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Programa Mais Médicos para o Brasil

EIXO 1 | PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO SUS E DA


ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

MÓDULO 02

Atenção Primária à
Saúde e Estratégia
Saúde da Família:
bases históricas,
políticas e
organizacionais
2ª edição
Programa Médicos pelo Brasil
EIXO 1 | PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO SUS E DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

MÓDULO 02

Atenção Primária à
Saúde e Estratégia de
Saúde da Família: bases
históricas, políticas e
organizacionais

Ministério da Saúde
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul (Fiocruz MS)
2023
Instituições patrocinadoras:

Ministério da Saúde

Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS)

Secretaria-Executiva da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS)

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul (Fiocruz MS)

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Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo (FapUnifesp)

Coordenação da UNASUS/UNIFESP

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B823a

Brasil. Ministério da Saúde.

Atenção primária à saúde e estratégia de saúde da família: bases históricas,


políticas e organizacionais [módulo 2] / Ministério da Saúde, Fundação
Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de São Paulo. - 2.
ed. - Brasília : Fundação Oswaldo Cruz, 2023.

Inclui referências.

80 p. : il., tabs. (Projeto Mais Médicos para o Brasil. Princípios e fundamentos


do SUS e da atenção primária à saúde ; 1).

ISBN: 978-65-84901-57-5

1. Políticas públicas em saúde. 2. Atenção básica. 3. Sistema Único de Saúde.


4. UNA-SUS. I. Título II. Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul. III.
Universidade Federal de São Paulo. IV. Série.
CDU 610

Bibliotecária: Juliana Araújo Gomes de Sousa | CRB1 3349


Ficha Técnica
© 2023. Ministério da Saúde. Sistema Universidade Aberta do SUS. Fundação Oswaldo Cruz.
Universidade Federal de São Paulo.

Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra,


em parte ou em sua totalidade, nos termos da licença para usuário final do Acervo de Recursos
Educacionais em Saúde (ARES). Deve ser citada a fonte e é vedada a sua utilização comercial.

Referência bibliográfica
MINISTÉRIO DA SAÚDE. FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO
PAULO. Atenção primária à saúde e estratégia de saúde da família: bases históricas, políticas e
organizacionais [módulo 2]. 2. ed. In: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Projeto Mais Médicos para o Brasil.
Eixo 1: Princípios e fundamentos do SUS e da atenção primária à saúde. Brasília: Ministério da
saúde, 2023. 80 p.

Ministério da Saúde
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Janaína Rolan Loureiro

Desenvolvedores Fiocruz MS
Janaína Rolan Loureiro
Leandro Koiti Oguro
Regina Beretta Mazaro

Conteudista
Clayton de Carvalho Coelho
Morris Pimenta e Souza

Revisor
Davi Bagnatori Tavares
Sumário
Apresentação 10
Objetivo geral de aprendizagem do módulo 11
Carga horária de estudo recomendada para este módulo 11
1. Atenção primária em saúde 12
Objetivo geral 13
Objetivos de aprendizagem 13
Introdução da unidade 13
1.1 - Conceito de APS 14
1.2 - Atributos da Atenção Primária à Saúde 16
1.2.1 - Atributos essenciais 17
1.2.2 - Atributos derivados 21
1.3 - Atenção Primária à Saúde no mundo 24
1.3.1 - Exemplos de APS no mundo 25
Fechamento da unidade 29
2. Organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil: a estratégia
saúde da família 30
Objetivo geral da unidade 31
Objetivos de aprendizagem 31
Introdução da unidade 31
2.1 - Breve histórico da ESF 32
2.1.1 - A APS no Brasil antes do SUS 32
2.1.2 - A APS inserida no SUS 33
2.1.3 - O Programa Saúde da Família 34
2.1.4 - A Estratégia Saúde da Família (ESF) 36
2.2 - Política Nacional de Atenção Básica 39
2.2.1 - Princípios e Diretrizes 42
2.2.2 - Atribuições comuns e específicas de cada esfera
de governo 46
2.3 - Equipes de atenção primária 48
2.3.1 - Atribuições comuns e específicas de cada membro
da equipe 48
2.4 - Organização do processo de trabalho 52
2.4.1 - Definição de território e territorialização 53
2.4.2 - Responsabilização sanitária, adstrição de usuários
e produção de vínculo 54
2.4.3 - Porta de entrada preferencial 55
2.4.4 - Acesso universal, integral, equitativo e seguro 56
2.4.5 - Acolhimento 57
2.4.6 - Trabalho em equipe multiprofissional e intersetorial 59
2.4.7 - Resolutividade 60
2.4.8 - Atenção domiciliar 62
2.4.9 - Prevenção, promoção e vigilância em saúde 62
2.4.10 - Planejamento e programação da atenção à saúde 64
2.4.11 - Educação em Saúde 65
2.4.12 - Controle social 65
2.5 - Outras equipes de APS no SUS 66
2.5.1 - Equipes de Atenção Básica 66
2.5.2 - Equipe de Saúde Bucal 67
2.5.3 - O Núcleo ampliado de saúde da família e atenção
básica (Nasf-AB) 67
2.5.4 - Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde 68
2.6 - Atenção primária para populações específicas 69
Fechamento da unidade 74
Encerramento do módulo 75
Referências 77
Biografia dos conteudistas 79
Apresentação
Olá, caro profissional-estudante.
Seja bem-vindo ao módulo 2 - Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da
Família: bases históricas, políticas e organizacionais.
Neste módulo, você será convidado a fazer uma imersão na Atenção Primária à
Saúde (APS). Ao final dos nossos estudos, esperamos que você seja capaz de com-
preender o conceito de APS, bem como seus atributos essenciais e derivados e que
conheça a forma como ela se operacionalizou no Brasil por meio da Política Nacio-
nal de Atenção Básica (PNAB) e como tais atributos se expressam nesse referen-
cial normativo.
A perspectiva que buscamos desenvolver, por meio de uma abordagem dialógica
e aplicada à realidade, é de apresentação de uma APS e de uma Estratégia Saúde
da Família (ESF) concretas, palpáveis, para que, ao final deste módulo, você consiga
traçar os paralelos com a sua própria realidade de trabalho, percebendo as cons-
truções locais e suas oportunidades e desafios.
Buscamos também que os estudos deste módulo auxiliem-no na compreensão
dos conceitos que permearão a sua trajetória formativa na APS, para que desen-
volva competências fundamentais como Médico de Família e Comunidade, com-
preenda a lógica de funcionamento de uma APS qualificada e tenha consciência
de que sua inserção no funcionamento da Rede de Atenção à Saúde (RAS) é abso-
lutamente fundamental.
Desejamos a você bons estudos!
Os conteudistas
OBJETIVO GERAL DE APRENDIZAGEM DO MÓDULO
Ao final dos estudos deste módulo, o profissional-estudante será capaz de propor
a reorganização da sua prática profissional de maneira que aproxime seu cotidiano
de trabalho dos atributos da APS e do que está proposto pela PNAB, demonstrando
compreensão conceitos adquiridos a respeito do funcionamento do sistema de
saúde e do serviço de APS no qual está inserido.

CARGA HORÁRIA DE ESTUDO RECOMENDADA PARA ESTE MÓDULO


Para esse módulo, estabelecemos uma carga horária de 15 horas.
UNIDADE 01

Atenção Primária
em Saúde
EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

OBJETIVO GERAL
Compreender a APS com base nos seus atributos essenciais e derivados, reconhe-
cendo sua inserção na organização dos níveis de atenção em um sistema de saúde.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Identificar os atributos essenciais e derivados da APS;
• Conhecer diversas formas de organização da APS no mundo;
• Relacionar os atributos essenciais e derivados da APS com a prática
profissional;
• Avaliar as diversas possibilidades de utilização dos atributos essenciais e
derivados da APS em sua prática profissional.

INTRODUÇÃO DA UNIDADE
É comum que o Médico de Família e Comunidade pense e repense, constantemente,
múltiplas questões acerca da missão da Unidade Básica de Saúde (UBS) em que
atua, tais como:
• O que deveria ou não ser feito na unidade em que atuo?
• Qual a resolutividade esperada para a maior parte das condições de
saúde?
Essas visões orbitam em torno de um tema fundamental:
• Afinal, como deveria, de fato, se inserir uma UBS no sistema de saúde?
Para melhor pensar em tais questões, convidamos você a analisá-las conhecendo
melhor o nível de atenção no qual esse serviço se insere: a APS. Conhecer sua
inserção no sistema de saúde brasileiro, bem como em outros sistemas de saúde
no mundo, seus atributos, sua estrutura e desafios é essencial para reconhecer,
em sua realidade de trabalho, os fundamentos para sua máxima efetividade.
Para aproveitar os estudos, sugerimos que você mantenha a mente aberta para
uma postura reflexiva, procurando relacionar os conceitos aqui trabalhados com
sua prática profissional. Procure compartilhar suas reflexões com seus colegas e
toda a sua equipe. Compartilhe com sua comunidade ações e ideias de modo a
reconhecer as potencialidades do seu entorno a fim de contribuir para a constru-
ção de um sistema mais equânime e resolutivo, que seja um vetor de melhoria das
condições de vida e de dignidade para a população.
Sigamos em frente.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

1.1 - CONCEITO DE APS


O período pós 2ª Guerra Mundial foi marcado pelos esforços das principais nações
do mundo para se reconstruírem, em meio de discussões diplomáticas pautadas,
principalmente, na recém fundada Organização das Nações Unidas, reafirmando
a valorização dos direitos humanos e reforçando uma agenda voltada para a defesa
dos chamados Direitos Fundamentais. Esse conceito alicerçado na Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos, dispõe:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de asse-
gurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indis-
pensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de sub-
sistência em circunstâncias fora de seu controle (ONU, 1948).

Tendo por base esse alicerce, diversas nações pas-


saram a buscar maneiras de viabilizar o direito de
acesso aos serviços de saúde. Dessas tentativas
destacam-se sistemas nacionais de saúde como os
do Reino Unido e do Canadá.
Outro dos principais efeitos desses esforços foi
alcançado na Conferência Internacional de Cuida-
dos Primários em Saúde, organizada pela Organi-
zação Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef) no final da
década de 1970, em Alma-Ata, na antiga União Sovi-
ética. Dessa conferência resultou um dos documen-
tos mais importantes para a construção dos siste-
mas de saúde como conhecemos atualmente: a
Declaração de Alma-Ata (1978), um marco histórico
mundial na concepção dos cuidados de saúde.
Fonte: OMS

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Consta desse diploma:


Cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde base-
ados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fun-
damentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance univer-
sal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena
participação e a um custo que a comunidade e o país podem manter
em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança
e autodeterminação.

Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a


função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico
global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos,
da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde pelo qual os cuida-
dos de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas
vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo
de assistência à saúde (Declaração de Alma-Ata, 1978).

Você pode ler mais a respeito desse assunto nos documentos disponibi-
lizados na midiateca.

Por seu peso e reconhecimento mundial, a Declaração de Alma-Ata resultou não


apenas na intensificação das discussões da necessidade de construção de siste-
mas de saúde, cujo objetivo final fosse a universalização do acesso à saúde para
proteção e desenvolvimento dos povos, mas também em um caminho para alcan-
çar esse objetivo: sistemas cuja centralidade se baseasse nos cuidados primários
em saúde. Dessa construção deriva o conceito de APS que temos atualmente:
[...] uma provisão de cuidado à saúde integrado e acessível realizado
por clínicos que são responsáveis por resolver a grande maioria das
necessidades de cuidados pessoais de saúde, desenvolvendo uma par-
ceria permanente com os pacientes e praticando no contexto da família
e da comunidade [...] (Institute of Medicine.1994)

Em síntese, um sistema de saúde cujo centro está na APS tem como objetivo garan-
tira cobertura e o acesso universal a cuidados de saúde abrangentes e compatíveis
com uma determinada carteira de serviços. Independentemente de tal carteira ser
mais restrita, como nos casos em que os limites assistenciais são mais estreitos,
ou em casos em que se busca de uma integralidade dos serviços – como no caso
do Brasil –, o centro do sistema estar na APS o tensiona a direcionar
seu foco à atenção clínica, à prevenção de doenças e à promoção da saúde, por
um cuidado centrado na pessoa e em suas relações reais com o mundo no qual
está inserida.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Mais que apenas a responsável pelos cuidados realizados em unidades de saúde,


você deve entender a APS como um vetor de organização e integração da rede de
serviços de saúde, cujo foco são as necessidades da população e a interação dessa
com o território, no qual vive e se relaciona. Nessa perspectiva, um sistema de
saúde baseado em APS deve assegurar muito mais do que cuidado no primeiro
atendimento. Deve se propor a um contínuo de cuidados, consolidado a partir do
reconhecimento da interação do usuário com sua família, com o território e com
a comunidade a que pertence. A APS exerce, assim, o papel de protagonista na
rede de serviços de saúde, ordenando e coordenando os esforços de toda essa
rede em prol das necessidades daquele usuário.

1.2 - ATRIBUTOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE


Conforme a linha de raciocínio que trilhamos, você é capaz de compreender duas
funções distintas, mas diretamente relacionadas da Atenção Primária. A primeira
consiste em ser, enquanto estratégia de organização e estruturação, o primeiro
nível de atenção do sistema de saúde. A segunda função é de um modelo assisten-
cial para a prática dos profissionais de saúde, com objetivos, competências e resul-
tados esperados, sendo essa última a função mais reconhecida da APS. No entanto,
considerando qualquer dos dois papéis, é possível afirmar que é na Atenção Pri-
mária que deve ocorrer o primeiro contato da população com os serviços de saúde.
Esse contato deve ser o mais resolutivo possível, cabendo à atenção primária não
uma oferta pontual de atenção, mas, sim, um processo integral que inclui a coor-
denação e a ordenação do cuidado na rede de serviços de saúde. Para que isso
ocorra, é necessário que ela possua certas características fundamentais.
Um dos referenciais mais importantes no campo dos estudos de APS, no mundo
contemporâneo, são os trabalhos de Barbara Starfield, professora e pesquisadora
da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Em seus trabalhos, ela define
a APS como o primeiro nível assistencial em um sistema de saúde e preconiza a
presença de tais características fundamentais, as quais nomeia como atributos,
separando-os, didaticamente, em essenciais e derivados. O conhecimento desses
atributos em profundidade é fundamental para que você seja capaz de compreen-
der o que se considera uma APS de qualidade e, principalmente, o que está fal-
tando desenvolver na sua prática e no seu processo de trabalho para melhorar a
atenção ao usuário.

ATRIBUTOS ESSENCIAIS ATRIBUTOS DERIVADOS

Atenção ao primeiro contato


Integralidade Orientação familiar
Longitudinalidade Orientação comunitária
Coordenação do cuidado Competência cultural

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

1.2.1 - Atributos essenciais


Atenção ao primeiro contato
Esse atributo está relacionado ao acesso, que pode ser resumido como a pronta
obtenção de um ato de saúde ou do caminho para tal ato, assim que a necessidade
é identificada.
Vamos refletir sobre como tal atributo se operacionaliza na prática.
Esse atributo preconiza que o usuário precisa encontrar, no serviço ao qual está
vinculado, certeza de acolhimento e acesso, um verdadeiro balcão do sim para suas
demandas. Você, talvez, argumente que, para que haja a garantia efetiva do acesso
a uma determinada tecnologia ou procedimento, é necessária a disponibilidade do
serviço na rede.
No entanto, ainda que o usuário não tenha o acesso imediato à determinada tec-
nologia ou procedimento, esse atributo diz respeito a uma postura, não apenas do
Médico de Família e Comunidade, mas de toda a equipe responsável pela atenção
a uma determinada população.
Tal postura deve ser acolhedora e reso-
lutiva no sentido de oferecer um caminho
de acesso e até mesmo de contingências.
Até que o usuário consiga acessar
aquelas tecnologias e procedimentos, há
um grande número de possibilidades no
processo de cuidado que podem ajudar
aquela pessoa e sua família a lidar com
as diferentes necessidades enquanto
aguardam.
Há, também, outras tantas alternativas
de tratamentos existentes que você e
sua equipe poderão utilizar. Ações de Foto por Vinícius Marinho | Acervo Fundação
Oswaldo Cruz
cuidado como:
• Acolhimento da demanda espontânea de pequena urgência e dos casos
mais vulneráveis,
• Classificação de risco,
• Oferta de grupos educativos
São exemplos de uma postura acolhedora e constituem parte de um determinado
jeito de cuidar, compromissado com a necessidade da pessoa em primeiro lugar,
capaz de potencializar as ofertas para ela, naquele momento e naquele lugar.
Com base nesse atributo é comum nos referirmos à APS como a porta de entrada
do sistema.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Integralidade
A integralidade, enquanto atributo da APS, se aproxima do próprio do SUS. É um
atributo a ser perseguido no cotidiano dos profissionais desse nível de atenção,
que se manifesta pela prestação de uma série de serviços e ações que visam res-
ponder às necessidades da população atendida.
Fazem parte dos serviços e ações a serem realizados pela sua equipe de saúde:
• A promoção de saúde;
• A prevenção de doenças e agravos;
• A proposição de tratamentos para cura ou estabilização de doenças, no
cuidado biopsicossocial e na reabilitação.
Em outras palavras, o atributo da integralidade reconhece que a equipe de saúde
deve buscar, de forma contínua, a entrega de meios para que o usuário obtenha
o cuidado de que necessita, em todas as fases do seu processo saúde-doença.
Você já deve ter percebido que se trata de um princípio indissociável do direito à
saúde e caminha na direção da responsabilização da APS pela obtenção do acesso
aos serviços em outros níveis de atenção, reconhecendo os determinantes sociais
e os problemas singulares da população em toda a sua complexidade.

