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Forma privilegiada

glaucia villas bôas

Forma privilegiada
A arte concreta no Rio de Janeiro
de 1946 a 1959
SOCIOLOGIA & ANTROPOLOGIA
coleção
© 2022 Glaucia Villas Bôas programa de pós-graduação em sociologia e antropologia
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico instituto de filosofia e ciências sociais
da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009. da universidade federal do rio de janeiro
(ppgsa/ifcs/ufrj)
Coordenação editorial
Isadora Travassos

Produção editorial
Coleção Sociologia & Antropologia
Cacau Costa
Eduardo Süssekind
João Saboya Conselho Editorial
Julia Neves
Julia Roveri Beatriz Maria Halasia de Heredia
Matheus Nogueira Bila Sorj
Rodrigo Fontoura Elina Pessanha
Valeska Torres
Felícia Silva Picanço
Glaucia Villas Bôas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) José Ricardo Ramalho
Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Marco Antonio Gonçalves
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846
Marco Aurélio Santana
V726f Maria Laura V. C. Cavalcanti
Villas Bôas, Glaucia.
Michel Misse
Forma privilegiada: a arte concreta no Rio de Janeiro de 1946 a 1959 / Glaucia Villas Bôas. –
1. ed. – Rio Janeiro : 7Letras, 2022.
Mirian Goldenberg
144 p.; 15,5 x 23 cm. (Coleção Sociologia & Antropologia). Yvonne Maggie
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-5905-446-6.
1. Antropologia. 2. Arte Concreta. I. Título. II. Assunto. III. Autora.
CDD 301
CDU 316

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Ciências Sociais: Sociologia - Antropologia - Política cultural.
2. Literatura: Poesia (Brasil).

2022
Viveiros de Castro Editora Ltda.
Rua Visconde de Pirajá, 580 – sl. 320 – Ipanema
Rio de Janeiro – rj – cep 22420-902
Tel. (21) 2540-0076
[email protected] – www.7letras.com.br UFRJ
Sumário

Prefácio 13

Introdução – Uma trama bem urdida 19

1. O Ateliê do Engenho de Dentro  29


A vocação de Nise da Silveira 30
O jovem Almir  36
A casa de Mário Pedrosa 38
As bonecas de Adelina 43

2. A crítica de arte renovada 51


O exílio 52
Os dois Mários 66
A primeira grande polêmica  73

3. Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro  79


O curso para crianças  82
As aulas de Serpa  90
Conversas sobre o Grupo Frente  94
O crítico e poeta Ferreira Gullar 97
Dez anos de convívio intenso 102

Posfácio (muito tempo depois) 109


A coleção de João Sattamini
no Museu de Arte Contemporânea em Niterói  113
A coleção Adolpho Leiner
no Museu de Belas Artes de Houston  122
O desenrolar de uma história 127

Referências bibliográficas 131


À memória de minha irmã, Fernanda Luiza.
A palavra concreto não era usada naquele tempo [...].
O denominador comum entre Palatnik,
Serpa e Mavignier era a intenção de procurar
uma forma privilegiada, expressão do Mario Pedrosa.
almir mavignier, 2005.
Prefácio
Eduardo Jardim

De 1946 a 1959 aconteceu no Rio de Janeiro um movimento artístico, o


concretismo, que congregou uma médica psiquiatra, Nise da Silveira,
artistas, como Almir Mavignier, Ivan Serpa e Abraham Palatnik, para
mencionar apenas seus iniciadores, e críticos, como Mário Pedrosa e,
mais tarde, Ferreira Gullar. Esta pode ter sido a mais original contribui-
ção brasileira à arte contemporânea.
O método de exposição adotado por Glaucia Villas Bôas em Forma
privilegiada talvez possa ser melhor definido em contraste com o que ele
não é. Estamos acostumados a ler nos estudos de história da arte relatos
das diversas tendências artísticas. Já no caso de um autor em particular,
em uma perspectiva internalista, faz-se o exame de suas obras. Em algu-
mas dessas direções recorre-se, por vezes, à reconstituição do ambiente
em que os movimentos artísticos se deram e onde viveram os artistas. Em
outra direção, os movimentos artísticos e a arte em geral são vistos como o
plano superestrutural de uma dada sociedade cuja base é socioeconômica.
Forma privilegiada é um estudo de Sociologia da Arte em um
sentido muito específico. Seu propósito é reconstituir a trajetória dos
participantes do concretismo e pôr em relevo as relações que travaram
entre si, que possibilitaram a formação de um grupo. Nesse sentido é um
estudo de Sociologia da Arte próximo de autores como Simmel e Max
Weber, com quem a autora teve contato.
Para Forma privilegiada não interessa o exame das obras dos artis-
tas em si, embora fiquemos sabendo que suas soluções formais muito

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 prefácio

econômicas ganharam destaque na arte contemporânea. Também não que pretendia entrar para a Faculdade de Arquitetura. Já o título, com a
se leva em conta os condicionamentos sociais que determinaram a fei- referência à forma, revela o contato do crítico com a Teoria da Gestalt.
tura de uma obra. A referência ao desenvolvimento do país nos anos Para a Teoria da Gestalt, na apreciação de uma obra de arte é pre-
cinquenta é pano de fundo, mas não dá conta das soluções formais ciso separar todos os elementos subjetivos do intrínseco problema for-
propostas pelos concretistas. O que interessa nesse livro é interrogar-se mal. Seguindo aqui Mallarmé, é preciso banir o sonho do jardim da poe-
sobre o que teria levado um grupo de pessoas vindas de contextos dife- sia, separar os problemas oníricos ou simbólicos dos aspectos formais.
rentes a se reunir e formar um movimento cultural. No caso dos internos do Engenho de Dentro esse procedimento se fazia
Forma privilegiada está dividido em três capítulos, além de uma de forma ainda mais premente. Era preciso identificar e separar os sin-
introdução muito importante e de um posfácio que narra o destino da tomas da doença mental, as influências psíquicas e os complexos para
produção concretista depois da dissolução do grupo. Cada um desses se apreender em toda sua clareza, a ação disciplinadora da forma em
capítulos investiga os três grandes eixos que sustentaram o empreendi- sua límpida manifestação. Daí o formalismo de que foram acusados os
mento concretista. Foram eles: a criação por Nise da Silveira do Ateliê concretistas, um epíteto que eles acolhiam com simpatia.
do Engenho de Dentro, a participação do crítico Mário Pedrosa no Os dois outros integrantes do grupo do Ateliê foram Abraham
movimento e os cursos de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna. Palatnik e Ivan Serpa, o qual, com sua atividade docente, teve enorme
O primeiro capítulo se interroga sobre um tema frequentemente importância no movimento. Nos dois casos, a participação no Ateliê
negligenciado: o do nascimento do concretismo no Ateliê do Engenho alterou de forma definitiva a orientação de suas obras.
de Dentro, criado em 1946 pela doutora Nise da Silveira no Setor de As reuniões do grupo aconteciam primeiramente na casa de
Terapêutica Ocupacional e Reabilitação do Centro Nacional Psiquiátrico Pedrosa. O crítico teve uma vida atribulada. Participante do movimento
dirigido por ela. Nise não aceitava a distinção entre a teoria psiquiátrica trotskista, precisou buscar exílio nos Estados Unidos, de 1938 a 1945,
e a assistência aos internos, como faziam muitos psiquiatras da época. para escapar da ditadura de Getúlio Vargas. Dois acontecimentos foram
Ela frequentava os ateliês de Engenho de Dentro, no início sem um par- especialmente marcantes nessa época. O primeiro foi a publicação que
ti-pris teórico, e, mais tarde, tomando por referência as teses de Carl G. muito o impressionou do manifesto de André Breton e Trotsky (assi-
Jung. É conhecida uma foto de Jung apontando para um quadro de um nado pelo pintor Diego Rivera) “Por uma arte revolucionária indepen-
paciente do Ateliê. dente”, em 1938. O manifesto, na contramão do que vinha acontecendo
A segunda pessoa a compor a equipe do ateliê foi o jovem Almir nos movimentos comunistas ligados a Moscou, defendia, como já diz
Mavignier. Ele não chegara ao Engenho de Dentro para trabalhar no o título, a associação da completa liberdade artística com os ideais da
Ateliê, mas logo foi notado pela doutora Nise que o contratou como revolução. O segundo acontecimento foi a descoberta dos móbiles de
monitor. Almir começava àquela altura sua carreira como artista fora de Calder, comentados em crônicas publicadas no Correio da Manhã. O
qualquer instituição. É possível que esta posição marginal como artista impacto dos móbiles de Calder em Pedrosa deve ter tido o mesmo efeito
o tenha aproximado de Nise da Silveira, também marginal no campo da dos quadros expressionistas de Anita Malfatti em Mário de Andrade,
psiquiatria. em 1917, sugere Forma privilegiada.
Foi Almir quem apresentou a Mário Pedrosa o Ateliê do Engenho A experiência do exílio possibilitou a Mário Pedrosa ter uma traje-
de Dentro. Almir notou o interesse de Pedrosa pelos trabalhos dos artis- tória autônoma, independente dos movimentos da época. Nos Estados
tas internos na primeira exposição de 1947 e decidiu abordá-lo. Mário Unidos acompanhou à distância o debate sobre o abstracionismo infor-
Pedrosa, àquela altura, além de já ser um crítico de arte conhecido, pla- mal, dando preferência a seu oposto, que sublinhava a dimensão formal
nejava sua tese “Sobre a natureza afetiva da forma na obra de arte”, com da obra. Também seguiu de longe o desenvolvimento do modernismo

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 prefácio

brasileiro, mantendo-se afastado da sua tendência figurativa. Isso não O livro de Glaucia Villas Bôas é, entre nós, o primeiro a recorrer,
impediu que tivesse com Mário de Andrade uma amizade da vida inteira. com muito sucesso, ao método da Sociologia no tratamento de uma ten-
A inauguração do MAM do Rio de Janeiro deu forte impulso à traje- dência artística. Ele será certamente um estímulo para novos autores se
tória do concretismo. Em 1952, o grupo original do Ateliê do Engenho de dedicarem a examinar outras tendências e artistas.
Dentro se dispersou, mas o movimento ganhou uma quantidade enorme
de adeptos, sobretudo com a criação dos cursos de Ivan Serpa, inicial- Rio de Janeiro, 29 de julho de 2022
mente para crianças, e, em uma segunda etapa, para adultos também.
Os cursos de Serpa tiveram enorme sucesso. Não propunham a
formação de artistas, mas o desenvolvimento da sensibilidade das
crianças e dos adultos. Os cursos foram também motivo de intensa
polêmica. Não havia apenas uma orientação no ensino de arte infantil.
Para alguns, a arte infantil tinha o sentido de uma catarse. Para Ivan
Serpa, seguindo os ensinamentos de Mário Pedrosa, uma tal tendência
valorizaria apenas o que há de espontâneo na criação artística, sem se
preocupar de dar forma às emoções das crianças Os aspectos constru-
tivos e formais não eram considerados.
Como se pode notar o concretismo valorizou os elementos objetivos
e construtivos na arte. Ou melhor, os elementos subjetivos precisavam ser
objetivados. A entrada do crítico Ferreira Gullar no movimento relativizou
essa posição. Em 1954, formou-se o Grupo Frente e, ao longo da década de
cinquenta, o concretismo carioca deixou de ser um movimento coeso. O
manifesto neoconcreto de 1959 é um marco do seu término.
Forma privilegiada se ocupa, por último, do paradeiro das obras
dos concretistas. Muitas obras foram espalhadas por coleções privadas,
no Rio e em São Paulo. Mas a iniciativa de dois colecionadores: João
Sattamini, do Rio, e Adolpho Leirner, de São Paulo, impediu a dispersão
total. Os dois iniciaram a colecionar muito jovens, em uma época em
que as obras de concretos e neoconcretos já não eram o hit do nosso
pequeno mercado de arte. Mas era caro financiar a manutenção das
duas coleções. A solução seria entregá-las aos cuidados de grandes insti-
tuições. Sattamini cedeu em comodato sua obra para o MAC de Niterói.
A solução não foi a ideal. A personalidade de Niemeyer, autor do projeto
arquitetônico, brigou muitas vezes com as obras sob sua guarda. Leirner
vendeu sua coleção para o Museu de Belas Artes, em Houston, no Texas,
o que dificulta o acesso do público à importante coleção.

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Introdução
Uma trama bem urdida1

Qualquer leitor atento percebe na literatura sobre a arte concreta bra-


sileira que as causas de seu surgimento são atribuídas ora ao acelerado
processo de industrialização do país, em meados do século XX, ora à
influência dos movimentos de vanguarda europeus. Essa explicação se
repete em livros didáticos, trechos de catálogos de exposição, blogs, dis-
sertações e teses, livros sobre arte em geral e até mesmo em vídeos como
aquele da primeira exposição da coleção de arte concreta de Adolpho
Leiner na Haus Konstrutiv, na Suíça, promovida pelo Museum of Fine
Arts de Houston (2009) ou, ainda, no noticiário sobre a morte do artista
Almir Mavignier (2018). Interessada em estudar o concretismo carioca
e inquieta com aquela explicação, fui observando acontecimentos que,
embora tivessem relação próxima e significativa com o aparecimento
da arte concreta no Rio de Janeiro, não eram mencionados nos diversos
escritos sobre o assunto.
Em lugar de perseguir os grandes processos históricos, procurei
olhar para uma pequeníssima fatia do mundo carioca na qual um grupo
de pessoas vivia e convivia, deslocava-se em espaços diferentes, mas
voltava a se encontrar durante algumas horas por dia ou uma vez por
semana. Passo a passo fui refazendo a história do Ateliê do Engenho de
Dentro (1946-1951), suas conexões com a crítica de arte emergente nos
jornais de grande circulação da cidade e, ainda, com artistas paulistas

1 Agradeço aos colegas, alunos e alunas que, generosamente, contribuíram para a elabora-
ção deste trabalho. A pesquisa aqui apresentada recebeu apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq.

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 introdução: uma trama bem urdida

e cariocas, diretores de museus recém-criados, políticos e governantes. indivíduos, de homens e mulheres, cuja trajetória eu estudava, assim
Lia e relia catálogos, textos de apresentação de exposições, matérias de como esclarecia que suas vidas e seus feitos não estavam inteiramente
jornal e entrevistas; via e revia fotos, buscando aqui e ali captar a ação e desprendidos de uma ordenação social mais ampla. Minhas leituras de
a inter-relação de um grupo de indivíduos com o objetivo de compreen- Georg Simmel, sobretudo, mas também de Max Weber, iluminaram
der os efeitos das trocas recíprocas que ocorriam entre eles no emara- algumas escolhas que fiz durante o percurso da pesquisa. Simmel está
nhado jogo da convivência dentro e fora do Ateliê. presente na ideia de efeito das trocas recíprocas que emana das intera-
O Ateliê do Engenho de Dentro foi criado em setembro 1946 como ções sociais. Em geral, as interações são pensadas simplesmente como
parte integrante do Setor de Terapia Ocupacional e Reabilitação, locali- trocas entre pessoas, mas, na realidade, Simmel enfatiza, e não poucas
zado no Centro Psiquiátrico Nacional.2 Dirigido pela médica Nise da vezes, que o pesquisador deve procurar o efeito das trocas recíprocas.
Silveira, dele fizeram parte Almir Mavignier, Abraham Palatnik, Ivan Foi o que busquei no estudo sobre o Ateliê do Engenho de Dentro: o
Serpa, Mário Pedrosa, Adelina Gomes, Emygdio de Barros, Isaac Liberato efeito das trocas intelectuais e afetivas de seus integrantes no processo
e Raphael Domingues, entre outros. Um ano após o término da Segunda de realização de um projeto artístico.
Guerra Mundial, havia uma grande movimentação na economia nacional A arte concreta significou um enorme passo na direção da intelec-
e internacional, na política e na vida cotidiana; uma disputa desenfreada tualização da arte, ao valorizar as formas, os pontos, as linhas, dando
visibilidade ao invisível. Somente sob esse prisma, na minha acepção,
pela ordenação do poder mundial nos blocos capitalista e socialista. No
se pode entender sua profunda relação com a modernidade, concebida
Rio de Janeiro, ocorreram, entre outras, mudanças marcantes na arte, na
aqui como um processo cada vez mais profundo de abstração, como
psiquiatria e nos jornais de grande circulação – mudanças que afetaram
disse Max Weber, em todas as esferas da vida social. Tal processo se
a vida e a conduta de médicos, artistas, críticos, doentes e seus familiares,
expressou numa corrente larga de linguagens artísticas, embora não
leitores de jornal, pessoas interessadas na produção artística.
ocorresse de forma homogênea ou linear. Segundo essa perspectiva, a
O Ateliê fazia parte daquele mundo em ebulição depois do grande
arte concreta – em especial o concretismo carioca – não seria um mero
conflito mundial. É possível perceber, no estudo da trajetória de seus
desdobramento dos movimentos de vanguarda europeus do início do
integrantes, o efeito das transformações em curso na política de saúde
século XX, tampouco reflexo do processo de industrialização e urba-
mental e nas instituições psiquiátricas, assim como as consequências
nização do país. Nem mesmo poderia ser pensada como um aconteci-
das mudanças no campo artístico, renovado então pela crítica de arte mento “interessante” na periferia do capitalismo, mas como parte ativa
e pela construção dos grandes museus modernos. Ao mesmo tempo, do processo de avanço da modernidade. Se, de um lado, eu tentava
pode-se apreciar o quanto de liberdade, autonomia e coragem, o grupo buscar caminhos para contornar a força das explicações canônicas do
do Ateliê mobilizava para “pôr no mundo” as novidades que resultavam surgimento do concretismo carioca, de outro, ao evidenciar a relação
de sua convivência diária. do Ateliê do Engenho de Dentro com o movimento artístico, defronta-
Esse caminho da pesquisa, reelaborado e refeito ao longo de mais va-me com complicações específicas. Primeiro, a criação do Museu de
de dez anos, tinha a vantagem de tornar nítida a tensão entre os dese- Imagens do Inconsciente, em 1952, dera às obras dos internos do hos-
jos e os projetos individuais daqueles que participaram do Ateliê do pital psiquiátrico o estatuto de material de relevância para o estudo de
Engenho de Dentro e as possibilidades que tiveram para os efetivar. suas afecções mentais. Sem dúvida, a iniciativa protegia os quadros e
Seguindo-o, evitava que os grandes processos calassem as vozes dos desenhos da dispersão e da perda, depositando-os no acervo do museu,
e incentivava a investigação da terapêutica psiquiátrica. A medida, con-
2 Atualmente chama-se Instituto Municipal de Assistência Nise da Silveira. tudo, impedia qualquer forma de associação da produção do Ateliê, nos

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seus primeiros anos, com o movimento concreto. Segundo, apesar da concretismo no Rio de Janeiro, mas pouco se explicitou o quanto a
existência de uma literatura farta sobre arte e loucura, nela não se asso- atuação e os ensinamentos do artista deixavam ressoar as lições que
cia a arte concreta à loucura, e sim à razão, à matemática, à objetividade aprendera no Ateliê do Engenho de Dentro.
e à falta de emoção. Contudo, as atividades realizadas nesses dois espaços não seriam
Com efeito, relativamente a essas questões, resolvi retomar o fio da suficientes para o entendimento do surgimento e reconhecimento do con-
história que se interrompe em 1951, quando o grupo do Ateliê se desfaz cretismo na cidade se não fosse a crítica arguta e determinada de Mário
e sua atuação raramente é associada à história do Museu de Imagens do Pedrosa, a lhe atribuir na imprensa importância e sentido, regularmente
Inconsciente. Os catálogos de suas primeiras exposições, que exibiam durante anos. A persuasão do crítico fez surgir adeptos e adversários da
notadamente obras que haviam sido criadas no Ateliê antes da fundação nova linguagem artística entre críticos, jornalistas, artistas, empresários,
do museu, salvo raríssimas exceções, não se referiam àquele grupo que professores, estudantes e o público interessado em arte. Nunca é demais
lá convivera durante cinco anos. Na tentativa de reatar o fio perdido, pontuar esse acontecimento, cuja dimensão social e coletiva se perde nas
percebi que tampouco havia referência ao Ateliê do Engenho de Dentro análises da crítica pedrosiana stricto sensu. O livro procura, pois, mostrar
na história do concretismo carioca, cabendo-me então fazer finas asso- as conexões finas entre a experiência do Ateliê do Engenho de Dentro,
ciações, com vistas a reintegrar o Ateliê no circuito artístico carioca a atuação de Ivan Serpa no MAM carioca e a crítica de arte de Mário
daquela época. Pedrosa, fatos que deram forma à arte concreta no Rio de Janeiro.
Um dos meus propósitos, mas não o único, é argumentar que É meu objetivo apontar discursos, ações e relações dos atores envol-
a convivência entre doentes e sãos no Ateliê do Engenho de Dentro
vidos com a arte concreta carioca no intuito de compreender a urdidura
configurou relações sui generis nas quais Emygdio de Barros, Raphael
de um enredo, que resulta do efeito de trocas recíprocas entre artistas
Domingues, Adelina, Arthur Amora e outros artistas internos tinham
doentes e sãos, críticos de arte, poetas, diplomatas, diretores de museus
a liberdade de se expressar e se deixar reconhecer e apreciar, ao mesmo
e proprietários de jornal. A bibliografia disponível sobre a arte concreta
tempo que Almir Mavignier, Abraham Palatnik, Ivan Serpa e o crítico
na cidade do Rio de Janeiro, quase sem exceção, se refere aos partici-
Mário Pedrosa se deixavam espantar e se surpreender com a criativi-
pantes do movimento, sobretudo aos artistas e críticos de arte, como se
dade dos internos. A delicadeza dessa vivência, de acordo com os rela-
fossem indivíduos que alcançaram seus objetivos na vida por vontade
tos de alguns dos participantes do Ateliê, induziu o questionamento
própria, devido ao talento e à inteligência. A esse tipo de abordagem
e a experimentação da atividade artística, abrindo caminho para que
individualizante junta-se outra, que, ao tratar das ideias que circulavam
as proposições concretistas do crítico Mário Pedrosa repercutissem
nos jovens. no meio artístico, pouco ou quase nunca apresenta seus portadores em
As ideias e a prática engendradas nesse primeiro núcleo de conver- ação na esfera pública, como se as ideias fossem algo acima ou além
são ao abstracionismo concreto, como defino o Ateliê do Engenho de da sociabilidade humana. Diferentemente dessas abordagens, julguei
Dentro, possivelmente não teriam visibilidade, se não se desdobrassem relevante saber de que maneira os personagens do concretismo carioca,
em um segundo espaço que se constitui com os cursos de pintura de focalizados na pesquisa, alcançaram a autonomia indispensável para
Ivan Serpa, ministrados no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. moldar suas trajetórias individuais, coletivamente, ao fazer parte de um
O artista, premiado na I Bienal de São Paulo, em 1951, pelo quadro contexto histórico específico.
Formas, começou a dar aulas no museu no início daquela década e lá Na sequência, depois de refazer a história do ateliê, aspectos da crí-
permaneceu por mais de 20 anos. Muito já se escreveu sobre o Grupo tica de arte de Mário Pedrosa sobre o concretismo e as aulas de Ivan
Frente, formado por ele e seus alunos, considerando-o um marco do Serpa no Museu de Arte Moderna, me pergunto pelas obras dos artis-

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tas concretos, na atualidade, e questiono seu pertencimento às cole- II


ções João Sattamini e Adolpho Leiner. Semelhante a um conto de Isak
Dinesen em que a pata de um leão viaja do Quênia para a Dinamarca Sei que corri o risco de revisitar a história do concretismo carioca
e da Dinamarca de volta ao Quênia, adquirindo funções e significados sem mencionar suas relações íntimas com o concretismo paulista.
diferentes, observo que os deslocamentos das referidas coleções para o Numerosos textos acadêmicos, livros de arte, catálogos de exposições e
Museu de Belas Artes de Houston, no Texas, e para o Museu de Arte filmes contam a história do concretismo no Brasil. Nessa vasta e impor-
Contemporânea de Niterói foram paulatinamente pondo em xeque a tante produção se distingue o concretismo paulista do concretismo
identidade das obras e dos objetos do concretismo carioca. carioca, pondo em evidência a distância entre eles. É raro observar o
Finalmente, vale dizer que é comum a insistência da sociologia da movimento em seu conjunto, uma vez que se costuma realçar as ten-
arte em afirmar que artistas e movimentos artísticos buscam reconhe- sões ou os conflitos que ocorreram entre críticos e artistas cariocas e
cimento e consagração no acolhimento de obras em acervos de museus paulistas, ou ressaltar as diferenças entre as linguagens da produção
de arte de grande porte, ou, ainda, na compra de trabalhos por cole- artística nas duas cidades, fazendo uso das categorias de racionalidade
cionadores famosos. Os artistas concretos, aparentemente, inverteram e sensibilidade em oposição.
essa expectativa, pois foram sendo reconhecidos e aclamados na razão Há, no entanto, fatos que ilustram a proximidade do concretismo
inversa da distância que estivessem dos conhecidos espaços de con- paulista e carioca, assim como outros que mostram suas diferenças. Os
sagração de seu tempo. Tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo fatos ilustrativos da proximidade entre os dois movimentos, mais do que
a imprensa cuidou de convencer seu público da importância da arte simplesmente anedóticos, como às vezes se pensa, são pistas que reve-
emergente. Os críticos Mário Pedrosa, Waldemar Cordeiro e Ferreira lam a trama bem urdida do desenrolar da história da arte concreta ao
Gullar se fizeram reconhecer como críticos ao mesmo tempo em que longo de pouco mais de uma década. Aqui o marco inicial dessa histó-
escreviam sobre a arte concreta. Algo semelhante ocorria com os ria é 1946, ano da criação do Ateliê do Engenho de Dentro, no Rio de
museus de arte moderna das duas cidades, que se notabilizaram por Janeiro, e da vinda de Waldemar Cordeiro, pela primeira vez ao Brasil,
promover a arte concreta. E, ainda, com a Bienal de São Paulo, cuja de Roma para São Paulo; e o desfecho ocorre em 1959, ano da publicação
história mostra o quanto ela cumpriu sua promessa de apresentar a arte do Manifesto Neoconcreto e da exposição no MAM carioca. Nesse meio
vanguardista, expondo obras de artistas abstratos, concretos e infor- tempo, muita coisa aconteceu: do Manifesto Ruptura ao Plano Piloto
mais. À medida que a arte concreta tomava corpo no mundo sensível, da Poesia Concreta, das diversas exposições de obras concretas em São
saindo, portanto, do mundo das ideias, seus artistas e críticos fomen- Paulo e no Rio de Janeiro às Bienais de São Paulo, e do Ateliê do Engenho
tavam não somente uma linguagem artística distinta das que havia nas de Dentro às aulas de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna/RJ.
capitais carioca e paulista, mas criavam, também, seus próprios espaços Se mapearmos as idas e vindas de críticos e artistas cariocas a São
de consagração. Paulo e de poetas e artistas paulistas ao Rio, as relações entre eles, seus
anseios comuns e suas discórdias veremos com nitidez uma geração de
jovens em movimento à procura de uma linguagem artística abstrata,
concreta, formal e geométrica que, de fato, se contrapunha (e radical-
mente, penso) ao que faziam os artistas acadêmicos e os artistas moder-
nistas. Ainda há muito o que se conhecer sobre o surgimento da arte
concreta no Brasil. Sobretudo agora, quando o acontecimento é visto

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com naturalidade, como algo quase corriqueiro, que aconteceria de o título, me importa mostrar a forma social privilegiada da emergência
qualquer maneira. da arte concreta no Rio de Janeiro, uma versão de sua história singular.
Nunca é demais dizer que a memória se constrói mediante um Sem deixar, é claro, de evocar o lema de Mário Pedrosa.
processo de seleção, e que a seleção é um dos elementos mais impor- Finalmente, o que apresento ao leitor, a seguir, se deve, no seu fun-
tantes da representação do passado. Depois da seleção, a repetição de damento, a uma pergunta que está sempre a ressoar em mim quando
um traço, atributo ou qualificativo é imprescindível para que aquilo que observo acontecimentos do mundo e sobre eles penso: como é possível
se deseja preservar seja retido na memória coletiva e individual. No moldar o mundo a partir de um projeto? Como é possível transfor-
entanto, se a memória não for revisitada, de quando em vez, corre-se mar ideias em um movimento artístico? Como confrontar os intentos
o risco de confinar uma ideia, um evento, uma imagem aos limites de e as intenções com o leque sempre estreito das possibilidades? Diante
um discurso ou de uma imagem institucionalizados. No decorrer do do peso atribuído às “determinações”, na conformação da vida social,
tempo, sentenças e juízos que permanecem intocáveis se fazem verda- penso que vale correr o risco de indagar sobre o valor da liberdade de
deiras profecias cumprindo-se a si mesmas, mantendo a memória em provocar mudanças.
um círculo fechado.
Estou convencida de que há uma lacuna a ser preenchida por pes-
quisas que demonstrem não apenas os conflitos e as diferenças, mas
as relações cooperativas e solidárias que existiram entre os concretos
cariocas e paulistas. A geração concretista merece ser relembrada de
uma perspectiva fina e sutil capaz de oferecer uma versão menos con-
vencional e mais plural da história de seu movimento artístico. Espero
que outros pesquisadores tomem a si essa tarefa. Este pequeno livro é
um convite para um estudo mais aprofundado, que ponha sob a lupa,
em seu conjunto, o movimento de uma geração de artistas que tornou
mais rico e diverso o acervo das artes visuais.

III

Não poucas vezes hesitei ao escolher o título deste trabalho. Os


estudiosos de Mário Pedrosa certamente saberão que a expressão,
forma privilegiada, vem dos fundamentos da Gestalt, utilizados pelo
crítico em sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte, de
1949. E que a ideia foi objeto de críticas e ponderações por atribuir à
percepção humana o atrelamento de estímulos sensoriais a uma totali-
dade estruturada.3 Aqui, entretanto, ao evocar forma privilegiada para

3 Ver Patrícia Corrêa, Mário Pedrosa e o antagonismo da forma. 27o Encontro da


Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap), Anais... São Paulo, 24
a 28 de setembro de 2018.

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1. O Ateliê do Engenho de Dentro

O Ateliê de Pintura do Engenho de Dentro ficava em uma sala espa-


çosa e agradável de onde se viam as árvores do pátio do hospital atra-
vés de suas janelas abertas. Alguns dos internos, que o frequentaram
de 1946 a 1951, desenharam e pintaram o interior da sala, as janelas, as
grades, as mesas, a vista lá fora. Emygdio de Barros, ex-torneiro mecâ-
nico diagnosticado com esquizofrenia, testemunhou aquele convívio sui
generis em quadros a óleo, em que arte e tratamento se confundiam.1
Almir Mavignier, um jovem de 21 anos, acompanhava os doentes das 10
às 15h. Fora do expediente, ele estudava desenho e pintura com o hún-
garo Arpad Széne. Fizera exames para ingressar na Faculdade Nacional
de Arquitetura da antiga Universidade do Brasil, mas fora reprovado e
precisava “ganhar a vida”. Recebeu uma pequena sala onde montou seu
ateliê, ao lado daquele em que ficavam os pacientes. A mistura das tintas,
a compra de terebentina e dos pincéis, a disposição dos cavaletes e das
mesas, a distribuição das telas e dos papéis, a montagem completa dos
equipamentos e a distribuição dos materiais ficavam sob seu encargo.
Almir ajudara a doutora Nise da Silveira, psiquiatra chefe do Setor de
Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor) do Centro Psiquiátrico
Almir Mavignier. Ateliê de Engenho de Dentro (1946). Pintura desaparecida. Nacional (CPN),2 a montar o Ateliê de Pintura que a médica tanto qui-
Óleo sobre tela-cartão, 45,5x38cm. Foto: Coleção Mavignier. sera. Além da coincidência de interesses, o jovem se adequava às fun-
ções da monitoria por outro motivo. Conhecia bem as enfermarias e

1 Além de Emygdio, Raphael Domingues desenhou retratos de Mário Pedrosa, Abraham


Palatnik, Murilo Mendes. Almir Mavignier fez um retrato a óleo de Emydgio de Barros e
Isaac Liberato, e Palatnik pintou em aquarelas o ateliê.
2 O Centro Psiquiátrico Nacional, criado pelo decreto-lei 7055 de 18 de novembro de 1944,
compunha-se de quatro hospitais, centro cirúrgico, farmácia e outros setores. Nos anos
1960, passou a se chamar Centro Psiquiátrico Pedro II e, em 2000, Instituto Municipal de
Assistência à Saúde Nise da Silveira.

