, oficial da marinha dinamarquesa, que, em visita
ao Brasil, conheceu Emília. Na Dinamarca, Emília teve acesso aos estudos de Friedrich Fröbel, pedagogo
alemão. Em 1844, o naufrágio do navio que trazia a família Erichsen ao Brasil fez com que estes perdessem parte
de sua fortuna. Como forma de contribuir para a renda da família, Emília passou a ensinar língua estrangeira a
algumas mulheres da cidade de Castro, sendo então reconhecida como professora. Com o objetivo de ampliar
57

Na Lei nº. 4.024/1961, por exemplo, o Art. 30 indicava ter-se tornado obrigatório para
o trabalhador, caso fosse pai, apresentar comprovação de matrícula escolar de seus/as filhos/.
Conforme o documento:
Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprêgo em sociedade de
economia mista ou emprêsa concessionária de serviço público o pai de família ou
responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta, em
estabelecimento de ensino, ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar
(BRASIL, Lei nº. 4.024, de 1961; grifos do autor).

Assim, essa obrigação garantiria tanto o acesso da população infantojuvenil ao ensino


escolar, o que, de certo modo, contribuiria para afastar esse público do exercício de atividades
laborais, como sustentava o ponto de vista jurídico pelo pátrio poder. A Lei nº. 5.692/1971
manteve o artigo da legislação anterior.
Por meio do ensino obrigatório, com duração de oito anos letivos, a legislação estipulou
até onde competia ao Estado brasileiro a responsabilidade para com o público em idade escolar.
Ao classificar quem deveria frequentar o ensino escolar, o Art. 20º da Lei nº. 5.692/1971
informava que cabia aos “municípios promover, anualmente, o levantamento da população que
alcançasse a idade escolar e proceder à sua chamada para matrícula”. Tinha-se, então, um
acordo firmado entre o poder federal e o municipal com vistas ao processo de gerir a população
infantojuvenil em relação a esse tema.
Com base na distribuição etária, em relação ao ensino para a população infantil menor
de 7 anos, a partir da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), instituída em 1943, durante o
governo de Getúlio Vargas, mostra uma possível tentativa dos governantes brasileiros em
atender pautas que demostravam preocupações com a primeira infância. Nesse processo, são
nítidas as marcações de gênero, classe social e idade, pois a prioridade das “creches” e/ou
“maternidades” era de garantir a continuidade do trabalho produtivo fora do espaço doméstico,
realizado pelas mulheres que tinham filhos/as e que não se encontravam em “idade escolar”.
Na Lei nº. 5.692/1971, faz-se a menção a esse processo que demandaria do Estado
brasileiro, no período, massivos investimentos na área da educação. Todavia, a legislação não
aponta as matrículas para a primeira infância como obrigatórias. As famílias em condições
econômicas de pagar a mensalidade de um “jardim de infância” podiam colocar seus filhos e
filhas na 1˚ série, o que lhes permitiria um maior cabedal de conhecimentos.40

seu público, passou a ministrar aulas a partir dos ensinamentos do método pedagógico de Fröbel para as crianças
(LÖSSNITZ, 2006).
40
Em relação aos/as filhos dos/as trabalhadores/as, tanto a Lei 4.024/1961 como a Lei 5.692/1971, com
aproximações ao discurso jurídico apresentado pela CLT, tratam de forma semelhante da educação para a
infância com idade inferior a sete anos. A Lei 5.692/1971, no Artigo 61, afirmava que “os sistemas de ensino
estimularão as emprêsas que tenham em seus serviços mães de menores de sete anos a organizar e manter,
58

Esse quadro começou a se alterar ao longo da década de 1970, em função dos debates
internacionais sobre “os direitos da criança”, tais como os promovidos pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef),41 e pelas reivindicações do movimento feminista, como o
“Movimento de Luta por Creches”, em 1979.42
Para o educador Moysés Kuhlmann Junior, as instituições de educação, nesse processo
infantil, “precisariam transitar de um direito da família ou da mãe para se tornarem um direito
da criança” (KUHLMANN JUNIOR, 2000, p. 12). Tendo em vista esse cenário, compreende-
se que meninos e meninas com idade inferior aos sete anos tiveram na mencionada legislação
foram reconhecidos como pertencentes a um grupo social que ainda estava em processo de
desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. Mas esse mesmo discurso possivelmente fez os
legisladores (conjuntamente com argumentos de cunho econômicos) recuarem na questão da
garantia do direito à educação.
Ao analisar a Lei nº. 5.692/1971, observa-se que a distribuição do ensino escolar esteve
apoiada em estudos da Psicologia da Educação, principalmente na tentativa de oportunizar um
ensino condizente para atender à distinção entre “criança, pré-adolescente e adolescente”, como
por ter levado em consideração essa distribuição para direcionar os encaminhamentos para cada
fase. Sem se limitar a distinções com base na diferença etária, essa distribuição demonstra todo
um conjunto de tratamento diversificado sobre as variadas fases da vida, mas, acima de tudo,
mostra que cada grupo deveria receber a educação escolar com base nas diferenças, fossem elas
corporais – desenvolvimento – ou sustentadas nas expectativas construídas para cada uma delas.
Neste sentido, a adesão de uma nova fase da vida, no âmbito legislativo, expressa tanto a
compreensão de que esse grupo, dos 12 aos 14 anos, mesmo com um ensino direcionado para
a “sondagem de aptidões”, passaria a ter direito ao ensino escolar, como agiria para tardar a
entrada no mercado de trabalho e aumentar a dependência econômica dos/as estudantes.43

diretamente ou em cooperação, inclusive com o Poder Público, educação que preceda o ensino de 1º grau”
(BRASIL, Lei nº. 5.692, de 1971). Ou seja, o acesso às creches se limitou ao investimento privado como meio
de melhorar a produtividade, não como uma conquista de direito para a infância.
41
Desde 1965, o Unicef desenvolvia ações na América Latina, com vistas à criação de creches (GUIMARÃES,
2017, p. 113).
42
Diante de reinvindicações por vagas em creches, em 1974, foi criado o Projeto Casulo, vinculado à Legião
Brasileira de Assistência (LBA). As unidades de atendimento do Projeto Casulo atendiam à primeira infância de
quatro a oito horas diárias. As crianças, nessas instituições, realizavam atividades educacionais correspondentes
a cada faixa etária. No início da década de 1980, documentos elaborados por conselheiros da LBA ou do
Ministério da Educação, visando melhorar o rendimento no ensino primário, passaram a orientar a educação pré-
escolar nas instituições destinadas à infância de 0 a 6 anos (GUIMARÃES, 2017) (JUNIOR, 2000).
43
Entendo que esse prolongamento do ensino escolar também fazia parte dos debates internacionais para a idade
mínima do casamento, principalmente como tentativa de induzir o Brasil a combater o casamento precoce, em
especial de meninas. Tais como a Convenção sobre Consentimento para Casamento, exposto pelo Decreto nº
66.605, de 20 de maio de 1970, assinado pelo presidente general Emílio Garrastazu Médici e por de Mário
Gibson Alves Barboza, ministro das Relações Exteriores entre 1969 e 1974. Essa legislação estipulava que cada
59

Contudo, esse preceito continuaria distante da população pobre, junto à qual era comum
crianças trabalharem desde a tenra idade.44
Entende-se, pela Lei nº. 5.692/1971, que a infância correspondia ao período dos quatro
anos iniciais destinados ao cumprimento do ensino primário. Já o “pré-adolescente” era o
menino ou a menina que, aos 11 anos, ingressaria na segunda etapa do ensino escolar - 5º, 6º,
7º e 8º séries. Nessa classificação, o pré-adolescente era caracterizado como o/a que “escapado”
da infância e já possuía determinado desenvolvimento cognitivo. Os discursos proferidos no
âmbito jurídico de então estendiam a garantia de direitos a um público que estava na passagem
para a adolescência.
Em relação ao adolescente, a Lei nº. 5.692/1971 determinava que o ensino escolar seria
obrigatório e gratuito45 dos 7 aos 14 anos. Segundo a legislação, diante dessa delimitação etária,
quando a pessoa chegasse à adolescência não teria mais a obrigação de frequentar a escola. Por
outro lado, os representantes do Estado brasileiro não precisavam subvencionar, em termos
econômicos, o ensino escolar da população de mais de 14 anos, que, possivelmente, ingressaria
no ensino médio. A subvenção ao ensino médio aconteceria somente nos casos dos/as
estudantes que provassem “falta ou insuficiência de recursos” e não tivessem “repetido mais de
um ano letivo ou estudos correspondentes no regime de matrícula por disciplinas” (BRASIL,
Lei nº. 5.692, de 1971). Nesse momento e nessas condições é que se passavam recursos
financeiros às escolas privadas. Eram pontos que contribuíam para o investimento e a ampliação
do setor privado.

unidade federativa deveria definir a idade mínima para a autorização do casamento. Essa legislação alterava o
Código Civil de 1916, que, no artigo 1.517, afirmava que “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar,
exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade
civil”. O mencionado decreto foi construído sob influência de debates internacionais sobre a idade do casamento.
A Assembleia Geral das Nações Unidas debatera o tema, produzindo normativa internacional aprovada em 17
de dezembro de 1954, e afirmava que “certos costumes, antigas leis e práticas referentes ao matrimônio e à
família são incompatíveis com os princípios enunciados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal
de Direitos Humanos” (ONU apud BRASIL, Decreto nº 66.605, de 1970). O referido decreto visava coibir o
casamento realizado na infância, na época ainda bastante frequente no Brasil. Entendemos que, ao não ter
definido uma idade mínima em nível nacional para a conceção do casamento, o Estado brasileiro abriu mão de
um debate efetivo em relação ao “casamento infantil”, que, na maioria das vezes, provocava graves prejuízos à
escolarização de meninas e meninos.
44
Cf.: AREND, Sílvia Maria Fávero. Meninas. Trabalho, escola e lazer. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO,
Joana Maria. (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2012, v. 1, p.
65-83.
45
De acordo com a Lei 5.692/1971, apenas os municípios tinham a obrigatoriedade de investir, “pelo menos 20%
da receita tributária municipal no ensino de 1º grau”. A legislação não estabeleceu o montante de recursos que a
União e os estados deveriam destinar à educação. Diante da não gratuidade e do não investimento, as instituições
escolares públicas de segundo grau cobravam taxas de matrícula e, em alguns casos, mensalidade. A cobrança
dessas taxas contribuía para a manutenção da exclusão social, pois dificultava ainda mais o acesso ao ensino
escolar pela população mais pobre.
60

Mesmo que muitas instituições escolares privadas se tivessem beneficiado com esse
repasse financeiro público, ao longo da década, a exigência da oferta do ensino de caráter
técnico forçou o investimento em laboratórios e equipamentos, em geral de custo alto (MOTTA,
2014).
De acordo com Lei nº. 5.692/1971, o fato de o/a discente de ambos os sexos não
apresentar desempenho escolar satisfatório e tivesse sido reprovado no ano letivo era utilizado
como argumento, prescrito na lei, para recusar o direito ao ensino escolar gratuito no ensino
médio. É importante lembrar que o modelo tecnicista, entre suas recomendações
metodológicas, visava à modelagem dos/as estudantes por meio da repetição de exercícios.
Chegar aos 14 anos e estar no ensino fundamental com a possibilidade de não o concluir
tornava-se um agravante para afastar os/as estudantes da escola e voltá-los para o mundo do
trabalho. Dadas as circunstâncias da valorização do percurso escolar, não teriam concluído o
ensino nem recebido a qualificação profissional.46 Ou seja, um direito limitado entorno da faixa
etária para quem estivesse experienciando a pré-adolescência.
A atenção para com a formação do/a adolescente limitava-se ao que dispunha o Capítulo
III, referente ao ensino de 2º grau, em que se lia:

Art. 21. O ensino de 2º grau destina-se à formação integral do adolescente.


Parágrafo único. Para ingresso no ensino de 2º grau, exigir-se-á a conclusão do ensino
de 1º grau ou de estudos equivalentes.
Art. 22. O ensino de 2º grau terá três ou quatro séries anuais, conforme previsto
para cada habilitação, compreendendo, pelo menos, 2.200 ou 2.900 horas de trabalho
escolar efetivo, respectivamente.
Parágrafo único. Mediante aprovação dos respectivos Conselhos de Educação, os
sistemas de ensino poderão admitir que, no regime de matrícula por disciplina, o
aluno possa concluir em dois anos no mínimo, e cinco no máximo, os estudos
correspondentes a três séries da escola de 2º grau.
Art. 23. Observado o que sôbre o assunto conste da legislação própria:
a) a conclusão da 3ª série do ensino de 2º grau, ou do correspondente no regime
de matrícula por disciplinas, habilitará ao prosseguimento de estudos em grau
superior;
b) os estudos correspondentes à 4ª série do ensino de 2° grau poderão, quando
equivalentes, ser aproveitados em curso superior da mesma área ou de áreas afins
(BRASIL, Lei nº. 5.692, de 1971; grifos nossos).

46
Em função do “abismo” entre a legislação e o que sucedia na sociedade, outras ações foram desenvolvidas para
atender à população que não conseguiu acompanhar o ensino escolar conforme a idade estipulada como correta.
Entre estas, destaca-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), instituído pelo Decreto nº 62.455, de
22 de março de 1968. Essa modalidade foi implementada como uma alternativa para atender a “adolescentes e
adultos até 30 anos” que estavam fora da “idade escolar”. A faixa etária tornou-se, então, um marcador que se
modifica conforme a posição social ocupada. Contudo, essa proposta educacional contou com forte posição
ideológica, principalmente como oposição ao método de ensino de Paulo Freire. O Mobral pouco contribuiu para
o desenvolvimento do pensamento crítico e esteve restrito à instrução funcional (PAULA; ZALUSKI, 2020).
61

Objetivando a “formação integral do adolescente”, a Lei nº. 5.692/1971 reforçava que,


nesse período da vida, os/as estudantes deveriam receber uma educação escolar propícia para
desempenhar de forma satisfatória as relações sociais no âmbito da família (ser dona de casa,
ser provedor, etc.) e no ambiente de trabalho. Concluir o ensino médio significava, então, para
as pessoas, a possibilidade de ingresso na fase adulta e, acima de tudo, estarem aptos/as para
experenciar a cidadania.
Por ser compulsório o ensino de caráter técnico nas séries do ensino médio, a
“qualificação profissional” era apresentada como a única alternativa para as pessoas. De acordo
com a Lei nº. 5.692/1971, ao sair da pré-adolescência, os/as estudantes de ambos os sexos
deveriam começar a galgar uma profissão, fosse para trabalhar em diferentes ramos,
principalmente os criados em função da modernização na década de 1970, fosse para integrar
um mercado consumidor. É importante frisar que a CLT permitia o considerado trabalho
infantojuvenil a partir dos 14 anos de idade, na condição de aprendiz.
Por outro lado, ao mesmo tempo que a Lei nº. 5.692/1971 informava que tipo de
adolescência Estado brasileiro almejava, no período, constituindo, por isso, motivo de
intervenção, a legislação, por outro lado, também contribuiu para indicar o tipo “adolescência”
indesejada. Nessa época, dois discursos, concomitantes, balizavam as concepções de uma
adolescência não almejada. O primeiro, o da adolescência considerada como subversiva no
campo da atuação política (estudantes comunistas, socialistas, feministas, etc.). O segundo era
baseado no ideário do “menor como infrator”, cuja situação de vulnerabilidade social
proporcionaria a entrada do público infantojuvenil no crime. Em ambos os casos, diante de uma
expectativa de futuro, o Estado brasileiro buscou administrar a formação educacional dos/as
adolescentes: uma governabilidade da população arraigada em valores morais, sustentada pelos
ditames da ditadura militar.
Nesse cenário, entrar na adolescência estava associado a dois caminhos. Um, apoiado
pelo ensino escolar e a qualificação profissional, com possíveis chances de ingressar no ensino
superior. Outro, não obter sucesso educacional e adentrar o mercado de trabalho. Com a
idealização da cidadania em marcha, em ambos os percursos se deveriam adotar as regras, as
normas e os valores do regime autoritário; caso contrário, estariam a sob a mira de outro tipo
de política educacional. 47

47
Criada em 1964, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) foi responsável pela política de
atendimento aos considerados menores “abandonados” e os “infratores”. A família ganhou centralidade nos
discursos proferidos pela Funabem, sendo apontada como uma das principais instituições responsáveis pelo
futuro da infância e juventude brasileiras. As autoridades dos juizados de menores poderiam intervir nas relações
sociais que ocorriam no interior da família, ou, conforme o caso, retirar a guarda dos/as filhos/as de seus pais ou
62

A Lei nº. 5.692/1971 apresentou subsídios gerais para a educação escolar da população
infantojuvenil. Em compasso com o projeto desenvolvimentista da época, apoiado em valores
morais, propunha uma política de intervenção, em que seriam utilizadas as concepções sobre a
infância e adolescência como norteadoras de um projeto de governo segundo o qual não bastava
escolarizar as pessoas, mas era preciso estabelecer “o lugar de cada um”. Assim, o ensino
escolar tanto auxiliou para (re)afirmar que infâncias e adolescências eram aceitas, a partir da
projeção de futuro, quanto contribuiu para criar expectativas para serem vivenciadas na vida
adulta, principalmente nas relações de trabalho. Neste sentido, cabe refletir sobre os
encaminhamentos da Lei nº. 5.692/1971 para atender à formação para o trabalho.

1.2 – Adolescentes e projeto de nação: normativas nacionais para o desenvolvimento


educacional

A Lei nº. 5.692/1971, de forma geral, apenas estabeleceu as obrigatoriedades a serem


cumpridas no ensino escolar brasileiro. Informou os objetivos do ensino, a divisão dos grupos
de 1º e 2º grau com base na distinção etária, na carga horária e nos dias letivos que tinham como
objetivo proporcionar o desenvolvimento de “potencialidades como elemento de auto-
realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”
(BRASIL, Lei nº. 5.692, de 1971). Esses três pilares exemplificam os interesses da Lei nº.
5.692/1971, atribuídos ao ensino, e as expectativas direcionadas aos/as estudantes.
Cabe destacar que nessa proposta existiram continuidades, rupturas e reconfigurações
de concepções pedagógicas já desenvolvidas no Brasil. Diante da Lei nº. 5.692/1971, a função
da escola foi apontada como forma de reforçar as relações sociais sustentadas pelo sistema
capitalista. Neste sentido, nas instituições escolares imersas em disputas e contestações em
diferentes níveis (federal, estadual e municipal), o currículo desenvolvido nas escolas deveria
ser sustentado por concepções liberais, segundo a lógica da produtividade.
Pelo interesse em qualificar para o trabalho, na tentativa de que em um futuro próximo
os/as estudantes desempenhassem um trabalho qualificado e estivessem autorrealizados/as,
tanto como cidadãos/ãs, quanto profissionalmente, as exigências da nova legislação precisavam
de maiores encaminhamentos.

parentes e encaminhá-los/as para espaços de privação de liberdade. Contudo, essa política de intervenção junto
à infância e à juventude atuou de modo a reforçar as desigualdades existentes, principalmente em relação à
população pobre (MIRANDA, 2018; DAMINELLI, 2019).
63

Como forma de melhor orientar para a efetivação da legislação, a equipe do Conselho


Federal de Educação (CFE), composta praticamente pelo mesmo grupo de trabalho formado
para a elaboração da Lei nº. 5.692/1971, tendo Maria Terezinha Tourinho Saraiva como
relatora, desenvolveu os seguintes pareceres: Parecer nº. 853/71, de 12 de novembro de 1971,48
que estabeleceu as normativas para o núcleo comum – para todo o território nacional - dos
currículos de 1º e 2º grau;49 Parecer nº. 45/72, de 12 de janeiro de 1972, sobre a qualificação
para no trabalho de 2ª grau e o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional; Parecer
nº. 339/72, de 3 de abril de 1972, que dispunha sobre a significação da parte de formação
especial do currículo de ensino de 1º grau e Parecer n° 346/72, de 6 de abril de 197250, para
atender à formação do magistério em 1º grau e habilitação específica de 2°grau.
Estes pareceres circularam nas instituições de ensino em diferentes formatos. Além da
forma datilografada, bastante comum na época, juntamente com a Lei 4.024/1961 e a Lei
5.692/1971, os referidos documentos foram compilados e publicados em formato livro. Entre
as publicações, destaca-se a da Editora Expressa e Cultura, que possuía convênio com o
Instituto Nacional do Livro e o MEC. Foi essa a publicação que circulou no estado do Paraná
durante o período em estudo. A distribuição desse material às instituições de ensino
demonstrava a importância atribuída aos pareceres, além de mostrar ser uma das formas
utilizadas para garantir que eles se tornariam um guia para desenvolver uma proposta curricular
unificada em todo o país.
É importante destacar que os pareceres apresentavam discursos pedagógicos. Todavia,
esses documentos, apesar de desenvolvidos por pedagogos/as, à exceção do padre José Maria
de Vasconcelos,51 líder do grupo de trabalho, mostra a aproximação da religião52 com o projeto
educacional desenvolvido.
Ao investigar os pareceres, nota-se que discursos de cunho religioso também
sustentaram a preparação de documentos oficiais do Estado destinados à educação escolar. Essa

48
A equipe de redação desse parecer do Conselho Federal de Educação era composta por: Maria Terezinha
Tourinho Saraiva; Esther Ferraz; Vicente Sobrinho Pôrto; Lena Castello Branco; Nair Fortes Abu-Merhy e
Arlindo Lopes Correa.
49
A base nacional consistia nas disciplinas de Comunicação e Expressão – Língua Portuguesa; Língua Estrangeira
Moderna (2º grau); Educação Artística; Educação Física; Ciências – Matemática, Física, Química, Biologia;
Programas de Saúde; Estudos Sociais – Geografia, História; Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e
Educação Moral e Cívica.
50
Durante a redação dos pareceres n° 45/72 e 339/72 e n°346/72, a equipe do Conselho Federal de Educação era
composta por: Padre José Vieira de Vasconsellos - como presidente do CFE; Paulo Nathanael Pereira de
Souza; Valnir Chagas; Maria Terezinha Tourinho Saraiva e Edília Coelho Garcia.
51
Em 1974, tornou-se bacharel em Filosofia pela Faculdade Estadual em Fortaleza; também foi professor na
Universidade Nacional de Brasília (UnB).
52
O padre José Maria de Vasconcelos pertencia à Congregação Salesiana. Essa congregação tinha como missão
atender aos/às jovens, principalmente àqueles/as em vulnerabilidade social.
64

aproximação influenciou o processo de elaboração das normativas para o ensino, ou seja, o


Parecer nº. 45/72.53
Conforme as ideias expressas nesse documento, a reforma educacional, proposta pela
Lei nº. 5.692/1971, apresentou uma ruptura com modelos educacionais anteriores,
principalmente em relação à obrigatoriedade do ensino profissional (compulsório) e à
preocupação da época em possuir uma qualificação técnica. Entretanto, as inquietações
levantadas não se limitaram ao ensino técnico. No primeiro tópico, “Tecnologia versus
Humanismo”, ao promover uma interrogação se, a partir dessa legislação, o ensino iria causar
a rivalidade entre os dois “campos de estudo”, o documento mencionava o seguinte:
A nova lei tem, pois, na insistência por uma educação mais técnica uma de suas
notas dominantes. Significa esta premissa ruptura com as tradições educacionais
cristãs do Brasil? Uma antinomia entre tecnologia e humanismo? Reduz o sentido
formador e a substância espiritualista do trabalho do educador? Tende a fazer do
aluno peça de uma máquina maior a serviço do desenvolvimento (tomado apenas
em sentido material) do País? (BRASIL. PARECER Nº. 45/72, 1972, p. 3; grifos do
autor).

Nesse parecer, o projeto modernizador proposto pela Lei nº. 5.692/1971 foi confrontado
por colocar sob suspeita antigos valores que deveriam ser preservados. Na intersecção temporal,
a proposta de ensino está entre o passado, apontado pelo grupo de trabalho, como uma tradição
cristã, e o presente, como a insistência em desenvolver-se como uma educação tecnológica para
a modernização. Tal posicionamento faz referência a experiências pedagógicas assumidas ao
longo do século XX no Brasil, que foram associadas como uma prática religiosa. A transição
para o novo modelo deveria reforçar esses valores. Essa preocupação foi reforçada pelo
questionamento provocado: “Não tenderia a proposta de ensino fazer do aluno peça de uma
máquina maior a serviço do desenvolvimento?”.
Assim, a desconfiança de que no novo modelo de ensino, sustentado por um currículo
tecnológico, a suposta formação para “aluno máquina” mostra rupturas que marcam a história
da educação, como igualmente mostra que a educação escolar nesse novo contexto deveria
acompanhar o projeto de desenvolvimento econômico e social brasileiro, que vinha sendo
colocado em prática. Ou seja, nessa proposta, os saberes científicos deveriam ser incorporados
para o desenvolvimento técnico, mas, com a devida atenção, manter o vínculo com os debates
oriundos do campo religioso.

53
A composição do documento foi distribuída por sete tópicos para aprofundamento: 1- Tecnologia versus
humanismo?; 2 – Educação geral e formação especial; 3 – As Habilitações profissionais; 4 – Formação, em nível
de 2º Graus, para o magistério; 5 – Os objetivos; 6 – Normas para o sistema Federal e 7 – Os “mínimos exigidos”
(PARECER nº. 45/72, 1972).
65

Os historiadores/as André Chervel e Marie-Madeleine Compère, ao investigar o


desenvolvimento do ensino escolar europeu no século XVI, mostram que o humanismo
constituiu elemento base para a formação escolar interessada em “uma educação estética,
retórica, mas também, e igualmente, moral e cívica”. Nesse processo, foram valorizadas as
culturas clássicas da antiguidade e adaptadas para atender às demandas do cristianismo. Em um
processo excludente, o ensino desses conteúdos contribuiu para a produção da distinção social
no que tange à burguesia. Já no século XX, após a Primeira Guerra Mundial, a incorporação de
debates sobre o currículo contribuiu para repensar o humanismo no ensino, principalmente o
ensino das línguas clássicas, consideradas obsoletas para a época. Isso fez com que as
disciplinas escolares passassem por uma reconfiguração para atender aos interesses da época
(CHERVEL; COMPÈRE, 1999).
É importante destacar que distintas concepções sobre o humanismo estiveram presentes
nos projetos educacionais ao longo do século XX, no Brasil. Em 1942, Gustavo Capanema, no
Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, sobre a Lei Orgânica do Ensino Secundário,
interessado em manter “o rumo das organizações políticas, o rumo da ordem em todos os
terrenos da vida social”, informou que tais questões deveriam ser contempladas, no ensino,
“quando a adolescência estiver adiantada”. Ou seja, quando os/as estudantes estivessem em
outro momento da vida, ao qual se poderiam fazer exigências para a participação social. A
respeito dessas questões escrevia Capanema: “A formação da compreensão do valor e do
destino do homem é finalidade de natureza específica do ensino secundário” (1942).
Como um destino natural a ser seguido pelos/as estudantes, a posição assumida sobre o
humanismo mostra uma sólida preocupação com referência ao patriotismo. No mesmo
documento, Capanema expôs que, a respeito do ensino secundário, ser “sua função de formar
nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades
antigas e das humanidades modernas, e bem assim, de nêles acentuar e elevar a consciência
patriótica e a consciência humanística (CAPANEMA, 1942). Prosseguia: “Por mais que esteja
o nosso país voltado para a modernidade e para o futuro”, não seria possível desvincular o
passado por completo. Como um processo em movimento, o ensino escolar deveria estar atento
às questões do presente e aos ditames do desenvolvimento. Nessa proposta, as humanidades, na
organização curricular, deveriam comtemplar os estudos das línguas clássicas juntamente com
as línguas modernas, como o alemão e o italiano, por exemplo.54

54
Importante destacar que, nesse momento, o país vivenciava a “nacionalização do ensino” e, com o Decreto-lei
1.545, de 25 de agosto de 1939, proibia o ensino de outra língua diferente da Língua Portuguesa (KREUTZ;
MALIKOSKI, 2015).
66

No início da década de 1960, as políticas educacionais, sob um viés democrático,


almejaram, por meio do ensino escolar, proporcionar melhores condições sociais à população.
As concepções do humanismo cristão55 estiveram presentes na elaboração da Lei 4.024/1961,
e nas propostas educacionais da pedagogia da libertação, desenvolvida pelo pedagogo Paulo
Freire.56 A Lei 4.024/1961 apresentou que a educação nacional foi “inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana”. Contudo, foi a partir dessa legislação que se
intensificou a modificação para a construção de uma proposta curricular com maior referência
à tecnologia. Segundo a Lei nº. 4.024/1961, a educação deveria proporcionar “o preparo do
indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes
permitissem utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio” (BRASIL, Lei nº.
4.024, de 1961). Assim, a proposta do ensino escolar passava a intensificar a relação do ensino,
o desenvolvimento econômico e a formação de futuros trabalhadores. Contudo, manteve-se a
liberdade na formação curricular ou em seguir a formação técnica.
Na década de 1970, no Parecer nº. 45/72, a menção ao humanismo tinha em vista que o
ensino escolar permitisse que “o homem” contribuísse para o desenvolvimento pessoal e social.
Uma consonância com os interesses da “auto-realização”. Segundo o documento, a educação
escolar deveria considerar a “preocupação do cristianismo de fazer da pessoa humana o centro
do mundo” como um processo gradativo até chegar à “humanidade inteira”. Tal proposição
assume que, “sob este ângulo, o cristianismo é humanista”. Assim, segundo o documento, o
ensino técnico não deveria se restringir ao desenvolvimento econômico.

55
É importante destacar que o humanismo buscou novas interpretações a partir do estudo dos filósofos da
antiguidade, principalmente sobre Sócrates, Platão e Aristóteles. O pensamento filosófico foi reconhecido como
um saber científico. A Filosofia da Educação é um campo da filosofia que se desenvolveu durante a modernidade
(século XV). A filosofia da educação buscava estabelecer distintas perspectivas de fundamentação e críticas às
práticas pedagógicas (GHIRALDELLI JR, 2006). A lógica do pensamento humanista consiste na centralidade
do “homem” e no aprimoramento de suas “capacidades”, juntamente com o raciocínio e a cientificidade. Como
um processo dinâmico, ao longo do tempo, foram desenvolvidas distintas correntes de pensamento humanista.
Entre elas, o Humanismo Existencialista, o Humanismo Cristão e o Humanismo Marxista. Em diferentes
contextos históricos, cada uma influenciou o campo de estudos da Filosofia da Educação, responsável pelos
estudos de métodos de ensino, aprendizagem, elaboração curricular com base nos estudos filosóficos. Na visão
antropológica, o tempo e o espaço passaram a ser vistos como fundamentais para a compreensão dos seres
humanos. Assim, tanto os seres humanos como as relações sociais passaram a ser percebidas em suas
características históricas. Essas observações atingiram fortemente o desenvolvimento de políticas educacionais,
que buscaram atribuir atenção para “o ponto de vista dos aspectos sociais, políticos e econômicos, pois já não é
mais possível superar as contradições que impedem a libertação dos seres humanos” (MENDONÇA, 2006, p.
27).
56
Paulo Freire contribuiu para a implementação do Plano Nacional de Alfabetização, em 1961. Foi responsável
pelo desenvolvimento do “Método Paulo Freire”, que consistia na alfabetização popular, com base na “pedagogia
libertadora”, dado o potencial do ensino na transformação social. Após o golpe de 1964, foi perseguido, exilou-
se na Bolívia e Chile. A pedido da Unesco, lecionou em distintas instituições no exterior, entre elas, a
Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Também atuou como consultor em reformas educacionais na Suíça
e em colônias portuguesas, na África. Retornou ao Brasil em 1979, durante a abertura política.
67

No documento, diante da posição contrária em romper com o humanismo, como forma


de encaminhamento para que os/as professores/as compreendessem as possíveis aproximações
e distanciamentos entre humanismo, tecnologia e a educação cristã, o Parecer nº. 45/72
mencionava o seguinte:
O mal-entendido é julgar que o cristianismo se oponha à educação tecnológica,
como se ela fosse uma espécie de paganismo, em contraposição com a cultura
clássica, que seria a cristã. A verdade é outra: o renascimento da cultura clássica foi
bem pouco cristão; por outro lado, a teoria de que o trabalho das mãos é indigno
do homem livre é do pagão Aristóteles. Cristo foi carpinteiro” (BRASIL.
PARECER n. 45/72, 1972, p. 4).

Sendo o Estado brasileiro laico, o documento contradizia essa normativa e buscava


reafirmar valores cristãos. Sendo o parecer um produto autorizado, a posição assumida
contribuiu para a atribuição de legitimidade à religiosidade no espaço escolar. A afirmação de
que a “cultura clássica seria a cristã” foi apontada como uma forma de tecer críticas às
transformações culturais que se distanciavam de valores compreendidos como cristãos.57
Em três contextos históricos distintos, as propostas de ensino desenvolvidas nesses
períodos tiveram como base concepções pautadas no humanismo. Cada uma apoiada em um
objetivo para seu referido contexto. Do patriotismo da década de 1940, na tentativa de uma
educação mais igualitária no projeto de ensino apresentado na Lei 4.024/1961, apoiado em
Filosofia da Educação como forma de proporcionar a democratização do ensino. Uma década
depois, para atender à Lei nº 5.692/1971, o pensamento humanista foi reconfigurado segundo
uma lógica de modernização conservadora, tal como aponta Motta.
Ainda com base no Parecer nº. 45/72, a posição favorável ao projeto desenvolvimentista,
assumida pelo documento, não ficou restrita a idealizações sentidas e/ou almejadas pelo
“Milagre Econômico”. O documento apontou comparações entre as propostas da Lei
4.024/1961 e os objetivos da educação desenvolvida na França, por meio de referência a uma
publicação de revista francesa.58 Segundo o documento:

57
No documento, também foi apresentada uma errônea interpretação dos estudos do filósofo Aristóteles, sobre o
trabalho. Conforme o enunciado do Parecer nº. 45/72, a interpretação foi de que o filósofo teria afirmado que o
trabalho era algo desmerecedor. Nesse documento, as concepções do pensador foram confrontadas com a da
religião católica. Isso proporciona o afastamento dos Fundamentos da Filosofia da Educação sobre Humanismo
Cristão, que se apoiavam nos estudos de Aristóteles. Ao enunciar que “Cristo foi carpinteiro”, o referido parecer
instigou seus/as leitores a estabelecerem comparações entre a proposta de ensino e as atividades manuais
desenvolvidas por Cristo, conforme os escritos bíblicos. Assim, o discurso religioso, entre pedagogos/as, não se
posicionou contrário ao saber educacional. Mas, como uma junção, promoveu a legitimação das propostas de
ensino. Com base no Parecer nº. 45/72, o discurso religioso serviu para impor valores e autorizar o funcionamento
do ensino, já em desenvolvimento. Questões que ressaltaram a posição de liderança assumida pelo padre José
Vieira de Vasconsellos.
58
L´Education dans le Monde – VII: Les programmes du second degré: tendences actualles – Cf. Par. 274/64. In:
Doc., p. 31-69ss.
68

O plano da reforma escolar recentemente elaborado na França funda-se na convicção


de que as técnicas modernas exigem a formação do maior número possível de
jovens que possuem sólida cultura geral, tanto literária como científica. Em mais
de um país, a experiência da guerra demostrou que as pessoas providas de cultura
geral adaptavam-se às novas técnicas manuais mais rapidamente do que os
operários cuja formação fora mais especializada. Ora, o ritmo de evolução do
mundo moderno tende a acelerar-se, exigindo faculdades de adaptação mais e mais
desenvolvidas (PARECER Nº. 45/72, 1972, p. 6).

Para o historiador Antoine Prost, a França desenvolveu um processo de sistematização


do ensino, iniciado na década de 1960. Segundo o autor, “o caso francês constitui um exemplo
bem concluído de um movimento de reforma que marcou todas as sociedades ocidentais e
transformou profundamente as estruturas escolares herdadas do séc. XIX” (PROST, 2004, p.
153). Essa mudança foi intensificada na França, mas ocorreu por toda a Europa Ocidental,
sendo iniciada na década de 1950, vinculada a projetos de desenvolvimento econômico para os
países que tiveram experiência com a 2a Guerra Mundial. Tomou maior força com a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada em 1961. O
caso francês também ganhou notoriedade devido ao grande empenho prestado pelos dirigentes
políticos e à centralização do Ministério da Educação Nacional, que, diferente dos outros países,
teve “a possibilidade de impor aos estabelecimentos o controle das decisões tomadas”.
A acordo com Prost, o ensino desenvolvido na França, até finais da década de 1950, era
integrado com base na exclusão social, pois, segundo o autor, foi estruturado com base na
distinção social entre burguesia, classes superiores e a população pobre. Por muito tempo, o
ensino primário foi obrigatório até os 14 anos de idade. Caso o/a estudante conseguisse concluir
o primário até essa idade, poderia ser dada sequência aos estudos por meio do primário superior
(como um ensino médio), com duração de dois anos, ou por meio do ensino profissional e
técnico. Para a população pobre, a conclusão garantiria o CAP (Certificado de Aptidão
Profissional), uma espécie de “diploma de operário qualificado”. Em 1959, foi criado o ensino
elementar, com tentativas de substituir o CAP. A década de 1960 foi marcada por uma grande
reformulação do ensino. A educação escolar tornou-se obrigatória até os 16 anos. Foram
unificados o ensino primário e o primário superior, que passou a ter a duração de 5 anos (dos 6
aos 11anos). Também foram criados: o ciclo de observação, de 2 anos (12-13 anos), e o ciclo
de orientação (14-15 anos), que deveriam funcionar em escolas distintas daquelas em que se
havia cursado o primário e era voltada a uma espécie de escolha de carreira escolar. Essa
proposta apresentou alguns problemas, pois novas reformas iniciadas em 1965 propuseram a
formação em três grandes áreas: na carreira geral, destinada a cursos já existentes; na formação
de “baccalauréats técnicos”, para novos cursos, e na de carreira profissional relacionada a
69

profissões criadas no pós-Segunda Guerra Mundial. Essa proposta só foi efetivada por meio de
lei, que instituiu o colégio com duração de 4 anos, em 1975 (PROST, 2004).
No caso brasileiro, são muitas as características que marcam aproximações e diferenças
com a proposta francesa. Como semelhanças: o modelo de ensino francês buscou conciliar a
popularização do ensino com reformas educacionais endereçadas à formação profissional com
vistas ao desenvolvimento econômico com relações a novas profissões59. Todavia, além de as
experiências serem distintas nesses países, a marcação etária demonstra como diferentes
configurações sociais foram constituídas a partir das concepções a infância, adolescência,
juventude e suas relações com o ensino. Na França, a obrigatoriedade do ensino até os 16 anos
demonstra que se buscou estender a adolescência e o direito em frequentar os bancos escolares.
Isso fez com que, ao menos na letra da lei, para a população mais abastada, fosse postergado o
acesso ao trabalho remunerado. Diferente do Brasil, que ao ter como obrigatório o ensino até
os 14 anos, por meio da Lei 5.692/1971, permitiu que os adolescentes entrassem mais cedo no
mercado de trabalho.
Com relação à formação profissional, também houve distinções nos “ciclos de
observação e orientação”. Na França, essas etapas foram desenvolvidas com base na distinção
etária e deveriam ser realizadas de forma sequencial, a partir dos 12 anos. No Brasil, a sondagem
de aptidão foi estruturada ao mesmo tempo que a do ensino fundamental (da 5ª à 8ª série), por
meio de avaliações específicas de pedagogos/as e de disciplinas que sustentavam a orientação
profissional.
Com base no Parecer nº. 45/72, ao ter comparado o ensino francês com o proposto nas
orientações para qualificar para o trabalho, expressou preocupação em formar operários
especializados. Como um marcador social, a concepção sobre os/as adolescentes/estudantes do
enunciado é apresentada como mão de obra jovem e preparada para exercer um trabalho
qualificado que exigia “técnicas modernas”, resultado de um processo gestado desde a saída da
infância, por meio da sondagem de aptidão, pois, nesse momento, a educação voltava-se ao/a
estudante para identificar as possíveis aptidões profissionais.
Juntamente com o item “Tecnologia versus humanismo?”, o Parecer nº. 45/72
apresentou maiores informações por meio de outros tópicos:

59
O filósofo da educação francês André D. Robert, em entrevista à Revista Educação e Pesquisa (USP), destacou
que, no modelo Francês, a atenção despertada como função da escola em transmitir conhecimento para o
progresso técnico expressa a necessidade de intervenção do Estado como um esforço para “investir para o lucro
máximo”. Esse é um dos primeiros elementos de origem do crescimento econômico. Para o autor, após o ano de
1945, a França proporcionou a democratização do ensino secundário, o que contribuiu para a massificação dos
“collèges” nos anos 1970 (SETTON; RATIER, 2016).
70

2 – educação geral e formação especial;


3 – habilitações profissionais;
4 – formação, em nível de 2º grau para o magistério;
5 – objetivos;
6 – normas para o sistema federal e
7 –“mínimos exigidos”.
O enunciado do documento, em continuidade com o que já foi dito, informou os
procedimentos necessários para a “sondagem de aptidão” destinada ao ensino de 1º grau com
vistas à elaboração curricular para atender à qualificação profissional, assim como repassou a
lista de cursos já autorizados para funcionamento nas instituições de ensino pelo País. Com um
total de 130 cursos destinados à formação profissional de 2º grau, o documento informou
detalhadamente as exigências mínimas de disciplinas e de carga horária que deveriam compor
a grade curricular de cada curso.
Conforme a tabela 2 - Relação de cursos autorizados para a formação de 2º grau -,
disponível nos anexos, é possível perceber as relações entre a concepção de adolescência e o
projeto de modernização, já em andamento no país, e as novas reconfigurações nas relações de
trabalho. Grandes áreas de trabalho, tais como, construção civil, saúde, agricultura, indústria,
dentre outras, passaram a exigir cada vez mais um conhecimento especializado. Essa
observação pode ser identificada nas ramificações dos cursos da área administrativa, da saúde
e da engenharia, por exemplo, que contavam com distintas qualificações profissionais
especializadas para atender a um setor em específico. Conforme o documento, essa distribuição
seria uma forma de o/a estudante aperfeiçoar seu conhecimento e contribuir para a escolha
acadêmica com a graduação na respectiva área.
É importante destacar que existiram distinções hierárquicas nas áreas de formação dos
cursos apresentados. Entre os cursos autorizados, a atenção em qualificar para o trabalho
considerou aspectos regionais do país, seja com atividades já comuns, como a pesqueira, por
exemplo, recorrente principalmente nas comunidades ribeirinhas, ou a produção de calçados,
que ainda apresenta elevada produção no sul do país. Entretanto, predominou, nos cursos
apresentados, o profissional para áreas de atuação características das grandes cidades, tais como
construção de avenidas, saneamento e edificação, dentre outros. Esse modelo contribuiu para
sustentar um grande projeto em formar trabalhadores para assumirem profissões e contribuir
para construir um país jovem. Ou seja, a educação escolar pretendida contribuiria para reforçar
ideais sobre o trabalho na sociedade sob o respaldo da continuidade do projeto modernizador.
71

Caso cada estado ou instituição de ensino sugerisse um novo curso para melhor atender
à região, não teriam o seu reconhecimento de atuação no nível federal, pois, conforme o
documento, “tais habilitações terão, como é natural, validade apenas regional, não nacional, e
não podem, consequentemente, os diplomas e certificados correspondentes ser registrados no
órgão competente do Ministério da Educação e Cultura (PARECER Nº. 45/72, 1972, p. 18).
Como visto, a estruturação do ensino escolar brasileiro foi de fundamental importância
para a história da população infantojuvenil no que tange à instituição das idades da vida. Dadas
as especificidades de cada contexto, na década de 1960, na educação, passou a se desenhar uma
nova compreensão sobre as fases da vida e o ensino escolar. A aproximação/adesão dos
discursos da Psicologia da Educação no âmbito jurídico não só auxiliaram para firmar uma nova
fase da vida - a adolescência -, como para indicar o que nela deveria ser realizado. A principal
lei federal relativa à educação escolar elaborada durante a ditadura militar considerou o labor e
a disciplina como fundamentais para viver em sociedade, sendo o ensino um dos meios para
garantir o acesso ao proposto. Nesse cenário, os/as futuros trabalhadores eram considerados
como os representantes de um país moderno, em que iriam atuar nos novos setores econômicos.
Em sequência da observação, cabe refletir qual foi a interpretação desse modelo educacional e
a proposta curricular desenvolvida no estado do Paraná no período em estudo.
72

CAPÍTULO II

Urgência disciplinar:
reverberações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n.º 5.692 na proposta de ensino
do estado do Paraná (1971-1984)

Após o golpe de Estado em 1964, distintos discursos sustentavam concepções de


desenvolvimento para a sociedade brasileira. Nesse ensejo, o apoio de civis e militares a muitas
das decisões tomadas pelo governo autoritário utilizaram o passado, ora vangloriado, ora
recusado, como forma de legitimar as ações do presente e forjar um projeto de futuro como
promissor. Entretanto, assumir uma postura desenvolvimentista60 provocaria mudanças por
todo o País. Diante desse impasse, como poderiam ser mantidas as expectativas construídas em
torno do progresso e que, ao mesmo tempo, garantissem a alusão ao passado?
Para o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, o projeto desenvolvimentista implementado
durante a ditadura militar se expressou como uma grande contradição ao buscar conciliar
modernização e conservadorismo. A categoria apresentada por Motta, mesmo ao conceituar
projetos antagônicos com o de nação com modernização conservadora, auxilia a compreender
como, durante o referido período, houve aproximações, distanciamentos e reconfigurações da
e sobre modernização e conservadorismo. Essas características estão presentes nos projetos
educacionais, como o que se aplicou no ensino escolar do Paraná.
Tendo em vista um processo de modernização pautado em investimentos econômicos e
tecnológicos semelhante ao das grandes potências mundiais, a proposta resultou na
reconfiguração das relações socioculturais que foram modificadas em seus mais variados
aspectos. Mesmo diante do autoritarismo, a existência de indefinições ideológicas fez com que,
como destaca Motta, o Estado ficasse “dividido entre assumir-se como ditadura ou se conciliar
com os princípios liberais, ao passo que oscilava entre o nacionalismo desenvolvimentista e os
princípios do livre mercado” (MOTTA, 2014, p. 50).

60
Compreende-se por desenvolvimentismo uma política econômica que tem como objetivo o crescimento da
produção e da produtividade, sustentado pelo setor industrial. Essa política se apoia no nacionalismo e na
intervenção do Estado como forma de garantir o desenvolvimento e a superação da pobreza e do
subdesenvolvimento. Conforme os estudos de Bielschowsky (2012), Perissinotto (2014), Fonseca (2014; 2017)
e Salomão (2017), o desenvolvimentismo (e Estado desenvolvimentista) é um conceito desenvolvido a partir dos
estudos da economia e da ciência política; por ele, podem-se identificar características comuns adotadas pelo
governo brasileiro em diferentes momentos do século XX. Em contextos ditatoriais, integra-se também o
autoritarismo, esse que possui aproximações com as concepções ideológicas compartilhadas pelo grupo político
no poder.
73

Essa indefinição permite identificar traços da cultura política da época. Ainda que
tenham existido divergências por parte dos gestores do Estado brasileiro, a postura assumida
por parte de seus dirigentes buscou a manutenção de valores sociais semelhantes. A
modernização serviu como inspiração de futuro e esteve alicerçada aos interesses do presente e
às experiências do passado. Como lembra Motta, as “escolhas podem sofrer a influência da
cultura política, que oferece aos agentes alguns padrões de ação já inscritos nas tradições, mais
atraentes e viáveis por terem gerado sucesso em ocasiões anteriores” (2018, p. 113).
Como um desejo por mudança, mas limitado pela valorização de um passado visto como
conservador, muitas das ações dos governos militares estiveram apoiadas por civis e/ou
receberam apoio dos que compartilhavam mais ou menos dos mesmos ideais. Diante de um
futuro imaginado, a pretensa mudança insistiu em manter e/ou restaurar antigos valores que
configurariam o Brasil como um país modernizado em meio ao autoritarismo. Essas projeções
devem ser entendidas como inerentes ao ensino escolar, pois, porque compostas com vistas à
movimentação do presente para o futuro.
Esta observação leva a refletir sobre as interrogações de Reinhart Koselleck ao
questionar sobre o que para nós é moderno. Para o autor, “se quisermos saber quão nova é a
nossa modernidade, precisamos saber quantos estratos da história antiga estão contidos no
presente” (KOSELLECK, 2014, p. 221). Isto significa, na opinião do autor, que o presente é o
resultado de mudanças operadas ao longo do tempo, e que nessa intersecção temporal o passado
não foi rompido por completo e serve para distinguir-se do presente. Ao buscar compreender
as intencionalidades do projeto de ensino desenvolvido no estado do Paraná, defendo que o
binômio modernização e conservadorismo presente na proposta do regime esteve presente no
currículo escolar do estado do período observado. A investigação da Diretriz Curricular
ultrapassa o campo das concepções de ensino do período e apresenta indícios que permitem
identificar as configurações socioculturais da época.
É importante destacar que, desde o início da ditadura militar, as propostas educacionais
eram desenvolvidas em conjunto com o Ministério da Educação e Cultura. 61 Mesmo que
supostamente tivessem pautas distintas, uma estava interligada com a outra e deveriam
apresentar de forma conjunta os objetivos do ensino no período. Ou seja, as propostas

61
O Ministério da Educação (MEC), foi instituído a partir da criação do Ministério dos Negócios da Educação e
Saúde Pública, em 1930. Em 1937, passou a se chamar Ministério da Educação e Saúde (MES). Essa vinculação
entre educação e saúde está associada à concepção sobre a infância e ao caráter assistencialista assumido na
época. Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde; no mesmo ano, através da lei n.º 1.920, de 25 de julho, foi
criado o Ministério da Educação e Cultura (MEC) (MAIA, 2012).
74

educacionais nacionais e estaduais deveriam aliar o acesso à cultura e à educação de forma a


garantir o desenvolvimento econômico e social sustentado pelo ideário conservador.
Ao longo do século XX, o ideário da modernização esteve presente em diferentes
discussões e projetos vinculados ou não ao Estado. Como pauta política, por exemplo, na
década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a modernização constituiu
parte das propostas de desenvolvimento urbano, industrial, dos meios de comunicação, dentre
outras, que visavam alçar o País à categoria de potência econômica. Nesse contexto, deu-se
também a criação do Ministério da Educação e Saúde (MES), que se tornou um grande aliado
para o desenvolvimento de políticas educacionais, principalmente voltado à população
infantojuvenil, que, nesse período, tiveram reconhecidos alguns de seus direitos.
A nacionalização do ensino desenvolvida durante o primeiro governo de Getúlio Vargas
contribuiu para que grande parte da população que não tinha acesso ao ensino escolar pudesse
frequentar os bancos escolares.62 Entretanto, essa política não só escolarizou, como colocou em
prática uma proposta pautada na valorização da cultura e o fortalecimento de uma consciência
nacional expressa por meio do patriotismo.
Para a historiadora Tatyana de Amaral Maia, o projeto educacional desenvolvido por
Getúlio Vargas contou com o apoio de intelectuais que buscaram proporcionar a modernização
do País e superar os problemas sociais da época. Reunidos por interesses comuns contribuiu
para que esses intelectuais desenvolvessem uma corrente modernista-conservadora, que
manteve grande aproximação com governos de períodos ditatoriais (como o do Estado Novo,
entre 1937 e 1945, e o da ditadura militar, entre 1964 e 1985). Na década de 1970, com forte
atuação no Conselho Federal de Cultura (CFC), órgão do Ministério da Educação e Cultura
(MEC) os/as intelectuais estiveram encarregados de auxiliar na elaboração das propostas de

62
Conforme levantamento feito em 2003 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), ao longo do século XX houve redução da taxa de analfabetismo no Brasil. Na década de 1910,
de um total de 9.728 pessoas com 15 anos ou mais, 65,3% eram analfabetas. Nos anos 1940, em resposta aos
planos de escolarização, sobre um total de 23.648 pessoas, o índice caiu para 56,1%, apresentando uma redução
progressiva, de um total de 30.188, 40.233, 53.633 e 74.600 pessoas com quinze anos ou mais, correspondente
às décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980, as taxas foram de 50,6%, 39,7%, 33,7% e 25,9%, respectivamente (INPE,
2003). É importante lembrar que o conceito de analfabetismo variou ao longo do tempo, como aponta o Inpe.
Segundo o IBGE, considera-se alfabetizado “pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no
idioma que conhece” (INEP, 2003, p. 6). Quando realizado o levantamento de dados referentes ao ensino,
considerava-se alfabetizado, até a década de 1980, quem frequentasse a escola por um ano ou mais. Com elevados
índices de reprovação e desistência, na década de 1970, era de 4 anos a escolaridade média da população entre
15 e 19 anos de idade. Para essa mesma faixa etária, o índice de analfabetismo correspondia a 24% (INEP, 2003).
Durante o século XX, o estado do Paraná sempre apresentou índices considerados satisfatórios se comparados
aos de outros estados da Federação. No ano 2000, conforme o IBGE, Curitiba estava na 9ª posição das cidades
cujos habitantes possuíam mais anos de estudos. Com uma população de 1.587.315 habitantes, apenas 3,4%
deles, com 15 anos ou mais, foram considerados analfabetos, e a média de séries concluídas chegou a 8,6 (INEP,
2003).
75

ensino, na produção de materiais didáticos e na definição dos elementos constitutivos da cultura


nacional. Para Maia, “o projeto modernista-conservador valorizava o espírito patriótico e a
existência de uma “consciência nacional”, forjada desde os tempos coloniais, identificado com
uma visão otimista da sociedade brasileira” (MAIA, 2017, p, 128).
Percebe-se que, historicamente, a educação desenvolvida nas escolas foi utilizada para
fortalecer uma cultura política sustentada na valorização de elementos que constituíam o
patriotismo. Essas concepções foram acirradas durante a ditadura militar. Junto a essa proposta,
cada estado (região) deveria apresentar suas especificidades, políticas e culturais, como forma
de aproximar as relações com o todo, para garantir o desenvolvimento econômico local e
contribuir em nível nacional. Com estreitas relações com o ensino escolar, a modernização seria
atingida mediante a conciliação entre a tradição e o novo. Esse interesse fez com que o passado
fosse entendido como um elemento que merecia ser revisitado, pois, na comparação entre um
tempo e outro, tentou-se afastar as mudanças indesejadas sob a projeção de expectativas
construídas para ser experimentadas pelos/as estudantes no futuro.
No estado do Paraná, desde 1964, foram tomadas medidas para reformular o ensino
ofertado pelas escolas estaduais. Ney Aminthas de Barros Braga (Ney Braga), governador da
época, como parte de sua política de modernização,63 lançou uma força-tarefa para impulsionar
o acesso à educação escolar com o objetivo de garantir o desenvolvimento econômico e social
do estado. No mesmo ano, junto do Conselho Estadual de Educação, sancionou a Lei nº 4.978,
de 5 de dezembro de 1964,64 que tornou obrigatório a formação em nível técnico para o ensino
secundário. Diferente de outros estados da Federação em que os/as estudantes poderiam optar
por uma formação técnica ou mais geral, as ações tomadas pelos representantes do governo
paranaense foram percursoras ao restringir a educação escolar de adolescentes especificamente
para a formação para o trabalho.

63
Ney Braga, formado pela Escola Militar do Realengo (Rio de Janeiro), dedicou-se à Educação Física e à
Artilharia, fator que contribuiu para a sua participação como instrutor do Centro de Preparação de Oficiais de
Reserva (CPOR) em Curitiba. Em 1951, integrou o Conselho Regional de Desportos do Paraná. As ações desse
conselho contribuíram para a criação da “Cruzada Democrática”, movimento formado por militares, que
defendiam o “nacionalismo sadio” em oposição aos militares que apoiavam Getúlio Vargas. Em 1961, foi eleito
governador pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Ao longo de seu governo, buscou reforçar ideais
democráticos e cristãos como alicerces da modernização econômica do estado do Paraná. Entre suas ações, foi
responsável pela criação de grandes empresas dos setores de energia, saneamento, telecomunicações e
agropecuáriao. No campo educacional, criou a Fundação de Desenvolvimento Educacional do Paraná
(Fundepar), encarregada de prestar suporte ao ensino escolar.
64
Essa legislação também foi assinada por Véspero Mendes, secretário do Estado da Educação e integrante do
MEC no Paraná, e por Felipe Aristides Simão, político que ocupou vários cargos públicos, entre eles o da
prefeitura de Curitiba por três meses, em 1958, além da Secretaria de Estado dos Negócios do Governo. Em
1982, Simão criou o Instituto de Assistência ao Menor (IAM).
76

Neste capítulo, pretendo analisar as repercussões da Lei n.º 5.692/1971 na proposta


curricular desenvolvidas para atender à população infantojuvenil no estado do Paraná. Junto a
essa proposta, a intenção é compreender como os debates em torno do desenvolvimento
econômico e da modernização social contribuíram - ou não - para a organização do ensino
escolar da época. Para isso, este capítulo está divido em duas partes. Na primeira, por meio da
análise bibliográfica, serão levantadas considerações sobre o ensino paranaense que antecedeu
a Lei n.º 5.692/1971. Na segunda, será analisada a proposta curricular desenvolvida para atender
à Lei n.º 5.692/1971, publicada na revista Currículo, em 1973.

2.1.1 O estado do Paraná em movimento: educação escolar em contextos de modernização


A historiadora da educação Cláudia Regina Kawka Martins, ao analisar as propostas
educacionais desenvolvidas no Paraná ao longo da década de 1960, identificou que o modelo
adotado pelos representantes do estado priorizara a “‘produtividade’ e não a formação em si”.
Ou seja, a quantidade sobrepondo a qualidade do ensino. Para Martins, os discursos do
governador e dos representantes do Conselho Estadual de Educação indicavam que a proposta
educacional do Paraná seria pioneira no país. Tais medidas foram amplificadas junto ao I
Simpósio de Ensino do Paraná (Senpar), em 1969. Na abertura do evento, o governador Paulo
Pimentel (1966-1971) afirmou que “esse é o plano que todo o Paraná vai elaborar aqui,
assinalando um novo marco na história da educação, e abrindo um novo caminho para o futuro”
(PIMENTEL apud MARTINS, 2002, p. 16). Com uma visão otimista sobre o futuro, a proposta
audaciosa do governante sugeriu que as decisões tomadas no encontro deveriam proporcionar
um rompimento com o passado por meio de inovações no campo educacional. Foi durante o I
Senpar que ficou estabelecido o Plano Estadual de Ensino. Através desse plano, foi
reestruturado o ensino primário e ginasial em uma só etapa denominada Ensino de 1º grau.
Nessa etapa unificada, o ensino escolar passou a ser obrigatório para a população
correspondente dos 7 aos 14 anos de idade. Essa obrigatoriedade distinguia-se da Lei n.º
4.024/1961, em vigor na época, que estipulava apenas a idade mínima de sete anos para
ingressar no ensino primário. Com a mudança, as ações desenvolvidas no Paraná, por um lado,
permitiriam que uma parcela significativa de crianças e adolescentes frequentasse os bancos
escolares, garantindo sua educação escolar como um direito. Por outro, reafirmam que a
continuidade dos estudos após os 14 anos de idade ficaria a cargo de escolhas e oportunidades
individuais.
Nessas propostas, também foram extintos os denominados exames de admissão. O
exame de admissão foi implementado durante a reforma educacional de Francisco Campos
77

(Decreto n.º 19.890, de 1931). Os exames eram destinados aos/as estudantes concluintes do
ensino primário que desejavam ingressar no ensino secundário. Com essa mudança, ainda
durante o Senpar, também foi apontado que a inclusão de disciplinas manuais e técnicas, além
de uma “sondagem vocacional”, propiciaria melhor formação aos/às estudantes (MARTINS,
2002).
As propostas desenvolvidas pelos governantes do Paraná impulsionaram outros estados
da Federação a realizar reformas educacionais. Essas propostas foram discutidas no Encontro
Regional sobre Planejamento da Educação (Erpled), em Porto Alegre, em 1968, e em
Florianópolis, em 1969, e no terceiro Erpled realizado em Curitiba, em 1970. Nesses eventos,
avaliou-se o que estava em andamento no estado do Paraná, buscando também acelerar a
implementação de novas propostas de ensino nos demais estados da Região Sul do Brasil
(MARTINS, 2002).
Nesse momento, Jarbas Passarinho, ministro da Educação e Cultura, sinalizava interesse
em reformular o ensino escolar brasileiro. No mesmo ano, juntamente com o general-presidente
Emílio Médici, que governava o País, assinou o Decreto n.º 66.600, que criou um “grupo de
trabalho no Ministério da Educação e Cultura para estudar, planejar e propor medidas para a
atualização e expansão do Ensino Fundamental e do Colegial” (BRASIL, Decreto n.º 66.600,
de 20 de maio de 1970). O grupo de trabalho, composto por professores e pedagogos/as, contou
com nove integrantes para “planejar e propor medidas” com vistas “à atualização e expansão
do ensino”.65
Na década de 1960, o estado do Paraná apresentou grande desenvolvimento econômico
para alguns setores, com a implementação de novas indústrias, a mecanização do setor agrícola
e a ampliação das áreas de energia, saneamento e telecomunicações. Esses processos
contribuíram para o incremento da mobilidade social e a alteração das relações socioculturais,
principalmente as de trabalho. Na década seguinte, esse processo adquiriu maior vulto e
contribuiu para um elevado processo migratório em busca de maiores oportunidades. Segundo
os economistas Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein, nesse período o Paraná foi o terceiro
estado que mais importou mão de obra, o que ocasionou aumento populacional (LUNA;
KLEIN, 2014). Essas modificações foram ainda mais marcantes nas cidades consideradas
regiões metropolitanas, principalmente Curitiba.

65
Integraram o grupo de trabalho o padre José Vieira de Vasconsellos (presidente), Valnir Chagas (relator),
Aderbal Jurema, Clélia de Freitas Capanema, Eurides Brito da Silva, Geraldo Bastos da Silva, Gildásio Amado,
Magda Soares Guimarães e Nise Pires.
78

Visando propiciar o ensino escolar à população infantojuvenil do estado do Paraná, em


1971 novas ações buscaram atender às especificidades das demandas locais, com ênfase na
região da Grande Curitiba. Essa região se destacava por apresentar significativo crescimento
populacional, concentração de indústrias e variedade da mão de obra; logo, o interesse em
expandir o ensino tornava necessárias políticas educacionais. Quando promulgada a Lei n.º
5.692/1971, os governantes do estado já haviam tomado muitas medidas que atendiam às
expectativas apresentadas nas exigências estabelecidas pela nova legislação federal. Assim, as
ações então promovidas influenciaram, e dele foram percursoras, o modelo educacional
desenvolvido para atender a todos os estados da Federação.
É importante destacar que as propostas de ensino não podem ser concebidas unicamente
como interesses de grupos políticos no poder, nem tampouco pelo binarismo resistência x
colaboração. A Reforma Universitária, de 1968, por exemplo, pode ser considerada parte desse
processo e impactou consideravelmente as políticas educacionais para o ensino fundamental e
de segundo grau. Motta, ao investigar as universidades ao longo do período da ditadura militar,
afirma que as instituições de ensino superior estavam em consonância com o projeto
desenvolvimentista, pelo papel desempenhado “na preparação das elites administrativas, de
tecnólogos e cientistas, mas também por sua importância política, como formadoras de
lideranças intelectuais” (MOTTA, 2014, p. 56).
Para efetivar os encaminhamentos, em setembro de 1971 foi criado o Grupo Especial de
Trabalho para a Reforma de Ensino em Curitiba (Getrec). Esse grupo ficou responsável por
identificar as demandas do estado, como pelo número de crianças e adolescentes em idade
escolar e pela elaboração de propostas e cronograma de implementação que cumprissem as
exigências da Lei n.º 5.692/1971. Como resultado das primeiras discussões, no mesmo ano foi
publicado o “Documento-base para o planejamento prévio para implantação do sistema de
ensino do 1º e 2° graus”. Esse documento provocou extensa discussão sobre a necessidade de
reestruturar o currículo das escolas estaduais para que este estivesse de acordo com a legislação
nacional. O documento afirmava que deveriam ser organizadas equipes em nível municipal e
estadual para o levantamento das demandas locais. Com grande interesse em colocar em prática
a proposta, o Documento-base também sugeria um cronograma de ação.
Segundo o referido documento, a implementação do currículo deveria ser iniciada em
1972, por meio de um “projeto piloto”, na cidade de Curitiba. Foi ainda estipulado que esse
projeto receberia uma atenção especial. Na capital do estado, as instituições escolares das
cidades de Paranaguá, Ponta Grossa, Jacarezinho, Londrina, Maringá, Campo Mourão,
Guarapuava e União da Vitória também deveriam desenvolver a reforma no mesmo ano.
79

Implementar o currículo nessas cidades, que apresentavam os maiores índices populacionais do


estado, garantiria que quase 50% das instituições já estariam operando de acordo com a nova
legislação. As instituições escolares de 37 cidades com mais de dez mil habitantes, foram
escolhidas para a implementação da nova legislação em 1973. Posteriormente, foram
selecionadas as cidades compostas com índice populacional entre 5000 e 10000 habitantes, e,
em 1975, as cidades com população menor que 5000 habitantes. Sua efetivação se daria apenas
em 1976, quando as 125 cidades restantes - com menos de 2000 habitantes - iriam implementar
o novo currículo.66
Para Martins, a reformulação curricular e o plano de implementação configuram-se
como uma forma de desenvolver o aprimoramento da mão de obra para o crescimento da
produtividade, fortemente influenciada pelas teorias de capital humano. Essa concepção foi
desenvolvida principalmente por economistas norte-americanos, que tinham como propósito
atender ao mercado de trabalho por meio da ampliação da produção. Junto a essa percepção, o
ensino escolar foi visto como meio de atingir tal êxito, através do desenvolvimento de
habilidades e do conhecimento necessário para cumprir as funções desejadas (MARTINS,
2002).
Para o desenvolvimento da reforma curricular, em nível federal, foram assinados muitos
acordos entre o MEC e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
(Usaid), já anunciadas em 1968 por meio do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino
Médio (Premem), estipuladas pelo Decreto n.º 6.3914, de 26 de dezembro de 1968, e
restruturadas por meio do Decreto n.º 70.067, de 26 de janeiro de 1972. Com os acordos em
nível federal e internacional, o estado do Paraná também assinou acordo de financiamento
direto com a Usaid. O que, possivelmente, contribuiu para acelerar a implementação da reforma
curricular.
Muitas das investigações na área da História analisam a reformulação curricular
somente pela ótica da formação para o mercado de trabalho e/ou as resistências ao regime
autoritário. Busco, a seguir, expandir esse olhar com a finalidade de perceber como distintas

66
O investimento no ensino fundamental e no segundo grau também contribuiu para a expansão do ensino superior,
com o desenvolvimento de grandes centros universitários públicos que tiveram suas primeiras atividades na
década de 1970. Maior reflexo desse processo pode ser observado nas cidades que tiveram ampliação do ensino
de segundo grau. Somado a Curitiba, onde, desde 1912 a Universidade Federa do Paraná atuava, foram
desenvolvidas nas cidades de: Londrina, a Universidade Estadual de Londrina (1970); em Ponta Grossa, a
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), (1970); em Maringá, a Universidade Estadual de Maringá
(UEM) (1970), e em Guarapuava, a Faculdade de Filosofia a Ciências e Letras de Guarapuava (Fafig, criada em
1970), e a Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati (Fecli), em Irati, criada em 1974, que mais tarde se
fundiram e formaram a Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em 1990.
80

marcações sociais foram utilizadas na elaboração da proposta de ensino. Entendo que, através
dessa análise, é possível compreender também as concepções de infância e adolescência da
época, e também de como a idealização do ensino esteve atrelada à projeção de futuro para
esses grupos sociais.

