A Formação Onilateral em Platão e Aristóteles

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A PAIDEIA GREGA
A Formação Omnilateral em Platão e Aristóteles

SÃO CARLOS
2015
2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS


CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A PAIDEIA GREGA
A Formação Omnilateral em Platão e Aristóteles

José Sílvio de Oliveira.

Tese apresentada como cumprimento aos requisitos


para obtenção do título de Doutor em Educaçao no
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de São Carlos.

Orientadora: Professora Drª. Marisa Bittar.

SÃO CARLOS
2015
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar

Oliveira, José Sílvio de.


O48pg A paideia grega : A formação omnilateral em Platão e
Aristóteles / José Sílvio de Oliveira. -- São Carlos : UFSCar,
2015.
360 f.

Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,


2015.

1. Educação - filosofia. 2. Paideia. 3. Platão. 4.


Aristóteles. 5. Formação omnilateral. I. Título.

a
CDD: 370.1 (20 )
5

Em verdade, a visão do pensamento começa a


enxergar com agudeza quando a dos olhos tende a
perder sua força: tu porém estás ainda longe disso.
6

AGRADECIMENTOS

À Professora Maria do Céu Fialho da Universidade de Coimbra, incansável


investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras de
Portugal. Agradecemos pelo seu aval e pela sua gentileza em nos receber em Coimbra.
Tal delicadeza resultou no estágio de doutoramento.
Sobre o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, onde realizei o estágio
sanduíche, é importante ressaltar este agradecimento. A riqueza e a fertilidade das
traduções dos textos gregos e latinos que ali encontramos reconfigurou e alargou um
novo horizonte de reflexão, do nosso pensamento, do debate, da leitura e da crítica.
A Classica Digitalia - Vniversitatis Conimbrigensis – Biblioteca Online,
sem dúvida, foi o nosso mais precioso instrumento de pesquisa, em termos digitais, o
que, necessariamente, contribuiu para a construção do nosso último capítulo da tese.
Portanto, lhe agradecemos na pessoa do Professor Delfim Ferreira Leão, Coordenador
Científico.
À cidade de Coimbra, pela beleza incomparável de suas esquinas, ruas,
ladeiras, praças e campos; pelos momentos de reflexão, de estudo e de investigação;
sobretudo, pelo vento do conhecimento que sopra e insiste em circundar todos aqueles
que a visitam.
À Professora Orientadora Drª. Marisa Bittar, do Programa de Pós
Graduação em Educação da UFSCar. Sua dedicação integral dispensa qualquer
comentário, mas não posso deixar de ressaltar o amparo e o acompanhamento de todos
os processos acadêmicos que propiciaram o estágio na Universidade de Coimbra, em
Portugal e, portanto, essa investigação. Seu incentivo foi o principal contributo que
fundamentou o nosso estágio. Descrevendo especificamente a orientação dessa tese, é
impossível não ressaltar a total generosidade que manteve durante esses quatro anos. Da
primeira leitura do projeto apresentado ao Programa de Pós Graduação em Educação na
UFSCar, em 2010, até a redação final desse trabalho, ressalto o cuidado, a atenção, a
revisão, a delicadeza, a crítica e a cuidadosa leitura de cada parágrafo construído. Mais
que isso, me ensinou a olhar a minha filosofia a partir do chão de sua história, e me fez
enxergar que a reflexão filosófica só faz sentido quando é ampliada pela dimensão
histórica.
7

Ao Professor Dr. Amarílio Ferreira Junior, também do Programa de Pós


Graduação em Educação da UFSCar. Desde o início, ele contribuiu significantemente
para que eu pensasse mais especificamente sobre o objeto a ser investigado. Agradeço
também pelo incentivo e contribuição no Exame de Qualificação. Sua inteligência, suas
palavras e orientações teóricas no plano da história contribuíram para a nova direção da
nossa investigação. Obrigado pelos empréstimos de livros. Fica aqui meu respeito e
amizade.
Ao Professor Dr. César Aparecido Nunes, do Programa de Pós Graduação
em Educação da Universidade de Campinas – UNICAMP, Coordenador do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação - Paideia. Obrigado pela sua participação
especial no Exame de Qualificação, pela leitura, pelo trabalho de reordenação das
ideias, o que, sem dúvida, contribuiu para dinamizar e sistematizar minha pesquisa junto
ao estágio, facilitando a criatividade e lucidez. Aprendi com ele a enxergar a aurora,
bem antes que ela desponte.
Ao Professor Dr. José Eduardo Marques Baioni, também do Programa de
Pós Graduação em Educação da UFSCar. Em primeiro lugar, pela gentileza em aceitar o
meu convite. Ler uma tese sempre é uma tarefa árdua e cansativa. Para além da leitura,
estamos certos de sua contribuição e, portanto, nossos mais sinceros agradecimentos.
Ao Professor Dr. Luis Carlos Santana, Pesquisador do Programa de Pós
Graduação em Educação do Instituto de Biociência da UNESP de Rio Claro, que, uma
primeira vez, leu nosso projeto na ocasião da disciplina de Seminário de Teses em
Educação. Da mesma forma, reconheço as palavras referendadas anteriormente ao
Professor José Eduardo Marques Baioni. Estou agradecido e honrado com seu aceite
para estar na banca de minha defesa.
À Professora Drª. Carmem Lúcia Brancaglion Passos, Coordenadora do
Programa de Pós Graduação em Educação da UFSCar, pelo empenho inicial e final, e
em todos os momentos. Em todos os processos burocráticos, se mostrou solícita e
dedicada. Nunca negou sua contribuição. Mais que isso, particularmente, incentivou-me
em todos os sentidos: cultural, acadêmico, processual. Sem restrições, sua contribuição
foi única. Agradeço as palavras de força, de coragem, que também contribuíram para a
realização do estágio na Universidade de Coimbra.
À Professora Drª. Neuda Lago, da Universidade Federal de Goiás –
primeiras revisões linguísticas do pré-projeto do doutoramento e também do primeiro
capítulo dessa tese, bem como fez as derradeiras correções, das considerações finais.
8

