Inconsciente Freudiano X Inconsciente Lacaniano Flavia Dutra

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INCONSCIENTE FREUDIANO X
INCONSCIENTE LACANIANO
Flávia Dutra

[. ..} a linguística, cujo modelo é o jogo combinatório operando


em sua espontaneidade, sozinho, de maneira pré-subjetiva - é
esta estrutura que dá seu estatuto ao inconsciente. É ela, em
cada caso, que nos garante que há sob o termo de inconsciente
algo de qualificável, de acessível, de objetivável. Quando incito
os psicanalistas a niío mais ignorarem este terreno, que /hes
dá um apoio sólido para sua elaborar;iío, quer isto dizer que eu
penso manteros conceitos introduzidos historicamente por Freud
sobo termo de inconsciente? Muito bem, niío!, eu niío penso
assim. O inconsciente, conceito freudiano, é outra coisa. 29

E assim Lacan introduz o tema do inconsciente em seu seminário no


ano de 1964: distinguindo seu conceito de inconsciente do de Freud. Mas,
antes ainda, esbarramos com urna condiyao prévia ao tratamento do con-
ceito do inconsciente: a questao do conceito. 30 Nao podemos evitá-la. 31
U ma advertencia de Lacan que foi suprimida na versao em portugues - o
que, para quem se baseasse exclusivamente nesta versao, talvez induzisse
a desconsiderar tal precedencia.
Assim sendo, antes de abordar a distinyao entre o conceito de incons-
ciente de Freud e o de Lacan, vamos considerar - ainda que em linhas bem
gerais - a questao do conceito. Por que essa advertencia? Como conceber os
conceitos para aceder ao ensino de Lacan?
Retomo os questionamentos de Lacan:
• Existem conceitos analíticos formados de urna vez por todas?
• Freud permanecería o único a introduzir conceitos?
• Sem os conceitos, onde amarrar nossa prática?
• Trata-se de conceitos, propriamente falando, na psicanálise?
• Sao conceitos em formayao, em evoluyao, a serem revistos?
Pois bem, para Lacan o inconsciente é um conceito. Um conceito nao
no sentido de presumir-se urna cópia fiel do mundo, um representante de sua

29 Lacan, J. (1990). Seminário 11. Aula 22/01/1964. Jorge Zahar Editor.


30 Op. Cit. Aula 15/01/1964.
31 Assim consta na versao de Staferla do Seminário 11. Esta frase, "nao podemos evitar a questao do conceito",
é omitida na versao em portugués da Zahar.
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essencia ou substancia real; nao no sentido da descri9ao de urna coisa ou


de um fenómeno, de urna realidade preexistente. Nao se trata <leste tipo de
conceitua9ao na teoría de Lacan.
É costumeiro pensar que as coisas sao o que sao e que a teoría as des-
creve. Confundimos conceitos com coisas. Entretanto, o que acreditamos
serem as coisas é apenas um modo de abordá-las, de entende-las, ou seja: é
urna leitura das coisas, possibilitada por urna hipótese, urna teoría. Dizer que
há urna teoría que possibilita urna leitura das coisas é bem diferente de afirmar
que elas sao como sao e a teoría as descreve. Ou voces acreditam mesmo que
a leí da gravidade estava contida na ma9a que caiu na cabe9a de Newton, no
sossego de urna sesta a sombra de urna árvore? Para Serna Arango, na medida
em que a fisica avan9a toma-se evidente que as teorías nao aspiram a ser
urna fiel cópia do mundo, ou seja: nao aspiram a ser verdadeiras e sim úteis
para determinados fins. 32 E por isso filósofos da ciencia, como Feyerabend,
afirmam ser impossível urna atividade científica nao mediada pelos contextos.
Lacan coincide com esta perspectiva, na medida em que postula nao
haver realidade pré-discursiva. Tal posicionamento epistemológico promove
urna outra ordem em sua abordagem conceitual, distinta da de Freud. Seu
inconsciente estruturado nao se alcan9a com aquele modo de conceituali-
za9ao mencionado mais acima. Lacan declara o fracasso do conceito33 em
abordar o inconsciente estruturado e a necessidade de se recorrer a outra
forma para abordá-lo, que nao através da apreensao conceitual. Direciona
a conceitualiza9ao para a formaliza9ao. Para ele, os conceitos obedecem a
regencia do funcionamento significante, onde os termos se articulam numa
lógica co-variante - cada qual se define em rela9ao ao outro. Os conceitos
tem urna orienta9ao flexível, articulável, urna vez que estao desvinculados
de urna realidade antecedente. Lacan nao se dispoe a criar um sentido novo
para os termos freudianos, mas procura inserí-los na lógica significante onde
eles se reanimam e ganham novo alcance.
lsto posto, sigamos com os conceitos de inconsciente de Freud e de Lacan.
Pois bem, Lacan nao pretendía manter os conceitos introduzidos por
Freud sob o termo de inconsciente.

