Fonseca & Mandarino 2010 (V EEMAT - Brasil)

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O ENSINO APRENDIZAGEM DE ESTATÍSTICA NO ENSINO


MÉDIO POR MEIO DE PROJETO INTERDISCIPLINAR
Vilmar Gomes da Fonseca (PEMAT-UFRJ)
Mônica Mandarino (PEMAT-UFRJ e UNIRIO)
[email protected]

RESUMO:
Este trabalho discute a inserção da Matemática em projetos interdisciplinares a partir de
um estudo de caso abordado enquanto uma Pesquisa da Própria Prática (PPP). O
objetivo de estudo foi refletir sobre a validade do trabalho por meio de projetos
interdisciplinares e as dificuldades que este envolve. O estudo envolve a participação de
uma equipe de professores de Matemática num projeto de visita à cidade de Petrópolis,
RJ. A inserção da Matemática no projeto se baseou num levantamento de dados para
tratamento estatístico no âmbito do projeto de visita à Petrópolis proposto pela escola.
Trazemos para reflexão as formas de superação adotadas, por um dos professores da
equipe, para os problemas decorrentes de um planejamento precário da atividade.
Finalizamos apontando a possibilidade de uso do “erro” como ferramenta para
aprendizagem e aspectos que precisam ser levados em conta pelos docentes e pelas
escolas para um uso eficaz de estratégias de ensino por meio de projetos.

Palavras-chave: Pesquisa da Própria Prática (PPP); Projetos Interdisciplinares;


Educação Estatística.

Introdução
“Uma das principais vantagens da pesquisa em sala de
aula é que ela é, por definição, relevante” (P. Cross, 1996).
A educação para vida e a heterogeneidade presente na escola, conduzem à
necessidade de uma organização escolar a fim de proporcionar ao educando, meios
suficientes para transferência de seus saberes e experiências da vida real. Neste sentido,
um projeto surge como algo a planificar e executar, que contribui para a transformação
do real. Segundo Cortesão, Leite e Pacheco (2003, p.23) um projeto está associado ao
reconhecimento da importância do envolvimento dos alunos e dos professores nos
processos de construção de saberes significativos e funcionais.
Entretanto, quais seriam as implicações decorrentes da inserção de projetos
educacionais no ensino da matemática? Como o professor pode agregar a elaboração de
projetos interdisciplinares, às suas ações da prática de ensino de Matemática, com vistas
à melhoria da aprendizagem dessa área de conhecimento?
Atualmente não podemos mais ignorar a prática de projetos interdisciplinares
nem seu potencial nos processos que envolvem a aprendizagem. Porém, é preciso tomar
cuidado com a escolha dos conteúdos matemáticos que podem ser explorados a partir de
um projeto interdisciplinar. Muitas vezes, um projeto é proposto pela escola e, na
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obrigação de selecionar conteúdos matemáticos que se adéqüem ao projeto, perde-se o