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 o ateliê do engenho de dentro

a rotina dos pacientes do hospital porque fora contratado inicialmente país na época, e faziam avançar o projeto governamental de melhoria e
para “acalmar os loucos”, função que logo abandonou para cuidar dos racionalização dos setores médico-hospitalares, implementado ao longo
jardins. Quando conheceu a doutora Nise, ela o requisitou para ocupar das décadas de 1930, 1940 e início de 1950. Embora o Centro Psiquiátrico
o cargo de monitor. Durante um bom tempo, Mavignier procurou entre Nacional significasse um passo à frente do antigo Hospício Nacional dos
os internos do hospital aqueles que poderiam ser levados para o Ateliê Alienados, quanto às instalações e à prática ambulatorial, a organização
de Pintura. Os que pareciam ter “cara de artista”.3 A busca por “artis- do espaço hospitalar permanecia submetida às regras do isolamento,
tas” entre os 1.500 pacientes do Centro Psiquiátrico Nacional tornou-se da vigilância, do controle e da meticulosa distribuição do tempo dos
obsessiva até o dia em que ele deixou o hospital. pacientes. Sair da rotina prevista para participar do setor terapêutico e
A tarefa que Mavignier se impunha, e para a qual chamou a aten- dedicar-se ao desenho ou à pintura não era atividade que integrasse o
ção em numerosas entrevistas que concedeu, ganha sentido quando se programa a ser seguido pelos internos, embora não fosse proibida, até
apreende das lembranças de Nise da Silveira que os médicos psiquiatras porque ela já existia em outros hospitais.
do CPN raramente enviavam um paciente para o Setor de Terapêutica Quando se contrastam as lembranças da médica com o contexto
Ocupacional e Reabilitação nos seus primeiros anos de funcionamento. da psiquiatria naqueles anos, entende-se a razão de sua insistência em
Temiam que os doentes, oriundos dos quatro hospitais que integravam reclamar da falta de apoio dos psiquiatras e da recusa dos colegas em
o CPN, fugissem ou infringissem alguma norma da instituição. Com admitir sua posição relativa à terapêutica convencional. A partir de
o passar do tempo, entretanto, Nise conseguiu que os colegas autori- 1938, a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais, no âmbito do
zassem a ida dos doentes ao ateliê (Silveira, 2009, p. 90). Não deixou, Departamento Nacional de Saúde, marcou definitivamente a separação
porém, de se atormentar com a rotineira remoção súbita de internos da ciência e da assistência psiquiátrica. O corpo de professores catedrá-
atendidos nos ateliês para outros hospitais, interrompendo o trata- ticos e assistentes, médicos e pesquisadores se instalou no Instituto de
mento. Não poucas vezes, a doutora Nise solicitou um paciente de volta. Psiquiatria da Universidade do Brasil, no belo prédio em estilo neo-
Na realidade, o Stor fora inaugurado apenas dois anos após a inaugu- clássico da Avenida Pasteur, enquanto o governo federal remanejava
ração do Centro Psiquiátrico Nacional, com salas amplas em número hospícios e hospitais, fechava e criava instituições, inaugurando asilos
suficiente para abrigar 17 ateliês e sem que houvesse objeção da direção e colônias para cuidar da assistência aos doentes, incluída a que se fazia
do centro hospitalar para a abertura do setor. A indicação de pacientes em ambulatórios, o que era novidade na época. As colônias passaram
para tratamento no Stor, contudo, não constituía prioridade nem estava a orientar os internos para atividades agrícolas ou pequenas oficinas
prevista nas regras do tratamento-padrão, planejado e instituído pelo como as de encadernação, costura e tipografia. Muito embora a área da
corpo médico administrativo do recém-criado centro médico. psiquiatria tivesse surgido no Brasil no século XIX com a assistência psi-
quiátrica em asilos, hospitais e colônias, aos quais se vinculavam núcleos
a vocação de nise da silveira de observação e pesquisa, a instauração da ciência psiquiátrica no
ambiente acadêmico da Universidade do Brasil só ocorreu na primeira
O ateliê do Engenho de Dentro foi aberto em 9 de setembro 1946. O metade do século XX. A partir daquele momento, a pesquisa médica se
interesse de Nise da Silveira em criar um setor de terapêutica, ao qual desvinculou por completo de qualquer questão ou demanda vinda da
pertencia o ateliê, torna-se compreensível quando se percebem os acon- esfera da política pública assistencial (Venâncio, 2003). Essas medidas
tecimentos que ocorriam, particularmente no Rio de Janeiro, capital do certamente influíram nas escolhas de Nise, acostumada a dar assistên-
cia a seus pacientes com base em resultados científicos e na observação
3 Entrevista de Almir Mavignier concedida em 1989, constante do projeto de Lucia Reily. cautelosa de sua experiência.

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Ao iniciar suas atividades no Centro Nacional Psiquiátrico, aos 39 do hospício dos alienados deu lugar às atividades programadas de uma
anos de idade, Nise se confrontou com os efeitos daquela política que das enfermarias do Hospital Pedro II, que pertencia ao Centro Nacional
demarcava as fronteiras entre ciência e assistência psiquiátrica. Estudara Psiquiátrico. No hospital, a doutora Nise encontrou pacientes do antigo
na famosa Faculdade de Medicina da Bahia e, depois, no Rio de Janeiro Hospício Nacional de Alienados que para lá haviam sido transferidos,
com médicos neurologistas, habituando-se a conjugar a pesquisa à assis- enquanto outros foram para a Colônia Juliano Moreira. As funções que
tência ao paciente em suas atividades. Em 1932, cinco anos depois de sua agora lhe cabiam, todavia, já não eram as mesmas. Nise vivera quase
chegada ao Rio de Janeiro com o marido, o médico Mário Magalhães uma década impedida de exercer sua profissão.
da Silveira, trabalhou como residente na Clínica de Neurologia dirigida Pouco se escreveu sobre a importância desses fatos na trajetória de
por Antônio Austragésilo, próxima do Hospício Nacional dos Alienados Nise da Silveira, relacionando-os com seu espanto e sua recusa em ado-
situado na Praia Vermelha. Queria especializar-se em neurologia, mas tar os métodos químicos e eletroquímicos violentos que passaram a ser
terminou prestando concurso para psiquiatra da antiga Assistência a usados a partir das mudanças introduzidas na área da psiquiatria nas
Psicopatas e Profilaxia Mental (que depois se chamaria Divisão Nacional décadas de 1930 e 1940. Nise não acompanhara a adoção vitoriosa de
de Saúde Mental). Naquele setor, Nise trabalhou três anos, mantendo uma concepção físico-orgânica das doenças mentais, cujo tratamento se
sua residência no hospital da Praia Vermelha, até a prisão, em 1936, fazia por métodos que não conhecia. Surpreendida, procurou adaptar-
quando o início de sua carreira foi brutalmente interrompido. -se, enveredando pela terapia ocupacional associada à pesquisa:
Durante um período de quase dez anos na capital, a jovem médica e O hospital psiquiátrico é frio, é feio. A estrutura das enfermarias, os
seu marido tinham convivido com um círculo de médicos e advogados, métodos de tratamento usados desagradavam-me excessivamente. Mas,
profissionais liberais, homens de letras e mulheres militantes políticas na posição que eu ocupava dentro da hierarquia médica, não havia para
que, se não pertenciam ao Partido Comunista do Brasil, eram simpati- mim possibilidade de ali introduzir as inovações que me pareciam tão
evidentemente necessárias. Dediquei-me então, desde 1946, à terapêutica
zantes do socialismo e contrários ao regime autoritário do governo de ocupacional na intenção de produzir mudanças no ambiente hospitalar,
Getúlio Vargas. A simpatia e a amizade que Nise nutria pela “gente de pequenas que fossem, por intermédio da terapêutica ativa.
esquerda” se intensificaram na prisão, embora ela tenha declarado mais
tarde, e não poucas vezes, que não mantivera vínculos partidários. Fato A terapêutica ocupacional era um território vazio onde eu teria relativa
liberdade para agir. [...] Mas a terapêutica ocupacional que eu estava intro-
é que se identificava com uma posição política vista naqueles anos de duzindo não era o mesmo método praticado correntemente.
ditadura como subversiva.
Depois de quase um ano e meio na prisão, que transcorreu de Uma das minhas primeiras preocupações foi de natureza teórica, isto é, a
março de 1936 a junho de 1937, Nise foi afastada do serviço público. busca de fundamentação científica onde firmar a estrutura de meu trabalho.
[...] Meu objetivo era fazer da seção de terapêutica ocupacional um campo de
Viveu fora da cidade do Rio de Janeiro, foragida e clandestina durante pesquisa onde diferentes linhas de pensamento se encontrassem e se puses-
oito anos. Ao ser readmitida no quadro dos funcionários públicos fede- sem à prova. Essa ideia fracassou completamente (Silveira, 1981, p. 66-67).
rais e designada para o exercício de suas funções no Centro Nacional
Psiquiátrico, o setor médico havia mudado muito. Ela mesma reconhece Embora não tenha sido bem-sucedida na criação de um campo de
as mudanças, afirmando que, de volta à capital, encontrara o “moderno” pesquisa, como desejava, Nise fez do Stor o lócus especial de sua car-
(Silveira, 2009, p. 89), referindo-se aos novos tratamentos psiquiátricos reira. Jamais pleiteou outra posição no serviço público.
que passaram a ser utilizados durante sua ausência. Seu percurso diário Muito antes de se apropriar da teoria junguiana como um instru-
mudou da Praia Vermelha para o Engenho de Dentro, zona suburbana mento adequado para a análise das imagens do inconsciente, o ponto de
da cidade, enquanto a assistência que costumava prestar aos internos partida do pensamento de Nise da Silveira, ao criar o Setor de Terapêutica

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Ocupacional e Reabilitação no Centro Nacional Psiquiátrico, se apoiava descobertas científicas e do pensamento de filósofos e historiadores da
em duas hipóteses: a primeira consistia na assunção de que os esquizo- arte, a exemplo de Sigmund Freud, Wilhelm Worringer, Herbert Read,
frênicos tinham afetividade e podiam expressá-la por meio de atividades Antonin Artaud, Spinoza e Maurice Merleau-Ponty, para explicar os
artísticas. Com base “na extraordinária renovação da psiquiatria reali- fenômenos clínicos que observava no dia a dia.
zada por Freud e Bleuler” (SILVEIRA apud GULLAR, 1996, p. 97), a posi- A descoberta de centenas de imagens circulares, ou próximas do
ção de Nise da Silveira contrariava as concepções correntes na época, círculo, entre as pinturas e os desenhos dos artistas que frequentavam o
que concebiam os doentes mentais como seres destituídos de afetividade Ateliê de Pintura, foi o passo decisivo para o desenvolvimento da pes-
e inteligência. A segunda hipótese concebia as imagens do inconsciente, quisa de Nise da Silveira. Não conseguia entender como um mesmo pin-
registradas em obras plásticas, como uma forma peculiar de linguagem tor esboçava formas cindidas e fragmentadas e, ao mesmo tempo, fazia
que permitia a expressão da afetividade do doente e contribuía para o imagens circulares que pareciam mandalas, delimitando uma unidade
conhecimento de seu imaginário, em oposição à ideia de que aquelas no espaço. A partir dessa observação vai à procura de Carl Jung para
imagens eram um simples meio para estimular o contato com o paciente aprofundar seus estudos sobre o autor.4 Não à toa, declarou em 1992: “o
visando a sua comunicação verbal. que caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela psi-
Em entrevistas e escritos, Nise assinalou a inquietação que lhe cau- quiatria, meu apego ao que se chama psiquiatria é a pesquisa do mundo
sava o contraste entre o que “diziam” os livros e o que ela observava nos interno do processo psicótico. Do que se passa no mundo interno, sem
pacientes dos hospitais: “via que o louco extrapolava muito o livro [...] desprezar naturalmente o mundo externo, porque nós vivemos simul-
você pegava um tratado de psiquiatria na época e lia que, nos estados taneamente os dois mundos, externo e interno” (Silveira, 2009, p. 154).
terminais da esquizofrenia, o doente cai em estado de decadência, de As escolhas de Nise se mantiveram coerentes com o aprendizado
verdadeira ruína psíquica, com uma diminuição, um apagamento pro- característico de seus anos de formação. Para ela, antes de mais nada,
gressivo das atividades. E eu no hospital não via nada disso” (SILVEIRA, importava tirar consequências de suas leituras a partir da observação
2009, p. 47). A construção de suas hipóteses apoiava-se, pois, nas rela- atenta de seus pacientes no interior do hospital. Não se contentava em
ções que ela estabelecia entre a observação de seus pacientes e as leituras simplesmente cumprir um protocolo. Foi esse um dos motivos pelos
que fazia, prática que lhe propiciou um raciocínio vivo, fundante de seu quais criou no Centro Psiquiátrico Nacional um serviço de terapêutica
pensamento e guia de sua ação. ocupacional que se distanciava de qualquer tratamento convencional, o
Fosse resultado de seus estudos na Faculdade de Medicina da Bahia, que lhe permitiu ocupar posição muito diferenciada daquela dos médi-
uma das mais importantes na formação de médicos e cientistas brasilei- cos de sua geração, atuando na área da psiquiatria sem que pertencesse
ros na época, fosse efeito das leituras que fazia desde muito jovem, Nise a grupo de professores pesquisadores nem a grupo de médicos dedica-
era compelida por vocação para o questionamento e a investigação de dos à assistência direta aos pacientes em hospitais públicos ou clínicas
fatos que lhe chamavam a atenção. Essa inclinação para a ciência, nem particulares.5
sempre evocada quando se fala em seu nome, é, porém, um dos tra-
ços notáveis de sua personalidade. Pode-se observá-lo ao longo do livro 4 Isso ocorre em 1954, quando Nise entra em contato com Jung por carta.
Imagens do inconsciente (SILVEIRA, 1981), especialmente no capítulo “O 5 Não abordo neste trabalho questões de gênero. É preciso dizer, no entanto, que Nise foi
uma das raríssimas mulheres a se formar em medicina naqueles anos e a prestar con-
ateliê de pintura. Abstração e angústia. O espaço subvertido”, no qual curso para a área da psiquiatria. Atualmente, embora o número de mulheres com 35 anos
Nise faz refinada análise das pinturas e dos desenhos de internos que formadas em medicina seja superior ao dos homens, o montante de médicas na área da
psiquiatria ainda não ultrapassa o de homens. A psiquiatria não é área do predomínio
frequentaram o Ateliê do Engenho de Dentro, logo depois de sua aber- de mulheres. Supõe-se que o fato de ser mulher também possa ter influído nas esco-
tura. Percebe-se, ainda, o entusiasmo com que discute e se apropria das lhas de Nise, sobretudo, dentro do contexto novo que enfrentou no CNP, que seguia

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o jovem almir Costa em 1931. Convidado a dirigir a instituição, o arquiteto organizou


o salão de 31, separando as obras modernas e acadêmicas em diferen-
Pode-se bem imaginar a distância que havia entre Nise e o jovem Almir tes salas. Havia quadros de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Cícero
Mavignier: distância de idade, posição social, experiência de vida e Dias, Candido Portinari, Ismael Neri e Guignard, entre outros. Manuel
expectativas. O desabafo de Mavignier (2005), ao dizer uma vez que “era Bandeira e Mário de Andrade participaram ativamente da organização
muito difícil conhecer gente como Mário Pedrosa, a gente não chega a do evento, que reuniu a elite modernista. Punido por seu atrevimento,
ele”, vale também para Nise da Silveira. Mavignier vinha de uma família o arquiteto costumava dizer que o Salão de 31, conhecido como Salão
de classe média. Morava com os pais e irmãos na Tijuca. Concluíra o Revolucionário ou Salão do Século, fora mero fogo de artifício. A dis-
curso ginasial e o científico, mas não tivera sucesso ao se candidatar a uma puta entre os diferentes projetos estéticos, no entanto, estava lançada.
vaga na Faculdade Nacional de Arquitetura. Nem por isso ele deixou de Dez anos mais tarde, outro fato atesta que a briga ainda estava
sair em busca de formação na Associação Brasileira de Desenho, onde em curso. Em 1949, Mário Pedrosa, com uma arrojada tese intitulada
conheceu o mestre Axl Leskoschek e o jovem Ivan Serpa. Pouco depois Da natureza afetiva da forma na obra de arte, perde o concurso para a
foi aceito como aluno por Arpád Szenes. Nessa ocasião, Mavignier teve a cátedra de história da arte e estética da Faculdade de Arquitetura para
oportunidade de conhecer o ambiente da Pensão Internacional de Santa Carlos Otávio Flexa Ribeiro, que havia escrito a tese Velasquez e o rea-
Tereza, onde ficava o ateliê do pintor. Nela moravam e trabalhavam em lismo. Basta cotejar os manuscritos datilografados para se dar conta da
seus ateliês pintores e artistas europeus e japoneses que haviam fugido distância envolvendo a temática escolhida pelos candidatos do con-
da guerra e se juntado com jovens brasileiros interessados nas artes, a curso. Flexa Ribeiro (1949, p. 89) opta pela narrativa linear da vida do
exemplo de Murilo Mendes e Cecília Meireles. Enquanto monitorava pintor espanhol a partir de sua formação, nomeando e qualificando seus
o Ateliê de Pintura, ao lado de Nise da Silveira, Mavignier dava seus professores e apontando as influências que Velasquez recebera no con-
primeiros passos em um meio artístico e intelectual situado à margem texto espanhol do século XVII. Argumenta que a estética de Velasquez se
do circuito oficial da Escola Nacional de Belas Artes, que ainda pautava associava às características do pensamento europeu moderno, sendo ele
as regras para a carreira dos jovens artistas, assim como não se alinhava o primeiro pintor do mundo moderno. O trabalho de Pedrosa aborda o
com os mestres brasileiros e modernistas que ensinavam em seus ateliês. tema controverso e polêmico da natureza da experiência artística, cujos
Uma das características do campo das artes era a disputa entre pressupostos serviram de base para toda a atividade posterior do crítico.
acadêmicos e modernistas. Muito embora Candido Portinari e outros A escolha da banca pelo autor da tese sobre Velasquez para a cátedra de
artistas começassem a ser reconhecidos por importantes instituições ensino evidencia que o grupo de artistas, professores e críticos defenso-
norte-americanas em meio à política cultural do New Deal, encabe- res dos padrões acadêmicos da arte mantinha uma posição de poder e
çada por Nelson Rockefeller, e tivessem a seu favor a crítica de Mário relevância na cidade do Rio de Janeiro nos finais da década de 1940.
de Andrade, a força dos acadêmicos entrincheirados na Escola Nacional A concorrência entre os projetos acadêmico e moderno não se
de Belas ainda se fazia sentir com vigor na seleção e consagração dos limitava, entretanto, a uma polêmica entre duas linguagens artísticas,
artistas e nas exposições anuais que a escola promovia. Um exemplo do mas adquiriu no contexto brasileiro um significado especial. Defender
poder e prestígio da Escola se traduziu na demissão de seu diretor Lucio ou filiar-se aos cânones acadêmicos significava se alinhar com a confi-
guração e com os valores de uma sociedade patrimonial, hierárquica e
regras racionais e burocráticas, com pouco espaço para as individualidades, como fora autoritária, enquanto a adesão à linguagem moderna da arte significava
sua experiência quando jovem no Hospício Nacional dos Alienados. Essa é questão a ser
desenvolvida em outras pesquisas (Demografia Médica no Brasil. 2018. Disponível em
compartilhar dos valores de uma sociedade racional, democrática, cujos
www.epsjv.fiocruz.br. Acesso em: 3 fev..2020). fundamentos científicos conduziriam o país a um futuro promissor. Isso

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explica por que o projeto construtivo, que surgiu mais tarde nos meios p. 14-15), e ao jovem Almir, desejoso de se tornar pintor, veio juntar-se,
artísticos paulista e carioca, foi considerado prematuro e inesperado. A um ano após a criação do Ateliê de Pintura, o ex-militante trotskista
sociedade moderna, a que aspirava o modernismo figurativo dos retra- Mário Pedrosa. Foi Almir quem o convidou a visitar o Ateliê quando
tos do Brasil, não estava consolidada no país. viu o crítico apreciando um quadro de Raphael Domingues na primeira
Otília Arantes (1996, p. 20) fala com muita clareza a esse respeito; exposição da pintura dos internos, em 1947. Mário ensaiava os primeiros
em prefácio intitulado “Mário Pedrosa, um capítulo brasileiro da teoria passos no exercício regular da crítica de arte, trabalhando para o Correio
da abstração”, ela diz que da Manhã, jornal de grande circulação na cidade, depois de exílio de
oito anos nos Estados Unidos. Ainda que os motivos fossem diferentes,
não se concebia entre nós atividade cultural que não estivesse a serviço da
figuração do país, que não fosse ao mesmo tempo instrumento de conhe- sua situação se assemelhava à da doutora Nise, que retomava sua car-
cimento e consolidação de uma imagem do país – ainda muito incerto reira depois de afastamento forçado por problemas políticos. Tampouco
de si mesmo. Pintar era ajudar a descobri-lo e edificar em parcelas uma Mário pertencia à instituição reconhecidamente voltada para as artes
nação diminuída pelo complexo colonial [...] Enquanto o primitivismo ou atuara na imprensa com regularidade. Longe disso, o caminho que
cubista e a deformação expressionista de nítida índole social pareciam
ajustar-se a esse programa de transposição plástica do país, imaginava-se fizera até ali era marcado por sua agitada militância política, entremeada
que, com a abstração, seríamos obrigados a renunciar a tudo isto, que por um ou outro curto período de atuação como jornalista. E, note-se,
uma tradição a duras penas seria erradicada da noite para o dia como militância dentro dos quadros dos grupos trotskistas, orientados pela
sugeria um novo começo da capo. IV Internacional, e não pelo Partido Comunista do Brasil, adepto dos
soviéticos de Moscou, mais conhecido e atuante no mundo da cultura
O Ateliê do Engenho de Dentro, criado em meio àquela cisão, não
brasileira do que os trotskistas. Mário publicara alguns textos de crítica
se vinculava a nenhuma daquelas opções, mas acabou por desempenhar
de arte, em diferentes fases de sua vida, que ressoaram positivamente
papel especial na realização do projeto construtivo, liderado por Mário
entre os críticos, a exemplo da conferência que pronunciara no Clube
Pedrosa e sobre o qual falaremos adiante. Nem a doutora Nise como
de Artistas Modernos (CAM), em São Paulo, sobre a gravurista alemã
médica psiquiatra, nem Mavignier como jovem aspirante à carreira de
Kaethe Kollwitz. Não tinha, porém, o reconhecimento e a legitimidade
artista pertenciam às instituições estabelecidas e reconhecidas nos cam-
que alcançaria alguns anos depois. Mantinha, entretanto, boas relações
pos da medicina e das artes. Situavam-se à margem delas. Nise debutava
na terapêutica ocupacional com qualidades raras de pesquisadora, afas- com uma fina fatia da intelectualidade carioca e paulista desde seus tem-
tada dos médicos. Seu reconhecimento profissional ocorria entre inte- pos de estudo e militância, e tinha a vantagem de ter amigos e conhecidos
lectuais e artistas. Mavignier tampouco frequentava a Escola Nacional brasileiros e estrangeiros nos campos da arte e da política. Quando, em
de Belas Artes ou ateliê de mestre modernista. Essa posição periférica 1947, Mário foi ao encontro de Nise e dos internos do Ateliê de Pintura
da médica psiquiatra e do jovem artista atenuou as diferenças existentes do CPN pela mão de Mavignier, já dirigia o jornal Vanguarda Socialista
entres eles e favoreceu o desenvolvimento do trabalho no Ateliê, que se com intelectuais de primeira linha6 e era responsável pela coluna de crí-
intensificou com a chegada de Mário Pedrosa. tica de arte no Correio da Manhã. Não era pouco para o recém-chegado
de um exílio de oito anos.
a casa de mário pedrosa Com a chegada de Mário, Mavignier, Palatnik e Ivan Serpa (que a con-
vite de Mavignier juntaram-se ao ateliê) iam semanalmente a sua casa:
À doutora Nise, que voltava ao serviço público depois de oito anos afas-
tada do exercício da medicina e escondida, devido a problemas polí- 6 Entre outros, Pagu e seu marido, Geraldo Ferraz, os jornalistas Edmundo Moniz e
ticos, em lugares até hoje não inteiramente conhecidos (Mello, 2014, Aristides Lobo, o arquiteto Carlos Leão e o artista Livio Abramo (ver Vasconcelos, 2012).

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“os encontros de Mavignier, Palatnik, Pedrosa e Serpa se realizavam complexos (os amadores de psicanálise constituem hoje verdadeira praga
aos domingos na casa de Mário Pedrosa e não no Ateliê do Engenho de social) que acabam negando as puras relações formais. É preciso pois um
Dentro. Palatnik e Vera Pedrosa (hoje diplomata brasileira no exterior) verdadeiro processo preliminar de depuração dos simbolismos e dos ele-
poderão confirmar” (Mavignier em e-mail para GVB em 11 jun. 2005). mentos oníricos exclusivos.

Essas reuniões ocorreram justamente quando o crítico escrevia sua Delimitando-se, assim, a natureza do problema, pode-se perceber e com-
tese Sobre a natureza afetiva da forma na obra de arte a fim de prestar preender, em toda sua clareza, a ação disciplinadora da forma a mani-
festar-se limpidamente. Trata-se de uma força irresistível, verdadeiro
concurso para a Faculdade Nacional de Arquitetura. Pedrosa mobili- instinto, pois se confunde com o próprio desejo irredutível de afirmação
zava o arsenal teórico que havia aprendido na Universidade de Berlim da personalidade. Os impulsos formais libertados tendem a impor-se em
quando jovem, fazendo uso da teoria da psicologia da forma para dis- toda a sua pureza, na mesma medida em que são afastadas as influên-
cutir a universalidade da organização da “boa forma”, considerando que cias exclusivamente afetivas, isto é, tudo que não seja intrínseco à obra de
a intuição e as estruturas inatas próprias de todo e qualquer indivíduo arte e possa externar-se de outras maneiras e em outros domínios através
dos sonhos, alucinações puras, gestos etc. Para a verdadeira apreciação
possibilitavam a percepção da boa forma que se fazia expressar em obras dos valores estéticos, tanto por parte do criador que o consegue de modo
construídas objetivamente (Pedrosa, 1996c, p. 105-177). De acordo com inconsciente ou intuitivamente, quando no correr da realização da obra
Marcelo Ribeiro Vasconcelos (2018 p. 471), o intento de Mário ao bus- olha a obra como algo externo, como um todo, independente dos elemen-
car um viés teórico adequado à superação da dicotomia subjetividade/ tos psíquicos, das alucinações, visões e estados oníricos que lhe possam
objetividade na elaboração da obra de arte foi motivado por sua posição tumultuar o ser, isto é, na qualidade de artista como também por parte do
espectador, é indispensável essa autodepuração subjetivista e apriorística
contrária à perspectiva subjetivista dos críticos norte-americanos, que (Pedrosa, 1979, p. 100-101).
ele conhecera no exílio nos Estados Unidos (1938-1945) e desembocara
no expressionismo abstrato, linguagem que provocou a adversidade do [Em nota de rodapé, Pedrosa informa:]
crítico desde seus primeiros anos no exercício profissional.
Essa observação, tivemos ocasião de fazê-la, diversas vezes, no Centro
Mário encontrou no trabalho dos artistas do Ateliê do Engenho de Psiquiátrico do Engenho de Dentro, ao presenciar a maneira pela qual um
Dentro uma espécie de comprovação dos argumentos de sua tese, o que pintor como Emydgio ou um desenhista como Raphael se comporta no traba-
pode ser observado na longa citação a seguir, esclarecedora de sua aten- lho artístico. Raphael é empolgado pelo dinamismo de suas linhas: Emydgio
ção ao trabalho dos esquizofrênicos: para, recua, olha, mede, apaga, recomeça, retoca (Pedrosa, 1979, p. 101).

Mallarmé, ao proclamar o banimento do sonho do jardim da poesia, recla- As conversas dos jovens com Pedrosa, a depreender do material
mava, na criação do poema ou da obra de arte em geral, a separação dos disponível, tinham relação com as proposições da tese do crítico e a
elementos oníricos ou simbólicos do intrínseco problema formal. situação que vivenciavam ao observar a produção artística dos internos
Só depois de separados esses elementos, é possível um julgamento de valor do hospital do Engenho de Dentro no Ateliê de Pintura. “Nós éramos as
seguro, do ponto de vista estético. cobaias do Mário”, afirma Mavignier ao ser indagado sobre sua experiên-
cia no Engenho de Dentro. De fato, não só ele ficava espantado com as
Esse processo é indispensável quando se tem de apreciar as obras de um obras dos esquizofrênicos, mas também Palatnik, que já não sabia mais
neurótico ou alienado. Nelas se manifesta em toda a sua nudez e fatalidade
o drama da personalidade para afirmar-se e sobreviver. Só podemos, entre- o que fazer de sua pintura figurativa até encontrar uma saída na constru-
tanto, abordar com segurança o problema despojando-os, de um lado, dos ção criativa de seus aparelhos cinecromáticos, tendo exibido um deles
preconceitos correntes contra os doentes mentais ou psicóticos, e de outro na I Bienal de São Paulo, em 1951, com o apoio de Pedrosa (Palatnik,
superando em nós essa macaqueação dos verdadeiros especialistas, isto é, a 2004, p. 7-9). Mavignier faz questão de dizer que eles não usavam as
preocupação (também muito em moda) com as influências psíquicas e os expressões arte concreta ou concretismo, embora Mário lhes ensinasse

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o que era uma forma privilegiada. Mais do que um simples espaço de dos, como conta Lygia Pape (1980). Ao conversar sobre ideias, emprestar
sociabilidade entre crítico e jovens artistas, o que não era incomum na livros e discutir problemas, Mário foi introduzindo novas possibilidades
época, a casa de Mário foi um espaço de conversão. Não se pode esque- para a criação artística que não se filiavam ao modernismo nem ao aca-
cer também que, além da exibição do cinecromático de Palatnik, foi com demicismo, mas à abstração geométrica.
o incentivo do crítico que Ivan Serpa levou seu quadro Formas para a I
Bienal de São Paulo e com ele ganhou o prêmio de Melhor Pintor Jovem, as bonecas de adelina
enquanto Mavignier expunha, também em 1951, seus primeiros traba-
lhos concretos no Museu de Arte Moderna de São Paulo. No centro das atenções estavam Adelina, Emydgio, Carlos, Isaac,
Se, de um lado, o isolamento a que estavam submetidos os jovens, Raphael, Artur, Ignácio, Lúcio Noeman, Fernando Diniz, Abelardo,
afastados dos circuitos reconhecidos da pintura, fazia deles discípulos Kleber, Wilson. Não é fácil reconstituir a história dos primeiros
atentos e interessados, de outro, sua atenção em ouvir Pedrosa falar pacientes levados por monitores ou enviados pelos médicos ao Setor
sobre novos caminhos para arte aumentava à medida que se ampliava de Terapêutica Ocupacional. Eram pessoas pouco afortunadas e ator-
sua perplexidade e seu espanto com o trabalho artístico dos internos. mentadas pela esquizofrenia, cujo destino dependia dos familiares e
A regularidade daqueles encontros não foi, pois, casual, como às vezes dos médicos do hospital. Algumas estavam internadas há muitos anos,
se pensa, ou motivada pela simpatia, mas antes calcada em interesses tendo sido transferidas do hospital da Praia Vermelha para o Centro
recíprocos. A experiência do Ateliê do Engenho de Dentro foi criando Psiquiátrico Nacional como era o caso de Emydgio de Barros, inter-
um nexo significativo com a realização do projeto concretista, por meio nado há 23 anos. Alguns tinham exercido funções que exigiam pouca
das incertezas, das dúvidas e da inquietação geradas pelo espanto diante escolaridade. Carlos Petuis (1910-1977) entrou no Ateliê aos 36 anos; era
da arte dos loucos, que levava os jovens Mavignier, Palatnik e Serpa a sapateiro antes da internação; Emygdio tinha o curso técnico de tor-
indagar sobre o sentido da arte e apreender, com os ensinamentos de neiro mecânico e fora para a França especializar-se em programa da
Mário, que os “caminhos estavam abertos”. Marinha; Isaac Liberato (1906-1966) vinha de família com mais recur-
A casa de Mário ampliou os limites da vida do ateliê, causando um sos. Trabalhara como telegrafista e tocava piano; Artur Amora ficou
“transtorno” na rotina pautada pelos cuidados especiais de Mavignier pouco tempo e dele pouco se sabe; Raphael Domingues (1903-1979) nas-
e da doutora Nise. O monitor, provendo as tintas e os pincéis para os cido em São Paulo tinha estudado desenho acadêmico em liceu paulista.
internos no ateliê, preocupava-se com outros doentes que poderiam Foi internado com 19 anos, em 1932, no hospício dos alienados na Urca.
usufruir da convivência no Stor; a médica, atenta para a pintura ora abs- O pai era escultor de monumentos fúnebres; Adelina (1916-1984) vinha
trata, ora figurativa de seus pacientes, notava a frequência de cada uma de família de parcos recursos de área rural do norte fluminense. Única
delas, ocupando-se em trazer de volta os que faltavam, requisitando mulher do grupo, cursara o primário e escola profissional para traba-
aos médicos seu retorno ao ateliê e pedindo o envio de mais pacientes. lhos manuais; em Lucio Noeman foi feita uma lobotomia enquanto suas
Essa rotina se alarga, se intensifica e se torna mais complexa quando esculturas estavam expostas no Museu de Arte Moderna de São Paulo,
se iniciam as reuniões com Mário. O intrincado de relações e intera- interrompendo para sempre sua produção; Fernando Diniz (1918-1999)
ções cresce com a polêmica gerada pela crítica de Pedrosa, publicada no nasceu em Aracatu, na Bahia. Cedo veio para o Rio. Era negro, filho de
Correio da Manhã, em defesa da natureza artística das obras dos artistas uma costureira que o levava para a casa de seus clientes. Costumava lem-
esquizofrênicos – que apresentaremos mais adiante – e com o grupo brar de seus anos de preparação para o vestibular de engenharia e pedia
de pessoas que Mário convidava para conhecer o ateliê do Engenho de livros de matemática e física. Em suas pinturas, relembra o interior de
Dentro, formando verdadeiras romarias de artistas e críticos aos sába- casas por onde andara com a mãe, dispondo pianos em salas amplas,

