Cronicando 1 (Buenos Aires, 2011)

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cronicando

buenos aires 2011


Dados de catalogação bibliográfica: Mendes, S.D. (Org.) (2011). Cronicando. Buenos Aires: Centro de
Língua Portuguesa/Instituto Camões Buenos Aires.
Título: Cronicando
Organização: Sónia Dias Mendes
Edição: Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões Buenos Aires
Data: Setembro de 2011
Local: Buenos Aires, Argentina

Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões Buenos Aires


Carlos Pellegrini 1515
Buenos Aires – CF
Argentina
[email protected]

Edição financiada por:


Instituto Camões, I.P.
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Portugal
www.instituto-camoes.pt
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Neste espaço, algumas palavras…

Neste espaço, temos percorrido, desde 2007, vários cantinhos do planeta.

Neste espaço, temos visitado os países de (e através da) língua portuguesa.

Neste espaço, que é o Centro de Língua Portuguesa/Instituto Camões em Buenos Aires


(Argentina), temos descoberto através da língua de Camões manifestações, culturas e
realidades outras.

Desde o ano letivo 2007, que nos encontramos semanalmente neste espaço para celebrar a
língua portuguesa, a língua que nos une apesar da aparente separação entre nós: entre a norma
europeia, que eu falo, e a norma brasileira, que vocês aprendem e ensinam ou ensinarão no
futuro.

Neste espaço, recheado de autores lusófonos, fomos construindo semanalmente a nossa arte
de cronicar: a crónica, aquele género discursivo, que nas palavras de João Pereira Coutinho
(2005), “pode partir da realidade mas, não raras vezes, (…) cria a sua própria realidade”.
Aquele género que ao tratar dos pequenos acontecimentos do quotidiano é capaz de atingir a
mais alta poesia (Arrigucci, 1987), trazendo em si “o «eu» que fala por todos” (Damulakis, 1997,
p.193). Com efeito, a crónica permite que leitor e autor se tornem amigos íntimos; ambos
dialogam com despretensão os assuntos em pauta não pela importância nacional de que estes
se possam revestir, mas pela forma particular e pessoal com que estes temas os tocam
(Dimas, 1974).

Destes encontros, neste Centro de Língua Portuguesa, nascerem as crónicas que a seguir se
apresentam e que representam uma pequenina amostra do trabalho realizado por todos vocês
ao longo da disciplina Língua Portuguesa IV durante a frequência do Curso de Profesorado en
Portugués no Instituto de Enseñanza Superior en Lenguas Vivas “Juan Ramón Fernández”
(Argentina).

A todos os meus alunos de Língua Portuguesa IV dos anos letivos 2007, 2008, 2009, 2010 e ao
grupo de 2011, que começa a dar os primeiros passinhos na arte de cronicar no mesmo espaço
onde nasceram estas crónicas que falam por e para todos. O meu profundo agradecimento a

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todos vocês por contribuírem diariamente, qual lugar-comum!, para que eu aprenda cada vez
mais e para que continue a crescer como docente.

E, em especial, a vocês, Ale, Andrea, Fred, Fer, Guille, Leo, Lili, “Maria” Lara, María Eva, Marce,
Nacho, Romina, Rosinha e Santiago, que estão aqui presentes hoje a revisitar e a celebrar,
através do “Café Literário: Cronicando”, o nosso trabalho passado, neste espaço, onde tudo
nasceu e onde tudo continua a acontecer.

Sónia Dias Mendes


Leitora Instituto Camões Buenos Aires
Buenos Aires, 29 de Setembro de 2011

Arrigucci, D.J. (1987). Enigma e comentário: Ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo:
Companhia das Letras.
Coutinho, J.P. (2005, 23 de Julho). A arte da crónica. Expresso.
Damulakis, G. (1997). Saramago, sempre Saramago. Quinto Império: Revista de Cultura e Literatura de
Língua Portuguesa, 9, 191-194.
Dimas, A. (1974). Ambiguidade da crônica: Literatura ou jornalismo? Revista Littera, 12, 46-51.

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ÍNDICE

Detalhes do meu português ruim…(Alejandro Caramia)………………………………………………….. 5

Diário de um casal (Andrea Levitt)…………………………………………………………………………………….. 7

Verdes anos (Federico Polastri)………………………………………………………………………………………… 9

Definições (Fernanda Flores)……………………………………………………………………………………………… 11

Carta aberta a Tarzan Taborda (Guillermo Jiménez)……………………………………………………….. 13

A casa das palavras (Ignacio Spina)………………………………………………………………………………….. 15

Cronicando com a língua (Lara Iglesias Araújo Silva)……………………………………………………… 17

Saudades de Ireneia (Leonardo Garizzio)………………………………………………………………………….. 19

Os “Farfala” (Liliana Bustos)……………………………………………………………………………………………… 21

O argento e o futebol (Marcela Gil)……………………………………………………………………………………. 23

A casa das palavras (María Eva Parisi)……………………………………………………………………………… 25

Ser cabeleireiro (Romina Heiber)……………………………………………………………………………………… 27

A minha primeira crónica (Rosa da Silva)…………………………………………………………………………. 29

Fumar (Santiago Ure)…………………………………………………………………………………………………………. 31

Nota da Organizadora………………………………………………………………………………………………………… 33

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Alejandro Caramia

Detalhes do meu Português Ruim…

Se tu as quintas-feiras estás aborrecido e coisa nenhuma te alegra, apanha um


autocarro que leve o teu corpo ao prédio de Carlos Pellegrini 1515 na cidade de Buenos Aires.
Entra pela porta de vidro, cumprimenta o segurança (é bom ser educado, tu nunca sabes o que
poderá se passar contigo), vira à direita, sobe a escada, sim, aquela de madeira com a varanda
de bronze, vira à esquerda até aparecer ante ti o melhor de Portugal e o pior da Argentina.

Lara sempre disse que eu sou um puxa-saco por isso digo estas coisas. Eu digo que
tenho que compensar minha falta de proficiência na língua do grandiloquente Luís Vaz de
Camões salientando a inteligência e a beldade da minha excelentíssima portuense professora é
apenas um dos meus métodos. Outro método é copiar os trabalhos de meus colegas como eu
proclamei na minha crônica Criar, copiar ou plagiar, a ser publicado proximamente em uma
coletânea de minhas(?) obras pela editorial Atlântida onde trabalha meu bondoso colega
Guilherme.

Não vai ter sucesso, não!, como as políticas neoliberais dos anos noventa; mas eu
acredito, meu amigo, que será muito lucrativo, deveria confiar em mim!