foco do ensino disciplinar e seus objetivos. Consideramos que a participação da
Matemática em um projeto interdisciplinar, não pode se restringir ao uso de
levantamentos numéricos e procedimentos para tratar os números coletados. Neste
sentido, apoiados pela Pesquisa da Própria Prática, analisamos uma experiência
vivenciada por um dos autores.
O projeto a ser abordado nesse artigo foi realizado em 2008, com alunos do 2º
ano do Ensino Médio, de uma escola particular do município de Nova Iguaçu – RJ. A
escola em questão propôs a todo o corpo docente o planejamento de atividades a serem
desenvolvidas a partir de uma visita à cidade de Petrópolis, com o objetivo de promover
a multidisciplinaridade dentro do contexto da cidade. Cada disciplina deveria planejar e
desenvolver trabalhos em sua área de estudo, que ajudariam a compor um livro feito
pelos alunos sobre a cidade visitada. A equipe de Matemática ficou encarregada de
elaborar com os alunos, por meio da aplicação de um questionário, um levantamento
estatístico sobre a cidade de Petrópolis.
As dificuldades enfrentadas pelo professor em adequar os conteúdos e sua
prática didática, considerando contexto sócio-cultural e o desenvolvimento cognitivo
dos alunos, a reflexão e o aprofundamento das questões que envolvem o ensinar e o
aprender Matemática, são o objeto de análise desse texto.
O objetivo principal deste artigo consiste na análise da atividade matemática
realizada pelos alunos no âmbito do projeto interdisciplinar citado. Buscamos refletir
sobre as seguintes questões:
• Que contribuições esse levantamento de dados proporcionou ao aluno na
aprendizagem dos conteúdos estatísticos?
• Que problemas matemáticos foram identificados a partir da experiência de
tentar traçar o perfil de uma cidade com o tipo de pesquisa proposto pela
escola?
Apesar da relevância do trabalho com projetos educacionais interdisciplinares,
com objetivo de proporcionar aos alunos um ensino contextualizado e mais dinâmico,
principalmente da Matemática, observamos que a maioria dos professores é resistente a
utilizá-los em sala de aula. Sem dúvida, a experiência apresentada neste artigo
demonstra o quanto é preciso o professor estar preparado para um trabalho deste tipo.
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Relevância e Pressupostos Teóricos


O presente artigo apresenta uma pesquisa que se insere no campo das Pesquisas
da Própria Prática (PPP) do professor de Matemática, que busca entender o processo
ensino aprendizagem a partir de um olhar investigativo, analisando a prática docente e
indicando contribuições para a melhora do ensino. A contribuição desse texto à PPP, se
deve ao fato de que, poucos docentes usam suas salas de aula como laboratórios a fim
de obter um melhor conhecimento sobre a aprendizagem de seus alunos. O potencial da
chamada “pesquisa em sala de aula” vem ganhando força em diversos países. No Brasil,
Palis (2007), por exemplo, defende que este tipo de pesquisa contribui
significativamente uma melhor compreensão do desenvolvimento do conhecimento
matemático dos alunos.
O professor pesquisador de sua própria prática alia investigação e ensino:
em face de um problema didático, submete-o a exame crítico, resolve-o da
melhor maneira possível e divulga a solução. Esse trabalho beneficia o
próprio professor e os alunos, gera conhecimento e desenvolve a cultura
profissional da comunidade de referência. (PALIS, 2009, p.204)
Dentre os conteúdos da matemática escolar, na educação básica, consideramos
que a formação de conceitos do campo da Estatística desempenha um papel
fundamental na formação básica do cidadão brasileiro. Falar em formação básica para a
cidadania significa falar da inserção das pessoas no mundo do trabalho, nas relações
sociais e na cultura, no âmbito da sociedade brasileira. Para isso, sem dúvida,
metodologias que favoreçam um bom domínio de conteúdos estatístico, principalmente
a habilidade de construção e análise de gráficos e tabelas, precisa ser desenvolvidas e
estudadas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) – PCN – recomendam
que se abordem, desde o ensino fundamental, noções básicas de Estatística. Pretende-se
que o estudante seja confrontado com situações concretas de coleta e análise de dados,
seja capaz de ler, interpretar e construir tabelas e gráficos, e recorra a conceitos
fundamentais para a compreensão dos fenômenos do cotidiano.
Ressaltamos que, sem a Estatística, o levantamento de dados quantitativos
produziria apenas uma massa caótica de números. Os procedimentos estatísticos
permitem que o pesquisador resuma, organize, interprete e comunique a informações
numéricas. Acreditamos que, pelo menos, a Estatística Descritiva deva fazer parte dos
conteúdos de ensino da Educação Básica, sendo usada para descrever e sintetizar os
dados.
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De acordo com as orientações curriculares para o Ensino Médio - Ciência da


