Ficha Informativa - OS MAIAS - As Personagens

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Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias /

Ciências Socioeconómicas e Línguas e Humanidades


11º ano, Turmas A/C
março 2024
Docente: Maria de Lurdes Gual
FICHA INFORMATIVA
Português

As personagens n’ Os Maias

Caetano da Maia

Pai de Afonso da Maia, era um “fidalgo beato e doente”, um grande opositor do liberalismo e,
consequentemente, um apoiante do Absolutismo em decadência. A sua intolerância relativamente às
ideias revolucionárias leva-o a expulsar o filho de casa, desterrando-o para Santa Olávia, no Douro, por
este se envolver com simpatizantes da Revolução Francesa e partilhar dos ideais jacobinistas
(revolucionários). Não tolerava essa faceta do filho e mostrava-se antiquado e conservador, defendendo
a monarquia e os valores obsoletos da sociedade.

Afonso da Maia
É a personagem mais valorizada por Eça e a mais simpática do
romance. É um homem de caráter, culto e requintado nos gostos. Funciona
como esteio da família e é para ele que todos se voltam nos momentos de
crise. Representa o Portugal liberal da década de 20 (século XIX) e sempre
se assumiu como um jovem revolucionário, perseguido pelos absolutistas e
desiludido com o seu país, que viria a vivenciar o exílio em Inglaterra por
causa da sua audácia em termos ideológicos. Em oposição a seu pai,
Caetano da Maia, partilha as ideias liberais e ama o progresso, fruto de um
esforço sério e não de uma utopia romântica. É generoso com os amigos e
os necessitados, não abdicando dos seus sérios princípios morais. A grande
preocupação de boa parte da sua vida foi tudo fazer para que o destino do seu neto Carlos não fosse
idêntico ao do pai, Pedro da Maia. Tenta dar ao filho uma educação viril, mas não consegue, por oposição
de sua mulher, Maria Eduarda Runa. Afonso é ainda a voz do bom senso, da experiência, dos valores da
nação e da raça, é alguém que defende o património português face à invasão das modas estrangeiras.
Mostra-se inflexível na aceitação da relação do filho com Maria Monforte, desaprovando as suas origens
familiares duvidosas. Em consequência desse amor fatal, acaba por perder o filho Pedro e uma neta.
Fica-lhe o neto Carlos, que leva para Santa Olávia, onde tenta fazer dele um rapaz forte, educado e apto
para vencer os obstáculos da vida. Terminado o curso de Medicina de Carlos, em Coimbra, Afonso vai
com ele para Lisboa, em 1875, habitar o Ramalhete, apoiando-o nos seus grandes projetos como médico.
Conseguiu sempre conviver harmoniosamente com várias gerações e vários tipos de formação, de que
os serões no Ramalhete são exemplo. É um modelo de autodomínio em todas as circunstâncias. Apesar
de Carlos nunca ter revelado ao avô a relação com Maria Eduarda, Afonso sabe da sua existência. Acaba
por falecer tragicamente, ferido com a incapacidade de Carlos para vencer os seus instintos. No fundo,
Afonso representa o sonho de um Portugal impossível por falta de homens capazes.
Maria Eduarda Runa

Maria Eduarda Runa, “linda morena, mimosa e um pouco adoentada”, filha do Conde de Runa,
casa com Afonso, um jovem revolucionário e liberal, cujas ideias progressistas a atormentam, levando o
casal ao exílio em Inglaterra. A vida nesse país, ao qual nunca se adaptou, tornou-a ainda mais
melancólica e doente, encontrando refúgio numa devoção religiosa exacerbada. Assim, não confiando
numa educação britânica e assumindo-se católica praticante, chama o Padre Vasques para educar o
Pedrinho, único filho do casal. Odiava Inglaterra e morria de saudades de Portugal. Era uma mãe
superprotetora, que não conseguiu fortalecer o caráter do filho, preparando-o para enfrentar as
dificuldades da vida.

