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Revista Brasileira de Geociências 22(4):493-499, dezembro de 1992

ESTRATIGRAFIA E SEDIMENTOlOGIA DO PROTEROZÓICO MÉDIO E SUPERIOR


DA REGIÃO SUDESTE DO CRÁTON AMAZÔNICO

CARLOS J.S. ALVARENGA* & GERSON S. SAES**

ABSTRACT STRATIGRAPHY AND SEDIMENTOLOOY OFTHE MIDDLE AND LATE PROTEROZOIC


lN THE SOUTHEAST OF THE AMAZONIAN CRATON. The soulheastern part of lhe Amazonian Craton is
made up of Archean and Lower Proterozoic sequences including gneiss, greenstone belts and a huge granitic suite.
During lhe Middle Proterozoic this craton was affected by an extensional regime, during which fault zones of lhe
cratonic basement were reactivated. Basins formed during this episode were filled by the sediments of lhe Aguapeí,
Sunsás and Huanchaca groups. These sediments are interpreted as lhe product of deposition as a platform cover, with
extensive shallow marine by-passing to deeper marine deposition ends with fluvial sediments. ln lhe Sunsás and
Aguapeí belt these middle Proterozoic sediments were affected by lhe Sunsas Orogeny, whereas in lhe Huanchaca,
Santa Barbara and Rio Branco regions, Ihey are spared of lhe deformation. Late Proterozoic sediments and
metasedirnents are present along lhe transition zone between lhe Amazonian Craton and lhe Paraguay Belt Three major
lilhostratigraphic units can be distinguished at lhe lhe eastern edge oflhe Amazonian Craton. The basal unit comprises
gIaciomarine sediments deposited on shelfdomain (Puga Formation) and slope environments (Cuiabá Group). ln this
last environment lhe glaciomarine sediments were strongly reworked by turbidites currents. The middle unit includes
carbonates (Araras Formation) deposited directIy on top of gIaciomarine sediments, which lhe changes laterally towards
lhe border of lhe Craton to muddy limestones (Guia Formation). The upper unit consists of siliciclastic sediments
(Raizama and Diamantino formations). .

Keywords: Stratigraphy, Mid-Late Proterozoic, Paraguay Belt, Aguapeí Group, Mato Grosso.

RESUMO O sudeste do Cráton Amazônico é formado porseqüências do Arqueano ao Proteroz6ico Inferior, que
apresentam gnaisses, rochas verdes (greenstone belts) e suítes graníticas. Durante o Proteroz6ico Médio, a ruptura
deste cráton se deu ao longo de zonas de fraquezas preexistentes originando bacias cujos limites são formados por falhas
reativadas do embasamento. Essas bacias foram preenchidas pelos sedimentos dos Grupos Aguapeí, Sunsás e
Huanchaca. A reconstrução paleogeográfica desses sedimentos, no Brasil, foi estabelecida como uma cobertura de
plataforma iniciada por extensa sedimentação marinha rasa que passa a um ambiente marinho mais profundo, cuja
sedimentação de caráter progradacional termina com a presença de depósitos fluviais. Essas unidades são compostas
principalmente por rochas não-metam6rficas nas regiões de Huanchaca, Santa Bárbara e Rio Branco. Nas Faixas
Dobradas Sunsás e Aguapeí, esses sedimentos foram afetados pela Orogênese Sunsás. Sedimentos e metassedimentos
do Proteroz6ico Superior estão presentes ao longo da zona de transição entre o Cráton Amazônico e a Faixa Paraguai.
Três unidades litoestratigráficas principais foram individualizadas, uma unidade cuja sedimentação foi interpretada
como glácio-marinha no domínio da plataforma (Formação Puga) e no domínio do talude foi caracterizada pelo forte
retrabalhamento de sedimentos glácio-marinhos por correntes de turbidez (Grupo Cuiabá); uma unidade carbonatada
pós-glacial, com calcários e dolomitos (Formação Araras), sobre a plataforma cratônica, que passa lateralmente para
calcários mais argilosos (Formação Guia) em direção a zona interna da faixa; a unidade superior (Formações Raizama
e Diamantino) é formada por sedimentos siliciclásticos.

Palavras-chaves: Estratigrafia, Meso-Neoproterozóico, Faixa Paraguai, Grupo Aguapeí, Mato Grosso.

