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Angola: Entre a Guerra e a Paz em Cabinda

Relatório da Human Rights Watch

Sumário........................................................................................................................................... 2
Recomendações: ............................................................................................................................ 3
Ao Governo de Angola:........................................................................................................... 3
À FLEC: ..................................................................................................................................... 4
Aos Países Doadores a Angola: .............................................................................................. 4
Ao escritório das Nações Unidas em Angola ....................................................................... 5
Contexto ......................................................................................................................................... 5
Tentativas Recentes de Terminar o Conflito em Cabinda...................................................... 8
As receitas do petróleo produzem benefícios limitados para os Cabindenses .................... 9
Consequências humanitárias do conflito armado .................................................................. 11
Violações Cometidas Pelas Forças Armadas Angolanas....................................................... 12
Execuções Sumárias ............................................................................................................... 12
Detenção arbitrária, tortura e outros maus-tratos dos detidos ........................................ 15
Violações específicas de género............................................................................................ 20
Negação da liberdade de circulação ..................................................................................... 24
Violações cometidas pelas facções da FLEC.......................................................................... 25
A resposta do Governo.............................................................................................................. 26
A resposta internacional............................................................................................................. 28

1
Sumário
O conflito armado na província angolana de Cabinda, enclave rico em petróleo e
separado do restante do país pela República Democrática do Congo (RDC), é um dos
mais longos embora menos documentados do mundo. Por mais de quarenta anos, desde
que facções do movimento separatista, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda
(FLEC), deram início à sua luta pela independência de Portugal, os Cabindenses têm
estado sujeitos a uma persistente guerrilha. Depois da independência angolana, em 1975,
a FLEC passou a lutar contra o governo angolano liderado pelo Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA). Em finais de 2002, o conflito armado foi intensificado
após o envio de cerca de 30.000 soldados do governo para Cabinda. Até meados de
2003, as Forças Armadas Angolanas (FAA) haviam praticamente destruído o grupo
rebelde mas durante suas operações militares cometeram sérias e amplas violações aos
direitos humanos internacionais e ao direito humanitário da população civil.

Durante uma missão em Cabinda em Agosto de 2004, a Human Rights Watch


documentou que embora a situação dos direitos humanos em Cabinda tenha melhorado
desde meados de 2003 devido à redução das operações militares na região, no último
ano, as FAA ainda cometeram violações dos direitos humanos contra os civis, inclusive
execuções extrajudiciais, prisões e detenções arbitrárias, tortura e outros maus-tratos,
violência sexual e restrição à liberdade de movimento de civis. A Human Rights Watch
encontrou poucas evidências de abusos cometidos recentemente pela facção da FLEC
contra civis, provavelmente devido a um enfraquecimento do seu poder de actuação.

Tanto as FAA quanto a Polícia Nacional Angolana (PN) em Cabinda falharam em geral
em investigar e processar os abusos cometidos contra civis nos quais as FAA estiveram
implicadas. Em algumas instâncias, as FAA responderam meramente com a transferência
dos supostos responsáveis – inclusive oficiais e unidades dos agressores – para outras
partes de Cabinda ou para outras províncias. A autoridade civil local prendeu três
soldados que supostamente mataram um civil em Julho de 2004, mas ainda não se sabe
se eles serão processados ou se o julgamento será conduzido de acordo com as normas
internacionais de julgamento imparcial. A mobilização de cerca de 30.000 soldados das
FAA próximo à população civil em Cabinda, e a impressão reinante de impunidade têm
promovido um clima de constantes violações dos direitos humanos, que vão desde
assassinatos a casamentos forçados com raparigas.

A Human Rights Watch entrevistou vítimas e testemunhas oculares, autoridades


governamentais e membros da sociedade civil em Cabinda, assim como representantes
dos países doadores à Angola, das Nações Unidas (ONU) e de agências de ajuda
humanitária em Luanda. A localização precisa dos incidentes e outros detalhes que

2
poderiam identificar as vítimas e testemunhas dos abusos foram mantidos em sigilo
como medida de segurança e protecção das mesmas.

Recomendações:
Ao Governo de Angola:
• Tomar todas as medidas apropriadas, inclusive emitindo ordens claras ao público,
para assegurar que as Forças Armadas Angolanas atuem de acordo com as
obrigações internacionais angolanas no tocante aos direitos humanos e ao direito
humanitário. Em particular, o governo deveria instituir mecanismos para prevenir a
continuação de abusos tais como as execuções extrajudiciais, a detenção arbitrária de
pessoas sob custódia militar e a violência sexual contra as mulheres e as jovens. Para
reduzir a probabilidade de que ocorram abusos contra civis, o governo deveria rever
sua prática de estabelecer bases militares próximo aos centros da população civil.

• Conduzir investigações competentes, independentes e imparciais sobre as graves


violações dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário. Os soldados
implicados em tais violações deveriam ser suspensos durante a investigação e,
quando apropriado, julgados conforme os princípios internacionais de julgamento
imparcial.

• Manter pessoas presas somente em lugares de detenção oficialmente reconhecidos.


Ordenar a soltura imediata de qualquer preso mantido ilegalmente por militares. As
pessoas detidas por ofensas criminais devem ser transferidas às autoridades civis
para serem acusadas corretamente. Fornecer a todos os detidos acesso imediato e
regular aos membros de suas famílias e aos advogados e permitir que possam apelar
sobre o processo judicial de suas detenções sem demora. Reconhecer os direitos
processuais de todas as pessoas detidas ou acusadas de crime. Informar as famílias
dos detidos de sua prisão, a razão de tal medida e a localização dos presos.

• Nomear juizes e um promotor público em cada um dos quatro distritos municipais


de Cabinda, nos quais estes cargos estão actualmente vagos.

• Fornecer a todos os membros das Forças Armadas Angolanas um treinamento


prático e apropriado sobre as leis de conflito armado e dos direitos humanos,
inclusive sobre os direitos humanos das mulheres e os crimes de género.

3
• Sujeito a considerações genuínas de segurança, garantir a liberdade de circulação de
civis e acesso às suas áreas de cultivo e caça em Cabinda.

• Tomar providências para resolver os problemas associados ao casamento precoce de


raparigas com menos de 18 anos, entre eles a falta de oportunidades educacionais e
de emprego e as altas taxas de mortalidade maternal (já que as raparigas dão à luz em
idade ainda imatura), ao promover seu direito à educação e ao fornecer treinamento
vocacional para as raparigas, especialmente em áreas rurais.

• Fornecer a todos os membros da Polícia Nacional em Cabinda um treinamento em


direitos humanos que aborde também os direitos humanos das mulheres e os crimes
de género.

• Permitir que a sociedade civil opere livremente segundo os direitos de liberdade de


expressão, de associação e de reunião garantidos pela Constituição Angolana e pelos
tratados internacionais e regionais de direitos humanos dos quais Angola é parte.

À FLEC:
• Tomar as medidas cabíveis para garantir que as forças da FLEC respeitem o Direito
Humanitário Internacional, especialmente a proibição de ataques contra civis ou a
população civil.

Aos Países Doadores a Angola:


• Apoiar, em todos os programas de treinamento das FAA e de fortalecimento de sua
capacidade, a inclusão de forma integral do componente relativo aos direitos
humanos das mulheres e aos crimes de género.

• Fornecer assistência técnica para fortalecer a capacidade de policiamento da Polícia


Nacional Angolana em Cabinda. Continuar a apoiar a fiscalização das delegacias de
polícia pela Ordem dos Advogados de Angola.

• Apoiar instituições e programas que forneçam serviços de saúde reprodutiva


sobretudo nas áreas rurais.

• Fornecer assistência técnica ao Judiciário para o fortalecimento do estado de direito


e promoção das normas internacionais de julgamento imparcial. Apoiar o programa

4
de assistência jurídica para proteger o direito à defesa, à assistência jurídica e acesso a
um(a) advogado(a) para todas as pessoas acusadas, conforme garante o Artigo 36 (1)
da Constituição Angolana.

• Promover o surgimento de grupos de direitos humanos que tenham capacidade de


fiscalização e uma mídia independente, através do aumento dos programas de
assistência e fortalecimento da capacidade, .

Ao escritório das Nações Unidas em Angola


• Promover o treinamento constante sobre direitos humanos da Polícia Nacional
Angolana de forma a incluir o componente dos direitos humanos das mulheres e os
crimes de género, e promover o treinamento de futuros instrutores para que a
Polícia Nacional possa conduzir ela própria o treinamento em direitos humanos.