Bem, tu já estás aqui, no Instituto Camões de Buenos Aires. Eu vou-te apresentar a turma
inteira. Somos quatro alunos, o Fredy, o homenzarrão de óculos, o Leonardo, o gato, o
Guilherme, o moderado, e eu, o Alexandre, sem adjetivação suficiente, uma aluna, a Lara,
ciumenta de meu sucesso e fã da banda desenhada da turma da Mônica, e a citada maravilha
lusitana, Prof. Sónia Dias Mendes, para os amigos, a Sonics. Porém, ela ainda não permite que
nós a chamemos desse jeito.

Você é um safado; não, seu Fredy, não, eu sou apenas um interlocutor de modos desfrequentes,
só isso; você sempre zombando!; não, tu confundes-te, eu sou uma pessoa sem papas na língua,
eu digo aquilo que penso ou o que me convém(?)... na verdade não lembro... mas não te estou a
dar tanga.

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As aulas têm uma elaboração estupenda com excelentes áudios e vídeos, textos do maior
refinamento estilístico, material conceitual absolutamente esclarecedor e coroando tudo isso, a
figura sabedorismática da Sonics, desculpe, Prof. Sónia Dias Mendes.

Mas nosso Português ruim enche as quatro paredes e as tinge de subdesenvolvimento


retrógrado. Tomara que os Torquemadas da língua do nosso herói D. Afonso Henriques apaguem
os “i” epentéticos, os sons fricativos e as aberturas exageradas e desnecessárias das vogais
tônicas, e fomentem o uso e a frequência adequada dos pronomes “tu” e “você”, lutem pela
pronúncia correta dos ditongos nasais [ãj] e pela nossa adorada colocação pronominal, mas
incompreendida pelos transatlânticos, a mesóclise.

Você é um traidor, diz o Leonardo, liderando um exército de oito braços persecutores de meu
nobre corpo. O Guilherme brada que eu era um filho do FMI. A gente vai matar você, une-se Lara
apesar das diferenças conceituais.

Eu corrijo, diga assim: “Nós matar-te-emos”, é muito melhor.

Caro amigo que estavas aborrecido e tu foste testemunha da barbárie sul-americana, não
chores por mim. Eu estou num melhor lugar ao lado da Bandeira das Quinas.

Luís Vaz de Pessoa, Cesário Antunes, Gil Verde, Amália Garrett, Almeida Rodrigues, Fernando
Saramago, José Camões a reunião convosco está a chegar.

2010

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Andrea Levitt

Diário de um Casal

Maria Manel
08:00 h – Sexta-feira: acordo de bom humor, 08:00 h – Sexta-feira: acordo só pensando no
preparo o café da manhã cantando. O sol final do dia. Estou tão cansado do trabalho...
brilha e outro dia começa! Como gostaria de fugir para as praias do
Agradeço por estar viva e ter um marido tão Caribe com uma loira bonita e beber cerveja o
bonito e doce que cuida de mim! Hoje faz 5 dia inteiro!
anos que casamos!

09:00 h – Sento-me ao seu lado. Tento 09:00 h – Outra vez este pão de cereal
conversar, mas ele ainda está um pouco integral que odeio com este queijo desnatado!
adormecido. É compreensível... Ainda bem que hoje almoço essas coxinhas de
Trabalhou a semana inteira até muito tarde e frango super gordurosas no boteco do João!
já quase não tem energia para acabar o dia. Ela está muito silenciosa..., será que acontece
Então, melhor ficar calada. Beijo e a gente se alguma coisa? Melhor nem perguntar e,
vê à noite! Até, meu amor! assim, aproveito a calma. Até Maria, se cuida!

12:00 h – Já comprei comida gostosa para 12:00 h – Não sei se beber uma cervejinha no
preparar um jantar romântico, escolhi um almoço...
bom filme para assistir juntos e à tarde vou Que bom que hoje é sexta!! Vou ligar para o
para o cabeleireiro. Quero ficar linda para ele! Joaquim depois p’ra combinar p’ró jogo de
pôquer à noite. O povo ficou ansioso com o
resultado da sexta passada!

16:00 h – (olhando-se no espelho do banheiro) 16:00 h – (olhando-se no espelho do banheiro)


Este cabeleireiro é maravilhoso! Faz Que bonito sou! Deveria exercitar um pouco
milagres!! Manel vai adorar! mais os abdominais na academia...
Vou preparar a mesa para o jantar e começar A Maria nem vai se importar, mas a loirinha

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a cozinhar. Não sei se colocar velas brancas da recepção, com certeza, vai perceber!
ou vermelhas... Morde a isca facilmente!!
As vermelhas representam toda a minha
paixão por ele, mas as brancas representam a
paz que ele me dá. Não sei..., e se coloco as
duas??

19:00 h – Tudo pronto!! Só falta que ele 19:00 h – Antes de ir para casa do Joaquim
chegue e fique surpreso. Tomara que goste de vou passar pelo supermercado e comprar
tudo e a gente seja feliz por muitos anos alguns salgadinhos e cervejinha gelada. Não
mais!! gosto de chegar de mãos vazias nas reuniões
Estou tão nervosa..., como a primeira vez que com os amigos!
a gente se encontrou naquela praia de Isso só o faz o Iván, pão-duro mesmo!
Manaus! Bebíamos vitamina de abacaxi, sem
saber que era a preferida de ambos..., quanta
coincidência!

21:00 h – (toca o telefone) Alô, Manel! Como 21:00 h – Alô, Maria! Você tá boa?
está meu amorzinho? Alô...!? Tá me ouvindo? Estou no metrô indo
O que você disse? Não escuto bem..., onde para casa do Joaquim para o jogo de pôquer
você está?? das sextas. Vou chegar tarde. Liga p’ra tua
mãe ou alguma amiga e passem bem! A gente
se vê depois! Beijos!
21:03 h –Você é um sacana!!! Isto não é justo!!
Não faz ideia do que uma mulher irritada,
zangada e esquecida pode fazer!!
Até já!!
21:04 h – Vai cair a ligação, amorzinho..., não
tô te ouvindo... se cuida!

2009

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Federico Polastri

Verdes Anos
Anos

Esse dia levantei mais cansada do habitual. Como de costume, ordenei para Dona Felícia
que preparasse o café. Fui rapidinho ao toilette para tentar reabilitar o meu rosto. Eram quase
nove e quinze da manhã e, daí a pouco, a agenda me indicava que o dia começava com a reunião
da Comissão Diretora do Banco. Confesso-lhe: detesto esses encontros mensais com aqueles
velhos decrépitos que se acham os faraós do mundo. Mas, paradoxalmente, fui eu mesma quem
desejou, fervorosamente durante longos anos, ocupar um desses lugares.

Prossegui a rotina, derramei um pouco de dentífrico na escova e deixei a água cair,


retratando uma espécie de cachoeira artificial, até esquentar. Nesse momento, uma voz
longínqua:

— Dona Helena, seu café está servido.

