A Saúde Mental Relacionada Ao Trabalho e Os Desafios Aos Profissionais Da Saúde
A Saúde Mental Relacionada Ao Trabalho e Os Desafios Aos Profissionais Da Saúde
A Saúde Mental Relacionada Ao Trabalho e Os Desafios Aos Profissionais Da Saúde
2011
http://dx.doi.org/10.1590/S0303-76572011000100011
DOSSIÊ TEMÁTICO
ENSAIO
I
Assistente mestre do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências
Humanas e Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
II
Professora titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo, SP, Brasil
III
Assistente doutor do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências
Humanas e Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
ABSTRACT
This reflective essay discusses work-related mental health in the current context,
pointing to the persistence of ideas denying the nexus between work and mental
health, and criticizing their simplistic and blaming logic. It goes on by resuming the
fundamental concepts in the field of Occupational Health and the contributions of
the Latin American social medicine health-disease approach. Then it highlights the
relevance and contemporaneity of the concept of mental wearing down. It
concludes by outlining health professionals' challenges to understand the
relationship between health and work, and the new horizons opened by Brazilian
Social Security legislation with the introduction of Technical Epidemiological Nexus
(NTEP) and Accident Prevention Factor (FAP).
Introdução
A relação entre saúde mental e trabalho é um tema muito em voga no Brasil nos
últimos anos e constitui um campo de estudos que poderíamos melhor nomear
como "Saúde Mental Relacionada ao Trabalho" (SMRT). Essa discussão pode ser
apreendida pela variedade de tipos de publicações que apresentam o tema: artigos
em periódicos científicos, livros, materiais sindicais, apresentações em congressos,
além de ser comumente tema de semanas internas de prevenção de acidentes de
trabalho (SIPATs). Atualmente, essa relação também é objeto de normas técnicas e
de protocolos para orientar os profissionais de saúde. Além disso, os problemas de
adoecimento mental continuam a demandar atendimento em serviços públicos e
têm motivado o afastamento do trabalho e a aposentadoria por invalidez de muitos
trabalhadores do setor formal de trabalho (JACQUES, 2007; SAMPAIO; MESSIAS,
2002).
Diante dessa situação, nós, autores deste artigo, fomos levados a interrogar sobre
o porquê de ainda haver a necessidade de informar e afirmar que a saúde mental
pode ser afetada pelo trabalho, o que gerou as reflexões reunidas no presente
artigo, o qual não pretende ser exaustivo na revisão das diferentes posições sobre
o tema.
Essa reação dos estudantes parece ser motivada por, pelo menos, duas posições
em relação à compreensão da relação saúde-doença e trabalho. A primeira é a de
que a causa última para explicar o adoecimento de trabalhadores e trabalhadoras
deveria ser buscada sempre no indivíduo: em suas peculiaridades em termos
físicos, fisiológicos, psicossociais e em sua história de vida no núcleo familiar
anterior à vida de trabalho. A segunda posição é a adoção da naturalização da ideia
de que o trabalho produz sofrimento e não pode ser mudado, como se isso fosse
um destino, uma determinação inquestionável e intransponível, cujo curso seria
impossível de ser modificado.
Ao mesmo tempo em que cresce a constatação, por meio de estudos e dos relatos
das vivências de trabalhadores e trabalhadoras, de que o trabalho (tal qual se
configura em suas condições e organização) frequentemente produz adoecimentos,
desvaloriza-se a força dessa determinação, como se fosse possível reduzi-la às
características dos que adoecem, corroborando um processo conhecido como
"culpabilização da vítima" (LIMA; OLIVEIRA, 1995; OLIVEIRA, 2007). Desse modo,é
comum ouvirmos diferentes versões da mesma pergunta, "mas porque alguns
adoecem e outros não?", pergunta que revela o sofisma acima descrito.
É como se os trabalhadores tivessem que ser idênticos uns aos outros e como se o
trabalho que realizam fosse homogêneo. Pesquisas que analisam o cotidiano laboral
e as diferenças entre o trabalho prescrito e o trabalho real (DANIELLOU; LAVILLE;
TEIGER, 1989) apontam a existência de uma série de diferenças entre postos de
trabalho que parecem, em um primeiro momento, idênticos. Como exemplo,
podemos falar da atividade de caixa de banco cujos ritmos, pressões, cargas
afetivas, responsabilidades são muito diferentes, quer se trate da empresa A ou B,
quer se trate de agências localizadas em grandes centros urbanos, em bairros com
alta densidade populacional ou em bairros pequenos, onde todo mundo se conhece,
quer seja realizada no momento de uma fusão entre bancos ou de uma grande
crise financeira.
Um fenômeno que tem sido negligenciado e que diz respeito diretamente à SMRT é
o alcoolismo induzido pelo trabalho. Basta realizar um breve levantamento
bibliográfico para verificar que a maioria dos textos que abordam a relação entre
alcoolismo e trabalho o faz em nome da necessidade de erradicar comportamentos
improdutivos decorrentes do consumo abusivo de álcool.3 Nesse contexto,
raramente se cogita a participação da organização do trabalho na produção do
transtorno, atribuindo-se maior valor a características supostamente
predisponentes presentes no indivíduo, traços de personalidade, problemas
psicológicos. Assim, mesmo profissionais que atuam em instituições públicas
especialmente dedicadas a essa população, muitas vezes não consideram
importante sequer saber o tipo de trabalho que aquelas pessoas realizavam antes
do adoecimento e tampouco investigar a participação da atividade laboral no
processo de cronificação do agravo à saúde.
