Mestre Capistrano

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Boletim Historiar - ISSN 2357-9145

A prática historiadora de Mestre Capistrano: a renovação temática e metodológica no


ambiente dos Institutos Históricos

Antonio Carlos Figueiredo CostaI

RESUMO: Este artigo é de natureza biobliográfica e procura descortinar com base em fontes
primárias e secundárias, a trajetória do historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853-
1927), conhecido carinhosamente pela alcunha de ‘Mestre Capistrano’. Capistrano de Abreu
foi um divulgador e defensor de primeira hora no Brasil do método de trabalho histórico
conhecido por método rankeano. Um dos objetivos desse trabalho reside portanto em
demonstrar a forma pela qual Capistrano de Abreu atuou nos bastidores para renovar não
somente nos aspectos metodológicos, mas também em premissas temáticas os estudos
historiográficos no Brasil, não somente por intermédio de estudos da sua própria lavra, mas
também mediante o incentivo aos cultores de Clio em vários Institutos Históricos onde esteve
presente, no sentido de adotar as metodologias adequadas ao trabalho do historiador.

Palavras-chave: Capistrano de Abreu; Institutos Históricos; Método Rankeano; Renovação


Temática.

The practical historian of Mestre Capistrano: the thematic and methodological renewal
in the environment of the Historical Institutes

ABSTRACT: This article is of a biobliographic nature and seeks to discover, based on


primary and secondary sources, the trajectory of the historian of. Capricorn João Capistrano
de Abreu (1853-1927), known affectionately by the nickname of 'Mestre Capistrano'.
Capistrano de Abreu was an early advocate and advocate in Brazil of the method of historical
work known by the rankean method. One of the objectives of this work is therefore to
demonstrate how Capistrano de Abreu worked behind the scenes to renew not only the
methodological aspects, but also on thematic premises, the historiographic studies in Brazil,
not only through studies of his own work, but also by encouraging the cultivators of Clio in
several Historical Institutes where he was present, in order to adopt the methodologies
appropriate to the work of the historian.

Keywords: Capistrano de Abreu; Historical Institutes; Rankeano method; Thematic Renewal.

Artigo recebido em 28/03/2018 e aceito em 23/06/2018.

Boletim Historiar, n. 23, abr./jun. 2018, p. 03-20 | http://seer.ufs.br/index.php/historiar


A PRÁTICA HISTORIADORA DE MESTRE CAPISTRANO: A RENOVAÇÃO TEMÁTICA E
METODOLÓGICA NO AMBIENTE DOS INSTITUTOS HISTÓRICOS

ANTONIO CARLOS FIGUEIREDO COSTA

1. Introdução
Fundado no ano de 1838 no Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) logo tomou para si, desde os primeiros tempos da sua criação, a tarefa de
organizar as chamadas letras históricas no Brasil, uma jovem nação que há pouco ficara
independente, com suas províncias nominalmente unidas sob uma idéia de império
monárquico, e que tinha à sua volta uma América de fala espanhola, fracionada políticamente
e sob regime republicano. Instituído sob a inspiração do modelo adotado pelo Institut
Historique de Paris, surgido em 1834, o IHGB no entanto, em parte pela falta de uma
adequada estrutura acadêmica e arquivística, mas também por haver sido agraciado logo em
seus primeiros anos pelo imperador D. Pedro II com fartos subsídios, transformou-se pari
passu em uma instituição que alimentou certas exigências de uma minoria estamental ligada à
elite saquarema, situação que perdurou até a queda do regime monárquico em 1889. Tratava-
se de uma espécie de cultura savante que valorizava as realizações de uma minoria
privilegiada, uma verdadeira legião de varões de Plutarco, identificados pelo nascimento, e
onde se desprezava aquilo que emanava das classes populares, cujas manifestações somente
aceitavam recepcionar, quando muito, enquanto recurso de folclore.
A instauração do regime republicano permitiu que fosse realizada uma substancial
mudança de rumos no IHGB, olhado doravante com suspeição pelos novos donos do poder.
Alguns Estados da Federação resolveram criar seus próprios Institutos Históricos, o que aliás
constava dos planos de trabalho do IHGB desde os primeiros tempos de sua fundação,
cabendo registrar que Pernambuco já contava com o seu Instituto Arqueológico e Geográfico
Pernambucano, fundado em 1862. No entanto, guardadas as proporções em relação ao período
imperial, a elite intelectual republicana percebia que se fazia necessário criar nos Estados da
Federação, entidades autônomas destinadas a realizar a escrita dos tempos pretéritos, onde a
República aparecesse como uma antiga aspiração. Cabia assim, aos historiadores de tais
Institutos Históricos, realizar em suas idas e vindas ao passado, o resgate dessas aspirações, e
com elas, nos desvãos de uma história que supostamente havia sido esquecida no âmbito do
IHGB, a iluminação de um passado mais afeito ao discurso republicano, mobiliado com uma
miríade de novos heróis, mas também de personagens históricos há muito conhecidos, os
quais reavaliados sob um novo crivo conceitual, seriam guindados ao panteão cívico
republicano, por haverem supostamente protagonizado a conquista do território e se levantado
contra a tirania e desmandos da metrópole.
Apesar dos revezes iniciais causados pela instauração da República ao Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, esse sodalício ainda representava em termos institucionais,
nos primeiros anos desse novo regime, o ambiente mais categorizado para as lides de Clio.
Será a partir de um dos seus consócios, que passamos a nos situar nessa espécie de cipoal que
era a produção das letras históricas no Brasil, entre os anos finais do século XIX e as duas
primeiras décadas do século XX. Trata-se de João Capistrano de Abreu, o destacado
historiador que, durante o período que estamos considerando, manteve uma indisputada
primazia no universo dos seus pares.
Capistrano imigrara do Ceará para, conforme costumava dizer, ‘provar sorte’ no Rio
de Janeiro. Diz-se que costumava dedicar-se à leitura por longos períodos – alguns falam em
seis horas no salão da Biblioteca Nacional – e isso, durante as férias. Sua curiosidade
intelectual o fazia estudar desmesuradamente, o que de maneira indubitável, considerada a
ausência de uma formação sistemática, muito o ajudou. Capistrano foi efetivamente um
historiador de ofício, mas não pode contar com uma formação bancária, o que no Brasil da
sua época era mais propriamente a regra que a exceção; em suma, Capistrano não possuía um
diploma universitário. Esse fator não foi porém um impeditivo a que Capistrano de Abreu

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viesse a conquistar posições cobiçadas entre seus pares, bem como a que sobressaísse em
trabalhos acadêmicos, temas nos quais muitos daqueles homens de letras, seus consócios em
Institutos Históricos, jamais ousariam empenhar papel e tinta. Capistrano estudava os
documentos de maneira rigorosa, alcançando as suas minúcias, o que juntamente com a sua
erudição, aliada à capacidade que tinha em condensar e sistematizar, acabou por levá-lo a
caminhos ainda não desbravados. Fazia isso com uma coerência extraordinária, impondo-se
contra idéias há tanto difundidas, para refutá-las e apontar novas hipóteses, às quais passaram
a dar corpo às novas representações sobre o Brasil. O método de trabalho por ele adotado
possibilitou com que contribuísse para renovar em termos temáticos os estudos
historiográficos, pari passu a que ficasse estabelecido definitivamente no Brasil, o método
rankeano.