2.1.2 – A proposta de ensino paranaense: estudantes sob a ótica disciplinar


Como afirmado no primeiro capítulo, cada estado da Federação deveria desenvolver a
proposta curricular conforme as particularidades regionais, desde que atendessem às exigências
em nível federal. No estado do Paraná, a Secretaria Estadual de Educação e Cultura (Seec),67
por meio do Centro de Pesquisas Educacionais – Equipe de Currículo (Cepe) -, elaborou a
proposta curricular que continuou sendo implementada por mais de uma década.68
A referida equipe de currículo era formada pelos/as seguintes profissionais:
Heloísa Luck, graduada em Letras Neolatinas pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (1963); Iaroslaw Wons, licenciado em Geografia pela Universidade Federal
do Paraná PR; Jovita Vitória Lazarotto Nascimento, (sem informações); Lillian Anna
Wachowicz, graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná UFPR
(1961); Maria Aparecida Feiges (sem informações); Maria Ignez Guimarães,
graduada em Letras/Português); Maria Irmina Carneiro Vieira, graduada em Ciências
Biológica; Maria Josefina Franco de Souza, licenciada em Matemática; Mary
Terezinha Paz Brito, graduada em Pedagogia; Vera Lúcia dos Santos (sem
informações); Waldemar Ens, graduado em Ciências Biológicas; Yolanda Brand
(licenciada em Matemática) e, do Grupo de Estudos do Departamento de Educação
Física e Desportos (REVISTA CURRÍCULO, 1973).69

A elaboração da Diretriz Curricular resultou da discussão de profissionais em suas


respectivas áreas de atuação. No estado do Paraná, mesmo diante da proposta da Lei n.º
5.692/1971, que visava a atender às demandas regionais e locais, o debate do currículo esteve
centralizado na capital do estado, Curitiba. A elaboração do documento não contou com a
participação de estudantes e seus/as responsáveis, dos/as diretores das escolas, de professores/as
ou outros/as segmentos que teriam interesse na educação escolar. Posteriormente à finalização,

67
Na época, a secretaria também era responsável por atender à área cultural. Em 1979, a secretaria passou foi
alterada para Secretaria de Estado da Educação e Desportos (Seed).
68
Para fazer referência ao documento, utilizarei a nomenclatura “Diretriz Curricular”, por ser organizado como
um guia para o ensino.
69
O documento informou apenas os nomes dos/as integrantes da Equipe de Currículo. As demais informações
foram encontradas em pesquisa através do site de buscas www.google.com.br. Em relação ao Grupo de Estudos
do Departamento de Educação Física e Desportos, o documento não apresentou o nome das pessoas que o
integravam. Em 1983, essa equipe era composta por Félix D´Avila; Takão Tomita; Valquiria D´Al Lim; Barbara
Rocha e Adriana Barros H. Del´Rey. Essas informações foram retiradas da “Relação cadastral dos servidores da
Seed”. Impresso de 42 páginas, que apresenta, de forma detalhada, a distribuição dos setores da Seed e dos/as
funcionários/as que atuam em cada setor.
81

a Diretriz Curricular contou com a aprovação de Candido Manuel Martins de Oliveira,70


Secretário da Educação e Cultura (1973-1975), e do governador Emílio Hoffmann Gomes71
(1973-1975), da Aliança Renovadora Nacional (Arena).
A historiadora da educação Telma Faltz Valério, por meio de entrevistas realizadas com
professores/as que lecionaram no período na cidade de Curitiba, identificou que a escolha dos
profissionais da educação para atuar na Seec se dava através de um viés ideológico. Para a
autora, a escolha desse quadro de profissionais visava manter o controle do que deveria ser
ensinado, como também conter possíveis manifestações de resistência relativas aos
professores/as demitidos por manifestarem opinião contrária à ditadura. Para Valério, “essas
pessoas recebiam informações diretas a respeito do modo de proceder perante as diretrizes
instauradas pelo regime e de como manter vigente a ideologia que embasava todo aquele regime
político” (VALÉRIO, 2007, p. 26).
A matemática Silvana Matucheski, em entrevistas com os/as profissionais da Equipe de
Currículo da época, informou que os/as professores não estavam habituados com as discussões
sobre como desenvolver um currículo. Muitos deles/as se haviam formado na década de 1960,
e viam os debates sobre a composição curricular como algo novo no Brasil. Conforme
observado pela autora, os/as professores passaram por cursos de formação no estado do Rio
Grande do Sul, devido à experiência nos debates educacionais, principalmente por contarem
com o apoio da Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul como suporte para a difusão
dos assuntos debatidos. Para Matucheski, os encontros entre as equipes educacionais dos
estados do Paraná e do Rio Grande do Sul proporcionaram um significativo avanço nas decisões
para a implementação da proposta da Lei n.º 5.692/1971 (MATUCHESKI, 2011).
Diante da necessidade de apresentar aos/as professores/as paranaenses a discussão sobre
os debates curriculares e a proposta de ensino para atender à Lei n.º 5.692/1971, a Equipe de
Currículo desenvolveu a revista Currículo. A revista foi publicada dos anos de 1973 a 1982,
sendo sua periodicidade anunciada como mensal. Todavia, a equipe da revista não conseguiu
manter o fluxo de publicações e teve sua última edição em 1982.72 Nas entrevistas realizadas

70
Candido Manuel Martins de Oliveira foi secretário da Educação e Cultura entre 20 de agosto de 1973 e 14 de
março de 1975.
71
Emílio Hoffmann Gomes graduou-se em engenharia em 1949, na UFPR. Atuou nos departamentos de Água e
Energia do estado do Paraná e foi deputado federal pelo Partido Democrata Cristão. Com a morte do governador
Pedro Parigot de Souza, em 1973, Gomes foi eleito indiretamente governador do estado por meio de votação
realizada na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), no mesmo ano.
72
A revista Currículo possui as seguintes publicações: V. 1, nº. 1, outubro, V. 1, nº. 2, novembro; V. 1, nº. 3,
dezembro (1973); V. 1, nº. 4, janeiro; V. 1, nº. 5, fevereiro; V. 1, nº. 6, março, V. 1, nº. 7, abril; V. 1, nº. 8, maio;
V. 1, nº. 9 junho, V. 1, nº. 10, julho, V. 1, nº. 11, dezembro (1974); V. 2, nº. 12, janeiro; V. 2, nº. 13, fevereiro,
V. 2, nº. 14, março; V. 2, nº. 15, abril; V. 2, nº. 17, outubro; V. 2, nº. 18 novembro; V. 2, nº. 19, dezembro (1975);
V. 3, nº. 20, janeiro; V. 3, nº. 21, fevereiro (1976). A partir de 1977, passou a publicar apenas como número: nº.
82

por Matucheski a criação da revista Currículo foi apontada pelos/as entrevistados/as como a
melhor forma de apresentar aos/as professores os debates sobre como implementar um currículo
considerado novo e que atendesse às reformulações requeridas pela Lei n.º 5.692/1971, bem
como para divulgar o trabalho desenvolvido pela equipe de Currículo (MATUCHESKI, 2011).
A revista, como documento oficial do estado e da Secretaria da Educação e Cultura, ao
longo de suas publicações, tem buscado informar os/as professores sobre os encaminhamentos
a serem seguidos no ensino escolar. Em levantamento das publicações, foi selecionada a edição
do volume 1, n.º 3, publicada no ano de 1973. Justifica-se essa escolha pelo fato de o exemplar
apresentar “as primeiras sugestões de diretrizes curriculares para o ensino de 1º grau”, com uma
definição dos conteúdos, metodologias e demais recomendações para o ensino. A partir das
edições de 1976 a revista Currículo apresentou recomendações específicas por área, sendo que
as edições passaram a ser direcionadas a uma disciplina por cada publicação.
Essa proposta corresponde ao que Tomaz Tadeu Silva compreende como currículo
tradicional, pensado como uma forma de estruturar o ensino para melhorar a eficiência da
reprodução dos conteúdos considerados importantes. Assim, por ser estruturado com conteúdo
bases, dever-se-ia selecionar o que integraria a proposta e, ao mesmo tempo, descartar o que
estivesse distante do modelo de ensino pretendido. Conforme o autor, “o currículo é sempre o
resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes, seleciona-
se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo” (SILVA, 2010, p. 15). Isto explica
como a elaboração da proposta curricular foi elaborada a partir de disputas então presentes na
sociedade local e nacional.
Posteriormente ao debate sobre a construção curricular, a Diretriz Curricular foi
impressa e encaminhada a todas as instituições de ensino do estado do Paraná. Suas 319 páginas
buscaram informar aos/as profissionais da educação como desenvolver um ensino que
atendesse à Lei n.º 5.692/1971 sob os preceitos do governo autoritário. O documento foi
dividido em cinco grandes partes, sendo elas: apresentação; fundamentação; objetivos das
atividades de 1ª a 4ª séries; objetivos das áreas de estudo da 5ª à 8ª séries; metodologia de
ensino, e atividades obrigatórias. Ou seja, nessa edição, foi priorizado o ensino fundamental,
destinado aos grupos considerados crianças e pré-adolescentes. Essa edição foi publicada no

22, em janeiro; nº. 27, em fevereiro; nº. 24, em maio; nº. 26, em julho; nº. 28, em setembro; nº. 29, em outubro;
nº. 30 em novembro; nº. 31 em dezembro. Em 1978, as publicações foram: nº. 32, em fevereiro; v. 1978, em
maio; nº. 34 e junho; nº. 33, em julho; nº. 36, em agosto; nº. 37 em setembro; nº. 38 em outubro; nº. 35, em
novembro e nº. 40 em dezembro. Em 1979, as edições de nº. 39, em fevereiro; nº. 41 em abril. Em 1980, a
publicação de nº. 40; em 1981, nº. 41 e a última, em maio de 1982, de nº. 44. Acredito que o encerramento das
publicações também esteja associado às mudanças na legislação educacional em 1982, momento em que foi
extinta a obrigatoriedade do ensino técnico.
83

formato de texto, que ora se distribuía por meio de tópicos, ora por subitens e tabelas que
aprofundavam a discussão para cada tema em específico.73 Com exceção da capa, não possui
imagens ao longo de suas páginas.
Imagem 1: Capa da “Diretriz Curricular”

Foto: ZALUSKI, 2018. Acervo Centro de Memória Colégio Estadual do Paraná.

73
Quando o novo currículo foi publicado, o governador do Paraná era Emílio Hoffmann Gomes (1973-1975). Em
1974, Ney Aminthas de Barros Braga, antigo governador do estado, tomou posse como ministro da Educação e
Cultura (1974-1978).
84

Para a jornalista Marília Scalzo, o uso de fotografias em impressos proporciona ao/à


leitor/a uma primeira apreciação que irá contribuir para a condução da leitura e provocar reações
emocionais. Como efeito, segundo Scalzo, “se as fotografias são a as principais portas de
entrada em uma página, para os leitores as legendas têm que funcionar como maçanetas”
(SCALZO apud MACHADO JÚNIOR, 2005, p. 121). Assim, nessa abertura de possíveis
interpretações, apreciações ou indagações da proposta de ensino, a Imagem 1: Capa da “Diretriz
Curricular”, serve como porta de entrada às pretensões do ensino, sendo o nome Currículo,
como uma legenda, serve de reforço desse guia.
É importante destacar que o interesse em “qualificar para o trabalho” não se restringiu
às recomendações expressas por meio da escrita na Diretriz Curricular. A capa do documento
expressa um discurso icônico, uma porta de entrada para a adolescência, progresso e futuro em
que o nome da revista (Currículo) serve, ao mesmo tempo, como maçaneta e um guia a ser
seguido para atingir os objetivos da proposta de ensino.
A fotografia utilizada para estampar a capa do documento foi além de um suporte
ilustrativo. Com o intuito de relacionar a atividade laboral registrada na imagem, expondo os
objetivos da Lei n.º 5.692/1971, o documento explorou uma rede simbólica, que, por meio do
alcance visual, permitiu potencializar o campo discursivo contido no enunciado da legislação e
dos pareceres que orientaram a organização curricular. Como um suporte material, a imagem
foi idealizada em Curitiba e circulou por todo o estado; juntamente com o conteúdo dos
documentos oficiais, apresentava a “pedagogia visual” sobre o ensino almejado por meio da
legislação.
Para os historiadores Cláudio de Sá Machado Júnior e Maria Letícia Mazzucchi Ferreira,
a análise das imagens presentes nos impressos permite conhecer “também aquilo que não está
visível em sua materialidade, caracterizando-se como códigos culturais que remetem para além
do recurso visual” (MACHADO JÚNIOR; FERREIRA, 2012, p. 420).
A imagem estampada na capa da Diretriz Curricular não possui data, nem o nome do
fotógrafo/a ou informações sobre o personagem da capa. O enquadramento da fotografia coloca
o menino em primeiro plano, enfatizando a atividade laboral desenvolvida. A utilização do tom
laranja e a posição lateral do menino dificultam a identificação do fotografado. A imagem
apresenta um menino, desenvolvendo atividade de marcenaria, que se tornou recorrente nas
escolas após o preconizado na Lei n.º 5.692/1971. Usando uma camisa considerada moda na
época, o menino fotografado possui um olhar voltado à atividade que desenvolve com atenção
85

e segura com firmeza o formão74 para moldar o objeto de madeira. A segurança expressa no
olhar junto com o toque no instrumento de trabalho demonstra possivelmente que se tratava de
alguém que já estava habituado com o trabalho. Não é possível saber se a fotografia foi
registrada em uma escola ou em um outro espaço (oficina, indústria, etc.). Ou ainda, se o menino
era um estudante da rede estadual de ensino. O importante é destacar que a imagem foi utilizada
na capa de um currículo voltado à formação para o trabalho no estado do Paraná. Ou seja, um
menino considerado apto para assumir a função de trabalhador num projeto desenvolvimentista.
Vale observar, ainda, que a imagem remete a um artesão, e menos a um operário da indústria.
Como forma de direcionar o projeto de ensino, a equipe da Currículo sistematizou as
disciplinas que deveriam integrar o currículo de primeiro grau a ser desenvolvido no estado do
Paraná. Diante da obrigatoriedade do ensino até os 14 anos de idade, que, em “idade escolar
correta” serviria como marca da finalização do ensino fundamental, ao menos na letra da lei
os/as estudantes que concluíam essa fase de estudos poderiam optar por dar continuidade aos
estudos por meio da formação técnica ou ingressar no mercado de trabalho sem o
aperfeiçoamento profissional do ensino médio.
Logo no título de apresentação da Diretriz Curricular, o enunciado do documento
afirmava o seguinte:
[...] apresenta as primeiras sugestões de diretrizes curriculares para o ensino de 1º
grau, numa tentativa de definir as matérias com as quais trabalha a escola de 1º
grau, colocar seus princípios e caracterizar a metodologia, atendendo à
fundamentação teórica e legal, à estrutura e ao desenvolvimento do aluno”
(REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 9, grifo do autor).

Por meio desse enunciado, a Equipe de Currículo manifestou sentir-se insegura frente
aos objetivos educacionais em relação à nova Diretriz Curricular. Mesmo que a proposta tenha
sido organizada com base no cumprimento da Lei n.º 5.692/1971 e dos pareceres de ensino, o
documento informou que “todas as sugestões permanecem ao nível de linhas gerais, cabendo à
escola e ao professor a sua especificação, desde que sejam atendidas as grandes funções do
currículo para o ensino de 1º grau” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 11). Ou seja, a
dificuldade em estabelecer um currículo que atendesse a todo o estado, fez com que a equipe
de Currículo optasse por centralizar a proposta curricular com base na capital, Curitiba.
Uma primeira questão importante é identificar qual o currículo apresentado ao estado
do Paraná. Para isso, confiro a edição do volume um, n.º 3 da revista, para identificar as
aproximações e distanciamentos com a legislação nacional, as esfericidades do estado do

74
Instrumento utilizado para trabalhar a madeira.
86

Paraná, com a intenção de perceber como as marcações de idade – com base na infância e pré-
adolescência – foram utilizadas (ou não) na elaboração da recomendação curricular.
A partir da análise da Diretriz Curricular, compreendo a proposta educacional do estado
do Paraná como uma urgência disciplinar. Sustento essa percepção como uma categoria
analítica para perceber as intencionalidades do ensino e as expectativas construídas em relação
aos/as estudantes. Deste modo, os marcadores sociais de classe social, relações de gênero,
corpo, idade e raça estiveram presentes na proposta de ensino e, de forma interseccional, foram
levados em consideração na análise do enunciado do documento.

2.2 – O currículo dos/as trabalhadores/as


Ao longo das 319 páginas da publicação do volume 1, n.º 3 da revista, estão o resultado
de um longo debate e a interpretação da equipe da Currículo sobre a Lei n.º 5.692/1971 e dos
pareceres destinados à complementação da legislação. Com esse esforço em atender a um novo
modelo educacional, de forma simbólica, a revista consolida um projeto de futuro para a
população infantojuvenil que se constitui no presente.
O modelo curricular apresentado no periódico foi composto por dois grandes grupos de
disciplinas. Sem estabelecer uma linearidade ou um roteiro, a apresentação da proposta
curricular ora indica os encaminhamentos para cada disciplina, ora conteúdos e/ou os
fundamentos de estudos de cada área. Para melhor compreender as recomendações da revista,
a análise será desenvolvida com base nas áreas de estudo. A tabela 3: “Grade Curricular”,
informa sobre a distribuição de disciplinas conforme a área de estudo e série.
Como lembra Tomas Tadeu Silva, o currículo é um espaço de disputa que não se limita
aos debates científicos em torno das disciplinas que devem integrar ou não a matriz curricular.
Para o autor, “as narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam
noções particulares sobre o conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os
diferentes grupos sociais” (SILVA, 2011, p. 186). A proposta apresentada pela CFE em nível
federal e, seguida, pela equipe da revista Currículo do estado do Paraná, demonstra as
expectativas de uma sociedade que poderiam ser forjadas por meio de uma proposta de ensino.
A proposta contida na tabela foi apresentada como uma sugestão a ser seguida nas
escolas do estado do Paraná. Entretanto, a ausência de disciplinas opcionais para substituir a
grade curricular sugerida mostra que o currículo prescrito deveria ser implementado sem
mudanças.
87

Tabela 3: “Grade Curricular”


GRADE CURRICULAR

1ª à 4ª 5ª à 8ª
ÁREA Conteúdos específicos
série série
Língua Portuguesa
Comunicação
Educação Artística X X
e expressão
Educação Física
GRUPO PARTE COMUM

História
Geografia
Estudos
OSPB X X
Sociais
Educação Moral e Cívica
Ensino Religioso

Matemática
Ciências Físicas
Ciências X X
Ciências Biológicas
Programas de Saúde
DIVERSIFICADA
GRUPO PARTE

Iniciação para Técnicas Agrícolas


Iniciação para
Iniciação para Técnicas Industriais
o trabalho
- X
Iniciação para Técnicas Comerciais e de
Serviços

ORG: ZALUSKI, 2019. Fonte: PARANÁ, REVISTA CURRÍCULO, 1973.

Essa estrutura, considerada rígida, levou as equipes pedagógicas das escolas do estado
a unificarem seus currículos de ensino conforme os objetivos já elencados na Lei n.º
5.692/1971, pelos pareceres federais e os debates promovidos pela equipe de Currículo do
estado do Paraná.
A grade curricular apresenta a distribuição das disciplinas para cada fase do ensino
fundamental, da 1ª à 4ª série, apenas com disciplinas de núcleo comum, divididas em três
grandes grupos: Comunicação e Expressão; Estudos Sociais e Ciências; já para o ensino da 5a
à 8a série, tinha como diferencial apenas a parte diversificada, que integrava os grupos de
iniciação para o trabalho, correspondente às disciplinas que deveriam integrar a sondagem de
aptidão para fins de formação profissional.75

75
Apenas na década de 1940, por meio do Decreto-lei nº. 8.529, de 2 de janeiro de 1946, passaram a ser garantidas
a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. Com as devidas reformulações, no Paraná, foi apenas a
partir da implementação da Lei nº. 7962, de 1984, que foi proibida a cobranças de mensalidades em
estabelecimentos de ensino público no estado, isso fez com que o ensino fundamental e de segundo grau se
tornassem gratuitos. Até então, era necessário o pagamento de uma taxa mensal. Mesmo a oferta de algumas
isenções (matrícula, merenda e mensalidade) não garantia que todos/as pudessem custear os estudos. Conforme
88

Com a implementação da Lei n.º 5.692/1971 em nível nacional, a conclusão do ensino


fundamental foi apresentada como uma forma de adquirir os conhecimentos necessários para
assumir uma atividade profissional. Dada a obrigatoriedade de vagas nas instituições de ensino
para a população infantojuvenil até os 14 anos de idade, muitos/as dos/as estudantes não deviam
ter dado continuidade aos estudos, pois ingressavam no mercado de trabalho (ou, em muitos
casos, antes mesmo da conclusão da 8ª série) em função das dificuldades de custear os estudos
(mensalidades altas ou dificuldade em adquirir materiais didáticos). Ou seja, naquele momento,
a formação de segundo grau exercia grande impacto no processo de reprodução social (e quiçá
mobilidade social), favorecendo apenas quem pudessem pagar pelos estudos.
A manutenção dessa distribuição das disciplinas, baseada na idade/série, na diretriz
curricular, dialoga com as inquietações de Michel de Foucault, ao investigar sobre as
instituições sociais e as formas de vigilância. Conforme o autor:

A colocação em “série” das atividades sucessivas permite todo um investimento da


duração pelo poder: possibilidade de um controle detalhado e de uma intervenção
pontual (de diferenciação, de correção, de castigo, de eliminação) a cada momento do
tempo; possibilidade de caracterizar, portanto de utilizar os indivíduos de acordo com
o nível que têm nas séries que percorrem, possibilidades de acumular o tempo e a
atividade, de encontrá-los totalizados e utilizáveis num temporal para lucrar com isso
e se conservar o domínio de uma duração que escapa. O poder se articula diretamente
sobre o tempo; realiza o controle e garante sua utilização (FOUCAULT, 2013, p. 154).

Sendo assim, como um processo marcado pela utilidade da qualificação, a proposta de


ensino tanto em nível federal, quanto no Estado do Paraná, podem ser consideradas como
procedimentos disciplinares utilizados para gerir os indivíduos. A entrada de um novo público
na escola, livre de exames admissionais, estendia a disseminação de valores compartilhados
pela escola. O denominado sucesso escolar, presente em outras questões, caminhava, pelo
tempo de formação do aluno/a, junto com um sistema baseado na exclusão ou inclusão. Ou seja,
em conjunto com o ensino, ao passar para cada fase da vida, o sucesso rumo à cidadania
delimitaria o que cada grupo deveria fazer ou não. Assim, estariam incluídos/as os/as que
poderiam ser utilizados para a manutenção do tecido social movido pelo capitalismo; caso
contrário, estariam sob a vigilância de outros aparatos (jurídico, policial, etc.), com a
possibilidade de abrigamento para fins correcionais.
É evidente que na Diretriz Curricular a distribuição do ensino escolar deveria atender
ao processo de aprendizagem e controle dos/as estudantes com base na idade. Fator esse que

o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início da década de
1980, no Brasil, a taxa de escolarização de conclusão do ensino médio era de 33,3% da população em “idade
escolar”. Já, no estado do Paraná, esse índice atingia apenas 28,4% da população em idade escolar.
89

reforça o investimento individual nos/as estudantes para a sua própria utilidade. O documento
afirmava que “as necessidades do desenvolvimento individual” estavam em consonância com
as necessidades do desenvolvimento social (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 11). Além dos
debates específicos dos conteúdos de cada disciplina (escolar), o documento reforçava o debate
pedagógico sobre o desenvolvimento do ensino de acordo com a distribuição etária. Essa
fundamentação estava aliada aos estudos da psicologia da educação, mas que, com base na
proposta tecnicista, essa estrutura deveria garantir ao/à estudante a possibilidade de interagir
com a sociedade conforme as expectativas construídas para o seu futuro. Ou seja, adentrar no
mercado de trabalho a partir de suas experiências no âmbito escolar.
Apoiado no discurso da Psicologia da Educação, a edição da revista Currículo trouxe de
forma detalhada a metodologia e os objetivos de cada disciplina. De acordo com o enunciado
da Diretriz Curricular, a proteção da considerada infância constitui um dos discursos que
sustentaram parte das propostas de ações pedagógicas. No âmbito educacional, a organização
do ensino da 1ª a 4ª série apresentou um plano de ensino conforme as etapas de desenvolvimento
cognitivo, como também buscou garantir o afastamento dos/as estudantes do que fosse
considerado como pertencente ao mundo dos adolescentes e dos adultos. Já o ensino
fundamental da 5ª à 8ª série, segundo o proposto na Diretriz Curricular, era o momento de
preparação para a vida adulta através da socialização para o trabalho. Essa projeção foi
intensificada com a finalidade de legitimar o trabalho exercido pelos adolescentes que
assumiriam atividades profissionais consideradas modernas.
A proposta educacional tinha por objetivo proporcionar o desenvolvimento “do
indivíduo e da sociedade”. A perspectiva configurava-se “como uma contribuição para o
processo global da educação” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 10). Tal afirmação salienta
a busca em promover o ensino escolar norteado também por debates internacionais. Dessa
forma, o currículo, além de promover o interesse nacional e estadual (especialmente quando
colocado em prática), deveria estar conectado com o global. É importante lembrar que, nesse
período, o debate anticomunista foi levado a cabo pelo governo federal como forma de impedir
leituras ou a circulação de qualquer material considerado subversivo.
A historiadora Nadia Gaiofatto Gonçalves (2012) informa que a elaboração da Lei nº
5.692/1971 foi desenvolvida tendo em vista os preceitos da Doutrina de Segurança Nacional
(DNS), elaborada em parte através de debates ocorridos na Escola Superior de Guerra (ESG).
Entre os objetivos da referida lei, estavam o desenvolvimento econômico do país, bem como o
combate às possíveis influências do comunismo. É importante lembrar que a ESG era liderada
por militares do Exército desde fins da década de 1940. A preocupação com o ensino escolar
90

era de desenvolver interesses e aptidões individuais, mas que correspondessem aos objetivos
da ESG.
Ainda de acordo com Gonçalves, os objetivos do ensino escolar sob a ótica da ESG
consistiam em “ajudar a pessoa em sua autorrealização; fazer do indivíduo um bom cidadão;
fazer do indivíduo um trabalhador produtivo, dentro de uma sociedade aberta, acessível, e fazer
do indivíduo um bom membro da família e da comunidade” (GONÇALVES, 2012, p. 16). Esses
preceitos estavam presentes nos encaminhamentos metodológicos e na organização curricular
da Diretriz Curricular do estado do Paraná. Nessa proposta, a preocupação com um
desenvolvimento moral dos/as estudantes norteou a distribuição dos conteúdos e objetivos com
base nas distinções de idade, pois, em meio aos conteúdos, prevaleceu a ideia de que a
realização pessoal de cada estudante interferia no sucesso pessoal, no da família e no do
desenvolvimento nacional. Ou seja, a passagem da infância para a vida adulta constituir-se-ia
como um processo de afirmação e reconhecimento de uma adolescência regulada.
Como uma adesão ao modelo de ensino tecnicista, a publicação da revista Currículo
indicava a necessidade de se valorizar o conhecimento e o desenvolvimento da autonomia
dos/as discentes. Conforme o documento, o educando deveria “ser orientado a chegar, por si
próprio, à redescoberta dos princípios gerais, em relação aos quais, em cada caso, o
conhecimento é funcionalmente uma aplicação” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 51). Esta
era apontada como uma característica do ensino técnico, a saber: ele não visava à compreensão
de um assunto, mas, por meio de exercícios repetitivos, objetivava a sua aplicabilidade. Assim,
por meio da realização contínua em provas, pretendia-se que o exercício fosse repetido até o/a
estudante obter o acerto, sem necessariamente saber como fazê-lo.
Diante das especificidades de cada grupo de disciplinas, pretendo, a seguir, analisar as
particularidades de cada área de estudos associada às tentativas de preparar uma adolescência
para o mercado de trabalho, mas ideologicamente alinhada aos ditames da ditadura militar.

2.2.1 Comunicação e expressão: estéticas corporais desejáveis


Tendo em vista seguir o proposto na legislação federal, a equipe do Currículo apresentou
como componente curricular do grupo Comunicação e Expressão as disciplinas de “língua
portuguesa, educação artística e educação física”, e os conteúdos específicos que deveriam
integrá-la.
No que corresponde ao ensino de Comunicação e Expressão, considerada pelo grupo
como algo relativamente novo no Brasil, afirmava-se ser, “preciso ressaltar que o excesso de
novidades e mudanças trazidas pela Lei n.º 5.692/1971 para o professor e para a escola”, tinham
91

perturbado a visão pedagógica. A comunicação ‘lamentava’ que tais posições ainda não
estivessem “suficientemente claras”” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 39). A equipe
pedagógica do estado, diante da experiência de trabalho já acumulada, manteve-se resistente
frente aos novos conteúdos e metodologias de ensino. Talvez esse tenha sido um dos motivos
para a equipe do Currículo ter dedicado considerada quantidade de páginas à comunicação e
expressão, se comparada à dedicada aos demais grupos da Diretriz Curricular.
Nos encaminhamentos destinados às disciplinas de “língua portuguesa, educação
artística e educação física”, que integram o grupo Comunicação e Expressão, com as
especificidades das disciplinas de seu grupo - voltadas a desenvolver as potencialidades
individuais dos/as estudantes -, nota-se que os encaminhamentos metodológicos estavam em
consonância com a vertente pedagógica do ensino tecnicista, mas que também se haviam feito
aproximações com os valores compartilhados pela ESG.
Em relação à língua portuguesa, o documento informava:
[O seu ensino visará] ao cultivo de linguagem [sic] que ensejem ao aluno o contato
coerente com seu semelhante e a manifestação harmônica de sua personalidade,
nos aspectos físicos, psíquico e espiritual, ressaltando-se a Língua Portuguesa como
expressão da Cultura Brasileira” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 13; grifos do
autor).

Assim, o ingresso na segunda fase do ensino fundamental também deveria ser marcado
por uma ruptura que/a estudante deveria sentir tanto em relação aos conteúdos estudados,
quanto às metodologias utilizadas em cada disciplina. Nessa conjuntura, o objetivo do conjunto
de disciplinas de Comunicação e Expressão ia muito além do saber ler e escrever na língua
portuguesa, pois “o indivíduo, ao entrar na escola, já sabe utilizar a língua pátria. À escola cabe
oferecer-lhe oportunidades de desenvolver a fluência verbal” (REVISTA CURRÍCULO, 1973,
p. 36). Nesse momento, o ensino da linguagem passava a ser compreendido como um processo
além da oralidade e da escrita.
Conforme a Diretriz Curricular:
Salientam-se os códigos, as convenções impostas pela cultura de que os indivíduos
fazem parte, indispensáveis para a base comum de compreensão mútua, mas também
se considera o desenvolvimento das possibilidades expressivas de seres humanos em
que, como criador, interfere na evolução da própria cultura, pela busca de soluções e
perspectivas novas, diante de novas situações” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p.
13. Grifos do autor).

Nessa nova compreensão de linguagem e ensino, a importância do estudo era atribuída


ao caráter comunicativo atrelado às relações socioculturais. Com base nesse direcionamento,
os/as estudantes deveriam perceber-se como integrantes da sociedade, capazes de contribuir
para o considerado bem comum. Tal como aponta o documento, “pela busca de soluções e
92

perspectivas novas, diante de novas situações”. Com base no enunciado do documento, o


ingresso dos/as estudantes na 5º série seria marcado por rupturas, que, ao tempo em que
condiziam com a saída da infância, contribuiriam para firmar o pertencimento dos/as estudantes
como adolescentes. Para cumprir tal proposição da Comunicação e Expressão, a equipe do
Currículo distribuiu os objetivos da disciplina com base em três grandes grupos, que deveriam
integrar os encaminhamentos da prática docente. Para isso, o/a professor deveria explorar a:
“Inter-relação, Código, Cultura, Estímulo Ambiental e Capacidade individual”.
Como continuidade das concepções pedagógicas desenvolvidas pela Escola Nova, o
documento apontou a necessidade de também “oportunizar a apreciação das produções do aluno
pelos colegas de classe” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 19). Tendo em vista a percepção
de que as crianças e os adolescentes produzem conhecimento no cotidiano escolar, as
concepções educacionais apresentadas pela Diretriz Curricular estavam em consonância, em
alguns aspectos, com os debates feitos por pedagogos/as estrangeiros e brasileiros desde a
década de 1930.
A historiadora Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato, em sua tese de
doutoramento em História, ao estudar os primeiros “Ginásios Estaduais Vocacionais no Estado
de São Paulo”, identificou haver sido desenvolvido um modelo que contribuiu para “forjar uma
cultura escolar renovada para o secundário”, apoiada, esta, em modelos pedagógicos
escolanovistas. A proposta buscava diminuir as desigualdades e as dificuldades reafirmadas por
um modelo rígido sustentado por disciplinas. Os ginásios contaram com estudos pautados na
realidade dos/as estudantes, na tentativa de melhor se aproximar da realidade (estudantes e
comunidade) e de valorizar o desenvolvimento de ensino produzido na escola (FAGIONATO,
2018).
Com aproximações a esse modelo educacional, a proposta da Diretriz Curricular visava
garantir a aprendizagem e valorizar o conhecimento produzido em sala de aula. Para atender a
tal propósito, os conteúdos deveriam ser trabalhados de modo a se interrelacionar e a promover
o desenvolvimento dos/as estudantes. Nessa perspectiva, a Diretriz Curricular informou a
necessidade de:
[...] grupar e reagrupar os alunos conforme os interesses e a idade; oportunizar
a diversificação das atividades dentre de uma mesma classe; fazer a programação
das atividades levando em conta o nível e o tipo de experiências de cada um dos
alunos, isto é, os vocabulários que lhe são familiares as suas formas visuais de
expressão” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 34).

O ensino escolar fundamental da 5º à 8º série deveria se diferenciar do primário por


meio dos conteúdos, objetivos, distribuição no espaço físico na/da escola e, acima de tudo, por
93

uma prática educacional atenta à passagem da infância para a adolescência que proporcionasse
uma educação aliada a uma urgência disciplinar pautada em um modelo de adolescente,
idealizado para exercer atividades de trabalho e seguir os preceitos da ditadura militar. Essa
ruptura esteve em consonância com as concepções pedagógicas pautadas na aprendizagem com
base nas etapas do desenvolvimento cognitivo, alicerçadas também nas distinções de gênero e
idade. Para atender em parte a esse objetivo, a Diretriz Curricular destacou que os/as docentes
deveriam rever metodologicamente as práticas educacionais que desenvolviam.
Conforme o documento, “entende-se por metodologia, nesse trabalho, a maneira como
o professor aplica e utiliza os conhecimentos que tem da matéria no processo ensino-
aprendizagem” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 35). Assim, o novo modelo de ensino
proposto para o estado do Paraná, mesmo tendo aderido a procedimentos com vistas a atender
à Lei n.º 5.692/1971, manteve aproximações com concepções pedagógicas da Escola Nova.
Essas modificações podem ser identificadas ao analisar as propostas do ensino de gramática,
por exemplo, a qual integrava o rol de conteúdos de Comunicação e Expressão. Junto com a
tentativa de promover rupturas com modelos e metodologias até então utilizados, a Diretriz
Curricular apontou críticas ao ensino escolar que priorizava a aprendizagem dos conceitos
gramaticais. Conforme o documento:
Vale insistir na metodologia até agora descrita, solicitando-se do professor o
cuidado, desde o início, de ampliar as condições de linguagem do aluno,
“esquecendo” os conceitos gramaticais e as nomenclaturas, ajustando e usando, com
o aluno, os novos hábitos decorrentes de sua aprendizagem. Assim, por exemplo,
num automatismo do mais simples que é a separação de sílabas, em vez de enfatizar
a classificação em dissílabas, trissílabas, etc., mostrar ao aluno que o conhecimento
da sílaba serve para separar as palavras ao terminar a linha, na margem direita
do papel em que escreve (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 38).

Por essa proposta, é possível perceber que não competia aos/as professores/as escolher
e definir os conteúdos e temas a serem trabalhados em sala. Diferente da Escola Nova, que
propunha relacionar os conteúdos ao cotidiano escolar dos/as estudantes, a proposta tecnicista
apresentou um conteúdo pronto pouco voltado ao diálogo e ao desenvolvimento crítico. Caberia
aos/as docentes reproduzir os conteúdos para desenvolver uma aprendizagem instrucional.
Sendo assim, era necessário “executar o programa, reforçando gradualmente as respostas
corretas correspondentes aos objetivos” (LIBÂNEO, 1990, p. 30).
Comparado aos demais grupos da proposta curricular, o programa Comunicação e
Expressão teve a maior carga horária distribuída de todo o currículo. Dadas as atribuições de
cada disciplina, esse conjunto teve grande influência em toda a construção da proposta de
ensino. A linguagem, como pertencente aos códigos de comunicação e expressão, deveria ser
94

ensinada como algo além da fala e escrita, pois deveriam ser compreendidos os códigos gestuais
manifestados no cotidiano. Segundo a Diretriz Curricular, essa compreensão também deveria
ser proporcionada por meio do estudo da cultura. Conforme o documento, “cultura significa o
conjunto de hábitos, conhecimentos, percepções, crenças, ações e convenções que caracterizam
um agrupamento humano” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 22). Sendo assim, cada equipe
responsável pela instituição escolar deveria considerar, como aspectos culturais, “os hábitos
peculiares de expressão”, pois era função da escola “levar o aluno a sentir os contrastes nas
diversas formas de expressão, segundo as regiões, os grupos étnicos e sociais” (REVISTA
CURRÍCULO, 1973, p. 26).
Para Libâneo, no modelo tecnicista, as concepções liberais foram utilizadas para
sustentar desigualdades de classe. Nessa perspectiva, o viés cultural serviu como forma de
naturalizar as desigualdades sociais com base no sucesso individual. Ou seja, a percepção
tecnicista estava atrelada ao acesso às condições materiais para obter sucesso nos estudos.
Segundo Libâneo (1990, p. 22), a ênfase no aspecto cultural escondia a realidade das diferenças
de classes, pois, embora difundisse a ideia de igualdade de oportunidades, não levava em conta
a desigualdade de condições. Neste sentido, sob o discurso de igualdade de condições para o
sucesso escolar, o modelo educacional implementado contribuía para reforçar distintas
desigualdades existentes, principalmente nas de classe.
Saliento que o reforço das desigualdades sociais não se limitou a questões econômicas.
É importante destacar que a proposta de ensino propunha também o reforço das distinções
sociais relativas às relações de gênero, como na disciplina de Educação Artística, por exemplo.
A movimentação corporal, a criação artística por meio do manuseio de objetos, dentre outras
atividades, foram apresentadas no documento como possibilidades de os/as estudantes
desenvolverem a aprendizagem através da experiência prática. Contudo, a distribuição dos
conteúdos indicava que deveria existir uma atenção especial que levasse em consideração as
diferenças de gênero, como se as distinções entre elas reafirmassem a sexualidade. Era,
evidentemente, uma tentativa de “combater a subversividade”. O documento informava
também que, ao realizar uma atividade, o aluno podia, “no momento da observação, criar uma
imagem subjetiva mais emocional que visual, devendo ser respeitada a sua individualidade de
expressão” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 271). A proposta curricular apoiava-se em uma
compreensão da pré-adolescência que entendia esse período da vida como uma fase em que as
subjetividades estavam ainda em formação. Essa educação “dos sentidos” teria impacto
diferenciado conforme as distinções de gênero, como veremos no quarto capítulo, em função
95

das políticas de masculinidade e feminilidade implementadas desde a tenra idade para homens
e mulheres como reforço das distinções de gênero.
Ainda em Educação Artística, foram mantidas as atividades práticas, em razão,
principalmente, de esse conhecimento sobre o corpo fazer-se necessário para o desempenho de
determinadas atividades laborais exercidas por homens e mulheres, algumas delas para além do
mundo do trabalho formal. Conforme o documento, era necessário desenvolver nos/as
estudantes a “conscientização dos movimentos corporais realizados dia a dia, em diversas
atividades, tais como: - lavar roupa, lavar o carro, cortar a grama, etc.” (REVISTA
CURRÍCULO, 1973, p. 304). As proposições da Lei n.º 5.692/1971, em relação a “qualificar
para o trabalho”, estavam presentes de várias formas no documento produzido no Paraná. Havia
nele uma projeção sobre o futuro do/as estudantes marcada por concepções do presente sobre
ser um/a adolescente trabalhador/a.
Conforme o documento, a perspectiva de “qualificar para o trabalho” deveria ser
mantida em todas as disciplinas. Na disciplina “Educação Física”, por exemplo, dever-se-ia
durante o ensino primário, priorizar o seu caráter recreativo. Já na adolescência deveriam ser
priorizados os “valores de ordem psico-espiritual, higiênica, psico-motora, ritualística,
corretiva, social e recreativa do educando” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 76). Na prática,
essa disciplinarização do corpo assumia a condição de atividade preparatória para o trabalho,
com atenção especial para afastar o/a estudante de qualquer situação apontada como indesejada.
É importante lembrar que a disciplina de Educação Física era regida por uma legislação
própria. A organização curricular para essa disciplina foi desenvolvida com base no Decreto n.º
69.450/71, de 1º de novembro de 1971. Foi este o motivo que levou a Equipe de Currículo a
contar com o apoio do Grupo de Estudos do Departamento de Educação Física e Desportos do
estado do Paraná. Com a devida atenção às recomendações do referido decreto, o enunciado da
Diretriz Curricular apresentou muitas observações seguidas de trechos do Decreto n.º
6.9450/71. Na proposta curricular, foram feitas referências ao Decreto-lei n.º 1.044, de 21 de
outubro de 1969, que instituiu tratamento especial para pessoas que tivessem algum problema
de saúde, e ao Decreto-lei n.º 705, de 25 de julho de 1969, que isentava da prática da educação
física os/as estudantes do período noturno que “comprovassem, semestralmente, mediante a
apresentação da carteira profissional ou funcional, devidamente assinada, exercer emprego
remunerado de jornada diária igual ou superior a 6 (seis) horas” (REVISTA CURRÍCULO,
1973. p. 77). Também eram dispensadas as gestantes, os estudantes acima de 30 anos e/ou que
estivessem cumprindo serviço militar. Ou seja, como uma prática corporal que demandaria a
realização de exercícios físicos, a Educação Física não deveria trazer problemas para os/as
96

estudantes que já estivessem no mercado de trabalhado, o cansaço físico poderia intervir na


produtividade.
A implementação da Educação Física como disciplina escolar apresentava extenso
debate e aproximações com as propostas de governo de cada período. Até o início do século
XX, a disciplina possuía caráter recreativo. Nas políticas educacionais do primeiro governo de
Getúlio Vargas, foi utilizada com a finalidade de incorporar uma prática pautada sob
perspectivas que sustentavam a eugenia e o militarismo. Essa abordagem era influenciada pelas
políticas eugênicas desenvolvidas no período na Europa e na América do Norte, principalmente
em decorrência da 2ª Guerra Mundial76. Com a Lei n.º 4.024/1961, a Educação Física passou a
ser obrigatória “nos cursos primário e médio, até a idade de 18 anos”. Após o golpe de 1964, a
disciplina passou por novas reformulações, com a aproximação às ideologias autoritárias que
dialogavam com concepções desenvolvidas durante o primeiro governo de Getúlio Vargas.
Conforme apresentado na Diretriz Curricular, quando não fosse possível realizar práticas
esportivas por condições climáticas, fazia-se necessária “a abordagem de problemática de
saúde, jogos, higiene, aptidão física, civismo, campismo” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p.
79). Ou seja, a Educação Física deveria contemplar a preparação corporal para o trabalho e
também atender a propósitos sustentados pelo patriotismo.
Para o educador Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, a proposta acerca do ensino de
Educação Física nas escolas, durante a ditadura militar, não ficou restrita à formação moral
dos/as estudantes. Para o autor, o Brasil acompanhou debates internacionais sobre o esporte que
repercutiram na organização curricular da disciplina de Educação Física. Estabelecida a
incorporação da educação física para a melhoria do rendimento do/a trabalhador/a, segundo
Oliveira, “o esporte foi a coroação de um mundo de competição, concorrência, liberdade,
vitória, consagração. Sugerido de forma exclusiva pelos órgãos oficiais para a educação física
escolar, ele carregava toda a simbologia de um mundo de lutadores e vencedores” (OLIVEIRA,
2004, p. 13). Assim, o esporte, como um treinamento corporal para o melhor desempenho das
atividades laborais, deveria contribuir para a efetivação da manutenção do sistema capitalista,
marcado pela competição e o sucesso pessoal. O que também garantiria a formação de um perfil
desejado de adolescente pois se pretendia que fosse trabalhador/a estivesse aliado/a à
manutenção do sistema capitalista, aos preceitos da ditadura militar, e que o sucesso
profissional/pessoal do/a estudante dependesse unicamente da meritocracia.

76
Cf. LENHARO, Alcir. A Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986.
97

A disciplina Educação Física deveria proporcionar o conhecimento e o domínio sobre


diferentes esportes associados ao cotidiano dos/as estudantes. Conforme a tabela 4 - Prioridades
esportivas -, elaborada com base nas informações da Diretriz Curricular, deveriam ser
priorizados os esportes nela listados.
Tabela 4: Prioridades esportivas
PRIORIDADES ESPORTIVAS

SÉRIE
ESPORTE 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1º 2º 3º
Ginástica Educativa X X X X X X X X X X X
Atletismo X X X X X X X X X X X
Ginástica Olímpica/ Competição - - X X X X X X X X X
Pequenos Jogos X X X X X X X X X X X
Jogos Predesportivos - - X X X X X X - - -
Natação X X X X X X X X X X X
Dança Folclórica e Criativa X X X X X X X X X X X
Handebol - - - - X X X X X X X
Basquetebol - - - - X X X X X X X
Volibol [SIC] - - - - X X X X X X X
Campismo - - X X X X X X X X X
Higiene e Saúde X X X X X X X X X X X
Org. Desportiva e Arbitragem - - - - - - - X X X X
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: Revista Currículo, 1973, p. 82.
Legenda: Ensino Primário Ensino Fundamental Ensino de Segundo grau.

Com base na análise da tabela, é possível afirmar que a obrigatoriedade de praticar os


esportes registrados exigia um grande investimento na estrutura das escolas, e, ainda, que “os
estabelecimentos de ensino deverão dispor de um médico assistente para a Educação Física”
(REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 79). O saber médico estava incorporado aos discursos
pedagógicos sobre a Educação Física. Um discurso autorizado que agiria muito além da
consulta sobre as condições de saúde dos/as estudantes, pois estavam submetidos
(corpo/gênero) a decisão médica como parte do seu sucesso, ou não, no esporte - uma primeira
forma em investir na disciplina do corpo para o trabalho.
Para o melhor desempenho da disciplina Educação Física, a Diretriz Curricular
apresentou detalhadamente, da página 232 a 266, todas as atividades obrigatórias para cada
modalidade. No que compete a esta tese, cabe perceber como distintos marcadores sociais
foram utilizados para a organização dessa proposta. A sugestão com base na idade/série
demostra uma típica forma utilizada para dividir os/as estudantes conforme o desenvolvimento
corporal relacionados a força, agilidade, dentre outras qualidades exigidas para cumprir as
atividades que, na medida que saíssem da infância, supostamente estariam aptos/as a praticar
determinados esportes. Parte disso pode ser observada na quantidade de voltas exigidas para a
98

corrida na quadra esportiva, de voltas na piscina olímpica, ou na realização de exercícios nas


barras, por exemplo. Contudo, com a marcação corpo/idade/série, as marcações de gênero, com
base na distinção masculino x feminino, também foram utilizadas para direcionar a divisão de
turmas e a distribuição dos exercícios físicos, exigindo-se maior uso da força física do corpo
masculino. Some-se a essa pretensão a relação entre saúde, beleza, atleta, como sinônimos da
construção de uma estética corporal para o trabalho e, ao mesmo tempo, para construir novos
hábitos sob a ótica da saúde.
Ainda em relação à intersecção gênero/idade/série, o documento informou que, “a
Dança Folclórica e Criativa será para ambos os sexos da 1ª à 4ª série do 1º grau e facultativa
para o sexo masculino. Da 5ª à 8ª série, dar-se-á prioridade às danças folclóricas brasileiras”
(REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 82). O enunciado apresentava indícios da percepção sobre
a infância, principalmente sobre quais manifestações corporais se autorizavam para essa fase
da vida. Por permitir a dança durante o ensino primário, estudantes de ambos os sexos eram
livres para dançar. Uma intersecção entre corpo, gênero e idade/série que se modificaria
conforme a entrada dos discentes na pré-adolescência. A idade e o sexo eram os elementos
reguladores que autorizavam ou não a praticar a dança. De forma naturalizada, as meninas
deveriam realizar obrigatoriamente as atividades voltadas à dança. Por outro lado, dava-se
autonomia aos estudantes do sexo masculino para efetuar tal prática, ou não.
Essa proposta também vai ao encontro do interesse em promover um ensino que
conhecemos como interdisciplinar, já que a Educação Física deveria dialogar com o ensino de
artes e das questões culturais. Entretanto, a preocupação em restringir a prática da dança apenas
ao que fosse considerado folclórico (festa junina e de temáticas indígenas) demostra a sua não
valorização enquanto cultura, mas, sim, um reforço da cultura do colonizador, pela qual a vida
urbana era supostamente superior à do campo.
As recomendações curriculares para a área de estudo de Comunicação e Expressão eram
de maior vulto, em comparação com as outras áreas de estudo. Talvez isto se deva ao fato de a
proposta da área ser considerada inovadora, ou, ainda, por reconfigurar metodologias de ensino
anteriores para atender aos preceitos elencados na formação para o trabalho e às exigências
impostas pelos governantes da ditadura militar.

2.2.2 Estudos sociais: a internalização de valores sociais durante a “pré-adolescência”


Conforme o Parecer n.º 853/71, de 12 de novembro de 1971, do CFE, destinado à
orientação de composição para o “Núcleo-comum para os currículos do ensino de 1º e 2º graus”,
o ensino de Estudos Sociais deveria proporcionar o “ajustamento crescente do educando ao
99

meio, cada vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver como conviver”, sem
deixar de atribuir a devida “ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual do seu
desenvolvimento” (BRASIL, Parecer n.º 853/71, 1971, p. 177).
Para atender ao objetivo acima descrito na área de “Estudos Sociais, o componente
curricular deveria ofertar as disciplinas de História, Geografia, Ensino Religioso, Organização
Social e Política do Brasil (OSPB) e Educação Moral e Cívica (EMC). As duas primeiras
tiveram sua grade de conteúdos modificada em função dos interesses da ditadura militar. Já as
duas últimas foram criadas/reformuladas na época e possuíam legislação própria. A EMC se
tornou obrigatória desde a promulgação do Decreto-Lei n.º 869, de 12 de setembro de 1969.77
A partir desse mesmo decreto, a disciplina de OSPB foi reestruturada para atender às exigências
dos governos militares. Na Diretriz Curricular desenvolvida para as escolas do Estado do
Paraná, apenas constou a disciplina de OSPB, e não foram apresentados mais detalhes sobre a
necessidade de ofertá-la ou não no ensino fundamental.
A disciplina Organização Social e Política Brasileira foi criada durante o governo de
João Goulart, a partir de uma proposta apresentada no Conselho Federal de Educação, em 24
de abril de 1962. Até 1969, essa disciplina era destinada ao ensino ginasial e tinha como
conteúdos: concepções de Estado; direitos e deveres do cidadão; democracia, dentre outros
temas, que visavam à promoção do debate e à formação de estudantes politicamente ativos na
sociedade. A partir da obrigatoriedade da EMC, a disciplina de OSPB foi reformulada e mantida
como obrigatória no ensino de segundo grau. Com essa mudança, o seu objetivo principal
passou a ser ensinar sobre a importância do Estado brasileiro, a obediência às regras e outros
temas que pudessem legitimar a perspectiva autoritária do governo do período (MARTINS,
2014).
Mesmo com a não obrigatoriedade da disciplina no ensino fundamental, o Parecer n.º
853/71 informou que a OSPB deveria integrar o núcleo comum de disciplinas de todas as fases
de ensino. Fator esse que contribuiu para a integração na Diretriz Curricular elaborada no estado
do Paraná. Com uma tentativa de romper com o passado próximo, a disciplina foi ressignificada
e, conforme o Parecer n.º 853/71, ela deveria proporcionar
[...] o preparo ao “exercício consciente da cidadania” – para a OSPB e para o
Civismo devem convergir, em maior ou menor escala, não apenas a Geografia e a

77
O decreto-lei foi escrito por: Augusto Hamann Rademaker Grünewald, militar, vice-presidente durante o
governo do general Emílio Garrastazu Médici; Aurélio de Lyra Tavares, general; Márcio de Souza e Mello,
marechal e ministro da Aeronáutica; Tarso Dutra (Paulo de Tarso de Morais Dutra), bacharel em ciências
jurídicas e sociais, foi ministro da Educação de 15 de março de 1967 a 30 de outubro de 1969. Os três primeiros
foram integrantes da junta provisória que governou o Brasil entre 31 de agosto a 30 de outubro de 1969, devido
ao afastamento provisório de Costa e Silva. Foi durante esse período que foi promulgado o decreto que tornou
obrigatório a disciplina de EMC.
100

História como todas as demais matérias, com vistas a uma efetiva tomada de
consciência da Cultura Brasileira, nas suas manifestações mais dinâmicas, e do
processo em marcha do desenvolvimento (BRASIL, Parecer n.º 853/71, 1971, p.
177).

Entre os objetivos iniciais da disciplina de OSPB estava o debate sobre democracia,


direitos e outras discussões que diziam respeito à manutenção de uma sociedade democrática.
Após o golpe de Estado de 1964, os objetivos alteraram-se com vistas a construir nos/as
estudantes a percepção de que a forma de governo adotada pelos militares era adequada para
implementar o desenvolvimento econômico do País e garantir a ordem. Nessa perspectiva, o
futuro estava “sempre em marcha” e estava de “mãos dadas” com o civismo. Perspectiva
observada também nos objetivos da disciplina de Educação Moral e Cívica.
O Parecer n.º 94/1971, de 4 de fevereiro de 1971,78 elaborado pelo CFE, foi
desenvolvido para atender à disciplina de Educação Moral e Cívica. Com base nesse
documento, é possível perceber que o patriotismo sustentou todo o objetivo dessa disciplina. A
formação consistia no reforço e/ou imposição de valores morais considerados essenciais para o
convívio das pessoas, mas que garantiriam o fortalecimento da concepção de nação. Para isso,
os encaminhamentos de conteúdos e atividades foram distribuídos conforme as fases da vida e
as séries de estudo. Sendo assim, no ensino primário, a prática dessa disciplina deveria garantir:

[...] a “ampliação do horizonte social da criança, fixando a sua imposição como


membro de um grupo maior; - oportunidade de exercitar suas habilidades, hábitos e
atitudes necessárias ao seu futuro papel de cidadão” e, na passagem para a
adolescência, os conteúdos deveriam exigir o comportamento para o “preparo do
cidadão para a obediência à lei, à fidelidade ao trabalho e à integração na comunidade;
- estímulo e desenvolvimento das habilidades e atitudes necessárias a uma vivência
democrática” (BRASIL, Parecer n.º 94/1971, 1971, p. 308).

Essa formação deveria ser impulsionada pela compreensão sobre família (patriarcal),
pátria, símbolos patrióticos, civismo, segurança nacional, noção de Deus e religião, 79 que
correspondiam aos interesses dos governantes e dos valores sociais compartilhados como ideias
para a viver em sociedade.

78
Esse parecer foi desenvolvido por: Raymundo Moniz de Aragão (Presidente), como formação em medicina, foi
Ministro da Educação em 1966, no governo Castelo Branco; Dom Luciano José Cabral Duarte (relator); Esther
de Figueiredo Ferraz, advogada e professora, foi Ministra da Educação entre 24 de agosto de 1982 a 15 de março
de 1985, primeira mulher a ocupar esse cargo; Maria Terezinha Tourinho Saraiva, professora no Rio de Janeiro,
em 1975 se tornou Secretária Executiva Adjunta do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização); : Padre
José Vieira de Vasconsellos e Tacísio Meireles Padilha, graduado em direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), cursou a Escola Superior de Guerra e licenciou-se em filosofia pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
79
O documento informava ainda que o Estado era laico. Entretanto, mesmo diante da afirmação, o Parecer nº.
94/71 contou com a colaboração de dois padres católicos.
101

Para o historiador Benjamin Cowan, grupos conservadores tiveram grande participação


na elaboração de legislações educacionais e de materiais didáticos. Segundo o autor, parte das
propostas desenvolvidas por esses grupos sociais tinha como objetivo tentar controlar as
influências provocadas pela modernização e que atingiram os valores sociais (conservadores).
Soma-se também a esse debate o interesse em proteger o Brasil do comunismo fortemente
combatido na época. Com a conciliação entre valores conservadores e o aparato autoritário do
Estado, instigavam-se a formação patriótica e o reforço moral dos/as estudantes ao mesmo
tempo que o combate anticomunista. Para o autor, os grupos que tinham esse propósito
“apoiaram o programa como uma solução para o "problema da juventude", a destruição da
família, a mídia corrupta e outros meios de suposta inspiração para a subversão moral”
(COWAN, 2016, p. 180).
Na Diretriz Curricular, a área de “Estudos Sociais” foi a que teve menor número de
recomendações. Com um total de sete páginas destinadas ao conjunto de disciplinas, a
composição curricular se restringiu ao tópico 4.7 do documento, que consistia em apresentar os
objetivos elencados para a “Formação do Cidadão brasileiro” (5ª e 6ª série) e a “Universalidade
do Homem” (7ª e 8ª série). A divisão dos conteúdos nesses dois grupos demostra que haverem
existido estreitas relações entre as imposições do governo autoritário e os preceitos das
disciplinas de Organização Social e Política do Brasil e Educação Moral e Cívica. As tabelas 5
e 6 informam acerca dos objetivos destas disciplinas.

Tabela 5 - Objetivos da “Formação do cidadão brasileiro”


Especificações Tema série
O aluno deverá, na sua medida individual: 5ª 6ª
Situar as navegações e grandes descobertas, como - continentes e oceanos.
resultado das transformações ocorridas na Europa e - expansão marítima portuguesa e espanhola.
concluir que elas estenderam o mundo conhecido, - as descobertas: América e Brasil. X
difundiram a cultura europeia e possibilitaram a - Caracterização da sociedade colonial.
colonização de novas terras.
Identificar a posição geográfica do Brasil no mundo, Coordenadas geográficas, extensão, limites atuais, o
como parte integrante do continente americano, litoral, clima. X
valorizando as características de sua tropicalidade.
Distinguir as diversas fases da divisão territorial Na fase colonial, no império e na república
X X
brasileira. brasileira.
Distinguir o papel dos grupos humanos de origens e As origens da população; herança cultural
culturas diversas, no processo de formação do povo e demográfica brasileira; movimento de população;
da cultura brasileira. relêvo, rios, paisagens vegetais; expansão territorial: X
Caracterizar o meio natural brasileiro, relacionado com bandeirantes, criação de gado, missões religiosas;
o processo de ocupação e expansão do território. tratados e questões de limites.
Identificar os fatores de transformação de quadro caracterização da sociedade rural e urbana, a família
social brasileiro e as bases atuais da nossa sociedade patriarcal e moderna, o valor social do trabalho X
e da propriedade; a urbanização;
Distinguir o ideal de liberdade e soberania nos - invasão estrangeira, o sentimento nativista,
movimentos que desencadearam o processo de movimentos revolucionários a independência. X
independência.
(cont.)
102

(continuação)
Identificar a existência das leis e estruturas políticas, - a constitucionalidade, organização e poderes do
que regulamentam os direitos e deveres do cidadão Estado, representação política, a Pátria Brasileira;
X X
brasileiro. noções de autoridade, segurança nacional,
direitos e deveres do cidadão brasileiro;
Identificar as principais atividades econômicas da Agricultura, pecuária, indústria, extrativismo;
X X
atualidade brasileira. regiões geo-econômicas.
Reconhecer o Império a consolidação da soberania Princípio de nacionalidade e autodeterminação dos
nacional. povos.
Caracterizar problemas sociais econômicos e políticos Etapas políticas do Império; questões internacionais,
do Império Brasileiro, e as tentativas de soluções dos questões sociais: ao abolicionismo e a mão-de- X
mesmos. obra. Desenvolvimento econômico e cultural.
Reconhecer na república a consolidação da unidade As fases republicanas: questões sociais e políticas;
X
nacional. o Estado Novo; Redemocratização.
Reconhecer as inter-relações físicas e culturais das Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
X
regiões brasileiras, através do binômio: homem-meio.
Valorizar as finalidades do plano de Área econômica: produção e consumo,
desenvolvimento dentro das perspectivas de tributação, meios de comunicação, transportes.
X
integração nacional, nos setores social, econômicos, Área social e cultural: educação e cultura, saúde
político e cultural. e alimentação, habitação e trabalho.
Distinguir as relações internacionais do Brasil, nos Organismos internacionais, a política
X
setores sócio-político e econômico. socioeconômica brasileira no contexto mundial.
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: Currículo, 1973, p. 113-115, mantida a grafia original; grifos do autor).

