2020 - 9755-34823-1-PB
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Mato Grosso. Membro do Projeto de Pesquisa “O meio ambiente do trabalho
como componente do trabalho decente”. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6934-4536
LATTES: http://lattes.cnpq.br/3745350048242717
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Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-
nas da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9206-608X
LATTES: http://lattes.cnpq.br/9076534009116586
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal
de Mato Grosso. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8910-4046
LATTES: http://lattes.cnpq.br/5563288989072266
Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 134-156, Jan./jun. 2020 134
A UBERIZAÇÃO COMO FORMA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA QUESTÃO SOCIAL
Introdução
Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 134-156, Jan./jun. 2020 135
senta notáveis repercussões diz respeito ao cotidiano das relações de
trabalho, que transformaram a forma de execução das atividades, sua
duração, jornada, o modo de remuneração, a subordinação, dentre
outros pontos.
Um fator de intenso destaque na atualidade é a chamada eco-
nomia compartilhada, que aproveita a facilidade de conexão trazida
pela internet como forma de revolucionar os modelos preexistentes
de prestação de serviço. Inúmeras são as empresas que adotam essa
perspectiva, a título de exemplo pode-se citar a Uber, Airbnb, eBay,
Mercado Livre, 99 Pop, dentre outras. A economia compartilhada,
também chamada de consumo colaborativo, apresenta-se sob dois
aspectos. O primeiro refere-se a oferecer ao mercado uma forma sim-
plificada de acesso a bens ou serviços. Nela, um indivíduo comum
pode ofertar o que tem ao seu dispor, como seu carro, um cômodo
de sua casa ou até mesmo o seu trabalho, à outra pessoa, sem que,
necessariamente, haja uma venda ou uma aquisição (BOSTMAN;
ROGERS, 2011). Dessa forma, assume uma roupagem de consumo
consciente, de reaproveitamento de bens, partindo do pressuposto
de que o meio ambiente não terá recursos naturais suficientes para a
manutenção do modo de vida que a humanidade possui atualmente.
Quanto ao segundo aspecto, umbilicalmente ligado ao pri-
meiro, concerne ao uso massivo de tecnologia da comunicação. Par-
cela dessa modalidade de economia faz uso da chamada conexão
peer to peer (P2P), que consiste em conectar um prestador de ser-
viços ou alguém que deseja fazer a comercialização de determina-
do item, diretamente ao seu consumidor final. Uma plataforma, um
aplicativo ou um site, faz a ligação imediata e linear entre esses dois
pontos da relação: quem precisa de um certo bem ou serviço, e de
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Tradução livre: many boosters have overlooked the reality that this new business
model is largely based on evading regulations and breaking the law.
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As relações de trabalho, nesse novo contexto, apresentam-
-se como um dos pontos mais controversos e se constitui no objeto
central da presente pesquisa. No caso da empresa Uber, por exem-
plo, o fato de a prestação do serviço ser realizada por meio de um
aplicativo sugere aos seus usuários, aos motoristas e à população
a ideia de que aquela relação é uma atividade autônoma. Esse sis-
tema, que supostamente apenas interliga passageiros e condutores
transmite o conceito de que o motorista conduz sua própria ativi-
dade, por meios próprios, estabelecendo sua jornada de trabalho e
possuindo, então, total liberdade para gerir seu “negócio” como se
fosse um verdadeiro empreendedor.
Todavia, esta visão é deturpada, desprovida de verdade, e
não por mera inocência dos indivíduos envolvidos, mas sim porque
a intenção é exatamente que a relação de trabalho existente passe
despercebida, a ponto de nem mesmo o motorista conseguir se reco-
nhecer como um empregado.
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CLT. Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a presta-
ção pessoal de serviço. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que
prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste
e mediante salário.
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ou entre uma pessoa jurídica e uma pessoa física (tomador do ser-
viço) são, em regra, regulamentadas pelo direito civil ou direito
do consumidor, ou qualquer outro ramo do direito, mas não pelo
direito do trabalho.