2. Lendo na rede, mas em alemão...


Diziam à boca pequena que Capistrano de Abreu tinha uma aparência sui generis, no
que teria o costume de se apresentar em aspecto seboso e com roupas amassadas II,
caracterização que lhe foi imputada pelo intempestivo crítico literário Sílvio Romero, ainda
em 1870, atributos negativos que a tradição tratou de associar à personalidade do grande
historiador. Talvez o fato de haver enviuvado precocemente, de apreciar a solidão, vivendo
um pouco recluso, tenha contribuído para isso. Ao menos no aspecto da higiene, a possível
falácia de Romero foi parcialmente desfeita pelo escritor Gilberto Amado III. Conservara da
sua terra natal o hábito de ler na rede – o que fazia também com textos em alemão – mas o
que nos importa é que aprendera o bastante para ler autores como Leopold von Ranke, bem
como outros renomados mestres da historiografia mundial. Capistrano de Abreu fora admitido
como sócio efetivo do IHGB no ano de 1888IV, contudo não assumiria nenhum papel na
gestão institucional do sodalício, ao qual pouco comparecia, sendo no entanto considerado
uma espécie de eminência parda. Dessa forma, em razão da ausência quase virtual de
Capistrano de Abreu nos registros deixados pelos Institutos Históricos, muitos dos quais foi
associado durante sua vida, instituições que eram então o lócus da escrita da História,
acreditamos que uma estratégia producente para a melhoria do nosso entendimento acerca do
papel por ele desempenhado seja cotejar outras experiências institucionais pelas quais passou,
articulando a essas, e tomando por base a leitura dos seus mestres alemães, a evolução
verificada na sua práxis historiadora. Seus muitos comentaristas e biógrafos nos oferecem
alguns valiosos subsídios para que consigamos percorrer esse itinerário intelectual com
relativo sucesso.
Um breve esboço da experiência institucional que entendemos terem presidido os
experimentos intelectuais de Capistrano de Abreu pode ser traçado a partir da contribuição de
alguns dos seus comentaristas, documentadas em um período que abrange seis décadas de
pesquisas sobre o ‘Mestre’. Tratamos aqui do esboço biobliográfico preparado por Hélio
ViannaV e dos estudos apresentados por historiadores como José Honório Rodrigues VI,
Ricardo Benzaquen de AraújoVII, Angela Maria de Castro GomesVIII, Astor Antônio Diehl IX,
José Carlos ReisX, Arno WehlingXI e Francisco José Calazans FalconXII.
Ao estudar a trajetória do seu biografado, Hélio Vianna acreditou que deveriam ser
consideradas seis fases na vida de Capistrano de Abreu. Abordemos as mais relevantes ao
nosso cogito. A primeira dessas fases está compreendida entre 1853, ano de seu nascimento e
1875, data na qual, desistindo de ser bacharel em Direito, resolve tentar a sorte no Rio de
Janeiro. Essa primeira fase diz respeito à sua infância e mocidade, vividas entre o Ceará, sua
terra natal, e Pernambuco, para onde fora em busca de formação intelectual. Desta ficaram

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latentes nos escritos de Capistrano, a influência positivista de teóricos como Taine, Buckle e
Spencer.
Na segunda fase postulada por Hélio Vianna XIII, Capistrano de Abreu já se encontra na
Corte, o Rio de Janeiro, e compreende os anos de 1875 a 1883. Esse período foi percebido por
Vianna como a primeira fase de historiador experimentada por Capistrano. Empregado
inicialmente na Livraria Garnier para logo ser professor de português e francês no então
prestigioso Externato Aquino, Capistrano ingressa no jornalismo, passando a pertencer, a
partir de setembro de 1879, ao corpo editorial da Gazeta de Notícias. Por ocasião do
falecimento de Varnhagen, Capistrano de Abreu publicou, entre os dias 16 a 20 de dezembro
de 1878, no Jornal do Comércio, um recenseamento dos serviços prestados às letras históricas
pelo historiador sorocabano. Teria sido o seu primeiro trabalho de crítica históricaXIV, e
convém não tratá-lo an passant. O repertório desfiado por Capistrano ao iluminar a obra de
Varnhagen, revelou no Visconde de Porto Seguro um historiador resoluto e rigoroso, daqueles
que corrigem erros de copistas, de provas e contraprovas, de inéditos e revelações. Autor que
editava e tornava com isso, as fontes mais próximas aos demais trabalhadores da seara da
história. Do diário de navegação de Martim Afonso, de escritos de Pedro Taques e de Frei
Gaspar da Madre de Deus, da narrativa de Fernão Cardim.
O imenso trabalho que Varnhagen imprimiu para tornar realidade a sua História Geral
do Brasil aparece sob a lavra de Capistrano de Abreu como tocado por um espírito febril, que
estava prestando um serviço à chamada História PátriaXV, como uma espécie de compensação
à ausência desde muito cedo, do torrão natal. As constantes revisões na sua obra máxima – a
História Geral do Brasil – tomaram mais de vinte anos, no que nos revela Capistrano, a
primeira edição havia se esgotado em curto espaço de tempo.
A personalidade do Visconde de Porto Seguro concedeu a Capistrano de Abreu a
chance de mostrar um pouco mais do pranteado historiador. Contudo, Capistrano se apresenta
mais fleugmático que o texto de Joaquim Manuel de Macedo, que conforme é público, fora
realizado sob os parâmetros propostos pelo IHGB. Assim, ficamos sabendo por Capistrano
que a Varnhagen faltava o espírito plástico e simpático – considerado pelo autor do
necrológio como o seu maior defeito – sendo um homem que não tocava sem ferir, matando
moscas a pedradasXVI. Assim, se a História Geral do Brasil mostrava um progresso na maneira
de conceber a História pátria – Varnhagen não escreveu como Gândavo ou Gabriel Soares, o
Brasil não aparece como apêndice de Portugal – seria possível dizer que o autor – considerada
a opinião de Capistrano – havia conseguido colocar-se sob o verdadeiro ponto de vista
nacional.
Apontava ainda Capistrano algumas ressalvas, pois Varnhagen era prevenido contra as
afirmações nacionais que partissem das camadas mais populares. Assim, ele condenava a
Conjuração baiana, rendendo graças à Providência, considerando ainda a Revolução
pernambucana de 1817 como uma grande calamidade. Para Varnhagen – a tomarmos o
julgamento do seu crítico e admirador Capistrano de Abreu – a Conjuração mineira teria sido
uma cabeçada e um conluio. Aliás, para o Visconde de Porto Seguro, conforme nos explica
Capistrano, a própria independência, sem D. Pedro, teria sido ilegal, subversiva, e digna da
forca ou do fuzil. Outra falha apontada por Capistrano, seria o desconhecimento ou desdém de
Varnhagen pelo corpo de doutrinas disseminado por Comte e Herbert Spencer.
A entrada de Capistrano para a Biblioteca Nacional no ano de 1879, em conseqüência
de aprovação em concurso, decidiria definitivamente, segundo Hélio Vianna, a vocação de
historiador de Capistrano de Abreu, que, incentivado por Ramiz Galvão e dominando
conhecimentos em áreas tais como História, Literatura, Filosofia, Geografia, Bibliografia,
Paleografia, Inglês, Francês e Latim, dedicou-se também, com vistas a esse certame, ao