Longitudinalidade
Outro atributo da APS, a longitudinalidade, é definido, inicialmente, como lidar com
o crescimento e as mudanças de indivíduos ou grupos no decorrer de um período de
anos (Starfield, 2002). Em termos práticos, as unidades de saúde como aquela em
que você atua são responsáveis pela oferta regular de cuidados, ao longo do tempo,
estabelecendo um vínculo de confiança entre a população assistida e a equipe de
saúde. Dessa forma, a longitudinalidade abarca o acompanhamento tanto dos indi-
víduos, em suas necessidades integrais – assistência à doença e manutenção da
saúde –, quanto das necessidades da população ao longo do tempo, conforme as
mudanças nos perfis epidemiológico, demográfico e social daquela população.
Esse atributo se manifesta, primeiramente, no vínculo que se estabelece entre uma
pessoa e o seu médico ou a sua equipe de saúde. Todavia, mais do que isso, a longi-
tudinalidade significa que os cuidados de saúde para uma pessoa devem ser ofer-
tados ao longo do tempo, de forma longitudinal, independentemente de a pessoa
estar doente ou não. Tal atributo requer um serviço ou profissionais que se sintam,
e sejam de fato, responsáveis por uma população – e pelo registro dessa popula-
ção –, assim como por uma relação usuário/profissional de saúde que seja focada
na pessoa, e não na doença, com base em confiança mútua.
A criação desse vínculo pode ser trabalhada e desenvolvida por todos os membros
da equipe de saúde – como enfermeiros ou agentes comunitários de saúde (ACS).
Nesse sentido, é fundamental compreender que, ao longo do tempo, os
profissionais de saúde devem continuar responsáveis por seus pacientes ou

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

usuários, mesmo que, temporariamente, eles estejam sendo acompanhados/assis-


tidos em outros níveis do sistema de saúde.
É importante você considerar que os profissionais da APS são os responsáveis
diretos pelo estabelecimento do vínculo de confiança. Embora muitas vezes a rota-
tividade dos profissionais que prestam o cuidado nas UBSs prejudique a criação
do vínculo com a equipe como um todo, é necessário tentar sempre fortalecê-lo,
pois quanto mais longitudinal o cuidado, maior a chance de se desenvolver uma
relação bilateral com o usuário, com eventuais reflexos positivos na produção de
cuidado e promoção de saúde.
Com base nesses três atributos essenciais: atenção ao primeiro contato, integrali-
dade e longitudinalidade na APS propomos que você reflita:

REFLEXÃO

Com base nesses três atributos essenciais: atenção ao primeiro


contato, integralidade e longitudinalidade na APS propomos que
você reflita:
Observe a forma como você e sua equipe atendem a seus
usuários.
Ao atendê-los, você acredita que assumem uma postura acolhe-
dora e resolutiva? Vocês atendem ao usuário como se a UBS fosse
um balcão do sim?
Pensando na integralidade, você e sua equipe reconhecem o pro-
cesso saúde-doença e os determinantes sociais de adoecimento a
que o indivíduo e sua família estão submetidos. Você acredita ter
essa visão ampliada e sistêmica do processo saúde-doença do
usuário ou foca na queixa principal de uma consulta pontual?
Refletindo criticamente sobre os processos de trabalho da equipe
de saúde na UBS em que atua, é possível identificar a preocupa-
ção e o compromisso com a longitudinalidade na construção de
vínculos com os usuários?

A atenção ao primeiro contato é um importante orientador da sua postura e da


sua conduta no atendimento ao usuário. Independentemente das condições e do
contexto em que você trabalha, lembre-se de que você e sua equipe podem fazer
a diferença na porta de entrada do sistema para aquele usuário.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

É igualmente importante que vocês fortaleçam a visão ampliada e orientada pelo


atributo da integralidade, reconhecendo também que é um atributo que não se
obtém sozinho, mas em equipe, tal como todos os atributos da APS. Portanto, cabe
não apenas ao médico, mas a toda equipe de saúde buscar meios, cooperando, se
articulando e somando esforços, para que o usuário obtenha o cuidado de que
necessita, da melhor maneira possível, em qualquer fase do seu processo
saúde-doença.
Lembre-se de sempre conversar com sua equipe e refletirem juntos sobre a impor-
tância do atributo da longitudinalidade e a construção de vínculo para a atenção
primária de qualidade.

Coordenação do cuidado
O atributo coordenação do cuidado, como você pode deduzir, relaciona-se direta-
mente com os princípios anteriores. Para que haja acesso integral e longitudinal,
é necessária certa sincronia na ação da equipe de saúde e no reconhecimento das
necessidades da população, de modo a garantir o adequado gerenciamento da
obtenção de recursos.
A articulação da equipe de saúde com a família, com o território e com outros
pontos das redes de saúde e intersetorial demanda esforço e gasto de energia por
parte dos profissionais. Quando esse esforço não existe, o conjunto de ações ocorre
de forma fragmentada, acarretando desperdícios, ineficiências e perdas de opor-
tunidades terapêuticas, o que, como você pode deduzir, leva a desfechos piores.
A coordenação do cuidado está, desse modo, ligada à responsabilidade sanitária
sobre a comunidade e seus membros, sendo inerente às melhores práticas
de APS. Envolve uma responsabilização contínua dos profissionais sobre
os pacientes, incluindo seu acompanhamento, quando referenciados para outros
níveis de atenção.

REFLEXÃO

Com base no atributo coordenação de cuidado da APS, propomos


que você reflita:
A assistência habitual da rede de serviços de saúde é feita, geral-
mente, com ofertas pontuais de cuidado. Há um desafio nas tran-
sições de cuidado entre os diferentes serviços, muito difícil de ser
vencido unicamente por serviços da rede municipal devido aos
desafios de escala e de cultura assistencial relacionados ao uso
desses serviços.

20
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cas, políticas e organizacionais

Quando não se coordena o cuidado, gera-se repetição de exames


desnecessários, atrasos assistenciais, mal-entendidos entre os pro-
fissionais, entre tantas outras situações.
É importante garantir esforços para a coordenação do cuidado a
fim de que as ações sejam articuladas e sistêmicas, de modo a evitar
desperdícios e ineficiências que possam comprometer o processo
assistencial.
Como evitar esses problemas? O que as equipes fazem para rever-
ter essa situação?

1.2.2 - Atributos derivados


Orientação familiar
O atributo da orientação familiar da APS considera que o usuário está sempre inse-
rido em um contexto familiar. Sendo assim, o foco de sua atenção, como médico
de família e comunidade não deve ser direcionado exclusivamente à pessoa.
Compreender a família, e não apenas o indivíduo, como unidade da atenção pos-
sibilita que você reconheça as dinâmicas que constituem a pessoa, assim como
suas escolhas e, consequentemente, os determinantes do seu adoecimento. Além
disso, compreender o contexto familiar da pessoa permite a você e
sua equipe traçarem planos terapêuticos coerentes com a realidade dos usuários
e com existência ou não de uma rede de proteção no contexto territorial, socioe-
conômico e cultural daqueles a quem atende.

Orientação comunitária
Tal como o anterior, o atributo orienta-
ção comunitária da APS destaca a neces-
sidade de você compreender que as
famílias estão inseridas em contextos de
comunidade. A exposição maior ou
menor às vulnerabilidades locais,
costumes, hábitos, crenças e a tantas
outras características locais influencia
diretamente a dinâmica das famílias,
por isso, essas variáveis fazem parte do
contexto de determinação social
Foto por Vinícius Marinho | Acervo Fundação do adoecimento.
Oswaldo Cruz

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

De acordo com o atributo orientação comunitária, é importante que sua equipe


faça uma análise das necessidades de saúde da comunidade, utilizando ferramen-
tas básicas da epidemiologia e estabelecendo um bom diálogo com as pessoas,
todavia respeitando, acima de tudo, as suas tradições, crenças e costumes.

Competência cultural
O atributo competência cultural da APS consiste no reconhecimento e respeito às
particularidades culturais e às preferências das pessoas, das famílias e da comu-
nidade na qual elas se inserem. Procure entender esse conceito de forma ampliada,
como um processo dinâmico, crítico e reflexivo relacionado à forma como a cultura
daqueles indivíduos pode afetar comportamentos relacionados à sua saúde, na
perspectiva descrita como humildade cultural. Descrito por Murray-Garcia (apud
GOUVEIA; SILVA; PESSOA, 2019), o conceito de humildade cultural se mostra de
extrema relevância:

Lembre-se!
Humildade cultural é um compromisso vitalício de autoavalia-
ção e autocrítica, para os desequilíbrios de poder existentes na
relação médico-paciente; desenvolver parcerias clínicas de bene-
fícios mútuos; e advocacia não paternalista com as comunida-
des, em nome de indivíduos e populações.

Seja de forma tradicional, seja de forma ampliada e não autocentrada, a compe-


tência cultural pode ser destacada por sua importância na identificação de possí-
veis problemas de saúde e prováveis soluções, uma vez que considera o contexto
cultural, histórico e social no qual aquela população se insere.
Atente para o fato de que o conceito de competência cultural inclui, comumente,
uma série de características próprias, como conhecimento cultural, habilidade
cultural, comunicação cultural e consciência cultural. Inclui-se, ainda dentro desse
conceito, um caráter pessoal, como características individuais. Entre essas carac-
terísticas, apontam-se comumente: a empatia, o respeito, a confiança, o vínculo,
a flexibilidade, a franqueza, a humildade e a compaixão (SANTOS; GRYSCHEK;
COELHO, 2020).
Em um país como o nosso, com tantas culturas e etnias, conhecido, inclusive, por
ser um local com braços abertos para refugiados, é fundamental que você e sua
equipe possam ter esse atributo como um norteador de práticas. Os profissionais
responsáveis pela APS devem ser capazes de reconhecer as peculiaridades cultu-
rais de pessoas ou famílias, sem homogeneizações e estereótipos, para produzi-
rem um lugar comum que contemple tanto o conhecimento técnico quanto as

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

tradições e manifestações culturais daquelas pessoas, famílias ou comunidade, o


que é essencial para estabelecimento de vínculos e para oferta de cuidado equita-
tivo. Tenha em mente que, qualquer intervenção produzida, só será efetiva se for
culturalmente aceitável.

REFLEXÃO

Com base nos atributos derivados orientação familiar, orientação


comunitária e competência cultural da APS, propomos que você reflita:
Muito se fala sobre um cuidado cujo centro é o paciente e suas
necessidades. Os atributos da APS, nesse sentido, devem balizar a
relação entre a equipe de saúde e a pessoa e sua família. No entanto,
todo esse cuidado está inserido em um contexto de trabalho real,
feito por pessoas e para pessoas, em um certo local, numa certa
sociedade e num certo tempo. Esse encontro de saberes
técnicos com os saberes culturais, crenças, entendimentos e com-
preensões pode levar a choques de percepção com potencial
geração de conflitos.
Considerando os atributos derivados da APS, você acha que o fazer
cotidiano de sua unidade os contempla? Você acredita que a pessoa
e sua família são de fato respeitados quanto às suas autonomias,
crenças, culturas e decisões? Refletindo sobre tudo isso, você
acha que pode olhar para a população que você assiste em seu
cotidiano na APS de forma diferente?

SAIBA MAIS

Avaliação da Atenção Primária: uma visão da população


Para saber sobre os atributos da APS, uma importante referência é o livro Atenção pri-
mária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia, da Professora Barbara
Starfield, publicado em 2002 pelo Ministério da Saúde em parceria com a UNESCO.
Recomendamos a leitura atenta do capítulo 13 (páginas 481 a 531) – Avaliação da
Atenção Primária: uma visão da população –, no qual a autora propõe tópicos para
avaliação dos sistemas e programas da APS e faz interessantes considerações sobre
os atributos aqui discutidos (em especial da página 482 a 488), dando um caminho
para análise e avaliação de seu funcionamento.
Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/0253.pdf.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

1.3 - ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO MUNDO


Antes de estudarmos como se estrutura a APS no Brasil, é importante você com-
preender como ela se insere no contexto dos sistemas de saúde. Conhecer exem-
plos de como isso ocorre no mundo ajudará você a entender a APS como parte
indissociável das escolhas sociais que sustentam os sistemas nacionais de saúde
nos quais se inserem, assim como seu papel, maior ou menor, na ordenação desse
sistema e na garantia da universalidade, com ou sem integralidade, com menor ou
maior preocupação com intervenções que reduzam as desigualdades locais.
O conceito das múltiplas dimensões da Gestão do Cuidado apresentado por Cecilio
(2011) nos permite compreender quanto cada dimensão influencia e é influencia-
da pelas demais.

Lembre-se!
A gestão do cuidado em saúde se realiza em múltiplas dimen-
sões que, imanentes entre si, apresentam, todas e cada uma
delas, uma especificidade que pode ser conhecida para fins de
reflexão, pesquisa e intervenção. Podemos pensar a gestão do
cuidado em saúde sendo realizada em cinco dimensões: indivi-
dual, familiar, profissional, organizacional, sistêmica e societária
(Cecilio, 2011).

Em outras palavras, os indivíduos, famílias, profissionais, serviços, sistemas e socie-


dade caminham em um equilíbrio dinâmico de expectativas e limites que
determinam, multilateralmente, as relações daquele local em um dado
espaço-tempo.
Dessa forma, a APS existente em cada país traduz, de certa forma, o que aquela
sociedade compreende e sustenta como relações de cuidado adequadas naquele
momento, para aquelas condições. Em fluxo inverso, mas paralelo a esse, reper-
cutem no cidadão as restrições, limites e potências compatíveis com o modelo em
uso, gerando as relações, que, em massa, produzirão um entendimento de ade-
quação ou inadequação social desse modelo. E são, geralmente, as
divergências entre a expectativa da população e os serviços oferecidos na
prática que podem culminar nos conflitos que, por sua vez, impulsionarão a revisão
das premissas desse sistema de saúde.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

1.3.1 - Exemplos de APS no mundo

REINO UNIDO

O National Health Service (NHS) é o sistema de saúde dos quatro


países que compõem o Reino Unido (Inglaterra, País de Gales,
Irlanda do Norte e Escócia). Trata-se de um sistema majoritaria-
mente público, com cobertura universal de saúde, sendo um dos
maiores expoentes do chamado modelo beveridgiano, sendo finan-
ciado predominantemente por meio de recursos advindos da cap-
tação de impostos. O sistema de saúde britânico é considerado um
dos melhores do mundo, com excelentes resultados assistenciais
e uma cobertura estimada de mais de 99% da população. Equidade
e integralidade são premissas do sistema, com alguns limites, como
no caso de serviços oftálmicos, dentários e de dispensação de medi-
camentos. A cobertura abrange, além dos cidadãos britânicos, os
residentes legais com residência permanente, refugiados, alguns
estudantes (incluindo seus familiares) e pessoas com permissão
para trabalhar na Inglaterra. Para os demais, o acesso às emergên-
cias é livre e a cobertura pode ser complementada com seguros-
-saúde. A APS é o centro do modelo, por meio da ação dos GPs
(General Practioners) em Trusts. Com exceção dos serviços de

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

urgência, a população não possui livre escolha para seu atendi-


mento, devendo se fixar em um GP de referência, que seguirá hori-
zontalmente cada paciente, executando papel de gatekeeper para
evitar sobreutilização do sistema. Os médicos atuam por dentro
dos GP fundholders, que contratam os serviços dos GPs e são res-
ponsáveis pela prestação de contas de uma série de indicadores
de performance que impactam inclusive no próprio financiamento
da assistência à saúde. Segundo dados da OCDE, em 2018 o Reino
Unido teve um gasto em saúde que representou 9,8% do PIB, sendo
7,5% gasto público, com um gasto per capita anual de US$ 4.070,00.