Contexto
A província Angolana de Cabinda está separada das outras dezessete províncias por uma
faixa estreita de terra pertencente à RDC. Sua população de 300.000 habitantes convive
com a guerra há mais de quarenta anos. Desde 1963, a FLEC e seus grupos secundários
utilizam a guerrilha com o objectivo de obter a independência da província. Inicialmente,
a FLEC lutou para libertar o país de Portugal, mas seguiu com sua luta separatista depois
da independência de Angola em 11 de Novembro de 1975.1 Ao tornar-se independente,
a presidência de Angola foi assumida pelo líder do MPLA, Agostinho Neto. O
movimento rival, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)
nunca reconheceu o controle do MPLA e os dois partidos permaneceram em guerra
quase continua pelos vinte e sete anos seguintes. 2

Após a independência de Angola, a FLEC tentou tomar o poder em Cabinda, apoiada


por Mobuto Sese Seko, do ex-Zaire (actual República Democrática do Congo, RDC). O
governo do MPLA, no entanto, tomou o controle da maior parte de Cabinda, inclusive
de seus poços de petróleo em alto mar, com o apoio militar de Cuba. Durante a maior

1
Após o golpe de 25 de Abril de 1974, o novo governo de Portugal começou um processo de diálogo com os
três movimentos rivais de libertação nacional que competiam pelo poder em Angola: o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA); a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para
a Independência Total de Angola (UNITA). A FLEC foi excluída desse processo uma vez que Portugal nunca
reconheceu esse movimento como interlocutor do movimento de independência.
2
As forças do terceiro movimento nacional de libertação, a FNLA, foram virtualmente destruídas em 1975-76.
Tony Hodges, Angola from Afro-Stalinism to Petro-Diamond Capitalism (London: James Currey, 2001), pp. 10-
11. Após a morte de Agostinho Neto em 1979, José Eduardo dos Santos tornou-se presidente e,
posteriormente, foi eleito Presidente de Angola nas primeiras eleições realizadas no país, em 1992.

5
parte do período transcorrido desde a independência até finais de 2002, o conflito
armado em Cabinda era de uma guerrilha de baixa intensidade, uma vez que a FLEC
nunca teve o efectivo ou os armamentos de um exército convencional.
Esporadicamente, a FLEC atacava o reduzido contingente de tropas federais enviadas a
Cabinda, além de alvos económicos, inclusive sequestrando funcionários estrangeiros
que trabalhavam nas áreas de petróleo, madeira, ouro e construção da província.3
Durante esse período, a FLEC controlava principalmente o território de densas florestas
no interior da província, mas nunca ameaçou ocupar os grandes centros populacionais.
Sua eficácia foi prejudicada por várias cisões entre as suas facções, destacadamente a
cisão entre a FLEC-Renovada (FLEC-R) e a FLEC-FAC (Forças Armadas de Cabinda),
provocada em 1984 por diferenças mais pessoais do que políticas ou ideológicas.4

A luta armada aumentou no início de 1993 quando o governo de Angola enviou cerca de
15.000 soldados a Cabinda.5 Em 1997-98, as aldeias suspeitas de apoiarem os separatistas
foram alvo de operações militares, causando deslocamentos em grande escala da
população civil. A FLEC-R e a FLEC-FAC também aumentaram seus ataques contra as
FAA. Em Setembro de 1998, o Relator Especial da ONU sobre a Tortura divulgou que
as forças do governo e o grupo paramilitar Polícia de Intervenção Rápida (PIR)
cometeram actos de tortura e maus-tratos generalizados contra pessoas das quais os
soldados do governo tentavam obter informações; contra outros civis, em represália a
ataques armados por grupos separatistas; ou contra suspeitos de apoiarem a FLEC assim
como oponentes políticos.6 Em 2001, a situação em Cabinda já estava mais calma, a tal
ponto que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) deu
início a uma repatriação dos Cabindenses refugiados na República do Congo, ao declarar
o enclave a única região segura em Angola.7

Em 2002, após o fim do conflito armado entre o MPLA e a UNITA na parte contígua
de Angola, a luta – e as correspondentes agressões contra a população civil – transferiu-

3
Ver, por exemplo, BBC News Online, “Angola separatist group says holding Portuguese,” 13 de Março, 2001,
em http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/1218021.stm.
4
João Gomes Porto, Occasional Paper 77 - Cabinda: Notes on a soon-to-be-forgotten war, Pretoria: Institute
for Security Studies, Agosto de 2003, p.8.
5
Ibid.
6
Nações Unidas, Civil and Political Rights, including questions of torture and detention, Relatório do Relator
Especial, Sir Nigel Rodley, enviado ad hoc, à Comissão de Direitos Humanos, Resolução 1998/38 (New York:
United Nations, 1999), E/CN.4/1999/61, parág. 42.
7
UNHCR, Congo: Angolans to be repatriated to Cabinda, 31 de Julho, 2001, em http://www.unhcr.ch/cgi-
bin/texis/vtx/home/+EwwBme7l7S_wwwwAwwwwwwwhFqnN0bItFqnDni5AFqnN0bIcFqrqwxoDmwDzmxwwww
www/opendoc.htm. O plano de repatriamento dos refugiados de 2001 incluía 822 refugiados. Segundo o
ACNUR, 13.000 refugiados angolanos de Cabinda permaneceram na República do Congo, e “provavelmente
mais de 30.000” na República Democrática do Congo em 2001.

6
se para Cabinda.8 As FAA remeteram cerca de 30.000 soldados para Cabinda numa
tentativa de derrotar militarmente a FLEC.9 Estas tropas incluem um número
desconhecido de forças especiais denominados comandos caçadores. Relatórios de 2002
e 2003, preparados por activistas dos direitos humanos em Cabinda, alegam que as FAA
cometeram agressões generalizadas contra combatentes capturados e civis, inclusive
execução sumária de suspeitos combatentes ou simpatizantes da FLEC; estupro e
casamento forçado de mulheres e raparigas; detenção arbitrária; tortura e outros maus-
tratos; trabalho forçado; excessivas restrições do acesso civil às áreas agrícolas, rios e
territórios de caça.10 Um grande número dessas agressões teria ocorrido entre Outubro
de 2002 e meados de 2003. Os relatórios atribuem um pequeno número desses abusos,
inclusive o sequestro e execuções sumárias de supostos colaboradores do governo, às
forças da FLEC.

A partir de meados de 2003, houve uma queda no número de violações cometidas pelas
FAA como consequência da redução dos conflitos na província que se seguiu à
destruição pelas FAA das principais bases da FLEC, inclusive aquelas na República do
Congo e na RDC. Os combatentes da FLEC também abandonaram seus esconderijos na
selva para se valerem dos benefícios do programa de desmobilização promovido pelo
governo. Os simpatizantes da FLEC, assim como seus opositores, reconhecem que o
movimento foi reduzido a um número pequeno de bandos errantes de guerrilha com
armas leves e nenhuma base logística permanente. O comandante regional das FAA em
Cabinda estimou que haja apenas cerca de setenta a oitenta soldados da FLEC na selva
de Maoimbe.11 A região de Maoimbe é de selva densa, limitando as operações militares
das FAA contra as forças restantes da FLEC. À época de preparação deste relatório, o
comandante regional das FAA e outros afirmaram que nenhum ataque da FLEC havia
ocorrido desde o início de 2004.12

Apesar do aparente cessar das operações de ambos os lados, as FAA ainda não
reduziram o seu contingente de 30.000 soldados enviados a Cabinda. O comandante

8
Depois que as FAA isolaram e finalmente assassinaram o líder da UNITA Jonas Savimbi em 22 de Fevereiro
de 2002, as FAA e a UNITA negociaram o fim do conflito, ao assinar, em 4 de Abril de 2002, um memorando
de entendimento restabelecendo o Protocolo de Lusaka de 1994.
9
Entrevistas da Human Rights Watch com agentes de assistência humanitária, Luanda, Julho e Agosto de
2004.
10
Ver, Ad-hoc Commission for Human Rights in Cabinda – Coalition for Citizens Rights, Reconciliation and
Transparency, Terror in Cabinda (Cabinda: Ad-hoc Commission for Human Rights in Cabinda, 2002) e
Cabinda 2003: A Year of Pain (Cabinda: Ad-hoc Commission for Human Rights in Cabinda, 2003). A Human
Rights Watch não pôde verificar as violações informadas nesses relatórios.
11
Entrevista da Human Rights Watch com o General Marques Correia Banza (comandante regional das FAA
em Cabinda), Cidade de Cabinda, 16 de Agosto, 2004
12
Ibid.

7
regional das FAA informou à Human Rights Watch que o número elevado de soldados
“era necessário para defender o enclave da agressão externa” e expressou preocupação
sobre a situação instável da RDC.13 Também informou à Human Rights Watch que o
conflito armado em Cabinda havia terminado mas o governo não havia feito uma
declaração oficial nesse sentido em Angola. Em entrevistas, o Ministro da Defesa de
Angola indicou que a situação em Cabinda não era de conflito armado: “Cabinda não é
mais um problema militar”, e “Cabinda está totalmente sob o controle das FAA.”14 O
Presidente dos Santos teria declarado durante a sua visita aos Estados Unidos em Maio
de 2004 que “não há mais guerra em Cabinda” e que o governo continua empenhado no
diálogo.15 Isto parece indicar que o governo acredita agora que a segurança em Cabinda
pode ser alcançada pelo cumprimento da lei ao invés da força militar, embora o governo
ainda mantenha uma força militar de 30.000 homens em Cabinda.