INTRODUÇÃO Neste trabalho é apresentada uma sínte- siliana (- 600 Ma), individualizados em uma zona externa e
se geológica das unidades sedimentares e metassedimentares outra interna, e os sedimentos suborizontalizados que se esten-
do Proterozóico Médio e Superior que afloram na parte sudeste dem para a zona de cobertura de plataforma cratônica (Fig. 1).
do Cráton Amazônico. Estas unidades têm sido descritas em Na primeira subdivisão estratigráfica para as rochas da Faixa
várias áreas com diferentes denominações. Paraguai, foram individualizadas as Ardósias (mitos) Cuiabá,
As coberturas sedimentares do Proterozóico Médio estão Calcários Araras e Arenitos Raizama (Evans 1894). Maciel
localizadas em várias sub-bacias espalhadas pelo embasamento (1959), Almeida (1964a, 1965) e Vieira (1965) estabeleceram
cratônico consolidado há 1.300 Ma (Litherland et ai. 1986) novas unidades estratigráficas (Formação Puga, Grupo Janga-
(Fig. 1). No Brasil, essas unidades foram denominadas de Agua- da, Formação Bauxi, Formação Diamantino) cujos dados pro-
peí (Figueiredo & Olivatti 1974), enquanto em território bolivi- porcionaram algumas hipóteses de correlações estratigráficas
ano são conhecidas pelo Grupo Huanchaca (Litherland & para o conjunto da Faixa Paraguai. As mais recentes sínteses
Power 1989) na Serra Huanchaca e, na região de SantoCorazón, estratigráficas e tectônicas englobando a faixa foram propostas
pelo Grupo Sunsás (Litherland et ai. 1986). O Ciclo Oroge- por Almeida (1984) .e Alvarenga (1990).
nético Sunsás (- 1.000 Ma) é o responsável pela deformação Neste trabalho é feita uma revisão e discussão das correla-
dessas rochas em duas faixas: Faixa Sunsás, na Bolívia, e Faixa ções litoestratigráficas das unidades do Proterozóico Médio e
Aguapeí, no Brasil. Fora dessas duas faixas estreitas e alon- Superior localizadas na borda sudeste do Cráton Amazônico,
gadas, suas rochas apresentam-se como coberturas de platafor- no Brasil e na Bolívia.
ma não-deformadas nas Serras Huanchaca, Santa Bárbara e
Monte Cristo, esta última na região de Rio Branco (Fig. 1). EMBASAMENTO O embasamento das coberturas sedi-
No Proterozóico Superior, a Faixa Paraguai engloba os mentares das Bacias Aguapeí-Sunsás, existentes na poção me-
sedimentos e metassedimentos deformados pela tectônica bra- ridional do Cráton Amazônico, é formado por rochas cujas

* Departamento de Geologia Geral, Universidade Federal de Mato Grosso, CEP 78060-900, Cuiabá, MT, Brasil. Endereço atual: Departamento de Geologia Geral
e Aplicada, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, CEP70910-900, Brasília, DF, Brasil
** Departamento de Recursos Minerais, Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso, CEP 78060-900, Cuiabá, MT, Brasil

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Figura. 1 - Faixas dobradas e coberturas cratônicas do Proterozôico Médio e Superior, localizadas na bordasudeste do Crâton
Amazônico(modificado de Barros et alo1982, Del'Arco et alo1982 e litherland et alo 1986). 'Y 1. São Vicente, 'Y 2. Coxim
Figure 1-Midd1e Proterozoie and late Proterozoie fold belts and cratonie eovers located on the southeastern border ofthe Amazonian Craton (After Barros et al. 1982.
DeI'Arco et al. 1982 e Litherland et ai. 1986). 'Y 1. São Vicente, 'Y 2. Coxim

