Maternidade Solo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS, MONOPARENTALIDADE E A

EXPERIÊNCIA DA MATERNIDADE SOLO.


Jéssica da Costa Mariano¹; Andreza Carvalho Cardoso²; Flávio Alves da Silva³; Wilma
Magaldi Henriques4

1. Estudante do curso de Psicologia, e-mail: [email protected]


2. Estudante do curso de Psicologia, e-mail: [email protected]
3. Professor da Universidade de Mogi das Cruzes, e-mail: [email protected]
4. Professora da Universidade de Mogi das Cruzes, e-mail: [email protected]

Área de Conhecimento: Psicologia


Palavras chave: Família, Maternidade solo e papéis sociais.

INTRODUÇÃO

O conceito de família já passou por diversas alterações, estruturais, sentimentais, de


definição e até mesmo nas atribuições de papéis a cada integrante que provocaram impactos
direta e indiretamente na sociedade. Desde muito cedo, as mulheres são condicionadas
através de seu processo e desenvolvimento ao longo da vida para tornar-se mães, esse
processo inicia-se na infância e muitas vezes ocorre através do reforço na diferenciação de
gênero, com brincadeiras que se remetiam ao cuidado, além de, muitas vezes serem
obrigadas a desempenhar também o papel de cuidadoras de seus irmãos ou até mesmo de
outras crianças devido às suas condições financeiras. A maternidade muitas vezes é tida
como algo natural para a mulher desde sempre, ou seja, como um instinto. Já para o homem
a paternidade começa a ser naturalizada depois de alguns momentos de sua vida quando ele
passa a ser considerado um sujeito com mais experiência e tudo isso emana de falsas crenças
acerca de explicações biológicas defeituosas no contexto social, já que apenas o que pode
ser definido como biológico neste processo é a gestação enquanto que a maternagem e
paternagem podem ser apreendidos. Essas possíveis definições “instintivas” ao longo do
tempo vêm sendo questionadas e por mais que muita coisa mudou diante deste cenário, como
uma possível cobrança familiar e social acerca das mulheres conquistarem sua independência
financeira, observa-se que na sociedade atual visa-se o papel da maternidade ainda pautada
em valores antigos onde as cobranças e expectativas acerca da mulher tornar-se mãe ainda
são fortemente presentes (BARBOZA E COUTINHO, 2007). A relação monoparental
representada pela mãe solo, onde a figura feminina exerce o papel materno e paterno, a
mesma se coloca em uma posição de assumir uma gama de responsabilidades como o
sustento financeiro, afetivo, funções protetivas, afazeres domésticos, ocasionando muitas
vezes o acúmulo de tarefas desencadeando possíveis transtornos. Segundo Marin e Piccinini
(2009), o número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres tem aumentado em
grande escala por diversos motivos, como o divórcio ou mães foram abandonadas e os pais
não contribuem de forma ativa na educação e nem participam da vida dos filhos. Assim, parte-
se da hipótese de que, apesar de todo avanço tecnológico, econômico e social, às mulheres
continuam sendo impostas o cuidado com a prole e os afazeres domésticos. Entretanto nas
relações monoparentais, em especial naquelas em que a monoparentalidade não foi opcional,
tais responsabilidades aumentam, sobrecarregando a mulher e, por vezes, limitando seu
desenvolvimento pessoal e profissional. Acredita-se ainda que a maternidade solo, quando
originada de uma imposição do abandono afetivo ou da alienação parental e associada a
outros fatores como a dupla ou tripla jornada de trabalho pode gerar sofrimento psíquico às
mulheres, nos mais diversos graus.

1
OBJETIVOS

Esta pesquisa tem como objetivo geral de discutir as relações familiares, as funções
protetivas da família e da maternidade a partir da perspectiva de famílias monoparentais
chefiadas por mulheres. E objetivos específicos identificar e descrever como se desenvolve
a dinâmica de famílias monoparentais; Identificar a ocorrência de situações de abandono
afetivo e/ou alienação parental em famílias que se tornam monoparentais; Descrever as
principais estratégias desenvolvidas por mães solo para cumprir seus diferentes papéis;
Identificar dificuldades e potencialidades de famílias monoparentais na criação e educação de
filhos.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, do tipo exploratória e descritiva,