Pedro da Maia
Único filho de Afonso da Maia, verdadeiro português este não conseguiu
controlar a sua educação, assumida, desde logo, pela mãe e concretizada num
modelo tradicional português marcado pela proteção das mulheres da família, pela
ausência de atividade física e pela memorização do catecismo católico. Mais tarde,
torna-se um jovem problemático devido ao meio social lisboeta que frequenta (vida
boémia) e a um catolicismo mórbido desenvolvido na sequência da morte da mãe,
de quem herdara a fragilidade de caráter. Mas um dia a crise finda e a
transformação consuma-se devido à paixão obsessiva por Maria Monforte, cujas origens sociais são
eticamente reprováveis. Apesar da oposição paterna, este homem, personagem romântica por
excelência, deixa-se arrastar pela paixão, casa, tem dois filhos e é traído pela mulher, que foge com um
belo italiano. Afonso, que com ele tinha cortado relações, acolhe-o indignado com a sua fraqueza de
marido traído. Apesar da piedade paternal de Afonso, Pedro acaba por se suicidar, vítima de uma mulher
que o precipitou no abismo da perdição. A construção da personagem de Pedro obedece ao cânone
naturalista: as suas características psicológicas, o meio social em que se move e a sua educação são
determinantes na formação da sua personalidade.

Maria Monforte

Maria Monforte destaca-se no universo feminino do romance, quer pela


sua beleza avassaladora, quer pela irreverência às normas discriminatórias da
sociedade oitocentista. Na verdade, era herdeira de uma fortuna ganha à custa
do tráfico de escravos, atividade exercida pelo pai, daí ser conhecida como a
“negreira”. Envolveu-se em várias aventuras amorosas: o casamento com Pedro
da Maia, a fuga com o italiano Tancredo e, mais tarde, em Paris, com outros
homens. Em Lisboa, era a figura de destaque das soirées e tertúlias literárias que
ela própria organizava e que contavam com uma presença maioritariamente
masculina. Fútil e leviana, rompe com um casamento nobre que lhe permitia ser
aceite na sociedade e lhe dava um título. Rejeita a fortuna do marido e parte à
aventura, levando a filha, abandonando o filho e provocando a destruição da família. Era uma mulher
sensual, dominadora, egoísta, inútil, leitora de novelas que apelavam ao mundo da paixão e da fantasia
que escandalizava a sociedade lisboeta com as suas “toilettes excessivas e teatrais” e provocava a inveja

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das mulheres, que se diziam suas amigas para conseguirem frequentar as suas receções no palacete de
Arroios. Rejeitou a família do marido e estava desejosa de se vingar de Afonso da Maia, recusando dar o
seu nome ao filho Carlos Eduardo. Em Paris, levou uma vida mundana, tornando-se proprietária de uma
casa de jogo, que acabou por cair em decadência, quando se deixou dominar por um homem perigoso,
Mr. De Trevernnes. Por orgulho, nunca aceitou a ajuda financeira dos Maias, mesmo nos piores
momentos da sua vida. É nela que radicam todas as desgraças da família Maia.