Natureza, Matemática e suas Tecnologias – dos Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio (BRASIL, 2002) o trabalho com inferência também deve ser abordado
neste nível de ensino.
O estudo da estatística viabiliza a aprendizagem da formulação de
perguntas que podem ser respondidas com uma coleta de dados,
organização e representação. Durante o ensino médio, os alunos devem
aprimorar as habilidades adquiridas no ensino fundamental no que se
refere à coleta, à organização e à representação de dados. Recomenda-se
um trabalho com ênfase na construção e na representação de tabelas e
gráficos mais elaborados, analisando sua conveniência e utilizando
tecnologias, quando possível. Problemas estatísticos realísticos
usualmente começam com uma questão e culminam com uma
apresentação de resultados que se apóiam em inferências tomadas em
uma população amostral. (p.78)
É neste sentido que o ensino de conteúdos estatísticos, por meio da elaboração
de uma pesquisa, que faça parte de um projeto interdisciplinar, pode contribuir para que
os alunos desenvolvam habilidades relacionadas à representação, compreensão,
comunicação, investigação e, também, à contextualização sociocultural.
Para BIAGGI (2000, p.103)
Não é possível preparar alunos capazes de solucionar problemas
ensinando conceitos matemáticos desvinculados da realidade, ou que se
mostrem sem significado para eles, esperando que saibam como utilizá-
los no futuro. Tão pouco podemos esperar que nossos alunos criem afeto
por uma matéria que nem ao menos sabe utilizar.
Quando falamos em “aprendizagem por projetos” estamos nos referindo à forma
de ensino na qual o professor, condutor do projeto, planeja e enuncia problemas que
possibilitem ao aluno construir conhecimento. Adotamos como princípio que o aluno
constrói novos conhecimentos a partir de conhecimento prévios que são mobilizados
para a resolução de um problema. Segundo Fagundes (2000), é a partir do conhecimento
prévio que o aluno vai se movimentar, interagir com o desconhecido, ou com novas
situações, para se apropriar do conhecimento específico - seja nas ciências, nas artes, na
cultura tradicional ou na cultura em transformação. Para nós, os projetos podem
proporcionar contextos que geram a necessidade e a possibilidade de organizar os
conteúdos de forma a lhes conferir significado. Por isso é importante identificar que
tipos de projetos exploram problemas significativos, cuja abordagem pressupõe a
intervenção da Matemática, e em que medida os conhecimentos matemáticos oferecem
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subsídios para a compreensão dos temas envolvidos. A seguir descrevemos como foi
realizado o projeto.

Descrição do Projeto
A fim de atender uma recomendação dos PCNs em relação ao currículo da
Educação Básica, e da UNESCO, da qual é associada, a escola onde foi realizado o
projeto aqui estudado, busca frequentemente desenvolver projetos visando maior
integração das disciplinas e possibilitar uma aprendizagem mais significativa para seus
alunos.
O projeto em questão consistiu num trabalho de campo, realizado pelas turmas
de 2º ano do Ensino Médio, numa escola particular no município de Nova Iguaçu-RJ. O
projeto proposto pela escola envolvia uma visita à cidade de Petrópolis. O objetivo do
projeto era que cada disciplina (Matemática, História, Língua Portuguesa, Biologia,
Física e Química) contribuísse para os alunos aprofundarem e construírem
conhecimentos culturais sobre a cidade Imperial de Petrópolis. A partir desta definição,
as equipes de professores de cada disciplina, lideradas por um professor de apoio,
definiram os objetivos a serem alcançados bem como as atividades a serem
desenvolvidas pelos alunos no âmbito do projeto.
A culminância do projeto foi a elaboração de livros por grupos de alunos (de no
mínimo cinco e no máximo oito componentes), nos quais cada capítulo seria destinado à
exposição do trabalho desenvolvido pelas diferentes disciplinas. Participaram
ativamente cerca de 120 alunos, com idades compreendidas entre 16 a 18 anos.
A partir dos objetivos gerais do projeto a equipe de Matemática decidiu que o
capítulo desta disciplina, a ser elaborado pelos alunos, trataria de uma pesquisa sócio-
cultural realizada na cidade de Petrópolis. Para isso, os alunos deveriam coletar dados,
por meio de um questionário, elaborado pela equipe de professores de Matemática. Este
instrumento foi elaborado a fim de traçar o perfil dos moradores nos seguintes aspectos:
idade, escolaridade, naturalidade, estado civil, entre outros. Seria avaliada também a
atuação da prefeitura municipal de Petrópolis com relação às seguintes áreas: saúde,
educação, segurança, transporte e saneamento básico. Cada grupo deveria aplicar o
questionário(em anexo) para, no mínimo, 50 pessoas.
Após a coleta dos dados, os alunos deveriam fazer a tabulação dos mesmos,
utilizando a planilha Excel para construir tabelas e gráficos, sob a orientação do
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professor de Matemática. A partir da organização dos dados coletados, os alunos


