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A UBERIZAÇÃO COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO

DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA


QUESTÃO SOCIAL
Sabrina Ripoli Bianchi1
Daniel Almeida de Macedo2
Alice Gomes Pacheco 3

Resumo: A economia compartilhada representa uma tendência na


sociedade de consumo da atualidade. Valendo-se desse novo mode-
lo de negócios, algumas empresas estão dissimulando suas relações
trabalhistas na forma de iniciativas individuais empreendedoras,
quando na verdade, são estruturas tradicionais que vinculam capital
e trabalho, mas sem as garantias asseguradas pelas legislações tra-
balhistas. Objetiva-se, utilizando-se do método dedutivo e das técni-
cas de pesquisa bibliográfica e descritiva, em suas formas histórica,
conceitual e normativa, lançar um olhar crítico a uma realidade de
precarização do trabalho que tem como consequência o agravamento
da questão social, vulnerabilizando ainda mais a situação do traba-
lhador contemporâneo.
Palavras-chaves: Uberização. Questão social. Relações de trabalho.

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Mato Grosso. Membro do Projeto de Pesquisa “O meio ambiente do trabalho
como componente do trabalho decente”. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6934-4536
LATTES: http://lattes.cnpq.br/3745350048242717
2
Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-
nas da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9206-608X
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9076534009116586
3
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal
de Mato Grosso. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8910-4046
LATTES: http://lattes.cnpq.br/5563288989072266

Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 134-156, Jan./jun. 2020 134
A UBERIZAÇÃO COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA QUESTÃO SOCIAL

UBERIZATION AS A FORM OF PRECARIOUS WORK AND ITS


CONSEQUENCES ON THE SOCIAL ISSUE

Abstract: The sharing economy represents a tendency in current


consumer society. Using this new business model, many compa-
nies are dissimulating their working relationship as enterprising
individual initiatives, when, in fact, there are traditional structures
that bind capital and labor although without the guarantees assured
by labor legislation. It is aimed, using the deductive method and
the bibliographic and descriptive researching techniques, in its his-
torical, conceptual and normative forms, to throw a critic look at a
working precariousness reality that has as consequence the wors-
ening of the social issues, weakening, even more, the contempo-
rary worker situation.
Keywords: Uberization. Social issues. Work relationship.

Introdução

A internet, instrumento utilizado hoje por todos de forma in-


tensa e corriqueira, à trabalho, por lazer, para pesquisas, compras e
mais uma infinidade de funções, é uma ferramenta essencial para a
sociedade na pós-modernidade. Inicialmente foi desenvolvida para
fins militares na década dos anos 1950 pelo exército dos Estados
Unidos, com o propósito de interligar as universidades americanas
ao Pentágono e permitir a rápida transmissão de informações, funda-
mental para integrar o país no caso de uma eventual ameaça nuclear,
uma vez que o mundo acabara de emergir da devastação da Segunda
Guerra Mundial (ABREU, 2019). Elaborada da forma como foi,
não era de se imaginar que essa ferramenta alcançaria a importância
que tem na atualidade, determinando os mais variados aspectos das
relações humanas. Um dos campos sociais em que a internet apre-

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senta notáveis repercussões diz respeito ao cotidiano das relações de
trabalho, que transformaram a forma de execução das atividades, sua
duração, jornada, o modo de remuneração, a subordinação, dentre
outros pontos.
Um fator de intenso destaque na atualidade é a chamada eco-
nomia compartilhada, que aproveita a facilidade de conexão trazida
pela internet como forma de revolucionar os modelos preexistentes
de prestação de serviço. Inúmeras são as empresas que adotam essa
perspectiva, a título de exemplo pode-se citar a Uber, Airbnb, eBay,
Mercado Livre, 99 Pop, dentre outras. A economia compartilhada,
também chamada de consumo colaborativo, apresenta-se sob dois
aspectos. O primeiro refere-se a oferecer ao mercado uma forma sim-
plificada de acesso a bens ou serviços. Nela, um indivíduo comum
pode ofertar o que tem ao seu dispor, como seu carro, um cômodo
de sua casa ou até mesmo o seu trabalho, à outra pessoa, sem que,
necessariamente, haja uma venda ou uma aquisição (BOSTMAN;
ROGERS, 2011). Dessa forma, assume uma roupagem de consumo
consciente, de reaproveitamento de bens, partindo do pressuposto
de que o meio ambiente não terá recursos naturais suficientes para a
manutenção do modo de vida que a humanidade possui atualmente.
Quanto ao segundo aspecto, umbilicalmente ligado ao pri-
meiro, concerne ao uso massivo de tecnologia da comunicação. Par-
cela dessa modalidade de economia faz uso da chamada conexão
peer to peer (P2P), que consiste em conectar um prestador de ser-
viços ou alguém que deseja fazer a comercialização de determina-
do item, diretamente ao seu consumidor final. Uma plataforma, um
aplicativo ou um site, faz a ligação imediata e linear entre esses dois
pontos da relação: quem precisa de um certo bem ou serviço, e de

