Antropologia Da Religiao 4

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Religião, Religiosidade e Crença na

Contemporaneidade

Características da religião ou experiência religiosa na sociedade


contemporânea
Olá, estudante! Boas-vindas à primeira aula da Unidade 4. Nela você estudará a pluralidade
religiosa e as transformações históricas, sociais e tecnológicas que deram origem à
diversidade religiosa existente hoje. Além disso, discutiremos os desafios e as oportunidades
que ela apresenta para nossas comunidades e para o mundo em geral.
Para entendermos a pluralidade religiosa na sociedade contemporânea, é preciso retroceder
um pouco no tempo a fim de examinar as mudanças sociais e culturais que ocorreram no
século XX, período marcado por uma série de transformações que contribuíram para o
surgimento do pluralismo religioso que vemos hoje.
Uma das principais influências do passado foi o processo de secularização e laicização do
Estado, que levou à separação de religião e política, de modo a abrir espaço para a
coexistência de diversas tradições religiosas em uma mesma sociedade. Esse movimento
trouxe consigo maior liberdade religiosa e uma crescente tolerância em relação à diversidade
de crenças e práticas.
Hoje, nossa sociedade é caracterizada por um verdadeiro "mosaico" de crenças e práticas
religiosas, que reflete não apenas a diversidade cultural, mas também a liberdade de
expressão e a escolha religiosa. Um dos aspectos mais interessantes dessa pluralidade
religiosa é como ela se manifesta no mundo digital. Com o avanço da tecnologia,
especialmente da internet e das redes sociais, as comunidades religiosas encontraram novas
maneiras de se conectar, compartilhar informações e praticar sua fé. No entanto, essa
interação digital também apresenta desafios, como a superficialidade na prática religiosa e a
propagação de crenças extremistas.
Outro aspecto importante da pluralidade religiosa é sua interseção com a política e as
questões sociais. Enquanto algumas pessoas argumentam que religião e política devem ser
mantidas separadas, outras defendem que as convicções religiosas têm um papel legítimo a
desempenhar na formulação de políticas públicas e na promoção do bem comum.
Com esse breve resumo, apresentamos a você o objetivo de estudos desta aula. Agora,
passaremos a tratar da pluralidade religiosa na sociedade contemporânea e das mudanças
sociais, culturais e tecnológicas de nosso tempo. Bons estudos!

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Ponto de Partida
Como você já deve ter notado, o tema desta aula é instigante, pois trata da religião, ou da
religiosidade, na sociedade contemporânea. Ao longo das próximas páginas, exploraremos,
portanto, as características do mundo religioso brasileiro, considerando suas origens
históricas e sua manifestação na nossa sociedade.
Inicialmente, para entendermos a religiosidade brasileira, é fundamental reconhecermos sua
multiplicidade: nossa nação abriga uma miríade de tradições religiosas, que vão desde as
práticas das populações indígenas pré-colombianas até as influências trazidas pelos
colonizadores portugueses e pelas levas migratórias que chegaram ao longo dos séculos.
Quando falamos da formação do povo brasileiro, as religiões indígenas são parte integrante
da história espiritual do Brasil. Antes da chegada dos colonizadores europeus, os povos
nativos praticavam uma variedade de crenças e rituais que se conectavam intimamente com
a natureza e os ciclos da vida. Essas tradições continuam a influenciar muitas comunidades
indígenas até os dias de hoje, mesmo diante dos desafios impostos pela colonização e pela
modernização.
Com a colonização, chegou também a tradição cristã, que exerceu e ainda exerce uma grande
influência na vida religiosa do Brasil. O catolicismo romano foi a religião oficial do país por
muitos anos e continua a ser praticado por uma parcela significativa da população. Além
disso, o protestantismo, com suas várias denominações, ganhou espaço ao longo dos séculos,
contribuindo para a diversidade religiosa do Brasil.
A partir dessas considerações acerca da história religiosa do Brasil, pode-se compreender
melhor o cenário atual de pluralismo religioso que existe aqui. Além das tradições indígenas
e cristãs, o Brasil é lar de uma multiplicidade de expressões religiosas de origens diversas.
Nesse sentido, o sincretismo religioso é uma característica marcante, com elementos de
diferentes tradições se fundindo e se adaptando às realidades locais, uma vez que o país
abriga seguidores do islamismo, do judaísmo, do espiritismo, da umbanda, do candomblé,
entre outras religiões, cada uma contribuindo para a riqueza do panorama religioso
brasileiro.
Diante dessa diversidade, é desafiador quantificar o número exato de religiões presentes no
Brasil atualmente. A dinâmica migratória e a liberdade religiosa garantida pela Constituição
contribuem para a constante evolução e transformação do cenário religioso brasileiro, o qual
é um reflexo da rica tapeçaria cultural e espiritual do nosso povo. Ao compreendermos suas
características e complexidades, podemos apreciar a importância da religião na formação da
identidade nacional e na vida cotidiana dos brasileiros.
Para início de conversa, vamos situar a questão da religiosidade contemporânea a partir do
recorte do nosso país. Nesse sentido, quais são as características do mundo religioso
brasileiro? Quantas religiões existem, atualmente, neste país continental? A segunda
pergunta é muito difícil de ser respondida, pois, em nosso país, estão presentes tradições
religiosas remanescentes de tempos anteriores à chegada dos portugueses (as chamadas
religiões indígenas); a tradição cristã, trazida especialmente no processo de colonização; e
tradições religiosas do mundo inteiro, em virtude de o Brasil ser um país de imigrantes de
todos os continentes. Diante desse cenário de pluralidade religiosa, você já começa a
perceber que a religiosidade no Brasil é um tema vasto e complexo, que reflete a diversidade
cultural e étnica do nosso país. Dessa forma, você está convidado, a partir de agora, a
entender a relação do pluralismo cultural com a diversidade religiosa, principalmente no
cenário brasileiro. Tenha ótimas reflexões!

Vamos Começar!

Pluralidade religiosa na sociedade contemporânea


O panorama da religião, a partir do século XX, passa a ser fortemente marcado por uma
diversidade religiosa que reflete a pós-modernidade atual. Essa mudança do campo religioso
na sociedade global, que acaba por refletir-se nas práticas religiosas, como as de tribos
urbanas e as formas diferenciadas de cultos, é fruto de diversos fatores.
Na modernidade, a expansão do pluralismo religioso origina-se do secularismo e da
laicização do Estado, pois, se o Estado é laico, o pluralismo religioso será aceito na sociedade
sem restrição e haverá abertura para escolha sem interferências externas, já que o
secularismo visa a um Estado democrático e livre. Nesse aspecto não existe mais um
monopólio religioso, mas uma abertura a um novo paradigma que valoriza a pluralidade
religiosa e a liberdade do indivíduo (Gomes; Souza, 2019, p. 4)
À medida que a religião deixa de ser um aparato ideológico do Estado e perde seu caráter
fundante do social, é possível a emergência de uma diversidade de grupos religiosos, que vão
definindo suas práticas religiosas para que estejam em acordo com seus princípios de
conhecimento e cultura. Ou seja, se, de um ponto de vista estrutural, a sociedade moderna
paulatinamente vai assumindo um perfil secular, no âmbito da cultura do sistema de
significados e símbolos que conformam a ação humana, ela permanece religiosa. Assim, ao
mesmo tempo em que ela se organiza a partir de instâncias seculares autônomas, a exemplo
do Estado e do Mercado, os diferentes indivíduos que a compõem podem cultuar outros
deuses, que não aqueles das religiões tradicionais e, mais importante, podem se expressar de
forma diferente daquela pregada pelas religiões tradicionais. Justamente por não ser
religiosa, torna-se capaz de abrigar todas as religiões, sejam elas tradicionais – como o
catolicismo, o protestantismo, o budismo, o islamismo –, sejam emergentes, como as igrejas
e os grupos neopentecostais, Nova Era, em sua diversidade de formas e sistemas de crenças
(Bingemer, 2018).
A ruptura do monopólio religioso não traz apenas mudanças para o campo religioso, mas
altera, sobretudo, as representações da realidade. O ser humano moderno, ao olhar o
mundo, já não absolutiva a dimensão religiosa, por isso observa a realidade fora dos limites
impostos pelo modelo religioso medieval. Se antes o seu olhar era unívoco, agora ele é plural
(Sanchez, 2010, p. 41)
Fonte: Freepik.

Da mesma forma que o cenário global apresenta a diversificação da religião, o quadro


religioso brasileiro contemporâneo pode ser retratado como um mosaico, que, nesse
contexto, significa “crivado de muitos centros de referência e de experiência” (Giumbelli,
2006, p. 240), ou como bricolagem religiosa: “um modo de religiosidade autoconstruída a
partir de vários fragmentos que podem, mas não têm de estar ligados aos tradicionais
universos simbólicos” (Moniz, 2017, p. 396). Tanto o mosaico quanto a bricolagem
evidenciam as muitas religiões ou experiências religiosas representativas da diversidade dos
muitos “sagrados” que compõem parte significativa da cultura nacional e se confundem com
a própria história e formação social do país.
Esse quadro é formado de espiritualidades nativas, tradições religiosas importadas,
religiosidades reapropriadas, irreligiosidades em uma “mistura” que gerou o complexo
cultural-religioso que hoje se conhece: a pluralidade das expressões, mestiçagem das crenças
e fervor das práticas, traços que definem os contornos da brasilidade desse mosaico. Longe
de expor uma “tela” encerrada em uma única “moldura”, esse quadro é composto de muitos
pedaços e fragmentos que, reunidos em uma trama complexa, formam um mosaico religioso
(ou vários mosaicos) que dão estrutura à representação social das religiões no cenário
brasileiro contemporâneo (Assis, 2010).
O quadro religioso nacional assume variadas e distintas formas sociais, mas isso nem sempre
foi assim. Esse cenário tem passado, ao longo dos últimos séculos e décadas, por uma
reordenação fundamental, especialmente ao longo dos últimos 150 anos, período no qual
passou de uma forma dominada por certa homogeneidade para uma marcada pela
pluralidade. Posto de outra maneira, esse quadro vai deixando de ter apenas uma forma para
aderir a muitas formas. A diversidade religiosa consolida-se como um dos aspectos mais
característicos do atual campo religioso contemporâneo no Brasil. A partir desta, outras
dinâmicas e tendências se desenham como desdobramentos de uma nova realidade religiosa
que se põe no contexto social e cultural do país.
O fenômeno do pluralismo religioso no Brasil, atualmente, refere-se ao avanço das formas de
comunicação e à interação entre as pessoas que conjugam com uma mesma religião, seja se
identificando com ela ou se diferenciando dela.
Atualmente, o mosaico religioso brasileiro está estruturado em torno de algumas formas.
Adiante sugerimos uma forma, entre muitas outras, de classificar essa pluralidade. Tal
classificação se dá em função das matrizes religiosas centrais em torno das quais orbitam os
variados grupos e segmentos. Segundo Breno (2019), temos:

As religiões e religiosidades de matriz cristã: os catolicismos, o protestantismo e o


pentecostalismo.
As religiões e religiosidades de matriz afro-brasileira e indígenas: candomblé,
umbanda, jurema e outros.
As religiões e religiosidades de matriz oriental: budismo, hinduísmo, xintoísmo e
outros.
As religiões e religiosidades monoteístas do oriente médio: judaísmo e islamismo.
As religiões e religiosidades de matriz espiritualista e new age.
As espiritualidades não religiosas, irreligiosas e ateísmos.

Além dessas formas de classificação, é importante considerar como as religiões interagem


com a sociedade de um modo geral hoje. Os dados publicados pelo IBGE, provindos do
Censo de 2010, atestaram a consolidação da diversidade religiosa no Brasil, especialmente
nas áreas mais urbanizadas e populosas, com alterações do perfil religioso nacional em todas
as regiões. As tendências já descritas não apenas se perpetuaram, como também
aumentaram. Os católicos declinaram para 64,6%, todavia permaneceram ainda como sendo
majoritários entre a população; os evangélicos passaram para 22,2% e os espíritas para 2%;
umbandistas e candomblecistas permaneceram em 0,3%; outras religiosidades passaram
para 2,7%; os sem religião são 8% da população, e aqueles que não sabem ou não declararam
atingiram a marca de 0,1%. Merece destaque aqui o percentual de evangélicos: houve
aumento desse segmento sem origem missionária ou pentecostal (isto é, sem vínculo
institucional); uma redução proporcional dos evangélicos de missão, mantendo uma
estabilidade relativa no total da população; e um crescimento dos evangélicos pentecostais
por todo o país (IBGE, 2010). Diante desse cenário, percebemos que as religiões no Brasil
estão em processo de transformação, marcadas por novas dinâmicas. Surgem, então, novas
características que perpassam o campo religioso e que mudam a dinâmica das religiões
institucionalizadas até então conhecidas. Nenhuma tradição religiosa fica fora dessas
dinâmicas.
Siga em Frente...