Tentativas Recentes de Terminar o Conflito em Cabinda


O governo de Angola e a FLEC fizeram várias tentativas ao longo dos anos para
alcançar um acordo político em Cabinda. Todas falharam. Em 2002, ao mesmo tempo
em que as FAA intensificavam suas operações militares em Cabinda, o governo
sinalizava que poderia considerar uma solução negociada para a província. O Presidente
dos Santos explicou que a estratégia do governo para Cabinda era uma abordagem
“multi-disciplinar” concentrada no diálogo “com as pessoas e funcionários da região
para dedicar maior atenção as questões económicas e sociais.”16

Representantes do governo se encontraram com autoridades da FLEC-FAC na França


em Janeiro de 2003 e com representantes da FLEC-R no Gabão, mais tarde no mesmo
ano. Esses encontros não conseguiram convencer os separatistas da sinceridade do
governo, uma vez que se davam em meio ao aumento das actividades das FAA em
Cabinda.17 As facções da FLEC também relutavam em depor as armas até que tivessem
uma garantia mais clara do nível de autonomia que o governo estava preparado para
considerar. Em Agosto de 2003, o governador da província Aníbal Rocha declarou que
se faziam esforços para que o diálogo sobre o futuro de Cabinda começasse “o mais
rápido possível,” e a maior parte desses esforços tem se realizado por trás dos

13
Ibid.
14
Radio France International, Ministro da Defesa de Angola disse que a guerra em
Cabinda “está praticamente resolvida,” 12 de Dezembro, 2003 e Agência Lusa de
notícias, Chefe das Forças Armadas diz que Cabinda “está sob controle”, 17 de
Fevereiro, 2004.
15
IRIN, “President denies ongoing unrest in Cabinda,” 17 de Maio, 2004.
16
João Gomes Porto, Occasional Paper 77-Cabinda: Notes on a soon-to-be-forgotten war, p. 15.
17
Ibid, p. 14 e 15.

8
bastidores, com pouco demonstração pública de continuação das discussões mais de
uma ano depois.18 Em Setembro de 2004, os líderes da FLEC-FAC e FLEC-R
anunciaram que as duas facções se uniriam e concordaram em estabelecer um comité
“responsável pelo diálogo,” que incluiria representantes de todos os “movimentos de
libertação, a igreja e a sociedade civil.”19

A inclusão da sociedade civil foi um avanço já que, até agora, as “discussões sobre as
discussões” geralmente excluíram a sociedade civil. A criação da Associação Cívica
Mpalabanda de Cabinda (ACMC), no início de 2004, e as marchas pela paz organizadas
na cidade de Cabinda em Julho de 2004, tendo atraido milhares de Cabindenses, indicam
que a sociedade civil parece pronta para desempenhar um papel mais actuante.20 Dentre
esses actores, a Igreja Católica em Cabinda tem se manifestado mais vigorosamente em
prol de uma resolução pacífica.

As receitas do petróleo produzem benefícios limitados para os


Cabindenses
Cabinda fornece cerca de 50% das receitas de Angola com o petróleo, graças às suas
grandes bacias de petróleo do seu litoral.21 Cabinda recebe um bónus do governo central
em reconhecimento pela sua contribuição para a economia nacional, que é calculado
com base no aumento anual das receitas do petróleo. No período 2004-5, esse bónus foi
estimado em U.S.$25 milhões, e prevê-se seu aumento para U.S.$35 milhões no exercício
seguinte. Além desse pagamento, Cabinda tem recebido uma parte dos programas de
investimentos sociais que as empresas multinacionais de petróleo que atuam em Angola
são obrigadas por contrato a conceder.22 Os Cabindenses, no entanto, se queixaram à

18
Agência Angolana de Imprensa citada pela BBC Monitoring, “Cabinda governor optimistic peace talks will
start soon,” 5 de Agosto, 2003.
19
Em 6 de Setembro, o porta-voz da FLEC Joël Batila disse em uma entrevista à Rádio France Internacional
que a decisão de união surgiu de uma reunião entre as duas facções e representantes da igreja e da
sociedade civil que “expressaram o desejo das pessoas de Cabinda de que todos os movimentos militares
operassem sob a mesma bandeira.” Batila também disse que a nova união das organizações seria liderada por
Nzita Tiago da FLEC-FAC e teria António Bento Bembe da FLEC-R como secretário geral.
20
O governo inicialmente obstruiu o processo de registro do ACMC e recusou a dar permissão para que a
marcha pela paz prosseguisse. Segundo a Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas
sobre os Defensores dos Direitos Humanos, Hina Jilani, o governo de Angola impõe mais restrições sobre os
defensores dos direitos humanos em Cabinda do que em outras províncias. Ver a Declaração à imprensa da
Representante Especial do Secretário Geral da ONU para os Defensores dos Direitos Humanos, 22 de Agosto
(em arquivo dos autores).
21
Segundo a legislação Angolana, cada concessão de petróleo funciona como parceria entre a empresa
Angolana de petróleo (Sonangol) e um consórcio de empresas multinacionais. A ChevronTexaco é a maior
empresa internacional em Cabinda.
22
Entrevista da Human Rights Watch com João Santos de Carvalho Mesquita (vice-governador de Cabinda),
cidade de Cabinda, 17 de Agosto de 2004.

9
Human Rights Watch de que são poucos os benefícios tangíveis oriundos da produção
do petróleo ou dos programas de investimento social das empresas multinacionais. A
indústria de petróleo oferece poucas oportunidades de emprego se comparadas à riqueza
que produz e poucas medidas significativas tem sido implementadas para desenvolver
uma indústria secundária em Cabinda com base na extracção do petróleo. A única
refinaria de petróleo de Angola está localizada em Luanda e o combustível para os
veículos de Cabinda precisa ser trazido da capital. A frequente escassez de combustível é
fonte de descontentamento entre os Cabindenses. O custo de vida em Cabinda também
está entre os mais altos de Angola, uma vez que as importações para a província devem
ser trazidas por avião de Luanda ou por caminhões que atravessam as fronteiras da RDC
e da República do Congo.

As receitas das províncias são administradas pelo governo central que colecta todas as
receitas em Luanda antes de designá-las às províncias. No entanto, não é claro como as
receitas do governo nas províncias são desembolsadas; autoridades do Ministério da
Assistência e da Reinserção Social (MINARS) entrevistadas pela Human Rights Watch
não foram capazes de precisar qual era seu orçamento de operação para o ano fiscal
corrente, uma vez que trabalham com orçamentos para cada projecto.23

Além disso, as companhias petrolíferas fazem pagamentos directos ao governo da


província de Cabinda (e província de Zaire), através do Imposto de Renda de Petróleo.
O governo federal, de modo geral, e o Ministério das Finanças, de modo particular, não
exercem controle sobre esses fundos. Em 2000, essa dedução foi de aproximadamente
$72 milhões para Cabinda e $149 milhões para ambas as províncias de Cabinda e Zaire.
Isso significa que cerca de $6 milhões mensais foram repassados ao governo provincial e,
às vezes até mais, a depender do preço do petróleo.24 Como resultado, milhões de
dólares ficam disponíveis ao governo provincial sem a supervisão do governo federal ou,
pelo menos, do Ministério das Finanças. Esses fundos, junto a outros pagamentos e
projectos geralmente exigem um escrutínio, prestação de contas e transparência muito
maiores.

23
Entrevista da Human Rights Watch com Aldina Matilde Barros Dalomba (directora provincial do MINARS),
cidade de Cabinda, 19 de Agosto, 2004. Sobre o uso das receitas do petróleo em Angola, ver Human Rights
Watch, “Some Transparency, No Accountability: The Use of Oil Revenue in Angola and Its Impact on Human
Rights,” A Human Rights Watch Short Report, Vol. 16, No. 1 (A), Janeiro 2004 e Tony Hodges, Angola from
Afro-Stalinism to Petro-Diamond Capitalism.
24
Compilação de dados das Companhias Internacionais de Petróleo e do Ministério das Finanças, em
“Avaliação Actual do Setor de Petróleo de Angola: Relatório de Começo Preparado pela KPMG para o
Ministério das Finanças, Governo de Angola, Julho de 2002. Ver também Human Rights Watch, “Some
Transparency, No Accountability: The Use of Oil Revenue in Angola and Its Impact on Human Rights,” A
Human Rights Watch Short Report, Vol. 16, No. 1 (A), Janeiro de 2004.

10
Consequências humanitárias do conflito armado
O conflito armado em Cabinda nunca implicou na destruição em grande escala ou na
táctica de “terra arrasada” que caracterizaram a guerra civil entre o governo Angolano e a
UNITA. Os Cabindenses portanto, não experimentaram as dificuldades extremas
relativas à segurança alimentícia e acesso a serviços sociais básicos vivenciados durante a
guerra civil em outras províncias angolanas.25 São poucas as organizações não
governamentais (ONGs) nacionais e internacionais que operam em Cabinda e, até
recentemente, o governo relutava em permitir a actuação de ONGs internacionais em
Cabinda.26 A Igreja Católica e as Igrejas Evangélicas forneciam alimentos e roupas às
pessoas carentes.

O conflito armado gerou um deslocamento significativo da população civil. Segundo


dados do MINARS, existem 24.696 Pessoas Internamente Deslocadas (PIDs) na
província.27 A maioria dos deslocados foi abrigada por familiares ou amigos que vivem
nas cidades, inclusive na Cidade de Cabinda, e recebem pouca ou nenhuma assistência
do governo. Um pequeno número de deslocados que se mudou de suas aldeias na
floresta para assentar-se ao longo da rodovia de Piadinge (distrito municipal de Buco
Zau), por questões de segurança, recebeu assistência limitada do governo na forma de
alimentos e materiais de construção. No entanto, o governo tem se recusado a fornecer
escolas, clínicas e abastecimento de água a Piadinge, porque não quer que esse
assentamento se torne permanente.28 Foram registrados 1.320 refugiados Cabindenses
na República Democrática do Congo e 1.800 na República do Congo.29 Alguns desses
refugiados dos dois Congos vivem em acampamentos próximos à capital porque suas
aldeias de origem continuam a ser locais perigosos. Esses retornados receberam mais
apoio do governo que os deslocados internos, embora os acampamentos não disponham
de serviços sociais básicos, excepto escolas.