Tabela 6 - Objetivos da “Universalidade do Homem”


Especificações Tema série
O aluno deverá na sua medida individual 7ª 8ª
Analisar os vários estágios culturais da humanidade, Os estágios socio-culturais do homem.
como resultado da luta pela sobrevivência e adaptação X
ao meio, incutindo noções de história e pré-história.
Localizar no tempo e no espaço as civilizações que O legado cultural das civilizações hídricas. Oriente
X
floresceram no Oriente e na Bacia Mediterrânea. Próximo; Ásia das Monções; Extremo Oriente.
Analisar as condições naturais e humanas da Ásia. Oriente Próximo; Ásia das Monções; Extremo
X
Oriente, Ásia Setentrional.
Dar ênfase ao legado cultural das civilizações grega e O mundo greco-romano.
romana pela grande herança histórica dos povos às
X
civilizações que as sucederam a sua repercussão até
nossos dias.
Analisar as condições naturais e humanas na Europa. Europa Ocidental, Meridional Central, Oriental e
X
Setentrional.
Perceber o legado dos tempos pré-modernos, Formação dos Estados Europeus. O cristianismo. A
enfatizando suas influências na cultura ocidental. sociedade Medieval. A civilização árabe e
X
bizantina. A sociedade Medieval. A cultura
humanística e conjuntura Renascentista.
Analisar as condições naturais e humanas da África. África Muçulmana, África Centro, Ocidental,
X
Oriental e Meridional.
Analisar os aspectos econômicos, políticos, sociais, Capitalismo Comercial; O Novo Mundo; O Estado
X
religiosos, que caracterizaram os Tempos Modernos. Nacional Moderno; A Reforma Religiosa.
Analisar as condições naturais e humanas da América. América Anglo-saxônica, América Latina,
X
Iluminismo filosófico.
Compreender o culto da razão e da ciência, a defesa Liberalismo econômico.
X
dos princípios de liberdade e do direito.
Analisar as condições naturais e humanas da Oceania. Austrália, Melanésia; Micronésia, Polinésia. X
Conhecer o significado dos movimentos Era Revolucionária;
revolucionários, como um grande passo a afirmação Causas e consequências: Declaração Universal
mundial dos princípios liberais de consciência, de dos direitos do homem. X
expressão de atividade econômica e Autodeterminação, nacionalidade.
autodeterminação.
Conhecer as condições do ambiente natural terrestre, Condições físicas da terra: estrutura, relevo, águas,
X
necessárias à vida humana. atmosfera, paisagens vegetais.
(cont).
103

(Continuação)
Perceber as transformações econômicas, políticas e A máquina, a ciência a tecnologia, o capitalismo, o
sociais, decorrentes da grande Revolução Industrial. imperialismo e o colonialismo: teorias e questões X
sociais.
Identificar e distribuir os grupos de povos e terra. Os grupos humanos, origens, línguas e religiões. X
Analisar as causas dos conflitos mundiais e os reflexos A 1ª e 2ª grande Guerra Mundial, problemática da
econômicos políticos e sociais, deles decorrentes. paz. Sistemas totalitários, democracia, problemas e
X
movimentos sociais, reflexos no Brasil.
A bi-polarização do Mundo.
Identificar as atividades econômicas e os grandes Agricultura: criação de gado.
X
centros de produção. Extrativismo: indústria têxtil, comércio.
Sistematizar o avanço verificando os vários aspectos Ciência;
fundamentais da ciência, arte e literatura. Letras; X
Artes.
Analisar as funções dos grandes organismos
internacionais, para a convivência pacífica e ONU. OEA; MCE; ALALC. X
entendimento entre os povos.
Conhecer a posição da terra no espaço sideral. Universo; Astros; Sistema solar. X
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: Currículo, 1973, p. 116-119, mantida a grafia original; grifos do autor).

Os objetivos das disciplinas referentes à área de Estudos Sociais correspondem a


conteúdos comuns às disciplinas de história e geografia.80 Como lembra a historiadora Circe
Bittencourt, a disciplina de história é relativamente nova no Brasil. Para a autora, o ensino de
história se constituiu “como um estudo mnemônico sobre um passado criado para sedimentar
uma origem branca e cristã, apresentada por uma sucessão cronológica de realizações de
‘grandes homens’” (BITTENCOURT, 2018, p. 127). A proposta de ensino da Diretriz
Curricular apresenta indícios de parte do percurso da disciplina de história que não pode ser
entendida meramente como uma proposta da ditadura, pois expressa tanto as concepções de
ensino da época, as disputas em torno do saber histórico e a projeção de futuro diante dos
estudos da história.
Conforme Bittencourt, o curto espaço democrático experimentado no Brasil, por meio
das propostas de ensino, esteve imerso numa “pedagogia do cidadão”, com fins de contribuir
para a democracia. Contudo, o ensino de História, principalmente sobre o Brasil, foi
desenvolvido sob uma ótica europeia. Para a autora:
Os objetivos centrais da História elaborados pelas políticas públicas do período da
democratização populista deveriam limitar-se à disseminação do ideário da
“democracia racial brasileira”: a forma pacífica da abolição dos escravos, a
importância dos jesuítas na pacificação dos indígenas na fase da colonização, as
contribuições dos africanos e dos índios na cultura brasileira... A proposta para o
ensino de História era, então, a de contribuir para resolver a equação Estado povo-
nação sob uma história que deveria manter os pressupostos da civilização europeia
[...]. (BITTENCOURT, 2018, p. 140-141).

80
Ver: FRAGIONATO, Yomara Feitosa Caetano de Oliveira. A área de Estudos Sociais na cultura escolar dos
ginásios vocacionais (São Paulo, 1961-1969). Tese (História) - Udesc, Florianópolis, 2018.
104

Com a reformulação curricular para atender à Lei n.º 5.692/1971, a proposta da Diretriz
Curricular se manteve em consonância com o ensino de História sob a ótica europeia e
sustentada por um viés econômico, com vistas a explicar os acontecimentos sob a perspectiva
do capitalismo, em que os temas do abolicionismo, por exemplo, possuem aproximações com
discussões anteriores, limitadas a breves noções que compreendiam o tráfico de pessoas da
África para o trabalho escravo como “contribuições para a mão-de-obra, desenvolvimento
econômico e cultura”.
Não cabe, neste trabalho, aprofundar o debate sobre esse tema, tão caro à prática docente
e à historiografia. Por pretender investigar qual a proposta curricular desenvolvida para o Estado
do Paraná, com o objetivo de perceber a(s) intencionalidade(s) do modelo de ensino
apresentado, interessa compreender de que forma os conteúdos elencados para atender à
“Formação do cidadão brasileiro” e à “Universalidade do Homem”, dialogavam com o projeto
de nação em desenvolvimento e era reafirmado pela Equipe de Currículo paranaense. Assim,
duas questões são centrais para a discussão: como o(s) passado (ou quais) foi (foram)
apresentado(s) pela Diretriz Curricular, e como ele(s) afetaria(m) o presente, no documento, e
sua projeção de futuro? Como a compreensão do(s) passado(s) e presente atenderia às
expectativas da formação para o trabalho e corresponderia aos interesses políticos da época?
As respostas a essas questões aparecem entrelaçadas. Os encaminhamentos de ensino
(de história e geografia) partem de uma proposta que buscou apontar o presente como positivo
e reafirmar o capitalismo. Para isso, sob o viés da história econômica (do liberalismo
econômico) em diálogo com a história política, o passado, foi apresentado como superado. Ou
seja, o presente havia se constituído diante a esforços de estruturar o futuro desejável. Estudar
as relações humanas no passado consistia em compreender as relações do presente para dominar
o futuro, o que deveria contribuir para o ápice do capitalismo. Nesse ensejo, o saber sobre
questões políticas, por mais que afirmasse a necessidade de identificar a existência das leis e
estruturas políticas, a constituição e a distribuição dos poderes do Estado, para fins de
compreensão de direitos e deveres do cidadão brasileiro tal proposta serviu como um reforço
das concepções sobre patriotismo, segurança nacional e autoritarismo. Isto, aliado a um
silenciamento de que se vivia numa ditadura, um período de exceção. Talvez em razão de que
a constituição do presente até então não ser objeto do ensino de História, ou por se partir da
compreensão de que ainda se experienciavam a “redemocratização”, o enunciado do documento
apontava a necessidade de se “valorizar as finalidades do plano de desenvolvimento dentro das
perspectivas de integração nacional, nos setores social, econômicos, político e cultural”
(REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 115).
105

Deste modo, com um passado selecionado, o presente do Brasil foi apontado como uma
constituição positiva de fatos ancorados em políticas liberais. Para reforçar o nacionalismo, o
processo de independência foi apresentado como o da “consolidação da soberania nacional”,
com a observação de que a “consolidação da unidade nacional” só foi atingida em razão do
advento da República. Questão essa primordial para a compreensão do presente, pois, sob o
interesse de ensinar sobre o “Estado Novo e a Redemocratização”, se reconhecia a ausência de
democracia durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945).
As especificações para a “Formação do cidadão brasileiro” foram direcionadas aos/as
estudantes da 5ª e 6ª série que mal tinham “saído” da infância. A esses/as estudantes deveria ser
repassado um conhecimento básico sobre economia e Estado liberal; acima de tudo, deveriam
ser levados a compreender a formação política do Brasil sob uma ótica nacionalista. Afinal,
nessa perspectiva, a sociedade brasileira tivera a sua gênese somente no processo de
independência. Estas questões seriam mais bem aprofundadas na 7ª e 8ª série, por meio do
estudo sobre “o significado dos movimentos revolucionários, como um grande passo [n]a
afirmação mundial dos princípios liberais de consciência, de expressão de atividade econômica
e autodeterminação” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 118). Em continuidade, a
“Universalidade do Homem” seria alcançada por meio da compreensão da “Declaração
Universal dos direitos do homem” e da “Autodeterminação, nacionalidade”. Ou seja, os
conteúdos que sustentaram a organização dos componentes curriculares que deveriam integrar
as disciplinas de História e Geografia auxiliariam à construção da compreensão dos/as
estudantes de que os direitos estavam associados à liberdade econômica, como garantiria do
enriquecimento da sociedade/indivíduo.
Tendo em vista os processos relativos à modernização da sociedade brasileira da época,
compreender sobre as alterações que se davam no mundo rural e urbano e sua associação ao
valor social do trabalho constituiria tarefa indispensável para desenvolver nos/as estudantes a
formação moral para o trabalho com forte posicionamento favorável ao patriotismo. Entretanto,
com o avanço das mulheres das camadas médias no mercado de trabalho formal e com as
mudanças que se operavam nas relações sociais no âmbito da família, o currículo propunha
aos/as estudantes discutir sobre a família patriarcal81 e moderna. Ou seja, propunha-se o reforço
das distinções de gênero, em que o homem era considerado o chefe de família. Nesse sentido,
mesmo com referência à configuração das relações de trabalho das mulheres, a projeção de

81
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1996; FREYRE, Gilberto. Casa-
Grande & Senzala, 50. Ed. Global Editora. 2005.
106

futuro para os/as estudantes estava alicerçada à manutenção das desigualdades de gênero sob a
ótica do patriarcado. Mais adiante, no capítulo 4, essa questão será retomada.
Somam-se também aos interesses dos “Estudos Sociais” a necessidade de compreender
a “invasão estrangeira, o sentimento nativista e os movimentos revolucionários” (REVISTA
CURRÍCULO, 1973, p. 114). Sob a obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica, esse
enunciado integrava os objetivos do governo de combater o inimigo. Na referida perspectiva, o
ideário do comunismo influenciava os/as adolescentes e jovens por meio de escritos, instigando
as pessoas a participar de manifestações contrárias à ditadura militar, colaborando ainda para a
subversão dos valores morais adquiridos na família, na escola, na Igreja, etc. Por meio do ensino
escolar, buscava-se combater o comunismo e formar um “cidadão/ã brasileiro/a” cívico e
patriótico (COWAN, 2016).
Em relação à disciplina de Ensino Religioso, esta possui, historicamente, características
de um projeto político desde a chegada dos europeus ao Brasil. A disciplina esteve presente em
projetos educacionais desde o Império, com maior ou menor carga horária. Entretanto, mesmo
que a matrícula nesta disciplina tenho sido apontada como facultativa, a promulgação da Lei
n.º 4.024/1961 sustentou o ‘Ensino Religioso Confessional’, o que reforçaria a religião e as
crenças “de acôrdo com a confissão religiosa do aluno”. Quando promulgada a Lei n.º
5.692/1971, tal matéria, embora facultativa, foi constituído como disciplina a ser ministrada
nos horários normais dos estabelecimentos de 1º e 2º grau (JUNQUEIRA, 2015).
Na Diretriz Curricular publicada em 1973, não houve nenhuma menção específica ao
‘ensino religioso’. Entretanto, conforme os pareceres federais, mesmo que a disciplina fosse de
matrícula facultativa, ela deveria ser ofertada nas escolas públicas e privadas. Sendo assim, sob
o caráter de urgência, apenas em 1980, na edição de número 40, a revista Currículo publicou
as recomendações para o ensino religioso, que deveria integrar o grupo dos “Estudos Sociais”.82

82
A Equipe de Currículo contou com o apoio da Associação Inter-Religiosa de Educação (Assintec), instituição
desenvolvida por um grupo de civis que tinha como objetivo promover o Ensino Religioso. A Assintec foi
oficializada em 2 de janeiro de 1973, momento em que firmou um convênio com a Seed, com a secretaria
Municipal de Educação de Curitiba. Com caráter ecumênico, quando construída, a associação buscava
proporcionar o Ensino Religioso como base para estabelecer a unidade entre as igrejas cristãs. Na década de
1990, apresentou rupturas com a proposta, pondo ênfase no debate pedagógico sobre os valores humanos. A
proposta contribuiu para a ampliação da associação e atualmente é a principal instituição do País responsável
pela produção de material pedagógico, cursos, oficinas, assessorias, dentre outras atividades que visam a
proporcionar o debate sobre o conhecimento religioso, a história das religiões, dentre outros temas (WOBETO,
2014; ASSINTEC, 2020). A publicação das recomendações para o ensino religioso foi realizada no momento
em que no País se operava uma lenta transição democrática e a anistia política em 1979 (com a Lei nº 6.683, de
28 de agosto de 1979, que garantiu o retorno de exilados políticos). A Lei da Anistia contou com um grande
grupo de trabalho, formado por: Equipe de Currículo da época, composta por: Ezenir Gabardo; Grenilza Maria
Lis Zabot; Lillian Catahy Gremski; Maria Ledi Vizzotto Cardoso; Maria Lucia Faria Moro; Nircélio Zabot
(coordenador); Odilon Carlos Nunes; Romilda T. Ens; Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia e Tereza Orlowwski
Artiolli. Como elaboradores: Deisi Baroni; Iris Mathilde Boff Serbana; Isa Heisler Belotto; Lizete Carmen
107

Quando promulgado o Parecer n.º 94/1971, o documento fez referência a Deus “como
sendo um respeito à convicção religiosa da grande maioria do povo brasileiro”. Com o intuito
de reafirmar valores morais, a disciplina correspondente integrou a área de Estudos Sociais.
Embora constasse do Parecer n.º 94/1971 que “a Educação Moral e Cívica, no Brasil, deverá
ser aconfessional, ou seja: não vinculada a nenhuma religião e a nenhuma Igreja”, quando foi
elaborada a Diretriz Curricular da disciplina, esta manteve grandes aproximações com as
práticas de catequese. A estreita relação entre o Ensino Religioso e a Educação Moral e Cívica,
também pode ser evidenciada pelo combate ao que fosse considerado como suposto inimigo.
É importante destacar que, ao longo da obrigatoriedade da qualificação para o trabalho,
outros encaminhamentos de caráter nacional também passaram a ser obrigatórios, como a
Educação para o casamento, apresentada pelo Decreto-Lei n.º 6.660, de 18 de junho de 1979.
Esse decreto propunha que, junto com a:
Educação Moral e Cívica”, fosse realizado “o aprimoramento do caráter, com apoio
na moral, na dedicação à comunidade e à família, buscando-se o fortalecimento desta
como núcleo natural e fundamental da sociedade, a preparação para o casamento e a
preservação do vínculo que o constitui” (BRASIL, 1979).83

2.2.3 – Ciências: políticas de racionalização corporal


Diferente das demais áreas da Diretriz Curricular já apresentadas, o enunciado do
documento enfatizou que a área de ciências correspondia ao estudo embasado em métodos
científicos. Estes deveriam ser aprendidos pelos/as estudantes e colocados em prática no
cotidiano, não apenas na escola. Propunha-se que o educando fosse “orientado a chegar por si
próprio à redescoberta dos princípios gerais, em relação aos quais, em cada caso, o
conhecimento é funcionalmente uma aplicação” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 51).
Assim, com as experiências práticas na escola, esse entendimento sugeria que o ensino escolar
sobre a área das ciências servisse como um conhecimento prático que poderia ser facilmente
repetido e aplicado às demais situações para chegar ao resultado esperado.

Viesser; Marli Andrade. Contou com a colaboração de Dejanira Vilma Pires Nogueira e de Ir. Cazuko Horis.
Como supervisores teológicos: frei Vicente Volker Egon Bonne e pastor Silvio Schneider. Depois de
desenvolvida a proposta de ensino, o documento teve dois textos de apresentação que indicavam a aprovação e
a recomendação da “Diretriz Curricular” por duas ordens religiosas distintas. O primeiro, escrito pelo bispo
Albano Bortoletto Cavallin, como representante da Igreja Católica; o outro, redigido por Lawrence Anthony
Brava, superintendente distrital metropolitano da Igreja Metodista, de Ponta Grossa/PR. Com base no
documento, foi atribuída ênfase à segunda etapa do ensino fundamental (5ª a 8ª série). Como se pode observar,
o estudo pretendido por essa disciplina consistia na valorização das crenças da religião cristã, e de que as relações
sociais deveriam ser sustentadas como uma convocação à manutenção dos valores compartilhados por ela. Nessa
concepção, a “salvação” seria atingida por meio da dedicação a si e às outras pessoas. As dificuldades deveriam
ser enfrentadas como um processo de comprovação e fazer por merecer a “salvação”. Uma meritocracia que se
estendia do sucesso escolar ao trabalho e à classe social, o que era reforçado por meio da crença religiosa.
83
Ver: ZALUSKI, Jorge Luiz. Mulheres e a educação: a formação para donas de casa em uma escola moderna
(Guarapuava - 1971-1983). (Dissertação em História), Irati, Unicentro, 2016.
108

As disciplinas que compunham a área de ciências eram: Matemática; Ciências Físicas,


Biológicas e Programas de Saúde. Conforme o documento, pretendia-se manter a integração
entre as disciplinas, “e de forma mais nítida, com os Programas de Saúde e a Sondagem de
Aptidão e a Iniciação para o Trabalho” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 51). Logo, segundo
o documento, a consolidação dos saberes da área de ciências seria decisiva na formação
intelectual e na preparação de um corpo ativo para o trabalho. Conforme a Diretriz Curricular,
os objetivos do ensino da área de ciências eram:
1) Interpretar e analisar o mundo que o cerca, pela aquisição de conhecimentos e
formação de conceitos sobre os fenômenos da natureza, suas inter-relações, as
aplicações da Ciência na vida diária e os efeitos que a Ciência e a Tecnologia têm
sobre a nossa cultura;
2) eliminar da sua mente as crendices e superstições, procurando formar um
compromisso científico, através do emprego de métodos e técnicas de
investigação e pesquisa;
3) incorporar atitudes e hábitos que contribuam para a formação do cidadão feliz
e útil à comunidade, capaz de influenciá-lo de forma inteligente;
4) fortalecer, através da experimentação, o espírito crítico e a auto-crítica, a
capacidade de observação, a perseverança e a valorização do trabalho;
5) reconhecer as possibilidades do aproveitamento das riquezas naturais do País e
valorizar vultos que contribuíram para o progresso da Ciência e o desenvolvimento
tecnológico atual do Brasil (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 53).

Somam-se a esses objetivos os Programas de Saúde, disciplina desenvolvida sob a


pretensão em desenvolver a compreensão sobre a prevenção de doenças e sobre as relações
entre alimentação, saúde e higiene. Com base nesses objetivos, a caracterização científica dada
a esse grupo não visava apenas à formação intelectual dos/as discentes. Com a vinculação dos
saberes pedagógicos e médicos, essa proposta se propunha garantir a construção de novos
hábitos voltados à vida em uma sociedade modernizada na qual se pretendia romper com
explicações sustentadas por crenças populares e propor a assimilação de saberes da medicina.
Assim, a valorização científica e a busca pelo reconhecimento desta última como algo prático
para o cotidiano tinha como objetivo fundamentar o conhecimento da área, tendo em vista a
expectativa para atender à modernização das relações de trabalho.
Destaco, também, que os objetivos das disciplinas iam muito além da mera
aprendizagem dos conhecimentos oriundos da área das ciências biológicas. Chama a atenção,
nesses dois enunciados, a presença de temas que não aparecem de forma tão explícita nas
recomendações de outras disciplinas. Primeiro, a menção da noção de felicidade, associada ao
êxito da pessoa no mundo do trabalho. A outra questão diz respeito à capacidade do/a
adolescente de fazer críticas e reflexões sobre a sociedade em que que vivia. Sabemos que esta
capacidade sociocultural é uma prerrogativa do saber científico (especialmente quando
associado à disciplina Ciências). Entende-se, então, que a crítica e a reflexão poderiam ocorrer
109

dentro de determinado campo discursivo (e de práticas) que não os/as tornassem subversivos/as.
Talvez por isso tal enunciado estivesse associado a essa disciplina da área da Saúde e não às
disciplinas das Ciências Humanas.
A distribuição dos conteúdos pretendeu atender às fases de desenvolvimento dos/as
discentes. Essa organização foi embasada a partir da Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, de
Jean Piaget. Conforme os estudos desse autor, o desenvolvimento seria atingido por meio da
assimilação, acomodação e equilibração, responsáveis por contribuir com o desenvolvimento
cognitivo. Considerando que a partir da Lei n.º 5.692/1971 foram extintos os exames
admissionais, ao ter levado em consideração a distribuição com base na faixa etária, a Diretriz
Curricular apresentou um esquema atrelado às expectativas construídas para o futuro dos/as
estudantes como uma forma de desenvolver conhecimento, aperfeiçoamento e eficiência diante
da observação do método científico.
Dentre as disciplinas da área ciências, foi nas recomendações para Matemática que
prevaleceu o posicionamento do ensino pautado no cientificismo. Conforme enunciado do
documento, o estudo da Matemática teria por função desenvolver o espírito de investigação,
invenção e iniciativa, o pensamento lógico e a noção de universalidade das leis matemáticas.
Apresentada como uma formação de base para as outras ciências, a Diretriz Curricular indicava
possuir a matemática “valor formativo, disciplina a inteligência, porque sua estrutura mental
corresponde a um tipo fundamental de raciocínio. Este tipo de raciocínio é de aplicação
freqüente nas ciências, na técnica, na vida profissional e ainda na vida diária” (REVISTA
CURRÍCULO, 1973, p. 55). Assim, com base no documento, o raciocínio só seria desenvolvido
por meio do conhecimento matemático. A passagem pela escola, da infância até a adolescência,
constituía a forma primeira de desenvolver o uso prático e posterior utilizado para atividades
laborais. Ainda conforme a Diretriz Curricular:
Assim, o físico, o astrônomo, o biólogo e demais homens de ciência tratam de dar as
suas disciplinas uma estrutura que esteja o mais próximo possível da matemática,
analogamente, o filósofo, o advogado, o sociólogo, o psicólogo, fazem esforços para
que suas argumentações tenham uma segurança do tipo matemático, quer dizer,
uma força de convicção incontestável. Salta a vista a uma ciência de exercitar-se o
raciocínio matemático, pois assim se faz para a mente para todo outro raciocínio.
(REVISTA CURRICULO, 1973, p. 55-56; grifos nossos).

Com base no documento, o raciocínio matemático é reconhecido como a forma primeira


de desenvolver a ciência, incomparável em relação ao das demais áreas. Tal comparação
instigou uma posição hierárquica das profissões que utilizam diretamente a matemática em
realação às outras, que não a utilizam. A Diretriz Curricular também reforçou a
universalização/naturalização do homem e do campo científico como estreitamente
110

correspondentes ao sexo masculino. Com o rol de conteúdos recorrentes do campo da


matemática, o ensino dessa disciplina deveria proporcionar “informações, conhecimentos,
capacidade, hábitos, atitudes e habilidades” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 57).
Matucheski (2011), ao investigar a proposta curricular para o ensino de matemática,
afirma que muitos/as docentes dessa disciplina ficaram responsáveis por ministrar outras
disciplinas da área de ciências como forma de otimizar o investimento no corpo docente. A
autora destaca ter-se verificado pouca variação de conteúdo em relação aos apresentados
durante a década de 1960, mas que a proposta, para atender à Lei n.º 5.692/1971, foi incisiva
relativamente à formação do raciocínio e do pensamento crítico de parte dos/as estudantes.84
A Equipe de Currículo, com base nos “princípios e metodologia” do ensino de
matemática, não apresentou especificações metodológicas para as disciplinas de “Ciências
Físicas e Biológicas”. Com base no documento, essas duas disciplinas deveriam ensinar
conteúdos que hoje são comuns em Física, Química e Biologia. De forma únificada, a Diretriz
Curricular indicou, por meio de tópicos em formato tabela, os conteúdos e objetivos para as
“Ciências Físicas e Biológicas”. Pelo interesse em conciliar esses estudos para atender aos
Programas de Saúde e à Preparação para o Trabalho, o documento informou, na mesma tabela,
quando os conteúdos das Ciências Físicas e Biológicas” deveriam integralizar as demais
disciplinas.
O Programa de Saúde foi dividido em quatro grandes grupos e objetivos. As
informações correspondentes a essa disciplina foram organizadas e apresenetadas na tabela 7
dos Programas de Saúde.

84
Conforme Matucheski, existiu, durante esse período, um movimento em prol da Matemática Moderna, que tinha
como objetivo estabelecer um ensino de matemática para atender os novos debates educacionais, da seleção de
conteúdos e da organização de disciplinas por meio do currículo era uma delas. Para a autora, o conteúdo de
geometria, por exemplo, era um dos possíveis de serem retirados, mas que foi mantido na proposta de ensino
paranaense (MATUCHESKI, 2011). Entendo que a manutenção desse conteúdo possui estreitas relações com a
sua funcionalidade em atividades laborais nas mais diversas áreas de trabalho (obras, corte, costura, produção de
peças de aço, madeira, etc.).
111

Tabela 7 - Programas de Saúde


PROGRAMAS DE SAÚDE
Assunto Unidades Objetivos
- interpretar os fenômenos naturais do meio ambiente através da
manipulação e experimentação;
1) Ar - evidenciar o espírito crítico, a capacidade de observação e
2) Agua perseverança no trabalho;
Meio Ambiente
3) Solo - explicar prováveis aplicações dos conhecimentos de ciências no
aproveitamento das riquezas naturais do Brasil;
- integrar-se de forma salutar e útil ao meio onde vive, pela compreensão
da influência dos elementos inanimados e do meio ambiente.
- avaliar a importância dos animais e plantas para o homem: na
indústria, na alimentação, no trabalho, nas pesquisas científicas, na
agricultura, na economia do País, na decoração;
- defender-se de animais e plantas nocivas: animais venenosos, parasitas,
Zoologia e 1) Zoologia vetores de doenças;
Botânica 2) Botânica - evidenciar respeito às plantas e aos animais existentes na natureza,
dispensando-lhes os cuidados de que necessitam;
- instrumentalizar-se para analisar o comportamento dos animais;
- integrar-se de forma salutar e útil ao meio onde vive, pela
compreensão da influência dos animais e da vegetação.
1) Célula e - interpretar, valorizar e respeitar o próprio organismo e suas
tecido funções, como fonte capaz de lhe propiciar as condições
Corpo humano 2) Alimentos necessárias a uma vida útil e feliz;
3) Aparelhos - interpretar o valor dos alimentos e da higiene para uma perfeita
e sistemas saúde física e mental.
- interpretar os fenômenos da natureza sob os aspectos químicos e
1) Química físicos, através da observação, manipulaçaõ e experimentação;
Química e Física
2) Física - evidenciar o espírito crítico, a capacidade de observação e análise
e a perseverança no traballho.
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: CURRÍCULO (1973, p. 123-141; grifos do autor).

Para cada unidade, também foram apresentados os conteúdos e os objetivos.85 Ao


comparar as temáticas relativas ao Meio Ambiente, Zoologia, Botânica, Corpo humano,
Química e Física, com os objetivos elencados para cada tema, notam-se indicações para que

85
Os conteúdos foram os seguintes: Meio Ambiente: 1) importância do ar e provas de existência do Ar-oceâno de
ar; 3) Estudo do átomo (o documento apresenta um erro na numeração e não informa a numeração como conteúdo
2); 4) ar comprimido e ar rarefeito; 5) pressão atmosférica – experiência de Torricelli; 6) ventos; 7) composição
do ar; 8) explorações espaciais; 9) importância da água; 10) estados físicos da água – mudanças de estados
físicos; 11) ciclo da água; 12) purificação e tratamento da água; 13) densidade da água; 14) princípio de
Arquimedes; 15) princípios dos vasos comunicantes; 16) camadas da Terra; 17) rochas, minerais, minérios,
pedras preciosas; 18) rochas ígneas; 19) rochas sedimentares; 21) solo, erosão, reflorestamento; 22) petróleo e
outras riquezas minerais do Brasil. Para o grupo Zoologia e Botânica: 1) Zoologia – conceito, importância dos
animais, regras, nomenclaturas, classificação dos animais; 2) vertebrados – características gerais; 3) mamíferos;
4) aves, 5) répteis; 6) anfíbios; 7) peixes; 8) equinodermas; 9) moluscos; 10) artrópodos [sic] – insetos,
aracnídeos, crustáceos e miriápodos [sic]; 11) vermes; 12) celenterados e poríferos; 13) protozoários; 14)
Botânica – conceito e importância dos vegetais e classificação; 15) vegetais superiores; 16) raiz; 17) caule; 18)
folha; 19) flor. Para o grupo corpo humano: 1) estudo da célula; 2) estudo dos tecidos; 3) os alimentos; 4)
aparelho digestivo e digestão; 6) aparelho respiratório e respiração; 6) coração – sangue circulação; 7) excreções;
8) aparelho locomotor; 9) sistema nervoso; 10) os sentidos e você; 11) as glândulas; 12) aparelho reprodutor.
Para o grupo Química e Física: 1) matéria substância do corpo; 2) matéria homogênea e heterogênea e seu
fracionamento; 3) fenômenos físicos e químicos; 4) funções químicas; 5) física – movimentos. força, gravidade,
equilíbrio; 6) massa, peso, balança – máquinas, 7) som, 8) calor (CURRÍCULO, 1973, p. 123-141).
112

fossem desenvolvidas experiências científicas, uma primeira maneira de os/as discentes


experienciarem o contato com métodos científicos. Entretanto, esse saber deveria servir como
forma de atender à formação para o trabalho em vista da modernização desejada. No modelo
curricular, os objetivos reafirmam valores e práticas a serem despertados por meio dos
programas de Saúde, ou conhecimentos que contribuíssem para a ampliação e a manutenção do
sistema capitalista por meio da exploração dos recursos naturais, da eficiência no trabalho e de
uma educação pautada na higiene e saúde alimentar. A preocupação com a poluição e com a
proliferação de doenças foi reduzida ao não desperdício de recursos naturais para não prejudicar
o desenvolvimento econômico do País.
Conforme o documento, esses objetivos deveriam ser intensificados por meio dos
seguintes conteúdos:
1) Noções de saúde e doença. 2) Poluição e saneamento (ar, água e solo). 3) Noções
sobre animais vetores de doença. Ectoparasitas. 5) Noções sobre micro-organismos
causadores de doença. 6) Meios de preservar a saúde: 6.1) nutrição e higiene
alimentar; 6.2) noções sobre profilaxia e recursos profiláticos; 6.3) mecanismos
de defesa; 6.4) vacina e soro; 6.5) vícios e tóxicos; 6.6) higiene corporal, do lar,
urbana e rural. 7) Fases da vida. 8) Higiene do trabalho. 9) Saúde Pública. 10)
Poluição sonora, visual, por substâncias químicas e radioativas. 11) Acidentes,
prevenção e primeiros socorros (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 123-141).86

Ao comparar os conteúdos, os objetivos e a pretensão em qualificar os/as discentes para


o trabalho, é possível afirmar que a proposta de ensino para os Programas de Saúde não se
restringiu ao possível encaminhamento para, no futuro, os/as estudantes buscarem aprofundar
os estudos (ensino técnico e/ou graduação) ou assumirem uma atividade profissional na área.
Esta também se propunha desenvolver noções básicas de uma medicina para o trabalho, tendo
em vista a prevenção de acidentes e doenças causadas no trabalho, e de uma formação estético-
corporal e da preparação do corpo dos/as futuros/as trabalhadores/as, principalmente para
atender ao setor industrial e às tecnologias destinadas à agricultura.
Para o historiador Bruno Sanches Mariante da Silva, desde a criação do Ministério da
Educação e Saúde, em 1930, existiram iniciativas voltadas à criação de políticas na área da
saúde para os/as trabalhadores/as. Na década de 1940, foi criada a Legião Brasileira de
Assistência (LBA), com a “missão [de] prestar suporte às famílias dos combatentes da Força
Expedicionária Brasileira (FEB)”. Com o fim da guerra, a LBA passou a ter como objetivo a
ação “especificamente direcionada para o amparo à maternidade e à infância” (SILVA, 2018,
p. 1.020). Diante de uma visão assistencialista, paulatinamente foram desenvolvidas ações em
conjunto com as instituições escolares, no intuito de desenvolver uma “educação sanitária”.

86
O documento apresenta um erro de digitação e não informa o tópico 4.
113

Esse enfoque teve maior ênfase durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961),
quando o “caráter sanitário-desenvolvimentista das práticas assistenciais foi acentuado por
meio de cursos de puericultura e pela construção de centenas de postos de puericultura pelo
país” (SILVA, 2018, p. 1.022). Nesse momento, as práticas voltadas à saúde passaram por
paulatina profissionalização e cientifização, como uma tentativa de afastar os saberes populares
dos da medicina, principalmente em relação ao parto e à pretensão da prevenção à mortalidade
infantil.87
Para a historiadora Michele Tupich Barbosa, os governantes do estado do Paraná
acompanharam os debates sobre a implementação de programas federais de proteção à
maternidade e à infância. Segundo a autora, “tais programas incluíam a criação do
Departamento Estadual da Criança (DECr) e dos Postos de Puericultura em todos os municípios
do Estado” (BARBOSA, 2012, p. 18).88
Em Curitiba, a medicina preventiva ganhou destaque a partir de decreto federal que
propôs que todas as capitais dos estados criassem “uma assistência efetiva à gestante, à criança,
ao pré-escolar, ao escolar, ao controle das doenças transmissíveis e ao Serviço de Saneamento”
(MICHAUD, 1998, p. 337). Com esse intuito, a Divisão de Organização Sanitária do
Departamento Nacional de Saúde criou o Curso de Visitadoras e Guardas Sanitários. Na capital
paranaense, o curso formou 29 mulheres, depois encarregadas de fazer acompanhamento
domiciliar e nas escolas, tendo em vista a orientação sobre controle de doenças, vacinação,
orientação “materno-infantil”, auxiliar médicos nos exames escolares, dentre outros
(MICHAUD, 1998). Ou seja, as ações desenvolvidas pela disciplina escolar e, somadas à
assistência prestada pelas Visitadoras e Guardas Sanitários compunham um conjunto de ações
atreladas à população e o gerenciamento da vida.
A Diretriz Curricular, através das disciplinas da área da Ciências, fortaleceu o vínculo
entre o discurso médico e o pedagógico para atender a novas especificações daquele momento.
Por ter a maior carga horária do grupo curricular de ciências, seria intensificada a formação da

87
Para a historiadora Ana Paula Vosne Martins, a década de 1960 marca a entrada dos médicos na obstetrícia e do
consequente afastamento e desvalorização das parteiras. A institucionalização da medicina esteve atrelada às
mudanças provocadas pela modernidade, que, segundo a autora, compreendia mudanças como “a produção de
conhecimento restrito às universidades fechadas às mulheres, o desenvolvimento de um aparato técnico que
permitia intervenções cirúrgicas mais ousadas na obstetrícia e o fechamento das práticas médicas a quem não
dominasse a linguagem, os códigos e os conhecimentos profissionais. Como as parteiras não faziam parte de
uma profissão formalizada, foram desqualificadas pela profissão médica e marginalizadas” (MARTINS, 2020,
p. 250).
88
Conforme levantamento da autora, no Paraná, o Departamento Estadual da Criança foi criado através do Decreto-
lei nº 615, em 13 de maio de 1947. Segundo Barbosa, nesse momento “já existiam no estado 27 Associações de
Proteção à Maternidade e à Infância (APMI’s) e 35 Postos de Puericultura em funcionamento, sendo 10 na capital
e 25 no interior” (BARBOSA, 2012, p. 60).
114

parte diversificada deste grupo, em que as disciplinas de Matemática, Ciências Físicas,


Biológicas e Programas de Saúde teriam grande aproximação com a formação dos/as futuros/as
trabalhadores/as, posto que essa área era compreendida como a de maior impacto na formação
profissional.

2.2.4 - “Parte Diversificada”: docilizar trabalhadores/as e gerir a economia


É importante lembrar que a Lei n.º 5.692/1971 abarcava três “sujeitos” – “criança, pré-
adolescente e adolescente” – em relação à faixa etária. A proposta curricular apresentada para
a educação escolar no estado do Paraná não seguiu essa proposição, referindo-se apenas à
“criança” e ao “adolescente”. Na fase da “adolescência”, teríamos o ingresso no segundo
momento da escolarização, ou seja, o/a estudante cursaria da 5ª à 8ª série. Essa supressão de
uma fase da vida no documento estadual estava possivelmente pautada em um cenário
socioeconômico regional, em que as pessoas de ambos os sexos, ao ingressarem na 5ª série, já
começavam a atuar no mercado formal e informal de trabalho. No Paraná, a reforma
educacional, iniciada em 1964, bem como a realizada em consonância com a Lei n.º 5.692/1971,
aboliram o exame de admissão para o/a discente que desejasse ingressar no curso ginasial, ou
seja, cursar da 5ª à 8ª série. O exame de admissão criava grandes obstáculos, sobretudo para as
meninas e os meninos oriundos de famílias mais pobres das áreas rurais e urbanas que
almejavam ingressar no próximo ciclo da educação escolar. A reprovação no exame de
admissão, associada às condições socioeconômicas de suas famílias, fazia com que estes
estudantes se dirigissem ao mercado de trabalho muitas vezes sem concluírem o curso primário.
Para a historiadora Cristiani Bereta da Silva, a expansão do ensino secundário no País
ocorreu no período em estudo, mas, como destacado pela autora, “deve-se observar que tal
aumento não pode ser considerado como sinônimo de democratização do acesso a esse nível de
ensino” (SILVA, 2018, p. 117). Quando extintos os exames, parte dos educadores/as que
haviam elaborado o documento do Paraná talvez ainda estivessem imbuídos dessa cultura, a do
exame de admissão no que tange às populações pobres.
Com o intuito em instruir ou preparar para o trabalho, a parte da formação diversificada
deveria servir como forma de orientar os/as estudantes para a formação profissional específica
conforme o mercado de trabalho da época. Com esse propósito, o documento produzido no
Paraná reforçava a ideia de que:

[...] uma vez que as aptidões e todos os fatores que nela interferem, uma vez que
as aptidões específicas só começam a se estruturar na adolescência e uma vez que
115

o sucesso no desempenho de qualquer atividade depende de uma série de outros


fatores (REVISTA CURRICULO, 1973, p. 68, grifos do autor).

Com o objetivo de fornecer orientações para o desenvolvimento de um ensino para


qualificar para o trabalho, o enunciado do documento reforçou a concepção de que nessa fase
da vida, o/a estudante passaria, de forma natural, a se preocupar com a sua opção profissional,
bem como já teria saído da infância. Nessa perspectiva, a escola passou a se responsabilizar por
garantir uma formação para o trabalho para os/as estudantes por meio da oferta de distintas
disciplinas. Ou seja, a socialização para o labor, que em períodos anteriores se dava em outros
espaços sociais, passou, sobretudo para as populações pobres rurais e urbanas, a ter como locus
a escola (AREND, 2011). Vale observar, ainda, que as expectativas em assumir uma
determinada profissão integram toda uma rede simbólica, tanto em relação à ocupação a ser
exercida, como também ao interesse em construir a futura independência econômica. Questão
essa associada ao desenvolvimento das potencialidades dos/as estudantes e que garantiria o
sucesso individual de cada um/a na sociedade brasileira da época.
Assim, o documento delineava a expectativa de um perfil de cidadão: trabalhador/a,
produtivo/a, patriota, anticomunista, com valores morais condizentes com o modelo
apresentado pela Diretriz Curricular, e de que o ensino escolar dependeria do sucesso
individual. Era uma forma de desenvolver a docilidade automática, que tanto contribuiria para
a continuidade de relações de poder sustentadas por esse perfil de trabalhador/a, como garantiria
a manutenção de relações sociais desiguais marcadas por um corpo qualificado e julgado pelo
sistema de ensino.
O enunciado da Diretriz Curricular mostra que as orientações pedagógicas buscaram
atender ao Parecer n.º 45/1972, de 12 de janeiro de 1972, que informa sobre a qualificação para
no trabalho de 2ª grau e o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional, pois o ensino
da 5ª à 8ª série deveria servir como basilar para prosseguir os estudos, qualificar-se
profissionalmente e/ou ingressar no mercado de trabalho. Cabe lembrar que esses documentos
apresentam o direito dos/as adolescentes em frequentar o ensino escolar até os 14 anos de idade.
O abandono dos estudos e/ou a reprovação serviriam como fatores para afastar os/as estudantes
da escola.89

89
Para adolescentes e adultos que não tinham podido acompanhar os estudos em idade correta, ou até mesmo ainda
não estivessem alfabetizados, foi criado, durante a ditadura militar, o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(Mobral), que proveria “a alfabetização funcional e a educação continuada de adolescentes e adultos” (BRASIL,
Lei nº. 5.379, de 1967). Outra modalidade de ensino foi o ensino supletivo, já formalizado pela Lei 5.692/1971.
Conforme essa legislação, em seu Artigo 25, “os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a
utilização de rádios, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior
número de alunos” (BRASIL, 1971). Isso, em ambas as situações, mesmo que as propostas de ensino buscassem
116

Sob a pretensão de que a qualificação profissional fosse desenvolvida por meio de


práticas/atividades, pretendia-se que essa formação atendesse às “características regionais de
trabalho, respeitando, no entanto, as características individuais do aluno”, assim como
oportunizasse ao educando “vivenciar o maior número possível de experiências nas diversas
áreas econômicas” (REVISTA CURRÍCULO, 19973, p. 67). Assim, o modelo de ensino foi
apresentado como um laboratório em que as experiências na escola, para os/as que ainda não
estavam no mercado de trabalho, desenvolveram-se como um primeiro contato com a fábrica,
com a agroindústria, com o comércio, dentre outros setores. Nessa concepção, a proposta
educacional permite identificar os significados atribuídos ao ensino, que, diante de uma “cultura
do trabalho”, tornava evidentes as relações de poder e as desigualdades sociais disputadas e
reafirmadas pela proposta curricular.
Nesse processo, os/as professores deveriam apoiar-se nos discursos da Psicologia, para
que fosse feita a “sondagem de aptidões”. Tal sondagem deveria “ser realizada por meio de
observação do seu desempenho e da aplicação de técnicas específicas, tendo como objetivo a
sua futura realização profissional” (REVISTA CURRÍCULO, 19973, p. 67). Entretanto, a
projeção do futuro dos/as estudantes não deveria se distanciar da realidade de cada um, pois,
com base nas recomendações da Diretriz Curricular, era necessário harmonizar cada um “com
suas possibilidades sócio-econômicas, levando-o a escolher com mais acerto a futura profissão”
(REVISTA CURRÍCULO, 19973, p. 70). Sendo assim, a educação recebida na escola
reproduziria ou manteria as desigualdades sociais e pouco contribuiria para a mobilidade
socioeconômica dos/as estudantes oriundos de famílias com poucos recursos. Para esse grupo,
a suposta escolha profissional consistiria em uma forma de aperfeiçoar a atividade laboral já
desenvolvida por muitos/as discentes. Nessa concepção, o sucesso escolar e profissional estava
entrelaçado à meritocracia projetada como questões individuais.
Diante de toda uma preparação para a reformulação curricular e da tentativa da
ampliação do número de discentes matriculados nas instituições de ensino, o item
correspondente aos objetivos e à metodologia de ensino direcionada à formação para o trabalho
da Diretriz Curricular informou que o ensino deveria atender às “Áreas Econômicas”. Com tal
propósito, o documento indicou que a experiência profissional deveria servir como uma
instrução para ‘Iniciação Técnicas Agrícolas, Iniciação para Técnicas Industriais e Iniciação
para Técnicas Comerciais e de Serviços’, ou seja, o objetivo do ensino visava à manutenção

atender às dificuldades dos/as estudantes, principalmente a de conciliar os estudos e o trabalho. Posteriormente


à Lei 5.692/1971, a Revista Currículo, em sua 4 a edição, publicou as recomendações específicas para o ensino
supletivo.
117

das relações econômicas por meio da preparação de trabalhadores/as. Com esse propósito, o
documento informou que os/as estudantes deveriam:
1) explorar e experimentar variadas áreas de atividades;
2) conhecer e desenvolver as aptidões e características gerais de personalidade;
3) conhecer as exigências dos vários tipos de ocupações e as oportunidades para
seu desempenho;
4) planejar a sua vida econômica;
5) empregar construtivamente suas horas de lazer;
6) desenvolver suas habilidades sensório-motoras e conhecimentos técnicos;
7) compreender a relação entre trabalho e cultura;
8) desenvolver certas características de personalidade e conhecimentos
necessários para o exercício de qualquer profissão, tais como:
a) hábitos de industriosidade, presteza e economia;
b) habilidade de adaptação a mudanças do meio;
c) senso de responsabilidade;
d) espírito de cooperação;
e) espírito de curiosidade;
f) gosto pelo trabalho;
g) ordem e métodos de trabalho;
9) respeitar o trabalho honesto independentemente do seu nível social e
econômico;
10) conhecer o mundo do trabalho e valorizar sua importância;
11) saber como consumir, escolher, adquirir, usar e conservar com inteligência
os produtos do trabalho (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 72-73; grifos do
autor).

Junto ao saber da Psicologia acerca do desenvolvimento sensório motor, o enunciado


do documento demostra o interesse em desenvolver nos/as estudantes uma cultura do trabalho
para seguir uma profissão como sinônimo de realização pessoal. O saber trabalhar em equipe e
o seguir rigorosamente o cotidiano disciplinar do trabalho como convém, com respeito e
honestidade, interseccionavam como ensinamentos necessários para fortalecer as desigualdades
econômicas. O ajustamento dos/as estudantes como futuros/as trabalhadores/as se entrelaçava
como uma das formas de gerir a pobreza. Não bastava trabalhar; era preciso ter o domínio sobre
as próprias necessidades, de maneira a garantir o sucesso profissional/pessoal, o que constituía
uma forma racional que exigia controle e constante autodomínio.
Sendo assim, o documento dividiu a grande área econômica em: “Primária: agricultura,
pecuária e indústria extrativa; Secundária: indústria fabril e construção civil; Terciária:
comércio e serviços de transporte, de saúde e pessoas, em geral” (REVISTA CURRÍCULO,
1973, p. 71). Em comum, nessas três áreas, o documento informou como necessário
“reconhecer o valor social e econômico das atividades” de cada área. Com a caracterização de
um ensino pautado na experiência nessas áreas, a Diretriz Curricular apresentou 81 páginas (da
pg. 146 até a pg. 227) dedicadas à formação especial. Nelas constam a metodologia de ensino
a ser desenvolvida, a distribuição dos conteúdos relativos e os objetivos elencados para cada
área.
118

O documento se inicia com as metodologias de ensino para a área das técnicas agrícolas.
Com o intuito de conduzir “a aprendizagem do plantio das espécies de importância regional ou
o manejo de animais domésticos”, a Diretriz Curricular apresentou duas exigências. A primeira,
de que os conteúdos promovessem o ensino da produção da monocultura e a criação de animais
como forma de integrar as relações econômicas em nível nacional. Essa questão foi associada
principalmente à produção de grandes latifundiários. Os encaminhamentos metodológicos
indicam sustentação nos estudos da agronomia sobre condições climáticas, sementes, uso de
pesticidas quando necessário, dentre outros, que deveriam ser utilizados na horticultura, na
floricultura e na fruticultura. A segunda exigência se referia ao uso desse conhecimento em
pequenas produções, voltado principalmente à área urbana, como a construção de hortas e
pomares caseiros, ou a criação de coelhos para a pecuária. Diferente das grandes produções
para acompanhar o mercado nacional, o enunciado do documento apresenta indícios de que
esse conhecimento deveria ser utilizado por pequenos/as proprietários/as de áreas rurais e/ou
moradores/as das áreas urbanas como forma de gerar renda e promover o cultivo para o próprio
consumo, como uma espécie de complementação alimentar. O domínio sobre as técnicas
agrícolas não só abria a possibilidade de geração renda, mas também consistia em uma forma
de gerir a pobreza.90
Com o objetivo de que o ensino para a “Formação Especial” proporcionasse
experiências, o documento sugeriu que, para as técnicas agrícolas, se desenvolvessem pequenas
hortas ou pomares nas escolas para simular todo um projeto agrícola que deveria conter as
etapas de execução, baseadas em estudos de norte-americanos. É importante destacar que a área
de técnicas agrícolas foi a única a mencionar alguma indicação bibliográfica. Conforme o
documento, as etapas de desenvolvimento do estudo dessa área poderiam ser “observadas na
formulação de Cline e Schafer (Course of Sudy for First year Sdudants of Focacional
Agriculture)” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 173).91
Para o historiador Rodrigo Sarruge Molina, a educação endereçada ao setor rural foi,
historicamente, construída com base em um sistema de exclusão dos/as camponeses/as e de

90
Cabe destacar que, no início do século XX, instituições de ensino em áreas rurais, por meio do trabalho agrícola,
foram utilizadas como uma pedagogia correcional, destinada a crianças e adolescentes consideradas infratoras
no meio urbano, ou para aquelas consideradas abandonadas. No Paraná, algumas instituições como essas
mantiveram o ideal de “acolhimento e/ou correção”, como a Escola de Assistência ao menor abandonado, em
Arapoti, por exemplo, criada em 1956 pelo programa do Instituto de Assistência ao Menor do governo Estadual.
Ver BOEIRA, Daniel Alves. Uma “solução” para a menoridade na Primeira República: o caso do Patronato
Agrícola de Anitápolis/SC (1918-1930). Dissertação de Mestrado em História. Universidade do Estado de Santa
Catarina, Florianópolis, 2012. ZANLORENZI, Mara Josélia. Educação Para o Trabalho: A Criação das Escolas
Técnicas no Paraná (1900-1950). Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2018.
91
Cline foi professor do departamento de Agronomia da Universidade do Arizona. O texto indicado é uma
produção de 1948.
119

valorização das elites agrárias.92 Após o golpe de Estado de 1964, o ensino agrícola brasileiro
também recebeu influências dos EUA, e passou por grandes modificações devido ao acordo
firmado entre MEC e a Usaid, voltando-se à modernização capitalista da agricultura. Ao
analisar o projeto piloto implementado na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”,
da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), o autor identificou que, na década de 1960, existiu
grande esforço por parte da Usaid para que o Brasil adotasse o modelo estadunidense, pautado
em tecnologias, insumos, administração empresarial, dentre outras questões que implicariam
uma educação para atender ao sistema capitalista (MOLINA; SANFELICE, 2018).
Entendo que esse ideal esteve presente na Diretriz Curricular,93 pois, com base no
enunciado do documento, é possível afirmar que essa proposta de ensino pretendia reconfigurar
tanto a produção quanto o consumo, o que interferiria diretamente nas relações de trabalho
como forma de atender à agroindústria. Sendo assim, diferente do ensino direcionado em
escolas específicas para áreas rurais, a obrigatoriedade da formação profissional em técnicas
agrícolas faria com que esse ensino fosse desenvolvido em todo o estado em conjunto com o
projeto desenvolvimentista que promovia a mecanização rural.
Em Curitiba, a Escola de Aprendizes e Artífices, criada em 1910, foi um dos primeiros
espaços destinados à formação técnica, principalmente voltada à formação de trabalhadores/as.
Em 1942, o ensino ministrado nessa escola passou a ter dois ciclos: o industrial básico e o
técnico pedagógico, momento em que o liceu passou a se chamar Escola Técnica de Curitiba.

92
Conforme o autor, historicamente, o ensino escolar em áreas rurais contribui para o fortalecimento das distinções
sociais, em vista a formação de “gerentes das fazendas”, e pouco contribuiu para a mobilidade social de filhos
de pequenos agricultores ou trabalhadores rurais de grandes fazendeiros. Com o desenvolvimento dos cursos de
agronomia nas instituições de nível superior, as desigualdades se tornaram ainda mais evidentes. A““lei do boi”
por meio do Decreto nº 5.465, de 3 de julho de 1968, que estabeleceu cotas nos cursos de agronomia para os
filhos dos “trabalhadores rurais””, beneficiou os filhos de grandes proprietários rurais. É recente uma educação
pensada para as pessoas do campo (MOLINA; SANFELICE, 2018; MOLINA, 2019).
93
Quando publicada a “Diretriz Curricular”, em 1973, o estado do Paraná contava com 16 instituições voltadas ao
ensino em áreas rurais. Dessas, 14 estão em funcionamento. Com algumas modificações em sua terminologia
(escola, colégio, instituto), são elas: Colégio Agrícola Estadual Manoel Ribas (Apucarana); Centro Estadual de
Educação Profissional de Arapoti (Arapoti); Centro Estadual de Educação Profissional Agrícola Mohamad Ai
Hamzé (Cambará); Colégio Agrícola Estadual Olegário Macedo (Castro); Centro Estadual de Educação
Profissional de Assis Brasil (Clevelância); Unidade Social e Educacional de Tibagi (Tibagi); Centro Estadual de
Educação Profissional Agrícola Fernando Costa (Santa Mariana); Centro Estadual de Educação Profissional
Manoel Moreira Pena (Foz do Iguaçu); Centro Estadual de Educação Profissional Arlindo Ribeiro (Guarapuava);
Colégio Agrícola Getúlio Vargas (Palmeira); Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA)
(Pinhais); Colégio Agrícola Augusto Ribas (Ponta Grossa); Campus I da Universidade Federal do Paraná
(Curitiba); Centro Estadual de Educação Profissional Lysimaco Ferreira da Costa (Rio Negro). Duas delas
encerraram suas atividades, sendo elas a Escola de Trabalhadores Rurais de Piraí do Sul (Piraí do Sul) e a Estação
Experimental de Viticultores - Escola de Trabalhadores Rurais de Campo Comprido - Centro de Formação
Educacional de Campo Comprido (Curitiba), onde atualmente funciona a Fundação de Assistência Social (FAS),
órgão público responsável pela gestão da assistência social em Curitiba. Informações obtidas através de busca
nas páginas da Secretária Estadual da Educação do Paraná, do site Memória Urbana
(https://www.memoriaurbana.com.br), que reúne informações sobre as instituições de ensino do estado e de
levantamento de Zanlorenzi, 2018.
120

Em decorrência das Leis Orgânicas de Ensino, e das iniciativas do setor industrial, instalou-se
no Paraná e em Santa Catarina o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai),
destinado à qualificação de profissionais. Desde então, foram desenvolvidos diversos cursos de
formação nas áreas comerciais, industriais, normalistas (para o magistério), etc. (SAPELLI,
2008). É importante frisar que esses cursos, em sua maioria, eram de livre escolha, mas
privilegiavam aqueles/as que pudessem arcar com as despesas dos estudos. O diferencial
apresentado a partir da Lei n.º 5.692/1971 é que a qualificação profissional se tornava também
popular, pois todos/as os/as estudantes teriam acesso “às noções básicas profissionais”.
Para a área industrial, a Diretriz Curricular mencionou o seguinte:
Nessa área são estudadas as atividades industriais, focalizando seu sentido artístico,
seus processos de manufatura, sua matéria-prima, organização, o pessoal que
nela trabalha seus produtos, seus problemas e a contribuição que a indústria pode
prestar à economia e bem-estar do país (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 180;
grifos do autor).

Pretendia-se que os estudos dessa área contemplassem diferentes ramificações do setor


industrial. Explorar o processo de produção, o conhecimento da matéria-prima e o cotidiano
fabril eram algumas das recomendações que contribuiriam não só para a formação de uma mão
de obra especializada, mas, como lembra Michel Foucault, para a preparação dos corpos exigida
pelas fábricas. Assim, o corpo dos discentes na escola serviria como experimento e preparação
em um modelo disciplinar e produtivo, já preparados desde as aulas de educação física.
Tendo em vista essa perspectiva, foi sugerida a aprendizagem sobre técnicas a serem
utilizadas nas áreas de cerâmica, artes gráficas, madeira, metal, couro, eletricidade, alimentação
e vestuário. Com as devidas especificações de cada área, a Diretriz Curricular indicou os
materiais apropriados para cada produção, juntamente com os saberes básicos para a confecção
de pequenos itens que poderiam ser desenvolvidos na escola. Nessas recomendações, é possível
notar que os conhecimentos da disciplina de educação artística (conhecimento de cores, tintas,
formas geométricas, espaço, profundidade, dentre outros), por exemplo, seriam empregados
como correspondentes ao preparo de manufaturas.
A tentativa de familiarizar o estudante com a indústria não se restringiu ao domínio
das etapas de produção. Conforme a Diretriz Curricular, tinham-se como objetivos das técnicas
industriais que os/as estudantes compreendessem:
- seus processos, produtos e ocupações, enfatizando a sua importância econômica
e social sobre os padrões de vida atuais;
- favorecer a aquisição de habilidades e conhecimentos técnicos, facilitando a
aprendizagem de um futuro ofício e induzido ao aproveitamento de horas de
lazer na execução de reparos domésticos e atividades de produção;
- facilitar a escolha profissional, proporcionando ao aluno experiências sobre o
trabalho do tipo industrial e conhecimento de suas próprias potencialidades;
121

- contribuir para a criação de uma mentalidade de segurança e higiene do trabalho;


- desenvolver expressão criadora, baseada nos materiais usados na indústria;
- formar o consumidor capas de escolher, adquirir, usar e conservar com inteligência
os produtos da indústria (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 180; grifos do autor).

A proposição em provocar a experiência no setor fabril assumiu uma postura em


legitimar o presente como potencialmente produtivo, e isso deveria se estender ao futuro.
Educar para as relações de trabalho do setor industrial exigia, com base no documento, a
percepção de como o setor interferia na organização social. Sendo assim, não bastava saber
manusear um equipamento e/ou produzir um objeto. A preparação corporal exigia a aquisição
de novos hábitos culturais para usufruir dos produtos do presente; para tal, era necessário formar
consumidores. Tal instrução conciliava o sistema de mercado baseado na oferta e procura e
garantiria a manutenção e o fortalecimento das novas relações de trabalho.
Entre as propostas de aprendizagem, a Diretriz Curricular informou sobre a necessidade
de os/as estudantes realizarem visitas a fábricas como uma forma de conhecer diferentes
atividades profissionais. Juntamente com esse contato, o documento mencionou atividades
práticas que poderiam ser a realização de “um objeto a ser constituído ou um trabalho de
eletricidade a ser executado” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 168). Com base nessa
indicação, o documento apresentou uma extensa listagem de conhecimentos necessários à
produção nas áreas industriais destacadas (cerâmica; artes gráficas; madeira; metal; couro;
eletricidade; alimentação e vestuário) e atribuiu ênfase ao domínio de noções sobre eletricidade
e geometria. Entendo que esse interesse possui relações com ao menos com duas questões: a
primeira, relativa às reconfigurações de trabalho e socioeconômicas da época, modificadas pelo
avanço do uso da eletricidade, tanto quanto para a produção industrial. Na segunda, a geometria
foi apontada como elemento base da preparação de desenhos técnicos para a produção de
plantas (projetos) para a construção civil, e também na elaboração de objetos como calçados e
vestuário, dentre outros.
É importante destacar que, tanto na área de técnicas agrícolas como em técnicas
industriais, a Diretriz Curricular buscou acompanhar as recomendações já elencadas nos
Programas de Saúde. Para cada área, foram informadas as recomendações e cuidados a serem
tomados com as especificidades de cada atividade, desde a utilização de insumos agrícolas, da
exposição a ruídos no setor industrial, de cuidados de higiene, dentre outras questões que
indicam o uso do conhecimento médico preventivo para a manutenção da segurança no
trabalho.
122

Outra preocupação em comum em ambas as áreas técnicas foi o interesse em orientar


os/as estudantes para a realização de atividades caseiras. Conforme o documento, sugeria-se,
enquanto na área da agricultura, poderiam ser desenvolvidas hortas, pomares, dentre outras
técnicas de pequeno plantio para venda ou para consumo próprio (com dicas de alimentação
saudável), nas técnicas industriais o setor de vestimenta foi indicado como forma de
desenvolver uma indústria caseira, para a confecção e/ou reparo de roupas (masculinas,
femininas e para bebês). Essas confecções, somadas às dicas de tricô, crochê, bordado, dentre
outras atividades comuns, conforme o documento, contribuiriam para o rendimento da família.
Como já mencionado, desde a Lei n.º 4.024/1961 foi rompida a obrigatoriedade em
ofertar turmas e currículo com base nas distinções de gênero. Na proposta da Diretriz Curricular
desenvolvida para o estado do Paraná e publicada em 1973 na revista Currículo, ao menos na
letra da lei, essa atenção foi mantida. Entretanto, ao recomendar afazeres correspondentes ao
trabalho doméstico que historicamente foram construídos e naturalizados como
correspondentes às mulheres/meninas, a prescrição curricular apresenta indícios de que as
atividades de indústria caseira deveriam ser direcionadas às estudantes meninas. Um indicativo
de continuidade das distinções e desigualdades de gênero, que, entrelaçadas a outros
marcadores sociais, seriam mantidas em uma educação no presente com projeção de futuro. Um
reforço constantemente mediado pela trajetória curricular.
Em relação às técnicas comerciais, a recomendação da Diretriz Curricular não restringiu
o modelo de ensino ao comércio e explorou outros campos do conhecimento. Conforme o
documento, objetivava-se a “necessidade de uma visão real sobre o Comércio, Serviços Gerais
e Saúde, orientando vocações e vislumbrando oportunidades profissionais” (REVISTA
CURRÍCULO, 1973, p. 202).
Em relação à área de Comércio e Serviços Gerais, os conteúdos e encaminhamentos
metodológicos correspondem a dois quadros gerais. O primeiro é o da compreensão sobre
relações comerciais, sistemas de crédito, taxas, impostos, capital de giro, máquina de calcular,
livro-caixa, dentre outros assuntos provenientes dos debates da administração de empresas e
contabilidade. O segundo compreendia as relações entre o comércio e a publicidade e
propaganda, esta última vislumbrada como a alma do negócio, um empreendimento que
contribuiria para incentivar o consumo de mercadorias. Assim, em meio aos discursos em nível
federal de que o País vivia o Milagre econômico e do interesse de que o ensino escolar
contribuísse para o desenvolvimento socioeconômico do País, a proposta curricular paranaense
não só propôs a formação profissional, como, na tentativa de acompanhar as atividades de
123

trabalho daquele momento, proporcionou uma educação para o consumo de produtos industriais
e a valorização da propaganda.
No segundo quadro, as técnicas comerciais tendiam fazer os/as estudantes entender de
documentos, escrituras, equipamentos de escritório, datilografia, turismo e hotelaria. Esses
assuntos estariam voltados ao que a Diretriz Curricular chamou de “serviços gerais”, que
envolvem o cotidiano de empresas e da administração pública. Como proposta, a Equipe do
Currículo recomendou que se simulasse um escritório na escola como indicação metodológica
para a possível formação de futuros/as trabalhadores/as nessas áreas.
A relação entre empregado x empregador integrou as recomendações dos dois quadros.
Conforme a Diretriz Curricular, não bastava apenas ter o domínio das atividades a serem
cumpridas, com uma relação hierárquica; era preciso que os/as futuros trabalhadores soubessem
se comportar no trabalho, mantivessem assiduidade, registrassem o livro ponto e entendessem
de salário e carteira de trabalho. Dominar a prática, o conhecimento e portar-se conforme o
pretendido garantiria estabilidade no trabalho. Romper com esses quesitos permitiria rescindir
o contrato. Conforme o enunciado, os/as estudantes deveriam compreender sobre rescisão de
contrato trabalhista com ou sem justa causa. Para isso, indicavam-se como estudo necessário os
artigos de número 482 e 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).94
Em relação à Saúde, mesmo que a Lei n.º 5.692/1971 não tivesse informado sobre
obrigações de ensino nessa área, as recomendações da Diretriz Curricular apresentaram estreitas
relações com os objetivos dos Programas de Saúde, já apresentados. Entretanto, diante do
objetivo de orientar os/as estudantes para possíveis setores de emprego e/ou formação
profissional, o documento informou que deveriam desenvolver conhecimentos sobre
“saneamento; controle de doenças transmissíveis; bioestatística; educação sanitária; elementos
de enfermagem e saúde pública; noções de puericultura, socorro e urgência” (REVISTA
CURRÍCULO, 1973, p. 205-206).
A formulação desse conjunto de conteúdos explora a construção de novos hábitos de
higiene e saúde necessários para o controle de doenças. A boa alimentação, a limpeza dos
alimentos são indícios de uma educação para uma autodisciplina corporal, e também de que se
evidenciava no estado a necessidade de uma educação sanitária, que integraria tanto os espaços
domésticos quanto os das fábricas e os espaços públicos.