Carlos da Maia

Devido à centralidade que a personagem ocupa na obra, poder-se-á


denominar protagonista. Na Lisboa romântica e culturalmente medíocre, Carlos
da Maia destaca-se pela sofisticação do gosto. Descrito como uma figura
elegante, de ar saudável, com barba castanha, cabelos negros e os olhos dos
Maias, Carlos lembra um “belo cavaleiro da Renascença”. Exprimindo
frequentemente o seu amor pelo avô, que bem cedo o levou para Santa Olávia
e aí foi, de algum modo, o seu pai, só daí sai para estudar Medicina em Coimbra,
depois de ter sido submetido a uma rígida educação à inglesa (moderna e laica).
Na quinta do Douro, esta educação era considerada escandalosa para as famílias
do seu meio social, já que não era centrada no estudo moralizador do catecismo nem nas traduções dos
autores latinos, mas antes no estudo das línguas vivas e na prática desportiva, fortalecedora do caráter.
Nos tempos de estudante universitário mergulhou numa vida de boémia estudantil e literária e conheceu
o amigo sempre presente nas futuras horas mais amargas – João da Ega. Em Lisboa, já formado em
Medicina e cheio de projetos de trabalho, vai habitar o Ramalhete com o avô. Ao contrário do que seria
expectável, passa belos momentos de ócio no seu consultório, aí fazendo planos para mudar a
mentalidade da sociedade lisboeta que frequenta e que o idolatra. Na verdade, todos o encaram como
um homem rico, bem educado, culto, um verdadeiro gentleman, sempre frontal e corajoso, incapaz de
uma canalhice, generoso e amigo do seu amigo. Vive intensamente a paixão por Maria Eduarda,
interessando-se por tudo e por nada ao mesmo tempo. Torna-se no diletante culto por excelência, que
acaba por se deixar vencer pela sociedade lisboeta em que vive, desistindo, um a um, de todos os seus
projetos de vida e da sua grande paixão, por motivos que dele não dependeram. Na verdade, como se
explica este posicionamento na vida? A educação que Carlos recebeu não deveria ter criado um indivíduo
forte, capaz de ultrapassar as adversidades da vida? Tendo em conta os pressupostos naturalistas, não
podemos esquecer a carga hereditária dos pais e, sobretudo, o meio decadente em que se moveu e que
o influenciou fortemente. Os seus princípios morais chegaram a tolerar a sordidez do incesto, cuja ideia
só rejeita por via da repulsa física. No entanto, após a revelação do incesto e da morte do avô, Carlos
sobrevive, pelo menos fisicamente, mostrando-se diferente do pai na aceitação da tragédia. O percurso
existencial de Carlos pode ser o símbolo da evolução da sociedade portuguesa após a Regeneração.
Quando Portugal parecia estar a entrar numa época diferente, marcada por uma certa prosperidade, o
país acaba por entrar num retrocesso marcado por uma indefinição quanto ao futuro, situação
semelhante ocorre com o passeio final de Carlos e Ega, marcado pelo conformismo. No fundo, Eça terá
querido personificar em Carlos o ideal da sua juventude, marcado pela “Questão Coimbrã” e pelas
“Conferências do Casino”, acabando no grupo dos “Vencidos da Vida”, de que Carlos é um bom exemplo.

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Maria Eduarda da Maia

É apresentada como uma “deusa transviada”, um ser superior que


se destaca no meio das mulheres lisboetas. É uma mulher muito bela, alta,
loira, elegante, requintada, envolta numa aura de mistério, o que aumenta
o seu poder de sedução e sensualidade. Surge em Lisboa como sendo a
esposa do brasileiro Castro Gomes, com quem vivia há três anos, depois de
ter enviuvado de Mac Gren, pai da sua filha Rosa. Quando inicia o
relacionamento com Carlos, revela-se uma mulher sensata, equilibrada,
doce e com um forte sentido de dignidade, recusando-se a aceitar dinheiro
de Castro Gomes e até de Carlos. Mostrava-se solidária com os mais
desfavorecidos, era culta, pois conhecia os grandes nomes da literatura e
da música do seu tempo, e fascinava Carlos e os amigos. Maria Eduarda foi vítima, desde logo, do seu
passado e das circunstâncias em que viveu, isto é, de forças trágicas que não controlava e que estavam
relacionadas com a irresponsabilidade da própria mãe. Encarna a heroína romântica, perseguida pela
vida e pelo destino, mas que acaba por encontrar, ainda que momentaneamente, a razão da sua vida,
na paixão e no amor. Maria não avança voluntariamente para a catástrofe final, mas cada um dos seus
passos vai ao encontro desse destino, como se ela fosse conduzida por um poder transcendental. Tendo
conhecido, finalmente, a história da sua origem, já depois do incesto no qual não teve qualquer
responsabilidade, aceita estoicamente o seu destino, entra na posse da sua fortuna e retira-se para
França, onde refará, dentro do possível, a sua vida. Desta personagem, Eça destaca a sua bondade,
ternura, cultura, gosto requintado e, sobretudo, a dignidade com que assume a situação trágica que a
atinge.