Religião e tecnologia na era digital


Discutir o tema religião e tecnologia na era digital torna-se importante porque, com o grande
avanço das mídias e das plataformas digitais, há conexões cada vez mais profundas entre
religião e mídias digitais, redes sociais e midiatização da religião pelas igrejas.
Em primeiro lugar, é relevante compreendermos o cenário atual no que diz respeito à
comunicação: quando mencionamos as novas mídias, é preciso entender que são as que
surgiram após os meios de comunicação de massa tradicionais, como o cinema, o rádio e a
televisão. Esse atual cenário comunicacional, especialmente com a internet, permite maior
interatividade, comunicação não presencial e superação das fronteiras de tempo e espaço:
estamos na era digital, que trouxe consigo uma revolução na comunicação, que mudou, pela
primeira vez na história, a própria estrutura do fluxo de informações. Esse processo de
transformação teve um impacto significativo também na religiosidade contemporânea.
Nos tempos modernos, a interseção entre religião e tecnologia tornou-se um fenômeno cada
vez mais proeminente, moldando tanto a prática religiosa quanto a experiência espiritual na
era digital. Aqui temos um questionamento importante: como a tecnologia influenciou e
continua a influenciar a religião? Quais são os desafios e as oportunidades que surgem nesse
contexto? Você já se perguntou sobre isso?
Vemos que a tecnologia, especialmente a internet e as redes sociais, revolucionou a forma
como as pessoas interagem com a religião. Em um mundo cada vez mais conectado, as
comunidades religiosas encontraram novas maneiras de se comunicar, disseminar
ensinamentos e promover eventos religiosos. Plataformas on-line, como sites, blogs,
streamings (de vídeo e podcast) e redes sociais, proporcionam espaços para discussão,
educação religiosa e até mesmo cultos virtuais, permitindo que os fiéis se conectem e
pratiquem sua fé independentemente de suas localizações geográficas.
Além disso, a tecnologia tem sido uma ferramenta poderosa para a disseminação de
informações religiosas e a promoção do diálogo inter-religioso. Por meio de recursos como
vídeos on-line, cursos digitais e aplicativos móveis, as pessoas podem acessar facilmente
textos sagrados, sermões e palestras de líderes religiosos de todo o mundo. Isso abre
oportunidades para uma compreensão mais ampla e inclusiva das diversas tradições
religiosas, promovendo o respeito mútuo e a tolerância religiosa.
No entanto, junto com os benefícios, surgem desafios e preocupações em relação à
integração da religião com a tecnologia na era digital. Um dos principais desafios é o impacto
da tecnologia na experiência religiosa pessoal, pois a dependência excessiva de dispositivos
eletrônicos e a exposição constante às distrações digitais podem dificultar a contemplação e
a conexão espiritual profunda, levando a uma superficialidade na prática religiosa.
Além disso, a disseminação de informações não regulamentadas na internet pode levar à
propagação de crenças extremistas e interpretações distorcidas da religião, aumentando o
potencial para conflitos e divisões dentro de um mesmo grupo e entre comunidades
religiosas. A falta de autenticidade e autoridade nas interações on-line também pode minar a
confiança nas instituições religiosas tradicionais, levando a uma fragmentação da identidade
religiosa e a uma crise de fé em alguns casos.
A partir disso, é possível entender a importância de se abordar esses desafios de maneira
cuidadosa e proativa, promovendo o uso responsável e ético da tecnologia na prática
religiosa. Isso inclui educar os fiéis sobre os benefícios e os riscos da tecnologia, incentivar a
moderação no uso de dispositivos eletrônicos durante atividades religiosas e promover a
educação digital para capacitar as pessoas a discernir informações confiáveis de conteúdo
enganoso ou prejudicial.
Fonte: Freepik.

Religião, política e questões sociais


Você já deve ter ouvido o seguinte ditado popular: “religião e política não se discutem”, não é
mesmo? Essa expressão remete ao entendimento de que se trata de duas áreas diferentes
que não podem ser conciliadas. Talvez essa noção venha do conhecimento histórico de
séculos anteriores, em que Igreja e Estado eram intimamente relacionados, como na Idade
Média, e em que dessa relação ocorreram muitas desavenças e violências em muitos
momentos. Mas na atualidade a realidade é outra: temos a separação da Igreja e do Estado,
de modo que cada instituição tem seu papel na sociedade.
Na atualidade, quando pensamos em religião e política, já não nos deve vir à mente uma
relação de poder como a do passado, mas devemos ter o entendimento de que religião e
política são instâncias construtoras da sociedade, que contribuem para o bem comum e,
principalmente, para o enfrentamento das questões sociais.
A proposta aqui é pensarmos se a religião pode ou não contribuir com a política e vice-versa,
o que você acha? Explorando melhor o tema, podemos nos perguntar se uma pessoa religiosa
pode participar da política ou se a política pode ser lugar para indivíduos que seguem uma
confissão religiosa.
A questão sobre pessoas religiosas poderem participar da política é bastante relevante e
complexa, pois envolve considerações éticas, legais e sociais. Em democracias, como a
maioria das nações ocidentais, os cidadãos têm o direito fundamental à liberdade de
expressão e à participação na vida política. Isso significa que pessoas de todas as crenças,
incluindo aquelas com convicções religiosas, têm o direito de se envolver na política, seja
como eleitoras, ativistas, candidatas ou líderes. Os eleitores e a sociedade como um todo
esperam que os políticos ajam de acordo com princípios éticos e morais, independentemente
de sua afiliação religiosa. Isso significa que políticos religiosos devem representar não
apenas os interesses de sua comunidade religiosa, mas também o bem comum de toda a
sociedade.
Um dos pontos sobre esse tema que você deve entender é que o espaço político não é lugar
para fazer religião, e o contrário também: no espaço religioso não se deve fazer política. Por
isso, é crucial que políticos religiosos saibam equilibrar suas convicções religiosas pessoais
com as necessidades e os interesses diversos da sociedade que representam. Isso pode exigir
compromissos e negociações para encontrar soluções que respeitem a diversidade de pontos
de vista e crenças na sociedade. Outro fator importante é o respeito às sociedades pluralistas:
políticos religiosos devem reconhecer e respeitar a diversidade de crenças e valores,
incluindo aqueles que não seguem nenhuma religião específica. Isso envolve garantir a
liberdade religiosa e a separação entre religião e Estado, bem como proteger os direitos das
minorias religiosas e seculares.
Com isso, vemos que o tema tratado em harmonia é o que pode conduzir a pensar o bem
comum e a resolver as questões sociais, melhorando cada vez mais a qualidade de vida de
uma sociedade. Uma pessoa religiosa pode participar da política, desde que respeite os
princípios democráticos, a separação entre Igreja e Estado, os direitos de todos os cidadãos e
os padrões éticos esperados de qualquer representante público. A chave está em equilibrar
suas convicções pessoais com o interesse público e respeitar a diversidade de pontos de vista
na sociedade.
Fonte: Freepik.

Vamos Exercitar?
A religiosidade no Brasil é um tema vasto e complexo, refletindo a diversidade cultural e
étnica do nosso país. Ao longo dos séculos, diversas tradições religiosas se entrelaçaram e se
desenvolveram em território brasileiro, resultando em um cenário religioso plural e
multifacetado. Desde as religiões indígenas ancestrais até as tradições cristãs trazidas pelos
colonizadores portugueses, passando por influências de imigrantes de todos os continentes,
o Brasil se tornou um caldeirão de crenças e práticas religiosas.
Diante desse cenário de pluralidade religiosa, surge uma importante questão: como o
pluralismo cultural influencia a diversidade religiosa e como se relaciona com ela no Brasil?
Como essas diferentes tradições religiosas coexistem e interagem em uma sociedade tão
diversa como a nossa?
O pluralismo cultural, caracterizado pela convivência e pela interação de diferentes culturas
e tradições, desempenha um papel significativo na configuração da diversidade religiosa no
Brasil. A rica mistura de influências culturais de povos indígenas, colonizadores europeus e
imigrantes de todo o mundo contribuiu para a formação de uma tapeçaria religiosa única e
complexa.
Essa diversidade religiosa é evidente em todos os aspectos da vida brasileira, desde as
celebrações festivas até as práticas cotidianas. As festas religiosas, como o carnaval e as
festas juninas, combinam elementos de diferentes tradições religiosas em uma celebração
que reflete a identidade cultural do povo brasileiro. Além disso, a pluralidade religiosa no
Brasil também se reflete nas leis e nas políticas públicas que visam garantir a liberdade
religiosa e proteger os direitos das minorias religiosas. O Estado brasileiro reconhece
oficialmente diversas religiões e respeita a autonomia de cada grupo para praticar sua fé
livremente.
No entanto, apesar dos esforços para promover a convivência pacífica entre diferentes
tradições religiosas, ainda existem desafios e conflitos relacionados a essa diversidade no
Brasil. Questões como intolerância religiosa, discriminação e disputas por recursos e poder
podem surgir em um contexto de pluralismo religioso.
Portanto, para entender verdadeiramente a relação entre o pluralismo cultural e a
diversidade religiosa no Brasil, é necessário considerar não apenas as interações entre
diferentes tradições religiosas, mas também os contextos sociais, políticos e históricos que
moldaram essa realidade complexa. Um diálogo aberto e respeitoso entre as diferentes
comunidades religiosas e uma abordagem inclusiva e sensível às diferenças culturais são
essenciais para promover a coexistência pacífica e o respeito mútuo em uma sociedade tão
diversa como a nossa.

Saiba Mais
Na listagem a seguir, indicamos leituras que podem contribuir com o seu aprendizado:

Religião e modernidade: transformações religiosas contemporâneas: o livro


explora as complexas interações entre religião e modernidade, abordando as diversas
transformações que as práticas e crenças religiosas têm sofrido no contexto
contemporâneo, e investiga como a modernidade, caracterizada por mudanças sociais,
tecnológicas e culturais, impacta as tradições religiosas e como estas, por sua vez, se
adaptam, resistem ou se reinventam diante de novos desafios.
EMERSON, A. L. P. Religião e modernidade: transformações religiosas
contemporâneas. São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2015.
Modernidade e pluralismo religioso: o texto explora as implicações do pluralismo
religioso para a convivência social, a tolerância e o diálogo inter-religioso, bem como os
desafios que esse fenômeno apresenta para as tradições religiosas estabelecidas e para
as estruturas de poder e autoridade dentro das comunidades religiosas.
As religiões no Brasil: continuidades e rupturas: o texto explora os desafios
enfrentados pelas minorias religiosas em termos de reconhecimento, direitos e
liberdade de culto, bem como as dinâmicas de interação e convivência com as religiões
majoritárias. Também analisa as questões de identidade, pertencimento e resistência
desses grupos diante de um cenário religioso dominado pelo catolicismo e, cada vez
mais, pelas vertentes evangélicas.
GIUMBELLI, E. Minorias religiosas. In: TEIXEIRA, F.; MENEZES, R. (org.). As
religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 229-248.

Referências Bibliográficas
ASSIS, Machado de. Helena. Porto Alegre. L&PM, 2010.

BINGEMER, M. C. O impacto da modernidade sobre a religião. São Paulo: Loyola,


2018.

BRENO, V. O sagrado em movimento: tendências da religiosidade hoje. Revista Senso,


Belo Horizonte, 13 out. 2019. Disponível em: https://bit.ly/34H87I2. Acesso em: 16 fev.
2024.

EMERSON, A. L. P. Religião e modernidade: transformações religiosas contemporâneas.


São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2015.

GIUMBELLI, E. Minorias religiosas. In: TEIXEIRA, F.; MENEZES, R. (org.). As religiões


no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 229-248.

GIUMBELLI, E. O acordo Brasil-Santa Sé e as relações entre estado, sociedade e religião.


Revista Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 13, n. 14, p. 119-143, set. 2011.
Disponível em: www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/187733/000795076.pdf?
sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 16 fev. 2024.

GOMES, F. F.; SOUZA, W. R. Modernidade e pluralismo religioso. Revista Científica


Semana Acadêmica, Fortaleza, v. 1, n. 41, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2r4uhoZ.
Acesso em: 16 fev. 2024.

IBGE. Censo 2010. IBGE, [s. l.], 2010. Disponível em: https://bit.ly/2Rbyimj. Acesso em: 16
fev. 2024.

MONIZ, J. B. Os desafios da religiosidade contemporânea: análise das teorias da


individualização religiosa e espiritual. Revista lusófona de ciência das religiões, [s. l.],
n. 20, 2017. Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciareligioes/article/
view/6140/3758. Acesso em: 16 fev. 2024.

SANCHEZ, W. L. Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual. São Paulo: Paulinas,


2010.

