Amor e Transitoriedade Na Poética Do Audaz Navegante: Análise Do Conto de Guimarães Rosa
Amor e Transitoriedade Na Poética Do Audaz Navegante: Análise Do Conto de Guimarães Rosa
Amor e Transitoriedade Na Poética Do Audaz Navegante: Análise Do Conto de Guimarães Rosa
DOI: 10.36238/2359-5787.2024.V10N53.263
Submitted on: 08.26.2024| Accepted on: 08.27.2024| Published on: 09.04.2024
RESUMO
O estudo em questão realiza uma análise detalhada do conto "A partida do audaz
navegante", de Guimarães Rosa, explorando a tradição oral como eixo central para
entender a construção narrativa e a interação entre os diferentes níveis de discurso
presentes na obra. A pesquisa foi motivada pela necessidade de aprofundar o
entendimento sobre como Guimarães Rosa utiliza a tradição oral para construir uma
narrativa rica em significados, que transcende o tempo e o espaço, estabelecendo uma
conexão profunda entre o narrador, a personagem Brejeirinha e os leitores. O principal
objetivo da pesquisa é demonstrar como o autor e a personagem Brejeirinha, ambos
narradores da história, utilizam o entre-lugar — um espaço híbrido entre a ficção e a
realidade — para desenvolver uma narrativa que reflete um elo de amor, manifestado
tanto no enredo quanto nas interações entre os personagens. Nesse sentido, o conto não
apenas apresenta uma trama envolvente, mas também revela uma metanarrativa que
expõe as camadas de interpretação possíveis através da tradição oral, onde a realidade é
constantemente reinterpretada pelos personagens. A metodologia adotada para alcançar
esses objetivos incluiu uma análise literária minuciosa do texto, com enfoque na
desconstrução dos elementos narrativos e nas interações entre as personagens principais:
Brejeirinha, Ciganinha e Zito. Essa abordagem permitiu uma compreensão mais ampla
de como os personagens se entrelaçam para compor "a pontinha da realidade", um
conceito que indica a linha tênue entre o real e o imaginário no universo rosiano. Os
resultados da pesquisa evidenciam a complexidade do entre-lugar na obra de Guimarães
Rosa, onde a tradição oral não apenas narra eventos, mas também cria e recria sentidos,
reforçando o vínculo emocional entre as histórias e seus narradores. A conclusão do
estudo reafirma a importância da tradição oral como um recurso literário fundamental
para a construção de narrativas que ecoam a profundidade das experiências humanas.
1
Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Manaus, Amazonas, Brasil.
E-mail: [email protected]
RESUMEN
El estudio realiza un análisis detallado del cuento "La partida del audaz navegante" de
Guimarães Rosa, con un enfoque en la tradición oral como eje central para comprender
la construcción narrativa y la interacción entre los diferentes niveles de discurso presentes
en la obra. La investigación busca profundizar en cómo Guimarães Rosa utiliza la
tradición oral para construir una narrativa rica en significados que trasciende el tiempo y
el espacio, estableciendo una conexión profunda entre el narrador, la personaje
Brejeirinha y los lectores. El principal objetivo es demostrar cómo el autor y la personaje
Brejeirinha, ambos narradores de la historia, utilizan el entre-lugar —un espacio híbrido
entre la ficción y la realidad— para desarrollar una narrativa que refleja un lazo de amor,
manifestado tanto en la trama como en las interacciones entre los personajes. El cuento
no solo presenta una trama envolvente, sino que también revela una metanarrativa que
expone las capas de interpretación posibles a través de la tradición oral, donde la realidad
es constantemente reinterpretada por los personajes. La metodología adoptada incluyó un
análisis literario minucioso del texto, con énfasis en la desconstrucción de los elementos
narrativos y en las interacciones entre los personajes principales: Brejeirinha, Ciganinha
y Zito. Este enfoque permitió una comprensión más amplia de cómo los personajes se
entrelazan para componer "la puntita de la realidad", un concepto que indica la delgada
línea entre lo real y lo imaginario en el universo rosiano. Los resultados evidencian la
1 INTRODUÇÃO
O conceito de entre-lugar, termo nomeado por Silviano Santiago nos anos 1970
em seu ensaio o entre-lugar do discurso latino-americano, reconfigura as fronteiras
difusas entre centro e periferia, cópia e simulacro, autoria e processo de textualização,
literatura e uma variada multiplicidade cultural que circunda o pós-moderno e ultrapassa
os limites, fazendo do mundo uma teia de entre-lugares. É nesse ambiente, neutro,
clandestino, que sublinha o ritual antropófago da literatura latino-americano, no qual ela
se realizaria entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão
ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimilação e a expressão
e entre a fabulação e a realidade por meio da linguagem.