94
Conforme a CLT, o Artigo 482 indica as recomendações que “Constituem justa causa para rescisão do contrato
de trabalho pelo empregador”; já o Artigo 483 informa sobre quando o/a empregado poderá considerar rescindido
o contrato e pleitear a devida indenização” (BRASIL, 1943).
124

É possível perceber que as discussões provenientes da bioestatística contribuíram para


estruturar todos os conteúdos correspondentes à saúde. Não bastava apenas ter uma educação
sanitária; era necessário que ela interferisse na qualidade de vida e diminuísse a mortalidade
infantil. Assim, mesmo que supostamente a educação sobre saúde se voltasse à formação de
trabalhadores/as, passar essas recomendações para os/as estudantes foi uma das formas
encontradas para gerir a população. Um controle investido na população para qualificá-lo.
Ainda em relação à bioestatística, o discurso regulador não se limitou às questões sobre
os cuidados com a higiene. Como uma forma de regular o sexo e a sexualidade, as
recomendações sobre a bioestatística indicam que era necessário aprender sobre “os fatos vitais
(nascimento, casamento, óbito e doença)” (REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 206). Tal como
indica Foucault, impunha-se a “necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e
públicos e não pelo rigor de uma proibição” (FOUCAULT, 2008, p. 30). Assim, por meio dessa
regulação, além da permissão para falar sobre sexo, a Diretriz Curricular naturalizou o
casamento e o apresentou como a única forma legítima para se ter filhos/as e constituir família.
Em relação ao ensino da puericultura, o termo, historicamente, foi constituído com base
em um novo olhar sobre a infância, construído no século XIX, e trata de um conjunto de normas
para contribuir para o melhor desenvolvimento materno-infantil. Nessa concepção, a infância e
a maternidade se tornaram foco de atenção estatal que, em conjunto com os discursos da
medicina, manifestaram esforços para garantir a sobrevivência do público infantil, ao tempo
em que apoiavam projetos desenvolvimentistas industriais (ALVES, 2018).
Para o historiador Thiago da Costa Lopes e o cientista político Marcos Chor Maio, essas
ideias tiveram no Brasil maior influência a partir da atuação de Carlos Artur Moncorvo,
especialista em medicina pediátrica e responsável pela criação do Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Rio de Janeiro, em 1899, instituição que apresentou um modelo de
como dar assistência à infância e à maternidade, e delas tratar. A partir do Estado Novo, essas
discussões passaram a fazer parte do poder público voltado às políticas de saúde e educação do
governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Com a criação do Departamento Nacional da Criança
(DNC), aos discursos médicos, associaram-se os de representantes do Estado montaram
programas de ação em puericultura pautados na assistência social, na educação e na saúde, com
o objetivo de combater a “mortalidade infantil, o “menor abandonado” e a “delinquência
juvenil”.95 Entretanto, essas ações contribuíram para a manifestação de ideais sustentados pela
eugenia, como um “resgate da raça brasileira”. Segundo os autores, parte desse processo

95
Cf: AREND, Sílvia Maria Favero. Histórias de Abandono: Infância e Justiça no Brasil (década de 1930). 1. ed.
Florianópolis: Editora Mulheres, 2011.
125

ocorreu em decorrência de influências da política desenvolvimentista adotada por Getúlio


Vargas, que, em conjunto com as medidas adotadas em favor da puericultura, defendiam serem
elas “centrais nas tarefas de povoamento do vasto território” e no “aumento da produtividade
da força de trabalho” (LOPES; MAIO, 2018, p. 355).
No decorrer do século XX, a puericultura esteve presente em cursos, publicações em
jornais e revistas, em centros de atendimento, em projetos educacionais, dentre outros
espaços.96 Com diferentes tipos de discursos, o modelo assistencialista destinado à infância e à
maternidade teve grande sustento ideológico e moral sobre as mulheres e sobre a maternidade
como obrigação. Ao integrar a proposta educacional no estado do Paraná na década de 1970, a
Diretriz Curricular permitiu identificar a legitimidade desses discursos no âmbito educacional
e de sua prolongação no tempo, tanto por meio da legislação, quanto da formação de futuras
gestoras.
Conforme o documento, as noções desenvolvidas por meio da puericultura deveriam
proporcionar a compreensão sobre “o enxoval do bebê; cuidados com o côto umbilical;
cuidados com os olhos; higiene do bebê; alimentação do bebê e formação de hábitos”
(REVISTA CURRÍCULO, 1973, p. 206). Sendo assim, a incorporação da puericultura como
tema de formação técnica não incidiu apenas em “qualificar profissionais para a área da saúde”.
Como uma política educacional, com a manutenção das relações desiguais de gênero, ingressar
na 5ª série corresponderia a uma formação das adolescentes (meninas) como preparação para o
casamento e a maternidade.
Deste modo, em virtude da ampliação do ensino a uma nova parcela da população, como
um exercício biopolítico, a proposta educacional sobre saúde interpretada no estado do Paraná
assumiu ao menos dois propósitos. O primeiro, do reforço da naturalização das desigualdades
de gênero na tentativa de garantir o controle sobre a sexualidade e a preparação para que as
estudantes meninas fossem boas mães. O segundo propósito, o de garantir a formação de novos
trabalhadores. Estes seriam treinados para assumir uma posição de trabalho e, convencidos do
valor ideológico da família, seriam levados a garantir o controle populacional, na medida em
que as prescrições “médico-pedagógicas” fossem colocadas em práticas.

96
C.f.: ALVES, Ismael Gonçalves. Assistência à infância e à maternidade na Primeira República: as experiências
médico-filantrópicas de proteção materno-infantil na cidade de Rio de Janeiro. In: AREND, Sílvia Maria Fávero;
MOURA, Esmeralda Blanco B. de; SOSENSKI, Susana. (Org.) Infâncias e juventudes no século XX: histórias
latino-americanas. Ponta Grossa: Todapalavra, 2018. p. 75- 92; LOPES, Thiago da Costa; MAIO, Marcos Chor.
Puericultura, eugenia e interpretações do Brasil na construção do Departamento Nacional da Criança (1940).
Tempo; Niterói; v. 24 n. 2; mai./ago, 2018.
126

Como apontado, esta foi a proposta curricular realizada para atender ao ensino escolar
no estado do Paraná. Após longos debates, a proposta foi finalizada em dezembro de 1973,
devendo ser implementada já no ano seguinte em todas as instituições de ensino. A análise
exposta permite afirmar que, o documento contribuiu para idealizar um perfil de estudantes que,
face às pretensões curriculares, expressa parte das intencionalidades do presente para forjar um
futuro desejado. Nesse modelo, a extensão do ensino a uma população que não tinha acesso ao
saber escolar foi redefinida como um processo de formação de trabalhadores/as sustentados por
relações desiguais.
Mesmo que a equipe do Currículo paranaense tenha procurado atender de forma
imediata as recomendações da Lei n.º 5.692/1971, a implantação da proposta curricular se
iniciou em meio a discussões contrárias ao ensino técnico compulsório. Conforme
levantamento apresentado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep),
já em 1974 o Conselho Federal de Educação apontava fragilidades na obrigatoriedade do ensino
de formação profissional. A queda no setor econômico foi apresentada como um dos indicativos
que distanciavam a realidade da proposta de ensino.97 No Paraná, como aponta Telma Valério,
com base na proposta educacional, "por essa não permitir ao aluno optar por uma educação
geral independente de qualquer qualificação profissional” (VALÉRIO, 2007, p. 9).
Mesmo diante desses questionamentos, a proposta curricular publicada pela revista
Currículo foi distribuída nas escolas e contribuiu tanto para desenvolver os encaminhamentos
previstos pela Lei n.º 5.692/1971, como para provocar debates educacionais sobre o currículo.
Como uma urgência disciplinar, esse modelo, mesmo colocado como sugestão de ensino, foi a
única alternativa elencada pela equipe do Currículo para atender às exigências da legislação até
1982, quando foi extinta a obrigatoriedade em qualificar para o trabalho.98
Na tentativa de compreender as repercussões do modelo educacional apresentado pela
equipe do Currículo, o terceiro capítulo consistirá na análise da proposta de implementação no
Complexo Escolar Estadual do Paraná, em Curitiba. Por meio da análise, será possível
compreender a intencionalidade da proposta de ensino e das relações socioculturais da época, e

97
Conforme o Inpe, em 1974 existiu a estruturação do Ministério do Trabalho. Isso levou à criação do Sistema
Nacional de Formação de Mão-de-Obra (SNFMO), em 1976. Por meio desse sistema, foram provocados
questionamentos que colocavam em dúvida a obrigatoriedade do ensino técnico. Cfr. Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais. A profissionalização do ensino na Lei nº. 5.692/71 (trabalho apresentado pelo
Inep à XVIII Reunião Conjunta do Conselho Federal de Educação com os Conselhos Estaduais de Educação.
Brasília, 1982. 76p.). Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002257.pdf.
Acesso em: 08 de maio de 2020.
98
A partir da promulgação da Lei nº 7.044, de 18 de outubro de 1982, o ensino escolar de formação técnica passou
a ser facultativo e apenas para o ensino de 2º grau. Deveria ser ministrada formação técnica apenas em
instituições de ensino que optassem em fornecer essa modalidade.
127

de como o ensino escolar foi projetado ora como reforço das distinções sociais, ora como
significativos para a mobilidade social.
128

CAPÍTULO III

O Complexo de Ensino Estadual do Paraná: adesões e ressignificações (1971-1984)

Para os historiadores João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais, desde a década
de 1950, uma parcela da sociedade brasileira partilhava de grande otimismo em relação à
modernização. Nesse ensejo, a economia foi apontada como um dos principais impulsionadores
para proporcionar a conciliação entre desenvolvimento, produção e consumo. Com a
instauração da ditadura militar, como apontam os autores, “o ano de 1964 marca uma inflexão,
com a mudança do modelo econômico, social e político de desenvolvimento, e esta
transformação vai se consolidando a partir de 1967-68” (MELLO; NOVAES, 1997, p. 561).
Para os autores, tínhamos sido capazes, no final da década de 1970, “de construir uma economia
moderna, incorporando os padrões de produção e consumo próprios aos países desenvolvidos”
(MELLO; NOVAES, 1997, p. 562). Tais modificações, todavia, acarretaram profundas
transformações no âmbito das relações de trabalho, nos espaços urbanos e rurais, na
intensificação dos fluxos migratórios, na ampliação do mercado de consumo, etc.
No caso brasileiro, o processo de modernização ocorreu tanto no mundo rural como no
urbano. Na década de 1960, a chamada Revolução Verde contribuiu para a aceleração da
produção por meio do uso de maquinários, insumos agrícolas e da integralização da produção
à indústria. Com forte atuação do Estado brasileiro, principalmente com o fornecimento de
crédito e assistência técnica, “o país se consolidou como grande produtor e exportador de
produtos advindos do setor agropecuário, principalmente no setor de commodities” (ROSSONI;
SILVA; MORAES; STEGE, 2018, p. 73).
O estado do Paraná ocupa posição de destaque na consolidação dos projetos econômicos
desenvolvidos no âmbito do agronegócio, levados a cabo através de verbas públicas e privadas.
Em fins do século XIX, a produção industrial paranaense esteve atrelada à mineração, à
extração da erva-mate, à madeira e à cafeicultura. Esse cenário apresentou drásticas mudanças
na segunda metade do século XX, marcado por políticas desenvolvimentistas que tiveram
profundas relações com os fenômenos migratórios e a tentativa de promover a competição dos
produtos da região no mercado nacional. A criação da Companhia de Desenvolvimento do
Paraná (Codepar) em 1962, durante o governo de Ney Braga, marcou um novo “Projeto de
Desenvolvimento Industrial do Paraná”, responsável por grandes transformações na
infraestrutura, nas telecomunicações, nas políticas públicas e no setor industrial, o que também
acarretou no aumento populacional do estado (GREGORY, 2002) (BRAVIN; GOES;
129

BRAVIN, 2015). De acordo com os dados do IBGE, de pouco mais de 2,1 milhões de
habitantes, em 1950, a população do Paraná saltou para quase 7 milhões, em 1970. Esse fluxo
pode ser percebido também como parte das propostas desenvolvimentistas realizadas durante a
década a 1960. Neste sentido, é notável que as propostas de desenvolvimento econômico
estiveram aliadas ao agronegócio, e podem ser observadas já na década de 1950, a partir de
projetos de construção de colônias para imigrantes de origem europeia, apoiados pelo
governador Bento Munhoz da Rocha Neto.99
Os historiadores Jó Klanovicz e Lucas Mores, visando compreender a produção de soja
no Paraná no século XX, identificaram que os impressos assumiram uma função importante
neste cenário. Para os autores, “mais do que a imprensa de grande porte, devotou atenção,
especialmente a partir dos anos 1970, a uma espécie de missão pedagógica sobre a sojicultura,
entendida como sinônimo de progresso” (KLANOVICZ e MORES, 2017, p. 243). Por
compreenderem a produção de monocultura como projeto político, os autores destacam que a
produção de soja esteve vinculada aos discursos desenvolvimentistas no estado do Paraná, e,
por representarem importante impulso econômico e social, “a soja acabou sendo inserida como
cultura substitutiva ao café no âmbito das transformações econômicas pelas quais o Paraná
passaria a partir da década de 1950” (KLANOVICZ; MORES, 2017, p. 248). Esse crescimento

99
Importante destacar que esta não foi a primeira vez que foi desenvolvido no estado do Paraná incentivo à vinda
de imigrantes europeus e ao uso de maquinário agrícola. Em pesquisa realizada para atender à sua dissertação
em história, William Ribeiro Pinto identificou que, na região sudoeste do estado, proprietários das terras
compradas pelas empresas Brazil Railway Company e Southern Brazil Lumber & Colonization Company,
responsáveis pela construção da linha ferroviária no sul do País, resolveu transformar parte das terras paranaenses
em colônia, cedendo terras a colonos holandeses. Assim, em 1911, fundado em Carambeí, imigrantes de origem
europeia foram os/as primeiros a utilizar o trator como maquinário agrícola no estado. O projeto não prosperou;
contudo, em 1925, fundaram a Cooperativa Holandesa de Laticínios Batavo e, em 1940, a Cooperativa
Agropecuária Batavo Ltda, que marca as primeiras experiências de cooperativas desenvolvidas no estado e
gradativamente altera as relações de trabalho, produção e consumo (PINTO, 2017). A historiadora Monique
Gärtner, ao investigar sobre a “europeização” da paisagem do distrito de Entre Rios, em Guarapuava, levanta
considerações pertinentes para compreender parte da configuração populacional do estado do Paraná. Conforme
a autora, em 1951, esse estado recebeu um grande número de imigrantes, vindos do Rio Grande do Sul, e, junto
ao incentivo do governo estadual, imigrantes europeus, ambos de origem alemã, os “suábios do Danúbio”. Para
a autora, os “suábios do Danúbio constituem um grupo étnico formado a partir da imigração da Alemanha para
as margens do rio Danúbio, território da ex-Iugoslávia, ainda no século XVIII. Com a eclosão da Segunda Guerra
Mundial, principalmente com a derrota alemã, muitos imigraram, principalmente para o estado do Paraná, “que
incorporou aos seus interesses políticos o projeto de colonização agrícola e étnica como elemento fundamental
para o desenvolvimento socioeconômico do estado no início dos anos 1950” (GÄRTNER, 2014, p. 10). A
organização de colônias de imigrantes também marca parte desse processo, dentre elas, as colônias, destacam-
se a de Castrolândia, formada por imigrantes holandeses na cidade de Castro; a Colônia Witmarsum, com
descendentes de imigrantes teuto-russos na cidade de Palmeira, onde desenvolveram grandes cooperativas para
a produção grãos, leite e seus derivados. Mais a oeste, a Colônia de Entre Rios, em Guarapuava, recebeu
imigrantes e descendentes alemães. Devido às condições climáticas da região, foi escolhida para desenvolver
atividades voltadas principalmente ao plantio de trigo. O desenvolvimento dessas colônias marca parte do
processo de mecanização do trabalho desenvolvido no campo, levado a cabo na década de 1950 e ampliado nas
décadas posteriores, que, em vista do aumento da produção e do lucro por conta dos insumos, do uso de
maquinário e de equipamentos em geral, correspondiam à modernização da produção e das relações de trabalho.
130

também pôde ser percebido na substituição dos plantios de batata, onde a soja se inseriu como
símbolo de futuro, modernização e progresso (KLANOVICZ; MORES, 2017).
Para o historiador Antônio de Pádua Bosi, a produção aviária também teve grande
impacto na agroindústria paranaense. Ao investigar a região oeste, o autor destaca que a
instalação do primeiro frigorifico, em 1964, marcou o início de ações que modificaram as
configurações na vida no meio rural, provocaram o surgimento de novas cidades e afetaram
sobretudo as relações de trabalho de pequenos agricultores/as, cuja produção se destinava a
cooperativas e frigoríficos que passaram a impor determinados tipos de produção e os valores
pagos, como igualmente o do preparado da carne em um espaço fabril100. Com o amparo de
insumos de melhoramento genético para acelerar o crescimento do animal e graças a uma mão
de obra barata, a industrialização da carne ampliou a produção, assim como provocou o
aumento do consumo de produtos de origem aviária e injetou novas formas de se alimentar
(BOSI, 2016).
Conforme estudo realizado pela historiadora Márcia Tembil, a exploração de madeira
foi outra atividade econômica que contribuiu para os processos migratórios e a reconfiguração
da vida no campo e na cidade, principalmente para o crescimento urbano. O estado do Paraná
destacava-se também como setor de processamento da madeira nos anos 1960, e de maneira
intensa na década de 1970, principalmente nas cidades de Guarapuava e Ponta Grossa. Na
década de 1980, esse setor passou por uma crise e levou várias empresas a encerrar suas
atividades, o que provocou aumento de desemprego (TEMBIL, 2007).
Para atender à expansão econômica do estado do Paraná, também foi necessário investir
na infraestrutura, principalmente na construção e/ou melhoria de rodovias para atender ao
transporte de produtos para cooperativas, portos, indústrias e as cidades consumidoras. Na
década de 1960, a inauguração da Rodovia do Café tinha por finalidade melhorar a integração
entre a região noroeste, o estado do Mato Grosso do Sul, o acesso a Curitiba e ao porto de
Paranaguá. Ainda na década de 1960, a BR-277 foi finalizada e se tornou uma das principais
rodovias do estado, ligando a região leste a oeste, facilitando o acesso a outros estados, assim
como à Argentina e ao Paraguai (SILVA, 2015). O setor elétrico também foi ampliado com

100
Na época, a produção de suínos também passou por modificações. Junto com a produção de grãos e frango, era
responsável por grande parte da renda do estado. Para os historiadores Miguel Mundstock Xavier de Carvalho,
Bruno Griebler Provin e Renan Paganini Valentini, a industrialização da carne de porco contribuiu para o Paraná
assumir posição de destaque na produção e venda do produto. Fator que também contribuiu para modificar as
relações de trabalho e produção no campo e na cidade. Para os autores, na década de 1970, o estado do Paraná
ocupava a primeira posição na produção de carne suína do País, sendo responsável por 19,7% de toda a produção
nacional que ocorria em 16 frigoríficos (situados na cidade de Ponta Grossa e na região oeste (CARVALHO;
PROVIN; PAGANINI, 2016).
131

visas a atender à demanda sobretudo da produção industrial da região e do Brasil. Foi concluída
em 1967, por exemplo, a Hidrelétrica de Salto Grande do Iguaçu, e a Itaipu Binacional,
construída entre 1974-1982 (MARCINIAK, 2018)101.
Por mais que o agronegócio se tenha tornado uma fonte expressiva de renda do estado,
informam Nilvam Jeronimo Ribeiro Bravin, Sandra Lúcia Videira Góes e Sullien Miranda
Ribeiro Bravin que, segundo levantamento realizado na década de 1970, “as indústrias de maior
importância econômica nesse período eram de minerais não metálicos, madeira, papel e
papelão, química, têxtil e produtos alimentares” (BRAVIN; GÓES; BRAVIN, 2015, p. 55).
Como destacam os autores, porém, o desenvolvimento de grandes empresas se concentrou em
poucas cidades, que ofereciam infraestrutura e mercado consumidor. Nesse cenário, destacam-
se a região metropolitana da capital e as cidades de Londrina, Maringá e Ponta Grossa.
O historiador Leandro Garcia Niehues mostra que no ano de 1970 a microrregião do
norte do Paraná, composta pelas cidades de Londrina e Maringá, era responsável por 24% de
toda produção industrial do estado, ficando atrás apenas da microrregião de Curitiba, que
somava 28% de toda a produção. Cenário esse que tomou outros rumos ao longo da década de
1970. Em 1979, as duas cidades tiveram uma redução na produção total, tendo, juntas, fornecido
apenas 13,1% de toda a produção industrial. A microrregião de Curitiba, sozinha, passou a
produzir 52,7% da produção estadual (NIEHUES, 2014). Pode-se afirmar que parte desse
processo foi resultado de ações realizadas pelos governantes do estado e da prefeitura de
Curitiba, que, além de resultar no crescimento industrial, contribuiu para o desenvolvimento da
região metropolitana (RMC).102
Em 1973, em plano de desenvolvimento urbano e industrial, o governador do estado
juntamente com o prefeito de Curitiba, na época, Jaime Lerner, em conjunto com a Companhia
de Urbanização e Saneamento de Curitiba (Urbs), isentaram de impostos a instalação de
empresas na tentativa de colocar o estado do Paraná no cenário nacional e descentralizar a
produção industrial do eixo São Paulo-Rio de Janeiro. Para tanto, assinaram acordo para a

101
É importante destacar que esses processos de modernização do estado do Paraná, em seus diferentes aspectos,
foram fortemente constituídos a partir de embates com comunidades indígenas, quilombolas e camponeses, que,
além do conflito agrário, contribuíram para reconfigurar relações socioculturais. Para pequenos agricultores/as,
em muitos casos, a dificuldade em competir com grandes latifundiários, ou até mesmo em manter a produção
sem o uso de agrotóxicos, contribuiu para que muitas famílias deixassem a área rural por áreas urbanas na
tentativa de conseguir melhores oportunidades, fator que contribuiu para a concentração populacional em poucas
cidades do estado (MARCINIAK, 2018) (KAMINSKI; FAJARDO, 2013).
102
Atualmente, a Região Metropolitana de Curitiba é composta por 29 cidades. Na década de 1970, as cidades que
apresentaram maior índice de desenvolvimento industrial e evolução no produto interno bruto (PIB) foram:
Curitiba; Araucária; São José dos Pinhais; Campo Largo; Piraquara; Quatro Barras; Campina Grande do Sul e
Mandirituba (IBGE, 2010).
132

construção da Cidade Industrial de Curitiba (CIC)103, do Centro Industrial de Araucária e da


Refinaria Presidente Vargas, em Araucária, veio a se constituir na maior planta industrial no
Sul do País. A CIC foi implementada em área distante do centro da cidade de Curitiba, de fácil
acesso às rodovias para o litoral do estado (em especial para o porto de Paranaguá), para São
Paulo e os dois estados da Região Sul. Esse processo fez com que o Paraná alterasse a sua
condição de fornecedor de matéria-prima para a de produtor industrial, principalmente pela
criação da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (também conhecida como Refinaria do Paraná),
em Araucária, principal fornecedora de refino de petróleo para a produção de uma variedade de
produtos que passaram a ser consumidos cada vez mais. E, com as taxas de impostos atrativas
das grandes indústrias, as ações permitiram o desenvolvimento industrial em outras cidades
próximas à capital, tais como Rio Branco do Sul e Almirante Tamandaré (LOEFFLER, 2009)
(COSTA; SCHMIDT, 2019).
O referido processo na RMC contribuiu para alterar a configuração social e urbana de
forma drástica da região. Na década de 1950, tendo por base os dados do IBGE, Curitiba,
possuía um total de 180.575 habitantes. Esse número dobrou na década de 1960, e chegou a
624.362 mil habitantes em 1970, ultrapassando 1 milhão de habitantes na década 1980.104
Contudo, o desenvolvimento urbano/industrial não significou que a maior parte das pessoas
pudesse ocupar uma vaga de emprego. Em finais da década de 1970, conforme o IBGE, 82.591
homens e 234.433 mulheres, a partir dos 10 anos de idade105, não possuíam renda. Problema
que se tornava ainda mais agrave quando se tratava de diferenças salariais.106
Como visto no segundo capítulo, as propostas educacionais desenvolvidas no estado do
Paraná tiveram, entre seus objetivos, atender o desenvolvimento social e econômico. A

103
Concebida pela Lei Municipal nº. 4.199, de 1972, artigo 10, implementada a partir de 1973 e institucionalizada
pela Lei nº. 4.772 de 174 (LOEFFLER, 2009).
104
Desse total, 495.876 correspondiam à população masculina e 529.104, à feminina. A renda média per capita
era de 7.57 7,28 CR$, com média de CR$ 12.436,83 CR$ para a população masculina e de CR$ 3.021,05 para a
feminina (IBGE, 1980). Na época, com base nos valores atualizados do salário mínimo, eram, a partir de
novembro de 1979 (Decreto nº 8.4135) Cr$ 2.932,80; a partir de maio 1980 (Decreto nº 8.4674), de Cr$ 4.149,60.
105
Mantem-se a nomenclatura utilizada pelo IBGE com referencia ao recorte etário a partir dos 10 anos de idade.
106
Conforme o Censo de 1980, em finais da década de 1970, em Curitiba, 9.830 pessoas recebiam ¼ do salário
mínimo (2.888 homens e 6.942 mulheres); 19.728 pessoas recebiam entre ¼ e ½ de salário mínimo (5.245
homens e 14.483 mulheres); 61.310 trabalhadores/as recebiam entre ½ e um salário mínimo (22.357 homens e
38.953 mulheres); 91.889 pessoas recebiam de um a um salário e meio, sendo 47.904 homens e 43.985 mulheres.
Tais informações correspondem a quase 20% da população trabalhadora da capital do estado. Somam-se, ainda,
60.725 trabalhadores/as, que recebiam de um salário e meio a dois salários mínimos (39.241 homens e 21.484
mulheres); 76.170 trabalhadores/as com renda de dois a três salários mínimo (54.370 homens e 21.800 mulheres).
Em número concentrado, 67.950 trabalhadores/as recebiam de 3 a 5 salários, sendo 50.224 homens e 17.726
mulheres, e 50.589 pessoas tinham renda entre cinco e dez salários, sendo 39.979 homens e 10.610 mulheres.
Em número ainda mais reduzido, 24.949 pessoas recebiam de dez a vinte salários (21.931 homens e 3.018
mulheres) e 11.590 pessoas com salário superior a 20 salários mínimos, sendo 10.960 homens e 630 mulheres.
Com elevada concentração de renda para pouca parcela da população, as diferenças são ainda maiores quando
se trata da renda das mulheres, tendo os homens os maiores rendimentos.
133

existência de cursos profissionalizantes em escolas espalhadas pelo estado atenderia, de certa


forma, a uma demanda econômica aliada à força de trabalho exigida pelo crescimento da
agroindústria, principalmente a partir da década de 1960. Nesse sentido, o interesse dos
governantes do estado em proporcionar o ensino técnico nessa década expressa uma estreita
relação do ensino escolar com a da formação da classe trabalhadora rural.
Com a obrigatoriedade imposta pela Lei nº 5.692/1971, em qualificar para o trabalho, a
diretriz curricular paranaense apresentou, de forma explícita, que o ensino escolar deveria
proporcionar a formação integral aos/as estudantes para atender ao mercado de trabalho. Nessa
proposta, a narrativa do documento informa sobre relações com a agroindústria, tanto no
afastamento de técnicas antigas de produção animal e vegetal para atender a uma nova demanda
social e de mercado, como para instruir os/as futuros trabalhadores/as para esses setores que
necessitavam de mão de obra especializada. Relação essa diversa na RMC, em vista do impacto
acelerado de um modelo industrial recém-chegado ao estado.107 Neste caso, as recomendações
curriculares dialogam com as exigências do conhecimento de técnicas de trabalho e produção
do setor fabril, de segurança do trabalho e de preparo corporal exigido pela movimentação
repetida, da carga horária de trabalho e da alimentação necessária para que, os/as
trabalhadores/as tivessem condições de resistir à rotina de trabalho.
As propostas educacionais, voltadas ao setor industrial, tinham como foco sobretudo a
região metropolitana da capital do estado e as cidades de Londrina, Maringá e Ponta Grossa,
onde havia maior concentração de indústrias. Conforme os dados do IBGE, no Brasil, a
população que possuía entre cinco e nove anos aumentou de forma significativa (7.015.527, em
1950; 10.161.291, em 1960, e 13.301.427, em 1970). O mesmo ocorreu em relação às pessoas
na faixa etária dos 10 aos 14 anos (6.308.567 em 1950, 8 573 877 em 1960 e 11.665.724 em
1970). Importante destacar que as legislações brasileiras que regulamentavam o ensino escolar
passaram por modificações durante o século XX, ocasionando alterações no acesso à escola de

107
É importante destacar que antes da instalação de grandes indústrias, que exigiam tecnologia de ponta, o estado
do Paraná possuía outros setores industriais, que, devido ao processo de produção, considerado rudimentar,
conseguiam empregar um número maior de trabalhadores/as. Conforme estudo de Walli Loeffler, na década de
1960 essas empresas receberam auxílio governamental por meio do Setor de Assistência à Pequena Empresa
(Sape). Auxiliar pequenas empresas seria uma forma de contribuir para o desenvolvimento local, e, caso a
empresa fosse à falência, o impacto econômico do estado seria menor, se comparado ao de empresas nacionais
e multinacionais. Conforme o autor, ao comparar dados fornecidos pela Sape, entre 1965 e 1967, com grande
concentração em Curitiba, 235 empresas receberam auxílio do estado, pertencendo elas aos setores de
alimentação (75); bebidas (04); têxteis (3); calçados e vestuário (8); madeira (16); móveis (20); papel (2);
imprensa (9); couro (4); borracha (7); química (13); minerais não metálicos (29); produtos metálicos (20);
máquinas elétricas (1); equipamentos elétricos (7); material de transporte (15) e manufaturas diversas (2). Essas
empresas foram responsáveis pela criação direta de 1.018 vagas de emprego, com maior concentração no setor
de alimentos (178) (LOEFFLER, 2009).
134

grupos etários distintos. A partir da Lei nº .8.529, de 2 de janeiro de 1946, que tornou obrigatório
matricular no ensino escolar as crianças de até 12 anos de idade, tivemos o aumento do número
de estudantes, principalmente das meninas, o que fez com que as crianças tivessem acesso mais
cedo ao ensino. Já com a Lei 5.692/1971, tivemos, ao menos na letra da lei, a expansão do
número de pessoas atingidas pelo ensino escolar, pois a matrícula tornou-se obrigatória a partir
dos 7 anos para ingresso, com previsão de conclusão do ensino fundamental aos 14 anos.
A partir da tabela 8 - “População infantojuvenil e “idade escolar” – Paraná – 1970 -,
elaborada a partir da coleta de dados do censo demográfico do IBGE, é possível ter um
panorama da população infantojuvenil do estado do Paraná, que, no início de 1970 estava em
idade escolar.
Tabela 8 - População infantojuvenil e “idade escolar” – Paraná - 1970
População infantojuvenil e “idade escolar” – Paraná - 1970.
Grupo de Total Total por região Meninas Meninos
Idade Urbano Rural Urbano Rural Urbano Rural
05 a 09 anos 1.053.300 362.712 690.588 179.459 338.385 183.253 352.203
10 e 14 anos 896.619 315.044 581.575 159 253 278.729 155.791 302. 846
Total 1.949.919 677.756 1.272.163 338.712 617.114 339.044 655.049
Org.: ZALUSKI, 2020. Fonte: IBGE, Censo demográfico.

Com base na tabela, o Paraná, no início de 1970, tinha quase 2 milhões de pessoas em
idade escolar (1.949.919), e, por mais que no quadro tenha abrangido a população a partir dos
cinco anos de idade, quando implementada a Lei 5.692/1971, já estariam nos bancos escolares.
Em conjunto com o índice populacional, também pode ser identificada a configuração urbana
e rural do estado, cujo índice demográfico nas áreas rurais, até aquele momento, era maior que
na urbana.
Neste sentido, o ensino escolar teria êxito se contribuísse para auxiliar no
desenvolvimento urbano, pretendido pela ação econômica de nível federal e estadual, que era a
de preparar de forma intensa os/as estudantes para a profissionalização e adequá-los/as ao
mercado de trabalho condizente com as suas supostas aptidões. Neste sentido, a população
infantojuvenil que ingressasse no ensino a partir de 1972 teria sua trajetória escolar norteada
pelas recomendações da Lei 5.692/1971 e da Diretriz Curricular que circulava por meio da
revista Currículo. Ainda em relação aos dados fornecidos pelo IBGE, as tabelas 9 - População
infantojuvenil de Curitiba – censo 1970” e a tabela 10 - População infantojuvevnil de Curitiba
– censo 1980 - permitem direcionar o olhar para a população infantojuvenil da capital do estado.
135

Tabela 9 - “População infantojuvenil de Curitiba – Censo 1970”


População infantojuvenil de Curitiba com base na distinção de idade, gênero e área onde vive
1970
Sexo e local do domicílio
Grupo de idade Total Masculino Feminino
Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural
7 anos 14727 749 7225 350 7502 399
8 anos 14560 720 7478 365 7082 355
9 anos 13993 662 7247 315 6746 347
10 anos 13818 582 6897 311 6921 271
11 anos 13180 579 6438 280 6742 299
12 anos 13210 616 6482 292 6728 324
13 anos 12450 446 6028 200 6422 246
14 anos 12385 510 5832 228 6553 282
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: IBGE, Censo demográfico.

Tabela 10: “População infantojuvenil de Curitiba – Censo 1980”


População infantojuvenil de Curitiba, com base na distinção de idade, gênero e local do domicílio
1980
Sexo e local do domicílio
Grupo de
Total Masculino Feminino
idade
Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural
7 anos 21074 - 10622 - 10452 -
8 anos 21164 - 10670 - 10494 -
9 anos 21170 - 10655 - 10515 -
10 anos 20601 - 10382 - 10219 -
11 anos 20750 - 10644 - 10106 -
12 anos 21018 - 10474 - 10544 -
13 anos 20930 - 10173 - 10757 -
14 anos 22527 - 10978 - 11549 -
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: IBGE, Censo demográfico.

Com base nas duas tabelas, a tabela 11 - População total de Curitiba em “Idade Escolar”
- apresenta o número total da população infantojuvenil dos 7 aos 14 anos de idade, principal
público a ser atendido pela Lei 5.692/1971, de acordo com a tabela 11.

Tabela 11: População total de Curitiba em “Idade Escolar”


População total de Curitiba em “Idade Escolar”
Década Curitiba Masculino Feminino
Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural
1970 108.3333 4.864 53.627 2.341 54.696 2.523
1980 169.234 - 84.598 - 84.636 -
Org: ZALUSKI, 2020. Fonte: IBGE, Censo demográfico.
136

Tendo em vista os dados acima é possível afirmar que a capital do estado teve um
crescimento, na década de 1970, da população infantojuvenil em idade escolar. O grupo etário
entre 10 e 14 anos, principal público do ensino fundamental II, correspondente às séries da 5ª à
8ª, teve crescimento maior que o índice geral da cidade. É importante destacar que o
crescimento urbano provocado ao longo da década de 1970, em especial em Curitiba, provocou
a modificação do cenário em que, pelos dados de 1980, Curitiba não foi mais apresentada como
rural e urbana, constando apenas dados da população urbana. Contudo, esse índice não pode
ser visto apenas como resultado da movimentação da estrutura física da cidade. Ao longo da
década de 1970, houve importantes debates sobre os direitos da população infantojuvenil,
principalmente em relação à saúde, que contribuíram para a redução da mortalidade infantil.
Em relação ao ensino, caso os/as matriculados/as concluíssem o ensino escolar, a cada
ano Curitiba teria mais de 20 mil pessoas aptas para ingressar no mercado de trabalho, ou então
com a pretensão de seguir os estudos em nível superior. Os dados também informam sobre uma
nova reconfiguração social urbana, pois, em menos de 10 anos, a capital não mais apresentou
população rural.
Como já apontado, o Colégio Estadual do Paraná serviu como instituição modelo para
colocar em prática a proposta educacional analisada nesta tese. Com o objetivo de compreender
parte da dinâmica das reverberações da Diretriz Curricular no estado do Paraná, no decorrer
deste capítulo será analisado, como documentação histórica, o Plano de Ação desenvolvido
como projeto-piloto em Curitiba, em que o referido colégio Estadual foi considerado como a
instituição central para a implementação da proposta de ensino, devendo servir como guia para
as demais instituições do estado em função de seu estrito atendimento aos objetivos da Lei
5.692/1971 e às recomendações da Diretriz Curricular.

3.1 Colégio Estadual do Paraná: projeções de futuro(s) modernizadore(s)

O Colégio Estadual do Paraná (CEP), localizado em Curitiba, possui uma longa


trajetória na formação escolar da população da região. Primeiramente, por ter sido palco de
diferentes propostas educacionais para a melhoria do ensino ligadas a projetos políticos e/ou
desenvolvimentistas em diferentes contextos históricos. Sua origem foi anterior à da
137

emancipação política do estado,108 quando, por meio da Lei nº. 33, de 13 de março de 1846, da
Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, foi criado o “Liceo de Curitiba”.109
Mariana Rocha Zacharias identificou que o Liceu de Curitiba não possuía sede própria,
e, possivelmente, quando criado, se localizava no “Pátio da Matriz”, onde também funcionava
a Câmara Municipal, até o ano de 1854, quando por meio de autorização do presidente da
província do Paraná, Zacarias de Góes e Vasconcelos, a cadeia velha foi demolida para a
construção de prédio próprio.110 Esse prédio manteve atividades voltadas ao ensino até 1923,
momento em que foi demolido para a construção das coletorias estaduais (ZACHARIAS,
2013).
As atividades do Liceu de Curitiba foram marcadas por algumas interrupções e por
problemas na estrutura física. Quando foi extinto em 1874, o prédio continuou sendo utilizado
para a formação de normalistas e, desde 1876, a partir de reformas educacionais propostas pelo
presidente da província, Adolpho Lamenha Lins, por meio da Lei nº. 456, de 12 de abril de
1876, foram criados a Escola Normal para a formação de professoras/as e o Instituto
Paranaense, os quais, mais tarde tiveram estrutura própria.111 O Instituto Paranaense tinha como
objetivo principal a preparação dos estudantes para o ingresso no ensino superior, sendo
responsável pela aplicação dos exames admissionais.
A partir da mudança política de Império para República, na tentativa de afastar modelos
educacionais anteriores e caracterizar como próprios do novo governo, a Reforma de Benjamin
Constant, visando à ampliação do ensino escolar e à valorização humanística, alicerçadas no
ideário republicano, levaram à criação do ensino ginasial.112 Os governantes do estado do

108
A emancipação política do estado do Paraná ocorreu em 19 de dezembro de 1853.
109
O Liceu de Curitiba apresentou muitas instabilidades para seu funcionamento, tanto por falta de corpo docente,
baixa frequência escolar, como por questões estruturais, pela divisão da estrutura física com a única biblioteca
da cidade criada em 1857, e pelo funcionamento compartilhado com a “Escola Normal”, intitulada Escola de
Pedagogia, criada em 1987. O Liceu de Curitiba foi extinto pela Lei n. 204, de 7 de junho de 1869, mas manteve
algumas atividades até 1874, momento em que deixou de funcionar definitivamente (ZACHARIAS, 2013).
110
Rua da Assembleia, atual Rua Dr. Muricy, entre as Ruas Saldanha Marinho e Cruz Machado. Entre 1870 e1874,
em função de a instituição dividir a sua estrutura física com outros órgãos do estado e/ou município, tal como, a
Tesouraria Provincial, algumas turmas tinham aulas na Assembleia Legislativa Provincial, localizada na Rua da
Assembleia.
111
O Instituto Paranaense também apresentou algumas interrupções em seu funcionamento e algumas alterações
em sua nomenclatura. As reformas educacionais no início do século XX, tanto para o ensino secundário como
para a formação de normalistas, contribuíram para dificultar o funcionamento das atividades educacionais,
mesmo quando, em 1904, foi construído outro prédio para abrigar as instituições de ensino. Em 1922, diante da
ampliação da educação pública, do crescimento do número de estudantes e do interesse em serem mantidas as
atividades da prefeitura e do estado na região central, como as atividades das coletorias estaduais, em 1922, o
Instituto Paranaense e a Escola Normal ganharam sede própria (ZACHARIAS, 2013).
112
Decreto nº. 981, de 8 de novembro de 1890. Com forte relação com questões políticas, a reforma visava ampliar
o ensino escolar brasileiro. Na época, Constant, que havia assumido a pasta do Ministério de Guerra, recém-
criada, apresentou modificações para o ensino militar, e, com forte influência do positivismo, foram
desenvolvidas propostas curriculares nacionais para o ensino secundário (DELANEZE, 2007).
138

Paraná, com vistas a implementar a proposição federal criaram o Gymnasio Paranaense em


1892, o qual logo se transformou na principal instituição de ensino secundário da região. O
cumprimento das exigências estabelecidas pela referida reforma fez com que, em 1900, a
instituição, por meio da Lei Estadual n.º 365, de 11 de abril, fosse equiparada ao Gymnásio
Nacional (atual Colégio Pedro II), considerada, na época, instituição modelo do Brasil,
exigência para garantir a qualidade de ensino ministrado na instituição (ZACHARIAS, 2013).
A equiparação com o referido ginásio, somada à política interna de financiamento para
os exames preparatórios, contribuiu para a ampliação da procura por vagas na instituição. Esses
foram alguns dos motivos que levaram diretores de instrução pública do Paraná a reivindicar a
construção de uma sede própria para o ensino secundário, tendo em vista que ainda dividia
espaço com o Ensino Normal. Dentre vários debates que envolviam o investimento público, o
espaço e possíveis questões políticas, em 1902, o então diretor geral da Instrução Pública, Vitor
do Amaral, conseguiu autorização para a construção de um prédio para funcionar o Gymnasio
Paranaense, tendo a obra sido inaugurada em 1904.113
Considerada a principal instituição de ensino do estado do Paraná, o Gymnasio
Paranaense ganhou posição de destaque na região. As imagens 2 e 3, do “Gymnasio Paranaense
inaugurado em 1904”, permitem ter um panorama da estrutura física da instituição.
Imagens 2 e 3 - Gymnasio Paranaense inaugurado em 1904

Fonte: Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná (CMCEP).

113
A estrutura da instituição foi construída na rua Borges de Macedo, atual rua Ébano Pereira, onde hoje
funciona a Secretaria de Estado da Cultura.
139

Como pode ser observado, a sede do Gymnasio Paranaense foi idealizada tendo em vista
a perspectiva de um palácio. Mesmo diante da nova estrutura física, e da equiparação com o
Gymnásio Nacional, através do Decreto n.º 5.742, de 30 de outubro de 1905, instituída pelo
governo federal, como espécie de autorização para desenvolver as atividades, o Gymnasio
Paranaense continuou apresentando problemas em seu funcionamento, especialmente em
relação ao espaço físico. Dificuldade que se ampliou quando o internato do Ginásio Paranaense,
em 1919,114 destinado a estudantes do sexo masculino vindos de outras cidades do estado
passou a funcionar na instituição (RANZI; SILVA, 2006) (SANTOS, 2009). O crescimento do
número de estudantes do interior do estado em busca de continuidade dos estudos era grande.
Os filhos de lideranças políticas do interior do estado transferiam-se para Curitiba para cursar
o ginasial, com o intuito de prosseguir os estudos para ingressar no ensino superior, a partir da
fundação da Universidade Federal do Paraná, em 19 de dezembro de 1912. As estudantes do
sexo feminino estudavam no prédio do Instituto Paranaense, onde tinham contato com as
estudantes do curso da Escola Normal (ARCHANJO, 1996).
Questão diversa para o público que tinha maior dificuldade em arcar com as custas dos
estudos. É importante destacar que nesse período existiram três instituições destinadas a
meninos pobres, em situação de vulnerabilidade social ou em situação de conflito com a lei,
que foram privados de liberdade no estado do Paraná. Criada em 1909, a Escola de Aprendizes
e Artífices, em Curitiba, oferecia o ensino primário pela manhã e cursos profissionalizantes de
marceneiro, sapateiro, serralheiro, alfaiate durante o período da tarde. No mesmo ano, deu-se a
criação do Patronato Agrícola, por meio do Decreto Federal n.º 7.566/09, de 23/9/1909, que
contribuiu para fortalecer a percepção de que a educação profissional serviria como meio para
ingressar no mercado de trabalho e/ou como uma forma de corrigir “menores” vistos como
infratores. Curitiba foi a primeira cidade do País a instalar um patronato que possuía instalações
distantes do centro da cidade, e posteriormente contou com apoio do curso de Agronomia da
UFPR. Os meninos que por ali passavam eram encaminhados para trabalhar em distintas
fazendas do estado, com salários baixos. Outra instituição que merece destaque é a Escola de
Aprendizes de Marinheiros, localizada em Paranaguá, a 89 km de Curitiba. Desde 1907, a
escola recebia meninos em situação de rua e/ou conflito com a lei. Mesmo distante da capital,

114
O internato do Ginásio Paranaense funcionou, inicialmente, como uma sua extensão no Palacete José Loureiro,
que contava com dois pavimentos e um sótão. A historiografia sobre o tema divide a história dessa instituição
em dois períodos. A primeira, entre 1919 e 1924, quando a instituição era dirigida pela direção do Gymnasio
Paranaense. Entre 1925 e1942, o internato foi transferido para o Ginásio Diocesano e o Seminário São José,
dirigido por representantes da Igreja católica (RANZI; SILVA, 2006) (SANTOS, 2009).
140

muito meninos considerados “menores infratores” foram encaminhados a essa instituição, onde
recebiam cursos profissionalizantes sob a promessa de que ingressariam na armada (BELLI;
BONETI, 2020).
Em relação ao ensino ginasial oferecido pelo Gymnasio Paranaense manteve suas
atividades naquele prédio até o fim da década de 1940, quando, por questões políticas,
pedagógicas e relativas ao espaço físico, os governantes buscaram construir um novo prédio. É
importante destacar que, em 25 de março 1943, o Gymnasio Paranaense teve sua nomenclatura
alterada pelo Decreto Estadual n.º 1.358, para Colégio Estadual do Paraná. Segundo Sergio
Roberto Chaves Junior, três questões circunscreveram os debates que levaram à construção do
novo espaço. A primeira está associada à Reforma Francisco Campos, de 1931, e depois, à Lei
Orgânica do Ensino Secundário de 1942, que alteraram a estrutura do ensino escolar do País. A
segunda, refere-se à necessidade de melhorar a higiene da instituição e de ampliar os espaços
para as práticas esportivas (a disciplina Educação Física perdeu o caráter apenas recreativo com
a Lei Orgânica do Ensino Secundário, momento em que é intensificado o uso do exercício físico
escolar com fins militares (CHAVES JUNIOR, 2004). A terceira questão está associada a uma
pauta da política institucional. O governador Manoel Ribas, em 1940, propôs uma série de
reformas urbanas. Nesse projeto urbanístico, foi desenvolvido o que ficou conhecido como
“Centro Cívico”, espaço que reúne diferentes prédios governamentais, tais como a Assembleia
Legislativa do Estado do Paraná (Alep), o Palácio Iguaçu (sede do Poder Executivo paranaense)
e a prefeitura de Curitiba. A proposta pretendia configurar este espaço da cidade como um
“lugar de poder” (CHAVES JUNIOR, 2004).115 O novo prédio do Colégio Estadual do Paraná
ocupou posição de destaque.
A construção da nova sede do Colégio Estadual do Paraná foi pauta política de estado
em diferentes momentos. Em 1943, foi realizada intensa manifestação para o lançamento da
pedra fundamental do novo prédio, na Praça Santos de Andrade, onde se encontra o Teatro
Guaíra. Em 1944, foi desapropriada a Chácara da Glória (“Nhá Laura"), espaço comprado pelo
governo do estado para a construção do prédio, com terreno de 43.137,63m2, localizado nas
proximidades do Passeio Público. A Companhia Construtora Nacional foi a responsável pela
execução da obra, que teve a participação de Francisco Basile como responsável pelo projeto
de arquitetura. A edificação possui 20.000m2 construídos; com base no projeto, a instituição
poderia atender a cerca de 1.900 estudantes por turno (CASTRO; SAUNER, 2012, p. 42).

115
Ainda conforme Chaves Junior, muitas das obras desse projeto foram inauguradas apenas na década de 1950
como parte das comemorações do centenário da emancipação política do estado do Paraná (CHAVES JUNIOR,
2004).
141

A inauguração da nova sede ocorreu em 29 de março de 1950, dia em que se comemora


o aniversário de Curitiba, com a participação do então presidente da República, General Eurico
Gaspar Dutra. e do ministro da Educação e Cultura, professor Clemente Mariani. Mais tarde,
em 27 de outubro de 1951, a área desportiva do colégio, composta por ginásio, pista de corrida,
campo de futebol e piscina olímpica, teve as obras finalizadas e disponibilizadas para os/as
estudantes (CHAVES JUNIOR, 2004).116
As características da arquitetura do prédio informam sobre o contexto histórico de sua
construção, as concepções de ensino da época e as formas utilizadas para manter os/as
estudantes e professores/as sob contínua vigilância.117 As imagens 4 e 5, retiradas do “Folder
publicitário sobre o ensino (frente e verso)”, permitem ter-se um panorama da estrutura física.
Por corresponder a um folder publicitário, é possível compreender também como a estrutura
física da instituição foi utilizada para fins discursivos sobre o desenvolvimento econômico do
Estado.

Imagem 4 - Folder publicitário sobre o ensino (frente)

Fonte: Acervo Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná (CMCEP), sem data.

116
Conforme pesquisa de Léa Resende Archanjo, a construção da piscina para o complexo esportivo do CEP não
foi apenas uma inovação em instituições escolares. Conforme a autora, não se tinha na cidade o hábito da natação
como prática esportiva, e “quando o prédio do Colégio Estadual foi inaugurado, em Curitiba, somente a
Sociedade Duque de Caxias e o Graciosa Country Club possuíam piscinas” (ARCHANJO, 1996, p. 33). Nesse
sentido, o espaço serviria para a prática esportiva, construção de novos hábitos de lazer e ao mesmo tempo uma
das possibilidades de acesso às piscinas, tendo em vista a quantidade reduzida de espaços para natação até então.
117
Outras instituições do estado do Paraná receberam nova sede ou foram construídas no mesmo período, mas,
mesmo que fossem consideradas “de grande porte” para a cidade, nenhuma contou com a mesma estrutura do
CEP, como é o caso do Colégio Rui Barbosa, em Jacarezinho.
142

Imagem 5: “Folder publicitário sobre o ensino (verso)

Fonte: Acervo Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná (CMCEP), sem data.

O referido folder não fornece informações sobre o ano de sua produção, nem se foi
publicado pela equipe da própria instituição ou por algum outro setor do estado do Paraná.
Possivelmente, foi produzido a partir de 1952, quando as instalações desportivas foram
finalizadas. Não é possível afirmar se seu objetivo principal era para convidar novos/as
estudantes para ingressar na instituição. Mas, com certeza, o impresso reforçava o lugar de
poder assumido pela instituição de ensino no estado do Paraná.
Conforme a disposição da escrita, das imagens e marcações de dobradura, o/a leitor/a
do impresso deveria percorrer um caminho planejado para vislumbrar a magnitude do edifício,
associada ao local de poder. Com o material dobrado, o/a leitor poderia ler as primeiras
informações em amarelo, que continham as indicações do nome do Colégio Estadual do Paraná
e, logo abaixo, uma foto da faixada do CEP; em seguida, as informações de que a instituição
possuía:
[...] capacidade para 6.000 alunos. Cine Teatro: com lotação de 1000 pessoas. Praça
de esportes: futebol, atletismo, basquete-bol, caixa de saltos e pista para lançamentos.
Salas de aula (48); Salas de professores e alunos (21); Gabinetes médico-dentários
(07); Laboratório de física e química (02); Anfiteatros (03) Ginásios (02), Salão de
festas, biblioteca e piscina olímpica” (Folder, s/d).

Ao virar o impresso para o outro lado, as imagens de “um dos ginásios, piscina olímpica
e salão nobre”, possivelmente despertariam no/a leitor curiosidade para conhecer uma
instituição de ensino considerada inovadora. Ao abrir parte do folheto, mais imagens referentes
143

à “sala de aula, auditório e detalhes de um laboratório”. Um cenário bastante diverso de muitas


instituições de ensino (ainda no presente). Para finalizar o percurso de leitura, mas para
continuar produzindo efeitos em seu/a leitor, ao abrir o restante da página, uma imagem que
permite ter uma visão geral do CEP, com as descrições: “Assim se constroe um Paraná maior”.
Ou seja, o ensino escolar estava sendo utilizado pelos produtores do folder com finalidades
políticas.
As historiadoras Elizabeth Amorim de Castro e Zulmara Clara Sauner, em uma
investigação sobre a arquitetura das instituições escolares do estado do Paraná afirmaram que
a instituição foi projetada e possuía os seguintes espaços:
1º pavimento (térreo) – Entrada, tesouraria, com sala de espera, Inspetoria Federal,
com sala de espera, Gabinete médico, com sala de espera e sanitários, Hall, dois
elevadores, portaria, dentista, com sala de espera. Recreio coberto, palco, vestiários,
teatro e plateia, decida para o subsolo (...). Sanitários amplos, secretária geral, com
sala de espera, telefones, sala para cantina. Área e outros pontos complementares.
2º pavimento – Terraço, Hall (entrada), diretoria-geral, com sala de espera, escadarias,
grande hall, salas diversas, salas de aula de nº. 1 a 16. Sanitários, inspetoria-geral, com
sala de espera. Gabinetes (vários), sanitários para professores. Telefones, dispensa,
portaria, decida para a plateia do pavimento inferior. Gabinete para operações
cinematográficas.
3º pavimento – Varanda, gabinetes, salas para professores, sanitários para professores,
salas diversas para depósito, bedel118, etc., - biblioteca, salas de aula nº. 17 a 21,
laboratórios, áreas, anfiteatro e várias outras instalações para fins diversos.
4º pavimento – Varanda, Gabinetes, Sala para professores, sanitários para professores.
Hall, saletas para bedel, e outras finalidades, salas de aula nº 33 a 40, salão nobre,
sanitários, anfiteatro, laboratório.
5º Pavimento – (subsolo) trata-se de um perfeito abrigo anti-aéreo, elaborado sob
todas as exigências modernas. Amplo, com ótimas instalações, fácil acesso, sólido e
seguro, podemos garantir que atenderá no futuro as finalidades a que se destina.
Repetimos: é invulgar e notável.
No mesmo nível do subsolo, localiza-se à sub-estação de eletricidade, fornecedora de
energia para todo o prédio e adjacências (Relatório de Obras Públicas do Paraná, apud
CASTRO; SAUNER, 2012, p. 45).

A descrição detalhada do que veio a ser o prédio do CEP permite compreender a


dimensão de sua estrutura física e das concepções de ensino da época. Além das salas de aula
e de atendimento de professores/as, o edifício possuía laboratórios, auditórios e teatro para a
realização de eventos e práticas educativas diferenciadas. A edificação possuía também um
consultório odontológico e várias salas de aula para inspetores/as (bedel), o que demostra a
constante vigilância em todos os andares, somada a distribuição das salas “em formato u”, que
permitiria a um/a professor/a vigiar a sala ao lado. Chamam a atenção as especificações para o
5º pavimento, em relação ao “abrigo anti-aéreo”. Quando o projeto foi elaborado e a construção
iniciada, estava em curso a Segunda Guerra Mundial. Como pode ser notado, a instituição

118
Bedel, termo utilizado na época para referir-se a quem era encarregado de manter a “disciplina”. Responsável
por inspeções e controle dos/as estudantes.
144

escolar modelo do estado do Paraná havia sido idealizada para abrigar os/as estudantes,
professores/as e demais representantes da equipe escolar no caso de uma guerra. Segundo as
referidas autoras, o Relatório de Obras Públicas afirmava que o CEP “atenderá no futuro às
finalidades a que se destina. Repetimos: é invulgar e notável” (Relatório de Obras Públicas do
Paraná, apud CASTRO; SAUNER, 2012, p. 45).119
O Projeto Político-Pedagógico (PPP)120 do CEP de 2017 informa, pelo Decreto n.º
18.181, de 9 de julho de 1955, que aprovou o regime interno dos ginásios e colégios do estado,
que a instituição passou a ter autonomia na elaboração do próprio regimento. Como indica o
Art. 86, "o Colégio Estadual do Paraná, pelas suas características de instalação e longevidade
funcional, terá o seu regime próprio" (PARANÁ, Decreto nº. 18.181/1955). Ainda em relação
às diferenças do CEP frente às demais instituições escolares do estado, por meio da Lei Estadual
nº. 4.978, de 5 de dezembro de 1964, o colégio tornou-se um órgão autônomo da Secretária
Estadual da Educação e Cultura, facultando-lhe autonomia administrativa e financeira.
Na década de 1950, tivemos a criação de várias atividades extracurriculares: o Teatro
Amador, em 1952; o Coral e a “escola” de Artes, em 1958; a banda musical Bento Mossurunga,
em 1959. Suderli Oliveira Lima analisou as atividades denominadas “Paraescolares e
Complementares”, desenvolvidas no CEP durante as décadas de 1960 e 1970, a partir da
compreensão de que a instituição foi o “centro de irradiação cultural”. Nessas aulas
extracurriculares se desenvolviam oficinas e ensaios de peças musicais, teatrais e outras
atividades que eram apresentadas na própria instituição, seja para outros/as estudantes ou para
a comunidade em geral. A autora também apresenta algumas considerações sobre atividades
voltadas à física, à astronomia e a áreas afins, amplificadas em 1968, com a criação do
Observatório Astronômico do Colégio Estadual do Paraná (Oacep), que, desde sua criação,
esteve filiado à Liga Latino-Americana de Astronomia. Muitas dessas atividades eram de
caráter facultativo e utilizadas para complementar os conteúdos trabalhados. Conforme destaca
a autora, com a elaboração do Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos (PSECD), em
1968, essas atividades extracurriculares passaram a integrar o componente curricular do CEP e
foram sendo gradativamente ampliadas (LIMA, 2008).

119
O espaço do subsolo também foi possivelmente idealizado como abrigo de guerra. Posteriormente, o local
serviu como espaço para a realização das atividades artísticas, tais como música, dança, teatro, oficinas de
cerâmica, etc.
120
Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Colégio Estadual do Paraná, disponível no site da instituição:
http://www.cep.pr.gov.br/sites/cep/arquivos_restritos/files/migrados/File/2018/Divisao_Educacional/PPP_201
7_FINAL_MARCO2018.pdf.
145

É importante destacar que, durante a década de 1940, a promulgação das leis orgânicas
do ensino, entre elas o Decreto-Lei nº. 8.529, de 2 de janeiro de 1946, que tornou
obrigatoriedade de matricular as crianças aos 7 anos de idade, mais estudantes do sexo feminino
puderam ingressar nas instituições de ensino escolar.121 Com isso, parte das desigualdades de
gênero vinham sendo rompidas lentamente. Entretanto, quando inaugurado o novo prédio, as
estudantes do sexo feminino foram separadas dos estudantes do sexo masculino por meio de
“alas” em que era permitida a circulação de pessoas do mesmo sexo no mesmo turno. Léa
Resende Archanjo, através dos dados de matrículas e composição de turmas do CEP, entre as
décadas de 1950 e 1960, percebeu que, desde a inauguração do novo prédio, ocorreu um
aumento de estudantes meninas. As amarras das desigualdades de gênero contribuíram para que
a direção da instituição tomasse algumas providencias para a organização das aulas. A autora
afirma o seguinte:

A partir de 1957, o turno da manhã passou a concentrar as turmas masculinas,


enquanto o turno da tarde tornou-se exclusivamente feminino. O turno da noite
manteve algumas turmas mistas, mas era reduzida a frequência feminina nesse turno,
provavelmente devido aos empecilhos colocados à matrícula de mulheres no horário
noturno (ARCHANJO, 1996, p. 30).

De um total de 3.043 matrículas em 1952, 730 correspondiam a estudantes do sexo


feminino. Em 1957, ano que em que foi instaurada a divisão por turno, o CEP registrava 1.472
matrículas no turno da manhã, dessas apenas 23 eram de meninas, 838 no turno da tarde (apenas
meninas), e 953 matrículas no noturno, com apenas 70 do sexo feminino. Já em 1960, o CEP
possuía 1.351 matrículas de pessoas do sexo masculino no período da manhã e 1.176 no período
da tarde, correspondente às meninas. Os fatores que levaram ao crescimento dos números,
principalmente o de estudantes do sexo feminino, não foram apenas pela obrigatoriedade do
ensino. Nesse período, o CEP destacou-se por ser público e gratuito. Entretanto, mantinha-se a
cobrança de algumas taxas como forma de auxílio financeiro.122 Mesmo com a existência dos
exames admissionais, foi ampliada a procura pela instituição, tanto por estudantes locais como

121
É importante destacar que a inauguração do novo prédio do Colégio Estadual do Paraná contribuiu tanto para
o desenvolvimento da região (prédios, comércio, repúblicas estudantis, dentre outros), como para o aumento da
circulação de pessoas na capital. Esse reflexo também pode ser percebido em conjunto com a ampliação de
cursos e da presença de estudantes meninas/mulheres na UFPR. Tendo um número considerado de estudantes
vindas de outras cidades, “marcadas pela aventura da individualização feminina”, a Casa da Estudante
Universitária de Curitiba serviu de abrigo para essas estudantes e para a construção de novos espaços de
sociabilidade (MARTINS, 1992).
122
Fator que contribuiu para muitos debates oriundos de lideranças religiosas, de direções de colégios particulares,
principalmente os confessionais, que defendiam que o Estado não deveria interferir na educação das crianças e
jovens (ARCHANJO, 1996). Na década de 1960, esses debates contribuíram para mobilização de grupos
conservadores contrários à aquisição do livro didático.
146

de outras cidades. Circulava, na época, a informação de que o CEP era o “maior colégio da
América Latina” (ARCHANJO, 1996).
A divisão das turmas com base nas distinções de gênero era preconizada na Lei Orgânica
de Ensino. No CEP, outras ações desenvolvidas demostram que a cultura escolar da época,
mesmo com o ingresso de meninas nas instituições escolares, era norteada por um ideário de
desigualdade de gênero. Segundo Léa Resende Archanjo, “quando, em 1956, passaram a exigir
o uso do novo uniforme, os rapazes fizeram uma manifestação de protesto no pátio e, para eles,
o uniforme continuou a ser facultativo. Para as alunas, o uniforme tornou-se obrigatório”
(ARCHANJO, 1996, p. 84). Ou seja, através da indumentária, buscava-se disciplinar o corpo
das meninas. O protesto dos meninos e rapazes foi levado em consideração, prevalecendo
controle maior sob as estudantes meninas. Outras formas de controle sobre o corpo e a
sexualidade dos/as estudantes podem ser identificados em relação aos vestiários e sanitários do
ginásio de esportes. Para os estudantes do sexo masculino, o banho, por exemplo, deveria ser
realizado de forma individual, diferente do das estudantes do sexo feminino, que poderia ser
realizado de forma coletiva (ARCHANJO, 1996). Ou seja, com a separação dos corpos,
procurava-se controlar as práticas sexuais. Outra questão relativa ao tema pode ser percebida
na proibição para as meninas de circularem em outros espaços fora da escola, no período da
tarde, como na entrada para as matinés de cinema, pois, em função da divisão de horário, com
base na distinção de gênero, elas deveriam estar nas salas de aula.
Com a promulgação da Lei 4.024/1961, mesmo sem qualquer indicação sobre a
necessidade de dividir os/as estudantes com base nas distinções de gênero, essa configuração
foi mantida no CEP. Talvez seja pela cultura escolar já instituída, ou devido à interpretação da
legislação, que, em seu artigo 26º, em parágrafo único, afirmava que “os sistemas de ensino
poderão estender a sua duração até seis anos, ampliando, nos dois últimos, os conhecimentos
do aluno e iniciando-o em técnicas de artes aplicadas, adequadas ao sexo e à idade” (BRASIL,
Lei nº. 4.024, de 1961). Ou seja, mesmo sem prescrição em separar os/as estudantes com base
na distinção sexo/gênero para a composição de turmas, a legislação fornece indícios de que as
atividades deveriam ser organizadas com base na distinção corporal sobre os corpos
apresentados como masculino e feminino.
Como destaca a historiadora Silvia Maria de Fávero Arend, a educação escolar,
principalmente a partir da década de 1960, contribuiu para que, diante das diferenças e situações
desiguais de gênero construídas historicamente, muitas meninas/mulheres pudessem construir
um horizonte mais igualitário por meio de trajetórias similares nos estudos, o que contribuiu
para romper com parte das desigualdades de gênero (AREND, 2012). Todavia, em meio a
147

pequenos avanços no campo educacional e, por consequência, nas relações e configurações


socioculturais, muitas amarras das desigualdades de gênero ainda estavam presentes no CEP.123
Ainda na década de 1960, a construção de um novo do brasão institucional contribuiu,
de forma simbólica, para reforçar a idealização do ensino desenvolvido no CEP. Em 1966,
passou-se a utilizar o novo distintivo, ainda em uso, em documentos oficiais, impressos e
carimbados e, mais tarde, nos uniformes. A imagem 6 - Brasão institucional - corresponde ao
símbolo utilizado nos documentos.