Religiões populares de confissão cristã


Olá, estudante! Boas-vindas à nossa aula sobre religiões populares de confissão cristã e
diversidade de práticas religiosas que surgiram e se desenvolveram nas Américas,
examinando especialmente as expressões de religiosidade popular presentes nesse contexto.
Com isso, nosso objetivo é compreender como as tradições cristãs influenciam as
comunidades e são vivenciadas por elas em diferentes contextos culturais e geográficos.
Para isso, exploraremos a religiosidade popular nas Américas, região em que as crenças e
práticas religiosas foram moldadas e adaptadas ao longo do tempo. Desde a colonização
europeia até os dias atuais, analisaremos como a religiosidade popular, que incorpora
elementos indígenas, africanos e europeus em uma rica tapeçaria espiritual, tem sido uma
força poderosa na vida das pessoas.
Na sequência, trataremos dos santos, da religiosidade popular e das diversas devoções que
fazem parte da religiosidade popular de confissão cristã. Na última parte, abordaremos o
culto e a experiência religiosa nas tradições protestantes, momento em que analisaremos a
forma como os protestantes vivenciam sua fé e expressam sua devoção a Deus.
Portanto, ao longo da aula, veremos como as diferentes manifestações da religiosidade
popular de confissão cristã e de outras confissões produzem implicações sociais, culturais e
políticas, bem como qual é sua relevância para a compreensão mais ampla da sociedade
contemporânea. Bons estudos!

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Ponto de Partida
Estudante, aqui retomaremos brevemente o modo como a religião é estudada pela
antropologia e como chegou a se construir como uma instituição fundamental da sociedade e
recordaremos, de forma sucinta, alguns dos principais acontecimentos que contribuíram
para a sua mudança e transformação ao longo do tempo, perante as diversas civilizações,
para então chegarmos ao cenário brasileiro contemporâneo. A dimensão religiosa é um
aspecto presente em todos os grupos humanos, com suas respectivas variações em relação
aos contextos locais e podendo ser pensada como uma maneira de significação de si, das
relações, dos acontecimentos e do universo como um todo.
Nesta aula, para contextualizarmos os temas que serão discutidos e para levá-lo a pensar
sobre as mudanças crescentes nas manifestações religiosas no País quanto à sua pluralidade
e diversificação, imagine que foi realizado um evento parecido com o que o Instituto de
Estudos da Religião (ISER) realizou em 1992, durante a conferência da ONU, no Rio de
Janeiro, por ocasião da Eco-92.
O evento em questão foi uma vigília inter-religiosa, cujo tema era “Respeito e tolerância à
diversidade religiosa”. Para realizar a convocação nas redes sociais e em outras mídias, com
o intuito de estimular a participação das pessoas, foram colocados em destaque nas
publicações questionamentos como: a religião tem alguma importância em sua vida? O que
você acha que a religião faz por você e pela sociedade? Por que há indivíduos que são
discriminados por seu pertencimento religioso? Há alguma coisa que você e a sociedade
possam fazer para diminuir a violência e a perseguição religiosa? Em que medida o diálogo e
a paz podem contribuir para uma sociedade que também seja democrática?
O evento atraiu um número significativo de participantes e contou com uma palestra sobre
estatísticas de intolerância religiosa no Brasil e discussões temáticas em mesas redondas.
Todos os participantes que compareceram assinaram uma lista de presença (com solicitação
de preenchimento também de pertencimento religioso).
Assim, chegamos à problematização da aula: considerando o contexto apresentado, imagine-
se como um dos organizadores do evento. Com o intuito de compreender melhor o fenômeno
religioso, ao tabelar os diferentes segmentos assinalados na listagem, você percebeu que
houve participação de pessoas que se identificam com as religiões: judaísmo, espiritismo,
catolicismo, Santo-Daime, kaiowá-indígena, candomblé, ananda marga, bioarquitetura do
sagrado, evangélica, muçulmana, ciranda de luz umbanda, hinduísmo, hinduísmo da Guiana
e da ordem ramakrishna, umbanda, estudos espíritas, luterana, budismo do Japão, budismo
Tibetano, zen-budismo, hare krishna, messiânica, movimento sathya sai baba.
A partir desses dados e de posse dos conhecimentos da antropologia da religião, como você
poderia utilizar essas informações para compreender o lugar da religião na sociedade
contemporânea brasileira? De que maneira poderia usar tais saberes para equacionar
questões ligadas à intolerância, às desigualdades e aos preconceitos? É possível
vislumbrarmos uma sociedade onde haja a convivência pacífica das múltiplas expressões das
religiosidades?
Com esses questionamentos, você está convidado a refletir sobre mais este tema. Bons
estudos!
Vamos Começar!

Religiões populares de confissão cristã e outras


religiosidades
Falaremos, aqui, de religião, religiosidade e crença na contemporaneidade a partir de um
recorte específico: a confissão cristã. Você saberia dizer quais religiões cristãs são mais
populares? Entenda religiões cristãs como as diversas denominações que encontramos no
meio popular, no qual encontramos não apenas as cristãs, mas muitas outras, pois, quando
olhamos para o cenário atual, nos deparamos com nomes de religiões indígenas, afro-
brasileiras, espírita, movimentos messiânicos do passado e até novas religiões que
dificilmente poderiam se enquadrar no mesmo setor do campo de qualquer uma das outras
já existentes (Silva, 2007)
Considerando todas as diferenças presentes, há uma grande variedade de opções de afiliação
religiosa disponível. Além das crenças e das instituições religiosas mais conhecidas e
tradicionais, como o catolicismo e o protestantismo (tanto pentecostal quanto não
pentecostal), há também o judaísmo, o espiritismo de Allan Kardec e outras religiões, como
as antigas religiões orientais renovadas e novas no Brasil (como o budismo e suas diferentes
vertentes), neorreligiões de tradição oriental e, em menor escala, ocidental.
Como seria possível descrever esse universo rico e diferenciado, não tanto pela quantidade
de semelhanças, mas pela qualidade das diferenças?
Para começarmos a entender a estrutura e depois a dinâmica do campo religioso no Brasil,
visualizemos o espaço vazio de uma folha de papel na horizontal. No extremo esquerdo,
coloquemos as crenças dos primeiros habitantes do que viria a ser o Brasil: os povos
indígenas. Na época da chegada dos europeus, era comum a ideia de que esses grupos tribais
tinham uma única prática religiosa, com um deus supremo chamado Tupã e rituais de
sacrifício. Porém, essa visão é equivocada. Atualmente, existem poucas pessoas e tribos, em
comparação com o passado: estima-se que sejam cerca de 170 a 200 mil indivíduos.
Contrariando a crença popular, esses remanescentes de séculos de genocídio e violência
estão distribuídos em diferentes etnias e grupos indígenas e espalhados por todo o território
brasileiro, em tribos distintas com suas próprias culturas e sistemas religiosos variados,
alguns deles extremamente complexos e belos (Sanches, 2014).
Conforme descrito, o Brasil é constituído por diversas religiões populares, sendo as de
confissão cristã apenas uma parte delas. Apesar de a religião predominante no País ser o
cristianismo, há uma grande diversidade religiosa que não deve ser desconsiderada. As
religiões de matriz cristã mais populares aqui são o catolicismo e o protestantismo, com
destaque para as igrejas evangélicas pentecostais. Além disso, as religiões de matriz africana,
como o candomblé e a umbanda, também têm uma presença significativa na cultura
brasileira, assim como outras religiões, como o espiritismo e o budismo, que têm crescido
nos últimos anos. A religiosidade popular brasileira é marcada pelo sincretismo, ou seja, pela
combinação de elementos de diferentes tradições religiosas (Silva, 2007).
Por ser um país diversificado religiosamente, encontramos uma ampla variedade de crenças
e práticas espirituais. Vejamos algumas das religiões mais populares no Brasil:

Cristianismo (principalmente catolicismo e protestantismo): o catolicismo


romano é historicamente a religião dominante no Brasil, mas o protestantismo tem
crescido significativamente nas últimas décadas, com várias denominações presentes
no país.
Espiritismo: o Brasil tem uma grande comunidade espírita, influenciada pelas ideias
de Allan Kardec. O espiritismo é especialmente popular em alguns estados, como Rio
de Janeiro e São Paulo.
Umbanda e candomblé: são religiões afro-brasileiras que incorporam elementos do
animismo africano, do catolicismo e do espiritismo. Elas são praticadas principalmente
por descendentes de africanos escravizados no Brasil.
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e outras denominações
neopentecostais: grupos evangélicos neopentecostais, como a IURD, têm ganhado
muita influência no Brasil nas últimas décadas, com uma abordagem mais
contemporânea e foco na prosperidade material.
Judaísmo: embora seja uma minoria, há uma comunidade judaica significativa no
Brasil, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Essas são apenas algumas das religiões mais populares no Brasil, havendo ainda uma grande
variedade de outras crenças e práticas religiosas no país, o que reflete sua diversidade
cultural e histórica. E quais seriam essas outras crenças e práticas religiosas? Além das
religiões mencionadas anteriormente, outras que refletem a diversidade cultural e étnica da
nação são (Sanches, 2014):

Jurema: é uma religião afro-brasileira que combina elementos do catolicismo, do


espiritismo e de tradições indígenas. É praticada principalmente na região Nordeste do
Brasil.
Xamanismo: algumas comunidades indígenas no Brasil praticam formas tradicionais
de xamanismo, que envolvem a comunicação com os espíritos da natureza e a busca de
cura espiritual e física.
Islamismo: embora seja uma minoria religiosa no Brasil, há uma comunidade
muçulmana significativa, principalmente concentrada em áreas urbanas como São
Paulo e Rio de Janeiro.
Budismo: o budismo tem uma presença crescente no Brasil, com vários templos e
centros de meditação espalhados pelo país. Há uma variedade de tradições budistas
representadas, incluindo o zen, o tibetano e o theravada.
Hinduísmo: embora conte com uma comunidade pequena, o hinduísmo também está
presente no Brasil, especialmente entre imigrantes indianos e seus descendentes.
Nova era: movimentos espirituais da nova era têm seguidores no Brasil, que adotam
uma variedade de práticas espirituais e filosofias alternativas, muitas vezes enfatizando
a espiritualidade individual e o desenvolvimento pessoal.
Rastafarianismo: embora seja menos comum, há uma pequena comunidade de
seguidores do rastafarianismo no Brasil, principalmente concentrada em centros
urbanos como Salvador e São Paulo.
Santo daime: o santo daime é uma religião sincrética brasileira que combina
elementos do cristianismo, do espiritismo e de tradições indígenas. Fundada na
Amazônia por Raimundo Irineu Serra, na década de 1930, o santo daime é conhecido
por rituais que envolvem o consumo ritualístico de ayahuasca, uma bebida alucinógena
feita a partir de uma combinação de plantas, incluindo a videira Banisteriopsis caapi e
a folha Psychotria viridis. Os adeptos do santo daime acreditam que esses rituais os
levam a experiências espirituais profundas e à comunhão com Deus. Essa religião
ganhou adeptos em várias regiões do Brasil e em outros países.

A diversidade religiosa no Brasil é um fenômeno marcante que reflete a rica tapeçaria


cultural e histórica do país. Ao longo dos séculos, diversas tradições religiosas foram
introduzidas e desenvolvidas no território brasileiro, resultando em uma paisagem religiosa
multifacetada e complexa. E tal qual dito anteriormente, exploraremos a partir de agora a
diversidade religiosa brasileira a partir da origem histórica, das características principais e
do impacto causado na sociedade brasileira contemporânea.
A diversidade religiosa no Brasil tem raízes nas interações culturais entre os povos indígenas
nativos, os colonizadores europeus e os africanos escravizados. Durante o período colonial, a
imposição do catolicismo romano pelos colonizadores portugueses foi um fator significativo
na formação da identidade religiosa brasileira. No entanto, a resistência cultural e a
preservação das tradições religiosas africanas entre os escravizados deram origem a práticas
sincréticas como o candomblé e a umbanda.
Cada uma dessas religiões tem características distintas em termos de crenças, práticas
rituais, estrutura organizacional e papel na sociedade. Por exemplo, o catolicismo romano é
conhecido por sua hierarquia eclesiástica e seus sacramentos, enquanto o protestantismo
enfatiza a interpretação individual da Bíblia e a salvação pela fé. As religiões afro-brasileiras,
por sua vez, valorizam a comunicação com os espíritos da natureza e a preservação das
tradições ancestrais.

Siga em Frente...

