Representacoes Sociais e Mundos de Vida
Representacoes Sociais e Mundos de Vida
Representacoes Sociais e Mundos de Vida
e mundos de vida
DENISE JODELET
Edição de
Nikos Kalampalikis
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
e mundos de vida
DENISE JODELET
Edição de
Nikos Kalampalikis
Curitiba
2017
Título original: Représentations sociales et mondes de vie
2015, Éditions des archives contemporaines. Tradução autorizada.
Direitos para edição brasileira.
Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por
escrito da Editora.
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Jodelet, Denise
J63r Representações sociais e mundos de vida / Denise Jodelet; tradutora, Lilian Ulup.
2017
– Paris : Éditions des archives contemporaines; São Paulo : Fundação Carlos
Chagas; Curitiba : PUCPRess, 2017.
544 p. il; 23 cm
Inclui bibliografias.
Título original: Représentations sociales et mondes de vie
ISBN 978-85-68324-90-5
“Existe um quadro de Klee que se intitula ‘Angelus Novus’. Representa um anjo que parece
estar prestes a afastar-se de algo que encara. Seus olhos estão esbugalhados, sua boca aberta,
suas asas despregadas. É assim que deve parecer o Anjo da História. Seu rosto voltado para o
passado. Onde percebemos uma cadeia de acontecimentos, ele só vê uma catástrofe única, que
incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e as precipita a seus pés. Ele gostaria de ficar,
de despertar os mortos e de reunir o que havia sido desmembrado. Mas do paraíso sopra uma
tempestade que envolve suas asas tão violentamente que o anjo não pode mais fechá-las. Esse
vendaval o impulsiona irresistivelmente para o futuro, para o qual ele está de costas, enquanto o
amontoado de ruínas diante dele sobe ao céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso”.
Walter Benjamin, 1942/2000. Sur le concept d’histoire.
In Œuvres III (p. 434). Paris, Gallimard.
O leitor brasileiro tem, nas mãos, o fruto da última tradução à qual Lilian Ulup se de-
dicou com uma diligência e uma devoção inigualáveis. O último presente que sua generosidade
nos ofereceu. A morte a privou da satisfação de ver suas traduções finalmente impressas. Mas sua
lembrança permanecerá gravada neste livro, testemunha do sofrimento partilhado com sua família
e, sobretudo, com suas amigas, especialmente Angela Arruda, com quem tinha uma ligação ina-
balável desde a infância.
Nós a chamávamos simplesmente de Lilian, mas seu segundo nome, Rose, exprime tão
bem seu encanto e a paz que emanava de sua presença que não pude me impedir de evocá-lo.
Conheci Lilian graças à Angela e desde então, por mais de vinte anos, mantivemos uma ligação
distante, porém, fiel. Lembro-me das visitas em seu apartamento localizado sob as asas do Cristo
Redentor e guardo uma foto feliz dos momentos passados em minha casa, no interior da França,
junto com Serge Moscovici e Angela.
O pai de Lilian era inglês, o que certamente contribuiu para o domínio que ela tinha
das línguas; mesmo sendo lusófona, falava perfeitamente o inglês, o espanhol e o francês. Seus
talentos como tradutora eram reconhecidos. Foram-lhe confiadas, dentre outras, as traduções de
Michel Foucault1 e Kostas Axelos2 e ela fazia trabalhos de revisão para diferentes projetos de
pesquisa, no plano nacional3. Pessoalmente, tive o prazer de descobrir a tradução, publicada pelas
edições da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de uma publicação que eu havia dirigido
sobre as representações sociais4.
Essa facilidade e essa competência linguística também se apoiavam em uma sólida for-
mação. Ela aperfeiçoou seus conhecimentos linguísticos obtendo os diplomas da Universidade de
Nancy e da Escola Normal Superior de Saint Cloud, da Universidade de Michigan e da Casa
de España do Rio de Janeiro.
Sem contar a contribuição que constituíam, para a compreensão dos textos que tradu-
zia, seus conhecimentos de Psicologia. Formada pelo Instituto de Psicologia da UFRJ, Lilian era
mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas, onde atuava como especialista em Educação
e Psicologia Pedagógica. Também esteve intimamente associada a uma pesquisa sobre o imagi-
nário, conduzida na UFRJ por Angela Arruda. Todos aqueles que a conheceram nessas diversas
ocasiões foram unânimes em louvar suas competências, sua empatia, sua atenção e sua gentileza.
Que seu lindo rosto que encarnava doçura e generosidade, dedicando-se à transmissão
do pensamento de outros, receba por estas palavras a homenagem e a expressão de uma saudade
dolorosa dividida com seus amigos e amigas.
Obrigada, Lilian Rose, nosso coração e nossos pensamentos a acompanharão para sempre.
Denise Jodelet
1
Foucault, M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968.
2
Axelos, K. Treze teses sobre a Revolução francesa. RJ: Tempo Brasileiro, 1968.
3
Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departa-
mento de Gestão da Educação na Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da
Área de Enfermagem. 2.ª ed. 1.ª reimpr. Brasília: Ministério da Saúde; Rio de Janeiro: Fiocruz,
2003.
