Canhão Sem Recúo - Projeto

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

Análise do projeto Canhão sem Recuo

Neves, A. M.; Vieira, T. A. C. J.; Iha, K.; Rocco, J. A. F. F.


Instituto tecnológico de Aeronáutica - Praça Marechal Eduardo Gomes, 50 - Vila das Acácias CEP 12228-900 – São José dos Campos – SP – Brasil

Resumo O projeto, "Canhão Sem Recuo análise da utilizando equipamentos de baixo custo, simplicidade de
balística interna e externa", foi elaborado pelos alunos do 2° ano construção e cujo peso total possibilitaria sua utilização por
do fundamental do ITA. A idéia do projeto consiste em apenas um operador, bem como fácil transporte e mobilidade
demonstrar e colocar em prática, a partir de um protótipo atendendo a diversas circunstâncias de cada uso.
construído, um canhão portátil que apresenta o mínimo de recuo
possível utilizando um sistema de tubeira na parte traseira. Tal
protótipo estaria simulando de que maneira um verdadeiro
canhão, relacionando-se às devidas proporções, após o disparo de
um projétil, poderia se manter imóvel. Com esta proposta poder-
se-ia adaptá-lo ao armamento de aeronaves, após um avanço bem
significativo no projeto.
Para o estudo de tal idéia, foi necessário também o
aprofundamento em outros campos científicos, como por exemplo, Fig. 1. Partes típicas de um canhão sem recuo: tubeira, câmara de combustão e
no campo da aeronáutica para discutir os possíveis tipos e modelos cano
de tubeiras utilizadas na parte traseira do canhão. Além disso,
utiliza-se o estudo da física por meio da mecânica que constitui o II. ANÁLISE TEÓRICA
principio básico de funcionamento do canhão. O campo de
balística externa também foi explorado, bem como algumas noções A) Modelos Matemáticos
intermediárias de resistência de materiais e engenharia de
armamentos. Foram realizados testes em campo e simulações Grande parte da modelagem teórica envolvida no projeto do
computacionais de resistência de materiais. canhão sem recuo focalizou o escoamento dos gases de
combustão pela tubeira de seção convergente-divergente
Palavras-chaves Canhão, recuo, tubeira, armamento e
resistência de materiais
localizada na culatra aberta do canhão. Os cálculos são
derivados da termo-aerodinâmica e são essenciais par que se
I. INTRODUÇÃO E DESCRIÇÃO DO PROBLEMA obtenha rendimento máximo ou o mais próximo possível do
máximo dentro das condições de operação.
Desenvolvimento de canhões de grande potência nos dias de O escoamento dos gases pela geometria da tubeira foi
hoje, esbarra em um problema bastante difícil de ser resolvido. modelado como sendo isentrópico, invíscido, compressível e
À medida que se tenta aumentar a energia cinética associada ao unidimensional.
projétil, seja, conferindo-lhe maior velocidade na boca do cano,
ou aumentando sua massa, acaba-se por aumentar também um Escoamento compressível
efeito indesejável, porém fisicamente intrínseco ao disparo de Define-se escoamento compressivo aquele no qual o fluido
qualquer arma de fogo: o recuo. apresenta variações notáveis de massa específica em seu trajeto.
O recuo é o impulso que age no cano do armamento como Deve ser levado em conta o intercâmbio de energia mecânica e
reação a força que age propelindo o projétil para frente. energia interna do fluido. Considera-se a compressibilidade do
Canhões são tipos de armamento que naturalmente apresentam gás, para efeitos de cálculo, em escoamentos em M>0,3
enormes esforços de recuo, o que limita em muito sua
aplicabilidade tanto para objetivos bélicos como pacíficos. Número de Mach
Historicamente, sempre se tentou adotar medidas que O número de Mach é uma razão entre a velocidade de um
minorassem os efeitos do recuo no desgaste e precisão do escoamento e a velocidade da propagação de perturbações
equipamento. Entre eles podemos citar sistemas complexos e mecânicas no fluido em questão
por muitas vezes de custo elevado de amortecimento
envolvendo molas, e amortecedores hidro-pneumáticos que v
M (1)
acabavam por aumentar ainda mais a massa de um equipamento c
que já era de difícil mobilidade, inviabilizando seu uso em
diversas ocasiões. Velocidade do som
A idéia de criar um canhão sem recuo surge então como uma Considerando que as perturbações mecânicas em um fluido se
alternativa que solucionaria vários desses inconvenientes. dão de maneira isentrópica, a velocidade do som num meio
Poder-se-ia utilizá-lo como armamento de grande potência varia de acordo com o estado termodinâmico do mesmo, e pode
lançando projéteis de grande massa a distâncias consideráveis ser representada como um fator de compressibilidade pela
seguinte equação:
Alexandre Muniz Neves, [email protected] Tel +55-12-39477820;;
Thales Anaximandro [email protected] Tel. +55-12-39477860, Koshun
Iha, [email protected] Tel. +55-12-39476852; José Atílio Fritz Fidel Rocco
[email protected], Tel. +55-12-39475918