Santos, devoções e religiosidade popular


Independentemente de qual denominação religiosa você faça parte, certamente conhece uma
rua, uma cidade e muitas pessoas com nomes de santos, não é mesmo? Sim, o termo é este
mesmo, nome de santo, pois, como herdeiros da tradição católica, nosso país é formado por
uma cultura de devoções aos santos da Igreja católica. Por exemplo, a cidade de São Paulo
recebeu esse nome devido ao apóstolo Paulo, pois foi fundada pelos padres jesuítas; outro
exemplo tem relação com Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, a qual possui o
maior número de devoções possíveis, com muitos romeiros que se dirigem todos os anos à
cidade de Aparecida do Norte, que sedia o santuário atribuído a santa.
Com isso, você já deve estar percebendo que existe diversidade religiosa em várias regiões do
mundo, com diferentes aspectos e graus de intensidade, o que tem levantado questões e
despertado interesse em diversas áreas de estudo. As diversas formas de práticas religiosas,
incluindo a veneração aos santos, são uma das práticas mais antigas do cristianismo. Desde a
adoração aos primeiros mártires cristãos até os dias atuais, o culto aos santos sempre teve
destaque, seja enraizado em tradições antigas, seja adaptado a novos contextos. Assim,
estudar a longa duração de uma tradição permite compreender a consistência, a unidade e a
continuidade das ideias ao longo de gerações sucessivas (Jurkevics, 2004).
Nesse sentido, a reflexão sobre esse tema revela uma ampla variedade de expressões, que
incluem tanto a fé institucionalizada e burocrática, como fruto de uma organização racional,
quanto uma fé espontânea, subjetiva e emocional que se legitima sem formalidades, sendo
muitas vezes identificada como manifestação de religiosidade ou devoção popular.
Explorar esse campo das manifestações religiosas populares e das devoções aos santos é
como percorrer um emaranhado de caminhos, que ora seguem uma estrutura institucional,
ora se desvinculam dela, aproximando-se, em alguns momentos, para se afastar logo em
seguida, sem que um invalide o outro. Apesar de suas diferenças, esses percursos
apresentam uma dinâmica de interações mútuas, que pode ser vista sob uma ótica histórica
de constantes mudanças.
A pesquisa sobre as práticas religiosas e as formas de devoção popular no Brasil é um tema
complexo, pois envolve uma diversidade de manifestações de fé interpretadas de maneiras
distintas por diferentes estudiosos, os quais apresentam que a religiosidade, a devoção e os
rituais remontam aos primeiros anos da colonização do Brasil.
Nesse contexto, a introdução do catolicismo no Brasil refletiu, de maneira geral, as diversas
práticas que faziam parte da cultura religiosa portuguesa, caracterizada por uma tradição
medieval; no entanto, no século XVI, as paróquias não desempenhavam um papel
verdadeiramente significativo na religiosidade praticada por essas populações e, no século
seguinte, duas práticas passaram a coexistir na cristandade do Velho Mundo: a do clero e a
dos fiéis (Jurkevics, 2004).
A prática dos fiéis tratava-se principalmente de um catolicismo piedoso, ligado aos santos e
celebrativo, expresso nas práticas de devoção individual e de comunicação com Deus,
geralmente intermediada por santos. Além disso, dava-se muita importância aos aspectos
visíveis da fé, materializados nas cerimônias públicas dos sacramentos, nas novenas, nas
trezenas, nas rezas fortes, nas romarias, no Te Deum, nas procissões cheias de símbolos, de
que participavam centenas de pessoas, nos santos padroeiros, nas devoções especiais às
almas do purgatório e em muitas outras, dependendo da região.
Com isso, abordamos a origem e as características da tradição cultural que grande parte da
nação brasileira tem com relação a santos, devoções e religiosidade popular.

Culto e experiência religiosa nas tradições


protestantes
Quando falamos de culto e experiência religiosa nas tradições protestantes, é essencial
considerar a Reforma Protestante como um dos principais marcos dessa história. A Reforma
teve impacto não apenas no aspecto ritualístico do cristianismo, mas ultrapassou os limites
físicos das igrejas, influenciando diversos eventos passados e presentes na sociedade, como o
surgimento de novas correntes cristãs e a separação, em vários lugares, entre a política e a
hierarquia católica. Diante disso, é importante destacar que os principais desdobramentos
da Reforma são resultado de uma nova visão da relação entre o crente e o sagrado
promovida pelos protestantes.
Nesse sentido, a vivência espiritual se torna o ponto de partida para qualquer prática
religiosa, sendo os rituais, as doutrinas e os conceitos éticos e teológicos desenvolvidos a
partir de uma experiência transcendental. No contexto do cristianismo ocidental, a Reforma
Protestante representou uma mudança na forma como os fiéis se relacionavam com o divino.
Já no século XX, surge uma novidade no cenário religioso: o pentecostalismo, que trouxe
consigo uma abordagem inovadora da espiritualidade.
Os valores da Reforma foram amplamente aceitos pela população de nações como
Alemanha, Suíça, França, Reino Unido e outros, e os líderes mais destacados da Reforma
foram Calvino e Lutero. A partir da influência desses reformadores, podemos analisar os
ritos surgidos da Reforma Protestante e da vivência do sagrado pelos seguidores desse
movimento.
O culto luterano enfatiza a importância da Bíblia na experiência espiritual. Assim, a conexão
com Deus é pessoal e cada fiel deve buscá-la individualmente. O culto luterano também é
marcado por um sentimento de gratidão e é baseado no perdão misericordioso concedido
pela graça divina. Por outro lado, o culto calvinista é mais objetivo: para Calvino, a Bíblia é a
revelação da vontade de Deus e detém toda a autoridade. O clima característico é de
reverência diante da vontade do Altíssimo. O sermão no culto calvinista consiste na
explicação da vontade divina presente em todas as partes das escrituras sagradas. O formato
litúrgico é congregacional.
A partir do contexto histórico e dos princípios que fundamentam o protestantismo, ao
olharmos para o contexto social, quais são as tradições populares da crença protestante? No
contexto brasileiro, as tradições protestantes mais populares incluem uma variedade de
denominações e movimentos que têm ganhado destaque nas últimas décadas. Aqui estão
algumas das mais populares no Brasil:

Igreja Assembleia de Deus: fundada no Brasil em 1910, a Igreja Assembleia de


Deus é uma das maiores denominações pentecostais do país, conhecida pelo batismo
no Espírito Santo e pela cura divina.
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD): é uma denominação neopentecostal
fundada no Brasil na década de 1970, conhecida pela teologia da prosperidade e por
suas atividades de evangelismo em massa.
Igreja Batista: originadas nos Estados Unidos, as igrejas batistas no Brasil são
conhecidas por sua ênfase na autonomia da congregação e na interpretação literal da
Bíblia.
Igreja Presbiteriana: originada na Reforma Protestante, as igrejas presbiterianas no
Brasil são conhecidas por sua teologia reformada e por sua estrutura eclesiástica
baseada em presbitérios.
Igreja Adventista do Sétimo Dia: é uma denominação que enfatiza a observância
do sábado como dia de descanso e adoração, além de promover um estilo de vida
saudável e a crença na iminente segunda vinda de Cristo.
Congregação Cristã no Brasil: é uma denominação pentecostal fundada no Brasil
no início do século XX, conhecida por sua ênfase no Espírito Santo e em práticas de
adoração carismáticas.
Igreja Quadrangular: trata-se de uma denominação pentecostal que enfatiza os
quatro ministérios de Jesus Cristo: Salvador, Batizador no Espírito Santo, Médico e Rei
Vindouro.
Igreja Metodista: originada na Inglaterra, as igrejas metodistas no Brasil são
conhecidas por sua ênfase na santidade pessoal e na justiça social.

A lista que você acabou de ler é uma parte das tradições protestantes populares no Brasil,
cada uma com suas próprias características teológicas, práticas de adoração e impacto na
sociedade brasileira.

Vamos Exercitar?
Este é momento de exercitar o tema que estudou nesta aula. Considerando o contexto
apresentado, imagine-se como um dos organizadores do evento citado no início: uma vigília
inter-religiosa, cujo tema é “Respeito e tolerância à diversidade religiosa”. Para realizar a
convocação nas redes sociais e em outras mídias, com o intuito de estimular a participação
das pessoas, foram colocados em destaque nas publicações questionamentos como: a religião
tem alguma importância em sua vida? O que você acha que a religião faz por você e pela
sociedade? Por que há indivíduos que são discriminados por seu pertencimento religioso?
Há alguma coisa que você e a sociedade possam fazer para diminuir a violência e a
perseguição religiosa? Em que medida o diálogo e a paz podem contribuir para uma
sociedade que também seja democrática?
A partir desses dados e de posse dos conhecimentos sobre antropologia da religião, como
você poderia utilizar essas informações para compreender o lugar da religião na sociedade
contemporânea brasileira? De que maneira poderia usar tais saberes para equacionar
questões ligadas à intolerância, às desigualdades e ao preconceito? É possível vislumbrarmos
uma sociedade em que haja uma convivência pacífica das múltiplas expressões das
religiosidades?
Considerando a problemática, vamos refletir juntos: ao organizar o evento inter-religioso, é
possível observar a participação de uma ampla gama de tradições religiosas, incluindo
judaísmo, espiritismo, catolicismo, Santo Daime, candomblé, umbanda, hinduísmo,
budismo, entre outros. Essa diversidade reflete a complexidade da sociedade brasileira e a
pluralidade de crenças e práticas espirituais presentes no País.
Diante desse panorama, a antropologia da religião oferece ferramentas conceituais e
metodológicas para compreender o lugar da religião na sociedade contemporânea brasileira.
Através de estudos comparativos e análises históricas, é possível identificar padrões de
interação entre diferentes grupos religiosos, bem como as formas pelas quais as crenças
religiosas influenciam as percepções e os comportamentos individuais e coletivos.
Além disso, a antropologia da religião permite verificar questões ligadas à intolerância, às
desigualdades e ao preconceito. Ao investigar as causas e manifestações da intolerância
religiosa, os antropólogos podem identificar fatores sociais, culturais e políticos que
contribuem para conflitos inter-religiosos e discriminação. Isso pode incluir a análise das
relações de poder, hierarquias sociais e processos de exclusão que afetam determinados
grupos religiosos.
Por fim, a antropologia da religião nos possibilita vislumbrar uma sociedade em que haja a
convivência pacífica das múltiplas expressões de religiosidades. Ao destacar os valores
compartilhados de respeito, tolerância e diálogo intercultural, os antropólogos podem
promover a construção de pontes entre diferentes tradições religiosas e contribuir para a
promoção da paz e da coexistência harmoniosa.
O estudo da religião pela antropologia é fundamental para que possamos compreender a
diversidade religiosa na sociedade brasileira contemporânea e investigar questões ligadas à
intolerância, às desigualdades e ao preconceito. Através de uma abordagem comparativa e
contextualizada, os antropólogos podem identificar padrões de interação entre diferentes
grupos religiosos, analisar as causas da intolerância religiosa e promover o diálogo
intercultural para uma convivência pacífica e respeitosa das múltiplas expressões das
religiosidades.

Saiba Mais
Indicamos uma relação de títulos para aprofundar as abordagens estudadas e contribuir com
o seu aprendizado, não deixe de conhecer:

Elementos para uma história do catolicismo popular: esse texto mostra como o
catolicismo popular se manifesta através de festas religiosas, devoções a santos,
peregrinações, práticas de cura e outras expressões de fé que refletem a cultura e os
valores das comunidades locais. Também aborda a relação entre o catolicismo popular
e as estruturas sociais, econômicas e políticas, bem como sua capacidade de resistência
e adaptação diante das transformações históricas.
Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular: o livro busca
compreender como as crenças e as práticas religiosas se entrelaçam com a vida
cotidiana das pessoas, refletindo suas experiências, anseios e resistências. Explora
diversas expressões da religião popular, incluindo festas, rituais, devoções a santos e
entidades, práticas de cura e magia, entre outras, destacando como essas
manifestações representam uma forma de lidar com as adversidades da vida e de
afirmar a identidade cultural das comunidades.
BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
A mística do catolicismo popular – a tradição e o sagrado: o artigo trata da dimensão
mística presente no catolicismo popular, enfatizando a importância da tradição e do
sagrado na experiência religiosa das comunidades populares. O autor analisa como a
mística do catolicismo popular se manifesta através de práticas, rituais e devoções que
expressam uma relação íntima e pessoal com o sagrado, muitas vezes mediada por
santos, imagens e objetos de devoção.
O protestantismo brasileiro: objeto em estudo: o artigo faz uma análise do
protestantismo no Brasil, abordando suas características, sua diversidade e seu
impacto na sociedade brasileira. Também discute a chegada e a expansão do
protestantismo no Brasil, destacando as diferentes denominações e correntes
teológicas presentes, como o pentecostalismo e o neopentecostalismo. Por fim, aborda,
ainda, as implicações socioculturais do protestantismo brasileiro, incluindo sua
influência na política, na mídia e na formação de identidades religiosas.

Referências Bibliográficas
AZZI, R. Elementos para uma história do catolicismo popular. Revista Eclesiástica
Brasileira, Petrópolis, v. 36, n. 141, p. 95-131, mar. 1976. Disponível em: https://
revistaeclesiasticabrasileira.itf.edu.br/reb/article/view/4077. Acesso em: 16 fev. 2024.

BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. São Paulo:


Brasiliense, 1986.

GAETA, M. A. J. V. “Santos” que não são santos: estudos sobre a religiosidade popular
brasileira. Mimesis, Bauru, v. 20, n. 1, p. 57-76, 1999. Disponível em: https://
secure.unisagrado.edu.br/static/biblioteca/mimesis/mimesis_v20_n1_1999_art_05.pdf.
Acesso em: 16 fev. 2024.

JURKEVICS, V. I. Os santos da igreja e os santos do povo: devoções e manifestações


de religiosidade popular. 2004. 230 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2004.

OLIVEIRA, J. P. P.; OLIVEIRA, A. M. G. de. Religiões no Brasil: da diversidade à


pluralidade. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 42, n. 2, p. 24-41, 2008.

