PARECER JURIDÍCO - A3 TGD - Copiar
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2024
Resumo
O presente parecer foi elaborado pelos discentes do curso de direito da Unifg, Município de
Guanambi no Estado da Bahia, e tem como objetivo, analisar juridicamente a aplicação da
Teoria da Decisão em dois casos que provocam debates sensíveis no meio jurídico e na
sociedade.
O primeiro caso aprecia a decisão judicial que sob críticas de grupos conservadores, autorizou a
interrupção da gravidez de uma menina de 10 anos, vítima de violência sexual, que estava com
22 semanas de gestação. O segundo caso, analisa a sentença que reconheceu o direito a pensão
alimentícia para um animal de estimação.
Diante disso, é evidente que quando surge a necessidade de apreciação, o julgador se depara
com a responsabilidade de elaborar uma sentença que não seja apenas a resolução de mais uma
questão, pois os chamados casos difíceis (hard cases), são complexos e necessitam da análise de
vários de fatores dentro do contexto de cada situação, e certamente a busca pela melhor
solução, estará além texto positivado.
Nesse sentido, serão abordados alguns conceitos, posicionamentos e teorias da decisão que
versam sobre o papel do julgador e o equilíbrio entre o uso da discricionariedade e a
manutenção do Estado Democrático de Direito.
Antes de tudo, é importante destacar que a análise dos casos selecionados se concentrará nos
aspectos jurídicos envolvidos, desconsiderando questões de senso comum ou de natureza
técnica que não se enquadram no propósito do estudo.
Portanto, o parecer se propõe a examinar os fatos relevantes para o direito com base na teoria
da decisão e se compromete a formular o melhor entendimento no âmbito judicial para os casos
abordados.
PARECER JURIDICO: MENINA DE 10 ANOS VIOLENTADA FAZ ABORTO LEGAL,
SOB ALARDE DE CONSERVADORES À PORTA DO HOSPITAL
DOS FATOS
Em agosto de 2020, na cidade de São Matheus no Espírito Santo, foi proferida uma decisão
judicial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, para autorizar a interrupção da gravidez de
uma menina de 10 anos que foi violentada sexualmente durante os últimos quatro anos. O
abusador era um tio que foi detido em Minas Gerais e posteriormente, foi condenado a 44 anos
de reclusão.
Antes que o procedimento fosse realizado, a criança chegou a ser internada no Hospital
Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), em Vitória. Porém a equipe médica do
Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual (Pavivis), decidiu não realizar o
aborto. Diante disso, a criança precisou viajar para Recife, no estado de Pernambuco, a mais
1.600 quilômetros de onde morava, para cumprir a decisão no único hospital que aceitou fazer
o procedimento. Enquanto isso, foi divulgado na mídia, que o motivo da negativa de realizar o
procedimento seria a idade gestacional que estava com o tempo superior ao que a Norma
Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em 2005 pelo Ministério da Saúde
regulamenta. Entretanto, o superintendente do Hucam e o secretário de saúde do Estado se
manifestaram em uma entrevista coletiva esclarecendo que atendeu os protocolos técnicos de
saúde e foi por conta de limitações técnicas, que a equipe médica decidiu por não realizar o
procedimento. Segundo o pronunciamento, após os exames, a equipe constatou que as
condições de desenvolvimento da gravidez (22 semanas e quatro dias e um peso fetal de 537
gramas), indicavam um procedimento que o hospital Hucam não teria capacidade técnica de
executar. Haja vista que o protocolo do Pavivis, segue a norma técnica do Ministério da Saúde
para o abortamento humanizado, existente desde 2005, deixa claro o que abortamento é
considerado, quando o limite da gravidez, é de 22 semanas e o peso de 500 gramas. Diante
disso, a medida mais segura para a menina, seria direcioná-la para um hospital que tivesse a
estrutura estabelecida pelos protocolos de saúde.
A discussão sobre o caso deveria ser tratada com absoluto sigilo, mas após a o vazamento de
informações, ocorreram várias manifestações de conservadores que criticavam a decisão que
permitiu o aborto. Finalmente, depois de muito tumulto e exposição da família na porta do
hospital de Recife-PE, a vítima teve acesso ao direito concedido pela decisão judicial, e o
procedimento foi realizado.