1
B) Simulações Computacionais
dp
c
d Utilizou-se um pacote computacional que oferece ferramentas
de análise tridimensional permitindo testar as condições de
Escoamento unidimensional contorno nos quesitos força e pressão. O objetivo da utilização
Se considerarmos que em qualquer ponto do interior da tubeira do software é validar o projeto “Canhão sem Recuo”, em
a velocidade no sentido longitudinal é muito maior que em condições do mundo real, a fim de otimizar o projeto além
qualquer sentido transversal, podemos modelar o escoamento reduzir custos e ensaios reais.
como unidimensional, que pode ser previsto com a solução das Foi realizado ensaios na tubeira com um variado número de
seguintes equações: [1] materiais os quais de destacam: alumínios, aços, ferros e ligas
de titânio. Outros aspectos a serem considerados são: o custo do
Equação da Continuidade: material, a facilidade de fabricação da tuberia, e o desgaste
físico da peça. Esta última, o software deixa a desejar pois não
dV v .dA 0 (2) simula as condições de umidade, corrosão devido o uso
t VC SC continuado de disparos e os gases provenientes da pólvora.
Equação da quantidade de movimento: Dessa forma foi realizado um gráfico de deformação, utilizando
nos ensaios uma pressão de 50.000psi [1] como pressão
vx dV vx v .dA Fs (3) majorada no interior da tubeira. A direção será determinada
t VC SC normal ao plano da garganta convergente e divergente da
Primeira Lei da Termodinâmica: tubeira.
.
e dV (e pv) v .dA Q (4)
t VC SC
Segunda Lei da Termodinâmica:
.
1Q
s dV s v .dA dA (5)
t VC SC SC
T A

onde VC é o volume de controle considerado no cálculo, SC a


superfície de controle (bordo de VC), v é o vetor velocidade, F
é a força de superfície agindo no fluido p é a pressão estática, Q
é a taxa de transmissão de calor, é a densidade do fluido, e é
sua energia interna específica e s sua entropia específica,

Para a condição de escoamento interno sem atrito (invíscido),


em um canal com variação de área, temos, pela solução das
equações:

dA dV d
(6) Fig. 2. Distribuição de pressão em uma câmara de combustão de um fuzil [2].
A V
O resultado final de resistência de materiais dos materiais na
De acordo com a definição de número de Mach, resulta: tuberia foram os aços. Especificamente uma liga de aço AISI
1040 obteve resultados bem satisfatórios, pois apresentava fácil
dV dA 1 usinagem e limite de escoamento entre 62 e 85ksi. Observe o
(7) gráfico da deformação da tubeira padrão quando submetida a
V A (1 M 2 )
pressão interna de 50Ksi.
ou seja, para escoamento subsônico (M<1), decrementos de Gráfico de deformação da tubeira
área (geometria convergente) geram incrementos na velocidade
21,00
longitudinal do escoamento, que está de acordo com a equação 20,00
19,00
18,00
de Bernoulli do medidor de Venturi.
Deformação (mm)