FRANÇA

A França possui um importante sistema de seguridade social, que


inclui a cobertura universal de saúde. Trata-se de um modelo que
tende ao bismarckiano, no qual há um seguro-saúde de natureza
estatal, denominado Assurance Maladie (AM), que assegura a cober-
tura de despesas e provisão de cuidados, a partir de três princípios
fundamentais: igualdade de acesso, qualidade dos cuidados e soli-
dariedade. A AM cobre parcial ou totalmente os custos da maior
parte das despesas em serviços de saúde providos pelo setor público
ou por agentes privados, eximindo o cidadão de pagamentos ou
reembolsando seus custos em percentuais que vão de 60% até a
totalidade da despesa, de acordo com a natureza do bem ou serviço,
da situação financeira e da condição de saúde do indivíduo. Os cida-
dãos podem contar com seguros complementares que podem arcar
com o resíduo a ser pago ou optar pelo desembolso direto. Uma vez
que o acesso está baseado em uma estruturação médica de natu-
reza mais liberal, é possível que ocorra tanto por meio de generalis-
tas como por especialistas, geralmente em consultórios individuais.
Não há formalmente uma rede organizada e hierarquizada com a
APS sendo porta de entrada e seus profissionais exercendo o papel
de gatekeepers. Segundo dados da OCDE, em 2018, a França teve
um gasto em saúde que representou 11,2% do PIB, sendo 9,3% gasto
público, com um gasto per capita anual de US$ 4.965,00.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

ALEMANHA

A Alemanha possui um sistema de saúde com cobertura universal


em modelo bismarckiano, sendo inclusive o berço desse tipo de
modelo de seguridade. Mudanças no final dos anos 2000 tornaram
obrigatório, para todos os cidadãos alemães e/ou residentes de
longa duração, ter um seguro de saúde. Para aqueles com menor
rendimento, o seguro é fornecido pelo Estado para si e seus fami-
liares, sendo conhecido na Alemanha como Gesetzliche Kranken-
versicherung (GKV). Já os cidadãos com maior renda podem optar
por adquirir um plano de seguro de saúde privado, porém, caso
façam essa opção, não podem regressar ao sistema estatal. A
maioria dos cidadãos, no entanto, permanecem com o seguro
estatal. Como o seguro de saúde é obrigatório, qualquer fundo de
saúde oficial e as empresas de seguros privados de saúde têm a
obrigatoriedade de aceitar todos os candidatos. A atenção à saúde
tem suas raízes no trabalho liberal dos médicos, não havendo uma
hierarquização formal da rede nem generalistas exercendo o papel
de gatekeeper. Segundo dados da OCDE, em 2018, a Alemanha
teve um gasto em saúde que abrangeu 11,2% do PIB, sendo 9,5%
gasto público, com um gasto per capita anual de US$ 5.986,00.

CANADÁ

Sistema eminentemente público, com cobertura universal de saúde,


em modelo beveridgiano, apoiado em provedores privados, res-
ponsáveis por prestar serviços à população em uma carteira espe-
cífica de ações e procedimentos mediante pagamentos públicos
que ocorrem por meio de um seguro nacional de saúde. A cober-
tura estimada para a carteira básica de serviços é de 100% da
população, o que se traduz em rotineiramente encontrarmos o
país posicionado nas primeiras posições em estudos comparati-
vos de performance dos sistemas nacionais de saúde. A integrali-
dade é limitada, não abrangendo em geral a assistência farmacêu-
tica ambulatorial, a saúde bucal e os cuidados com equipe
multiprofissional, exceto em casos excepcionais. A APS é a base
do modelo do sistema de saúde, tendo nos médicos de família

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

uma referência. A população não possui livre escolha para seu


atendimento, havendo um profissional de referência para seguir
horizontalmente cada paciente, executando papel de gatekeeper
para evitar sobreutilização do sistema. Os médicos atuam de forma
autônoma, com grande centralidade na clínica com menor impor-
tância dos aspectos sociais relacionados à saúde. Segundo dados
da OCDE, o Canadá tem um gasto em saúde que abrange 10,7%
do PIB, sendo quase 8% gasto público, com um gasto per capita
anual de US$ 4.974,00.

SAIBA MAIS

Se tiver interesse em saber um pouco mais sobre os sistemas universais no mundo,


há duas leituras que poderão ajudá-lo nessa missão.
A primeira é uma publicação da revista RADIS, de novembro de 2010 (p.11), Por
dentro dos sistemas universais, que lança um olhar mais geral sobre os sistemas do
Canadá, da Espanha e do Reino Unido.
Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/
radis_99_por_dentro_sistemas_universais.pdf.

A segunda é o artigo Estudo de saúde comparada: os modelos de atenção primária


em saúde no Brasil, Canadá e Cuba, que compara a APS nesses três países, dando
subsídios para a compreensão de aspectos similares e diferentes entre tais países
e o Brasil.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1983-82202018000100007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 13jun.2021. DOI:http://
dx.doi.org/10.36298/gerais2019110107.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

FECHAMENTO DA UNIDADE
Até aqui, trabalhamos a base conceitual e histórica da APS, no Brasil e no mundo.
Após estudar os princípios da APS descritos, você, certamente, consegue compre-
ender o quanto eles são importantes para uma atenção de qualidade e é capaz,
inclusive, de analisar como os atributos estudados dialogam com os princípios do
SUS, já estudados.
Você também já pode compreender de que forma a APS, tendo em seus atributos
um esteio conceitual, desempenha papel fundamental no âmbito desse sistema.
No Brasil, inseridas no SUS, existem várias modelagens assistenciais para a APS,
sendo a principal delas a Estratégia Saúde da Família (ESF), que leva assistência
multidisciplinar à população nas UBSs. Os diferentes modelos oferecem acesso a
serviços de saúde, tais como:
• Consultas;
• Exames complementares;
• Vacinação;
• Serviços odontológicos;
• Atividades de prevenção de doenças e de promoção da saúde aos usuá-
rios, dentre outros.
As diferenças entre os modelos assistenciais estão relacionadas às formas de abor-
dagem (individual ou familiar), de intervenção e de responsabilização por uma
população adstrita a um território.
Na próxima unidade, discutiremos mais detalhadamente a ESF, além de refletimos
sobre outros modelos assistenciais de APS no SUS, suas principais diferenças de
abordagem e seus respectivos limites operacionais.

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UNIDADE 02

Organização
da Atenção
Primária à Saúde
no Brasil: a
estratégia saúde
da família
EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

OBJETIVO GERAL DA UNIDADE


Reconhecer a estruturação da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil por meio
da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), bem como seus modelos assisten-
ciais, em especial o da Estratégia Saúde da Família (ESF), relacionando-a com sua
prática profissional.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Identificar os princípios da PNAB;
• Relacionar os princípios da PNAB com a prática profissional;
• Identificar as características da ESF;
• Relacionar as características da ESF com a prática profissional;
• Reconhecer a importância da intersetorialidade para a organização dos
serviços na APS;
• Entender a importância do trabalho em equipe interdisciplinar e inter-
profissional na ESF para a organização do trabalho, conforme atributos
da APS. Avaliar as diversas possibilidades de utilização dos atributos
essenciais da APS na prática profissional;
• Promover ações fundamentadas nos princípios da PNAB, relacionando-os
com a prática profissional;
• Implementar ações com base nas características da ESF, relacionando-as
com os princípios da APS e a prática profissional.

INTRODUÇÃO DA UNIDADE
A Estratégia Saúde da Família (ESF) é, conforme a Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB), o modelo assistencial preferencial a ser utilizado para organização
da APS no Brasil. Essa estratégia incorpora todos os princípios do SUS e deve ser,
do ponto de vista da gestão, em esfera federal, estadual e municipal, o modelo
prioritário para a execução do processo de trabalho e estruturação das
redes assistenciais.
Ainda que sejam possíveis outros modelos, consta da PNAB que os gestores de
todas as esferas devem garantir que os modelos tenham “caráter transitório, devendo
ser estimulada sua conversão em Estratégia Saúde da Família” (BRASIL, 2017).
Você sabe como é o modelo assistencial de ESF? Como esse modelo deve estar
estruturado? Seus principais processos de trabalho? No que se diferencia dos
modelos tradicionais de assistência à saúde em APS?
Outro ponto sobre o qual a unidade quer levar você a refletir são os referenciais
normativos que orientam tal modelo. Você os conhece? Sabe quais são seus

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

princípios e diretrizes? Como se expressam em populações específicas como as


comunidades indígenas ou as privadas de liberdade?
Convidamos você a estudar todos esses aspectos relacionados à operacionaliza-
ção da APS no país, em especial a ESF.

2.1 - BREVE HISTÓRICO DA ESF


2.1.1 - A APS no Brasil antes do SUS
Como você já estudou, a saúde no Brasil se desenvolveu a partir da evolução de
um sistema de base previdenciária, cuja preocupação principal era garantir o acesso
à saúde para os trabalhadores, inicialmente de grupos específicos e depois
agrupados no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS). Em ambos os casos com acesso condicionado à contribuição com a Pre-
vidência Social.
Esse sistema previdenciário contava com ações de cunho preventivista de saúde
pública nos centros de saúde, conforme um modelo inspirado na medicina comu-
nitária dos EUA da década de 1960. Essas ações, assim como as iniciativas de alguns
hospitais filantrópicos, eram, por vezes, a única forma de acesso das pessoas a um
serviço de saúde.
Inspirados pelas discussões e experiências internacionais, os movimentos sociais,
organizados e apoiados por setores específicos da sociedade, como alguns setores
da Igreja Católica e os profissionais de saúde sanitaristas, se agruparam para a
construção de uma nova alternativa de acesso à saúde entendido como direito da
população. Tal movimento ficou conhecido como Reforma Sanitária.
Os elevados custos dos sistemas de saúde, construídos na lógica de uma centrali-
dade médica e tecnológica, com baixa capilaridade e resolutividade, foram as variá-
veis motivadoras do movimento da Reforma Sanitária. A discussão sobre custo-e-
fetividade do sistema de saúde foi uma pauta mobilizadora, uma vez que, por meio
do desenvolvimento do conceito da determinação social do adoecimento, ficava
cada vez mais claro que a pobreza e suas repercussões econômicas, sociais e sani-
tárias, produziam efeitos terríveis na vida das pessoas, como a mortalidade infan-
til e as morbidades por condições infecciosas e parasitárias.
Assim, começou a surgir pelo país o aumento de serviços prestados pelos centros
de saúde, com grande repercussão na expansão de sua rede ambulatorial, aumen-
tando a relevância da pauta da universalidade. Esse desenvolvimento, inspirado
em experiências exitosas como as do National Health Service (NHS) inglês e em publi-
cações internacionais, como a Declaração de Alma-Ata, trouxe duas contribuições
estruturantes para a APS: a regionalização e a integralidade do cuidado. Experiên-
cias exitosas como de Niterói-RJ, muito antes do Programa Saúde da Família (PSF),
de Montes Claros-MG, de Sobral-CE, de Recife-PE abriram espaço para a APS que
conhecemos, mesmo antes do SUS.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Todavia, você deve ter em mente que, enquanto políticas públicas, tais ações eram
pontuais, prevalecendo ainda o modelo tradicional, mais centralista e voltado para
epidemias, em que os centros de saúde faziam a medicina pobre, para pobres,
segundo Testa (1992).

2.1.2 - A APS inserida no SUS


Apesar de todos os esforços do movimento de Reforma Sanitária para serem garan-
tidas as premissas de Alma-Ata no país, na implantação do SUS, pela necessidade
de substituição de modelos, houve maior ênfase no desenvolvimento de modelos
de gestão e em outros aspectos constitutivos do sistema de saúde. O desenvolvi-
mento pontual dessas tecnologias locais de cuidado iniciou-se de forma difusa e,
embora com resultados interessantes, teve pouca repercussão nacional no momento
de suas implantações.
Nessa trajetória, o arcabouço técnico da APS surgiu posteriormente, na década de
1990, inspirado em sistemas de saúde de base comunitária, com expoentes em
ações como, por exemplo, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)
e, mais tarde, o Programa Saúde da Família (PSF).
De diversas experiências como essas, resultou a primeira Política de Atenção Básica,
em 2006, que trouxe ao SUS avanços que vão além da discussão ideológica do
sistema e de sua perspectiva emancipadora, trazida pela presença do Controle
Social. Avanços esses que buscam instrumentais técnicos para garantir o acesso a
uma saúde de fato integral e universal.

Lembre-se!
A perspectiva emancipatória diz respeito a um certo compro-
misso histórico do SUS com o Controle Social e com a participa-
ção da comunidade, o maior diferencial entre a Atenção Básica
enquanto projeto técnico-político que reconhecemos no Sistema
Único de Saúde, e os conceitos de Atenção Primária à Saúde que
tanto se discutem no mundo (CECILIO; REIS, 2018). O Controle
Social, enquanto política pública prevista na Lei nº 8.142
(BRASIL, 1990), vai além do reconhecimento de uma competên-
cia cultural; reconhece na própria comunidade e nos trabalha-
dores em saúde legitimidade gestora para fiscalizar e produzir
caminhos para o funcionamento adequado da unidade e do
próprio sistema de saúde.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Com base nesse conceito, pense na unidade de saúde em que você trabalha e no
município em que ela se localiza, procurando reconhecer quanto o Controle Social
está, de fato, presente e se ele é, de fato, uma expressão de reafirmação de pers-
pectiva emancipatória. Caso não seja, como você pensa ser possível desenvolver
tal perspectiva em sua realidade de trabalho.
Desde sua adoção, a PNAB já passou por diversos avanços, com uma reedição em
2011. Desde seus primórdios, várias tentativas de dinamizar as ações de APS se
conectaram a essa política, tais como:
• Instrumento de Avaliação da APS (PCATool);
• Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade (PMAQ-AB);
• Requalifica UBS;
• Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB);
• Programa Médicos pelo Brasil;
• Programa Mais Médicos (PMM);
• Programa Mais Médicos pelo Brasil (PMMB).

Todas essas iniciativas objetivaram avaliar, quali-


ficar ou intervir em melhorias de processos e de
estrutura por meio de referenciais de gestão,
incentivos financeiros, ofertas educacionais ou de
provimento e fixação de profissional. Esse con-
junto de ações influenciou a conformação da PNAB
como a conhecemos atualmente, catalisando
certas discussões e dando novos direcionamen-
tos à política pública de saúde no contexto
nacional.
A seguir, você irá estudar os principais pontos que
ajudaram a conformar a APS no país, para, enfim,
discutirmos a PNAB enquanto política pública, com
suas intencionalidades e limites.
Fonte: Ministério da Saúde

2.1.3 - O Programa Saúde da Família


No contexto da formação do SUS, enquanto meio para obtenção da saúde e como
direito social, várias experiências contribuíram para a conformação do que hoje
conhecemos como a ESF, da qual você faz parte. Desde os movimentos sociais
das décadas de 1970 e 1980 – como o movimento de saúde da zona leste paulis-
tana –, surgiram novas concepções de saúde e de articulação dos meios políticos
para que elas avançassem como uma proposta de garantia de direitos. Esses diver-

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

sos esforços sociais articulados culminaram, desse modo em ações importantes


para a estruturação do SUS.
No princípio da década de 1990, pelas experiências exitosas inspiradas em países
como Canadá, Cuba e Reino Unido, surgiram dois grandes precursores do que
conhecemos hoje como ESF: Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS) e
o Programa Saúde da Família (PSF).

Você pode ler mais a respeito desse assunto nos documentos disponibi-
lizados na midiateca.