PASSOS, M. A mística do catolicismo popular – a tradição e o sagrado. In: SIMPÓSIO DA


ABHR, 12., 2011, Juiz de Fora. Anais [...]. Juiz de Fora: Revista Plura, 2011. v. 12.
Disponível em: https://revistaplura.emnuvens.com.br/anais/article/view/198/137. Acesso
em: 16 fev. 2024.

RIBEIRO, L. M. P. O protestantismo brasileiro: objeto em estudo. Revista USP, São Paulo,


n. 73, p. 117-129, 2007. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/
view/13593. Acesso em: 16 fev. 2024.

SANCHES, M. C. A diversidade religiosa no Brasil: expressões e identidades. Revista


Observatório, v. 8, n. 1, p. 43-67, 2014. ISSN 1647-1989.

SILVA, V. G. da. Sociologia da religião. São Paulo: Editora Ática, 2007.

SOUZA, C. H. P. “Hoje somos só evangélico e crente”: novos olhares sobre a identidade do


protestantismo brasileiro. Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, 2016. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/sacrilegens/article/download/26892/18574. Acesso
em: 16 fev. 2024.

Religiões populares de matrizes diversas


Olá, estudante! Ao longo desta aula, você aprenderá o sincretismo e a diversidade nas
religiões populares, rituais e celebrações nas religiões e será levado a refletir sobre o diálogo
inter-religioso e a coexistência pacífica entre as religiões. Nesse contexto e levando em
consideração as religiões populares de matrizes diversas, particularmente, interessa-nos aqui
refletir como a realidade brasileira desenvolveu uma síntese que condensou cosmologias
provenientes do cristianismo e das matrizes africanas e indígenas. Essa fusão de elementos
populares está intrinsecamente relacionada à cultura vigente na sociedade, de modo que as
religiões podem servir de instrumento capaz de revelar a organização e as visões de mundo,
ao mesmo tempo em que a sociedade cultiva, por meio dos seus processos, interações,
disputas por poder, mediação com facetas variadas da vida social, como mídia, política,
educação e transformações em curso, e cultivo de cosmologias peculiares de interpretação do
mundo. Bons estudos!

Clique aqui para acessar os slides da sua videoaula.

Ponto de Partida
Você já deve ter observado na sociedade a presença de certas narrativas e certos rituais e
símbolos religiosos que são classificados como “errados”, mas que continuam a ter fortes
raízes nas práticas e nas representações sociais da população, não é? Diante disso, nesta
aula, para contextualizarmos as discussões a serem feitas, imagine um antropólogo com
grande experiência no contexto de sua formação e do convívio junto à comunidade religiosa
de que faz parte, na qual seus colegas, adeptos da mesma religião, respeitam-no por seu
carisma, seu conhecimento e sua postura fiel e disciplinada diante da crença praticada.
Em determinado momento, ele foi convidado para realizar uma palestra a jovens do ensino
médio em um centro comunitário localizado em uma pequena e afastada cidade interiorana.
O tema central da palestra envolve uma discussão sobre a diversidade religiosa encontrada
no Brasil e o propósito dos estudos sobre antropologia da religião. Nessa cidade, são comuns
e cotidianas as narrativas da população sobre adivinhações, mau-olhado, benzedores e almas
penadas. Por exemplo, adivinhações relacionadas à gravidez de determinada mulher e ao
futuro da criança, relacionadas à morte prematura de uma pessoa, maus-olhados e invejas
capazes de levar um indivíduo ao adoecimento, pessoas com um dom de cura ou agravo
sobre as vidas de outras pessoas, ou, ainda, aparecimentos de fantasmas, pessoas mortas,
mas que supostamente continuam a existir no mundo dos vivos.
Essas são as narrativas que constantemente despertam o medo da comunidade, mas que,
ainda assim, não são abandonadas. O que determinadas crenças e superstições revelam
sobre o modo como uma sociedade se organiza? É possível perceber elementos híbridos nas
explicações desenvolvidas pelos indivíduos para acontecimentos extraordinários? Em que
medida a história e a cultura de cada grupo social estão expressos em práticas e
representações tão corriqueiras quanto a de uso da magia?
A partir desse cenário, durante o desenvolvimento da palestra na cidade, um dos jovens
participantes questionou a maneira como os estudos antropológicos da religião podem
fornecer as chaves para a interpretação e a compreensão das manifestações religiosas. Você,
estudante, no lugar do teólogo, responderia a esse questionamento de que maneira?
Questionamentos lançados, agora é hora de desenvolvermos o conteúdo. Bons estudos!

Vamos Começar!

Sincretismo e diversidade nas religiões populares


Para tratar de religiões populares de matrizes diversas no Brasil, é necessário considerar que
o catolicismo foi a religião implementada desde o início do projeto de colonização
portuguesa do território. Isso fez com que, ao longo do tempo, fosse se constituindo como
parte integrante da identidade coletiva da nação – não à toa, essa herança faz com que o
Brasil continue predominantemente cristão – e, nas visões de mundo que os indivíduos
cultivam, fossem sendo construídos simbolismos a partir de sua influência. Também desde a
colonização portuguesa, o Brasil adquiriu manifestações plurais, expressões religiosas
provenientes de matrizes não cristãs, com componentes das culturas indígenas e africanas.
Independentemente da adesão à fé cristã, vale mencionar a importância, o peso e a
influência que a religião em si exerce no cotidiano de uma população, principalmente ao
pensarmos nas expressões religiosas populares, cujas marcas aparecem no cotidiano
simbólico dos sujeitos, uma vez que a religião aparece relacionada ao processo sociocultural
e histórico dos lugares, dos bairros, das pessoas, das narrativas, das memórias, dos discursos
e das instituições (Trajano Filho, 2010).
O cristianismo no Brasil evidencia múltiplas convergências culturais, indo muito além do
que sua crença dissemina. Ao fazer referência ao plano espiritual, os sujeitos incorporam
muitos outros elementos, que, de tão naturalizados na sociedade, passam pelo fenômeno do
sincretismo e são ressignificados sob o crivo do cristianismo, para ir além e aderir ainda
aqueles elementos que não se sincretizaram. Em outras palavras, as religiosidades populares
têm a capacidade de manifestar a riqueza cultural ocultada pelas narrativas dos discursos
hegemônicos, fato que não as torna menos vivas e rotineiras.
As religiosidades expressam as formas de pensar dos sujeitos em seus modos de vida e de
pensamento, de maneira que perpassam e integram o cotidiano de afeto e de trabalho, de
economia e de religião, revelando, de forma significativa, como as pessoas interagem em
seus ambientes domésticos e públicos.
O universo cosmológico é permeado de símbolos e ornamentos que expressam a relação
entre a religião e todas as dimensões da vida, por exemplo: estatuetas e imagens que
representam santos, anjos, entidades, orixás; crucifixos; quadros, desenhos e gravuras;
colares e contas; plantas, águas e alimentos; altares e velas; e uma série de outros símbolos
que expressam o lócus sagrado.
No que diz respeito às religiosidades, o modo como esses espaços são organizados e os
objetos dispostos também expressam a ótica religiosa que os sujeitos carregam, as
transformações que perpassam a realidade, seja no cotidiano doméstico, seja nas cerimônias
e nos trabalhos institucionais e festivos, que acabam por se apresentar, também, como um
elemento de distinção dos sujeitos que carregam aquela fé diante da sociedade na qual se
inserem, reforçando as cotidianidades religiosas ao mesmo tempo em que também
configuram relações de poder de alta complexidade (Barrozo, 2019).
Como exemplo, leiamos um trecho escrito por Bernardes (2019) para analisar a
interpenetração entre as práticas e as visões de mundo do catolicismo popular, em um
município de Minas Gerais:

A presença da esfera espiritual na vida da população caldense não está contida


apenas na religiosidade em sentido estreito, da mesma forma que não apenas se
embrenha no imaginário coletivo. As representações e as práticas situam-se em
um mesmo plano, combinando-se em uma relação de proximidade e conferem
um sentido existencial e social no cotidiano das pessoas (Bernardes, 2019, p.
4-5).

No Brasil, o interesse dos antropólogos foi despertado para o estudo das religiosidades
devido àquelas que se encontravam nas bordas da religião dominante, o catolicismo. A partir
de então, uma série de estudos têm sido feitos sobre o candomblé, a umbanda e o
espiritismo, entre outras denominações evangélicas de protestantes, incluindo as
religiosidades dos povos indígenas, que são muito variadas, e sobre o budismo, o hare
krishna, o islamismo e o xintoísmo (Assis, 2010).

Rituais e celebrações nas religiões de matrizes


diversas: candomblé, umbanda e espiritismo
Para desenvolvermos este tema, estudaremos estas três religiões: o candomblé, a umbanda e
o espiritismo, religiões com cosmovisões distintas da tradição cristã, à qual normalmente
estamos acostumados ou que já conhecemos por nossa própria experiência.
Iniciemos pelo candomblé: trata-se de uma religião de matriz africana que foi trazida ao
Brasil por negros escravizados e que se perpetuou principalmente na Bahia, em
Pernambuco, no Maranhão, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Porto Alegre, estados em
que é praticado com variações específicas de cada localidade. Os terreiros são as casas
religiosas onde seus adeptos cultuam o panteão de espíritos-deuses, os orixás, que
apresentam características humanas e são identificados com forças da natureza. Eles podem
ser invocados por adeptos que foram iniciados na religião, por meio de rituais marcados por
danças e ritmos provenientes de tambores de diferentes sons e tamanhos, bebidas, fumos e
alimentos, bem como sacrifício animal, utilizado tanto como forma de invocação quanto para
agradecê-los (Alves, 2019).
Cada um dos terreiros dispõe de um responsável pelo acolhimento e pelo bem-estar
espiritual de todos os participantes, conhecido como babalorixá (pai de santo) ou yalorixá
(mãe de santo). O candomblé costuma ser bem aceito pela população devido à intervenção
que seu caráter mágico pode realizar sobre as coisas do mundo. Para mencionar o caráter de
religiosidade que envolve o candomblé, podemos utilizar como exemplo as celebrações feitas
a Iemanjá, orixá originária do candomblé, cuja celebração tem se disseminado por diferentes
cidades pelo país, mobilizando pessoas que vão às praias, jogam no mar presentes e pedidos
e vestem-se de branco, sem que, muitas vezes, sejam religiosas ou adeptas do candomblé, o
que expressa o caráter de festividade agregado à cultura brasileira (Barrozo, 2019).
A segunda religião de cosmovisão também diversa da cristã é a umbanda, uma religião por
excelência sincrética, fruto da síntese das doutrinas e dos rituais do catolicismo, do
espiritismo e do candomblé. Essa fusão ocorreu por volta da primeira década do século XX,
principalmente nos centros urbanos, e passou a atrair uma ampla gama de pessoas que
aceitavam manifestações mediúnicas e consideravam a presença de espíritos africanos e
indígenas, rituais e expressões corporais, entre outros.
Assim como no candomblé, há na umbanda a presença de música, dança e manifestações
mediúnicas de espíritos chamados eguns e orixás. Contudo, diferente do candomblé, sua
missão é ensinar seus adeptos a evoluírem enquanto seres humanos, tal qual no espiritismo,
prevalecendo nos rituais a presença dominante do babalorixá ou yalorixá, que coordena o
culto, aplica passes, faz rituais mágico-religiosos de eliminar forças negativas presentes em
uma pessoa, requisitando de seus adeptos um comportamento moral reto e a prática da
caridade para com os demais. Tanto a umbanda quanto o candomblé são religiões populares
no Brasil que, até a década de 1970, encontraram forte adesão dos brasileiros. No entanto,
gradativamente essas religiões vão perdendo espaço para o crescimento das religiões de
caráter cristão pentecostais e neopentecostais, que passam a oferecer aos seus fiéis práticas
mágico-religiosas de tanta eficácia quanto as primeiras.
A terceira religião é o espiritismo, que para alguns é mais uma filosofia de vida do que uma
religião propriamente dita. A proposta do espiritismo é ser uma tríplice abordagem:
religiosa, filosófica e científica, como uma ligação entre o mundo físico, terreno, material e o
mundo espiritual. Por meio do princípio do amor, da caridade e da justiça, os ensinamentos
espíritas estimulam a correção de seus membros para a tarefa divina da evolução moral e
intelectual. Trata-se de uma religião decodificada por um homem francês, no século XIX,
conhecido como Allan Kardec, na França, que fez o trabalho de organizar a doutrina ditada
por espíritos superiores com instruções, conselhos e consolos para as provas e expiações do
mundo material (Barrozo, 2019).
O espiritismo ensina que a encarnação serve para reparar faltas (expiações) cometidas pelos
sujeitos em vidas passadas; por meio do próprio mérito e do auxílio dos espíritos evoluídos,
o indivíduo passa por provas, e a desencarnação seria apenas a morte física, porque somos
espíritos imortais e em constante evolução. Nas sessões mediúnicas, essa religião também
considera a possibilidade de comunicação com o mundo espiritual por meio de médiuns,
usados como instrumento para mensagens. Há a aplicação de passes e fluidificação de água,
que se torna energizada. Esses elementos mágico-religiosos adquirem grande aceitação,
principalmente entre as camadas médias e baixas da sociedade brasileira.