idades vão do Arqueano ao Proterozóico Médio (1.300 Ma). Ao das bacias do final do Proterozóico Médio, o mesmo aconte-
Arqueano estão relacionados o Complexo Gnáissico (Rio Ver- cendo com a orientação das deformações das Faixas Sunsás
melho) e os cinturões de rochas verdes (Rio Alegre, Quatro e Aguapeí, que apresentam deformações coaxiais da orogênese
Meninas, Araputanga e Cabaçal) (Saes et ai. 1984, Monteiro et precedente.
ai. 1986, Leite et ai. 1986, Leite 1987). O retrabalhamento
parcial dessas unidades no Proterozóico Inferior deu origem a BACIA DO PROTEROZÓICO MÉDIO As cobertu-
. uma associação gnaisse-migmatítica denominada de Briga- ras sedimentares e metassedimentares predominantemente
deirinho (Saes et ai. 1984). No Proterozóico Médio, processos quartzíticas com alternâncias de fácies heterolíticas e cortadas
metamórficos e deformacionais estão registrados no Complexo por diques de rochas básicas, que ocorrem no Sudoeste de Mato
Granítico Santa Helena, seguidos por um magmatismo tardi a Grosso e na Bolívia Oriental, foram pela primeira vez mencio-
pós-cinemático representado pelos Granitóides Água Clara e nadas em relatório da LASA (1968). Essas rochas foram
Alvorada (1.500 Ma) (Monteiro et ai. 1986). Ao final do posteriormente denominadas de Unidade Aguapeí por Figuei-
Proterozóico Médio (1.300 Ma), são alcançadas condições de redo & Olivatti (1974) . Souza & Hildred (1980) dividiram o
estabilidade que propiciaram o desenvolvimento de corpos Grupo Aguapeí nas Formações Fortuna, Vale da Promissão e
máficos diferenciados (Suíte Intrusiva Rio Branco) e a indivi- Morro Cristalina, reconhecendo o desenvolvimento de uma
dualização das Bacias Intracratônicas Aguapeí-Sunsás (Leite seqüência marinha transgressivo-regressiva de cobertura de
et ai. 1985). Os lineamentos orientados N25-35W deste emba- plataforma. Saes et aI. (1987) e Takahashi et ai. (1990) do-
samento parecem ter exercido forte influência na estruturação cumentaram as fácies sedimentares do Grupo Aguapeí nas .
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regiões de Rio Branco e Pontes e Lacerda, respectivamente, progradante, espessando-se para SE. Nas regiões de Rio Bran-
detalhando e estabelecendo modelos de fácies para as forma- co e Pontes e Lacerda, ela é composta por pelitos com intercala-
ções propostas por Souza & Hildred (1980). Na parte oriental ções arenosas depositadas por ação de tempestades em uma
da Bolívia, os trabalhos de mapeamento regional levaram plataforma marinha rasa (Saes et alo 1987). Em direção a Santo
ao estabelecimento de uma área cratônica (Cráton Paraguá) Corazón, a Formação Vale da Promissão passa a seqüências
circunscrita pelas Faixas M6veis Sunsás e Aguapeí (Litherland turbidíticas (Litherland et alo 1986). Ela corresponde à
et alo 1986). Argillaceous Unit de Litherland & Bloornfield (1981) e even-
tualmente à Formação Cuatro Carpas (Litherland & Power
Formação Fortuna A Formação Fortuna é a unidade 1989) da Serra de Huanchaca, onde a interestratificação de
basal formada por arenitos e conglomerados ortoquartzíticos. lobos arenosos e pelitos sugere a existência de construções
A figura 2 mostra as correlações litoestratigráficas entre a deltaicas. Essa unidade sedimentar intermediária dos Grupos
unidade basal tanto no Brasil como na Bolívia. No oriente Aguapeí/Sunsás foi sedimentada após o clímax da transgressão
boliviano, a Formação Fortuna corresponde à Lower Psamitic marinha regional que marca este intervalo, representando uma
Unit (Litherland & Bloornfield 1981) e à Formação Arco Iris progradação com alto nível do mar.
(Litherland & Power 1989), sendo formada por um pacote de
arenitos e conglomerados ortoquartzíticos, com notável au- Formação Morro Cristalina A Formação Morro Cris-
mento de espessura e do conteúdo de feldspatos de noroeste talina é formada de quartzo-arenitos e mais raramente con-
para sudeste em direção a Santo Coraz6n (Fig. 2). A natureza glomerados, cujos principais atributos sedimentol6gicos são a
areno-conglomerática, com abundantes estratificações cruzadas maturidade elevada e o caráter exclusivamente continental
definindoum padrão unidirecional das paleocorrentes para SW, (fluvial e e6lico) de seus dep6sitos (Saes et alo 1987, Litherland
revela deposição em sistemas fluviais entrelaçados nas áreas & Power 1989). Digno de nota é o fato desta unidade ocorrer
das Serras de Huanchaca e São Vicente, passando a plataforma apenas nos setores não-deformados dessas bacias, o que, conju-
marinha rasa com influência de marés, leques costeiros (fan- gado ao predomínio de paleocorrentes fluindo de SE para NW,
deltas) e tempestitos em Pontes e Lacerda e Rio Branco. As parece indicar que a sua deposição ocorreu após a principal fase
