Letramento Literário - Renata e Rildo
Letramento Literário - Renata e Rildo
Letramento Literário - Renata e Rildo
Rildo Cosson*
Cefor da Câmara dos Deputados / Brasília
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – Faculdade de Educação – UFMG
Resumo: Considerando que a escrita acompanha a vida das pessoas do começo ao fim, as práticas sociais que
articulam a leitura e a produção de textos em contextos diversificados são denominadas letramento. Entre esses
contextos, a literatura ocupa uma posição privilegiada porque conduz ao domínio da palavra a partir dela mes-
ma. Por força dessa característica, o letramento literário requer da escola um tratamento diferenciado que enfati-
ze a experiência da literatura. Uma forma de proporcionar tal experiência pode ser efetivada por meio de oficinas
de leitura, as quais buscam desenvolver a competência leitora dos alunos por meio de estratégias específicas.
1. LETR AMENTOS
De todas as competências culturais, ler é, talvez, a mais valorizada entre nós. Em nossa
sociedade, a presença da leitura é sempre vista de maneira positiva e sua ausência de maneira
negativa. Inúmeros são os programas e as ações destinadas a erradicar o analfabetismo, com
este verbo mesmo, pois não saber ler é uma praga e o analfabeto uma espécie que ninguém
lamenta a extinção. De um adulto, aceita-se o fato de não saber realizar com os números as
quatro operações, afinal na hora do aperto há sempre uma calculadora à mão, mas não a falta
da leitura.
Ler é fundamental em nossa sociedade porque tudo o que somos, fazemos e compartilha-
mos passa necessariamente pela escrita. Ao nascer, recebemos um nome e um registro escrito.
Ao morrer, não é diferente. Precisamos da escrita para atestar nossa morte. Entre um ponto
e outro que tece a linha da existência, somos crianças e os brinquedos, como o vídeo-game,
demandam que saibamos ler. A televisão a que assistimos está repleta de palavras escritas,
mesmo naquelas situações em que o locutor leu o texto, oralizando a escrita. As músicas que
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cantamos foram antes escritas. Tiramos carteira de motorista e precisamos conhecer as leis
que estão escritas. Namoramos e trocamos as cartas pelos e-mails e torpedos para falar de
amor com suas palavras truncadas. Casamos e temos filhos, assinamos contratos, seguimos
instruções e lemos o jornal de domingo. A vida é, a todo momento, permeada pela escrita.
Para entendermos como a escrita atravessa a nossa existência das mais variadas maneiras,
2. Letramento literário
O letramento literário faz parte dessa expansão do uso do termo letramento, isto é, integra
o plural dos letramentos, sendo um dos usos sociais da escrita. Todavia, ao contrário dos ou-
tros letramentos e do emprego mais largo da palavra para designar a construção de sentido em
uma determinada área de atividade ou conhecimento, o letramento literário tem uma relação
diferenciada com a escrita e, por consequência, é um tipo de letramento singular.
Em primeiro lugar, o letramento literário é diferente dos outros tipos de letramento porque
a literatura ocupa um lugar único em relação à linguagem, ou seja, cabe à literatura “[...] tor-
nar o mundo compreensível transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores,
sabores e formas intensamente humanas” (COSSON, 2006b, p. 17). Depois, o letramento feito
com textos literários proporciona um modo privilegiado de inserção no mundo da escrita,
posto que conduz ao domínio da palavra a partir dela mesma. Finalmente, o letramento literá-
rio precisa da escola para se concretizar, isto é, ele demanda um processo educativo específico
que a mera prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar.
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É por entender essa singularidade que se define o letramento literário como “[...] o processo
de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos” (PAULINO; COSSON,
2009, p. 67). Nessa definição, é importante compreender que o letramento literário é bem mais
do que uma habilidade pronta e acabada de ler textos literários, pois requer uma atualização
permanente do leitor em relação ao universo literário. Também não é apenas um saber que se
adquire sobre a literatura ou os textos literários, mas sim uma experiência de dar sentido ao
Dessa maneira, na sala de aula, a primeira coisa a fazer é selecionar o livro que será lido e
discutido pela turma. Já nesse momento, o professor precisa ficar atento ao processo de esco-
larização da literatura. São várias as instâncias de escolarização da literatura mencionadas por
Magda Soares (1999), a começar pela biblioteca que determina rituais de leitura, como se deve
ler, o que ler e em quanto tempo ler. A leitura e o estudo dos textos literários é, em sala de aula,
outra instância da escolarização. Não podemos negar que essa escolarização pode acontecer
de maneira inadequada quando a escola utiliza um texto literário, deturpando-o, falseando-o,
transformando o que é literário em pedagógico. Para se evitar esta inadequação, alguns cuida-
dos devem ser tomados, tais como privilegiar o texto literário e prestar atenção ao escolher um
texto do livro didático, pois esse pode estar fragmentado, além do mais já se trata da transpo-
sição de um suporte para o outro. Devemos escolher o texto no seu suporte original, ou seja, o
livro infantil. Respeitar a integralidade da obra também é importante, pois não podemos retirar
ou saltar partes do texto que, por alguma razão, achamos inadequadas para nossos alunos. Co-
locar a Chapeuzinho Vermelho debaixo da cama por não saber depois explicar o porquê dela
sair viva da barriga do lobo não é a solução. Afinal, o texto literário carrega em sua elaboração
estética as várias possibilidades de atribuição de sentidos. Desse modo, respeitar o texto faz
parte da adequada escolarização do mesmo. Soares (1999) evidencia ainda que a adequada
escolarização da literatura é aquela que conduz a práticas de leitura que ocorrem no contexto
social, a atitudes e aos valores que correspondem ao ideal de leitor que se quer formar.
