Reino de Ilusões - Tahereh Mafi
Reino de Ilusões - Tahereh Mafi
Reino de Ilusões - Tahereh Mafi
Preparação
Monique D'Orazio
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
M161r
Mafi, Tahereh
Reino de ilusões / Tahereh Mafi ;
tradução de Cynthia Costa.
–– São Paulo : Universo dos Livros, 2024.
336 p. (Série This Woven Kingdom ;
Vol. 3)
e-ISBN 978-65-5609-675-9
Título original: All this twisted glory
1. Ficção norte-americana 2.
Literatura fantástica 3. Mitologia
persa
I. Título II. Costa, Cynthia III. Série
Meninas e meninos,
meus brinquedos tão queridos!
Briguentos, sem graça nenhuma
Ela escolherá, você perderá…
Para um tolo com uma pluma!
— Não quis dizer que você precisa falar com eles — disse
Huda, que estava perseguindo Alizeh pelo corredor com
uma ansiedade perceptível. — Só quis dizer que eles vão
vê-la quando você deixar o templo, e só pensei que
gostaria de estar em sua melhor forma…
— Quase quatro semanas! — exclamou Alizeh. — Eles
estão esperando por mim há quase um mês, Huda, como
eu poderia passar por eles sem dizer uma palavra? Devo
falar com eles. Qualquer coisa menos que isso seria
cruel…
— Eu… Perdoe-me, mas não sei se essa é uma boa
ideia… — disse Deen, que, junto com Omid, se apressou
para acompanhá-la. — Não acho que Kamran aprovaria…
Alizeh parou, fazendo com que Huda trombasse com
ela. Ela se desculpou antes de endireitar a amiga e
depois se virou para o boticário.
— Por que Cyrus não aprovaria? — perguntou.
Alizeh deveria se constranger por estar tão ansiosa por
qualquer oportunidade de discutir Cyrus; ainda assim,
não conseguia entender seu desejo de ouvir alguém
dizer o nome dele.
— Eu não disse… — Deen piscou. — Perdoe-me, eu
disse Cyrus? Quis dizer Kamran.
— Não, você falou certo — disse Huda, ao mesmo
tempo que lançava um olhar estranho para Alizeh. —
Você disse Kamran.
— Oh. — Alizeh desviou o olhar, tentando esconder sua
decepção. Ela começou a andar de novo, o farfalhar de
suas saias ecoando no corredor de pedra. — Devo ter
ouvido mal.
— A propósito, mandamos uma mensagem para ele —
disse Deen, acompanhando-a. — Da última vez em que
tive notícias, ele estava ocupado com alguns negócios,
mas deve chegar aqui em breve.
— Quem? O rei?
— Não, Kamran — disse Huda, que parecia preocupada.
— Você está bem, querida?
— Sim — disse Alizeh, tocando a garganta com a mão.
Estava olhando ao redor cegamente, procurando a saída.
— Sim, estou bem. Como saímos daqui?
— Como você pode se mover tão rapidamente com
esse vestido? — observou Huda, recolhendo a bainha
enquanto se movia. — Só a cauda tem mais de um
metro!
— Não que você não esteja adorável — acrescentou
Deen, apressadamente. — Está lindíssima.
Alizeh olhou para ele, sua ansiedade por um instante
dominada pela gratidão.
— Obrigada — ela disse, sendo sincera. — Nunca usei
uma roupa tão requintada em minha vida.
Era uma obra-prima de seda de um tom rosa-pálido,
com renda e tule cravejado de diamantes. Cada
centímetro do material era decorado com intrincados
bordados dourados, pontos finos brilhando com ainda
mais pedras preciosas. O tecido do corpete, com gola
alta e mangas compridas justas, era resplandecente,
habilmente bordado em tecido brilhante e pedras cor-de-
rosa. No topo da cabeça, ela usava um véu transparente
combinando, sustentado por uma tiara dourada que
brilhava como uma coroa. Ainda não tinha vislumbrado
seu próprio reflexo, pois não tivera tempo, mas só
precisava baixar os olhos para ficar maravilhada consigo
mesma.
Depois de todos os anos como criada, Alizeh ainda
resistia ao esplendor. Não acreditava que uma pessoa se
tornasse melhor usando roupas elegantes, mas não
podia negar o poder de uma vestimenta. Era um dos
motivos pelos quais gostava de ser costureira: pedaços
de tecido podiam ser transformados em armadura. Uma
roupa podia ser usada para engrandecer uma pessoa ou
destruí-la. Apenas aquele vestido opulento já a tinha
ajudado a mudar sua mentalidade.
Ela se sentia como uma rainha.
— Há uma porta para um pátio mais à frente — dizia
Huda — e, de lá, você pode acessar uma das varandas…
— Esta é uma má ideia. — O ex-menino de rua
balançava a cabeça, suas longas pernas ajudando-o a
manter o ritmo com facilidade. — Eu não acho que
deveria fazer isso… Há um milhão de pessoas por aí,
senhorita.