À Professora Divina Nice, da Universidade Federal de Goiás – Jataí, que


acompanhou de perto os capítulos posteriores da tese. Agradeço pelas revisões e
sugestões sem fim, e pela amizade singela.
À Renata Silva Pamplona, que, ao seu modo, soube acompanhar-me em
trilha grega, e dividiu comigo um pouco de minha existência no período do estágio em
Portugal, e também em São Carlos, no período desse doutorado.
À Universidade Federal de Goiás, em nome da Professora Drª. Divina das
Dores de Paula Cardoso, Pró-Reitora de Pesquisa e Inovação nos anos 2010-2013.
Agradeço ao grupo de Professores do curso de Pedagogia da Regional Jataí da UFG, em
nome da Coordenadora, Professora Drª. Eva de Oliveira, e também a todos os técnicos e
funcionários, em nome da servidora técnica administrativa Marinalva de Oliveira.
À UFSCar e ao Programa de Pós-Graduação em Educação. A todos os
Professores e Professoras desta instituição.
Em especial, agradeço à Pró-Reitoria de Pós Graduação, na pessoa do Pró-
Reitor, Prof. Dr. Guillermo Antonio Lobos Villagra, pelo empenho durante o processo
de aquisição da bolsa de estágio no exterior.
Em notas e tons afinados, meus agradecimentos ao Programa institucional
de bolsas de doutorado sanduíche no exterior – PDSE, e também ao Programa da Bolsa
Pródoutoral via Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí. Portanto, à própria
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, eu agradeço muito,
pelo auxílio financeiro. Sem tal iniciativa ou contribuição, nada disso teria sido
possível.
À estimada professora Terezinha Azeredo Rios (Tê), meus sinceros
agradecimentos e carinho por ter me ensinado a pensar a filosofia como um saber inteiro
e amoroso. Recordo e transcrevo suas palavras autografadas, na ocasião da defesa de
mestrado, quando de suas mãos recebi seu livro: “Para Sílvio, companheiro neste
caminho de ensinante aprendiz.” Obrigado Professora, tenha certeza, ainda carrego sua
luz intelectual no coração.
Ao querido amigo, companheiro e colega de profissão, mestre por
excelência, Dr. Ildeu Moreira Coêlho, Professor do Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade Federal de Goiás. Desde o curso de mestrado, me
acompanha e ampara, em todos os sentidos possíveis: seja na questão intelectual, seja na
questão acadêmica; tanto no mundo da filosofia, como no plano das humanidades. Pelas
suas palavras, pelo seu modo simples, inconfundível, de acolhimento. Mostrou-me, na
9

sua prática, a teoria, e, na teoria, a contemplação da sabedoria. Tem sido,


constantemente, um eterno amigo.
Às minhas irmãs, Maria, Dirce, Dionice, Dalva e Djanira e ao meu irmão
Djamim, agradeço o cuidado e o carinho por eles que por mim sempre tiveram.
Em memória, ao meu pai, Sílvio de Oliveira, sua sabedoria, inteligência e
amizade me fez compreender o caminho da honestidade, do trabalho e da justiça.
Em memória a minha querida mãe, sua dedicação me conduziu até aqui.
Ao meu amado filho Amadeus Pamplona Oliveira, por sua insistência em
permanecer no mundo dos sonhos e da fantasia. Agradeço por isso, e por todas as
pequenas dádivas por ele oferecidas: o sorriso, a alegria, a gentileza, o encanto, a
bondade. O convite feito por ele para jogar bola era meu descanso intelectual, e também
por isso agradeço. Por sua inteligência, lucidez e rapidez em deixar-se ser pessoa, e em
ensinar-me a inocência existencial.
À minha filha Pétria Pamplona Oliveira, sempre plugada, ligada à tomada,
conectada permanentemente, menina do mundo do android, do know-how, do software,
do upgrade. Agradeço gentilmente por tantas e tantas leituras feitas, para que eu
pudesse transcrever muitas e muitas citações. Para além desses pequenos favores,
agradeço o mais importante: as brincadeiras, a vivacidade, a atitude e a alegria que
fazem parte de sua rotina, e me abriram caminho para a criatividade.
Finalmente gostaria de agradecer todos meus sobrinhos e sobrinhas, em
especial, Ana Luiza Oliveira Santos, quando da ocasião do estágio em Portugal e do
último ano dessa tese, sempre atenta e gentil às minhas dificuldades e necessidades,
soube como ninguém estar comigo nos momentos inoportunos desse período.
10