Guimarães Rosa, em 1962, ao publicar o conto A partida do audaz navegante, traz
ao leitor uma narrativa infantil, pautada na fabulação de crianças e no mergulho
reatualizado do conto de fadas. Ao tecer a estória, Rosa, cria um espaço intermediário que
tange para o fechamento que convém ao conto como ponto de convergência. Temos então,
Mas Brejeirinha punha a mão em rosto, agora ela mesma empolgada, não
detendo em si o jacto de contar: ─ “O Aldaz Navegante, que foi descobrir os
outros lugares valetudinários. Ele foi num navio, também, falcatruas. Foi de
sozinho. Os lugares eram longe, e o mar. O Aldaz Navegante estava com
saudade, antes, da mãe dele, dos irmãos, do pai. Ele não chorava. Ele precisava
respectivo de ir. (Rosa, 2001, p. 470).
Aqui, o entre-lugar surge num elo de uma história de amor entre a narrativa de
Brejeirinha e a narrativa do conto, narrada por Rosa. A narrativa de Brejeirinha é uma
história de amor. A audaz navegante parte com sua amada. Além de Brejeirinha, duas
irmãs e o primo são personagens do conto. Suas irmãs Pele e Ciganinha e o primo Zito
não participam da narrativa de Brejeirinha. Mas Brejeirinha arquiteta sua narrativa a partir
da relação entre sua irmã Ciganinha e Zito, o conto ínsita o leitor entender que se trata de
uma personagem mais madura em relação às outras duas irmãs (Pele e Brejeirinha) e Zito,
uma espécie de alter ego de Guimarães Rosa, cabe lembrar que esse era o apelido de
infância do autor. Ao apresentar as personagens, Rosa, revela a memória que se
ficcionalizou dentro de um contexto poético, aqui podemos notar a ausência de nomes,
existem apenas apelidos.
Mamãe, a mais bela, a melhor. Seus pés podiam calçar as chinelas de Pele.
Seus cabelos davam o louro silencioso. Suas meninas-dos-olhos brincavam
com bonecas. Ciganinha, Pele e Brejeirinha ─ elas brotavam num galho. Só o
Zito, este, era de fora; só primo. (Rosa, 2001, p. 469).
Restam hoje algumas pistas desta origem ou, para dizer de outro modo, alguns
sinais fora da linguagem. Parece uma experiência cotidiana, ainda acessível a
todos, estranhar subitamente o som de determinada palavra como demasiado
2
COSTA, J.F.op.cit., p. 13.
3
Idem, ibiem
4
Id., ib.
5
Id., ib.
─ “Nã-ão. Não vale! Não pode inventar personagem novo, no fim da estória,
fu! E ─ olha o seu “aldaz Navegante”, ali. É aquele...” olhou-se. Era: aquele ─
a coisa vacum, atamanhada, embatumada, semi-ressequida, obra pastoril no
chão de limugem, e às pontas dos capins ─ chato, deixado. Sobre sua
eminência, crescera um cogumelo de haste fina e flexuosa, muito longa: o
chapeuzinho branco, lá em cima, petulante se bamboleava. O embate e orla da
água, enchente, já o atingiam, quase.Brejeirinha fez careta. Mas, nisso, o
ramilhete de Pele se desmanchou, caindo no chão umas flores. ─ “Ah! Pois é,
é mesmo!” ─ e Brejeirinha saltava e agia, rápida no valer-se das ocasiões.
Apanhara aquelas florinhas amarelas ─ josés-moleques, douradinhas e
margaridinhas ─ e veio espetá-las no concrôo do objeto. ─ “Hoje não tem
nenhuma flor azul?” ─ ainda indagou. A risada foi de todos, Ciganinha e Zito
bateram palmas. ─ “Pronto. É o Aldaz Navegante...” ─ e Brejeirinha crivava-
Qualquer que seja nossa idade, apenas uma estória que esteja conforme aos
princípios subjacentes a nossos processos de pensamento nos convence. Se for assim com
os adultos, que aprenderam a aceitar que há mais de um esquema de referências para
compreender o mundo – embora achemos difícil senão impossível pensar
verdadeiramente segundo outro que não o nosso - é exclusivamente verdadeiro para a
criança. Seu pensamento é animista. Como todas as pessoas pré-alfabetizadas e várias
instruídas, a criança assume que suas relações com o mundo inanimado formam um só
padrão com as do mundo animado das pessoas: ela acaricia como faria com sua mãe, as
coisas bonitinhas que lhe agradam; ela golpeia a porta que bateu nela. Deveríamos
acrescentar que ela age da primeira forma porque está convencida de que essa coisa bonita
gosta de ser acariciada tanto quanto ela; e castiga a porta porque está certa de que a porta
bateu por intenção malvada. Por mais que os adultos lhe dizem que as coisas não podem
sentir e agir; ela finge acreditar nisto para agradar a esses adultos, ou para não ser
ridicularizada. Sujeita aos ensinamentos racionais dos outros, a criança apenas enterra seu
"conhecimento verdadeiro", mas no fundo de sua alma ele permanece intocado pela
racionalidade; no entanto, pode ser formado e informado pelo que os contos de fadas têm
a dizer.