As prioridades da assistência social do governo parecem concentradas na desmobilização


e reintegração dos ex-combatentes da FLEC. Até Agosto de 2004, 2.032 ex-combatentes
da FLEC tinham se beneficiado supostamente pelo programa de desmobilização e

25
Um médico da Organização Mundial da Saúde (OMS) que visitou a província no início de 2004 não
encontrou níveis de desnutrição graves apesar das FAA terem restringido os meios de acesso aos produtos de
subsistência. O mesmo médico expressou sua preocupação com respeito à falta de estabelecimentos de
saúde em Cabinda, embora a situação geral em Cabinda seja semelhante a de outras províncias em Angola.
Entrevista da Human Rights Watch representante da ONU, Luanda, 30 de Julho, 2004.
26
Ibid.
27
Ibid.
28
Entrevista da Human Rights Watch com João Santos de Carvalho Mesquita (vice-governador de Cabinda),
cidade de Cabinda, 17 de Agosto, 2004..
29
Correspondência electrónica da Human Rights Watch com representante do ACNUR, 11 de Outubro, 2004.

11
reintegração e as FAA esperam que mais 2.500 ex-combatentes da FLEC submetam-se
ao programa de desmobilização e reintegração.30 O governo justifica esses gastos ao
argumentar que permitirão dissuadir os ex-combatentes de retornar à guerra.31

Violações Cometidas Pelas Forças Armadas Angolanas


O governo Angolano e suas forças armadas, as FAA, são obrigados a respeitar os
direitos humanos internacionais e as leis humanitárias em Cabinda. Angola ratificou,
entre outros tratados internacionais de direitos humanos, o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (PIDCP)32 e a Carta Africana dos Direitos Humanos dos
Homens e dos Povos (Carta de Banjul) 33 cujas pincipais disposições são também
garantidas pela Constituição Angolana.34 Estas normas estabelecem, por exemplo, que as
pessoas apreendidas devem ser julgadas imediatamente e acusadas de um delito
específico, e que seus processos penais devem atender às normas internacionais de
julgamento imparcial. As leis de direitos humanos devem sempre ser aplicadas, excepto
quando forem substituídas por disposições específicas do Direito Humanitário
Internacional (Lei da Guerra). As hostilidades entre o governo e as forças rebeldes que
resultem em conflito armado estão circunscritas pelo direito humanitário internacional.
O Artigo 3, comum às quatro Convenções de Genebra, de 1949, que se aplicam aos
conflitos armados não internacionais (internos), é de cumprimento obrigatório tanto
pelas FAA como pela FLEC. O Artigo 3 protege os combatentes capturados e os civis
detidos contra a sua execução sumária; tortura e tratamento cruel, inclusive a violência
sexual; ataques à dignidade humana, em particular humilhações ou tratamento
degradante; e a emissão de sentenças que não estão de acordo com as normas de um
julgamento imparcial. As leis tradicionais da guerra proíbem ataques dirigidos contra
civis e propriedades civis ou aqueles que causem danos desproporcionais ou
indiscriminados contra civis.

Execuções Sumárias
A Human Rights Watch documentou execuções sem julgamento praticadas pelas FAA,
inclusive um assassinato em Julho de 2004. As FAA suspeitavam que os mortos eram
ex-combatentes da FLEC, ou civis simpatizantes do movimento. Essas mortes

30
Ex-combatentes da FLEC têm o direito ao pagamento de U.S.$300 assim como terra para a construção de
uma casa e materiais de construção. Entrevista da Human Rights Watch com General Marques Correia Banza
(Comandante Regional das FAA em Cabinda), cidade de Cabinda, 16 de Agosto, 2004.
31
Entrevista da Human Rights Watch com Aldina Matilde Barros Dalomba (directora provincial do MINARS,
cidade de Cabinda, 19 de Agosto, 2004.
32
Angola ratificou o PIDCP em 10 de Abril de 1992. http://www.unhchr.ch/pdf/report.pdf.
33
Angola ratificou a Carta de Banjul em 2 de Março de 1990.

12
ocorreram principalmente em bases militares ou durante operações militares em aldeias e
na mata. As execuções sumárias de pessoas presas, sejam elas civis ou combatentes
capturados, viola as leis dos direitos humanos e do direito humanitário.

Em Dezembro de 2003, soldados das FAA executaram sumariamente três civis do sexo
masculino e tentaram executar dois outros homens no distrito municipal de Buco Zau.
Um dos sobreviventes, M. M., de 38 anos de idade, ficou gravemente ferido e ainda traz
as cicatrizes do incidente. Conforme ele relatou à Human Rights Watch:

Na véspera de Natal no ano passado [2003], a FLEC emboscou soldados das FAA nas
proximidades de minha aldeia. Ouvimos os tiros e nos escondemos em nossas casas.
Quando o ataque cessou, os soldados das FAA se voltaram contra nós. Cerca de trinta
soldados cercaram a casa onde eu estava escondido com outros da minha aldeia.
Tentamos escapar mas os soldados apontaram suas armas para as portas e janelas e
abriram fogo, então saímos todos com nossas mãos para cima. Eles pararam o tiroteio.
Eu reconheci dois dos soldados. O comandante da base militar próxima foi avisado pelo
rádio de que três soldados das FAA haviam morrido e um havia sido ferido no ataque. O
comandante ordenou pelo rádio a um dos soldados, a quem reconheci, que matasse três
pessoas, o mesmo número de soldados mortos. Os soldados escolheram cinco homens,
inclusive eu, e fizeram com que nos sentássemos em bancos onde se reúnem geralmente
os patricarcas de nossa aldeia. Eu era o último à direita. Um dos soldados, a quem
reconheci, abriu fogo contra nós usando seu AKM [versão mais leve e moderna do rifle
AK-47]. Três – dois homens idosos e um jovem – morreram imediatamente, mas eu e
outro homem conseguimos fugir. Fui ferido mas continuei a correr. O primeiro tiro
penetrou o meu ombro direito, o segundo o lado direito do meu torso e o terceiro
rompeu os ligamentos do meu pulso direito. Não posso mais usar minha mão direita
corretamente porque dois dos meus dedos ficaram permanentemente dobrados. O
soldado somente cessou os disparos quando os outros soldados capturaram o outro
homem que tentou fugir. Ele não foi morto. Os soldados ordenaram que a população
voltasse de seus esconderijos na mata e que providenciassem o enterro dos três homens
para o dia seguinte.

Inicialmente recebi tratamento médico na aldeia mas depois de quatro semanas as FAA
me levaram em um helicóptero para a cidade de Cabinda para tratamento no hospital
militar. Tenho muito medo dos soldados da aldeia, por isso não volto para lá.35

35
Entrevista da Human Rights Watch, Distrito municipal de Cabinda, 5 de Agosto, 2004.

13
Uma testemunha dessas execuções sumárias disse que um soldado das FAA colocou a
culpa pelas mortes dos três habitantes da aldeia “em seus camaradas da FLEC, que tanta
merda criaram próximo à aldeia.”36 Até o momento, a Human Rights Watch não tem
conhecimento de nenhuma medida tomada pelas FAA para investigar essas mortes.37

A 17 de Junho de 2003, as FAA mataram Teresa Nzita e Sebastião Lelo quando


soldados realizavam uma busca de combatentes da FLEC numa aldeia do distrito
municipal de Buco Zau.38 Nzita foi baleada no estômago enquanto cuidava de seus filhos
na varanda de sua casa e Lelo foi encontrado morto em uma estrada próxima a sua casa
com um ferimento de bala na têmpora. Quando os moradores da aldeia lhes
perguntaram contra quem atiravam, os soldados das FAA alegaram estar a atirar contra
“o inimigo”. No entanto, os soldados já tinham revistado a casa de Nzita e determinado
que não havia combatentes da FLEC no local. Depois, parentes das vítimas foram
detidos por uma noite, soltos e detidos novamente por duas semanas presos numa cova
da base militar. Depois dessas mortes, a maioria dos habitantes abandonou a aldeia por
não se sentirem mais seguros junto aos soldados. As testemunhas entrevistadas disseram
que somente voltarão depois que os soldados deixarem o local. Até o momento, a
Human Rights Watch não tem informações de que as FAA estejam investigando esse
incidente.39

Em um assassinato recente cometido pelas FAA contra um civil, tanto as FAA como
autoridades civis tomaram algumas medidas para investigar o crime, embora ainda não se
saiba se os supostos responsáveis serão processados e se os julgamentos serão
conduzidos segundo as normas internacionais de um julgamento imparcial. Os
habitantes de uma aldeia contaram à Human Rights Watch que soldados Angolanos
levaram Luís Bundu, de 39 anos, de sua aldeia para uma base militar na manhã de 3 de
Julho de 2004.40 Eles relataram terem visto soldados espancarem Bundu e forçá-lo a
cavar uma cova próximo à base militar. Na noite do mesmo dia, os soldados fizeram
com que as mulheres que viviam com eles deixassem a base militar e os habitantes da
aldeia ouviram três tiros. Em 17 de Agosto de 2004, o sub-administrador civil do distrito
municipal do Cacongo informou aos moradores da vila que o corpo de Bundu seria
exumado de uma cova localizada atrás da base militar e que um funeral seria realizado no
dia seguinte. Os familiares de Bundu exumaram o corpo na presença de um promotor

36
Entrevista da Human Rights Watch, Distrito municipal de Buco Zau, 15 de Agosto, 2004.
37
Entrevistas da Human Rights Watch, Distritos muncipais de Cabinda e Buco Zau, 5 e 16 de Agosto, 2004.
38
Entrevistas da Human Rights Watch, Distritos municipais de Cabinda e Buco Zau, 14, 21 e 22 de Agosto,
2004.
39
Ibid.
40
Entrevistas da Human Rights Watch, Distrito municipal de Cacongo, 18 de Agosto, 2004.