É importante agora aprofundar seus estudos sobre cada um dos programas que
foram precursores da ESF como a conhecemos hoje, a começar pelo PACS, que
surgiu no início da década de 1990, tendo sido efetivamente instituído e regula-
mentado em 1997. Foi uma importante estratégia que aprimorou o SUS ao propor
e viabilizar uma reorientação ambulatorial e domiciliar que tinha na figura do Agente
Comunitário de Saúde (ACS) um ator fundamental.
Esses agentes, inicialmente, eram pessoas escolhidas da própria comunidade para
desenvolverem ações, coletivas ou individuais, de prevenção e promoção da saúde
para a população, contribuindo para o reconhecimento dos contextos de vida das
famílias, levando em consideração as realidades das comunidades, bem como suas
potências e vulnerabilidades. Muitas vezes atuam em visitas domiciliares, ocorri-

SAIBA MAIS

Caso haja interesse, para entender melhor a importância do papel do ACS dentro
da ESF você pode fazer a leitura do artigo: Processo de trabalho do agente comuni-
tário de saúde e a reestruturação produtiva.
Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csp/2009.v25n4/898-906/.

das sob supervisão competente da equipe de saúde com foco nas pessoas, suas
famílias e seu círculo social.
Após o PACS, surgiu enfim o PSF, que foi a estratégia que antecedeu a implanta-
ção da ESF. Constituiu-se em uma forma de atendimento integral e contínuo à
pessoa e à sua família que, para atingir seus objetivos, viabilizou ações de promo-
ção, proteção e recuperação da saúde. Visou à reorganização das práticas assis-
tenciais, deslocando o eixo ambulatorial curativo dos modelos tradicionais de assis-
tência à saúde, forjados em uma prática hospitalocêntrica, para um enfoque mais

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cas, políticas e organizacionais

comunitário, centrado no usuário e sua família, por meio da sua inserção no


ambiente físico e social da pessoa em sua comunidade.
Era esperado que as equipes do PSF, nessa perspectiva integral e funcionando ade-
quadamente, fossem capazes de resolver, em teoria, até 85% dos problemas de
saúde da comunidade em que atuavam, com atendimentos de nível apropriado para
prevenir doenças, evitar internações desnecessárias e gerar impactos positivos na
qualidade de vida da população. De fato, foi a partir das experiências
exitosas, derivadas da implantação do PSF e do PACS, que a APS se consolidou
definitivamente como uma política pública estruturante do SUS, por meio da publi-
cação da PNAB, em 2006.
Para que você entenda a importância dessa política, basta dizer que ela assumiu a
Saúde da Família como finalmente como estratégia e não mais como um programa
isolado, reconhecendo e fortalecendo uma mudança de modelo assistencial que
estava em construção no país. Nesse sentido, a política amplia a importância do
cuidado multiprofissional em equipe e reorienta o sistema para que a UBS atue como
Guardiã de Oferta (Gatekeeper), o que diz respeito à sua função como porta de entrada
preferencial e de coordenação da atenção na rede. No papel de guardiã de oferta, a
unidade básica exerce, assim, o papel de tomador de decisão, semelhante a um
orientador de fluxo, um porteiro, que determina o que permanece sob cuidados da
própria unidade e o que passa a outro nível de atenção no sistema de saúde.
A PNAB, ao propor a ESF como modelo, reconheceu a territorialização prevista no
SUS de uma forma marcante, definindo, por meio de parâmetros objetivos, uma
população adstrita a um território geograficamente delimitado, com efeitos inclusive
no financiamento do sistema. Apesar de a territorialização não ser premissa funda-
mental para um bom desempenho da APS, haja vista que há experiências exitosas
mundo afora sem que ela esteja tão marcada, tal modelo incorpora estruturalmente
o conceito de determinação social de saúde e doença, e dele deriva, naturalmente,
um nível de responsabilização territorial, norteador de planejamentos e pactuações
muito potentes para o cuidado que marcam de forma positiva diversos avanços do
sistema de saúde do Brasil.
Vamos tratar de forma pormenorizada alguns aspectos da ESF para que você possa
compreender o seu funcionamento e premissas. Iniciaremos pelo estudo do Pro-
cesso de Trabalho na Estratégia Saúde da Família.

2.1.4 - A Estratégia Saúde da Família (ESF)


Com base nessas considerações anteriores, você já pode compreender o lugar da
APS ou Atenção Básica (AB) no contexto da política pública do país, ou seja, pode
entender como o Brasil formalmente a reconhece e a conceitua para ser
operacionalizada:
A Atenção Básica é o conjunto de ações de saúde individuais, familiares
e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico,

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigi-


lância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado
e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à
população em território definido, sobre as quais as equipes assumem
responsabilidade sanitária (Brasil, 2017).

Para que o SUS entregue o cuidado na forma como está preconizado pela política
pública, diversos modelos de cuidado ocorrem nas unidades de saúde país afora.
Discutiremos pormenorizadamente cada um deles, mas daremos destaque ao prin-
cipal deles: a Estratégia Saúde da Família (ESF), no qual seu trabalho está inserido.
Você deve estar se perguntando: por que essa centralidade na ESF? Em que se dife-
rencia a ESF do modelo tradicional de atendimento? A forma mais simples de expli-
car as diferenças entre eles se dá pela análise do processo de trabalho desse modelo
nas unidades.

Na ESF, o trabalho é organizado de forma multiprofissional por meio de equipes de


saúde da família, compostas de, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliares ou técnicos
de enfermagem e ACS. A essa equipe mínima podem ser somados os profissionais de
saúde bucal: cirurgião-dentista e auxiliar ou técnico em saúde bucal e agentes de
combate às endemias. A carga horária dos profissionais das equipes deve ser de 40
horas semanais.

É recomendado que cada equipe seja referência para uma população entre 2.000 e
3.500 pessoas, em seu território de abrangência, de forma a garantir acesso e
resolutividade, conforme os princípios da APS.

É importante frisar que esse é um referencial recomendado e que é possível, à critério


do gestor, em conjunto com os profissionais e as instâncias de controle social, optar
por outros arranjos de adstrição populacional, de acordo com especificidades locais,
como vulnerabilidades, riscos e dinâmica comunitária.

Nesse caso, podem-se definir outros parâmetros populacionais. O repasse de recursos


do Ministério da Saúde está condicionado à aprovação da ampliação de equipes e
efetiva publicação de portaria de credenciamento, e a manutenção dos repasses de
recursos se mantém condicionada ao efetivo provimento das posições de equipe
mínima descritas anteriormente.

O número total de ACSs em cada equipe também deve ser definido de acordo com a
base populacional. Em regiões em que o risco e a vulnerabilidade social são muito
altos, recomenda-se a cobertura de 100% da população com número máximo de 750
pessoas por ACS.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Como demonstram essas informações e como comprova seu próprio trabalho, as


ofertas estão baseadas em ações de saúde de naturezas individuais e/ou coletivas.
As ações individuais são as consultas, que se assemelham às tradicionais, uma vez
que são o encontro entre um usuário com uma necessidade identificada e um pro-
fissional de saúde.
A maior diferença desse modelo está na oferta das ações coletivas de saúde e em
suas repercussões no processo de cuidado e de trabalho em saúde. Dentre os dife-
rentes tipos de oferta coletivas podemos citar, por exemplo, as consultas individu-
ais com outros profissionais da equipe de saúde, as chamadas consultas compar-
tilhadas, que tendem a ser mais presentes no modelo da ESF do que nos modelos
tradicionais com apenas consultas médicas. Além delas, você pode incluir as ofertas
de grupos educativos – que intentam aprimorar a educação em saúde no nível do
território – e os grupos terapêuticos – com seus mais variados objetivos e configu-
rações. São também ações coletivas os momentos de reunião de sua equipe e as
visitas domiciliares.
Outra diferença marcante encontra-se no foco da abordagem e da consequente
estruturação em um prontuário. Enquanto nas unidades tradicionais a abordagem
e o prontuário são necessariamente individuais, na ESF, recomenda-se a adoção
do prontuário familiar, estruturado de forma a permitir uma visão integrada de
toda a dinâmica da pessoa e do seu ciclo imediato de relações. No entanto, essa
recomendação formal de prontuário familiar não é obrigatória. Alguns prontuários
eletrônicos disponíveis para uso não contam com essa formatação. Nesse caso,
recomenda-se que a abordagem familiar possa estar presente no seu processo

Foto por Vinícius Marinho | Acervo FioCruz Imagens

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

de trabalho e nas discussões com sua equipe, utilizando-se outros métodos de


gestão do cuidado que garantam tais benefícios.
Uma das maiores dificuldades da ESF reside na execução efetiva de um trabalho
em equipe. De forma geral, durante a formação do profissional de saúde, o estu-
dante aprende a tomar decisões ou executar ações baseado apenas em seu conhe-
cimento, de forma isolada. Por outro lado, quando pensamos no cotidiano de uma
equipe de saúde e no papel de cada membro dessa equipe, percebemos que os
limites, em muitas situações, podem não ser precisos, tanto por superposição –
quando um ato pode ser realizado por mais de um membro da equipe –, quanto
por indefinição – quando estamos em uma situação inesperada que não se encaixa
em um modelo previamente definido.
Para que o trabalho de equipes de saúde, como aquela da qual você faz parte, seja
resolutivo, é fundamental que haja uma boa comunicação entre seus membros,
com troca de informações, e definição clara de atribuições entre os membros da
equipe, especialmente em casos complexos.
Trabalhar em equipe, de maneira efetiva, muitas vezes nos obriga a sair de nossa
zona de conforto e assumir compromissos e papéis que vão além da responsa-
bilidade técnica. Reconhecer tudo que está no seu campo de atribuições e o que
está no campo das atribuições da equipe ajuda a construir um cenário propício
a pactuações sobre o processo de trabalho. Tais pactuações devem levar em con-
sideração os saberes, habilidades e características individuais, e são elas que
garantirão o êxito de uma determinada equipe na difícil tarefa de gestão do
cuidado no território.
Nessa perspectiva, é crucial para o bom funcionamento da ESF que ela entenda o
papel do ACS como a ponte entre a equipe de saúde e a comunidade. O trabalho
desse agente é uma via de mão dupla, capaz de trazer de forma concreta as deman-
das da população para a equipe de saúde, bem como direcionar à população os
objetivos traçados pela equipe para uma determinada família ou comunidade.

2.2 - POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA


A história ainda em constante construção da APS mostra que esse nível de atenção
tem seu funcionamento no Brasil amparado pela Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB).A primeira publicação dessa política se deu em 2006, com a segunda
em 2011 e a terceira e última em 2017, por meio da publicação da Portaria nº 2.436,
de 21 de setembro de 2017 (BRASIL, 2017), que estabeleceu o texto vigente das
diretrizes para a organização da Atenção Básica (AB) no âmbito do SUS.
Essa portaria alinha a APS no Brasil ao contexto das Redes de Atenção à Saúde
(RAS), estabelecendo-a como primeiro ponto de atenção e porta de entrada prefe-
rencial do sistema, com prerrogativa de ordenar os fluxos e contrafluxos de pessoas,
produtos e informações em todos os pontos de atenção à saúde. Para compreen-
der a atual PNAB e o papel da APS no presente desenho organizacional do SUS,

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

é bastante pertinente localizarmos seu papel enquanto um nível de atenção, e não


mais como um nível de complexidade.
Sua concepção de nível de complexidade esteve associada, durante muito tempo,
ao princípio da hierarquização do SUS, sendo usual a representação na pirâmide
de complexidade, conforme Figura 1.

Alta
Complexidade

Média
Complexidade APS

Atenção Básica

FIgura 1: Representações do sistema de saúde piramidal - tradicional e poliárquico de rede


Fonte: Mendes (2011)

Na perspectiva tradicional temos:


• Alta Complexidade correspondendo ao hospital e sua tecnologia asso-
ciada, incluindo seus múltiplos especialistas, exames e procedimentos;
• Média Complexidade correspondendo à atenção especializada ambu-
latorial, igualmente com suas tecnologias especializadas, embora com
menos densidade tecnológica, mas está inserida em uma multiplicidade
de saberes especializados e com maior disponibilidade de exames e de
alguns procedimentos.
• Atenção Básica é o nível menos complexo, com respostas organizadas
para as ações de prevenção e promoção da saúde, bem como ações pro-
gramáticas de assistência primária à saúde.

Como você pode perceber, afigura piramidal expressa uma lógica de hierarquia
técnica, subordinando o secundário ao terciário e o primário aos dois primeiros.
Essa lógica ainda está presente no imaginário de muitas pessoas e mesmo de pro-
fissionais de saúde.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

REFLEXÃO

Vamos agora desafiar essa lógica técnica de complexidade confron-


tando-a com situações cotidianas comuns em uma unidade de
saúde como aquela em que você atua. Para você, qual das situa-
ções a seguir expressa maior nível de complexidade?
• Apendicite aguda que demanda dois dias de internação
hospitalar;
• Drogadição de uma gestante em situação de vulnerabili-
dade social extrema;
• Tuberculose de pacientes em situação de rua.
Exemplos como esses nos ajudam a pensar em um novo conceito
de rede, relacionado com a densidade tecnológica disponível em um
determinado agrupamento de serviços e não mais com a
complexidade.

Na perspectiva da densidade tecnológica, o conceito dos níveis de atenção pri-


mária, secundária e terciária, define uma relação poliárquica, sem que um do
níveis seja hierarquicamente superior ao outro, conforme exposto no pentágono
à direita.
Teoricamente, na organização atual do sistema de saúde, o conjunto de serviços
deve estar organizado não mais na forma hierárquica proposta pela pirâmide de
complexidades, mas de forma poliárquica. Em um sistema de saúde poliárquico,
não há um nível de atenção hierarquicamente superior ao outro.
Observe que o atual modelo subverte a lógica expressa pelo modelo da pirâmide
na medida em que reconhece o usuário como o centro do cuidado. Por estar mais
próxima do usuário e, consequentemente, de sua vida, sua família e seus deter-
minantes, a APS deve ser capaz de ordenar e coordenar o cuidado.
Independentemente das questões e polêmicas conceituais relacionadas a esse
novo modelo, em 2019, o Ministério da Saúde firmou entendimentos no qual os
termos Atenção Básica (AB) e Atenção Primária (APS) são sinônimos ao que tange
a estruturação dos cuidados primários no SUS.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

2.2.1 - Princípios e Diretrizes


A PNAB atribui, à estruturação da APS no Brasil, princípios e diretrizes comuns ao
SUS e às RASs. São eles:

Princípios

UNIVERSALIDADE EQUIDADE INTEGRALIDADE

Possibilitar o acesso universal e Ofertar o cuidado, É o conjunto de serviços


contínuo a serviços de saúde reconhecendo as diferenças executados pela equipe de
de qualidade e resolutivos, nas condições de vida e saúde saúde que atendam às
caracterizados como a porta de e de acordo com as necessidades da população
entrada aberta e preferencial necessidades das pessoas, adscrita nos campos do
da RAS (primeiro contato), considerando que o direito à cuidado, da promoção e
acolhendo as pessoas e saúde passa pelas manutenção da saúde, da
promovendo a vinculação e diferenciações sociais e deve prevenção de doenças e
corresponsabilização pela atender à diversidade. Ficando agravos, da cura, da
atenção às suas necessidades proibida qualquer exclusão reabilitação, redução de danos
de saúde. O estabelecimento baseada em idade, gênero, cor, e dos cuidados paliativos. Inclui
de mecanismos que assegurem crença, nacionalidade, etnia, a responsabilização pela oferta
acessibilidade e acolhimento orientação sexual, identidade de serviços em outros pontos
pressupõe uma lógica de de gênero, estado de saúde, de atenção à saúde e o
organização e funcionamento condição socioeconômica, reconhecimento adequado das
do serviço de saúde que parte escolaridade ou limitação física, necessidades biológicas,
do princípio de que as equipes intelectual, funcional, entre psicológicas, ambientais e
que atuam na Atenção Básica outras, com estratégias que sociais causadoras das
nas UBS devem receber e ouvir permitam minimizar doenças, e manejo das diversas
todas as pessoas que procuram desigualdades, evitar exclusão tecnologias de cuidado e de
seus serviços, de modo social de grupos que possam gestão necessárias a estes fins,
universal, de fácil acesso e sem vir a sofrer estigmatização ou além da ampliação da
diferenciações excludentes, e a discriminação; de maneira que autonomia das pessoas e
partir daí construir respostas impacte na autonomia e na coletividade (BRASIL, 2017).
para suas demandas e situação de saúde.
necessidades.