17,00
16,00
15,00
Já para escoamentos supersônicos, o oposto acontece, a 14,00
13,00
12,00
velocidade aumenta para incrementos de área de seção 11,00
10,00
9,00
transversal do difusor (geometria divergente). A explicação 8,00
7,00
6,00
para esse fenômeno é que à medida que o fluido sofre processo 5,00
AISI 304
AISI 1020

Aluminio 1060

Aluminio 1345
Aluminio 1350
Aluminio 2014

Aluminio 2018

Aluminio 2024
Aluminio 3003
Aluminio 6061

Aluminio 7079

Ouro

Tugnstênio
Aço de carbono simples

Ferro Dúctil

Níquel

Titânio
Prata
Liga de Aço

Aço de carbono fundido

Ferro cinza fundido

Latão
Liga de Aço fundida

Aço Galvanizado

Cobre e aluminio - Bronze


Aço fundido inoxidável

Cobre
Aço Cromado inoxidável

Aço forjado inoxidável

Ferro maleával fundido

Porcelana Cerâmica

de expansão, ele cede energia interna para o escoamento na


forma de energia cinética, acelerando-o.
Dessa forma, tendo a velocidade de propagação de frente de
chama, dado típico de cada propelente, podemos dimensionar a Materiais

geometria da tubeira de maneira a maximizar a velocidade de Fig. 3. Gráfico de alguns materiais utilizados na tuberia deformados.
escape dos gases de combustão
Para maiores informações consulte o material da referência [3],
que podem ser verficados os limites das tensões de escoamento
2
dos aços, alumínios e algumas ligas de titânio. Dessa forma Para dimensionar as paredes do tubo do Canhão sem recuo foi
pelos dados fornecidos pelos ensaios, tem-se a seguinte ordem necessário um estudo de balística interna e resistência dos
de prioridade dos grandes grupos de materiais a serem materiais. Dessa forma, pode-se determinar a espessura do tubo
utilizados pela tubeira do canhão sem recuo: pelo gráfico teórico da figura 6. No eixo y tem-se a tensão de
1. Aço escoamento a ser utilizado. As diversas curvas apresentam a
2. Ligas de Alumínio-Lítio pressão (psi) no interior do tubo.
3. Ligas de Tugnstênio
Esta última, por apresentar custo elevado foi desconsiderado do
trabalho. Quanto a parte do projétil, foi analisado somente a
utilização de Nylon 6/10, material disponível para a confecção
do artefato (projetil).

Fig. 6. Gráfico da tensão de escoamento dos materiais em relação a espessura


da parede do tubo típico de um canhão sem recuo.

Assim, pode-se verificar o seguinte gráfico da figura 6 que


exprime a tensão de escoamento do material e a espessura da
Fig. 4.Visualização das deformações na tubeira do canhão. parede. Uma liga de Titânio (Ti-3Al-8V-6Cr-4Mo-4Zr), por
exemplo, apresenta uma tensão de escoamento da ordem de
Nesta outra etapa do projeto de iniciação foi um estudo a 150000psi, o que implica que as paredes do tubo apresentariam
respeito dos materiais no tubo do canhão, conforme um valor de apenas 8mm, para a situação crítica de 50.000psi.
mencionado anteriormente. As condições contorno são assim Logo a melhor escolha é um revestimento do tubo com ligas de
expressas. A pressão no interior do tubo são aplicadas na titânio, conforme mencionado também na literatura existente no
direção da parte interna pra externa, com valores variando entre campo de armamentos.
10x10³ a 45X10³psi. (Veja a figura 5) Para validação do projeto do canhão também foi utilizado o
recurso da simulação numérica em fluidodinâmica. O princípio
da solução via simulação CFD é o emprego do método dos
elementos finitos nas equações diferenciais que modelam o
canhão. Nessa seção serão descritas as fases para a
implementação da simulação fluidodinâmica da tubeira do
canhão.
O objetivo da simulação CFD foi determinar o perfil de
velocidade dos gases provenientes da combustão da pólvora
negra no interior da tubeira. Uma vez determinada a magnitude
de velocidade, é possível prever o deslocamento do armamento
durante o disparo. O caso base consistiu em um tronco de cone
como aproximação para a seção divergente do canhão. Nessa
primeira simulação não foram considerados os efeitos térmicos
nem de compressibilidade, mesmo a velocidade sendo
supersônica. O perfil de velocidade obtido, para o interior da
tubeira, é mostrado da Fig. 7

Fig. 5.Visualização das possíveis deformações no tubo do canhão.