Huda bateu em seu braço, e ele se encolheu.
— Quero dizer, Majestade…
— Huda me garantiu que eram menos de cem mil —
disse Alizeh. — E você não precisa me chamar de
Majestade.
— Eu não sei quantas pessoas há lá fora… — Omid
respondeu, ansioso. — Só não quero que a senhorita se
machuque.
Alizeh parou no lugar, de tão surpresa que ficou.
Lentamente, ela se virou para encarar o garoto,
descobrindo medo em seus olhos. Rir de sua dor, ela
sabia, só o magoaria. Ela também havia perdido os pais
em tenra idade; sabia como o terror e a solidão se
propagavam junto com a dor tal qual ervas daninhas
invasoras. Nunca haveria outro abraço caloroso. Nunca
mais haveria uma mão amorosa para acariciar seus
cabelos. Não houve mais um dia em que ela não tivesse
lutado com a impermanência da alegria. Em questão de
meses, aquele pobre garoto perdera os pais, passara a
viver nas ruas, vira seus amigos serem assassinados por
Zaal e, depois, perdera também os Profetas que o
haviam acolhido.
Ele estava com medo de perdê-la também.
Alizeh observou Omid engolir um nó de emoção antes
de avançar, abrindo os braços para ele. Ele tinha pelo
menos trinta centímetros a mais que ela, mas ela sabia
que ele era apenas uma criança… Uma criança como
tantas outras que precisavam de conforto. A princípio,
ele empalideceu diante da oferta; mas, então, parecendo
prestes a chorar, agarrou-se a ela, ganhando um tom de
vermelho tão brilhante que contrastava com seus cachos
ruivos.
— Não quero desarrumar seu vestido — ele murmurou.
Ela apenas o abraçou com mais força.
— Não se preocupe comigo — ela disse, enfim, dando-
lhe um aperto antes de segurá-lo com o braço estendido.
— Eu ficarei bem.
Ele olhou para o chão, com o rosto ainda corado.
— Eu me preocupo, senhorita. Eu me preocupo. Você já
quase morreu… E eu sei como é estar em grandes
multidões… Eu e os meninos costumávamos praticar
nossos melhores golpes em espetáculos assim. Ladrões e
bandidos adoram se infiltrar em grandes multidões…
— Odeio dizer isso, mas a criança está certa — disse
Deen. — Você não deve se colocar em perigo. Além
disso, acabou de acordar… Talvez devesse tirar um
tempo para se recuperar um pouco mais. Eu poderia
preparar um chá medicinal para reavivar seu ânimo…
— Agradeço a preocupação de vocês — disse Alizeh,
olhando para os amigos. — Agradeço mesmo. Mas devo
falar com meu povo, mesmo que isso me coloque em
perigo.
Eles apenas olharam para ela, suas expressões
transmitindo níveis variados de pânico e resignação.
— Há algo mais que desejam me dizer… — Alizeh
adivinhou, com suas sobrancelhas se juntando. — O que
é?
— Os rumores ao longo das rotas comerciais têm sido
preocupantes. Alguns… — Deen falou calmamente,
embora não mais olhasse para ela. — Muitos
comerciantes que conheço me escreveram perguntando
sobre a senhora, e as histórias que compartilharam… —
Ele balançou a cabeça. — Majestade, é imperativo que
saiba quantos querem lhe fazer mal.
— É verdade — acrescentou Huda, seus olhos indo dela
para Deen e vice-versa. — Perdoe-me, querida, mas
muita coisa mudou desde que você adoeceu. Mesmo
aqui em Tulan há muitos contra você. O grande afluxo de
migrantes tem sido terrivelmente perturbador… Tem
irritado os cidadãos, por mais pacíficas que as multidões
sejam. Eles não querem você aqui…
— É pior do que isso — disse Omid com raiva, tirando
um jornal dobrado de dentro da jaqueta e o entregando a
Alizeh. — Eles querem que a senhorita morra.
— Omid! — Huda engasgou-se, tentando arrancar o
jornal de sua mão. — Você não deveria ter trazido isto!
Com a mandíbula cerrada com determinação, Omid
desviou com facilidade e entregou o jornal a Alizeh, que o
pegou com cuidado. Ela sabia, pelas páginas verdes
empoeiradas, que havia recebido um exemplar do Daftar,
o jornal mais famoso de Ardunia, embora não soubesse
como eles tinham conseguido um exemplar tão longe de
casa. Ela olhou mais uma vez para os rostos preocupados
e zangados de seus amigos antes de dirigir seu olhar
para a publicação, abrindo-a para ler a manchete.
Justiça!
Justiça!
Justiça!
Justiça!