CFESS Manifesta

Serviço Social na Previdência Social: direito da classe trabalhadora

Brasília (DF), 17 de setembro de 2024 www.cfess.org.br
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Serviço Social na Previdência Social

direito da classe trabalhadora
A
gênese e o desenvolvimento do Serviço 1942, no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Social na política de previdência social Comerciários (IAPC) do Rio de Janeiro, à época ca-
constituíram uma das trajetórias mais pital do país, no qual foi criada a Seção de Estu-
instigantes do Serviço Social brasileiro. Em 80 dos e Assistência Social (SEAS). Outra iniciativa
anos de construção, o Serviço Social atravessou importante, desenvolvida no ano seguinte (1943),
diversas conjunturas e períodos distintos do foi a realização de uma pesquisa social intitula-
desenvolvimento capitalista no país, que con- da “Inquérito Previdenciário”, coordenada pelo
formaram projetos de previdência ora com am- primeiro assistente social da previdência, Luís
pliação de direitos de proteção previdenciária, Carlos Mancini, e que contou com a importante
ora com restrições desses direitos no quadro da contribuição das profissionais pioneiras do Ser-
correlação de forças em disputa de cada período viço Social da Previdência à época. Essa pesquisa,
histórico. Esse percurso foi permeado por pro- realizada junto a pessoas trabalhadoras e a em-
cessos de lutas e resistências coletivas, que con- pregadoras do comércio carioca, à época, revelou
figuraram conquistas importantes e desafios ao aspectos importantes das condições objetivas de
projeto profissional do Serviço Social na política trabalho, salário e moradia, bem como da saúde
de previdência. dessa parcela da classe trabalhadora no Brasil,
As primeiras iniciativas de implantação do além de evidenciar e reforçar a necessidade da
Serviço Social na previdência se deram a partir de proteção previdenciária.
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Após essas primeiras iniciativas, finalmente, o Servi- 2. A Matriz Teórico-Metodológica do Serviço

ço Social na previdência é instituído, a partir da Portaria Social na Previdência Social
n° 52, emitida pelo então Conselho Nacional do Trabalho O contexto da nova direção do Serviço Social na
(CNT) e publicada em 6 de setembro de 1944. Em 5 de previdência, expresso pela Matriz Teórico-Metodoló-
setembro de 1960, foi promulgada a Lei Orgânica da Pre- gica do Serviço Social na Previdência Social, situa-se
vidência Social (LOPS), que estabeleceu o Serviço Social no período de redemocratização do país, após 21 anos
como uma das prestações de serviços previdenciários, de ditadura civil-militar (1964-1985). Foi marcado pela
sem, contudo, conferir a ele um caráter de obrigatorieda- promulgação da Constituição Federal (1988), alçada
de. Um novo momento de expansão do Serviço Social na pelo protagonismo de novos movimentos sociais e do
previdência ocorreu entre 1966 e 1977, no período da di- novo sindicalismo que concorreram para ampliação
tadura civil-militar, na qual houve a unificação dos IAPs e dos direitos sociais.
a consequente criação do Instituto Nacional de Previdên- No plano institucional, há leis regulamentadoras:
cia Social (INPS). a Lei nº 8.212/1991 (organização da seguridade social)
Observa-se que o significado da previdência social e, especificamente, a Lei nº 8.213/1991 (princípios
para o projeto da ditadura era axial. Seu objetivo estraté- e objetivos da previdência social), tendo esta última,
gico situa-se no aprofundamento da abertura ao capital em seu art. 88, estabelecido a competência do Serviço
monopolista internacional, ensejando mudanças do pro- Social: “esclarecer junto aos beneficiários seus direitos
jeto tecnológico de produção, com vistas a um novo pata- sociais e estabelecer conjuntamente com eles o pro-
mar de acumulação capitalista no país. Assim, a ditadura cesso de solução dos problemas que emergirem da sua
aliou a forte repressão ao arrocho salarial, à proibição de relação com a previdência social, tanto no âmbito in-
greves, à revogação da estabilidade, ao controle sobre a terno da instituição como na dinâmica da sociedade”.
Justiça do Trabalho, à progressiva privatização dos servi- Essa nova competência atribuída ao Serviço Social
ços de saúde e do atendimento médico-ambulatorial. contribuiu para a mudança na prática profissional,
Nesse período, o projeto profissional estava institu- que redundou na construção democrática desse novo
cionalmente consubstanciado no Plano Básico de Ação projeto profissional na previdência, aliado ao projeto
(PBA) de 1972 e no Manual de Padronização Técnica, cujo ético-político do Serviço Social e dos princípios éticos
paradigma possui uma nítida referência no modelo psi- que balizam esse arcabouço teórico-político. A Matriz
cossocial e na reconceituação modernizadora do Serviço se alicerça no método crítico-dialético e estabelece
Social brasileiro. A partir da falência do plano de desen- como ações profissionais: a socialização das informa-
volvimento proposto pela ditadura, entre 1968 e 1972, o ções previdenciárias, que não se confunde com o mero
projeto previdenciário passa por uma reorientação, dire- repasse de orientações acerca da burocracia institucio-
cionada para a criação de autarquias por atividade-fim, nal, mas, sim, possibilita a formação de uma consci-
articuladas no Sistema Nacional de Previdência e Assis- ência política e crítica do direito; o fortalecimento do
tência (Sinpas/1977). Com a criação do Sinpas, ocorreu coletivo, transformando as demandas individuais em
um redirecionamento dos programas socioassistenciais coletivas, além da assessoria aos movimentos sociais
na previdência social, cuja consequência para o Serviço em matéria de política previdenciária.
Social se materializou na extinção dos Centros de Servi- A sua implantação exigiu mudanças nos parâme-
ço Social e na realocação de profissionais para a área de tros da supervisão das equipes profissionais em todo o
benefícios, bem como para as agências e postos de aten- país, revisão das normas acerca dos seus recursos ma-
dimento. A segunda edição do documento Plano Básico teriais, nova concepção do direito no sentido de perse-
de Ação (PBA) do Serviço Social, de 1978, constituiu uma guir os seus objetivos fundamentais: contribuir para a
referência do fazer profissional e teve como premissa cen- formação crítica das pessoas atendidas na luta por uma
tral demonstrar que a previdência social é espaço sócio- previdência pública, universal e de real redistribuição e
-ocupacional do Serviço Social, em face da ameaça de sua do Serviço Social como determinada pelas conjunturas
exclusão da organização previdenciária, embora fosse históricas de cada período, mas, também, pela capacida-
eivado de referências da teoria funcionalista até aquele de teórica e metodológica de construir estratégias em
momento. direção às reais demandas da classe trabalhadora.