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jarras e fruteiras sobre a mesa posta. Abelardo, alagoano, nascido em ços da personalidade dos artistas e trechos de suas conversas com o crí-
1914, tinha estudado no Liceu de Artes e Ofícios. Kleber Leal expôs seu tico, que se manteve tão próximo dos doentes7 quanto Nise e Almir.
trabalho na exposição de 1949, no MAM de São Paulo. Octávio Ignácio,
(E aqui me permitam um testemunho pessoal de certa importância: alguns
mineiro, operário serralheiro, foi internado no CPN em 1950; frequentou monitores os conheci pessoalmente e eram artistas. Com prazer, cito o
o Ateliê como interno e externo até a morte, em 1980. nome de Almir Mavignier [...] com quem algumas vezes saí para visitar
Aos poucos dados biográficos dos internos, publicados em escri- Raphael, em casa da mãe dele, sob os arcos; depois do “trabalho”, saíamos
tos diversos e dispersos, acrescentam-se as lembranças de Mavignier em família: Mary,8 guiando um Citroen, eu, Almir e Raphael).
(Mavignier, entrevista a GVB, 2005) que não só denotam o quanto seu Com sua voracidade de artista, a mil léguas do burocrata funcional, Almir
afeto estava implicado nas relações com os artistas internos, como dão pis- mal chegava à casa da mãe de Raphael, corria a buscar o cavalete que,
tas para que se imaginem cenas do cotidiano dos internos. A começar pela previdentemente, já havia levado em outra ocasião, e os outros apetre-
história do encontro com Adelina de Barros que veio da enfermaria para chos; e ei-lo a chamar Raphael, bem refestelado num pijama listrado como
em férias na casa materna, todo entregue a travessuras, que sua mãe bem
o ateliê de braço dado com ele, recém-notificado por um colega, monitor
as conhecia, como por exemplo, a de esconder as chaves da rua no pote
da seção de encadernação, que ela fazia bonecas. Recorda-se ainda de que d’água da cozinha, e sentá-lo numa cadeira, em frente do cavalete. Já contei
Raphael Domingues desenhou sua mão e diz, com um sorriso, que preci- alguns desses episódios de Raphael no trabalho criativo, ou melhor, no
sava ser muito rápido para colocar papéis na frente de Emydio de Barros seu ofício, diante de nós. Era jovial, tinha preguiça, reclamava do calor,
para que ele não pintasse quadro sobre quadro. “Emydio era um pintor de abafado, desabotoava o cós do pijama, e, afinal, quando lhe dava na telha,
começava a trabalhar, mas terminava por dar sinais de não querer mais,
memória”. Um passeio com ele no Centro da cidade resultou na pintura cansado (Pedrosa, 1994 p. 9).
do quadro do Theatro Municipal, conta Mavignier.
As falas recorrentes nas recordações do ex-monitor foram repro- Além de visitas aos familiares, os doentes costumavam sair em pas-
duzidas em catálogos do Museu de Imagens do Inconsciente, e também seios em ônibus do serviço público para lugares aprazíveis da cidade.
se espalharam por numerosos textos, formando uma espécie de memó- Num desses passeios à Floresta da Tijuca, Emygdio pintou a Capela do
ria anedótica da vida no Ateliê do Engenho de Dentro. Apesar disso, Mayrink, trabalho que Ciccilo Matarazzo quis adquirir. Sendo, porém,
delas se depreende a proximidade isenta de preconceito que Almir uma das raríssimas obras do pintor que não fora feita de memória, a
mantinha com os doentes, bem como sua perplexidade com a produ- transação não foi efetuada em respeito às pesquisas de Nise, para as
ção artística dos internos. Maravilhado com as pinturas e os desenhos, quais a constatação de relação direta de um dos doentes com a realidade
Mavignier queria lhes dar melhores condições de vida e ficava indig- externa era algo precioso. “Quem são essas pessoas? De onde vieram?
nado em ver que muitos internos ficavam nus nos pátios sem ter o que Como se formaram? Como chegaram ao que são hoje? Como preser-
fazer. Quantos não seriam capazes de pintar, desenhar, frequentar o var suas vidas? Como sobretudo preservá-las?”, pergunta Pedrosa (1980,
ateliê, pergunta ele em uma de suas entrevistas (Mavignier, entrevista p. 11) e conclui que somente no convívio seria possível lhes dar gua-
a GVB, 2005). rita, acolher qualquer um deles, mais ou menos enfermo, com maior ou
Acrescentem-se às lembranças de Mavignier, os escritos de Mário menor talento artístico.
Pedrosa reunidos em Museu de Imagens do Inconsciente, publicado
pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), em 1980, quando Ferreira 7 O livro foi publicado na série Museus Brasileiros, da Funarte. A maior parte dos capítulos
Gullar (que conhecera o ateliê e a doutora Nise) era seu presidente. O foi escrita por Mário Pedrosa, coordenador da edição. Mas há também trechos de Nise da
Silveira, Ferreira Gullar, Sergio Milliet, José Lins do Rego, Marinho de Azevedo e Martha
livro contém fina apreciação crítica dos quadros de Emydgio, Adelina, Pires Ferreira.
Rafael, Isaac, Abelardo e Carlos à qual se entrelaçam a descrição de tra- 8 Mary Houston Pedrosa era esposa de Mário Pedrosa.

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Dos artistas do Engenho de Dentro, alguns têm suas histórias con- em 1951, pouco antes da criação do Museu de Imagens do Inconsciente
tadas em dissertações acadêmicas ou em artigos que lhes examinam a (1952), e cada um a sua maneira muito própria, guardaram na memória
vida do ponto de vista da psiquiatria, psicologia ou psicanálise, envere- o convívio no Ateliê do Engenho de Dentro como algo que tinha um
dando pela história clínica dos pacientes com base nas observações da lugar especial em suas vidas.
doutora Nise (Magaldi, 2018). Ela supervisionava diariamente os ateliês, Mais de uma vez, Nise, Mário e Almir retornaram àquela vivên-
mas tinha interesse especial pelo de pintura. Não se contentava em ver as cia especial e cheia de significados, dando-lhe forma em seus trabalhos.
pinturas de seus pacientes sentada no seu gabinete: “eu os via pintar. Via Qualquer leitor verá o quanto o Ateliê foi a base sensível da proposta
suas faces crispadas. Via o ímpeto que movia suas mãos” (Silveira, 1981, terapêutica de Nise, ao ler os capítulos sobre os trabalhos artísticos dos
p. 17). Com a força do testemunho de quem viu − aliada às ideias de Jung integrantes do Ateliê de Pintura em seu Imagens do inconsciente, além
−, o já mencionado livro Imagens do inconsciente, de Nise da Silveira, se de outros escritos. O mesmo pode-se dizer de um número significativo
desdobrou em farta literatura sobre o perfil dos pacientes do Ateliê do de textos críticos de Pedrosa, publicados em jornais sobre os pintores
Engenho de Dentro pela perspectiva de seus transtornos mentais. da arte virgem, como os nomeou o crítico, ao lado do livro Museu de
Ao lado dos fragmentos biográficos dos internos, porém, a apre- Imagens do Inconsciente, que mencionamos acima.
sentação de suas obras, ao longo de 75 anos, em eventos e exposições Outro feito surpreendente, embora pouco lembrado, no conjunto
permite acompanhar a ressonância de seu trabalho e deter-se nos valo- da memória do Ateliê de Pintura do Engenho de Dentro, mas que lhe
res que presidem sua exibição. Na 33a Bienal de São Paulo, realizada em rendeu notabilidade e assentou uma das bases de sua legitimidade, deci-
2018, Sofia Borges exibiu em seu trabalho A infinita história das coisas ou siva, aliás, para o acolhimento do Museu de Imagens do Inconsciente,
o fim da tragédia do um os dominós desconstruídos de Artur Amora e as foi o registro fotográfico feito por Almir da exposição de obras dos inter-
bonecas esculpidas por Adelina de Barros. Ao questionar a tragédia da nos no II Congresso Internacional de Psiquiatria, ocorrido em 1957, em
impossibilidade da linguagem em unir existência e significado, a artista Zurique. Entre todas as imagens captadas por Almir, se sobressai a da
realça a passagem do inconsciente/consciente, consciente/inconsciente mão de Carl Jung com o dedo apontado para o centro de uma mandala
e seleciona das milhares de obras do acervo do Museu de Imagens do pintada por Raphael Domingues. É notável a quantidade de reprodução
Inconsciente justamente algumas daquelas dos primeiros integrantes do dessa fotografia na internet, não esquecendo os livros que tratam da his-
Ateliê do Engenho de Dentro. Ao lado de obras de Tunga, Leda Catunda tória do setor terapêutico dirigido por Nise da Silveira. Quase nenhuma
e Sara Lucas, entre outros, os quadros de Amora e as esculturas de delas traz o nome do fotógrafo, muito menos a data.
Adelina mantêm o rótulo de obras de pacientes com transtornos men- Naqueles primeiros anos de seu funcionamento, o Ateliê de Pintura
tais do Museu de Imagens do Inconsciente. do Engenho de Dentro foi mais que um ateliê convencional e mais que
Nise, Mário e Mavignier cultivaram relações cordiais e amistosas uma simples oficina de terapia ocupacional para esquizofrênicos. Foi
pelo resto da vida. Nise manteve com os dois afetuosa distância; Mário antes um complexo emaranhado de relações e trocas, afetos e interesses,
era muito respeitoso de Nise e mais próximo de Mavignier; e Mavignier cujos efeitos imprevisíveis continuam a ressoar na memória das artes
muito amigo de Mário e mais distante de Nise. De uma feita, Mavignier visuais cariocas e nas campanhas de defesa de um tratamento humano
passou 30 anos sem ver a doutora Nise até encontrá-la em um evento para os doentes mentais (Magaldi, 2020). Não é comum associar-se a
(Mavignier, entrevista a GVB, 2005). Vendo os dois conversando, um arte concreta à loucura, embora a relação entre arte e loucura não seja
repórter perguntou se poderia ouvi-los, ao que Nise de pronto respon- novidade. Basta lembrar as experiências do médico e historiador da arte
deu não; queria estar sozinha com ele pois se tratava de “um encon- alemão Hans Prinzhorn, de Jean Dubuffet, pintor francês que cunhou o
tro de amor”. Os três sem exceção, vida afora, depois de se dispersarem termo l’Art Brut, e do brasileiro Osório César, médico interno no hos-

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pital do Juqueri, na década de 1920, e, mais recentemente, das lições de


Vera Zolberg no seu Outsider Art (1997). Em nenhuma dessas expe-
riências, porém, observa-se a associação da loucura à realização de um
projeto de arte concreta como no caso do Ateliê do Engenho de Dentro.
Foi Mário Pedrosa quem, ao argumentar em favor da universalidade da
boa forma, própria de todo e qualquer indivíduo, criou um elo entre a
arte dos loucos e dos sãos, tornando compreensível a experiência vivida
no Engenho de Dentro.

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2. A crítica de arte renovada

Mário Pedrosa tinha 45 anos quando voltou do exílio nos Estados Unidos.
Os contornos de sua formação já estavam delineados pelo envolvimento
intenso nas lutas políticas em favor do socialismo, pelas viagens a dife-
rentes países e longas estadas em terras distantes; tinha feito amigos e
adversários, e constituído família. De 1938 a 1945 viveu em Washington
e Nova York, período interrompido apenas por breve vinda frustrada ao
Brasil, em 1941. Conhecia Berlim e Paris, cidades em que havia morado
na década de 1920. Quando adolescente saiu da Paraíba para estudar em
colégio protestante na Suíça, às expensas do pai. Os deslocamentos do
jovem Pedrosa por países de culturas diversas permitiram que sua indi-
vidualidade fosse se constituindo em círculos sociais tão distintos como
o dos estudantes da Faculdade Nacional de Direito no Rio de Janeiro e
da Universidade de Berlim. Convivera com modernistas em São Paulo e
surrealistas em Paris; com políticos, intelectuais e militantes de esquerda
brasileiros, alemães, franceses e norte-americanos. Suas vivências den-
tro e fora do país deram forma a suas atividades políticas, às relações
afetivas e a seu universo cognitivo, proporcionando-lhe um horizonte
de expectativa distinto dos intelectuais de sua geração. Basta pensar no
itinerário de Gilberto Freyre − pernambucano de idade igual à de Mário
Pedrosa e que, como ele, se originava de família decadente de engenho
de açúcar − para constatar as diferenças.
Os estudiosos de Pedrosa procuram rastrear os anos de sua for-
mação para conhecer seu itinerário político e seus primeiros escritos
sobre a arte; em geral, querem saber sobre o momento de sua conversão
de militante político para crítico de arte ou desejam investigar como os
Por uma arte revolucionária independente. debates de trotkistas franceses e norte-americanos sobre arte o influen-
Jornal Vanguarda Socialista, 22 de fevereiro, 1946.
ciaram. Aqui, ponho em foco seu exílio, precedido por outras viagens e

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estadas no exterior, enquanto vivência de um jovem adulto que faz dele O primeiro exílio (pois que aos 70 anos se exilou no Chile) de
um outro, mais independente e autônomo. Interessa-me saber como Mário Pedrosa se prolongou por sete anos, estendendo-se de 1938 a 1945,
Pedrosa foi pouco a pouco conquistando sua autonomia intelectual. O período conhecido na história política brasileira pela ditadura de Getúlio
que ele fez dos acontecimentos de sua vida e não o contrário. Poderia Vargas. No cenário internacional, o poder estava sendo redefinido por
ponderar sobre o valor cultural e social de suas viagens de formação (e guerras e conflitos. Mário Pedrosa tinha 38 anos quando embarcou pri-
incluo os anos de exílio nos Estados Unidos) como um capital do qual meiro para Paris e depois para Nova York. Sua filha Vera Pedrosa tinha
ele faria uso pelo resto de sua vida. Não é, porém, desse ponto de vista nascido em 1936, e seu vínculo com Mary Houston consolidara-se com
que observo o exílio do crítico, mas antes pela perspectiva da mode- o casamento em 1935. Em suas cartas ao pai, escritas de Washington,
lagem de si, mediante deslocamentos, ação e enfrentamento do desco- cidade onde morou nos primeiros anos do exílio, preocupava-se com
nhecido. Com isso, desejo, sobretudo, compreender quem era o Mário seus provimentos e com a entrada dos Estados Unidos na Segunda
Pedrosa frequentador do Ateliê de Pintura do Engenho de Dentro, nos Guerra Mundial. Tinha saudades da família e reclamava das notícias
finais dos anos 1940, que se interessou pelo trabalho dos esquizofrêni- que não chegavam. O forte elo com o pai aparece nessa correspondência
cos, atribuindo-lhe sentido. do exilado, que acabara de perder a mãe, e faz lembrar o pequeno trecho
autobiográfico inacabado que Pedrosa escreveu anos depois, A pisada
o exílio é esta (Pedrosa, 1992), no qual a figura paterna aparece como um dos
centros de sua atenção. As dificuldades com a manutenção do contato
Os anos de exílio de Mário Pedrosa não devem ser confundidos com com o Brasil e as possibilidades de as contornar se destacam nas cartas
seus anos de formação, mas são aqui considerados o ponto alto de sua de Pedrosa, sobretudo, quando começou a sentir restrições a seu ir e vir,
“metamoforse”1 (Formiga, 2014 p. 118-121), favorecida pelo interregno provocadas pela entrada dos Estados Unidos no conflito.
entre as intensas atividades políticas e o início regular da crítica de arte.
Se é verdade que o exílio oferece condição especial para a vida inte- ... aqui vamos indo como se pode agora com a guerra, as coisas começam
a ficar mais difíceis. Há tempos que não recebemos os jornais daí, e não
lectual, como diz Edward Said (2005), argumentando que o desassos-
sei quando vamos recebê-los. A falta de vapores é cada vez mais sensível
sego dos exilados serve para evitar as armadilhas da acomodação do e entre os poucos que ainda estão fazendo a linha há que contar também
mundo familiar e da “ladainha dos nativos”, é muito possível que a vida com os que são vítimas dos submarinos [...]
de Pedrosa em Washington e Nova York tenha realmente aberto seu
Mas é de esperar que essa carência seja atenuada em breve por este país
campo de visão para rever ideias e ideais, modelos e paradigmas na arte (que) já está produzindo um barco por dia, e esperam que venha a pro-
e na política. Além disso, as disputas que ele pôde apreciar durante sua duzir dois em futuro não muito distante. ...o isolamento vai aumentar de
estada em solo norte-americano ocorriam, não se pode esquecer, em um país para o outro sobretudo entre os que dependem de comércio marí-
um momento decisivo de conflito, lutas e guerras que mudaram a feição timo. Assim é que os que querem viajar agora para aí estão apertados, e só
política e econômica do mundo, o que só reforçava as possibilidades de há seguro o avião, mas este só se pode obter lugar com três a quatro meses
de antecedência e há sempre o perigo do cidadão, na última hora, não
revisão de sua trajetória. seguir para dar lugar a pessoas que estão em serviço oficial ou de guerra,
de caráter mais urgente (carta de 28.02.1942 a Cunha Pedrosa).
1 Em sua tese de doutorado, À espera da hora plástica. O percurso de Mário Pedrosa na crí-
tica de arte brasileira, Tarcila Formiga (2014) argumenta, com propriedade, que Pedrosa
Foi a participação de Pedrosa no movimento trotskista da IV
não se tornou crítico de arte de uma hora para outra, mas gradualmente, sendo sua pas-
sagem pelos Estados Unidos e seu desligamento do trotskismo acontecimentos tão rele- Internacional que o levou aos Estados Unidos. Ele vinha atuando na
vantes para esse percurso quanto seu trabalho à frente da coluna de arte do Correio da oposição ao regime soviético desde a sua volta de Paris, em 1929. Militou
Manhã na volta do exílio.

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12 anos na corrente trotskista (Karepocvs, 2017). Na década de 1930, os maticamente na partilha do mundo em dois blocos adversários. De 1936 a
Estados Unidos acolheram escritores, artistas, professores universitá- 1939, a Espanha enfrentou uma guerra civil violenta que dividia republica-
rios e cientistas, judeus e comunistas, além de outros profissionais com nos e nacionalistas conservadores e aristocráticos, liderados pelo general
menos recursos e menor grau de escolaridade (Villas Bôas, Kulitz, 2019) Franco. O que mais de perto afeta a trajetória de Pedrosa é, contudo, a
que fugiam da perseguição e da guerra. Abrigou comunistas stalinistas, fragmentação do mundo comunista em consequência do controle stali-
social-democratas e trotskistas. Há marcas desses exilados até hoje na nista do Estado soviético. Envolvido que estava na oposição ao regime
cidade de Nova York em antigas casas que pertenceram aos judeus ale- soviético, desde o final dos anos 1920, adversário da política do Partido
mães comunistas no meio do velho Harlem. Não era fato comum, entre- Comunista Brasileiro e aliado dos trotskistas na Frente Única Antifascista
tanto, brasileiros fugidos do regime autoritário de Vargas pedirem asilo (FUA) contra os integralistas, acusado em processos políticos pela dita-
aos Estados Unidos. A experiência do exílio em solo norte-americano, dura de Vargas, sua vida daria uma guinada que, provavelmente, ele jamais
devido a sua condição de militante trotskista, o colocou frente a frente poderia ter imaginado, com a decisão do Partido Operário Leninista
com um dos debates mais candentes sobre arte, que aproximava trots- de o enviar a Paris em 1938, onde acabou por integrar o Secretariado
kistas e surrealistas como Trotsky, André Breton e Diego Rivera, sedia- Internacional do Movimento pela IV Internacional e a seção francesa do
dos no México, e intelectuais nova-yorkinos como Shapiro, Greenberg Parti Ouvrier Internacionaliste (Karepovs, 2017, p. 72). Quando se asso-
e Barr, que discutiam o abstracionismo nas artes. Não se pode esque- cia esse acontecimento da vida de Pedrosa à IV Internacional, aos esfor-
cer que essa polêmica ocorria em paralelo com a inauguração da polí- ços para a realizar em Paris, e ao deslocamento dos trotskistas para Nova
tica norte-americana de abertura cultural aos países latino americanos, York, pode-se imaginar o significado que teve na sua constituição como
protagonizada por Nelson Rockefeller, proprietário de grande empresa indivíduo. Tratava-se de uma tentativa única de Trotsky de impor suas
petrolífera. Mais do que isto, como demonstra Marcelo Mari (2006) em posições contra o stalinismo, sediando o alto comando do trotskismo na
sua tese sobre Mário Pedrosa, a luta pelo modernismo de uma das corren- América, retirando-o da Europa, ele mesmo exilado no México. Somente
tes dos intelectuais de esquerda norte-americanos coincidia, por vezes, a compreensão dos efeitos dessa reviravolta ao percurso de Pedrosa per-
com a defesa do modernismo nacionalista pela política governamental mite entender que não era de pouca importância sua presença em Paris
norte-americana, juntando-se ambas as posições contra o modernismo naquele momento, bem como o quanto sua trajetória de vida está atrelada
realista soviético.2 É indispensável mostrar as conexões inusitadas entre a esse imprevisto de ordem política internacional.
esses acontecimentos sob pena de ignorar a trama muito específica na A repressão brutal ao encontro dos trotskistas em Périgny, nos arre-
qual Pedrosa foi redefinindo suas posições políticas e elaborando sua dores de Paris (Vasconcelos, 2018, p. 307), foi o motivo de sua viagem
concepção sobre arte, “longe dos nativos”. para Nova York em 1938. Movido pelas contingências do seu engaja-
Os anos em que Pedrosa viveu em Washington e Nova York foram mento político, Pedrosa inicia a vida de exilado, afastado das querelas
sombrios. Na década de 1930, a ascensão do nazismo na Alemanha provo- partidárias brasileiras, das lutas contra o integralismo e das disputas
cou o segundo grande conflito armado do século XX, cujas consequências dos modernistas no campo das artes. Vale indagar em que medida o
devastadoras para inúmeros indivíduos e coletividades repercutiram dra- exílio nos Estados Unidos lhe conferiu uma posição peculiar no qua-
dro da intelectualidade brasileira, particularmente dos críticos de arte
2 Nesse sentido, ver no livro de Serge Guilbaut (1983), How New York stole the idea of mod-
que se forjaram na década de 1950. De 1938 a 1945, ele se defrontou
ern art, minuciosa pesquisa e análise da criação da vanguarda artística norte-americana, pessoalmente, e não por meio de leituras, com o debate dos militan-
focalizando, sobretudo, os anos da Guerra Fria, quando o governo de Washington inves-
tiu na arte abstrata e nativa norte-americana, defendendo por seu intermédio os valores
tes trotskistas nova-yorkinos e, se não pessoalmente, mediante leituras,
da liberdade individual e da democracia. com o debate dos intelectuais de esquerda nova-yorkinos sobre a arte

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moderna.3 Na realidade, o nazismo e a guerra − especialmente a gui- de Candido Portinari: Jangadas do Nordeste, Cena Gaúcha e Festa de
nada do movimento internacional comunista sob a batuta da política de São João. Nem todos concordaram com a escolha feita pelo ministro
Stalin em favor da aliança entre comunistas e pequeno-burgueses socia- da Educação, Gustavo Capanema, de enviar Portinari como represen-
listas e liberais, além dos expurgos que Stalin levou a cabo na antiga tante do Brasil (Mari, 2009, p. 38-39). Reclamava-se entre tantos moti-
União Soviética − pesaram, primeiro, nos debates da intelectualidade vos, incluindo o favoritismo, que as figuras deformadas que Portinari
nova-yorkina de esquerda sobre arte e cultura, dividindo-a em adep- pintava não eram representativas do país. Mas Alfred Barr, diretor do
tos das medidas stalinistas e adeptos da reação trotskista; segundo, na MOMA à época e um dos intelectuais norte-americanos mais destaca-
adoção e implementação da política norte-americana de abertura cul- dos na defesa do modernismo, comprou o quadro Morro de Portinari,
tural aos países latino-americanos. Muito diferente do que ocorreu no em 1939, para exibi-lo em exposição no MOMA. A história da exibição
Brasil, o debate sobre a arte moderna, figurativa ou abstrata, universal dos quadros de Portinari em duas exposições do Museu do Riverside
ou nacional, nos Estados Unidos, esteve intrincado aos movimentos da em Nova Iorque, programadas para inauguração logo depois da feira
esquerda e à política cultural sem precedentes do governo norte-ame- mundial, não pode ser narrada em seus detalhes aqui, porém, para com-
ricano para a América Latina, que, entre tantos feitos, levava a cidades preender-se os diversos matizes das disputas dos modernistas, aqui e
norte-americanas exposições de arte e concertos de música, exemplares acolá, basta dizer que o fato da primeira exposição no Riverside não
do modernismo brasileiro. ter exibido um quadro de Portinari causou tamanha indignação, no
Na década de 1930, os Estados Unidos prepararam, com base no Brasil e nos Estados Unidos, que na segunda exposição do museu foram
New Deal de Franklin Roosevelt, de 1935, forte ofensiva cultural nos exibidos somente Portinari e Maria Martins (Cardoso, 2019). Em 1940,
países da América Latina. Retardando sua entrada na Segunda Guerra Portinari foi convidado para pintar os murais da Fundação Hispânica
Mundial e com o objetivo de disputar a influência alemã e/ou comu- na Biblioteca do Congresso, os quais deram origem ao texto crítico
nista, o país implementou uma política cultural de monta, que em de Pedrosa (1981c) De Brodósqui aos murais de Washington. Os dois
muito modificou suas relações culturais com os países latino-america- teriam se encontrado em Washington.
nos. Tal política se fazia sentir no Brasil na correspondência de Nelson Não só o campo das artes e da arquitetura se fizeram presentes na
Rockefeller4 com Niomar Muniz Sodré, Henrique Midlin, Sergio Milliet, Feira Mundial de Nova York, mas também a música brasileira, popular e
Josias Leão, Francisco Matarazzo, Raymundo de Castro Maia e Maria erudita. Em outubro de 1937, a cunhada de Pedrosa, Elsie Houston, conhe-
do Carmo Nabuco com vistas à criação de museus de arte moderna cida cantora lírica, que havia sido casada com o surrealista Benjamin
(Sant’Anna, 2008), oferecendo, além de recursos materiais, a contrapar- Péret, chegava a Nova York e apresentava seu primeiro concerto em
tida do acolhimento da arte moderna brasileira em museus norte-ame- homenagem a Pierre Monteux. Elsie cantava no famoso Le Ruban Bleu,
ricanos. Meses depois da chegada de Pedrosa a Nova York, em abril de dava concertos no MOMA e apoiava jovens compositores latino-ame-
1939, foi inaugurada a Feira Mundial de Nova York. O pavilhão brasi- ricanos nos seus repertórios, que incluíam Villa-Lobos, Jayme Ovalle
leiro, projetado por Lucio Costa e Oscar Niemeyer a mando do ministro e Camargo Guanieri. Elsie e Carmen Miranda foram as duas cantoras
da Indústria, Comércio e Trabalho, Waldemar Falcão, expôs três obras brasileiras mais destacadas na Feira Mundial de Nova York, cuja pro-
gramação vinha sendo feita com todo o cuidado por Walter Burle Marx,
3 A tese de doutorado de Marcelo Ribeiro Vasconcelos (2018) apresenta uma análise rica
das relações de Pedrosa no exílio norte-americano. integrante do comissariado do evento, e Villa-Lobos (Belchior, 2017).
4 Membro da família Rockefeller, proprietária da empresa petrolífera Standard Oil, Nelson No ano seguinte, o MoMA patrocinou o Festival de Música Brasileira,
Rockefeller (1908-1979) liderou a política cultural norte-americana no período da guerra
e no pós-guerra; exerceu cargos políticos pelo Partido Republicano e gerenciou os negó-
no qual Elsie juntamente com Walter Burle Marx foram os músicos mais
cios de petróleo da família na Venezuela. prestigiados. Para se ter uma ideia do sucesso do evento organizado pelo

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MoMA, sob a direção de Nelson Rockefeller, o famoso pianista Artur pela autoria do projeto da estação Mayakovskaya do metrô de Moscou,
Rubinstein tocou para a plateia nova-yorkina um trecho de “A prole do cuja maquete foi exposta na Feira. Para alguns, a década de 1930 foi a red
bebê”, de Villa-Lobos. decade da história intelectual e política norte-americana.
Não há registro5 de visita de Pedrosa aos eventos que divulgavam ao Ao chegar a Nova York, Pedrosa foi trabalhar no Comitê Pan-
público norte-americano as artes e música brasileiras. Nem documento americano do Secretariado da IV Internacional, mas, com o passar
que comprove sua proximidade com a cunhada, que se suicidou em 1943. do tempo e a chegada de Mary e sua filha, Vera, em 1939, a família se
Mas é difícil imaginar que ele não tenha tomado conhecimento do que transferiu para Washington, onde Mary6 havia obtido um emprego.
ocorria em Nova York, fruto da política de boa vizinhança cultural levada Pouco depois, Mary e Mário trabalharam na seção brasileira da União
a cabo por Nelson Rockefeller. Longe dos brasileiros e das pelejas moder- Pan-americana, órgão que deu origem à Organização dos Estados
nistas, perto dos adeptos e divulgadores do modernismo brasileiro nos Americanos (OEA). Nesse ínterim, as ideias veiculadas pelos críticos
Estados Unidos, Pedrosa vai entrando em contato com outros debates literários e de arte filiados à publicação trotskista Partisan Review deram
sobre as artes, aumentando as chances de revisitar suas ideias sobre o a tônica dos debates sobre as artes nos círculos norte-americanos. Nela
modernismo brasileiro, que, mais adiante, o farão privilegiar o abstra- escreviam Meyer Shapiro e Clement Greenberg, conhecidos pela reno-
cionismo, porém não aquele que estava germinando nos Estados Unidos vação da crítica de arte e defesa do modernismo nas artes plásticas nos
naquele contexto. Na reelaboração das ideias do crítico, há um ponto de Estados Unidos. Mais importante, talvez, para o processo de elaboração
virada não atrelado aos ideais do modernismo brasileiro nem aos ense- das ideias de Pedrosa, tenha sido o pedido daquela revista a Trotsky para
jos dos intelectuais e críticos norte-americanos que engendravam o cha- que escrevesse um artigo sobre arte, o que resultou na publicação do
mado expressionismo abstrato. A escolha do concretismo por Pedrosa famoso Manifesto por uma arte revolucionária independente, em 1938,
não se dá de uma hora para outra, mas gradualmente, surgindo de uma escrito por Trotsky em parceria com o poeta André Breton, integrante
sequência de vivências, incluída a do fim de sua militância partidária. do grupo de surrealistas que apoiava o líder político e o visitara na
O impacto e as consequências a longo prazo da política stalinista Cidade do México. A pedido de Trotsky, entretanto, o texto foi assinado
dentro e fora do mundo comunista é até hoje motivo de espanto, estudo por Breton e Diego Rivera.
e controvérsias. Antes, porém, que seus efeitos se traduzissem em uma
Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revo-
efetiva “guerra fria”, nos Estados Unidos das décadas de 1920 e 1930, havia lução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação
livre trânsito de intelectuais norte-americanos para Moscou, a exemplo intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime
da viagem de John Dewey para aquela cidade, em 1928, que resultou anarquista de liberdade individual. Nenhuma autoridade, nenhuma coa-
no livro Impressões sobre a Rússia soviética e o mundo revolucionário. A ção, nem o menor traço de comando! As diversas associações de cientis-
tas e os grupos coletivos de artistas que trabalharão para resolver tarefas
manutenção das relações entre norte-americanos e soviéticos se fazia
nunca antes tão grandiosas, unicamente podem surgir e desenvolver um
sentir dentro do país na proximidade assumida entre os movimentos de trabalho fecundo na base de uma livre amizade criadora, sem a menor
esquerda e a política do New Deal de Franklin Roosevelt. A par disso, coação externa (Breton, Rivera, 1985, p. 42-43; grifos do original).
a presença da União Soviética na Feira Internacional de Nova York, em
1939, não deixa dúvidas quanto àquelas relações. Basta lembrar que o Nada melhor do que a leitura do manifesto para apreciar a clareza
maior prêmio do evento foi concedido ao arquiteto Alexey Dushkin, com que seus autores proclamam a liberdade de criação artística inde-
pendente de qualquer controle político, sem, no entanto, abrir mão da

5 Não encontrei na documentação pesquisada nenhum comentário de Pedrosa sobre esses 6 Mary Houston Pedrosa era filha de norte-americano, o que talvez tenha facilitado a
eventos, com exceção da crítica a Portinari, publicada em 1942. obtenção de emprego de taquígrafa bilíngue no Departamento de Estado.