João da Ega

O amigo íntimo de Carlos da Maia apresenta, desde logo, um traço de


caráter que se encontra também em Carlos: os projetos de trabalho ou de
intervenção cívica não concretizados. Na vida amorosa, caracteriza-se pela
leviandade com que procura amores adúlteros que o levarão a ser
publicamente ridicularizado e enxovalhado. Continuamente endividado,
socorre-se de Carlos, frequentemente, enquanto espera a herança que virá
com o desaparecimento da mãe. É, contudo, uma personagem inesquecível
pelo comportamento excessivo e provocador que exibe, defendendo pontos
de vista sobre a sociedade que se poderiam classificar como anarquistas –
destruição do Portugal velho para sobre ele se erigir uma utopia -,
defendendo o primado da literatura de feição naturalista, que exiba todas as podridões sociais. É ele que
nos momentos mais difíceis e mais dolorosos da vida de Carlos o ampara e ajuda, não só em termos
psicológicos, mas também na resolução dos problemas práticos (carta de Dâmaso, partida de Maria
Eduarda de Lisboa). Para além destes aspetos, são também evidentes afinidades culturais entre as duas
personagens. Ega é, de igual modo, o símbolo da pura irreverência, do sarcasmo, da ironia, da crítica
pela crítica, do prazer de chocar e de questionar, mostrando-se, muitas vezes, contraditório nas suas
opiniões: literatura, educação da mulher, política, escravatura… Gosta de se fazer notar nos círculos que
frequenta. Entusiasma-se facilmente pela novidade, iniciando vários projetos, como a criação de uma
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revista que revolucionasse o ambiente cultural português e um livro intitulado “As Memórias de um
Átomo”, projetos que nunca foram concluídos. É o bom boémio, excêntrico, exagerado, anarquista, sem
Deus e sem moral, cujo discurso destruidor espelha a intenção de Eça em atingir as instituições e valores
da época. Revela um grande sentido de lealdade para com os amigos, não tolerando uma canalhice. Tal
como Carlos, sofre de diletantismo, daí a sua incapacidade em empreender seriamente uma profissão.
Encarna a figura de defensor dos valores da escola realista, por oposição à romântica, ainda que, na
prática, se revele um romântico por ter sido um falhado na vida. Até ao capítulo XIV, é uma personagem
plana, caricatural, pois intervém essencialmente em episódios que retratam a sociedade da época. A
partir desse capítulo, começa a ganhar densidade psicológica, passando a desempenhar um papel fulcral
na intriga principal. No final do romance, no passeio com Carlos, olhando para si próprio e para o amigo,
ou seja, para a sua geração de fundo, extravasa o seu desencanto, a sua desilusão e a sua frustração,
não só em relação ao Portugal que o envolve, mas também em relação ao falhanço dos seus projetos.
Assume-se como um “romântico”, isto é, um indivíduo que se comporta ao sabor dos seus instintos e
apetites, colocando de lado a razão.

Castro Gomes

Suposto marido de Maria Eduarda, é o terceiro vértice do triângulo


amoroso da história. É um homem de espírito empreendedor que viaja
frequentemente para Inglaterra, França, Espanha e Brasil, realizando trabalhos no
novo continente. Quando a história começa, muda-se para Portugal com a família.
Tem um inequívoco afeto por Maria Eduarda e, quando sente a ameaça de perdê-
la, lembra que a tirou da miséria, que lhe estendeu a mão no momento em que
ela mais precisou. Mantém Maria Eduarda presa a ele através de chantagens
emocionais. Tudo em Castro Gomes é medido, polido, exato e preciso. O amor por
Maria Eduarda não é maior do que o apreço à sua própria honra e, ao descobrir o
romance dela com Carlos, tratará de riscá-la da sua vida, mesmo amando-a. É um homem
essencialmente racional e, apesar da aparente frieza e do cinismo cortante, não chega a ser um vilão.

Tancredo - O homem com quem Maria Monforte vai fugir, levando a filha
Maria Eduarda, é napolitano, muito belo e formoso. “Era uma pintura de Nosso
Senhor Jesus Cristo! Que pescoço, que brancura de mármore!”. Entra na vida de
Pedro e Maria Monforte após levar um tiro acidental de Pedro, que o atinge no
braço, durante uma caçada. Ao hospedar-se na casa de Pedro, começa a interessar-
se por Maria Monforte, que se faz de difícil a princípio, mas não resiste à
possibilidade da aventura. Sedutor, galante, extremamente carismático, conquista
muitos corações e parte levando Maria Monforte consigo.