utilizando a História Oral de vida como metodologia, a coleta de dados foi elaborada por meio
de entrevista aberta conforme o proposto por Meihy (1991), utilizando como pergunta
disparadora: “Pode nos contar sobre como é chefiar uma família monoparental?”. Teve como
participantes 10 (dez) mães solos que vivem na região do Alto Tietê. Podendo a participante
ter interrompido a entrevista a qualquer momento por algum incômodo. Mesmo não possuindo
grandes riscos se necessário a participante poderia ter sido encaminhada para rede pública
de saúde disponível, possuindo atendimentos específicos. As entrevistas aconteceram de
maneira individual, previamente agendadas e seguindo a disponibilidade das participantes,
com o acompanhamento e supervisão de um psicólogo habilitado, no caso, um dos
orientadores deste projeto. Após as entrevistas, foram realizadas transcrições fiéis do que foi
dito depois transcritas e em seguida foi realizada cartografia por entre todos os depoimentos
para conhecer onde neles a questão inquietadora se impõe. Partindo disto, alguns relatos
foram selecionados partindo do critério de exemplaridade: narrativa de depoimentos
reveladores do mérito da questão. Há recortes de falas desses depoimentos com reflexões
dos pesquisadores, como tentativa de refletir sobre as experiências vivenciadas pela mulher
e seus enfrentamentos relacionados a monoparentalidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Há uma singularidade em cada depoente, em cada experiência, mesmo que as


participantes se enquadrem dentro de recorte denominado como maternidade solo.

“Que pretendes mulher? Independência, igualdade de


condições. Empregos fora do lar? És superior àqueles que
procuras imitar. Tens o dom divino de ser mãe. Em ti está
presente a humanidade.”
(Cora Coralina. Poema “mãe”)

De maneira objetiva, o dicionário Aurélio define família como um grupo de pessoas


compartilhando a mesma casa, pontuando especialmente os pais, filhos, irmãos entre outros.
Como se sabe, a constituição federal de 1988, compreende também a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus filhos como uma instituição familiar, entretanto a configuração
tradicional de pai, mãe e filhos permeiam as idealizações familiares, algumas participantes
trazem em seu discurso está idealização. “[...] Uma das coisas mais difíceis na separação
realmente é o fato de que eu não fiz um filho para cuidar sozinha [...] (P1) “[...] Aí você vê o
pai de boa, sem ter preocupação, e então pensa ele abortou a criança e você não.” (P7) , “[...]
Quando você não tem o pai da criança com você, tipo assim, poderia até não estar comigo
mas que acompanhasse a minha gestação, fosse comigo nas consultas, acompanhasse
ultrassom sabe essas coisas, mas eu não tive isso, pra mim foi muito difícil, porque eu via
2
mulheres engravidando e tendo seus maridos e tendo sua família e eu não tinha isso.” (P10).
Botton, et al (2015), pontuam que há um sustento no modelo hegemônico que aprisionam
mulheres e homens a paradigmas sociais, fazendo com que executem a parentalidade
seguindo os padrões rígidos e estereotipados. Muito além das frustrações e notável o peso
das responsabilidades afetivas e de cuidado com o filho, situações essas que não são
diretamente cobradas aos homens, frente a isso se abre um espaço para o questionamento
deste posicionamento de distinguir o que cabe a cada indivíduo e de que forma ambos devem
ser cobrados. Porque um homem pode “abortar” uma criança e seu comportamento consegue
ser justificado frente à sociedade e a mulher não? Isto se dá pelo fato de que as mulheres e
mães se responsabilizem sozinhas pela criação de seus filhos, atitude esta que se naturaliza
frente à sociedade e familiares, (VERZA, SATTLER e STREY, 2015). Os mesmos autores
ainda pontuam a falsa ideia de ver o cuidado e a maternagem como sinônimos. Segundo
Oliveira et.al (2011), a conciliação de papéis é uma característica que marca as pessoas que
adentram na experiência da maternidade, pois a vivência nem sempre acontece de maneira
tranquila para essas mulheres.Partindo da sobrecarga que a mulher assume ao cumprir e
alcançar todas as necessidades de seus filhos, envolvendo seus diferentes aspectos ela
acaba se colocando em um posicionamento de segundo plano, deixando de criar e partir para
a concretização de sonhos e expectativas, realizações de desejos pessoais, lazer, diferentes
rotinas, ou até mesmo o cuidado próprio pelo fato de estar cansada e limitada, muitas vezes
até com dificuldades para expor ou aceitar esta situação, acabam acreditando que é preciso
ser assim, pois o contexto e as pessoas a sua volta acabam reforçando esta crença errônea.
Mesmo dentro de toda esta situação em todos os discursos de maneiras diferentes é possível
reconhecer o famoso “vamos dar um jeito”, podendo fazer uma relação com a maneira na qual
se desenvolve muitas vezes a dinâmica familiar. A vontade de desistir, as dificuldades e
barreiras encontradas, os desânimos são grandes frente à situação inesperada de se ter um
filho sozinha ou adquirir esta condição ao longo do processo, entretanto as possibilidades vão
surgindo de acordo com as adaptações necessárias. “[...] Fui criando meus filhos com força e
garra, quem é que nunca passou trancos e barrancos nesta vida né, autos e baixos, hoje não
tem, amanhã tem e assim vai” (P2) e “Chega uma hora que você se cansa, que fica exausta,
com a cabeça cansada, mas você não pode desistir nunca porque você tem um filho para
criar, correr atrás de tudo [...]”. (P6). Voltando aos objetivos pessoais outro fator pontual que
surgiu em alguns momentos foi o preconceito e medo de entrar em um novo relacionamento,
isto devido a fatores diferentes como a ideia que parte do contexto social de que mãe solteira
não presta, pois não conseguiram segurar o casamento, ficou descuidada depois de dar a luz
ou até mesmo a ideia de que escolheu o homem errado, disputa de atenção entre o filho e o
companheiro, além de, medos relacionados a novas formas de frustrações inclusive com
receios de colocar o filho para conviver com algum estranho, entre outros fatores que muitas
vezes fazem com que as mulheres sigam apenas com os filhos evitando novos
relacionamentos amorosos e assim distanciando-se de certos desconfortos que elas
acreditam estarem relacionados.