deveriam desenvolver um texto abordando os diferentes aspectos levantados pelo
questionário, apresentando gráficos e uma análise crítica sobre as informações colhidas.

Análise dos resultados: lidando com o inesperado


O desenvolvimento deste projeto trouxe resultados extremamente significativos
do ponto de vista da aprendizagem dos alunos. Ao desenvolverem a pesquisa os alunos
verificaram que para se traçar um perfil de uma cidade era necessário muito mais que
uma pesquisa com 50 pessoas. Assim, como resultado não planejado a princípio,
questões relacionadas com o planejamento de um levantamento estatístico precisaram
ser discutidas. O que poderia ser considerado um erro acabou se revertendo num
trabalho enriquecedor, tanto para os alunos quanto para a equipe de professores.
O que se pediu aos alunos, aplicar o questionário a 50 pessoas, foi proposto em
função da exeqüibilidade da tarefa. No entanto, nenhum aspecto sobre o tamanho da
amostra e das técnicas necessárias para a seleção de seus elementos foi previsto no
planejamento do projeto, nem previamente discutido com os alunos. Assim, além da
amostra ter tamanho insuficiente para se traçar um perfil dos moradores da cidade, a
coleta de dados, mesmo sob a orientação de um dos professores, não envolveu qualquer
critério amostral na seleção das 50 pessoas consultadas por cada grupo. Por conta disso,
os grupos chegaram a conclusões falsas, que imediatamente se revelaram não
confiáveis.
Os questionários foram aplicados concomitantemente à coleta de informações
solicitadas por outras disciplinas. Desta forma, por exemplo, a maioria das pessoas
consultadas morava no centro de Petrópolis ou estava visitando os mesmos locais que os
alunos. Segundo Barbosa (2004), um sistema de avaliação, mesmo com um
planejamento perfeito, pode fracassar inteiramente se os dados necessários para
análise não puderem ser obtidos, ou se os mesmos são imprecisos ou sem
confiabilidade.
Como já relatado, na continuidade do projeto, os alunos deveriam organizar os
dados coletados por meio do questionário. Para isso, foram planejadas aulas sobre
construção e formatação de gráficos usando o EXCEL. O uso deste programa
computacional para construção de gráficos contribuiu significativamente para que os
alunos explorassem recursos da linguagem matemática. Possibilitou, ainda, o ensino das
principais características de gráficos estatísticos, discussão da adequação de um tipo de
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gráfico ao tipo de variável, e compreensão sobre o uso de recursos como legenda, por
exemplo. Foi nesta etapa do trabalho que os problemas em relação à amostragem foram
claramente detectados pelos próprios alunos.
A seguir descrevemos um exemplo das situações didáticas que ocorreram,
devido ao não uso de um plano de amostragem adequado. Neste caso, os alunos
subdividiram os dados dos 50 respondentes por gênero, estabeleceram faixas de idades,
e nomearam estas classes, o que os levou a usar e compreender alguns conceitos
estatísticos importantes. Além disso, ao construírem gráficos por faixa etária para as
mulheres que responderam ao questionário, eles próprios se surpreenderam com a
informação que divulgariam – não há mulheres de meia idade nem idosas nesta cidade?