14
civil e identificaram-no. Também estavam presentes os supostos responsáveis: um
capitão, um sargento e um soldado que haviam sido presos pelas autoridades civis e
detidos até a investigação completa do crime. Representantes das FAA e autoridades
civis estiveram presentes ao funeral e explicaram que a morte de Bundu não fora
ordenada pelas FAA e que se tratava de um ato isolado do capitão. As FAA substituíram
o contingente do capitão na base militar por um outro contingente e o novo comandante
supostamente avisou à população que o procurasse se fosse molestada por seus
soldados. As FAA também forneceram o caixão, comida e bebidas para o funeral de
Bundu.

Detenção arbitrária, tortura e outros maus-tratos dos detidos


Durante as operações militares contra os rebeldes da FLEC, em 2003, as forças
Angolanas frequentemente detinham os civis. Desde o cessar geral de fogo em 2004, o
número de casos de detenção arbitrária de civis tem diminuído significativamente. A
Human Rights Watch, no entanto, entrevistou várias pessoas que foram arbitrariamente
detidas em 2004.

Durante as operações militares, as forças armadas talvez pudessem justificar a detenção


breve de algumas pessoas as quais, acreditava-se, poderiam causar riscos à segurança.
Evidentemente que pessoas detidas por participarem diretamente de hostilidades ou se
envolverem de outra forma em atividadedes criminosas podem ser acusadas e
processadas. No entanto, as FAA detiveram pessoas por períodos superiores a um mês,
sob a mera suspeita de que eram combatentes ou simpatizantes da FLEC, ou que
forneciam alimentos, armas ou informações à FLEC. As FAA prenderam pessoas
desarmadas, em suas próprias residências, além de outras com que os soldados se
depararam na mata.

Os presos eram geralmente levados para as bases militares onde ficavam detidos ou a
detenção era executada in situ na mata. A maioria dos atos de prisão foi levada a cabo na
presença de oficiais, inclusive, às vezes, oficiais de alta patente, ou com o conhecimento
dos mesmos. O Comandante das FAA em Cabinda disse que alguns ex-combatentes da
FLEC que se juntaram às FAA forneceram listas de combatentes da FLEC. No entanto,
a maioria dos casos de detenção investigados pela Human Rights Watch tinha a ver com
civis sem nenhuma ligação com o conflito, os quais permaneceram sob custódia militar
durante muito tempo mesmo depois de esclarecida sua identidade e situação de civil, o
que constitui violação das leis Angolanas e internacionais. Em muitos desses casos, os
soldados Angolanos torturaram ou maltrataram de outras formas os detidos para obter
informações sobre a FLEC.

15
Além disso, a Human Rights Watch entrevistou várias pessoas que foram detidas mais
de uma vez. J. S., homem de 30 anos, foi detido três vezes em um período de seis meses
no distrito municipal de Buco Zau. A primeira vez ele e suas duas sobrinhas, que as FAA
suspeitavam fossem “esposas da FLEC” (parceiras sexuais dos soldados da FLEC)
ficaram detidos por uma noite em princípios de Agosto de 2003. J.S. acompanhou suas
sobrinhas à base militar de Necuto onde ele também foi preso. Ele passou a noite em
um fosso, enquanto suas sobrinhas ficaram detidas em uma sala. As sobrinhas teriam
sido espancadas por um major que era o sub-comandante da base. J.S. e suas sobrinhas
foram soltos no dia seguinte.

Em Setembro de 2003, J.S. voltou a ser preso por dezanove dias em uma pequena base
militar, sob suspeita de ser membro da FLEC. Antes de ser levado à base militar, passou
uma noite preso num acampamento das FAA na mata. Por ter suas mãos e pés
amarrados a falta de circulação adequada provocou-lhe inchações nos membros.
Quando entrevistado pela Human Rights Watch, J.S ainda tinha dificuldades em segurar
objectos com sua mão esquerda. Ao chegar à base militar, foi despido, espancado no
peito e ameaçado de morte. Um tenente o espancou e agarrou seu pénis. Ele foi
interrogado sobre a FLEC e lhe perguntaram como a FLEC obtinha armas e alimentos.
Durante o período em que esteve detido, J.S esteve sob a guarda constante de um
soldado.

Na terceira vez em que J.S foi detido, deparou-se com uma patrulha de soldados em
meados de Dezembro de 2003, ao longo do rio Luali. Foi levado a uma das maiores
bases militares das FAA, localizada em Loma, onde ficou detido em um quarto durante
42 dias. Suas mãos ficaram amarradas durante as primeiras 24 horas. Ele ficou preso
com outros nove homens. Três desses homens passaram 42 dias em cativeiro. J.S relatou
à Human Rights Watch:

Nos primeiros 15 dias, fomos todos interrogados separadamente sobre a FLEC, por
soldados diferentes. O comandante me batia com um facão enquanto eu estava deitado
de bruços no chão. O comandante queria forçar-nos a dizer coisas que não sabíamos. Vi
um outro preso a ser esfaqueado no pé duas vezes por um soldado. Ele foi levado de
carro para o hospital militar mas retornou para Loma depois de uma semana. Tínhamos
que carregar vinte e cinco litros de água em latas de gasolina, cortar o mato com facão,
varrer a unidade e limpar as salas dos oficiais.

16
J.S. acrescentou que, mesmo depois de solto, continuou sob a vigilância das FAA e
mostrou à Human Rights Watch uma carta assinada por um coronel das FAA onde se
declarava que ele era um suposto simpatizante da FLEC.41

A Human Rights Watch entrevistou outras pessoas que haviam sido detidas pelas FAA
mais de uma vez e maltratadas enquanto presas. Em Maio de 2004, M.B., homem de 66
anos, e onze habitantes de uma aldeia foram detidos arbitrariamente por soldados das
FAA enquanto colhiam produtos agrícolas no distrito municipal de Buco Zau. Oito
eram mulheres e os outros três eram homens que acompanhavam as mulheres no campo
para protegê-las contra as FAA.

Soldados armados das FAA nos apanharam e começaram a espancar os homens com um
pau da grossura do meu braço e com um facão. Eu sabia que eles eram do batalhão de
Necuto porque reconheci o comandante. Ele nos acusou de dar apoio logístico à FLEC.
Me espancaram na coluna. Minha filha foi espancada nos antebraços, que ficaram muito
inchados. Outros homens, mais velhos que eu, foram espancados nas costas e na cabeça
com a parte lisa do facão e o cabo de um rifle automático.42

C.L., sua filha de 42 anos, acrescentou que os soldados quebraram seu braço.43 Ela
também disse que os soldados pareciam temerosos de que eles denunciassem o incidente
às autoridades e, por isso, lhes deram duas caixas de mantimentos do Exército. Em Julho
de 2004, o mesmo M.B. foi detido por um grupo de soldados armados das FAA por seis
horas, ao sair para colher produtos no campo. Os soldados amarraram seus cotovelos
nas costas com o cadarço de suas botas e colocaram um pau entre seus pulsos. O
comandante o atingiu na cabeça com a vareta de sua espingarda e o interrogou a
perguntar se tinha filhos na FLEC e como encontrá-los. M.B. decidiu abandonar a aldeia
por causa desses incidentes.44

As condições de detenção variavam mas as FAA frequentemente prendiam pessoas sem


respeitar as normas mínimas internacionais para o tratamento de prisioneiros.45 Alguns
presos foram mantidos em abrigos simples onde recebiam água e comida em

41
Entrevista da Human Rights Watch, Distrito municipal de Buco Zau, 14 de Agosto, 2004.
42
Ibid.
43
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 3 de Agosto, 2004.
44
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 3 de Agosto, 2004.
45
Nações Unidas, Normas Mínimas para o Tratamento de Presos, Adotado em 30 de Agosto, 1955 pelo 1º
Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinqüentes, U.N. Doc.
A/CONF/611, annex I, E.S.C. res. 663C, 24 U.N. ESCOR Supp. (no. 1) at 11, U.N. Doc. E/3048 (1957),
amended E.S.C. res. 2076, 62 U.N. ESCOR Supp. (no. 1) at 35, U.N. Doc. E/5988 (1977).

17
quantidades mínimas. Os piores locais de detenção eram os fossos cavados no chão. Um
comandante das FAA não negou a existência de tais fossos mas sustentou que eram
usados somente para deter soldados das FAA como medida disciplinar.46 Presos nesses
fossos, os detidos tinham que defecar e urinar no mesmo lugar, o que constitui
tratamento cruel, desumano e degradante, em violação ao Direito Internacional. Durante
a estação das chuvas, os presos eram mantidos nessas covas que se enchiam
parcialmente de água e levavam até dois dias para secar.