Avisei que logo iria. Enxaguei os dentes e, quase sem dar-me conta, me detive um
momento, olhando fixo para o cristal opaco do espelho. O reflexo desfigurado de mim mesma
me deixou perplexa durante uns segundos intermináveis. O tempo estava aí, presente. Podia
respirar o sangue frio do meu algoz. Era o dia da minha sentença. Já não podia sepultar os
caminhos áridos que brotavam da minha face. Nem a cor primária do meu cabelo, nem as
manchas escuras das mãos. Ninguém pode deter o curso implacável do relógio da vida. Ninguém
pode. A mesma voz ressurgia agora, mas desta vez mais enérgica, pedindo clemência por mim:

— Dona Helena, o café vai esfriar.

Só pude soltar um:

— Tou indo, obrigada.

E tentei fugir com uma força bruta do patíbulo, mas foi em vão. Parecia não haver
forma de escapar daquilo que sentenciaria o Juiz. De repente, voltei a concentrar a vista no
espelho e umas imagens de outras épocas me invadiram por completo. As carícias da mãe, os
resmungos aterradores do pai, as brincadeiras na escola, o primeiro beijo com o André. Agora

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pareciam mais atuais. Os anos de estudo na FEA-USP, as noites de folia com as amigas, o
namoro com Carlos Alberto. Em estado de hipnose, desprendi o ar com tanta veemência que a
empregada indagou:

— A senhora tá bem?

Sem ter controle sobre o que dizia, respondi:

— Tou; só tenho um probleminha com o batom.

Ah, Carlos Alberto. Esse foi o grande amor da minha vida. Viver era o fato mais simples
e precioso da existência humana. No mundo, podia acontecer o pior desastre, mas se
estávamos juntos, nada mais importava. Nada mais. Naquele tempo, não existiam preocupações
banais por trabalho, por todas as responsabilidades odiosas que nos assediam dia a dia. Dê
liberdade à verdadeira voz de sua alma e diga se não tem coisa mais asfixiante do que as
responsabilidades. Sabe, nunca mais quis estar ao lado de outro homem depois daquela relação
tão intensa. Acho que ele nunca vai me perdoar. Eu nunca me perdoarei a mim mesma. Veja
quem sou agora, o que fez a máquina infame com aquela bonita moça despreocupada que
amava a vida. Sim! Sou uma velha imunda, com uma herança órfã que está sozinha no mundo.
Daria tudo por voltar atrás. Sim, tudo!

Depois de deixar cair umas lágrimas, tentei revigorar o espírito, atravessei


bruscamente a porta do banheiro e fui até a sala de estar para tomar o café. Quando ia molhar
os lábios, a empregada advertiu:

— Não, senhora. Deixe esse que já ta frio e tome este bem quentinho pra se recuperar.

Antes de sair da sala, Dona Felícia me observou com olhar profundo, hesitou dizer umas
palavras de consolo e se perdeu pelo corredor da cozinha.

2010

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Fernanda Flores

Definições

Faltam apenas seis meses para o casamento da Clara e o Filipe e ainda há muito por
arranjar. Ela vem tratando com prudente antecedência das questões que considera principais: o
vestido de noiva - que já repousa numa caixa, no guarda-roupas -, o salão de festas, o envio dos
convites, a escolha dos padrinhos... Porém, tem ainda pela frente alguns detalhes que convém
definirem juntos.

Justamente, a Clara está trabalhando em casa - por enquanto, é aí que tem o seu
estúdio de decoração de interiores -, quando recebe uma ligação da empresa de catering.
Pedem que indique logo quais das opções dos pratos disponíveis vão escolher para “a noite
mais especial das suas vidas”. É urgente. Entendo... Uns meses antes, o casal conversou sobre
diferentes iguarias, mas sem chegar a uma definição, motivo pelo qual a noiva promete dar uma
resposta no dia seguinte e desliga.

Assim que o Filipe chega, o primeiro comentário dela (após os cumprimentos de rigor,
claro) refere-se à imperiosa necessidade de escolherem o menu. Estranhamente, o noivo
sempre feliz e apaixonado desta vez não parece se interessar demasiado pela conversa da
mulher. Ela assume que está cansado, não entendo como você consegue passar tantas horas
nesse escritório.

- Clara, ouve-me bem. Hoje foi um dia muito importante para mim no trabalho.

- Ah, que bom! Desculpa, não te perguntei, com esta questão da comida para a festa...
Importante por quê? Conta...

Dois olhos escuros se fixam nele, que fica com ar sério e calado, olhando para o chão.
Que estranho, o que será que aconteceu.

- Tá tudo bem, amor? – o sorriso doce desaparece.

- Tá, sim...

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- Então, o que é que houve?

Mais uma vez, silêncio; ele não pode enfrentar o olhar dessa mulher que há quatro anos
e meio o ama com loucura.

- Filipe, por favor! Estou começando a ficar preocupada...

Com a voz trêmula:

- Tem a ver com a filial na Angola.

Filial na Angola? Aliás, a filial na Angola? O cérebro se esforça por encontrar algum
registro de conversas sobre filiais na Angola. Nada.

- Como assim, filial na Angola? Não tô entendendo...

- A empresa vai iniciar operações na África. Fui escolhido para gerenciar a nova filial de
Luanda.

- Você foi... mas... Filipe, você... aceitou?

Ela até teria sido capaz de largar tudo e ir com ele para a Angola. Mas apenas se o
tivessem projetado e decidido juntos, a dois.

Por enquanto, não consegue parar de chorar.

2008

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Guillermo Jiménez

Carta Aberta a Tarzan Taborda

Prezado Tarzan Taborda,

Embora o sentimento de afeto não seja recíproco, devo contar-lhe - antes de tudo - da
minha profunda admiração por você. Não gosto de adular qualquer um, também não é que
esteja tentando persuadi-lo de nada. Não pense isso, mas você é livre de imaginar o que quiser
(-vivemos num mundo que pretende defender as liberdades de opinião, de credo, raciais,
ideológicas, etc.!).

Saiba que não tive intenção nenhuma de ocasionar esta batalha entre “pugilistas” de
diferentes pesos e, ainda menos, de ferir o orgulho do campeão, mas às vezes a vida nos coloca
em situações complexas, das quais seria muito mais fácil fugir como um rato ameaçado por um
gato faminto. Este não é meu caso, embora você pense todo o contrário. Entenda que não tirei
proveito do meu lugar profissional: o divã freudiano faz os pacientes exporem seus sofrimentos,
não mudar o que eles sentem.