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função social da arte, vinculando a autonomia dos artistas à luta pela namento ou mesmo determinação social das expressões artísticas, fosse
revolução: analisando a vida e a obra do autor, suas origens de classe e formação,
fosse interpretando o conteúdo de suas obras. Distanciando-se dessas
Do que foi dito decorre claramente que, ao defender a liberdade, não pre-
tendemos absolutamente justificar nosso indiferentismo político e longe
perspectivas, em Mário, a liberdade de criação não configurava mera
está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de oposição à força dos condicionamentos externos, mas um meio capaz
ordinário serve aos objetivos mais do que impuros da criação. Não, nós de levar à revolução, à mudança. E foi sua adesão àquela poderosa con-
temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influên- junção de liberdade de criação e revolução, veiculada no Manifesto por
cia sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da
uma arte revolucionária independente, que deu a Pedrosa (além de um
arte em nossa época é participar consciente e ativamente na preparação
da revolução. No entanto, o artista só pode servir à luta emancipadora fundamento da crítica) a maleabilidade indispensável para conviver
quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e indi- com artistas de diferentes credos e concepções políticas.
vidual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta Os intérpretes da obra de Mário Pedrosa consideram seu escrito
e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo sobre a artista alemã Kaethe Kollwitz – oriundo da conferência de
interior (Breton, Rivera, 1985, p. 43, grifo meu).
Pedrosa na Casa do Artista Moderno (CAM) em São Paulo, em 1933,
Publicado no Vanguarda Socialista em 1946, o Manifesto não teve por ocasião da exposição de obras da gravurista – um marco na reno-
repercussão nos meios intelectuais, políticos e artísticos brasileiros. vação de cunho sociológico da crítica de arte brasileira.8 Logo, porém,
A ideia de que a liberdade de criação estaria associada à revolução, se surpreendem e deixam esse sentimento vir à tona, quando referem
porém, ressoou na crítica de arte de Mário Pedrosa ao longo de seu tra- e analisam a crítica de Mário Pedrosa ao norte-americano Alexander
jeto intelectual de volta à terra natal. Além de outros fundamentos que Calder, escrita cerca de dez anos depois do texto sobre Kollwitz em Nova
Pedrosa buscou na psicologia da forma, o valor da liberdade de criação York, e na qual os aspectos formais da obra são realçados pelo crítico.
como condição sem a qual não haveria mudanças da sensibilidade per- Nesse sentido, penso, não há por que se surpreender com a mudança da
ceptiva do mundo nunca foi esquecido pelo crítico, ecoando em suas perspectiva da crítica de Pedrosa. Durante os anos de exílio, foi ele reor-
ideias e ideais. Essa perspectiva o distinguiu de seus contemporâneos de denando as peças de um difícil quebra-cabeça que associa liberdade do
esquerda e direita, favoráveis aos retratos do Brasil, ou ainda voltados, artista com possibilidades sociais e políticas da arte, “a elevada função
os mais à direita, para o subjetivismo “puro” das expressões artísticas.7 social da arte” como enfatizam Trotsky e Breton em seu Manifesto, à luz
A orientação da crítica e conduta de Mário Pedrosa – enfatizando de suas vivências em Washington e Nova York. Tratava-se certamente,
a relação entre liberdade artística e revolução – permitia que ele transi- como venho argumentando, de um contexto muito especial no qual os
tasse do mundo da política para o mundo da arte moderna e abstrata, Estados Unidos estavam em plena fase de superação da depressão eco-
sem obstáculos nem fronteiras, passagem na qual não havia mais que nômica, sob a égide da política da boa vizinhança nas artes, que convi-
prestar obediência a caminhos indicados por um partido ou outra ins- via com a reação trotskista aos desmandos de Stalin e a construção do
tituição qualquer. A direção que Pedrosa tomou, na qual repercutiam modernismo norte-americano na arte − ao que se acrescentavam nada
as palavras de Trotsky e Breton, não era comum nos debates brasileiros, menos do que as ameaças do nazismo e os sofrimentos da guerra.
nos quais a tradicional crítica de arte sobre o assunto da obra ia cedendo Enquanto repensava suas ideias, em meio àquele momento contur-
lugar para uma vertente sociológica que aproximava a orientação mar- bado, Pedrosa se desliga do movimento trotskista depois de escrever uma
xista do Partido Comunista às concepções que insistiam no condicio- carta a Trotsky, criticando as posições autoritárias do líder, que punham

7 Ver a esse respeito o livro de Patrícia Reinheimer (2013) para outras interpretações. 8 Ver Simone, 2004; Mari, 2006; D’Angelo, 2011.

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em xeque o movimento da IV Internacional (Pedrosa, 1940). Depois publicados em 1944 no Correio da Manhã, mostram sutilmente o seu
disso, ele tenta voltar para o Brasil mas ao chegar ao Rio de Janeiro é encanto com as formas, o movimento e a música dos móbiles do artista.
preso e retorna pouco depois ao exílio, passando a viver novamente em Ao falar sobre Calder, Pedrosa acentua a atenção que dera ao primiti-
Washington. Só quando deixa a capital norte-americana, em 1942, e volta vismo da forma nas críticas sobre Portinari. Ele realça o primitivismo da
a Nova York, Pedrosa retoma a crítica e visitas a museus (Formiga, 2014), forma em tensão com o entorno – os estábiles – e em movimento – os
surpreendendo-se especialmente com a obra de Alexander Calder em móbiles). “Se houvesse dúvida que um sentido estético, ou de beleza se
exposição no MOMA. Livre de qualquer espécie de constrangimento quiserem, adquire-se ou foi adquirido já nas eras primitivas, por longa
imposto por concepção político-partidária, acreditando, porém, nos intimidade com instrumentos e utensílios do trabalho humano, Calder
poderes de transformação da arte, Pedrosa estava, por assim dizer, pronto nos ajudaria a dissipar essa dúvida. (Pedrosa, 2000a, p. 81).
para seu encontro com os estábiles e móbiles do artista. A forma é a simplicidade do primeiro, do começo, do original. O
Maravilhado com a obra de Calder, Pedrosa decide procurá-lo. processo do qual teriam se originado as atividades artísticas no pas-
Tornam-se amigos. Os dois textos críticos que ele escreveu sobre o sado se inicia com a confecção dos objetos da vida prática e se altera no
artista deixam entrever a experiência estética delicada vivida pelo crí- momento em que o artesão realça um quadrado, uma superfície ou uma
tico (Pedrosa, 2000b, 2000c). Aparentemente, teria acontecido ali no curva, retirando-o do meramente funcional ao adorná-lo. A arte surge
museu nova-yorkino, aquilo que ele, Pedrosa, vai dizer sobre a experiên- quando o artesão cria um novo objeto superando sua funcionalidade,
cia estética provocada pela contemplação dos quadros de Anita Mafaltti tornando-o inútil para a atividade prática. Transforma-se o artesão em
na exposição de 1917, ao pronunciar uma conferência em homenagem à artista quando o objeto de sua criação basta a si mesmo. Ora, essa defesa
Semana Brasileira de Arte (1952). Na ocasião, Pedrosa retoma as pala- da autonomia da arte inscreve Pedrosa em uma vertente específica da
vras de Mário de Andrade para relembrar que discussão estética. Ele retoma o primitivismo do modernismo do iní-
cio do século XX, ocorrido na França e na Alemanha, radicalizando-o
“aqueles quadros”, confessa Mário, “foram uma revelação”. A contamina-
ção do espírito novo foi instantânea, de tal modo predisposta aquela moci-
ao deixar de lado a tônica da representação e ficando apenas com seu
dade ardente. “Ilhados na enchente do escândalo, que tornara a cidade”, aspecto formal. Além disso, vale a pena realçar a diferença entre o pri-
em frente à exposição de Anita que mereceu de Monteiro Lobato uma mitivismo formal, que ele privilegia, e aquela corrente do “primitivismo”
crítica injuriosa, “três ou quatro rapazes” entraram em delírio e depois em das vanguardas históricas, e, também, o primitivismo do modernismo
êxtase. “Haviam contraído o mal modernista de modo irreparável. E aqui
brasileiro andradiano, que, ao se interessar pela arte popular, se ocupa
está um dos traços mais originais e característicos do novo movimento e
que tanto o distingue de outros movimentos e escolas literárias surgidas de seu caráter representativo de um povo ou uma nação (e não de suas
no Brasil. O Movimento parte de uma experiência psíquica, de uma vivên- características formais).
cia mágica. O ponto de partida não é literário. O fogo divino não veio de A redescoberta de uma simplicidade primeva do ponto e da linha,
leituras, mas de uma experiência direta entre o jovem brasileiro ingênuo, por exemplo, associa-se em Pedrosa à abstração. Esse traço de conti-
bárbaro, e os poderes mágicos de expressão, de agressão das formas pictó-
ricas até então ignoradas” (Pedrosa, 1942, p. 136-137).
nuidade que perpassa o pensamento do crítico, das expressões mais
“primitivas” à simplicidade abstrata do concretismo, é notado por Otilia
Contrapondo a experiência estética direta e sensível à experiência Arantes, que se recorda de uma entrevista dada por Pedrosa ao crítico
“literária”, o modo como Pedrosa concebe o surgimento do modernismo Roberto Pontual, na qual, ao responder à pergunta sobre sua mudança
da Semana de Arte Moderna bem pode ser apropriado aqui para pen- de interesse do figurativismo à ausência de figuração, ele teria dito: “É
sar os efeitos de sua visita à exposição individual de Calder, no MoMA. engraçado, com o fim da guerra houve uma mudança muito grande
Revelação é a palavra-chave. Os textos que ele escreve sobre Calder, no movimento artístico mundial. Não acho, porém, que tenha deixado

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de haver continuidade na passagem”. Para Pedrosa, as tendências do 1934 com a crítica de James Johnson Sweney, como Calder (1966, p. 184)
expressionismo à arte abstrata se teriam originado da descoberta da informa em sua autobiografia. Por mais que Calder tenha sido incluído
arte primitiva pelas vanguardas modernas, arte que ele definiu por sua na categoria de artistas norte-americanos expressionistas abstratos, nos
“estrutura forte”, ligada a “ritos e ritmos” (Arantes, 1996, p. 15-18).9 anos subsequentes da Guerra Fria, no afã do governo norte-americano
Esse longo comentário serve para enfatizar que, àquela altura do de divulgar o expressionismo abstrato como a arte da liberdade indivi-
rompimento de Mário Pedrosa com o trotskismo, sua emoção diante da dual por excelência, sua obra pareceu sempre resistir àquele enquadra-
obra de Calder bem pode ter sido um prenúncio dos novos projetos do mento, dando margem a controvérsias.
crítico. Creio que há duas questões importantes a ressaltar aqui para o Se, por um lado, Pedrosa não foi adepto do expressionismo abstrato
entendimento do movimento do pensamento de Pedrosa: primeiro, se a norte-americano, por outro, ele nunca abraçou o modernismo brasileiro.
ênfase na experiência estética vale mais do que o “intelectualismo” das Embora sua vida corresse paralela ao modernismo de Mário de Andrade,
leituras e dos debates, como parece ser a posição do crítico, é possível Pedrosa jamais aderiu ao movimento nem sequer o concebeu como uma
que o encontro com a obra de Calder tenha realmente contribuído para opção. Sua visão cosmopolita resistiu a toda e qualquer tentação, se é que
a elaboração de novas ideias por Pedrosa; segundo, teria havido, mal- houve alguma, de juntar-se aos modernistas, de cuja estética ele se man-
grado a experiência estética ou, ao contrário, se acentuado devido a ela, teve afastado. Talvez isso explique sua ausência em eventos que divulga-
um traço de continuidade no pensamento do crítico, algo que ele vinha vam o modernismo brasileiro em cidades norte-americanas na época de
elaborando e que apenas reacendeu iluminado pela obra de Calder − a seu exílio, como já mencionei. Suas críticas aos quadros de Portinari, tanto
ideia de primitivismo que Pedrosa cultivava e que se tornou fundamen- as que antecederam a passagem pelos Estados Unidos (1934, 1935) como
tal em seu pensamento. as de 1942 sobre os murais de Washington, nunca deixaram entrever seu
O encontro com Calder e o entusiasmo do crítico com a obra do encantamento com o artista. A inesperada visão de algo desconhecido,
artista são, ainda, indícios de seu distanciamento do movimento em prol no MoMA, em 1943, contribuiu, porém, para lhe abrir caminhos, como
do expresionismo abstrato norte-americano.10 Calder não foi reveren- acontece com personagens de romances de formação, que, depois de tan-
ciado pelos críticos de esquerda de seu país. Ao contrário, seu trabalho tas peripécias e outros tantos imprevistos, recebem um sinal.
foi alvo de observações pouco favoráveis de Clement Greenberg, cuja Há farta literatura sobre o exílio (Adorno, Said e outros) e uma refle-
posição relativa ao lugar da escultura na agenda expressionista abstrata xão primorosa sobre a figura do testemunho (Benjamin). Elas, entre-
foi questionada por alguns de seus estudiosos. Embora o artista tivesse, tanto, não costumam colocar sob a lupa a condição daqueles que se
ainda nos anos 1920, feito desenhos e ilustrações para a New Masses, desligam de instituições e grupos políticos, rompem com suas crenças
revista cultural ligada ao Partido Comunista, e assinado, em 1936, um e saem em busca de outros credos. No exílio, Pedrosa viveu uma expe-
dos manifestos de apoio ao American Artists Congress, seu nome não riência extraordinária com o fim definitivo de sua rotina como militante.
aparece nos debates da época.11 O reconhecimento de sua obra come- Desligado do grupo trotskista em 1940 (Karepocs, 2017, p. 76), ele passa
çou a ocorrer fora do contexto nova-yorkino, em países como a França a viver suas posições revolucionárias sem o respaldo dos companheiros,
e a Espanha, para se tornar realidade nos Estados Unidos a partir de mas também sem o peso do compromisso partidário no dia a dia. Mesmo
a viagem que fez ao Brasil, passando por países da América Latina para
9 Entrevista a Roberto Pontual, Jornal do Brasil, 24.04.1980. conversar com militantes de esquerda, não reverbera em nova filiação
10 Ver comentário de Caira M Cabañas sobre as críticas divergentes de Pedrosa e Greenberg partidária. De volta a Washington, não há notícia12 de que ele tenha pro-
sobre a exposição do artista no MoMA em 1943 (2018, p. 100); a respeito de Calder e
Pedrosa ver também Osório (2010).
11 Agradeço a Marcelo Ribeiro Vasconcellos as informações sobre Calder. 12 Nos documentos que pesquisei não encontrei notícia sobre esse assunto.

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curado outro grupo, partido ou corrente política nos Estados Unidos. Meu caro Mário,
Pedrosa fechava um ciclo de 15 anos de militância regular, iniciada com
Hoje uma saudade mais forte do Brasil e de você me arrastou aqui pra
sua entrada no Partido Comunista Brasileiro em 1925. mesa. Já de muito que ando com vontade de lhe escrever. Hoje é quarta-
Durante o exílio, o crítico estabeleceu distância do modernismo -feira de cinza e eu amanheci com o gosto de cabo de chapéu de chuva na
brasileiro e do modernismo norte-americano, somando, como se pode boca, como se tivesse acordado aí no Rio! E aquela melancolia de depois
imaginar, àquele distanciamento, outras vivências artísticas, como as da festa. O meu corpo sentindo saudade do calor destes dias de carna-
val. O choro, o rancho, o maxixe, a banda de música e até os clarins dos
que tivera com os surrealistas em Paris e com os movimentos de van-
Fenianos que eu desdenhava repetidamente (Pedrosa, 1927).
guarda em Berlim. De volta à terra natal, o desenvolvimento gradual
de seu projeto construtivo se evidencia, ao menos, em dois aconteci- A conferência de Mário Pedrosa “Semana de Arte Moderna” não foi
mentos: a conferência em comemoração ao 30o aniversário da Semana um ato isolado. Integra um conjunto de discursos e ações que, no início
de Arte Moderna e a polêmica que liderou, relativa à arte dos doentes dos anos 1950 e decorrer daquela década, foram demarcando o campo de
esquizofrênicos do Ateliê de Pintura do Engenho de Dentro. dois modernismos no Brasil. Diferente do projeto modernista da década
de 1920, que tinha como foco principal a construção da nação, interes-
os dois mários sando-lhe tudo o que dizia respeito à brasilidade e ao “abrasileiramento
do brasileiro”, como dizia Mário de Andrade, na década de 1950, um novo
A conferência de Mário Pedrosa no Auditório do Ministério da Educação projeto para a entrada do país no conjunto dos países modernos renun-
e Cultura (MEC), em 1952, por ocasião do 30o aniversário da Semana de cia à busca por um espírito nacional a caminho de si mesmo e, nos seus
Arte Moderna, intitulada “Semana de Arte Moderna” é um documento próprios contornos, tenta romper com o círculo de ferro imposto pela
precioso para se compreender a diferença entre os dois modernismos herança do programa das gerações anteriores para legitimar, no seu pró-
nas artes plásticas – aquele liderado por Mário de Andrade e o condu- prio tempo, concepções igualitárias, universalistas e progressistas.
zido pelo crítico Mário Pedrosa. Tarcila Formiga (2014), em À espera da Na realidade, nos meados do século XX, a produção cultural brasi-
hora plástica, mostra como os dois se tornaram colegas na redação do leira muda de perfil, salientando-se o concretismo nas artes plásticas e
Diário da Noite, em São Paulo, logo depois de Pedrosa ter concluído o na poesia, a bossa nova, o cinema novo e proposições de grupos teatrais
curso de direito no Rio de Janeiro. Com a ida de Pedrosa para a Paraíba, que desejavam inovar o afazer artístico, inaugurando um debate mar-
onde arranjara um emprego público, mantiveram correspondência cado pela intelectualização e racionalização de suas linguagens espe-
amistosa, sempre voltada para os escritos e questões do modernismo cíficas. Em cada setor da cultura levantavam-se vozes combativas no
proposto por Mário de Andrade. Sem deixar de salientar os traços hie- sentido de construir uma nova modernidade no país. Essa breve contex-
rárquicos existentes entre o jovem Pedrosa, que aspirava ao jornalismo tualização tem o propósito único de advertir que Mário Pedrosa não era
político e à crítica literária enquanto se engajava no movimento comu- uma figura isolada a lutar pela concretização de seu projeto construtivo
nista, e o já reconhecido Mário de Andrade, a partir das cartas por eles para as artes plásticas e para a inovação da crítica de arte.
trocadas, a autora percebe com sutileza alguns indícios das dificuldades O concretismo valorizou a forma, a linha, a cor e o plano em detri-
de Pedrosa, ainda naquela época, para acatar as proposições do moder- mento das representações figurativas. Delaunay (2001, p. 79) dizia que,
nista paulista, e que se expressavam na ambiguidade com que Pedrosa “enquanto a arte não se libertar do objeto, ela é descrição, literatura,
encarava a pesquisa da música popular (Formiga, 2014, p. 61-64). Tanto reduzindo-se à expressão de meios de expressão equivocados, escravi-
zando-se à imitação”. As palavras do artista expressam bem o teor da
é que, em carta a Mário de Andrade, logo que chegou a Berlim, em 1927,
nova concepção que foi se impondo nas artes plásticas ao longo do
diz ter saudades do carnaval e da música que tanto desdenhava:

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período do pós-guerra, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. O tão era pôr em prática a liberdade de modelar o mundo de acordo com
projeto concreto, sob a liderança de Mário Pedrosa, no Rio de Janeiro, a ideologia dos novos tempos. Aqui a modernidade não surge engen-
de fato estabeleceu a concorrência entre dois projetos estéticos sem drada nas entranhas da própria sociedade como em algumas regiões
que o crítico tenha provocado uma polêmica direta e de porte com os da Europa, mas por força das ideias dos “construtivistas” de toda sorte:
modernistas. Evidencia-se, entretanto, que, em contraste com o pri- empresários, sociólogos, economistas, arquitetos, médicos, administra-
meiro modernismo, que adotou o figurativismo de viés expressionista e dores de museus e artistas que, entre tantos outros, cuidavam de corpo-
cubista, objetivando representar a nação brasileira, os artistas concretos rificar suas ideias em políticas públicas e instituições. Havia também o
dedicaram-se à busca das “formas privilegiadas”, abrindo mão da repre- movimento dos sindicatos dos trabalhadores no campo e na cidade a
sentação da nação. exigir salários condignos e melhores condições de vida concomitante
Essa mudança nas artes plásticas surpreendeu muitos intelectuais a um movimento migratório excepcional, que fez com que o país fosse
e artistas da época, provocando polêmicas e embates. Otília Arantes é lentamente concentrando grande parte de sua população nas cidades.
a primeira a dizer que toda uma tradição modernista que vinha sendo Somente nesse novo contexto, que olhava mais para o futuro do que
construída a duras penas por intelectuais e artistas não poderia sucum- para o passado, pode-se entender a aceitação das propostas concretas de
bir de uma hora para outra. Mário Pedrosa.
Na conferência “Semana de Arte Moderna”, de 1952, ele retoma de
De mais a mais a abstração feria um outro escrúpulo herdado da mesma
tradição “figurativa” do país, o zelo documental mandava pôr chumbo na
maneira sutil e delicada, porém incisiva, suas ideias sobre o moder-
imaginação que irrealiza o mundo: não que nossa cultura artística tenha nismo brasileiro da Semana, do qual sempre se afastara sem polemizar
produzido grande obra realista, muito pelo contrário, simplesmente pre- com os modernistas. Com exceção da crítica ao Painel de Tiradentes, de
cisara arrumar um jeito de não deixar ninguém dar as costas à imagem Portinari, que escreveu em 1949, fazendo um juízo negativo da obra do
nacional, sem remorso. Ora, para muitos, mesmo rigorosa, a arte abstrata
artista, e que se pode, eventualmente, considerar a assunção de posição
parecia desatada – para o exercício da qual julgava-se o país ainda despre-
parado (Arantes, 1996, p. 20). contrária a um dos mais afamados artistas modernos, os arranjos de
Pedrosa com o modernismo da semana de 1922 são sempre atenuados por
A aceitação das propostas construtivistas de Mário Pedrosa, entre- tom ameno, compreensivo e mesmo elogioso. O que ele expõe, então, na
tanto, encontraram eco nos meios artísticos desejosos de “construir o conferência sobre a Semana? A primeira observação diz respeito ao uso
moderno no Brasil”.13 Não se tratava mais de desenhar a imagem de uma diferenciado das categorias nacional e universal. Logo numa das primei-
nação, mas de construir uma sociedade de acordo com padrões artís- ras frases, o crítico afirma que a chegada da Semana havia inaugurado
ticos que estivessem em afinidade com as bases racionais, científicas e um espírito novo, universal e revolucionário. Quando se coteja o texto
impessoais que a modernidade exigia. Se por um lado havia a grita dos com a conferência de Mário de Andrade de 1942, percebe-se que, logo
modernistas filiados ao projeto da Semana de 22, por outro havia grupos no início de seu pronunciamento, ele afirma que “o movimento moder-
e indivíduos que propugnavam pelo caráter universal da modernidade. nista foi o prenunciador, o preparador, e por muitas partes o criador de
Um desses grupos estava certamente nos espaços dos museus de arte um estado de espírito nacional” (Andrade, 1972, p. 231). Segue-se sutil
moderna construídos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com arquite- argumentação na qual o caráter universal do movimento modernista vai
tura arrojada, lançavam-se na aventura de dar corpo ao moderno. Como tomando conta da interpretação de Pedrosa em detrimento do caráter
me referi em Mudança provocada (Villas Bôas, 2006), o cerne da ques- nacional, ainda que este certamente apareça em lugar de importância,
mas sempre como uma espécie de nacionalismo no plano da estética e
13 Não eram somente os meios artísticos mas outras esferas sociais. Ver Villas Bôas (2016). jamais no plano da política, como veremos adiante.

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Depois de afirmar que os jovens modernistas se deixaram “conta- revelação do Brasil, não teria tido a sistematização, nem a profundidade, a
minar” pelo espírito moderno dos quadros de Anita Mafaltti, expostos busca de raízes com que se assinalou (Pedrosa, 1998, p. 139).
em 1917 em São Paulo, contrariando o argumento de Mário de Andrade
Além de opor à noção de importação e atraso a experiência vivida
de que o modernismo tinha sido importado e com atraso de Paris,
pelos jovens paulistas com a pintura e a escultura modernas, Pedrosa
Pedrosa insiste, como mencionei, no argumento de que o surgimento
procura mostrar como o primitivismo dos movimentos de vanguarda
do modernismo brasileiro não teria sido provocado nem pela impor-
europeus estava próximo do modernismo brasileiro, com o intuito de
tação de ideias, nem, muito menos, por leituras das modas de Paris,
argumentar em favor da preponderância do aspecto universal sobre o
mas devido à experiência reveladora dos quadros de Anita Mafaltti.
nacional no modernismo de Mário de Andrade. Segundo Pedrosa, o
Para dizer isso de maneira convincente sem se opor ao transplante de
intelectual paulista teria abarcado em seu projeto dois planos: o univer-
ideias de Paris para São Paulo defendido por Andrade, Pedrosa retoma,
sal do qual começa e o nacional no qual se deve realizar. Não se trata,
aliás em boa parte de sua conferência, as palavras do próprio Mário de
pois, para Pedrosa da construção de uma identidade brasileira que se
Andrade. Dez anos antes, no início dos anos 1940, o intelectual pau-
haveria de integrar a outras no plano universal, mas, sim, da realização
lista havia frisado em seu balanço do movimento modernista que duas
sempre renovada de um movimento de caráter universal. Assim, Pedrosa
experiências estéticas teriam sido motivo de uma enorme turbulência de
descreve sucintamente o movimento de abertura da Europa aos povos
um grupinho de jovens intelectuais paulistas bem antes da ocorrência
e culturas diferentes de outros continentes desde a época das grandes
da Semana no Theatro Municipal de São Paulo: os quadros de Anita
navegações e descobertas aos dias do modernismo no início do século
Mafaltti teriam sido uma “revelação”, e ele lhes teria dedicado um soneto
XX, afirmando que, para o bem ou o mal, os europeus tinham come-
ainda parnasiano; pouco tempo depois, outra vivência sentimental fez
çado a abrir suas fronteiras, a “desprovincializar-se” no dizer do crítico. O
com que ele, apesar da adversidade da família e dos vizinhos, bem como
encontro com os povos de terras distantes teria, na acepção de Pedrosa,
dos problemas financeiros, adquirisse o bronze de Brecheret Cabeça de
saldo positivo no mundo das artes plásticas, uma vez que os artistas
Cristo e conseguisse de imediato escrever sua Pauliceia desvairada: “em
começaram a apreciar as qualidades da arte de outros povos, sobretudo
pouco mais de uma semana estava jogado no papel um canto bárbaro”
da arte africana, ressaltando que ela acentuava o desenho em detrimento
(Andrade, 1972, p. 234).
da representação literal, bem como o efeito das formas, a qualidade da
Essas “vivências mágicas” da pintura e da escultura modernas
linha e da superfície, distinguindo-se por isso da tradição greco-romana.
foram, nas palavras de Pedrosa, o ponto de partida da educação dos
Afinal, Pedrosa advertia em sua conferência de 1952 que o Brasil não
jovens modernistas, cujo movimento não teria alcançado a universali-
passava de um motivo para a criação, sendo, no modernismo, percebido
dade nem a profundidade que teve ao tomar conhecimento da realidade
diretamente e sem ideologias, “entrava pelos sentidos” e não por uma
brasileira, se tivesse partido do campo da literatura:
concepção ou ideia abstrata. Levando vantagem sobre os europeus, os
A pintura e a escultura alargaram extraordinariamente o campo de visão e brasileiros não precisavam se deslocar para terras distantes, bastando-
de interesse dos promotores da Semana, e deram aos melhores uma noção -lhes voltar-se para dentro de seu próprio país a fim de o sentir (sentir
menos abstrata e menos puramente verbal dos problemas estéticos em
seus cheiros) e o perceber (perceber suas cores). Em nenhum momento
jogo e uma compreensão mais direta, física e concreta do meio e da natu-
reza envolvente, e do que nesta e naquele são os componentes mais impor- de sua conferência, Mário Pedrosa se remete à formação de uma elite
tantes e permanentes como valores que exigem caracterização e expressão. nacionalista ou evoca problemas de ordem política ou social do país. Ao
Sem a contribuição direta primordial das artes plásticas, o movimento contrário, apesar do tom amistoso com Mário e Oswald de Andrade, e
modernista não teria marcado a data que marcaria a evolução intelectual e
dos elogios a artistas plásticos modernistas que considera de primeira
artística brasileira. A sua própria orientação nacionalista, de descoberta e

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linha, consagrando-os uma vez mais com o tom de seu escrito, Pedrosa também distanciado das manifestações em prol da construção de uma
não fala sobre as gentes nem sobre o povo, mantendo-se fechado nos três identidade nacional, qualquer que fosse a direção que tomassem. Assim
pontos centrais de sua comunicação: a força da experiência estética, direta é que não participa das discussões sobre o desenvolvimento nacionalista
e sensorial, no surgimento e na condução do movimento modernista; o do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), órgão do Ministério
caráter universalista do movimento; e a distinção do nacionalismo nas da Educação, nem do movimento folclórico que se prolongava com
artes e do nacionalismo na política, sendo este último inaceitável. novos atores e pesquisas no recém-criado Instituto Nacional de Folclore.
Se apreciarmos as posições dos dois Mários dentro do quadro do Afastado dessas vertentes, Pedrosa defendia entretanto uma posição de
pensamento e das interpretações do Brasil, produzido na década de 1950 autonomia da produção cultural brasileira, interessando-lhe menos ras-
e elaborado em grande escala por sociólogos e economistas, certamente trear a submissão daquela produção às tendências culturais dos grandes
veremos que a posição de Mário de Andrade se tornou preponderante. A centros europeus e norte-americanos do que ressaltar aquilo que tinha de
teoria do atraso e do transplante se tornou moeda corrente para interpre- melhor, melhor até mesmo do que o que se oferecia, às vezes, nos grandes
tar a sociedade brasileira. Apostou-se em uma “ética do atraso”, atribuin- centros da arte. Em sua crítica à I Bienal, não titubeia ao dizer que,
do-se enorme valor explicativo aos mitos da origem do país, formado Para o mundo, um grande certame internacional de arte moderna reali-
pela mistura de três raças, por nativos indígenas; brancos degredados, za-se pela primeira vez fora de Paris ou dos velhos centros artísticos euro-
bandidos e prostitutas; e escravos negros. Reconhecida como a “verda- peus. Os elementos mais intrinsecamente modernos da arte tiveram na
deira” interpretação, o Brasil foi considerado atrasado desde sua inserção nossa Bienal mais destaque, uma representação mais decisiva, do que na
organização modelar de Veneza (Pedrosa, 1981a, p. 42).
na modernidade, na condição de colônia. Tal pecado de origem transfor-
mou-se em poderoso tópos que definiu o “destino nacional”.
A orientação da crítica e dos escritos políticos de Pedrosa não se a primeira grande polêmica
filiou àquela corrente de ideias que tomou conta da intelectualidade bra- A polêmica na imprensa carioca e paulista sobre as exposições de obras
sileira, salvo raras exceções, como foi o pensamento de Guerreiro Ramos. dos artistas do Ateliê do Engenho de Dentro, realizadas em 1947 e 1949,
Independente, como o fora do modernismo andradiano, o pensamento foi a primeira chance efetiva de Pedrosa revelar os problemas de ordem
de Pedrosa se manteve com autonomia ao longo dos anos, limitando estética que o ocupavam quando de volta ao país. Recém-chegado dos
suas fronteiras ao mundo da arte e da política de esquerda, desobrigado Estados Unidos, com o frescor de quem poderia finalmente dar início
de ideias em voga adotadas por muitos de seus contemporâneos. Tal à realização de seus intentos, ele assume a liderança da peleja sobre a
atitude lembra a figura do Einzelgaenger, aquele que segue seu cami- obra de artistas esquizofrênicos, que se prolongou nos jornais cariocas e
nho alheio aos modismos intelectuais, sem deixar de viver sua contem- depois cariocas e paulistas por quase dois anos.
poraneidade. Naturalmente, reitero, o distanciamento de Pedrosa dos Em 1947, Almir Mavignier, sequioso de tirar do anonimato as obras
modismos de época não significou a recusa de suas ideias, que tiveram dos internos do Centro Nacional Psiquiátrico e que frequentavam o Ateliê
o respaldo e o reconhecimento de muitos indivíduos dos meios intelec- de Pintura do Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação dirigido
tuais e artísticos. A posição que Pedrosa adotou só fortaleceu a institu- pela doutora Nise da Silveira, organizou, sob os auspícios da Associação
cionalização e a consolidação do mundo artístico, diferenciando-o de dos Artistas Brasileiros, uma exposição com 245 obras na galeria do pré-
uma vez por todas de outras esferas da sociedade. dio do Ministério da Educação. Entusiasmado com o trabalho no Ateliê,
Ao distinguir o perfil dos dois Mários, vale lembrar ainda que Pedrosa, Mavignier visitava a galeria todos os dias e, numa dessas visitas, conhe-
retomando o internacionalismo e a permanência do movimento revolu- ceu Mário Pedrosa. O encontro entre o jovem aspirante a pintor e o crí-
cionário, bem como as lições que aprendera com o trotskismo, se manteve