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estudo da Iconografia. Foi aprovado em primeiro lugar, e nomeado a 9 de agosto de 1879 XVII.
Dali a pouco mais de dois anos, a Biblioteca Nacional publicava o Catálogo da Exposição de
História do Brasil, trabalho que encontra-se estampado no volume IX dos seus Anais,
ocupando dois tomos referentes ao ano de 1881.
Nesse empreendimento, Capistrano veio a se revelar um eficiente e talentoso
colaborador. Data desse período uma crescente preferência de Capistrano pelos temas
históricos. José Honório Rodrigues considerou que nessa época, a Biblioteca Nacional servira
a Capistrano de Abreu como uma espécie de “laboratório científico” XVIII, muito servindo para
estimular suas ambições intelectuais. Assim como os estudos na Biblioteca Nacional,
escreveu José Honório Rodrigues, nesse período, “...a leitura constante de Varnhagen e o
convívio continuado dos autores alemães, que agora freqüentava desembaraçadamente,
começavam a produzir seus efeitos” XIX. A biblioteca de Capistrano revelava, segundo José
Honório Rodrigues (1961), a predominância da formação alemã do autor. Nela haviam obras
de Ranke, Mommsen, Meyer, Georg Friederici. Capistrano de Abreu teve como companheiro
nos estudos de alemão, o escritor Machado de Assis. Caberia acrescer da fala de José Honório
Rodrigues que o historiador, não criando como na ficção como fazem os romancistas, acaba
por recriar um mundo realmente vivido, mundo que foi sofrido, aproveitado ou perdido. O
historiador na sua prática, é guiado pelas teorias, que se apresentam variantes, segundo os
interesses presentes. Portanto, seria o documento, “...a única coisa permanente na mudança
contínua. Para acrescentar ao mundo dos fatos mais fatos, a pesquisa e a edição de textos
eram o primeiro caminho que a escola da crítica histórica de Ranke o faria [ a Capistrano de
Abreu] seguir obstinadamente.”XX. Mas conforme observou Francisco José Calazans Falcon
(2011), o abandono da parte de Capistrano das “convicções positivistas, com as quais
aportara ao Rio de Janeiro, deve ser entendido com algumas cautelas e restrições, como um
processo lento e incompleto.”XXI. Pois, de acordo com esse autor, Capistrano continuava a
frequentar, ainda em 1881, aos Domingos, as leituras positivistas dos seus amigos Miguel
Lemos e Teixeira Mendes.
O concurso para o corpo docente do Imperial Colégio de Pedro II, no ano de 1883,
parece marcar definitivamente a trajetória de Capistrano de Abreu como historiador. A
vacância ocorrera em virtude do falecimento de Joaquim Manuel de Macedo. Hélio Vianna
recorreu ao relato do jornalista alemão Carlos Von Koseritz, para quem a tese alinhada por
Capistrano, ‘Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI’ ia muito além
dos horizontes dos seus limitadíssimos examinadores, Moreira de Azevedo e Matoso Maia. A
esses, o examinando superava de longe, o que fazia com que os examinadores com ele se
chocassem, fazendo extraordinárias e por vezes, até tolas objeções à tese do talentoso jovem.
O Imperador, que se encontrava presente, e se irritava a cada demonstração da incapacidade
dos examinadores, deu o sinal para que o exame cessasse. Capistrano bateu-se com linha, mas
brilhara à custa dos seus ignorantes examinadores. Nomeado professor, Capistrano de Abreu
deixava a Biblioteca Nacional, e no mesmo ano editou a sua tese, dedicando-a “Aos
organizadores do Catálogo da Exposição de História e Geografia do Brasil, como prova de
admiração e reconhecimento”. XXII.
Caberia lembrar que a geração à qual pertenceu Capistrano de Abreu, conhecida como
a geração de 1870, estava identificada com as novas doutrinas do Positivismo e do
Evolucionismo. Em alguns autores, é corrente a expressão cientificismo, a qual tenta dar
conta daquilo que seria uma mitificação da ciência, ou seja, da transformação da ciência, de
um método de abordagem, em uma ‘visão de mundo’.
Seria no bojo do cientificismo que começaria um movimento de redefinição do
discurso sobre a sociedade brasileira, tendo doravante na História, o povo como leitmotiv.

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Haviam sido superados o indianismo romântico e a preocupação com o enraizamento do


Estado, diga-se da monarquia. A nação pintada sob as cores de Varnhagen era uma nação
restrita aos portugueses transplantados para a América, bem como para os seus descendentes
mazombos, não havendo espaço nela para os não brancos das selvas e das senzalas. Nação
tutelada pelo Estado, fosse ele português ou o Império americano dos Braganças, surgido a
partir de 1822.
O detalhe da trajetória de Capistrano de Abreu que nos interessa aqui ressaltar é que a
partir de 1880 o historiador já revelava uma certa insatisfação em aderir com dogmatismo e
postura subserviente ao dogmatismo cientificista que aportara ao Brasil nos anos da década de
1870. A realidade é que Capistrano mudara radicalmente a sua concepção de história. Assim
podemos considerar que muito mais que as leituras em alemão, o que sobremaneira teria
influenciado a Capistrano, foi ter colocado em primeiro plano o objeto, dando liberdade a que
esse respondesse às perguntas colocadas. E quais eram os objetos de Capistrano? Ora, o foco
do Mestre passara a ser o aparecimento de um homem singular, o desbravador dos sertões,
surgido a partir do encontro do europeu com os indígenas, enlace ocorrido nas terras tropicais
do Brasil. A questão é que Varnhagen fizera uso da escrita da História para inventar o Estado
e a Nação. Na avaliação de Arno Wehling XXIII, porém, faltava ao Estado-Nação brasileiro o
encontro com o seu povo, e essa foi a tarefa desafio enfrentada pela geração de Capistrano.
Então, como teria sido, no caso de Capistrano de Abreu, a recepção ao historicismo
cientificista? Sua correspondência, escrita em data bem posterior à sua fase cientificista, nos
revela as influências então sofridas, e planos não executados, pelo menos de acordo com o
planejamento original. Em 21 de janeiro de 1914, ele escrevia ao crítico José Veríssimo,
reportando-se a uma época, que entendemos poder localizar a partir de 1874, mas certamente
antes de 1883. Ouçamos Capistrano revolver suas memórias de, “Quando pensei em
consagrar-me a História do Brasil, resultado de uma leitura febricitante de Taine, Buckle e da
viagem de Agassis, feita ainda no Ceará, não me lembro se pretendia abarcar toda a história.”
XXIV
.
Três anos após, Capistrano retomava a memória dessas impressões da juventude, em
carta datada de 19 de março de 1917, ao amigo português, o renomado historiador João Lúcio
de Azevedo,

“Tenho presente a primeira vez em que veio a idéia de escrever a história do


Brasil. Estava no Ceará, na freguesia de Maranguape, com poucos livros,
arredado de todo comércio intelectual. Acabava de ler Buckle no original,
relia mais uma vez Taine, tinha acabado a viagem de Agassiz. Vim depois
para o Rio em 1875; cada ano que passa é uma parede que cai. Aqui no Rio
só fiz duas aquisições: saber do alemão o bastante para lê-lo na rede, sem
estar me levantando a cada instante para recorrer ao dicionário; e através de
Wappoeus, Poschel e Ratzel compreender que a geografia é tão bela ciência
como difícil.” XXV