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quem os tem para oferecer. Quanto a isso, afirma-se que as conexões


peer to peer eliminam intermediários e possibilitam interações face
a face, além de proporcionar uma nova configuração dos modelos
de negócio da economia tradicional (DUBOIS; SCHOR; CARFAG-
NA apud SILVEIRA et. al., 2014. p. 50).
Apesar do discurso sustentável, inclusivo, empreendedor e
social, propagado pela maioria dessas empresas, percebe-se que
muitas delas adotam comportamentos que vão de encontro com
a imagem veiculada. A Uber, objeto de estudo deste trabalho, por
exemplo, aposta em um ideário voltado à livre concorrência, en-
quanto aproveita de vantagens auferidas pela ausência de regula-
mentação a respeito da sua atividade ou, até mesmo, pelo drible da
legislação já existente.
Assim, enquanto as empresas tidas como tradicionais ne-
cessitam recolher impostos, obter alvarás para a execução de suas
atividades, garantir o pagamento de um salário mínimo e demais
direitos trabalhistas aos seus empregados, bem como todas as outras
obrigações atinentes ao seu regular funcionamento, as empresas de
compartilhamento se beneficiam por atuarem nas escusas desses en-
cargos. Não há que se falar, portanto, em livre concorrência quando,
na verdade, opera-se em uma concorrência desleal, visto que os de-
veres e custos são desproporcionais. Com efeito, uma série de obri-
gações legais deixa de ser cumprida nesses regimes. Confirmando
essa ideia, muitos impulsionadores têm negligenciado a realidade de
que esse novo modelo de negócios se baseia amplamente em fugir
às regulamentações e violar a lei.4 (BAKER, 2014. Tradução livre).

4
Tradução livre: many boosters have overlooked the reality that this new business
model is largely based on evading regulations and breaking the law.

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As relações de trabalho, nesse novo contexto, apresentam-
-se como um dos pontos mais controversos e se constitui no objeto
central da presente pesquisa. No caso da empresa Uber, por exem-
plo, o fato de a prestação do serviço ser realizada por meio de um
aplicativo sugere aos seus usuários, aos motoristas e à população
a ideia de que aquela relação é uma atividade autônoma. Esse sis-
tema, que supostamente apenas interliga passageiros e condutores
transmite o conceito de que o motorista conduz sua própria ativi-
dade, por meios próprios, estabelecendo sua jornada de trabalho e
possuindo, então, total liberdade para gerir seu “negócio” como se
fosse um verdadeiro empreendedor.
Todavia, esta visão é deturpada, desprovida de verdade, e
não por mera inocência dos indivíduos envolvidos, mas sim porque
a intenção é exatamente que a relação de trabalho existente passe
despercebida, a ponto de nem mesmo o motorista conseguir se reco-
nhecer como um empregado.

1. Componentes das relações de trabalho e a dinâmica da


economia compartilhada – entendendo o universo Uber

A Uber é uma empresa do ramo de transporte, mas que se


autodenomina empresa de tecnologia. Fundada em 2010, em São
Francisco, por Garett Camp e Travis Kalanick, ela afirma ser uma
plataforma para que motoristas parceiros se conectem a usuários
que buscam viagens acessíveis e confiáveis (UBER NEWSROOM,
2019). Em setembro de 2019, a empresa fez sua estreia apoteótica
no mercado financeiro, com valor inicial de 82,4 bilhões de dólares
(POZZI, 2019).