No debate sobre esta situação uma aluna iniciou a identificação do problema:


“professor é porque das pessoas que responderam o questionário, nenhuma era idosa.”
Na continuidade da discussão, esta mesma aluna disse: “É claro que existem
idosas na cidade, professor, eu vi idosas lá, só não aplicamos o questionário a elas por
falta de tempo.” Logo os alunos identificaram que havia um problema com a coleta dos
dados, realizada sem um plano amostral. Como não teriam condições de voltar à cidade
para uma nova coleta de dados, planejada de forma adequada, este grupo e os demais,
foram orientados reunir todos os dados a fim de obterem, pelo menos, uma “amostra”
mais ampliada.
Reunindo os dados dos diversos grupos um novo gráfico foi construído e, desta
forma, pelo menos, usando uma “amostra” maior, o resultado já foi bem diferente do
que o obtido por cada grupo, separadamente. Reproduzimos a seguir o novo gráfico
construído.
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Apesar disso, a confiabilidade dos dados ficou abalada. Mesmo com um


conjunto de dados ampliado, os alunos reconheciam que os respondentes não
representavam os moradores da cidade. Assim, buscamos outra solução para o estudo
do perfil da cidade e para aprofundar a compreensão sobre a necessidade de se trabalhar
com amostras representativas. A solução foi levar os alunos a confrontar seus resultados
com dados oficiais de institutos de pesquisa especializados e reconhecidos
nacionalmente. Para isso começamos a estudar os dados fornecidos pelo site do IBGE.
Apesar disso, somente um dos grupos apresentou um texto fundamentado em
estatísticas fornecidas pelo IBGE. Apesar do uso de dados não confiáveis para a
elaboração dos textos realizada pelos demais grupos, o produto final foi significativo
para a aprendizagem de diversos conceitos. A partir desse projeto os alunos se
mostraram mais conscientes a respeito de conteúdos estatísticos e críticos em relação a
análises gráficas. Aprenderam, por uma via inicialmente equivocada, que estudar o
perfil dos moradores de uma cidade, mediante uma pesquisa estatística, envolve
planejamento criterioso.
O objetivo do projeto em parte foi alcançado, pois conseguimos que os alunos ao
realizarem este trabalho desenvolvessem a capacidade de pesquisa, organização, análise,
avaliação, e fossem capazes de refletir sobre a necessidade de comparar perspectivas
diferentes, isto é fundamentar suas conclusões.

Considerações Finais
Ao finalizar esse artigo vemos que o ensino de conteúdos matemáticos por meio
de projetos deve ser uma ação planejada cuidadosamente. Entendemos que um projeto
interdisciplinar é um método de ensino aprendizagem que permite uma abordagem
investigativa, centrada na resolução de problemas em grupo, estabelecendo ligações
com a vida real. Desta forma, cria-se um ambiente de aprendizagem ativo, aberto e
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centrado no aluno. Já existem muitas escolas desenvolvendo projetos a fim de integrar