Assim, a partir do texto escolhido, o professor pode trabalhar com aquilo que Girotto e
Souza (2010) chamam de Oficina de leitura – momentos específicos em sala de aula em que o
docente planeja o ensino das estratégias de leitura. As oficinas começam com o professor len-
do em voz alta e mostrando como leitores pensam enquanto leem. Segundo Harvey e Gouvis
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(2008), quando lemos, os pensamentos preenchem nossa mente, fazemos conexões com o que
já conhecemos ou, ainda, inferimos o que vai acontecer na história. São as conversas interiores
com o texto que está sendo lido e o que passa pela nossa mente quando lemos que nos ajudam
a criar um sentido.
Assim, tornar visível o invisível, ou seja, fazer com que os alunos percebam o que vem em
De acordo com Pressley (2002), são sete as habilidades ou estratégias no ato de ler: conhe-
cimento prévio, conexão, inferência, visualização, perguntas ao texto, sumarização e síntese.
Claro que, ao ler, todas essas habilidades são colocadas em ação sem uma ordem específica,
mas ao ensinar ao aluno tais mecanismos, o professor agirá didaticamente, explicando-os
conforme surgem no decorrer da leitura do texto.
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Ensinar os alunos a fazerem perguntas ao texto também auxilia na compreensão da histó-
ria. Essa estratégia ajuda as crianças a aprenderem com o texto, a perceberem as pistas dadas
pela narrativa e, dessa maneira, facilita o raciocínio. Os alunos podem aprender a perguntar
ao texto e essas questões podem ser respondidas no decorrer da leitura com base no texto ou
com o conhecimento do próprio leitor.
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Oficina de
Leitura Aplicação da
estratégia em
(60 minutos) situação autêntica
de leitura
Aula introdutória
1 Prática 2 Leitura
guiada Independente
35 a 50
minutos
Partilha em
grupo e
avaliação
(05-10 minutos)
Enfim, diante do uso efetivo das oficinas de leitura, do papel do professor em sala de aula,
explicitando as habilidades de leitura, respeitando o texto literário em sua integridade, con-
siderando o conhecimento prévio de cada aluno, bem como o ritmo de cada um, podemos
vislumbrar leitores literários, que não só compreenderão o texto, mas também utilizarão a
literatura em seu contexto social.
Para concluir, cumpre enfatizar que o objetivo maior do letramento literário escolar ou
do ensino da literatura na escola é nos formar como leitores, não como qualquer leitor ou
um leitor qualquer, mas um leitor capaz de se inserir em uma comunidade, manipular seus
instrumentos culturais e construir com eles um sentido para si e para o mundo em que vive,
posto que “[...] a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na poesia são pro-
cessos formativos tanto da língua quanto do leitor. Uma e outra permitem que se diga o que
não sabemos dizer e nos dizem de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo e
nós mesmos” (COSSON, 2006a, p. 16).
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Saiba Mais
Referências
COSSON, Rildo. Letramento literário: educação para vida. Vida e Educação, Fortaleza, v. 10, p. 14-16, 2006a.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006b.
GIROTTO, Cyntia; SOUZA, Renata. Estratégias de leitura: para ensinar alunos a compreenderem o que lêem. In:
SOUZA, Renata (org.) Ler e compreender: estratégias de leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2010.
PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In:
ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tania (Orgs.). Escola e leitura: velha crise; novas alternativas. São Paulo:
Global, 2009.
PRESSLEY, Michael. Reading instruction that works: the case for balanced teaching. New York: Gilford, 2002.
SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins et al
(Orgs.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
STREET, Brian. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice.
Current issues in Comparative Education, [New York], v. 5, n. 2, p. 77-91, Columbia University, 2003. Disponível
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THE NEW LONDON GROUP. A pedagogy of multiliteracies: designing social futures. Harvard Educational
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