Imagem 6 - “Brasão institucional”

Foto: Zaluski, 2018. Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná (CMCEP).

O brasão é constituído por esferas, em azul e branco. A maior, com as inscrições


“Colégio Estadual do Paraná – 1846”, assume a longevidade com seus mais de 100 anos na
formação educacional do estado do Paraná, em especial na capital. Ao centro, uma esfera que
simboliza o globo e as inscrições em latim, “Longe Lateque”, que significa “Visando ao futuro”,
ou seja, a história do CEP estava marcada por constantes idealizações de futuro. Sem
desmerecer o seu passado, a projeção aponta que o que está por vir é melhor que o passado e o
presente.

123
Conforme Archanjo, com o avanço internacional das discussões sobre o divórcio, as rupturas nas definições
desiguais de gênero, construídas historicamente sobre as mulheres, como trabalhar fora de casa, divorciar-se e
ter liberdade pelo próprio corpo, provocaram muitas reações que visavam “reforçar” a permanência das relações
desiguais entre homens e mulheres. No Canadá, em 1955, por exemplo, foi criada a “Escola da Felicidade”. A
escola tinha por objetivo fornecer educação para o casamento, visto que o aumento dos divórcios ocorria por
falta de preparo. Constituindo as meninas/mulheres o principal público, recebiam aulas sobre preparação para o
casamento, sobre estética pessoal, atividades domésticas, dentre outros temas recorrentes do espaço doméstico.
No Brasil, muitas instituições criaram cursos idealizados a partir do modelo canadense. No Paraná, o primeiro
foi em Londrina, com o “Curso Donas-de-Casa”, que visava a instruir meninas/mulheres para “melhorar a vida
familiar e melhor desempenhar sua missão no lar”. Após a criação, muitos jornais do estado, principalmente em
Curitiba, passaram a divulgar o curso como favorável ao bom desenvolvimento da família. Ou seja, pretendia-
se manter as mulheres em situações desiguais e negar-lhes oportunidades (ARCHANJO, 1996). Esse “modelo
de ensino” atingiu as instituições escolares do estado. Em minha dissertação de mestrado, pude identificar como,
a partir da disciplina “Indústria Caseira”, desenvolvida na Escola Ana Vanda Bassara, em 1982, esteve voltada
à formação de donas de casa em uma sociedade considerada moderna (ZALUSKI, 2016).
148

Quando a Lei nº 5.692/1971 tornou obrigatório o ensino para a formação para o trabalho,
o CEP procurou adaptar-se às mudanças. Após a extinção dos exames admissionais da
organização do ensino fundamental em duas etapas e da introdução do segundo grau, a procura
por vagas e a tentativa de colocar em prática o novo modelo educacional, contribuiu para a
organização do complexo escolar “Colégio Estadual do Paraná”, conforme se verá a seguir.

3.2 - O Complexo Escolar “Colégio Estadual do Paraná”

A obrigatoriedade do ensino de formação para o trabalho, a partir da Lei nº 5.692/1971,


fez com que as instituições de ensino passassem por uma reformulação curricular, tanto por ter
que redimensionar os objetivos do ensino para áreas específicas de formação profissional, e, a
partir da extinção dos Exames Admissionais, para ofertar o ensino a uma parcela ainda maior
da população, visto que a matrícula no ginásio até então estava condicionada à aprovação nos
exames admissionais (pagos). No CEP, essa modificação no ensino foi sentida de forma ainda
maior, pois era necessário realizar as adaptações para o ensino fundamental da 5º à 8º série em
consonância para a formação de segundo grau em áreas específicas.
Com base em informações do Parecer nº. 136/74, emitido pela Secretária Estadual de
Educação e Cultura (Seec), que aprovou o “Plano de Implementação do Ensino de 1º grau,
apresentado pela Unidade Escolar Colégio Estadual do Paraná”, foi criada uma força tarefa para
que as instituições escolares do estado passassem a atender às exigências estabelecidas pela Lei
5.692/1971. Para isso, já em 1971, foi criado o Grupo de Acompanhamento e Controle dos
Planos de Implementação da Lei nº 5.692/71 em cada núcleo regional,124 que, em conjunto com
a equipe do CEE, orientava a equipe de cada instituição (professores/as, direção, orientador/a
vocacional, dentre outros) para a elaboração da proposta curricular para atender às exigências
da Lei nº 5.692/1971. A aprovação da proposta estava condicionada à avaliação dessas duas
instâncias. Ou seja, enquanto a Equipe de Currículo do CEE desenvolvia a proposta curricular
publicada em 1973 na revista Currículo, equipes pedagógicas e técnicas de cada instituição
debruçaram-se, ao mesmo tempo, sobre a nova modalidade de ensino para a construção de uma
proposta curricular favorável a cada localidade.
No CEP, as discussões desenvolvidas pela direção, orientação educacional e
professores/as, foi desenvolvida em conjunto com a equipe de outras instituições escolares, que,

124
Por núcleo regional compreende-se o setor responsável pelo acompanhamento escolar, pedagógico e pela
admissão de professores/as. Os núcleos regionais foram criados nas cidades consideradas “maiores” e que
atendiam a outras cidades da região. Atualmente, existem 33 núcleos regionais de educação no estado do Paraná.
149

mais tarde, integraram o que ficou conhecido de Complexo Escolar Colégio Estadual do Paraná.
Essa atividade conjunta partiu de orientações de integrantes da Secretaria de Estado da
Educação do Paraná, que determinou que instituições maiores deveriam desenvolver a
implementação curricular em conjunto com outras instituições de ensino próximas. Como
modelo educacional estadual, apenas o grupo do CEP foi configurado como complexo.
Conforme levantamento feito pela Coordenação de Orientação Educativa do CEP, a
implementação curricular da proposta de ensino do CEP partiu do levantamento de informações
sobre o público matriculado. A identificação desse público permitiria melhor atender aos/às
estudantes nas áreas de atuação profissional ou para os encaminhamentos relativos à formação
de segundo grau.
Com base em análise feita pela Coordenação de Orientação Educativa, apresentada
sobre o levantamento, com data de 1972, havia o problema de que “o corpo docente, técnico e
planejadores” não tinham informações quanto às aspirações dos pais dos alunos com relação ao
tipo de iniciação para o trabalho e quanto ao panorama profissional e ocupacional da família
para a montagem do currículo” (PARANÁ, 1972, p. 4). Como pode ser observado, o processo
de elaboração da proposta curricular não pretendia, até então, escutar os/as estudantes em
relação à formação profissional pretendida. Tal fato informa sobre um afastamento em relação
ao proposto na Lei nº 5.692/1971, que visava ao interesse e à aptidão profissional do/a
estudante. Esse afastamento estava associado a outras duas questões: à de levar em conta a
posição dos responsáveis pelo/a estudante em sugerir a carreira profissional desejada para os/as
filhos/as; à da naturalização de que os/as estudantes/as pretenderiam seguir a atividades
profissionais de seus/as responsáveis. Mesmo que o CEP já possuísse experiência na formação
em áreas técnicas, como nos cursos de “Reparação de Eletrodomésticos e Datilografia”,125
ministrados em 1970 e 1971e que até aquele momento não tivesse existido a preocupação em
ouvir os interesses profissionais dos/as estudantes para a constituição do Projeto de
Caracterização Escolar, ao apresentar um levantamento sobre a posição dos/as estudantes sobre
os cursos já ofertados como uma tentativa de traçar um perfil do público novo (que ingressou
após a extinção dos exames de admissão), indicou que alguns estudantes responderam que “a
escola não atende à nossa realidade”.
Parte do distanciamento entre os interesses dos/as estudantes pode ter-se originado a
partir dos primeiros cursos de formação de segundo grau oferecidos pelo CEP, pois o ano letivo

125
A informação foi obtida a partir da observação de livro diário de classe e do relatório anual do ano de 1971
sobre a aprovação dos estudantes (todos do sexo masculino). Os cursos, de160 horas, eram ministrados duas
vezes por semana em horário diferente do ensino regular.
150

de 1972 precisou ser iniciado já oferecendo essa modalidade. O projeto de implementação do


ensino de segundo grau, mesmo que provisório, só foi finalizado no fim do ano. Encaminhado
para avaliação da CEE, por meio do Protocolo nº. 10.847/1, de 29 de dezembro de 1972,
afirmava:
1 - O projeto em pauta refere a habilitações Profissionais do setor Técnico, os quais
sejam: Técnico em Secretariado e Assistente de Administração. Já iniciado no 1º
semestre de 1972.
2 – Com as possibilidades que a Lei nº 5692/71, oferece, o colégio solicita outras
habilitações menores de: Desenhista de Arquitetura, de Estruturas, de Instalações
Hidráulicas e Laboratorista de Análises Clinicas (PARANÁ, 1972).

Como demostrado por meio de ofício, a equipe do CEP solicitou que os cursos em
andamento fossem mantidos, e em uma escala hierárquica com habilitações menores. Em 1972
existiam cinco turmas de Técnico em Administração, três no turno da manhã e um na tarde, e
em Secretariado Executivo - uma turma pela manhã e duas à tarde. Ao longo da década, novos
cursos técnicos foram implementados, tanto os que tiveram o pedido aceito por meio desse
ofício, como outros que foram desenvolvidos conforme os interesses identificados nas turmas
do ensino fundamental.
Neste sentido, por mais que o foco da atenção desta tese seja o de perceber o
desenvolvimento curricular para o ensino da 5ª à 8ª série, este possuía estreitas relações com o
ensino de formação de segundo grau, com o qual se pretendia qualificar os/as adolescentes para
o trabalho, mas, para aqueles/as que pudessem continuar o ensino, o novo modelo deveria
auxiliar na continuidade aos estudos com base nas distinções por área de interesse. Ou seja, os
primeiros cursos solicitados e aprovados pela equipe do CEP foram na área administrativa, que
criava obstáculos para a formação no segundo grau. Lentamente, ao longo da década, esse
cenário foi se invertendo, com novos cursos. Conforme levantamento apresentado para
aprovação e/ou reavaliação de cursos técnicos de segundo grau para o ano letivo de 1981, entre
os anos de 1971 e 1980 foram ofertados os seguinte cursos: Assistente de Administração e
Secretariado, desde 1972; Técnico de Arquitetura; Técnico de Estrutura; Técnico de Instalações
Hidráulicas e Técnico em Laboratório em Análises Clínicas, a partir de 1973; Técnico em
Prótese; Técnico em Edificações; Técnico em Auxiliar em Processamento de Dados e Auxiliar
de Escritório, a partir de 1974; Técnico em Oficial de Farmácia e Auxiliar de Estatística, a partir
de 1976; Técnico Auxiliar em Patologia Clínica a partir de 1977; Técnico de Laboratório e
Prótese Odontológica; Técnico em Auxiliar de Farmácia e Ator a partir de 1980
(PARANÁ,1980). Alguns dos referidos cursos não abriram turma em um ou mais anos.
151

Um dos problemas para a implementação de forma mais rápida da proposta curricular


esteve associada à falta de equipe docente, principalmente com formação para desenvolver a
proposta específica para cada curso e que dialogasse com a formação da 5ª à 8ª série. Ainda em
1972, na tentativa de ampliar o debate para atender às instituições de ensino próximas ao CEP,
a equipe educacional das seguintes unidades escolares: Escola Tiradentes; Escola Dr. Xavier
da Silva; Escola Professor Brandão; Escola Conselheiro Zacarias; Escola Dona Carola; Escola
Aline Picheth; Escola Amâncio Moro, desenvolveram um Projeto de Ação Integrada. A equipe
educacional das escolas integradas ao CEP deveria realizar um estudo em conjunto para
identificar os interesses profissionais dos/as responsáveis para com os/as estudantes e realizar
o levantamento das atividades profissionais dos pais e mães. Com base nesse estudo, a referida
equipe deveria desenvolver uma proposta curricular que atendesse à Lei 5.692/1971, às
projeções profissionais idealizadas pelos/as responsáveis dos/as estudantes e aproximar-se da
realidade local, já que, conforme o documento, compreendiam que o interesse profissional não
estaria distante do que era vivenciado no grupo familiar. Ou seja, a profissão do/as estudantes
estaria vinculada às experiências profissionais dos/as responsáveis.
Conforme informa o Plano de Ação, desenvolvido de forma coletiva, foi realizada uma
reunião com os/as responsáveis pelos/as estudantes matriculados em cada instituição. Essa foi
a melhor forma encontrada para identificar a profissão que eles possuíam e as pretensões para
os/as futuros/as trabalhadores/as. Nesse encontro, foi acordado que os/as responsáveis deveriam
fazer um acompanhamento do/a estudante, como forma de perceber possíveis disposições e/ou
interesses profissionais. Na escola, mesmo sem que cada instituição ainda não tivesse um
profissional capacitado para realizar as avaliações de interesses, “em vista da realidade
analisada, o Orientador Educacional era obrigado a assumir também a função” (PARANÁ,
1972) através de reuniões individuais e coletivas, de encontros para identificar as possíveis
áreas de interesse. Esse acompanhamento foi cada vez mais se ampliando por meio do Serviço
de Orientação Educacional.126
Mesmo com o ano letivo em movimento, as ações do Plano de Ação deveriam ocorrer
entre os meses de agosto e setembro de 1972. Só posteriormente ao levantamento das

126
Segundo Alicia Mariani L. da Silva, o Serviço de Orientação Educacional surgiu no século XX, nos Estados
Unidos, como o nome de Serviço de Orientação Profissional. No Brasil, desde as Leis Orgânicas do Ensino, de
1942, vinha sendo exigida pelo Estado a presença desses educadores para atender aos possíveis interesses
profissionais dos/as estudantes. Ao analisar parte das ações do Serviço de Orientação Educacional (SOE), do
CEP, Silva destaca que, desde a década de 1950, havia indícios da existência desse setor, exercido principalmente
por pedagogos/as. Na década de 1970, diante das exigências da LDB de 1971, a autora destaca que basicamente
o SOE atuava como um serviço de apoio ao educando. Os profissionais do SOE, tendo em vista as normas e
princípios da instituição, de forma conjunta com a comunidade escolar, buscavam realizar os “ajustamentos” e
sugerir os melhores caminhos aos/as estudantes (SILVA, 2012).
152

informações compreendidas como necessárias é que se poderia pensar um modelo curricular


para atender à legislação associada ao cenário do Complexo do CEP.127 Assim, o modelo
curricular do ensino da 5ª à 8ª série das instituições que integraram o Complexo do CEP seria
unificado e efetuado conjunto com a “sondagem de aptidão”. Serviria igualmente de base para
desenvolver os cursos de formação técnica no segundo grau do CEP.
Lilian Ianke Leite, com o intuito de analisar o processo de implantação da proposta da
LDB de 1971 no CEP, utilizou, em sua observação, algumas fontes que embasam este estudo.
Tendo em vista as atas de reunião dedicadas aos encontros para a construção da proposta
curricular, realizadas entre 1972 e 1973, Leite identificou que desde o início de 1972 a direção,
os/as professores/as e a equipe pedagógica das instituições do Complexo demostraram grande
interesse em desenvolver uma proposta de ensino que atendesse aos interesses da comunidade
escolar. Logo, mesmo diante de imposições estabelecidas pela legislação, não se pode afirmar
que a equipe do CEP tenha aderido de forma automática às decisões vindas de nível federal.
Como destaca a autora, “a integração das escolas em complexos escolares foi uma hábil
estratégia governamental para afirmar a ideia de continuidade do processo de escolarização da
1ª à 8ª série, e também para otimizar a escassez de recursos materiais e humanos” (LEITE,
2019, p.119). Ou seja, mesmo que o governo estivesse sob o comando dos militares, e da
carência de corpo docente e de material, a proposta de ensino do CEP (entende-se aqui todo o
complexo), foi desenvolvida, aparentemente, de forma mais democrática, dada a participação
conjunta de professores/as, direção, equipe pedagógica, e, com indicativo da participação dos/as
estudantes.
Diante das recomendações para os debates sobre a implantação curricular na região
central de Curitiba, e de o CEP assumir posição de destaque, o Complexo Educacional do CEP
foi oficialmente reconhecido através da Resolução nº. 3.601/SEC, e “autorizado a funcionar
nos termos da legislação vigente” pelo Decreto nº. 1.358, de 23 dezembro de 1975. Composto
por oito unidades educacionais, apenas o CEP oferecia formação de segundo grau. Elevado à
categoria de colégio, era a unidade centro. As demais eram as seguintes: Escola Tiradentes
(unidade 1); Escola Dr. Xavier da Silva (unidade 2); Escola Professor Brandão (unidade 3);

127
O Plano de Ação informa que para a realização do acompanhamento profissional e da estrutura curricular foram
utilizados documentos mimeografados: “elaborado p/a alunos do Curso de Orientação Educativa da UFRGS e
reorganizado por Eliane Lautert Lopes da Silva, Iree Fernandes Gomes e Marlou Zanella para o PREMEN”, e,
como materiais bibliográficos, “Ninicucci, Agostinho – Dinâmica de Grupo na Escola; Pimentel, Maria da Gibria
– Aurea Sigrist – Orientação educacional; Schmidt, Maria Junqueira – Orientação Educativa; Knapp, Robert H.
– Orientação Educativa na Escola Primária; Baquero Godeardo – Métodos e Técnicas de Orientação
Educacional” (COORDENAÇAÕ DE ORIENTAÇÃO EDUCATIVA, 1972). É importante observar que,
novamente, os debates relativos à educação realizados no estado do Rio Grande do Sul nortearam as discussões
realizadas no estado do Paraná.
153

Escola Conselheiro Zacarias (unidade 4); Escola Dona Carola (unidade 5); Escola Aline Picheth
(unidade 6); Escola Amâncio Moro (unidade 7). Em 1982, por meio da “Resolução nº. 55/85,
de 13 de janeiro de 1982, foram desvinculadas as Escolas Amância Moro – Ensino de 1º Grau
e Xavier da Silva – Ensino Regular e Supletivo de 1º Grau”. Mesmo com essa desvinculação,
as unidades continuaram sendo mencionadas com os mesmos números nos documentos.
O mapa a seguir - Imagem 7 - “As unidades do Complexo Educacional do Colégio
Estadual do Paraná” - permite identificar a disposição de cada unidade de ensino. Por meio
dessa imagem, é possível notar a distância de cada uma em relação ao CEP e à distribuição do
Complexo Educacional.
Imagem 7 - “As unidades do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná”

Org: ZALUSKI, 2020.128

A distribuição entre as letras A e H do mapa indicam a localização de cada instituição


escolar que ainda estão em funcionamento. A unidade 1, pertencente à Escola Tiradentes, é a
mais próxima do CEP; apenas o parque do Passeio Público Municipal as separa. As unidades 3
e 4 também estão próximas: a Escola Professor Brandão ficava distante 750 metros; a Escola
Conselheiro Zacarias, 1 km de distância. As demais escolas estavam localizadas mais distante,
o que dificultava o acesso de professores/as, direção, equipe pedagógica e estudantes quando
necessitassem ir até o CEP.129

128
As marcações no mapa foram realizadas por meio do aplicativo gratuito, bathgeo. Disponível em:
https://pt.batchgeo.com/.
129
A Escola Dr. Xavier da Silva e a Escola Aline Picheth estavam distantes 2.6 km do CEP. A Escola Dona Carola
localizava-se a 2.3 km da unidade centro. A Escola Aline Picheth situava-se a 3.4 km do CEP. A Escola Amâncio
Moro 4.2 km distanciava-se do CEP.
154

O Plano Curricular do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná,


possibilita identificar como a distribuição dos/as estudantes por meio da distinção entre série,
turno, gênero e a obrigatoriedade de educação física interferiram na organização das atividades
do conjunto de escolas. O Plano Curricular foi elaborado em 1974, sendo dividido nos seguintes
itens: identificação; diagnóstico de realidade; justificava do plano e estrutura metodológica. Ou
seja, apresenta um breve histórico de cada instituição, informações sobre a estrutura física de
cada escola, grade curricular composta por encaminhamentos metodológicos e relativo aos
conteúdos para cada disciplina em sua respectiva série. Por se tratar de um complexo
educacional com formação para todo o ensino fundamental, o documento possui as indicações
da 1ª até a 8ª série. O documento, por sua extensão - 435 páginas datilografadas -, foi sendo
complementado ao longo do tempo.
A versão do documento analisada possui anotações sobre substituição e/ou
complementação dos anos de 1977, 1980 e 1982 e 1983, o que demostra parte da complexidade
para desenvolver um modelo curricular para atender a todas as instituições do complexo para
proporcionar uma variedade de cursos para escolha e/ou aproximação de interesse profissional.
Tendo em vista que o Plano Curricular foi construído em diferentes tempos, e, por conter
observações de 1983, quando aqui referenciado, será acompanhado do ano de produção.
Mesmo que tenha sido proposta a participação ativa do corpo docente de todas as
instituições escolares do Complexo Educacional do CEP, o Plano Curricular informa que a
equipe responsável pela elaboração da proposta curricular era composta de acordo com a
relação abaixo transcrita:
Alzira Baena de Souza, coordenadora de atividades de 1ª a 4ª série; Glacilda Von der
Osten Hákek, coordenadora de Língua Portuguesa e Educação Artística de 5ª a 8ª
série; Aracy Joanna Goedicke, coordenadora de Educação Física de 5ª a 8ª série;
Maria Irmina Carneiro Vieira, coordenadora de Estudos Sociais e Estudo do Meio de
5ª a 8ª série; Wagner Hage, coordenador de Ciências Físicas e Biológicas e Programa
de Saúde de 5ª a 8ª série; Maria Antonieta Meneghini Martins, coordenadora de
Matemática de 5ª a 8ª série; Hilda Gabriella Mengelberf Melnik, coordenadora de
Língua Estrangeira Moderna de 5ª a 8ª série; Eloah Guimarães de Almeida,
coordenadora de Iniciação para o Trabalho de 7ª a 8ª série. Cler Joaquim Minetto,
coordenadora de Supervisão Escolar de 5ª a 8ª série; Oneide B. Collere, Orientadora
Educacional de 1ª a 8ª série; Lúcia Raquel Miranda Passerino, coordenadora geral de
1ª a 8ª série; Gema Puppi Vasconcellos, Assessora de 1º Grau, e de Rúbia Illona
Keneiding, Estagiária na Seção do 1º Grau e responsável pela datilografia (PARANÁ,
1983, p. 433).

É importante destacar, no item identificação, correspondente ao histórico de cada


instituição de ensino, que eram informados o ano de fundação, a origem do nome da instituição,
o período de gestão dos/as diretores/as e a biografia sobre a pessoa homenageada com seu nome
na escola. Essas informações, presentes na Proposta Curricular, partiam de uma “história
155

oficial” das instituições escolares. São muitos os estudos das áreas da História e da História da
Educação que têm como foco o CEP. Poucos estudos abordam as demais instituições que
compuseram o Complexo Educacional do CEP, e por isso será feito a seguir, com o intuito de
compreender parte da dinâmica de sua composição e da movimentação urbana da cidade, tendo
em vista fornecer uma ideia da dimensão da organização do Complexo, cujo objetivo central
era atender à população infantojuvenil da cidade e servir de modelo para o restante do estado.

3.3 – As escolas do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná

A primeira unidade do Complexo de Ensino, a Escola Tiradentes, 130 que iniciou suas
atividades ainda em 1892, foi autorizada a funcionar desde que mantivesse a sua
“denominação perpétua”. No Plano Curricular consta: “A Escola Tiradentes foi criada
no Governo de Dr. Francisco Xavier da Silva, pela Lei nº. 10, de 16 de maio de 1892.
A lei de quatro artigos destacava, em primeiro lugar, a autorização do Governo do
Estado contratar, com a Sociedade Propagadora de Erva-Mate, a construção de um
edifício para a escola de instrução primária, que teria a denominação perpétua de
“ESCOLA TIRADENTES” (PARANÁ, 1983, p. 8).

Esse acordo com governantes e produtores de erva-mate, principal fundo de receita do


estado da época, contribuiu para a criação da Escola Tiradentes, mesmo com mudanças de
endereço e sem estrutura física própria, e fez com a instituição oferecesse o ensino de forma
contínua ao longo de todos esses anos. Por manter a sua nomenclatura rigorosamente
estabelecida por meio de lei, a equipe da instituição reivindica que a Escola Tiradentes seja
considerada a mais antiga da cidade de Curitiba.131
Segundo a narrativa apresentada no Plano Curricular, a escola acompanhou as reformas
educacionais realizadas ao longo do tempo. Integrando a ampliação do ensino, em 1914 passou
a funcionar “um grupo escolar exclusivamente para o sexo feminino, comportando quatro
séries, com a denominação de Grupo Escolar “Tiradentes””. Por suas acomodações precárias
para atender ao público, foi interditada, como destaca o documento: “Tendo sido demolido o
edifício do Grupo em 1934, o estabelecimento passou a funcionar, em caráter provisório, em
residências velhas e inadequadas, durante um largo período de tempo” (PARANÁ, 1983, p. 9).

130
Atualmente, Colégio Estadual Tiradentes, com turma do 6º ano do ensino fundamental ao 3º do ensino médio.
Não possui cursos de formação técnica.
131
Essa reivindicação integra parte de um problema que pude vivenciar enquanto coletava fontes para esta
pesquisa. Quando fui autorizado a fotografar as fontes, em minhas idas até a instituição, a diretora e a secretária
sempre me lembravam que, “se eu encontrar algum documento que indicasse a fundação do colégio, era para
eu separar e avisar”, pois, por a instituição se localizar no centro da cidade, e por ter “outras escolas disponíveis
e por, supostamente, o colégio não atender a estudantes do centro, principalmente à noite”, era grande a
tentativa de derrubar o prédio para venda do terreno.
156

A Escola Tiradentes, após 28 anos, em 1962, foi transferida para um novo prédio. Ana
Paula Pupo Correia identificou que o referido prédio foi adaptado para funcionar como escola,
pois, conforme com a autora, “está classificado, no carimbo de suas pranchas, como Instituto
de História Natural, que seria construído para as comemorações da emancipação política do
estado” (CORREIA, 2004, p. 124). O prédio apresentava muitos problemas, como ruídos,
pouca luminosidade, ventilação, tamanho das salas inadequados e não possuir áreas adequadas
para as práticas esportivas. Em 1971, quando a Lei 5.692/1971 tornou obrigatório o ensino
relativo à formação técnica, outros problemas referentes à falta de espaço atingiriam a Escola
Tiradentes.
No período investigado desta tese, Maria Helena Schimmelpheng de Aben-Ahar foi
diretora da escola entre 1971-1974; Lourdes Maria Faria Arantes, entre 1974 e1978 e Marcio
Assunção Miranda Sobrinho, entre 1978-1983. Os referidos gestores, juntamente com a equipe
pedagógica e de professores/as de cada período, foram responsáveis pela implementação do
currículo. A Escola Tiradentes atendia a estudantes do ensino fundamental da 5ª à 7ª série e do
ensino supletivo, este no período noturno. Segundo o Plano Curricular, com capacidade para
400 alunos, a Escola Tiradentes, durante a década de 1970, atendia a estudantes “do centro e
periferia”, que tinham, em média, uma renda familiar de quatro salários mínimos. Os/as
responsáveis pelos estudantes haviam cursado o primário e/ou o ginasial e trabalhavam
predominantemente em “serviços, comércio, comerciante, Funcionário Público, do lar”
(PARANÁ, 1983, p. 43).
Com a capacidade limitada por turno, as 12 salas de aula disponibilizadas em 1982
(mesmo com problemas estruturais) para turmas de 5ª, 6ª e 7ª série eram organizadas com base
na distinção de gênero e turno, sendo 683 estudantes matriculados/as nos períodos da manhã e
tarde (348 meninos e 335 meninas). O prédio era composto por salas de aula e contava com:
sala de direção; direção auxiliar; escola de Artes; capela; orientação pedagógica; orientação
educacional; cantina, sendo este o maior espaço, com 66,00m2; gabinete dentário; sala para
aulas de inglês e sanitários. Estes últimos, que não haviam sido construídos para atender ao
ensino, possuíam 2,40 m2 (PARANÁ, 1983, p. 47). Pela arquitetura deduz-se ter funcionado na
instituição um possível cotidiano escolar de atividades no contraturno (Escola de Artes) e
atividades de cunho religioso.

3.3.1 Escola Dr. Xavier da Silva


A segunda unidade do Complexo de Ensino, é descrita no documento como “Unidade
Complementar “Xavier da Silva”. A atribuição do nome teria sido uma homenagem a Francisco
157

Xavier da Silva, nascido em Castro (PR), em 1838. Conforme estudo de Marcus Levy Albino
Bencostta, Francisco Xavier da Silva possuía formação em Direito pela USP, teria assumido
diferentes cargos municipais na cidade de origem, em Curitiba e no estado, inclusive como de
senador da República. Auxiliou na construção da Escola Dr. Xavier da Silva, iniciada em 1903.
Inaugurada em 1904, passou por várias denominações, até receber o nome atual, posterior à
morte de Francisco Xavier da Silva, em 1922. A instituição foi responsável por atender ao
ensino primário e, gradativamente, procedeu à inserção do ginasial. Conforme destacou
Bencostta, “trata-se de um exemplo de programa arquitetônico escolar projetado de forma
monumental” (BENCOSTTA, 2001, p. 115).
Consta, no Plano Curricular, que a Escola Dr. Xavier da Silva:
[...] vem cumprindo sua nobre e honrada missão, através de lustros e décadas, ora
mudando de nome ou Direção, mas fiel à infância de nossa terra, preparando-se
sempre e continuamente dentro dos princípios de amor à Pátria, respeito aos pais e
mestres, estima pelos livros e estudo, e, por este meio tornando-a cônscia do seu dever
e preparando-a para tornar-se em juventude respeitável e trabalhadora (PARANÁ,
1983, p.12).

O documento foi produzido por Leony Vieira Tôrres e Orlando Medeiros de Sousa,
diretores da instituição na época. A instituição possuía capacidade para “500 alunos” por turno
e atendia a estudantes dos bairros “Boqueirão, Guabirotuba e Prado Velho”, que possuíam, em
média, renda familiar de quatro salários mínimos, e tinha com responsáveis pelo ensino escolar
até o primário a profissão de “comerciantes e comerciários”.
Em 1980, a Escola Dr. Xavier da Silva possuía 1.001 estudantes matriculados em todo
o ensino fundamental, distribuídos em 493 matrículas entre a 1ª e a 4ª série do ensino primário
no período da tarde, com 259 meninas e 234 meninos. As 14 salas de aula acolhiam ainda 508
matrículas de adolescentes, sendo 256 as meninas, e 252 os meninos. Ao analisar as
informações do Plano Curricular, observa-se, em 1981, ano da última atualização do referido
documento feita pela equipe da Escola Dr. Xavier da Silva, que no ano seguinte a instituição
foi desvinculada do Complexo Escolar do CEP.

3.3.2 Escola Professor Brandão


A terceira unidade do Complexo de Ensino, Escola Professor Brandão, no “Histórico do
Grupo Escolar “Professor Brandão””, como denominado por Lourdes Ghirelli de Araujo,
diretora da instituição e responsável pela construção da narrativa, informa que a escola iniciou
158

suas atividades em 1911. Com 67 anos de funcionamento132 na composição do histórico, foi


listado o nome das 11 direções que a instituição teve até aquele momento.133 Seguida de
biografia sobre o professor Brandão, que levou o nome da instituição como uma homenagem
pelo reconhecimento de que “João Batista Brandão de Proença, foi o primeiro Professor Público
do Paraná”, e de que “o professor Brandão era um homem muitíssimo ilustrado em sua época,
pois conhecia o grego, o latim, gramática, história da civilização, lógica e moral, sem esquecer
matemática” (PARANÁ, 1983, p. 16). No documento do Plano Curricular, a trajetória da Escola
Professor Brandão foi centrada na reforma do edifício.
Sendo a terceira unidade que integrou o Complexo de Ensino do CEP, o histórico da
Escola Professor Brandão foi o único que apresentou uma relação mais detalhada sobre a
quantidade de professores, e demais integrantes da equipe da instituição. É importante observar
que o documento possuía campo específico para essas informações. Conforme o Plano
Curricular:
O corpo docente da Escola Professor Brandão é composto de 22 professores
normalistas e 12 professores de Ensino Médio.
O corpo técnico é formado por 2 orientadores educacionais e 1 supervisor escolar.
A orientação pedagógica é ministrada por 4 professores, sendo 2 normalistas e 2 de
ensino médio.
O corpo administrativo é formado por 3 especialistas de educação e 3 professores. Há
9 serventes da escola.
A Biblioteca, a cantina e a Cooperativa Escolar, são atendidas por 4 professores
normalistas.
A Biblioteca é registrada na Biblioteca Pública do Paraná e no Instituto Nacional do
Livro, possuindo 4.500 volumes devidamente catalogados (PARANÁ, 1983, p. 18).

A apresentação das informações demostra uma tentativa de valorizar o quadro de


seus/suas trabalhadores/as. No detalhamento da divisão de funções apresentadas pelo
documento, chama a atenção que a instituição possuía um espaço denominado de “Cooperativa
Escolar”. Sem maiores detalhes sobre as atividades desenvolvidas neste espaço, é possível
encontrar na lista de nomes de seus funcionários que Ligia Peixoto e Maria de Lourdes Marçal
exercia a função de cooperativista na Escola.134 Esta, possivelmente, foi uma atividade voltada
à formação para o trabalho.

132
O documento possivelmente foi redigido entre os meses de janeiro e agosto de 1979, pois em setembro daquele
ano a Escola Professor Brandão completava 68 anos de atividades.
133
1920 – Hitrio Pertterle; 1928 – Olga Viana Balster; 1930 – Erasmo Pilotto; 1932 – Lusia Fernandes; 1936 –
Edith Rocha de Araújo; 1946 – Sodenia Camargo dos Santos; 1947 – Edith Rocha de Araújo; 1964 – Irene
Margarida Sprenger; 1977 – Janete Silva Costansi; 1979 – Lourdes Ghirelli de Araujo (PARANÁ, 1983, p.
15).
134
Nas informações detalhadas sobre o quadro funcional de cada instituição, aparecem os nomes de Leda Lima
Benradt, na Escola Conselheiro Zacarias e, de Marylene A. Koentopp, na Escola Dr. Xavier da Silva, como
cooperativistas.
159

Com capacidade para 450 alunos por turno, a Escola Professor Brandão, acolhia
estudantes vindos dos bairros Alto da Glória, Bacacheri, Boa Vista, Santa Cândida. Já seus
responsáveis eram os que tinham o maior índice de escolaridade e renda, com uma média de 10
salários mínimos e a única em que a maioria dos responsáveis possuía formação de 2º grau,
sendo os demais identificados como “do lar, prendas domésticas, comerciante e professor”.
Tendo em vista as distintas marcações de gênero que atingiam as mulheres, verifica-se que as
donas de casa eram descritas como exercendo uma atividade profissional, mesmo que não
valorizada ou não recebesse renda. Segundo o referido documento, “nossa clientela pertence à
faixa sócio-econômica média, devendo o fato pela localização central da mesma” (PARANÁ,
1983, p. 18).
A Escola Professor Brandão possuia 15 salas de aula disponíveis (1 para inglês) para
atender ao ensino fundamental da 1ª até a 7ª a série. A instituição possuía, ainda, laboratório,
salas para assistência educacional e sala para atendimento médico dentista. A instituição atendia
a uma quantidade menor de estudantes do que sua capacidade comportava. Em 1982, a escola
tinha 733 estudantes matriculados, dos quais 380 (202 meninas e 160 meninos) no ensino
fundamental da 1ª à 4ª série no turna da tarde, e 353 no ensino da 5ª à 7ª série no periódo da
manhã (175 meninas e 178 meninos) . A divisão das turmas era realizada com base no gênero
e na idade. Todavia, verifica-se que norma foi rompida, pois as adolescentes estudavam no
período da manhã.

3.3.3 Escola Conselheiro Zacarias


A quarta unidade do Complexo Educacional, a Escola Conselheiro Zacarias, que em seu
nome busca homenagear o advogado baiano Zacarias de Góis e Vasconcelos, que foi presidente
da província do Paraná durante o Império. A narrativa produzida por Cloris Graciano, diretora
da época, também de forma muito breve, apresentou algumas considerações sobre a data de
fundação, em 1911, e de algumas das direções e ampliações realizadas na instituição. Conforme
o Plano Curricular:
Em 1939, assumiu a direção a professora Ema Riva Correia, considerada sócia
beneficiária do Estabelecimento. Em sua gestão a Escola foi reconstruída, e hoje conta
com dez salas de aula, gabinete dentário, cantina, casa de zelador e gabinetes
administrativos. Dona Ema permaneceu na direção da Escola até 1968, sendo
substituída pela professora Ilza Laffite Ronooni (PLANO CURRICULAR, 1983, p.
20).

A descrição da estrutura física da escola e da gestão da instituição pela diretora Cloris


Graciano possibilita perceber que a escola era privada, tendo-se tornado pública apenas na
160

década de 1960. A instituição possuía 10 salas de aula com capacidade para “330 alunos” por
turno; atendia a estudantes dos bairros “Centro, Juvevê, Tarumã e Jardim Social”. Os/as
responsáveis possuíam formação primária e ginasial; recebiam, em média, quatro salários
mínimos e trabalhavam como “comerciário, zelador, funcionário público e professor”. Em
1982, com 18 turmas distribuídas nos períodos da manhã e da tarde, a escola fornecia o ensino
fundamental da 1ª à 6ª série, com os/as alunos assim distribuídos/as: no período da manhã, as
turmas da 4ª, da 5ª e da 6ª série, com 308 matriculados (171 meninos e 137 meninas); no período
da tarde, a 1ª, a 2ª e a 3ª série, com 307 estudantes, distribuídos/as entre 146 meninos e 161
meninas.

3.3.4 Escola Dona Carola


A quinta unidade do Complexo de Ensino, a Escola Dona Carola, foi descrita de forma
mais suscinta em relação ao histórico e às atividades desenvolvidas. Talvez isto se deva ao fato
de a instituição ser nova, comparada às que funcionam há longa data e integraram o Complexo
de Ensino do CEP. Em dois parágrafos, o histórico apresentado pelo Plano Curricular
mencionava o seguinte:
Construído pela Prefeitura Municipal, foi inaugurado a 29 de março de 1957, pelo
Exmo. Sr. Major Ney Braga, então prefeito Municipal de Curitiba, tendo sido nesta
data, colocada uma placa comemorativa em bronze, com a denominação da escola -
GRUPO ESCOLAR DONA CAROLA, em homenagem à professora Carolina Pinto
Moreira, que se dedicou à nobre causa de educar com eficiência, no período de 03 de
janeiro de 1905 a 08 de maio de 1939, quando se aposentou, tendo posteriormente,
isto é, a 29 de janeiro de 1951 revertido à atividade, até 24 de outubro de 1954, quando
faleceu no exercício de suas funções.
O Grupo Escolar Dona Carola, é um prédio de alvenaria, situado na Rua Dona Carola,
314, esquina com Rua Emílio de Menezes no bairro das Mercês. Possui 09 salas de
aulas, um salão nobre, um gabinete de direção, um gabinete dentário, sala de
Cooperativa, uma sala para Orientação Pedagógica, cantina e demais dependências
constando ao todo de 26 instalações (PARANÁ, 1983, p. 22).

A narrativa do documento expressa uma “história da instituição” que ora se confunde


com a história de vida e o exercício profissional de Carolina Pinto Moreira, professora que,
segundo a biografia apresentada no documento, “é um nome que se constituiu num verdadeiro
apostolado no serviço da educação e da cultura da mocidade paranaense”. Logo, seus feitos no
ensino são descritos de forma naturalizada, pois, como é próprio das mulheres serem propensas
ao cuidado, “dedicou sua vida à causa nobre que lhe valeu a posição de honra que ocupa por
direito e por justiça na história da Educação de nossa terra”.
A narrativa, elaborada por Joannita Harkot Sarnachi, diretora desde 1969, informa as
dimensões do edifício - “750m2” -, que tinham uma boa estrutura para atender, em média, a
161

“340 alunos” por turno, oriundos dos bairros “Pilarzinho e Centro”. Apesar de o edifício ter
sido projetado na década de 1950, não tinha salas suficientes para todas as atividades
pedagógicas. Como indica o documento, além da sala de aula, os/as estudantes realizavam
outras atividades no salão nobre, então “usado como sala especial para Escolinha de Artes e
Audiovisual de Inglês”. O pátio da escola era revestido de cimento e “acomodava perfeitamente
os alunos para a prática de Educação Física e algumas modalidades de esportes” (PARANÁ,
1982, p. 26).
Conforme levantamento realizado pela equipe da instituição, os/as responsáveis pelos/as
estudantes tinham, em sua maioria, a formação primária; recebiam, em média, 5 salários
mínimos e trabalhavam como “comerciantes, vendedores, funcionários públicos e professor”.
Segundo a direção, “o nível dos alunos de nosso bairro ocupa faixa sócio-econômica de classe
média, sendo que 6% é mantido pelo Estabelecimento” (PARANÁ, 1983, p. 26). Com 19
turmas entre a 1ª e a 7ª série, a Escola Dona Carola atendia, em 1982, a 752 estudantes
matriculados nos turnos da manhã e tarde, com 413 estudantes da 1ª à 4ª série durante o período
da tarde (220 meninas e 193 meninos), e entre a 5ª e a 7ª série, ofertadas no turno da manhã,
339 estudantes, sendo 180 meninas e 159 meninos.

3.3.5 Escola Aline Picheth


A sexta unidade do Complexo de Ensino, a Escola Aline Picheth, assim como a Escola
Dona Carola, dispõe de poucas informações sobre a história da instituição, sendo atribuída
maior ênfase à biografia de Aline de Souza Picheth, homenageada por se destacar na docência
e enquanto mãe, pois, conforme o documento, “a exemplo da mulher, o que mostra a sua
integração completa na função de mestra, pois soube transmitir aos seus descendentes, a
vocação do magistério” (PARANÁ, 1982, p. 29).
As atividades da Escola Aline Picheth foram iniciadas em 1960, quando teve o novo
prédio inaugurado em seguida ao acordo firmado entre o prefeito de Curitiba e o governador
do estado, em 1958. Até então, atendendo como “Escolar[sic] Reunidas Ahú de Cima”,
funcionava em frente à Penitenciária do Ahú”135. Distante 3,400 km do CEP, a escola atendia
a estudantes apenas do bairro Ahú de Baixo. Os/as responsáveis pelos/as estudantes exerciam
a profissão de “comerciário”; tinham formação no primário ou ginasial e recebiam em média
três salários mínimos. Os/as estudantes da Escola Aline Picheth estavam, possivelmente, entre
os/as que possuíam menor renda familiar de todo o Complexo de Ensino do CEP.

135
Não foi possível obter maiores informações sobre as “Escolas Reunidas Ahú de Cima”. Os estudos sobre a
Escola Aline Picheth são, em sua maioria, sobre aprendizagem e abordam o século XXI.
162

Com dez salas de aula e capacidade máxima para 350 alunos por turno, em 1982, a
Escola Aline Picheth contava com 682 matrículas da 1ª à 7ª série, distribuídas em 363
matrículas no período da tarde da 1ª à 4ª série (176 meninas e 187 meninos), e 322 matrículas
no período da manhã, da 4ª à 7ª série, sendo 161 meninas e 158 meninos. Por meio dessas
informações, é possível identificar que a instituição atendia a mais estudantes do que
comportava sua capacidade, fato que levou a instituição a oferecer a 4ª série também no período
da manhã. Importante destacar que a Escola Aline Picheth também atendia a crianças menores
de sete anos. O documento informa que “o pré-primário funciona em uma sala cedida pela
Igreja Batista próxima à escola. Metragem – 24m2” (PARANÁ, 1982, p. 52). Ou seja, a
estrutura física da instituição não atendia à necessidade local e precisou estabelecer convênio
com outras instituições, em busca de espaço físico para crianças menores de sete anos, os quais,
no fim da década de 1980, aos poucos passaram a ter acesso ao ensino como direito.
O ensino a crianças com idade inferior a sete anos de idade está associado ao
atendimento nas creches, historicamente construídas como ajuda para mães que trabalhavam
fora do espaço doméstico. Desde 1965, o Unicef desenvolvia ações na América Latina visando
à criação de creches (GUIMARÃES, 2017, p. 113). O Estado brasileiro, ao não tornar a
matrícula obrigatória, manteve-se distante de assumir o compromisso de ao menos garantir uma
vaga nessas instituições para todos os infantes. Esse quadro começou a se alterar ao longo da
década de 1970, em função dos debates internacionais sobre os direitos da criança.
Em Curitiba, parte dos debates sobre a construção de creches para atender à infância
podem ser encontrados no trabalho de Elisângela Largas Luzviak Mantagute. Para a autora, a
construção de espaços para a educação infantil na capital do estado esteve aliada a projetos de
urbanização desenvolvidos no ano de 1975. Com estreitas relações com as questões de gênero,
como o trabalho de mulheres e a maternidade, as primeiras creches foram inauguradas em 1977
para as mães trabalhadoras (4), mas situadas em bairros mais distantes do centro
(MANTAGUTE, 2012). O bairro Ahú não foi um dos contemplados com a construção das
creches.

3.3.6 - Escola Amâncio Moro


A sétima unidade do Complexo de Ensino, Escola Amâncio Moro, sétima unidade, era
a instituição mais nova em comparação com todas as demais do Complexo de Ensino.
Conforme o Plano Curricular, o nome da escola foi dado em homenagem a Amâncio Moro por
ser este reconhecido como empreendedor. O homenageado nasceu em 1908, de “família pobre
e monarca” e enriqueceu por meio de seu esforço. Mais tarde, Amâncio Moro ingressou na
163

política curitibana como vereador. Em 1960, ganhou um novo prédio, ainda pequeno com suas
quatro salas de aula. A escola iniciou suas atividades em 1958, na “Casa Escolar Tarumã”. Em
1961, a escola deixou de ser gerida pelo município, integrando-se às do estado, até que, pelo
Decreto nº. 19.594, de 16 de setembro de 1965, passou a atender sob o nome de “Grupo Escolar
Amâncio Moro”, alterado em 1975, quando passou a se chamar Escola Amâncio Moro. Com
novas reformas, iniciadas no fim da década de 1960, “a Fundepar ampliou o prédio, construindo
mais sete salas, sendo: quatro salas de aula, uma para Laboratório de Ciências, uma para
audiovisual, uma para o Pré-Escolar e a casa do zelador” (PARANÁ, 1983, p. 31).
Mesmo com essas modificações, a Escola Amâncio Moro, entre todas as que
compunham o Complexo de Ensino do CEP, era a que a possuía o menor número de vagas,
pois poderia atender a um total de “300 alunos” por turno. Com uma realidade distante das
demais, principalmente do CEP, essa instituição deixou de fazer parte do Complexo de Ensino
em janeiro de 1982.
Sendo a mais distante do CEP, a 4,2 km de distância, a Escola Amâncio Moro atendia a
estudantes vindos/as do bairro Higienópolis.136 Os/as responsáveis pelos/as estudantes
possuíam, em sua maioria, formação escolar primária e/ou ginasial. Exerciam as funções de
comerciante, motorista, operário, Funcionário Público e técnico e recebiam, em média, três
salários mínimos. A escola era a segunda cujos os/as responsáveis tinham os menores salários.
Como a Escola Amâncio Moro deixou de integrar o CEP, a última informação
apresentada sobre o número de matrícula data do ano de 1980. Com 545 matriculados entre a
1ª e a 7ª série,137 274 estudantes frequentavam o período da tarde (136 meninas e 138 meninos),
e 157 meninas e 179 meninos, totalizando 336 matrículas, entre a 5ª e a 7ª série no período da
manhã. Ou seja, a instituição atendia a um número de alunos/as maior do que a sua capacidade
comportava e manteve a distinção etária e de gênero na distribuição das séries, e respectivos
turnos.
As equipes pedagógicas das instituições que integravam o Complexo de Ensino do CEP
eram responsáveis por disponibilizar o ensino fundamental da 1ª até a 7ª série para os/as
estudantes. Era no CEP, unidade do centro, que funcionavam as turmas das oitavas séries.
Conforme se demonstrou pela descrição das sete unidades, os/as estudantes possuíam trajetórias

136
A atribuição desse nome ao bairro se deveu a um processo de revitalização da região promovido pela
Companhia de Urbanização e Saneamento de Curitiba durante a década de 1960. Atualmente, o bairro se chama
Bairro Alto.
137
O documento não apresenta informações sobre as matrículas da pré-escola.
164

distintas quanto ao cotidiano escolar, à origem familiar, à renda e a expetativas em relação ao


mundo do trabalho.
Ao se referir ao CEP, em seu histórico, o documento informa que atendia a estudantes
oriundos de realidades bastante distintas. Assim consta no Plano Curricular:
Mesmo que prevalecem os alunos procedentes de famílias de nível médio, mas há
alunos de classes abastadas que utilizam veículo próprio para a frequência às aulas e
há alunos pobres, procedentes de bairros periféricos. Há alunos com problemas de
alimentação, com dificuldades para aquisição de vestuário e livros (PLANO
CURRICULAR, 1985, p. 36).
O CEP era responsável por atender à oitava série e um dos poucos estabelecimentos de
ensino público da capital a fornecer os estudos de segundo grau. No histórico apresentado para
compor o Plano Curricular, fez-se questão de demostrar que essa instituição era procurada por
estudantes, não só de Curitiba, mas de pessoas vindas de todo o estado, “daí a razão por que
procede o adjetivo estadual, sempre atualizado e real” (PARANÁ, 1985, p. 36).
Em 1982, o número total de estudantes do Complexo era de 4012. O CEP alocava 14
salas de aula para atender apenas ao ensino da 8ª série, que tinha como público 547 estudantes,
que estavam prestes a finalizar o ensino fundamental: 267 meninos no turno da manhã e 280
meninas no turno da tarde, os quais constituíam a primeira turma de estudantes a frequentar
todo o ensino fundamental com base nas recomendações da Lei 5.692/1971, da diretriz
curricular do Paraná e do currículo do CEP. O CEP era responsável pela formação de mais de
500 estudantes que, ao menos na letra da lei, poderiam escolher entre ingressar no mercado de
trabalho e/ou seguir os estudos em formação de segundo grau. Em 1984, todo o Complexo de
Ensino atendia a 4.434 estudantes no ensino fundamental; desses, 481 estudantes na 8ª série
(205 meninos e 276 meninas) e 309 na 7ª série (122 meninos e 187 meninas), que, nesse ano,
também passaram a frequentar o CEP no período da manhã. Nesse mesmo ano, a Escola
Tiradentes deixou de ofertar a sétima série; logo, as estudantes passaram a frequentar o CEP.
Para melhor visualizar a tentativa de implantação do Plano de Ação, para atender à Lei
5.692/1971, em especial à configuração do Complexo Educacional do Colégio Estadual do
Paraná, cabe refletir sobre a proposta curricular desenvolvida para atender a todas as unidades
do Complexo Educacional. Por essa observação, será possível identificar as adesões ou não ao
modelo curricular apresentado na revista Currículo, assim como compreender parte das
particularidades de Curitiba em relação ao ensino escolar.

3.4 - O currículo do Complexo de Ensino


A elaboração da proposta curricular do Complexo de Ensino, elaborada para atender à
Lei nº 5.692/1971, consistiu em organizar encontros entre professores/as, gestores/as e
165

integrantes da Secretária Estadual de Educação e Cultura (Seec), que aprovou o “Plano de


Implementação do Ensino de 1º grau, apresentado pela Unidade Escolar Colégio Estadual do
Paraná. Pela tentativa de vincular uma proposta de ensino condizente com a realidade dos/as
estudantes, o levantamento sobre as caracterísiticas gerais das famílias dos/as estudantes
apresentado no Plano Curricular indica alguns elementos que podem auxiliar a compreender
parte das justificativas que levaram ao desenvolvimento da proposta curricular organizada para
todo o Complexo de Ensino. Conforme o documento:

A estrutura familiar é, em sua maioria, ainda tradicional, em que as mães


permanecem em casa.
As profissões predominantes são características das capitais, com maior incidência
do setor terciário.
As famílias possuem, em geral, aparelhos de rádio e TV, sendo o nível de
informação extenso e variado (PARANÁ, 1982, p. 42).

Ao afirmar que a estrutura familiar dos/as estudantes ainda era a tradicional, o


documento aponta indícios de mudança nas configurações de família e de trabalho vivenciadas
na capital do estado do Paraná, mas que, em relação aos/as estudantes da instituição, ainda se
prevalecia o modelo dito como tradicional. Mesmo que muitas das mães não desempenhassem
atividades profissionais fora do espaço doméstico, a narrativa do documento posiciona-se em
um presente em movimento. O CEP, como exemplo de instituição escolar com foco na
modernização, deveria permitir a continuidade das mudanças para atender às relações de
trabalho “característica das capitais”, mas deveria, ao mesmo tempo, conciliar a tradição, tendo
em vista que os interesses profissionais dos/as estudantes estariam próximo ao dos/as
responsáveis.
O Plano Curricular apresentado para atender aos objetivos da Lei 5.692/1971 indica que
existiu o interesse em levar em conta as diferenças previstas entre a “infância e a pré-
adolescência”, com o objetivo de proporcionar a transformação da sociedade por meio do
ensino, mas, conforme o documento, pautando-se pela liberdade dos/as estudantes. Essa
mudança, contudo, deveria ocorrer tendo em vista as propostas desenvolvimentistas aliadas aos
ideais de progresso, em que a ciência era apontada como forma de explorar os bens naturais
para melhorar as relações econômicas. Logo, a proposta de ensino do Complexo Escolar
acompanhou os debates educacionais da época sobre o tecnicismo.
Com premissa da filosofia pedagógica, a compreensão de que a formação para o trabalho
garantiria o melhor desenvolvimento social e econômico, o Plano Curricular informou:
Formação profissional é um critério importante na orientação filosófica do
Complexo Escolar:
166

O trabalho é um meio de aperfeiçoamento das qualidades pessoais do próprio


homem, uma fonte de equilíbrio e auto-domínio, por isso a formação profissional
deve ser direcionada para que o trabalho seja mais do que um simples meio de
sustento.
O trabalho é o melhor meio de progresso e desenvolvimento do país, mostrando ao
mesmo tempo a interdependência das pessoas e o favorecimento de melhores
relações humanas, assim a formação profissional deve alertar para que a pessoa
contribua com suas atividades para o bem social.
Pelo trabalho o homem domina e usufrui das forças da natureza, portanto a
formação profissional deve expressar a grandeza do homem frente às realidades
cósmicas (PARANÁ, 1983, p. 93, grifos do autor).

Como orientação fundamental, a concepção sobre a formação para o trabalho guarda


proximidade com os encaminhamentos publicados na revista Currículo. Pela percepção ou
concepção de que o trabalho era inato, e, por ser naturalizado, não dependia de escolhas, o
ensino escolar deveria aperfeiçoar as supostas qualidades individuais para o melhor
desempenho individual, com a garantia de que contribuiria para o “progresso”. Tal formação
deveria garantir a autorrealização pessoal e a responsabilidade com a atividade desenvolvida,
pois a percepção sobre a “interdependência das pessoas” seria uma forma de fazer com que
os/as estudantes passassem a se perceber como responsáveis pela realização pessoal por meio
do trabalho. Ou seja, assim como na Diretriz Curricular, pretendia-se reafirmar uma cultura do
trabalho a ser divulgada desde a adolescência.
Mesmo que a partir do Plano Curricular se pretendesse desenvolver o ensino para
atender às questões colocadas pelo mercado de trabalho, principalmente em consonância com
as concepções pedagógicas sobre do tecnicismo, o documento permite perceber que existiu a
continuidade de ideias da Escola Nova. Por maior que fosse a obrigatoriedade do ensino para o
trabalho estruturado por correntes pedagógicas que visavam à produtividade, não foi possível
romper por completo com os modelos de ensino anteriores. Com base no Plano Curricular, os/as
professores/as do Complexo de Ensino deveriam proporcionar o desenvolvimento crítico dos/as
estudantes, premissa da Escola Nova, que não se limitava a imposições autoritárias marcadas
pela ditadura militar ou a simples adesão de um novo modelo de ensino.
Com base no Plano Curricular, as ações pedagógicas realizadas nas escolas do
Complexo de Ensino deveriam valorizar o conhecimento que os/as estudantes já possuíam, e,
em ação conjunta:
A ação da Escola volta-se para o binômio aluno-professor, onde o educador é um dos
agentes responsáveis pela qualidade do ensino. Condus[sic] à mudança
comportamental. Prepara progressivamente, o educando, atendendo-lhe as
habilidades individuais, para o exercício da cidadania.
No processo educativo da criança e do adolescente atuam ainda os fatores bio-psico-
sociais, bem como, os de maturação e os interpessoais.
Fundamenta-se o nosso plano de ação educativa nas seguintes posições:
167

a) No atendimento às profundas mudanças que caracterizam a sociedade, em que o


aluno é figura ativa;
b) na oferta de condições de ampliação da área de realização pessoal e integração ao
meio em que o aluno atua;
c) nas diferentes fases que caracterizam a criança um ser em desenvolvimento;
d) nos diferentes interesses e necessidades próprias do educando;
e) na aprendizagem em etapas e processo adequado à estrutura mental do educando;
f) na consideração das reais necessidades básicas do discente;
g) no processo de ensino-aprendizagem contínuo e interminável;
h) a melhoria constante do produto educacional (PARANÁ, 1983, p.100. grifos no
original).

Observam-se três níveis de narrativas distintas, que ora se aproximam ora se distanciam.
No primeiro nível, temos a legislação produzida em nível nacional, que visava à formação para
o trabalho. No segundo nível, temos a revista Currículo, que, com base nos preceitos da
educação tecnicista, apresentou uma interpretação da legislação e uma proposta para todo o
estado do Paraná. No terceiro nível, o Plano Curricular para o Complexo Escolar se aproxima
de discussões para a formação para o trabalho e o desenvolvimento econômico, mas continua
mencionando experiências educacionais do passado, segundo as quais o/a estudante deveria ser
compreendido/a como uma figura ativa, capaz de refletir criticamente sobre o cotidiano. Ou
seja, não se pode afirmar que a proposta curricular apresentada para o funcionamento do
Complexo de Ensino reproduzisse somente a normativa nacional e a estadual.
A atenção atribuída às diferenças etárias entre a infância e a adolescência mostra que
os/as profissionais idealizadores da proposta de ensino acompanhavam os debates da Psicologia
da Educação, tal como o realizado por Piaget, sobre as fases do desenvolvimento infantil. Neste
mesmo sentido, conforme o documento, ao compreender o “processo de ensino-aprendizagem
contínuo e interminável”, mantinha-se afastado de concepções da educação como dita como
pronta e acabada, comuns ao tecnicismo, que resumia a aquisição da aprendizagem à repetição
de exercícios sem o desenvolvimento crítico.
O documento demostrava, ainda, haver grande interesse de que os/as estudantes
tivessem bons rendimentos na aprendizagem. Com a aproximação aos ideais da Lei 5.692/1971,
o Plano Curricular se posicionava sobre “a melhoria constante do produto educacional”. Como
resultado de um processo, o “produto educacional” era o desempenho escolar do/a estudante
que, conforme o documento, buscava uma “educação contínua, evolutiva e progressiva”.
Como já apontado, o Plano Curricular foi elaborado de forma conjunta pelos/as
profissionais de todas as instituições que integraram o Complexo de Ensino. Como uma forma
de vincular a participação dos/as responsáveis ao processo de constituição do Plano Curricular,
os/as responsáveis pelos/as estudantes foram ouvidos/as para o levantamento dos interesses
profissionais. Mesmo que a proposta tenha apresentado pouca participação dos/as estudantes, é
168

neles/as e para eles/as que o documento enunciava maior interesse, sob a pretensão de realizar
alterações para o melhor desenvolvimento do ensino. Essa atenção, focada nos/as estudantes,
estava associada a um ensino de caráter mais democrático. Logo, a equipe do Complexo de
Ensino ora aderia às prescrições estabelecidas por representantes do governo federal e estadual,
ora se afastava dessas regulamentações.
Afirmando estar comprometida com as diferenças sociais, a narrativa do documento
indica a intenção de respeitar os grupos sociais e as manifestações artísticas, culturais, dentre
outras, advindas deles. Ou seja, o Plano Curricular do Complexo de Ensino demostra que a
equipe escolar estava ciente de uma pluralidade cultural, e disposta a atende-la.
Entretanto, mesmo que no documento se faça menção ao respeito aos valores
democráticos, é possível perceber que a elaboração do Plano Curricular esteve imersa em um
jogo de adesão, acomodação e resistência, conforme a narrativa abaixo:
a democracia, como participação ativa de todos na sociedade, é uma das metas básicas
do Estado, assim o Complexo Escolar deverá estimular o espírito democrático, como
dinamismo específico da educação, respeitando a pirâmide hierárquica própria da
instituição (PARANÁ, 1983, p. 143).

Na narrativa presente no Plano Curricular, fica demonstrado apoio aos valores


democráticos. A concepção sobre democracia estava associada à participação ativa dos/as
estudantes, mas mantida a necessidade de se continuar “respeitando a pirâmide hierárquica
própria da instituição”. Cabe ressaltar que o documento foi escrito a muitas mãos e em períodos
distintos. Desde 1972, quando iniciados os encontros para elaboração da Proposta Curricular,
o País, que vivia o auge do Milagre Econômico, propunha-se a atender ao que fora instituído
com a Lei 5.692/1971. Já no início da década de 1980, o País vivenciava a experiência de uma
pretensa democracia. Com a Lei da Anistia, em 1979, as discussões sobre a democracia cada
vez mais passaram a ser incorporadas por distintos setores. Nesse sentido, o documento imergia
numa disputa de narrativas, que tendiam para a recusa do autoritarismo ou para reafirmar a
necessidade da abertura democrática.