Siga em Frente...

Diálogo inter-religioso e coexistência pacífica


Você aprendeu até aqui que o Brasil é composto por matrizes religiosas diversas e que essa
realidade exige a busca por uma convivência pacífica entre os adeptos dessas religiões.
Diante desse fato, chegamos ao tema do diálogo inter-religioso, uma prática essencial para
promover a coexistência pacífica entre as religiões de matrizes diversas. Nesse contexto,
entendemos que a religião não deve ser vista como uma barreira, mas como uma ponte para
a compreensão mútua e o respeito das diferenças. Em um mundo cada vez mais globalizado
e diversificado, é fundamental cultivar a tolerância religiosa e promover a harmonia entre
diferentes crenças.
No centro do diálogo inter-religioso, está o reconhecimento da humanidade compartilhado
entre todas as pessoas, independentemente de sua fé ou tradição religiosa. Isso implica
reconhecer os valores comuns presentes em diversas religiões, como a ética, a compaixão e o
respeito pela vida. Ao destacar esses pontos de convergência, podemos construir uma base
sólida para o entendimento mútuo e a cooperação inter-religiosa (Bernardes, 2019).
Além disso, o diálogo inter-religioso também desafia estereótipos e preconceitos que possam
existir entre diferentes comunidades religiosas. Ao se envolver em conversas significativas e
respeitosas, as pessoas têm a oportunidade de superar visões estereotipadas e aprender
sobre as práticas e crenças dos outros de uma maneira autêntica.
No entanto, é importante reconhecer que o diálogo inter-religioso não é isento de desafios.
Diferenças teológicas e históricas podem criar obstáculos significativos, assim como questões
políticas e sociais que estão intrinsecamente ligadas à religião em muitos contextos.
Para superar esses desafios, é essencial cultivar uma cultura de diálogo e respeito mútuo.
Isso requer disposição para ouvir e aprender, assim como humildade para reconhecer nossas
próprias limitações e preconceitos. Também é necessário um compromisso com a justiça
social e a promoção dos direitos humanos, que são valores compartilhados por muitas
tradições religiosas.
Nesse sentido, a educação desempenha um papel fundamental na promoção do diálogo
inter-religioso, pois, ao ensinar as diversas religiões do mundo e fomentar a consciência
intercultural, podemos capacitar as pessoas a se tornarem agentes de mudança positiva em
suas comunidades. Aqui é importante destacar que o diálogo inter-religioso não se limita
apenas ao nível teórico ou acadêmico: ele deve se traduzir em ações concretas que
promovam a paz, a justiça e a reconciliação entre as diferentes comunidades religiosas. Isso
pode incluir iniciativas de colaboração em áreas como assistência humanitária,
desenvolvimento comunitário e defesa dos direitos humanos (Bingemer, 2018).
Portanto, o diálogo inter-religioso mostra-se como uma ferramenta poderosa para promover
a coexistência pacífica entre as religiões de matrizes diversas. Ao cultivar a compreensão
mútua, o respeito pelas diferenças e o compromisso com a justiça social, podemos construir
um mundo mais inclusivo e harmonioso para todas as pessoas, independentemente de sua fé
ou tradição religiosa.

Vamos Exercitar?
A temática das religiosidades se relaciona fortemente, na sociedade atual, com as pautas dos
direitos humanos, uma vez que se espera da sociedade e dos Estados a garantia aos
indivíduos do direito à vida, à liberdade e à crença. Desde a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, um dos documentos básicos das Nações Unidas, a questão
religiosa já estava assegurada como uma garantia que o Estado deveria assegurar para os
indivíduos, sendo exercida livre e plenamente sem que se colocasse em risco outras
dimensões da vida. Essa conquista se faz presente também na Constituição Federal
Brasileira, de 1988. Contudo, apesar dos avanços, é necessário promovermos a seguinte
reflexão: as religiosidades populares têm todas o mesmo respeito e legitimidade na
sociedade? Por que há notícias de manifestações crescentes de intolerância religiosa no
Brasil e em diversas regiões do mundo? Qual seria o papel do Estado diante dessa
problemática? A sociedade tem alguma responsabilidade sobre esses fatos?
O estudo de caso levanta questões profundas sobre o respeito e a legitimidade das
religiosidades populares, assim como a crescente intolerância religiosa observada tanto no
Brasil quanto em outras regiões do mundo. Para abordar essa problemática, é necessária
uma reflexão multifacetada.
Primeiramente, é importante reconhecer que todas as expressões religiosas, sejam elas
populares ou institucionalizadas, merecem respeito e consideração dentro de uma sociedade
pluralista e democrática. No entanto, na prática, nem sempre todas as religiões são tratadas
com igualdade de respeito e legitimidade. Muitas vezes, as religiões minoritárias ou menos
conhecidas enfrentam estigmatização e discriminação.
As manifestações crescentes de intolerância religiosa podem ser atribuídas a uma série de
fatores, incluindo ignorância, preconceito, conflitos históricos e políticos, além de influências
externas, como o fundamentalismo religioso. No caso do Brasil, por exemplo, o sincretismo
religioso e a diversidade de crenças podem gerar tensões entre diferentes grupos religiosos,
especialmente em um contexto no qual o conservadorismo e o fundamentalismo estão
ganhando força.
O papel do Estado diante dessa problemática é crucial, visto que tem a responsabilidade de
proteger e promover a liberdade religiosa, garantindo que todas as pessoas possam praticar
sua fé sem medo de discriminação ou perseguição. Isso envolve a implementação e a
aplicação efetiva de leis que combatam a intolerância religiosa, além de políticas públicas
que promovam o diálogo inter-religioso e a educação para a diversidade religiosa.
A sociedade também tem uma responsabilidade significativa no combate à intolerância
religiosa. Nesse sentido, é fundamental promover uma cultura de respeito, tolerância e
entendimento mútuo entre diferentes grupos religiosos, o que pode ser alcançado por meio
da educação, do engajamento comunitário e do diálogo inter-religioso. É importante que as
pessoas estejam dispostas a aprender as crenças e as práticas religiosas dos outros,
reconhecendo a humanidade compartilhada que une todas as pessoas, independentemente
de sua fé.
Conforme os estudos, esperamos que você tenha adquirido conhecimentos para enfrentar o
desafio da intolerância religiosa e tenha entendido que é necessário um esforço conjunto do
Estado, da sociedade civil e das instituições religiosas. Somente por meio do respeito mútuo,
da educação e do diálogo inter-religioso podemos construir uma sociedade mais inclusiva e
tolerante, em que todas as formas de religiosidade sejam respeitadas e valorizadas.

Saiba Mais
Para aprofundar o tema estudado e conhecer outras abordagens, considere as indicações de
leitura a seguir:

Espaço, religião & antropologia: uma leitura das formas elementares da vida
religiosa: esse texto explora as relações entre espaço, religião e antropologia,
destacando a contribuição de Durkheim para a compreensão da dimensão espacial da
religião e sua influência na vida social.
Os desafios da religiosidade contemporânea: análise das teorias da individualização
religiosa e espiritual: o artigo aborda os desafios enfrentados pela religiosidade no
contexto contemporâneo, com foco nas teorias da individualização religiosa e
espiritual. O autor examina como as transformações sociais, culturais e tecnológicas
têm impactado as formas de vivência e expressão da religiosidade, levando a uma
tendência de personalização e privatização da fé.
Uma viagem retrospectiva à antropologia da religião: esse texto apresenta uma
revisão histórica e crítica do desenvolvimento da antropologia da religião. Para isso, o
autor traça um panorama das principais abordagens teóricas e metodológicas que
caracterizaram o campo ao longo do tempo, desde os estudos clássicos até as
perspectivas contemporâneas.

Referências Bibliográficas
ALVES, J. E. D. O aumento da pluralidade religiosa no Brasil. IHU – Instituto Humanitas
Unisinos, São Leopoldo, 9. nov. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3820cXZ. Acesso em: 20
nov. 2019.

ASSIS, A. A. F. Religiões e religiosidades: entre a tradição e a modernidade. São Paulo:


Paulinas, 2010.

BARROZO, V. B. F. Mosaicos do sagrado: olhares em perspectivas sobre religiões e


religiosidades no Brasil contemporâneo. São Paulo: Recriar, 2019.

BERNARDES, M. E. Religiosidades e visões de mundo: usos da magia e vivências com os


mortos no catolicismo popular em Caldas, Minas Gerais, Brasil. In: REUNIÃO DE
ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL, 13., 2019, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre:
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UFRGS, 2019.

BINGEMER, M. C. O impacto da modernidade sobre a religião. São Paulo: Loyola,


2018.

MENEZES, R. de C. Espaço, religião & antropologia: uma leitura das formas elementares da
vida religiosa, de Durkheim. Espaço e Cultura, [s. l.], n. 32, ago. 2013. ISSN 2317-4161.
Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/
view/6974. . Acesso em: 16 fev. 2024.

MONIZ, J. B. Os desafios da religiosidade contemporânea: análise das teorias da


individualização religiosa e espiritual. Revista lusófona de ciência das religiões, [s. l.],
n. 20, 2017. Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciareligioes/article/
view/6140/3758. Acesso em: 16 fev. 2024.

PEREIRA, P. Uma viagem retrospectiva à antropologia da religião. Antropología


Experimental, [s. l.], n. 16, p. 263-284, 2016. Disponível em: https://
revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/rae/article/view/2441/2514. Acesso em: 16 fev.
2024.

TRAJANO FILHO, W. Lugares, pessoas e grupos: as lógicas do pertencimento em


perspectiva internacional. Brasília: Athalaia, 2010.

Novas comunidades e religiosidades na América Latina


Olá, estudante! Nesta aula elaboraremos o panorama religioso da América Latina,
observando a diversidade e a dinâmica das práticas religiosas na região, marcadas pelo
encontro de diferentes tradições culturais e religiosas, como as indígenas, as europeias e as
africanas. A América Latina, apesar de caracterizada por uma forte presença cristã,
apresenta uma variedade de expressões religiosas, incluindo religiões afro-brasileiras,
pentecostalismo, catolicismo e novos movimentos religiosos.
A região tem experimentado mudanças significativas no cenário religioso, com o declínio do
catolicismo e o crescimento do segmento evangélico, especialmente pentecostal. Há uma
tendência de aumento na diversidade religiosa e na quantidade de indivíduos que se
identificam como sem religião, embora não necessariamente sejam destituídos de crenças
religiosas.
Nesse sentido, veremos que o cenário religioso na América Latina é caracterizado por uma
diversidade e um pluralismo crescentes, que refletem a complexa história sociocultural da
região. A formação histórica da América Latina envolveu a interação de elementos culturais
indígenas, europeus e africanos, o que resultou em um mosaico de expressões religiosas.
Esse panorama inclui desde religiões tradicionais, como o catolicismo, até religiões afro-
brasileiras, pentecostalismo e novos movimentos religiosos. Bons estudos!

Clique aqui para acessar os slides da sua videoaula.

Ponto de Partida
O primeiro tema de que trataremos nesta aula será o que se refere às novas comunidades e
religiosidades na América Latina, o qual aborda o surgimento e a expansão de novas
expressões religiosas e comunidades de fé na região, marcadas pela diversidade e pelo
dinamismo. Esse fenômeno é parte de um processo mais amplo de transformação do cenário
religioso latino-americano, que tem sido observado nas últimas décadas.

O cenário contemporâneo relativo às formas de crer e praticar a fé, na América


do Sul, é marcado pela pluralidade religiosa crescente. A evidência maior ainda
tem sido a progressiva perda do monopólio católico implementado à força
quando da colonização luso-espanhola na região, mas que está sendo alterada
num movimento mais ou menos lento de inserção e criação de outras
denominações religiosas de matriz cristã ou não. Há que se pontuar que a
América do Sul, historicamente, evidencia uma diversidade de fontes religiosas
que só se ampliou, especialmente durante os séculos XX e XXI. Agregaram-se a
espiritualidade e xamanismo indígena, o catolicismo devocional, os cultos a
divindades e guias africanos, espiritismos e espiritualismos europeus,
esoterismos orientais, entre outros (Zanotto, 2018, p. 185).