4
Jodelet, D. (Org.) As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2001.
Sumário
Preâmbulo .......................................................................................13
Introdução: um fazer sobre o pensamento social ..............................19
Um caminho de e para os outros ......................................................... 20
Miscelânea na busca de compreensão dos fenômenos representacionais ... 24
Nikos Kalampalikis
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
1
Contatos principalmente com R. Bastide, P. Bourdieu, G. Devereux, I. Meyerson e J.-C. Passe-
ron em seminários e colaborações.
2
O GEPS tornou-se em seguida Laboratoire de Psychologie Sociale, cuja direção assumi com a
saída de S. Moscovici.
Introdução 21
da alteridade, guiada por uma descoberta inesperada feita por ocasião de ati-
vidades de educação popular na Argélia.
Estávamos em 1956, em Argel. Encarregada pelo organismo dos
“Centros sociais”3 de um estágio de formação geral para alunas enfermeiras
algerianas, buscava iniciá-las nos problemas postos pelos distúrbios psíquicos.
Um hospital psiquiátrico de Blida era conhecido por suas práticas liberais e
até mesmo revolucionárias. Para descobri-las, solicitei uma reunião com seu
diretor, cuja identidade ignorava.Tratava-se de Franz Fanon4. Ele nos recebeu
durante duas longas horas, discorrendo sobre o tipo de tratamento reservado
às pessoas sofredoras de afecções mentais e de exclusão racial e étnica. Essa
aproximação referente ao destino da alteridade, reforçada por algumas obser-
vações pessoais, esclarecida pela leitura de Foucault sobre a Histoire de la Folie
(1961), devia inspirar mais tarde a pesquisa sobre a Colônia Familiar Ainay-le-
Château e orientar meu trabalho sobre as formas e figuras da alteridade (cap.
IV-1) e a estigmatização (cap. III-3).
Para realizar essa pesquisa, adotei a abordagem dos fenômenos sociais
proposta, em 1961, pela teoria de S. Moscovici sobre as representações sociais,
que outros pesquisadores haviam começado a ilustrar com seus trabalhos.
Assumi-a com a preocupação de ter como horizonte a cultura, as relações
sociais, a história, dando início a um longo período de pesquisas realizadas
em diferentes campos (corpo e saúde, espaços urbanos e meio ambiente, me-
mória social).
Essas pesquisas, das quais as partes II, III, IV dão uma visão geral, res-
ponderam a demandas públicas ou se fecundaram umas às outras nos seus te-
mas, objetos e métodos, desembocando em novas perspectivas. A experiência
do estudo sobre a Colônia de Ainay-le-Château, para o qual adotei um pro-
cedimento subordinando a exploração das representações ao exame das prá-
ticas que regiam as relações entre a população e os doentes mentais, inspirou
o utilizado em outras investigações. Partindo do recenseamento das práticas,
tratei de delimitar o sentido, os motivos e as justificativas subjacentes. Esse
procedimento se mostrou fecundo para isolar sistemas de representações que
3
Criado em 1955, por Germaine Tillon, o serviço dos Centros Sociais, ligados à Direção Geral
de Educação nacional na Argélia, para garantir sua independência face ao poder político,
tinha por objetivo “dar uma educação de base aos indivíduos masculinos e femininos da po-
pulação ”, colocar à sua disposição “um serviço de assistência médico-social polivalente ”,
“assegurar o progresso econômico, social e cultural” (Portaria de criação).
4
Franz Fanon dirigiu a partir de 1953 o Hospital psiquiátrico de Blida-Joinville, no qual intro-
duziu métodos de socioterapia, de psicoterapia institucional e de etnopsiquiatria até sua
demissão seguida imediatamente de sua expulsão da Argélia pelo Governo Geral em 1957.
Engajou-se na FLN e publicou obras marcantes sobre o racismo (1952, 1961).
22 Introdução
5
Essas teses, cujo panorama é apresentado na obra Une approche engagée en psychologie so-
ciale (Madiot, Lage, Arruda, 2008), giram em torno de meus principais eixos de interesse.
Três quartos de seus autores ocupam ou ocuparam postos de ensino e pesquisa em diversas
universidades na França (16) e no estrangeiro (9).
24 Introdução
6
“A palavra Holon vem do grego Holos. O seu conceito descreve algo que é um todo em si
mesmo e, simultaneamente, uma parte de um sistema maior”. Disponível em: <www.grupo-
holon.pt/images/brochura_GH.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2017. (N. T.)
28 Introdução
7
Lepéniste – lepenista. Adj. que faz referência a Jean-Marie Le Pen (político francês; presidiu,
até janeiro de 2011, a Frente Nacional (Front National), partido nacionalista francês de extre-
ma-direita, e Marine Le Pen, do mesmo partido. (N. T.)