Em outras palavras, os princípios da PNAB reafirmam a universalidade preconi-


zada pelo SUS, que deve abranger todos aqueles que possuem necessidades de
saúde, de forma equânime – independentemente de sua naturalidade, naciona-
lidade, condição social, cor ou credo – e integral, abrangendo acesso pleno a todas
as ações de saúde necessárias para as condições identificadas, das mais simples
às mais complexas.
Observe que não se trata de uma resposta padrão, uniforme a todos, mas sim
de prover acesso diferenciado aos diferentes, na medida da sua diferença, garan-
tindo resposta adequada a todos, de acordo com as suas necessidades. Esse é
um ousado avanço civilizatório que norteia a maior parte das políticas de saúde
do país e que reafirma a saúde como direito fundamental.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Diretrizes

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I - Regionalização e Hierarquização dos pontos de atenção da RAS,


tendo a Atenção Básica como ponto de comunicação entre esses.
Considera-se regiões de saúde como um recorte espacial estraté-
gico para fins de planejamento, organização e gestão de redes de
ações e serviços de saúde em determinada localidade, e a hierarqui-
zação como forma de organização de pontos de atenção da RAS
entre si, com fluxos e referências estabelecidos, conforme a lógica
da densidade tecnológica.
II - Territorialização e Adstrição: de forma a permitir o planeja-
mento, a programação descentralizada e o desenvolvimento de
ações setoriais e intersetoriais com foco em um território específico,
com impacto na situação, nos condicionantes e determinantes da
saúde das pessoas e coletividades que constituem aquele espaço e
estão, portanto, adstritos a ele. Considera-se território a unidade
geográfica única, de construção descentralizada do SUS na execu-
ção das ações estratégicas destinadas à vigilância, promoção, pre-
venção, proteção e recuperação da saúde. Os territórios são desti-
nados para dinamizar a ação em saúde pública, o estudo social,
econômico, epidemiológico, assistencial, cultural e identitário, pos-
sibilitando uma ampla visão de cada unidade geográfica e subsi-
diando a atuação na Atenção Básica, de forma que atendam a neces-
sidade da população adscrita e/ou as populações específicas.
III - População Adscrita: população que está presente no território
da UBS, de forma a estimular o desenvolvimento de relações de
vínculo e responsabilização entre as equipes e a população, garan-
tindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do
cuidado e com o objetivo de ser referência para o seu cuidado
(BRASIL, 2017).

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Repare que essas três primeiras diretrizes previstas na PNAB possuem um papel
especialmente importante no planejamento e na execução das ações de saúde no
âmbito do SUS. O dimensionamento de serviços, as pactuações de referência e
contrarreferência, bem como as análises epidemiológicas para as ações de con-
trole de endemias, por exemplo, partem de um local, com suas determinações
sociais de saúde/doença e suas necessidades de saúde. A territorialização conduz
ao conceito de responsabilização sanitária e aos benefícios e fronteiras decorren-
tes dessa responsabilidade.

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IV - Cuidado Centrado na Pessoa aponta para o desenvolvimento


de ações de cuidado de forma singularizada, que auxilie as pessoas
a desenvolverem os conhecimentos, aptidões, competências e a
confiança necessária para gerir e tomar decisões embasadas sobre
sua própria saúde e seu cuidado de saúde de forma mais efetiva. O
cuidado é construído em parceria com as pessoas, de acordo com
suas necessidades e potencialidades na busca de uma vida inde-
pendente e plena. A família, a comunidade e outras formas de cole-
tividade são elementos relevantes, muitas vezes condicionantes ou
determinantes na vida das pessoas e, por consequência, no cuidado.
V - Resolutividade reforça a importância da Atenção Básica ser reso-
lutiva, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado
individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de
construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente
efetivas, centrada na pessoa, na perspectiva de ampliação dos graus
de autonomia dos indivíduos e grupos sociais. Deve ser capaz de
resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população,
coordenando o cuidado do usuário em outros pontos da RAS,
quando necessário.
VI - Longitudinalidade do cuidado pressupõe a continuidade da
relação de cuidado, com construção de vínculo e responsabilização

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

entre profissionais e usuários ao longo do tempo e de modo per-


manente e consistente, acompanhando os efeitos das intervenções
em saúde e de outros elementos na vida das pessoas, evitando a
perda de referências e diminuindo os riscos de iatrogenia, decor-
rentes do desconhecimento das histórias de vida e da falta de coor-
denação do cuidado (BRASIL, 2017).

As diretrizes IV, V e VI, como você pode concluir, possuem um papel significativo
quanto à forma que o cuidado deve ser ofertado pela APS, considerando que o
modelo de atenção às condições agudas não é mais compatível com um bom
cuidado em saúde, torna-se fundamental que se estabeleçam formas de produzir
um primeiro local de cuidados que seja ao mesmo tempo acolhedor, resolutivo,
acessível e produtor de vínculos. Tanto as condições crônicas de adoecimento –
hipertensão, diabetes ou neoplasias –, quanto as condições relacionadas a vulne-
rabilidades e padrões sociais de interação complexa – acidentes e agressões –,
necessitam de produção de vínculo, de profissionais capacitados e de referência,
que conheçam as pessoas e com elas interajam em seu processo saúde-doença.

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VII – Coordenação do cuidado para elaborar, acompanhar e orga-


nizar o fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS.
Atuando como o centro de comunicação entre os diversos pontos
de atenção, responsabilizando-se pelo cuidado dos usuários em
qualquer destes pontos por meio de uma relação horizontal, contí-
nua e integrada, com o objetivo de produzir a gestão compartilhada
da atenção integral. Articulando, também, as outras estruturas das
redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais.
VIII – Ordenamento das redes para reconhecer as necessidades
de saúde da população sob sua responsabilidade, organizando as
necessidades desta população em relação aos outros pontos de
atenção à saúde, contribuindo para que o planejamento das ações,
assim como, a programação dos serviços de saúde, parta das neces-
sidades de saúde das pessoas.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

IX - Participação da comunidade estimular a participação das


pessoas, a orientação comunitária das ações de saúde na Atenção
Básica e a competência cultural no cuidado, como forma de ampliar
sua autonomia e capacidade na construção do cuidado à sua saúde
e das pessoas e coletividades do território. Considerando ainda o
enfrentamento dos determinantes e condicionantes de saúde, por
meio de articulação e integração das ações intersetoriais na orga-
nização e orientação dos serviços de saúde, a partir de lógicas mais
centradas nas pessoas e no exercício do controle social
(BRASIL, 2017).

As três últimas diretrizes possuem, por sua vez, um papel fundamental quanto ao
papel da APS na rede. Pela proximidade dos serviços de APS, dos quais você é
agente, com o território e possibilidade de construção e manutenção de vínculos
entre trabalhadores e usuários, entende-se que é nesse ponto da rede que deva
se estabelecer o centro de cuidado para o paciente e sua família.
Apesar de o modelo hospitalocêntrico produzir na população uma sensação de
maior resolutividade, os profissionais que, como você, atuam em APS devem reco-
nhecer a potência que carregam por causa desse vínculo e proximidade e, com
isso, tentar construir pontes com a rede de serviços a fim de conseguirem ordenar
e coordenar o cuidado. Mais que isso, devem inserir a própria comunidade na cons-
trução desses cuidados, compartilhando decisões e promovendo, a partir dessa
participação, uma interação que extrapola os limites do serviço, integrando a APS
a uma rede intersetorial de serviços, muitas vezes necessária para os melhores
resultados em saúde.

2.2.2 - Atribuições comuns e específicas de cada esfera de governo


Para operacionalização do preconizado pela PNAB, você já estudou como cada ente
federativo possui um papel predefinido, que idealmente deveria ser executado
para ter a máxima efetividade na implantação dessa política pública.
Independentemente desses papéis, é esperado que os estados, municípios e o Dis-
trito Federal se articulem intersetorialmente, com ênfase nas necessidades locor-
regionais, promovendo a integração das referências de seu território. A atuação
em rede é fundamental para maximizar os efeitos da PNAB, pois permite a efeti-
vação dos fluxos assistenciais necessários para seu pleno funcionamento e conse-
quente efetivação da integralidade.
Essa articulação apoia a implementação de processos que aumentem a capacidade
clínica das equipes e fortaleçam práticas de microrregulação nas UBSs, tais como
gestão de filas próprias da unidade e dos exames e consultas descentralizados/
programados para cada UBS. Além disso, pense em outros ganhos que poderiam
ser capitalizados a partir do aprimoramento dessa articulação. Entre eles, podemos
citar a melhoria da comunicação entre os diferentes pontos da rede e, desses
pontos com os seus complexos reguladores, o que favoreceria a construção de

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

projetos terapêuticos transversais. Ou ainda, a implantação de linhas de cuidado


em rede norteadas por protocolos gerenciados, o que pulverizaria responsabilida-
des compartilhadas, com ganho de sinergia para desfechos favoráveis pela ação
coordenada nos diferentes pontos, ampliando suas abrangências e
potencialidades.
Vejamos, a seguir os diferentes papéis ou esferas de atuação dos diferentes entes
federativos.

União
Cabe ao governo federal a implementação da política de atenção básica, subsi-
diando por meio de apoio técnico e incentivos de financiamento, a ampliação das
equipes e a expansão do acesso, fornecendo o respectivo apoio de custeio. É de
competência da União, nesse sentido, integrar as diferentes políticas vigentes,
consolidando uma determinada intencionalidade da política de saúde. Quanto ao
financiamento da APS no país, conforme preconizado na PNAB, deve, no entanto,
ser tripartite, portanto, de responsabilidade dos três entes federados (União,
Estados e Municípios).
Por outro lado, ao governo federal cabe, também, monitorar aspectos nacionais
e locorregionais, ou de grupos específicos, que possam interferir na consolidação
da APS nessas localidades, nesses grupos ou mesmo no país todo. Entre os exem-
plos de dimensões que podem ser monitoradas pelo governo federal estão as
ações de vigilância, o provimento de profissionais de saúde e os determinantes
de grupos específicos, como a população indígena ou aquela privada de
liberdade.
Nesses casos, o governo federal pode agir por meio de incentivos pontuais ou de
políticas específicas para garantir apoio à implantação da APS e das RASs naque-
las regiões ou municípios, bem como para aprimorar o cuidado ou o acesso para
aquele grupo ou localidade.

Estados
Além de participar do custeio tripartite da APS, cabe aos governos estaduais o apoio
técnico aos municípios para implementação da PNAB no contexto estadual, apoiando
a expansão e consolidação da APS no estado, seja por meio de apoio técnico e
incentivos específicos, seja pela implantação de serviços de abrangência regional.
Os estados possuem, assim, um papel de mediador importante nas relações regio-
nais, podendo agir de modo a complementar ofertas ou fornecer financiamento
de acordo com as realidades locorregionais. Mais que isso, os estados têm o dever
de dar suporte aos municípios por meio de apoio técnico para execução adequada
das políticas públicas vigentes.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Municípios
Aos municípios, por meio dos recursos obtidos com os governos federal e esta-
dual, complementados por recursos próprios, cabe organizar uma rede de ser-
viços capaz de responder pela APS em seus limites, provendo estrutura e proces-
sos (provimento profissional, insumos, etc.), bem como monitorando
resultados assistenciais.
A gestão municipal deve, ainda, articular e criar condições para que os fluxos de
referência aos serviços especializados ambulatoriais sejam realizados, preferen-
cialmente, pela AB, sendo de sua responsabilidade:
• Ordenar o fluxo das pessoas nos demais pontos de atenção da RAS;
• Gerir a referência e contrarreferência em outros pontos de atenção;
• Estabelecer relação com os especialistas que cuidam das pessoas do
território.

2.3 - EQUIPES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA


2.3.1 - Atribuições comuns e específicas de cada membro da equipe
Chegamos agora a um tema bem mais próximo de seu cotidiano de trabalho, em
que vamos discutir as atribuições e papéis dos profissionais das Equipes de Atenção
Básica (EAB), segundo a PNAB. Uma abordagem em equipe, como você já deve
estar vivenciando, pressupõe um relacionamento harmônico e complementar
entre todos os envolvidos. Embora os saberes profissionais parametrizem ações
específicas, pois muitas vezes dizem respeito a atos restritos a determinada cate-
goria profissional, é comum que profissionais de equipes como a sua sobrepo-
nham papéis e se complementem com vistas à ampliação do acesso e ao ganho
de resolutividade.
Nessa perspectiva, algumas práticas são comuns a todos os integrantes das EAB:
i. Participar do processo de territorialização e mapeamento da área
de atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos
expostos a riscos e vulnerabilidades;
ii. Cadastrar e manter atualizado o cadastramento e outros dados de
saúde das famílias e dos indivíduos no sistema de informação da
Atenção Básica vigente, utilizando as informações sistematicamente
para a análise da situação de saúde, considerando as características
sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas do
território, priorizando as situações a serem acompanhadas no pla-
nejamento local;
iii. Realizar o cuidado integral à saúde da população adscrita, priorita-
riamente no âmbito da Unidade Básica de Saúde, e quando neces-
sário, no domicílio e demais espaços comunitários (escolas, associa-
ções, entre outros), com atenção especial às populações que

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

apresentem necessidades específicas (em situação de rua, em medida


socioeducativa, privada de liberdade, ribeirinha, fluvial, etc.).
iv. Realizar ações de atenção à saúde conforme a necessidade de saúde
da população local, bem como aquelas previstas nas prioridades,
protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, assim como, na oferta
nacional de ações e serviços essenciais e ampliados da AB;
v. Garantir a atenção à saúde da população adscrita, buscando a inte-
gralidade por meio da realização de ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, prevenção de doenças e agravos e da garan-
tia de atendimento da demanda espontânea, da realização das
ações programáticas, coletivas e de vigilância em saúde, e incorpo-
rando diversas racionalidades em saúde, inclusive Práticas Integra-
tivas e Complementares;
vi. Participar do acolhimento dos usuários, proporcionando atendimento
humanizado, realizando classificação de risco, identificando as neces-
sidades de intervenções de cuidado, responsabilizando-se pela con-
tinuidade da atenção e viabilizando o estabelecimento do vínculo;
vii. Responsabilizar-se pelo acompanhamento da população adscrita ao
longo do tempo no que se refere às múltiplas situações de doenças
e agravos, e às necessidades de cuidados preventivos, permitindo a
longitudinalidade do cuidado;
viii. Praticar cuidado individual, familiar e dirigido a pessoas, famílias e
grupos sociais, visando propor intervenções que possam influenciar
os processos saúde-doença individual, das coletividades e da
própria comunidade;
ix. Responsabilizar-se pela população adscrita mantendo a coordena-
ção do cuidado mesmo quando necessita de atenção em outros pontos
de atenção do sistema de saúde;
x. Utilizar o Sistema de Informação da Atenção Básica vigente para
registro das ações de saúde na AB, visando subsidiar a gestão, pla-
nejamento, investigação clínica e epidemiológica, e à avaliação dos
serviços de saúde;
xi. Contribuir para o processo de regulação do acesso a partir da Atenção
Básica, participando da definição de fluxos assistenciais na RAS, bem
como da elaboração e implementação de protocolos e diretrizes clí-
nicas e terapêuticas para a ordenação desses fluxos;
xii. Realizar a gestão das filas de espera, evitando a prática do encami-
nhamento desnecessário, com base nos processos de regulação locais
(referência e contrarreferência), ampliando-a para um processo de
compartilhamento de casos e acompanhamento longitudinal de res-
ponsabilidade das equipes que atuam na atenção básica;

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

xiii. Prever nos fluxos da RAS entre os pontos de atenção de diferentes


configurações tecnológicas a integração por meio de serviços de apoio
logístico, técnico e de gestão, para garantir a integralidade do cuidado;
xiv. Instituir ações para segurança do paciente e propor medidas para
reduzir os riscos e diminuir os eventos adversos;
xv. Alimentar e garantir a qualidade do registro das atividades nos sis-
temas de informação da Atenção Básica, conforme normativa vigente;
xvi. Realizar busca ativa e notificar doenças e agravos de notificação com-
pulsória, bem como outras doenças, agravos, surtos, acidentes, vio-
lências, situações sanitárias e ambientais de importância local, con-
siderando essas ocorrências para o planejamento de ações de
prevenção, proteção e recuperação em saúde no território;
xvii. Realizar busca ativa de internações e atendimentos de urgência/emer-
gência por causas sensíveis à Atenção Básica, a fim de estabelecer
estratégias que ampliem a resolutividade e a longitudinalidade pelas
equipes que atuam na AB;
xviii. Realizar visitas domiciliares e atendimentos em domicílio às famílias
e pessoas em residências, Instituições de Longa Permanência (ILP),
abrigos, entre outros tipos de moradia existentes em seu território,
de acordo com o planejamento da equipe, necessidades e priorida-
des estabelecidas;
xix. Realizar atenção domiciliar a pessoas com problemas de saúde con-
trolados/compensados com algum grau de dependência para as ati-
vidades da vida diária e que não podem se deslocar até a Unidade
Básica de Saúde;
xx. Realizar trabalhos interdisciplinares e em equipe, integrando áreas
técnicas, profissionais de diferentes formações e até mesmo outros
níveis de atenção, buscando incorporar práticas de vigilância, clínica
ampliada e matriciamento ao processo de trabalho cotidiano para
essa integração (realização de consulta compartilhada reservada aos
profissionais de nível superior, construção de Projeto Terapêutico Sin-
gular, trabalho com grupos, entre outras estratégias, em consonân-
cia com as necessidades e demandas da população);
xxi. Participar de reuniões de equipes a fim de acompanhar e discutir em
conjunto o planejamento e avaliação sistemática das ações da equipe,
a partir da utilização dos dados disponíveis, visando a readequação
constante do processo de trabalho;
xxii. Articular e participar das atividades de educação permanente e edu-
cação continuada;
xxiii. Realizar ações de educação em saúde à população adstrita, conforme
planejamento da equipe e utilizando abordagens adequadas às neces-
sidades deste público;