áreas mais a sul, na região de Santo Coraz6n, podem incorpo- deformacional que afetou estas coberturas e a inversão do
rar espessos sistemas de leques aluviais ou costeiros, como paleodeclive regional para NW, o que sugere um caráter molas-
resultado da expressiva atuação de falhas sin-sedimentares. A s6ide para a sua sedimentação. Essa coluna arenosa superior
bipolaridade das paleocorrentes (NW-SE), na região de Pontes recebe a denominação de Upper Psamitic Unit em Santo
e Lacerda e Rio Branco, reforça a hipótese de sedimentação por Coraz6n (Litherland et alo 1986), sendo duvidosamente cor-
ação de marés, bem como sugere o preenchimento longitudinal relacionada à Formação Buena Vista na Serra de Huanchaca
de uma bacia alongada nesta direção desde os primórdios de (Litherland & Power 1989).
sua instalação (Litherland et al. 1986, Saes et alo 1987,
Litherland & Power 1989, Saes & Leite no prelo). BACIA DO PROTEROZÓICO SUPERIOR As uni-
dades litoestratigráficas do Proterozóico Superior que se desen-
Formação Vale da Promissão A Formação Vale da volveram na borda sudeste do Cráton Amazônico se
Promissão representa uma cunha de sedimentos marinhos apresentam dentro de domínios tectono-estratigráficos que
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Figura 2 - Correlações litoestratigráficas entre as bacias sedimentares do Proterozâico Médio da borda sudeste do
Cráton Amazõnico
Figure 2 - Lithoestratigraphic relationships between Middle Proterozoic sedimentary basins on the border ofthe Amazonian craton
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gradam lateralmente de coberturas suborizontais de platafor- ambiente marinho mais distal, originadas de materiais glacio-
ma, para rochas dobradas e parcialmente metamorfízadas para gênieos retrabalhados por correntes turbidíticas.
o interior da Faixa Paraguai (Almeida 1984, Alvarenga 1990). As rochas das Formações Puga , Bauxi e da maioria do
O reconhecimento da influência da última glaciação do Prote- Grupo Cuiabá formam a unidade glácio-marinha e turbidítica
rozóico Superior em diferentes unidades litoestratigráficas des- do Proterozóico Superior da região. As variações de fácies
sa região permitiu a sua correlação estratigráfica em diferentes laterais e verticais entre diamictitos, argilitos, siltitos, quartzitos
donúnios dentro da bacia de sedimentação. e conglomerados sugerem a passagem de um ambiente glácio-
As diferentes colunas estratigráficas propostas para a Faixa marinho de plataforma, a oeste, para uma bacia turbidítica, a
Paraguai apresentam controvérsias na passagem entre as zonas leste (Fig. 3).
estruturais interna e externa da faixa (Alvarenga 1984). Por Na zona de cobertura cratônica, os aflofamentos da unidade
causa dessa discordância, duas interpretações estratigráficas glácio-marinha se reunem na Formação Puga. Eles são com-
foram propostas para esta zona de transição: postos de diamictitos, com intercalações de arenitos finos e
1. Presença de duas grandes unidades estruturais e estrati- siltitos depositados em discordância angular sobre o emba-
gráficas, onde as rochas da zona interna (Grupo Cuiabá), mais sarnento do Cráton Amazônico.
fortemente metamorflzadas e dobradas, são consideradas como Na zona externa da faixa, diamictitos maciços e estrati-
mais antigas que aquelas das Formações Diamantino, Raiza- ficados formam a litologia predominante da Formação Puga
ma, Araras, Puga e Bauxi que formam a zona externa da faixa que constitui a unidade glácio-marinha dessa zona (Alvarenga
e a cobertura cratônica (Figueiredo & Olivatti 1974, Ribeiro & 1988, Alvarenga & Trompette 1988, 1992). Importantes inter-
Figueiredo 1974, Ribeiro et aI. 1975, Luz et a1.1978, 1980, calações de arenitos, contendo ocasionalmente seixos e blocos
Schobbenhaus et alo 1981, 1984, Barros et aI. 1982, DeI'Arco isolados (Formação Bauxi) , são conhecidas nas regiões entre
et aI. 1982, Almeida 1984). Bauxi e Nobres (Fig. 1 e 3). Essas intercalações arenosas,
2. Depósitos parcialmente contemporâneos entre as rochas inicialmente denominadas de Formação Bauxi, são na realida-
sedimentares que formam a parte inferior da cobertura de de uma fácies arenosa da Formação Puga.
plataforma e da zona externa da faixa (Formações Puga e Na zona interna da faixa, os metassedimentos dobrados e
Bauxi) e os metassedimentos da zona interna da faixa de metamorfizados, denominados de "Brasilides metamórficas"
dobramentos (Grupo Cuiabá) (Almeida 1964a,b , 1965, 1974, por Almeida (1984, 1985), são principalmente compostos pelas
Alvarenga 1985, 1988, Alvarenga & Trompette 1988, 1992). rochas do Grupo Cuiabá. Estas rochas foram depositadas du-
As rochas sedimentares, levemente dobradas na borda externa rante um período glacial , incluindo ambiente glácio-marinho