A maioria dos ex-presos entrevistados pela Human Rights Watch tinham sido
espancados e ameaçados de morte durante seus interrogatórios pelas FAA. As FAA
também submeteram vários homens presos a outras formas de tortura, inclusive ao
amarrar-lhes os cotovelos e as mãos nas costas e provocar perda da circulação sanguínea
e lesões temporárias; ao prender suas cabeças entre duas barras de metal, as quais eram
apertadas em seguida; e ao amarrar uma corda em volta do peito do preso enquanto
cinco soldados puxavam cada ponta da corda.47 Os presos também foram submetidos a
tratamentos humilhantes e degradantes, inclusive a ameaça de estupro ou o corte de seus
órgãos genitais. Em meados de 2003, B. K., homem de 44 anos, foi capturado pelas
FAA quando pescava. As FAA suspeitavam que ele pertencia à FLEC. Ele explicou que
primeiro foi amarrado com os cotovelos nas costas e contou:

Era muito doloroso porque minhas mãos tinham que se tocar na frente do meu peito. A
corda cortava minha pele acima dos cotovelos o que me levou a sangrar. Eles também
me golpearam no peito e nas pernas com o cabo de um facão e com um cinto militar.
Eles me perguntavam: “Quantos soldados da FLEC existem na sua aldeia? Quantos
habitantes têm armas em suas casas?” Eu dizia que eu não sabia responder a essas
perguntas. Eles despejaram água suja sobre mim e me fizeram deitar de cabeça para
baixo. Me cobriram com folhas de bananeira e usaram o caule para me golpearem.
Ameaçaram me matar porque eu não respondia às suas perguntas. Disse-lhes então que
me matassem.

Foi aí que viraram meu corpo e o comandante abaixou as minhas calças. Fingiu cortar o
meu pénis e testículos, a dizer: “Nós deveríamos cortar seu pénis e seu saco porque eles
são da FLEC”. Ele segurou meu órgão genital nas mãos e exibiu um facão. Fiquei com
muito medo e gritei: “Jesus Cristo”. Um soldado disse que eles deveriam ir embora mas
os outros riram. Os soldados me desamarraram e permitiram que eu me lavasse no rio.
Quando escureceu, o comandante ordenou que um soldado fizesse sexo comigo. O

46
Entrevista da Human Rights Watch com General Marques Correia Banza (Comandante regional das FAA em
Cabinda), cidade de Cabinda, 16 de Agosto, 2004.
47
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 15 de Agosto, 2004.

18
soldado se recusou a fazer sexo com outro homem. O comandante ordenou que outro
soldado fizesse sexo comigo mas ele também se recusou. O comandante então fingiu
que iria fazer sexo comigo e me puxou pela mão. Eu disse: “Eu preferia morrer” Os
outros soldados não disseram nada, só riram. O comandante disse: “ Eu vou deixar você
mas vou para sua aldeia dormir com sua mulher”. Eu disse que nunca deixaria isso
acontecer. O comandante então disse: “Quando eu encontrar mulheres na mata, eu as
estupro”48

Depois de uma noite na mata, B.K. foi levado para uma base militar em Necuto onde foi
colocado numa cova de 2,5 metros de largura e 5 metros de profundidade. Foi
interrogado novamente pelo comandante da base. Antes de ser solto, foi interrogado
também por um policial e pelo chefe da segurança, em suas salas. B.K. disse temer que o
tratamento recebido na detenção o havia enfraquecido e que não poderia mais aguentar
cargas pesadas.

Alguns detidos foram forçados a servir como guias para as FAA para ajudar a localizar
bases da FLEC na floresta.49 J. T. foi detido e interrogado pelas FAA pela primeira vez
em 25 de Julho de 2004, numa base militar em Loma:

Três soldados, inclusive o chefe da inteligência chamado Walter, um tenente e um


sargento me acusaram de ter ajudado a FLEC e de fornecer a eles apoio logístico e
conselhos. Eles me acusaram de receber uma carta da FLEC. Depois de duas horas, fui
levado a um quarto onde passei a noite. No dia seguinte, Walter e dois outros soldados
me mostraram uma longa lista de nomes de combatentes da FLEC. Meu nome estava
escrito em vermelho. Eu acho que as pessoas em Buco Zau devem ter dado nomes dos
soldados da FLEC às FAA. Ele também me mostrou uma outra lista com os nomes dos
meus pais, esposa e filhos. Os nomes deles estavam escritos em vermelho. Eu fui então
levado para a base militar de Cata Buanga. O comandante de Cata Buanga me disse: “Se
não conseguirmos nenhuma informação de você, vamos nos livrar desse lixo”, querendo
dizer que me matariam se eu não contasse a eles o que eles queriam saber. Em Cata
Buanga eu fiquei preso numa cova antes de ser levado ao sub-comandante, que me disse:
“Vamos dar-lhe tudo que quiser se mostrar-nos onde a FLEC se esconde na mata.” Ou
nos mostra onde está a FLEC ou matamos você.” Eu concordei em mostrar a eles onde
ficavam as bases da FLEC para salvar minha vida, mesmo sem saber onde estavam as
bases. O sub-comandante ordenou que alguns soldados das FAA ficassem responsáveis
por mim fazendo com que um deles assinasse uma carta aceitando ser morto se eu

48
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 14 de Agosto, 2004.
49
Entrevistas da Human Rights Watch, distritos municipais de Cabinda e Buco Zau, 5, 8 e 12 de Agosto, 2004.

19
escapasse. Eu fiquei na base por três noites sob guarda mas fui bem tratado. Então onze
soldados e eu fomos para a mata para procurar a FLEC. Eu estava vestido com roupas
de civil mas recebi um chapéu e uma jaqueta militar. Os soldados carregavam AKMs e
outras armas. Passamos três dias na mata e encontramos vários lugares que a FLEC
havia abandonado recentemente. Quando retornamos à base militar em Cata Buanga,
Walter, o Brigadeiro [nome mantido em sigilo] e outro tenente tentaram me convencer a
colaborar com as FAA ao trazer-lhes informações e entregar cartas à FLEC.
Perguntaram se eu bebia e disseram que poderiam trazer bebida para que eu falasse mais
livremente. Neguei-me a colaborar com eles. O Brigadeiro me mostrou dinheiro e
perguntou se eu tinha aquela quantidade de dinheiro ou se a FLEC tinha aquela quantia.
Eu disse: “Como vou saber sobre o dinheiro da FLEC?” Ofereceram me pagar um
salário de Luanda mas eu recusei. Depois fui libertado para voltar à minha família, mas
depois disso já fui interrogado outras vezes pelas FAA.50

Violações específicas de género


A Human Rights Watch documentou uma ampla variedade de violações cometidas pelas
FAA contra mulheres e raparigas, inclusive o estupro e a escravidão sexual.51 O estupro
e a escravidão sexual infligidos por agentes do governo são violações dos direitos
humanos, e durante os conflitos armados são considerados crimes de guerra pelo direito
humanitário. As FAA também prenderam arbitrariamente mulheres que eram casadas ou
suspeitas de serem casadas com combatentes da FLEC, juntamente com seus filhos.
Além disso, a Human Rights Watch recebeu relatos de mulheres que se casaram com
soldados das FAA por medo de serem acusadas de serem “esposas da FLEC” o que
poderia resultar em sua detenção, violência sexual ou tortura. A Human Rights Watch
foi informada por vários interlocutores de distritos municipais diferentes que mulheres e
raparigas nas áreas rurais geralmente evitavam entrar na mata sozinhas com medo de
serem estupradas por soldados das FAA e, frequentemente, iam trabalhar nos campos
em grupos mistos de homens e mulheres. O comandante regional das FAA negou, no
entanto, que os soldados das FAA estuprassem mulheres e raparigas, mas admitiu que
ocorreram “excessos” quando os soldados se embebedaram.52

50
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 8 de Agosto, 2004.
51
Segundo o Artigo 7(2)(c) do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI),
por “escravidão” entende-se “o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou
de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa,
incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular
mulheres e crianças.”
52
Entrevista da Human Rights Watch com General Marques Correia Banza (Comandante regional das FAA em
Cabinda), cidade de Cabinda, 16 de Agosto, 2004.

20
A situação inferior das mulheres e raparigas em Angola e a discriminação estrutural à
qual estão sujeitas reflecte-se no estigma da mulher que foi estuprada. Uma resposta
tradicional ao estupro na sociedade Angolana é que o estuprador se case com a vítima
que, de outra forma, não conseguirá mais casar-se. A Human Rights Watch investigou
vários casos de raparigas que se casaram com soldados das FAA, uma delas de apenas 14
anos. Estes casamentos precoces ocorreram provavelmente depois que as raparigas
tinham sido violadas pelos soldados das FAA.53

A. T. descreveu como foi estuprada por quinze soldados das FAA e um oficial, em
Novembro de 2002, quando tinha 14 anos:

Estava a conversar com uma amiga quando fui chamada por um coronel das FAA cujo
apelido é Decídio. Ele e dois soldados armados me levaram para a base militar. O
coronel colocou uma pistola na minha cabeça e disse que me mataria se eu tentasse fugir.
Levaram-me para uma sala onde Decídio me golpeou no rosto e nos seios com sua
pistola. Ele então tirou a minha roupa de baixo e colocou dois dedos na minha vagina.
Ele falou para os outros soldados: “Vocês sabem quem é esta mulher? Ela é uma mulher
da FLEC. Espancou-me novamente e me estuprou. Não sei se os outros dois soldados
permaneceram na sala quando ele me estuprava porque estava escuro. Depois de me
estuprar, ele disse: “vou mandar quinze soldados da tropa usarem você. Você quer
dormir na lama ou quer dormir punida? Eu fui estuprada por quinze soldados, um
depois do outro. Depois que terminaram de me estuprar, ele mandou que dois soldados
me levassem para fora. Eu estava com muita dor e sangrando. Decídio ainda me
ameaçou: “Se você reclamar com os sobas, eu mato você”. Ele então ordenou que os
dois soldados me levassem para casa.