3.4.1 As disciplinas escolares do Plano Curricular


Em função do Complexo Escolar do Colégio Estadual do Paraná atender aos estudantes
desde o ensino primário até o ensino de segundo grau, conforme as especificidades de cada
instituição de ensino e modalidade ofertada, era necessário que no Plano Curricular indicasse
encaminhamentos para toda a educação básica, com as devidas atenções da infância até a
adolescência, diferentemente da revista Currículo, que tinha apresentado, em publicação de
169

1973, apenas as recomendações curriculares relativas às séries da 5ª à 8ª. Mais tarde, a partir de
1976, se iniciaram as publicações para o ensino primário com encaminhamentos por disciplina.
Com exceção da Escola Tiradentes e do CEP, todas as demais instituições do Complexo
Escolar ofereciam a educação primária. Por constituir a infância o principal grupo atendido por
essa modalidade, deveria receber atenção especial no sentido de identificar as diferenças com
base no desenvolvimento sensório-motor, debates característicos da Psicologia da Educação. A
aprendizagem para esse grupo deveria consistir não só em instruir os/as estudantes para o
domínio da leitura, da cultura escrita e do raciocínio lógico, mas auxiliar na interação do/a
estudante com a sociedade, tendo em vista a valorização do protagonismo, principalmente nos
primeiros anos de estudo. Parte dessa pretensão pode ser observada no enunciado que pretendia
valorizar os relatos de experiência, pois, através da escuta dos/as estudantes, conforme o
enunciado, seria possível identificar capacidades individuais, possíveis fragilidades na
aprendizagem e, acima de tudo, desenvolver o ensino de forma que os/as estudantes pudessem
sentir-se como construtores/as de sua trajetória educacional.
Como estabelecido pela legislação e seguindo a Diretriz Curricular publicada na revista
Currículo, o ensino primário não deveria focar na formação para o trabalho. Entretanto, no
Plano Curricular, nuances de uma cultura do trabalho podem ser identificadas em
encaminhamentos para as disciplinas da 3ª e da 4ª série, uma vez que os/as estudantes deveriam
aprender sobre o cooperativismo social, com o objetivo de perceber a capacidade
transformadora desta ação para a melhoria do desenvolvimento social e econômico.
Juntamente com as atribuições de um ensino endereçado ao cooperativismo social,
também chama atenção a forma como o tema da religiosidade foi discutido no documento.
Como indicado no Plano Curricular, parte dos objetivos do ensino para a 4ª série deveria fazer
com que os/as estudantes pudessem “reconhecer que o homem tem qualidades que lhe permitem
agir sobre o meio e modificá-lo, de modo a melhorar suas condições de vida”, e ainda, “criar
consciência da própria realização, vivenciando a pessoa de Jesus Cristo” (PARANÁ, 1983, p.
159). Ou seja, mesmo com a não obrigatoriedade da formação para o trabalho nessa fase de
ensino, as recomendações do Plano Curricular indicam haver existido, ao menos nos
encaminhamentos, a prescrição de que os/as estudantes do ensino primário do Complexo
Escolar do Colégio Estadual do Paraná recebessem uma formação aliada aos interesses da
produtividade, com aproximações de concepções religiosas, não apenas como uma expressão
do catolicismo, mas por meio da associação de Jesus Cristo como exemplo de trabalhador.
Neste sentido, ao ingressarem no ensino da 5ª à 8ª série, já teriam entrado em alguns debates
170

que ganhariam maior destaque nessa fase de ensino e auxiliariam na formação das
subjetividades para reforçar as concepções sobre as relações de trabalho.
Durante a vigência de Lei nº 4.024/1961, havia sido acordado, no Art. 45, que “no ciclo
ginasial seriam ministradas nove disciplinas”, e, dessas, em parágrafo único, foi indicado que,
“além das práticas educativas, não poderão ser ministradas menos de 5 nem mais de 7
disciplinas em cada série, das quais uma ou duas devem ser optativas e de livre escolha do
estabelecimento para cada curso” (BRASIL, 1961). Ou seja, cada equipe escolar deveria
desenvolver um currículo que atendesse à realidade de cada instituição, com vistas a
proporcionar estudantes a escolha de disciplinas optativas e manter um determinado limite para
o melhor aproveitamento do ensino de cada estudante. Durante essa década, o governo ditatorial
tornou obrigatórias as disciplinas de E.M.C e O.S.O.B., quando foi reformulado o ensino
escolar com a Lei 5.692/1971. Nesta proposta, não foi dada prioridade ao número de disciplinas,
mas que deveriam ser oferecidas, no ensino fundamental, “anualmente, pelo menos 720 horas
de atividades”.
Conforme o Plano de Implantação de Reforma Escolar do Colégio Estadual do Paraná
de 1972, quando realizada a reforma educacional, o ensino ginasial oferecia as disciplinas de:
Português, Matemática; Geografia; História; Ciências; Desenho; O.S.P.B.; Inglês; Francês;
Latim; Grego; Espanhol; Física; Química; Filosofia; Estudos Sociais e Educação Artística, e,
como já comentado, atividades “Paraescolares”, por meio de oficinas e inscrições facultativas
para: Banda de Fanfarra; Coral; Educação para o Lar; Educação Técnica Manual; Educação
Técnica Comercial; Escolinha de Arte; Artes Industriais e atividades voltadas à astronomia.138
As demais instituições do Complexo de Ensino ofereciam o ensino primário, e tinham
em sua base curricular as disciplinas de Português, Matemática, Estudos Sociais e Ciências,
contando ainda com Educação Artística e Educação Física, que não eram avaliativas. No
Colégio Tiradentes, por exemplo, conforme registros em Livro Ata de reunião realizada em 29
de março de 1972, constata-se que a direção dessa instituição, junto com a equipe docente e
administrativa, conseguiu aprovar a abertura da 5ª série, iniciada em abril daquele ano
(PARANÁ, 1971, p. 28).

138
O Plano de Implantação de Reforma Escolar do Colégio Estadual do Paraná foi implementado como tentativa
de diminuir as reprovações escolares. As aulas serviam para “acelerar” a série do/a aluno e/ou como um reforço
para evitar as reprovações. O referido plano foi objeto de estudo de Suderli Oliveira Lima. Ver: LIMA, Suderli
Oliveira. Colégio Estadual do Paraná como centro de irradiação cultural: uma análise de suas atividades
complementares (décadas de 1960-1970). 2008. 129 fls. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Federal do Paraná, UFPR, Curitiba, 2008
171

A imagem 8 - O Currículo do Complexo de Ensino - informa sobre o currículo de “1º


grau”, desenvolvido para atender ao Complexo de Ensino. Construída ao longo da década de
1970, com algumas modificações na carga horária das disciplinas, a proposta unificada
propunha o seguinte o que consta da imagem:

Imagem 8: “O Currículo do Complexo de Ensino”

Foto: ZALUSKI, 2018. FONTE: Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná (CMCEP).
172

Com base no Plano Curricular, desde a obrigatoriedade de mudanças previstas pela Lei
nº 5.692/1971, as equipes das instituições do Complexo de Ensino procuraram atender às
recomendações dessa legislação e dos pareceres desenvolvidos para a complementação da lei.
Na imagem, o documento informa que o currículo corresponde ao ano letivo de 1982.
Entretanto, esse mesmo modelo curricular pode ser encontrado avulso, ou em anexo junto a
outros documentos, com data retroativa aos anos de 1979 e 1980. Antes dele, existiram outras
propostas com algumas modificações, principalmente na carga horária de cada disciplina ou no
tópico referente à formação para o trabalho.139 Logo, essa proposta foi a que teve maior tempo
de preparação, diante de uma pequena experiência iniciada desde 1972 e ampliada para uma
ação conjunta por meio do Complexo de Ensino.
Com base na observação já levantada no primeiro capítulo, será dado atenção à proposta
do ensino fundamental da 5ª à 8ª série. Importante destacar que não se dispensam os
encaminhamentos para as séries do ensino primário, pois eles serviriam como forma de atribuir,
talvez, o primeiro contato com debates sobre a formação para o trabalho. Tendo em vista a
problemática desta pesquisa centrada na formação do adolescente, principal público atendido
pela proposta de ensino, seguem-se algumas considerações sobre o modelo curricular que
vigorou no Complexo de Ensino.
Na parte “Núcleo Comum”, o grupo “Comunicação e Expressão” manteve a mesma
carga horária em todas as séries, mas a Língua Portuguesa se sobressaiu com cinco aulas
semanais, Educação Física, três, e uma para Educação Artística. A disciplina Estudos Sociais
foi dividida em dois grupos: o primeiro, composto pelas disciplinas de história, E.M.C. e Ensino
Religioso, com três aulas na 5ª série e duas nas demais. O segundo grupo, “Estudo do meio”,
composto por geografia e O.S.P.B, com três aulas na 6ª série e duas nas demais. No grupo
Ciências, a disciplina de Matemática dispunha de 4 aulas semanais em cada série. Ciências
físicas, biológicas e Programas de Saúde tiveram quatro aulas cada, na 5ª e na 6ª série e três
aulas semanais na 7ª e na 8ª série.
Na “Parte diversificada” - Comunicação e Expressão -, com a disciplina de Língua
Estrangeira Moderna (inglês), duas aulas semanais por série, e, em grupo indicado como

139
Em função de a pasta conter documentos anexados ao longo da década de 1970, tem-se descoberto outro
exemplo de currículo com pequenas modificações. Uma delas é sobre a disciplina de Educação Artística. Em
modelo curricular anexado em 1977, existe o indicativo de que se deveriam oferecer três aulas semanais dessa
disciplina para o ensino primário, 2 aulas para a 5ª e a 6ª séries e apenas 1 aula na 7ª e na 8ª série, e Educação
Física, com 2 aulas por semana no ensino primário e 3 no fundamental de 5ª a 8ª, por série. No campo formação
para o trabalho, a 7ª e a 8ª série teriam 3 aulas em cada ano, sem especificar como eram distribuídas. Através
dessa observação, é possível perceber que em ambos os exemplos existiu uma associação entre o afastamento da
infância para com o trabalho e uma aproximação com as artes, que, nesse momento, passou a ser compreendida
como disciplina.
173

“Ciências”, com a disciplina de Desenho Técnico na 8ª série. Essas duas disciplinas não foram
indicadas na “Diretriz Curricular” da revista Currículo, nem nos pareceres referentes à
organização curricular. Em Iniciação para o Trabalho não se ofereceram disciplinas que
atendessem à “Iniciação às Técnicas Agrícolas”. Sobre as demais, Iniciação às Técnicas
Industriais teve a oferta das disciplinas Técnicas Industriais e/ou Indústria Caseira, na 8ª série,
e, em Iniciação às Técnicas de Comércio e Serviço, a disciplina de Técnicas Comerciais, na 7ª
série. A carga horária semanal das aulas apresentava variação de acordo com cada série.
Conforme o documento, o ensino primário (1ª a 4ª séries) deveria oferecer 20 horas aulas
semanais de formação para o trabalho. Já entre a 5ª e a 7ª série, era de 24 horas semanais,
subindo para 26 horas na 8ª série, com aulas aos sábados.
Ao observar a organização do Complexo de Ensino com base na distribuição por série,
é possível afirmar, em comparação ao currículo elaborado, que o modelo curricular foi
desenvolvido de forma a beneficiar o funcionamento do ensino para o melhor aproveitamento
da estrutura física do CEP, principalmente relativamente às práticas esportivas de modalidades
olímpicas nas séries finais. Assim, o ensino promovido pelo Complexo de Ensino, em especial
nas séries finais do ensino fundamental, atenderia aos/às estudantes para a conclusão do ensino
fundamental, que, em conjunto com a adolescência a caminho, e, imerso no “local de poder”,
estavam a um passo de encerrar os estudos e ingressar no mercado de trabalho, e/ou seguir para
aperfeiçoamento profissional em cursos de formação técnica de segundo grau.
Como forma de encaminhar detalhadamente os conteúdos, objetivos e procedimentos
metodológicos adotados pelo Complexo de Ensino, no formato tabela, distribuído pelos tópicos
“Objetivos específicos, conteúdo (série) e estratégias”, o Plano Curricular, entre as páginas 103
e 423, apresentou informações dos assuntos que, ao menos no documento, foram trabalhados
em salas de aula ou em práticas educativas em outros espaços. Distribuído entre o ensino
primário (páginas 103 e 221) e o ensino da 5ª à 8ª série (222 a 423), seguiu a ordem de
disciplinas apresentadas pelo currículo. Essa organização possui semelhança com o apresentado
na revista Currículo. Intercaladas entre as disciplinas, antes de iniciar cada recomendação, o
documento apresentou algumas considerações gerais sobre os fundamentos educacionais de
cada disciplina.
Antes de iniciar as indicações, o documento apresentou uma reflexão sobre a “Realidade
Nacional”, informando que:

O sistema educacional, frente à realidade nacional, em que fundamentamos o seguinte


trabalho, propõe:
174

1 – Na conscientização da realidade nacional – A conscientização da harmonização


da realidade nacional com o sistema educacional, dentro das preocupações universais.
2 – Na abrangência do processo educacional – A consideração da abrangência do
processo educacional, oportunizando educação para todos.
3 – Na atualização e continuidade do processo educacional – A atualização da
educação, como processo contínuo de aprimoramento informativo e cultural.
4 – Na adequação educacional ao processo tecno-científico brasileiro – A adequação
do processo educacional à transição e desenvolvimento psico-social, tecno-científico
e humanísticos da nossa cultura.
5 – Na integração escola-empresa – A integração do aluno, na vida comunitária, como
elemento dinâmico, produtivo e pesquisador.
6 – Na comunicação em Língua Portuguesa – A expressão oral e escrita, em Língua
Portuguesa, assegurando a uniformidade do Idioma Português (PARANÁ, 1983, p.
223 grifos no original).

Com base na narrativa expressa no documento, a equipe do Complexo de Ensino


posicionou-se favoravelmente ao ensino escolar em contexto nacional, que, conforme o
encaminhamento, estava aliado a debates internacionais. Diante de estreitas relações entre a
cultura do trabalho e as prescrições da Lei nº 5.692/197 em qualificar os/as estudantes para o
mercado de trabalho, a abordagem local-global pode ser compreendida como derivada, em
parte, do cenário da guerra fria no âmbito socioeconômico. Neste sentido, a relação entre
“integração escola-empresa” associava a formação escolar como um produto final de um ensino
que se propunha formar sob uma perspectiva do que atualmente se denomina de
empreendedorismo.
Outro ponto importante é o da ampliação do ensino escolar, compreendido como uma
educação para todos, devido às mudanças na configuração da forma de ingresso nas instituições
de ensino não mais sob a exigência dos Exames Admissionais. Esse acesso deveria garantir
mudanças das relações culturais, em que o ensino, com base no documento, deveria garantir o
aprimoramento cultural. Ou seja, o domínio da leitura e da escrita, ou, até mesmo, “da expressão
oral e escrita, em Língua Portuguesa, assegurando a uniformidade do Idioma Português”, que
não só asseguraria capacitar-se para o mercado de trabalho, mas garantiria também uma forma
de fortalecer os laços diante de uma identidade nacional aliada a padronização e compreensão
sobre o que é “possuir cultura”.140
Nos encaminhamentos para a Língua Portuguesa, primeira disciplina do grupo
Comunicação e Expressão, o documento informou que tinha como meta, “na exploração da
clientela escolar, a exploração do potencial máximo e criativo das habilidades natas, visando
ao autobenefício e à capacidade em que atua” (PARANÁ, 1983, p. 224).

140
Pierre Bourdieu chama esse processo de violência simbólica. Como uma reprodução das relações desiguais,
desta forma, conforme o autor, a escola age na formação social dos indivíduos, como um processo seletivo. Ver:
BOURDIEU. Pierre. PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino.
Petrópolis: Vozes, 2014.
175

Para atingir tais objetivos, o documentou apresentou as linhas filosóficas que


auxiliariam o processo educativo. Como mencionado pelo Plano Curricular, os/as docentes
deveriam basear-se nas concepções de Piaget, sobre “psico-pedagogia” e o desenvolvimento da
aprendizagem pautado nas fases de desenvolvimento sensório-motor. Pretendia-se, juntamente
com essas concepções, desenvolver um ensino estruturado na “filosofia perenialista”,141 que
defendia a existência de verdades absolutas e universais e que serviriam de sustento para
disseminar princípios da civilização ocidental. Pretendia-se, com tais ideais, garantir que o
currículo, e suas prescrições, se tornassem duradouras, fosse na continuidade do ensino escolar,
fosse por meio da formação da subjetividade dos/as estudantes. Neste sentido, o Plano
Curricular do Complexo de Ensino foi sustentado com base e pesquisas e métodos vinculados
a um ideal produtivista, comuns ao ensino tecnicista, como uma tentativa de se tornar perene,
sem desvincular de valores tradicionais.
Entretanto, essas não foram as únicas ideias que deram sustento às prescrições da
disciplina de Língua Portuguesa. Ao indicar a “mensagem como veículo de comunicação”,
como forma de construção cultural e viabilizar a interpretação, o Plano Curricular apresentou
indicações sobre o uso das concepções teóricas de Johw Dewey, conhecido como um dos
percursores da Escola Nova. Conforme o enunciado, esse autor “orienta a experiência. Retira
da experiência passada lições para o futuro. A mensagem integra o ser socialmente e
culturalmente como leitor, receptor e emissor” (PARANÁ, 1983, p. 225). Nesse sentido, a
escola era compreendida como um espaço para a construção de experiências a serem utilizadas
no futuro. Parte da continuidade do pensamento escolanovista está associado à possibilidade do
ensino escolar para as classes populares. Devido ao fato de a escola ser idealizada por longa
data apenas para as elites, os/as discentes pobres não tinham a experiência que muitos/as
estudantes abastados já possuíam.
Na revista Currículo, a prescrição curricular para a disciplina de Língua Portuguesa, na
tentativa de construir um grupo de “Comunicação e Expressão”, demostra esforços para
vincular a interdisciplinaridade com as áreas de Educação Artística e de Educação Física como
forma de proporcionar o domínio da leitura e da escrita, principalmente para ler e interpretar
anúncios e notícias, dentre outras informações comuns aos veículos de comunicação.

141
A Filosofia Perenialista foi desenvolvida no século XX. Entre as concepções desta corrente de pensamento está
a ideia de que existem verdades absolutas, duradouras, e elas servem de base para fundamentar todas as religiões.
Voltada à educação, a proposta perenialista pretendeu desenvolver um currículo duradouro, com ênfase na
“alfabetização cultural”, sustentado pelos paradigmas da civilização ocidental (FOCHI; SILVA, 2017).
176

As recomendações do Plano Curricular do Complexo de Ensino não apresentaram um


debate interdisciplinar para a disciplina de língua portuguesa, mas, de maneira mais detalhada,
foram dedicadas 16 páginas com indicações de conteúdos a serem trabalhados nessa disciplina,
ao mesmo tempo que objetivos e estratégias didáticas, o que permite afirmar que a prescrição
curricular se manteve firme na tentativa de proporcionar o domínio da leitura e da escrita. Foram
indicados conteúdos sobre gramática, ortografia, redação, verbos, pronomes, dentre outros
assuntos comuns à disciplina, com o interesse em desenvolver a criatividade, criticidade e
integração entre os/as estudantes. Ao comparar as duas propostas curriculares, a elaborada para
atender o Complexo de Ensino distanciou-se da publicada na revista Currículo, principalmente
por explorar outros campos da área e metodologias, tal como o ensino lúdico, e estar de forma
mais detalhada.
Para a formação para o trabalho, foram indicadas como conteúdo a “Sondagem
profissional, Português – S.O.P.” e “Escolha Profissional”. Ao trabalhar esses temas, conforme
o Plano Curricular, pretendia-se:

- Aproveitar o conteúdo programático (vertical e horizontalmente, analítico).


- Pesquisar o auto-interesse profissional, mediante justificativa plausível.
- Conscientizar-se de que a adequada escolha profissional, assegura o equilíbrio
psíquico, a produtividade, a felicidade e o contínuo aprimoramento individual
(PARANÁ, 1983, p, 240; grifos do autor).

Para atingir esses objetivos, o Plano Curricular recomendava que os/as professores
desenvolvessem as seguintes atividades:
- Autonomia na crítica – discussão discente, argumentação lógica docente –
anotações para reformulações.
Estudo dirigido. Auto reflexão. Conscientização das qualidades natas.
- Nessa redorda – terapia de grupo. Reflexão sobre a autolimitação – limitações dos
colegas. Estudo dirigido – a intercomplementação das licitações e qualidades para o
equilíbrio da natureza.
- O contínuo aprimoramento individual. O trabalho em grupo e sua importância
(PARANÁ, 1983, p, 240; grifos do autor).

Com base no documento, sem se afastar da concepção escola-empresa, a disciplina de


língua portuguesa proporcionaria a escuta dos/as estudantes sobre seus interesses futuros para
se integrarem ao mercado de trabalho. Entretanto, falar sobre suas projeções no mercado de
trabalho só seria possível “mediante justificativa plausível”. Assim, os/as estudantes deveriam
argumentar sobre as suas pretensões. Ponto esse que envolvia os objetivos da disciplina como
um todo, que, nesse momento, se voltava a possíveis áreas de formação para o trabalho, que,
por isso, compreendiam esse ensino como “conscientização das qualidades natas”. Ou seja,
177

mesmo que o ensino escolar contribuísse para a mobilidade social e para o acesso a postos de
trabalho, as atividades profissionais ainda se sustentavam em habilidades consideradas como
“natas” dos indivíduos. Caberia à escola apenas aperfeiçoá-las.
Na segunda disciplina do grupo “Comunicação e Expressão”, com base no documento,
a elaboração da proposta buscava aproximar-se dos fundamentos filosóficos da Língua
Portuguesa, mas, como informado, obedecia “à mesma estrutura básica, porém, com
preocupação específica, enfatizando a sensibilidade de expressão nos campos da Arte Plástica,
Cênica e Música. Não tem o currículo proposta a pretensão de atingir o nível de especialidade”
(PARANÁ, 1983, p. 245). Pretendia-se que com o ensino dessa disciplina fossem
desenvolvidas habilidades artísticas, o conhecimento sobre os diferentes tipos de arte, para
“apreciar a arte como elemento da Comunicação e Expressão”.
Na revista Currículo, a proposta para a Educação Artística esteve fortemente aliada às
concepções para ingressar no mercado de trabalho e/ou, a partir do conhecimento e domínio
técnico para produção de objetos para venda e consumo próprio. Assim, o compreender as
formas geométricas, o saber sobre as cores, sons, principais componentes do currículo
elaborado, haviam sido apropriados para vincular os saberes como maneira de se integrar ao
mercado de trabalho. Quando desenvolvida a proposta curricular do Complexo de Ensino, a
Educação Artística apresentou uma estrutura diversa e não tocou no tema do trabalho, conforme
pretendia o Plano Curricular:
Pretende que a Educação Artística seja vista como processo e não um resultado.
Enseja ao educando, durante o curso, bem como, uma conclusão do 1º Grau,
condições de opção consciente e harmônica, com suas técnicas e interesses.
Conduz o aluno a usufruir cultura, através do teatro, das audições musicais e
exposição de Artes Plásticas. Faz uso do desenho artístico como instrumento da
comunicação universal, em múltiplas circunstâncias. Envolve o desenho decorativo
como auto-expressão criativa. Penetra, no campo científico do desenho técnico,
familiarizando o aluno com figuras geométricas como base para a Matemática
(PARANÁ, 1983, p. 245; grifos do autor).

Sem se prender aos interesses de formação para o trabalho, a proposta curricular mostra
que existiu grande interesse em proporcionar diferentes experiências aos/as estudantes nas áreas
das artes. Comparado às prescrições da Lei 5.692/1971 e à Proposta Curricular para o Estado
do Paraná, o Plano Curricular, ao menos para a disciplina de Educação Artística, apresentou
um afastamento dos documentos oficiais, o nacional e o estadual. Aparentemente, também
atribuiu maior liberdade aos/as estudantes para experimentarem e desenvolverem seus
interesses profissionais.
Como visto anteriormente, poucas escolas do Complexo de Ensino possuíam espaços
específicos para o ensino de Educação Artística ou outras atividades. O CEP, como a instituição
178

mais equipada em comparação com as demais, contribuía para que os/as estudantes que a
frequentassem fossem privilegiados/as para usufruir do espaço e das atividades desenvolvidas
nele. Conforme o Plano Curricular, assim como para o ensino de Educação Artística, a unidade
centro dispunha de espaço para Atividades Complementares, “sob critério seletivo e vagas
limitadas, as seguintes opções: Dança Rítmica, Banda, Coral, e o uso da Escolinha de Arte”.
Mantinha, ainda, “convênio com a Faculdade de Educação Musical, Escola de Belas Artes, com
a cinemateca do Museu Guido Viaro, Fundação Teatro Guaíra, a FUNARTE – MEC”. Ou seja,
a compreensão do ensino de Educação Artística estava muito além das prescrições do plano
curricular para o estado. Entretanto, essas atividades artísticas plurais não devem ter sido
usufruídas e/ou experimentadas da mesma forma por todos/as os/as estudantes. Pois, para as
atividades complementares, por exemplo, existia a limitação de vagas, que, de forma seletiva,
aliadas à distância das instituições do Complexo de Ensino até o CEP, eram agravantes para o
acesso a essa formação.142
A disciplina de Educação Física, terceira do grupo “Comunicação e Expressão”, teve
sua prescrição curricular de forma breve. Talvez por possuir regimento próprio, o Plano
Curricular se restringiu aos conteúdos e às atividades propostas, sem entrar em maiores detalhes
sobre a prática esportiva desenvolvida, como no modelo curricular enunciado na revista
Currículo, em que a maioria das páginas foi dedicada a essa disciplina.
Com o objetivo de “manter a condição física e aperfeiçoar as qualidades necessárias
desenvolvidas na prática das atividades esportivas”, as recomendações sobre a disciplina de
Educação Física informavam:

O mundo atual, grandemente influenciado pelas novas técnicas e por inúmeros


processos de automação, passa por evolução psicossocial. Criando uma nova
imagem do homem moderno, a mecanização completa reduz cada vez mais o
trabalho manual e a quantidade e intensidade da energia física por ele
consumidas.
As novas descobertas, indubitavelmente, estimulam a falta de atividade física,
tornando o homem do futuro inperante [sic] e obeso, em virtude da vida
sedentária e do pouco esforço muscular (PARANÁ, 1983, p. 266, grifos do autor).

Ao comparar o passado com o momento presente, a narrativa do documento indicava a


percepção de que a modernização vivenciada na década de 1970 contribuía para o sedentarismo

142
Conforme o Plano Curricular, as atividades complementares eram: Oferta do C.E.P.; Espaço Físico; corpo
docente especializado; salas-ambiente; 5ª – 6ª – 7ª e 8ª série em nível de série. Dança Rítmica – nas especialidades
da Educação Física. Banda – com teoria musical e percepção. Coral infantil dentro do projeto de metas da Divisão
Educacional da 5ª à 7ª série. Coral juvenil – seleção de vozes – da 7ª à 8ª série. Apresentação do teatro – do
Grupo Gruta do C.E.P. e Fundação Teatro Guaíra. Apresentação do teatro em convênio com a S.E.E.C. Palestras
específicas (PARANÁ, 1983, p. 265).
179

das pessoas. Entretanto, a suposta mudança de um corpo ativo para o sedentário não estava
associada à prática esportiva em si, mas a rupturas com modelos de produção anteriores, que,
devido à aceleração produtiva com o uso de maquinário, diminuíra as produções manuais. Logo,
a Educação Física seria uma forma de “gastar energia” do corpo. Nesse sentido, o discurso
sobre o corpo estava envolto a um ideal ágil e produtirvista.
Como visto no primeiro capítulo, várias páginas da revista Currículo prescreviam
objetivos, conteúdos, atividades e regras de cada esporte a serem desenvolvidas nas aulas de
Educação Física. No Plano Curricular, foram mantidas as modalidades (conteúdos) com base
na distinção gênero e idade e os objetivos que deveriam “executar” tal prática. Em ambas as
prescrições, não se fazia menção ao futebol, dando-se prioridade ao vôlei, o basquete, à
ginástica olímpica e ao atletismo. Não foi mencionada também a natação, fortemente
recomendada na Diretriz Curricular do Paraná. Em consulta ao acervo do Centro de Memória,
documentos avulsos demostram ter existido no CEP um plano curricular próprio para a
disciplina de Educação Física; nele constava a natação olímpica.
No segundo grupo, “Estudos Sociais”, entre as páginas 276 e 321, foram dedicadas as
prescrições para as disciplinas de História, Geografia, E.M.C. e O.S.P.B., que, conforme o
documento, teve os fundamentos dos Estudos Sociais desenvolvidos em apoio ao Parecer nº.
853/71, que estabeleceu o núcleo comum de disciplinas e objetivos para o ensino. Essa
aproximação é percebida ainda ao indicar que o ensino desse grupo tinha como objetivo o
“ajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais amplo e complexo, em que não
deve apenas viver, como conviver”, com atenção especial à “ênfase ao conhecimento do Brasil
na perspectiva atual de seu desenvolvimento” (PARANÁ, 1982, p. 276). Ou seja, a equipe
responsável por “Estudos Sociais” procurou desenvolver as recomendações desse grupo para
atender às exigências impostas em âmbito federal. Seja para evitar reprovação da proposta ou
por ser favorável às prescrições atribuídas pela legislação. O documento apresentou ainda
muitas aproximações com as recomendações publicadas na revista Currículo, em 1973.
Com base na proposta, pretendia-se que os/as estudantes, por meio de debates, análise
de fotografias, leituras e estudos dirigidos, aprendessem, nas respectivas séries:
- 5ª e 6ª séries: formação integral do cidadão brasileiro, compreendendo: o espaço
geográfico; o Brasil (passado e presente) e as perspectivas atuais de desenvolvimento;
- 7ª e 8ª séries: a universalidade do homem, abrangendo: a nossa civilização e o mundo
contemporâneo (PARANÁ, 1983, p. 276).

Para atender a tal propósito, os conteúdos foram distribuídos da seguinte maneira:


5ª série: a) Geografia: A Terra e o espaço brasileiro.
b) História: A fase colonial brasileira
180

6ª série: a) História: a Monarquia e a República.


b) Geografia: o Brasil Regional.
7ª série: a) Geografia: Os Continentes.
b) Educação Moral e Cívica: o homem, a família e a pátria brasileira.
c) História: As civilizações antiga e medieval.
8ª série: a) História: As civilizações moderna e contemporânea.
b) Geografia: O ambiente terrestre.
c) Organização Social e Política Brasileira: A organização social político-
administrativa do Brasil. O Brasil no mundo (PLANO CURRICULAR, 1983, p. 276).
Como pode ser observado, visto que foi destinada uma carga horária curta às Ciências
Humanas, os temas de História e Geografia predominavam na 5ª e na 6ª série, e atribuía maior
ênfase às disciplinas de O.S.P.B. e E.M.C. nas demais séries. Com base nos apontamentos,
nota-se que o encaminhamento curricular propôs em destacar “as perspectivas atuais de
desenvolvimento”. Logo, o Plano Curricular foi desenvolvido com base nos encaminhamentos
públicos – o federal e o estadual -, mas também se manteve associado aos ideais
desenvolvimentistas em voga nas décadas de 1960 e 1970.
Mediante distribuição dos conteúdos com base na série, o documento indica que foi
seguida a mesma estrutura apresentada pela revista Currículo, por meio de uma história
eurocentrada e linear, e na distribuição de temas com base na distinção em grandes períodos
históricos compreendidos como: História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. O
documento informa que o ensino de história, da época, dava destaque às questões econômicas
e políticas, como às formas de governo. Seja por semelhança com as prescrições vindas da
S.E.E.C., seja pela compreensão do que e para que se deveria ensinar História, a seleção dos
conteúdos foi feita a partir de inquietações e/ou visões do presente e sua projeção com o futuro,
ensejada a concepção de que contribuiria para a “formação do cidadão brasileiro”. Ou seja,
partia da expectativa de que os/as estudantes estariam em consonância com os valores morais
compartilhados pelo grupo de “Estudos Sociais”.
Em relação à moral, pauta principal das disciplinas de E.M.C. e O.S.P.B., os conteúdos
foram apresentados em três grandes eixos. Por meio da tabela 12 - conteúdos da E.M.C. e
O.S.P.B. -, é possível identificar as questões norteadoras que deveriam integrar o ensino em
sala.
181

Tabela 12 - Conteúdos da E.M.C. e O.S.P.B


O homem, ser social
Objetivos Conteúdos
01 - Identificar as condições básicas para a formação
integral do homem. 01 – Formação moral, cultural e espiritual.
02 – Desenvolver hábitos de conduta para o bom 02 - Valores e virtudes morais.
convívio do indivíduo em sua comunidade. 03 – Formação do caráter.
03 – Relacionar as condições básicas que contribuem
para a formação do caráter do indivíduo.
A Família e o Estado
04 – Conceituar família, como célula básica da
sociedade.
05 – Caracterisar [sic] tipos históricos, como 04 – Conceito de família.
organização presente em toda a sociedade. 05 – Evolução da família.
06 – Descrever funções e deveres da família. 06 - Funções e deveres da família.
07 – Mostrar que as exigências mínimas na 07 – Planejamento familiar.
formação e manutenção da família são sobretudo da
responsabilidade do indivíduo.
A Pátria Brasileira
08 – Identificar os símbolos nacionais.
09 – Reconhecer a necessidade de participação de
todos os brasileiros para atingir metas, que visem o
08 – Símbolos nacionais.
progresso e o desenvolvimento.
09 – Aspirações e objetivos nacionais.
10 – Enumerar os valores que dão o sentido de unidade
10 – Unidade nacional.
nacional como um todo indivisível.
11 – Pátria e nacionalismo.
11 – Conceituar e diferenciar Pátria, civismo e
12 – Civismo.
nacionalismo.
12 – Agir com responsabilidade cívica, movido pelo
caráter e pelo patriotismo.
ORG: ZALUSKI, 2020. Fonte: Plano Curricular, 1983, p. 310-311.

Como base na descrição dos objetivos, percebe-se que os debates das disciplinas de
E.M.C. e O.S.P.B. foram desenvolvidos na tentativa de instruir os/as estudantes na percepção
de uma suposta inter-relação entre indivíduo, família e Estado para a manutenção do
desenvolvimento econômico. A concepção sobre moral expressa, no documento, estava pautada
no sucesso pessoal. O civismo pretendido por meio do ensino consistia na formação de uma
moral para o trabalho, tendo em vista que, no grupo “Estudos Sociais”, não existiu debate em
específico para orientação profissional, tendo em vista que as disciplinas desse grupo ensejavam
uma formação moral para os/as futuros/as trabalhadores/as.
Diferente da publicação da revista Currículo, a concepção sobre família no Plano
Curricular do Complexo de Ensino não pretendia reafirmar os valores da “família tradicional”,
como recomendado pela Equipe de Currículo do estado. Mesmo que associadas à projeção
individuo, família e Estado, as recomendações do documento tinham em vista caracterizar os
“tipos históricos, como organização presente em toda a sociedade”. Ou seja, demostrar as
diferentes configurações de família ao longo do tempo. Conforme o levantamento realizado
para a composição dos interesses de formação profissional, o documento já havia informado as
182

diferentes configurações de família com base nas relações de trabalho, dos/as estudantes do
Complexo de Ensino.
Das páginas 322 a 380, fizeram-se recomendações destinadas à terceira área de estudos
– Ciência -, que abrangia as disciplinas de “Matemática, Ciências Físicas e Biológicas e
Programas de Saúde”. Por meio da observação da revista Currículo, é possível afirmar que
existiu grande empenho por parte da equipe do Currículo no sentido de que o conjunto de
disciplinas dessa área fosse desenvolvido de modo que os/as estudantes compreendessem a
importância da ciência, de como ela é constituída por meio de métodos, conceitos e pesquisa.
Principalmente a Matemática, compreendida naquele documento como fundamental para o
desenvolvimento do raciocínio e base para a formação em áreas de trabalho.
Com o intuito de problematizar o que é Ciência, o documento apresenta algumas
observações sobre a importância do conhecimento científico, e de como, por meio da pesquisa,
se podem resolver situações-problema. Os/as estudantes, com base no documento, apresentado
como “jovens curiosos”, estariam propícios em iniciar a pesquisa científica. Na tentativa de se
afastar o conhecimento empírico, compreendido “geralmente como perca de tempo”, o Plano
Curricular indica que “podemos agora conceituar ciências como sendo um conjunto de
informações obtidas a partir de fatos, um conjunto de teorias e de hipóteses, enfim, uma
atividade que relaciona fatos e hipóteses” (PARANÁ, 1983, p. 323).
Diante dessa compreensão, os objetivos da grande área de Ciências, por meio do estudo
das disciplinas de Ciências Físicas e Biológicas e Programas de Saúde, deveriam contribuir
para os/as estudantes “conscientizar-se que somente o uso do método científico, com as várias
etapas da observação, coleta de dados, experimentação, análise e conclusão pode levar um
trabalho de pesquisa a resultados satisfatórios em valores científicos” (PARANÁ, 1983, p. 323).
Ao comparar o Plano Curricular com as recomendações da revista Currículo, percebe-
se que existiram aproximações com a disposição dos temas dos conteúdos. Mas, ao relacionar
as disciplinas, não houve indicação de que Programas de Saúde fora organizado como
disciplina. Os temas que integravam a referida matéria foram indicados em conjunto com
assuntos comuns da área de Biologia, tais como poluição da água, de rios, limpeza corporal,
limpeza de alimentos, e em debates comuns da Química e da Física, como sobre Saúde e Calor
voltados ao uso da energia elétrica, por exemplo.
Como estratégias didáticas, mesmo pelo incentivo à realização da pesquisa científica, ,
o documento indicou, em grande parte, que as aulas seriam expositivas, com preferência à
realização de exercícios, de dinâmicas, a discussões e pesquisas. Apenas na distribuição dos
conteúdos referentes à 8ª série é que foi indicada a realização de experiências simples e/ou o
183

uso do laboratório. É possível que isso se devesse ao fato de as aulas dessa série serem dadas
no CEP, instituição mais bem equipada para atender às aulas práticas.
Diferente do que foi recomendado na Diretriz Curricular, o Plano Curricular do
Complexo de Ensino, destinado à área de Ciências, não apresentou nenhum debate específico
sobre a formação para o trabalho. Entre os temas de ensino, nos conteúdos não existiu nenhuma
indicação sobre sistema reprodutivo, gravidez e/ou temas recorrentes aos cuidados com o bebê.
Assuntos que tomaram espaço na revista Currículo, mas, quando elaborada a proposta para
atender ao Complexo de Ensino, não foi integrado ao currículo, sob a proposição de que esses
assuntos seriam tratados por meio de palestras.
A disciplina de Matemática foi a que teve maior atenção, referente à área de Ciência.
Talvez devido ao fato de a carga horária dessa disciplina ser maior que as demais, entre as
páginas 435 e 480 foram expostas a indicação dos conteúdos, assim como os objetivos e
métodos de ensino, com estratégia didática bem variada. Buscava-se solução para situações-
problema, dentre outras sugestões que, ao menos no documento, recomendassem a realização
de aulas dinâmicas.
O encaminhamento para o ensino de Matemática foi feito com base nos
encaminhamentos da Lei 5.692/1971e do Parecer número 853/71, assim como, em Língua
Portuguesa, as recomendações dessa disciplina se fundamentaram nos estudos de Piaget.
Conforme o documento:
O presente plano visa orientar o trabalho do professor com alunos na faixa etária de
onze anos em diante, fase em que, segundo Piaget elabora-se, o pensamento
formal, cujos agrupamentos caracterizam [sic] a inteligência reflexiva completa. É o
estágio do raciocínio adulto. Isto implica em mudança de metodologia por parte
do professor (PARANÁ, 1983, p. 435; grifos do autor).

Segundo o documento, quando os/as estudantes completassem onze anos, geralmente


período em que ingressariam na 5ª série, deveriam receber uma educação diferenciada, pois já
possuíam “o estágio do raciocínio adulto”. Mesmo que a elaboração do plano curricular tenha
procurado sustentar as prescrições com base nos debates da Psicopedagogia, com base no
documento, nessa fase da vida, as exigências poderiam ser maiores, fase em que, por aliado a
uma cultura do trabalho, o ensino de matemática iria contribuir para “levar o aluno a
compreender as estruturas da realidade e suas soluções”.
Na área do currículo indicada como Parte Diversificada, a primeira disciplina apontada
foi Língua Estrangeira. Mesmo que o ensino dessa disciplina não tenha sido indicado pela
revista Currículo, quando publicada a Lei 5.692/1971, foi autorizada a instituição em ofertar o
estudo de língua estrangeira para o 2ª grau, e, desde 1976, o Parecer 4.418, de 22 de dezembro
184

de 1976, autorizou a oferta no ensino de primeiro grau, desde que a escola dispusesse de meios
para isso. Conforme o Plano Curricular, “como as condições do Colégio Estadual do Paraná
admitem tal possibilidade, foi implantada, desde o início da Reforma, no currículo, uma língua
estrangeira moderna” (PARANÁ, 1983, p. 381).
Neste sentido, além dos cursos de língua estrangeira em francês e alemão ofertados no
CEP, mesmo com divergências com o currículo, o Plano Curricular informou que eram
ofertadas as disciplinas de língua estrangeira em inglês e espanhol. Indicados os conteúdos
trabalhados com base na série e idade, para a equipe do Complexo de Ensino o objetivo do
ensino de outra língua consistia em “dominar estruturas básicas da Língua Estrangeira como
ponto de partida para um fundamento da mesma em estudos posteriores, como elemento de
formação cultural, como instrumento de trabalho e como fator de compreensão internacional”
(PARANÁ, 1983, p. 381).
Deste modo, oportunizar aos/as estudantes o contato com outra língua diferente da
nacional, foi uma das formas encontradas para desenvolver possíveis interesses na área, para
estudos futuros e, ainda, como forma de servir para auxiliar em atividades profissionais que
pudessem exigir o uso de língua estrangeira no Brasil ou no exterior.
Ainda na Parte Diversificada, como uma área de ciências, o currículo indicou a
disciplina de Desenho Técnico para as 8ª séries. Logo, essa disciplina seria ministrada apenas
no CEP, em respeito à distribuição de turmas com base na série, com o objetivo de proporcionar
“ao educando condições de desenvolver a destreza manual, a ordem e o raciocínio matemático
nas soluções gráficas de problemas geométricos e orientá-lo à escolha de uma carreira
profissionalizante técnica” (PARANÁ, 1983, p. 404).
Assim como indica o nome, a disciplina deu grande ênfase ao desenho, como
aprofundamento de debates oriundos da matemática. Com estudos da geometria e cálculo,
pretendia-se que os/as estudantes pudessem:

1. Desenvolver a capacidade motora no traçado do desenho técnico.


2. Despertar o sentido de ordem, clareza e limpeza no trabalho de construções
geométricas.
3. Despertar o sentido de estética na organização das soluções gráficas.
4. Desenvolver a capacidade de raciocínio matemático na solução de problemas
geométricos.
5. Orientar quanto às habilidades requeridas para o exercício de profissão técnica.
6. Ajustar o comportamento para a afirmação de sua capacidade para o exercício
de profissão técnica (PARANÁ, 1983, p. 405; grifos do autor).

A oferta dessa disciplina na 8ª série marca o fechamento da formação no primeiro grau,


e, juntamente com o reforço e/ou o ensino de temas oriundos da grande área da matemática, ela
185

foi desenvolvida com o intuito de direcionar os/as futuros/as trabalhadores/as para o mercado
de trabalho. Com base nos objetivos expostos, o estudo de Desenho Técnico poderia
redimensionar os/as estudantes para distintas áreas profissionais, seja da arquitetura e das
engenharias, para as atividades gráficas, tais como jornais, revistas e encartes. Os debates
realizados nesta disciplina contribuiriam para desenvolver possíveis interesses em continuar os
estudos de segundo grau com formação técnica em áreas que tivessem proximidade, algumas
ofertadas pelo CEP.
Para a área específica de “Formação para o Trabalho”, como já dito, para a área de
Iniciação às Técnicas Industriais, foram propostas as disciplinas de Técnicas Industriais e/ou
Indústria Caseira, conforme as matrículas para a 8ª série, e em Iniciação às Técnicas de
Comércio e Serviços, para a disciplina de Técnicas Comerciais, ofertada na 7ª série. Com base
no currículo apresentado, essas disciplinas se dividiam em outras áreas, sendo elas:
Técnicas Industriais – Composição Gráfica; Encadernação; Eletricidade; Trabalhos
em Madeira e Couro; Prevenção de Acidentes.
Indústria Caseira – Preparo de Alimentos; Artesanato e Vestuário; Puericultura;
Prevenção de Acidentes.
Técnicas Comerciais – Noções Gerais de Comércio e Escritório; Propaganda;
Organização de Administração de Empresas; Turismo; Prevenção de Acidente.
(PARANÁ, 1983, s/p.).

A formação profissional se expandiu para outras áreas quando iniciado o ano letivo de
1972 em relação ao ensino de segundo grau. Constituindo os estudos indicados acima áreas de
formação para encerrar o primeiro grau, estes possuíam relação com cursos de segundo grau
ofertados no CEP.
É importante destacar que as disciplinas de Preparo de Alimentos, Artesanato e
Vestuário e Puericultura eram ministradas a estudantes mulheres. Talvez por já terem obtido
experiência por meio de oficinas durante a década de 1960, e por uma crença na suposta natural
disposição característica do gênero, foi mantida essa forma de organização curricular. A
implementação desta proposta contribuiria para o reforço de concepções arraigadas em
distinções e desigualdades de gênero socialmente construídas.143 Desse modo, ainda que tenha
existido a abertura do ensino escolar para um novo público, principalmente às meninas, a
educação escolar da época ainda mantinha aproximação com as experiências do passado,
principalmente com a insistência em educar as meninas para se tornarem donas de casa.
As mudanças verificadas em Curitiba na década de 1970, principalmente no setor
industrial, abriu espaço para novos postos de trabalho. Na escola, por meio da experiência com

143
Conforme documento emitido pelo CEP, “Educação para o Lar funciona na sala de culinária e corte e
costura”.
186

as aulas práticas, pretendia-se que os/as estudantes tivessem “maior conhecimento e


consequente valorização do trabalho; conhecimento de aptidões indispensáveis para a melhor
escolha de profissões; possibilidade de conquista de melhores condições de vida; ampliação das
condições para competir no mundo do trabalho” (PARANÁ, 1983, p. 406). Comparado o Plano
Curricular do Complexo de Ensino com as prescrições da revista Currículo, é possível afirmar
que existiram muitas aproximações na escolha dos conteúdos, das atividades e recomendações
para proporcionar aos/às estudantes a experiência com diferentes atividades profissionais e
compreenderem parte da rotina de trabalho exigida por elas.
Conforme Lima, ao identificar, no início da década de 1980, que a imprensa curitibana
se orgulhava em anunciar que “o CEP foi responsável por 60% da formação escolar de Curitiba”
(mesmo sem apresentar a população exata), pode-se perceber a importância e a influência dessa
instituição de ensino. Quando transformada em Complexo de Ensino, mesmo sob as imposições
da ditadura militar, é possível afirmar que a equipe responsável pelo encaminhamento curricular
ora aderiu, ora ressignificou as prescrições enunciadas em nível federal ou estadual, como uma
afirmação ao “lugar de poder” que ocupa.
No que diz respeito à formação para o trabalho, principal objetivo da reforma proposta
pela Lei 5.692/1971, poucas eram as disciplinas que contavam com prescrições para envolver
o debate interdisciplinar e a constante “sondagem de aptidões”, dando-se maior ênfase às
disciplinas de língua portuguesa e às específicas de formação técnica.
Diante dessa configuração curricular, interessa agora compreender parte da
implementação curricular no Complexo de Ensino, principalmente de como foi realizada a
preparação para o trabalho e a “sondagem de aptidão”. Para isso, como forma de adentrar as
práticas do Complexo de Ensino, será analisada parte das práticas desenvolvidas na Escola
Tiradentes para atender à Proposta Curricular do Complexo de Ensino.
187

CAPÍTULO IV
As configurações do ensino escolar:
adesões, negociações e (re)configurações na Escola Tiradentes
(Curitiba 1972-1984)

As noções de infância(s) e adolescência(s) são forjadas em temporalidades distintas para


os diferentes grupos sociais. Sendo assim, é possível desnaturalizar os ideários
“universalizantes” prescritos sobre “corpos e mentes” nestas fases da vida. Ao longo da década
de 1970, os gestores públicos da ditadura civil agiram ativamente para a constituição de um
ideal de infância e adolescência que levasse a uma fase adulta considerada saudável. Nesse
processo, conforme já se mencionou nos capítulos anteriores, a escola tinha como função
primordial garantir a formação de pessoas alinhadas com este ideal de futuro.
Como já visto, as propostas presentes na Lei nº. 5.692/1971, de caráter obrigatório,
exigiram esforços de distintas instâncias burocráticas e pessoas para que, na medida do possível,
as prescrições fossem incorporadas ao cotidiano escolar. Muitas interpretações, adesões,
negociações e/ou distanciamentos em relação à lei e às recomendações curriculares ocorreram
na prática docente. No Paraná, com o avançar dos debates em torno da implementação do
prescrito na referida legislação, a adesão ao modelo tecnicista de ensino, ao menos na proposta
curricular, foi marcada por aproximações e distanciamentos com respeito a propostas
pedagógicas existentes até então. Esse processo foi importante tanto para a história da Educação
como para a história da população infantojuvenil, principal grupo atingido pela proposta.
Com a intenção em identificar parte das reações ao prescrito na legislação no âmbito
escolar, pretende-se, neste capítulo, fazer um exercício de “jogo de escala”, buscando adentrar
o cotidiano escolar para perceber as adesões, os distanciamentos e as reconfigurações do
modelo de ensino desenhado no cenário nacional em diálogo (ou não) com o prescrito em nível
estadual e seus possíveis efeitos em nível local, em especial na Escola Tiradentes.
Como visto no capítulo anterior, essa escola integrava o conjunto do Complexo
Educacional do Colégio Estadual do Paraná. Em função da instituição centro, o CEP, com a
implementação do prescrito na Lei nº. 5.692/1971, não ofertar o ensino de 5ª série, para
compreender a implementação do ensino fundamental criado no período, foi necessário
adentrar o universo de arquivos das demais instituições escolares que compunham o complexo.
Por possuir parte de sua documentação preservada, os estudos sobre a Escola Tiradentes podem
contribuir para a ampliação da história e da historiografia da educação, bem como das infâncias
e juventudes.
188

Para a escrita deste capítulo, foi selecionado quatro tipos de fontes: livros ata; o relatório
de atividades do Serviço de Orientação Educacional; o relatório anual de modelo de provas e o
Plano Diretor. As fontes selecionadas foram produzidas ao longo da década de 1970 e início de
1980. As reflexões deste capítulo abrangem o espaço temporal entre os anos de 1972 e 1984.
Neste recorte de tempo, observam-se as repercussões da legislação em parte das prescrições e
práticas pedagógicas e a expectativa entorno da adolescência que se almejava construir
socialmente a partir do modelo de ensino.

4.1 – A “Escola Tiradentes” e a Lei número 5.692/1971: novas configurações


Atas são documentos oficiais que apresentam uma narrativa burocrática daquilo que se
pretende lembrar, destacar ou, ainda, oficializar, de acordo com a decisão tomada por
deteminado grupo. Ao lançar mão de atas escolares como documentação histórica, é possível
identificar as pautas educacionais do contexto observado, a adesão ou não das legislações
escolares e as tensões vivenciadas no cotidiano escolar. Os registros produzidos pela equipe
pedagógica da Escola Tiradentes são de quatro tipos: ata de visitas, ata de reuniões (pedagógicas
e da associação de pais e mestres), ata de avisos e ata de registro de presença de professores/as.
Cada tipo de ata com as suas especificidade permite compreender parte do cotidiano escolar da
instituição e como em um “jogo de quebra-cabeças” contribui com detalhes que auxiliam na
descrição e análise do panorama educacional. Nesta pesquisa, foram utilizados o livro Ata de
Reuniões Pedagógicas, que possui registros esporádicos entre os anos de 1966 e 1972, que
permite identificar as primeiras ações internas para implementaçaõ da reforma educacional.
Posterior à reforma educacional estabelecida pela Lei nº. 5.692/1971, apenas a partir do
registro da “Ata da Reunião de Implantação do Ensino Fundamental”, de 29 de março de 1972,
é que faz menção a debates sobre mudanças para atender a essa legislação. Até então, em
setembro de 1971, apenas haviam sido debatidas as modificações na forma de avaliação, sem
mencionar a Lei nº. 5.692/1971.144 Ou seja, as ações para implementação da nova legislação se
restringiram a integrantes da equipe do currículo. De forma gradativa, a reforma foi sendo
incorporada aos espaços escolares. Em 1972, no processo de implementação na Escola

144
O registro “Ata de Reunião 25/9/1971”, sem fazer referência à Lei nº. 5.692/1971, indica que existiram
mudanças na forma de avaliar os/as estudantes. Até então, a instituição utilizava o desenvolvimento dos/as
estudantes com a atribuição de conceitos de A até C. A partir da reforma educacional, passou-se a seguir o
modelo de notas de 0 a 100, em conjunto com a definição de cores baseadas “no semáforo”. Verde (ou azul): de
7,0 a 100; amarelo, de 5,0 a 6,9; vermelho: notas entre 0 e 4,9. A média mínima para passar de ano era 7,0 em
todas as disciplinas (CURITIBA, ATA DE REUNIÃO, 1972, p. 21). Naquele momento, a modificação na forma
de avaliar os/as estudantes teve maior impacto na atividade docente, tendo em vista que se iniciaram as primeiras
adequações à Lei nº. 5.692/1971, com a atenção em seguir o modelo avaliativo.
189

Tiradentes, os registros da reunião indicam que estiveram presentes os/as professores/as e 90%
dos/as responsáveis dos/as estudantes. Sob a direção de Maria Helena S. de Alves Altair, a
reunião teve o seguinte propósito:
[...] Fazendo um relato de que ouvira em reunião com a diretoria do Colégio Estadual
do Paraná, a quem muito elogiou, enaltecendo o trabalho dinâmico daquela equipe
que não tem poupado esforços para que se consiga a implantação do Ensino
Fundamental, ainda este ano ou seja nos 5ᵒˢ anos, a partir de maio. Falando desta
possibilidade que já é quase realidade (faltando apenas o parecer do Conselho
Estadual de Educação) perguntar aos pais se concordam e se submeteriam a todas
as modificações a serem introduzidas, tais como – horário de cinco horas diárias,
em local a ser determinado, isto é, no Grupo Escolar ou no Colégio Estadual,
material escolar, uniformes.
Explicou ainda que o Grupo Escolar “Tiradentes” é um dos cinco Estabelecimentos
da Capital que integram este plano de trabalho educativo, que terá a orientação do
Colégio Estadual aproveitando também as professoras licenciadas que compõem
o nosso corpo docente. O currículo escolar constará de: Comunicação e Expressão
(Língua Nacional e Língua Estrangeira moderna), Estudos Sociais (Geografia e
História); Ciências (matemática, Ciências Físicas e Naturais).
Havendo aquiescência de todos que ouviram a exposição com muito entusiasmo,
falou-se a seguir dos alunos sem condições financeiras para atender as exigências
que decorrerão da mudança de sistema. Como é do agrado da direção deste Grupo
Escolar que todos os matriculados prossigam seus estudos, foram abordados meios
pelos quais, aos reconhecidamente pobres poderia ser facilitado ou mesmo fornecido
o material escolar.
Usando a palavra, um pai presente externou sua opinião conclamando aos demais
presentes para que fosse feita uma solicitação junto as autoridades governamentais,
no sentido de se conseguir ajuda financeira aos necessitados. Sugeriram, também, que
os pais mais abastados auxiliassem os de menos possibilidades. Poderia, ainda, se não
forem em grande número, ser destinada para tal uma parte da quantia arrecadada pela
Associação de Pais e Professores [...] (CURITIBA, ATA DE REUNIÃO, 1972, p. 27-
28 grifos do autor).

Como visto no capítulo anterior, a organização do Complexo Educacional do Colégio


Estadual do Paraná foi uma das alternativas encontradas tanto para melhor atender à população,
como uma possibilidade de obter sucesso na proposta de ensino aliada ao projeto de
desenvolvimento econômico. Contudo, com o ano letivo de 1972 já em curso, era incerto se
seria possível, naquele mesmo ano, dar início à efetivação da implementação do ensino
fundamental a partir da 5ª série. A narrativa do registro da ata permite perceber que, mesmo
sem as recomendações da Diretriz Curricular do Estado (finalizada apenas em 1973), algumas
decisões já haviam sido tomadas. A reunião com os/as responsáveis, de caráter consultivo,
pouco resultaria em mudanças, pois foram informadas as novas exigências para frequentar o
ensino escolar que, até aquele momento, não se sabia ao certo se os/as estudantes cursariam nas
dependências da Escola Tiradentes ou do Colégio Estadual do Paraná, por estar com os debates
mais adiantados.
Naquele momento já havia sido tomada a decisão de se integrar as instituições escolares
à organização do Complexo Educacional. Talvez essa proposta tenha partido do interesse de se
190

aproveitar o corpo docente, tendo em vista que a Lei número 5.692/1971 não garantia verbas
públicas para a capacitação de recursos humanos. Como visto no capítulo três, porém, essa
proposta teve maior ênfase a partir de do Plano de Ação desenvolvido entre agosto e setembro
de 1972. Ou seja, as equipes pedagógicas das instituições que integraram o Complexo
Educacional tiveram muitas dificuldades para iniciar a implementação do ensino fundamental
das 5ªs à 8ªs séries, principalmente em relação à qualificação para o trabalho, visto que pouco
havia sido debatido sobre o assunto.
Na reunião, também foi comentado sobre parte das modificações no ensino escolar a
partir da implementação dessa lei. Juntamente com a mudança curricular apontada, foi
informado aos/as responsáveis dos/as estudantes que o ensino escolar passaria para cinco horas
diárias. Esse modelo restringiria o desenvolvimento de projetos extracurriculares até então
desenvolvidos no contraturno. Somadas a outras mudanças de caráter pedagógico e avaliativo,
as reverberações da legislação demostram a preocupação, cada vez maior, para preparar e a de
se preocupar com o corpo dos/as estudantes com vistas a adequá-lo à rotina de trabalho.
Mesmo que os/as responsáveis pelos/as estudantes não tivessem o poder de mudar uma
decisão federal, a direção da escola buscou ouvi-los/as. Entre as propostas de auxiliar “os
estudantes pobres”, um pai sugeriu “solicitação junto às autoridades governamentais” dos
materiais necessários e dos recursos para o pagamento das mensalidades. Ou seja, via-se, por
parte de alguns, a possibilidade de se estabelecer um diálogo entre a sociedade civil e os
representantes do Estado. A atenção dada a este assunto na reunião permite identificar parte das
dificuldades encontradas para a concretização do modelo de ensino, principalmente pela direção
da instituição, que demostrou interesse em manter todos/as os/as estudantes na escola. O fato
de o ensino ser público, mas não gratuito, somado a outras despesas, dificultaria a frequência à
população infantojuvenil com menor poder aquisitivo.
Mesmo com dificuldades para implementar o ensino escolar a partir do modelo proposto
pela Lei nº. 5.692/1971, em maio daquele ano, as instituições que integravam o Complexo
Educacional do Colégio Estadual do Paraná deram início ao ano letivo com formação de 5ª
série; em 1973, ofertariam a 6ª série, devendo a 7ª e a 8ª séries ser cursadas na unidade centro,
o Colégio Estadual do Paraná, a partir de 1974. Contudo, com a impossibilidade de dar
continuidade a esse modelo de distribuição de série e turmas, em 1980 as instituições passaram
a ofertar as séries subsequentes. Assim, a equipe da Escola Tiradentes deveria desenvolver
atividades para cumprir todo o programa do ensino fundamental, principalmente o da
preparação obrigatória para o trabalho nas séries finais do fundamental. Entretanto, naquele
momento a 8ª série na Escola Tiradentes vinha sendo cursada estudantes do sexo masculino.
191

A “Ata de reunião com os pais ou responsáveis pelos alunos da 5ª série”, realizada no


dia 20 de maio de 1971, indicava haver muitas dúvidas, principalmente por parte de pais e
responsáveis, sobre o novo modelo de ensino. Para acalmar os anseios e apreensões, conforme
registro em ata, a diretora Maria Helena S. de Alves Altair não mediu esforços para demostrar
a quão significativa seria a reforma educacional. Para firmar a sua posição, a reunião contou
com a participação de Maria Inês Guimarães, professora do Colégio Estadual do Paraná,
apontada como responsável pelo desenvolvimento do projeto de implementação do
atendimento à Lei nº. 5.692/1971 no Complexo Educacional. Conforme a ata da reunião, existiu
grande interesse em seguir a ampliação do ensino até a 8ª série, “de modo a atender à população
escolar na faixa etária dos sete aos catorzes anos, garantindo, assim, a unidade de continuidade
da orientação pedagógica” (CURITIBA, ATA DE REUNIÃO, 1972, p. 29). Esse atendimento
garantiria que a instituição tanto receberia a nova população, que passou a ter direito ao ensino
escolar, como também garantiria que todo o Complexo Educacional passaria a desenvolver o
ensino com base no que fora regido em lei. Ponto fundamental, pois essa foi, com base no
registro da reunião, a “razão pela qual a extinção do Exame de Admissão” também passou a ser
uma modificação que atendia “às características da lei da reforma” (PARANÁ, 1972, p. 29-30).
A atenção aos/as estudantes maiores de 14 anos também foi pauta de outras reuniões.
Com uma leve modificação dos discursos proferidos no início do ano letivo, nos registros da
“Ata de reunião com pais dos alunos da 4ª série”, realizada em 2 de setembro de 1972, como
uma indicação aos/as futuros/as ingressantes na 5ª série, foi reforçado que, “em face da reforma,
os alunos que tiverem mais de 14 anos pagarão anuidade escolar, que será calculada de acordo
com a renda percebida pelos pais de cada aluno” (CURITIBA, ATA DE REUNIÃO, 1972, p.
37). E ainda, na “Ata de reunião de entrega de pareceres dos alunos das 5ª séries do Complexo
de 1º grau da Unidade Complementar “Tiradentes””, realizada em 22 de dezembro de 1972,
quando debatido o assunto sobre a cobrança de mensalidade, foi registrado:

Explicou também [a diretora] que a lei 5.692 dá ensino gratuito às crianças dos 7 aos
14 anos e que com os alunos que ultrapassassem esse limite de idade seriam formadas
novas turmas com atendimento especial de acordo com a idade. Está fazendo um
estudo para ver onde funcionarão as referidas turmas (CURITIBA, ATA DE
REUNIÃO, 1972, p. 38).

Os registros do livro de atas indicam que a instituição passava por dificuldade financeira,
principalmente para a aquisição de materiais para o desenvolvimento de atividades; entre elas
a realização das avaliações. Feito um levantamento do pagamento das mensalidades, a equipe
administrativa percebeu uma redução no orçamento oriundo da arrecadação dos responsáveis
192

pelos/as estudantes. É possível que esse problema não tenha partido apenas de dificuldade
financeira dos responsáveis, pois, conforme registrado em ata, algumas pessoas estavam
insatisfeitas por ter que pagar uma taxa na Escola Tiradentes e outra no Colégio Estadual do
Paraná, por se tratar da organização do Complexo Educacional.145 Essa tensão entre o
pagamento mensal, mesmo com o acompanhamento da equipe da instituição para verificar o
pagamento das parcelas, foi compreendida como um auxílio, o que manteria a aparência de um
ensino gratuito.
Contudo, conforme os enunciados das atas de reuniões, ao sair da infância e passar dos
14 anos de idade acarretaria a perda da gratuidade do ensino e a separação dos/as estudantes
mais novos. Ou seja, na Escola Tiradentes, a rigidez na cobrança da mensalidade, ao mesmo
tempo que foi utilizada para cobrar dedicação aos estudos e evitar reprovações, alicerçada na
legislação, serviu para justificar a exclusão dos/as estudantes maiores de 14 anos que não
pudessem arcar com as custas dos estudos.146 Assim, os registros em ata da posição da equipe
da instituição indicam o alinhamento das decisões com base no que foi instituído em nível
federal. Como um documento oficial, o registro em ata serviria como respaldo que ora tendia a
proteger a equipe em seguir os preceitos da legislação, ora contribuiria para justificar as
possíveis exclusões ao acesso ao ensino. Nessa tensão, adolescentes que já haviam completado
14 anos de idade deveriam buscar outras alternativas, possivelmente no mercado de trabalho
não qualificado.
Como uma justificativa ao/as responsáveis pelos/as estudantes, pela integralização das
atividades por meio da organização do Complexo Educacional do Colégio do Paraná, foi
registrado em ata:
O Colégio Estadual do Paraná por seus recursos físicos e recursos humanos
gratificados se apresenta como unidade aparelhada para desenvolver o ensino de
2º grau, de caráter profissionalizante e terminal de nível médio; porém, em vista
dos poucos recursos, não só humanos como físicos dos atuais Grupos Escolares,
torna-se indispensável a colaboração de unidades instrumentalizadas, pelo
menos durante um espaço de tempo que permita a preparação adequada das
unidades de 1º grau (PARANÁ, 1972, p. 29 grifos do autor).

145
Conforme registrado em ata, em maio daquele ano cobrava-se a mensalidade de Cr$ 2,00 na “Escola Tiradentes”
e Cr$ 5,00 na Escola de Artes do Colégio Estadual do Paraná, por estudante. Logo, a taxa seria de Cr$ 7,00 por
mês para cada estudante. A partir de dezembro do mesmo ano, o valor passou para Cr$ 5,00 na “Escola
Tiradentes” e Cr$ 5,00 na Escola de Artes do Colégio Estadual do Paraná. A inquietação de parte de alguns/as
responsáveis pelos/as estudantes foi tornada pauta de reunião. Contudo, não foi possível encontrar outros
registros que indiquem se existiu algum acordo para a fixação de uma taxa única ou redução dos valores. Junto
a isso, em reunião de 20 de dezembro de 1972, foi firmado acordo de pagamento mensal para custas com papéis
e material para emissão de avaliações. Junto com a mensalidade, no ano de 1973, passou a se cobrar Cr$ 2,00 de
estudantes da 1ª à 4ª série, e Cr$ 5,00 de estudantes matriculados na 5ª e na 6ª série.
146
No decorrer do capítulo, será dada maior ênfase à composição das turmas. Em 1975, a “Escola Tiradentes”
também passou a ofertar o ensino para “jovens e adultos” no período noturno.
193

Com base no manuscrito, a equipe pedagógica, principalmente a direção, não eximiu a


população das dificuldades enfrentadas por falta de recursos físicos e humanos, em função do
pouco montante de verbas públicas, um dos principais fatores para efetivar a proposta
educacional. Assim, na prática, o modelo educacional apresentado pela Lei nº. 5.692/1971, e
reproduzido em nível estadual, pretendia formar um elevado número de pessoas com poucos
recursos. A utilização de um mesmo espaço e do mesmo número de professores/as para todas
as instituições do Complexo Educacional, além de centralizar o modelo de ensino, contribuiria
para amenizar a gravidade da situação.
Como já apontado no capítulo três, o Colégio Estadual do Paraná possuía (e ainda
possui) uma estrutura diferente de outras instituições. A partir da organização do Complexo
Educacional, para os/as estudantes da Escola Tiradentes, com base nos registros da ata de
reunião, o ensino passava a ser desenvolvido da seguinte forma:
O horário de aula será das 7.20h às 11.50h, sendo que haverá um intervalo de 20
minutos (das 9.50h às 10.00h) e cada aula terá a duração de 50 minutos. As aulas
serão ministradas nas dependências do Grupo Escolar às [sic] segunda, quarta,
sexta e sábado. As 3ª e 5ª os alunos deverão dirigir-se ao Colégio Estadual do
Paraná que estará em condições de oferecer ambiente físico e recursos materiais
para o desenvolvimento de atividade de Educação Artística, Educação Física e
Língua Estrangeira Moderna (PARANÁ, 1972, p. 30. grifos do autor).