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A UBERIZAÇÃO COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA QUESTÃO SOCIAL

Para que um indivíduo consiga se tornar um “motorista par-


ceiro” é necessário que ele realize um cadastro no site da plataforma,
com seus documentos pessoais e os do veículo que será utilizado na
prestação do serviço. Após aprovado, o motorista está liberado para
desempenhar seu ofício. Para isto, basta se conectar ao aplicativo e
aguardar a chamada para uma corrida.
Esse ciclo aparenta ser bastante libertário. A imagem vendi-
da é de um indivíduo que tem o poder de estabelecer seu horário de
trabalho, sua rotina, que não precisa se preocupar com pressões por
produtividade, um verdadeiro dono de si mesmo. No entanto, a rea-
lidade mostra-se diferente. A forma de estruturação do nexo capital-
-trabalho da Uber em nada se distingue do tradicional emprego. Isto
é, há uma pessoa física prestando determinado serviço, por meio de
uma remuneração, que não pode se fazer substituir por outra, com
caráter de não eventualidade e sob intensa subordinação. Dessa for-
ma, os requisitos exigidos pelos artigos 2 e 3 da Consolidação das
Leis do Trabalho5 para a configuração da relação de emprego estão
presentes, porém camuflados pela denominada economia de com-
partilhamento, que estabelece relações de “colaboração” ou “empre-
endedorismo” com seus, na realidade, funcionários.
O primeiro requisito exigido pela legislação brasileira re-
fere-se à prestação do serviço por pessoa física. Parece óbvio, mas
significa dizer que um empregado nunca poderá ser uma pessoa
jurídica. Relações jurídicas estabelecidas entre pessoas jurídicas,

5
CLT. Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a presta-
ção pessoal de serviço. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que
prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste
e mediante salário.

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ou entre uma pessoa jurídica e uma pessoa física (tomador do ser-
viço) são, em regra, regulamentadas pelo direito civil ou direito
do consumidor, ou qualquer outro ramo do direito, mas não pelo
direito do trabalho.
Nesse sentido, o direito do trabalho considera que a figura
do empregado deve ser desempenhada apenas por pessoa natural,
tendo em vista que os bens jurídicos protegidos por esse ramo, como
saúde, bem-estar, lazer, entre outros, não podem ser usufruídos por
pessoa jurídica. É por essa razão que frequentemente ocorre um fe-
nômeno denominado pela doutrina de “pejotização”, que consiste
em compelir o trabalhador a abrir uma empresa a fim de descarac-
terizar esta condição (PEREIRA, 2013). O “motorista colaborador”,
na relação examinada, é uma pessoa física, que realiza seu cadastro
na plataforma com seus documentos pessoais, logo, o primeiro re-
quisito está devidamente presente.
O segundo pressuposto expresso da relação em comento diz
respeito à pessoalidade do serviço prestado. Isso significa que o con-
trato de trabalho tem natureza intuito personae quanto à figura do
empregado. Dessa forma, o trabalhador não pode ser substituído,
tendo em vista o caráter personalíssimo de sua obrigação, ou seja,
em uma situação na qual se vê a substituição constante da figura do
empregado, não há uma relação de emprego, mas sim outro ajuste
qualquer, por ausência desse segundo requisito (MARTINEZ, 2011).
Na relação existente entre a Uber e o “motorista parceiro”
também se encontra presente este requisito, uma vez que o cadas-
tro realizado pelo indivíduo é pessoal, sendo necessário a utilização
de uma senha intransferível para o acesso ao aplicativo. Ademais,
o passageiro, quando solicita uma corrida, recebe uma foto do mo-

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torista cadastrado para que possa identificar quem está prestando o