Por duas semanas eu não pude andar normalmente. Recebi tratamento médico na clínica
por alguns dias e depois fui para a cidade de Cabinda para obter mais tratamento,
inclusive tratamento psicológico.54

J.M., uma mulher de 25 anos, foi raptada por soldados das FAA em Novembro de 2003
e levada para sua base na mata onde foi estuprada e mantida por seis semanas durante as

53
Casamentos prematuros forçados são casamentos quando o consentimento de uma das partes, ou o
consentimento da rapariga não é levado em consideração, ou, como no caso de Cabinda, um ou ambos os
cônjuges têm idade inferior à idade de consentimento que, segundo o direito internacional, não deve ser
inferior a quinze anos.
54
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Belize, 20 de Agosto, 2004. O
tratamento médico da vítima foi providenciado pela Igreja Católica.

21
quais era estuprada repetidamente pelos seis soldados que a raptaram e outros soldados
da mesma unidade.

Eu estava a viajar de carro, de volta à Cidade de Cabinda. Havia outras pessoas no carro:
o motorista e um casal que eu não conhecia. Fomos parados por seis soldados armados
das FAA por volta das sete horas da noite. Os soldados ordenaram que eu e o casal
saíssemos do carro e nos levaram para a mata. Por volta das 11:00 da noite, a outra
mulher começou a reclamar que ela não queria andar mais. Um dos soldados colocou
uma AK na sua cabeça e disparou. A bala atravessou sua cabeça fazendo com que seu
cérebro se espalhasse por toda a parte. Caminhamos até chegarmos na base militar dos
soldados. Os soldados dormiram em abrigos feitos de lona verde. Os soldados levaram o
marido da mulher que fora morta para outra parte da base e eu nunca mais o vi.

Eu fui levada para um abrigo de lona onde fiquei por cerca de seis semanas. Eu era
estuprada dia e noite por muitos soldados. Eles usavam de força para me estuprar. Os
soldados diziam: “Vocês Cabindenses falam demais e agora vamos ensinar-lhes uma
lição”. Eu estava com medo e por isso fazia o que me mandavam. Fiquei muito
traumatizada, a ponto de não lembrar quantos soldados me estupraram. Os soldados me
disseram que eu estava lá para ser a esposa deles. Os soldados me ameaçavam e diziam
que me matariam como mataram a outra mulher se eu me recusasse a fazer sexo. Eu me
sentia perdida e não sabia se iria sobreviver.55

Depois de seis semanas de detenção e de estupros repetidos por muitos soldados, um


deles ajudou J.M. a fugir, depois de estuprá-la. Levou-a para uma estrada principal onde
J.M. conseguiu que um motorista de caminhão a levasse. J.M. estava muito traumatizada
e com muitas dores.

Quando saí da mata, parecia uma louca com o cabelo desfeito e muito suja, porque não
havia me lavado todo o tempo em que estive na mata. Meu estômago doía. Doía quando
eu urinava. Eu tinha vergonha da minha aparência e não podia ouvir as pessoas na rua
falando que eu parecia uma louca. Minha mente estava toda confusa.56

Depois de fugir, J.M. foi tratada contra infecções e recebeu tratamento psicológico,
providenciado pela Igreja Católica. A transmissão de doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive o HIV, tem aumentado consideravelmente devido a práticas de
sexo violento com muitos parceiros. Um relatório sobre seu caso foi enviado para as

55
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 3 de Agosto, 2004.
56
Ibid.

22
FAA e para a polícia mas até a data da preparação deste relatório nenhuma medida ainda
fora tomada pelas autoridades sobre o incidente.

As FAA também detiveram arbitrariamente mulheres suspeitas de serem esposas de


combatentes da FLEC. Em princípios de 2003, um grande grupo de mulheres casadas
com combatentes da FLEC foi detido pelas FAA na base militar de Loma, depois de
ataques das FAA às bases da FLEC na mata.57 As mulheres e seus filhos permaneceram
detidas na base por cerca de um mês. Foram interrogadas pelas FAA sobre a FLEC e
depois enviadas a viver num armazém velho sob a guarda constante das FAA, o que
durou mais dois meses. Nesse período, as mulheres e crianças tiveram muito pouca
liberdade de circulação. Podiam ir ao mercado, mas as FAA ameaçavam cortar suas
mãos se fossem aos campos.58

Outra mulher, casada com um combatente da FLEC, foi capturada pelas FAA em um
incidente separado, quando levava comida para seu marido. Os soldados das FAA
amarraram suas mãos nas costas com tanta força que a corda cortou a pele acima de seus
cotovelos causando uma cicatriz.59 O oficial da unidade que a capturou ameaçou matá-la.
Ela também foi filmada pela Televisão Pública Angolana e forçada a dizer para as
câmaras: “Fomos para a mata para encontrar nossos maridos que são da FLEC e pedir a
eles que saiam da mata”.

Algumas mulheres se casaram com soldados das FAA por medo de serem acusadas
como mulheres da FLEC, o que poderia resultar em detenção ou violência sexual.60
Segundo uma mulher deslocada de sua área de origem e entrevistada pela Human Rights
Watch, os soldados das FAA avisavam às mulheres de sua aldeia: “Ou você vem como
minha esposa ou a consideramos como mulher da FLEC.”61 A Human Rights Watch
ouviu relatos sobre famílias e comunidades que se recusaram a permitir que suas filhas se
casassem com soldados das FAA e, por isso, temiam sofrer as consequências. Em alguns
casos, as raparigas foram enviadas para a capital para evitar serem estupradas e, depois,
serem obrigadas a se casar com os soldados que as estupraram. Em um caso, uma família
enviou sua filha para longe, mas ao voltar à aldeia, acabou sendo forçada a se casar com
um oficial das FAA.62

57
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 8 de Agosto, 2004.
58
Ibid.
59
Ibid.
60
Entrevista da Human Rights Watch com vítima cujas sobrinhas haviam sido presas sob suspeita de serem
casadas com membros da FLEC, distrito municipal de Buco Zau, 14 de Agosto, 2004.
61
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 14 de Agosto, 2004.
62
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 8 de Agosto, 2004.

23
Negação da liberdade de circulação
O abuso mais comum cometido pelas FAA é a negação contínua da liberdade de
circulação dos civis nas áreas rurais, que se viam assim impedidos de cuidar de seus
cultivos agrícolas. Além disso, as FAA continuam a proibir que civis entrem na floresta
para caçar ou pescar, inclusive com o confisco de armas de caça.

A lei internacional dos direitos humanos estabelece que todos devem ter liberdade de
circulação. Esse direito pode ser restrito por razões de segurança nacional, por exemplo,
ao proibir o acesso a zonas de segurança militar, mas somente dentro do necessário.63
No seu Comentário Geral 27, o Comité de Direitos Humanos da ONU declara que as
medidas restritivas da liberdade de circulação têm que ser apropriadas para realizar sua
função de protecção, ser o instrumento menos intrusivo entre os que podem gerar os
resultados desejados e, finalmente, ser condizentes com o interesse de receber
proteção.64

O Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra, que se considera um reflexo da lei


humanitária comum, proibe especificamente forçar civis a passar fome como forma de
combate. Também proíbe actos que destruam ou inutilizem objectos indispensáveis à
sobrevivência da população civil, tais como áreas agrícolas de produção de alimentos,
lavouras e pecuária.65

Em Cabinda, os civis têm proibido seu acesso à terra e às lavouras que cultivaram; alguns
vêem seu acesso impedido por várias semanas, enquanto que outros têm seu acesso ao
campo permanentemente negado. Uma mulher deslocada de seu local de origem
explicou à Human Rights Watch:

63
PIDCP, Artigo 12. Ver, Manfred Nowak, U.N. Covenant on Civil and Political Rights: CCPR Commentary,
Engel, 1993, pp. 211-212.
64
Comité de Direitos Humanos, Comentário Geral 27, Liberdade de circulação (Art. 12),
(67a. Sessão, 1999), U.N. Doc. CCPR/C/21/Rev.1/Add.9 (1999), re-impressa em
Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human
Rights Treaty Bodies, O.N.U Doc. HRI/GEN/1/Rev.6 at 174 (2003).
65
Ver, Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra de 1949, Artigo 14. Angola não ratificou este
Protocolo que especificamente vislumbra conflitos armados internos. No entanto, a maioria de suas
disposições são consideradas reflectidas no Direito Comum Internacional.