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tico que começava a despontar nas páginas do Correio da Manhã não muito dos trabalhos que aí podem ser apreciados nos foi possível conhe-
poderia ser mais auspicioso, como vimos no capítulo anterior. cer graças ao professor de desenho do Centro Psiquiátrico. Não podemos
agora revelar o nome porque escapa-nos da memória. Fa-lo-emos na
Mário Pedrosa ficou deslumbrado com a exposição. Não só se interes-
primeira oportunidade. É um jovem inteligente e ativo, com um sorriso
sou pelos trabalhos de criação artística dos esquizofrênicos como passou a sempre presente na fisionomia magra e moderna, a revelar a satisfação
acompanhar com regularidade o trabalho da doutora Nise e de Mavignier constante que o domina por poder desincumbir-se com a sua melhor
enquanto escrevia a tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte dedicação de tão nobre e comovente mister. Esse de levar a criaturas de
(Pedrosa, 1996c). Penso que o Pedrosa que passa a frequentar o Ateliê do mentalidade débil, sem alento, uma expansão, um estimulante para seus
Engenho de Dentro, entretanto, não é apenas o Pedrosa recém-chegado instintos ainda sensíveis, uma luz para esses espíritos, que só veem diante
de si o negro vácuo de uma indiferença que se agiganta sempre mais [...]
do exílio, que escreve uma tese e estreia como crítico de arte em coluna no no desequilíbrio orgânico que os deprime. Os instintos vivos sem o con-
Correio da Manhã, além de dirigir o Vanguarda Socialista. Parece-me que trole da razão [...] para os enfermos do Centro Psiquiátrico Nacional a
é, também, o Pedrosa configurado pelas vivências na red decade norte-a- prática do desenho e da pintura não se faz no sentido da criação artística.
mericana, quando não se filiou a nenhum dos importantes movimentos Constitui um simples meio de dar ao infeliz um extravasamento de insa-
políticos e artísticos que lá ocorriam, mas, ao contrário, foi-se desvenci- tisfações sensoriais que atormentam a mentalidade afetada em seu dese-
quilíbrio normal (Campofiorito, 1947, s/p).
lhando de cada um deles: do modernismo brasileiro que era apresentado
pela política do new deal cultural naquele país, da arte moderna e abstra- A força da polêmica desencadeada pela arte dos internos do Centro
cionista vinculada a uma posição de esquerda, da defesa do trotskismo. Psiquiátrico se faz sentir nesse trecho da crítica de Campofiorito.
Em dois anos, uma nova exposição, Nove Artistas do Engenho de
Referindo-se ao trabalho de Mavignier, sem citar o nome do artista,
Dentro, foi inaugurada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com
Campofiorito estava convicto de que as obras expostas na galeria do
a orientação de Mário Pedrosa e Leon Dégand, diretor do museu pau-
MEC não eram arte porque àqueles pintores e desenhistas faltavam dis-
lista, sendo instalada, dois meses depois, no Salão Nobre da Câmara
cernimento, vontade e razão. Ruben Navarra, crítico pernambucano que
Municipal do Rio de Janeiro. Nenhum daqueles que participaram
vivia no Rio de Janeiro, retrucou a Campofiorito, argumentando que
de perto dessas exposições poderia supor a celeuma que as obras dos
depois do advento da psicanálise, das teorias bergsonianas e do surrea-
artistas internos provocaria entre os críticos de arte. Ruben Navarra,
lismo as fronteiras entre normalidade e anormalidade na arte tinham
Querino Campofiorito, Antonio Bento, Mário Pedrosa e Sergio Milliet
sido questionadas a tal ponto que não era mais possível fazer uso exclu-
foram alguns dos que participaram das discussões que circularam nos
jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal do Brasil, O Jornal, sivo da razão para atribuir sentido às obras de arte, sendo necessário ter
Diário da Noite e Diário Carioca. mais modéstia diante das obras exibidas na exposição.
Já na primeira rodada dos debates, apareceram as questões canden- A resposta de Pedrosa veio na conferência “Arte, necessidade vital”,
tes que dividiriam os críticos: os limites entre normalidade e anorma- que pronunciou por ocasião do encerramento da exposição, em março
lidade, a relação arte e razão, academicismo e experimentação. O que de 1947, publicada no Correio da Manhã. Nela Pedrosa revelou seus
poderia ser nomeado como arte? Qual era o estatuto do artista e como anseios pela renovação dos antigos padrões acadêmicos que definiam a
se poderia atribuir autoria a um trabalho artístico? Em defesa da “nor- arte. “A realidade é que o mundo agora não sabe o que é arte”, afirmava
malidade”, Querino Campofiorito, então professor da Escola Nacional Pedrosa. Devido à má-formação, não só o público comum, mas também
de Belas Artes, levantou sua voz, argumentando que os doentes men- o especializado, continuava clamando pela representação da realidade,
tais não atribuíam, eles próprios, sentido a seus trabalhos, não tinham a pela imitação da natureza mediante cânones renascentistas, quando na
intenção de o fazer, e, em consequência, suas obras expostas na galeria realidade a arte moderna vinha rompendo com aquelas regras desde que
do MEC não tinham valor artístico. os europeus ampliaram seu campo de visão e depararam com a arte dos

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povos da América, da África, da Oceania, cujo valor estético começou a Dentro. A expressão utilizada por ele para designar os pintores internos
ser apreciado. Além do encontro com a arte dos povos considerados pri- do Ateliê do Engenho de Dentro reforçava sua concepção de arte com
mitivos, Pedrosa se detém na descoberta do inconsciente pela psicaná- base na Gestalt, da qual ele nunca se afastou, como tampouco perdeu
lise para argumentar em favor da existência de outros significados além o interesse pela arte virgem de seus conhecidos do centro psiquiátrico.
daquele expresso formalmente pelas palavras e ações humanas. E tudo Treze anos mais tarde escreveu de novo sobre cinco daqueles pintores
isso para dizer que a arte não pertencia a um ou outro grupo na socie- (Emygdio, Isaac, Adelina, Fernando e Carlos) e com o mesmo encanta-
dade nem às experiências de apenas uma época, mas se manifestava em mento reafirmou suas ideias. “Nada tenho a alterar do que disse há treze
qualquer pessoa, “independente de seu meridiano, seja ele papua ou anos. Raros entre os raros, no Brasil, ele (Emygdio) compõe pela cor
cafuzo, brasileiro ou russo, negro ou amarelo, letrado ou iletrado, equi- como mandava Cézanne, e daí seu “impressionismo ter estupenda soli-
librado ou desequilibrado” (Arantes, 1996, p. 46). Em pleno trabalho de dez estrutural. Seu Jarro de flores é, sem favor, uma obra-prima da pintura
elaboração de sua tese com base na psicologia da forma, Pedrosa testava brasileira” (Pedrosa, 1996d, p. 88). O mesmo escrito com algumas poucas
os fundamentos de suas concepções sobre arte, numa ardorosa defesa alterações foi republicado no livro Museu de Imagens do Inconsciente, em
do caráter universalista da criação artística. 1980, organizado pelo crítico, na volta de seu exílio em Santiago do Chile
Uma segunda rodada do debate ocorreu dois anos depois, com a e Paris.15 Pedrosa era de fato um homem de convicções, como ele próprio
exposição Nove Artistas do Engenho de Dentro, ficando a concorrência afirmou em entrevista no final da vida (Pedrosa, 12.10.1977).
dos críticos nos embates estampada em 20 artigos de jornal publicados de Logo após sua chegada dos Estados Unidos, em 1945, Pedrosa viveu
dezembro de 1949 a março de 1950.14 A polêmica Querino Campofiorito anos de grande efervescência intelectual, reelaborando a preciosa expe-
versus Mário Pedrosa tornou-se referência de posições respectivamente riência do exílio. Manteve-se, entretanto, fiel a seus princípios. Longe
conservadora e inovadora no campo da arte. Já no catálogo da exposi- do modernismo brasileiro, foi um crítico implacável do abstracionismo
ção, a doutora Nise retomou o problema dos limites entre normalidade formal. Atuou com o firme propósito de inovar a crítica de arte e realizar
e loucura, relativizando a capacidade criativa tanto dos doentes artistas seu projeto de renovação da linguagem artística pelo viés do concre-
como dos artistas normais, acentuando que permanecia um mistério o tismo. Transitou no mundo artístico e político, foi diretor de museu,
dom de captar qualidades significativas, fosse de modelos interiorizados curador de exposições, membro da Associação Internacional de Crítica
ou do mundo exterior, capazes de suscitar emoções. Sergio Milliet ado- de Arte (Aica) e da Associação Brasileira de Crítica de Arte (Abca),
tou posição muito próxima àquela de Nise da Silveira. Arte e loucura, organizador de eventos, professor. Sua passagem por museus, associa-
matéria publicada no Estado de São Paulo, ocupou um quarto de página, ções, conselhos e comitês, além das conhecidas rodas de conversa em
ilustrada com desenho de Raphael e foto de escultura de Lucio. Milliet sua casa com artistas, críticos, intelectuais e políticos, denota o que
distinguiu os elementos estéticos e inestéticos (sociológicos, históricos, Antonio Manuel disse em entrevista (Galanternick, 2008a) anos depois:
psicológicos) das obras e, apostando nessa direção, ajuizou que somente “Mário não se deixa levar pelo mundo, não é o mundo que o carrega, ele
algumas obras tinham valor artístico, não sendo a loucura uma condi- está no mundo fazendo... agindo”.
ção sine qua non para a confecção de trabalhos com valor artístico.
Poucos dias antes do fechamento da exposição, Mário Pedrosa
publicou Pintores da arte virgem no Correio da Manhã, esmiuçando
em detalhes as obras dos pintores virgens do Ateliê do Engenho de

14 Os artigos foram assinados por Ruben Navarra, Querino Campofiorito, Mário Pedrosa, 15 Em 1979, Pedrosa organiza exposição de Fernando Diniz na Galeria Sergio Milliet, da
Flavio de Aquino, Luis Alberto Bahia, Yvonne Jean, Antonio Bento e Sergio Milliet. Funarte, e de Raphael Domingues no MAM-Rio.

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3. Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro

Não foram os artistas do Ateliê do Engenho de Dentro nem a crítica de


arte de Mário Pedrosa, tão atuante na imprensa carioca, as únicas peças-
-chave que agregaram pessoas, criando um círculo favorável às práticas
concretistas no Rio de Janeiro. Quando, em 1952, o grupo que frequen-
tava o Engenho de Dentro se dispersou, em grande medida devido à
ida de Mavignier para Paris com uma bolsa de estudo, a rede de socia-
bilidade construída no hospital psiquiátrico se deslocou para o Museu
de Arte Moderna, ganhando novas roupagens. No Ateliê, Almir rece-
bia com entusiasmo artistas e críticos, apresentando-lhes as obras dos
internos. Com sua fisionomia “moderna e sorridente”, como escreveu
o crítico Querino Campofiorito em sua querela com Pedrosa, ele atraiu
muitas pessoas interessadas naquela experiência artística. É possível que
sua saída do Ateliê tenha diminuído a atenção dada ao lugar por visitan-
tes do mundo da arte.
Escada do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Foto de Miguel Lindberg, 2006. Outro motivo talvez tenha sido a criação do Museu de Imagens do
Inconsciente pela doutora Nise da Silveira em 1952. Embora o serviço
de terapêutica ocupacional continuasse ativo e nele o Ateliê de Pintura,
a criação do museu conferiu às obras dos internos o estatuto de mate-
rial de pesquisa do inconsciente no domínio da teoria psicanalítica de
Carl Jung. Estabeleciam-se assim dois discursos concorrentes acerca dos
desenhos, das pinturas e esculturas dos pacientes do Centro Nacional
Psiquiátrico. O discurso de cunho psiquiátrico se expandiu no tempo,
ganhou reconhecimento em meios artísticos e terapêuticos, e ofuscou a
perspectiva própria da crítica de arte. A relação do Ateliê do Engenho
de Dentro com os artistas concretos do Rio de Janeiro só recentemente
começou a ser recuperada (Villas Bôas, 2008).

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 ivan serpa no museu de arte moderna do rio de janeiro

Depois de sua fundação em 1948, o Museu de Arte Moderna do vos, e com o tempo, criou entre eles um sentimento de pertencimento,
Rio de Janeiro ocupou o último andar do então recém-inaugurado pré- indispensável para a realização de seus propósitos coletivos e individuais.
dio do Banco Boavista, um dos primeiros projetos de Oscar Niemeyer, O concretismo carioca surgiu no centro das novidades de uma corrente
situado na Praça Pio XI. Mudou-se em seguida para o edifício do do moderno, que não buscava a singularidade da cultura brasileira, mas
Ministério da Educação e Cultura, abrigando-se em outro “templo” almejava experimentar uma linguagem nova, fundada na simplicidade
moderno do Centro da cidade. Ali, em espaço improvisado, junto das formas. O trabalho de experimentação do grupo de “artistas do MAM”
aos pilotis da arrojada edificação, foram-se reunindo jovens artistas, não ocorria sob a influência de um programa vindo do exterior, nem foi
formando um grupo que veio a desempenhar papel único na história mero resultado do desenvolvimentismo modernizante. Moldou-se a par-
da arte brasileira. Não foi um grupo qualquer, como mostra Sabrina tir do convívio e da atuação sistemática de jovens artistas, enredados com
Sant’Anna (2004) em Pecados de heresia. Eram jovens das classes médias o cultivo de uma linguagem artística moderna, abstrata e geométrica. A
cariocas ou oriundos de outras cidades brasileiras que desejavam se arte concreta ganhava corpo, “pondo-se no mundo” por intermédio de
tornar artistas e acabaram por partilhar ideias e valores estéticos muito um núcleo de relações de afinidade, amizade e interesse, mais próximas
próprios, em convívio intenso e amistoso no Museu, na casa de Ivan ou mais distantes, no qual as trocas recíprocas simétricas e assimétricas
Serpa e na de Mário Pedrosa. Pouco a pouco adotaram a linguagem lhe serviam de fundamento. Ao tomar essa forma, o movimento fazia
do abstracionismo geométrico, nova no circuito artístico. Delinearam parte de uma efervescente arrancada para a construção do “moderno” no
uma identidade singular que se fortalecia no encontro com outros país, aspiração coletiva que cunhou a época.
grupos de artistas, em concorrência ou cooperação. Eram o “grupo do No recém-inaugurado museu carioca, Ivan Serpa foi figura de
MAM “ ou o “ grupo do Serpa”. Durante um período de quase dez anos, proa. Sua presença no MAM assegurou a continuidade da experiência
os artistas abriram seu caminho entre a produção acadêmica da Escola vivida no Ateliê do Engenho de Dentro e das lições que aprendera com
Nacional de Belas Artes, a corrente modernista figurativa dos retra- Mário Pedrosa. Próximo do crítico, que o incentivara a mandar para São
tos do Brasil e o abstracionismo informal, que se impunha em outros Paulo o quadro Formas, vencedor do Prêmio Pintor Jovem Nacional da
países, ganhando adeptos também no Brasil. Em meados da década, I Bienal de São Paulo, Serpa se diferenciou dos demais artistas e profes-
depois da I Exposição Nacional de Arte Concreta (1956), realizada com sores do museu. Seus cursos fomentaram a formação regular de jovens,
os artistas paulistas, os jovens cariocas se posicionaram contra os con- indispensável à divulgação do novo espírito da arte geométrica abstrata
cretistas paulistas, unindo-se ao movimento neoconcreto sob liderança que o professor cultivava. Serpa pintava, expunha e ensinava enquanto
do crítico Ferreira Gullar. O evento, como tantos outros, ocorreu no Pedrosa mantinha o exercício da crítica, respaldando e apoiando suas
MAM-Rio. A história dos primeiros anos do museu carioca confun- atividades no museu, cuja direção coube, durante muitos anos, à dona
dia-se com a história desse movimento artístico. Em certo sentido, no Niomar Moniz Sodré, casada com Raul Bittencourt, proprietário do
museu, os jovens artistas garantiam sua distância de qualquer institui- Correio da Manhã, amigos de Pedrosa. Fechava-se, portanto, mais um
ção estabelecida e direcionada para a arte, da mesma forma que Nise da círculo social, voltado para a prática da arte concreta, com a liderança
Silveira, Mário Pedrosa e Almir Mavignier, como mostrei no primeiro de Ivan Serpa à frente do curso para crianças e adolescentes, do Ateliê
capítulo, quando se encontraram no Ateliê do Engenho de Dentro tam- Livre de Pintura e do Grupo Frente.
pouco tinham vínculo com as instituições reconhecidamente voltadas Se no Ateliê do Engenho de Dentro não faltaram visitantes, como
para o métier que exerciam. Leon Dégand, Murilo Mendes, Geraldo de Barros, Renina Katz e Lygia
A ocupação de um espaço novo, destituído de passado, proveu os Pape, no MAM-Rio, a pintura concreta merecia a atenção da elite grã-
artistas do MAM de liberdade pouco usual para perseguir seus objeti- -fina carioca, que se juntava sob o comando de dona Niomar Muniz

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 ivan serpa no museu de arte moderna do rio de janeiro

Sodré nos vernissages das exposições que a diretora do museu progra- mação a I Exposição Nacional de Arte Infantil, inaugurada no prédio
mava, incluídos os das mostras dos trabalhos das crianças e dos adoles- do MEC com 1.500 trabalhos enviados por escolas de arte para crianças
centes alunos de Serpa. de diferentes partes do país.1 O evento foi patrocinado pela Campanha
Nacional da Criança, órgão do MEC. Ivan Serpa ensinava arte para
o curso para crianças crianças no Colégio Eladimir Mota, localizado na Tijuca, e, naquele ano,
expôs seu trabalho na Galeria do Instituto Brasil-Estados Unido (Ibeu)
Uma das programações de maior sucesso do MAM-Rio foi o curso de (Formiga, 2009). Poucos dias antes da exposição, em nota publicada no
pintura para crianças ministrado pelo artista. Basta ver o noticiário e Correio da Manhã, na coluna Presença da Mulher, a crítica e jornalista
as críticas de Pedrosa e de outros colunistas estampadas nos jornais, ao Yvonne Jean (28.07.1951) dizia-se ansiosa para ver a exibição das obras
menos até meados da década de 1950. Inúmeras exposições dos traba- do artista. Ela havia assistido a uma de suas aulas no colégio da Tijuca e
lhos infantis foram realizadas no Rio de Janeiro e outras cidades brasilei- ficara encantada. Sobre o curso, Serpa lhe teria dito:
ras e estrangeiras, a exemplo de Tóquio e Washington. Os historiadores
do concretismo carioca, contudo, raramente mencionam a relevância Os conselhos que dou são sempre conselhos de amigo, para que (a criança)
jamais tenha a impressão de ser dirigida. Mas, se não devemos ralhar com
dada aos cursos de pintura para crianças naquele momento, e, menos
ela, para não criar complexos de perseguição, tampouco devemos lhe dar
ainda, à ligação evidente que tinham com as ideias de Pedrosa sobre o a impressão de ser um centro de mundo. Devemos até colocar obstáculos
primitivismo na arte, que ele aprendera com a teoria da Gestalt. Daí seu no seu caminho, pois quando uma tarefa se torna fácil demais acaba per-
apreço por crianças, índios, doentes mentais ou quaisquer indivíduos ou dendo o interesse!
grupos que não tivessem sido tocados pelas convenções conservadoras
O entusiasmo, que a crítica notou em Serpa, ao falar sobre o curso
do “bom desenho” e da “boa pintura”. Desenhar e pintar não deveriam
de arte infantil, será observado por outros jornalistas, que, entrevis-
ser uma expressão do que se vê “de fora”, de acordo com padrões acadê-
tando o artista, mal conseguiam arrancar dele algumas palavras, exceto
micos, mas uma expressão de dentro para fora. Muitos adultos perdiam
se fosse sobre o curso para crianças. Sua imagem na imprensa é de uma
a liberdade de se expressar devido à força daquelas convenções. Pouco
pessoa esquiva e calada (Maurício, 1953, p. 11).
a pouco, porém com determinação, Pedrosa propagava os fundamentos
Yvonne Jean (28.07.1951) se volta, ainda, para o duplo papel de pin-
de seu programa voltado para o concretismo, que prescrevia a supressão
tor e professor, exercido por Serpa, como algo positivo, mas também
das convenções e das regras da pintura acadêmica.
prejudicial a suas atividades como pintor. O título da matéria assinala
O encadeamento das ações e dos discursos de artistas, críticos, escrito-
a ambiguidade: Serpa professor e Serpa aluno. Por que aluno? Porque a
res e jornalistas foi criando, se não a adesão, ao menos o reconhecimento do
crítica, depois de assistir à aula do artista, ficara curiosa em saber como
abstracionismo geométrico como uma vertente legítima da arte moderna,
“o Serpa professor guiou o Serpa aluno nos intrincados caminhos da
adensando o círculo de pessoas em torno do movimento. Além disso, o
arte!” A circularidade das atividades de Serpa não lhe parecia familiar.
projeto da arte “concreta” se encaixava como luva nos propósitos de “cons-
Finalmente, a matéria do Correio da Manhã ressalta a diferença entre
trução do moderno” do museu sob a direção de Niomar Moniz Sodré.
Segundo Sabrina Sant’Anna (2008, p. 22), o MAM se teria voltado para a
constituição de um devir e não para a memória de uma tradição, sendo 1 De acordo com Martha D’Angelo (2011), o British Council promoveu em 1941 uma
exposição no Rio de Janeiro com trabalhos de crianças inglesas. No catálogo, o prefá-
um agente da construção de uma memória do futuro, algo por acontecer. cio foi escrito por Herbert Read, cujas ideias eram conhecidas e apreciadas por Mário
Um ano antes da abertura dos cursos de Ivan Serpa para crianças, Pedrosa e Nise da Silveira. Read participou do I Congresso Extraordinário de Críticos de
Arte, organizado por Mário Pedrosa, com apoio da representação brasileira da Aica, em
em outubro de 1951, o MAM do Rio de Janeiro incluíra em sua progra- Brasília em 1959.

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as aulas de Serpa e de Augusto Rodrigues, que fundara sua Escolinha fundamentos do ensino de arte para as crianças do MAM poderia ser
de Arte, pioneiramente, em 1949, inspirado em noções elaboradas por nefasta. Para o crítico, o centro da questão era a liberação das emoções
Herbert Read, e, sem mencionar a orientação adotada por Rodrigues, e dos sentimentos das crianças, que deviam fazer seus rabiscos e dese-
acentua o caráter inovador da obra de Serpa e de sua metodologia. nhos livres de qualquer intervenção externa. Isso, todavia, não bastava.
A reportagem de Yvonne Jean foi apenas o começo. Quem percorre Era preciso dar forma às emoções. A criança aprenderia a observar a
as notícias sobre o mundo artístico carioca, veiculadas pela imprensa realidade, concentrar-se e criar ordem. No momento em que estivesse
em 1952 e 1953, se surpreende com as reportagens sobre a primeira e a pronta para isso (depois do controle dos movimentos motores) cabe-
segunda exposição dos trabalhos dos alunos de Serpa. Seis meses depois ria ao professor ensinar-lhe a tirar proveito das linhas, dos círculos, das
da abertura do curso, em 1952, o MAM inaugurava a primeira exposição cores. Não se tratava, pois, de um método cujo ponto de partida fosse a
do curso ministrado pelo aclamado professor. Ocupando grande espaço catarse, o desabafo ou a desinibição da criança. A proposta de Pedrosa,
nas páginas dos jornais, sobretudo do Correio da Manhã, ilustradas com nem sempre compreendida ou aceita, era, entretanto, coerente com suas
fotos de personagens da elite carioca, as matérias evidenciam o perfil posições sobre a arte, e tomava corpo em sua crítica.
do público que apoiava as iniciativas do museu: funcionários com alto No escrito de 1957, como um prenúncio do que aconteceria na polê-
cargos em ministérios, senadores, empresários, banqueiros, diplomatas, mica sobre o tachismo, por ocasião da V Bienal de São Paulo, ocorrida
escritores e críticos. O MAM promovia sua imagem junto à elite política, em 1959, Pedrosa separa com rigor a proposta de educação pela arte,
econômica e intelectual da cidade como uma instituição moderna, cuja proveniente da psicologia da forma, daquelas que considerava estereo-
missão elevada era ensinar às novas gerações os padrões artísticos que tipadas, pois, segundo ele, procuravam apenas desinibir as crianças,
estavam na ordem do dia. Não se poupavam elogios a Niomar Muniz limitando a liberdade de criação a mera catarse ou desabafo. “O pequer-
Sodré em notícias que, amiúde, confrontavam a arte moderna abstrata rucho estaria, então, ameaçado de não se desenvolver espiritualmente,
e geométrica com a arte acadêmica. Percebe-se que a novidade apresen- de não sair do seu caramujo, numa posição inversa, mas isocrônica ou
tada pelos trabalhos de Serpa e de seus métodos de ensinar às crianças, simétrica, ao tachiste de Paris (que quer, por força, recobrar o espon-
incentivando a liberdade de expressão, se não agradava a todos os jorna- taneísmo egocêntrico das manifestações desinibidoras da infância”
listas e críticos, ao menos lhes chamava bastante atenção. Sob a batuta de (Pedrosa, 1996b, p. 83).
Serpa, as exposições da arte infantil tinham um valor pedagógico. “Ir ver A distinção entre a catarse e o verdadeiro trabalho artístico se rea-
os quadros da Exposição Infantil do Museu de Arte Moderna [MAM] tualiza nos escritos do crítico, traçando uma linha de coerência do seu
é uma experiência fascinante. Mais do que a arte do adulto [...] a arte pensamento com sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte,
infantil consegue nos atingir com o impacto revelador e recuperador da de 1949. Ao atribuir sentido aos ensinamentos de Serpa, Pedrosa não se
fresca realidade diária”, escrevia Ferreira Gullar (2015a, p. 29) em 1956. afastava de suas concepções teóricas, dando-lhes, ao contrário, a conti-
Paralelamente ao rebuliço que as exposições dos alunos e alunas nuidade indispensável para que se propagassem nos circuitos artísticos.
de Serpa causavam no noticiário dos jornais e nas conversas das elites Já em Crescimento e criação, livro que em 1954 publicara com Serpa sobre
burguesas, Pedrosa esclarecia o significado, bem como o sentido visado a arte infantil, ele se recorda de um verso do poema “Gemidos da arte”, de
pelo curso do artista. Escreveu no calor da hora a introdução ao catálogo Augusto dos Anjos, publicado em 1912, em seu livro Eu − “das laranjeiras
da I Exposição Infantil, realizada no MAM-Rio, em 1952 (Arantes, 1996, eu admiro os cachos. E a ampla circunferência das laranjas” −, que con-
p. 63-70); outro texto foi publicado em 1954 pelo museu (p. 71-79) e, sidera de “grande beleza geométrica e de profunda ressonância plástica”,
em 1957 (p. 82-83) escreveu crítica para o Jornal do Brasil, insistindo em para exemplificar o curto-circuito da criação artística: somente depois
suas convicções, enfatizando, porém, que a ocorrência de desvios dos que as crianças apreendem as qualidades formais e primordiais das coi-

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sas, elas começam a sentir prazer na representação. O desenho de uma À maneira do debate alemão do início do século XX sobre Kultur
laranja brota do contato do conceito visual com a experiência sensível. vs Zivilization, Pedrosa procurava soluções para integrar (novamente) a
A defesa intransigente do curso de arte infantil incluiu, contudo, expressividade individual, que produz cultura, em uma civilização pre-
outro tema. Tratava-se da insistência de Pedrosa em dizer que o ensino ponderantemente técnica. Suas ideias em muito se aproximam da crítica
da arte com a metodologia empregada por Serpa não faria das crian- à cultura (Kulturkritik) própria da cultura alemã no início do século XX,
ças, necessariamente, artistas, porém homens e mulheres com senso de que se inscreve na obra de autores ocupados com o avanço da civilização
proporção, sensibilidade e gestualidade graciosa. Onde quer que notasse técnica e o encolhimento das possibilidades de expansão dos bens do
ocasião propícia para falar a respeito do curso para crianças de Serpa, espírito (Kultur). Do ensaio Der Begriff und die Tragoedie der Kultur (O
Pedrosa argumentava que ele servia, sobretudo, para evitar o embota- Conceito e a tragédia da cultura), de Simmel (1911), ao Das Unbehagen
mento da sensibilidade, peculiar aos adultos em um mundo moderno e in der Kultur (O Mal estar da cultura), de Freud (1930), o debate preco-
racional, voltado para a eficiência e finalidades práticas. Escreveu sobre nizava o embrutecimento dos seres “modernos”, habitantes das grandes
uma exposição de alunos de Serpa na conhecida Petite Galerie, de Franco cidades, movidos pela velocidade e impessoalidade inerentes ao pro-
Terranova, sediada em Copacabana (Pedrosa, 1981b); escreveu ainda sobre gresso técnico.2 A visão crítica de Pedrosa não era comum no panorama
uma exposição dos trabalhos infantis expostos na cidade de Goiânia, sob intelectual brasileiro naquela época. Veja-se o exemplo da sociologia e de
o patrocínio do MAM, indignando-se com o comentário de um frade que outras disciplinas das ciências sociais, cuja produção crescente naqueles
pôs em xeque a autoria das crianças (Pedrosa, 1981d). Ao disseminar suas anos aprofundava o diagnóstico de um Brasil conservador e patrimo-
ideias e ideais, Pedrosa construía um robusto corpus discursivo. nialista, buscando apontar os caminhos para uma sociedade moderna,
A explicitação recorrente de que o processo de criação artística democrática e racional sem colocar em xeque os seus limites, como fazia
“verdadeiro” advinha da conjugação de conceitos “primitivos com a o crítico (Villas Bôas, 2016).
experiência sensível” e a ressalva de que não se formavam crianças para Vale perguntar se a crítica à modernidade, embutida nos textos
ser artistas, mas sim para que se tornassem adultos sensíveis, eram ques- sobre a arte infantil, ressoava entre os jovens artistas que iniciavam sua
tões centrais do pensamento do crítico. A primeira estava vinculada à carreira experimentando a pintura concreta. Se a arte concreta se defi-
posição de Pedrosa relativa à arte acadêmica e à arte moderna de viés nia como uma expressão da racionalidade, da ciência e da matemática,
abstrato informal. Enquanto a arte acadêmica prezava a exterioridade, sendo condizente, portanto, com o ideal de uma sociedade moderna,
propugnando a representação da natureza com base em critérios rigoro- como poderia Pedrosa convocar os jovens a apropriar-se daquela lin-
sos, o abstracionismo informal defendia a expressão da interioridade do guagem, ao mesmo tempo que insistia em afirmar que o ensino da arte
artista. Não havia ingenuidade no que o crítico dizia. Longe disso, havia infantil, tal qual Serpa praticava, seria capaz de transformar a sensibi-
escolha e deliberação. Pedrosa perseguia seu projeto voltado para o abs- lidade e a percepção fazendo delas instrumentos da crítica à moderni-
tracionismo geométrico. Os argumentos que se observam em seus escri- dade? Aparentemente, a crítica de Pedrosa contemplava duplamente a
tos sobre o curso para crianças, promovido pelo MAM, davam panos modernidade e sua crítica, acreditando no poder pedagógico da arte.
para manga, primeiro, para uma discussão sobre as possibilidades teó- Veremos mais adiante o quanto o concretismo carioca foi acusado de
ricas de superação da dicotomia subjetividade/objetividade, problema racionalismo, cientificismo e impessoalidade, e simultaneamente visto
que ele já abordara em sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de como “frouxo”, maleável e resistente aos esquemas rígidos de seu ideário
arte; e, segundo, para o debate sobre a formação de uma sensibilidade
2 Além disso, a discussão de Pedrosa relembra o jogo da sensibilidade com a razão, em
estética, único meio de combater a frieza e desumanidade da civilização Educação estética do homem, de Schiller, fato que Martha D’Angelo (2011) analisa em
cientifica, técnica e racional. Educação estética e crítica de arte na obra de Mário Pedrosa.