serviço. Inclusive, fazer-se substituir por outro trabalhador, constitui
para a plataforma falta grave, porque não é permitido ao motorista
ceder sua conta do aplicativo a outra pessoa não cadastrada e previa-
mente autorizada (LEMES, 2019), como se observa na Reclamação
Trabalhista nº 0011359-34.2016.5.03.0112 da 33ª Vara do Trabalho
de Belo Horizonte-MG, em que o autor requer o reconhecimento do
vínculo trabalhista com a Uber.
A não eventualidade, o terceiro requisito exigido, pode ser
conceituada sob três vertentes, que devem ser analisadas conjunta-
mente. A primeira diz respeito a contrato de trabalho como de trato
sucessivo (BARROS 2011), sendo assim, não se admite como em-
pregado aquele trabalhador que esporadicamente desenvolve certa
atividade a alguém. A não sucessividade na prestação do serviço ca-
racteriza outra espécie de trabalhador, denominada de trabalhador
eventual, que é aquele que realiza atividade em que não é possível
identificar sua repetição, uma atividade que pode ou não ocorrer, um
acontecimento ocasional.
A segunda vertente da não eventualidade refere-se à sua liga-
ção com a atividade fim da empresa. O trabalho não eventual tem cará-
ter de permanência, perdura no tempo, é considerado não esporádico,
mesmo que ocorra de forma descontínua em alguns casos. Essas são
características do trabalho na atividade fim das empresas, pois a dinâ-
mica produtiva requer regularidade e constância que a ocasionalidade
afasta. Já a atividade meio, por sua vez, pode ser eventual, pois o seu
caráter esporádico não prejudica a finalidade do negócio.
O terceiro aspecto definidor da não eventualidade é a fixa-
ção jurídica entre o trabalhador e a empresa. O empregado fixa-se a

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um empregador, enquanto que o trabalhador eventual possui vários
tomadores de serviços, não se vinculando a nenhum deles. Esse con-
ceito, no entanto, não pode ser confundido com a ideia de exclusi-
vidade, característica não exigida pela CLT para a configuração do
vínculo de emprego. Dessa forma, um empregado pode laborar para
vários empregadores sem que isso seja um fator impeditivo à sua
relação de emprego.
Há, assim, três vertentes que devem ser observadas quanto a
não eventualidade: habitualidade na prestação do serviço, a função
integrada à atividade fim do empregador e, por fim, a existência de
uma fixação jurídica entre o empregado e o tomador de serviços.
Na Uber, o caráter não eventual dos serviços prestados é um
dos pontos de maior dificuldade probatória. Inicialmente, porque um
dos focos de atenção dispendidos pela empresa é justamente fazer
com que todos acreditem, inclusive seus “motoristas parceiros”, que
eles podem trabalhar quando quiserem, fazer sua própria jornada, diri-
gir em suas horas livres e ganhar um dinheiro extra. Este é exatamen-
te o slogan utilizado pela empresa para atrair motoristas. No entanto,
percebe-se por meio de depoimentos de empregados formalmente re-
conhecidos e de “motoristas parceiros” da Uber, coletados em audi-
ências trabalhistas (BRASIL, 2017) que a empresa exige frequência
do motorista no uso do aplicativo, e caso este fique muito tempo sem
acessá-lo, ou sem aceitar corridas, pode sofrer sanções como suspen-
são ou desligamento definitivo da plataforma. A empresa, inclusive,
encaminha aos seus “parceiros” inúmeros e-mails e SMS informando
o quanto eles estão deixando de ganhar com o aplicativo off-line e
até mesmo as possíveis sanções que poderão sofrer, tornado claro que
o motorista não possui a liberdade propagada. De fato, ele não pode

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dirigir apenas quando quer, pois se exige sua presença constante à pla-
taforma, conforme se extrai da Reclamação Trabalhista analisada.
Quanto à segunda vertente da não eventualidade, que pre-
coniza que esta é aspecto relacionado à área fim de uma empresa,
a Uber afirma, em todos os seus meios de comunicação, ser uma
empresa exclusivamente de tecnologia, a qual o “motorista parcei-
ro” a paga para que possa utilizar o aplicativo de seu domínio, para
conectá-lo com passageiros (UBER NEWSROOM, 2019).
Contudo, mais uma vez, essa informação é falaciosa. Inicial-
mente, cumpre salientar que ser detentora de determinada tecnolo-
gia não exclui a possibilidade de a empresa estar também inserida
no mercado de transportes. O aplicativo aqui se constitui como um
meio de operacionalização da atividade, tal como o veículo utilizado
pelo motorista. Ademais, se o seu fim fosse realmente apenas for-
necer a plataforma de conexão entre passageiros e motoristas, não
haveria porque cobrar um percentual em cima do valor de cada cor-
rida realizada pelo motorista, valor este, inclusive, calculado única e
exclusivamente pela Uber.
Se o motorista pagasse a Uber apenas pela utilização do apli-
cativo, como a empresa alega ser o caso, este valor deveria ser uma
parcela fixa, como uma mensalidade e que em nada dependeria do
número de corridas ou distâncias percorridas pelo motorista. Outro
ponto que merece reflexão é o fato da empresa realizar intensos in-
vestimentos na área de veículos autoguiados, como se observa em
inúmeras reportagens veiculadas na imprensa6. Como sustentar a

6
PRESSE, F. Uber lança serviços de carro sem motorista nos Estados Unidos. G1.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/09/uber-lanca-servi-
co-de-carros-sem-motorista-nos-estados-unidos.html. Acesso em: 11 set. 2019.