as disciplinas por meio de contexto único. A iniciativa é ótima, porém o professor de
Matemática tem de tomar cuidado para: não forçar uma contextualização; efetivamente
envolver os alunos no planejamento do trabalho; e, principalmente, explorar os
conteúdos matemáticos de forma correta.
Como nos ensina Perrenaud (2001), cotidianamente, nós professores agimos na
urgência. Somos solicitados a planejar e colocar em ação diversas metodologias
inovadoras, como é o caso do trabalho por projetos, sem que se tenha investido numa
formação para tal tipo de trabalho. Assim, solicitado a contribuir para um projeto, quase
sempre, o caminho mais simples para professores de Matemática, é pensar em coletas
de dados numéricos, a serem posteriormente tratados em sala de aula por meio de algum
conteúdo e procedimentos do currículo daquele ano de escolaridade. Exemplos disso
são recorrentes, quase sempre a Matemática se insere em projetos com propostas de
coleta de dados para tratamento Estatístico, ou medidas para tratamento geométrico ou
trigonométrico. A falta de tempo e de experiência no planejamento deste tipo de
trabalho tem levado muitos professores a equívocos conceituais ou a problemas com
uso de dados da realidade para atingimento de seus objetivos no ensino da Matemática.
Assim, citando novamente Perrenaud (2001), após o trabalho de campo, os professores
precisam ter muito “jogo de cintura” e tomar decisões repletas de incertezas para que
possam efetivamente tirar algum proveito do que, muitas vezes, lhes parece
inaproveitável. As inadequações são quase sempre causadas por um planejamento falho
que não prevê os problemas do mundo real. Como, por exemplo, obter dados amostrais
se os alunos estarão todos concentrados num único ponto de uma cidade? Como obter
medidas que envolvem sombras de objetos se no dia da coleta estiver chovendo? Como
lidar com a imprecisão de medidas, com números grandes e cálculos difíceis?
Provavelmente por conta de problemas, como os poucos aqui citados, muitos
professores se mostram resistentes à inserção da Matemática em projetos
interdisciplinares. Tal resistência não se restringe aos que nunca se envolveram em
atividades deste tipo. Atinge fortemente aqueles que tentaram realizar um trabalho deste
tipo, na urgência das exigências da escola, e esbarraram com problemas conceituais,
muitas vezes, difíceis de serem contornados.
Por outro lado, esse tipo de trabalho permite trazer a realidade para dentro da
sala de aula e incentivar uma maior integração entre os alunos. Com um planejamento
adequado, os alunos poderão utilizar ferramentas poderosíssimas, como é o caso da
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Internet e programas computacionais, a fim de realizar um trabalho sólido e eficiente.


Mas, como já ressaltado, tudo depende de um planejamento prévio, cuidadoso e
competente conceitualmente, que preveja que o inesperado pode acontecer, e saídas
para estes casos.
Neste artigo buscamos mostrar que o erro pode ser aproveitado como
“trampolim para a aprendizagem” (BORASI, 1985). No caso aqui relatado, o professor
tirou proveito dos problemas de planejamento equivocado para aprofundar os
conhecimentos dos alunos sobre as exigências para a realização de uma pesquisa
estatística. Assim, esperamos evidenciar que, mesmo com problemas, a exploração
desse tipo de atividade oportuniza um trabalho riquíssimo do ponto de vista
interdisciplinar. Se bem conduzido, um projeto pode produzir uma aprendizagem
significativa, e levar os alunos a novas experiências matemáticas. Acreditamos,
também, que o uso de recursos computacionais e da Internet pode contribuir
significativamente para a abordagem de conteúdos matemáticos e auxiliar no processo
ensino-aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de material didático ou instrucional - Texto didático sobre instrumentos de coleta de
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BIAGGI, G. V. Uma nova forma de ensinar matemática para futuros administradores:
uma experiência que vem dando certo. Ciências da Educação. Lorena-SP, v. 2, n.2.
p.103-113, 2000.
BORASI, Raffaella. Using Errors as springboards for the learning of mathematics; an
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CORTESÃO, L., LEITE C., e PACHECO, J. A. Trabalhar por Projectos de
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In: FROTA, M. C. R., NASSER, L. Educação Matemática no Ensino Superior:
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PALIS, G. L. R. O potencial de atividades centradas em produções de alunos no


desenvolvimento profissional de professores de Matemática. In: VIII Encontro de
Pesquisa em Educação da Região Sudeste. Vitória, 2007.
PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. trad. Cláudia
Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2001.
SAMPAIO, P. e COUTINHO, C. P. Aprendizagem Baseada em Projectos: o caso do
blog Painel da Estatística. São Paulo: Revista E-Curriculum, v. 4, n. 2, 2009.

Anexo 1 – questionário de levantamento de dados


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Anexo 2 – I projeto de trabalho

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