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

xxiv. Participar do gerenciamento dos insumos necessários para o ade-


quado funcionamento da UBS;
xxv. Promover a mobilização e a participação da comunidade, estimu-
lando conselhos/colegiados, constituídos de gestores locais, profis-
sionais de saúde e usuários, viabilizando o controle social na gestão
da Unidade Básica de Saúde;
xxvi. Identificar parceiros e recursos na comunidade que possam poten-
cializar ações intersetoriais;
xxvii. Acompanhar e registrar no Sistema de Informação da Atenção Básica
e no mapa de acompanhamento do Programa Bolsa Família (PBF), e/
ou outros programas sociais equivalentes, as condicionalidades de
saúde das famílias beneficiárias;
xxviii. Realizar outras ações e atividades, de acordo com as prioridades
locais, definidas pelo gestor local

Além dessas atribuições, comuns a todos os membros, a PNAB também traz atri-
buições específicas para cada profissão. Para fins didáticos, vejamos, a seguir, as
atribuições dos médicos e dos enfermeiros nas UBS’s:

Médico
i. Realizar a atenção à saúde às pessoas e famílias sob sua
responsabilidade;
ii. Realizar consultas clínicas, pequenos procedimentos cirúrgicos, ati-
vidades em grupo na UBS e, quando indicado ou necessário, no domi-
cílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações
entre outros); em conformidade com protocolos, diretrizes clínicas e
terapêuticas, bem como outras normativas técnicas estabelecidas
pelos gestores (federal, estadual, municipal ou Distrito Federal), obser-
vadas as disposições legais da profissão;
iii. Realizar estratificação de risco e elaborar plano de cuidados para as
pessoas que possuem condições crônicas no território, junto aos
demais membros da equipe;
iv. Encaminhar, quando necessário, usuários a outros pontos de atenção,
respeitando fluxos locais, mantendo sob sua responsabilidade o
acompanhamento do plano terapêutico prescrito;
v. Indicar a necessidade de internação hospitalar ou domiciliar, man-
tendo a responsabilização pelo acompanhamento da pessoa;
vi. Planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS e ACE
em conjunto com os outros membros da equipe; e
vii. Exercer outras atribuições que sejam de responsabilidade na sua
área de atuação.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Enfermeiro
i. Realizar atenção à saúde aos indivíduos e famílias vinculadas às
equipes e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos
demais espaços comunitários (escolas, associações entre outras), em
todos os ciclos de vida;
ii. Realizar consulta de enfermagem, procedimentos, solicitar exames
complementares, prescrever medicações conforme protocolos, dire-
trizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabe-
lecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal,
observadas as disposições legais da profissão;
iii. Realizar e/ou supervisionar acolhimento com escuta qualificada e
classificação de risco, de acordo com protocolos estabelecidos;
iv. Realizar estratificação de risco e elaborar plano de cuidados para as
pessoas que possuem condições crônicas no território, junto aos
demais membros da equipe;
v. Realizar atividades em grupo e encaminhar, quando necessário, usu-
ários a outros serviços, conforme fluxo estabelecido pela rede local;
vi. Planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos técnicos/
auxiliares de enfermagem, ACS e ACE em conjunto com os outros
membros da equipe;
vii. Supervisionar as ações do técnico/auxiliar de enfermagem e ACS;
viii. Implementar e manter atualizados rotinas, protocolos e fluxos rela-
cionados a sua área de competência na UBS; e
ix. Exercer outras atribuições conforme legislação profissional, e que
sejam de responsabilidade na sua área de atuação.

Se for de seu interesse, para conhecer os detalhes das atribuições espe-


cíficas dos demais profissionais das Equipes de Atenção Básica, sugeri-
mos a consulta da PNAB 2017.
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/
2017/prt2436_22_09_2017.html.

2.4 - ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO


Sem dúvida você tem consciência de que, em um país como o nosso, de exten-
são continental e imensa diversidade socioeconômica e cultural, organizar a APS
com base em princípios como universalidade, equidade e integralidade não é

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

tarefa simples. Para que possa exercer seu papel em consonância com os prin-
cípios e diretrizes do SUS, deve considerar a singularidade dos indivíduos e sua
inserção sociocultural com vistas à garantia da integralidade e ganho de autono-
mia. Com vistas a obter sucesso nessa tarefa, respeitando tais premissas, a PNAB
orienta que a atenção primária deve organizar seu processo de trabalho com
base em algumas características comuns, que você verá a seguir.

2.4.1 - Definição de território e territorialização


Uma vez que as ações estão programadas para ocorrerem em base territorial e
para uma população predefinida, cada equipe, como aquela da qual você faz
parte, deve conhecer o território em que está situada, seus elementos constitu-
tivo – aspectos demográficos, epidemiológicos, econômicos, cartografia, histó-
rico, equipamentos públicos, usos e costumes, principais fluxos de pessoas etc.
– para que possa planejar as ações e gerenciar a carteira de pacientes que depen-
dem dos serviços da unidade.
Em vista disso, tal abordagem deve ser concreta, comum para todas as ações da
sua unidade, inclusive de vigilância e controle de endemias, e articulada com
as práticas dos demais pontos da rede, não apenas de saúde, mas em abrangên-
cia intersetorial.

REFLEXÃO

Ler o território permitirá a você e sua equipe a realização de arti-


culações criativas que levam em conta a circulação de pessoas
criando cenários de cuidado, que apesar de não usuais, podem
ser muito potentes. Nesse sentido é importante reconhecer esses
locais.
Você e sua equipe reconhecem que centros comunitários, praças,
ou mesmo salões de beleza, bares, prostíbulos, biqueiras, presí-
dios e tantos outros fornecem os contornos de vida real das
pessoas que são atendidas na sua unidade de saúde. Vocês pro-
curam estabelecer articulações com alguns desses locais?
Esses cenários podem reservar oportunidades importantes para
o estabelecimento de vínculos com os usuários ou para a com-
preensão integral do processo saúde-doença daquela
comunidade.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Essa articulação ajudará, inclusive, a compreender o fluxo das pessoas, não apenas
quanto ao uso dos equipamentos de saúde e dos demais setores, mas também
as dificuldades de utilização, os acessos fora de área, as soluções encontradas
para determinados vazios sanitários ou a deturpação de um determinado modelo
de atenção.
O olhar ampliado para o território permite a você compreendê-lo sem pré-julga-
mentos e com isso articular planejamentos integrados, centrados no usuário,
levando em conta sua cultura e suas necessidades. Isso permitirá ampliar o acesso
real de sua unidade às famílias e à comunidade, em vez de restringi-lo a um grupo
limitado de pessoas que se encaixam nas rotinas burocratizadas da unidade de
saúde. Essa linha de atuação auxiliará, também, a construir, em todos os membros
da equipe, uma mentalidade de acesso.

2.4.2 - Responsabilização sanitária, adstrição de usuários e produção de vínculo


As equipes devem assumir, em seu território de referência, um papel de respon-
sabilidade sanitária que abrange não somente as questões sanitárias, mas envolve,
também, as ambientais (desastres, controle da água, solo, ar), as epidemiológi-
cas (surtos, epidemias, notificações, controle de agravos), as culturais e as socio-
econômicas. Essa responsabilização contribui para o planejamento e execução
das intervenções clínicas e sanitárias para os usuários do território e para os que
transitam por ele nos fluxos sociais da realidade do local em que a unidade se
insere. Deve, além disso, abranger todas as pessoas, inclusive aquelas em situa-
ção de rua, as que vivem em bolsões de exclusão social, a população privada de
liberdade, os profissionais do sexo, dentre outras.
Assim, em conformidade com esse princípio, equipes como a sua devem viabili-
zar que a população adstrita reconheça a unidade como locus de cuidado e pro-
duzir interfaces com tais usuários a fim de fomentar a produção de vínculo de
forma perene e compatível com a realidade local por meio de ações coletivas ou
individuais. Tais ações podem incluir, como já citado, a interação com outros equi-
pamentos sociais dessa localidade, sejam eles públicos ou privados, desde que
a premissa seja inserir a UBS no contexto daquela comunidade e, com isso, ampliar
acesso e aprimorar o cuidado para as pessoas.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
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2.4.3 - Porta de entrada preferencial

As características já apresentadas, permitem a você conceber a APS como porta


de entrada preferencial do sistema de saúde. Para que ela assuma, de fato, esse
papel é preciso que a UBS propicie fluxo para todas as necessidades.
Tais fluxos incluem:
• Ações vigilância;
• Os cuidados com prevenção e promoção da saúde;
• Atenção integral e resolutiva para ações programáticas e demais deman-
das em saúde, incluindo os pacientes com condições crônicas.

Cabe à UBS, também, propiciar fluxos para encaminhamento oportuno e adequado


à atenção especializada ambulatorial e hospitalar, bem como para a atenção domi-
ciliar, inclusive assumindo o protagonismo de cuidado para os pacientes com perfil
de cuidados menos intensivos.
Esses fluxos precisam considerar até mesmo o primeiro atendimento às urgências,
incluindo os cuidados locais para a estabilização de casos de menor gravidade ou
complexidade clínica, bem como a transferência segura para cuidados de urgên-
cia pré-hospitalares ou mesmo hospitalares dos casos mais graves.

Lembre-se!
Em breve síntese, a UBS deve ser o sítio preferencial de cuida-
dos para o paciente, consolidando o papel da APS enquanto cui-
dadora e, também, como coordenadora e ordenadora de cuida-
dos, de acordo com as necessidades percebidas de cada pessoa
em seus contextos de vida.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Já deve estar claro para você que os múltiplos itinerários assistenciais previstos nas
RAS passam pela construção de um embricado relacionamento. Já deve ter enten-
dido, inclusive, que a consolidação do papel da APS, como porta de entrada prefe-
rencial do sistema de saúde apenas se dará de forma concreta quando os demais
pontos da RAS, como unidades de urgência e emergência, ambulatórios especiali-
zados e hospitais, passarem a enxergar todas as dimensões citadas anteriormente
como uma forma habitual de a UBS cuidar de todos seus pacientes.
Quando alguma dessas atribuições não faz, efetivamente, parte da missão da
unidade, ela automaticamente se afasta da construção dessa rede e abala a con-
fiança que a rede precisa ter de suas realizações. A relação de confiança propor-
cionada por essa consolidação favorece o aprimoramento do cuidado em rede
por meio de mecanismos diversos de compartilhamento de cuidados e de deci-
sões clínicas, como o apoio matricial ou a construção de instrumentos de
contrarreferência segura. Relação de confiança que deve ser fomentada primei-
ramente pelo exemplo e, posteriormente, pelo franco diálogo e compartilhamento
de problemas e decisões.
Uma vez estabelecida a relação de confiança e havendo maturidade no relaciona-
mento entre a APS e o restante da rede, é natural que tais pontos passem a exercer
um papel complementar de extrema potência para o funcionamento da UBS. Mais
que isso, operam como observatório do sistema de saúde, compartilhando infor-
mações por meio de sistemas logísticos apropriados e seguros, viabilizando a per-
cepção de lacunas assistenciais acerca de indivíduos e coletivos.

2.4.4 - Acesso universal, integral, equitativo e seguro

Foto por Rajiv Perera | Unsplash.com

O SUS, enquanto política pública, parte de um pressuposto constitucional de


igualar as pessoas quanto ao seu direito à saúde. Sendo assim, a UBS em que
você atua, como parte integrante desse sistema de saúde, deve maximizar suas

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

ofertas individuais e coletivas a fim de garantir que todas as pessoas de um deter-


minado território encontrem os melhores fluxos e processos e, com isso, o acesso
ao cuidado, de forma integral e equitativa.
Tal acesso integral pressupõe não apenas as ações de prevenção e promoção da
saúde, mas também as de recuperação, como o acesso aos cuidados da primeira
urgência e das condições crônicas, além das ações programáticas. Deve, para
além disso, ser canal de acesso aos demais pontos da rede, produzindo ou exe-
cutando fluxos que permitam aos usuários receber os cuidados em tempo opor-
tuno e no local mais adequado possível.
Paralelamente, sua equipe deve ser capaz de reconhecer determinadas caracte-
rísticas para identificar pessoas, famílias ou populações em situação de vulnera-
bilidade mais alta e propiciar acesso diferenciado e equitativo aos cuidados ade-
quados, relacionados a essa necessidade identificada. Para tomar essas medidas,
a equipe precisa conhecer as políticas públicas e os arranjos locais disponíveis
e vigentes.
Essa linha de trabalho demanda um espírito de equipe que maximiza as potên-
cias locais e estabelece contato com outros pontos da rede de saúde e interse-
torial para ampliar a quantidade e diversidade de atores e de interfaces de cuidado
com o objetivo de ofertar melhores cenários de cuidado para os envolvidos. Deve
haver, nesse sentido, uma preocupação de todos com a retirada de eventuais
barreiras de acesso – como horário de funcionamento, modelos de agendamento
e processos burocráticos – que reduzem a capacidade dessa unidade em prover
o cuidado de que a sua população adstrita necessita, incluindo um olhar especial
para as vulnerabilidades sociais e seu potencial de excluir pessoas do convívio
social e de impedir que exerçam seus direitos fundamentais, entre eles o da saúde.
Igualmente necessária é a adoção de processos de gestão de riscos e de segu-
rança do paciente, com vistas à criação de um ambiente seguro para todo o ecos-
sistema da UBS, mitigando riscos assistenciais e contribuindo para o aprimora-
mento do cuidado e melhores desfechos em saúde.

2.4.5 - Acolhimento
É provável que você já tenha estudado a Política
Nacional de Humanização que define o acolhi-
mento como uma postura ética que implica a
escuta do usuário em suas queixas, reconhecendo
seu protagonismo no processo de saúde-doença
e na responsabilização pela resolução de suas
questões. É importante ter em mente que acolher
é, antes de tudo, um compromisso de resposta às
necessidades dos usuários que procuram os ser-
Fonte: Rede Humaniza SUS viços de saúde.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Nessa perspectiva, a APS deve ter o acolhimento como alicerce de todos os seus
processos e relações de cuidado, sendo base para o relacionamento harmônico
entre trabalhadores e usuários, trabalhadores e gestores, usuários e gestores e,
finalmente, trabalhadores entre si.
O acolhimento deve estar presente nos seus atos de receber e escutar as pessoas
compreendendo suas necessidades, problematizando e reconhecendo-as como
legítimas. Uma vez que se trata de uma postura, deve estar presente na maneira
de lidar com o não previsto, nos modos de construção de vínculos e na continui-
dade do cuidado. Essa postura é necessária sobretudo para com aqueles que
procuram a UBS fora das consultas ou atividades agendadas. Tal escuta deve
levar em consideração, em especial na relação com os usuários, o risco assisten-
cial e a vulnerabilidade social, customizando respostas por meio do trabalho
sinérgico com sua equipe para que obtenham o melhor cuidado para
cada necessidade.
O acolhimento só é alcançado por meio de um interesse legítimo em propiciar o
acesso, devendo estar presente em todo funcionamento de sua unidade, desde
a organização dos fluxos de usuários, passando pelas avaliações de risco e vul-
nerabilidade, e pela definição de modelagens de escuta – individual, coletiva etc.
–, chegando na gestão das agendas de atendimento individual, nas ofertas de
cuidado multidisciplinar, dentre outras ações.
Entre as ações que sustentam o acolhi-
mento em uma UBS, ressalta-se a impor-
tância do acolhimento à demanda espon-
tânea, como forma de ampliação ou
facilitação do acesso. Sua equipe tem o
compromisso ético de atender a todas
as pessoas que chegarem à UBS, não
apenas as agendadas para as ações pro-
gramáticas ou usualmente atendidas.
Esse acolhimento deve avaliar a neces-
sidade do usuário e propiciar-lhe acesso
mediato ou imediato à equipe de saúde,
a depender do risco e da vulnerabilidade
envolvida, com vistas à produção de
vínculo e melhor resposta possível para
cada caso. Em outras palavras, o acolhi-
mento deve enxergar a pessoa e sua
necessidade para construir uma via de
cuidados responsável, integral e
balizada, antes de tudo, pelo vínculo e
pela resolutividade.
Nesse sentido, o acolhimento à demanda
espontânea, oriundo de uma postura Foto por Priscilla Du Preez | Unsplash.com

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
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ética, materializa-se em um compromisso com o processo de trabalho em equipe,


pois precisa atender à necessidade daquela pessoa com a melhor capacidade de
resposta da unidade.
Observe que não se trata de colocar todo mundo para dentro, em atendimento médico,
de qualquer jeito, ou de apenas distribuir senhas, mas sim de reconhecer o que é
necessidade imediata e o que pode ser programado, seja pelo risco assistencial,
seja pela vulnerabilidade relacionada, garantindo o melhor acesso para cada
pessoa. Para que isso ocorra adequadamente, é preciso que estejam bem defini-
dos tanto o processo de trabalho, com papéis claros e instrumentos validados
para a determinação do risco e da vulnerabilidade, quanto aos critérios a serem
utilizados para acesso em cada tipo de oferta, imediata ou mediata.
Muito importante em eventos agudos, a definição do risco imediato de um indi-
víduo demanda um modelo de avaliação e classificação do grau de prioridade, por
critério de risco imediato de morte, daquele usuário, para usufruir do atendimento
naquele momento. Já a compreensão ampliada do risco assistencial, incluindo os
critérios de vulnerabilidade, se dá por meio do reconhecimento, o mais breve pos-
sível, dos diferentes fatores associados ao caso e leva em conta não apenas crité-
rios biológicos, mas também os psicossociais relacionados ao caso. Ambos possuem
modelos específicos, desejáveis para uso na rotina da UBS, cabendo a essa a
escolha daqueles modelos que melhor se encaixam em cada contexto e na sua
própria realidade.