No Brasil, no Uruguai e na Argentina, por exemplo, há uma relação de maior acomodação


entre os estados nacionais e as religiões cristãs, enquanto as religiões de matriz africana
enfrentam mais conflitos em suas relações com o Estado. Apesar da anunciada pluralidade e
da diversidade religiosa na região, a integração social de cada campo religioso em sua
respectiva sociedade nacional varia significativamente (Cernadas; Giumbelli, 2018).
Na Colômbia, a Acción Cultural Popular foi uma iniciativa do catolicismo social voltada para
a formação do campesinato e para a modificação das realidades sociais rurais, utilizando as
escolas radiofônicas para prolongar a formação religiosa das populações rurais e transmitir a
fé católica em zonas afastadas do país.
Na Amazônia brasileira, a expansão do protestantismo ao longo do século XX é um
fenômeno notável, com um padrão de difusão das redes eclesiásticas originadas na própria
região, refletindo uma fragmentação e uma capilaridade crescentes.
Em Cuba, a relação entre Estado e religião é analisada sob a perspectiva dos elementos
simbólicos, narrativos e estruturais que compõem o processo de invenção da tradição
cubana, permeado por traços das religiões tradicionais estabelecidas
Tradicionalmente, o catolicismo tem sido a religião dominante na América Latina. No
entanto, embora ainda seja a maior religião em termos de número de seguidores, tem
enfrentado um declínio gradual em sua influência e no número de fiéis em muitos países da
região. Enquanto isso o pentecostalismo e o neopentecostalismo, correntes do
protestantismo, têm experimentado um crescimento significativo na América Latina.
Caracterizadas por uma ênfase na experiência direta do Espírito Santo, essas igrejas atraem
um número crescente de seguidores com seus cultos vibrantes e mensagens voltadas para a
prosperidade e a superação de desafios pessoais (Melchioretto, 2023).
Outra característica que podemos mencionar são as religiões afro-latino-americanas, como a
santería em Cuba e o candomblé e a umbanda no Brasil, as quais têm raízes africanas e são
parte integrante da paisagem religiosa em países com significativa herança africana. Essas
religiões continuam a ser praticadas e têm ganhado reconhecimento e visibilidade.
Duas outras características têm também se apresentado nas últimas décadas: são os novos
movimentos religiosos, que podem ser descritos como uma variedade de movimentos
inéditos, que vão desde grupos baseados em crenças indígenas até aqueles que incorporam
elementos do esoterismo, do new age e de outras tradições espirituais globais. A outra
caraterística desse cenário de mudanças é o fenômeno da secularização e da diversidade,
que, paralelamente ao crescimento de algumas religiões, apresenta uma tendência crescente
de secularização em algumas áreas urbanas e entre certos segmentos da população. Além
disso, a diversidade religiosa tem aumentado, com a presença de comunidades budistas,
hindus, muçulmanas e judaicas, entre outras (Passos, 2010).
Diante da diversidade e do dinamismo das religiões na América Latina, surge a necessidade
de refletir sobre como essas diferentes expressões religiosas impactam a sociedade e as
relações entre os diferentes grupos religiosos. Vamos, então, à problematização desta aula:
Como as diferentes religiões coexistem na América Latina, especialmente considerando a
história de conflitos e sincretismos entre tradições religiosas? Qual é o papel das novas
expressões religiosas, como os novos movimentos religiosos, na transformação da identidade
cultural e religiosa da América Latina? Como a secularização e a diversidade religiosa estão
impactando as estruturas sociais e políticas da região?
Além disso, é importante questionar como as mudanças no cenário religioso, tal qual o
declínio do catolicismo e o crescimento do pentecostalismo, estão influenciando a cultura e a
identidade latino-americana. Agora é com você! Bons estudos!

Vamos Começar!

Movimentos religiosos de base e teologia da


libertação
Os movimentos religiosos de base e a teologia da libertação não são tão novos no cenário da
América Latina, no entanto são conceitos fundamentais para entender a dinâmica da
religiosidade na América Latina, especialmente no contexto da Igreja Católica. Ambos
surgiram em um período de intensa transformação social e política na região, marcado por
ditaduras militares, desigualdades sociais e lutas por direitos humanos (Calderón, 2021).
Os movimentos religiosos de base, também conhecidos como comunidades eclesiais de base
(CEBs), surgiram na década de 1960 como uma resposta às necessidades sociais e espirituais
das populações marginalizadas. Eram grupos pequenos, geralmente formados em áreas
urbanas e rurais pobres, onde os fiéis se reuniam para ler a Bíblia, refletir sobre sua
realidade à luz da fé e organizar ações concretas para enfrentar problemas comunitários.
Esses movimentos enfatizavam a participação laica, a solidariedade e a justiça social. Eles
representaram uma mudança significativa na Igreja Católica, que tradicionalmente se
concentrava na hierarquia eclesiástica e nos rituais. As CEBs incentivaram, então, uma fé
mais ativa e engajada, inspirando os fiéis a serem agentes de transformação em suas
comunidades.
Já a teologia da libertação foi uma corrente teológica que surgiu na América Latina, na
década de 1970, e que esteve fortemente ligada aos movimentos religiosos de base. Seus
principais expoentes, Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff e Jon Sobrino, buscaram
reinterpretar os ensinamentos cristãos à luz das realidades de opressão e pobreza vividas na
região.
Os fundamentos da teologia da libertação incluem:

Opção pelos pobres: ênfase na solidariedade com os pobres e marginalizados,


considerando-os como os principais destinatários do Evangelho.
Análise social crítica: utilização de ferramentas da sociologia e da ciência política
para entender as estruturas de poder e as causas da pobreza e da opressão.
Práxis transformadora: crença de que a fé deve levar à ação concreta para
transformar as realidades injustas da sociedade.

A teologia da libertação enfrentou críticas e resistências tanto dentro da Igreja Católica


quanto de governos autoritários na América Latina. Apesar disso, ela teve um impacto
profundo na forma como a religião é vivida e praticada na região, influenciando movimentos
sociais e políticos e promovendo uma visão mais inclusiva e justa do cristianismo.
Fonte: Freepik.

Movimentos religiosos ortodoxos, tradicionalistas e


conservadores
Quando você ouve ou lê os termos ortodoxo, tradicionalismo ou conservadorismo, o que lhe
vem à mente? São ideias positivas ou negativas? Esses termos são frequentemente usados
para descrever abordagens e atitudes em relação à fé, às práticas religiosas e, em alguns
casos, às ideologias políticas ou sociais (Oliveira, 2014). Vamos entender melhor esses
conceitos a seguir.
A palavra ortodoxia vem do grego orthos (correto) e doxa (opinião ou crença). Logo, na
religião, ortodoxia refere-se à adesão a crenças, doutrinas e práticas estabelecidas e
consideradas corretas ou verdadeiras por uma determinada tradição religiosa. Por exemplo,
a Igreja Ortodoxa Oriental mantém tradições litúrgicas e teológicas que remontam aos
primeiros séculos do cristianismo. A ortodoxia preza, então, pela pureza da fé e pela
continuidade de práticas do passado.
O tradicionalismo é uma atitude ou filosofia que valoriza a preservação e a continuidade das
tradições culturais, religiosas ou sociais. No contexto religioso, pode envolver a preferência
por práticas e rituais antigos e uma resistência a mudanças ou inovações que possam afetar a
integridade da tradição. Os tradicionalistas frequentemente buscam manter a autenticidade
e a essência de sua fé, como visto em alguns segmentos da Igreja Católica Romana que
preferem a missa em latim e outras práticas pré-Vaticano II.
O conservadorismo, embora frequentemente associado a ideologias políticas, também pode
se referir a uma abordagem religiosa que busca preservar as crenças e práticas estabelecidas.
Os conservadores religiosos tendem a dar importância à autoridade religiosa, à tradição e à
moralidade baseada na fé. Eles podem estar abertos a algumas formas de adaptação, mas
geralmente são cautelosos em relação a mudanças que possam comprometer os princípios
fundamentais de sua religião.
Esses conceitos podem se sobrepor em muitos aspectos, mas cada um tem suas próprias
nuances e implicações, visto que desempenham um papel importante na forma como as
comunidades religiosas respondem aos desafios do mundo moderno e como equilibram a
preservação de suas tradições com a necessidade de se adaptar e se envolver com a sociedade
em geral (Siqueira, 2002).
O tema tratado aqui, “movimentos religiosos ortodoxos, tradicionalistas e conservadores”,
refere-se a grupos e a denominações religiosas que enfatizam a adesão estrita a doutrinas,
rituais e práticas estabelecidas, muitas vezes resistindo a mudanças e inovações. Esses
movimentos podem ser encontrados em diversas tradições religiosas e geralmente buscam
preservar a pureza da fé e manter práticas realizadas no passado. Esses movimentos nos
ajudam a entender a diversidade dentro das tradições religiosas e as diferentes maneiras
pelas quais as comunidades buscam preservar sua identidade e sua fé.
Fonte: Freepik.

Siga em Frente...

Pentecostalismo, neopentecostalismo e trânsito


religioso
De um país tradicionalmente católico, o Brasil vem, ao longo das últimas décadas, tornando-
se cada vez mais evangélico, termo que designa os adeptos do pentecostalismo e do
neopentecostalismo. No entanto, é possível perceber, ainda, uma nova caraterística no
cenário religioso: trata-se do trânsito religioso, ou seja, a movimentação de adeptos entre as
diversas denominações religiosas, sejam elas cristãs ou de matrizes diversas (Zanotto, 2018).
O pentecostalismo, conhecido como uma das ondas protestantes, é um movimento cristão
que surgiu no início do século XX e se caracteriza pela ênfase na experiência direta e pessoal
com o Espírito Santo. Essa experiência é frequentemente associada à manifestação de dons
espirituais, como falar em línguas (glossolalia), profecia, cura e outros milagres.
Experimentou um crescimento significativo ao longo do século XX e continua a ser uma das
vertentes do cristianismo que mais se desenvolve no mundo. É particularmente influente na
América Latina, na África e em partes da Ásia. O movimento também deu origem a várias
denominações e organizações independentes.
Apesar de seu sucesso, o pentecostalismo enfrenta críticas de outras tradições cristãs e de
fora do cristianismo, especialmente em relação a práticas específicas, como o falar em
línguas e a ênfase na prosperidade material, presente em alguns segmentos do movimento.
Outras críticas dizem respeito ao potencial abuso de autoridade e à exploração financeira.
Como avanço das vertentes protestantes, encontramos o neopentecostalismo que surgiu do
movimento pentecostal nas últimas décadas do século XX. Diferencia-se do pentecostalismo
tradicional em vários aspectos, em virtude das características próprias que o tornam um
fenômeno religioso distinto, sendo uma de suas marcas a teologia da prosperidade. Segundo
essa doutrina, a fé e a prática religiosa podem levar à prosperidade material e ao sucesso
financeiro.
Os neopentecostais acreditam que Deus deseja que seus seguidores sejam prósperos e que a
fé pode ser um meio para alcançar a riqueza e a saúde. Outra característica é o uso intensivo
da mídia e das tecnologias modernas para difundir a mensagem e alcançar um público mais
amplo. Eles utilizam programas de televisão, rádio, internet e redes sociais para evangelizar
e promover seus cultos e eventos, com isso tem se expandido rapidamente pelo mundo,
especialmente em países em desenvolvimento. Sua mensagem de prosperidade e ênfase em
experiências espirituais têm atraído muitos seguidores, tornando-o um dos movimentos
religiosos que mais crescem atualmente.
Segundo autores do meio teológico, o movimento neopentecostal tem sido alvo de críticas,
especialmente em relação à teologia da prosperidade, pois ela tem sido considerada uma
doutrina que explora a fé das pessoas para benefício financeiro dos líderes religiosos. Além
disso, a ênfase no combate espiritual e na libertação de demônios também é vista com
ceticismo por alguns setores da sociedade (Siqueira, 2002).
Como último fenômeno desse contexto das religiões na América Latina, temos o trânsito
religioso, um fenômeno que se refere à mudança de afiliação ou prática religiosa de
indivíduos ou grupos ao longo do tempo. Esse processo pode ocorrer por várias razões,
incluindo a busca espiritual, a insatisfação com a religião atual, a influência de amigos ou
familiares, o casamento, a mudança geográfica ou a exposição a ideias ou filosofias de vida.
Esse processo pode envolver a conversão de uma religião para outra, a adesão a práticas
espirituais não institucionalizadas ou mesmo a transição para a não religiosidade.
Os fatores que levam a esse fenômeno podem ser diversos, já que que muitas pessoas em
trânsito religioso estão em busca de satisfação espiritual ou respostas para questões
existenciais que não encontram em sua tradição religiosa de origem. A desilusão com a
liderança religiosa e práticas institucionais ou doutrinas específicas podem levar os fiéis a
procurarem novas comunidades que consideram mais autênticas ou acolhedoras.
Relacionamentos, casamentos ou mudanças no círculo social e familiar podem influenciar o
trânsito religioso, especialmente quando novos laços expõem o indivíduo a diferentes
crenças e práticas. O acesso a uma ampla gama de informações sobre diferentes tradições
religiosas e espirituais, facilitado pela globalização e pela internet, também contribui para o
trânsito religioso (Oliveira, 2014).
A partir do que vimos, pode-se afirmar que o trânsito religioso contribui para a diversidade
religiosa dentro de sociedades e comunidades, desafiando as fronteiras tradicionais entre as
religiões. A mudança de afiliação religiosa pode ter um impacto profundo na identidade
pessoal, na medida em que os indivíduos redefinem suas crenças, seus valores e suas
práticas. Nesse sentido, tal aspecto pode afetar a coesão e as relações dentro de comunidades
religiosas, especialmente quando há um número significativo de saídas ou entradas em um
grupo religioso específico.
Em conclusão, o trânsito religioso é um fenômeno complexo e multifacetado que reflete a
busca contínua do ser humano por significado, identidade e comunidade. Ele destaca a
natureza dinâmica da religiosidade em um mundo globalizado e interconectado, onde as
fronteiras entre tradições religiosas se tornam cada vez mais fluidas. A compreensão desse
fenômeno é crucial para apreciar a diversidade religiosa e cultural de nossa sociedade e para
promover o diálogo e a tolerância entre diferentes crenças e práticas espirituais. Ao
reconhecer e respeitar as jornadas pessoais de trânsito religioso, podemos fomentar uma
convivência mais harmoniosa e inclusiva em um mundo marcado pela pluralidade de
experiências religiosas e espirituais.
Fonte: Freepik.