Os resultados obtidos em uma primeira análise demonstram que


as ligas de aço obtiveram um melhores rendimentos. Convém
ressaltar que a deformação todos esses materiais utilizados
neste ensaio faz parte da chamada deformação elástica. Já a
deformação plástica é uma deformação permanente. Esta por
sua vez, corresponde a porção não linear quando a deformação
atinge o limite elástico. A convenção usual é definir a tensão de
escoamento com sendo 0,2% da deformação de engenharia.
Assim, quando o tubo atingir a região plástica suas
propriedades mecânicas não serão as mesmas de anteriormente,
comprometendo a segurança do disparo e do operador.
Fig. 7. Perfil de velocidade do escoamento dos gases.
3
A simulação final para a tubeira considerou os efeitos térmicos A tubeira, de seção convergente-divergente elípsóide-cônica foi
através da solução da equação de transporte de energia na fabricada em alumínio 6061 por processo de usinagem em
forma de convecção e condução. Por fim, considerou-se os torno manual, e polida com lixas nº 1000 em sua superfície
efeitos de compressibilidade do ar, o escoamento apresentou interna para oferecer o mínimo de atrito ao escoamento,
velocidades supersônicas [4]. O perfil de temperatura é exibido maximizando a eficiência do canhão e reduzindo o acúmulo de
na Fig.8. depósitos de combustão em suas paredes entre os disparos.
Convém ressaltar, que este material foi diferente do aço 1040
proposto nas simulações de resistência de materiais, devido a
dificuldade inicial em usinar uma peça tão sofisticada em aço.

Fig. 8. Perfil de Temperatura do escoamento dos gases.