Se agora estou usando esta antiga via de comunicação não é nem por cobardia nem por
medo, é simplesmente uma maneira de expressar o profundo respeito que sinto pelo mestre
das luvas douradas. Quem não poderia respeitar o “gigante de Coimbra”? As façanhas pelos
ringues do mundo, os mais variados knock-outs nas terras inimigas, os uppercuts para sair de
situações adversas, e a consagração contra Fred “o Assassino” Marteens naquela fria noite no
Madison Square Garden. Ainda lembro os comentários depreciativos quando sua mirrada figura
entrou no quadrilátero do palácio do pugilismo,

- Hoje há cheiro de sangue estrangeiro. Coitadinho, este portuguesinho!

mas eles não conheciam a “direita criminal” de Tarzan Taborda. Não os culpo, eu tive a mesma
sensação a primeira vez que o vi no Casino de Espinho (quem é que diz que este torto garoto
será o herdeiro do campeãoníssimo José Soares Santa?), no entanto, a poucos minutos do
combate contra Bruno Pereira, uma sucessão de swings e hooks fulminou as ilusões do rival e

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minha desconfiança prévia. Na verdade, se algum jeito você tinha do rei da selva eram somente
aquelas calças atigradas.

Você estará pensado que, com tanta lisonjaria de graça, estou evadindo a verdadeira
razão da missiva. Não é assim. Quero-lhe contar que quando Margarita, a luz do seu coração,
decidiu acabar o relacionamento com você, ela já tinha deixado as nossas sessões. Eu não lhe
enchi a cabeça com besteiras. Foi a flor do seu jardim quem tentou convencer você de fazer
terapias juntos, de que a vida continuava depois dos êxitos esportivos, de que os títulos -ao
igual que o amor - não eram para sempre. Esta decisão não é o fim do mundo, e eu não sou o
mais terrível dos seus inimigos.

O amor entre a mulher do campeão e o “abusador das tristezas alheias” (que sou eu,
segundo sua opinião) começou por acaso: um encontro na estreia de “No quarto da Vanda”.
Talvez um dia possamos falar desta história como se fosse um combate retratado em preto e
branco. Lembre que, embora não seja eu quem deva oferecer-lhe conselhos, todas as
experiências –por ruins que sejam - nos ensinam algo.

Saudações cordiais,

Ricardo Vieira

2010

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Ignacio Spina

A Casa das Palavras

Escadas elevam a casa das palavras do resto da estrutura arquitetônica da mansão que
a hospeda. Os patamares são feitos de uma madeira que emite sons heterogêneos – mas
sempre familiares aos seus subidores – tocando uma música de boas vindas. E, claro, são
muitos os que a frequentam, pois a casa das palavras é aberta à comunidade.

As visitas, porém, não atingem nem uma mínima parcela de sua população. A casa das
palavras possui apenas duas divisões, mas milhares de moradores. Um dos quartos, na frente,
é de trânsito obrigatório para chegar ao outro. Muitos residentes, em geral os dicionaristas,
preferem dormir neste primeiro quarto, mas costumam visitar aos letradíssimos companheiros
do quarto traseiro com frequência.

Lá chegam os visitantes. Depois de recuperar o ar roubado pelas escadas, se dirigem


ao quarto do fundo enquanto a música de boas vindas se prolonga com os cantos surgidos da
madeira que forma o chão por onde eles caminham. Os quatro vidros da janela exibem o
trânsito da hora rachada enquanto o sol vai se despedindo da cidade. Centenas de árvores e
edifícios imponentes acompanham a cena com total naturalidade.

À medida que entram – pois o horário de chegada é, em geral, incerto –, os visitantes


preenchem as vagas que circundam a mesa para atingir juntos o objetivo que os reúne lá. A
visita deles à casa das palavras é semanal e previamente planejada. É quase um gênero textual:
repete-se em cada oportunidade conservando formas fixas que a caracterizam.

Sobre verdes, vermelhos e amarelos, os visitantes acompanham os harmoniosos


delírios portugueses. Um dramaturgo portalegrense observa calado a situação, emitindo o
mesmo gesto tanto para concordar como para discordar com o que os visitantes falam. Sua
presença se estende a dois ângulos muito distantes do quarto: testemunha sem escrúpulos ao
lado da mesa ao mesmo tempo em que espia escondido desde um cantinho inferior da janela.
Ele faz isso – inconscientemente – seguindo os passos do maior poeta modernista português,
que não perde detalhe algum observando secretamente desde o outro canto da janela.

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São eles os espectadores mais privilegiados, mas não os únicos. Milhares de escritores
também querem observar. Cada distrito português acompanha a situação na plateia oposta à do
escritor portalegrense.

Em certas oportunidades, uma rádio quase imperceptível musicaliza silêncios


ocasionais do ambiente, o que provoca a simpatia e a dúvida dos visitantes. De onde será que
provêm aquelas falas invasoras? Apenas uma distração e eles voltam à tarefa.

Assim, os delírios portugueses – que moram na casa – são submetidos aos tratamentos
cirúrgicos dos visitantes. Operam-lhes tudo o que eles quiserem com o maior sadismo e
ambição. “Polifonia”, diz um dos visitantes excitando uma discussão com os outros. Discutem,
discordam, concordam, discordam novamente e concordam outra vez com vontade de
discordar. Outro visitante permanece na preocupação de procurar alguém perdido pessoal,
temporal, espacialmente em uma crônica portuguesa.

Continua a cirurgia e os visitantes se divertem, conversam e aprendem. Até o final do


encontro eles permanecem manuseando impunemente os moradores da casa. Tiram-lhe tudo
que podem. Os delírios portugueses residentes da casa, contudo, desfrutam a cirurgia da
maneira mais masoquista possível.

Aproxima-se o final da visita, mas os visitantes sabem que terão de voltar à casa das
palavras para operar novos delírios. Estão muito cansados, é tarde e precisam de voltar para a
casa. O jogo continuará na visita da semana seguinte repetindo o mesmo esquema até eles
serem substituídos pelos novos visitantes que virão.

Os moradores, porém, continuarão sempre vivendo lá. E não só isso: eles seguirão se
multiplicando em uma população tão rica como diversa em todos seus aspectos. Educadores,
jornalistas, científicos, gramáticos, poetas e outros profissionais continuarão se instalando na
casa das palavras. Até o discurso que o leitor acompanha neste preciso momento irá passar o
resto da vida lá. Vida que será eterna, pois os textos podem ser esquecidos ou não lidos, mas
nunca mortos. E, apesar de tudo, a disponibilidade da moradia seguirá oferecendo vagas para
os novos residentes. É que a casa, mesmo lotada, nunca estará cheia. Não pelo espaço físico do
que ela dispõe, mas pela própria natureza dos seus moradores. Isso, claro, é por ela ser a casa
das palavras. A casa da língua. A casa da língua portuguesa.