Seria através da edição e das anotações de João Capistrano de Abreu sobre a


monumental obra de Francisco Adolfo de Varnhagen que julgamos poder encontrar uma
consistente explicação para o desenvolvimento da pesquisa histórica no período que
consideramos. Foi através da revisitação dos escritos de Varnhagen, das leituras dos mestres
alemães como Leopold Von Ranke e de alguns trabalhos tematicamente inovadores, os quais
cita na sua correspondência, que o historiador João Capistrano de Abreu conseguiu ampliar a
sua influência sobre os outros historiadores. Alguns dos resultados mais significativos se

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revelaram de forma palpável a partir do Primeiro Congresso de História Nacional, promovido


pelo IHGB em 1914.
Dessa forma, coube a Capistrano de Abreu, imbricar um monumento da historiografia
– a História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen – com a edição crítica de
textos históricos da época colonial. Afinal, conforme observaram Angélica Madeira e Mariza
Veloso, coube a Capistrano a edição da magistral História do Brasil, de Frei Vicente do
Salvador, dos tratados de Cardim e Gândavo, além da descoberta definitiva do autor de
Cultura e Opulência do Brasil, quando identificou o jesuíta Andreoni a Antonil XXVI . A todos
esses fatores, somemos a imposição do método histórico dito rankeano, que permitiu a
Capistrano prover a entronização daquilo que podemos considerar como o primado do
documento. Ao vulgarizar o método histórico proposto por seus mestres alemães,
Capistrano de Abreu possibilitou aos historiadores congregados à volta dos Institutos
Históricos a abertura de uma janela ao sistema de interpretação histórica de Ranke: a sua idéia
de nação.
Nesse sentido, esclarece Hayden White que o tema da nação desempenha no sistema
de Ranke, não apenas uma idéia – entre tantas – que os homens podem ter dos meios de
organizar a sociedade humana, mas trata-se do,

“...único princípio possível de organizá-las para a realização do ‘progresso


pacífico’. Em resumo, a ‘idéia da nação’ era para Ranke não apenas um dado
mas também um valor; mais, era o princípio em virtude do qual se podia
atribuir a tudo na história uma significação positiva ou negativa”. XXVII.

Pois, acreditando que a ‘idéia’ de nação seria intemporal e eterna, Ranke deixava claro
que “considerava caber ao historiador escrever história de modo a reforçar o princípio de
nacionalidade como única salvaguarda contra o afundamento na barbárie.” XXVIII. Entendemos
que os progressos no campo teórico e metodológico da história obtidos por João Capistrano
de Abreu nas diversas fases pelas quais seus comentaristas nos revelam que ele passou,
podem ajudar a que tenhamos um melhor entendimento sobre as mudanças ocorridas nas
práticas historiográficas entre o último quartel do século XIX e as duas primeiras décadas do
século XX, revelando a cultura historiográficaXXIX daquela época, e oferecendo com isso, uma
espécie de ‘chave de leitura’ para analisarmos algumas contribuições saídas da lavra dos
historiadores daquele período.
Dessa forma, os alicerces teóricos e metodológicos que deverão nos sustentar nas
avaliação da imaginação histórica nas décadas iniciais do século XX passam a ser construídos
mediante o estudo da trajetória do historiador João Capistrano de Abreu, o qual elegemos
como uma espécie de elo de ligação entre uma prática historiográfica que ficara muito
matizada sob os pressupostos varnhagenianos e uma então nova maneira de produção de
textos históricos, que entendemos, de inspiração rankeana, a qual passou a se divisar com a
entronização do primado do documento. Cabe dizer que a imaginação histórica tem por tarefa
especial, “imaginar o passado: não um objeto de possível percepção, uma vez que já não
existe, mas um objeto suscetível de se tornar, através da imaginação histórica, um objeto do
nosso pensamento.” XXX .
Ora, o conceito de imaginação histórica nos coloca face a face com os apetrechos dos
quais se socorre o historiador em seu trabalho de captura dos tempos pretéritos. O seu
gabinete de trabalho podendo ser comparado a um atelier ou oficina, uma imagem que
consideramos de especial significado, por trazer à baila o seu ambiente de trabalho. Qual a
bancada de um artífice, foi no bureau do historiador – que no caso de Capistrano de Abreu
bem poderia ser um rede ou mesmo uma mesa onde documentos antigos e obras raras

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poderiam dividir espaço com prosaicos cachos de bananas – que foram dados os primeiros e
decisivos passos para a instituição do chamado método rankeano na historiografia brasileira,
tornado a partir de então o modus operandi pela qual evoluiu a execução do trabalho
histórico, documental e realista, sob um modelo narrativo. Sob a inspiração inicial de
Capistrano de Abreu seriam introduzidos novos temas e explorados novos mananciais de
fontes históricas.
Assim, foi manejando o método histórico rankeano, que Capistrano de Abreu, seu
fundamentado exercício de imaginação histórica, passou a defender que o europeu, mestiçado
e agora mameluco, veio a tornar-se o brasileiro, doravante o personagem central em sua obra.
A diferenciação então ocorrida com esse homem, poderia ser localizada, segundo Capistrano,
a grosso modo sob dois aspectos. Um deles seria a adaptação ao clima, sendo a outra
proporcionada pelos cruzamentos interétnicos. Ora, entendemos em coro ao sugerido por
Rebeca Gontijo que a cultura histórica é constituída mediante um complexo trabalho de
apreensão da temporalidade, estando ligada a um conjunto de representações, doravante
compartilhadas, em que passam a ser mobilizados juízos e atribuídos significados positivos ou
negativos, a períodos, personagens e acontecimentos. XXXI.
Texto que veio a lume em 1907, Os Capítulos de História Colonial é obra pioneira, e
diga-se de passagem, de maturidade intelectual de um historiador que aventurou-se por áreas
diversas e distintas, como os estudos de historiografia, a lingüística indígena ou a crítica
literária. A reinterpretação da história brasileira colocava em xeque o paradigma Varnhagen,
montado para dar coerência à narrativa histórica.
Dessa forma, o Estado, vale dizer, a Coroa portuguesa e a sua continuidade, a dinastia
bragantina, deixavam de ser o lócus explicativo das raízes e do campo de experiência
nacional. O realismo histórico rankeano e o primado do objeto emergiam como condição sine
qua nom para a produção da pesquisa histórica.
Caberia reiterar que Capistrano de Abreu se mobilizava no sentido de reinterpretar a
experiência brasileira em perspectiva diversa do que fizera Varnhagen, que a concebera em
termos do Estado Imperial.XXXII. O que contava então para a geração de Capistrano de Abreu
era privilegiar o povo brasileiro e a sua formação étnica. Convém dizer que nos Capítulos de
História Colonial, os séculos XVI e XVII aparecem como de especial predileção de
Capistrano, pois presenciaram a ação de mamelucos conquistadores do território, bem como a
construção espiritual brasileira, sob os jesuítas.
À época que os “Capítulos” ganhavam a sua primeira edição, João Capistrano de
Abreu tratava de preparar a terceira edição da História Geral do Brasil, obra maior de
Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro. Revisando e tomando notas da
obra do ‘Heródoto’ brasileiro, ‘Mestre’ Capistrano tratava de realizar a sua própria versão
sobre a História brasileira. Destoaria no entanto de Varnhagen, por desejar um texto mais
condensado, ou ainda, queria que de sua lavra brotasse obra que poderia ser lida por muitos,
sem pedantismos ou tantas divagações eruditas. Capistrano reabilitara a Varnhagen e não o
perderia mais de vista, produzindo belos artigos como o intitulado “Sobre o Visconde de
Porto Seguro”.XXXIII. A grande ambição do Mestre passava então a ser a revelação, em uma
obra de síntese para os brasileiros, o próprio homem brasileiro, como ele pronunciava, povo
capado e recapado, sangrado e ressangrado, mas que emergira vigoroso por obra de uma
miscigenação tanto casual quanto oportuna, ao longo de três séculos de período colonial.
A obra a ser escrita a ‘breves traços e largas malhas’ estava fadada a conter uma
matéria a ser bem medida, para caber em um pequeno volume, e pragmaticamente pensada,
pois deveria ser capaz de transportar o leitor para os anos iniciais da Colonização, uma época