Se o inconsciente freudiano é outra coisa, em que se diferencia?

Como se define o inconsciente freudiano?


Freud trabalha com a no9ao de aparelho psíquico, que funciona segundo o
modelo do arco reflexo nurna articula9ao entre 3 aspectos: o tópico - lugar onde

32 Serna, A. J. (2007). Ontologías alternativas. Anthropos editorial.


33 Lacan, J. (1999). Seminário 5. Aula 27/11/1957. Jorge Zahar Editor.
LACAN. A revolucao negada 35

acontecem os fenómenos - o dinámico - conflito de for9as entre os sistemas


- e o económico - investimentos de energia que circulam dentro do aparelho
psíquico. A conceP9ao do aparelho psíquico é distinta nas duas tópicas do desen-
volvimento teórico de Freud. Definido, na primeira tópica, pelos sistemas do
Inconsciente, Pré-consciente e Consciente, e na segunda pelas instáncias do lsso,
Eu e Supereu. O processo do arco reflexo é o modelo de todo o funcionamento
psíquico e atravessa as duas tópicas.
O inconsciente designa um dos sistemas do aparelho psíquico no quadro
de sua primeira tópica. É composto por conteúdos recalcados, representantes
das pulsoes - fortemente investidos de energia e que tendem a consciencia e
a sua descarga ou a9ao. Também fazem parte do inconsciente os conteúdos
herdados filogeneticamente, como o sentimento inconsciente de culpa. Os
conteúdos inconscientes sao regidos por mecanismos específicos do processo
primário, principalmente a condensa9ao e o deslocamento. O inconsciente,
na primeira tópica, é assimilado ao recalcado. Localiza-se dentro do aparelho
psíquico em suas profundezas e o analista teria que buscar por seus conteúdos
como quem vasculha escombros tentando encontrar algo de valor. Corresponde
a verdade última do indivíduo.
Na segunda tópica, o inconsciente já nao coincide como recalcado.
Deixa de ser urna instáncia especial, urna vez que qualifica o Isso e, em parte,
o Eu e o Supereu. O Eu e o Supereu contem partes pré-conscientes e partes
inconscientes. As características atribuídas ao sistema inconsciente na primeira
tópica sao, em geral, transpostas para o lsso na segunda tópica.
Dois modelos do aparelho psíquico sao bastante sensíveis para a consi-
dera9ao da no9ao de inconsciente de Freud. Sao eles:
1) da primeira tópica, o esquema apresentado no capítulo 7 da Interpre-
tar;iio dos sonhos de 1900 - conhecido como o esquema do pente:

Pcpt Mnem Mnem • Pes

• • • • • •

Os tra9os mnemicos correspondem ao mais arcaico e originário do psi-


quismo, sao decorrentes das vivencias, das experiencias de satisfa9ao e insa-
tisfa9ao e ficam registrados no sistema inconsciente. O que se inscreve sao as
36

cularao as representa9oes-palavra
representa9oes-coisa que mais tarde se vin
que lhes correspondem. só dire9ao: da esquerda para
Este esquema é urna reta orientada em urna
direita. A energía se desloca do pol o per ceptivo - a esquerda - para o polo
a
das resistencias ou facilita9oes que
motor- a direita. O deslocamento depende
O princípio regente é o princípio
as representa9oes encontram pelo caminho.
desprazer.
do prazer, que corresponde a evita9ao do
do aparelho psíquico: Pré-cons-
Neste esquema, Freud localiza os 3 sistemas
nao está registrada graficamente,
ciente, Inconsciente e Consciente. A consciencia
esquema, no polo motor. No modelo
mas Freud a localiza, na descri9ao que faz do
o pelo próprio Freud: como explicar
do pente encontra-se wn problema apontad
sempre da esquerda para a direita,
o sonho ou as alucina9oes se a energía vai
r os tra9os mnemicos? Para acessar
do polo perceptivo ao motor? Como acessa
ia, da direita para a esquerda, mas
os tra9os seria preciso ir na dire9ao contrar
ramos, ainda, um outro problema: a
o esquema nao admite a regressao. Encont
stos. Como pode ser? O pré-cons-
percep9ao e a consciencia estao em polos opo
ncia e estes últimos nao se tocam.
ciente fica entre o inconsciente e a conscie
assemelha acadeia significante
O esquema linear e unidirecional do pente se
segue: S1-+S2 -+S3. Desta forma,
de Saussure, que pode ser formulada como
e as alucina96es, assim como nao se
é impossível explicar a regressao onírica
ante com o modelo de Saussure.
pode explicar a retroa9ao da cadeia signific
2) da segunda tópica, o esquema que
figura em seu texto O Eu e o Jsso,
de 1923, Freud assim o apresenta:
um id psíquico, desconhecido
Examinaremos agora o indivíduo como
ousa o Eu, desenvolvido a partir de
e inconsciente, sobre cuja superficie rep
seu núcleo, o sistema Pcpt.
34