Vamos Exercitar?
Agora é o momento de exercitar o que estudamos sobre o panorama religioso na América
Latina, o qual, conforme apresentado, é marcado por uma rica diversidade e pelo
dinamismo, refletindo a complexa interação de tradições culturais e religiosas indígenas,
europeias e africanas. A região, tradicionalmente dominada pelo catolicismo, tem vivenciado
mudanças significativas com o declínio dessa religião e o crescimento do segmento
evangélico, especialmente o pentecostalismo. Além disso, observa-se um aumento na
diversidade religiosa e no número de indivíduos sem religião, embora não necessariamente
sem crenças religiosas.
Diante desse cenário, surgem várias questões importantes para sua reflexão: como as
mudanças no cenário religioso latino-americano afetam a identidade cultural e social no
país? De que maneira o fenômeno da secularização e o aumento da diversidade religiosa
desafiam as instituições religiosas tradicionais?
Refletindo a partir dos questionamentos levantados, você pode perceber que a diversidade
religiosa na América Latina é um reflexo da complexa história sociocultural da região,
marcada pela interação de diferentes tradições culturais e religiosas. Essa diversidade traz
consigo desafios e oportunidades, pois, enquanto pode enriquecer a cultura e promover o
diálogo inter-religioso, também pode gerar tensões e conflitos. Por isso, é fundamental
promover o respeito pela diversidade religiosa e garantir a liberdade de culto para todos os
grupos religiosos, buscando construir uma sociedade mais inclusiva e tolerante.
Diante da diversidade religiosa na América Latina, é essencial promover o diálogo inter-
religioso e a tolerância religiosa, reconhecendo a importância das diferentes expressões
religiosas na construção da identidade cultural e social da região. Ao mesmo tempo, é
importante garantir a liberdade religiosa e os direitos das minorias religiosas, promovendo
assim uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.

Saiba Mais
Na listagem a seguir, você tem indicações de leituras importantes para aprofundar seus
estudos:

América Latina. Perfil complexo de um universo religioso: o artigo, que aborda a


diversidade e a complexidade do panorama religioso na América Latina, examina as
diversas manifestações religiosas presentes na região, destacando a presença do
catolicismo, do protestantismo, de religiões afro-americanas, de tradições indígenas e
de novos movimentos religiosos.
Religião, coesão social e sistema político na América Latina: esse trabalho apresenta
uma análise abrangente das relações entre religião, coesão social e sistema político na
América Latina. Ao longo dele, o autor examina como as diversas tradições religiosas
presentes na região influenciam e são influenciadas pelos processos sociais e políticos e
discute o papel da religião na construção da coesão social, destacando como as crenças
e práticas religiosas contribuem para a formação de identidades coletivas e para a
promoção da solidariedade social. Além disso, o livro aborda a interação entre religião
e política, analisando como as instituições religiosas e os movimentos religiosos se
envolvem no cenário político latino-americano, influenciando políticas públicas,
processos eleitorais e a defesa de direitos humanos.
Religião e religiosidade: indivíduo e sociedade: o artigo trata das relações entre
religião, religiosidade e suas implicações para o indivíduo e a sociedade. Além disso,
apresenta uma investigação das diferentes formas como a religião e a religiosidade se
manifestam na vida social e no comportamento individual e discute a distinção entre
religião, como um sistema organizado de crenças e práticas, e religiosidade, que se
refere à dimensão subjetiva e pessoal da experiência religiosa. Por fim, analisa como a
religiosidade influencia a identidade, os valores e as atitudes dos indivíduos, bem como
a forma como a religião contribui para a coesão social, a legitimação de normas e a
construção de significados coletivos.
Referências Bibliográficas
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ph/article/download/9999/114114816. Acesso em: 16 fev. 2024.

Videoaula de Encerramento
Nesta aula concluímos a quarta unidade da disciplina Antropologia da Religião I, voltada
para a religião, a religiosidade e a crença, na contemporaneidade. Ao longo deste
encerramento, discutiremos como esses conceitos são entendidos de maneira diversa e
plural na sociedade atual, de modo a refletir a diversidade de crenças e práticas religiosas.
Exploraremos, também, o papel significativo das principais religiões do mundo, como o
cristianismo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo e o judaísmo, na formação da vida social,
cultural e espiritual das sociedades. Na sequência enfatizaremos a importância do diálogo
inter-religioso para promover a compreensão mútua e a coexistência pacífica em um mundo
globalizado. Por fim, abordaremos exemplos de práticas religiosas ecumênicas e projetos
inter-religiosos que contribuem para o crescimento da sociedade e a resolução de desafios
globais. Bons estudos!

Clique aqui para acessar os slides da sua videoaula.

Ponto de Chegada
Olá, estudante! Estamos concluindo a quarta unidade de estudos, que tratou de religião,
religiosidade e crença, na contemporaneidade. Ficou claro para você como esses três tópicos
se manifestam na atualidade? Mesmo que já tenhamos analisado cada um deles a partir de
diversas abordagens, outras perguntas ainda podem surgir e suscitar novas respostas, como:
religião, religiosidade e crença são entendidas da mesma maneira na sociedade
contemporânea? Uma resposta possível é a diversidade e a pluralidade, pois todos os
conceitos, na sociedade atual, são caracterizados pela diversidade e pela pluralidade.
A religião, a religiosidade e a crença desempenham papéis significativos na
contemporaneidade, influenciando a vida social, cultural e espiritual de indivíduos e
comunidades. As principais religiões do mundo, como o cristianismo, o islamismo, o
hinduísmo, o budismo e o judaísmo, oferecem diferentes perspectivas sobre a existência, a
moralidade e o propósito da vida, o que contribui para a diversidade do panorama religioso
global (Gomes; Souza, 2013).
Cada uma dessas religiões tem contribuído de maneira única para a sociedade. O
cristianismo, por exemplo, tem desempenhado um papel central na formação da cultura e da
ética ocidentais, promovendo valores como o amor ao próximo e a compaixão. O islamismo,
por sua vez, enfatiza a importância da justiça social e da caridade, como demonstrado pelo
conceito de Zakat, um dos cinco pilares do Islã. O hinduísmo, com sua rica tradição
filosófica, oferece uma visão pluralista da espiritualidade, enfatizando a tolerância e a
aceitação das diversas formas de crença. O budismo, conhecido por sua ênfase na paz
interior e na iluminação, tem inspirado práticas de meditação e mindfulness que são
adotadas por pessoas de diferentes religiões. O judaísmo, com sua ênfase na ética e na
justiça, tem sido fundamental na formação de conceitos morais e legais (Bingemer, 2018).
As religiões descritas influenciam a experiência religiosa na América latina?
No entanto, a diversidade religiosa também traz consigo desafios, especialmente em um
mundo cada vez mais globalizado e interconectado. Nesse contexto, o diálogo inter-religioso
surge como uma necessidade premente para promover a compreensão mútua, o respeito e a
coexistência pacífica entre diferentes tradições religiosas. Esse diálogo é essencial para
enfrentar questões globais, como a pobreza, as injustiças sociais e as crises ambientais, que
exigem uma resposta conjunta e solidária das comunidades religiosas (Moniz, 2017).
Como resolver os desafios da diversidade religiosa?
Exemplos de práticas religiosas ecumênicas que contribuem para o crescimento da sociedade
são cada vez mais comuns. Iniciativas como o Conselho Mundial de Igrejas, que promove a
unidade entre as denominações cristãs, e eventos como o Dia Mundial da Oração pela Paz,
iniciado pelo Papa João Paulo II em Assis, demonstram o compromisso das religiões com a
paz e a harmonia globais. Além disso, projetos inter-religiosos de ajuda humanitária e
desenvolvimento social, como a colaboração entre organizações islâmicas e cristãs para
combater a fome e a pobreza, ilustram como a fé pode ser um motor para a ação positiva e
transformadora (SANCHEZ, 2010).
Quais práticas religiosas podem contribuir para o ecumenismo e o diálogo inter-religioso na
contemporaneidade?

É Hora de Praticar!
A fim de desenvolver a competência desta unidade, avaliaremos as representações éticas e o
papel da responsabilidade social das religiões. Para isso, apresentaremos a você uma
situação-problema que o levará a pensar no diálogo inter-religioso sobre responsabilidade
social e ambiental. Nesse sentido, imagine que, em uma região diversificada em termos
religiosos e culturais, uma grande empresa de energia planeja construir uma barragem
hidrelétrica. O projeto promete desenvolvimento econômico e geração de energia limpa, mas
também gera preocupações quanto ao deslocamento de comunidades da região, aos
impactos ambientais e à preservação de locais sagrados.
Com isso, a construção da barragem gerou tensões entre diferentes grupos religiosos na
região. Alguns veem o projeto como uma ameaça às suas tradições e ao meio ambiente,
enquanto outros o apoiam por suas promessas de progresso. Surgem, então, questões éticas
sobre a responsabilidade social das religiões em proteger os direitos das comunidades e o
meio ambiente.
Nesse contexto, você é convidado a refletir sobre como contextualizar uma solução ou chegar
a um desenvolvimento consistente da situação. Como você resolveria esse caso? Vamos
refletir juntos!

Reflita

As religiões descritas influenciam a experiência religiosa na América Latina?


Como resolver os desafios da diversidade religiosa?
Quais práticas religiosas podem contribuir para o ecumenismo e o diálogo inter-
religioso na contemporaneidade?

Resolução do estudo de caso

A primeira questão a ser pensada e trabalhada é o diálogo inter-religioso, por isso


começamos pela formação de um conselho inter-religioso, que deve incluir líderes e
representantes das principais tradições religiosas da região, que discutirão as preocupações
éticas e sociais relacionadas ao projeto da barragem.
Em um segundo momento, é necessário realizar uma avaliação de impacto social e
ambiental. Para tanto, o conselho deve solicitar uma avaliação tanto dos impactos sociais
quanto dos ambientais do projeto, incluindo o deslocamento de comunidades e a
preservação de locais sagrados.
Com base na avaliação, o conselho deve desenvolver diretrizes éticas para o projeto,
enfatizando a proteção dos direitos humanos, a preservação ambiental e o respeito às
tradições religiosas.
O próximo passo é a negociação com a empresa, momento em que o conselho inter-religioso
terá de negociar com a companhia de energia para incorporar as diretrizes éticas no
planejamento e na execução do projeto da barragem.
Em seguida, é necessário que haja o monitoramento e a avaliação por meio do
estabelecimento de um comitê de monitoramento, composto por membros do conselho
inter-religioso e especialistas em questões sociais e ambientais, para acompanhar a
implementação do projeto e garantir o cumprimento das diretrizes éticas.
Com essa situação, você pôde perceber que a abordagem colaborativa e baseada no diálogo
inter-religioso permite que diferentes grupos religiosos unam forças para abordar as
preocupações éticas e sociais do projeto da barragem. A partir disso, a empresa de energia
tem de adaptar seus planos para minimizar os impactos negativos, respeitando os valores
religiosos e culturais da região, o que faz com que o projeto da barragem avance de forma
mais consciente e responsável, com benefícios compartilhados pela comunidade e pelo meio
ambiente.
Este estudo de caso procurou ilustrar, então, como as religiões podem desempenhar um
papel crucial na promoção da responsabilidade social e da ética em projetos de
desenvolvimento. O diálogo inter-religioso e a colaboração entre diferentes tradições
religiosas podem contribuir para soluções mais justas e sustentáveis, respeitando a
diversidade cultural e os valores éticos das comunidades envolvidas.
Assimile
Figura 1 | Religião, religiosidade e crença na contemporaneidade

Referências

BINGEMER, M. C. O impacto da modernidade sobre a religião. São Paulo: Loyola,


2018.

GOMES, F. F.; SOUZA, W. R. Modernidade e pluralismo religioso. Revista Científica


Semana Acadêmica, Fortaleza, v. 1, n. 41, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2r4uhoZ.
Acesso em: 16 fev. 2024.

MONIZ, J. B. Os desafios da religiosidade contemporânea: análise das teorias da


individualização religiosa e espiritual. Revista lusófona de ciência das religiões, [s. l.],
n. 20, p. 393-405, 2017. Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/
cienciareligioes/article/view/6140/3758. Acesso em: 16 fev. 2024.

SANCHEZ, W. L. Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual. São Paulo: Paulinas,


2010.

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