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estético. Ao atribuir caráter crítico pedagógico à arte concreta, não esta- Ao fim e ao cabo, para ele, aquela forma de subjetivismo, que desembo-
ria Pedrosa abrindo um flanco para que o concretismo, que foi surgindo cara no abstracionismo informal, servia para fomentar o crescimento
na cidade, fosse considerado “intuitivo” e “desobediente” às regras de sua desenfreado de obras de arte e, consequentemente, do mercado de arte,
própria linguagem, ainda que “criativo” na visão dos que o defendiam? estreitando as possibilidades do exercício da crítica de arte.
Anos depois, no final da década, Pedrosa retoma os argumentos Quando Mário Pedrosa se refere à novidade em sua crítica ao abs-
que utilizara na crítica aos cursos para crianças de Ivan Serpa, ao expres- tracionismo informal, vitorioso na V Bienal de São Paulo, e o associa
sar com veemência sua recusa ao tachismo3 em exposição na V Bienal ao fomento do mercado, ele nos faz lembrar, uma vez mais, da crítica à
de São Paulo. No artigo “Considerações inatuais” (Pedrosa, 14.11.1959), cultura, própria da tradição alemã. Simmel, por exemplo, ressaltou em
o crítico afirma que a pintura tachista se funda em uma explosão da seus escritos a avidez dos “modernos” pela novidade. No ensaio Sobre
carga subjetiva, advertindo que, dessa forma, a obra ficava reduzida a exposições de arte (Simmel, 2016b), o sociólogo escreve a respeito do
uma projeção quase nua, lançada numa superfície retangular. Havia que novo modo de apresentação da arte que surgia nas recém-abertas gale-
distinguir a projeção das emoções da construção das obras. Em outro rias de Berlim. Eram recintos pequenos onde quadros com diferentes
artigo, “Da abstração à autoexpressão” (Pedrosa, 19.12.1959), considera conteúdos se encontravam muito próximos uns dos outros, induzindo
que a arte abstrata informal de forte teor subjetivo se espraiava e ganhava o expectador a ver quadro atrás de quadro com rapidez, olhando muitas
adeptos. Pedrosa teme o desaparecimento do exercício da crítica devido obras em curto espaço de tempo, às vezes, de mais de um artista. As
à impossibilidade de distinguir as diversas linguagens artísticas. O único galerias seriam por excelência o lócus da unidade de múltiplos objetos
valor que restava era o da novidade,4 que estaria, entretanto, atrelado a reunidos de uma só vez em caráter temporário; atenderiam, assim, às
uma estratégia de mercado, cujo objetivo era colocar cada vez mais um demandas de indivíduos modernos, que, amortecidos na sua sensibili-
número maior de obras em circulação. Ricardo Taga e Marcelo Mari dade, “depende(m) do estímulo mais tremendo e avassalador a fim de
ponderam que o crítico “utilizaria o conceito de styling, alterações perió- sentir alguma coisa” (Simmel, 2016b, p. 163). Ao estimular e excitar com
dicas nos objetos industriais modernos como uma estratégia de mercado suas novidades, as galerias e o mercado estariam pondo em marcha um
– para caracterizar a grande quantidade de pinturas que circulavam no movimento sem fim, pois só provisoriamente tranquilizaria os indiví-
cenário artístico” (Taga, Mari, 2017, p. 4209). Como se vê, a crítica de duos modernos, inquietos e insatisfeitos.
Pedrosa ao ensino da arte a crianças e adolescentes, avessa à adoção da A respeito das considerações de Pedrosa acerca do tachismo exi-
catarse, do desabafo ou da “explosão de emoções” como ponto de par- bido na V Bienal de São Paulo, diga-se, ainda, que sua reação à “ofen-
tida do processo criativo, ia bem mais longe do que se poderia pensar. siva” do abstracionismo informal pôde contribuir para o entendimento
da concepção da VI Bienal, organizada pelo crítico e a última atrelada
3 No campo de abstracionismo informal, Ferreira Gullar distingue o tachismo da arte-ação ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, antes da criação da Fundação
(action painting) de Pollock, afirmando que o artista norte-americano, ao romper com o Bienal de São Paulo. Em artigo sobre Mário Pedrosa e a Bienal, Francisco
figurativismo, se afastara também da linguagem que o expressava, saindo em busca de
outros materiais, enquanto os tachistas europeus, ao romper com a figura, mantinham a
Alambert (2006) destaca a virada dada pelo crítico, acusado de ter reali-
mesma linguagem pictórica. De todo modo, o crítico era contrário àquelas duas tendên- zado uma bienal museográfica. Além de reproduções de afrescos medie-
cias (Gullar, 2015, p 339-342), uma vez que o processo criativo que as constituía, apoiado vais, trazidas da Iugoslávia, e outras provenientes de cavernas budistas
na subjetividade ou no automatismo da ação, de uma forma ou de outra, negava a neces-
sidade de qualquer referência intencional ao mundo exterior. localizadas na Índia, a bienal exibiu obras de artistas da União Soviética
4 Ao pesquisar as regras contemporâneas do mundo da arte, às quais os jovens artistas estão e países comunistas, misturadas a trabalhos de Kurt Schwitters, expostos
sujeitos, Guilherme Marcondes Santos (2018) chama a atenção para o interesse de críticos,
curadores e galeristas em novidades no afazer artístico dos jovens. A descoberta da “novi-
numa sala especial, e obras de Lygia Clark e Iberê Camargo, artistas bra-
dade”, segundo o autor, legitimaria o trabalho dos críticos e não apenas dos artistas. sileiros premiados no evento. Para Alambert (2006, p. 232),

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o momento agora, segundo Pedrosa, seria mostrar as origens das origens, da turma. Serpa teria sido um professor rigoroso. Pouco agradava aos
ou seja: demonstrar o funcionamento da criação artística em si mesma. jovens receosos de suas críticas. Na época em que começou a ministrar
Destacadamente, a partir de suas formas originárias que não passavam
o curso para adultos, o artista trabalhava muitas horas por dia. Em 1950,
pela tradição culta europeia, vale dizer que não haviam sido determinadas
pela dinâmica alienante da sociedade liberal. a convite de Murilo Mendes, que lhe fora apresentado por Mavignier,
Serpa começou a trabalhar na Biblioteca Nacional5 das 11h às 17h no
A experiência da VI Bienal, diz o historiador, está na origem do restauro de livros. Foi um dos primeiros funcionários do Laboratório
projeto que Pedrosa levará para o resto de sua vida: a criação do Museu de Restauração da Biblioteca, inaugurado depois de décadas de empe-
das Origens. nho de seus diretores e funcionários para preservar o rico acervo de
Voltemos, porém, ao curso de arte para crianças, ministrado por manuscritos, gravuras e livros da instituição (Slaib, 2019, p. 222). Com
Ivan Serpa no MAM-Rio. Depois da leitura da crítica de Pedrosa e de a máquina de restauração deu início a suas experiências com os papéis,
seus desdobramentos torna-se difícil apreciá-lo como um caso isolado, criando suas primeiras colagens, mas só na década de 1960 apresentou
mas, antes, como parte de um conjunto de acontecimentos que tornava a série Anóbios ou Vivificação?, trabalho em guache realizado sobre
possível a realização do projeto do concretismo carioca. É verdade que, papéis atacados por insetos, formando um rendilhado, com cores e
naquela época, havia um interesse especial pelos benefícios do ensino colagens. Sobre seu ofício de restaurador, comentou: “minha passagem
da arte para a educação infantil, fato que não escapava a nenhum crítico. pela biblioteca teve grande importância para mim. Sobretudo porque
Em sua coluna, em 4 de dezembro de 1954, Antônio Bento, ao escrever eu gostava de meu trabalho. Eu via livros, incunábulos, gravuras que
sobre o curso de Serpa, lembra que a Unesco organizara um grande con- me despertavam atenção. Não podia errar porque um erro significaria a
gresso em Bristol, em 1951, para discutir a arte infantil com a presença perda irremediável de um livro de valor. E raro” (apud Siqueira, 2003, p.
de educadores e críticos de diversos países; em outro artigo, afirma que 162). Serpa trabalhou 14 anos na Biblioteca Nacional, ao mesmo tempo
somente com o advento dos museus modernos a educação artística que lecionava para crianças e adultos no MAM, pintava e preparava suas
infantil fora prestigiada. Bento se valia do contexto internacional a fim exposições. Costumava dizer que preferia trabalhar a ter que fazer con-
de chamar a atenção para os cursos de ensino da arte para crianças sem
cessões em sua pintura para agradar ao mercado de arte.
que, entretanto, sua crítica estivesse engajada a um projeto ou vinculada
Em 1952 e 1953, Serpa ministrava aulas às terças, quartas e quintas-
a uma teoria da arte. A despeito disso, o contexto favorável à arte infantil
-feiras às 18 horas para adultos, e aos sábados, para crianças, em dois
certamente deve ter contribuído para o sucesso do curso de Serpa. Só a
horários: das 14 às 16 e das 16 às 18 horas. Em 1954, as aulas continuaram
crítica de Pedrosa, contudo, lhe imprimiu um sentido próprio, ao realçar
no 20o andar do Edifício Municipal, na Cinelândia. O Ateliê funcionava
sua relação intrínseca com a arte concreta.
às terças e quintas das 17 às 18h e das 18 às 20h. Em 1952 e 1953, o número
de alunos adultos variou de 42 a 67. O curso de crianças tinha em torno
as aulas de serpa de 50 alunos, e para frequentá-lo era preciso que os pais fossem sócios
O Ateliê Livre de Pintura para adultos sob a responsabilidade de Ivan do museu. É possível ver as listas de presença6 assinadas pelo professor,
Serpa não obteve na imprensa projeção igual àquela do curso para crian- que, nas margens, indicava quem havia deixado de pagar ou desistido.
ças nem foi alvo da crítica regular de Pedrosa. A memória do curso para O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro oferecia atividades
adultos vinculou-se a depoimentos de alunos que, embora admirassem não só no espaço entre os pilotis do MEC, mas em prédios do Centro da
o professor, não pouparam comentários sobre sua atitude desconcer-
tante em sala de aula, principalmente quando comentava os trabalhos 5 Lígia Serpa, sua mulher, era bibliotecária, funcionária da Biblioteca Nacional.
6 Essa documentação está depositada no acervo do MAM-Rio.

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cidade, e também, a partir da construção da sede do museu no Aterro e Ascânio MMM sobre em que consistia sua habilidade para desvendar a
do Flamengo, em 1954, em barracões armados nas cercanias da obra. identidade de cada artista, geração após geração, Serpa afirma que –
Havia cursos de teoria da arte, pintura, gravura, desenho, para adultos
a coisa mais importante é respeitar cada um. Não ensino arte a ninguém.
e crianças, paisagismo, história da arte, ministrados por artistas como Vocês, que me conhecem de muito tempo, nunca me ouviram falar que ia
Fayga Ostrower, Ivan Serpa, Aloisio Carvão, Décio Vieira, Santa Rosa, ensinar arte. Acho que a pessoa com mais prática de lidar com tintas, com
Zélia Salgado, Margaret Spencer, Burle Marx, entre outros artistas, histo- determinadas coisas, pode dialogar com aquele que precisa de alguma
riadores da arte e críticos, a exemplo de Pedrosa. Em 1952, o Boletim do informação [...] O que faço é estabelecer um diálogo (Serpa, 1973, p. 181).
Museu informa que Serpa ministrava aula teórica para todos os alunos do
Quando se apreciam e comparam as declarações de Serpa sobre seu
museu. Em sua publicação anual de 1954, o Boletim mostra o quadro dos
método dialógico, percebe-se que, no mais das vezes, ele orienta os alu-
programas dos cursos oferecidos pelo MAM. Na leitura de seu programa
nos a conhecer o assunto de seu interesse:
de curso percebe-se o teor da orientação dada por Serpa a seus alunos:
uma moça chegou e me disse que queria fazer figuras humanas. Respondi
O programa dos cursos livres de pintura do professor Ivan Serpa está a tal que para fazer uma boa figura, ela teria que conhecer a constituição do
ponto distanciado do que usualmente entende-se por programa de ensino
corpo humano, dar uma olhada em anatomia... ver como é um corpo
que melhor fora não falar-se em programa.
humano por dentro, conhecer sua estrutura e poder tirar suas conclu-
Procurando, entretanto, esclarecer os alunos quanto às diretrizes do sões... Outro aluno veio me perguntar sobre tintas, sobre a cor. E eu res-
ensino neles ministrado, poder-se-ia dizer que estes cursos almejam pro- pondo com uma pergunta: você já observou as reações químicas da cor,
porcionar o aprendizado da pintura “pelo aluno”. já viu o que acontece? Outro rapaz disse que queria fazer coisas místicas.
Então trate de ler os grandes místicos, o que eles fizeram, o que eles procu-
Antes de tudo se buscará manter a sensibilidade do aluno inviolada e ravam. Como fazer um místico se nem se sabe se tem alguma coisa mística
isenta de influências parasitárias externas, mesmo quando provindas da dentro de você? (Serpa, 1973, p. 181)
sensibilidade do professor.
Os procedimentos do artista e seu “antiprograma” contrastavam
Através desse tipo de ensino se terá em vista o genuíno despertar da poten- com os programas de curso de Fayga Ostrower, composição e análise
cialidade criadora adormecida, que passa então a se expressar através de
sua própria e autêntica linguagem. crítica; de Santa Rosa, desenho estrutural e composição, cujo objetivo
era capacitar o aluno para projetos de decoração de interior, estamparia,
Não se pense, porém, que a este ensino corresponde um ambiente de publicidade, artes gráficas e cenografia; ou mesmo o de Décio Vieira,
“fáceis conquistas” no plano da elaboração da obra de arte. Pelo contrário
pintor concretista como Serpa, que ministrava curso prático e teórico de
as dificuldades permanecem, apenas de índole diferente, pois se originam
todas de mais íntima fonte espiritual como é específico de todo e qualquer desenho e pintura.
autêntico processo criador (Acervo do MAM-Rio). Serpa nunca abriu mão de seu programa nem do fundamento de sua
pedagogia de ensinar “a partir do aluno”, mesmo quando, na volta de via-
Serpa comunica seu programa de curso de forma clara e direta sem gem à Europa, em 1959, foi paulatinamente deixando o concretismo em
fazer uso de expressões comuns ao repertório do ensino da arte. Mas busca de outras linguagens. Tampouco abriu mão de sua metodologia de
define como princípio básico do aprendizado da arte a expressão indivi- comentar cada um dos trabalhos dos alunos, juntamente com outros alu-
dual, libertadora da potencialidade “adormecida”, em oposição a quais- nos, momento em que emitia seu juízo. Waltercio Caldas (apud Ferreira,
quer influências externas, sem deixar de dizer que a livre expressão não era 2004, p. 82), que com ele estudou no MAM em 1964, lembra que
conquista fácil nem suficiente para impulsionar um processo verdadeira-
mente criativo. Anos depois, indagado por Lygia Pape, Antonio Manuel

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talvez o primeiro contato que o meu trabalho tenha tido com o público o bloco-escola7 do MAM ficou pronto, se mudaram de novo; foram para lá
tenha sido nas aulas do Serpa, o que para mim foi também uma novidade fazer reuniões nas salas em que Serpa dava aulas.
na época. [...] Nós submetíamos o trabalho ao juízo dele, e ele era, de certa
Bem antes da inauguração do bloco-escola do MAM em 1958, porém,
maneira, uma pessoa de juízo implacável. Existe uma coisa muito boa nos
juízos implacáveis, eles são justos e quando eles são justos eles são muito Ivan Serpa criou o Grupo Frente dando nome e visibilidade aos artis-
eficientes, e o Serpa tinha um juízo implacável, mas tinha um juízo justo. tas, alguns ex-alunos seus, com quem convivia no museu. Na primeira
Eu acho que por mais cruel que ele tenha sido em certas informações, ou por exposição do grupo, na Galeria do Ibeu em 1954, os trabalhos de Aluísio
mais sincero que tivesse sido na época, isso era feito de tal forma eficiente, com Carvão, Décio Vieira, Lygia Clark, Lygia Pape, Ivan Serpa e João José
tal conhecimento de causa e de tal forma justa, que isso, por mais difícil que
pudesse ser psicologicamente, era extremamente benéfico do ponto de vista do da Silva Costa foram apresentados pelo crítico Ferreira Gullar. A esses
trabalho. Então, o que me recordo é que eu aprendi com essa justiça implacável. artistas logo vieram se unir, numa segunda exposição no Museu de Arte
Moderna, Palatnik, Franz Weissman, Hélio Oiticica. Dessa vez, coube a
Mário Pedrosa (1996e) apresentá-los. Esse texto de Pedrosa é frequente-
conversas sobre o grupo frente mente rememorado nas narrativas a posteriori sobre o Grupo Frente para
destacar a falta de unidade do grupo devido à ausência de uma diretriz
Se Serpa aparece calado e reservado para a imprensa, sisudo e rigoroso teórica que reunisse os artistas em torno de linguagem comum. Na apre-
para seus alunos, nas lembranças de Lygia Pape (2003) ele é o amigo sentação, Pedrosa observa que aqueles jovens artistas “não gostavam dos
querido, cuja casa estava sempre aberta aos domingos. Quando ela veio ismos nem das panelinhas”, pouco se atendo à rigidez de padrões esté-
de Petrópolis para o Rio, no início dos anos 1950, Décio Vieira lhe apre- ticos, os concretistas incluídos. Fosse para mostrar a abertura do grupo
sentou Ivan Serpa, e logo conheceu também Aluísio Carvão e João José às experimentações e seu apreço à liberdade expressiva, que Mário tanto
da Silva Costa. Foram formando, como costumava dizer, um grupinho. prezava, fosse para afirmar a “juventude” dos artistas à procura de uma
Reuniam-se aos domingos para mostrar e comentar os trabalhos que esta- linguagem própria, fato é que o texto do crítico revela a ausência de um
vam fazendo. “O Grupo frente começou a existir por causa dessas desco- projeto estético a guiar o trabalho dos jovens, característica dos concre-
bertas” (Pape, 2003, p. 61). Quando o MAM saiu do Banco Boavista e foi tistas cariocas que, paradoxalmente, ganhou corpo nos anos seguintes, e
para os pilotis do MEC, continua Lygia, tudo se tornou mais fácil, padroni- lhes conferiu feição própria, distinguindo-os dos artistas paulistas:
zado e oficial. Eles começaram a ir lá todos os dias para trabalhar “debaixo
do Ministério da Educação”. Serpa alugou uma sala no prédio do Bola O pessoal de São Paulo trabalhava com aquela forma seriada, com aquela
Preta na Cinelândia, e a turma ia para lá à noite para conversar, para falar. forma repetida que ainda trazia um problema de figura e fundo [...] havia
no Rio uma certa direção um pouquinho diferente. Os concretos do Rio
Como Ivan tinha saúde frágil, não bebiam, apenas se reuniam para dis- começaram a introduzir elementos mais subjetivos, que escapavam, por
cutir arte. Era uma coisa séria, “assim, obsessiva” (p. 62). Devido à ligação exemplo, ao simples registro de uma progressão. Outra coisa também que
de Serpa com Mário Pedrosa, iam também à casa do crítico e, às vezes, de diferencia bastante o grupo do Rio do de São Paulo é que aqui não havia
lá para o Engenho de Dentro ver a pintura dos internos. Lygia gostava de um projeto de trabalho. Havia sim um grupo que se reunia, discutia muito,
receber os estrangeiros que visitavam a cidade, convidando-os para jantar.
Com Serpa e outros amigos levou Max Bill e Tomas Maldonado para pas- 7 O bloco-escola de cursos do MAM, primeira edificação do museu, depois de quatro anos
sear pela cidade, sempre conversando sobre arte. Max Bill visitou Serpa em construção (1954 a 1958), foi inaugurado em 27 de setembro de 1958, ocupando 12 mil
metros quadrados, em que funcionariam os serviços administrativos e espaços destinados
em sua casa e admirou seus quadros. Lygia, porém, se divertia mesmo a salas de aulas e ateliês diversos: fotografia, escultura, tipografia, gravura, além do cinema e
com as festas que dava e varavam a noite com música e muita conversa. da cantina. O presidente da República Juscelino Kubitschek inaugurou o bloco. Foi organi-
Iam Palatnik, dona Lea, Ivan, às vezes Aluísio Carvão, lembra ela. Quando zada uma exposição com peças do patrimônio do museu, bem como um conjunto de obras
do pintor inglês Ben Nicholson e escultores ingleses contemporâneos (ver Portinho, 1999).

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mas não um projeto como o do plano-piloto para a poesia em São Paulo os jovens artistas e na divulgação do concretismo pela imprensa. Sua
(Pape, 2004, p. 155). participação distinguia-se daquela do crítico Mário Pedrosa, que além
de ser mais velho e figura de autoridade, dedicava-se a múltiplas ativi-
Declaração como essa de Lygia Pape evidencia que a sociabilidade
dades, as políticas entre elas, bem como se diferenciava daquela do pro-
dos jovens artistas esteve no centro de seu processo criativo. Depois
fessor e artista Ivan Serpa. Gullar se engaja na defesa dos artistas porque
das exposições no IBEU (1954) e no MAM (1955), obras dos concretistas
almeja ser poeta. Vivencia suas próprias experimentações na poesia e as
cariocas foram exibidas em Volta Redonda, na Companhia Siderúrgica
discute com os jovens, como um igual, ainda que o não fosse, pois que
Nacional, e no Itatiaia Country Club de Resende.8 Na sequência das atuava como editor e crítico no Jornal do Brasil em favor do trabalho
exposições que marcaram a emergência do grupo9 foi realizada em 1956 comum realizado por ele, enquanto poeta, e pelos artistas. Não à toa,
a 1a Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna Gullar (2004, p. 101) se refere a “nós” ao falar de si e dos artistas concre-
de São Paulo, remontada no início de 1957 no Ministério da Educação tistas, em entrevista concedida anos depois:
e Cultura, no Rio de Janeiro. O evento ficou conhecido na história da
arte como um marco das diferenças entre os grupos concretistas carioca Queríamos realmente fazer uma coisa nova e tínhamos a coragem de
e paulista, contrariando os propósitos de seus organizadores, dese- nos desligar do que se fazia lá fora, do contrário, não desenvolveríamos
a experiência como ela se desenvolveu A coisa que a Lygia faz não tem
josos de dar unidade ao movimento artístico. Pouco tempo depois, o
nada a ver com o que estava sendo feito em parte alguma. Nós estávamos
Grupo Frente se retraiu, rompeu com os artistas paulistas, e deixou de sozinhos fazendo, trabalhando, discutindo e teorizando. Nos reuníamos
atuar como Grupo Frente, mas não como grupo de artistas concretis- com frequência para ficar discutindo teoria e para mostrar as coisas que
tas cariocas, cujo núcleo de sociabilidade e apoio permaneceu no MAM. tínhamos feito. Não era uma coisa muito sistemática, era convívio mesmo.
Só depois do lançamento do Manifesto Neoconcreto, em 1959, na I O Suplemento era o centro de tudo isso (grifo meu).
Exposição Neoconcreta, realizada no MAM, o grupo se dispersou.
Nos anos que precederam o Manifesto Neoconcreto, dois aconte-
cimentos influíram na configuração e no reconhecimento do grupo de o crítico e poeta ferreira gullar
artistas, aprofundando suas tendências “subjetivistas”. O primeiro foi a Não poucas vezes Ferreira Gullar assumiu a paternidade do nome do
atuação do crítico Ferreira Gullar como editor do Suplemento Dominical Grupo Frente contando, que, ao preparar um caderninho para seus poe-
do Jornal do Brasil, a partir de 1955. Com projeto editorial e gráfico ino- mas, colocara na capa em papel pardo a palavra frente, para indicar a frente
vador, de autoria do poeta Reynaldo Jardim, com quem Gullar traba- do caderno. Serpa gostou e batizou o grupo como Frente. A recordação se
lhava em parceria, o SDJB dedicou-se ao apoio, debate e divulgação da tornou uma anedota (graciosa) em textos sobre o concretismo e em entre-
poesia e das artes visuais concretas durante quatro anos. O segundo vistas concedidas por Gullar, porém, mais do que esclarecer a origem do
acontecimento foi a ida de Ivan Serpa para a Europa, mediante a conces- nome do grupo, indica a singularidade da participação, nada desprezível,
são de prêmio de viagem do V Salão de Arte Moderna em 1957. Gullar, do crítico na conformação da identidade do grupo e de suas obras.
que já acompanhava o grupo, tornou-se mais presente no convívio com Da criação do Grupo Frente por Ivan Serpa (1954) à elaboração do
Manifesto Neoconcreto (1959), Gullar esteve mergulhado nos debates
8 Não encontrei qualquer documentação sobre essas mostras.
9 Antes das exposições do Grupo Frente, foi realizada a 1a Exposição de Arte Abstrata, orga-
sobre a poesia concreta. Uniu-se aos poetas Reynaldo Jardim, Oliveira
nizada pelo MAM-Rio, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 20 de feve- Bastos e Theon Spanudis, enquanto dialogava com os irmãos Campos
reiro de 1953. Flávio de Aquino, Mário Pedrosa e Niomar Moniz Sodré fizeram parte do júri e Décio Pignatari, até seu rompimento com os poetas paulistas. Muito
dessa mostra apresentada por Edmundo Jorge, de acordo com concepção de Décio Vieira,
e que reuniu artistas abstratos informais e geométricos, como Aluísio Carvão, Abraham ativo na defesa da poesia concreta, Gullar era um crítico-poeta, carac-
Palatnik, Antonio Bandeira, Fayga Ostrower, Ivan Serpa, Lygia Clark e Lygia Pape.

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terística já destacada por estudiosos (Martins 2012; Erber, 2015) e que sobre a arte tanto quanto para o desenvolvimento do trabalho artístico
importa aqui realçar mais uma vez. Luta corporal, Poemas espaciais e de alguns jovens. Uma prova disso é o enredamento dos poemas-livros
Poema enterrado, experimentações feitas de 1954 a 1959, evidenciam que do crítico-poeta com a criação dos Bichos por Lygia Clark (Gullar, 2007;
ele buscava dar forma a sua poesia de tal maneira que ela acentuasse Assunção, 2013; Erber, 2015). Ao relembrar as descobertas vivenciadas
a materialidade da palavra e o tempo-espaço em detrimento de ritmo no convívio com os jovens, Gullar aponta as etapas de seus experimen-
e sonoridade. Suas experiências radicais se aproximavam de tal modo tos que vão do abandono do plano gráfico e estático da página ao plano
da arte concreta que Gullar questionava sua identidade, indagando a si tridimensional e cinético de seus livros-poemas. Com o propósito de
próprio se era poeta ou artista (Gullar, 2004, p. 98). induzir a mudança dos hábitos convencionais, o poema é lido, folhean-
Gullar fora apresentado aos artistas do MAM por Mário Pedrosa. do-se as páginas e criando-se uma unidade página e palavra. Ao longo
Ele vinha de São Luís do Maranhão, sua cidade natal, de uma família do processo criativo, como no poema “Fruta” (1959), papel e palavra tor-
de comerciantes. Lá estudara no Colégio São Luiz de Gonzaga e iniciara nam-se um objeto manuseável.
suas experimentações com a poesia. Tinha 21 anos de idade. Por inter- A proximidade da poesia e da arte concreta é discutida por Pedro
médio de uma amiga, havia recebido e lido a tese Da natureza afetiva da Erber (2015) em Breaching the frame, ao argumentar que a ideia de
forma na obra de arte. Apreciara as ideias do crítico, mas não concordava tempo enquanto duração, usada por Gullar em sua poesia, em lugar da
inteiramente com seu autor. Ao chegar ao Rio, em 1951, encontrou-se simultaneidade, pode ser observada em trabalhos de Lygia Clark e Hélio
com Pedrosa para conversar sobre suas divergências. Pedrosa teria dito Oiticica. “The time of turning pages is essentially the time of práxis, of a
que as críticas de Gullar eram pertinentes e motivo para uma conversa: relationship with the constraints of matter; it brings the written word and
Começamos a conversar e eu fiquei bastante “ganho” por ele, pelo fato the act of reading back to its intrinsic material, body condition” (Erber,
mesmo de ele ser aquela pessoa experiente, que eu admirava, ter aceito a 2015, p. 142-143). Nesse sentido, as divergências de Gullar com os poetas
crítica que eu fiz em um nível de igualdade, como se eu fosse realmente paulistas e a leitura de seus poemas concretos evidenciam que os experi-
igual a ele (risos). Eu achei aquilo uma abertura, uma tolerância muito mentos do poeta e sua concepção de temporalidade, sem dúvida, moti-
grande, o que me ganhou imediatamente e me mostrou que eu estava
varam mudanças decisivas no processo criativo do grupo de artistas que
diante de uma pessoa muito especial (Gullar, 28/11/2008).
com ele convivia.
Entre Gullar e Pedrosa não havia apenas diferença de geração, tra- As ideias que Gullar vinha elaborando desde sua chegada ao Rio de
jetória de vida e posição nos meios intelectuais e políticos, mas uma Janeiro, em 1951, concebidas duplamente no compasso de suas atividades
notável disparidade no papel desempenhado por um e outro no interior como crítico e poeta, se deixaram expressar no Manifesto Neoconcreto,
do grupo de artistas. Desde o início, Gullar discordou do mestre, reite- lançado em 1959, por ocasião da I Exposição Neoconcreta. A carta que
rando sua demanda pela maior expressão da subjetividade na criação da ele escreve a Pedrosa, em 16 de fevereiro de 1959, cerca de um mês antes
obra de arte e pelo esgarçamento dos limites dos modelos matemáticos da publicação do Manifesto, registra o amadurecimento de suas ideias e
em favor de uma arte mais intuitiva. Com Pedrosa aquelas divergências confirma a relação de lealdade que os dois críticos mantinham, apesar
não foram adiante, podendo os dois conviver com elas e manter uma de suas divergências. Gullar trata, sem rodeios, de dois assuntos: o pri-
relação amistosa. Com os artistas, entretanto, ele as discutia à luz das meiro diz respeito às iniciativas que ele tomara em favor da realização do
experimentações que faziam juntos, com a poesia e a pintura. A con- Congresso Extraordinário de Críticos de Arte,10 que Pedrosa estava orga-
vivência próxima fomentava trocas e reciprocidades distintas daquelas nizando junto à representação brasileira da Associação Internacional de
Críticos de Arte. Chamando o evento de “nosso congresso”, Gullar desce
que os jovens tinham com Pedrosa, e contribuíram para o amadure-
cimento dos experimentos poéticos e concepções teóricas de Gullar 10 A respeito do evento, ver Marcelo Ribeiro Vasconcellos (2019).