2009

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Lara Iglesias Araújo Silva

Cronicando com a língua

Quem já tomou aulas sabe como é! Há turmas que são tranquilas, outras que nem tanto
e outras que são um furacão. No ensino fundamental as turmas, em geral, são no mínimo de
umas vinte crianças. Já no segundo grau pode variar pois podem ser turmas de quinze alunos
ou mais. Agora na faculdade a coisa muda, nas universidades normalmente podemos encontrar
de cinquenta a cem alunos por disciplina, se não é mais!

Mas eu escolhi um curso em que as turmas não superam os vinte e cinco alunos, e isso
é nos dois primeiros anos. Podemos ter disciplinas nas que poderia se dizer que são uma aula
particular, o que a meu ver (e sentir) ajuda a tornar o aprendizado mais personalizado.

Este ano estou fazendo a última aula de língua portuguesa, para os que não sabem é a
número quatro. Tive a sorte de me encontrar com dois colegas com os que me dou super bem.
E a professora, o que posso dizer, eu digo toda vez que ela é um petardinho; sempre está ativa e
alegre, acho que só uma vez em todo ano que tive aulas ela esteve meio apagada

(ô Ale, a sonics tá de pavio molhado por isso está tão quietinha e calada)

Mas esse dinamismo que ela possui contagia a gente, pois mesmo que você esteja muito
cansado acaba se empolgando com toda a energia que ela tem.

Estou aprendendo a cronicar. Sempre gostei deste gênero discursivo e por isso escolhi
esta cadeira em particular. A crônica é um texto dinâmico, simples e que qualquer pessoa
consegue entender. E é um ótimo material para se trabalhar em sala de aula, seja uma aula de
língua estrangeira ou língua materna, adolescentes e adultos com certeza vão se empolgar com
este tipo de leituras.

Tenho aprendido muito sobre o que é uma crônica e como distingui-la de outros
gêneros. Mas o que mais gostei foi de poder redigir as minhas próprias crônicas!!! Gente, não
imaginam o que representou para mim ver que eu podia criar textos neste gênero, melhor

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dizendo, num texto narrativo. Confirmei que posso me expressar em texto acadêmicos tanto
quanto em textos narrativos!

Ainda estou aprendendo a cronicar e tentarei continuar cronicando depois de finalizar o


meu curso. Espero poder continuar cronicando cronicamente até que as crônicas croniquem na
minha alma tão naturalmente que se torne um hábito escrever sobre assuntos cronicáveis e
poder me sentir uma cronicadora.

Bom, espero que depois de lerem esta humilde crônica, meus queridos colegas, eu
consiga chamar a atenção e incentivar a curiosidade de vocês para este estilo de narrativa!

2010

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Leonardo Garizzio

Saudades de Ireneia

Os músicos, geralmente, expressam nas suas canções as diferentes sensações e


pensamentos, que vão surgindo nos momentos de inspiração. As letras refletem o estado de
ânimo do artista. Essa situação íntima, que combina a mente, a alma e o coração musical junto
com o papel receptor de ideias, estabelece uma conexão única e especial, confirmando que essa
profissão é uma das mais interessantes do mundo. E eu acredito nisto!

Já de menino, eu gostava da música, dessas melodias que escutava na rádio e


namoravam meus ouvidos. Além disso, eu escrevia alguns poemas de amor para minha mãe.
Será por causa do meu pai, que foi cantor e violonista em uma banda de samba? É possível. Mas
o que eu lembro é a liberdade que tive para escolher minha carreira, sem o virtuoso músico me
persuadir a seguir o caminho da arte musical. (Ele ia aceitar minha escolha, embora não
estivesse relacionada com a música. Ele só queria minha felicidade). Suponho que a minha
decisão teve a ver com a profunda admiração que aqueles dedos espertos, na hora de tocar
violão, geravam em mim.

Namoradas, família, noite, cerveja, todas elas foram, e são, os motivos das minhas
músicas. Mas Ireneia foi a musa que inspirou a canção mais linda que eu compus, pela sua letra
e também pela “sua sucessão agradável de sons”. Nunca conheci coisa parecida, apesar de ter
conhecido muitas do mesmo estilo. Nunca acreditei no amor a primeira vista, como acredita
Chico César (... Quando vi você me apaixonei...), mas, na primeira vez que eu a vi, uma esquisita
sensação percorreu meu corpo: a sua beleza e sua perfeição estética paralisaram o
funcionamento do meu coração. Admiração, alegria, paixão, atração. Embora pareça exagerado,
tudo isso é o que senti nesse momento, e sinto toda vez que a vejo. Meus amigos dizem que é
linda, mas para mim esse adjetivo não é suficiente. É maravilhosa.

Infelizmente, faz muito tempo que não tenho contato com ela. Ela mora muito longe de
mim. Eu gostaria de me casar com ela, de dormir todas as noites com essa figura sedutora, de
sambar com ela, de beber umas cervejinhas com ela, mas é impossível! Você pergunta por quê?

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Você acha que é por causa da distância física que existe entre nós dois? Não, amigo! Só porque
uma praia ainda não pode ocupar o lugar de uma mulher...

2010

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Liliana Bustos

Os “farfala”

Uma casa no bairro de Balvanera com forma alargada e construção simples foi o ponto
de encontro. A residência contava com um espaçoso pátio ao final de um corredor a um lado, e
do outro lado, mais um recinto e uma cozinha mínima. No meio do primeiro, uma porta verde,
fechada e a seguir outro corredor que acabava diretamente em uma grelha de ferro. Esta
largava muito fumo e um cheiro muito gostoso. A seguir, outro espaço descoberto, menor do
que o primeiro e, finalmente, os banheiros. O lugar parecia preparado para o tipo de evento
para o qual fomos convidados.

Chegamos lá através do convite de um colega de trabalho, que faz parte de uma


organização que se dedica à recreação e educação popular. O objetivo do evento era arrecadar
dinheiro para essa entidade. Para isso, vendiam pizza, hambúrgueres e sanduíches de linguiça,
para comer, e, para beber, cervejas e refrigerantes. O ambiente era familiar, lá se encontravam
pessoas de todas as idades e todas elas pareciam dispostas a passar uma noite divertida e em
boa companhia. Se você tiver a oportunidade não deixe de assistir a um evento assim.

Ao redor do pátio maior, junto das paredes, havia cadeiras para as pessoas mais velhas
e por todo lado havia jovens conversando em grupos menores. Em um canto, tinha um aparelho
de som de onde a música soava muito alta.

Um locutor que interrompia por momentos a música anunciava o que iria acontecer
através do tempo e informava o público do que podia ser comprado para comer e beber.
Também ele relatava para o púbico os serviços que o grupo oferecia à comunidade.

Apesar de o evento acontecer à noite, o espaço estava coberto na parte superior por
uma espécie de teto feito com um tecido meio grosso, de cor preta que serve para proteger-se
do sol. Por baixo do pano, estavam penduradas bandeirolas de várias cores e sobre as paredes,
enormes cartazes que representavam a entidade.