Conforme projetado, a simulação mostra que na seção Fig. 9. Vista frontal da tubeira. (Cone divergente)
convergente da tubeira ocorre aumento da velocidade do ar
atingindo a velocidade supersônica. Após atingir a seção IV. ENSAIOS
divergente, verificou-se que o gás permaneceu com o aumento
de velocidade, devido a compressibilidade do ar. Foram realizados três dias de ensaios reais, 11, 16 e 17 de
Assim, através da simulação CFD, verificou-se, com a outubro de 2006, Durante os três dias foram realizados sete
geometria projetada para a tubeira e as condições de contorno, a disparos, um contra uma parede de terra, três contra uma parede
possibilidade de construção de um armamento sem recuo. de concreto e três contra uma chapa de aço de 1 mm de
espessura.
III. CONSTRUÇÃO DO CANHÃO
A. Arranjo experimental
A construção do protótipo foi idealizada de maneira a atingir o
máximo de simplicidade e funcionalidade, prescindindo de O propelente utilizado foi a pólvora negra. Ela, apesar de não
peças móveis e descontinuidades nas diversas estruturas que mais ser usada atualmente como propelente balístico, foi
compõem o canhão, evitando assim concentração de tensões escolhida para os ensaios pelos motivos explicitados a seguir.
que poderiam culminar em falhas de material em disparos A pólvora negra tem velocidade de queima, energia de
repetidos. Também se tentou atingir o mínimo de peso possível, combustão e geração de mols gasosos menores que as pólvoras
uma vez que um dos propósitos do dispositivo de redução de sem fumaça, o que certamente diminui em muito a potência do
recuo é aumentar a manobrabilidade do artefato, mantendo, no canhão, mas promove um ambiente mais seguro para ensaios
entanto uma grande margem de segurança em todos os preliminares, reduzindo os riscos relacionados a falhas
componentes de acordo com as cargas a que serão submetidos estruturais ou ricochete de projéteis. Não obstante, a utilização
em condições de operação nos ensaios. O terceiro aspecto de pólvora negra demonstra o conceito da mesa forma que
considerado foi a versatilidade do equipamento. Dessa fora o propelentes mais potentes [5]. Além disso, a pólvora negra é de
canhão foi construído de maneira a possibilitar a utilização de aquisição mais fácil que os propelentes balísticos mais
diversas tubeiras de geometrias diferentes bem como cargas avançados, alguns de uso restrito. Os inconvenientes
propelentes e projéteis de massas diferentes, para que se relacionados à sua utilização são a grande geração de partículas
pudesse verificar o comportamento do canhão em diversas sólidas na combustão, que se verifica pela fumaça branca em
condições de operação. suspensão após o disparo. Alguns desses sólidos são bastante
O tubo do canhão tinha alma lisa e consistia em um tubo corrosivos, e podem atacar o metal do tubo-alma. Outro ponto
mecânico estirado a frio feito de aço ASTM A106, um aço negativo e sua relativa hidrofilia. Uma vez que a pólvora
dúctil, o que diminuiria o risco de fragmentação em caso de absorve umidade, ela perde suas características de explosivo
sobrecarga, e ao mesmo tempo razoavelmente resistente à num processo irreversível. Para efeitos de cálculos foi
corrosão, para que o tubo se prestasse a diversos ensaios sem se considerada a seguinte reação química:
deteriorar, mesmo exposto a altas temperaturas e substâncias
oxidantes formadas na deflagração da pólvora. 74KNO3 + 96C + 30S +16H2O 35N2 + 14 CO + 3CH4 +
Como já se definiu nas fases iniciais do projeto o calibre da 2H2S + 4H2 + 19K2CO3 + 7K2SO4 + 8K2S2O3 + 2K2S +
arma (32mm), as dimensões da parede do tubo de aço, podem 2KSCN + (NH4)2CO3 + 56CO2 + C + S (6)
ser calculadas através do gráfico da figura 8, que relaciona a É importante ter em mente que essa reação é apenas uma
tensão de escoamento do material utilizado, e espessura do condição ideal, bastante simplificada em relação à realidade.
tubo. Dessa forma o tubo tinha 1500mm de comprimento, Ela não apresenta detalhes acerca do mecanismo das reações
32mm de diâmetro interno e 6mm de parede, pesando 7,5 Kg. em cadeia envolvidas, sendo impossível através da mesma
A culatra aberta do tubo recebeu 20mm de rosca interna para a prever efeitos cinéticos relacionados a diferentes percentagens
fixação da tubeira. mássicas dos componentes envolvidos. A reação real depende
4
da constituição exata da pólvora e da forma como sua queima é 1) I Bateria de testes
iniciada.
Para a reação ideal o calor liberado é de 685 Kcal/Kg e o fator No primeiro dia foi realizado no dia 11 de outubro de 2006 com
de expansão de volume é de 5100, formando 600g de produtos condições climáticas favoráveis, isto é, tempo seco, pouco
sólidos e 278 litros de gases. A reação real apresenta valores vento e temperatura de 25º C. A bateria consistiu de apenas um
ligeiramente menores em ambos os quesitos. Os produtos disparo demonstrativo realizado contra uma parede de terra
sólidos, que representam em torno de 56% da massa final, são localizada a 20m de distância da boca do cano.
responsáveis pela fumaça branca densa característica da Foi utilizado um estojo contendo 30g de pólvora negra e um
queima, ao ficarem em suspensão no ar próximo, formando um projétil de massa aproximadamente igual a 70g. O recuo foi
aerosol. O calor específico a pressão constante da pólvora foi suficiente para derrubar o canhão de seu apoio no tijolo
estimado em 0,348 Kcal/Kg°K, considerando os gases refratário. È interessante notar, no entanto, que neste primeiro
provenientes da combustão [6]. Vale lembrar que a velocidade ensaio o canhão encontrava-se inclinado em relação a
de queima da pólvora negra é bastante influenciada pela horizontal, o que torna difícil a análise dos resultados. Nessa
temperatura e pouco pela pressão. Assim, foi possível estimar a situação qualquer desequilíbrio poderia ser suficiente para fazer
pressão na entrada na tubeira e a energia contida nos cartuchos. o canhão deslizar de seu apoio somente pela ação de seu peso.