da Faixa Paraguai, passam lateralmente às coberturas de plata- sobre a plataforma cratônica e turbidítico no domínio do talude
forma do Cráton Amazônico. A maioria das unidades litoes- e no talude distal (Alvarenga 1988, 1990, Alvarenga & Trom-
tratigráficas se distribuí através de diferentes fácies, nos três pette 1988, 1992) que caracterizam a zona interna da faixa.
donúnios estruturais individualizados. Assim, por exemplo, a Três grandes grupos de fácies sedimentares, com base nas
unidade estratigráfica que inclui as Formações Puga e Bauxi é suas características de sedimentação turbidítica proximal, in-
pouco espessa e suborizontal na zona de cobertura cratônica, termediária-e distal, configuram a sedimentação no talude da
passando a uma unidade litoestratigráfica um pouco mais bacia (Fig. 3). :
espessa e dobrada, dentro da zona externa da faixa . No donúnio Na parte superior do talude (fácies proximal), são encontra-
interno da faixa, esta unidade inclui o Grupo Cuiabá, espesso, dos diamictitos intercalados a conglomerados e arenitos. Esta
. tectonizado e metamorfízado (Alvarenga 1988, Alvarenga & área é parcialmente coincidente com a região considerada por
Trompette 1988, 1992). Almeida (1974) como pertencente ao Grupo Jangada e com as
As unidades estratigráficas utilizadas neste trabalho, de áreas mapeadas como subunidades 4, 5 e 7 da Grupo Cuiabá
acordo com a tese de contemporaneidade entre as rochas da descritas por Luz et aI. (1980).
cobertura de plataforma e das faixas dobradas, foram reunidas Em direção às partes mais externas do talude, os mitos
em quatro grandes grupos, formados por diferentes fácies apresentam espessas intercalações de quartzitos, quartzitos con-
(Alvarenga 1988, 1990): 1. unidade inferior, de caráter local e glomeráticos e metaconglomerados, de até 100m de espessura,
situada a NW da Cidade de Poconé no núcleo da Anticlinal de que são internamente organizados em ciclos de granodecres-
Bento Gomes, é composta por mitos, mitos grafitosos, quartzi - cência para o topo. Estas intercalações (quartzitos e conglome-
tos e dolomitos; 2. extensa unidade glácio -marinhalturbidítica rados) foram interpretadas por Alvarenga (1985) como leques
foi formada durante a última glaciação do Proterozóico Supe- de alimentação de uma fácies turbidítica grossa. Os afloramen-
rior; 3. espessa unidade carbonatada; 4. unidade superior tos dessa fácies estão incluídos na área mapeada por Luz et alo
detrítica (Fig. 3). (1980) como subunidades 3 e parte da 5 do Grupo Cuiabá.
Nas porções externas do talude e em direção ao extremo
Unidade inferior A unidade inferior está representada leste da bacia, uma fácies mais distal é composta quase que
apenas por parte das rochas do Grupo Cuiabá (zona interna da exclusivamente por mitos, podendo apresentar intercalações
faixa), situada no núcleo da Anticlinal de Bento Gomes a mais grossas formadas internamente por vários ciclos gra-
noroeste de Poconé (Fig.1). Nesta unidade, está incluída a dacionais de quartzitos e metassiltitos. Os filitos desta fácies
maioria das rochas grafitosas (mitos e quartzitos) do Grupo são pouco conhecidos, por se encontrarem quase que totalmen-
Cuiabá, que localmente estão associadas a dolomitos. Esta te capeados por formações superficiais ou por se aprese ntarem
unidade foi estratigraflcamente individualizada por Luz et alo bastante alterados.
(1980), nas subunidades 1 e 2 do Grupo Cuiabá. Seixos e blocos de natureza diversa são encontrados de
forma isolada e cortando a estratificação dos metassedimentos.
Unidade glácio-marinha-turbidítica Esta unidade Estes são provavelmente transportados por icebergs e são a
foi estudada para a região entre Cuiabá-Província Serrana- única indicação direta da presença da glaciação.
Mirassol d'Oeste, entretanto, correlações estratigráficas foram
feitas com as regiões de Corumbá e da Bolívia. REGIÃO DE CORUMBÁ E DA BOÚV/A ORIENTAL
As coberturas de plataforma cratônica da região
REGIÃO DE CUIABÁ-PROviNCIA SERRANA-MIRASSOL de Corumbá estendem-se para oeste, em território boliviano
D'OESTE Esta unidade inclui todas as rochas formadas (Fig. 1). Elas foram depositadas sob domínio cratônico, que foi
durante o último período glacial do Proterozóico Superior, afetado por uma tectônica rígida de falhas isolando blocos mais
incluindo as rochas formadas pela influência direta de uma ou menos elevados, como é o caso do Morro de Urucum,
. sedimentação glácio-marinha e também as formadas em próximo a Corumbá.
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Figura 3 - Esquema das relações estratigráficas do Proterozâico Médio e Superior na borda sudeste do Cráton Amazõnico (sem
escala)
Figure 3 - M iddle Proterozoic and Late Proterozoic schematic stratigraphic relationships on lhe border of lhe Amazonian craton (not to scale)