ANÁLISE JURIDICA
Este parecer tem por objetivo analisar, à luz da Teoria da Decisão, o caso em que uma menina
de 10 anos, vítima de violência sexual, teve o aborto autorizado por decisão judicial, apesar das
críticas de grupos conservadores. O procedimento foi realizado por um médico após a devida
autorização. A análise será fundamentada nas contribuições de Ronald Dworkin e Lenio
Streck, com ênfase na ponderação dos princípios constitucionais que guiaram a decisão. O caso
envolve uma menina de 10 anos, grávida em decorrência de estupro, cuja gestação apresentava
riscos à sua saúde física e mental. A decisão judicial que autorizou o aborto foi fundamentada
na legislação brasileira, especificamente no Código Penal, que permite o aborto em casos de
estupro (art. 128, inciso II) e quando há risco à vida da gestante (art. 128, inciso I).1
Além do amparo normativo, a decisão também foi guiada por princípios constitucionais como a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal) e a proteção integral à
criança (art. 227 da Constituição Federal)2, ambos centrais para a análise de conflitos de direitos
fundamentais. De acordo com Ronald Dworkin, o direito deve ser interpretado a partir de
princípios e não apenas de regras. No caso em questão, o juiz, ao autorizar o aborto, atuou
como o "juiz Hércules", ponderando entre os valores morais e direitos fundamentais
envolvidos (DWORKIN, 2002, p. 31-34).3
Princípio da Dignidade Humana: A decisão ponderou o direito à vida do nascituro
com o direito à saúde e à dignidade da menina. Dworkin defende que o princípio da
integridade moral deve prevalecer, em casos semelhantes a este, em que a gestação
forçaria a menina a suportar consequências físicas e psicológicas devastadoras
(DWORKIN, 2002, p. 240-242). No caso do aborto, por exemplo, a proteção da
dignidade implica que a gestante) deve ter a sua autonomia respeitada em relação à
decisão sobre o próprio corpo e saúde, ainda mais em situação de vulnerabilidade, como
uma criança. A dignidade da menina envolve reconhecer que forçá-la a continuar uma
gravidez indesejada decorrente de violência seria uma violação à sua autonomia moral e
uma imposição de sofrimento desproporcional.
Direito como Integridade: Dworkin também propõe que o direito seja visto como um
sistema de integridade, no qual as decisões devem harmonizar-se com os direitos e
valores constitucionais. Nesse caso, a decisão judicial reflete uma interpretação coerente
com o direito à proteção da saúde e à dignidade humana (DWORKIN, 2002, p. 225).4
Para Lenio Streck, as decisões judiciais devem ser baseadas na normatividade constitucional
e no respeito aos direitos fundamentais, evitando qualquer influência de subjetivismos ou
pressões externas. Streck critica o decisionismo e defende a hermenêutica constitucional
como a base para a tomada de decisões.
Centralidade da Constituição: Streck sustenta que a Constituição Federal,
especialmente os artigos relacionados à dignidade humana e à proteção integral da
criança, deve ser a base da decisão judicial. No presente caso, a autorização do aborto
preserva esses princípios constitucionais (STRECK, 2011, p. 129-131)5. No caso do
aborto autorizado judicialmente da menina de 10 anos, a centralidade da Constituição
está diretamente ligada à proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF),
ao direito à saúde (art. 196 da CF) e ao princípio da proteção integral à criança (art.
1
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
2
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Nessa
obra se faz referencia sobre o principio da dignidade humana, o direito como integridade e
a atuação do Juiz “Hércules”.
3
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2011.
4
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias
Discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
5
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 145.
227 da CF). A decisão judicial deve se basear nesses princípios constitucionais,
assegurando que a Constituição seja a guia normativa para a solução do caso.
Crítica ao ativismo judicial: A decisão do juiz não pode ser vista como ativista, mas
sim como uma aplicação objetiva da normatividade constitucional6, uma vez que ela
foi fundamentada nos princípios do direito à saúde, à dignidade humana e à proteção
integral da criança (STRECK, 2014, p. 75-77).