2.4.6 - Trabalho em equipe multiprofissional e intersetorial


Como você já sabe, pela própria experiência, o trabalho em uma UBS deve ser,
essencialmente, multiprofissional. A complexidade e a diversidade das situações
demandam, além de um conjunto de saberes que se complementam, também
um conjunto de vivências e perfis que ampliam a escuta e as possibilidades de
vínculo. O cuidado na clínica ampliada, em um processo interdisciplinar centrado
no usuário, é capaz de incorporar práticas de vigilância e de promoção e preven-
ção, bem como aprimorar ofertas assistenciais no processo de trabalho, com
efeitos positivos nos desfechos assistenciais para esse usuário.
Para além da assistência direta, o potencial do trabalho em clínica ampliada abre
as portas para práticas de apoio à tomada de decisão clínica com ações como o
matriciamento e a consulta compartilhada, dispositivos válidos seja para dentro,
seja para fora dos limites da unidade, conectando profissionais com atuação local
ou com outros serviços da rede visando ao aprimoramento da capacidade de
cuidado e a construção de projetos terapêuticos singulares que beneficiam, em
especial, os casos de maior complexidade clínica e/ou social.
Rompendo os limites da unidade, sua equipe deve reconhecer as interfaces inter-
setoriais para melhoria dos resultados assistenciais e das respostas às necessi-
dades do território. Nesse sentido, a equipe deve desenvolver ações de saúde,
por exemplo, nas escolas, no sistema prisional, entre outros, em parceria com

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

as equipes desses locais para melhorar a efetividade. Além disso, deve se aproxi-
mar de outros serviços e setores, públicos ou privados, como:

Profissionais das
Serviços e profissionais secretarias de mobilidade
do Sistema Único de urbana/transportes, de
Assistência Social (SUAS) esportes, de educação,
dentre outras

EQUIPE
MULTIPROFISSIONAL
E INTERSETORIAL

Responsáveis por centros


Diretores de de convivência locais, entre
centros esportivos as infinitas possibilidades
e comunitários que existem no território
em que se inserem

2.4.7 - Resolutividade
Entende-se por resolutividade a capacidade de a equipe de saúde diagnosticar e
propor soluções adequadas para as necessidades e demandas de saúde dos usuá-
rios, mitigando riscos e apoiando a construção de um ambiente mais saudável
para toda a comunidade na qual se localiza. A busca por tal característica deve
permear todos os processos de trabalho de sua unidade de saúde, desde o pri-
meiro contato do usuário com o serviço, com vistas a reduzir ao máximo a expo-
sição ao risco assistencial do paciente.
Nesse sentido, espera-se que a UBS em que você atua não se conforme em ser
apenas uma encaminhadora de pacientes para toda e qualquer demanda, muito
menos em ser somente um ponto de vacinação, puericultura e exames periódi-
cos para as ações programáticas. É preciso garantir amplo escopo de ofertas e
abordagens de cuidado, concentrando recursos, maximizando as ofertas e apri-
morando o cuidado local e em rede. Tal postura gera um ciclo virtuoso na quali-
dade dos encaminhamentos aos serviços dos demais níveis de atenção e promove
maior percepção de valor no usuário.
Atingir a resolutividade esperada na APS inclui reconhecer e fazer uso de dife-
rentes tecnologias e abordagens de cuidado individual e coletivo, bem como uti-
lizar habilidades e competências dos diferentes profissionais visando atuar em
todas as fases do processo saúde-doença: promoção da saúde, prevenção de
doenças e agravos, proteção e recuperação da saúde e reabilitação e redução
de danos.
Uma vez que a APS não se caracteriza pela alta disponibilidade de tecnologias
duras de cuidado – como exames de imagem de alta resolução e outros depen-
dentes de uma maior capacidade física instalada –, é fundamental que se promova
o uso das tecnologias leves e leve-duras de cuidado, presentes na disponibilidade
dos saberes e das relações entre as pessoas.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

São exemplos dessas ferramentas que apoiam e qualificam o cuidado realizado


pelas equipes:

As ferramentas da clínica
ampliada, da gestão da
clínica e da promoção da
saúde, como os
protocolos e diretrizes
clínicas, incluindo sua
operacionalização em
linhas de cuidado

A implantação de
indicadores de cuidado, Os planos de ação
entre outros

A auditoria clínica Os projetos


terapêuticos singulares

A gestão de listas O genograma e


de espera o ecomapa

A máxima efetividade da implantação dessas ferramentas se dá a partir da exis-


tência local de um certo modelo de clínica, centrada nas pessoas, efetiva, estru-
turada com base em evidências científicas, que tenha na segurança um pilar fun-
damental, consolidado a partir da preocupação perene em não apenas fazer o
bem, mas também em não causar danos ou riscos de danos aos usuários e aos
profissionais de saúde. Isso significa a oferta de uma clínica eficiente, oportuna
e prestada no tempo certo para os melhores desfechos assistenciais. Significa
enfim, uma clínica equitativa, capaz de reduzir as desigualdades, prestada de
forma a dar centralidade real às pessoas e suas necessidades, e de maneira, acima
de tudo, humanizada.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
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2.4.8 - Atenção domiciliar


A Atenção domiciliar no SUS tem um dos seus pilares na APS. O perfil de pacien-
tes que demandam uma certa densidade de cuidados que não é possível de ser
ofertada em agenda ambulatorial convencional, seja pela gravidade, seja pela
impossibilidade de deslocamento à UBS, precisa obter, de sua equipe, um con-
junto de ofertas mínimas, sendo um porto seguro para reduzir o risco de hospi-
talizações e de descompensações clínicas evitáveis.
Essa ação, para sua máxima efetividade, precisa se articular com os demais pontos
da rede de serviços de saúde, em especial quando houver serviços de Atenção
Domiciliar – Melhor em Casa – implantados. A transição de cuidados dentro da
Atenção Domiciliar é um fator central para garantir a resolutividade em rede e
oferecer um cuidado integral e equitativo.

2.4.9 - Prevenção, promoção e vigilância em saúde


Você já estudou em nossas discussões, a necessidade de a APS atuar de forma
responsável nas ações de prevenção à saúde, executando ações de diagnóstico
precoce e rastreamento das condições mais prevalentes, em especial aquelas
inseridas em políticas públicas dessa natureza. Também é responsabilidade da
atenção primária evitar a exposição desnecessária a métodos diagnósticos ou
terapêuticos sem evidência científica, contribuindo para o uso racional de medi-
camentos e para a existência de um ambiente de prevenção quaternária.
Tal conceito de prevenção está associado à avaliação dos riscos e malefícios advin-
dos da prática assistencial em si, sendo necessário avaliar o quanto determinada
prática produz mais risco de dano, ou dano em si, que o próprio curso natural
do processo saúde-doença em que o paciente está inserido.
É fundamental também fomentar um ambiente adequado para implementação
de uma cultura de prevenção aos diferentes riscos que a comunidade apresenta,
tais como os riscos de violência, de exposição ao ambiente, os relacionados ao
trabalho e de uso abusivo de substâncias psicoativas.
Além do trabalho na prevenção, é desejado que a APS atue em ações que alterem
o ciclo de existência das condições crônicas, apoiando estilos de vida mais sau-
dáveis, promovendo ações coletivas e orientando as pessoas para romperem
com os ciclos que levam ao adoecimento físico, mental e social. Sempre respei-
tando a autonomia das pessoas e os valores culturais locais, sua unidade deve
incentivar e promover uma cultura que fomente vários aspectos centrais para
melhorar a qualidade de vida das pessoas.

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Dentre as ações que podem ser desencadeadas citamos os grupos ou ações cole-
tivas com vistas a diversos objetivos como por exemplo:

O aumento de práticas corporais e/ou realização de atividade física;

O apoio à cessação do tabagismo;

A ampliação dos conhecimentos sobre os direitos sexuais e reprodutivos


dos usuários, em especial das mulheres, incentivando o planejamento
familiar e o desenvolvimento de uma sexualidade saudável e segura;

O incentivo ao alcance de uma alimentação saudável;

O fomento a uma cultura de paz;

O aprimoramento da saúde financeira, mental e social dos indivíduos,


entre tantas outras possibilidades.

Para que tudo isso ocorra, é fundamental a integração entre os processos de tra-
balho da UBS com os de Vigilância em Saúde. Tal integração se traduz por proces-
sos contínuos e sistemáticos de coleta, consolidação, análise e disseminação de
dados acerca de eventos relacionados à saúde, com vistas ao planejamento e

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da popu-


lação, considerando prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, bem como
para a promoção da saúde.
As ações de Vigilância em Saúde se inserem nas atribuições de todos os profissio-
nais da UBS e envolvem práticas e processos de trabalho voltados para:
• Vigilância da situação de saúde da população, com análises que subsi-
diem o planejamento, estabelecimento de prioridades e estratégias, moni-
toramento e avaliação das ações de saúde pública;
• Detecção oportuna e adoção de medidas adequadas para a resposta de
saúde pública;
• Vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis;
• Vigilância das violências, das doenças crônicas não transmissíveis e
acidentes.

A AB e a Vigilância em Saúde devem desenvolver ações integradas visando à pro-


moção da saúde e prevenção de doenças nos territórios nos quais estão inseri-
das. Processos de notificação compulsória e de investigação dos casos suspeitos/
confirmados das doenças e agravos de maior relevância, bem como de outros
eventos relevantes para a saúde pública, devem ser preocupação diuturna da
unidade e das equipes.

2.4.10 - Planejamento e programação da atenção à saúde


É desejado que a APS realize ações de planejamento local de saúde, assim como
de monitoramento e avaliação das ações da própria equipe e da unidade. Tais
ações devem considerar a metodologia vigente no seu município e contribuir com
o planejamento de toda a municipalidade e sua rede de saúde. Finalmente, o pla-
nejamento deve visar à readequação do processo de trabalho para melhor res-
ponder às necessidades, realidades, dificuldades e possibilidades analisadas.
Espera-se também que sua UBS, com base em planejamento, seja capaz de rea-
lizar a programação e a implementação das atividades de atenção à saúde de
acordo com as necessidades de saúde da população, priorizando as intervenções
clínicas e sanitárias, considerando um diagnóstico prévio quanto à frequência
dos agravos, do risco e vulnerabilidade dos usuários.
Inclui-se aqui a interação da UBS com a gestão municipal para realização de um
planejamento integrado com vistas à organização e programação de uma agenda
integrada de atendimentos para todos os profissionais. A PNAB recomenda
que a unidade evite a divisão exagerada de agenda segundo critérios de proble-
mas de saúde, ciclos de vida, gênero e patologias, já que isso dificulta o acesso
dos usuários, fragmentando e engessando em excesso a capacidade de resposta
da unidade.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

2.4.11 - Educação em Saúde


A Educação em Saúde deve ser um pilar
para o funcionamento da unidade de
saúde. A APS se beneficia de ações de
educação que alcancem tanto os usuá-
rios quanto os próprios trabalhadores,
contribuindo para um aprimoramento
do autocuidado e das ações em saúde,
respectivamente.
As ações educativas para os usuários
devem estar atreladas ao planejamento
da unidade e às necessidades identifica-
das. Grupos educativos buscam aprimo-
rar o autocuidado e a autonomia, com
potenciais ganhos de qualidade de vida
para os usuários e suas famílias. Foto por Green Chameleon | Unsplash.com

Já para os trabalhadores, como você, encoraja-se que a Educação Permanente em


Saúde (EPS) seja parte indissociável do processo de trabalho. A aprendizagem sig-
nificativa a partir do concreto, da prática cotidiana, além de tão somente aprimo-
rar saberes, contribui para o desenvolvimento dos processos e construção de redes
internas e externas à unidade, transformando práticas, com reflexos indiscutíveis
para os usuários.
Nesse sentido, a PNAB encoraja que a EPS se desenvolva essencialmente em espaços
institucionalizados, como parte do cotidiano das equipes (em reuniões e fóruns
territoriais, por exemplo), devendo inclusive ter previsão de espaço garantido na
carga horária dos trabalhadores, contemplando a qualificação de todos da equipe
multiprofissional, bem como dos gestores.
Além da EPS, são ações que podem ser exploradas:
• Os processos de Educação Continuada (EC) tradicionais, baseados em
aulas e oficinas temáticas com vistas à oferta de conteúdo;
• A Cooperação Horizontal e a Tele Educação, que, por meio de trocas
de experiências, seja localmente, seja a distância, propiciam
discussões de caso, apoio matricial e outros suportes para a tomada
de decisão assistencial;
• A implementação do Apoio Institucional, com vistas ao aprimoramento
gerencial e apoio à construção de redes.

2.4.12 - Controle social


Espera-se que a APS incentive a participação da comunidade por meio do fortale-
cimento dos seus conselhos gestores e do controle social. A participação da

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cas, políticas e organizacionais

comunidade e o fortalecimento do controle social exercem um papel fiscalizatório


e de gestão, trazendo interlocução entre as necessidades da população, dos tra-
balhadores e da gestão, produzindo transparência e concretude para todos os
envolvidos. Fortalecer o controle social reforça a saúde como direito para todos
que estão inseridos nesse ecossistema de saúde, produzindo ambientes mais
seguros e mais condizentes com as demandas daquela comunidade. Tenha em
vista que um conselho gestor forte traz ganho de representatividade para sua
unidade nas discussões do Conselho Municipal de Saúde, com potenciais melho-
rias na saúde do município como um todo.

2.5 - OUTRAS EQUIPES DE APS NO SUS


Apesar de considerar a ESF o formato preferencial para a APS, a PNAB abre a pos-
sibilidade de, diante dos diferentes contextos do país, existirem outros modelos
de equipes assistenciais de APS, complementares ou substitutivas, que intencio-
nam, de certa forma, igualmente entregar cuidados primários à população.
É importante você conhecer, ainda que de forma simplificada esses outros modelos
assistenciais da APS.

2.5.1 - Equipes de Atenção Básica


As Equipes de Atenção Básica (EAB) são
consideradas uma alternativa para a APS
em situações nas quais é difícil encon-
trar profissionais para assumir o traba-
lho em tempo integral. O modelo assis-
tencial de EAB constrói o acesso da
população ao cuidado em saúde com a
composição de cargas horárias de dife-
rentes profissionais de uma mesma
categoria.
A composição da carga horária mínima por categoria profissional deve ser de 10
horas, com no máximo 3 profissionais por categoria. A soma da carga horária dos
profissionais deve totalizar, no mínimo, 40 horas semanais.
As equipes deverão ser compostas minimamente por médicos, enfermeiro, auxi-
liares e/ou técnicos de enfermagem. Tal como na ESF, podem ainda agregar outros
profissionais, como dentistas, auxiliares de saúde bucal e/ou técnicos de saúde
bucal, agentes comunitários de saúde (ACSs) e agentes de combate às endemias.
A combinação dos horários e a organização do processo de trabalho da equipe de
saúde deve garantir amplo acesso, formação de vínculo entre as pessoas e profis-
sionais, continuidade, coordenação e longitudinalidade do cuidado.

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2.5.2 - Equipe de Saúde Bucal


As Equipes de Saúde Bucal (ESB) têm relação específica com a saúde bucal da
população e são constituídas por um cirurgião-dentista e um técnico em saúde
bucal e/ou auxiliar de saúde bucal. As equipes de saúde bucal devem estar vin-
culadas a uma UBS ou a uma Unidade Odontológica Móvel.
Quando vinculadas a uma equipe de Atenção Básica ou de Saúde da Família,
devem compartilhar a gestão do processo de trabalho com a equipe de saúde,
tendo responsabilidade sanitária pela mesma população e território adstrito.