Pc pt .- Cs.

. . ..
. Pes
..:EO. ...
O:
..:

s. lmago Editora. Op. Cit.


34 Freud, S. (1976). OEgo eo Id. Obras completa
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LACAN. A revolu~o negada 37

Aqui o aparelho psíquico é representado como urna esfera - comparada


por Freud aanatomia cerebral - chamada por ele de indivíduo (individuurn).
Como qualquer esfera, possui urn lado externo e outro interno bem delimi-
tados. As instancias psíquicas estao contidas em seu interior e constituem
partes distintas entre si. Em seu centro está o Jsso (Id) que contém as pulsoes,
consideradas como representantes das manifesta~oes do corpo biológico.
O recalcado faz parte do lsso, se fundindo com ele. O Eu também fazia
parte, originalmente, do lsso, correspondendo a sua parte modificada pela
influencia do mundo externo. Ao Eu compete o controle da motilidade. Freud
o compara a um cavaleiro tentando controlar um cavalo mais forte que ele.
Cavaleiro que, muitas vezes, para nao se separar de seu cavalo, ve-se obrigado
a se deixar levar aonde este quer ir.
O lsso corresponde a um continente fechado que abarca urna série de
coisas, feito um caldeirao cheio de conteúdos. É o mais profundo do ser, como
bem se nota na dimensao espacial da figura duramente criticada por Lacan.
Urna crítica contundente encontra-se no seminário de Caracas, onde Lacan
declara sua perplexidade diante do esquema desajeitado de Freud, "nao é o
melhor que Freud fez". 35

Qual é o conceito de inconsciente de Lacan?

Antes de tudo reitero que, como vimos, para Lacan trata-se de


um conceito:

O Inconsciente é um conceito forjado sobre o rastro do que opera para


constituir o sujeito. 36

E o que opera para se constituir o sujeito é o significante em seu funcio-


namento desde sempre.
Lacan concebe o inconsciente como estruturado. E ele está estruturado
como urna linguagem. 37

[...]é toda a estrutura da linguagem o que a experiencia psicanalítica des-


cobre no inconsciente. 38

Essa estrutura nao tem origem, centro nem finalidade. O Outro já está
dado de saída, desde sempre.

35 Revista L'Ane (1982). http://www.psicoanalisis.org/lacan/caracas.htm


36 Lacan, J. (1998). Posi~o do Inconsciente. In Escritos. Jorge Zahar Editor.
37 Lacan, J. (1964). Seminário 11. Aula 20/04/1964. Op. Cit.
38 Lacan, J.(1998). A Instancia da letra no inconsciente ou a razao desde Freud. In Escritos. Jorge Zahar Editor.
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[...]de saída a bateria significante é dada. 39

O que quer dizer que essa estrutura nao se constitui gradualmente, nao
se desenvolve, nao pode ser considerada em termos evolutivos. Os elementos
dessa estrutura sao os significantes, que funcionam numa legalidade onde um
significante nao representa nada nem significa a si mesmo e se coloca sem-
pre em rela9ao a outros significantes. Levando em conta essa estrutura, é na
dimensao de urna sincronia que devemos situar o inconsciente. 40
Lacan coloca urna condi9ao necessária para aceder ao inconsciente estru-
turado: a subversao do conceito de sujeito. Qual é o conceito de sujeito que
urge subverter? É o conceito de sujeito vigente ainda hoje, inclusive no campo
psicanalítico. Aquele construído por urna longa trama entre a teologia e a
filosofia e que é consagrado ao status de Eu na modemidade. Sua subversao
implica em passar a considerá-lo como efeito do significante.