6
BEANI, Larissa. “A era dos pais de Pet”. Veja Saúde, 2024. Disponível em:
https://saude.abril.com.br/vida-animal/a-era-dos-pais-de-pet. Acessado em 14 out 2024.
Em face do exposto, o Estado, em seu dever de punir, deve averiguar de onde surge tal
revelação a público para assim imputar a quem deu causa às condutas de violação do segredo
profissional, descritas pelo Código Penal.
A Teoria da Integridade do Direito, formulada por Ronald Dworkin, oferece uma perspectiva
importante para a tomada de decisões judiciais em casos complexos, onde há conflito entre
direitos e princípios. Dworkin propõe que o Direito deve ser interpretado de maneira coerente
com os princípios de justiça, equidade e respeito aos direitos fundamentais, sustentando que os
juízes devem tratar os casos difíceis de acordo com a melhor interpretação possível do conjunto
de normas e valores que compõem o sistema jurídico (DWORKIN, 2002).
No caso da menina de 10 anos estuprada e que buscou realizar um aborto legal, a aplicação da
Teoria da Integridade de Dworkin permite que o juiz, ao decidir sobre a questão, busque uma
interpretação do Direito que respeite a dignidade e os direitos da vítima de maneira justa e
equitativa. Dworkin argumenta que o Direito não é apenas um conjunto de regras que deve ser
seguido mecanicamente, mas um sistema que deve refletir os melhores princípios de justiça e
moralidade, levando em consideração a totalidade do ordenamento jurídico (DWORKIN,
2002).
Neste caso, o direito ao aborto em situações de estupro, previsto no Código Penal Brasileiro,
deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais de dignidade humana (art. 1º, inciso
III, da Constituição Federal) e da proteção à saúde e bem-estar da vítima. A integridade do
Direito, para Dworkin, exige que as decisões judiciais tratem os cidadãos com igual respeito e
consideração, o que significa que a escolha da menina de interromper a gravidez deve ser
respeitada, sobretudo considerando o trauma profundo e os riscos à sua saúde física e mental
decorrentes da violência que sofreu (BRASIL, 1988).7
A coerência entre a legislação existente e os valores subjacentes ao sistema jurídico é crucial na
decisão de permitir o aborto. Para Dworkin, a interpretação das normas deve ser feita de forma
a refletir o respeito pelos direitos individuais, especialmente em casos envolvendo questões
morais sensíveis, como o aborto. O juiz, ao decidir sobre o caso, deve buscar a melhor
7
Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias / Maria Berenice Dias – 14. Ed ver.
Ampl e atual. – Editora JusPodivm, 2021. P. 414.
interpretação possível do Direito, conciliando o direito à vida, a dignidade da vítima e a
necessidade de garantir seu bem-estar psicológico e físico (SILVA, 2019).
Além disso, Dworkin critica a ideia de que o Direito deve ser influenciado por pressões
externas, como opiniões políticas ou religiosas. No caso em questão, a exposição pública e a
interferência de atores políticos e religiosos, como a ministra Damares Alves, não devem
influenciar a decisão judicial, pois a integridade do Direito exige que as decisões sejam
baseadas em princípios jurídicos e não em convicções pessoais ou ideológicas (SILVA, 2019).
O promotor da Infância e Juventude de São Mateus reforça essa visão ao destacar que a
interferência externa viola a autonomia da vítima e de sua família, ao invés de respeitar o
direito delas a uma decisão informada e protegida pela legislação.
Assim, com base na Teoria da Integridade de Dworkin, a decisão de permitir o aborto para a
menina estuprada reflete a aplicação coerente do sistema jurídico, respeitando os direitos e
princípios constitucionais que garantem a dignidade, saúde e autonomia da vítima. A
integridade do Direito exige que o juiz interprete o caso de maneira a promover a justiça e o
respeito aos direitos fundamentais, sem ceder a pressões externas que possam distorcer a
aplicação equitativa das normas (DWORKIN, 2002).8
8
ALVES, Jonas Figueirêdo. A Doutrina na mamília multiespécie e identidade animal. Conjur,
2021. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-fev-14/processo-familiar-doutrina-
familia-multiespecie-identidade-animal/. Acessado em: 14 out. 2024.