Nesse sentido, o direito do trabalho considera que a figura
do empregado deve ser desempenhada apenas por pessoa natural,
tendo em vista que os bens jurídicos protegidos por esse ramo, como
saúde, bem-estar, lazer, entre outros, não podem ser usufruídos por
pessoa jurídica. É por essa razão que frequentemente ocorre um fe-
nômeno denominado pela doutrina de “pejotização”, que consiste
em compelir o trabalhador a abrir uma empresa a fim de descarac-
terizar esta condição (PEREIRA, 2013). O “motorista colaborador”,
na relação examinada, é uma pessoa física, que realiza seu cadastro
na plataforma com seus documentos pessoais, logo, o primeiro re-
quisito está devidamente presente.
O segundo pressuposto expresso da relação em comento diz
respeito à pessoalidade do serviço prestado. Isso significa que o con-
trato de trabalho tem natureza intuito personae quanto à figura do
empregado. Dessa forma, o trabalhador não pode ser substituído,
tendo em vista o caráter personalíssimo de sua obrigação, ou seja,
em uma situação na qual se vê a substituição constante da figura do
empregado, não há uma relação de emprego, mas sim outro ajuste
qualquer, por ausência desse segundo requisito (MARTINEZ, 2011).
Na relação existente entre a Uber e o “motorista parceiro”
também se encontra presente este requisito, uma vez que o cadas-
tro realizado pelo indivíduo é pessoal, sendo necessário a utilização
de uma senha intransferível para o acesso ao aplicativo. Ademais,
o passageiro, quando solicita uma corrida, recebe uma foto do mo-
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um empregador, enquanto que o trabalhador eventual possui vários
tomadores de serviços, não se vinculando a nenhum deles. Esse con-
ceito, no entanto, não pode ser confundido com a ideia de exclusi-
vidade, característica não exigida pela CLT para a configuração do
vínculo de emprego. Dessa forma, um empregado pode laborar para
vários empregadores sem que isso seja um fator impeditivo à sua
relação de emprego.
Há, assim, três vertentes que devem ser observadas quanto a
não eventualidade: habitualidade na prestação do serviço, a função
integrada à atividade fim do empregador e, por fim, a existência de
uma fixação jurídica entre o empregado e o tomador de serviços.
Na Uber, o caráter não eventual dos serviços prestados é um
dos pontos de maior dificuldade probatória. Inicialmente, porque um
dos focos de atenção dispendidos pela empresa é justamente fazer
com que todos acreditem, inclusive seus “motoristas parceiros”, que
eles podem trabalhar quando quiserem, fazer sua própria jornada, diri-
gir em suas horas livres e ganhar um dinheiro extra. Este é exatamen-
te o slogan utilizado pela empresa para atrair motoristas. No entanto,
percebe-se por meio de depoimentos de empregados formalmente re-
conhecidos e de “motoristas parceiros” da Uber, coletados em audi-
ências trabalhistas (BRASIL, 2017) que a empresa exige frequência
do motorista no uso do aplicativo, e caso este fique muito tempo sem
acessá-lo, ou sem aceitar corridas, pode sofrer sanções como suspen-
são ou desligamento definitivo da plataforma. A empresa, inclusive,
encaminha aos seus “parceiros” inúmeros e-mails e SMS informando
o quanto eles estão deixando de ganhar com o aplicativo off-line e
até mesmo as possíveis sanções que poderão sofrer, tornado claro que
o motorista não possui a liberdade propagada. De fato, ele não pode
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dirigir apenas quando quer, pois se exige sua presença constante à pla-
taforma, conforme se extrai da Reclamação Trabalhista analisada.
Quanto à segunda vertente da não eventualidade, que pre-
coniza que esta é aspecto relacionado à área fim de uma empresa,
a Uber afirma, em todos os seus meios de comunicação, ser uma
empresa exclusivamente de tecnologia, a qual o “motorista parcei-
ro” a paga para que possa utilizar o aplicativo de seu domínio, para
conectá-lo com passageiros (UBER NEWSROOM, 2019).
Contudo, mais uma vez, essa informação é falaciosa. Inicial-
mente, cumpre salientar que ser detentora de determinada tecnolo-
gia não exclui a possibilidade de a empresa estar também inserida
no mercado de transportes. O aplicativo aqui se constitui como um
meio de operacionalização da atividade, tal como o veículo utilizado
pelo motorista. Ademais, se o seu fim fosse realmente apenas for-
necer a plataforma de conexão entre passageiros e motoristas, não
haveria porque cobrar um percentual em cima do valor de cada cor-
rida realizada pelo motorista, valor este, inclusive, calculado única e
exclusivamente pela Uber.