RESUMO

O objetivo desta tese é investigar o sentido e a gênese da paideia grega tendo como parâmetros
as concepções educativas de Platão (427 a. C.) e de Aristóteles (348 a. C.). Entendemos que o
sentido educativo presente nas filosofias desses pensadores clássicos da Grécia antiga é
essencial para compreendermos também a natureza e o sentido da educação, bem como
refletirmos sobre a possibilidade e necessidade do seu valor político, tal como formulado por
esses dois filósofos. O problema a ser resolvido pode ser manifestado pela pergunta: em que
medida a educação grega fundada nas filosofias de Platão e de Aristóteles pode oferecer
princípios válidos e universais, quando pensamos sobre um Estado justo, equitativo, onde o
princípio da civilidade possa educar omnilateralmente o homem? A tese concentra-se
especificamente nas obras de referências dos dois pensadores gregos – Platão: A República, Leis
e O Político; Aristóteles: Política, Ética a Nicômacos e Metafísica. Os principais autores que
interpretam, caracterizam, embasam e orientam o caminho da investigação em Platão e
Aristóteles, são: Mário Alighiero Manacorda; Werner Jaeger; Moses I. Finley; Jean-Pierre
Vernant e Herni-Iréneé Marrou, Heródoto, Hesíodo, Homero, Cesar Aparecido Nunes, Ildeu
Moreira Coêlho, Maria do Céu Fialho, José Ribeiro Ferreira e Delfim Ferreira Leão.
Bibliografia complementar tanto de autores brasileiros quanto de estrangeiros foi consultada.
Nossa pesquisa, portanto, pela sua própria natureza, está baseada em estudos de ordem
bibliográfica e pretende responder à questão sobre o valor dos princípios filosóficos de Platão e
Aristóteles para compreensão da educação como formação humana plena.
Palavras-chave: Paideia, Platão e Aristóteles e formação omnilateral.
11

ABSTRACT

The objective of this thesis is to investigate the meaning and the genesis of Greek paideia in,
having as parameters Plato‟s (427 a. C.) and Aristotle‟s (348 a. C.), educational concepts. We
understand that the educational philosophies in this sense these classical thinkers of ancient
Greece is also essential to understand the nature and the meaning of education , as well as
reflect on the possibility and necessity of its political value , as formulated by these two
philosophers. The problem to be solved can be expressed by the question: to what extent the
Greek education founded in the philosophies of Plato and Aristotle can provide valid and
universal principles, when we think about a fair, equitable State where the principle of civility
can educate the omnilateralmente man? The thesis focuses specifically on the masterpieces of
the two thinkers – Plato: The Republic, Laws and The Political; Aristotle: Politics, Ethics
Nicômacos and Metaphysics and The principal authors who interpret, feature, underpin and
guide the research path in Plato and Aristóteles are: Mario Alighiero Manacorda; Werner
Jaeger; Moses I. Finley; Jean-Pierre Vernant and Herni - Irenee Marrou, Herodotus, Hesiod,
Homer, Cesar Aparecido Nunes, Ildeu Moreira Coêlho, Maria do Céu Fialho, José Ribeiro
Ferreira e Delfim Ferreira Leão. Complementary Bibliography both Brazilians as foreign
authors was consulted. Our research, therefore, by its own nature, is based on studies of
bibliographic order and attempts to answer the question about the value of Plato‟s and
Aristotle‟s principles for understanding education as full human development.
Key-words: Paideia, Plato e Aristotle and omnilateral training.
12

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................13
I CONTEXTO HISTÓRICO
1. 0 - A metodologia do capítulo.....................................................................................40
1. 1 - O horizonte arcaico................................................................................................41
1. 2 - O horizonte sofístico..............................................................................................85
1. 3 - O cenário da filosofia de Platão......……...….…………………………...……..101
1. 4 - O cenário da filosofia de Aristóteles....................................................................116
1. 5 - O cenário educativo grego em Roma...................................................................125

II A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO EM PLATÃO


2. 0 - A metodologia do capítulo.....................,.............................................................144
2. 1 - A vida, literatura e obras......................................................................................146
2. 2 - Um diálogo preliminar: a justiça..........................................................................156
2. 3 - A construção do projeto.......................................................................................168
2. 4 - A caverna e a conversão.......................................................................................197

III A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO EM ARISTÓTELES


3.0 - A metodologia do capítulo....................................................................................213
3.1 - A vida....................................................................................................................215
3. 2 - A escola de Estado...............................................................................................222
3. 3 - A escola de escrita................................................................................................237
3. 4 - A felicidade e a cidade.........................................................................................250

IV A FORMAÇÃO OMNILATERAL NA POLIS


4. 0 - A metodologia do capítulo...................................................................................268
4. 1 - A pólis...…………...............................................................................................269
4. 2 - O viés político de Platão.......................................................................................282
4. 3 - A civilidade em Aristóteles...…….…..................................................................296
4. 4 - A filosofia...…….………………......……………………………..……...…......311
4. 5 - A filosofia da educação.……..…......………...………....….......………….....…329
CONSIDERAÇÕES FINAIS...…………………………...……….………...........…..338
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..……………………...……………….………351
13

INTRODUÇÃO

Quanto às implicações pedagógicas que tudo isso comporta, podem


expressar, em síntese, na afirmação de que, para a reintegração da
onilateralidade do homem, se exige a reunificação das estruturas da
ciência com as da produção. Não pode, de fato, ter validade nem a
extensão a todos da cultura tradicional no tipo de escola até agora
existente para as classes dominantes, nem a permanência da
formação subalterna, até agora concedida às classe produtivas,
através da antiga aprendizagem artesanal ou das novas formas de
ensino unidas à indústria moderna.
Mario Alighiero Manacorda.