30 Introdução
e dos significados
Linguagem e comunicação § transformação de um tipo
§ interindividual FORMA DE SABER de saber em outro
§ institucional § epistemologia do senso comum
§ midiática
Construção Interpretação
REPRESENTAÇÃO
Coletivo
Expressão Representação e ciência
ALTER SUJEITO Simbolização OBJETO
Representação e realidade
Social
PRÁTICA humano
social Divergência
ideal § Distorção
§ sociedade material § Redução
§ compartilhamento e § Suplementação
vínculo social
§ contexto ideológico e histórico
§ inscrição social
- posição Experiência Ação Valor de realidade
- lugar e funções sociais Funções da RS
- afiliação a um grupo Eficácia das RS
§ organização social
- instituição
- vida em grupos
Quem sabe e de onde sabe? O que e como sabe? Sobre o que e com que efeitos?
vida e das relações sociais que afetam diretamente os sujeitos sociais. Levar
em consideração a complexidade dos processos engajados nos fenômenos re-
presentacionais implica não só voltar-se para a incidência dos fatores sociais
e relacionais, mas também ter em conta a intervenção do sujeito social que
deve ser reabilitado por uma psicologia social propensa a se defender contra
os riscos do individualismo (Farr, 1996).
O retorno do sujeito ou do eu, devido à importância dada hoje à
subjetividade, não é discutido somente nas ciências humanas e sociais. Ele
emerge também, desde os anos 1980, na filosofia, como é o caso de Putnam e
de Foucault. O primeiro (2002) chega ao sujeito por uma releitura crítica da
filosofia analítica da qual foi um dos seguidores, em uma tentativa de resolu-
ção dos conflitos entre objetivismo e relativismo, realismo e construcionismo,
fatos e valores. A evolução de Foucault (2001, 2014), que na articulação en-
tre saber – poder – sujeito havia subordinado este último às duas primeiras ins-
tâncias, reverte a relação conferindo-lhe um estatuto de princípio regulador.
Conclusão
O conjunto das considerações que acabo de apresentar atravessa todo
meu trabalho de pesquisa de inspiração fenomenológica. Não insisti sobre as
metodologias que o guiaram. O leitor constatará facilmente o uso de meto-
dologias mistas centradas sobre o esclarecimento das facetas dos objetos com-
plexos, desde meus primeiros trabalhos e até o momento, privilegiando os
métodos qualitativos, aos quais dediquei um texto publicado em 2003.
Por intermédio desses exemplos de pesquisa, parece-me possível de-
monstrar que segundo os objetos e os contextos, uma luz diferente pode ser
lançada para tratar das representações sociais. Não há uma única perspectiva
válida atualmente. Para progredir, é preciso centrar-se no estudo de represen-
tações concretamente situadas sobre objetos delimitados, mostrar sua comple-
xidade e o necessário recurso a modelos complementares, variáveis segundo
os casos. Pareceu-me mais importante dar a perceber como, ao longo de uma
prática de pesquisa, surgiam questões que levaram a uma atividade de refle-
xão influenciada por contribuições de diferentes perspectivas disciplinares,
desembocando em novas problemáticas. Um fazer empírico e teórico sobre
34 Introdução
8
Vide, por exemplo, as contribuições sobre memória social (Haas, 2011, 2012; Haas & Jodelet,
1999, 2000; Jodelet & Haas, 2014), identidade nacional, o mito e os nomes (Kalampalikis,
2001, 2002, 2007, 2009), saúde (Apostolidis, 2003, 2006; Apostolidis & Dany, 2012), imagens
da cidade (Haas, 1999, 2002a, 2002b,; 2004; De Alba, 2002, 2012, 2013).
Esta obra, editada por Nikos Kalampalikis, reúne, pela primeira vez, alguns
dos principais escritos de Denise Jodelet, referência obrigatória no campo das re-
presentações sociais desde a criação do Laboratório de Psicologia Social na École
des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em 1965, por Serge Moscovici. A
particularidade deste livro é a de fornecer uma visão geral do desenvolvimento
de uma prática de pesquisa empírica e reflexiva que, nos últimos trinta anos, tem
aberto novas perspectivas no exame de questões sensíveis de nosso mundo que
interessam diretamente à Psicologia Social.
Descobrimos nele uma contribuição original sobre os fenômenos represen-
tativos examinados de diferentes perspectivas. Do ponto de vista epistemológico,
em sua relação com as contribuições das ciências sociais. Do ponto de vista de seu
caráter social, na análise dos processos sociocognitivos que intervêm em sua cons-
trução. Do ponto de vista da pertinência social, na compreensão dos processos
simbólicos relacionados aos pertencimentos sociais e ao futuro comum de indiví-
duos e de grupos historicamente e culturalmente situados. Do ponto de vista da
aplicação, no exame de problemáticas relacionadas à memória, ao urbano, à saú-
de, ao corpo, ao gênero, ao meio ambiente. Do ponto de vista das propostas para
futuras pesquisas, na exploração de dimensões psicológicas ainda pouco conside-
radas pelos estudos sobre as representações sociais: a alteridade, a experiência, a
subjetividade, o imaginário, a afetividade e as emoções.
ISBN 9 7 8 - 8 5 - 6 8 3 2 4 - 9 0 - 5
9 788568 324905