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aos detalhes da divulgação do encontro na imprensa, contatos com o ele, pressupõe a existência de estruturas perceptivas anteriores à percepção;
Itamaraty em busca de apoio, encerramento do congresso no MAM do além do mais, as estruturas de que fala a Gestalt – diz ele – são estruturas
tal como a ciência as concebe, e a aplicação desse conceito de estrutura ao
Rio de Janeiro a pedido de Niomar Moniz Sodré, e nome dos críticos campo perceptivo parece-lhe impossível. E vai por aí.
brasileiros envolvidos em atividades em favor do congresso. Gullar dá a
entender que os dois vinham conversando sobre o assunto. O segundo Desde 1959, o neoconcretismo é objeto de interpretações, avaliações
ponto é o Manifesto Neoconcreto. e ponderações que assinalam mudanças importantes no trabalho artís-
tico dos jovens cariocas, destacando-se o ineditismo dos neoconcretos,
Quanto ao neoconcretismo, mandaremos a você o manifesto. Você já deve
imaginar do que se trata. O nome, antipático como sempre, é uma necessi- considerado a porta da entrada da arte contemporânea no país.11 Nesse
dade: pretendemos afirmar uma continuidade da arte não figurativa cons- corpus discursivo sobressai, com frequência, a oposição entre Gullar e
trutiva, de Mondrian a nós (!), mas levando em conta mais a obra que as Pedrosa, entre o concreto e o neoconcreto, fundamentada, em grande
teorias. Consideramos certa identificação da arte com a ciência (transposi-
ção de conceitos científicos para o campo da arte) como uma necessidade parte, na crítica fenomenológica de Merleau-Ponty à teoria da Gestalt,12
de certa época que já não se manifesta hoje. Pede-se assim uma nova inter- abrindo uma brecha para que se pense que a teoria do filósofo fran-
pretação dessa arte na base dos valores expressivos. Em suma: é secundá- cês tenha sido “adotada” pelos artistas na sua experimentação criativa.
rio que as esculturas de Pevsner tenham grande identidade com as formas Erber (2015, p. 109) afirma, no entanto, que houve uma convergência
da geometria descritiva: o que importa é que essas formas sejam expressão
visual, plástica, imaginativa, existencial. Acreditamos necessário repetir coi- entre o trabalho artístico e o novo modo de pensar a arte, e não uma
sas assim, porque essa afinidade da arte atual e da ciência (fatal, de si) está se precedência (ou influência) da teoria sobre aquele trabalho.
tornando, em muitos casos, um princípio estético, uma justificação e certos Ao apreciar um conjunto de fatos, iniciativas, relações, amiza-
artistas passam a imitar a ciência e a geometria. Contra a orientação meca-
des, afetos e conversas, contudo, é lícito indagar em que medida a arte
nicista e racionalista-suicida dos paulistas, afirmamos que a obra de arte,
sem abrir mão do novo vocabulário visual, expressará realidades do homem neoconcreta se faz no mundo mediante um processo de dez anos de
e não da máquina. A obra de arte será “expressão”, qualquer que seja o teor duração, iniciado nos primeiros encontros de Pedrosa com os artis-
construtivo, e não um mero produto da aplicação de princípios a priori. tas do Ateliê do Engenho de Dentro, e que culminou no Manifesto
Negamos que as noções de espaço, tempo, estrutura, da objetividade cientí-
fica tenham aplicação no campo da arte, que ocupa uma dimensão anterior Neoconcreto. Lembremos que pela convivência com o crítico, Serpa,
a essa objetividade: a arte como a ciência nascem dessa dimensão, com a Palatnik e Mavignier se dispuseram a abandonar a figuração e abraçar
necessária independência. Românticos que somos, reafirmamos com Kant uma linguagem abstrata. À sociabilidade sui generis em um hospital psi-
a independência da atividade estética, com relação à razão prática e à razão quiátrico, seguiram-se os ensinamentos de Ivan Serpa no Museu de Arte
pura... Em suma procuramos repor as coisas em seus lugares: acabemos
com essa demagogia científica que apenas assusta o burguês e embaralha Moderna, a formação do Grupo Frente e, finalmente, a participação do
o próprio artista. Arte não se ensina no colégio, e não é preciso ser doutor crítico e poeta concretista Ferreira Gullar no grupo de artistas do MAM.
(senão como Volpi) para fazê-la. Em linhas gerais é isso que vamos dizer em Os jovens insistiram em suas experimentações com abstracionismo
nosso manifesto. Como você deve ter percebido, trata-se de uma ampliação
geométrico, sem que tivessem conformado uma unidade programá-
da ruptura do grupo do Rio com o de São Paulo, e agora de modo mais defi-
nido. Realmente a arte concreta com seu rigor externo, com certos dogmas tica, como vimos, nem compromisso rigoroso com os preceitos e regras
nascidos de uma fase rudimentar, estava se tornando uma prisão insuportá- daquela linguagem. Sendo assim, seria possível considerar – em vez de
vel. Resolvemos pôr abaixo essa segurança aparente e deixar o futuro aberto oposições – feixes de múltiplas trocas e interações a formar um elo entre
às experiências. É claro que já o tínhamos, tanto que nunca aceitamos os
postulados paulistas. O manifesto torna pública essa tomada de posição. [...] 11 Pedro Erber (2015) argumenta que o neoconcreto brasileiro foi um dos primeiros e mais
Parece-me que a arte concreta chegou, aqui, a um amadurecimento ou pelo importantes movimentos que desembocam na arte contemporânea não somente no
menos começa a chegar. Tenho lido e relido o Merleau-Ponty, e considero âmbito nacional, mas também internacional.
muito importante a crítica que ele faz da Gestalt, por considerá-la ainda 12 Sobre o debate acerca da arte brasileira concreta, neoconcreta e contemporânea, ver Brito
uma psicologia causalista. Dá um golpe de morte no isomorfismo, que, diz (1999), Martins (2013), Erber (2015) e Osório (2016).

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o concreto e o neoconcreto, revelando a força criativa impulsionada pela participar do evento devido a sua não aceitação por parte de artistas do
“liberdade” de expressão a que estavam acostumados os artistas cario- grupo, segundo afirma Lygia Pape (2003, p. 64), ou porque, ao voltar de
cas, “desobedientes”, porosos e mais afeitos ao diálogo e ao convívio do viagem à Europa, de acordo com Vera Beatriz Siqueira (2003, p. 173),
que às molduras rígidas das teorias. ele foi se afastando do concretismo e passou meses sem conseguir pin-
Talvez por isso, décadas depois, em “Grupo Frente e reação neo- tar: “ao voltar a pintar, notei que havia uma profunda modificação em
concreta”, artigo que integra o catálogo da Coleção Adolpho Leirner, tudo que fazia [...] eu voltava a ser um homem, com suas necessidades
Gullar, ao relembrar a passagem do Grupo Frente ao movimento neo- interiores e aspirações em franca expansão” (p. 175). Serpa continuou a
concreto, pontue a dificuldade inerente a qualquer movimento artístico trabalhar infatigavelmente, deixando obra hoje consagrada pela história
de determinar o momento no qual tudo começou. Quando foi possível da arte. Nunca abandonou seus cursos no MAM, até bem pouco antes de
afastar uma perspectiva geométrica, matemática e científica e ganhar sua morte prematura. Por vezes, criticou o excesso de juventude que o
uma dimensão tridimensional? (Arte construtiva no Brasil, 1998, p. 164). teria feito abraçar o concretismo, fazendo uma autocrítica que provocou
a reação de seu amigo Gullar (2015c, p. 134):
dez anos de convívio intenso
Dessa espantosa entrevista de Serpa fica-nos entretanto a impressão de que
Há profecias que se cumprem, enquanto outras se deixam apenas anun- ele teria trabalhado, durante anos, obrigado a obedecer a determinados prin-
cípios ou apenas para satisfazer às imposições de uma “panelinha”. Se assim
ciar. Não faltou quem apostasse no fracasso dos concretos cariocas e se
era, faz ele muito bem em romper de vez com essa submissão, pois é sabido e
posicionasse contra sua forma de expressão artística. Nenhum prognós- provado que só há criação quando o autor se identifica com o que faz.
tico negativo, entretanto, chegou a se realizar:
Pedrosa estava em Tóquio quando recebeu a carta de Gullar, comu-
Estará o Grupo Frente na vanguarda da criação artística brasileira? Seus
nicando a publicação do Manifesto Neoconcreto. Passou dez meses no
componentes acreditam que isso de fato se verifique, mas essa é uma mera
suposição, sem base na realidade. A tendência concretista, seguida por Japão com uma bolsa da Unesco, no Museu de Arte Moderna, onde
alguns deles, não somente está superada na Europa, como constitui um estudava a caligrafia japonesa e suas relações com a arte abstrata ociden-
dos galhos mais mirrados da árvore abstrata. Aliás, nos últimos anos, o tal. Na volta, não polemizou com Gullar e logo acatou as obras nomea-
aparecimento de “concretos”, obedecendo ao figurino dos suíços (Max das neoconcretas. Em 1959, Pedrosa ocupava-se da organização do
Bill e SophieTauber-Arp), foi um fenômeno puramente acadêmico, igual
a tantos outros registrados ao longo da vida artística do país, a partir da Congresso Internacional de Críticos de Arte, sob os auspícios da Aica,
primeira metade do século XIX (Bento, 11.08.1955). cujo tema Cidade Nova − Síntese das Artes, escolhido pelo crítico, ren-
deu calorosa discussão sobre os projetos arquitetônico e urbanístico da
Fato é que a dinâmica própria do grupo, ao fim e ao cabo, o levou cidade de Brasília.
à dispersão, encaminhando-se seus integrantes em direções as mais Há quem sustente que, apesar das controvérsias, seja difícil negar o
variadas, a partir de suas disposições internas e individuais, no con- papel desempenhado por Pedrosa no decorrer do movimento:
texto político e econômico dos anos 1960 − a começar por Ivan Serpa.
O artista não assinou o Manifesto Neoconcreto, lançado por ocasião da o não envolvimento direto de Pedrosa no neoconcretismo não diminui
sua centralidade naquele processo. É em torno dele que o construtivismo
I Exposição de Arte Neoconcreta, no MAM, e publicado no Suplemento ganha corpo no Brasil – e mesmo que não se aceite a versão de que o
Dominical do Jornal do Brasil, no dia 23 de março de 1959. Embora pró- neoconcretismo é o momento culminante deste processo, ele é também
ximo de Ferreira Gullar, que acompanhava suas atividades no Grupo o desdobramento de um conjunto de forças postas em marcha por Mário
Frente e suas aulas para crianças e adultos, Serpa não foi convidado para Pedrosa a partir da segunda metade dos anos 1940. A intensidade com que
conseguiu implantar sua grade de valores, graças a um capital acumulado

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singular e às funções estratégicas que ocupou, é um dos fatos mais signifi- modo incansável. Gullar enveredou pela ação política, foi preso, exilado
cativos da história da arte recente no Brasil (Moura, 2014, p. 156-157). e voltou a fazer poesia em outros moldes. No final da vida, ocupou uma
cadeira na Academia Brasileira de Letras. Mavignier ficou na Alemanha.
Há, ainda, quem argumente, como Luiz Camillo Osório (2016, p. 95),
Foi aluno da primeira turma da Escola de Ulm, onde conheceu Max Bill
que o movimento concreto dos anos 1950 se desdobrou, reatualizado pela
e assistiu a aulas de Joseph Albers. Tornou-se conhecido por sua pin-
cultura local, em novas expressões da cultura contemporânea.
tura e seus cartazes, tendo ocupado uma cátedra na Universidade de
A matriz construtiva, nosso mergulho moderno, na década de 1950, man- Hamburgo. Além dos cinecromáticos, Palatnik fundou uma fábrica de
teve-se presente junto à torção cultural experimental que se seguiu aos móveis com o irmão, concebeu os cinéticos, dedicou-se à pintura em
parangolés e penetráveis de Hélio Oiticia, aos Bichos e Trepantes de Lygia
madeira, em cartão, dando às cores forma e movimento; consagrou-
Clark, aos Livros de Criação, balés e poemas-luz de Pape, ao cubo-cor
de Carvão, chegando aos flans de Antonio Manuel, aos ônibus e gibis de -se como um dos precursores da arte cinética; Lygia Clark concebeu os
Taimundo Colares e às instalacões de Cildo Meireles. Os processos de Bichos e os Trepants, obras que marcaram para sempre a virada neo-
formalização, cada um a sua maneira, foram revelando, mesmo que não concreta na arte brasileira. Viveu em Paris de 1970 a 1976, deu aulas na
intencionalmente, à singularidade de uma cultura local. É possível que Sorbonne e iniciou suas experimentações com o corpo e a psicanálise.
haja uma relação direta entre a afirmação de elementos locais em uma
poética e sua universalização, dando a uma linguagem comum, própria do
Hélio Oiticica irrompeu a cena da década com os Bólides, Parangolés
contemporâneo, uma entonação singular. e Penetráveis, introduzindo singularidades da cultura brasileira em seu
trabalho. Em 1970, foi para para Nova York com uma bolsa de estudo da
Não seria “o conjunto de forças postas em marcha por Mário Fundação Guggenheim. Décio Vieira, outro aluno de Serpa, pintava e
Pedrosa”, de que fala Flavio Rosa, ou “a presença da (matriz construtiva) fazia estampas; trabalhou com Volpi em São Paulo e prosseguiu com sua
junto à torção experimental”, mencionada por Osório − maneiras dis- obra, buscando outras linguagens e oferecendo cursos no MAM. Lygia
tintas de revelar os efeitos, as repercussões e ressonâncias das relações e Pape fez filmes experimentais, retomou as artes plásticas com Caixa das
interações, atividades e iniciativas encadeadas sob o comando da crítica de baratas e Caixa das formigas, foi presa e julgada, deu aulas e intensificou
Pedrosa e voltadas para o abstracionismo −, que venho apresentando neste suas atividades criativas, deixando uma obra singular. Aluísio Carvão,
estudo? Nesse caso, o movimento neoconcreto teria mesmo sido fecun- paraense que estudara com Serpa, tornou-se conhecido como o mestre
dado (expressão de Ferreira Gullar) bem antes de 1959. da cor e professor de numerosos alunos. Pedrosa deu continuidade a seus
Na realidade, em um período de dez anos, que separam a exposição escritos políticos e à crítica de arte. Publicou Opção brasileira e Opção
dos artistas esquizofrênicos do Ateliê do Engenho de Dentro (1949), promo- imperialista. Exilado pela segunda vez, em 1970, foi para o Chile e depois
vida por Leon Dégand no MAM de São Paulo e a I Exposição Neoconcreta para Paris. Na capital chilena participou ativamente da criação do Museu
(1959), realizada no MAM carioca, instituiu-se no Rio de Janeiro uma pro- da Solidariedade, mobilizando amigos e conhecidos de diversos países,
dução artística de cunho abstrato que colocou definitivamente em outro com o que conseguiu criar um acervo de doações para o museu, inaugu-
patamar a arte figurativa no país, e, por conseguinte, sua história da arte.13 rado durante o governo de Salvador Allende em apoio à causa socialista.
Quando o grupo se dispersou no início de 1960, o Jornal do Brasil já Seria relevante para uma sociologia do concretismo carioca rever
não publicava mais seu Suplemento Dominical. Serpa buscou outras for- essas trajetórias no seu conjunto (não isoladamente), para observar a
mas de expressão, obedecendo às inquietações que o assaltaram depois vida dos artistas concretos cariocas e de seus críticos pela perspectiva
da viagem à Europa, como mencionei. Perseguiu sua criatividade de de uma longue durée. Um estudo desse porte, certamente, iluminaria
13 Juntamente com artistas abstratos como Fayga, Iberê, Bandeira, entre outros, cujas traje-
melhor a constituição do grupo, como ele se formou, atuou e se disper-
tórias não contemplamos neste livro. sou. Poderia revelar ainda o valor e o significado do saldo da convivên-

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cia dos jovens artistas − suas aspirações, seu aprendizado, suas experi-
mentações, individuais e coletivas −, inscritos hoje na história da arte.
Somando-se a movimentos de outras cidades e países, o concretismo
carioca e brasileiro deu, assim, mais um passo no processo da intelec-
tualização da criação artística, tão próprio da modernidade.

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Posfácio (muito tempo depois)

Não é de estranhar ver quadros de Almir Mavignier no Museu de Arte


Murilo Mendes da Universidade Federal de Juiz de Fora. Afinal, Murilo
Mendes era conhecido de Mavignier desde os tempos do Ateliê do
Engenho de Dentro. No catálogo Mavignier 75 (2000, p. 72-73), podem
se ver as belas fotos que, em 1962, o artista tirou do escritor e sua esposa,
ao acompanhá-los em visita à Escola de Ulm, na Alemanha, e à casa
de Max Bill, em Zurique. Tampouco é incomum apreciar trabalhos de
Hélio Oiticica e Lygia Clark na Tate Gallery, em Londres, e relembrar
os empreendimentos e a amizade do crítico Guy Brett. Muitas obras do
movimento concretista carioca se dispersaram em acervos públicos e
privados; repousam em reservas técnicas de instituições financeiras, em
empresas ou apartamentos e/ou galpões alugados por colecionadores ou
de sua propriedade. Outras estão sob a guarda das famílias dos artistas.
Há obras fora do país, vendidas ou doadas a museus ou colecionadores
particulares, cuja visibilidade fica à mercê de oportunidades criadas por
projetos curatoriais e seus patrocinadores.
Em contrapartida à dispersão, um número significativo de obras
dos artistas concretos cariocas integra duas coleções: a Coleção João
Sattamini e a Coleção Adolpho Leirner. O fato é de importância não
apenas por limitar a dispersão das obras e facilitar sua visibilidade,
como por ter reunido muito do que havia sido separado por categorias
classificatórias, prenhes de significado na época do processo de criação
das obras, mas que, atualmente, se diluem nas coleções mencionadas.
1 Capa do catálogo comemorativo da exposição inaugural do MAC, Niterói Ainda que narrativas sobre o concretismo continuem acentuando a dis-
(Coleção Sattamini) 1996. Arquivo do MAC de Niterói. puta entre o concretismo carioca e o concretismo paulista, revisitando
a especificidade de cada um deles, além de reiterar as diferenças entre o
2.Capa e quarta capa do catálogo da exposição Arte Contemporânea Brasileira
concreto e o neoconcreto e que, neste livro, seja apresentada a história
na Coleção João Sattamini, 1996. Arquivo do MAC de Niterói.

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forma privilegiada: arte concreta no rio de janeiro de 1946 a 1959 posfácio (muito tempo depois)

singular da arte concreta no Rio de Janeiro, os concretismos carioca e Costuma-se atribuir aos colecionadores brasileiros um perfil
paulista (Villas Bôas, 2015b), o concretismo e o neoconcretismo se reen- conservador, que os faria preferir obras consagradas a correr o risco
contraram naquelas coleções. de apostar no futuro de artistas em início de carreira (Anjos, 2007).
Com pouco mais de 20 anos de idade, Adolpho Leiner e João Embora os artistas concretos não fossem jovens em início de carreira,
Sattamini eram jovens de recursos quando começaram a colecionar quando Leiner e Sattamini iniciaram suas coleções, os dois se tornaram
obras de arte, nos anos 1960. Leiner (1935-) vem de uma família judia conhecidos pela ousadia de colecionar obras cujos reconhecimento e
polonesa conhecida nos meios culturais e artísticos da cidade de São consagração não estavam consolidados. Com o correr do tempo, as duas
Paulo pelas relevantes atividades. Formou-se em engenharia têxtil na coleções, independentemente das direções que tomaram, contribuíram
Inglaterra para assumir um cargo na direção da empresa têxtil de sua e contribuem, hoje ainda, para o reconhecimento e a memória do con-
família. Sattamini (1933-2018) era economista, formado pela Faculdade cretismo brasileiro.
Nacional de Economia da antiga Universidade do Brasil, situada no Rio Em estudo pioneiro sobre coleções e colecionadores, Krzystof
de Janeiro. Fez carreira no Instituto Brasileiro do Café, morando em Pomian afirma que uma coleção é “um conjunto de objetos naturais ou
Nova York, Washington e Milão, onde dirigia setores de venda do pro- artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das
duto. Posteriormente, no Rio de Janeiro, trabalhou para firmas privadas atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial em lugar fechado
de exportação de café. preparado para esse fim, e expostos ao olhar do público” (Pomian, 1984,
Fosse pelo preço mais barato das obras, quando comparado ao p. 53). No verbete “Coleção”, da Enciclopédia Einaudi, o autor lembra que
valor das obras modernistas figurativas, fosse pela indicação de amigos, os colecionadores, mesmo os de poucos recursos, constroem vitrinas,
artistas ou marchands, fosse pelo “gosto” dos colecionadores (Leirner, preparam álbuns, buscam locais onde seja possível dispor os objetos de
1998; Sattamini, 2007), a compra das obras por Leiner e Sattamini ocor- suas coleções. Os cuidados com esse objetos incluem desde sua proteção
reu depois do período da efervescência criativa do movimento, quando aos fatores corrosivos físico-químicos, como a luz, umidade, tempera-
a crítica legitimadora divulgada pela imprensa se arrefecia e o entu- tura e poluição, até sua restauração quando apresentam qualquer sinal
siasmo de galeristas e diretores de museus, interessados em exibi-las, de estrago; eles são envolvidos por tal aura, que, na maioria dos casos,
havia diminuído. Desavenças e discórdias provocaram o distancia- não é possível tocá-los, mas apenas vê-los. Além disso, são protegidos
mento de artistas e críticos (Moura, 2014; Villas Bôas, 2013a, 2013b), contra roubos com equipamentos especiais, e mantidos sob vigilância
levando-os à busca de outras linguagens artísticas, como o fizeram Ivan constante. O valor desses tesouros, como os chama Pomian, expressa-se
Serpa e Waldemar Cordeiro, que tanto se destacaram nos grupos con- também no mercado que os circunda e que lhes atribui por vezes “pre-
cretos carioca e paulista quando jovens, ou à recusa da estética con- ços quase astronômicos”.
cretista, a exemplo do crítico Ferreira Gullar. Se o mercado de arte no Essas ponderações de Pomian foram ofuscadas pelas análises inter-
Brasil, ainda hoje, é considerado limitado, pode-se imaginar o quanto pretativas das narrativas das coleções, realçando a ordem significativa
o era naquela época, em que marchands vendiam antiguidades jun- que preside sua disposição, ou, ainda, pelos estudos da figura enigmática
tamente com obras de arte em suas lojas, e a circulação de quadros do colecionador. Elas são, contudo, oportunas para pensar as atividades
ocorria, com frequência, entre artistas, amigos e críticos (Bueno, 2005). e os gastos que envolvem a propriedade de uma coleção, cuja manuten-
Poucos artistas tiravam seu sustento da venda dos quadros, dedicando- ção exige recursos adequados e estratégias para evitar a dispersão, até
-se às estamparias, aos cartazes, a projetos gráficos, ao ensino ou outra pela atribuição de novo significado oriundo da crítica ou do mercado.
atividade, razão pela qual, segundo Leiner (1998, p. 10), a produção não Os recursos, o tempo necessário, a contratação de boa equipe e os con-
era volumosa. tatos constantes com museus e curadores levam colecionadores a esco-

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lhas diversas, em meio às quais se inclui a de se desfazer de sua coleção, é harmônico, provocando tensões e problemas que põem em xeque ou
dando-lhe outro destino. modificam a identidade das coleções de arte, tomando ela novos rumos.
Quando se aprecia a história das coleções de arte de Adolpho Leirner
e João Sattamini, percebem-se as dificuldades que ambos enfrentaram a coleção de joão sattamini
para a manutenção de suas coleções. As escolhas que fizeram, nem sem- no museu de arte contemporânea em niterói
pre aceitas pelos críticos e curadores, foram, não poucas vezes, questio-
nadas ou mesmo duramente criticadas. Em 1991, João Sattamini fez um Cerca de 30 anos decorreram da compra dos primeiros quadros, com a
acordo de comodato com a Prefeitura de Niterói para abrigar a maior ajuda do artista Antonio Dias, para que João Sattamini entrasse em con-
parte de sua coleção em prédio da cidade, o que deu origem à cons- tato formalmente com o prefeito Jorge Silveira e funcionários da admi-
trução do Museu de Arte Contemporânea, inaugurado em 1996. Em nistração do município de Niterói, em 1991, com o propósito de manifes-
2006, Adolpho Leirner vendeu sua coleção para o Museum of Fine Arts tar seu interesse em guardar parte de sua coleção de arte naquela cidade.
de Houston nos Estados Unidos, alegando falta de recursos para sua Foi em um dia ameno, em 1991, devia ser maio. Eu acompanhava o arqui-
manutenção. Essas escolhas alteraram as condições de visibilidade e pre- teto Oscar Niemeyer e o prefeito Jorge Roberto Silveira, buscando na orla
servação dos objetos artísticos, bem como a memória do concretismo marítima um terreno adequado ao Museu de Arte Contemporânea de
brasileiro. As mudanças decorrentes do deslocamento das coleções de Niterói. Mas no meio do caminho, no Mirante da Boa Viagem, já era evi-
dente que o destino acertara. Seria ali o museu que ainda não tinha forma,
São Paulo para Houston e do Rio de Janeiro para Niterói podem ser
mas nascia com a vocação de ser, invicta até hoje. Uma semana antes,
verificadas a partir das categorias de identidade e concorrência. No caso eu recebera na Secretaria da Cultura uma visita inusitada. Anna Maria
da coleção Adolpho Leiner, a reclassificação das obras da categoria de Niemeyer, amiga de toda a vida, trazia-me João Sattamini, colecionador
arte concreta brasileira para arte construtiva latino-americana alterou famoso, e Victor Arruda, pintor [...], mas vindo aqui como curador da
a identidade da coleção, colocando-a em concorrência com a arte nor- mítica Coleção Sattamini [...]. E eles queriam abrigar esse potencial fabu-
loso em Niterói [...]. Apaixonados, queriam um velho prédio recuperado,
te-americana e de países da África e da Europa. Quanto à coleção João mas quanto a recursos só se podia contar com a fantasia reinante do mundo
Sattamini, o deslocamento submeteu as obras da coleção a permanente do marketing cultural. Confesso que fui cético no primeiro momento [...].
disputa e tensão com a arquitetura ousada do museu e a paisagem a seu Urgente era levar a questão ao prefeito [...] Jorge Roberto, que não é de
redor que, uma vez consideradas “obras de arte”, se tornaram concorren- meias medidas, encarregava-me de convidar Oscar Niemeyer, ver se ele
queria fazer um museu de arte contemporânea em Niterói. [...] No dia 15
tes das obras da coleção.
de julho, o Arquiteto e o Prefeito apresentaram à imprensa o anteprojeto:
Os estudos sobre coleções de arte geralmente se orientam em duas belo e absolutamente surpreendente, já exato em sua forma-estrutura de
direções. De um lado, focalizam o conjunto de obras reunidas ou o gosto concreto armado, com apoio central – hoje aflorando do espelho d’água
especial do colecionador; de outro lado, concentram-se nos museus de que é um eco do mar – como um firme caule que se abre em flor – chama
arte, discutindo o conceito do projeto arquitetônico ou a solução dada, cálice? (Campofiorito, 1996, p. 15-16).
por exemplo, ao problema da luz no interior da edificação com o objetivo
O relato de Ítalo Campofiorito, arquiteto responsável pela Secretaria
de demonstrar que o museu é um abrigo neutro para a guarda e expo-
de Cultura da Prefeitura de Niterói, então sob o comando de Jorge
sição de obras de arte etc. Há muito, entretanto, Carol Duncam (2007)
Roberto da Silveira, no início da década de 1990, é expressivo do que
argumentou contra essas perspectivas, demonstrando em seu Civiling
ocorreu com a Coleção João Sattamini. Nota-se, logo no início do tre-
rituals. Inside public art museums que arte e arquitetura formam um só
cho aqui transcrito, que os nomes de Oscar Niemeyer e Jorge da Silveira
conjunto. A pesquisa de Duncan serve para observar que, nos casos das
precedem o nome de João Sattamini, e a procura de lugar aprazível para
coleções João Sattamini e Adolpho Leirner, esse conjunto nem sempre

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a construção de um museu de arte contemporânea na cidade de Niterói cidade voltada para a cultura em oposição à alcunha de “cidade dormitó-
vem à frente da referência aos interesses do colecionador. Sattamini bus- rio” da região metropolitana do Rio de Janeiro era um dos pontos altos
cava um local para guardar obras de sua coleção, incluindo aí os proce- da gestão do prefeito da cidade. Além disso, havia laços de camaradagem
dimentos técnicos para mantê-la em bom estado. A visita “inesperada” que uniam aqueles homens pela sua posição política em defesa de ideais
do colecionador ao secretário de cultura, acompanhado da filha de Oscar vinculados ao maior acesso à cultura e educação pelas camadas sociais
Niemeyer, Anna Maria, e do pintor Vitor Arruda, responsável pela cole- de baixos recursos. O governador do estado e membro do PDT, Leonel
ção de Sattamini − todos eles amigos entre si e figuras de proa nos meios Brizola, em seu segundo mandato, havia trabalhado, na gestão anterior,
culturais carioca e fluminense −, teria suscitado a ideia da construção de com Oscar Niemeyer no projeto de construção dos Centros Integrados
um museu para a cidade, o qual abrigaria o conjunto das obras de arte. A de Educação Pública (Cieps) e da Passarela do Samba, o Sambódromo,
decisão, incluindo a escolha do local da edificação, teria ocorrido em uma juntamente com o vice-governador Darcy Ribeiro. Em 1991, quando, aos
semana. As obras da coleção Sattamini foram transferidas para Niterói. 83 anos, Niemeyer entregou à Prefeitura de Niterói o projeto do MAC, ele
Ficaram no Museu do Ingá por cerca de cinco anos até a inauguração do foi logo alçado ao estatuto de “obra de arte”.
Museu de Arte Contemporânea, em 1996. O novo prédio foi construído Quem lê o catálogo da inauguração do Museu de Arte Contemporânea
com recursos públicos e sem interrupções durante os anos de mandato de Niterói, o site da instituição ou, ainda, entrevistas dadas à imprensa
do prefeito Jorge da Silveira e de seu sucessor, João Carlos Sampaio. pelo então prefeito Jorge da Silveira percebe que as benesses que o pro-
Se a origem do museu remonta a uma visita inesperada com a extraor- jeto arquitetônico do MAC de autoria de Oscar Niemayer trariam para a
dinária oferta de transferência de uma das maiores coleções de arte do cidade de Niterói constituem a grande atração do empreendimento polí-
país, com cerca de 1.200 obras, em troca de seu abrigo e conservação, não tico local. Os discursos por ocasião da solenidade de abertura do museu
seria possível, contudo, deixar de lembrar que a proposta ressoou positi- evidenciam que a coleção de arte de João Sattamini, apontada como o
vamente nos ouvidos dos governantes e políticos fluminenses, quase sem motivo da construção do MAC, passa a disputar sua importância com
exceção, integrantes do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Há tem- a arquitetura do museu. No corpus discursivo, publicado no catálogo
pos estavam interessados em uma política cultural que desse visibilidade especialmente elaborado para a abertura do MAC, a história da fundação
à cidade e aumentasse seus dividendos políticos. Com certeza o poten- do museu repousa na grandeza do projeto arquitetônico-urbanístico do
cial simbólico do museu com tão rara coleção poderia contribuir para a edifício enquanto patrimônio para a cidade de Niterói e na contribuição
gestão do partido no município e para suas carreiras políticas individuais inestimável da instituição para o campo artístico mediante a museali-
(Pinheiro Filho, 2019). A prova do interesse pelas ações culturais para o zação das obras da coleção de João Sattamini. Os nomes de Niemeyer e
município já estava inscrita no plano de Política de Ação Cultural (PAC), Sattamini engrandecem a iniciativa pelas qualidades extraordinárias do
que o prefeito Jorge da Silveira perseguia com o apoio de professores e grande arquiteto e do generoso colecionador.
arquitetos da Universidade Federal Fluminense, a exemplo de João Carlos No catálogo comemorativo de sua inauguração, entretanto, o MAC
Sampaio.1 Em 1990, a aprovação da Lei de Patrimônio de Niterói n. 827 não é definido por suas funções primordiais, mas como algo que trans-
possibilitou o tombamento do Campo de São Bento e, em 1991, do con- cende sua utilidade como museu para alcançar o status de patrimônio
junto arquitetônico e paisagístico da Escola de Arquitetura e Urbanismo ou “obra de arte”, considerando-se a edificação um objeto de contem-
da Universidade Federal Fluminense. A construção de Niterói como uma plação (Pinheiro Filho, 2019, p. 70). Não só a edificação, mas a paisa-
gem histórica monumental, que o museu descortina ao visitante, seria
1 João Carlos de Almeida Sampaio foi político, arquiteto e professor da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Prefeito de Niterói pelo Partido Democrático Trabalhista
ela também um objeto de contemplação. O prefeito João Sampaio, que
(PDT) foi responsável pela inauguração do MAC em 1996, último ano de seu mandato. presidiu a solenidade de inauguração do MAC, considerou a edificação

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um elemento reintegrador da cidade no panorama paisagístico da orla Em 1996, quando de sua inauguração, o MAC mostrou ao público
da baía de Guanabara. Mais do que isso, equiparou o MAC às antigas a exposição Arte Contemporânea Brasileira na Coleção João Sattamini,
construções da fortaleza e igreja na entrada da baía, tratando-o como o com curadoria de Reynaldo Roels Jr. A primeira exposição do museu
mais “novo símbolo” da cidade de Niterói: ficou aberta à visitação durante um ano. Ao apresentá-la no catálogo da
abertura do museu e no catálogo da abertura da exposição (ambos publi-
Três pontos naturais demarcam a enseada do lado de cá da baía: a ponta
de Santa Cruz, a ilha de Boa Viagem e o promontório, também da Boa cados por ocasião da abertura do MAC), Roels Jr. (1996, p.36) afirma que
Viagem. Coroando esses marcos geográficos, ao longo dos séculos, a mão
É bastante delicado avaliar o significado de uma coleção de arte no Brasil,
do homem construiu a fortaleza, na entrada da baía, e a igrejinha, no topo
onde o artista plástico tem uma posição no mínimo ambígua e, consequen-
da ilha. A espada e a cruz balizaram a enseada por muito tempo. Só recen-
temente, o resultado de sua atividade tampouco ocupa um lugar suficiente-
temente, surge a terceira baliza: o Museu de Arte Contemporânea no pro-
mente definido no quadro geral de nossa cultura. O papel do colecionador
montório da Boa Viagem. Da construção desse sonho, sorte minha, parti-
privado é, deste modo, tão problemático quanto o da arte que ele coleciona.
cipei desde o início […]. Que emoção, que privilégio para mim, prefeito,
arquiteto e niteroiense, entregar à população esse novo símbolo da nossa
cidade (Sampaio, 1996, p. 4-5). Reynaldo Roels Jr. ressalta que fazer arte é um ato político assim
como reunir obras como as da coleção Sattamini é uma forma de com-
Ao mesmo tempo que o arrojado projeto de Niemeyer e a deslum- bater a visão tradicional da arte que prepondera nos meios artísticos e
brante paisagem circundante se constituíam em templo especialíssimo intelectuais brasileiros.
para abrigar a coleção de mais de 1.200 obras representativas da arte O catálogo Arte Contemporânea Brasileira na Coleção João
moderna e contemporânea brasileira, a coleção de arte passou a dividir Sattamini (1996) estampou na capa a fotografia de um dos Bichos, de
seus louros com a grandeza arquitetônica e paisagística do museu. Lygia Clark, sobre fundo branco. O objeto fazia parte da coleção pes-
Nos documentos sobre o museu, catálogos e reportagens jorna- soal de João Sattamini que o emprestou para a exposição. No catálogo,
lísticas, o nome de Oscar Niemeyer aparece sempre associado ao de Reynaldo Roels Jr. justifica a seleção dos objetos para a exposição inau-
outros arquitetos, o nome de Jorge da Silveira, associado ao de outros gural, afirmando que buscara oferecer um quadro da arte brasileira da
políticos, e o nome de João Sattamini associado a críticos e curadores, segunda metade do século XX. A exposição apresentava cerca de 120
formando uma espécie de tripé sobre o qual se assentou o novo símbolo obras correspondendo a 10% dos objetos da coleção. O curador levara
da cidade, destacando-se a ação excepcional de políticos e funcionários em consideração tanto a abrangência da coleção como o reconheci-
do município niteroiense. Basta ver na contracapa do referido catálogo mento da obra de cada um dos artistas selecionados nos meios artísticos
seus nomes e respectivos cargos no governo da cidade: João Sampaio, nacionais. Além disso, ele chama atenção para o aparecimento de um
prefeito de Niterói; Luís Antônio de Farias Mello, secretário de Cultura conjunto de novas categorias da arte visual, como objeto, assemblage e
e presidente da Funiarte;2 Ítalo Campofiorito, consultor especial da instalação cujo foco exclusivo não faria sentido em mostra inaugural,
Prefeitura; Ivan Macedo, superintendente da Funiarte; Guilherme fazendo-se indispensável oferecer ao público um quadro mais represen-
Tinoco, presidente da Emusa.3 tativo da coleção Sattamini que se transformava em acervo do museu.
Por este motivo, acreditava Roels Jr., a exposição não atendia à expecta-
2 A Fundação Niteroiense de Arte (Funiarte) teve seu nome alterado, em 1997, para tiva do campo artístico no debate específico da arte contemporânea, mas
Fundação de Arte de Niterói (FAN). É uma autarquia pública, subordinada à Secretaria
Municipal de Cultura de Niterói. Disponível em: http://www.culturaniteroi.com.br/
ao público interessado em ver parte do conjunto da coleção Sattamini.
blog/?id=500. Acesso em: 26 dez. 2020. Obras de Alfredo Volpi, Eduardo Sued, Lygia Clark, Antonio Manuel,
3 A Empresa Municipal de Moradia, Urbanismo e Saneamento (Emusa) é uma empresa Antônio Dias, Raimundo Colares, Iberê Camargo e Daniel Senise, entre
pública de administração indireta, vinculada à Secretaria Municipal de Obras e
Infraestrutura. Disponível em: http://emusa.niteroi.rj.gov.br/. Acesso em 26 dez.2020.
outros, foram expostas na mostra inaugural do museu.