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tese de ser apenas um serviço de tecnologia, desenvolvido para inter-
ligar motoristas e passageiros, sendo que a previsão é de que daqui
alguns anos não haverá mais motoristas?
O terceiro ponto de análise é quanto à fixação do funcionário
ao empregador, que evidentemente ocorre no momento da efetiva-
ção do cadastro do motorista, bem como na ocasião de sua apresen-
tação como um indivíduo que representa ali, no ato da prestação do
serviço, a empresa Uber.
A onerosidade, por sua vez, figura-se aqui como o quarto ele-
mento necessário. Esse requisito significa, em seu aspecto objetivo,
que o trabalho desempenhado é remunerado, há uma contrapresta-
ção paga pelo empregador ao prestador do serviço. Quanto ao as-
pecto subjetivo, refere-se o animus contrahendi da relação, ou seja,
o trabalhador realiza suas funções porque sua intenção ali é receber
uma contraprestação em forma de remuneração.
A Uber, fundamentando-se no argumento de que é uma em-
presa de tecnologia, afirma que não há remuneração da parte dela
para com o motorista, e sim relação inversa, o motorista paga a em-
presa, como em uma espécie de licença, para que use a platafor-
ma. Essa tese não representa a verdade dos fatos. A empresa possui
domínio do sistema remuneratório, recebendo o valor das corridas
realizadas pelos passageiros, para depois repassar ao motorista o que
aqui se pode tranquilamente chamar de salário.
Ademais, a empresa operava, por diversas vezes, com estí-
mulos financeiros aos motoristas para que eles dirigissem ou ficas-

CANO, R. J. Carro sem motorista da Uber provoca acidente fatal. El país. Disponível
em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/19/tecnologia/1521479089_032894.
html. Acesso em: 11. set. 2019.

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A UBERIZAÇÃO COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA QUESTÃO SOCIAL

sem mais tempo disponíveis em determinados períodos, além de ofe-


recer inúmeras promoções aos usuários, tudo isso sem interferência
alguma do condutor. Toda a dinâmica de valores cobrados é definida
pela Uber, que no período do carnaval, por exemplo, programa pro-
moções especiais para angariar clientes e incentivar o motorista para
que fique à disposição da empresa7. A Uber, portanto, remunera seus
prestadores de serviço recebendo o pagamento das viagens realiza-
das e transferindo parte desse valor ao motorista, o que equivaleria
à sua remuneração.
O quinto e último requisito analisado em uma relação de em-
prego é a presença da denominada subordinação, considerada por
muitos autores como o ponto chave do contrato de trabalho. De for-
ma genérica, ela é vislumbrada quando há o cumprimento de ordens
gerais ou específicas, diretas ou indiretas (CAIRO JR, 2014), quando
a prestação de serviços é dirigida pelo empregador.
Essa conceituação, apesar de ser a mais ampla possível,
está sendo relativizada na medida em que novos formatos de rela-
ções empregatícias vêm surgindo. No caso em estudo, configura-se
como ponto que parece demasiado controverso, dada a aparente
ausência de um empregador. A subordinação na relação Uber-mo-

7
Depoimento do Sr. Saadi Alves de Aquino, ex-coordenador de operações da ré,
nos autos do Inquérito Civil 001417.2016.01.000/6 do Ministério Público do Tra-
balho:“ (...) próximo ao carnaval, por exemplo, o motorista ativado que com-
pletasse 50 viagens em 3 meses ganharia R$1.000,00, que no dia do protesto do
taxista, no início de 2016, a empresa investigada já sabia que faltariam motoristas
na cidade, então programou uma promoção especial para o motorista que con-
siste em cumprir alguns requisitos, por exemplo, ficar online 8 ou mais horas,
completar 10 ou mais viagens e ter uma média de nota acima de 4,7, e então o
motorista ganharia 50% a mais em todas as viagens completadas nesse período
e nesse padrão”.