A unidade inferior aflorando ao sul da Faixa Sunsás até as Araras, sugerindo um aumento da energia do ambiente. Inter-
proximidades de Corumbá é formada pelos Grupos Boqui e calações arenosas são também encontradas no topo da forma-
Jacadigo e pela Formação Puga. ção que termina com o início da sedimentação detrítica da
O Grupo Boqui engloba arcósios, conglomerados, arenitos, Formação Raizama.
siltitos, calcários e diamictitos e apresenta importantes varia- Na zona interna, esta unidade é correlacionada à parte
ções laterais de fácies (Litherland et aI. 1986). superior da seqüência metassedimentar do Grupo Cuiabá, for-
O Grupo Jacadigo, considerado como depositado dentro mada por uma fácies pelito-carbonatada denominada de For-
de uma bacia marginal cratônica (Almeida 1984), foi subdivi- mação Guia (Fig. 3) (Alvarenga 1988) ou subunidade 8 (Luz
dido em duas formações: Formação Urucum, basal, composta et aI. 1980). Na Sinclinal da Guia, essa fácies é composta de
de arcósios e conglomerados com blocos e seixos do calcários, calcários margosos e lentes dolomíticas que passam a
embasamento, e Formação Santa Cruz, composta de finas metassiltitos e metargilitos laminados (Alvarenga 1990).
alternâncias de jaspilitos e arcósios e incluindo camadas
manganesíferas que localmente podem atingir 5,4 m na porção REGIÃO DE CORUMBÁ E BOLÍVIA ORIENTAL A uni-
inferior da formação. Clastos caídos (dropstones) de granito dade carbonatada é formada pelas rochas que foram reagru-
foram identificados nesta formação. . padas no Grupo Corumbá (Formações Bocaina e Tamego) em
A Formação Puga é composta de diamictitos com inter- território brasileiro e no Grupo Muciélago na Bolívia.
calações arenosas e reconhecida como uma fácies glacial
(MacieI1959). Unidade superior A unidade superior é composta por
uma espessa seqüência de rochas detríticas, compreendendo os
Unidade carbonatada A unidade carbonatada é for- arenitos feldspáticos da Formação Raizama e os argilitos,
mada na região de Cuiabá pela Formação Araras e em Corum- siltitos e arcósios da Formação Diamantino, todas as duas
bá e Bolívia Oriental pelos Grupos Corumbá e Muciélago, reunidas no Grupo Alto Paraguai (Fig. 3). Essa unidade tem
respectivamente. suas exposições na zona de cobertura cratônica e na zona
externa da faixa. A Unidade Superior não foi encontrada na
REGIÃO DE CUIABÁ OS calcários e dolomitos da For- região de Corumbã, Arenitos (Formação Mandioré) deposita-
mação Araras têm suas melhores exposições na zona de cober- dos sobre os calcários (Grupo Muciélago) são descritos em
tura cratônica e na zona externa da faixa. Nessa última eles território boliviano (Litherland et aI. 1986) e podem ser o
atingem uma espessura de até 1.300 m (Luz et aI. 1978). equivalente boliviano da Formação Raizama.
Um membro inferior de 200 m é formado de calcários e
calcários margosos cinza-escuros. Os 1.100 m restantes do CONCLUSÕES As rochas detríticas do Proterozóico
membro superior.são formados por dolomitos bem cristaliza- Médio da borda sudeste do Cráton Amazônico se depositaram
dos cinzas e brancos. Nos dolomitos da zona de cobertura em bacias moldadas por grandes falhas do embasamento. O seu
cratônica, foi descrito por Zaine (1991) um nível estratiforme e preenchimento está relacionado a período de prolongada esta-
colunar de estromatólito limitado na base e no topo por cama- bilidade tectônica, não se descartando a possibilidade de atua-
das de evaporitos (pseudomorfos), indicando evidências de ção de falhas sinsedimentares. As diferentes fácies associadas
salinidade variável durante a deposição. Estromatólitos colu- às variações na sua espessura e ao padrão de paleocorrentes das
nares, intraclastos e níveis de calcarenitos com laminação rochas do Grupo Aguapeí sugerem que a sedimentação iniciou-
cruzada são encontradas em direção ao topo da Formação se por uma invasão marinha rasa (Formação Fortuna), passan-
498 Revista Brasileira de Geociências, Volume 22,1992