24
As FAA não permitem que as mulheres cultivem o campo, então como nós mães
podemos dar de comer aos nossos filhos? Espero que haja paz para que possamos
retornar às nossas aldeias e campos.66

Nas palavras de um pai de quatro filhos entrevistado pela Human Rights Watch: “As
FAA estão em toda a parte. Nós não temos liberdade de circulação e não podemos
enviar nossos filhos à escola porque não podem estudar com fome.”67 Outro homem
comentou:

Nas aldeias, vivemos da agricultura e agora a mata está cheia de soldados que nos
impedem de chegar aos campos. Como podemos viver?68

Os habitantes das aldeias que se aventuram em áreas declaradas fora dos limites das
FAA são rotineira e arbitrariamente detidos sob suspeita de serem simpatizantes da
FLEC.

Violações cometidas pelas facções da FLEC


A Human Rights Watch encontrou poucas evidências de abusos recentes cometidos
pelas facções da FLEC. O único caso recente do qual a Human Rights Watch tomou
conhecimento foi o ocorrido em Julho de 2003 quando a FLEC teria assassinado uma
mãe com seus dois filhos e ferido trabalhadores da construção civil no distrito municipal
de Belize, numa tentativa de obstruir a construção de uma estrada através da floresta.69

Grupos armados, tais como a FLEC, são obrigados durante os conflitos armados a
cumprir o Artigo 3 das Convenções de Genebra de 1949 sobre o tratamento de pessoas
sob sua custódia e o direito comum humanitário sobre os métodos e meios da guerra.
Até 2001, a FLEC sequestrava funcionários estrangeiros de empresas de petróleo e
construção civil , em violação às leis internacionais humanitárias que proíbem utilizar
reféns e atacar civis. A FLEC também teria executado pessoas suspeitas de colaborarem
com as FAA, além de atacar posições militares das FAA.70 O número limitado de casos
que constituem abusos cometidos pela FLEC pode reflectir vários factores. Um deles
pode ser a reduzida capacidade operacional dos rebeldes nos últimos anos – várias

66
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 14 de Agosto, 2004.
67
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 14 de Agosto, 2004.
68
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 2 de Agosto, 2004.
69
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 10 de Agosto, 2004. Até o momento de
elaboração deste, a Human Rights Watch não conseguiu comprovar esse incidente.
70
João Gomes Porto, Occasional Paper 77-Cabinda: Notes on a soon-to-be-forgotten war, p. 16.

25
pessoas afirmaram que a FLEC actualmente não pode deixar a mata e actuar contra os
suspeitos de colaborarem com as FAA, devido à forte presença das FAA na província.71
Outro factor seria a política da FLEC de atacar alvos estritamente militares para manter
o apoio de que necessita (comida, roupas, mantas, remédios, etc.) por parte da população
civil.72 Além disso, como a maioria dos civis em Cabinda apoia a causa da FLEC, pode
ser que essas pessoas não queiram se pronunciar sobre possíveis abusos cometidos pela
FLEC pois os Cabindenses geralmente se consideram antes de mais nada Cabindenses e
não sentem que são parte de Angola.73 Mas tendo em vista a longa duração do conflito,
alguns civis expressaram algum ressentimento contra a FLEC, porque “tanto as FAA
como a FLEC molestam os civis. Eles exigem que nós os alimentemos e depois
desaparecem.”74 O recrutamento forçado praticado pela FLEC também é uma
preocupação, embora exista pouca evidência de que a FLEC utilize soldados crianças.75

A resposta do Governo
Desde a decisão da Suprema Corte em 1996, os crimes cometidos por soldados contra
civis estão sujeitos à jurisdição dos tribunais civis.76 Os promotores militares investigam
esses casos em primeira instância e determinam se os casos deveriam ser levados para os
tribunais civis.77 Em todas as violações enumeradas acima, excepto pelo recente
assassinato de Luís Bundu, as FAA se omitiram na investigação. Em algumas das mortes,
as FAA “reconheceu” sua responsabilidade ao transferir unidades inteiras, inclusive
oficiais, para outras partes da província de Cabinda ou para outras províncias, além de
arcar com as despesas funerárias das vítimas. No entanto, as autoridades civis têm
ignorado os casos de violações trazidos à sua atenção. A prisão dos supostos
responsáveis pela morte de Bundu e o envolvimento de um procurador do distrito
municipal de Cacongo e a exumação do seu corpo são passos positivos, mas ainda não
se sabe ao certo se haverá uma investigação e processo devidos sobre sua morte, tendo
em vista a falta de capacidade e vontade tanto da polícia quando do Judiciário. De modo
geral, os Cabindenses não acreditam que as violações sejam levadas seriamente pelas
FAA ou pela polícia. Como ressaltou um homem:

71
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Buco Zau, 8 de Agosto, 2004.
72
Ex-combatente da FLEC disse que eles haviam sido treinados para não atacar a população civil. Entrevista
da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 5 de Agosto, 2004.
73
Entrevista da Human Rights Watch com Coronel Toze da Costa (Promotor militar para Cabinda), cidade de
Cabinda, 8 de Agosto, 2004.
74
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 6 de Agosto, 2004.
75
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 5 e 13 de Agosto, 2004.
76
Ver, Acordão do Tribunal Supremo sobre a Inconstitucionalidade Parcial da Lei da Justice Penal Militar
(Processo n. ° 10), emitido em 11 de Outubro, 1996.
77
Ibid.

26
Os soldados são como porcos selvagens e as autoridades civis são como porcos
domésticos. Você não pode procurar um porco domesticado para apresentar queixa
contra um porco selvagem.78

O sub-promotor civil de Cabinda declarou que a detenção e a tortura de civis pelas FAA
em bases militares é ilegal, conforme Artigo 291 do Código Penal de Angola, uma vez
que as FAA não tem poderes de prisão.79 Não só as pessoas cujos casos são citados
neste relatório foram detidas em locais e situações irregulares, como também foram
violados seus direitos de contar com um processo devido, conforme garante a Lei
Angolana, inclusive de serem informadas prontamente sobre quaisquer acusações que
pairem sobre si; de serem levadas imediatamente à presença de um juiz com poderes
para julgar sobre a legalidade da detenção; e de terem acesso a um(a) advogado(a). A
Human Rights Watch também se preocupa com o facto de que os acusados geralmente
acabam sendo representados por pessoas que não têm formação jurídica para tal
função.80 O governo de Angola deveria garantir que a implementação da lei seja
conduzida pelas autoridades civis competentes, tais como a polícia e não os próprios
militares.

Além das exigências de processar segundo a lei doméstica, Angola é obrigada a processar
os implicados em violações graves da lei humanitária internacional. Como signatária do
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), Angola deveria processar actos
perpetrados por todas as partes que sejam contrários ao propósito do Estatuto do TPI.81
Entre os actos absolutamente proibidos e descritos neste relatório estão: a) o assassinato,
b) a tortura, c) o tratamento humilhante ou degradante de civis ou combatentes
capturados, e d) o estupro e outras formas de violência sexual.

O comandante regional das FAA informou à Human Rights Watch que, como parte da
campanha do governo de “conquistar os corações e mentes” dos Cabindenses, os
soldados das FAA recebem um curso de “educação patriótica”, que inclui algum
treinamento sobre as leis humanitárias internacionais e instruções de como tratar os civis
com respeito – mas esse treinamento é claramente insuficiente.82 O comandante regional
das FAA também recebeu líderes comunitários em reuniões para discutir suas queixas e

78
Entrevista da Human Rights Watch, distrito municipal de Cabinda, 2 de Agosto, 2004.
79
Código Penal, Capítulo XIII, Artigo 291.
80
Entrevista da Human Rights Watch com um advogado, distrito municipal de Cabinda, 17 de Agosto, 2004.
81
Angola assinou o Estatuto de Roma em 7 de Outubro de 1998, mas ainda precisa ratificá-lo.
82
Entrevista da Human Rights Watch com o General Marques Correia Banza (Comandante regional das FAA
em Cabinda), cidade de Cabinda, 16 de Agosto, 2004.

27
informar-lhes que devem denunciar todas as violações cometidas pelas FAA à atenção
dos oficiais de campo.83

A resposta internacional
É de se notar a ausência de envolvimento de interlocutores internacionais, inclusive dos
órgãos regionais da O.N.U., na busca de uma solução para Cabinda. Os representantes
de Portugal, Coréia do Sul, Gabão, Namíbia, da RDC, dos Estados Unidos e das igrejas
tentaram oferecer apoio de mediação, porém o Governo de Angola recusou tais ofertas,
pois supostamente sempre quis exercer o controle total do ritmo de busca de uma
solução. Como mencionado anteriormente neste documento, tem havido pouca
presença internacional em Cabinda, e o Governo de Angola não procurou ou
supostamente não deseja o envolvimento internacional em Cabinda.

A comunidade internacional forneceu recursos para financiar um programa inovador de


fiscalização de certas delegacias de polícia em Cabinda e em outras províncias, e de
orientação e treinamento de oficiais da polícia sobre as normas nacionais e internacionais
relativas aos direitos de pessoas detidas.84 Infelizmente, esse programa que é
implementado pela Associação da Ordem dos Advogados de Angola, tem sido moroso
em seu andamento e apenas é financiada por um curto período. O Escritório dos
Direitos Humanos das Nações Unidas realizou um treinamento da polícia em Cabinda
sobre direitos humanos em Outubro de 2004.

83
Ibid.
84
Entrevista da Human Rights Watch com representante de agência doadora à Angola, Luanda, 24 de Agosto,
2004.

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