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torista parece inequívoca e enquadra-se sob sua acepção clássica,
porém se reconfigura nos moldes delineados pela tecnologia. Não
se vê mais a figura de um chefe, pessoa humana, delimitando jorna-
da, fiscalizando o modo de execução de sua atividade, o horário de
entrada e saída, cobrando produtividade. Agora, toda essa dinâmi-
ca envolve comandos desenvolvidos por sistemas computacionais
e algoritmos que determinam quais corridas executar, os passagei-
ros a serem atendidos e as rotas que serão seguidas. Algoritmos
definem todo o modus operandi do trabalho desempenhado. Nesse
sentido, afirma-se que:

A autonomia concedida é uma “autonomia da subordinação”. Os traba-


lhadores não devem seguir mais ordens, mais sim “regras do programa”.
Uma vez programados, na prática, trabalhadores não agem livremente,
mas exprimem “relações esperadas” (OITAVEN; CARELLI; CASA-
GRANDE, 2018).

Essa roupagem da subordinação, inclusive, recebeu a desig-


nação de subordinação algorítmica (LEMES, 2019), que inclusive,
constitui-se como uma nova faceta da organização do trabalho. Nes-
se sentido, assevera-se:

Altera-se a formatação, mas resta a natureza: a) de um lado as pessoas,


travestidas em realidades intersubjetivas denominadas empresas, que
detêm capital para investir na produção e serviços e b) do outro lado os
demais indivíduos que têm somente o trabalho a ser utilizado e apropria-
do por essas realidades intersubjetivas para a realização de sua ativi-
dade econômica. A exploração dos segundos pelos primeiros continua a
mesma. (OITAVEN; CARELLI; CASAGRANDE. 2018).

Fala-se também em subordinação reticular (CHAVES JÚ-


NIOR, 2019), que seria aquela ocorrida em rede, a qual o controle

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parece inexistente, pois está dissipado, exatamente como ocorre no


caso em análise. O trabalhador aqui é avaliado de forma coletiva
por todos os usuários que usufruíram do seu serviço. Percebe-se que
há, concomitantemente, a subordinação em sua aferição clássica, por
meio da disciplina e, em seu aspecto reticular, por meio do controle.
Ambos, sumariamente contemplados pela legislação trabalhista bra-
sileira, por meio do parágrafo único do art. 6º, que define:

Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervi-


são se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais
e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio (CLT, art.
6°, parágrafo único).

Dessa forma, percebe-se que a suposta relação de empreen-


dedorismo desempenhada pelos “motoristas parceiros” e a Uber, na
realidade é uma relação de emprego, com todos os elementos neces-
sários para a sua configuração evidentemente presentes. Outrossim,
tal relação está devidamente contemplada pela legislação nacional e
de diversos outros países8, inclusive com as novas nuances trazidas
pela tecnologia. O que se faz necessário no momento atual é retirar
as vendas que o marketing colocou nos olhos da sociedade, para

8
SACRAMENTO, J. Califórnia aprova lei que obriga empresas como Uber a
reconhecer vínculo empregatício de motoristas. O Globo. Disponível em: https://
oglobo.globo.com/economia/california-aprova-lei-que-obriga-empresas-como-u-
ber-reconhecer-vinculo-empregaticio-de-motoristas-23940788. Acesso em: 11
set. 2019.
PINHEIRO, C. Justiça da Inglaterra reconhece vínculo trabalhista de motoristas
da Uber. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-out-31/justica-
-inglaterra-reconhece-vinculo-motoristas-uber. Acesso em: 11 set. 2019.
GOZZER, S. Trabajo dice que los chóferes de Uber son empleados de la fir-
ma. El país. Disponível em: https://elpais.com/economia/2015/06/12/actuali-
dad/1434135569_865496.html. Acesso em: 11 set. 2019.

Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 134-156, Jan./jun. 2020 147
que a reflexão saia do raso e contemple os aspectos reais e mais
profundos dessa conjuntura, que se impõe cada vez mais na atualida-
de, acarretando severos danos aos trabalhadores e influenciando em
questões que envolvem toda a coletividade.

