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Democracia Ateniense: O Debate em Praça
Pública
Consideremos primeiramente o contexto histórico em que
surgiu o pensamento clássico grego. Este coincidiu com o apogeu político, econômico e cultural das cidades gregas, produzindo entre os séculos VI e IV a.C. (período clássico da história da Grécia Antiga), especialmente de Atenas e de sua democracia. Até meados do século VIII a.C., Atenas havia vivido sob o regime monárquico, mas o poder do rei foi passando aos poucos para as mãos dos arcontes, representantes da aristocracia ateniense (os eupátridas), que comandavam o governo da cidade. Entre os séculos VII e VI a.C., diversas reformas – promovidas sucessivamente por Drácon, Sólon e Clístenes – foram criando uma nova forma de governar, que se guiava basicamente pelo princípio da isonomia, isto é, de que todos os cidadãos têm o mesmo direito perante as leis. Nascia, assim, a democracia ateniense. A partir do século V a.C., sob a liderança de Péricles (499-429 a.C.), essas reformas políticas aprofundaram-se e Atenas atingiu grande esplendor, tanto no campo econômico como cultural. Nessa cidade viveu – ou por ela passou – boa parte dos mais destacados artistas e intelectuais da época, vindos de diversas partes do mundo grego: dramaturgos, arquitetos, escultores, historiadores e filósofos, entre outros. É preciso ressaltar, no entanto, que há várias diferenças entre as democracias atuais e a antiga democracia ateniense. Apenas uma pequena parte da população masculina adulta era reconhecida como cidadão em Atenas. Além disso, tratava-se de uma sociedade escravista – escravos, mulheres e jovens menores de 21 anos não tinham direitos políticos. Nem mesmo os estrangeiros (os metecos, pessoas não nascidas em Atenas), que residiam em grande número na cidade, podiam participar da vida democrática. Por outro lado, apesar dessas limitações, a democracia ateniense era uma democracia direta, isto é, cada cidadão tinha não apenas direito ao voto, mas também à palavra. As discussões se davam na chama ágora, principal praça pública da cidade, onde todos os cidadãos se reuniam em assembleia. Desse modo, propiciando a participação de um número maior de habitantes na discussão sobre temas práticos e públicos, a instituição democrática ateniense favoreceu também o desenvolvimento de uma cultura que valorizava o uso da palavra e da razão. As habilidades argumentativas e dialéticas dos cidadãos tornaram-se um bem cada vez mais apreciado. Fundamentos de Filosofia,
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Democracia e Filosofia
Na Grécia, entre os séculos VIII e V a.C., empreende-se a
busca pela construção de uma sociedade justa e de um pensamento racional, livre de preconceitos. Dessa procura originam-se, de um lado, a democracia e, de outro, a filosofia. A democracia grega, principalmente a de Atenas, é o resultado de lutas sucessivas. Primeiro, entre os ricos comerciantes sem acesso ao poder e a aristocracia hereditária, que o monopolizava; em seguida, entre essas duas camadas, que já compartilham o poder, e as classes mais pobres. A democracia representa um frágil e tenso equilíbrio entre as várias camadas sociais. E, apesar das divergências que as separam, adquirem todas o direito de participação política. Diante da democracia, a filosofia mantém uma postura nem sempre favorável, mesmo porque na Grécia o pensamento alcança um grau maior de elaboração quando esse regime já havia entrado em decadência. A despeito disso, uma e outra têm raízes comuns: as condições históricas do mundo grego. A sociedade grega, ao contrário de outras civilizações de seu tempo, desconhece castas sacerdotais que tenham o monopólio dos livros sagrados e da verdade revelada. Tampouco a escrita é segredo de governantes e escribas. Ao contrário, é de domínio comum, e isso possibilita a ampla difusão e a discussão de ideias. O livre desenvolvimento do pensamento também é facilitado pela ausência, quer na religião olímpica quer nas crenças mais místicas, de uma teologia elaborada que forneça explicações coerentes do mundo. Os deuses gregos, ao contrário, têm características humanas e muito pouco servem de inspiração para um pensamento mais elaborado. De uma perspectiva política, uma religião tão frágil em fundamentos é ineficiente como instrumento de poder. Dessa maneira, já no período homérico, a ideia de rei divino desaparece, cedendo espaço para que a política e o governo se tornem cada vez mais um assunto e uma atividade essencialmente humanos. (O homem seria definido, mais tarde, por Aristóteles, como zoón politikón, isto é, animal político). A reduzida dimensão das unidades políticas do mundo grego contribuiu para o surgimento dessa concepção dessacralizada de política. A Grécia Antiga não é um império cujo domínio se estende a vastas regiões e a diversas comunidades. Ao contrário, cada comunidade é uma cidade-Estado autônoma, com dimensões de um pequeno município. A ideia de que a soberania é da lei – não dos deuses ou de algum rei – constitui o fundamento da democracia grega. Até chegar a ela, os atenienses passaram por vários sistemas de governo. Diante de sérios conflitos entre grupos sociais que disputavam o poder, chegaram mesmo a escolher tiranos (que então significavam “árbitros”) para servir de mediadores dos diversos interesses, encarnando a autoridade da lei. Por fim, na democracia, a lei tornou- se impessoal, obra coletiva, resultado da decisão tomada por todos, reunidos em assembleia pública. Mas bem entendido: todos menos mulheres, crianças, estrangeiros e escravos – aos quais era negado o direito à cidadania. Essa organização política, até então inédita, possibilitou o desenvolvimento, em um modo sistemático de pensamento, de concepções difusas, presentes na cultura helênica desde os tempos de Homero e de Hesíodo. O governo da cidade como esforço coletivo e exclusivo dos cidadãos é a tradução política da ideia de que os deuses abandonaram os homens. E a fatalidade, superior aos deuses, tem seu equivalente na visão democrática de que a lei está acima dos indivíduos. Nesse ambiente iria desenvolver-se a filosofia, um modo de pensar que busca uma lei universal, acima de todas as coisas, e que as explique sem recorrer a forças místicas e divinas. História da Filosofia, - Os Pensadores – Pág. 21/22/23