B. Preparação da Carga e cartucho

A massa propelente era acondicionada na forma de carga


ensacada, em estojos cilíndricos de papel, preparados
separadamente dos projéteis. As massas de pólvora negra eram
medidas em balanças analíticas, com precisão de três casas
decimais e então despejadas nos cartuchos, que eram em
seguida lacrados e guardados longe de umidade. Foram
preparados estojos de 30g, 40g e 50g.

C. Sistema de ignição

Dentro do estojo, no centro da carga cilíndrica, antes da


colocação da pólvora, posicionava-se um squib detonante, um
filamento de tungstênio utilizado para iniciar a deflagração por
Fig.10. Arranjo experimental para o I disparo
oferta de energia na forma de calor dissipado no filamento a
partir da passagem de corrente elétrica. A corrente fornecida 2) II Bateria de testes
por uma bateria posicionada em local seguro, à distância,
efetuava o disparo. O segundo dia de testes foi realizado em 16 de outubro de
2006. O céu estava encoberto, alta umidade e temperatura
D. Projéteis ambiente de 20º C. Foram realizados dois disparo com arranjos
experimentais em diferentes configurações.
Construídos a partir de tarugos de nylon, por usinagem em
torno de controle manual. A adoção do nylon se deu pelos
motivos a seguir. O nylon é um material polimérico não
inflamável, dessa forma não haveria o risco de combustão do
projétil dentro do tubo. Ele também é macio, bem mais macio
que o aço utilizado no tubo, de forma que não houvesse
preocupação com a erosão da alma do tubo pela passagem do
projétil em alta velocidade em disparos sucessivos; além disso,
sua moldagem por remoção de material é fácil e rápida. Por
fim, é um material pouco resistente a impactos, de forma que o
risco de incidente por ricochete no alvo é pequeno, já que a
probabilidade do nylon se quebrar em diversos pedaços no
impacto é grande, como foi verificado posteriormente nos
Fig. 11. Arranjo experimental para o II disparo
ensaios. Os projéteis fabricados pesavam entre 60g e 70g.
O primeiro disparo foi realizado contra um muro de terra
E. Procedimento experimental
distante de 60m do canhão. Utilizando-se um estojo de 30g de
pólvora.
O tubo foi posicionado a 30 m de distância do operador do
O segundo disparo foi realizado, logo em seguida, contra um
disparo, seguro além de uma parede de terra. Próximo ao
muro de concreto, distante 30m do canhão com estojo de 40g.
canhão ficavam apenas câmeras de vídeo utilizadas para
O projétil do primeiro disparo não pôde ser recuperado e o
posterior exame do disparo. O canhão ficou apoiado
segundo fragmentou-se como era previsto ao colidir com a
paralelamente ao solo sobre dois tijolos refratários lisos, de
parede de concreto.
forma a diminuir ao máximo possível o atrito. Um fio de 35m
de extensão conectava a bateria ao squib detonante, e o disparo
era efetuado a comando do operador após certificarão de que as
áreas próximas haviam sido evacuadas.