Um jovem casal composto por um homem e uma mulher interpretou várias músicas
brasileiras. O moço tocou violão e a jovem cantou. Algumas das músicas escolhidas eram de

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Marisa Monte, Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, entre outros. Uma mulher e seu
parceiro dançaram tango no meio de grandes aplausos. Uma menina fez swing com um par de
paus que tinha luzes azuis e vermelhas.

Tudo foi maravilhoso até esse momento. No entanto, o melhor ainda não tinha chegado.
O espetáculo ia começar, três jovens se preparavam detrás de um grande balcão. As luzes
estavam desligadas. A mesa, enorme, de cor laranja e coberta de um pano preto, estava
colocada na frente da multidão que se sentou no chão, no meio do salão e nas cadeiras que
rodeavam o recinto. Na margem que estava mais perto do público, o móvel tinha vários círculos
de cores diversas. Alguns deles eram lâmpadas que iluminariam a cena.

O público, ansioso, expectante, esperava pela atuação. Enquanto os artistas se


preparavam na escuridão do salão, os assistentes cochichavam e riam desfrutando do
encontro. Entre as palavras em tom baixo, escutei gargalhadas e risos das pessoas que
estavam lá no recinto.

De repente, explode a música e aparecem os intérpretes. Três jovens de chapéu e com


grande quantidade de maquiagem no rosto, localizados atrás da mesa, imediatamente
colocaram acima do balcão quatro marionetes que produziram um grande impacto nas pessoas,
eles ganharam vida através dos moços que os dirigiam com grande habilidade. Da esquerda
para a direita, a primeira figura era de uma altura aproximada de cinquenta centímetros, sua
cara era exageradamente grande e seus maxilares eram quadrados. Vestia de cor preta. Os
dois bonecos do meio eram muito mais baixos do que o anterior e suas pernas eram muito
altas. O último títere tinha uma manta verde e vermelha e sua altura era intermediária em
relação aos anteriores. Todos eles fizeram uma série de representações das músicas que se
escutaram. Algumas foram: a de um Disc Jockey para a qual, ao primeiro boneco, lhe colocaram
um auricular, e os outros dançavam ao ritmo da música, outra foi a de um casal que brigava,
outra atuação foi uma dança, na qual, dois deles sofriam perseguição dos outros, etc. Desfrutei
muito desta representação.

Os verdadeiros intérpretes do número produziram um efeito impressionante no público


porque eles atuaram de maneira muito ativa, gesticulando, pegando os microfones,
movimentando as mãos e a caracterização de todos eles foi realmente brilhante. Deste modo,
as figuras passaram ao primeiro lugar através dos jovens que os movimentaram e se
converteram nas estrelas da apresentação.

2009

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Marcela Gil

O Argento e o Futebol

Se há alguma coisa sagrada na vida do homem argentino, essa é a hora do futebol. E


mais do que nunca, no dia em que joga seu time favorito. Todo mundo sabe disso... ou pelo
menos deveria saber... Porém, há algumas vezes...

Domingo passado, bem na hora em que eu me dispunha a assistir o jogo do meu time
amado, Independiente, a campainha tocou.

Quem era? A vizinha de ao lado, com uma xícara de café na mão. Oi, seu Cadu! Ahh me
desculpe o incômodo, mas, por acaso, o senhor teria um pouco de açúcar a mais? Ó, o
Carlinhos ligou avisando que viria lanchar com uns amigos e quando arrumei tudo para
preparar umas bolachas, dei pela falta dele, viu?

Aí, o Cadu indo procurar uma xícara de açúcar para dona Ermê. Obrigada querido! Deus
e o nosso menino Jesus te abençoem.

Até que enfim! Bem, muito bem, agora uma gelada, o jogo e eu!! Só nós três!!

Senhoras e senhores! Mais uma vez voltaremos a viver o clássico de domingo. Hoje o
Independiente de Avellaneda visitará um dos seus maiores rivais de toda sua história esportiva,
o River Plate de Núñez...

Vamo´lá Independiente, porra!! Hoje, tem que vencer!!!

Segundo estatísticas da AFA, há 21 jogos que o Independiente não consegue ganhar do River.
Hoje, talvez seja o grande dia em que ¨Los Diablos Rojos¨ desmanchem a maldição que os
persegue há mais de uma década e levem para Avellaneda uma vitória.

Vamo´lá Independiente, pô! Vamo´ nessa!!... O telefone começa a tocar... Droga! Mas,
quem podia ser numa hora dessas!! Oi, Cadu? Filho! Estava ocupado, querido? Ainda bem que
você atendeu... quando foi o dia em que você se esqueceu de que tinha mãe, hein? Era mamãe
reclamando da minha ausência. E que um filho não deve se afastar muito tempo da família e que

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a Norminha ´tá grávida. E que coitadinha da titia Dedé com esse reumatismo que a deixa maluca
de dor.

Ter uma conversa edípica era do que menos precisava nesse momento. Eu te amo, mãe.
Mas, será que dá para continuar o papo depois? Isso, estou tratando um assunto importante,
viu? Beijo pra você também.

Resolvido, desligo o telefone. Vou na geladeira procurar uma pizza de ontem, sento e
logo aí, uma publicidade da Quilmes. Poxa, só descolaria de uma gata dessas com cirurgia!
Mmm, que bunda mais gostosa! Pensar que ontem de madrugada acabei transando com uma
baranga... Putz, até que acho que superei o meu recorde... Essa menina aí pesava, pelo menos,
uns 100 quilos! Hahaha. Seu filho da mãe!

Primeiro tempo do jogo, o Gandin pega a bola, faz um lance para a área contrária. Agora
é o Mancuello que tem. Corre. Olha pra um lado, olha pro outro...

É isso aí, Mancuello. Agora passa a bola para o Mareque!! Passa pra ele!!! Passa, eu
digo!!! Paaaassa, Paaaaaassa!!!!!

O jogador do River fica com a bola...

Porra, seu moleque! Enquanto isso, o celular avisando a chegada de um torpedo. Agora,
o quê?

Era a secretária pessoal do chefe avisando que amanhã eu teria que ingressar uma
hora antes, para receber as mercadorias que vêm do exterior. Também, pediu que eu a
acordasse 6.30h. Claro, desde que eu pudesse..

Às vezes, querer acompanhar o jogo de futebol do time preferido pode se tornar uma
missão quase que impossível. Não obstante, e disto ninguém se esqueça, se uma mulher
pretende conquistar um homem argentino, respeite seu horário de futebol, seja ele qual for. Na
televisão, ao vivo, o do seu time, o do time do outro, jogando por videogame, com amigos, etc.
Se ela conseguir respeitar isso, aí, só aí, terá conquistado o seu coração. E, se por acaso, ela
também souber cozinhar... ah, aí o terá para sempre.