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Manuel Monforte - Pai de Maria Monforte, é um homem de passado
nebuloso: comenta-se que matou um homem à facada numa briga, fugiu a
bordo de um navio americano e acabou a trabalhar como feitor numa plantação
da Virgínia, nos Estados Unidos. Não se sabe bem o que é verdade e o que é
mentira. O fato é que Manuel Monforte é um homem mantido à margem pela
sociedade conservadora lisboeta. As insinuações sobre este passado são
suficientes para que Afonso seja contra o romance de Pedro com Maria
Monforte. Manuel, porém, ao contrário do que se diz a seu respeito, mostra-se sempre um homem
calmo, que pouco aparece em público. Tem uma grande paixão pela filha, que considera a única coisa
boa que fez na vida, e faz gosto no casamento dela com Pedro. Tenta aproximar-se de Afonso, mas, ao
ser repelido, recolhe-se ao seu canto, humilde e resignado. É calado, pouco expressivo, com olhar vago
e senil.

Tomás de Alencar – É o amigo de Pedro da Maia que reencontra


o seu filho Carlos da Maia, por quem nutre um carinho muito paternal. É um
poeta tanto pelos versos que faz como pela maneira especial de entender a
vida e o mundo. Foi o mentor de Maria Monforte no que respeita ao tipo de
leituras que a desorientaram. É o representante do Romantismo “piegas” e
protagoniza o conflito literário no Hotel Central. É um homem sentimental,
extremamente emotivo, de coração grande e pródigo em afeto, uma
soberba encarnação do lirismo romântico. Tem horror literário ao
Naturalismo, ao qual se refere como “o excremento”. No fundo, representa a incapacidade de adaptação
à “Ideia Nova” (Realismo). É também um patriota à antiga, que não admite ouvir falar mal da sua terra
natal. Dono de uma voz cavernosa e lenta, é leal, impecavelmente honesto, bom, generoso e dotado de
uma alta cortesia e de uma notável delicadeza de sentimentos. É estimado por todos. Tem uma paixão
platónica por Raquel Cohen, a quem dedica poemas românticos, indignando-se ao saber que João da
Ega é seu amante.

Rosa – A filhinha de Maria Eduarda vive num mundo à parte,


fantasioso, conversando sempre com a boneca Cricri e inventando mil
histórias, onde ela própria e a boneca são personagens. É uma menina
terna, meiga e encantadora. Carlos é fascinado por ela e a mãe trata-a
com carinho e devoção. É um pequeno raio de luz a borboletear por
ali, trazendo sempre algo de lúdico mesmo nos momentos de maior
tensão.

Dâmaso – É a alegoria dos vícios mais perniciosos que infestavam Lisboa.


É filho de um agiota e vive fascinado por si mesmo e pelo que considera “chique a
valer”, embora seja tacanho e provinciano. Anda sempre atrás de Carlos e quer
imitá-lo em tudo. É um verdadeiro exibicionista que não hesita em pormenorizar a
proximidade do seu tio com políticos influentes, consciente do estatuto que tal
parentesco lhe confere e evidenciando a importância da classe política. Recorre
facilmente à calúnia para conseguir alcançar os seus objetivos, mostrando a sua

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imoralidade, cobardia e deslealdade. É o autor da carta anónima a Castro Gomes, denunciando a relação
de Carlos e Maria Eduarda, assim como é da sua autoria a pulhice da notícia no jornal “Corneta do
Diabo”. É o verdadeiro representante da podridão social.