5
3) III Bateria de testes admita menos tolerâncias, com ferramentas por controle
numérico, por exemplo, tornando o comportamento do conjunto
No terceiro dia de teste, 17/10/2006, foram realizados 4 como um todo mais previsível. Essas medidas garantirão uma
disparos. As condições climáticas eram desfavoráveis: choveu notável melhora na repetitividade e confiabilidade dos ensaios e
durante boa parte do ensaio e havia rajadas de vento. justificarão a adoção de mecanismos e equipamentos de
O primeiro disparo foi realizado contra uma parede de concreto medição de forças, temperaturas, pressões e velocidades para o
com carga de 30g. O projétil fragmentou-se, seus restos foram estudo dos fenômenos envolvidos no experimento real.
recuperados. Os três disparos seguintes foram efetuados contra Os avanços também serão positivos no sentido de validar os
uma chapa de aço de 1mm de espessura. Em todos os 4 resultados obtidos em simulações computacionais de mecânica
disparos, o alvo situava-se a 30m de distância da boca do de fluidos e resistência de materiais, comparando-se vários
canhão. modelos matemáticos além da literatura em armamentos e
Todos os disparos contra a chapa de aço perfuraram-na. As verificando sua proximidade com o fenômeno observado.
cargas utilizadas foram de 30g, 40g e 60g, respectivamente. A
seguir é mostrada uma figura dos projeteis após o disparo dos VII. AGRADECIMENTOS
mesmos.
Oficina Mecânica do Departamento de Física do ITA
por ter contribuído com a usinagem da tubeira do
canhão.
Departamento de Física do ITA, ao Prof. Silvério, por
ter fornecido a oportunidade da participação na feira de
Ciências.
Departamento de Mecânica do ITA por ter fornecido
apoio técnico na construção dos projeteis.
Divisão de engenharia Aeronáutica do ITA por ter
fornecido materiais didáticos a respeito do estudo dos
bocais.
Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) por nos ter
provido de material teórico. Agradecimentos especiais ao
Major Franchitto, Capitão Blanco, Miscow.
Professor Orientador do Departamento de Química do
Fig. 12. Arranjo experimental para o III disparo ITA, Professor Iha, por ter auxiliado na busca de contatos
com diversos profissionais das diversas áreas envolvidas
V. CONCLUSÕES no projeto do canhão.
Professor Orientador do Departamento de Química
Nestes sete primeiros ensaios de demonstração não foi utilizado do ITA, Professor Fritz, por ter conduzido, ao longo do
nenhum equipamento que medisse com precisão a magnitude projeto, toda a parte relacionada ao desenvolvimento e
do impulso relacionado ao recuo, como um reparo deslizante ou preparação do propelente, bem como dimensionamento
suspenso, por exemplo. Também não se aferiu com precisão a da tubeira para que fosse atingido o efeito desejado.
inclinação do canhão em relação à linha do horizonte, o que Instituto Militar de Engenharia (IME) por fornecer
também poderia alterar ou mascarar de maneira significativa os embasamento teórico, através do Coronel engenheiro
resultados. A abordagem dessa demonstração inicial foi, Lonthfranc e o Coronel R1 Henriques, que auxiliou o
portanto, muito mais qualitativa que quantitativa. aprendizado das técnicas envolvidas na manufatura de
Podemos, no entanto, perceber que o mecanismo adotado em armamentos.
grande parte das vezes reduziu de maneira quase total os efeitos
do recuo associado ao disparo. Para uma velocidade estimada
de 300 m/s (média medida pela contagem de quadros da câmera REFERÊNCIAS
entre o disparo e o impacto do projétil no alvo) do projétil,
teríamos uma velocidade de recuo da ordem de 3 m/s do [1] R. W. Fox, A. T. McDonald and P. J. Pritchard.
canhão. Isso certamente não foi verificado, já que diversas “Introdução à Mecânica dos Fluidos”, LTC, 6ª Edição, 2006
vezes o canhão permanecia praticamente na mesma posição [2] Hatcher, Julian S., June 1962, "Hatcher's Notebook",
após o disparo. Stackpole Books, 3rd edition, ISBN: 0811707954), 322 p
[3] William D. Callister, Jr., 2000“Ciência e Engenharia de
Materiais: Uma Introdução”, LTC, 5ª Edição, 246 - 263 p
VI. SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS [4] Real, Eduardo Vila, 2006, “Simulação termodinâmica em
tubeira de canhão sem recuo” Artigo do VIII SIGE
Com a continuidade do projeto será avaliada a possibilidade da [5] W. A. Sirignano, A. G. Merzhanov and L. De Luca,
utilização de propelentes de maior potência e com normas mais “Advances in Combustion Science: In Honor of Ya B.
rígidas de fabricação, no que diz respeito à granulação e Zel’dovich”, American Institute of Aeronautics and
composição química, e armazenamento. Dessa forma se tornará Astronautics, Vol 173, 2003
mais interessante o estudo de algumas áreas que tiveram pouca [6] R. E. Sonntag, C. Borgnakke and G. J. Van Wylen,
atenção até agora: a balística externa e sistemas eficientes de “Fundamentos da Termodinâmica”, Edgard Blucher, 2006
alimentação de projeteis.
Também se pretende utilizar na construção do canhão e dos
projéteis materiais mais nobres e sofistificados, cuja fabricação

Você também pode gostar