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A PRÁTICA HISTORIADORA DE MESTRE CAPISTRANO: A RENOVAÇÃO TEMÁTICA E
METODOLÓGICA NO AMBIENTE DOS INSTITUTOS HISTÓRICOS

ANTONIO CARLOS FIGUEIREDO COSTA

de dificuldades imensas, e mesmo de dores pungentes e incertezas quanto à colheita dos frutos
dos trabalhos mais industriosos.
Sob condições das mais penosas, o povo brasileiro – personagem principal de
Capistrano de Abreu – começou pelo Oriente a ocupação do território, ficando concentrado
principalmente no século XVI, na chamada Zona da Mata, a qual lhe propiciava o pau-brasil,
a madeira para a construção, e com o tempo, os terrenos próprios para as plantações de fumo e
cana. Cabe acrescer ainda no primeiro século de colonização, a chegada de outro elemento
alienígena à nova terra: o negro africano. A importação de escravos começara desde o
estabelecimento das capitanias hereditárias, e seria avultada nos séculos seguintes, sempre
submetendo o negro como força de trabalho na base do cultivo da cana-de-açúcar, do fumo,
das minas, do algodão ou do café.
Devemos ressaltar o destaque dado por Capistrano de Abreu ao capítulo reservado às
‘guerras flamengas’. Episódios que tanto haviam impressionado ao Visconde de Porto
Seguro, com sua batalhas campais, e a ação de um exército europeu invasor, o que parecia dar
cores mais vivas à luta dos colonos. Leitor atento de Varnhagen, mas estudioso percuciente
das fontes primárias, dos relatos de época, Capistrano estava atento a toda essa
movimentação, e fazendo um pouco ainda, uma história oitocentista não hesita em apontar
arestas e valores nos dois lados da contenda. Da parte dos colonos, valia enaltecer o brio de
bater-se contra um inimigo de primeira linha, bem armado e bastante organizado para as
exigências bélicas daquela época.
A defecção de Domingos Fernandes Calabar é um dos aspectos ressaltados. Capistrano
ressalva a natureza das fontes: poucas e suspeitas, que apresentam os escritos contemporâneos
à guerra. Assim, Calabar, ‘mulato natural de Porto Calvo’,

“exercia a profissão de contrabandista, nem de outro modo se podem


explicar os roubos feitos à fazenda real de que o acusam os nossos, pois não
deviam ter andado dinheiros públicos por suas mãos; para professar o
contrabando assinalavam-no a audácia, a presença de espírito, a fertilidade
de invenções, o profundo conhecimento das localidades. Era o único homem
capaz de se medir com Matias de Albuquerque, e como tinha sobre este a
vantagem de dispor do mar, desfechou-lhes os golpes mais certeiros. Qual
móvel o levou a abandonar os compatriotas, nunca se saberá; talvez a
ambição, ou a esperança de fazer mais rápida carreira entre estranhos,
tornando-se pela singularidade de seus talentos indispensável aos novos
patrões ou, talvez, o desânimo, a convicção da vitória certa e fácil do
invasor”. XXXIV .

Acreditamos que cabe aqui ressaltar uma observação de Nilo Odália XXXV acerca da
obra de Varnhagen. O episódio da deserção de Calabar havia adquirido realce no contexto da
afirmação da nacionalidade presente nos escritos do Visconde de Porto Seguro. Assim,
Calabar representava mais que uma traição, por motivo de sua transferência para o campo
inimigo haver auxiliado ao invasor holandês com aquilo que de melhor possuíam os
defensores da terra, tais como as táticas próprias das lutas de guerrilha, onde se lutava uma
guerra fora dos padrões de engajamento em campo aberto com o inimigo, ou seja, uma luta na
qual jogavam um papel fundamental as armadilhas e surpresas, mas sobretudo, o
conhecimento dos pontos geográficos vulneráveis.
Doravante, com Calabar ao lado do invasor estrangeiro – e o aspecto da afirmação da
nacionalidade aparece em Capistrano de forma quase tão marcante como na obra de