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Nos discursos sobre a fundação do MAC pouco se ouve a voz de João ção destoa das narrativas dos políticos e arquitetos sobre a construção
Sattamini. Dos catálogos aos quais me referi, apenas naquele da abertura do museu, que, revestidas de caráter notadamente épico, nivelam o feito
do museu consta, na última seção, um pequeno texto de sua autoria, com àqueles da construção de uma fortaleza e uma igreja que marcaram as
destaque para a frase “Uma coleção só existe se puder ser vista” (Museu origens históricas da cidade. Tal disparidade discursiva, visível no con-
de Arte..., 1996, p. 28). Sattamini chama a atenção para a quantidade de traste entre a epopeia da construção do MAC e a generosidade parcimo-
esculturas de sua coleção, que considera pouco comum, e se refere à niosa do colecionador, é, como já mencionei, sugestiva das tensões entre
grande dimensão dos quadros constantes do conjunto e de autoria de o museu e seu acervo.
artistas da década de 1980, afirmando que, devido ao volume daquelas Nos anos que se seguiram à abertura do MAC de Niterói, foi criada
obras, se fez necessário “evoluir do caráter privado para o público”. A a Divisão de Teoria e Pesquisa com professores, pesquisadores, histo-
declaração despretensiosa de Sattamini passa despercebida no decorrer riadores da arte, críticos e curadores do mais alto gabarito. Na primeira
da leitura do catálogo, no qual a tônica está no caráter heroico da ação década após a inauguração, um conjunto importante de exposições veio
política modeladora do novo símbolo da cidade. Ela é, no entanto, o a público (Saldanha, 2006), como Entre esculturas e objetos (1997),
motivo primeiro que põe em movimento um encadeamento de múlti- curada por Luiz Camillo Osório; Jorge Guinle (1997), com curadoria
plas ações resultando na edificação do MAC. E como veremos adiante, de Reynaldo Roels Jr.; Espelho da Bienal (1998), de responsabilidade de
de certa forma, permite compreender o mal-estar que se instaurou entre Rubem Breitman; e Retrospectiva Abraham Palatnik (1999), com cura-
o colecionador e o museu. doria de Frederico Moraes. Em 2015, o MAC fecha para obras e reabre,
A Coleção João Sattamini é um dos mais representativos conjuntos um ano depois, com a exposição Ephemera: diálogos entre-vistas, com
de obras produzidas no Brasil nos últimos 70 anos. O acervo abrange curadoria de Luiz Guilherme Vergara, diretor do museu. Em analogia
exemplares da arte abstrata no país desde meados do século passado, ao formato circular do prédio, a mostra propunha um panorama de
incluindo o concretismo, o neoconcretismo e a abstração informal; a 360º sobre quase seis décadas de arte contemporânea, na Coleção João
Nova Objetividade Brasileira, que marca a década seguinte; o experi- Sattamini, que constitui o acervo do MAC. Ao programa Arte Clube, da
mentalismo dos anos 1970, a retomada da pintura da década de 1980 Rádio MEC do Rio de Janeiro, Vergara (apud Virgilio, 2016) declarou que
e a produção mais recente, na qual a diversidade de linguagens ganha
fôlego. Some-se a esse conjunto a presença de artistas com trajetórias Ephemera é a passagem do tempo, significa tudo o que é passageiro, mas que,
independentes daqueles movimentos, que entretanto se notabilizaram ao mesmo tempo, remete às obras de arte que foram criadas desde os anos
50 e estão presentes na coleção. Elas são testemunhas da passagem do tempo:
por suas obras, como Iberê Camargo e Sérgio Camargo. obras dos anos 60, do momento da repressão militar, obras que estão ligadas
O discurso do curador, Ronaldo Roels Jr., sobre a coleção, publicado ao feminismo, às questões da mulher, obras que envolvem a tecnologia.
no catálogo não deixa entrever sua riqueza e relevância no conjunto da
história das artes visuais brasileiras, atendo-se às especificidades do con- Ao reunir a forte presença do museu e a exposição com obras da
junto de obras colecionado por Sattamini e, mesmo, às dificuldades em coleção, na curadoria de Ephemera, Luiz Guilherme Vergara anuncia os
apresentá-lo ao público na exposição inaugural. Referindo-se ao con- novos temas da agenda artística e política. Nos últimos anos, o público
flito entre os especialistas da arte e o público em geral, considerando pôde visitar as exposições Arte Contemporânea no Brasil (2016), Anna
este último pouco afeito às novidades artísticas, Roels perde a oportu- Bella&Lygia&Mira&Wanda (2018), com curadoria de Pablo Léon de la
nidade de qualificar a iniciativa de Sattamini em reunir obras modernas Barra e Raphael Fonseca, e ainda País ocupado (2019) sob a responsa-
e contemporâneas e destacar as vantagens do comodato com relação à bilidade dos mesmos curadores, apresentando obras de Antonio Dias,
visibilidade das obras. A apresentação da exposição inaugural da cole- Antonio Manuel, Ivan Serpa e Rubens Gerchman.

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Muito se fez pela visibilidade da coleção nos 30 anos que transcor- çou retirar a coleção do MAC. Foi então que a Prefeitura da cidade fez os
reram da assinatura do comodato até a morte do colecionador em 2018. arranjos necessários e deu início a obras no espaço do museu. Ao final da
Os esforços em mostrar ao público os “tesouros” da coleção Sattamini, reforma, quando a polêmica se encerrou e o contrato foi restabelecido, os
entretanto, não superaram a marca de origem do museu, definida pelo objetos que estavam nos armazéns da prefeitura no Terminal Rodoviário
conflito entre sua arquitetura e seu acervo de arte. Não me refiro aqui João Goulart foram trazidos para as reservas técnicas do MAC-Niterói e
aos numerosos problemas financeiros de um museu monumental, que do Museu do Ingá.4 O acervo catalogado5 é composto por 1.217 objetos ao
pertence a uma prefeitura municipal, no Brasil, enfrentando problemas quais se somam 369 (atualmente 586) objetos de arte doados por artistas
de toda ordem em sua administração, nem, certamente, à qualidade da e que compõem o acervo básico do museu.
curadoria e das exposições realizadas. Refiro-me aos valores gerados Por ocasião da venda da Coleção Adolpho Leirner para o Museum
desde o início da construção do edifício do museu, que aparentemente of Fine Arts de Houston, Sattamini expressou sua profunda insatis-
ainda ressoam na atualidade, independente da vontade daqueles que o fação com as políticas públicas voltadas para o patrimônio artístico
administram, e dizem respeito a uma espécie de tensão hierárquica ori- bem como com as condições de acondicionamento e preservação de
ginal e portanto “inevitável” entre as distintas obras de arte que o museu sua coleção no MAC. Foi essa a tônica das declarações feitas por ele ao
carrega – a paisagem em redor, a arquitetura e a Coleção Sattamini. jornal Folha de S. Paulo, em 2007, sete anos antes de voltar a bater na
Sattamini ocupava o lugar de conselheiro do MAC. Mantinha rela- mesma tecla, como já mencionei.
ções ora amistosas, ora consensuais, ora conflituosas com os funcioná- O que poderia aparecer como conduta de um colecionador “tem-
rios da Prefeitura de Niterói, diretores do MAC, curadores e jornalistas; peramental” ou, para usar palavras de Campofiorito, portador de uma
suas queixas e reclamos aos governantes e funcionários da administração “ansiedade inextinguível, mas fidalga” − reclamar da falta de condições
governamental informavam sobre a falta de cuidado técnico com a pre- da reserva técnica do museu onde se encontra sua coleção, acusar os
servação das obras, as condições precárias do local onde se guardavam funcionários e ser acusado de falta com seus deveres de colecionador
as obras e a falta de recursos financeiros da prefeitura. Do lado dos fun- previstos em contrato −, constitui antes problemas frequentes na prática
cionários, diretores e governantes, a resposta se transformava em acu- de preservação de obras de arte. Não são de pouca monta, uma vez que
sação ao colecionador que não cuidara como devia de suas obrigações de sua solução depende o sucesso ou o fracasso das iniciativas dos cole-
contratuais quanto à catalogação da coleção, que começou a ser feita em cionadores no que respeita à visibilidade dos objetos artísticos. Afinal,
2006. Uma das atribuições contratuais do comodante era a catalogação ao retirar as obras da esfera da utilidade, como afirma Benjamin (2006,
prévia dos objetos que seriam cedidos ao comodatário, dever contratual p. 237), livrá-las da dispersão e as inserir em um “sistema histórico”, o
que não teria sido cumprido por João Sattamini. Na realidade, a catalo- colecionador deve prover cuidados técnicos adequados para sua preser-
gação dos objetos de arte foi concluída pelo museu durante sua reforma, vação, o que requer altos investimentos.
no contexto de uma polêmica sobre a renovação do comodato por parte Neste ponto, que diz respeito à conservação das obras colecionadas,
de João Sattamini em 2015 e 2016. da qual depende sua memória e visibilidade, retomo o problema já men-
Essa pendência, da maior importância para arquivamento, conser- cionado e relativo às consequências do comodato assinado pelo colecio-
vação e pesquisa da coleção, estava, contudo, atrelada a outra, relativa ao
espaço para a reserva técnica do museu. Em meados de 2014, Sattamini 4 Não consegui outras informações a respeito disso. Além da reserva técnica do museu,
deu entrevista ao jornal O Globo denunciando as más condições da parte das obras da coleção permanece no Museu do Ingá. A reserva do MAC, até onde foi
possível saber, não comporta objetos muito altos.
reserva técnica do museu, a falta de aparelhos de ar condicionado e 5 Disponível em: http://culturaniteroi.com.br/blog/?id=2091&equ=macniteroi. Acesso em:
outros problemas (Furlaneto, 1.8.2014). No início do ano seguinte amea- abr. 2018.

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nador e do destino de sua coleção. Uma vez concluído o comodato entre menos em uma fase importante de sua trajetória. Foi constituída, na
colecionador privado e órgão público municipal, em contexto de eferves- sua quase totalidade, de 1961 a 1972 por trabalhos feitos na década de
cência partidária, procedeu-se a divisão da responsabilidade do destino 1950. Embora com predominância de artistas homens – Hélio Oiticica,
da obra. O que Pomian diz sobre as funções do colecionador não mais Waldemar Cordeiro, Ivan Serpa, Abraham Palatinik, Almir Mavignier,
depende com exclusividade de João Sattamini. Nesse sentido específico, o Hermelindo Fiaminghi, entre tantos outros –, a coleção abriga obras de
comodato com o MAC de Niterói difere do comodato da coleção Gilberto oito artistas mulheres, entre as quais Maria Helena Andrés, Lygia Clark,
Chateaubriand, abrigada no MAM-Rio, no qual as partes contratantes são Judith Lauand, Maria Leontina, Wega Ney e Lygia Pape. A coleção inclui
de natureza privada. Isso entretanto não é tudo. A grandeza do projeto do pinturas, objetos, pôsteres e materiais gráficos, destacando peças dos
Museu de Arte Contemporânea de Niterói – configurada por elementos artistas concretos do Grupo Ruptura, de São Paulo, e do Grupo Frente,
da natureza, da história e do projeto arquitetônico − induz por si própria do Rio de Janeiro.
à dispersão de interesses e recursos. De um lado, o museu se tornou o Localizada durante 40 anos na cidade de São Paulo, a Coleção
símbolo da cidade e atrai seus habitantes e turistas. Ele é a arte que con- Adolpho Leirner foi vendida por seu colecionador ao museu nor-
corre com os quadros e objetos da coleção de arte que abriga. Muitos de te-americano, em 2007, e a venda facilitada pela Caroline Wiess Law
seus visitantes não chegam a vê-la. Subindo e descendo sua rampa, apre- Accessions Endowment Fund da Caroline Wiess Law Foundation.
ciando o edifício do museu de um lado e a natureza do outro, quadros, Desde então a coleção vem sendo cuidada pelos especialistas e cura-
objetos e esculturas da coleção, em exposição ou em repouso na reserva dores do rico museu, recebendo grants e recursos especiais. No site
técnica, permanecem invisíveis no interior da edificação. De outro lado, do museu, o pesquisador pode ver imagens de cada uma das obras da
quem poderia assegurar a guarda e a conservação de tão preciosa cole- coleção, além de ter acesso a informações sobre o autor e sua obra no
ção da arte brasileira senão o Museu de Arte Contemporânea de Niterói arquivo organizado pelo International Center for the Arts of Americas
ao qual ela foi destinada? O MAC garante os serviços indispensáveis à (Icaa). O museu publicou o catálogo Dimensions of Constructive Arts in
preservação das obras, por intermédio de seus funcionários especializa- Brazil: the Adolpho Leirner Collection, de autoria de Adolpho Leirner e
dos, restauradores e curadores, além do compromisso de divulgar e dar Mari Carmen Rámirez. Além disso, promoveu a exposição Dimensions
visibilidade às obras em exposições. A coleção Sattamini se mantém sob of Constructive Art in Brazil: The Adolpho Leirner Collection, em
a guarda do museu em permanente tensão com a natureza própria de sua Houston, e organizou um simpósio internacional sobre o tema com a
arquitetura e a beleza de seus arredores. Falta harmonia entre arquitetura participação de especialistas brasileiros. Dois anos depois, em 2009,
e coleção, ainda que o museu tenha sido construído para abrigá-la. publicou o segundo livro sobre a coleção, Building on a constructo: the
Adolpho Leiner Collection of Brazilian Constructive Art at the Museum
of Fine Arts, organizado por Héctor Olea e Mari Carmen Ramírez, e
a coleção adolpho leiner no
ao final desse mesmo ano, em novembro, inaugurou uma exposição da
museu de belas artes de houston
coleção na Haus Konstrutiv, em Zurique.
Não há como contar a história do concretismo carioca sem relembrar Adolpho Leirner foi duramente criticado pela decisão de vender
a história da Coleção Adolpho Leiner, composta por 99 obras do con- sua coleção ao museu norte-americano. Veremos adiante a polêmica
cretismo brasileiro, que hoje se encontra no Museum of Fine Arts de que a transação comercial suscitou no Brasil. Como disse Leiner em
Houston, nos Estados Unidos. Trata-se de coleção preciosa para os entrevista (2018),6 contudo, sua coleção não poderia estar em lugar
estudiosos da arte concreta carioca e paulista, pois raros são os artis-
6 Quero aqui expressar meus agradecimentos a Adolpho Leiner por ter-me gentilmente
tas que a integram que não tenham aderido àquela tendência, ao recebido em sua casa, em julho de 2018, para conversarmos sobre a coleção.

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melhor. O Museu de Belas Artes de Houston é um dos maiores museus Aracy Amaral, historiadora, crítica de arte afamada e editora do
norte-americanos. Criado em 1917 para levar a arte into the everyday life Arte Construtiva no Brasil (1998) sobre a coleção do empresário pau-
dos cidadãos da cidade texana, cresceu de tal maneira ao longo de um lista, foi uma das primeiras a se pronunciar sobre a transação comercial,
século que hoje tem sob sua guarda e administração mais de 64.000 afirmando:
obras, conjunto que engloba, segundo o site da instituição, renascimento
falta espírito público por parte das instituições brasileiras, em nível federal,
italiano, impressionismo francês, artes decorativas americana e europeia,
estadual e municipal, da elite financeira e do próprio colecionador. Todos
arte africana e pré-colombiana, arte americana, pintura e escultura norte- sabemos que o Leirner estava vendendo a coleção; ele ofereceu ao MAM pau-
-americanas e europeias posteriores a 1945; arte afro-americana, pintura lista e à Pinacoteca, mas ninguém aqui se preocupa com patrimônio cultu-
texana além de “coleções emergentes” que contêm arte latino-americana ral, há uma falta de comprometimento (Amaral apud Cypriano, 2007).
moderna e contemporânea e arte asiática. Atualmente o museu conta
com dois prédios: o Caroline Wiess Law e o Audrey Jones Beck para suas Ao lado de Aracy, a curadora Ligia Canongia organizou um pro-
exposições; duas casas para as coleções de arte decorativas; uma escola de testo cívico na internet contra o descaso do poder público com a cul-
arte; um jardim com esculturas; galpões e prédios para reserva técnica, tura. Os alvos dos protestos foram o Museu de Arte Moderna de São
conservação e arquivos e um prédio para sua administração. Calcula-se Paulo e a Pinacoteca da cidade, ambas instituições públicas que recebem
que mais de um milhão de pessoas se beneficiam anualmente das exposi- recursos diversos da iniciativa privada. No debate, mostrou-se que era
ções e programas do museu. Saliente-se nesse conjunto a ampliação pro- preciso perscrutar melhor os motivos da recusa das duas instituições
jetada por Mies van der Rohe ao prédio Caroline Wiess Law em 1953, que paulistas em comprar a preciosa coleção de uma fase importante da arte
confronta com a edificação neoclássica projetada em 1924. brasileira. Outro alvo foi o Ministério da Cultura que não se manifes-
Em flagrante contraste com a Coleção João Sattamini – para a qual tou com relação à venda. Artistas e curadores expressaram também sua
foi construído um museu –, a Coleção Adolpho Leiner está abrigada em indignação contra a legislação brasileira vinculada ao patrimônio histó-
uma sólida instituição, ativa há mais de um século na região norte-ame- rico e cultural que apenas proíbe a saída de obras do Brasil quando são
ricana enriquecida com os dividendos do petróleo, e cujo acervo abarca bens tombados. Por fim reclamou-se do (suposto) valor irrisório de 15
período de mais de 6.000 anos. Lá, as obras reunidas pelo colecionador milhões de dólares da venda dos quadros e objetos concretistas.
paulista não enfrentam os problemas de escassez de recursos para abrigo Patrícia Canetti (2007), editora do Canal Contemporâneo, defen-
e manutenção, nem competem com a arte da arquitetura do museu e seus deu as instituições paulistas com quem Leirner dizia estar em contato há
arredores; enfrentam, porém, a concorrência de milhares de obras e obje- 14 anos para a venda de sua coleção (desde 1993).
tos artísticos confeccionados durante uma enorme duração histórica, parece que “todos os curadores, diretores de museus” a que se refere Adolpho
classificados por sua procedência cultural e geográfica. O belo acervo Leirner, em relação às suas tentativas em manter a coleção no Brasil, se
concretista reunido por Adolpho Leiner foi pouco a pouco imiscuído na resumem a duas instituições em São Paulo: MAM e Pinacoteca. Seria inte-
categoria de coleções emergentes provenientes da América Latina. ressante conhecermos melhor como se deram as buscas por recursos para
a aquisição desta coleção para entendermos o motivo de nosso fracasso.
A venda de obras do construtivismo [construtivism] brasileiro,
Estas instituições buscaram apoio junto aos membros de seus conselhos e
como as nomeiam os curadores norte-americanos, causou grande associações de amigos; chegaram a usar leis de incentivo; buscaram apoio
celeuma nos meios artísticos brasileiros, provocando discussões, diver- junto aos seus patrocinadores regulares ou novos patrocinadores; as várias
gências e conflito. Considerada uma perda para o patrimônio cultural instâncias de governo foram acionadas e as estatais contatadas.
da nação, a venda suscitou um debate na imprensa virtual e impressa
sobre as políticas culturais e as relações entre os domínios do público e Acho que é importante para a sociedade saber como as nossas ins-
do privado (Dossiê..., 2014; Sattamini, 2007). tituições trabalham para conseguir recursos para se manter e também

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conhecer o esforço feito diante de uma tarefa tão importante quanto nal sobre a Coleção Adolpho Leirner reaviva as antigas afirmações sobre
esta: manter uma joia de nosso patrimônio cultural ao nosso alcance. as origens do concretismo brasileiro e, ao mesmo tempo, introduz a cole-
De maneira sutil, a jornalista se dirige indiretamente ao coleciona- ção na rubrica/categoria de arte latino-americana.7 Não é de surpreender,
dor para dizer que uma venda daquele porte não fora divulgada, recla- entretanto, a paulatina mudança da identidade da coleção, cujo primeiro
mando que a decisão de Leirner fora anunciada publicamente depois passo é atribuir ao artista suíço (proveniente de um país considerado “cen-
que a venda tinha se tornado um fato consumado, o que tomou de sur- tral”) a origem da arte concreta em um contexto periférico. O fato de ter
presa artistas, críticos, curadores e profissionais do mundo das artes: havido um transplante original de instituições e costumes para os países
“De qualquer forma, ficamos perplexos por uma tarefa desta magnitude da América Latina determina para muitos intelectuais ou profissionais da
não ter vindo a público, com um chamado nos avisando ‘Se não a com- cultura a total impossibilidade de afirmação de singularidade ou origina-
prarmos, ela vai se embora...’” lidade ou descoberta de algo na periferia. Por mais que Pedro Erber tenha
Com o tempo, a crítica foi se arrefecendo. Em conversa com o cole- argumentado em seu Breaching the Frame que o movimento da arte neo-
cionador em 2018, ele se referiu com entusiasmo à coleção que tem o concreta e contemporânea se esboçou em países como o Brasil e o Japão,
seu nome, revelando em detalhes o tratamento da melhor qualidade o velho mito de origem que atribui a países centrais tudo que se elabora
que o museu de Houston lhe concedia, além da alta soma de grants que em países periféricos ainda vigora com força. Nesse sentido, os curadores
esperava receber para a sua preservação, pesquisa e divulgação, men- norte-americanos ou de outras nacionalidades que trabalham no Museu
cionando a possibilidade de algumas das obras serem exibidas de modo de Houston se atribuem autoridade para distinguir objetos e movimentos
permanente em uma sala do museu. a partir de uma escala superior/inferior, ativo/passivo.
Na primeira exposição da Coleção Adolpho Leirner na Suíça, pro-
movida pelo Museum of Fine Arts de Houston, em 2009, o discurso
o desenrolar de uma história
sobre a história do movimento artístico ocorrido no Brasil atribui seu
surgimento às influências do artista suíço Max Bill, enfatizando sua pre- São muitas as atribuições que pesam sobre os ombros de um coleciona-
sença na I Bienal de São Paulo e o prêmio que lhe foi concedido pela dor, sendo a mais dramática, talvez, sua responsabilidade pelo destino das
escultura Unidade Tripartida. Não resta dúvida de que a presença de obras de arte. As iniciativas e ações interessadas em dar visibilidade às
Max Bill no cenário artístico paulista e carioca foi influente no início da obras são decisivas para a sua consagração definitiva, a manutenção de sua
década de 1950. Ele tinha amigos e conhecidos brasileiros. Lygia Pape notoriedade e de seu lugar na história da arte. O valor estético atribuído a
conta com graça como o acompanhou à casa de Ivan Serpa e conver- um objeto artístico e seu valor no mercado vinculam-se frequentemente
saram sobre a pintura de Serpa. Além disso, são conhecidas suas ideias a projetos e estratégias do colecionador. É ele quem articula as relações de
sobre a arquitetura brasileira e as controvérsias com Lucio Costa. Porém, artistas com instituições, de obras com museus. O colecionador fomenta
imputar unicamente a Max Bill o aparecimento do concretismo é relegar o mercado de arte, estimula a crítica, promove exposições e incentiva a
ao esquecimento uma experiência coletiva singular cunhada pela troca produção bibliográfica e midiática voltada para a arte. É comum evocar a
de ações, ideias e afetos. Isso não ocorre, entretanto, apenas em soleni-
excentricidade do colecionador e sua obsessão pelos objetos que procura,
dades como aquela da abertura da Coleção Leirner na Haus Konstrutiv
eles próprios, porém, sabem que sua identidade e prestígio dependem do
de Zurique, mas se inscreve na memória construída do concretismo,
reconhecimento sólido e duradouro de sua coleção, seja em nível local,
que de tanto repetir, há mais de 70 anos, os velhos mitos, merece ser
nacional ou internacional (Leirner, 1998; Sattamini, 2007).
revisitada (Villas Bôas, 2006, 2008).
Apesar do zelo que o Museu de Belas Artes dispensa à coleção de 7 Há farta documentação sobre os debates acerca da arte latino-americana e arte dos lati-
artistas brasileiros, não passa despercebido o quanto o discurso institucio- nos nos Estados Unidos no site do Icca.

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O colecionador é, ainda, embora certamente não o único, impor- Um conjunto múltiplo de empreendimentos pessoais e impessoais
tante agente social da memória da arte e das práticas artísticas. Andreas está agora consubstanciado, inscrito, congelado, corporificado em qua-
Huyssen (1997, p. 15) chama a atenção para “uma contradição descon- dros e objetos, que, retirados de circulação e guardados em duas cole-
certante de nossa cultura”, que se define pela crítica constante à falta de ções, conquistaram um lugar no “sistema histórico” da arte. Quem tiver a
memória e esquecimento de importantes acontecimentos do passado, chance de os contemplar em Houston, Niterói, ou em exposição situada
quando, paralelamente, assiste-se a um “boom da memória em propor- em outros museus e localidades, onde figuram como obras “empresta-
ções sem precedentes”. Tal boom resulta da crise do conceito de tem- das”, conhecerá melhor aquele sistema histórico da arte de que fala Walter
poralidade que marcou a modernidade, celebrando o novo, o futuro Benjamin − mas pouco saberá sobre a história da qual são testemunhos.
apregoado pelas vanguardas, as fantasias utópicas. Para o autor a crí- Em um mundo de possibilidades, aquelas obras adquiriram novo
tica à noção de progresso e às concepções teleológicas da história tem estatuto, transformando-se em objeto de estudo e apreciação de especia-
como cerne a mudança da noção de temporalidade. “Cada vez mais, em listas, diretores de museus, curadores, críticos, restauradores, técnicos
anos recentes, o futuro parece se dobrar numa volta ao passado”, afirma de luz e aclimatação. Sobre elas se construíram numerosos discursos em
Huyssen (1997, p. 19). Nesse cenário, ao reapresentar o passado por meio diferentes disciplinas, em teses, livros, artigos, que não mais prestam
de objetos artísticos, o papel do colecionador ganha atualidade e valor. contas do peso da vida e da emoção que moldava o processo criativo
O desenrolar da história do concretismo carioca parece comprovar e solidário pelo qual vieram ao mundo. Afastadas da sociabilidade dos
uma das suspeitas de Max Weber, de que − muito embora os tempos artistas, de suas apreensões, desejos, interesses e criatividade, as obras
modernos sejam por excelência os tempos de controle e previsão − os do concretismo brasileiro se viram impregnadas de conceitos e ideias
indivíduos não controlam os efeitos de suas escolhas, assim como os que lhes conferem novas camadas de sentido. Quem sabe seja nessa
protestantes dos séculos XVI e XVII jamais puderam prever os efeitos de “multiplicidade de realidades históricas e possibilidades de sentido”8 que
poupança forçada que faziam para a salvação de sua alma e maior glória resida agora seu estatuto de arte.
de Deus. Mas não exageremos.
Ao longo do tempo, os efeitos das trocas, das relações e inter-rela-
ções, do convívio e das conversas de críticos com artistas esquizofrêni-
cos ou sãos no ateliê do Engenho de Dentro, na casa de Mário Pedrosa,
na casa de Ivan Serpa foram se transformando em obras que se guarda-
vam aqui e ali ou se exibiam em exposição de museus, bienais, galerias
ou se presenteavam a um amigo. Àqueles feitos e ações somava-se a crí-
tica arguta de Mário Pedrosa nos jornais cariocas e paulistas a defen-
der seu projeto em favor da arte concreta; anos de aulas de Serpa no
MAM, a formação de seus alunos diletos, o reconhecimento e consagra-
ção de alguns deles e a presença inconfundível de Ferreira Gullar entre
os jovens artistas concorreram para a produção concretista. Ninguém
poderia supor que elas se juntariam na Coleção Adolpho Leiner com
obras dos concretos paulistas e na coleção João Sattamini com obras
modernas e contemporâneas de tantos artistas brasileiros.
8 Ver Koselleck, 1972, p. XIX; Villas Bôas, 2014, p. 102.

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impresso na gráfica eskenazi
para viveiros de castro editora
em novembro de 2022.

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