Conde de Gouvarinho – É um ministro arrogante e representa todos


os políticos incompetentes. Falta-lhe modéstia e tem um temperamento muito
maçador. Nele é possível observar a oposição entre o ser e o parecer. Devendo a
Deus e ao mundo, procura, mesmo assim, ostentar uma vida de luxo e fartura,
frequentando as soirées e as reuniões chiques. O curioso é que todos sabem da
sua situação, todos falam nas suas costas e todos o tratam com deferência, o que
espelha bem os costumes da sociedade lisboeta de então. Na verdade, grande
parte dos seus rendimentos vem do sogro, já que ele, apesar do título, pertence
a uma família falida. Com a resistência progressiva e contínua do sogro de lhe
proporcionar a boa vida de sempre, vai se afundando em dívidas e não tolera baixar o seu nível de vida.
Tem uma retórica oca e demonstra uma cultura medíocre e uma visão histórica deficitária. Fala de um
modo depreciativo acerca das mulheres e, mais tarde, chega a ser bruto com a mulher. Não a ama e
apenas a vê como um grande dote. Mas como a fonte de riquezas começa a secar, a relação vai ficando
insustentável.

Condessa de Gouvarinho – Esposa do Conde de Gouvarinho, não se dá


bem com o marido. Filha de um comerciante, casou-se na sequência de um acordo
entre famílias: ele dar-lhe-ia o título de condessa, enquanto o sogro lhe emprestaria
dinheiro. É uma mulher passional, de temperamento inflamável, não foram poucas
as vezes em que quebrou copos e pratos em brigas com o marido. Ao interessar-se
por Carlos, deixa-se seduzir por ele – embora a iniciativa do primeiro encontro seja
dela. Na verdade, o interesse dela não está em Carlos em si, mas nas delícias de um
relacionamento proibido, no qual Carlos é apenas o objeto. Deste modo, mostra-se
fútil, leviana, adúltera e imoral. Ao notar o desinteresse do amante, tentará segurá-
lo com pieguices e chantagens sentimentais, o que acaba por afastá-lo de vez. Após
o fim do romance com Carlos, tentará a todo custo reconquistá-lo, tentando
separá-lo de Maria Eduarda. É a última amante de Carlos e personifica a degradação
moral da aristocracia lisboeta.

Eusebiozinho – Companheiro de infância de Carlos, também conhecido como


Silveirinha, mostrou, desde cedo, uma grande paixão por livros e por coisas do saber.
Menino “ molengão e tristonho”, sempre agarrado às saias da mãe, tinha uma maneira
de ser que irritava profundamente Carlos, que o surpreendia com brincadeiras mais
violentas. É o contraponto de Carlos. Admirado por todos, quando era criança,
prometia um grande futuro como bacharel e depois desembargador, mas acabou por
dececionar, tornando-se um adulto sem vestígios de qualquer amor pelos livros. Ao
tornar-se viúvo muito jovem, procurava, para se distrair, bordéis ou aventureiras de ocasião, pagas à
hora. Tinha uma preferência por espanholas. É uma figura insignificante, vítima da educação romântica,
que chegava a ser sovado pela mulher. Homem de duas faces, é um sujeito reles e rasteiro, sempre
patinando na superfície, seja nas reuniões do Ramalhete ou nos lupanares.
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Cruges – Amigo de Carlos, é um pianista talentoso, tímido mas moralmente
correto, daí que destoe do panorama em que está inserido, uma vez que não aprecia os
hábitos mundanos. É um idealista que representa a exceção à mediocridade da sociedade
portuguesa. Tendo vocação para a música, o seu sonho é tornar-se um afamado maestro,
porém, indolente e acomodado, vai adiando indefinidamente os seus projetos, culpando
a ignorância alheia pelo não-reconhecimento da sua inegável genialidade. É calado,
reservado, mas de humor imprevisível, já que, às vezes, surpreende os próprios amigos.
Ora permanece a um canto apático, sem ânimo para nada, ora é tomado por acessos súbitos que o levam
a explodir em gritos pelos motivos mais banais. É extremamente tímido com as mulheres, emudecendo
na presença delas e adotando atitudes tão falsamente naturais que se tornam ridículas.