do a uma sedimentação progradante com nível de mar alto (zona do talude), com domínio de uma sedimentação por fluxos
(Formação Vale da Promissão) e, finalmente, a uma sedimenta- gravitacionais. Ao término do período glacial , supõem-se que
ção fluvial de domínio continental (Formação Morro Cris- todos os detritos retidos nas geleiras tenham sido derretidos,
talina). Uma espessa coluna estratigráfica, com a presença de gerando assim um grande aporte de sedimentos para o interior
arcósios e uma significativa importância de conglomerados, ao da bacia. Nesse caso, esses sedimentos do final da glaciação
longo das duas faixas dobradas (Sunsás e Aguapeí), sugere podem explicar a extensão de diamictitos por toda a bacia da
serem elas duas sub-bacias localizadas em zonas de fraquezas Formação Puga ao Grupo Cuiabá no interior da zona interna
crustais do embasamento com falhas que atuaram também (Fig. 3). A unidade carbonatada marca o inicio da sedimenta-
durante a sedimentação, causando a sua maior subsidência ção devido ao aumento do nível do mar. Os calcários escuros e
quando comparadas com as colunas estratigráficas menos es- laminados da base dessa unidade passam no topo a dolomito
pessas das sub-bacias adjacentes (Fig. 2). Essas duas bacias (dolarenitos) que se intercalam com sedimentos detríticos are- .
mais profundas coincidentemente são as únicas que foram nosos . Esses carbonatos (Formação Araras) caracterizam uma
posteriormente dobradas pela Orogênese Sunsás (- 1.000 Ma). sedimentação de plataforma marinha rasa, em regime de depo-
No Proterozóico Superior, três unidades litoestratigráficas sição progradacional, culminando com a sedimentação dos
principais foram individualizadas sobre as coberturas era- arenitos da unidade superior (Formação Raizama). No interior
tônicas da borda SE do Cráton Amazônico e no interior da da bacia, a unidade detrítica superior pode ter seu correspon-
Faixa Paraguai. Uma unidade basal restrita a faixa dobrada é dente nos rnetassiltitos e metargilitos laminados do Gru-
observada na região do Anticlinório de Bento Gomes à noroes- po Cuiabá que se encontram acima da unidade carbonatada
te de Poconé. A unidade glácio-marinha/turbidítica é contem- (Formação Guia).
porânea à glaciação do final do Proterozóico Superior que
influenciou mais de perto os sedimentos glácio-marinhos da Agradecimentos Os autores agradecem o apoio finan-
plataforma continental, que foram a fonte do material transpor- ceiro e científico proporcionado pela UFMT, PADcr e CNPq
tado como fluxo de detritos (debris-flow) e turbiditos deposita- (Froc. 40.7171/83, 403469/89-9 e 500647/90-9). Agradece-
dos do talude em direção ao interior da bacia. A influência do mos também aos organizadores da conferência de campo sobre
período glacial é mais facilmente detectada nos sedimentos de o Proterozóico Médio e Superior no Brasil - A. 1. Dourado
cobertura de plataforma (glácio-marinhos) e parcialmente re- Rocha e J. M. Landim Dominguez - a CPRM e a SBG por
trabalhados por fluxos de gravidade. Na zona interna da faixa, tomarem viável este evento. Um especial agradecimento a
os sedimentos foram originalmente depositados em uma bacia Roland Trompette, pelo incentivo, discussões e críticas na
marginal desenvolvida na quebra da plataforma continental realização dos trabalhos sobre a Faixa Paraguai.