A investigação dessa tese traz como objeto de pesquisa a paideia grega


referendada pelas concepções educativas em Platão (427 a. C. - 348 a. C.) e em
Aristóteles (384 a. C. - 322 a. C.). Entendido como campo intelectual, o horizonte
antigo grego é percebido inicialmente por um conhecimento mitológico e religioso
presente na cultura e na literatura da civilização da Hélade. A origem da paideia está
condicionada pelo nascimento da filosofia grega. E essa, amarrada às narrações da
poesia, do mito e da religião. Essa compreensão de mundo prévia, seja oferecida pelo
mito, seja ofertada pela religião ou pela poesia, subjazem os problemas da natureza
filosófica e educativa. Os primeiros filósofos desse campo investigaram o mundo da
phýsis.1 Aristóteles explicou a atutude filósofica destes pensadores, “[...] eles
estenderam a sua exploração a problemas mais importantes tais como os fenômenos da
Lua, os do Sol e os das Estrelas, enfim; a gênese do Universo.” 2 Dentro desse mesmo
universo, Platão e Aristóteles inverteram e reordenaram o sentido do pensamento
filosófico. Eles fundaram a natureza do pensamento educativo, portanto, nasceu a
filosofia da educação. São mais de dois mil e quatrocentos e cinquenta anos de

1
O termo transliterado phýsis, do grego (θύζρ), remonta uma série de conceitos que aplicam algumas
ideias em comum, como: “[...]1º princípio do movimento ou substancia; 2º ordem necessária ou causal; 3º
exterioridade, contraposta à interioridade da consciência; 4º campo de encontro ou de unificação de certas
técnicas de investigação.” In: ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.698. Por outro lado, o termo, “Não é também o produto de uma
reflexão ingênua e espontânea da razão sobre a natureza. Transpõe, sob uma foma laica e num
vocabulário mais abstrato, a concepção do mundo elaborada pela religião”. In: VERNANT, Jean-Pierre.
As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000. p. 82. Nosso entendimento está vinculado à ideia de movimento como princípio de vida, ou
seja, de criação, nascimento, de geração de todas as coisas existentes.
2
ARISTÓTELES. Metafísica: livro I. I 982 b.5
14

distância. Entretanto, seja no silêncio ou nas sombras, tanto nas bordas como nas dobras
da história, este processo formativo ainda permanece.
No período medieval brota sedimentado numa nova visão: a religião, ou
seja, a educação de Platão e de Aristóteles ganha uma nova perspectiva: o fundamento
da instrução fica a cargo da Igreja. Com o fim do horizonte da idade média, sobretudo
depois dos anos de 1300, as ideias, as instituições e as características dessa época
desmoronam. Assinalado pela pluralidade e diversidade de ideais, pela rensacença, pela
ciência, por novos comportamentos e atitudes nasce o mundo moderno, como ele,
Platão e Aristóteles chegam até a contemporaneidade. Longe de fazer história da
educação desses períodos. Focalizando o período grego antigo, queremos elucidar
temáticas educativas que sustentam nossa proposição e os nossos princípios.
Sustentamos a hipótese de que o pensamento filosófico de Platão e de Aristóteles é
fundamental para compreendermos o sentido de educação e de escola, ao mesmo tempo,
para colocar a questão da possibilidade da formação da omnilateralidade do homem.
A problemática em evidência não é uma questão original. A tentativa de
formar ou modelar o homem 3 é tão antiga quanto ele próprio, quem nos conta isso é o
próprio Platão: “Durante os primeiros tempos careciam ainda de engenho e arte e, na
4
falta da geração espontânea de alimentos, não sabia como sustentar-se […].” O
modelo educativo originário dos povos da Hélade está atrelado aos héróis e às suas
batalhas, são eles: Teseu, Héracles, Aquiles, Heitor entre tantos. A figura do héroi é
modelo a ser seguido! O que determina o héroi é a diferença – o detalhe de seu
comportamento diante dos demais. O detalhe o coloca num patamar de excelência
diante dos homens. O que aproxima os hérois da virtude, da beleza, da força, da garra,
da potência é o processo educativo. Para os gregos antigos a formação educativa está

3
Ao utilizar o termo, nessa tese, buscamos compreendê-lo em seu sentido genérico de ántropos, do grego
(άνθπυπορ). Tomamos emprestada a definição linguística do termo, e compreensão filósofica do
pesquisador e filósofo Ildeu Moreira Coêlho. “O grego possui três termos para se referir aos seres
humanos. O termo anér é homem (sem oposição aos deuses), varão, homem feito, guerreiro. Os termos
anér, andrós e gyné, que deram origem em português a andrologia e a ginecologia, por exemplo, se
referem, respectivamente, ao homem e à mulher, aos humanos em sua diferenciação sexual. O substantivo
ánthropos, entretanto, se refere ao homem em sentido genérico, ao gênero humano como diferente dos
animais, aos humanos por oposição ao divino, aos homens e às mulheres, independentemente de diferença
sexual. Assim, para se referir aos humanos em geral, os gregos não precisavam dizer anér, (homem) e
gyné (mulher), pois o termo ánthropos englobava todo o gênero humano.” In: COÊLHO, Ildeu Moreira.
Filosofia e educação. In: PEIXOTO, José Adão. (Org.). Filosofia, educação e cidadania. (Org.)
Campinas: Alínea, 2001. p.17-70. p.22.
4
PLATÃO. O Político. 274 a.
15

totalmente vinculada à ideia de areté. 5 Na Grécia antiga, o mito já era uma referência,
quando oferecia a imagem do herói a ser imitado pelo homem, como modelo a ser
perseguido. Platão no segundo livro em República expressa o sentido da formação de
Aquiles e natureza formativa de seu mestre:

Fenice, também, o preceptor de Aquiles, não deve ser elogiado, como


se tivesse aconselhado sabiamente seu pupilo a só defender os
Arquivos mediante o recebimento de presentes, sem o que não deveria
ceder em sua cólera. E com relação a Aquiles, de igual modo, não
podemos admitir nem confessar que fosse ávido de dinheiro a ponto
de aceitar os presentes de Agamémnone e de não entregar o cadáver
sem o reconhecimento prévio do resgate, na falta do qual nada se
faria. 6

Educado por Fênix, Aquiles é o maior e o mais nobre de todos os heróis


da história da Grécia, é também protagonista nos poemas de Ilíada de Homero. Lê-se no
canto nono desse poema: “Qual és, Aquiles, divino, nessa hora, por mim foste feito,
com terna afeição.” 7 Em conformidade com os estudos de Mario Manacorda, a paideia
homérica forma o homem em dois momentos distintos, ou seja, para o “ [...] dizer e o
fazer [...] ” 8, o primeiro, para exercer a guerra, o segundo, para exercer a política. Estes
dois processos pedagógicos direcionam a formação dos homens da Hélade. É um
processo lento e contínuo. “A história da formação grega – o aparecimento da
personalidade helênica [...] começa no mundo aristocrático da Grécia primitiva com o
9
nascimento de um ideal definido de homem superior, ao qual aspira o escol da raça.”
Esta questão é retomada por Platão e por Aristóteles numa perspectiva bastante nova, o
que na verdade marca profundamente o debate sobre o sentido da educação da nova
pólis, e ainda nos provoca a todos nós de modo instigante.

5
A palavra areté do grego (πεηή) “[...] designa uma capacidade qualquer ou excelência, seja qual for a
coisa ou o ser a que pertença. Seus significados específicos podem ser reduzidos a três: 1º capacidade ou
potência em geral; 2º capacidade ou potência do homem; 3º capacidade ou potência moral do homem.”
ABBAGNANO, Nicola. op. cit. 2000. p.1003. Werner Jaeger afirma sobre a definição da areté helênica:
“Na fórmula „fazer sua a beleza‟ está expresso com claridade ímpar o motivo íntimo da areté helênica. É
isto que, já no tempo da nobreza homérica, distingue o heroísmo grego do simples desprezo selvagem da
morte. É a subordinação do físico a uma „beleza‟ mais elevada.” In: JAEGER, Werner. Paideia: a
formação do homem grego. 4ª ed. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.36
6
PLATÃO. A República. 391 a.
7
HOMERO. Ilíada 2ª ed. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.227.
8
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão técnica da tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010. p.59
9
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução. Artur M. Parreira. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
p.25.
16

A trajetória acadêmica que proporcionou este estudo teve sua origem


ainda na graduação do Curso de Filosofia. O que mais me chamou atenção nos anos de
estudos filosóficos foi a disciplina de „ética‟. Ao finalizar o curso defendi a monografia
intitulada O conceito de pessoa em Emmanuel Mounier e começou aqui o gosto pela
filosofia. Os últimos dois anos do curso foram intensamente marcados por uma
perspectiva educacional. A partir dos estágios supervisionados tive o privilégio de
trabalhar e redigir, juntamente com as professoras responsáveis, uma primeira versão do
primeiro projeto político pedagógico de uma escola pública. Aquela primeira
experiência educacional, ainda no ano de 1997, despertou em mim o interesse para
estudar um pouco mais alguns teóricos da educação. Dentre eles estavam relacionados
os nomes de Moacir Gadotti, Pressupostos do Projeto Pedagógico; Mariano Enguita, A
face oculta da Escola; Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido e Miguel Arroyo,
Educação e Cidadania. Esse primeiro contato com os autores educacionais e suas
respectivas obras, abriu um novo horizonte para a minha vida acadêmica. Por um lado,
contribuiu parcialmente para que, dois anos mais tarde, eu viesse a ser aprovado no
concurso público no magistério superior, para lecionar a disciplina de Filosofia da
Educação - área de fundamentos da educação, no campus de Jataí, da Universidade
Federal de Goiás. Por outro lado, contribuiu largamente para que eu pudesse adentrar à
área de fundamentos da educação. Desde o ingresso no magistério superior venho
estudando, pensando e trabalhando sobre as articulações entre educação, filosofia e
filosofia da educação.
Tendo como objeto de estudo a ética aristotélica, em 2004 terminei o
curso de mestrado, defendendo a dissertação denominada Ética, Educação e Escola.
Essa investigação teve seu percurso circunscrito ao período clássico da história da
filosofia, tendo como ponto convergente a ética de Aristóteles. Naquela ocasião, a partir
da reflexão filosófica, pesquisei a dimensão e natureza do saber ético. Ao evocar a
ciência aristotélica, procurei entender os costumes e práticas escolares. A pergunta
central da dissertação foi traduzida da seguinte maneira: em que medida a filosofia da
práxis ou as ciências práticas são ponto de referência para se tratar das questões
educacionais? Aristóteles teoriza sobre as finalidades das ciências práticas e das
ciências teóricas, conferindo a especificidade às ações humanas, cuja ciência não tem
outra finalidade a não ser elevar e enobrecer a vida do homem. A obra principal da
dissertação para a pesquisa foi a obra Ética a Nicômacos de Aristóteles. As fontes
secundárias da pesquisa tiveram a contribuição teórica dos seguintes autores, que
17