2. A questão social por trás da uberização

A questão social diz respeito ao conjunto das expressões das


desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista. É uma
decorrência inevitável no processo de emergência do operário que
depende da venda de sua força de trabalho como meio para a suprir
suas necessidades vitais, em outras palavras, é uma das consequ-
ências diretas das relações de trabalho em um sistema econômico
baseado na propriedade privada dos meios de produção e que tem
como principais objetivos o lucro e a acumulação de riqueza.
Enquanto parte constitutiva das relações sociais no sistema
capitalista, a questão social é apreendida como expressão ampliada
das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças
produtivas do trabalho social. Pela perspectiva sociológica, significa
uma disfunção ou ameaça à ordem e à coesão social (IAMAMOTO,
2000). Sua gênese remonta o processo de pauperização da coletivi-
dade, aguçado no século XIX na Inglaterra durante a primeira eta-
pa do processo de urbanização e industrialização (PAULO NETO,
2000), mas que se projetou no tempo e no espaço, atravessou gera-
ções e reconfigurou-se, adquirindo uma nova expressão em meio à
Revolução 4.0.
O sistema de trabalho Uber contém, de forma dissimulada, os
cinco elementos necessários à configuração do vínculo empregatício à

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luz das normas trabalhistas nacionais. O trabalho prestado por pessoa


física de forma personalista, a prática da remuneração, a não eventu-
alidade e a existência de subordinação são uma realidade no dia-a-dia
dos operários de transporte por aplicativos. Não obstante, o vínculo
empregatício se dilui em meio às novidades tecnológicas que acabam
escondendo a tradicional - mas repaginada - relação clássica de traba-
lho. A não inserção no sistema regular de trabalho proporcionada pela
CLT, infelizmente, exclui o trabalhador de seus direitos e garantias
fundamentais, em especial quanto aos direitos da seguridade social. A
questão social é, assim, agravada justamente em razão do desamparo
a que fica sujeito o motorista do Uber, convertendo-se em uma verda-
deira disfunção e ameaça à ordem e à coesão social.
A uberização, expressão utilizada aqui para representar to-
das essas relações de trabalho decorrentes da chamada economia do
compartilhamento, é identificada como elemento intensificador da
questão social. As normas da CLT que regulam as relações de traba-
lho no Brasil representam uma forma de assegurar o equilíbrio mí-
nimo na relação entre aquele que presta serviços e o seu tomador. O
Estado, por meio das normas materiais e processuais intervém para
equalizar o trato existente entre patrão e empregado. As relações de
trabalho que ocorrem à revelia do Estado são propensas a apresentar
desvios que comprometem o ideal de justiça fundamental para o de-
senvolvimento de uma sociedade livre. A regularidade nas relações
de trabalho significa um custo adicional às empresas, que, por outro
lado, também espelha a lisura com que a entidade administra os seus
deveres e a dignidade com que trata os seus trabalhadores.
Há outras importantes razões para o cumprimento das nor-
mas trabalhistas. No plano externo, a concorrência leal entre os mer-

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cados em diferentes nações é realizada pela tentativa da Organização
Internacional do Trabalho em definir patamares mínimos nas rela-
ções de trabalho em todos os seus signatários, evitando que uma
nação produza bens e serviços a preços menores à custa de condi-
ções ultrajantes de trabalho. No plano interno dos países, caso não
haja a imposição de padrões e normas mínimas de trabalho, empresa
alguma poderá participar de forma justa da livre concorrência que
caracteriza as democracias. Finalmente, na perspectiva individual do
trabalhador, o Direito do Trabalho impede que as pessoas concorram
entre si em uma disputa destrutiva e nivelada por parâmetros labo-
rais indignos (OITAVEN; CARELLI; CASAGRANDE. 2018). A
imperatividade das normas trabalhistas representa, assim, um signo
do desenvolvimento civilizatório de uma nação, conquistado através
de séculos de avanço no campo das lutas sociais.
Os modelos de negócio e as estratégias empresariais se rein-
ventaram, os paradigmas se atualizam constantemente, e por essa
razão a discussão sobre a economia compartilhada dos dias atuais
é relevante. O capitalismo funciona em ciclos de renovação de sua
base operacional, no entanto, a sua essência mantém-se intacta. Nes-
se sentido, pode-se dizer que:

[...] a cada novo estágio de seu desenvolvimento, ela (dinâmica societá-


ria) instaura expressões sócio-humanas diferenciadas e mais complexas,
correspondentes à intensificação da exploração que é a sua razão de ser
(PAULO NETO, 2000).