Para a criança não existe uma linha clara separando os objetos das coisas vivas; e
o que quer que tenha vida tem vida muito parecida com a nossa. Se não entendemos o
que as rochas, árvores e animais têm a nos dizer, a razão é que não estamos
suficientemente afinados com eles. Para a criança que tenta entender o mundo parece
razoável esperar respostas daqueles objetos que despertam sua curiosidade. E como a
criança é egocêntrica, espera que o animal fale sobre as coisas que são realmente
significativas para ela, como fazem os animais nos contos de fadas, e da maneira como a
própria criança fala com seus pertences ou animais de brinquedo. Uma criança está
convencida de que o animal entende e sente como ela, mesmo que não o mostre
abertamente.
Mas talvez não importe tanto fabular sobre a origem da linguagem quanto
compreender a enorme cisão que ela causou. Pois uma vez amarrada está corda
entre todos, uma vez expulsos ou mortos aqueles não quiseram valer-se dela,
não há mais estranhas das ferramentas, da mais exótica das invenções (a
linguagem), parecer tão natural e verdadeira quanto uma rocha, um cajado ou
uma cusparada. Este é seu verdadeiro fundamento, sua, digamos, astúcia- a de
substituir-se ao real como um vírus à célula sadia. Há aí uma potência de
esquecimento que não pode ser diluída, uma armadilha na agonia que serviu a
alguns (e não a todos), sacrificando violentamente àqueles que não a
utilizaram. (Ramos, 2010, p. 22-23).
“─Agora, eu sei. o Aldaz Navegante não foi sozinho; pronto! Mas ele
embarcou com a moça que ele amavam-se, entraram no navio, estricto. E
pronto. O mar foi indo com eles, estético. Eles iam sem sozinhos, no navio,
que ficando cada vez mais bonito, mais bonito, o navio... pronto: e virou
vagalumes...” (Rosa, 2001, p. 474).
“― ‘A moça estava paralela, lá, longe, sozinha, ficada, inclusive, eles dois
estavam nas duas pontinhas da saudade... O amor, isto é... O Aldaz Navegante,
o perigo era total, titular... não tinha salvação... O Aldaz... O Aldaz...’” (Rosa,
2001, p. 473).
O amor requer união. Brejeirinha fez sua narrativa e o amor possível. Sem ter
amado, a personagem compreende o amor. Como desfecho da narrativa do Aldaz
Navegante de Brejeirinha, unem-se os elementos amantes e amados em união
harmoniosa. Pois o Aldaz Navegante e sua amada partem, enfim, juntos. A união
harmoniosa prevalece onde o amor cativa. Assim, a luminosidade do amor transforma os
amantes em vagalumes. um caminho que se desdobra em múltiplas direções, e que, ao
invés de oferecer respostas conclusivas, instaura perguntas e provocações. A obra literária
moderna, nesse sentido, não busca a completude, mas sim a abertura, o entre-lugar onde
coexistem a ficção e a realidade, a presença e a ausência, o dito e o não dito. O conceito
de entre-lugar, como formulado por Silviano Santiago, oferece uma chave de leitura para
entender como a literatura latino-americana, e especificamente a obra de Guimarães Rosa,
opera dentro desse espaço de ambiguidade e criação contínua.
Em "A Partida do Audaz Navegante", Guimarães Rosa utiliza a narrativa de
Brejeirinha para explorar as fronteiras entre o real e o imaginário, entre a linguagem
cotidiana e a linguagem poética, entre o sentido literal e as camadas simbólicas que se
desdobram a partir da fantasia infantil. A história contada por Brejeirinha não é apenas
AGRADECIMENTOS
A Deus, força maior e guia das veredas incertas, agradeço pelo sopro de vida e inspiração,
sempre presente em meus caminhos trilhados.
À minha família, em especial meu esposo Nielson, porto seguro e esteio, agradeço com o
coração transbordante de afeto. À minha mãe, Sonia, cuja sabedoria é como o rio que
corre manso e profundo, moldando as margens da minha existência. Ao meu pai, que em
seus silêncios e olhares me ensinou a ler o mundo com a alma. À minha irmã, Lucilene,
companheira de travessias, cujas risadas e lembranças me aquecem o peito. E ao meu
filho, Théo, radiante estrela-guia, que ilumina o meu viver e me dá forças para seguir em
frente.
À instituição FICS que me acolheu, verdadeiro sertão de saberes e trocas, expresso minha
gratidão sincera. Aqui, encontrei mestres que, como jagunços das letras, me mostraram
que a vida é feita de histórias e significados. Aos professores, que são faróis na escuridão
do desconhecido, e aos colegas de jornada, cuja amizade foi sol na aragem fria das
incertezas acadêmicas, deixo meu muito obrigada, profundo e sentido, pois a caminhada
se fez mais leve e rica com vossas presenças.
REFERÊNCIAS
COSTA, Jurandir Freire. Sem fraude, nem favor – estudos sobre o amor romântico. Rio
de Janeiro: Rocco, 2008.
ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001a.