2009

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María Eva Parisi

A Casa das Palavras


Palavras

Palavras átonas, palavras tônicas.

Palavras bonitas, palavras feias.

Palavras oxítonas, paroxítonas ou proparoxítonas.

Palavras que moram onde? Alguém sabe?

Sempre achei que as palavras, tal como as pessoas, possuem diferentes moradias, e são estas
moradias as que marcam as características de quem habita nelas.

Assim as palavras que rimam, moram em poesias que recebem a visita de escritores,
profissionais e aprendizes, que procuram fazer da leitura uma música inesquecível.

No mesmo bairro, estão as casas onde moram as palavras que enchem contos, crônicas,
romances e tantas outras histórias que fazem com que a imaginação, tanto minha como sua,
voe sem limites e nos deixe conhecer personagens como o Chapeuzinho Vermelho, A Branca de
Neve ou O Senhor Valéry.

Já, em um bairro mais afastado podemos encontrar uma velha mansão, muito requintada,
pintada com cores pastéis e cheia de flores onde moram as palavras mais antigas e utilizadas
do mundo, estas são as palavras das cartas de amor: paixão, saudades, felicidade, alegria e
eternidade são algumas das moradoras desta casa, mas, caro leitor, não pense que por estar
falando de amor tudo aqui é cor-de-rosa, no terceiro andar habitam: solidão, tristeza,
melancolia e aflição entre muitas outras que, com certeza, alguém alguma vez nos apresentou.

Para finalizar, e não deixar você com um sabor amargo na boca, vou dizer que também, não
muito longe da mansão do amor, está a residência das palavras mágicas que não são aquelas
conhecidas como abracadabra ou Carpe Retractum ditas por Harry Potter, são palavras que
sempre nos deixam um sorriso e alegram nossos dias, estas são: família, filhos, obrigado,
desculpa, amor, amizade...

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Agora é a sua vez! Fique a vontade e acrescente todas aquelas palavras que transformam sua
rotina numa vida maravilhosa, até logo!

2009

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Romina Heiber

Ser Cabeleireiro
Alguma vez, vocês, meninas, mulheres e anciãs, imaginaram o que é para um homem
ser cabeleireiro? Acho que não. Ninguém pensa em nós, acham que somos superficiais e que só
reparamos na estética das pessoas, mas juro que não é assim!

Nós também sentimos aquilo que vocês sofrem, porque, para o caso de não saberem,
além de cortar o cabelo, ouvimos vocês!

Eu não estudei para ser psicólogo, mas não há um dia no meu trabalho em que eu não
tenha que dar um conselho ou uma orientação para alguma de minhas freguesas: é melhor você
não passar bola para ele, assim ele vai perceber a perda de seu amor mais rápido. E, em geral,
os conselhos estão relacionados com suas relações com os homens, claro!

Agora, eu me pergunto: quem escuta os cabeleireiros? Quem ouve as nossas penas? Às


vezes, meus ouvidos ficam quase surdos por causa das vozes das mulheres! E, além disso,
depois do trabalho, eu chego em casa e continuo ouvindo as queixas da minha esposa: por que
você ainda não consertou o meu secador de cabelo? Você poderia, pelo menos, me trazer algum
de seu salão, né? E nem falar em minha sogra! Se fosse por ela eu já deveria ter me instalado
na sua casa para penteá-la todos os dias!

Eu acho que não escolhi bem o meu ofício, talvez deveria ter sido psicólogo de verdade.
Sem dúvida, ganharia mais dinheiro e, como teria estudado para isso, a minha cabeça estaria
mais preparada para ouvir tanta bobagem junta!

Sim, por favor, minhas queridas leitoras, não se ofendam, mas aquilo que vocês
chamam de problemas é bobagem mesmo!

Noutro dia, no salão, uma senhora me disse que estava muito preocupada porque se
tinha esgotado o estoque da panela que queria comprar. Era um horror.

Há meninos que nem comem e a senhora preocupada com uma panela, quando,
conhecendo-a, deve ter vinte e cinco panelas para usar!

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Nesse mesmo dia, outra freguesa me falava sobre a desgraça de ter uma filha solteira
de 30 anos. Era terrível, como podia ser que uma menina tão bonita e inteligente estivesse
sozinha a essa idade! É que já não havia homens! Isso era culpa do mundo moderno, claro!

Ai! Minhas adoráveis freguesas... Problemas são os meus por ter nascido homem e, pior
ainda, por ter escolhido trabalhar para vocês. Essa, a minha profissão, sim que é um castigo
mesmo! Por isso, se algum homem estiver lendo as minhas palavras e ainda quiser ser
cabeleireiro, por favor, lhe recomendo que pense mais uma vez! Sua saúde mental está em
perigo!

2009

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Rosa da Silva

A Minha Primeira Crónica

Hoje, depois de tanto tempo, deparei-me com um problema, não conseguia encontrar
um tema para fazer uma crónica! Apesar de eu já estar a fazer Língua IV e de ter estado em
frente ao computador mais de duas horas, na verdade, não conseguia, não conseguia mesmo
escolher um tema. E pensei:

- Que difícil é isto!

Os temas reproduziam-se na minha cabeça, lia e relia as crónicas de Lobo Antunes,


Maria Lúcia Lepecki, Clara Ferreira Alves, etc. Recordava todas as teorias que a professora nos
ensinou na aula. Eu comecei por acreditar que isso era fácil, fingia que não era difícil, que era
só uma questão de concentração. Mas não, nada disso era assim. Nem sequer podia continuar a
fingir que era coisa de todos os dias. Logo depois, parei de simular que isso era uma tarefa
fácil, porque os meus pensamentos já não davam para mais! Decidi levantar-me da cadeira, fui
até à varanda e, enquanto via passar as pessoas que corriam como gado para poder fazer tudo
antes de anoitecer, pensava:

- Como pode ser que o José Luís Peixoto faça uma crónica todas as semanas para o JL?

(não só o jornal, e os livros que escreve!)

Lembrei-me das palavras desse grande autor português quando deu a conferência no
Lenguas Vivas, e eu lhe perguntei:

- De onde é que o José Luís tira os temas para as suas crónicas?

Esse bonito e simpático escritor disse-me:

- Escrevo um pouco da realidade e outro pouco da ficção.

E deu a modo de exemplo o tema do seu livro Morreste-me.

Uma força veio dentro de mim, voltei para o computador e pensei:

- Se calhar, daqui a duas horas, vou ter a crónica.

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(pensei num momento de ingénua ilusão)

Mas não foi assim, só depois de um longo tempo tinha o tema: A Minha Primeira Crónica.