O Serviço Social na previdência é

instituído, a partir da Portaria n°
52, emitida pelo então Conselho
Nacional do Trabalho (CNT) e
publicada em 6 de setembro de 1944.
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A década de 1990 se constituiu em um momento disputas de projetos profissionais e institucionais,

paradoxal. Ao mesmo tempo que o processo de rede- nesses 30 anos, a Matriz continua sendo um marco
mocratização apontava para mudanças importantes teórico-político do Serviço Social na previdência, ba-
no alargamento dos direitos sociais, a crise do sistema lizador de uma atuação profissional crítica e compro-
capitalista, deflagrada ainda na década de 1970, reper- metida com os direitos da classe trabalhadora.
cutiu no Brasil e na América Latina, exigindo mudan- 3. Os desafios do tempo presente e a resistência
ças no papel e nas atribuições do Estado. Inspiradas do Serviço Social: a previdência que temos e a
pelos ditames do neoliberalismo, empreendeu-se a re- previdência que queremos!
dução da proteção social e do financiamento das políti- As duas últimas décadas, entre conquistas e derro-
cas sociais por meio das contrarreformas, tendo como tas para a classe trabalhadora no Brasil, vêm impondo
objeto preferencial a política de previdência social. desafios expressivos para a defesa da previdência social
O Serviço Social, nesse contexto, ao mesmo tem- pública e do Serviço Social nessa política. As contrarre-
po que buscava implantar a Matriz, também se via na formas da previdência social, iniciadas ainda nos anos
iminência de sua extinção, ainda que esta não tenha 1990, em conjunturas mais ou menos regressivas, tive-
sido concretizada. Este serviço previdenciário foi ram continuidade nas décadas seguintes, em todos os
sendo progressivamente desmontado, tornando-se governos que se sucederam no poder. A primeira, em
apenas uma “atividade auxiliar” na estrutura organi- 1998, realizada pelo governo Fernando Henrique Car-
zacional do INSS, ficando, portanto, sem direção na- doso. Em seguida, no ano de 2003, no primeiro gover-
cional para coordenar as suas ações. Com o governo no Lula, e incrementadas nos governos Dilma, entre
de Luís Inácio Lula da Silva e após forte mobilização os anos 2013 e 2015. Na quadra histórica mais recente,
e articulações realizadas por assistentes sociais do essas contrarreformas foram aprofundadas durante o
INSS, bem como por diver- governo Temer, com a PEC
sos movimentos sociais, 287/2016 – derrotada nas
sindicatos, universidades, A Matriz continua sendo ruas pela classe trabalhado-
conselhos profissionais e ra no país – e pelo governo
parlamentares que defen- um marco teórico- Bolsonaro, por meio da EC
diam a previdência social,
há a retomada da direção
político do Serviço 103/2019, cuja proposta
inicial continha a própria
nacional, com a recriação Social na previdência, liquidação da previdência
da DSS. A partir desse mo- pública e a ampla adoção
mento, é possível falar em balizador de uma da previdência de capitali-
uma reconstrução do Ser-
viço Social na previdência,
atuação profissional zação, inspirada no modelo
chileno, implementado pela
seguindo as diretrizes teó- crítica e comprometida ditadura Pinochet. O resulta-
rico-metodológicas e ético- do dessas contrarreformas é
-políticas da Matriz. com os direitos da um profundo e histórico ata-
A continuidade desse
processo foi a recomposi-
classe trabalhadora que aos direitos previden-
ciários, penalizando, fun-
ção do quadro de Serviço damentalmente, mulheres,
Social, defasado há cerca de 30 anos e que se consti- pessoas idosas, pessoas com deficiência e os segmentos
tuía em uma luta histórica da categoria. Realizado em mais pauperizados da classe trabalhadora do país.
2009, o concurso público possibilitou a convocação, O processo de reestruturação produtiva, por meio da
até 2013, de aproximadamente 1.350 profissionais, recusa da realização de concurso público; do corte de in-
tornando-se possível a recomposição das equipes na vestimentos (com abandono das unidades de atendimen-
instituição e ampliando o alcance da previdência jun- to, sucateamento do parque tecnológico e da piora pro-
to à população. gressiva das condições de trabalho); da implementação
Na dinâmica institucional, contudo, o processo de de “programas de gestão”, bem como da adoção, em larga
desmonte continuou. Em 2009, tem-se a exoneração escala, da inteligência artificial (IA) e das Tecnologias da
da então chefe da DSS, por sua posição em defesa do Informação e Comunicação (TICs), a exemplo do “Projeto
Serviço Social na previdência, e a sua substituição por INSS Digital”, vem sendo implementado desde o ano de
uma outra chefia, mais alinhada às propostas institu- 2017. Esse processo vem penalizando servidoras e servi-
cionais à época, sem que houvesse consulta prévia à dores do INSS, inclusive com altas taxas de absenteísmo,
categoria. Esse processo dá início a uma nova fase de afastamentos e adoecimento decorrente do trabalho. Da-
ingerências e desmontes do Serviço Social, com im- dos recentes da União, acerca dos afastamentos referentes