consideramos principais. Giovanni Reale, Cornelius Castoriadis, Hannah Arendt,


Henri-Irénée Marrou, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Ildeu Moreira Coelho, Jean-
Pierre Vernant, Miguel Arroyo, Moacir Laterza, Pierre Bourdieu, Solange Vergnieres,
Terezinha Rios, Francis Wolff, Adolff Sanches Vasquez e Werner Jaeger.
Direcionar novamente a pesquisa para o período da antiguidade clássica é
retomar os conhecimentos até então adquiridos a partir de uma nova perspectiva: por
um lado, retomo meus estudos anteriores, dando assim continuidade ao processo da
pesquisa; por outro, voltar a tal período é não fragmentar os conhecimentos e saberes
adquiridos até então. O percurso investigativo dessa pesquisa tem sua área de
abrangência mais vasta no passado histórico da Grécia antiga, aproximadamente entre
os anos 900 a. C., ou 750 a. C., a 500 a. C., estendendo-se até por volta das três
primeiras décadas identificadas a partir do Estado romano. Ao remontar historicamente
este contexto, a delimitação mais restrita desse objeto está propriamente circunscrita
entre os séculos V e IV a. C.
No campo da pesquisa em educação no Brasil, o objeto de nossa
investigação não é o objeto preferido pelos nossos pesquisadores, da mesma forma,
acontece com a temática. Por um lado, não se trata de um tema reincidente, ao contrário,
os índices e os números revelados nas pesquisas que posteriormente veremos, não
indicam uma posição preferencial nessa área investigativa. Por outro lado, por se tratar
de dois pensadores clássicos de grande abrangência, vale a pena nossa investigação.
Entretanto, nas últimas décadas a maioria dos pensadores abordados nos trabalhos dos
pesquisadores, são, em geral, pensadores da contemporaneidade. Sobre a importância da
temática, Cesar Aparecido Nunes, afirma:

Este tema emerge como uma questão central no mundo constituído


dos homens e dele recebe um fundamento racional a partir do século
IV a.C. Platão e Aristóteles debruçam-se sobre a tarefa de justificar
racionalmente a existência social do homem. 10

Em relação ao campo de pesquisa da história da educação, no cenário


mundial, encontramos a maior obra sobre o objeto de nosso estudo: Paideia A
Formação do Homem Grego, de Werner Jaeger. O autor, a partir de uma pesquisa

10
NUNES Cesar Aparecido. Pós-Graduação da Faculdade de Educação. Universidade Estadual de
Campinas. 1999. In: <http://www.fe.unicamp.br/paideia/sobre-paideia.html.> Acesso em novembro de
2014.
18

histórica, faz um estudo de conjunto desse fenômeno grego, a paideia. O próprio


Werner afirma no prólogo de sua obra:

Conquanto que se tenha descrito frequentemente o desenvolvimento


do Estado e da sociedade, da literatura, da religião e filosofia dos
Gregos ninguém até hoje tentou evidenciar a ação recíproca entre o
processo histórico pelo qual se chegou à formação do homem grego e
o processo espiritual através do qual os Gregos lograram elaborar o
seu ideal de humanidade. 11

No entanto, para além dessa obra, destacamos algumas conhecidas e já


consagradas nesse cenário que, em certo sentido, focaliza e abarca o nosso objeto
investigado, entre elas: História da Educação da Antiguidade: da Antiguidade aos
nossos dias, de Mário Alighiero Manacorda, (2010); História da educação na
Antiguidade, de Henri-Irénée Marrou, (1975); História da Pedagogia, Franco Cambi,
(1999); História da Educação e da Pedagogia, de Lorenzo Luzuriaga, (1980);
Educação e Luta de Classes, de Aníbal Ponce, (1994); As Origens do Pensamento
Grego, de Jean Pierre Vernant, (2000), Os Gregos, (1963); Política no Mundo Antigo,
(1983); de Moses I Finley.
Salientamos também algumas obras dos investigadores portugueses que
estudamos no período de nosso estágio sanduíche realizado em Portugal no derradeiro
ano de nosso curso de doutoramento, mais específicamente, no Centro de Estudos
Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. São
obras e traduções do campo de pesquisa do campo de letras: Cidadania Paideia na
Grécia Antiga, de Delfim Ferreira Leão, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu Fialho;
Globalização no Mundo Antigo de Delfim Ferreira Leão; Helade Antologia da Cultura
Grega de Maria Helena da Rocha Pereira. Participação e Poder na Democracia Grega
de José Ribeiro Ferreira, Ética e Paideia em Plutarco de Carmem Soares, José Ribeiro
Ferreira e Maria do Céu Fialho. Também utilizamos seis traduções das obras de
Plutarco, em certo sentido, elas contribuíram significamente para compreender o
processo da formação da omnilateralidade do homem grego. São elas: Vidas paralelas.
Alcebíades e Coriolando, de Maria do Céu Fialho e Nuno Simão Rodrigues Vidas
Paralelas Teseu e Romulo de Delfim Ferreira Leão e Maria do Céu Fialho; Vidas
Paralelas Sólon e Publícola de Delfim Ferreira Leão e José Luís Lopes Brandão; Obras