Novamente, pensei nesse outro grande Autor Português António Lobo Antunes, que
ainda não acredito que eu, sim eu, eu o conheci na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires
em 2004, ignoro o dia. Reli a Crónica que não me rala um chavo como ficou. Identifiquei-me com
ele

(ainda bem que Lobo Antunes não o sabe!)

e disse em voz alta:

- Sábias palavras, António!

Sim, António, e disse António mesmo, com confiança como se fôssemos grandes
colegas. Olha eu colega desse GÉNIO, sim, GÉNIO com maiúscula!

Essas benditas palavras que fizeram com que não me afligisse porque não podia
escolher um tema. E nem pensar em escrevê-lo! Disse sim “benditas palavras”, pois estava em
frente a essas linhas e lia-as e relia-as “(...) “tão mal escrita esta crónica, como fazê-la melhor,
mais elegante, mais bonita, uma crónica, que não me envergonhe, não desiluda os leitores.”
- “Que porcaria de texto (...)”
Essas linhas foram o finca-pé para que eu pudesse dizer em voz alta e com muita força:

- Como fazer melhor a minha primeira crónica, mais elaborada, com toda a teoria que a
professora nos deu, e que não me envergonhe, não desiluda a professora e ela diga:

- Rosa, onde é que colocaste o que aprendeste na aula de Língua?

E como disse Lobo Antunes “(...) não me importa, não me rala, quero lá saber, a única
coisa que interessa, que verdadeiramente interessa, mesmo que repita, escreva mal, tropece
nas frases, faça erros, me engane (...)” e digo hoje, sim, hoje sábado 1 de Setembro de 2007, já
quase meia-noite, e se calhar até poderia dizer que já é Domingo. Digo convencida que a única
coisa que interessa, que verdadeiramente interessa, é que hoje escrevi A Minha primeira
Crónica.
2007

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Santiago Ure

Fumar

Fumar é prejudicial à saúde. A gente fuma.

Fumar faz muito mal. A gente sabe, mas mesmo assim, fuma.

“Fumar es un placer genial, sensual”, diz o único tango espanhol que fez sucesso em Buenos
Aires.

Fumar é uma coisa que não só nos faz mal, mas também ao próximo, que é forçado a engolir a
fumaça alheia ou minha ou sua.

Fumar é cada vez mais caro, os governos colocam impostos, proíbem fumar em lugares
fechados, abertos, semi-fechados e semi-abertos.

Fumar é uma atividade que não leva tanto tempo assim, mas se fizéssemos exercício no tempo
dedicado ao cigarro, nossas vidas seriam bem melhores.

Fumar, sem dúvida, é a causa da morte de milhares de pessoas por dia, por hora. Nem falar
então dos dentes todos amarelos.

Porém, a gente continua fumando.

Kurt Cobain fumava Winston light (mas não morreu por causa do cigarro.... suicídio, eis a
causa). Gardel fumava, não sei que cigarros, mas fumava; até as pessoas que vão no cemitério
da Chacarita deixam um cigarro aceso na mão da estátua. Aníbal Troilo fumava; Astor Piazzolla,
também. Cartola fumava. Noel Rosa então... aquela foto com o cigarro. Louise Brooks fumava e
morreu por causa do cigarro... você sabe, às vezes não sei se estou delirando ou não, por causa
desta doença, disse ela para um repórter. Camus fumava... rapaz, o cara tinha tuberculose, e
mesmo assim dava uns goles de cigarro. Mark Lanegan largou o cigarro. Fotos e cigarros se
dão bem, perguntem ao Cortázar e ao James Dean.

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Fumar, assim... eu também fumo, né? Mas sinto culpa, tenho medo do meu pai ficar doente,
porque ele também fumava, antes de largar. Outro dia, eu almocei com ele, e ele tossindo, e eu
“Será que ele está doente? Será que esse negócio fica no seu organismo durante anos sem
você perceber?”. Tomara que não. Fiquei preocupado. Pai, vá ao médico, mas explique que você
não fuma mais há anos, e minta dizendo que eu não fumo mais, por via das dúvidas.

Fumar é uma atividade social muito esquisita, a gente acaba conversando com pessoas com
quem nunca teria falado. Ou, às vezes, assim na rua, um desconhecido pede um cigarro, e você,
fumante (ou fumador, caso seja português ou tenha interferência do espanhol) sente aquele
prazer ancestral em compartilhar com alguém aquilo que você tanto aproveita. Obrigado. E lá
vai embora o desconhecido todo nicotinizado fumando um cigarro que até pouco tempo era seu.
Tchau, moço.

Fumar é proibido em bares, pubs e tal. Como é que não abrem bares para fumantes? Acontece
o seguinte: com certeza seriam melhores e bem mais legais do que os bares de não fumantes. E
aí o que aconteceria? Chegariam os não fumantes correndo atrás da diversão dos fumantes,
mas querendo apagar o fogo sagrado.

Fumar é muito gostoso, é um vício, é uma droga... Espero sentir o prazer de fumar uns bons
cigarros enquanto chove lá fora; na escuridão, o cigarro tem um sabor diferente.

Fumar... espero não fumar mais.

2009

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Nota
Nota da Organizadora
As crónicas constantes neste livro, Cronicando, “Carta aberta a Tarzan Taborda”, “Saudades de
Ireneia”, “A casa das palavras”, “Diário de um casal: Maria/Manel”, “Verdes anos” foram escritas a
partir dos títulos dos seguintes autores e respetivas publicações/obras:

“Carta aberta a Tarzan Taborda” in Antunes, António Lobo (1998). Livro de Crónicas. Lisboa:
Publicações Dom Quixote.
“Saudades de Ireneia” in Antunes, António Lobo (1998). Livro de Crónicas. Lisboa: Publicações Dom
Quixote.
“La casa de las palabras” in Galeano, Eduardo (1991). El libro de los abrazos. Buenos Aires: Siglo
XXI Editores.
“Maria/Manel” in Gameiro, José (2008, 6 de Setembro). Diário de um Casal, Única.
“Verdes anos” de Carlos Paredes.

As crónicas que se encontram compiladas nesta edição foram escritas por estudantes durante a
frequência da disciplina Língua Portuguesa IV, lecionada pela Leitora IC Buenos Aires, Sónia Dias
Mendes, anos letivos 2007 a 2012, no curso de Profesorado en Portugués no Instituto de Enseñanza
Superior en Lenguas Vivas “Juan Ramón Fernández” (Buenos Aires, Argentina).

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organiza
Sónia Dias Mendes
- Instituto Camões Buenos Aires -

escrevem
Alejandro Caramia
Andrea Levitt
Federico Polastri
Fernanda Flores
Guillermo Jiménez
Ignacio Spina
Lara Araújo Silva
Leonardo Garizzio
Liliana Bustos
Marcela Gil
María Eva Parisi
Romina Heiber
Rosa da Silva
Santiago Ure

com o apoio

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