Craft – É um inglês rico, culto e boémio, amigo de Carlos e Ega. Recebeu


uma herança de um tio e aproveitou a fortuna para viajar pelo mundo e
colecionar obras de arte (bricabraque). Lutou como voluntário na Abissínia e em
Marrocos. Tem uma formação e mentalidade britânicas, daí que tenha gostos e
ideias semelhantes às de Carlos. Os amigos admiram-no e invejam-no, já que é
um gentleman “de maneiras graves e hábitos rijos, sentindo finamente e
pensando com retidão”. Não desdenha nem despreza o sentimentalismo
português. Ao contrário, estuda-o, ouvindo as histórias românticas dos amigos
sem perder uma palavra e achando tudo muito “curioso”.

Taveira – É um funcionário do Tribunal de Contas, vizinho de Carlos, e representa a ociosidade


crónica. É um verdadeiro dandy. Tem um ar aéreo e quase apatetado. É o mais fútil e reles do grupo.
Sempre dominado por instintos eróticos e indiscriminados, vive envolvido com prostitutas de terceira
categoria, mulheres casadas, bonitas ou não, criadas, mulheres finas ou vulgares. Incapaz tanto de
grandes maldades quanto de grandes bondades, é medíocre em pensamentos, atos e omissões. Sempre
alheio a tudo o que se passa em seu redor, vive para a satisfação dos seus pequenos interesses.

Steinbroken – É apresentado como um conde, diplomata e ministro da Finlândia. Torna-se


amigo de Afonso da Maia e frequentador do Ramalhete. É um gentlemen, entusiasta da Inglaterra,
grande entendedor de vinhos, especialista em canto e uma autoridade no whist. Exerce uma diplomacia
maçadora e inoperante.

Maria da Cunha – Amiga de Afonso da Maia, Maria da Cunha é


engraçada, ainda bonita, toda cheia de bondade e de simpatia por todos os
pecados. Faladora, desinibida, irreverente, simpática e agradável, todos lhe
querem bem. Apesar de a sua conduta ao longo da vida não ter sido exemplar,
não há quem lance um “ai” contra a sua honra, há quem diga que houve um
romance entre ela e Afonso na juventude. Tem uma graciosidade, simpatia e
elegância que Raquel Cohen e a condessa de Gouvarinho, juntas, não chegam
a ter. Leve, descomplicada, amiga leal, é incapaz de julgar quem quer que seja.
É cúmplice do romance de Ega e Raquel Cohen.

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Jacob Cohen – É judeu e diretor do Banco Nacional, daí que represente
as altas finanças. Simpático, envolvente, bom de conversa, não tem o ar austero
e aristocrático que se espera de um banqueiro. Porém, é oportunista, egoísta e
gosta de cobrar juros. Não ostenta a real fortuna que tem. Venderia a esposa,
Raquel Cohen, a Ega se soubesse que ele dispõe de capital para comprá-la (capital
que a mãe de Ega de facto possui, mas que jamais gastaria para tal fim).
Representa a burguesia instalada no poder, sem possuir a inteligência e a
flexibilidade mental para compreender e analisar o mundo. Traído por Ega, descobre o envolvimento
deste com a mulher e expulsa-o da sua casa.

Raquel Cohen – Mulher provocante, divinamente bela, leviana e


adúltera, é a grande paixão de Ega. Esposa de Cohen, o judeu banqueiro, torna-se
amante de Ega, mas logo rompe o relacionamento, por ser desmascarada pelo
marido e levar uma surra deste. Apesar de bela, tem uma alma rasteira e
superficial, é vaidosa e coquete, mantendo o romance com Ega apenas por
entretenimento, sem jamais ter por ele qualquer sentimento mais profundo. Tais
características farão com que ela se aproxime, mais tarde, do primo Dâmaso, de
quem se tornará amiga e cúmplice em intrigas e fofocas.

Palma Cavalão – É o proprietário e Diretor do jornal “A Corneta do Diabo”


e representa o jornalismo sem escrúpulos, corrupto, sensacionalista que vive da
calúnia e do suborno. Sem caráter, publica artigos injuriosos ou retira-os desde que,
para isso, lhe paguem. Apesar do aspeto bruto, ordinário e quase repulsivo, alegra
as rodas boémias com a sua lábia e a sua afetada simpatia. É oportunista,
espertalhão e está sempre pronto a passar a perna em quem quer que seja para
tirar proveito. É também ladino o suficiente para que seus interesses nunca venham
à tona imediatamente.