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Revista Brasileira de Geociências 22(4):500-506, dezembro de 1992
1M@ii'~ ~1Rl~~

A NEW AREA OF ALKALlNE ROCKS lN EA8TERN PARAGUAY


PIERO COMIN-CHIARAMONTI* CELSO B, GOMES** RICCARDO PETRINI*** ANGELO DE MIN***
VICTOR F, VELÁZQUEZ**** ~ll(i DELIO ORUÉ***** ' ,

INTRODUCTION AIkaline rocks can be found in three ramonti et ai. (1991). Representative compositions (whole rocks
major areas (northem, northeastem and central-eastern) of and mineral phase) are listed in tables 1 to 5.
Eastem Paraguay. On the basis of geographic distribution and
tectonic association, Livieres & Quade (1987) proposed inclu-
sion of these outcrop areas different aIkaline provinces: Alto
Paraguay, Amambay and Central, respectively (Fig. 1).
Presently, only the Central Province, clustering the Iargest
number ofoccurrences, is the subject of systematic investigation.
J•
Available information on the Alto Paraguay and Amambay ••
rocks is still scarce.
The westem side of the Central Paraná Basin was the site of
widespread magmatic activity from Early Cretaceous to
Oligocene times in a region that experienced NE-SW trending
crustal extension during the late Mesozoic (Comin-Chiaramonti
et ai. 1992, and therein references). Faulting formed a complex
NW-trending graben, 25 - 45 km wide and 200 km long , in the
Asunción-Sapucai region (Degraff 1985), in which alkaline
rocks occurring as dykes, volcanic domes, lava flows, shallow
intrusive complexes and stocks cut or rest unconformably on
Silurlan and Mesozoic sandstones of the Caacupé Group and
Misiones Formation. respectively. The region comprises
Mesozoic tholeiitic volcanics of the Serra Geral Formation (130
Ma) on eastem side, K-aIkaline rock-types (128 Ma) in central
areas and Tertiary (61 - 39 Ma) ultra-alkaline (sodic) rocks on
westem side (Comín-Chíaramontí et ai. 1991).
ln the Asunción-Sapucai graben, K-alkaline rock-types are
represented by two suites, i.e, tephrites to phonolites (and
peraIkaline phonolítes) and aIkali basalts to trachyphonolites;
Na-alkaline rock-types include nephelinites (subordinately an-
karatrites) bearing mantle xenoliths (Demarchi 'et ai. 1986)
and operaIkaline phonolites.
Recently, during a field trip to study aIkaline magmatism
in Eastem Paraguay, aIkaline rock-types, i.e. Na-nephelinites
with and without mantle xenoliths and K-peraIkaline
phonolites were found near San Juan Bautista in Southem
Paraguay (Fig. 2). The outcrops are associated with roo
sandstones of the Misiones Formatíon (Proyecto PAR 83/005,
1986) and show the following characteristics:
Estância Guavira-y (26°57.7'S, 5r06.7'W). Very
small plug, 10 m high, of Na-nephelinitic rock-types having
mantle xenoliths ind addition to clinopyroxene and ortho-
pyroxene megacrysts.
Estância Ramirez (26°56.5'S, 57°1O.0'W). NW-trending
Na-nephelinitic dyke, 10 mthíck,
Cerro Coo Jhovy (26°43.2'S, 57°18.3'W). SmalI plug, ARGENTINA 50
o

45 m high with an area of about 0.8 Km2, of Kperalkaline


phonolite. ~ Anticline ~Syncline
This short paper correlates these new occurrences with the
Tertiary Na-rich and Mesozoic K-rich rocks of the Central
Province.
-- Fauts
, , " - - Lineaments
AL KALlNE PROVINCES
I Alio Paraguay
II Amamby

PETROGRAPHIC ANO GEOCHEMICAL


• Alkaline rocks III Central

DATA Major and trace element contents of whole rocks


were determined by X-ray fluorescence techniques (Bellieni et o Figure 1 - General distribution ofalkaline rocks ofParaguay
ai. 1983); microprobe mineral compositions were analyzed (after Livieres & Quade 1987)
according to Comin-Chiaramonti et aI. (1986) and Sm-Nd o Figura 1 - Distribuição geral das rochas alcalinas do Paraguai segunda
isotope compositions following the procedures ofComin-Chia- Livieres & Quade (1987)

* Istituta di Mineralogia, Petrografia e Geochimica, Università di Palermo, Italia


** Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo , Brasil
*** Istituto di Mineralogia e Petrografia, Universitá di Trieste, Italia
**** Curso de Pós-Graduação, Instituto de Geocíências, Universidade de São Paulo, Brasil
***** Facultad de Ciencias Exactas y Naturales, Universidad Nacional de Asunc íõn, Paraguay

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