2.5.3 - O Núcleo ampliado de saúde da família e atenção básica (Nasf-AB)


O Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) constitui uma
equipe multiprofissional composta de diversas categorias de profissionais da
saúde, com atuação complementar às equipes de saúde das UBSs. Mais recen-
temente, o Ministério da Saúde lançou o Programa e-Multi, que instituiu o incen-
tivo financeiro federal de implantação, custeio e desempenho para as equipes
Multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde. A Portaria 635, de 22 de maio de
2023, apresenta os valores do repasse aos estados e municípios, bem como a
relação das 22 especialidades que passam a constituir essas equipes. Além da
ampliação do rol de especialistas que podem compor a e-Multi, outra novidade
do Programa é a possibilidade de atendimento remoto: consultas e atendimento
de demandas gerenciais poderão ser realizadas pelos profissionais de saúde da
e-Multi, por meio da utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).
A escolha das categorias profissionais que irão compor o NASF-AB é de compe-
tência do gestor local, que deve considerar as características do território aten-
dido. O Programa prevê também o pagamento por desempenho, com ciclos qua-
drimestrais de monitoramento dos indicadores acompanhados pelo Programa e
apuração de resultados a partir de janeiro de 2024.
As eMulti são classificadas em 3 modalidades de acordo com a carga horária, vin-
culação e composição profissional.
1. eMulti ampliada vinculada a, no mínimo 10 e no máximo 12 equipes.
Financiamento Variável em torno dos R$47.500,00.
2. eMulti complementar vinculada a, no mínimo 5 e no máximo 9 equipes.
Financiamento Variável em torno de R$32.500,00.
3. eMulti estratégica vinculada a, no minimo 1 e no máximo 4 equipes.
Financiamento Variável em torno dos R$17.500,00.
O credenciamento das modalidades segue alguns critérios com base no Índice
de Vulnerabilidade Social.
Podem ter na composição da equipe NASF-AB os seguintes profissionais:
1. Assistente social;

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2. Educador físico;
3. Farmacêutico;
4. Fisioterapeuta;
5. Fonoaudiólogo;
6. Outros médicos especialistas, tais como: acupunturista, ginecologista/
obstetra, homeopata, pediatra psiquiatra, geriatra, clínico do trabalho,
sanitarista, infectologista, hansenologista, cardiologista e dermatologis-
ta;
7. Nutricionista;
8. Psicólogo;
9. Terapeuta ocupacional;
10. Médico veterinário;
11. Com formação em arte e educação (arte educador).

As equipes NASF-AB não devem ser vistas como serviços independentes, especiais
ou autônomos que funcionam na rede de saúde. A atuação dessas equipes deve
ocorrer de forma coordenada e complementar à unidade de saúde de referência,
dando suporte (clínico, sanitário e pedagógico) aos profissionais das equipes locais,
nas respectivas modalidades, considerando as necessidades do território.

Nesse sentido, não devem constituir serviços independentes ou especiais, nem


mesmo especialidades ou profissões de acesso direto para atendimento individual
ou coletivo, mas, sim, integrarem-se de maneira orgânica ao cotidiano das UBSs,
buscando atuar de forma horizontal e interdisciplinar com os demais profissionais,
garantindo a longitudinalidade do cuidado e o ganho de resolutividade advindo de
uma clínica multiprofissional e interdisciplinar.
Como as equipes Multiprofissionais são recursos da unidade para ganho de reso-
lutividade, não devem ser tratadas como estruturas rígidas, existente apenas para
uma função de apoio técnico e pedagógico. Essas equipes trazem potencialidades
que devem ser exploradas com base na realidade locorregional, em:

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cas, políticas e organizacionais

Intervenções no
território e na saúde de
Atendimentos individuais
grupos populacionais de
e compartilhados
todos os ciclos de vida e
da coletividade

Construção de grupos
Interconsultas
terapêuticos e educativos

EQUIPES
NASF-AB
Colaboração e
construção de projetos Ações intersetoriais
terapêuticos diversas

Ações de prevenção e
Ações de educação
promoção da saúde,
permanente
entre outros

Para entender melhor como funciona o Programa e-Multi, acesse o link


da Portaria 635, de 22 de maio de 2023.
Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/
ms-n-635-de-22-de-maio-de-2023- 484773799

2.5.4 - Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde


A Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) pode ser uma opção para
a reorganização inicial da APS em municípios que não possuem desenvolvimento
expressivo de sua APS. Essa opção deve ter como norte a implantação gradual da
Estou pelo menos estar integrada a outras formas de organização da APS, agre-
gando o importante papel dos ACSs no processo de trabalho da unidade.
As equipes são compostas de agentes de saúde e um enfermeiro supervisor com
carga horária de 40 horas semanais, estando os profissionais vinculados a
uma UBS.

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2.6 - ATENÇÃO PRIMÁRIA PARA POPULAÇÕES ESPECÍFICAS


Você bem sabe que em um país com características geográficas e populacionais
heterogêneas como o Brasil, é de se esperar que algumas realidades necessitem
de desenhos específicos de modo a permitir que a APS desempenhe seu papel de
forma satisfatória.
A PNAB prevê configurações específicas de equipes para realizar as ações de saúde
a populações localizadas em determinadas regiões do país ou com necessidades
específicas. Vamos estudar algumas dessas realidades específicas no nosso país:

Foto por Davidson Luna | Unsplash.com

População em situação de rua


A PNAB prevê equipes de consultório na rua com o objetivo de
aprimorar a resposta às necessidades da população em situação
de rua. Trata-se de uma equipe com composição variável, respon-
sável por articular e prestar atenção integral à saúde de pessoas
em situação de rua em unidade fixa ou móvel.
Tais equipes exercem suas atividades de forma itinerante, desen-
volvendo ações na rua, em instalações específicas e/ou em unida-
des móveis, para as pessoas em situação de rua, geralmente em
vulnerabilidade importante. A atuação dessas equipes deve ocorrer
de maneira integrada à rede de serviços, em especial às unidades
e equipes que atuam na APS nas diferentes modalidades (ESF/EAB),
às unidades da Rede de Atenção Psicossocial em especial os Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), às unidades da Rede de Urgência/
Emergência em especial os hospitais gerais, o SAMU e as Unidades
de Pronto Atendimento, além dos serviços e instituições compo-
nentes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) bem como

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cas, políticas e organizacionais

instituições públicas e privadas sem fins lucrativos com ações sociais


ou de saúde voltadas para essa população.
O horário de trabalho das Equipes de Consultório na Rua deve ser
adaptado às demandas das pessoas em situação de rua, podendo
ocorrer em período diurno e/ou noturno em todos os dias da
semana. Na composição de cada equipe pode haver ACS’s e, pre-
ferencialmente, dois profissionais da mesma profissão de saúde
de nível médio ou superior.

Foto por Matthew Ansley | Unsplash.com

População privada de liberdade – saúde prisional


É difícil para as UBS’s estabelecerem um processo de trabalho que
atenda às demandas do território e ainda às demandas advindas
do sistema prisional, quando há unidades carcerárias em sua área
adstrita. Essas demandas são específicas para uma população rela-
tivamente grande, inseridas em um contexto de privação de liber-
dade e de acessos controlados da equipe d  e saúde.
A PNAB prevê, em casos específicos de demandas advindas do
sistema prisional, a implantação de Equipes de Atenção Básica Pri-
sional. Trata-se de uma equipe multiprofissional articulada com os
demais serviços da Rede de Atenção à Saúde e específica para o
sistema prisional, devendo estar cadastrada como tal no Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).

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Foto por Sébastien Goldberg | Unsplash.com

Populações ribeirinhas
Conformadas especialmente para a região da Amazônia legal,
podemos encontrar dois tipos de equipes para essas populações:

• Equipes de saúde da família ribeirinhas: são equipes que


desempenham a maior parte de suas funções em UBS’s
localizadas nas comunidades pertencentes à área adstrita,
com acesso por via fluvial e que, pela grande dispersão ter-
ritorial, necessitam de embarcações para atender às comu-
nidades dispersas no território.
Essas equipes estão vinculadas a uma UBS, que pode estar
localizada na sede do município ou em alguma comunidade
ribeirinha na área adstrita. As equipes têm uma composi-
ção mínima semelhante à das Equipes de Saúde da Família,
podendo incluir uma proporção maior de ACSs e técnicos
de enfermagem (dependendo da extensão territorial), além
de outros profissionais de nível superior previstos nas
equipes NASF-AB. Em regiões endêmicas para malária,
podem agregar microscopistas.

• Equipes de saúde da família fluviais: são equipes que


desempenham suas funções em Unidades Básicas de Saúde
Fluviais (UBSF’s), responsáveis por comunidades dispersas,
ribeirinhas e pertencentes à área adstrita cujo acesso se dá
por meio fluvial. As equipes têm posição semelhante às
Equipes de Saúde da Família Ribeirinhas, agregando um
técnico de laboratório ou bioquímico.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Foto por Deb Dowd | Unsplash.com

Populações indígena
Para as populações indígenas moradoras de terras indígenas, há um
modelo distinto de APS. Após o reconhecimento do direito à auto-
determinação das populações indígenas pela Constituição de 1988,
a discussão entre esses povos evoluiu com a criação de um subsis-
tema de atenção (Subsistema de Atenção à Saúde Indígena – SASI)
vinculado ao SUS, porém com uma organização distinta das demais
instâncias. O SASI-SUS surgiu em 1999, dando origem, em 2002, à
Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena.
O SASI é o responsável direto pela execução das ações de APS nos
territórios indígenas no Brasil e pela articulação entre a APS e o res-
tante da rede SUS. É de gestão federal, inicialmente a cargo da Fun-
dação Nacional de Saúde (FUNASA). No entanto, desde 2010, está
sob responsabilidade da Secretaria Especial de Atenção à Saúde
Indígena (SESAI).
O propósito da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indí-
genas é:
Garantir aos povos indígenas o acesso à atenção integral
à saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do
Sistema Único de Saúde, contemplando a diversidade
social, cultural, geográfica, histórica e política de modo a
favorecer a superação dos fatores que tornam essa popu-
lação mais vulnerável aos agravos à saúde de maior mag-
nitude e transcendência entre os brasileiros, reconhecendo
a eficácia de sua medicina e o direito desses povos à sua
cultura (BRASIL, 2002, p. 13).

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Na tentativa de atender a essa proposta, o modelo assistencial


adotado no SASI-SUS é baseado nos Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEI), definidos como espaços territoriais, etnoculturais
e populacionais dinâmicos. As ações da APS são executadas por
Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI’s) compostas de
médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, Agentes
Indígenas de Saúde (AIS’s), Agentes Indígenas de Saneamento
(AISAN’s) e outros profissionais, conforme as especificidades locais.
Os territórios sob a responsabilidade de cada DSEI podem abranger
mais de um município e/ou estado. Os AIS’s e AISAN’s são elemen-
tos-chave nos serviços, tanto como interlocutores entre as EMSI’s e
a comunidade, quanto como executores de diversos procedimen-
tos da APS, especialmente diante da diversidade indígena do país,
com o SASI atendendo cerca de 800.000 indígenas, distribuídos em
305 etnias, falantes de cerca de 274 línguas diferentes dispersos em
5.614 aldeias, em todo o território nacional.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Encerramento do
módulo
FECHAMENTO DA UNIDADE
Chegamos ao final dessa unidade, que trabalhou com a conceituação da ESF, da
PNAB, da organização do processo de trabalho em APS e dos principais modelos
desse nível de atenção previstos no SUS. Esperamos que você tenha aproveitado
os estudos e que saiba, neste momento, reconhecer o que pretende a política
pública no âmbito da APS e o que se espera do trabalho de equipes como aquela
da qual você faz parte.
Sua compreensão clara e os conhecimentos mais aprofundados sobre a APS per-
mitirão que você identifique os arranjos de cuidado possíveis nesse formato, opor-
tunizando aos seus pacientes o máximo que sua unidade pode oferecer. Tal cuidado
é importante mesmo se sua unidade ainda não estiver em ESF, pois, mesmo que
parciais, eles poderão ajudá-lo a fazer a diferença para as pessoas e para a comu-
nidade na qual atua como Médico de Família e Comunidade.
Acreditamos que, cada vez mais, você terá consciência do desafio que assumiu e
desenvolverá a maturidade e o discernimento para construir caminhos no terreno
do possível com vistas à integralidade, à equidade e à universalidade junto com
muitos que acreditam nesses princípios e trabalham em busca das melhores con-
dições de saúde para a população. Estaremos juntos nessa caminhada.

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Ao finalizarmos os estudos desse módulo, você já tem condições de compreen-


der que o trabalho em uma UBS não corresponde ao contexto de menor
complexidade.
Trabalhar como Médico de Família e Comunidade na APS é, ao contrário, com-
plexo e desafiador. Você, na verdade, atua com situações relativas às diversas
especialidades médicas, em um trabalho que demanda o desenvolvimento de
diferentes habilidades e competências específicas para garantir a atenção inte-
gral e equitativa à saúde à população adstrita, respeitando suas realidades fami-
liares e comunitárias.
Os desafios são muitos, porém são acompanhados de realizações importantes
vinculadas ao atendimento ao usuário e à qualidade da APS. Esses desafios estão
presentes na sociedade, que ainda não superou os desafios da operacionaliza-
ção da universalidade do acesso, mas que tem um sistema de saúde que busca
diuturnamente caminhos para isso.
Os atributos da APS devem ser incessantemente buscados por você diante das
necessidades de saúde, que são mutáveis e heterogêneas. É a busca mesma por
esses princípios constitui a força motriz para suas ações como Médico de Família
e Comunidade e para as ações da sua equipe de saúde na APS.
Sua postura profissional com base nos princípios da APS, permite maior clareza
na execução de suas ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, pre-
venção de doenças e agravos individuais e coletivos, bem como na realização das
atividades programáticas. Essa postura permite incorporar diversas racionalida-
des em saúde, incluindo as Práticas Integrativas e Complementares (PICS), que
propiciam uma nova perspectiva na intervenção dos diferentes processos saú-
de-doença pelos quais, como Médico de Família e Comunidade, você será
responsável.
Para tanto, é fundamental que você, como profissional da APS, se responsabilize
pelo cuidado da sua população adstrita, acompanhando-a, ao longo do tempo,
para garantir a longitudinalidade. É sua função fomentar a autonomia dos usuá-
rios de forma segura e esclarecida, buscando identificar suas necessidades e de
suas famílias e comunidade em geral, acolhendo as demandas de forma huma-
nizada, estabelecendo vínculos com a população e construindo caminhos no
campo do possível, com muito respeito e empatia.
Como coordenadora do cuidado, a APS demandará de você e de sua equipe
esforço para que busquem manter disponível o máximo de informações dos pro-
cessos assistenciais dos indivíduos e de suas famílias, mesmo quando for neces-
sária a atenção em outros níveis do sistema de saúde. Esse papel exigirá de você
o desenvolvimento de relações interpessoais com outros profissionais da rede
de serviços e uma postura serena e assertiva, pois delas dependerá o seu êxito
diante dos desafios.
Sem dúvida é uma tarefa que demandará competências e habilidades do Médico de
Família e Comunidade em que você está se especializando e para o qual desejamos
bom prosseguimento de estudos.
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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Referências
BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras provi-
dências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm

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Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2. ed. Brasília, 2002. Disponível em: https://
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(Série I. História da Saúde no Brasil). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/
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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Biografia dos
conteudistas
CLAYTON DE CARVALHO COELHO
Médico Clínico, Especialista em Saúde da Família pela UFMG, Especialista em Pneu-
mologia Sanitária pela ENSP/FIOCRUZ, Coordenador do Projeto Xingu/UNIFESP –
Projeto de extensão Universitária com Populações Indígenas.
Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/2721697023058325

MORRIS PIMENTA E SOUZA


Médico Pediatra e Sanitarista, Especialista em Administração Hospitalar e Sistemas
de Saúde, pós-graduando em saúde coletiva e membro da coordenação Pedagó-
gica da UNASUS-Unifesp.
Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/3089526097547610

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EIXO 01 | MÓDULO 02 Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família: bases históri-
cas, políticas e organizacionais

Programa Mais Médicos para o Brasil


EIXO 1 | PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO SUS E DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA A SAÚDE

MÓDULO 02

Atenção Primária à Saúde e


Estratégia Saúde da Família: bases
históricas, políticas e organizacionais
2ª edição

REALIZAÇÃO

Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul (Fiocruz MS)


Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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