A adequação ao novo modelo passou a exigir uma rotina diferenciada, que, além de
cumprir as cinco horas diárias de ensino, de segunda a sábado, os/as estudantes deveriam
alternar os estudos entre a Unidade Centro e a Unidade Escola Tiradentes. Essa distribuição foi
a melhor forma encontrada para atender à nova demanda, que, gradativamente, seria ainda mais
ampliada com a implementação de novas séries. Assim, os/as estudantes iriam usufruir da
estrutura física do CEP, principalmente da área esportiva, ausente nas demais instituições.
Contudo, como indicam os registros da instituição, em 1980, a Escola Tiradentes passou a
ofertar a primeira turma de 8ª série aos estudantes do sexo masculino.
Além da mudança na rotina de estudos, os registros de ata indicam que se passou a exigir
o uso do uniforme, um para o acompanhamento diário das aulas, e outro específico para as aulas
de educação física, esse que agora deveria ser padronizado com o logo do Colégio Estadual do
Paraná. Um agravante para quem fosse oriundo de família pobre. A rigidez no uso do uniforme
foi reforçada em reuniões; mesmo que o ano letivo para a 5ª série tivesse sido iniciado em maio
de 1972, ficou estabelecido o prazo de até 2 de julho para que todos/as estudantes estivessem
uniformizados. Na reunião de 30 de setembro daquele ano, na “Ata de reunião de pais para a
entrega de Pareceres”, uma nova exigência passaria a vigorar no mês seguinte. Consta dos
registros:
194

A partir de 9 de outubro próximo, será obrigatório o uso de saia como uniforme


paras as meninas. Fez aqui uma observação, quanto ao comprimento das saias, que
por se tratar de uniforme, não devem ser exageradamente curtas, isto é, não
exceder de 3 cm acima do joelho quando não entrarão em aula, alunas não
devidamente uniformizadas (PARANÁ, 1972, p. 34-35; grifos do autor).

Em conjunto com a pedagogia disciplinar dos corpos, a reafirmação da distinção entre


meninos e meninas, com base nas vestimentas, passou a se tornar um agravante. Até aquele
momento, o uniforme dos/as estudantes eram todos iguais. Depois de firmado o acordo em
reunião, o uso obrigatório de saia para as meninas, com a imposição do limite para o
comprimento da vestimenta, servia como reforço das marcas de gênero aceitas e socialmente
desejadas.
Com o ano letivo em movimento, tanto a Diretriz Curricular para orientar os/as
professores/as, quanto o Plano de Ação de implementação do Complexo Educacional do
Colégio Estadual do Paraná não haviam sido finalizados. Ambos os documentos foram
construídos ao longo dos anos de 1972 e 1973, o que contribuiria para dificultar a unificação
do modelo de ensino. Contudo, com a centralidade das decisões na equipe pedagógica do
Colégio Estadual do Paraná, em contato com a Equipe de Currículo da Seec, foi possível
apresentar um modelo curricular provisório, posto em prática em maio daquele ano. Até então
havia sido realizado a distribuição das disciplinas, mas faltavam maiores encaminhamentos
sobre conteúdos, metodologias, avaliação e investimento orçamentário dos cofres públicos.

4.1.2 – Para atender à Lei n. 5.692/1971: um modelo educacional em movimento


Foi necessário um grande esforço para atender à nova demanda instituída pela Lei nº.
5.692/1971 no Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná. Com o início do ano
letivo para a 5ª série, o modelo curricular baseou-se nas recomendações da legislação nacional,
nos pareceres complementares e na proposta da Diretriz Curricular em desenvolvimento, mas
ainda não oficialmente publicada. Conforme o registro ata de reunião do dia 20 de maio de
1972:
Os conteúdos que constituirão as áreas de estudos e atividades, resultarão das matérias
e constarão na seguinte:
I – Comunicação e Expressão que abrangerá duas áreas de estudo, sendo de caráter
obrigatório – Comunicação em língua nacional, outra opcional para o aluno –
Comunicação em língua estrangeira moderna; e duas atividades – Expressão e
Educação Física.
A língua estrangeira moderna se configurará como oferta que possibilitará aos
estudantes a ampliação do instrumental de comunicação linguística. Assim, o aluno
poderá optar entre - Inglês, Francês ou Espanhol como enriquecimento de seu
currículo.
II – Estudos Sociais, que abrange – Estudos do meio, Sondagem de Aptidões e
Educação Moral e Cívica.
195

III – Ciências – Matemática, Ciências Físicas e Naturais (Programa de Saúde).


As atividades como estudo do meio, Sondagem de Aptidões e Programas de Saúde,
utilizarão recursos diversos da comunidade, por meio de contribuição das
indústrias, de estabelecimentos comerciais e até mesmo dos pais dos alunos.
As atividades religiosas deverão possibilitar ao educando uma orientação de vida
apoiada nas verdades do cristianismo em seu aspecto de dignificação de pessoas
humana, compreensão e respeito mútuos, buscando o dimensionamento que lhe
confere o espírito da época atual, sendo, no entanto, facultativo para o aluno
(PARANÁ, 1972, p. 29-30 grifos do autor).

Até aquele momento, pouco havia sido debatido sobre a implementação do novo modelo
de ensino. A equipe docente não havia participado de cursos e/ou capacitações para melhor
orientar como desenvolver as atividades face a uma metodologia nova e que pouco se conhecia.
Como visto no subcapítulo anterior, essa implementação ocorreu de forma lenta, seja pela falta
de estrutura, seja pela de materiais de apoio e pela inserção gradativa do ensino fundamental,
quando apenas em 1975 se iniciou a primeira turma de 8ª série no CEP. Contudo, já em 1972,
o modelo curricular rígido, desenvolvido para o Complexo Educacional do Colégio do Paraná,
com pouca liberdade para os/as docentes, indicava caminhos que deveriam ser seguidos. Ou
seja, que assuntos deveriam orientar a atividade docente em busca da qualificação dos/as
estudantes, com base na quantidade e eficiência para o mercado de trabalho.
Com caráter optativo para os/as estudantes, foram indicadas as disciplinas de língua
estrangeira147 e do ensino religioso. Em relação a este último, mesmo diante da laicidade do
ensino, o registro em ata era de que se pretendia falar sobre as “verdades do cristianismo”. Esta
referência permite presumir que essa disciplina insinuasse uma preferência pelo catolicismo. Já
em relação às demais disciplinas, a composição dos conteúdos ainda estava em discussão, pois,
com exceção de Educação Moral e Cívica, que já vinha sendo lecionada, necessitava-se de
maiores discussões sobre o que o novo modelo de ensino iria exigir em termos de maior ou
menor ênfase.
Com base nos registros na “Ata de Reunião de pais em 26-8-72 – Relato avaliatório do
1º “subprojeto”, quando iniciado o ano letivo para a 5ª série, as aulas foram ministradas com
base na organização de projetos, ‘subprojeto’ segundo o qual os/as estudantes deveriam resolver
situações práticas. Ou seja, metodologicamente, a implementação da reforma educacional
inicialmente pouco modificou a prática docente até então, desenvolvida, pois, com base nos

147
O ensino de língua estrangeira não foi obrigatório, embora tenha sido deixado a cargo dos estados a opção em
incluir nos currículos. Já com a Lei nº. 5.692/1971, mesmo com a não obrigatoriedade do ensino de língua
estrangeira, sua inclusão no currículo foi estritamente associada às determinações do mercado de trabalho, que,
diante do ensino de caráter tecnicista da lei, o inglês passou a predominar frente às demais línguas. Apenas com
a Resolução do CFE nº 58/76, o ensino de língua estrangeira se tornou obrigatório no 2º Grau (MACHADO;
CAMPOS; SAUDERS, 2007) (CHAGURI, 2011). Na Escola Tiradentes, a oferta de línguas estrangeira começou
com inglês e mais tarde foi adotado a língua alemã.
196

registros ata, as aulas mantiveram o modelo pedagógico já empregado. Ou seja, não havia sido
rompido por completo com os preceitos da Escola Nova. Contudo, algumas fissuras com esse
modelo educacional e adesão ao modelo tecnicista podem ser identificadas no modelo
avaliativo, além da atribuição de notas. Conforme o registro da reunião do dia 26 de agosto de
1972, em relação ao grupo “Comunicação e Expressão”:
O primeiro sub-projeto, bastante longo, em comparação com as demais matérias,
até esta data não concluído.
Objetivos em número de nove, tendo como primordial, procurar desenvolver a
criatividade, através de estórias criadas pelos alunos. Procura-se desenvolve-los,
não corrigindo os erros de ortografia em redações (PARANÁ, 1972, p. 32; grifos
do autor).

Neste sentido, com estreita aproximação às concepções pedagógicas da Escola Nova,


por meio da realização de projetos, na prática, a implementação curricular de “Comunicação e
Expressão” manteve, naquele momento, a atenção sobre o desenvolvimento da criatividade do/a
estudante. Contudo, a não correção dos possíveis erros demostra a adesão ao modelo tecnicista,
segundo o qual o/a estudante deveria realizar exercícios repetitivos até chegar ao resultado que
se desejava.148 Os registros reforçam essa posição ao demostrar a indignação de um pai ao
questionar: “Se não são corrigidos os erros de grafia, como a criança saberá a forma correta?”
A professora responsável pela prática, “explicou que os erros mais insistentes são trabalhados
em exercícios posteriores” (CURITIBA, ATA DE REUNIÃO, 1972, p. 35). Assim, em um
processo de adaptação e mudanças para atender à Lei nº. 5.692/1971, as práticas desenvolvidas
na Escola Tiradentes reconfiguraram o modelo educacional exigido pela nova legislação diante
de um processo lento e que gradativamente teria maior impacto na segunda metade da década
de 1970.149
Com um processo de implementação da proposta em desenvolvimento, apenas em 1974
foi registrada a primeira turma de 7ª série da Escola Tiradentes, momento em que os/as
estudantes deveriam receber maior atenção na formação para o trabalho. Junto a ela, todas as
instituições que integravam o Complexo Educacional do Colégio do Paraná já haviam
completado as séries estabelecidas no Plano de Implementação. No ano seguinte, com a 8ª série

148
C.f.: CUNHA, Luiz Antônio. O legado da ditadura para a educação brasileira. Educação & Sociedade, v. 35,
2014. p. 357-377. LIBÂNEO, José Carlos.; FREITAS, Raquel. A. Marra da Madeira. (Org.). Políticas
educacionais neoliberais e escola pública: uma qualidade restrita e restritiva de educação. 1. ed. Goiânia (GO):
Espaço Acadêmico, 2018.
149
Naquele momento, foi recorrente a realização de atividades em grupo. Conforme ata de reunião de 30 de
setembro de 1972, “ressaltou-se a importância dos trabalhos em equipes, no desenvolvimento da personalidade
da criança, por meio do relacionamento com os demais, desenvolvendo particularmente a sociabilidade.
Solicitou-se a cooperação dos pais no sentido de não colocarem dificuldade quanto a reuniões das equipes,
empréstimos ou compra de material ou discriminação de relacionamento entre seu filho e elementos da equipe
(CURITIBA, ATA DE REUNIÃO, 1972, p. 35).
197

no Colégio Estadual do Paraná, as ações para atender à “sondagem de aptidão” foram ampliadas
por meio de atividades práticas devido à estrutura física da instituição. Entretanto, devido ao
crescimento do número de salas ocupadas e à crescente demanda do número de matrículas, em
1980, a Escola Tiradentes também passou a ofertar a 8ª série. No Centro de Memória não foram
encontrados registros das atividades desenvolvidas para a formação específica para o trabalho.

4.2 – Persistências do passado no presente: rupturas pedagógicas arraigadas ao passado


A avaliação da aprendizagem do/a discente é algo comum na prática docente. Coma
adesão ao modelo tecnicista tanto a prática pedagógica como as formas avaliativas foram
alteradas. Mesmo que no Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná a efetivação
da proposta alicerçada pela Lei nº. 5.692/1971 tenha ocorrido de forma lenta, além do currículo
implementado, o processo avaliativo foi uma atividade constante, que demandaria tempo e
investimento, devido à necessidade de aquisição de material.150
Sob este aspecto, a realização constante de provas é um indicativo da adesão ao modelo
de ensino tecnicista. Os/as estudantes deveriam ser constantemente avaliados por meio de
exercícios repetitivos, próprios desse modelo. Os documentos do arquivo da Escola Tiradentes
demostram haver existido grande interesse da equipe pedagógica em arquivar modelos de
provas aplicadas aos/as estudantes. Somam-se ao conjunto desses documentos avaliações
desenvolvidas da primeira à 7ª série entre os anos de 1976 e 1980. Talvez a atenção em arquivar
esses documentos tenha sido a forma encontrada, tanto para materializar parte das práticas
desenvolvidas, como para auxiliar os/as professores/as na seleção de atividades e avaliações
prontas.
A forma de arquivar as avaliações e demais atividades indica que existiu um processo
de seleção após o encerramento de cada ano letivo. Reunidas anualmente e divididas com base
na distribuição em dois grandes grupos conforme a divisão por séries (1ª a 4ª e 5ª a 7ª séries),
foram agrupadas, divididas com base na ordem bimestral e encadernadas em capa dura. A
marcação em dourado, presente nas capas, com o indicativo do ano e série em que as atividades
foram desenvolvidas. Pensadas para ficar, os manuscritos demostram a materialidade das
práticas pedagógicas, de parte do pensamento da época e um indicativo para a construção da

150
Conforme a “Ata de reunião de entrega de pareceres dos alunos das 5ª séries do Complexo de 1º grau da Unidade
Complementar “Tiradentes””, no ano letivo de 1972, existiu um aumento nos gastos de materiais, principalmente
para a aquisição de papel para a emissão de avaliações.
198

memória.151 Produzidas de forma datilografada ou manual (com utilização do stencil), possuem


variação na quantidade de páginas (entre 150 a 200 páginas).
Analisar esse conjunto de provas e exercícios permite adentrar um universo de
possibilidades de pesquisa nos mais variados aspectos, seja sobre metodologia de ensino,
conteúdos, seja sobre métodos avaliativos, desenvolvimento gráfico, dentre outros temas que
perpassam a história da educação. Como fonte histórica e pelo que compete a esta pesquisa, há
que se identificar as semelhanças e/ou o afastamento desses documentos com o currículo
prescrito e seu contexto de produção.
A análise do conjunto de provas contribui para perceber que algumas das atividades
foram reutilizadas em diferentes séries ao longo dos anos, como a produção de texto da terceira
série do fundamental, também utilizado na sétima série. Ou, em relação ao conjunto de
atividades voltadas ao estudo de Estudos Sociais, distribuídas em avaliações de EMC ou em
conteúdos como integrantes da História e Geografia. Essas atividades, além de explorarem os
conteúdos recomendados para cada disciplina e elementos das concepções pedagógicas do
tecnicismo, possuem também, de forma subjetiva, características que dialogam com a cultura
política compartilhada pela equipe da instituição. A imagem 9 - Modelo de Avaliação Estudos
Sociais – 1976 - permite identificar parte dessas características.

151
Foram encontradas as seguintes encadernações: Atividades Globalizadas – 1975; Atividades Globalizadas –
1976; Modelos de Provas e Documentos de apoio 5º a 7º série – 1976; Modelo de Provas 8º série – 1980; Projetos
de Atividades 1ª a 4ª série – 1975; Projetos 5º a 7º série 1979; Provas 7ª série – 1979.
199

Imagem 6– Modelo de Avaliação Estudos Sociais – 1976

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1976).


200

A avaliação correspondente ao conjunto de disciplinas do grupo de Estudos Sociais foi


elaborada para estudantes da sétima série. Com assuntos que integram a grande área da História,
a temática central é a formação da Idade Média. Uma separação típica da história em períodos
pautado no modelo eurocêntrico, como já visto no capítulo dois. A metodologia empregada na
avalição exigia do/a estudante respostas a um conjunto de questões sem caráter reflexivo.
Priorizava-se, naquele momento, o decorar, o conhecimento de determinadas informações
baseadas em fatos, nomes e datas. Esse conjunto de questões dialoga tanto com a concepção
sobre ensino de História para a época, quanto com as concepções pedagógicas do tecnicismo,
caso em que, se o/a estudante errasse, nova atividade seria imposta, o que significa um ensino
baseado em decorar nomes, datas e fatos selecionadas e repassar para o papel.
Outro fator de destaque, na avaliação selecionada, condiz sobre a aprendizagem sobre o
oriente Médio. Com base na avaliação, percebe-se que ela contribuiu para reforçar a
superioridade europeia em relação aos povos orientais, principalmente no que diz respeito aos
valores cristãos. A centralidade desse assunto expõe todo um conjunto de valores
compartilhados pelo modelo educacional, principalmente pela forte conotação eurocêntrica.152
A atenção sobre determinados eventos históricos constituiu a aprendizagem de uma
história apontada como oficial, sustentada por acontecimentos do passado sob a pretensão de
comemoração no presente. Assim, como uma disputa de narrativas, o presente era, através do
ensino, legitimado e justificado pelas ações (positivas) de um passado que precisava ser
lembrado. Nesse conjunto de rememorações, datas cívicas, sociais e religiosas integravam
constantemente o conjunto de atividades, como pode ser observado nas imagens 10 e 11.
Imagem 10 - Datas, nomes e fatos – Estudos Sociais – 1976

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1976).

152
Sobre a percepção ocidental em relação aos povos orientais ver: SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente
como invenção do Ocidente. 1ª edição, São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
201

Imagem 11 – Datas e fatos históricos - 1975

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1975).

A historiadora Janaína Martins Cordeiro, ao analisar as comemorações do


sesquicentenário da Independência do Brasil, observou, com a aproximação da data, terem sido
organizados eventos de abrangência nacional para celebrar os 150 anos de independência do
País. Dado o otimismo vivenciado no período, o evento serviu como oportunidade para escolher
datas, heróis nacionais e grandes acontecimentos do passado, que, sob o aspecto de grandeza,
recuperava o passado e celebrava o presente. De acordo com Cordeiro:
A partir da organização da CEV, foram criadas Comissões Executivas Estaduais
(CEE´s), responsáveis pela integração dos respectivos estados aos eventos nacionais,
respeitando, não obstante, as especificidades locais e regionais: suas datas e seus
heróis, criando marcos e incentivando as efemérides particulares de cada região do
país. Este foi, sem dúvida um fator fundamental para o sucesso das festas, uma vez
que integrou os estados e suas tradições locais aos grandes eventos nacionais,
colaborando para a grande proliferação de eventos comemorativos ao longo do ano
(CORDEIRO, 2015, p. 11).

Neste sentido, as atividades desenvolvidas na Escola Tiradentes demostram parte do que


pode ser compreendido como uma adesão aos festejos de datas, heróis e eventos nacionais. O
ensino escolar, imbuído dessa cultura política patriótica, principalmente por meio das
recomendações da EMC, serviu como espaço oportuno para, desde a infância, promover a
construção e/ou o reforço para valorizar os feitos dos personagens selecionados como
responsáveis pelo presente, mas, acima de tudo, para projetar um futuro sem romper com o
passado. Ou seja, os documentos escolares indicam uma aproximação com a cultura política
compartilhada pelo grupo que construía práticas pedagógicas e ao mesmo tempo forjava um
presente e futuro. Torna possível afirmar que as fontes da instituição são portadoras de normas,
valores, formam um grupo de representações que atuam no campo político e indicam momentos
confluentes e tensionamentos.
202

Na imagem 7 - Datas, nomes e fatos – Estudos Sociais – 1976 -, correspondente a


Estudos Sociais, ao propor que ao/a estudante o uso da imaginação, levando-o a afirmar -“No
dia 21 de abril de 1792, dei o maior exemplo de amor e dedicação à Terra em que nasci. Passei
à História como um dos mártires brasileiros” -, leva a pensar que o ensino promovia um certo
saudosismo em relação a Tiradentes. A escola a ele dedicada constituía lugar privilegiado para
o debate sobre esse herói nacional, onde diariamente existia a tentativa de associar Tiradentes
à memória da instituição. Entretanto, como uma adesão e reforço às concepções da ditadura
militar, a atividade era parte de um conjunto de comemorações que não se limitavam ao
sesquicentenário da Independência do Brasil, em 1972, constantemente reavivadas pela
educação escolar.
Na continuidade da atividade, a seleção de datas, nomes e eventos constituem o que
Cordeiro identificou como a tentativa de conciliar as comemorações locais com as nacionais.
Como um acordo entre os diferentes estados da Federação, a aliança contribuiria para fortalecer
o suposto sentimento de sucesso do presente e sua projeção para o futuro. Nesse diálogo, a
atividade apresentou as datas de 29 de março, em comemoração à fundação de Curitiba, em
1693, e a da fundação do Colégio Estadual do Paraná, de 13 de março de 1846, como os eventos
locais que mereciam ser rememorados para firmar um acordo entre os eventos nacionais, como
a Morte de Tiradentes, em 21 de abril, em que a instituição firmava sua contribuição no ensino
sob a perspectiva do patriotismo e da égide da Revolução Democrática de 31 de março. Desse
modo, imersa numa história recente e em movimento, o golpe de estado era constantemente
reafirmado como uma pretensa democracia. Uma problemática, pois é impossível de coexistir
com o autoritarismo do regime político instaurado na época.
Assim, as celebrações locais e nacionais contribuiriam para despertar um sentimento de
pertencimento à Revolução Democrática, assunto que já vinha sendo debatido, como indica o
“Aviso nº 1/70”, registrado na “Ata de Avisos”, em 30 de março de 1970, em que a diretora da
época comunicou “às sras professoras que, sendo amanhã dia 31 de março, data em que
comemoramos a Revolução, deverá ser feita uma preleção para os alunos, pelas professoras de
Estudos Sociais, alusiva à data” (PARANÁ, 1970, p. 33). As comemorações do
sesquicentenário da Independência do Brasil contribuíram para consolidar uma cultura
patriótica já instituída.
Nesse cenário, entre comemorações, afirmação de uma História Oficial e valorização do
golpe de estado, as atividades desenvolvidas na Escola Tiradentes, mesmo com posição de
destaque e privilegiadas para o assunto, deveriam ser regidas pela necessidade de manter o
equilíbrio entre a figura do mártir e os demais heróis nacionais, como demostrado na imagem
203

8 – Datas e fatos históricos – 1975 -, em que a atividade objetivava reconhecer D. Pedro I como
aquele que proclamou a independência, e Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o
patrono do exército brasileiro, como grandes heróis nacionais que se destacavam pela posição
de autoridade que ocuparam.
Como lembra Cordeiro, a figura de Tiradentes foi reivindicada tanto por grupos políticos
da esquerda como da direita.153 No contexto da ditadura militar, a imagem de Tiradentes como
subversivo foi apagada. Não podia recusá-lo, mas devia estabelecer uma conciliação tanto com
o rebelde quanto com a coroa portuguesa, como destaca a autora:
[...] em 1972, o que prevaleceu mesmo foi a associação entre as figuras de Tiradentes
e D. Pedro I. como se ambos tivessem lutado a mesma luta; como se a batalha do
primeiro não tivesse se travado contra a dinastia à qual viria a pertencer o segundo.
Ao contrário, pouco se falava disso. Na verdade, tudo isso parecia, de certa forma,
irrelevante. O relevante era que ambos, ao fim e ao cabo, haviam lutado pela
Independência. No ano do Sesquicentenário, a vontade geral era de realçar os aspectos
comuns entre as duas figuras históricas e fazer disso a base das comemorações,
silenciando a respeito dos contrastes, Tiradentes era, portanto, de acordo com a
História oficial que se rememorava, um precursor. Sua luta inspiraria os que viriam
depois dele, até que chegaria D. Pedro, o português, capaz de fazer a Independência à
brasileira, sem grandes rupturas, preservando os laços com a antiga metrópole
(CORDEIRO, 2015, p. 104-105).

O ensino de Estudos Sociais implementado na Escola Tiradentes contribuiria para


apresentar aos discentes uma visão conciliadora do processo da Independência. Nesta
interpretação, Tiradentes era descrito como o subversivo, e a figura autoritária de D. Pedro I
ganhava destaque. Ainda em relação aos Estudos Sociais, as datas e os eventos dessa cultura
patriótica eram abordados pela disciplina como tributários de uma História oficial, que deveria
compartilhar os valores sociais considerados indispensáveis à formação dos/as adolescentes.
Tal perspectiva pode ser observada nas imagens 12 e 13.

153
Cf.: CARVALHO, José Murilo. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. CORDEIRO, Janaina Martins. Lembrar o passado, festejar o presente: as
comemorações do Sesquicentenário da Independência entre consenso e consentimento (1972). Tese (Doutorado)
- Programa de Pós-Graduação em História - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012 CORDEIRO,
Janaina Martins. Milagre, comemorações e consenso ditatorial no Brasil. 1972. Confluenze: Rivista di Studi
Iberoamericani. Bolonha, v. 4, n. 2, 2012, p. 82-102.
204

Imagem 12 – Datas Comemorativas

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1976).

Imagem 13 – Tradição paranaense – 1976

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1976).


205

Alicerçados numa História oficial, com os nomes e datas rememorados pelo conjunto
de disciplinas de Estudos Sociais, buscava-se abordar assuntos da história brasileira a partir da
ótica dos grupos dominantes. O 13 de Maio era descrito a partir de uma visão da abolição da
escravidão como um processo sem conflitos. Já a data do 1º de Maio, dia de comemoração do/a
trabalhador/a, não era descrita como um dia de luta e conquistas de direitos, mas valorização
do trabalhador/a como responsável pelo sucesso econômico do País em uma perspectiva
individual.
As festas juninas e julinas deveriam ser comemoradas como uma tradição com origem
num passado recente do estado do Paraná. O exercício da Imagem 10 – Tradição paranaense –
1976”, afirmava ser necessário “reconhecer a importância da migração interna da formação da
população paranaense”. Tínhamos então uma abordagem da história paranaense sob o viés
econômico, que valorizava a vinda de imigrantes (todos homens) e o sucesso por eles alcançado
no desenvolvimento do estado.154 O Dia das Mães, por sua vez, deveria ser comemorado em
associação ao prescrito na norma familiar burguesa, ou seja, ao suposto destino natural das
mulheres, que eram entendidas como o casamento e a maternidade. Ainda na imagem 9 – Datas
Comemorativas relativas ao Dia do Trabalho - observa-se que a gravura expressa ideias
importantes. A força e engenhosidade estão associadas aos homens e o cuidado e a atenção ao
outro, às mulheres (a enfermeira).
Essa pedagogia das relações de gênero não se limitou ao grande grupo de Estudos
Sociais. Em Comunicação e Expressão, correspondente às áreas de Língua Portuguesa,
Educação Artística e Educação Física. Em Língua portuguesa, a produção de texto deveria
ocorrer a partir de imagens da família nuclear burguesa. Propunha-se que os/as estudantes
refletissem sobre imagem 14- Modelo Familiar (1976) - e a imagem 15 – Comemoração (1976).

154
C.f.: BATISTELLA, Alessandro. O paranismo e a invenção da identidade paranaen-se. Revista História em
Reflexão. Dourados, v. 6, n. 11, p. 1-13, jan./jun. 2012. OLIVEIRA, Marcio de. Imigração e diferença em um
estado do sul do Brasil: o caso do Paraná. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates, 2007. RAGGIO, Ana
Zaiczuk; BLEY, Regina Bergamaschi, TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina. População Negra no Estado do
Paraná: Coletânea de Artigos. Curitiba: SEJU, 2018.
206

Imagem 14- Modelo Familiar (1976)

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1976).

Imagem 15 – Comemoração (1976)

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1976).


207

Como visto nos capítulos anteriores, tanto na publicação da Diretriz Curricular na


revista Currículo, como no Plano de Ação desenvolvido para a implementação do Complexo
Educacional do Colégio Estadual do Paraná, deveria ocorrer nas aulas o debate sobre a
centralidade da família para o convívio dos/as estudantes. Na primeira imagem, com a
centralidade na configuração da família nuclear burguesa, composta por mãe, pai e três
filhos/as, as comemorações do Natal apresentam um estilo de vida associado à religiosidade e
ao consumo. Os personagens presentes na imagem estão distribuídos conforme a posição
hierárquica que ocupam. As crianças, em primeiro plano, estão em posição de inferioridade em
relação aos pais. Relação semelhante se verifica na segunda imagem, também associada ao
consumo. No festejo do aniversário, a mulher está no centro, numa posição que impossibilita a
identificação do/a aniversariante. Ambas as gravuras integram um conjunto imagético apoiado
numa pedagogia de relações de gênero, que explora ainda a caracterização física e a vestimenta
dos personagens, em especial das mulheres.
Nesse sentido, na disciplina de Língua Portuguesa, as atividades que exigiam maior
reflexão dos/as estudantes, para instigar a narrativa do tema, estavam envoltas em concepções
que visavam ao reforço de valores morais. Conforme se viu no início deste capítulo, não se
corrigiam os erros gramaticais; a atividade era refeita até que o/a estudante chegasse ao acerto.
Já em relação a assuntos como gramática, verbos, adjetivos, dentre outros temas comuns da
língua portuguesa, as avaliações geralmente eram realizadas no formato questionário objetivo,
em que os/as estudantes deveriam marcar a questão correta. Exemplos da avaliação no formato
questionário objetivo e os temas recorrentes podem ser identificados nos apêndices.
Ainda em relação ao grupo Comunicação e Expressão, a Escola Tiradentes não guarda
registros referentes às disciplinas de Educação Artística e Educação Física. Por serem
desenvolvidas no CEP, a equipe de profissionais dessas disciplinas seguia um regimento
específico. Em relação à Educação Física, por exemplo, o cronograma de atividades era
desenvolvido anualmente e apresentado como projeto.155 Como já destacado, com base nos
registros do Livro Ata de Reunião, os/as estudantes da Escola Tiradentes realizavam as aulas
de Educação Física às terças e quintas feiras, conforme horário das turmas. Essa distribuição se

155
Com base nos projetos de Educação Física, cada professor/a deveria apresentar o cronograma das atividades
anuais para as séries pelas quais eram responsáveis. A distribuição dos/as professores manteve a composição das
turmas com base na divisão por sexo. Durante os anos de 1972-1984, as aulas foram ministradas pelos os/as
professores/as: Aracy Joana Goedick; Lincoln T. Ferreira Kupinski; Euth Lilian Sottomaior Muller; Zelinda Just
Graeml; Marlene Perini Artifon; Airton Renato Graeml; Marco Aurelio Manfredini; Giuseppe de Angelis;
Roberto José Gabardo Guimarães; Ana Maria Hartmann Luz, Sueli da Luz Bastos. Com base nos registros, a
equipe da instituição priorizou os seguintes esportes: atletismo, ginástica olímpica (e feminina), voleibol e
basquetebol. Os/as estudantes estavam sujeitos ainda aos “Exames médico-biométricos”, destinados à avaliação
do condicionamento físico e de saúde para a realização da prática esportiva (PARANÁ, 1972-1984).
208

devia à infraestrutura do CEP, por comportar equipamentos, quadras esportivas, piscina


olímpica e pelo fato de a equipe de profissionais responsáveis se concentrar nessa instituição.156
O mesmo se dava com a disciplina de Educação Artística, para cujas aulas a Escola Tiradentes
não possuía um espaço especifico, mesmo com a cobrança de mensalidade para a aquisição de
materiais.
Em relação ao grupo Ciências, composto pelas disciplinas de Matemática, Iniciação às
Ciências Físicas e Biológicas e de Programas de Saúde, correspondentes ao que a Diretriz
Curricular denominava como grande área científica, na Escola Tiradentes, há poucos
documentos que informam sobre as práticas desenvolvidas em cada disciplina, mesmo com
toda a valorização dada esse grupo.
A disciplina da Matemática, que na década de 1960 havia passado por importantes
reformulações,157 teve sua ampliação interrompida para atender à Lei nº. 5.692/1971. Conforme
os registros de avaliações realizadas na Escola Tiradentes, foi atribuída maior ênfase às
atividades que buscavam fazer com que o/a estudante desenvolvesse as quatro operações
(multiplicação, divisão, adição e subtração), adaptadas a situações do cotidiano, como
pagamentos. Ou seja, a avaliação consistia tanto em conferir o conhecimento do/a estudante,
por meio dos exercícios repetitivos para fixarem os procedimentos para a realização da
operação matemática, quanto em prepará-lo/a para o uso do conhecimento matemático nas
práticas cotidianas, em especial nas relações de trabalho.

156
Mesmo com a concentração das atividades de Educação Física no CEP, os exames médicos que autorizavam
as atividades físicas eram desenvolvidos em cada instituição de ensino com atendimento médico marcado para
o início de cada ano letivo. Na documentação do arquivo da instituição, um recado para os/as responsáveis
pelos/as estudantes mencionava: “Seu filho precisa fazer o exame médico para poder frequentar as aulas de
Educação Física. Este exame poderá ser feito na Escola, pois teremos médico à disposição nos dias 27 e 28 de
fevereiro. Taxas: Cr$3.000 – Caso desejem fazer este exame por qualquer Instituto de Previdência, poderão fazê-
lo, desde que enviem o resultado até 2º, 3 de março” (PARANÁ, 1984).
157
Para os pesquisadores da história da matemática, Joseane Pinto de Arruda, Cláudia Regina Flores e José Manuel
Matos, a partir da década de 1950 até o início da década de 1970, o Brasil integrou debates internacionais para a
reformulação do currículo do ensino de matemática, situado no Movimento da Matemática Moderna (MMM).
A proposta visava inserir novos tópicos alicerçadas em metodologias que aliassem debates no âmbito
pedagógico, psicológico e político. Com a inserção de conteúdos antes não previstos, como lógica, funções,
potências e números negativos, por exemplo, pretendia-se, conforme os autores, “ensinar, colocando as crianças
em presença de concretizações das estruturas matemáticas, apresentando-as sob diferentes situações voltadas
para a vida diária, jogos, contos, manipulações materiais, interpretação e construção de gráficos” (ARRUDA;
FLORES; MATOS, 2014, p. 31). A disciplina, além de proporcionar a incorporação de novos conteúdos,
apoiava-se nos debates da pedagogia escalonovista. Para Neuza Bertoni Pinto e Ana Célia da Costa Ferreira, o
estado do Paraná assumiu posição de destaque nos debates sobre a reformulação do currículo de matemática. O
matemático Osny Antonio Dacol, além de participar de importantes encontros nacionais e internacionais sobre
o ensino de matemática, criou o Núcleo de Estudos e Difusão do Ensino da Matemática (Nedem), responsável
pelos debates no estado. Dacol também foi diretor do Colégio Estadual do Paraná, instituição que iniciou a
implementação, a reformulação matemática paranaense até o ano de 1972, momento compreendido como fim
do movimento (PINTO; FERREIRA, 2006). Antes do encerramento das atividades do Nedem, as mesmas
instituições que integraram o Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná também tiveram
implementado o novo modelo curricular de matemática.
209

Em relação às disciplinas de Iniciação às Ciências Físicas e Biológicas e de Programas


de Saúde, ao menos no conjunto de avaliações para esse grupo, as atividades demostram que
existiu a mescla de assuntos desses três campos para integrar a avaliação. O/a estudante deveria
compreender os conteúdos com base na utilidade dos três “saberes”: física, biologia e saúde.
Nesse sentido, com base na imagem 16 – Ciências -, a avaliação consistia em que os/as
estudantes pudessem relacionar os estudos sobre a água, por exemplo, em conjunto com essas
três áreas de estudo.

Imagem 16 - “Ciências”

Fonte: Escola Tiradentes (Modelo de Provas, 1977).


210

Com base no conteúdo da avaliação, os/as estudantes deveriam indicar o que se


considerava água potável, compreender como era possível transmitir doenças através da água
contaminada e que a água continha “substâncias químicas que modificam a cor, o cheiro o
gosto, a aparência”. A finalidade desse problema era ensinar “os principais meios de purificar
a água”. Diante da associação desses conteúdos como correspondentes ao conjunto de
disciplinas de Iniciação às Ciências Físicas e Biológicas e aos Programas de Saúde, de maneira
incisiva na última, a reunião dos conteúdos serviu para agrupar as discussões apresentadas na
proposta curricular. Um modo de atender ao que era prescrito pela Diretriz Curricular, mas que
também serviria para promover uma educação para as subjetividades. Com especial atenção à
saúde, a educação dos sentidos, ao mesmo tempo que proporcionaria aos/as estudantes o
preparo para a constituição de hábitos de saúde e higiene considerados saudáveis, pois,
conforme o documento, “higiene é uma das mais importantes utilidades da água”,
proporcionaria que, por meio do ensino escolar, essas prescrições fossem praticadas de forma
subjetiva em seu cotidiano, por ter um ensino voltado ao trabalho, essas discussões deveriam
permear principalmente o cotidiano das relações de trabalho. Assim, os ensinamentos do grande
grupo ciências se aproximavam das recomendações da Diretriz Curricular, que eram de
conciliar as discussões de cada área com a formação para o trabalho.
Importante destacar que, conforme os encaminhamentos da Lei nº. 5.692/1971 e as
prescrições da Diretriz Curricular, todas as disciplinas deveriam, de alguma forma, vincular os
conteúdos trabalhados à formação profissional, mesmo que o currículo apresentasse disciplinas
específicas para as áreas profissionais. Essa preparação ocorreria de forma gradativa e avançaria
caso o/a estudante ingressasse no ensino de segundo grau, ofertado no CEP.
Conforme o Plano de Implementação do Complexo Educacional do Colégio Estadual
do Paraná, analisado no capítulo três, a instituição ofertava cursos de formação de segundo grau
condizentes com a expansão da capital do estado, a cidade de Curitiba. Visava-se qualificar
jovens profissionais para atuarem num mercado de trabalho em construção e crescimento.
Conforme o documento:
A Unidade Centro ou Sede do Complexo – o Colégio Estadual do Paraná –
procurando atender às exigências mínimas do mercado de trabalho da Grande
Curitiba, mantém, por ora, os seguintes cursos profissionalizantes:
- ÁREA TECNOLÓGICA – Desenhista de arquitetura e Técnico em Edificações;
- ÁREA BIOLÓGICA – Auxiliar de Patologia Clínica, Técnico em Prótese, Técnico
em Laboratório de Prótese Odontológica, Oficial de Farmácia e Auxiliar de Farmácia.
- ÁREA HUMANÍSTICA – Assistente de Administração, Auxiliar de Processamento
de Dados, Secretariado, Ator e Técnico em Teatro.
Dessa forma, o Complexo se torna mais útil à comunidade a que pertence, e
obviamente, atinge de modo mais eficiente, os objetivos programáticos colimados
(PARANÁ, 1980, p. 39; grifos do autor).
211

As especificidades do mercado de trabalho de Curitiba a caracterizavam como uma


cidade moderna. Logo, para acompanhar o desenvolvimento da região metropolitana, os cursos
oferecidos pelo CEP foram elaborados procurando atender “às exigências mínimas do mercado
de trabalho da Grande Curitiba”, o que se distancia da realidade das outras cidades do estado,
mas que “se torna mais útil à comunidade a que pertence”. Assim, com o avançar da década de
1970, a implementação dos cursos de formação técnica para o segundo grau contribuiria para
uma parcela de adolescentes dessa continuidade aos estudos e para que assumisse melhores
posições ou tivesse maiores oportunidades de trabalho em distintos setores da cidade.
Como visto ao longo do capítulo, as avaliações elaboradas para identificar a
aprendizagem dos/as estudantes demostram que existia por parte dos professores/as da
instituição a tentativa de conciliar os conteúdos estudados com a profissionalização. Nesse
sentido, as disciplinas auxiliavam no processo de sondagem das aptidões, pois a real
qualificação ocorreria apenas no segundo grau, com a formação técnica. Para chegar até ela,
os/as estudantes recebiam noções básicas de cada área ao frequentarem o ensino fundamental
da 5ª à 8ª série. A sondagem das aptidões foi uma prática corrente na Escola Tiradentes. Esta
atividade pedagógica estava presente na instituição e, conforme os objetivos da Lei nº.
5.692/1971, era indispensável para a concretização do projeto de nação forjado por meio da
política educacional nacional/regional/local, prática que será analisada a seguir.

4. 3 – Sondar, orientar e qualificar: expectativas para a formação profissional


A historiadora da educação Alicia Mariani Lucio Landes da Silva, ao estudar o Serviço
de Orientação (OE), indica que esta atividade pedagógica chegou ao Brasil no fim do século
XIX, sob influência dos saberes da Educação e da Psicologia. As primeiras atividades relativas
à Orientação Profissional se deram em instituições modelo, tal como o Liceu de Artes e Ofício
de São Paulo (1924). Já na década seguinte, o professor Lourenço Filho criou o Serviço Público
de Orientação Profissional, com o qual, por meio dos estudos da Psicologia, se tinha em vista
dar um atendimento diferenciado aos/as estudantes. Era preocupação daquele momento formar
trabalhadores/as para atuarem no setor considerado mais adequado. A partir do proposto por
Lourenço Filho, essa atividade pedagógica foi incorporada às Leis Orgânicas de Ensino
Secundário de São Paulo.158 Mais tarde, quando promulgada a Lei nº. 4.024/1961, a legislação
fixou normas para a formação do orientador educacional em âmbito nacional. Para Silva,

158
Ver as seguintes legislações do estado de São Paulo: Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942; Lei Orgânica
do Ensino Secundário (1942); Lei Orgânica do Ensino Comercial (1943); Lei Orgânica do Ensino Agrícola
(1946).
212

“foram construídas gradativamente no intuito de adequar e institucionalizar práticas que


algumas instituições educacionais vinham desenvolvendo” (SILVA, 2021, p. 19).
Com a obrigatoriedade da sondagem de aptidões apresentada pela Lei nº. 5.692/1971,
Silva destaca que as funções do orientador educacional foram ampliadas, pois, a reformulação
da legislação, como destaca a autora, “passou a ser designada a um campo mais integrado com
os demais sujeitos da comunidade escolar, além de se tornar um indicador de decisões
profissionais do aluno através do aconselhamento vocacional” (SILVA, 2012, p. 39). Assim,
reforçava-se a relação de que as decisões da equipe escolar deveriam ser tomadas sob a intenção
de conciliar a “vocação” do discente com o mercado de trabalho.
Importante destacar que antes da referida lei, o Decreto-lei número 477, de 26 de
fevereiro de 1969,159 havia definido normas de conduta para serem cumpridas em todo o âmbito
educacional. O documento que “define infrações disciplinares praticadas por professores,
alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares”
(BRASIL, 1969) visava restringir as práticas educacionais desenvolvidas nas escolas.
Conforme a legislação, considerava-se infração aquele/a que praticasse “atos destinados à
organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados”, ou
utilizasse “dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário
à moral ou à ordem pública”. O decreto-lei buscava, então, controlar as possíveis atividades
pedagógicas que poderiam levar os/as estudantes para o que foi considerado como
descaminhos, não associados à profissionalização.
O Colégio Estadual do Paraná já vinha realizando ações para orientar os estudantes em
relação à profissionalização. Com a criação do Serviço de Orientação Educacional (SOE), em
1968, ainda restrito ao CEP, tinha-se a pretensão de indicar caminhos para o futuro dos/as
estudantes. Contudo, para atender à Lei nº. 5.692/1971, o SOE, em meio à implementação do
Complexo Educacional, foi responsável por desenvolver estratégias para a “sondagem de
aptidões” e se manteve em consonância com as recomendações Decreto-lei número 477, de 26
de fevereiro de 1969. Para Silva, a equipe do CEP e o SOE elaboraram projetos, regimentos e
planos “como forma de dispositivos de controle, na tentativa de ajudar o comportamento dos
alunos e, consequentemente, dos demais sujeitos da comunidade escolar (pais, professores,
funcionários, etc.)” (SILVA, 2019, p. 50). A orientação vocacional dos/as estudantes esteve
imersa numa rede discursiva que visava a reforçar os valores morais prescritos nas legislações.

159
O documento foi produzido pelo jurista Luís Antônio da Gama e Silva, ministro da Justiça na época.
213

O SOE era composto por pedagogas especializadas na área de orientação escolar. Elas
desenvolveram regimentos, normas e encaminhamentos pedagógicos para orientar as atividades
desenvolvidas nas instituições que integravam o Complexo Educacional do Colégio Estadual
do Paraná. Entre estes documentos, destacava-se o Plano Diretor, por ser este a principal
orientação para o desenvolvimento de ações de formação para o trabalho no âmbito do SOE.
O Plano Diretor foi elaborado em 1974 com o objetivo de servir como um guia de ações
a serem desenvolvidas no complexo educacional, que naquele momento ainda estava em
formação. O Plano Diretor, produzido de forma datilografada e encadernado, continha 151
páginas. O documento é composto por texto, tópicos, esquemas de síntese e organograma, onde
são indicadas etapas de atividades, vertentes, objetivos pedagógicos, dentre outras informações.
Tem como premissa básica a eficácia e a eficiência, como formas de acelerar ações pedagógicas
sob um ritmo de empresa, pelo pressuposto de que deveriam estar aliados à organização, à
capacitação, aos mecanismos e ao currículo como instrumentos básicos da ação docente.
O Plano Diretor indicava que, “a partir da sétima série, serão oferecidas atividades
diversificadas no setor de Artes Industriais, de Nutrição e Estética e de Comércio e Escritório,
que os alunos livremente escolherão anualmente” (PARANÁ, 1974, p. 8). Ou seja, com a
distribuição de turmas com base na distinção por idade, sexo e série, as atividades para fins
profissionais ocorreriam de forma concentrada na Unidade Centro, local onde funcionavam as
7ªs e 8ªs séries. Ponto esse que gradativamente foi se alterando, quando, no ano de 1980, a Escola
Tiradentes já havia completado todo o ciclo do ensino fundamental.
A atenção em orientar os/as estudantes para a formação profissional constituiria um
grande esforço coletivo de toda a equipe educacional do Complexo Educacional,
principalmente a partir de ações desenvolvidas pelo SOE. O Plano Diretor informava que esse
setor deveria dispor de:
- Serviço de apoio ao educando, constituindo-se no conjunto de princípios e normas
que permeiam o seu ajustamento e ao pleno rendimento de seus recursos
pessoais.
- Informações ao corpo docente e à direção sobre as necessidades e possibilidades dos
alunos e indicações das situações educativas adequadas para cada caso.
- Inter-relação entre programas da escola e vida da comunidade, envolvendo a
família, os empregadores, as agências educativas, assistências e recreativas
(PARANÁ, 1974, p. 9; grifos do autor).

A narrativa do documento expõe o caráter ideológico predominante na construção dos


procedimentos pedagógicos para o desenvolvimento das atividades do SOE, com atenção
voltada à lógica da produção e da qualidade. O texto do Plano Diretor demostra, ainda, que o
ajustamento moral dos/as estudantes contribuiria para seu rendimento no trabalho. Os melhores
214

resultados em sala de aula garantiriam a formação de trabalhadores/as exemplares, desde que


estivessem alinhados às normas estabelecidas pelo reforço de uma moral para o trabalho. Uma
perspectiva que indicava que “o jovem que se ajustava na escolha de uma profissão estaria
contribuindo para o crescimento da Nação” (SILVA, 2019, p. 59).
O Plano Diretor propunha, ainda, a realização de um “diagnóstico da realidade”:
- grau de estabilidade da família;
- a localização da residência com relação à UNICEP;
- os meios de acesso às unidades componentes;
- as instituições e associações básicas que polarizam as ações humanas na
comunidade;
- os tipos de atividades educativas, de recreação e econômicas desenvolvidas na
comunidade.
Caracterização da comunidade escolar, com:
- levantamento do nível socio-econômico cultural dos pais, e estudo da
composição da família dos alunos e a distribuição da clientela escolar por idade,
sexo e turmas, pela escolaridade anterior e condições de saúde, aspirações e
valores (PARANÁ, 1974, p. 9; grifos do autor).

Com base na prescrição do Plano Diretor, as pedagogas do SOE tinha autonomia para
investigar as condições de vida dos/as estudantes por meio de “entrevista com as famílias para
levantamento sócio-econômico cultural”. A entrevista tinha por objetivo produzir dados que
seriam utilizados nas atividades pedagógicas da sondagem de aptidões. A incisiva atenção para
o ajustamento moral dos/as estudantes relacionava-se com “uma preocupação em conhecer o
aluno em seus aspectos financeiros e vocacionais, porque ambos deveriam estar em
consonância” (SILVA, 2012, p. 45). Assim, por mais que os/as estudantes construíssem
expectativas de futuro para a formação profissional e as relações de trabalho, essa não deveria
estar distante da realidade em que viviam. A educação escolar da população deveria contribuir
para a manutenção da ordem social. De certo modo, tal concepção favoreceria o
reforço/naturalização das desigualdades sociais, como as relativas às relações de gênero e classe
social.
O Plano Diretor conceituava “aptidão como o nível de excelência atingido pelo
indivíduo em determinadas habilidades, que pressupõe capacidade mais treinamento”
(PARANÁ, 1974, p. 107). Diante da ausência de um debate para a mobilidade social e,
conforme as prescrições do Plano Diretor, as supostas habilidades dos/as estudantes estariam
associadas às condições de vida de cada estudante. Para identificar as “possíveis aptidões”, a
equipe do SOE tinha o compromisso de, além do contato com as pessoas da família por meio
de entrevistas ou reuniões, fazer com que os/as estudantes respondessem constantemente a
testes. A partir de seu resultado, os/as professores/as deveriam incorporar em suas aulas
215

estratégias de ensino que permitissem aos/às estudantes perceber que os conteúdos estudados
em sala eram úteis em diferentes áreas de trabalho.
A “sondagem de aptidões”, de acordo com o Plano Diretor, deveria ser desenvolvida
com base na distinção serial. O documento propunha os seguintes encaminhamentos:
Da 5ª e 6ª série do 1º Grau: SONDAGEM DE APTIDÕES
- Levantamento do nível mental através do Raven e I.N.V (Bateria CEPA).
- Levantamento da área emocional através da técnica do Faz de Conta (em
colaboração com outras áreas).
- Teste do Desenho como instrumento de diagnóstico da personalidade.
- Teste de assimilação cultural.
- Ficha de Observação dos professores.
- Observação dos problemas – motores, foniáticos, pedagógicos e emocionais
(juntamente com as outras áreas).
- Entrevistas com pais para falar de suas profissões.
- Ficha cumulativa.

Da 7ª e da 8ª série do 1º grau:
- Levantamento de interesses através do Catálogo de livros (Morey Otero)
- Inventário ilustrado de Interesses de Harold Geist ou Inventário de Angelini
- Teste de Aptidões – aplicação da D.A.T – Bateria CEPA – para determinar o tipo
de raciocínio (mecânico – verbal espacial, etc.).
- Bateria de sondagem do fator G.
- Ficha de observação do professor.
- Entrevistas com profissionais da comunidade.
- Monografias sobre as várias profissões (juntamente com outras áreas).
- Album de profissões.
- Auto-biografia do futuro (com área de Comunicação e Expressão).
- Observação a respeito do desempenho e participação do discente nas atividades
de iniciação profissional (PARANÁ, 1974, p. 10; grifos do autor).

Em estudo, Silva já havia identificado que essas prescrições integravam o Plano Diretor
do Colégio Estadual do Paraná ainda em 1971.160 As ações para o levantamento da “sondagem
de aptidão” foram implementadas em todas as escolas que passaram a integrar o Complexo
Educacional. Como destaca a autora, “aspectos psicológicos eram observados através da
escrita, desenho e teatro feitos pelo aluno, assim os profissionais da educação traçariam seu
perfil” (SILVA, 2012, p. 45). A utilização (e desenvolvimento) de testes vocacionais esteve
presente durante o desenvolvimento da Psicologia ao longo do século XX. Ana Paula Porto
Noronha, Fernanda Andrade de Freitas e Fernanda Ottati analisaram oito instrumentos de
avaliação psicológica em testes vocacionais em obras publicadas no Brasil. Constataram que
alguns desses métodos avaliativos constavam no Plano Diretor. Os autores afirmam que o
estudo “revelou que os instrumentos, de maneira geral, não possuem as especificações

160
C.f.: SILVA, Alicia. Tempo de Indicar caminhos: O serviço de orientação educacional no Colégio Estadual
do Paraná (1968-1975). Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2008.
216

necessárias relacionadas aos estudos de padronização e de validação aos quais deveriam ser
submetidos” (NORONHA; FREITAS; OTTATI, 2003, p. 289).
Para os autores, a ausência de maior controle para a publicação das obras que
apresentavam esses testes permitiu a ampliação da circulação de “instrumentos que não foram
submetidos às provas reconhecidamente científicas” (NORONHA; FREITAS; OTTATI, 2003,
p, 290). Pelo uso legitimado desses testes nas escolas, os/as estudantes estiveram sujeitos à
inconfiabilidade de todo o procedimento adotado para a “sondagem de aptidão”, sobressaindo
a análise dos dados a partir das normas, condutas e valores morais aceitos (ou aderidos) pela
equipe da instituição, na tentativa de garantir uma formação dos/as estudantes como não
desviantes.161
Ao comparar as prescrições para os dois grupos - 5ª e 6ª séries e 7ª e 8ª séries -, é possível
destacar que a distribuição de ações para o levantamento da suposta aptidão levou em
consideração distinções de faixa etária. No primeiro grupo (5ª e 6ª séries), cujos estudantes
estavam saindo da infância e entrando na “pré-adolescência”, as recomendações indicam que
deveria existir maior participação na trajetória de vida e ensino dos/as responsáveis pelos/as
estudantes. Para o segundo grupo (7ª e 8ª séries), que já havia ingressado na adolescência,
deveriam ser levados em consideração os interesses e a participação de cada discente. A
passagem para a adolescência não significava uma total autonomia na escolha sobre o seu
futuro, mas que a formação das subjetividades dos/as estudantes já havia passado por um
processo de formação que possibilitava que escolhessem seus projetos de futuro, a serem
construídos a partir dos valores morais compartilhados pela instituição de ensino. Ou seja, como
visto no primeiro capítulo, os/as estudantes teriam encontrado as suas “vocações profissionais”
tendo em vista uma suposta autonomia e seus próprios interesses.
O Plano Diretor recomendou que a observação dos/as estudantes fosse realizada com
base nos trabalhos “Inventário ilustrado de Interesses”, de Harold Geist, ou “Inventário de
Angelini”, e “Levantamento de interesses através do Catálogo de livros”, (Morey–Otero),
ambos da psicologia. As obras destes psicólogos também norteavam a construção dos modelos
de testes de aptidão que deveriam ser utilizados nas escolas do Complexo Educacional. Essas

161
O Brasil, apenas por meio da Resolução nº 9, de 25 de abril de 2018, do Conselho Federal de Psicologia, adotou
a sistematização de testes considerados favoráveis ou desfavoráveis. É importante observar que passou a ser
considerado falta de ética utilizar os testes considerados desfavoráveis. Todos os testes apresentados no Plano
Diretor constam como desfavoráveis. Ou seja, não possuem comprovação científica. C.f.: ANDRADE,
Josemberg Moura de; VALENTINI, Felipe. Diretrizes para a Construção de Testes Psicológicos: a Resolução
CFP nº 009/2018 em Destaque. Psicologia: Ciência e Profissão, 38 (n.spe), 2018. p. 28-39.
217

obras possuíam, em sua maioria, ilustrações endereçadas a diferentes áreas profissionais,162


como veremos a seguir.
Nesse sentido, a grande área -“parte diversificada” - exigia um grande esforço que ia
além das aulas sobre os conteúdos trabalhados em sala. A Diretriz Curricular do Estado do
Paraná apresentou, de forma breve, as três grandes áreas que deviam ser desenvolvidas na
formação dos/as estudantes. No Plano de Ação, construído ao longo da década de 1970 para
atender ao Complexo Educacional, priorizaram-se a área Industrial e a de Comércio e Serviços.
Já o Plano Diretor, que expôs orientações para a formação profissional, indicou:”,

[A “Iniciação para o Trabalho”] será caracterizada por uma programação de atividades


diversificadas, reunidas em três blocos, conforme o setor profissional em que se
localizam, isto é, setor secundário ou terciário, subdividido em Saúde e Serviços.
As atividades de Iniciação para o Trabalho serão desenvolvidas em 360 horas. Dessas,
serão destinadas 120 horas para as de Higiene e Enfermagem, obrigatórias para todos
os alunos. Paras as 240 horas restantes haverá a possibilidade de escolha por parte do
aluno, inscrevendo-se em um dos blocos e podendo permanecer no período seguinte”
(PARANÁ, 1974, p. 109)

Com base no documento, a prescrição indicava que as instituições do Complexo


Educacional deveriam priorizar debates sobre saúde e higiene. Talvez tenha sido esse um dos
motivos, nas avaliações do grande grupo ciências, de as atividades da Escola Tiradentes se
terem voltado, em sua maioria, a assuntos como, higiene, cuidados com a alimentação, a
poluição, dentre outros. A educação dos sentidos para qualificar futuros profissionais oscilava
entre garantir a formação básica para dar sequência aos estudos de segundo grau daqueles/as
que não poderiam investir nos estudos. Muitos dos/as estudantes certamente recebiam parte
destas informações de suas famílias. A adesão dessas prescrições deveria contribuir para a
iniciação ao trabalho, desenvolvida em conjunto com a “sondagem de aptidões”, realizada pela
equipe do SOE. Veremos, a seguir, a relação dos conteúdos trabalhados por este setor de ensino
e como as atividades desenvolvidas contribuíram para forjar uma infância e adolescência ideais.

4.3.1 – Escola Tiradentes: silêncio, sondagem sendo realizada!