[...] a psicanálise nao é nem urna weltanschauung nem urna filosofia que
pretende dar a chave do universo. Ela é comandada por urna visada par-
ticular que é historicamente definida pela elabora9ao da no9ao de sujeito.
Ela coloca essa no9ao de maneira nova, reconduzindo o sujeito a sua
dependencia significante.41

E Lacan é radical ao afirmar que só é possível funcionar no campo psi-


canalítico outorgando ao sujeito um estatuto correto - que seria, justamente,
considerá-lo como efeito do significante. 42
Lacan refere-se ao inconsciente de várias formas: como o discurso do
Outro; 43 como parte do discurso enguanto transindividual;44 concebido em
imis9ao de Outridade - correspondendo ao espa90 topológico da banda de
Moebius; 45 como um saber nao sabido; 46 como tendo um estatuto ético e nao

39 Lacan, J. Seminário 11. Aula 29/01/1964. Op.Cit.


40 ldem. Aula 22/01/1964.
41 ldem. Aula 19/02/1964.
42 Lacan, J. (2008). Seminário 16. Aula 08/01/1969. Jorge Zahar Editor.
43 Krutzen, H. (2009). lndex référentiel. Ed. Economica, Anthropos. Encontra-se nos: Seminário 1, (24/02/54 e
23/06/54); Seminário 2, (9/01/55); Seminário 5, (25/06/58); Seminário 11, (15/04/64); Seminário 14, (08/02/67,
10/05/67 e 31/05/67).
44 Lacan, J. (1998). Fun~o e campo da tala e da linguagem. In Escritos. Jorge Zahar Editor.
45 Lacan, J. (1970). Of structure asan inmixing of an Otherness, pre requisita to any subject whatever.
Conferencia realizada em Baltimore em Columbus university. 1966. In The languages of Criticism and the
Sciences of Man. 1970.
46 Lacan, J. Seminário 6, (4/03/59); Seminário 7, (22/06/60); Seminário 16, (4/12/68); Seminário 17, (17/12/69);
Seminário 19, (4/11/71); Seminário 20, (20/03/73); Seminário 24, (21/12176).
39 de 2

LACAN. A revoluc;ao negada 39

ontico;47 como o evasivo e pulsátil estabelecendo-se em um movimento de


abertura e fechamento. 48
O que se depreende destas acep9oes é que o conceito de inconsciente, tal
como o fórmula Lacan, nao pode ser considerado como urna propriedade indivi-
dual, nem como algo localizado no interior do organismo ou de um psiquismo.
Em nenhuma das acep9oes de inconsciente acima descritas pode-se admitir
que o inconsciente seja propriedade de alguém. Contudo, pode ser deduzido
a partir de um movimento de abertura e fechamento. Abertura e fechamento
do que? Da cadeia significante. Nao se trata da abertura e fechamento de um
corpo, feito urna cauta de Pandora que ao se abrir deixa escapar conteúdos que
a
nao deveriam vir luz - para alegria do analista! A abertura e fechamento de
que se trata é resultante do ato analítico. Se a superficie topológica que corres-
ponde ao inconsciente é a banda de Moebius, é for9oso concluir que ele só tem
um lado e apenas duas dimensoes. Se só tem um lado e duas dimensoes, nao
pode corresponder aoque está dentro. O inconsciente de Lacan nao remonta
a nenhum continente que abarcaria conteúdos, é vazio de conteúdos, nao há
nenhum conteúdo que lhe corresponda, posto que é pura trama significante. O
que chega mais perto de assumir um estatuto óntico em rela9ao ao inconsciente
é o buraco, a fenda. 49
Lacan combate a ideia do inconsciente como unidade. 50 O único método
para identificar o sujeito do inconsciente é discriminando a rede dos signifi-
cantes que se entrecruza de maneira lógica e nao ao acaso. 51
É fundamental discernir o que entendemos por sujeito do inconsciente,
urna vez que a confusao espacial se recoloca nesta expressao: sujeito do
inconsciente. lsto quer dizer que o inconsciente possui um sujeito? Ou as
pessoas possuem um inconsciente? Lacan critica a condi9ao intrapsíquica do
inconsciente. Se o supomos como intrapsíquico, ternos que: o inconsciente
está dentro do psiquismo, que, por sua vez está dentro das pessoas. Dentro
de cada um de nós haveria um inconsciente e o sujeito do inconsciente figu-
raria como o homúnculo (concep9ao medieval do homenzinho dentro do
homem que governa tudo). Urna versao mais contemporánea do homúnculo
é o cérebro. O nome do homúnculo hoje é cérebro. Mudou o nome do gover-
nador. Meu cérebro quer isso, quer aquilo, gosta disso, nao gosta daquilo,
tá acostumado com aquilo, etc. Expressoes como essas sao recorrentes. A
ideia de Lacan é a de que o inconsciente tem um sujeito mas nao pode ser
pensado como o homúnculo. E qual é a natureza desse sujeito? Sua natureza