RESPOSTA AO QUESITO
Baseando no exposto, concluímos que a permissibilidade do artigo 128 do
Código Penal Brasileiro adequa-se ao caso concreto. O embasamento do esboço jurídico
disposto nas legislações brasileiras deve ser aplicado conforme requer o Consulente.
Observa-se então, partindo do pressuposto que a vítima e seus responsáveis
desejam pelo não prosseguimento da gestação, o ajustamento entre o aborto e o caso de
estupro adequam-se de tal forma a, desde já, optarem pelo abortamento legal.
No presente caso, a responsabilidade médica não configurará crime, segundo
dispositivo do Código Penal:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de
salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido
de consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal.
(Grifo nosso).
CONCLUSÃO
Com base na Teoria da Integridade do Direito, de Ronald Dworkin, a decisão de
permitir o aborto para a menina de 10 anos que foi estuprada deve ser fundamentada na
busca por coerência e justiça dentro do sistema jurídico. A integridade do Direito exige
que as normas sejam interpretadas de maneira que reflitam os princípios de dignidade
humana, equidade e respeito aos direitos fundamentais, sem influências externas de
natureza política ou religiosa.
Nesse sentido, a decisão judicial deve respeitar a autonomia da vítima e seu direito de
interromper a gravidez, visto que a continuidade da gestação resultaria em um
agravamento do trauma físico e psicológico já imposto pela violência. A melhor
interpretação do Direito, segundo Dworkin, é aquela que assegura que a vítima seja
tratada com igual consideração e respeito, garantindo que suas necessidades e direitos
sejam prioritariamente protegidos.
Assim, ao aplicar a Teoria da Integridade do Direito, a decisão de permitir o aborto não
apenas se mostra justa, mas também coerente com os valores constitucionais e a própria
função do sistema jurídico em promover justiça e proteger os mais vulneráveis.
PARECER JURIDÍCO CASO 2 - JUIZ RECONHECE DIREITO A PENSÃO
ALIMENTÍCIA PARA ANIMAL DE ESTIMAÇÃO
I. INTRODUÇÃO
Uma pesquisa publicada pelo site Veja Saúde, realizada pelo Grupo Petz com
tutores brasileiros, aponta que 88% dos entrevistados consideram seus animais como
membros da família.10 O chamado “mundo pet” passou a fazer parte da vida das
pessoas, comprovando-se que o vínculo afetivo entre humanos e animais proporciona
benefícios recíprocos à sociedade contemporânea.11
Por outro lado, embora a futura reforma do Código Civil reconheça a senciência
dos animais, ainda há a associação deles ao conceito jurídico de “coisa”. O caso jurídico
analisado apresenta a ideia de que os ministros compreenderam os animais como algo a
mais que bens ou coisas, mas ainda algo a menos que pessoas.
12
BRASIL. Código Penal. Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L2848.htm. Acesso em: 21 out. 2024.
estimação que integram o núcleo familiar e dependem de seus tutores para sobreviver e
viver dignamente.
A primeira decisão aborda que, nos casos de alimentos entre ex-companheiros, sua
fixação tem caráter excepcional e deve ser guiada pelo princípio da razoabilidade,
nos termos do art. 1.694, §1º, do Código Civil, que estabelece o binômio necessidade x
possibilidade. Ou seja, o juiz deve avaliar tanto as necessidades do alimentado quanto
a capacidade financeira do alimentante.
V. CONCLUSÃO
A Teoria da Argumentação Jurídica é a mais adequada para o caso de concessão
de pensão alimentícia para um animal de estimação porque oferece uma estrutura clara
para lidar com situações em que o Direito tradicional não oferece uma resposta direta.
No caso específico, o magistrado não pode simplesmente aplicar as normas existentes
de maneira automática, já que a legislação brasileira ainda não trata expressamente do
conceito de "família multiespécie" ou da responsabilidade dos tutores em relação ao
bemestar dos animais após a dissolução familiar.