Adentrar nas informações levantadas pelo SOE da Escola Tirantes permite identificar
adesões, negociações e distanciamentos na implementação do prescrito na Lei nº. 5.692/1971.
Por apresentar informações sobre o público atendido, podemos identificar parte da realidade

162
As obras destes psicólogos passaram a circular no Brasil ainda no início do século XX. Os trabalhos do uruguaio
Morey Otero, por exemplo, chegaram ao Brasil a partir dos debates ocorridos no Primeiro Congreso Americano
del Niño. C.f.: CORDEIRO, Andréa Bezerra. Luz e caminho aos pequenos: os primeiros Congressos
Americanos da Criança e a Pan-Americanização dos saberes sobre a infância (1916 a 1922). Dissertação
(Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.
218

vivenciada pelos/as estudantes no ensino escolar, principalmente no cotidiano da sondagem de


aptidões, assim como descrever características de famílias, dificuldades, dentre outras
percepções sobre o contexto observado. Neste sentido, em conjunto com os documentos já
analisados neste capítulo, os relatórios anuais do serviço de orientação educacional auxiliam a
estabelecer esse percurso. Como o movimentar da lente de uma lupa, que ora se aproxima ora
se afasta do objeto observado, esses relatórios permitem perceber a adesão das legislações
educacionais federais e estaduais analisadas neste estudo.
O Relatório Anual do Serviço de Orientação Educacional é composto por diferentes
documentos, utilizados ao longo do ano para realizar a sondagem de aptidão dos/as estudantes.
Composto por questionários sobre interesses profissionais, perfil da composição familiar e
condição de renda de cada estudante, exames psicológicos sobre personalidade e profissões,
dentre outros. Ao fim de cada ano, os documentos eram reunidos e encadernados em capa dura,
verde, e escrito em letras douradas. O caderno não possui uniformidade na quantidade de
páginas, cujo número varia de 180 a 380 folhas, não numeradas. O texto era construído com
base nas atividades desenvolvidas para cada grupo de séries (manhã ou tarde), de acordo com
o número de estudantes, de turmas, de fichas, de relatório de análise das informações, dentre
outros. Essa ausência de padrão permite identificar os assuntos mais evidentes, e talvez
considerados mais relevantes naquele momento. No arquivo da Escola Tiradentes foram
encontrados relatórios de 1977 (tarde); 1980 (manhã); 1981 (manhã e tarde) e 1982 (tarde).
Importante lembrar que a instituição mantinha a distribuição de turmas com base na distinção
por sexo: meninos estudavam nas turmas da manhã e as meninas, no período vespertino.
A pesquisadora de educação Guacira Lopes Louro aborda, em seus estudos, as
produções das “diferenças, distinções, desigualdades”, principalmente em relação às distinções
de gênero. Para a autora, a escola produz essas desigualdades de forma constante (LOURO,
2013, p. 57). A Escola Tiradentes manteve (e reforçou) muitas das desigualdades de gênero.
Parte-se aqui, então, do pressuposto de que tanto as atividades desenvolvidas pela equipe do
SOE, quanto a própria composição dos relatórios anuais estão imersas nas definições
dicotomizadas e naturalizadas sobre meninas/mulheres e meninos/homens.
Os relatórios que correspondem às turmas dos estudante meninos possuem uma
diversificação de informações sobre a realização de atividades, questionários, cursos, testes e
entrevistas para acompanhamento da formação do futuro adolescente como trabalhador. Já em
relação aos relatórios das turmas de estudantes meninas, poucas informações foram coletadas.
De forma naturalizada, as prescrições profissionais para as estudantes meninas indicavam
atividades das áreas de costura e cozinha, essas que dispunham de espaços específicos na
219

unidade centro do Colégio Estadual do Paraná. Tendo em vista as desiguadades de gênero


instituídas, e com base na tentativa da manutenção/reforço dos valores sociais e morais, não
seria necessário investir na formação das meninas como futuras profissionais nas distintas áreas
do conhecimento, já que o ensino da escola serviria para aperfeiçoar algo que já seria “natural”
a elas.
O SOE da Escola Tiradentes era composto pela seguinte equipe de professoras entre os
anos de 1975-1982: Edith Luzia Fabricio de Melo; Elvira Rosinha Kurten de Vasconcellos;
Aidê Tania Salomão Watanabe e Alair Vendramel Hatum. De acordo com os documentos, eram
necessárias duas orientadoras educacionais para um conjunto de 200 estudantes. Em relação às
informações dos relatórios, mesmo que houvesse diferenças de um ano para outro (e sequência
anual incompleta), os documentos indicam que os procedimentos indicados no Plano Diretor
eram seguidos pela referida equipe. O atendimento dos/as estudantes da 5ª e 6ª série era
realizado juntamente com os/as responsáveis. Já o atendimento dos/as estudantes da 7ª e da 8ª
série era realizado somente com o discente.
Para melhor compreensão das ações voltadas à iniciação para o trabalho, foram
analisados os relatórios de 1980 e 1981, por se entender que neles há informações que permitem
melhor identificar as reverberações da Lei nº. 5.692/1971 para o atendimento do SOE e,
principalmente a partir desse ano, pelo fato de que a instituição passou a ofertar a 8ª série.
Com base nas diferenças de gênero que influenciaram a realização de atividades e a
organização dos relatórios anuais da orientação educacional, nota-se que para as meninas houve
maior atenção em saber das características da família (como: com quem mora; renda familiar;
atividades profissionais dos/as responsáveis; situação conjugal; doenças e, pincipalmente com
base na moral disciplinar, o acompanhamento do desempenho escolar e levantamento das
características de liderança). Em conjunto com as informações distribuídas por turma, os
relatórios possuem ainda, nas páginas finais, listagem das turmas com assinatura dos/as
responsáveis para identificar se eles/as realizavam o acompanhamento escolar das estudantes,
ponto esse que se assemelha ao do relatório do SOE para as turmas dos meninos.
Em 1980, conforme o relatório correspondente às turmas do período da manhã, dos 382
estudantes do período, apenas 15% residia próximo da escola, enquanto dos/as demais, 36% no
centro, e 46% em outros bairros. Com apenas 3% de dados não informados, a maioria dos/as
estudantes não morava próximo da escola, como visto no capítulo dois, isso dificultaria a
mobilidade até ela. Na sequência, ao traçar o perfil profissional dos/as responsáveis, com base
na distinção de sexo, o documento, os dados reunidos na tabela 13 - Perfil profissional dos/as
220

responsáveis – organizada em ordem alfabética, informam que estes trabalhavam em múltiplas


atividades, como as listadas.
Tabela 13: Perfil profissional dos/as responsáveis
“Levantamento das profissões predominantes dos pais/mães dos alunos”
HOMENS MULHERES
Açougueiro 01 Auxiliar de escritório 01
Advogado 01 Auxiliar de laboratório 01
Alfaiate 01 Comerciante 04
Arquiteto 01 Comerciária 03
Auxiliar técnico 01 Corretora de imóveis 01
Bancário 01 Costureira 05
Comerciante 06 Cozinheira 01
Comerciário 10 Do lar 36
Condômino 01 Enfermeira 01
Despachante 01 Funcionária pública 01
Economia mista 03 Funcionária pública estadual 02
Eletrotécnico 01 Funcionária pública federal 02
Funcionário público estadual 02 Funcionária pública municipal 01
Funcionário público federal 05 Professora 05
Hoteleiro 01 Sem informação 07
Industrial 01 Servente de zeladora 02
Marceneiro 01 Vendedora autônoma 02
Mecânico 03
Mestre de obras 03
Militar 02
Motorista 02
Operador de cinema 01
Ótimo prático 01
Pecuarista 01
Pedreiro 01
Professor 02
Securitário 01
Técnico gráfico 01
Vendedor autônomo 03
Zelador 02
Total 61 75
Fonte: Escola Tiradentes (Relatório de Serviço de Orientação, 1980)

Com base nas informações da tabela é possível afirmar que os homens, em sua maioria,
eram os principais responsáveis pela renda familiar. Estes realizavam diferentes atividades
profissionais. As ocupações indicadas no relatório foram listadas a partir de seu grau de
hierarquia social, em que se valorizavam algumas atividades em detrimento de outras. Nessa
listagem, a atividade dos militares aparecia em primeiro lugar, dando sequência, em sua
maioria, as atividades que exigiam ensino superior ou associadas à necessidade de concurso
221

público, ou algo similar. A listagem era encerrada com as atividades que demandavam maior
trabalho físico e/ou menores anos de estudo.
Mesmo com a indicação de algumas atividades realizadas fora do espaço doméstico, as
mulheres exerciam, em sua maioria, atividades direcionadas à ajuda, ao cuidado, à limpeza,
como professora, zeladora e costureira, características das desigualdades de gênero,
interrelacionadas com questões de classe social. O trabalho doméstico exercido por 36 das
mulheres entrevistadas não era reconhecido como trabalho produtivo.
Com base nas informações dos relatórios, havia estudantes que conviviam apenas com
a mãe. Importante destacar que a ficha de entrevista dos/as estudantes restringia a opção para
marcar que moravam com a mãe, o pai ou os dois. Contudo, ao cruzar com outras informações,
é possível identificar, no relatório de 1982, a existência de outros arranjos de família. De um
total de 434 estudantes, 350 responsáveis pelos/as estudantes da 5ª à 8ª série informaram ser
casados; 24 aparecem como viúvo(a), 6 como solteiras, 16 como desquitados (as), 10 como
divorciados(as), 26 como separados (as) e 2 com outra situação (CURITIBA, 1982).163
Importante lembrar que as custas escolares iam além de mensalidades e do material
escolar. Segundo o relatório do SOE, os/as estudantes deviam possuir dois tipos de uniformes,
devendo ainda atender às diferenças de sexo, sendo eles: masculino - uso diário - 1º) camisa
branca tergal, mangas curtas e compridas, com emblema; 2º) calça tergal azul-marinho. 3º)
Meias pretas; 5º) blusa azul-marinho, decote v.; 6ª) japona naylon, duas faces, azul-marinho;
7ª) cinta preta sem enfeites.
Educação Física - 1ª) camiseta branca malha com emblema “CEP”; 2º) calção brin
santista branco; 3º) meias brancas curtas; 4º) tênis branco; 5º) agasalho de helanca azul-marinho
com listas brancas (optativo) – feminino - uso diário - 1º) camisa branca tergal mangas curtas
com emblema; 2º) calça tergal azul-marinho; 3º) meias pretas; 4º) sapato preto colegial
amarrado sem enfeites; 5º) blusa azul-marinho decote v; 6ª) japona naylon duas faces azul
marinho. – Educação Física - 1ª) camiseta branca malha com emblema “CEP”; 2º) short azul-
royal brin santista; 3º) meias brancas; 4º) tênis branco; 5º) agasalho de helanca azul-marinho
com listas brancas (optativo) (CURITIBA, 1980, s/p.).
O uso do uniforme, obrigatório, além de configurar uma educação dos corpos
autorizados para circular no espaço escolar, serviria também para uma educação generificada.
A necessidade do uso de dois uniformes, um para o uso em sala e outro para as atividades de

163
Possíveis reflexos da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Lei do Divórcio. Cf.: FÁVERI, Marlene;
TANAKA, Teresa Adami. Divorciados, na forma da lei: discursos jurídicos nas ações judiciais de divórcio em
Florianópolis (1977 a 1985). Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 18(2): 352, maio-agosto, 2010.
222

educação física (e ainda os agasalhos utilizados nos dias de frio), consumia parte da renda
familiar. Conforme o Relatório de Orientação Educacional, a instituição realizava atividades de
cooperativismo, em que se propunha “colaborar no aprimoramento do processo educacional,
na assistência escolar e na integração família – escola – comunidade” (CURITIBA, 1980, s/p.).
Com a intenção de fortalecer os “princípios da solidariedade”, a cooperativa consistia em
atividades voluntárias de doação, empréstimos, compras mais baratas. O uniforme escolar
estava entre um dos itens que poderiam ser adquiridos.
Para a equipe do SOE, as informações sobre a ocupação profissional da família, eram
utilizadas na tentativa de traçar um possível percurso profissional dos/as estudantes. Ao obter
informações sobre a profissão dos/as responsáveis, poder-se-ia mensurar mais ou menos o
quanto a família possuía de renda, assim como o seu capital cultural. Desta forma, a equipe do
SOE poderia orientar os/as estudantes para a concretização dos sonhos no âmbito profissional
dos/as estudantes. Nesse caso, não caberia ao ensino escolar oferecido na instituição garantir o
sucesso profissional, mas apenas orientar para possíveis percursos a serem experimentados na
iniciação para o trabalho.
De acordo com relatório do SOE, os/as estudantes, ao chegarem à 5º série, estariam na
passagem da infância para a pré-adolescência. Nesse percurso, os/as estudantes “diferem
marcadamente uns/umas dos/as outros/as quanto ao nível de maturidade física, interesse e
necessidades” (CURITIBA, 1980, s/p.). A tentativa em constituir o adolescente desejável esteve
empenhada na compreensão de que a equipe do SOE deveria agir em duas grandes áreas:

Área emocional
- compreensão, afeição e paciência do adulto (amor, amizade, carinho, afeição,
atenção, consideração);
- respeito a seus sentimentos e certeza de segurança e confiança, buscando sanar
imaturidade emocional, instabilidade reacional e motora, impulsividade,
agressividade, timidez, inibição, indisciplina e desobediência;
- atendimento individual e grupal;
- oportunidade para atividades e de aceitação no grupo de companheiros (sentir-se
estimado(a), sentimento de “pertencer”);
- “status” e responsabilidade de que se sentem capazes.
Área física
- hábitos e cuidados sanitários (alimentação, higiene, sono, repouso, postura,
limpeza conhecimento do seu corpo);
- participar de campanhas de segurança; (pessoal e coletiva);
- ginástica, corridas, jogos em grupos e em equipes, danças, desportos;
- orientação sobre estímulos narcóticos;
- necessidade de espaço físico para a prática de esporte e outras atividades
(CURITIBA, 1980, s/p).

A necessidade de incorporação de hábitos consideráveis saudáveis no que tange a saúde


física e mental está associada a duas questões. A primeira, relativa à preparação do corpo para
223

exercer as relações de trabalho de forma disciplinada. A segunda, a questões de ordem moral,


para que os/as estudantes evitassem “estímulos narcóticos”, como indica o documento, tais
como o consumo de cigarros e de outras substâncias consideradas tóxicas. Tal fato pode ser
observado no Anexo 2, referente ao material utilizado pela equipe para “conversar/aconselhar”
os/as estudantes.
Essa formação só seria garantida se tanto o SOE como as aulas em sala contribuíssem
para atender ao que o documento aponta como “necessidades básicas dos alunos”. Estas, além
de construírem hábitos de estudos para melhorar o rendimento na escola, haviam sido
desenvolvidas ao longo de cada ano para garantir que a formação dos adolescentes estivesse
apoiada nos seguintes preceitos:
Área social
- atividades individuais e em grupo;
- pertencer a um grupo, ter um “status” e de ser respeitado pelo grupo;
- orientação para conhecimento e compreensão adequados, dos assuntos sexuais;
- recreação sadia, atividades positivas e vida ao ar livre;
- ajustamento heterossexual;
- ajustamento social através de atitudes de cooperação e de competição;
- entrosamento escola-família;
- motivação para uma participação ativa na comunidade;
- melhor definição do papel social do professor;
- integração dos elementos responsáveis pela tarefa educativa;
- conhecimento das atribuições dos diversos setores da Escola;
- participação na vida em família; ou seja; melhor conhecimento e
relacionamento com os membros de sua própria família;
- desenvolvimento de valores sociais positivos.

Área vocacional
- valorização das profissões;
- sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, através da participação do aluno
em oficinas especializadas, laboratórios, biblioteca, visitas, excursões e palestras,
onde o aluno encontre meios de desenvolver suas aptidões e interesses;
- discutir problemas de relações humanas e de trabalho, em atividades de grêmio e
associações;
- segurança e confiança que o levem a independência para tomada de decisões;
- ganhar e economizar seu dinheiro;
- busca e definição de filosofia de vida;
- escolher e projetar-se para o exercício de uma profissão (CURITIBA, 1980, s/p;
sem grifos no original).

Para o historiador Benjamim Cowan, durante o período da ditadura militar, o discurso


anticomunista no Brasil adquiriu grande vulto. Segundo o autor, o discurso enunciado pelos
grupos sociais de direita (entre eles, líderes da Igreja Católica, militares, políticos e demais civis
que apoiavam um movimento contra o suposto comunismo), afirmava que o comunismo era
responsável por romper com os valores morais das famílias, sendo considerado uma ameaça
principalmente na formação sociocultural dos/as jovens. Para Cowan, na tentativa de barrar o
suposto avanço do ideário do comunismo, muitas escolas foram vigiadas pelos militares para
224

evitar ações que distanciassem os/as estudantes dos valores morais considerados corretos.
Muitos materiais didáticos passaram também a ser controlados pelo Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS), na tentativa de inibir o que era considerado discurso subversivo
(COWAN, 2016).
As recomendações do SOE demostram que as atividades desenvolvidas pela equipe de
professoras possuíam estreitas relações com os debates sobre combater a suposta ameaça
subversiva. Nesse sentido, as atividades do SOE deveriam promover no/a estudante o
ajustamento heterossexual através da autorização de falar sobre sexo e sexualidade, como indica
o documento, uma “orientação para conhecimento e compreensão adequados, dos assuntos
sexuais”. Assim, como uma autorização em falar sobre o assunto, como afirma Foucault, a
escola pode ser entendida como um espaço legítimo e da “necessidade de regular o sexo por
meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição” (FOUCAULT, 2008, p.
30). Nesse sentido, o suposto ajustamento heterossexual ocorria por meio do reforço das
distinções de gênero já naturalizadas, principalmente sob o ensino de um ideal familiar
composto por homem e mulher e filhos/as, e de que cabia ao masculino o sustento da família.
É importante lembrar que antes do golpe de 1964 e depois dele, foram realizadas a
Marcha em Defesa da Família, como mais uma forma de denunciar o discurso comunista, assim
como para defender os preceitos da norma familiar burguesa, que começavam a ser
questionados sobretudo pelos jovens oriundos das camadas médias. De acordo com Brito,
“ideias de família, tradição e papéis de gênero alimentaram as Marchas e ampararam a
expectativa de uma vaga moralidade a ser perseguida pela ditadura” (BRITO, 2019, p. 04).
A expectativa sobre o/a futuro/a do/a adolescente deveria ser construída então a partir
de uma formação moral, que garantisse, como indica o documento, o “ajustamento social
através de atitudes de cooperação e de competição” (CURITIBA, 1980, s/p;). Assim, escolhida
uma profissão, caberia a cada um/a competir no mercado de trabalho, mas sempre atento/a às
incertezas, pois também era preciso ganhar e economizar seu dinheiro. Nesse processo,
pretendia-se que fossem banidas, além das ações tidas como subversivas, as consideradas
impróprias para viver em sociedade, principalmente no espaço escolar. Conforme o relatório,
os/as estudantes deveriam eximir-se de:

Agressividade: (reação violenta contra pessoa e/ou objeto); teimosia, petulância,


desafio, gestos, palavras.
Indisciplina: (comportamento inadequado).
- liderança negativa, desafio à autoridade, falta de respeito a colegas, falta de
auto-controle, irriquietação constante, interferências, danos ao prédio escolar,
falta de sistematização da vida escolar: material, pessoal, frequência,
pontualidade, uniforme).
225

Mentira: (alteração intencional da verdade).


- deturpa fatos, inventa situações, cria personagens.
Furto: (posse indevida da propriedade alheia).
- desaparecimento de objetos, material escolar, dinheiro, lanche, etc. (CURITIBA,
1980, s/p, sem grifos nossos).

As ações consideradas indesejáveis correspondiam à garantia dos direitos individuais,


tais como o direito à propriedade privada. Outro ponto importante era a valorização da
disciplina nas ações de não faltar ao trabalho, possuir material escolar, utilizar uniforme, ser
pontual e não questionar as autoridades superiores (nesse caso, os professores/as e a direção da
escola).
Com um total de 382 estudantes matriculados no início do ano letivo de 1980, com base
nos relatórios, verificou-se que a equipe do SOE mantinha os/as estudantes sob vigilância
constante para a tentativa da manutenção de relações sociais condizentes com o ideal disciplinar
compartilhado pela instituição. Ao atender aos/às estudantes por meio de conversas individuais,
no primeiro bimestre de 1980, por exemplo, nas turmas da manhã, registraram-se 101
ocorrências das consideradas infrações disciplinares. A partir do uso de palavras-chave para o
registro das transgressões, com base no relatório, os estudantes meninos da Escola Tiradentes,
até o mês de maio de 1980, haviam tido:
problemas de relacionamento aluno x aluno; saúde (indisposições físicas); permissão
para entrada tardia e/ou saída antes do término das aulas; justificativa e abono de
faltas; indisciplina; encaminhamento para exame médico (CEP) – dispensa da prática
de E, F.; falta de material escolar; não comparecimento a R.P.P; desatenção em aula;
pornografia; “cola” no teste; queixa contra professores; excesso de faltas; furto;
esclarecimentos vários; “desaparecimento” de material escolar, uniforme e outros; uso
de “palavrões”; relacionamento professor x aluno; “colação de grau” saída de escola
sem autorização; gazeta" (CURITIBA, 1980, s/p).

Desses dados, 23 eram de estudantes da 5ª série; 19, dos da 6ª série; 22, dos da 7ª e 37,
dos da 8ª série. Os registros do relatório de 1980 indicam que a equipe do SOE considerava
infração qualquer ação que rompesse com a considerada normalidade da instituição de ensino.
Além de advertidos, os estudantes que haviam tido “problemas de relacionamento”, acusação
de roubo, saída sem autorização e a pornografia (que, como lembra Cowan, era vista como algo
considerado subversivo), falta de material escolar e desatenção em aula eram consideradas
infrações. Nesse último aspecto, a falta de material escolar devido às condições financeiras da
família ou a dificuldade de concentração ou aprendizagem durante as aulas tornar-se-iam
agravantes que precisavam ser resolvidos tanto para a continuidade dos estudos, como para
evitar novos registros vistos como indisciplina. Com base no relatório, o fim do ano letivo
chegou com 390 estudantes matriculados na instituição, desses, 298 tiveram registros de
ocorrência.
226

Em relação às turmas da tarde, composta por estudantes meninas, o sistema de


classificação de ocorrências foi registrado de outra maneira. Diferente da contagem de cada ato
considerado infração, o relatório contava com fichas de acompanhamento por turma, que os/as
professores deveriam preencher e encaminhar às responsáveis pelo SOE. Conforme Anexo 3,
“Ficha informativa dos alunos”,164 no levantamento de dados deveriam ser mencionados “dados
referentes ao relacionamento, à disciplina, à escolaridade e as características emocionais dos
alunos, com vista à organização de turmas e seu ajustamento às mesmas” (PARANÁ, s/d). As
informações das turmas contribuiriam tanto para a identificação dos possíveis problemas,
quanto para uma provável intervenção pedagógica. Tendo em vista o referido documento, nele
deveriam ser indicados os/as:
- alunos que apresentam problemas de relacionamento e não devem permanecer
juntos, na mesma turma, no próximo ano (dependência, grupo fechado).
- alunos que apresentam problemas de relacionamento quanto: a trabalhos em grupo
(rejeição).
- alunos que apresentam características de liderança (positiva) (negativa).
- alunos que apresentam problemas disciplinares;
- alunos que apresentam problemas emocionais, tais como: insegurança, timidez,
problemas pessoais, distúrbios de personalidade e necessitam atendimento
especial;
- alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem.
- alunos que apresentam facilidade de aprendizagem (PARANÁ, s/d; grifos do autor).
Sendo a ficha utilizada para o levantamento de informações das meninas, com base no
relato dos/as professores, no ano de 1981, de 335 estudantes matriculadas, foi considerado que
63 meninas possuíam algum tipo de problema, entre eles: “insegurança, isolamento,
infantilidade, gagueira, preguiça; não realizavam tarefas; faltas, inquietas, complexo de
superioridade, timidez e problemas pessoais”. Dessas, 09 também tiveram seus nomes
apontados como lideranças negativas.
Louro, ao refletir sobre as relações de gênero e ensino no espaço escolar, infere que, a
escola desenvolve uma educação generificada para o corpo e gestualidade, e, no que
corresponde às meninas, busca silenciá-las como forma de serem boas. Ou seja, como indica
Louro, “desde a infância, tradicionalmente, as meninas aprendem não apenas a proteger seus
corpos como a ocupar” (LOURO, 2003, p. 76). Nesse sentido, a timidez, apontada na
documentação, trata de um constructo social constituído por meio das desigualdades de gênero
historicamente construídas, em que a proteção corporal imposta às mulheres desde a infância
inibe as relações sociais e provoca a assimilação de que não se pode romper com aquele
comportamento. Entretanto, aquelas que arrebentam os limites impostos pela educação

164
O modelo da ficha foi elaborado por Alair Vendramel Hatum; Davina M. do Espírito Santo; Maria Ângela
Zattar; Maria Vitória Fontan e Zeila M. Xavier Varella, no ano de 1976. A ficha sofreu adaptações de Ana Rosi
T. Skroski; Elvira K. de Vasconcellos e Rose Marie Lubachovski, em 1977.
227

generificada são acusadas de inquietas ou até mesmo de possuírem o que foi denominado pelo
documento como complexo de superioridade.
A partir das informações disponíveis nos relatórios, a tabela 14 - Idade dos/as estudantes
- permite estabelecer uma comparação dos dados que contribuem para construir um panorama
dos/as estudantes a partir da diferença etária. As informações dos estudantes meninos referem-
se ao ano letivo de 1980; o das estudantes meninas, ao ano de 1982.
Tabela 14: Idade dos/as estudantes
Faixa etária dos/as estudantes
Idade 10 11 12 13 14 15 16 17
sexo M F M F M F M F M F M F M F M F
5º Série 02 - 15 27 30 31 19 20 08 14 01 03 - 02 - -
6º Série - - 01 01 16 22 46 33 15 27 11 13 - 06 - 01
7º Série - - - - - 01 49 49 43 44 41 25 09 10 01 05
8º Série - - - - - 07 - 36 - 31 - 15 - 01 -
Total 02 - 16 28 46 54 121 102 102 85 84 41 24 19 02 06
Fonte: Escola Tiradentes (Relatório Serviço de Orientação, 1980; 1982)

A primeira diferença encontrada entre os estudantes de ambos os sexos está relacionada


com a ausência de estudantes meninas na 8ª série. Mesmo com a oferta dessa série a partir de
1980, ela ficou restrita ao periodo da manhã, ou seja, compreende somente os meninos. Com
base na análise dos dados indicados na tabela. constata-se que o número de estudantes meninas
que cursavam a série com idade fora do prescrito na Lei nº. 5.692/1971 era maior do que o dos
meninos. Nesse sentido, o acesso ao ensino escolar pelas meninas, ainda que entendido como
obrigatório, permanecia ocorrendo mais tarde do que o dos meninos. Gradativamente, porém,
estas estudantes foram as que passaram maior tempo na escola.165 Como já visto no Plano de
Implementação do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná, entendiam-se como
modernas as atividades que exigiam das mulheres trabalhar fora do lar. Talvez esse tenha sido
o motivo de a Escola Tiradentes ofertar o ensino de 8ª série apenas aos meninos em função das
desigualdades de gênero construídas historicamente.
Importante destacar que, com base nos relatórios do SOE, alguns estudantes já exerciam
alguma atividade remunerada. Das estudantes meninas, uma tabela apresenta o levantamento
de 1982, segundo o qual 10 estudantes ocupavam algum alguma atividade remunerada, sendo

165
Cf. AREND, Silvia Fávero. Meninas. Trabalho, escola e lazer. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana
Maria. (Org.). Nova história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, p. 65-83. LOURO, Guacira Lopes.
Mulheres nas salas de aula. In: Mary del Priore. (Org.). História das Mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Contexto e Unesp, 1997. p. 443-481.
228

3 da 5º série, 5 da 6º série e 2 da 7º série. Em relação aos meninos, com base na análise do


“Questionário de Entrada e saída”, destinado aos estudantes da 8ª série, dentre os 93
questionários respondidos, ao terem que assinar sim ou não para a pergunta “Você já
desenvolveu alguma atividade profissional?”, 9 assinalaram que terem exercido. Para esse
grupo de estudantes de ambos os sexos, a iniciação para o trabalho faria menos sentido, pois já
haviam enfrentado uma rotina de trabalho.
Ao analisar os relatórios, foi possível identificar que a equipe do SOE propunha
acompanhar as recomendações expostas no Plano Diretor, principalmente com vistas a
identificar a profissão/ocupação de pais/mães, bem como a realizar os denominados testes
vocacionais. O percurso da sondagem de aptidão seguia três estapas. Na primeira, realizava-se
a identificação das condições socioecnômicas da família do/a estudante, demonstradas na
imagem 17 - Antecipação da Iniciação Profissional -, correspondente ao questionário
encaminhado na tentativa de identificar possíveis interesses profissionais dos estudantes do
ensino fundamental (5ª série), bem como se já exercial alguma atividade remunerada.
Imagem 17 - Antecipação da Iniciação Profissional

Fonte: Escola Tiradentes (Serviço de Orientação Educacional, 1980).


229

O questionário constituía um instrumento para a equipe do SOE investigar o espaço


doméstico/família dos estudantes e, como indicado, tinha por “objetivo conhecer você e seus
interesses para melhor ajudá-lo”, com a finalidade de antecipar a realização de atividades
laborais.
Apresentado o questionário aos meninos da 5º série, a instituição de ensino reforçava a
natulização da realização de atividades laborais desde a infância, pois´, para além dos objetivos
do modelo de ensino, sabia-se da realiadde escolar em que muitos estudantes já exerciam
alguma atividade remunerada. Esse questionário se destinava a meninos situados, em sua
maioria, na faixa de 11 ou 12 anos de idade, como indica a tabela 14. Ao indagar “quais as
profissões que você conhece (através de experiências, leituras, televisão, cinema, por
informações ou outros)” e “em qual ou quais profissões você tem alguma experiência?”, a
instituição escolar reconhecia (e legitimava) o fato de a população infantojuvenil realizar
atividades laborais. Conforme discussão anterior, na instituição circulava o ideário de que as
condições socioeconômicas dos/as estudantes poderiam determinar suas escolhas profissionais.
Neste caso, a educação escolar pouco contribuiria para a ascensão social a partir da preparação
para o trabalho. A mobilidade social ocorreria somente para os/as estudantes que pudessem
arcar com os estudos na formação de ensino técnico e os que, quiçá, galgassem o ensino
superior.
Na segunda etapa da “sondagem de aptidão”, buscava-se aplicar o teste vocacional a
todos os estudantes. O resultado consistia em somar a númeração indicada pelo estudante para
cada pergunta realizada. Solicitava-se que o teste fosse respondido com veracidade e exatidão
e que cada aluno refletisse sobre “por que gosto tanto de fazer isso”. Os estudantes deveriam
responder ao seguinte questionário:

De acordo com a seguinte graduação, escreva à frente de cada questão o número que
corresponde a seu agrado ou desagrado:
a) 5 significa “gosto muito”
b) 4 significa “gosto pouco”
c) 3 significa “me é indiferente” nem me agrada nem desagrada.
d) 2 significa “me agrada um pouco”
e) 1 significa “me desagrada muito”

Seção A - Quanto você gosta?


1. Sair numa excursão?/ 2. Pertencer a um clube de exploradores?/ 3. Viver ao ar livre,
fora da cidade?/ 4. Semear e plantar numa chácara durante as férias?/ 6. Ser técnico
agrícola em uma região propícia?/

Seção B – Quanto você gostaria?


1. Armar ou desamarrar objetos mecânicos?/ 2. Manusear ferramentas e máquinas?/
3. Construir móveis ou objetos de madeira?/ 4. Consertar instalações elétricas de sua
casa?/ 5. Desenhar e dirigir a construção de um poço ou bomba de água?/ 6. Ser perito
mecânico numa grande oficina ou fábrica?/
230

Seção C – Quanto você gostaria?


1. Resolver mecanismos numéricos?/ 2. Resolver problemas de aritmética?/ 3.
Fazer as contas de uma cooperativa escolar?/ 4. Explicar aos outros como resolver
problemas de aritmética?/ 5. Participar em concursos de aritmética?/ 6. Ser calculista
em uma empresa?/

Seção D – Quanto você gostaria?


1. Conhecer e estudar a estrutura das plantas e dos animais?/ 2. Fazer
experimentos de biologia, física ou química?/ 3. Investigar a origem dos costumes dos
povos?/ 4. Estudar e entender as causas dos movimentos?/ 5. Ler revistas e livros
científicos?/ 6. Ser investigador num laboratório de biologia, física ou química?/

Seção E – Quanto você gostaria?


1. Discutir em classe?/ 2. Ser chefe de um clube ou sociedade?/ 3. Dirigir uma
campanha política de um candidato estudantil?/ 4. Fazer propaganda para um jornal
estudantil?/ 5. Ler biografias de políticos eminentes?/ 6. Ser agente de vendas de uma
empresa comercial?/

Seção F – Quanto você gostaria?


1. Desenhar e pintar a cores?/ 2. Modelar em barro?/ 3. Encarregar-se da
decoração de uma exposição? 4. Idealizar e desenhar o escudo de um clube ou
sociedade?/ 5. Desenhar o vestuário para uma peça teatral?/ 6. Ser perito desenhista
numa empresa industrail?/

Seção G – Quanto você gostaria?

1. Escrever contos, crônicas ou artigos?/ 2. Ler obras literárias?/ 3. Escrever versos


para um jornal estudantil?/ 4. Representar um papel em uma peça teatral?/ 5. Participar
num concurso de oratória?/ 6. Ser redator de um jornal?/

Seção H – Quanto você gosta?


1. Cantar num coro estudantil?/ 2. Escutar música clássica?/ 3. Aprender toccar
um instrumento musical?/ 4. Ser membro de uma associação musical?/ 5. Ler
biografias de músicos eminentes?/ 6. Ser membro de uma sinfonia?/

Seção I – Quanto você gostaria?/


1. Atender aos enfermos e cuidar deles?/ 2. Proteger os jovens menores do
grupo?/ 3. Ser membro de uma sociedade assistencial?/ 4. Ensinar a ler aos
analfabetos?/ 5. Ajudar seus companheiros em suas dificuldades e preocupações?/ 6.
Ser missionário a serviço das classes humildes?/

Seção J – Quanto você gostaria?


1. Trazer em ordem seus livros e cadernos?/ 2. Ordenar e classificar os livros da
bilioteca?/ 3. Aprender a escrever na máquina de datilografia?/ 4. Ajudar a qualificar
provas?/ 5. Encarregar-se do arquivo e documentos de uma sociedade?/6. Ser técnico
organizador de uma oficina?/ (CURITIBA, 1980, s/p).

O modelo de teste utilizado pela equipe do SOE do Colégio Tiradentes era baseado nas
proposições em livro publicado pelo francês Pierre Gilles Weil.166 Pesquisador sobre a
orientação profissional e a psicologia do trabalho, Weil migrou para o Brasil no ano de 1948.
Uma década mais tarde, foi “chefe do Departamento de Orientação e Treinamento do Banco da

166
O teste foi desenvolvido em mais de um ano. Em uma das ilustrações do relatório de 1981, existe a informação:
Teste de interesses Pierre Weil.
231

Lavoura de Minas Gerais e professor na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG”


(Conselho Federal de Psicologia, 2005, p. 660).167
Após a contagem de pontos do questionário, a orientadora vocacional deveria relacionar
as informações com base nas ilustrações correspondentes às areas de interesse, como pode ser
observado na imagem a seguir:
Imagem 18: Teste de Interesse Weil

Fonte: Escola Tiradentes (Serviço de Orientação Educacional, 1980).

167
C.f.: LOPES, Wilma Maria Guimarães. L859t Teste de inteligência não-verbal (INV) de Pierre Weil:
parâmetros psicométricos. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade São Francisco, Itatiba, 2009.
232

O teste, composto por 16 imagens, propunha que o/a estudante identificasse quais as
atividades em que sentia-se bem em realizar. Após a escolha, a orientadora vocacional faria a
análise do perfil do estudante a partir do cruzamento de informações entre esse teste e os demais
questionários. O estudante deveria atribuir notas entre 1 para a que possuía menor afinidade e
5 para aquela com que sentisse maior afinidade. A partir da soma da pontuação das respostas,
a equipe do SOE buscava identificar a suposta vocação de cada estudante. Posteriormente, a
equipe porcurava associar os dados da Sondagem de Aptidão com as temáticas das disciplinas
ministradas pelos docentes. Dessa forma, a possível escolha profissional de cada estudante
passava a ser forjada nas aulas do Escola Tiradentes desde a 5ª série. Sabe-se, todavia, que esta
escolha profissional estava condicionada a um conjunto de fatores socieconômicos e
culturais.168
Com base no levantamento realizado no ano de 1980, a tabela 15 - Áreas de interesse,
reune o resultado da aplicação do teste do teste de interesse Weil. O resultado foi o seguinte:
Tabela 15 - Áreas de interesse profissional
Áreas de interesse profissional
Áreas de interesse Série
5ª 6ª 7ª 8ª
Ao ar livre 11 12 31 03
Mecânica 14 21 18 16
Cálculos numéricos 07 04 14 11
Científicos 20 11 22 39
Persuasivos 01 08 03 04
Artísticos 00 09 11 06
Literários 00 02 02 01
Musicais 01 00 08 00
Serviço Social 10 14 13 04
Escritório 01 04 26 03
Fonte: Escola Tiradentes (Serviço de Orientação Educacional, 1980).

Tendo sido limitado o teste vocacional apenas aos meninos, a equipe da SOE, em
conjunto com professores/as e direção da Escola Tiradentes, reforçaram a naturalizaçaõ das
desigualdades de gênero. Nessa perspectiva, o suposto destino das estudantes já estava em parte
traçado, ou seja, elas iriam desempenhar atividades laborais relativas ao cuidado

168
Com o desenvolvimento dos estudos da psicologia, muitos testes vocacionais passaram a serem proibidos, por
não serem comprovados cientificamente. Recentemente, a Resolução nº 9, de 25 de abril de 2018, que “estabelece
diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional da psicóloga e do psicólogo” e
que, “regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos” (BRASIL, Resolução nº 9, de 25 de abril de
2018), apresenta avanços significativos na área, e, em relação aos testes vocacionais, dispôs de um conjunto de
testes considerados impróprios. Os testes desenvolvidos pelo SOE está entre eles. C.f: WECHSLER, Solange
Muglia; HUTZ, Claudio Simon; PRIMI, Ricardo. Avaliação Psicológica, 18(2), 2019, p. 121-128.
233

(docência/enfermagem/empregadas domésticas, etc.) ou as relativas ao trabalho reprodutivo


(donas-de-casa). Vale observar que os ecos da segunda onda do discurso dos feminismos ainda
não haviam chegado à Escola Tiradentes. De acordo com Louro, “a escola delimita espaços.
Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer; ela
separa e institui. Informa o "lugar" dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas”
(LOURO, 2003, p. 58).
Nesse aspecto, ao consultar as informações da tabela “Áreas de interesse profissional”,
mesmo com a presunção de atividades convencionais para os meninos/homens atrelada à
formação das masculinidades, a esquematização das áreas corresponde às reconfigurações do
ensino proposto pela Lei nº. 5.692/1971, principalmente no que diz respeito à valorização da
ciência e à tentativa de impulsionar atividades na grande área da tecnologia. Conforme a tabela
14, ciências, mecânica e serviço social foram as atividades mais desejadas, principalmente pelos
39 estudantes da 8ª série, que estavam completando toda a formação em nível fundamental sob
as prescrições da legislação.
No mesmo relatório foram indicados os interesses profissionais dos estudantes da 5º
série, sendo eles: A) Ao ar livre: jogador de futebol (8); agricultor (2); topógrafo (1); b) oficial
de aeronáutica (1); motorista (3); engenheiro mecânico (3); piloto de avião (5); piloto de carro
(1); sapateiro (1); c) cálculo: engenheiro arquiteto (7); d) científico: médico (10); engenheiro
(3); engenheiro eletrônico (3); veterinário (4); astrônomo (1) e) persuasivos: sem interesse; f)
artista plástico: sem interesse; g) literários: sem interesse; h) musicais) cantos e compositor (1);
i) serviço social: enfermagem (1); dentista (2); auxiliar de farmácia (1); psicólogo (1);
advogado (1); policial (1); oficial de polícia (1); auxiliar de escritório (1); padre (1); professor
(1) (CURITIBA, 1980, s/p).
Ainda nessa etapa, com base na análise do documento, a equipe do SOE organizava
palestras com profissionais de diferentes áreas, cedia espaço a empresas, tal como o Senac, o
que servia para divulgar seus próprios serviços. Nessas ações, para que os estudantes
visualizassem a relação entre o ensino escolar e a futura profissão, eram elencados os graus de
escolaridade mínima (ou a não necessidade dela) solicitada para a ocupação do cargo com as
respectivas idades aceitas para fins de contratação. Assim, a equipe da instituição escolar, ao
mesmo tempo que buscava qualificar futuros profissionais, sabendo da realidade existente, ao
apresentar o mercado de trabalho, apresentava outras possibilidades para aqueles que não
conseguisse dar coninuidade aos estudos. Uma pedagogia marcada pela reprodução social,
como indica Bourdieu, mas que contribuiria para o crescimento da competitividade entre os
estudantes com vistas a atender às recomendações da Lei nº. 5.692/1971.
234

Na última etapa, o “Questionário de Entrada e Saída”, entregue aos alunos da 8º série,


utilizado para analisar o percurso do estudante na instituição no processo de formação para o
trabalho, possuía uma dupla utilidade. A primeira, identificar os interesses e as escolhas dos
estudantes; a segunda, coletar informações para rever práticas pedagógicas utilizadas na
instituição escolar. Ou seja, com base no cruzamento de informações, essa análise tinha como
intenção conferir se a passagem para a adolescência ocorrera segundo as prescrições
estabelecidas nas legislações educacionais e nas práticas pedagógicas.
De acordo com o questionário entregue aos meninos da 8º série de 1980, das 93
respostas, ao serem perguntados se, ao concluírem o ensino fundamental, iriam continuar os
estudos ou iriam trabalhar, 61 responderam que pretendiam seguir os estudos e 27, que não
iriam continuar a estudar. Questionados sobre se sentirem preparados para ingressar no mercado
de trabalho, 48 responderam positivamente, enquanto 29 deram resposta negativa em ocupar
uma atividade profissional com a formaçaõ recebida na escola. Sobre a escolha de qual curso
seguir no segundo grau, 65 informaram já haver escolhido e 26, não. Contudo, ao serem
questionados se as habilidades profissionais haviam sido desenvolvidas na escola, de forma
prática ou teórica, apenas 4 indicaram que o curso havia contribuído para a formação
profissional; 32 informaram que não haviam apreendido a exercer uma atividade profissional.
Ou seja, a preparação para o trabalho especializado realizada na instituição escolar, segundo os
estudantes, não havia sido eficaz. É importante observar que, de acordo com o “Questionário
de Entrada e Saída”, apenas 9 estudantes haviam indicado que estavam trabalhando. Todavia,
32 afirmaram que tinham alguma experiência de trabalho. O labor infantojuvenil, no Brasil, no
período, ocorria na maioria das vezes na informalidade.
Este modelo educacional foi mantido, ao menos na letra da lei, até a promulgação da
Lei nº. 7.044, de 18 de outubro de 1982,169 quando foram realizadas reformulações no ensino,
principalmente no que diz respeito à obrigatoriedade do ensino para a iniciação para o trabalho
e a formação técnica de segundo grau. Contudo, assim como se deu com a implementação da
Lei nº.5.692/1971, a reformulação do ensino proposta na/através da legislação não foi suficiente
para romper com práticas pedagógicas implementadas entre 1964 e 1985. Mas, esta já é outra
história...

169
Essa legislação foi assinada por João Figueiredo e Esther de Figueiredo Ferraz. Ressalto que foi posterior à Lei
da Anistia, de 1979, e integra o período conhecido como redemocratização.
235

Considerações finais

Você deve notar que não tem mais tutu


E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado

Você deve estampar sempre um ar de alegria


E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado

[...]

Você deve aprender a baixar a cabeça


E dizer sempre: muito obrigado
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado

Deve pois só fazer pelo bem da nação


Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um fuscão no juízo final
E diploma de bem-comportado

(Gonzaguinha, 1973)

A canção ‘Comportamento geral’, de Gonzaguinha, escrita durante o auge do “Milagre


Econômico”, era uma crítica à situação política e econômica do País. Como destacam os
pesquisadores dos estudos linguísticos Rafael Menari Archanjo e Camila de Araújo Beraldo
Ludovice, as inquietações do cantor, além de ser uma resistência ao autoritarismo imposto pela
censura, contribuiu “fazendo vir à tona uma atmosfera de desequilíbrios sociais e de relações
acentuadas de poder, ocultados pela propaganda otimista”, (ARCHANJO, LUDOVICE, 2016,
p. 237). Vislumbrar esse também identificado pelos autores “como ao “conformismo de parte
da sociedade brasileira frente às agruras do governo ditatorial instaurado após o golpe militar
de 1964” (ARCHANJO, LUDOVICE, 2016, p. 237). Entretanto, esse conformismo não deve
ser entendido como mera incapacidade crítica ou desinteresse dos/as diferentes atores sociais
em questionar as ações dos governantes da ditadura militar e seus impactos na sociedade
brasileira. Como visto ao longo desta tese, o ensino escolar desenvolvido durante a ditadura
militar teve forte aparato ideológico para forjar uma realidade que deveria ser compreendida
como desejada, e que competia aos sujeitos (estudantes) a manutenção dessa ordem.
Os versos de Gonzaguinha, ao indicar de forma crítica ao autoritarismo dos governantes
que “você deve aprender a baixar a cabeça e dizer sempre: muito obrigado - são palavras que
ainda te deixam dizer”, demonstram o cenário conflituoso vivenciado durante a ditadura militar
236

e se coadunam com as prescrições propostas à educação escolar, evidenciadas ao longo desta


tese. Com um conjunto de normas que entrelaçam meritocracia e disciplina, propunha-se que
os/as estudantes, tal como indicado na canção, prezassem “só fazer pelo bem da nação tudo
aquilo que for ordenado”.
No modelo educacional implementado em nível nacional a partir da Lei nº. 5.692/1971,
e suas reverberações no estado do Paraná, mesmo com avanços em relação à extensão do ensino
aos/às adolescentes até os 14 anos de idade, observou-se um reforço das desigualdades sociais.
O ensino escolar, de acordo com o prescrito nas legislações e documentos escolares, teve por
objetivo principal qualificar os/as estudantes para o ingresso no mercado de trabalho, que se
complexificava no período, conforme se demonstrou nos quatro capítulos da tese. Assim, “ser
o homem bem disciplinado”, como afirmado na canção de Gonzaguinha, estaria associado
sobretudo ao esforço individual.
Conforme se demonstrou no primeiro capítulo da tese, a projeção do Brasil como
potência econômica na década de 1960 demandava atenção para a formação escolar dos/as
adolescentes. O projeto de país assentado no setor industrial, levado a cabo pelos governos
militares, exigia investimentos na ciência, assim como na qualificação profissional. Contudo,
tal como afirma Rodrigo Patto de Sá Motta (2014), a modernização conservadora foi mote das
ações sociopolíticas implementadas no período no campo educacional. A extinção dos exames
admissionais e a ampliação da educação escolar para estudantes até os 14 anos de idade, ao
menos na letra da lei, mesmo que tenha provocado o aumento do tempo escolar dos/as discentes
na instituição, esteve atrelada a interesses capitalistas.
Nesse sentido, com base na reflexão exposta, ainda no primeiro capítulo, a história da
infância e juventude brasileira possui estreitas relações com a história da educação. Como um
processo conjunto, o desenvolver dos modelos educacionais de ensino desenvolvidos no Brasil,
ao longo dos debates e implementações foram constituídos a partir de discursos que
direcionavam os modos de pertencer à infância e adolescência. Constituído a partir de cada
contexto, com base nas observações levantadas ainda no primeiro capítulo, os discursos
educacionais permitem identificarmos as compreensões sobre esse público. Dada a
movimentação histórica do ensino e as aproximações com o público infantojuvenil, pode ser
afirmado que a configuração da infância e juventude a partir da diferença etária, oscilou entre
a proteção e o direcionamento para a vida adulta, em que ser adolescente deveria ser o momento
de aquisição de personalidade e cumprimento de atividades do mundo dos adultos.
Com base nos capítulos apresentados, a legislação educacional em nível federal
contribui para, ao menos no âmbito discursivo, forjar um modelo de adolescente. No estado do
237

Paraná, as reverberações dessa lei serviram como um encaminhamento para construir


expectativas para o futuro dos/as estudantes, principalmente para atender um mercado de
trabalho em expansão. Sem reduzir ao setor de trabalho desejado, os discursos proferidos no
âmbito educacional nas três instâncias (federal, estadual e municipal), indicam a idealização de
que o/a estudante fosse trabalhador e aliado aos ditames da ditadura militar. Assim, caberia a
ele/a estudar, e, existindo ou não a condição de frequentar a escola (principalmente em
continuidade aos estudos do ensino de segundo grau), deveriam compartilhar de um ideal de
que pertenciam ao grupo de trabalhadores/as, e, fugir a essa regra os/as colocaria como em
condição de subversivos. Ou seja, sujeitos indesejados.
A análise do discurso do modelo curricular do estado do Paraná, que circulou na revista
Currículo, demonstrou que o ensino profissional deveria ser implementado nos grandes centros
urbanos, onde se concentravam as indústrias da região. Como visto, no segundo capítulo da
tese, a proposta curricular deveria buscar preparar o corpo dos/as estudantes para a rotina de
trabalho, sobretudo nos setores industriais e de serviços. Dada a estruturação curricular,
elaborada a partir de disputas de poder, as disciplinas e os conteúdos que integraram o modelo
educacional foram atingidos para dar maior ênfase na qualificação para o trabalho. Ou seja, as
reverberações do modelo escolar tecnicista contribuíram para o esvaziamento dos conteúdos
das disciplinas em detrimento de sua aplicabilidade prática.
A estruturação curricular direcionada às escolas paranaenses demostra que existiu
estreito diálogo dos/as representantes do estado para com o modelo educacional projetado em
âmbito federal. Em meio aos discursos que indicam os conteúdos de cada disciplina, as disputas
de poder foram evidenciadas a partir da análise da distribuição da carga horária, da seleção dos
conteúdos, dos discursos que indicam o que pode ou não ser feito na escola. Os
encaminhamentos prescritos no modelo de ensino não indicaram apenas os caminhos a serem
percorridos pela educação escolar a ser desenvolvida, mas, em conjunto com uma disputa de
poder, indicam o lugar dos sujeitos que receberiam aquela educação. Nesse sentido, o recorde
gênero, idade e classe, visualizado ao longo da tese, expõe como esse modelo educacional agiu
de forma distinta na formação da população infantojuvenil. Ou seja, diante de um modelo único
de ensino, posto como igualitário, o olhar interseccional permitiu identificar parte do desenho
educacional exposto com base na legislação e de seus impactos na configuração da realidade
social que dependia do ensino. Como visto nos demais capítulos, gênero, classe e idade agiram
como operadores tanto na inclusão como exclusão dos sujeitos.
A análise das fontes possibilitou evidenciar parte dos problemas presentes no modelo
de ensino proposto. O Colégio Estadual do Paraná, conforme se demonstrou no terceiro capítulo
238

da tese, serviu como uma instituição modelo para a implementação do novo ensino escolar na
década de 1970. Com a intenção em abranger o máximo de estudantes, o modelo educacional
contou com a constituição do Complexo Educacional do Colégio do Paraná. Contudo, a junção
de diferentes instituições para adensar a implementação curricular não significou sucesso para
a realização do mesmo. A realidade escolar configurava-se de forma distinta, principalmente
devido à falta de recursos bem como as condições de classe para manutenção do ensino, e das
diferenças de gênero, utilizadas como norteadores da configuração do ensino.
Os documentos da Escola Tiradentes, que integrava o complexo educacional,
possibilitaram conhecer como se deu a implementação da Lei nº. 5.692/1971 em nível local.
Ficou evidente que existiu uma adesão ao modelo educacional difundido em nível federal, tanto
em seu aspecto filosófico, pautado no tecnicismo, como nos preceitos político-ideológicos em
relação a conteúdos, organização da escola, docentes e estudantes. De acordo com o discurso
presente nas fontes, os/as discentes que não se adequassem às normas eram vistos/as como
subversivos. Neste sentido, a imposição de valores sociais, de condutas e expectativas visavam
que o ensino escolar contribuísse para à construção social de um modelo de adolescente visto
como ideal. Ou seja, atendesse aos preceitos da ditadura militar. Nessa intenção, o ensino
escolar era visto como uma forma de adquirir maior qualificação para ocupar uma vaga de
trabalho. E, caso os/as adolescentes não obtivessem sucesso escolar deveriam pleitear uma vaga
de trabalho condizente com seu nível de formação, o que garantiria que compartilhassem dos
mesmos ideais sem serem comparados a subversivos. Ou seja, o ensino escolar configurava-se
como uma manutenção das distinções de classe. Era possível ser um adolescente com menor
instrução escolar, o que não se admitia é que ficasse fora do mercado de trabalho.
Ponto central do quarto capítulo, por meio da análise documental, foi possível perceber
que a partir da prática escolar desenvolvida na Escola Tiradentes existiu a adesão aos preceitos
estabelecidos na Lei nº. 5.692/1971, e que, mediante a força-tarefa imbuída como integrante do
Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná, as ações pedagógicas visavam alicerçar
os/as futuros/as adolescentes como aptos a assumir uma ocupação profissional.
Mesmo com o avanço das meninas/mulheres no ensino escolar e de as mulheres
gradativamente passarem a ocupar distintas atividades profissionais, o modelo educacional
desenvolvido no estado do Paraná continuou mantendo firmemente as desigualdades de gênero.
Com base na configuração do ensino identificada nesta tese, o horizonte de expectativas
projetava maiores oportunidades aos adolescentes do sexo masculino. Neste sentido, o futuro a
caminho era modelado pelo ensino sob a influência das experiências do passado e dos
incômodos do presente. Ou seja, tendo a experiência de um ensino escolar do passado que
239

direcionava às meninas para serem mantidas no espaço doméstico, a reconfiguração do modelo


de ensino exposto a partir da Lei nº. 5.692/1971, veio de encontro ao avanço de mulheres no
mercado de trabalho. Ao abrirem maiores oportunidades de formação profissional aos meninos,
os discursos contidos nos documentos indicam a tentativa da manutenção de relações de gênero
desiguais.
Em consonância com as desigualdades de gênero, além dos indicativos para a formação
profissional, as atividades pedagógicas desenvolvidas na instituição indicam qual o
posicionamento da instituição frente à realidade política da época. Sob a expectativa de futuro,
esse ensino foi responsável por forjar uma nova geração de pessoas, que aprenderam que
deveriam estar dispostas a defender a pátria, a reconhecer os esforços do governo autoritário
pelo bem comum da nação, a trabalhar para garantir o sucesso pessoal, galgando, assim, a
cidadania. Por promover a formação de uma geração da população infantojuvenil, em um
período recente, é possível que essa configuração de ensino, mesmo que cause estranhamento,
ainda faça sentido no presente. O estudo adensado deste processo auxilia no entendimento desse
“passado que não passa” e, possibilita o diálogo no presente com “os sujeitos ainda aí”!
Com base na análise dos documentos, foi possível perceber que o ensino desenvolvido
no estado do Paraná aderiu aos ditames da ditadura militar sob a ótica do reforço de uma moral
social alicerçada na disciplina e no trabalho. O conjunto desses preceitos tinha como expectativa
a formação de um adolescente ideal, como um futuro trabalhador cuja trajetória tivesse tido as
fases de sua vida institucionalizadas. Visava-se não apenas prepará-lo para saber desenvolver
uma atividade profissional; era preciso adequar o corpo ao ritmo da fábrica. Mais, que, face a
qualquer dificuldade, ele estivesse pronto a enfrentá-la, convencido de que “você consegue,
basta acordar cedo, levantar e trabalhar!” Nesse sentido, a intersecção entre gênero, classe e
idade apresenta um indicativo tanto do modelo de ensino desenvolvido como de suas
consequências. Ao reduzirem as expectativas das estudantes meninas, levado à condição de
classe, esse modelo contribuiria para a manutenção das desigualdades de gênero que seriam
ainda mais acentuadas se levadas em consideração à classe. Um ponto que merece ser discutido
em futuros trabalhos.
Esse ideário, presente durante a ditadura militar, assombrou milhares de brasileiros/as
que sentiam em seus ombros o peso das dificuldades econômicas, que, percebidas juntamente
com outras desigualdades sociais, acentuavam-se ainda mais quando se tratava de crianças,
adolescentes, mulheres, analfabetos, dentre outros. Assim, no interesse de forjar um futuro a
partir do presente, o modelo educacional desenvolvido durante a ditadura militar demostra a
política do ideal de futuro trabalhador a partir do ideal infantojuvenil. Ou seja, uma população
240

que deveria ser trabalhadora, caso contrário estariam à mercê dos olhares de outras instituições,
como a FUNABEM, por exemplo.
Diante de um processo de avanços170 e retrocessos no ensino escolar brasileiro, devido
à implementação da Lei nº. 5.692/1971, a segunda metade do século XX vivenciou o que Luiz
Antônio Cunha chamou de “talvez o maior fracasso da ditadura no campo educacional”
(CUNHA, 2014, p. 914).
O autor se referiu principalmente à obrigatoriedade da formação para o trabalho. Para
ele, o ensino técnico compulsório não contribuiu para elevar o número de estudantes com
formação de segundo grau, pois significou a ampliação do abandono escolar. Entretanto, por
compreender que o ensino não impacta apenas quantitativamente, a afirmação do autor é
oportuna para refletir sobre as continuidades e/ou rupturas do modelo de ensino desenvolvido
durante a ditadura militar.
Em 2021, ano em que se completam 50 anos da Lei nº. 5.692/1971, a sociedade
brasileira está imersa em grandes tensões de cunho político. Há quase uma década
manifestações sociais foram organizadas pedindo o “retorno da ditadura”. Clamores
intensificados com o último pleito eleitoral presidencial. Ao afirmarem que “durante a ditadura
era melhor”, as pessoas não apenas demonstram insatisfação com o presente, como tendem a
apontar a experiência daquele passado como algo positivo, reafirmando a posição autoritária
dos governantes do período, bem como legitimando as violações de direitos cometidas.171 Nesse
aspecto, as observações de Cunha demostram o esvaziamento do ensino pela ineficácia do
modelo tecnicista. Contudo, o desejo de retorno desse passado, indica que o modelo educacional
desenvolvido apresenta possivelmente os seus efeitos, em que, principalmente, devido a pouca
possibilidade de desenvolvimento crítico projetada no ensino desenvolvido durante a ditadura,

170
Com a Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que altera a LDB n. 9.394/96, torna-se obrigatória a matrícula de
crianças com 4 anos, na Educação Infantil, e de estudantes com até 17 anos. Essa modificação demonstra o
avançar de debates importantes sobre o acesso ao ensino para a população infantojuvenil, sobre a ampliação de
direitos para a adolescência, bem como sobre o prolongamento da vida por meio da educação escolar.
171
Parte dessas manifestações pode ser identificada em notícias como: “Os “tresloucados” que querem a
intervenção militar”, publicado no Le Monde Diplomatique, em 15 de junho de 2018, disponível em:
https://diplomatique.org.br/os-tresloucados-e-malucos-que-querem-a-intervencao-militar/, em publicações da
Folha de S. Paulo, como “Para especialistas, pedido de intervenção militar afronta Constituição e pode ser
crime”, de 29 de maio de 2018, e em, “'Quem pede intervenção militar não sabe o que foi a ditadura', diz
sociólogo”, de 4 de junho de 2018, disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/quem-pede-
intervencao-militar-nao-sabe-o-que-foi-a-ditadura-diz-sociologo.shtml, e
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/05/para-especialistas-pedido-de-intervencao-militar-afronta-
constituicao-e-pode-ser-crime.shtml, e do posicionamento favorável da ditadura pelo atual governo, apontadas
em reportagem da Revista Veja, sobre as comemorações do golpe, em “Bolsonaro quer comemoração do golpe
de 1964 nos quartéis”, de 25 de março de 2019, disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-quer-
quarteis-comemorando-golpe-de-64-generais-sugerem-cautela/ . “7 de setembro e os eventos-teste de
Bolsonaro”, publicado no Le Monde Diplomatique, em 3 de setembro de 2021.
241

bem como a valorização daquele presente exposta em meio às práticas educacionais, conduzem
parte dos sujeitos do presente a afirmarem aquele passado como positivo.
Desde a publicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2017, debates
intensos ocorreram em nível nacional, pois os estados da Federação, gradativamente, devem
adotar o novo modelo curricular. Mais uma vez, problemas com a redução de carga horária das
disciplinas atingiram principalmente a grande área das ciências humanas (História, Geografia,
Sociologia e Filosofia). Concomitante a este processo, o Novo Ensino Médio, com uma proposta
de reformulação curricular e de carga horária (de 2.400 horas para 3.000 horas), provocou
também debates, principalmente por exigir a implementação do ensino integral.172 A proposta
do Novo Ensino Médio foi fortemente criticada pelas ocupações estudantis de 2016,173 em
função dos seguintes argumentos: inconsistência do projeto com a realidade física das
instituições; esvaziamento dos conteúdos devido à diluição por áreas correlatas;
incompatibilidade da carga horária com a realidade de estudantes trabalhadores/as; redução na
contratação de professores devido à configuração por área do saber ou ao “notório saber”,
dentre outros.
No estado do Paraná, concomitante com a BNNC e o Novo Ensino Médio, foi
implementado o programa Paraná Integral, iniciado em 2020 em 17 escolas em tempo
integral.174 Observa-se, também, a implementação de colégios cívico-militares, em 2019, 07
instituições passaram a atender nesse modelo, em 2021 já somam 203 colégios por todo o

172
A proposta indica que o currículo adotado em cada instituição deverá ofertar as disciplinas com base na
distinção por área: Matemáticas e suas Tecnologias; Linguagens e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas
Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. No mínimo, 1.200 horas são flexíveis e ficarão reservados
para a Formação Técnica e Profissional. Integram-se, ainda, a esse modelo as disciplinas Projeto de Vida,
Eletivas e Tecnologia e Inovação (MEC, 2021).
173
Ver: LARANJEIRA, Denise Helena Pereira; IRIART, Mirela Figueiredo Santos; RODRIGUES, Milena
Santos. Problematizando as Transições Juvenis na Saída do Ensino Médio. Educação & Realidade, Campinas,
v. 41, n. 1, p. 117-133, 2016. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/56124/36233>. Zaluski, Jorge Luiz Zaluski. “A
nossa luta já entrou para a história, o movimento dos OCUPAS foi inédito”: notas sobre uma ocupação
secundarista de 2016 em Guarapuava-PR. Crítica Educativa, 5(1), 262–276.
https://doi.org/10.22476/revcted.v5i1.345
174
Em 2021, o ensino integral passou a ser desenvolvido em 34 instituições no estado, que ofertam o ensino das
7:30h até as 16:30 hs a partir das disciplinas Eletiva, Estudo Orientado, Práticas Experimentais, Pensamento
Científico, Protagonismo, Projeto de Vida, Empreendedorismo, Programação e Tecnologia Computacional para
alunos/as do ensino fundamental. Já para o ensino médio, além das disciplinas prescritas na BNCC, o currículo
apresenta Preparação Pós-Médio, Projeto de Vida, Eletiva, Educação Financeira e Estudo Orientado.
242

estado.175 Ambos os casos apresentam um estreito diálogo com os assuntos e a temporalidade


investigada nesta tese.176
Para tanto, as reflexões desta tese expõem uma ampla visão sobre os impactos do ensino
escolar na população infantojuvenil, bem a maneira como são utilizados os marcadores sociais
da infância, da adolescência e da juventude, idade e gênero para a estruturação do modelo
educacional. Sem a pretensão de apresentar um fim, e por ainda possuir documentação não
utilizada nesta pesquisa, cabe investigar as movimentações desse modelo de ensino na
instituição, no estado, investigar os embates políticos, os avanços e retrocessos, identificar os
sujeitos (estudantes), confrontar suas trajetórias e as expectativas de futuro que foram atribuídos
a eles/as, perceber o caminhar da adolescência. Tal como nos indica Conceição Evaristo por
meio de sua personagem Ponciá Vicêncio, “preciso continuar decifrando nos vestígios do tempo
os sentidos de tudo que ficara para trás” (EVARISTO, 2017, p, 110), pois o estudo adensado
deste processo auxilia no entendimento desse “passado que não passa” e possibilita o diálogo
no presente com os “sujeitos ainda ai”.

175
Conforme a Secretária da Educação e do Esporte do estado do Paraná, existiu consulta pública para identificar
se os/as responsáveis pretendiam aderir ao modelo cívico-militar. Informação contestada por muitos
profissionais da educação e responsáveis pelos/as estudantes.
176
Recentemente, enquanto estava nos momentos finais desta tese, assumi algumas aulas de sociologia – minha
segunda formação – em uma das instituições em tempo integral. Nesse modelo, os/as professores assumem as
aulas da base de sua formação e devem incorporar outras disciplinas até completarem 40h de trabalho, - desse
total, a cada 30 aulas, 10 são de hora-atividade. No meu caso, por a Sociologia possuir apenas 1 aula na grade e
a escola possuir apenas uma turma de cada, são três aulas de Sociologia e 27 aulas da parte diversificada, a maior
parte em empreendedorismo. Disciplina que possui forte diálogo na tentativa de construir estudantes capacitados
para criar e modificar sua trajetória e a realidade em que vivem. Interpreto esse modelo como a tentativa de
apontar os/as estudantes como únicos responsáveis por si, para, então, diminuir a atuação do Estado com políticas
sociais. Em meio a esse cenário, são realizados exames semanalmente, característica que se aproxima do modelo
tecnicista.
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Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná

Revista Currículo, v.3, nº. 3, 1972.


Folder comemorativo.
Fotografias.
Plano de Implementação do Complexo Educacional do Colégio Estadual do Paraná.
Projetos de Educação Física

Escola Tiradentes

Avaliações
Livros Ata
Modelos de provas
Plano Diretor
Relatório do Serviço de Orientação Educacional
260

ANEXOS A - Tabela 02: RELAÇÃO DE CURSOS AUTORIZADOS PARA A FORMAÇÃO DE 2º GRAU

RELAÇÃO DE CURSOS AUTORIZADOS PARA A FORMAÇÃO DE 2º GRAU


Auxiliar de Laboratório
01 Agropecuária 46 Hotelaria 91
Petroquímico
02 Agricultura 47 Enfermagem 92 Desenhista de Padronagem
Auxiliar de Laboratório
03 Pecuária 48 Laboratórios Médicos 93
Têxtil em Fibras e Tecidos
Auxiliar de Laboratório
04 Edificações 49 Prótese 94
Têxtil em Química
Auxiliar de Inspeção de
05 Estradas 50 Ótica 95
Alimentos
Auxiliar de Inspeção de
06 Saneamento 51 Economia Doméstica 96
Leite e Derivados
Auxiliar de Inspeção de
07 Agrimensura 52 Instrumentista Musical 97
Carne e Derivados
08 Mecânica 53 Auxiliar de Análise de Solos. 98 Auxiliar de Escritório
Agente de Defesa Sanitária
09 Eletromecânica 54 99 Auxiliar de Contabilidade
Vegetal
Agente de Defesa Sanitária Auxiliar de Processamento
10 Eletrotécnica 55 100
Animal de Dados
11 Eletrônica 56 Auxiliar de Adubação 101 Desenhista de Publicidade
12 Telecomunicações 57 Auxiliar de Forragens e Rações 102 Corretor de Imóveis
Classificador de Produtos Corretor de Mercado de
13 Instrumentação 58 103
Vegetais Capitais
14 Geologia 59 Desenhista de Arquitetura 104 Promotor de Vendas
15 Mineração 60 Desenhista de Estruturas 105 Despachante
Auxiliar de Escritório Técnico
16 Metalurgia 61 106 Corretor de Seguros
de Edificações
Desenhista de Instalações
17 Química 62 107 Corretor de Mercadorias
Hidráulicas
Auxiliar de Laboratório
18 Petroquímica 63 Desenhista de Estradas 108
de Cerâmica
Laboratorista de Solos e Auxiliar de Laboratório
19 Têxtil 64 109
Pavimentação em Curtimento
20 Fiação 65 Topógrafo de Estradas 110 Modelador de Calçados
Desenhista de
Instalações de
21 Tecelagem 66 Desenhista de Agrimensura 111
Refrigeração e Ar
Condicionado
Desenhista de Artes
22 Malharia 67 Topógrafo de Agrimensura 112
Gráficas
Fotógrafo em Artes
23 Acabamento Têxtil 68 Cadastrador de Agrimensura 113
Gráficas
Desenhista de Estruturas
24 Alinhamento 69 Laboratorista de Saneamento 114
Navais
Auxiliar de Laboratório
25 Leite e Derivados 70 Auxiliar Sanitarista 115
(Pesca)
26 Carne e Derivados 71 Cronometrista 116 Desenhista de Móveis
Assistente de Desenhista de Decoração
27 72 Desenhista Mecânico 117
Administração
Desenhista de Ferragens e Ornamentista de
28 Contabilidade 73 118
Dispositivos Interiores
Desenhista de Instalações Auxiliar de Enfermagem
29 Estatística 74 119
Elétricas
Auxiliar de
Desenhista de Máquinas
30 Publicidade 75 120 Administração
Elétricas
Hospitalar
Desenhista de Circuitos Auxiliar de
31 Secretariado 76 121
Elétricos Documentação Médica
continua
261

Continuação
Comercialização e Desenhista de Circuitos de
32 77 122 Auxiliar de Fisioterapia
Mercadologia Telecomunicações
33 Cerâmica 78 Auxiliar Técnico de Mecânica 123 Auxiliar de Reabilitação
Auxiliar Técnico de Secretária de Unidade de
34 Curtimento 79 124
Eletromecânica Internação
Auxiliar Técnico de Auxiliar de Nutrição e
35 Calçados 80 125
Eletricidade Dietética
Refrigeração e Ar
36 81 Auxiliar Técnico de Eletrônica 126 Visitadora Sanitária
condicionado
Auxiliar Técnico de
37 Artes e Gráficas 82 127 Oficial de Farmácia
Telecomunicações
Auxiliar Técnico de Laboratorista de
38 Cervejas e Refrigerantes 83 128
Instrumentação Análises Clinicas
Desenhista-Cartógrafo de Auxiliar Técnico de
39 Estruturas Navais 84 129
Geologia Radiologia
Laboratorista de Geologia Auxiliar Técnico de
40 Pesca 85 130
Banco de Sangue
Manutenção de Desenhista-Cartógrafo de
41 86
Aeronaves Mineralogia
42 Decoração 87 Laboratorista de Mineralogia
Auxiliar Técnico de Instalação
43 Tradutor e Interprete 88
de Minas
44 Redator Auxiliar 89 Auxiliar Técnico de Metalurgia
Auxiliar de Laboratório de
45 Turismo 90
Análises Químicas
262

ANEXO B – Lista de Exercícios


263

ANEXO C – Atividades extracurriculares


264

ANEXO D – Atividades Extracurricular 2


265

ANEXO E- FICHA INFORMATIVA DOS ALUNOS


266

ANEXO F – CONTINUAÇÃO FICHA INFORMATIVA DOS ALUNOS

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