47 Lacan, J. Seminário 11. Aula 29/01/1964. Op.Cit


48 lbid.
49 lbid.
50 Lacan, J. {1964). Seminário 11. Aula 22/01/1964. Op.Cit
51 Lacan, J. {1964). Seminário 11. Aula 05/02/1964. Op.Cit.
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e materialidade sao as do significante, muito bem expressas no neologismo


de Lacan: moterialism. 52
A rede através da qual o sujeito do inconsciente pode ser localizado
implica o número. Encontramos no seminário 1, no lugar dos tra9os mne-
micos do esquema do pente: Sl, S2, S3. (No Seminário 9, Lacan retoma a
mesma referencia ao esquema do pente, equivalendo o significante ao tra90
apagado). Podemos observar que a diferencia9ao na sequencia S 1, S2, S3 é o
número, posto que a letra é a mesma. O número marca a posi9ao que o signifi-
cante ocupa na cadeia. Tal numera9ao aponta para urna lógica posicional. Por
exemplo se alguém diz: meu irmiio niio é meu irmiio isso nao redunda numa
tautologia, urna vez que irmiio na posi9ao de S 1 nao é o mesmo que irmiio na
posi9ao S2. Tal diferencia9ao só é possível a partir do número, que permite
distinguir a posi9ao do significante na cadeia. O inconsciente estruturado
como linguagem nao pode prescindir do número. A distin9ao entre ato falho
e sintoma também considera o número. Por exemplo: se alguém, a caminho
do trabalho, toma a dire9ao do trabalho anterior, isso pode ser considerado
um ato falho. Se alguém a caminho do trabalho toma por 5 vezes a dire9ao
do trabalho anterior, isso pode ser considerado um sintoma. Já é a quinta vez
que ocorre o mesmo! Como estabelecer o sintoma sem o número?
Se o conceito de inconsciente de Freud se distinguiu de tudo o que
existia anteriormente, o mesmo acontece com o conceito de inconsciente de
Lacan. Para Freud, tratava-se de um sistema dentro do aparelho psíquico (na
primeira tópica). Na segunda tópica, segue a ideia de aparelho psíquico, mas
o inconsciente qualifica as instancias do Jsso e em parte o Eu e o Supereu. Já
para Lacan, o inconsciente é urna estrutura.
No seminário 11 ele estabelece a fun9ao da causa como ponto de partida
para o trabalho com os conceitos de inconsciente - o de Freud e o dele. A
causa, para Lacan, é negativa. O que consta no domínio da causa é a lei do
significante, que surge no lugar de um buraco, de urna hiancia. Trocando
em miúdos: em se tratando do inconsciente nao há causa, há um oco em
seu lugar.

[ ...] a hiancia causal está no núcleo da estrutura ics. 53

O que funciona como causa é o buraco gerado pela articula9ao signi-


ficante. Um golpe duro no inconsciente causado pela heran9a filogenética e
pelas experiencias vividas; um golpe no aparelho psíquico formado a partir de
conteúdos organizados tópica, dinamica e economicamente. A compara9ao da

52 Trata-se da condensa980 das palavras em trances: mot-que significa palavra e materialismo.


53 Lacan, J. (1964). Seminário 11. Aula 05/02/1964. Op.Cit.
•••

LACAN. A revolu~o negada 41

ontogenese afilogenese, muito utilizada por Freud, é fruto de urna confusao.


A confusao ocorre pela localiza9ao da ontogenese psicológica nos pretensos
estágios de desenvolvimento biológico.
Para Freud a causa, em rela9ao ao inconsciente, nao é negativa - urna vez
que os conteúdos do inconsciente (na primeira tópica) e do Isso (na segunda
tópica) tem sua genese nos acontecimentos vividos pelo indivíduo e na heran9a
filogenética, como é o caso do sentimento inconsciente de culpa.
Na teoriza9ao de Lacan do inconsciente nao há nada equivalente a um
aparelho psíquico. Os elementos do inconsciente de Lacan sao elementos da
linguagem - significantes articulados em cadeia - e nao estao contidos dentro
de nada nem ninguém. O Sujeito do inconsciente e o Outro estao dispostos
em imis9ao de Outridade. 54
Lacan propoe como núcleo da estrutura um buraco, enquanto Freud
coloca no centro de seu aparelho psíquico o Eu.

54 Lacan, J. (1964). Conferencia de Baltimore. Op. Cit.

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