11
JAEGER, Werner. op. cit. p.1.
19

Morais Da Educação das Crianças de Joaquim J. S. Pinheiro e, finalmente, Obras


Morais O Banquete dos sete Sábios de Delfim Ferreira Leão.
No âmbito nacional, as expectativas não correspondem àquilo que
descrevemos anteriormente sobre a atualidade e a pertinência de nosso objeto de estudo.
A história da filosofia da educação está diretamente entrelaçada na própria história da
educação. E ambas interligadas ao processo de estatização das ecolas brasileiras. Não
se pode entender uma, sem identificar a outra. A trajetória da constituição disciplinar da
filosofia da educação sempre esteve marcada por um viés filosófico elitista. A filosofia
no Brasil, em grande parte, não é entendida como, saber racional, como reflexão, como
12
pensamento, ou simplesmente, como “[…] atividade contemplativa […]” , longe
disso, é apenas, em boa parte, uma disciplina descontextualizada de suas raízes, e,
portanto, fragmentada e atrelada aos reclamos da técnica e do mercado. Por hora, é
importante destacar historicamente, o tema em destaque e o objeto de estudo. Tanto um,
como outro estão longe de apresentar uma realiadade significativa no âmbito das
pesquisas no campo da educação. As pesquisas não indicam uma situação privilegiada
no campo de pesquisa em educação no Brasil. A gênese da articulação entre filosofa e
educação – paideia grega clássica fica bloqueada e sem vida. Em 1990, afirmava a
pesquisadora Maria Betânia Barbosa de Albuquerque: “Parece que a Filosofia da
Educação enquanto disciplina acadêmica não tem sido objeto de investigação pela
literatura educacional, pelo menos nos últimos anos.” 13
As pesquisas sobre a paideia e, propriamente sobre as concepções
educativas dos filósofos da Grécia antiga, não revelam uma posição de destaque no
campo da pesquisa em educação do Brasil. Essa ausência não é gratuita. Ela perpassa
toda a nossa tradição de pesquisas em filosofia da educação. Para tanto, na Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, faremos uma breve
exposição do indicador de resultados das avaliações da política de pesquisas do Sistema
de Pós-Graduação do país, referentes às linhas de pesquisa do país, realizadas pela
Coordenação da Área de Educação.
Estes resultados implicam diretamente na elaboração e demarcação do
nosso objeto no campo. Desde já, é preciso salientar sobre a especificidade desse
campo, ele não é neutro ou livre de preocupações científicas e interesses ideológicos. O

12
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. X, 6, 1177 a.
13
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa de. Filosofia da educação: uma disciplina entre a dispersão
de conteúdos e a ausência de uma identidade. Revista Perspectiva. Florianópolis. v, 16, nº 29, p. 45-61,
jan./jun. 1998. p.46
20

campo da produção em pesquisas em educação é, sobretudo, um lugar de batalha


política, de luta e poder. É um campo de luta concorrencial. Seu funcionamento
histórico, político, social, econômico é também ideológico.

O caráter hermético e elitista da tradição filosófica no Brasil, as


marginalizações históricas de amplas camadas sociais da escola, a
hegemonia totalitária de pedagogias excludentes, antipopulares e
antidemocráticas têm afastado nossa tradição de pesquisas das
históricas matrizes da paideia antiga. 14

No ano de 2010, Elizabeth de Macedo, Professora da Universidade


Federal do Rio de Janeiro, (UFRJ) e Clarilza Prado Souza da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, (PUC), até então, coordenadoras da área de educação e
representantes junto à Coordenação de Aperfeicoamento de Nível de Pessoal de Nível
Superior, (CAPES), publicaram um artigo sobre a política de pesquisa em educação no
Brasil. Neste artigo, as autoras identificaram as características políticas do sistema
desde 1965, ano de criação dos programas de pós-graduação, ao mesmo tempo,
apresentaram os resultados das pesquisas do triênio de (2007 a 2009). Em relação ao
nosso objeto e tema de estudo, os números não indicaram uma posição confortável. O
artigo publicado em 2010, intitulado, A Pesquisa na Educação no Brasil, indicou um
resultado que deve ser analisado com atenção no âmbito da filosofia da educação. As
autoras optaram por um exercício duplo de entendimento: criaram homogeneidades
ressaltando as temáticas mais ou menos recorrentes, ao mesmo, tentaram perceber a
criatividade observada na composição das linhas vinculadas às temáticas. O patamar da
pesquisa em filosofia da educação é inexpressivo, o itálico é apenas uma caracterização
nossa:

Em nosso primeiro movimento em busca de regularidades, temas


como política e gestão da educação (41), formação e trabalho docente
(39), história da educação (27), didática e processos de ensino (22),
aprendizagem e desenvolvimento (21) e currículo (20) são os mais
presentes. Num segundo conjunto aparecem temáticas como ensino de
matemática e ciências (17), movimentos sociais (13), linguagem (12),
educação especial (12), educação e cultura (12), educação/escola e