Se o motorista pagasse a Uber apenas pela utilização do apli-
cativo, como a empresa alega ser o caso, este valor deveria ser uma
parcela fixa, como uma mensalidade e que em nada dependeria do
número de corridas ou distâncias percorridas pelo motorista. Outro
ponto que merece reflexão é o fato da empresa realizar intensos in-
vestimentos na área de veículos autoguiados, como se observa em
inúmeras reportagens veiculadas na imprensa6. Como sustentar a
6
PRESSE, F. Uber lança serviços de carro sem motorista nos Estados Unidos. G1.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/09/uber-lanca-servi-
co-de-carros-sem-motorista-nos-estados-unidos.html. Acesso em: 11 set. 2019.
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tese de ser apenas um serviço de tecnologia, desenvolvido para inter-
ligar motoristas e passageiros, sendo que a previsão é de que daqui
alguns anos não haverá mais motoristas?
O terceiro ponto de análise é quanto à fixação do funcionário
ao empregador, que evidentemente ocorre no momento da efetiva-
ção do cadastro do motorista, bem como na ocasião de sua apresen-
tação como um indivíduo que representa ali, no ato da prestação do
serviço, a empresa Uber.
A onerosidade, por sua vez, figura-se aqui como o quarto ele-
mento necessário. Esse requisito significa, em seu aspecto objetivo,
que o trabalho desempenhado é remunerado, há uma contrapresta-
ção paga pelo empregador ao prestador do serviço. Quanto ao as-
pecto subjetivo, refere-se o animus contrahendi da relação, ou seja,
o trabalhador realiza suas funções porque sua intenção ali é receber
uma contraprestação em forma de remuneração.
A Uber, fundamentando-se no argumento de que é uma em-
presa de tecnologia, afirma que não há remuneração da parte dela
para com o motorista, e sim relação inversa, o motorista paga a em-
presa, como em uma espécie de licença, para que use a platafor-
ma. Essa tese não representa a verdade dos fatos. A empresa possui
domínio do sistema remuneratório, recebendo o valor das corridas
realizadas pelos passageiros, para depois repassar ao motorista o que
aqui se pode tranquilamente chamar de salário.
Ademais, a empresa operava, por diversas vezes, com estí-
mulos financeiros aos motoristas para que eles dirigissem ou ficas-
CANO, R. J. Carro sem motorista da Uber provoca acidente fatal. El país. Disponível
em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/19/tecnologia/1521479089_032894.
html. Acesso em: 11. set. 2019.
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Depoimento do Sr. Saadi Alves de Aquino, ex-coordenador de operações da ré,
nos autos do Inquérito Civil 001417.2016.01.000/6 do Ministério Público do Tra-
balho:“ (...) próximo ao carnaval, por exemplo, o motorista ativado que com-
pletasse 50 viagens em 3 meses ganharia R$1.000,00, que no dia do protesto do
taxista, no início de 2016, a empresa investigada já sabia que faltariam motoristas
na cidade, então programou uma promoção especial para o motorista que con-
siste em cumprir alguns requisitos, por exemplo, ficar online 8 ou mais horas,
completar 10 ou mais viagens e ter uma média de nota acima de 4,7, e então o
motorista ganharia 50% a mais em todas as viagens completadas nesse período
e nesse padrão”.
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torista parece inequívoca e enquadra-se sob sua acepção clássica,
porém se reconfigura nos moldes delineados pela tecnologia. Não
se vê mais a figura de um chefe, pessoa humana, delimitando jorna-
da, fiscalizando o modo de execução de sua atividade, o horário de
entrada e saída, cobrando produtividade. Agora, toda essa dinâmi-
ca envolve comandos desenvolvidos por sistemas computacionais
e algoritmos que determinam quais corridas executar, os passagei-
ros a serem atendidos e as rotas que serão seguidas. Algoritmos
definem todo o modus operandi do trabalho desempenhado. Nesse
sentido, afirma-se que:
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SACRAMENTO, J. Califórnia aprova lei que obriga empresas como Uber a
reconhecer vínculo empregatício de motoristas. O Globo. Disponível em: https://
oglobo.globo.com/economia/california-aprova-lei-que-obriga-empresas-como-u-
ber-reconhecer-vinculo-empregaticio-de-motoristas-23940788. Acesso em: 11
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PINHEIRO, C. Justiça da Inglaterra reconhece vínculo trabalhista de motoristas
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GOZZER, S. Trabajo dice que los chóferes de Uber son empleados de la fir-
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que a reflexão saia do raso e contemple os aspectos reais e mais
profundos dessa conjuntura, que se impõe cada vez mais na atualida-
de, acarretando severos danos aos trabalhadores e influenciando em
questões que envolvem toda a coletividade.