Sousa Neto – Representante da Administração Pública, surge na obra como personagem-tipo.


É um oficial superior de uma repartição do Estado, mas revela falta de cultura e mediocridade intelectual.
Amigo e próximo do Conde de Gouvarinho, era, por vezes, provocado por Ega, revelando-se incapaz de
ter um diálogo consistente, quer devido à falta de conhecimentos sobre personagens e temas da época,
como Proudhon e o Socialismo Utópico, quer por formação preconceituosa e ignorância. Eça usa-o para
simbolizar a degradação da instrução pública e demostrar a superficialidade e a falta de cultura dos
representantes da Administração do Estado.

Manuel Vilaça – É o administrador e procurador dos Maias. Ligado


afetivamente à família, envolve-se nos conflitos familiares, comovendo-se,
alegrando-se e sofrendo com Afonso. Obediente, leal, dedicado e discreto, é mais
emocional que Afonso. Afonso e Carlos também têm por ele uma grande estima,
como se fosse da família. Tem grande devoção aos Maias.

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Maria da Gama - Pertencente à fina sociedade lisboeta, é amiga próxima de
Maria da Cunha. Sempre elegantíssima e aprumadíssima, é muito orgulhosa de si
mesma. Tem um modo característico de olhar as pessoas de cima a baixo, sempre
desdenhando dos que não têm a sua altura social. Tem aversão, por exemplo, aos
Monforte.

Sr. Guimarães – É o tio de Dâmaso que vive em Paris, simpatizante do comunismo, e o portador
da declaração de Maria Monforte que vai provocar o reconhecimento e desencadear a catástrofe.

Baptista - É o criado de quarto de Carlos desde que o menino tinha onze anos. É
seu confidente e tem um ar excessivamente “gentleman”. Conserva-se tão fino e tão
desembaraçado como quando em Londres aprendeu a dançar na confusão dos salões
dançantes.

Encarnación – A segunda amante de Carlos, em Coimbra, é uma espanhola de


vida airada, longos cabelos anelados, sotaque acentuado, sensualíssima, envolvente e
apaixonante. Encantará todos os amigos de Carlos, com quem não fica muito tempo.

O amor no romance queirosiano

Não há amores felizes no romance… Os amores de Pedro, de Carlos e de Ega terminam sempre
mal. Os sentimentos amorosos de Pedro eclodiram, romântica e impetuosamente, no dia em que viu
“uma senhora loura, embrulhada num xale de Cachemira”. Apaixonou-se de imediato, num “amor à
Romeu”, afastando considerações de ordem moral apresentadas por seu pai, Afonso, relativamente às
origens sociais de Maria Monforte. Casou dominado pela paixão, sofreu ciúmes (”horas sombrias”),
devido às atenções dos amigos para com a sua mulher, que acabaria por fugir com um italiano. Perante
esta situação, é o suicídio romântico que vai salvar o homem destruído.
Carlos da Maia, obcecado, romanticamente, pela visão de Maria Eduarda, “uma senhora alta,
loira”, de “carnação ebúrnea”, não descansará até fazer dela sua amante, às escondidas do avô. Por
causa desse amor que se revela sincero, abandonou a vida de amores adúlteros. Quando descobre que
Maria Eduarda é sua irmã, apesar de decidido a terminar a relação, fraqueja romanticamente, num ato
de incesto, de suicídio moral, que corresponde ao suicídio do pai.
Ega vive uma paixão enorme com Raquel Cohen. O adultério termina, para Ega, ao contrário do
que sucedeu com Carlos com a Condessa de Gouvarinho, de forma dramática, já que foi descoberto pelo
marido traído, acabando enxovalhado e ridicularizado.
Os Maias apresentam, deste modo, intrigas amorosas que se caracterizam pela diversidade e
representam o sentimento amoroso na sua constante romântica – um amor paixão que domina em
absoluto as personagens.

Bom trabalho!

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