CONCLUSÕES

Partindo de todas as entrevistas e contatos realizados, foi possível levantar um


material consistente e individual referente à maternidade solo e sabe-se que se mais mulheres
fossem entrevistadas as experiências seriam outras acrescentando e enriquecendo ainda
mais esta pesquisa. As funções protetivas e as relações familiares vão se adaptando
conforme o desenrolar da história e princípios colocados como prioridades para a mãe solo,
que muitas vezes são os filhos e o trabalho como forma de sustentá-los e oferecer melhores
oportunidades para os mesmos, desta maneira se dão as famílias monoparentais chefiadas
por mulheres e suas principais estratégias para cumprir todos os papéis a ela atribuídos. O
desenvolvimento deste estudo mostrou que a hipótese inicial se mostra verdadeira, pois a
mulher realmente acaba precisando arcar com grandes responsabilidades e
3
consequentemente sofre com uma sobrecarga na qual limita seu desenvolvimento pessoal e
profissional. Concluindo também que a maternidade solo, originada de uma imposição do
abandono afetivo ou da alienação parental associada a fatores como a dupla ou tripla jornada
de trabalho pode gerar sofrimento psíquico às mulheres, nos mais diversos graus. O fator
estresse, abandono, ansiedade, solidão, entre outros foram pontuados pelas participantes,
sendo necessário mais estudos e intervenções a respeito desta situação a fim de proporcionar
melhor qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, P. Z e ROCHA, C. L. M. Maternidade: novas possibilidades, antigas visões.


Psico. v.19, n. 1, p. 163-185. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php
?script=sci_arttext&pid=S0103-56652007000100012 . Acesso em: 21/01/2020.

BOTTON, Andressa et al . Os papéis parentais nas famílias: analisando aspectos


transgeracionais e de gênero. Pensando fam., Porto Alegre, n. 19,. 2015. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2015000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 19 set. 2020.

MARIN, A. e PICCININI, C. A. Famílias uniparentais: a mãe solteira na literatura. Psico, v.40,


n. 4, p.422-429, out/dez.2009. Porto Alegre. Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/2683/4927. Acesso
em 09/05/2019.

MEIHY, J.C.S.B. Canto de morte Kaiowá: história oral de vida. São Paulo: Loyola;1991.

OLIVEIRA, S. C. Et. All. Maternidade e trabalho: Uma revisão da literatura. Interamerican


Journal of Psychology, v. 45, n. 2, p. 271-280, 2011. Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/284/28422741018.pdf Acesso em: 31/05/2020.

VERZA, Fabiana; SATTLER, Marli Kath; STREY, Marlene Neves. Mãe, mulher, chefe de
família: perspectivas de gênero na terapia familiar. Pensando familias, 2015. Disponível em:
http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/9250/2/Mae_mulher_chefe_de_familia_pe
rspectivas_de_genero_na_terapia_familiar.pdf

Você também pode gostar