Apresenta-se, nos últimos anos, ao mundo, essa nova dinâ-


mica, que altera, por meio da tecnologia a dinâmica laboral, mas
não se desconecta da pedra angular do capitalismo, a exploração do

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trabalho. É o que se observa na uberização. Esse protótipo, a fim


de maquiar a relação de expropriação do trabalho alheio, tem como
objetivo simular uma relação de empreendedorismo entre os envol-
vidos, conforme se vê:

Permanentemente são postos em prática procedimentos empresariais e/ou


políticos para bloquear as emergências das tensões geradas por essas con-
tradições [...] Também o estímulo ao empreendedorismo, como apagamento
jurídico fictício da relação real de subordinação do trabalho ao capital, que
se apresenta como igualdade entre ... capitalistas, sendo um deles mero ‘pro-
prietário” de sua própria força de trabalho (FONTES, 2017. P. 50).

A reflexão exigida no momento é que essa tendência de de-


finir as relações de trabalho como relações entre empreendedores,
como se uma das partes tivesse mais do que a sua própria força de
trabalho a oferecer, é que há um esvaziamento da realidade, que tem
como consequência a mitigação de direitos sociais, cujo objetivo é
o rompimento, ainda que incipiente, do domínio da relação capital e
trabalho. Por meio deles é que se exige do Estado uma interferência
nessa vinculação, a fim de reconhecer e legalizar todos os direitos e
deveres dos sujeitos envolvidos (IAMAMOTO, 2000).

Considerações finais

Por todo o exposto, percebe-se que a relação existente e, in-


sistentemente maquiada pela Uber como de “colaboração” e “par-
ceria”, constitui-se em uma relação de emprego, com a presença de
todos os requisitos exigidos pela CLT. As empresas utilizam-se des-
sa máscara do compartilhamento, vendendo à população uma série
de novidades na prestação de determinado serviço, quando o que

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ocorre, na verdade, nada mais é o do que o tradicional trabalho sendo
desempenhado de forma debilitada, por meio de relações líquidas,
que podem se desfazer a qualquer momento.
A sua caracterização indevida como empreendedorismo acar-
reta na intensificação da questão social e funciona como um círculo
vicioso, isto é, causa e consequência do processo de uberização. Os
indivíduos se submetam a relações precárias de trabalho pela neces-
sidade de subsistência, e essa mesma relação, por sua vez, funciona
como um forte elemento impulsionador da desigualdade social, ine-
rente ao sistema capitalista de produção.
O Direito do Trabalho, nesse contexto, atua no sentido de as-
segurar um piso mínimo de dignidade aos trabalhadores, bem como
garantir a manutenção do status quo. A reflexão incipiente da sua
utilidade enquanto norma regulamentadora dessas relações faz com
que o senso comum enxergue o seu cumprimento como um excesso
de proteção à parte vulnerável, o trabalhador, o que gera uma sé-
rie de encargos que inviabiliza os negócios comerciais. No entanto,
esquece-se que o sistema capitalista de produção é intrinsicamente
dependente do consumo da população e, para que ocorra, é necessá-
ria a aferição de uma remuneração.
O capitalista, em seu afã por redução de custo, para angariar
o maior lucro possível, esquece-se que sem a figura de um trabalha-
dor com direitos mínimos tutelados, não haverá a força motriz capaz
de fazer a engrenagem do sistema funcionar. Portanto, as regulamen-
tações trabalhistas servem, em última análise, ao próprio capitalista,
assim como ao Estado.
Portanto, vê-se como necessário, portanto, que a Uber aja de
acordo com a sua imagem veiculada, ou seja, constitua-se apenas

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A UBERIZAÇÃO COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA QUESTÃO SOCIAL

em um aplicativo de intermediação, alterando seu modo de atuação,


ou, em continuação à atual forma de desempenho no mercado, re-
conheça que o que ocorre está longe de ser uma economia de com-
partilhamento, admitindo a existência de relações de emprego entre
os condutores e os aplicativos. Dessa forma, atuaria de forma reta
dentro do que se estabelece como livre concorrência, garantindo aos
trabalhadores seus direitos basilares.

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