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Varnhagen – havia sido transferido ao campo inimigo os melhores recursos de estratégia que
antes eram monopolizados pelos ‘nacionais’.
No entanto, após Capistrano narrar os feitos da insurreição pernambucana, que aliás
reputa por gloriosos, o que teria agradado a Varnhagen, os remete a mero episódio
relacionado à ocupação da costa, pois a quebra do paradigma varnhageneriano que esperava
fazer com sua obra, por essa ser um momento de renovação temática, elevava a conquista do
sertão como um dos pontos daquilo que haveria de mais importante na História brasileira.
Capistrano já ensaiara, com sucesso, tarefa dessa natureza alguns anos antes, quando viera a
lume o ensaio ‘Os Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil’XXXVI. Esse texto fora escrito
em 1899, antecedendo em sete anos aos Capítulos de História Colonial, da qual é considerado
um estudo preparatório. Pelas suas qualidades, esse ensaio aparece destacado na historiografia
capistraneana tanto pela originalidade das suas proposições – pois nele aparece pela primeira
vez em evidência o papel do sertão na história do Brasil – como por sua inovação, em tentar
criar uma visão integrada da História do Brasil, como não havia sido realizado antes, salvo –
cabe registrar – se assim quisermos considerar alguns parágrafos alinhados pelo próprio
Capistrano na parte final do seu artigo ‘Sobre o visconde de Porto Seguro’, do qual fizemos
referência páginas acima.
Nos Capítulos de História Colonial, a imagem inicial que surge na abordagem do
sertão é de uma corrente volumosa, não obstante partida de pontos apartados, mas movimento
maciço, de dificuldades ásperas, sendo contudo, de ubérrimas promessas de prosperidade. É
nessa corrente que avançam os paulistas, inicialmente retratados como despovoadores. A sua
terra, face à latitude, ofereceria uma lavoura semi-européia, o que acabou retirando talvez as
melhores possibilidades dos vicentinos de atirar-se à plantation, como no caso das capitanias
do Norte. Nas palavras de Capistrano, “...o meio agiu como evaporador: os paulistas
lançaram-se a bandeirantes.”XXXVII. Prevalecia contudo o problema da falta de mão-de-obra, e
os bandeirantes paulistas partem em busca da captura do gentio ‘brabo’.
Ao final do século XIX pouco se sabia acerca das ações movidas pelos bandeirantes
do século XVII, da conquista do sertão pelos brasileiros e dos caminhos, fossem terrestres ou
fluviais percorridos pela população colonial, em seus desbravamentos e no tanger do gado, na
submissão dos índios e no estabelecimento de núcleos de povoação. Em algumas situações,
esses núcleos foram fundados pelos portugueses e seus prepostos, para logo após serem
invadidos pelos castelhanos, gerando disputas após as quais eram retomados para quase
sempre serem submetidos à tratados internacionais, parte insubtraível que eram de questões
geopolíticas brotadas na ‘Velha Europa’.
Nos ‘Caminhos antigos e povoamento do Brasil’, Capistrano havia esclarecido que
existiram no movimento de penetração e povoamento brasileiro, quatro grandes centros: a
capitania de São Vicente, a Bahia, Pernambuco e o Maranhão. Para essa afirmação consultara
fontes como frei Vicente de Salvador, Rocha Pitta, o padre Antonio Vieira, e o jesuíta
Antonil. Esse grande movimento teria começado na Capitania de São Vicente. Fatores
geográficos haviam concorrido para isso: mata litorânea estreita, campos que se avizinham,
rios que avançam para o sertão e procuravam o mar após longos meandros na direção do
Nordeste. Além do mais, os índios dos campos eram os mesmos que os encontrados nas
praias. Dessa forma, a população se estendeu pelo litoral, de Angra dos Reis à Laguna. A
gente de Paranaguá transpondo a serra, liga-se à Curitiba. Aproveitou-se São Paulo de sua
posição, por acessar a bacia do Prata, a Mantiqueira e o Paraíba do Sul.
Contudo, conforme escreveu Capistrano, “o caminho entre S. Paulo e S. Vicente não
era cômodo, mesmo aproveitados os trechos navegáveis do Cubatão e de um dos afluentes do
Tietê.”XXXVIII. Com as asperezas do caminho dificultando o trato entre o interior e o litoral, e

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precisando Piratininga somente de sal, pólvora, armas e alguns tecidos – podendo quase que
somente dar em troca algum ouro de lavagem – era costume entre os habitantes desta cegar os
caminhos que vinham do litoral, com vistas a tolher a ação das autoridades que representavam
o poder real.
A situação geográfica de Piratininga, relatava Capistrano, impelia-a para o sertão, seus
habitantes tomando o caminho oferecido pelos rios Tietê e Paraíba do Sul, cujas bacias dela se
avizinham. Esses teriam sido os teatros das primeiras bandeiras. Quanto a essa forma de vida,
de aprear índios, Capistrano de Abreu cerra a sua crítica pois elas:

“concorreram antes para despovoar que para povoar nossa terra, trazendo
índios dos lugares que habitavam, causando sua morte em grande número,
ora nos assaltos às aldeias e aldeiamentos, ora com os maus tratos infligidos
em viagens, ora, terminadas estas, pelas epidemias fatais e constantes, aqui e
alhures apenas os silvícolas entram em contato com os civilizados. Acresce
que os bandeirantes iam e tornavam, não se fixavam nunca nos territórios
percorridos; isto explica o motivo da sua persistência durante mais de um
século e seus exílio quando não tornaram mais à pátria.” XXXIX .

Apesar de alegar em 1907 a falta de documentos para a escrita da história das


bandeiras, Capistrano acaba revelando em seus Capítulos de História Colonial a parte
geográfica das expedições desses sertanistas de São Paulo, com a utilização do Tietê no
século XVI – a primeira das regiões devastadas – seguindo-se o roteiro do Paraíba do Sul,
pela garganta de São Miguel para alcançar a Mantiqueira. Despovoamento e depredação eram
os traços caracterizadores da passagem das bandeiras, segundo Capistrano, amparado por
relato deixado pelo jesuíta Montoya, onde o religioso narrava os processos empregados pelas
expedições paulistas contra as reduções jesuíticas, pois:

“... no dia de São Francisco Xavier (3 de dezembro de 637), estando


celebrando a festa com missa e sermão, cento e quarenta paulistas com cento
e cinqüenta tupis, todos muito bem armados de escopetas, vestidos de
escupis, que são ao modo de dalmáticas estofadas de algodão, com que
vestido o soldado de pés à cabeça peleja seguro das setas, a som de caixa,
bandeira tendida e ordem militar, entraram pelo povoado, e sem aguardar
razões, acometendo a igreja, disparando seus mosquetes. Pelejaram seis
horas, desde as oito da manhã até as duas da tarde. Visto pelo inimigo o
valor dos cercados e que os mortos seus eram muitos, determinou queimar a
igreja, aonde se acolhera a gente. Por três vezes tocaram-lhe fogo que foi
apagado, mas à quarta começou a palha a arder e os refugiados viram-se
obrigados a sair. Abriram um postigo e saindo por ele a modo de rebanho de
ovelhas que sai do curral para o pasto, com espadas, machetes e alfanjes lhes
derribavam cabeças, truncavam braços, desjarretavam pernas, atravessavam
corpos. Provavam os aços de seus alfanjes em rachar os meninos em duas
partes, abrir-lhes as cabeças e despedaçar-lhes os membros.” Dessa forma,
nos indaga Capistrano, “Compensará tais horrores a consideração de que por
favor dos bandeirantes pertencem agora ao Brasil as terras devastadas?” XL .

A Conjuração Mineira se tornaria a grande ausente na obra de Capistrano. Ele acabou


por ajuntar diversos motivos para que a conjura, elevada ao conceito de movimento nativista
nos anos iniciais da República, não aparecesse. É sabido que a síntese da pesquisa realizada
para anotar a História Geral do Brasil com vistas a reeditá-laXLI, foi uma tarefa à qual
Capistrano se atirou a partir de 1902, atividade que veio a contribuir de forma significativa na

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composição dos Capítulos de História Colonial. O fato é que, em 1907, a Inconfidência


Mineira já era considerada como o mais importante evento precursor da Independência do
Brasil. Advogando em favor de Capistrano, assim, José Honório Rodrigues explicou o
ocorrido:

“O fato é que entre 1878, quando criticava Varnhagen por considerar a


Conjuração Mineira como uma cabeçada e um conluio, e 1903, quando se
intrigava com as honras prestadas a Tiradentes em detrimento dos Mascates
e dos Republicanos de 17, ele parece ter se convencido de que a Conjuração
realmente não tivera a importância que começavam a atribuir-lhe. Muito
mais importante eram as lutas dos Emboabas e dos Mascates, a consciência
da riqueza do país, as proezas dos bandeirantes, os atritos armados e
sangrentos, as lutas dos Republicanos de 17. Ele mesmo dirá, em carta a
Mário de Alencar, que ‘na Suíça é proibido, hoje, nas escolas públicas
introduzir a história de Guilherme Tell, depois da crítica histórica ter
demonstrado sua inanidade. Por que, tendo estudado o depoimento de
Tiradentes e a sentença da alçada, sou obrigado a repetir a versão corrente e
a colocá-la no Panteon?’” XLII