- o trabalho não pode ser reduzido ao ambiente de trabalho. As regras que definem
a convivência entre patrões e empregados, as hierarquias, o ritmo, as formas de
avaliação, a possibilidade de controle do trabalho, ou seja, a divisão do poder
(divisão entre quem pensa e quem executa, quem manda e quem só deve
obedecer) define as condições de trabalho. A categoria teórica ampliada que inclui
esses aspectos é a "organização do trabalho";
[...] a saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios de traçar um
caminho pessoal e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social. A
saúde, portanto, é possuir esses meios. [...] O que significa possuir esses meios e o
que é esse bem-estar? Creio que para o bem-estar físico é preciso a liberdade de
regular as variações que aparecem no estado do organismo; temos o direito de ter
um corpo que tem vontade de dormir, temos o direito de ter um corpo que está
cansado (o que não é forçosamente anormal) e que tem vontade de repousar. A
saúde é a liberdade de dar a esse corpo a possibilidade de repousar, é a liberdade
de lhe dar de comer quando ele tem fome, de fazê-lo dormir quando ele tem sono,
de fornecer-lhe açúcar quando baixa a glicemia. É, portanto, a liberdade de
adaptação. Não é anormal estar cansado, estar com sono. Não é, talvez, anormal
ter uma gripe, e aí vê-se que isso vai longe. Pode ser até que seja normal ter
algumas doenças. O que não é normal é não poder cuidar dessa doença, não poder
ir para a cama, deixar-se levar pela doença, deixar que as coisas sejam feitas por
outro durante algum tempo, parar de trabalhar durante a gripe e depois voltar.
Bem-estar psíquico, em nosso entender, é, simplesmente, a liberdade que é
deixada ao desejo de cada um na organização de sua vida. E por bem-estar social,
cremos que aí também se deve entender a liberdade, é a liberdade de se agir
individual e coletivamente sobre a organização do trabalho, ou seja, sobre o
conteúdo do trabalho, a divisão das tarefas, a divisão dos homens e as relações que
mantêm entre si. (p. 11)
As cargas psíquicas são aquelas que deixam mais clara a submissão de todas as
cargas à lógica da produção capitalista, só podendo ser entendidas no interior dela:
No caso das cargas psíquicas, ressalta com particular clareza que são socialmente
produzidas e que não podem ser compreendidas como "riscos" isolados, ou
abstratos, à margem das condições que as geram. Todavia, isso é também certo
para o restante das cargas, incluindo aquelas que têm materialidade externa à
corporeidade humana. Ou seja, se bem o ruído seja ruído, e como tal origina
transformações no processo biopsíquico, não é irrelevante perguntar por que se
produz e porque se mantém num determinado nível. Ao tentar responder a essas
perguntas com relação a qualquer carga, aparecem invariavelmente dois fatos. Um
é que surge como expressão particular da forma específica de produzir (das
características da base técnica e dos objetos empregados, mas também da
organização e divisão do trabalho). Outro é que a intensidade, e ainda a presença
ou não das cargas não é alheia às relações de força entre capital e trabalho num
centro de trabalho concreto e na sociedade. (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 113)
Ainda sobre essas cargas psíquicas presentes nos processos de trabalho, pode-se
dizer que, segundo Laurell e Noriega (1989), dividem-se em dois tipos: a
sobrecarga psíquica, decorrente de situações de tensão prolongada (exemplos:
atenção permanente, supervisão com pressão, consciência da periculosidade do
trabalho, altos ritmos de trabalho); a subcarga psíquica, relacionada a situações em
que o trabalhador é impossibilitado de fazer uso de suas capacidades psíquicas no
trabalho (exemplos: perda do controle sobre o trabalho ao estar o trabalhador
subordinado ao movimento da máquina; desqualificação do trabalho, resultado da
separação entre concepção e execução; a parcelização do trabalho, que redunda
em monotonia e repetitividade).
Mas o que se pode dizer quando não há acometimento desse substrato orgânico?
Seligmann-Silva (1994) coloca-se a seguinte questão:
Temos, assim, uma outra vertente de análise, quando consideramos a forma pela
qual a situação de trabalho dominado/explorado atua sobre a subjetividade, que
modula relações e usos pessoais do tempo, do espaço, dos próprios gestos e
pensamentos. Este seria o "trabalhador por inteiro", que estaria exposto a ser
expropriado de componentes importantes de sua subjetividade, no interior daquelas
situações onde a sujeição é intensa [...]. (p. 79, grifo da autora)
Essa nova legislação, que representa uma conquista dos trabalhadores e estimula a
prevenção, coloca em destaque o tema da construção do nexo entre SMRT e os
desafios presentes nessa empreitada.10
Contribuições de autoria
ODDONE, I. et al. Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. São
Paulo: Hucitec, 1986. [ Links ]
Contato:
Renata Paparelli
Rua Monte Alegre , 984, sala T-52 – Perdizes, São Paulo-SP
CEP 05014-901
E-mail: [email protected]
Recebido: 18/02/2010
Revisado: 13/10/2010
Aprovado: 20/10/2010