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cados em diferentes nações é realizada pela tentativa da Organização
Internacional do Trabalho em definir patamares mínimos nas rela-
ções de trabalho em todos os seus signatários, evitando que uma
nação produza bens e serviços a preços menores à custa de condi-
ções ultrajantes de trabalho. No plano interno dos países, caso não
haja a imposição de padrões e normas mínimas de trabalho, empresa
alguma poderá participar de forma justa da livre concorrência que
caracteriza as democracias. Finalmente, na perspectiva individual do
trabalhador, o Direito do Trabalho impede que as pessoas concorram
entre si em uma disputa destrutiva e nivelada por parâmetros labo-
rais indignos (OITAVEN; CARELLI; CASAGRANDE. 2018). A
imperatividade das normas trabalhistas representa, assim, um signo
do desenvolvimento civilizatório de uma nação, conquistado através
de séculos de avanço no campo das lutas sociais.
Os modelos de negócio e as estratégias empresariais se rein-
ventaram, os paradigmas se atualizam constantemente, e por essa
razão a discussão sobre a economia compartilhada dos dias atuais
é relevante. O capitalismo funciona em ciclos de renovação de sua
base operacional, no entanto, a sua essência mantém-se intacta. Nes-
se sentido, pode-se dizer que:
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Considerações finais
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ocorre, na verdade, nada mais é o do que o tradicional trabalho sendo
desempenhado de forma debilitada, por meio de relações líquidas,
que podem se desfazer a qualquer momento.
A sua caracterização indevida como empreendedorismo acar-
reta na intensificação da questão social e funciona como um círculo
vicioso, isto é, causa e consequência do processo de uberização. Os
indivíduos se submetam a relações precárias de trabalho pela neces-
sidade de subsistência, e essa mesma relação, por sua vez, funciona
como um forte elemento impulsionador da desigualdade social, ine-
rente ao sistema capitalista de produção.
O Direito do Trabalho, nesse contexto, atua no sentido de as-
segurar um piso mínimo de dignidade aos trabalhadores, bem como
garantir a manutenção do status quo. A reflexão incipiente da sua
utilidade enquanto norma regulamentadora dessas relações faz com
que o senso comum enxergue o seu cumprimento como um excesso
de proteção à parte vulnerável, o trabalhador, o que gera uma sé-
rie de encargos que inviabiliza os negócios comerciais. No entanto,
esquece-se que o sistema capitalista de produção é intrinsicamente
dependente do consumo da população e, para que ocorra, é necessá-
ria a aferição de uma remuneração.
O capitalista, em seu afã por redução de custo, para angariar
o maior lucro possível, esquece-se que sem a figura de um trabalha-
dor com direitos mínimos tutelados, não haverá a força motriz capaz
de fazer a engrenagem do sistema funcionar. Portanto, as regulamen-
tações trabalhistas servem, em última análise, ao próprio capitalista,
assim como ao Estado.
Portanto, vê-se como necessário, portanto, que a Uber aja de
acordo com a sua imagem veiculada, ou seja, constitua-se apenas
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Referências Bibliográficas
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______. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. 33ª Vara
do Trabalho de Belo Horizonte. Sentença processo nº 0011359-
34.2016.5.03.0112. Reclamante: Rodrigo Leonardo Silva Ferreira”.
Reclamado: Uber Brasil Tecnologia LTDA. Juiz Márcio Toledo
Gonçalves. Belo Horizonte, MG, 13 de fevereiro de 2017. DJE.
Belo Horizonte, 13 fev. 2017.
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SACRAMENTO, J. Califórnia aprova lei que obriga empresas
como Uber a reconhecer vínculo empregatício de motoristas. O
Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/califor-
nia-aprova-lei-que-obriga-empresas-como-uber-reconhecer-vincu-
lo-empregaticio-de-motoristas-23940788. Acesso em: 11 set. 2019.
Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 134-156, Jan./jun. 2020 156