Porém, mais importante do que possa ser imputado a Capistrano como uma falha em
sua obra de síntese, a qual ele mesmo reputava como bastante incompleta, teria sido o seu
mérito em conseguir desvencilhar-se do posicionamento típico da chamada ‘geração de
1870’, qual fosse, de perscrutar o Brasil sob o prisma do darwinismo social. Essa geração se
mantinha temerosa, como ensina José Carlos Reis (2001), no tocante ao que as teorias de fins
do século XIX reservavam ao país e ao seu povo, no tão almejado rumo da civilização. Daí
para José Carlos Reis, o grande mérito de Capistrano nas suas obras de maturidade teria sido
reabrir o futuro do Brasil, vencendo com isso,

“...o pessimismo existente entre os intelectuais brasileiros, que olhavam o


Brasil com as teorias deterministas européias e nele não viam o que elas
valorizavam, embora ele também em uma primeira fase, tivesse se
impregnado de tais teorias e feito algum contorcionismo teórico. Finalmente,
ele optou pela teoria européia que valoriza a singularidade, a historicidade de
cada povo, e formulou uma nova interpretação do Brasil que enfatizará o
tempo histórico especificamente brasileiro.” XLIII .

O método histórico rankeano, como diz Reis, mas também uma nova perspectiva
dotada de expressiva alteridade, teriam permitido com que Capistrano de Abreu observasse
sob outras cores a formação do Brasil. O protagonista principal nesse drama de três séculos
não foi o português – embora esse tenha servido como motor inicial – pois havia atravessado
o oceano saído de uma outra guerra, travada no solo da sua terra natal, contra os muçulmanos,
povo que consideravam hereges. Nessa conquista americana, os filhos de Portugal não
encontram os seguidores de Maomé, mas broncas tribos nômades. Então eles rapidamente se
desprendem de sua identidades européias, e conquistam a complexa espacialidade dos
trópicos, para em um breve espaço de tempo, reterritorializá-lo, expressão que na acepção de
uma relação natureza-homem, como em F. Ratzel, passa a significar o domínio da natureza
pelo homem. Contudo, esse homem é algo novo, surgido na América e confrontado com seus
desafios que somente a ele cabe enfrentar e vencer, pois não conhece outras paragens, e essa

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terra é afinal o seu solo natal. Essa natureza tropical não seria insuperável e muito menos
degenerada como pretendiam teóricos como Montesquieu, Buffon, Raynal, De Pauw XLIV.
Capistrano conhecia bem os historiadores/cronistas coloniais tão menosprezados por
Buffon, e parece que tomara gosto pelo contato de lê-los por força de ofício na Biblioteca
Nacional. Por sua vez, alguns desses cronistas coloniais eram padres, com formação
escolástica e que haviam lido sobre a ‘tórrida zona’ de Aristóteles, assim como também não
desconheciam a realidade da América tropical. Assim, Capistrano embeberou-se em Antonil,
decifrando seu anagrama para mostrar que esse jesuíta setecentista revelara o segredo do
Brasil aos brasileiros, estudou Gândavo, o qual admitia fazer o elogio da terra no fito de atrair
imigrantes, e escreveu as ‘notas preliminares’ para a História do Brasil, de Frei Vicente do
Salvador, de 1627, obra de apologia ao Brasil, a ponto de ter sido considerada por Sílvio
Romero, como um hino patriótico.
Ao personalizar o espaço e de forma raffesteniana transformá-lo em território,
sobrepujando a natureza aos seus interesses, esse colono já é um miscigenado com o indígena,
pois Capistrano inclinou-se a ver um Brasil mais mameluco, mais caboclo. Esse mameluco
teria sido o resultado étnico da pousada final dos bandeirantes, após suas investidas em busca
de índios, ouro, pedras preciosas, quilombolas. Após percorrerem os quadrantes do território,
estes ‘paulistas’ resolveram estabelecer-se nas novas paragens, tornando-se um novo tipo: o
sertanejo brasileiro, que Euclides da Cunha – de maneira elegíaca, e possivelmente com os
olhos postos sobre Canudos – diria ser um forte, mas que Capistrano de Abreu – talvez mais
realista e ele próprio um sertanejo – caracterizaria desde já como um mestiço, homem singular
integrado à natureza dos trópicos.

3. Um ‘Mestre’ entre seus muitos discípulos...


Nos primeiros anos do século XX ocorreram muitas mudanças no interior do IHGB,
no sentido de modernização e mesmo da adequação política aos novos tempos, que as
historiadoras Lilia Moritz SchwarczXLV e Lucia Maria Paschoal GuimarãesXLVI localizaram na
alteração, tanto das datas das sessões magnas – a qual foi transferida do dia da primeira
participação do imperador no Instituto, para o dia 15 de novembro, forma encontrada para
homenagear o novo regime – bem como dos estatutos, onde foi criado o cargo de Diretor da
Revista. Os exemplos oferecidos parecem demonstrar a sede de renovação que corria no
ambiente do grêmio, que passou a contar a partir de janeiro de 1908, com José Maria da Silva
Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, na sua presidência. Chanceler da República desde
1902, esse diplomata que ganhara notoriedade resolvendo questões de fronteira do Brasil
junto aos países vizinhos carreou seu prestígio para o Instituto Histórico, conseguindo
inclusive que o Congresso Nacional aprovasse uma dotação orçamentária que permitiu a
construção de uma sede própria para a “Casa da Memória Nacional”XLVII.
Assim em 1914, secundado por seus congêneres estaduais, o IHGB promovia em sua
nova sede, apelidada de Silogeu, o Primeiro Congresso de História Nacional. Se a palavra de
ordem era a inovação, nada poderia parecer mais inusitado do que utilizar a grosso modo a
obra História Geral do Brasil, de Adolfo Francisco de Varnhagen, como uma espécie de base
para a escolha dos temas a serem tratados. Varnhagen vinha passando por uma reabilitação no
interior daquela “Casa da Memória”, e Capistrano de Abreu revelou-se, mesmo
indiretamente, um grande artífice nessa tarefa.
Dessa forma, e em boa medida sob sua inspiração, em meio à apresentação das teses
desse Congresso de História Nacional seriam revisitados temas que ao final acenavam para o
abandono progressivo de uma forma de História que passaria a ser conhecida, enquanto

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modalidade historiográfica, como a ‘velha história política’ de forte acento sobre o papel do
Estado. A geração historiográfica à qual pertencia Capistrano de Abreu, ou por esse inspirada,
voltava-se agora para novos temas onde os historiadores estariam mais dispostos a reconhecer
o protagonismo do povo na sua diversidade, bem como a utilizar-se progressivamente do
método rankeano proposto pela chamada escola metódicaXLVIII.
Nisso, cabe evidenciar o papel de pioneirismo desempenhado por Capistrano desde a
época de defesa da sua tese para a docência do Imperial Colégio Pedro II – onde conforme
vimos, demonstrou com sobejas a aplicação do método histórico rankeano, mas também de
liderança intelectual, onde precisamos ressaltar dois pontos. O primeiro teria a ver com a sua
autoridade moral, por exigir dos seus pares que adotassem a prática, que para ele já se tornara
imprescindível, de indicar com precisão as fontes que utilizavam, como na carta a Guilherme
Studart, datada de 20 de abril de 1904,

