Jantar Glotocídico
Jantar Glotocídico
Jantar Glotocídico
Como um jantar secreto, eles começaram devagar, mas instigantes, e a cada capítulo a
velocidade aumentava, a ponto de resultar em uma saciedade “glotocídica”. Os livros
didáticos os apetecem como descobridores, mas eu denomino os portugueses e a sua
“cordialidade” como assassinos.
Ao “se esvair”, o indivíduo leva consigo um fator: a identidade; carregada de história,
narrativa e cultura, e essa última, atrelada à língua; ou, rememorando a estória linguística do
Brasil, ‘pluri línguas’. O conceito exposto por Gilvan Müller trabalha a partir do viés da
multiplicidade e heterogeneidade de línguas existentes (e outras extintas) no país e as
divergentes políticas linguísticas que as devoraram, visando transformá-las em uma mono
língua.
“A história lingüística do Brasil poderia ser contada pela seqüência de políticas lingüísticas
homogeinizadoras e repressivas e pelos resultados que alcançaram: somente na primeira
metade deste século, segundo Darcy Ribeiro, 67 línguas indígenas desapareceram no Brasil
[…]. Das 1.078 línguas faladas no ano de 1500 ficamos com cerca de 170 no ano 2000,
(somente 15% do total) e várias destas 170 encontram-se já moribundas, faladas por
populações diminutas e com poucas chances de resistir ao avanço da língua dominante.”
(OLIVEIRA, 2008).
Portanto, quando os portugueses, almejando riquezas e interesses comerciais e políticos,
invadiram uma área que já era ocupada pelos povos indígenas, iniciaram uma dominação
bastante densa e violenta – a qual significou um processo de submissão além de um povo,
mas principalmente de uma erudição e um idioma. Rememorando Fernão de Oliveira (1975)
[1536]: 43): “Os homens fazem a língua, e não a língua os homens”.
“O estigma sobre as variedades de língua das populações pobres, excluídas do universo
superior do letramento, atua de forma decisiva na construção de uma cosmovisão
estratificada e rigidamente hierarquizada, naturalizando as relações de dominação política e
de exploração econômica. Dessa forma, os fatores sociais atuam como um importante
mecanismo de reforço e sedimentação dos mitos, estereótipos, dogmas e preconceitos que
plasmam a visão hegemônica de língua na sociedade.” (LUCCHESI, 2015).
Diante do viés histórico de dominação, submissão e assassinato de línguas e culturas no
Brasil, houve o contato abrupto entre os povos submissos e escravizados e os colonizadores;
e tal aspecto se estendeu ao longo da construção da sociedade e da língua portuguesa
brasileira. O que poucos sabem – e buscam conhecer – são os principais atuantes do
enriquecimento linguístico e plural do português brasileiro; os mesmos que resistiram e
lutaram contra aos variados grupos linguísticos que – infelizmente - obteram sucesso na
imposição linguística; homogeneizando a língua, assassinando vidas e embranquecendo a
sociedade.
O plurilinguismo existente no Brasil salienta a relevância de ratificar a heterogeneidade
presente no português brasileiro e como as variedades — vistas como incorretas —
acompanham e superam a norma culta. Logo, é importante refletir como a sociedade atual
ainda se encontra: estática numa ideologia discriminante, e que a mutação existente no
português brasileiro culto e falado é fruto “dos condicionamentos estruturais sobre os
processos de variação e mudança no sistema da língua”. (LUCCHESI, 2009).
Perante o exposto no parágrafo anterior, a sociolinguística variacionista laboviana se encaixa
com o princípio da teoria que a variação e a mudança são pertencentes às línguas e, a
primeira ocorre em todos os níveis da língua, seja: fonético-fonológico, gramatical, lexical,
morfológico e sintático, além de atuar no campo: regional e social. Logo, “A variação,
portanto, não é um efeito do caso, mas um fenômeno cultural motivado por fatores
linguísticos e por fatores extralinguísticos de vários tipos. A variação não é desorganizada.”
(CEZARIO & VOTRE, 2011). E muito menos caótica.
“Alguém disse que, no nosso país, toda polêmica termina na gramática. Isso quer dizer que, à
falta de argumentos para sustentar o debate, nosso costume é apelar para o trambique
retórico, ou seja, tentar desqualificar o oponente apontando-lhe ‘erros’ de português. Em
outros termos, quando nos faltam argumentos, nosso último recurso é xingar o adversário de
ignorante, ‘pois nem a língua sabe falar bem’”. (FARACO, 2008).
É necessário que busquemos alternativas que dispersem não somente o enriquecimento
linguístico atual, mas também a negativa ao preconceito linguístico e a decorrente tentativa
de impor uma língua a outra (novamente). Ademais, abraçar os meios tecnológicos e utilizá-
los para o incentivo à busca e o estudo das múltiplas línguas existentes ao longo do território
brasileiro. Pois, de nada adianta reforçar uma ideologia multifacetada – no que tange à
população – quando, na verdade camuflam, maquiam e apagam o passado, e não concedem
voz aos sobreviventes e principais contribuidores da nossa história.
REFERÊNCIAS