posições institucionais que criaram dificuldades para ao ano 2023, demonstram que o INSS ficou em 4º lugar
a materialização das ações desse serviço previdenciá- no serviço público federal como órgão com a maior quan-
rio na direção apontada pela Matriz. tidade de afastamentos (2,25% ou 14.255), ficando atrás
A despeito de sua materialização ter se constitu- apenas do Ministério da Saúde, da Polícia Rodoviária Fe-
ído em um desafio cotidiano e um campo aberto de deral e da Polícia Federal.
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Nessa mesma direção, uma pesqui- ma automática, sem o crivo da análise de po mínimo entre os agendamentos, o que
sa realizada pela Federação Nacional de servidoras e servidores. Isso tem levado as coloca em questionamento a qualidade
Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, pessoas que requerem benefício a se valer destes atendimentos; a participação do
Trabalho, Previdência e Assistência So- da judicialização dos processos previden- Serviço Social em programas de redução
cial (Fenasps) evidencia índices conside- ciários e assistenciais ou, ainda, acionar de filas com recebimento de “bônus” por
rados alarmantes e que indicam a grave intermediários em razão da dificuldade avaliação social realizada; a redução do
situação da saúde de servidoras e servido- de acesso ou de reconhecimento do direi- Serviço Social à realização da avaliação
res do INSS. O aumento do adoecimento to. social da deficiência das pessoas com de-
ocorreu neste período de alterações subs- Tais impactos também têm tido re- ficiência em detrimento das demais ati-
tanciais nos processos de trabalho, com o percussão direta na organização dos vidades previstas no Manual Técnico do
controle mais rígido do tempo, a imple- processos de trabalho, particularmente Serviço Social no INSS, que materializa
mentação das metas absurdas de produ- dentro do Serviço Social na previdência, a Matriz; o trabalho híbrido ou a atuação
tividade, as precárias condições de traba- identificando-se ingerências de várias concomitante de assistentes sociais no
lho, a tentativa de extinção da jornada de ordens, inclusive na fragilização da di- Serviço Social e na Reabilitação Profis-
trabalho e o uso em larga escala das TICs. reção ético-política no Serviço Social e sional; a imposição de produtividade, de
A implantação do “INSS Digi- programas de gestão e de desempe-
tal”, no âmbito da modernização nho para o Serviço Social, entre ou-
administrativa do Estado brasileiro,
realiza-se com a promessa, até hoje
Neste ano, em que tros.
Neste ano, em que completa 80
não realizada, de redução das filas e completa 80 anos de sua anos de sua criação, o Serviço Social
de oferecer maior agilidade aos pro- na previdência, bem como assisten-
cessos de atendimento. Paradoxal- criação, o Serviço Social tes sociais que lhe dão materialidade,
mente, o que tem ocorrido é a não
reposição do quadro de trabalhado-
na previdência, bem como é convocado a responder a esta con-
juntura desafiadora com a radicali-
ras e trabalhadores concursados. Se- assistentes sociais que dade que o momento exige. Somente
gundo informações do Ministério de a partir de um projeto profissional
Economia (abril de 2021), a situação lhe dão materialidade, é crítico, comprometido com proces-
de esvaziamento mais grave entre
os órgãos públicos é a do INSS, no
convocado a responder sos emancipatórios, democráticos,
da orgânica e histórica relação com
qual, de um total de 42,4 mil vagas a esta conjuntura os movimentos sociais, das lutas e
existentes, há apenas 20,3 mil vagas resistências coletivas, bem como da
preenchidas por servidoras e servi- desafiadora com a defesa de direitos, é que o Serviço So-
dores em atividade, representando
22,1 mil postos sem preenchimento.
radicalidade que o cial continuará tendo a legitimidade
social que imprimiu a sua defesa na
Da perspectiva da população momento exige. política de previdência social.
atendida, deve-se considerar o perfil
de um público de baixo rendimento,
baixa escolaridade, conhecimento limita- no fortalecimento de uma racionalidade
do de informática, reflexo das altas taxas burocrática, produtivista e não condizen-
de analfabetismo digital, o que prejudica te com a perspectiva trazida pela Matriz,
o acesso à previdência pública que hoje, conforme já pontuado.
quase exclusivamente, presta os atendi- Entre tantos desafios colocados ao
mentos pelos canais remotos (135 e apli- Serviço Social na previdência e que têm
cativo Meu INSS). Outro desafio é o alto alterado de forma expressiva os processos
índice de indeferimentos que, segundo de trabalho neste serviço previdenciário,
Cartaxo (2023), chegaram a quase 50% tem-se como exemplo a normatização da
no período entre 2016 e 2019. Em 2022 avaliação social da pessoa com deficiên-
(em três meses), o sistema, por meio da cia realizada por meio de teleavaliação;
análise do robô (uso de IA), indeferiu a realização de mutirões que não respei-
cerca de 114.096 requerimentos de for- tam o quantitativo de avaliações e o tem-