“Agora és um mestre reconhecido e acatado; podemos portanto conversar


calmamente sobre o assunto. Por que não dás a procedência dos documentos
que publicas? Félix Ferreira, sujeito aliás pouco fidedigno, contou-me que
indo um dia visitar Melo Morais, encontrou-o queimando uns papéis: Estou
queimando estes documentos, explicou-lhe o alagoano historiador (?),
porque mais tarde, quando quiserem estudar História do Brasil hão de
recorrer às minhas obras. Tu não és Melo Morais. Varnhagen, pelo menos na
Torre do Tombo, levou para casa alguns documentos e se esqueceu de
restituí-los: não podia depois indicar a procedência. Tu não és Varnhagen.
Por que motivo, portanto, te insurges contra uma obrigação a que se sujeitam
todos os historiadores, principalmente desde que, com os estudos arquivais,
com a criação da crítica histórica, com a crítica das fontes, criada por
Leopoldo von Ranke, na Alemanha, foi renovada a fisionomia da História?”
XLIX

O segundo refere-se ao seu papel de incentivador dos estudos históricos ao articular a


pesquisa das fontes com ênfase na renovação temática. Muito respeitado pelos confrades do
IHGB e de outras “Casas da Memória”, Capistrano de Abreu era amiúde procurado L,
contribuindo com suas opiniões que às vezes nos soam um pouco rudes, porém sempre
bastante certeiras, como na ocasião, também ocorrida no ano de 1904, na qual dissuadiu
Afonso D’escragnolle Taunay da intenção de escrever a história dos capitães-generais de São
Paulo, idéia que o Mestre achava “...simplesmente infeliz” LI. Cabe explicar que em seu papel
de orientar aos menos experientes, ou mais jovens, Capistrano ia além, apontando caminhos,
dessa forma: “Que lembrança desastrada a de preferir um período desinteressante, quando a
grande época dos paulistas é o século XVII!” LII. Felizmente Afonso Taunay seguiu os
conselhos de Capistrano, e a leitura da correspondência mantida entre os dois aponta que no
ano de 1914 o Mestre acusava haver lido “...os artigos sobre Pedro Taques. Todos muito
interessantes, um verdadeiro feixe de novidades.”LIII. A correspondência é datada de 13 de
junho do mesmo ano, portanto, antecedendo cerca de dois meses ao I Congresso de História
Nacional.
Assim, com o precioso auxílio de Capistrano de Abreu, e munido com a tese intitulada
‘Pedro Taques de Almeida Paes Leme (estudo biographico)’, Afonso Taunay logrou cativar
em 15 de setembro de 1914 as atenções da assistência que compareceu ao auditório do
Silogeu, durante o mencionado I Congresso de História Nacional. O foco direto das reflexões
de Taunay pretendia iluminar ao linhagista setecentista Pedro Taques (1714-1777), autor entre
outras obras, da Nobiliarquia Paulistana. Doravante, os escritos de Taques, juntamente com
aqueles lavrados na pena do seu primo Frei Gaspar de Madre de Deus (1715-1800), se

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converteriam em fontes perenes às quais recorreria Afonso Taunay nos seus estudos sobre o
sertanismo paulista, principal tema trilhado por esse historiador, que entre 1917 e 1945 foi
diretor do Museu Paulista, tendo ficado conhecido como o historiador das bandeiras. Cumpre
acrescer que a relação entre Capistrano de Abreu e Afonso Taunay remonta ao ano de 1889,
quando menino de 12 anos, fora acompanhado por Mestre Capistrano. Assim, as lições,
tomadas a domicílio na casa do pai de Afonso, o Visconde de Taunay, nas Laranjeiras, bairro
do Rio de Janeiro, foram o ponto de partida para uma amizade de quase quarenta anos entre
discípulo e mestre. Logo após a morte do historiador cearense, Afonso Taunay publicava,
com data de 10 de outubro de 1927, um pequeno artigo no qual homenageava Capistrano.
Desse, destaco o seguinte parágrafo:

“A Capistrano devi assignalados serviços e os mais leaes conselhos. Deu-me


indicações preciosissimas sobre muitos e muitos assumptos. Indicou-me
opulentas fontes com aquella prodigiosa liberalidade e ausência total de
inveja que formavam o fundo do seu intimo, ao offerecer aos amigos, aos
consulentes em geral, a poderosa valia de seu formidável cabedal de
conhecimentos. E como se interessava pelo andamento dos trabalhos
daquelles a quem estimava! Como desejava que se aperfeiçoassem!” LIV

3. Considerações Finais
Em razão daquilo que viemos tratando no presente estudo, talvez não seja necessário
muito esforço a que pensemos ter sido João Capistrano de Abreu a cabal encarnação do
historiador habilitado a realizar uma longa travessia, tão necessária à escrita da História no
Brasil. Assim, à sua época, Capistrano foi capaz de desbravar novos temas, incursionar com
sucesso e rara habilidade por áreas de estudo que exigiam uma elevada especialização, além
de ter resgatado para a historiografia brasileira, obras de cronistas coloniais de fundamental
importância, identificando seus autores e fazendo correções e anotações somente possíveis a
um grande erudito. Incansável, mas acima de tudo, magnânimo com aqueles que orientava
informalmente, pois desapegado de toda e qualquer vaidade, Mestre Capistrano além de
apontar os caminhos, ainda insistia para que fossem seguidas as suas sugestões de pesquisa,
revelando alegria sincera com os progressos daqueles que o acompanhavam em suas
investidas através dos tempos pretéritos. Progressos que ainda em nossos dias, podemos
considerar como únicos, singulares e geniais!

Notas
I
Antonio Carlos Figueiredo Costa é Licenciado, Bacharel, Mestre e Doutor em História pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor efetivo de História na Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG).Este artigo é tributário da tese que defendi junto ao PPGHis/UFMG, no ano de 2016. Autor de livros e
artigos acadêmicos.
II
CÂMARA, José Aurélio Saraiva. Capistrano de Abreu: tentativa biobliográfica. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1969.
III
CÂMARA, José Aurélio Saraiva. Capistrano de Abreu: tentativa biobliográfica. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1969. P.38.
IV
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2006. P. 22.
V
VIANNA, Hélio. Capistrano de Abreu: ensaio biobibliográfico. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e
Cultura, 1955.
VI
RODRIGUES, José Honório. História e historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1961; e, Teoria da
História do Brasil: introdução metodológica. 4.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
VII
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Ronda Noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, 1988, p. 28 – 54.

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ANTONIO CARLOS FIGUEIREDO COSTA

VIII
GOMES, Angela de Castro. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro:
FGV, 1996.
IX
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XX
RODRIGUES, José Honório. História e historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1961.,P. 47.
XXI
FALCON, Francisco Assis Calazans. Capistrano de Abreu e a historiografia cientificista: entre o
positivismo e o historicismo. In: NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das Neves et. Ali. (Orgs.). Estudos de
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XXII
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A PRÁTICA HISTORIADORA DE MESTRE CAPISTRANO: A RENOVAÇÃO TEMÁTICA E
METODOLÓGICA NO AMBIENTE DOS INSTITUTOS HISTÓRICOS

ANTONIO CARLOS FIGUEIREDO COSTA

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racial no Brasil (1870 – 1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. J. Capistrano de Abreu. In Memoriam. Anais do Museu
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