Presidenta: Kelly Rodrigues Melatti (SP) SUPLENTES CFESS MANIFESTA

Vice-presidenta: Marciângela Gonçalves (AL) Ubiratan de Souza Dias Junior (SP) 80 anos do Serviço Social na Previdência Social
1ª Secretária: Emilly Marques (ES) Mirla Cisne Álvaro (RN) Conteúdo (aprovado pela diretoria):
Ana Maria Baima Cartaxo, Maria do Socorro
2ª Secretária: Alana Barbosa Rodrigues (TO) Karen Albini (PR) Reis Cabral, Thaisa Vanessa Costa Oliveira,
1º Tesoureiro: Agnaldo Engel Knevitz (RS) Tales Willyan Fornazier Moreira (MG) Júlio César Lopes de Jesus, Angelita Rangel
2º Tesoureira: Larissa Gentil Lima (MT) Adriana Soares Dutra (RJ) Ferreira e Raquel Alvarenga Crespo
Iara Vanessa Fraga de Santana (CE) Organização: Comunicação CFESS
Arte e diagramação:
CONSELHO FISCAL Raquel Ferreira Crespo de Alvarenga (PB) Karlla Braga (estagiária sob supervisão) e
Gestão 2023-2026 Jussara de Lima Ferreira (RJ) Rafael Werkema (assessor de comunicação)
Que nossas vozes ecoem Angelita Rangel Ferreira (MG) Revisão:
vida-liberdade Diogo Adjuto (Analista / Jornalista)
Elaine Amazonas Alves dos Santos (BA)

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