14
NUNES. César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: As origens da
articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga. In:
LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação: história, filosofia e temas transversais.
Campinas SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75 (Coleção HISTEDBR). p.67.
21

sociedade (11), educação e trabalho (10), filosofia da educação (9),


educação e tecnologia (8) e educação ambiental (8). 15

Em relação à regularidade do tema que aqui nos interessa – a filosofia da


educação – os números obtidos não apresentaram reincidência temática. Em certo
sentido, podemos tentar explicar essa situação. Desde a criação dos Programas de Pós-
Graduação em educação, a temática filosofia da educação tinha alguma projeção nas
pesquisas. A partir de 1990, as reformulações nos cursos de formação de professores
acarretaram modificações nos currículos dos projetos políticos pedagógicos. Em muitos
casos, a disciplina foi eliminda, em outros, a carga horária teve uma redução
significativa. Analisadas as regularidades dos temas, o caráter explicativo do segundo
momento teve como padrão a diversidade dessas temáticas. Os estudos de filosofia da
educação, mais uma vez, não tiveram recorrência nos números obtidos nessa pesquisa.
Pelo contrário, como podemos ler,

Os estudos autonomeados como políticas ou gestão da educação lidam


preferencialmente com gestão (20) e políticas públicas (12), embora
incluam interfaces com as temáticas como práticas, cultura e
organização da instituição escolar (11) [...] As linhas de história da
educação, em que a historiografia e a teoria da história ocupam
posição de relevo (10), [...] política educacional (8), filosofia da
educação (3), instituições educacionais (3), sociedade (3), cultura (3).
16

A temática filosofia da educação e o objeto paideia grega não alcançaram


posição de destaque nesse penúltimo triênio da Pós-graduação: sua posição apresentou
um índice insignificante, portanto, inexpressivo em relação às áreas dos fundamentos da
educação. No âmbito da diversidade de temáticas, a pesquisa evidencia a mesma
insignificância em relação a regularidade do tema.
Outra pesquisa realizada pelo professor Antonio Joaquim Severino,
publicada em 2000, esboça essa mesma realidade. Sua investigação focaliza temas
propriamente da filosofia da educação e os temas da filosofia sobre a educação. Em seu
17
texto A filosofia da Educação no Brasil: um esboço de uma trajetória , selecionou 49

15
MACEDO, Elizabeth; SOUSA, Clarilza Prado de. A pesquisa em Educação no Brasil. Revista
Brasileira de Educação, v. 15, n. 43, ps. 166-176, 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n43/a12v15n43.pdf. > Acesso em: abril 2012. p. 171.
16
MACEDO, Elizabeth; SOUSA, Clarilza Prado de. op. cit. Acesso em: abril 2012. p.172.
17
SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia da Educação no Brasil: esboço de uma trajetória. In:
GUIRALDELLI, Paulo Jr. (Org.). O que é filosofia da Educação? 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
p. 265 - 326.
22

pesquisadores que publicaram trabalhos na área da filosofia da educação,


correspondendo a um total de 78 títulos, sendo 2 obras da década de 1960, 13 obras da
década de 1970 e 63 obras das décadas de 1980 e 1990. Desses 78 títulos, não
encontramos sequer um trabalho que tivesse se detido sobre a paideia grega, ou mesmo
para os filósofos da Grécia antiga clássica.
Apesar do aumento da produção bibliográfica a partir dos anos de 1980, a
paideia grega manteve sua irregularidade nas pesquisas. Os anos de 1990 não
apresentaram nada significativo: objeto e tema permaneceram nas sombras e no
silêncio. Adicionalmente, um Grupo de Trabalho (GT) da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação – Anped vem realizando um expressivo trabalho no
campo da educação em filosofia da educação. Podemos dizer que esse grupo é um dos
primeiros nesta árdua tarefa. O próprio Pesquisador Antônio Joaquim Severino
confirma:
Refiro-me aqui à pesquisa realizada por colegas nossas da
Universidade Federal do Pará, trabalho que é pioneiro no que
concerne à história específica do GT de Filosofia da Educação, já
publicado como livro (ALBUQUERQUE, M. Betânia; OLIVEIRA,
Ivanilde N.; SANTIAGO, Joelciléa de L. A. Filosofia da Educação:
produção intelectual, identidade e ensino a partir da Anped. Belem:
EDUEPA, 2005), texto em que as autoras analisam a trajetória e a
produção do GT em sua primeira década. 18

Na primeira década as pesquisadoras Maria Betânia Barbosa


Albuquerque e Ivanilde Apoluceno de Oliveira intitularam o trabalho Trajetória e
Produção Intelectual da Filosofia da Educação na Anped, as pesquisadoras publicaram
e apresentaram os dados – resumos de 155 trabalhos. A principal análise e circulação
das investigadoras era a produção intelectual da área de filosofia da educação. Em
conformidade com esta pesquisa, a abordagem filosófica educacional teve a maior
concentração com 76 trabalhos. A partir de uma análise dos pensadores mais procurados
pelos pesquisadores, “[...] A listagem desses pensadores permite observar que a
Filosofia da Educação que se faz no GT concentra-se muito pouco nos marcos da
Filosofia antiga, [...].” 19 Os números observados revelam que os pesquisadores da área

18
SEVERINO, Antônio Joaquim. Os 20 anos do GT filosofia da educação e sua contribuição para a
constituição do campo investigativo da filosofia da educação. In: <
file:///C:/Users/User/Downloads/TRAB%20ENCOMENDADO%20%2020%20anos%20GT%20%20Filo
sofia%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20(2).pdf > Acesso em outubro de 2014. p.3
19
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa, OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. SANTIAGO,
Joelcileia Lima Ayres de. Filosofia da Educação: produção intelectual, identidade e ensino a partir da
ANPEd. Belém: Eduepa, 2006. p.36
23

fazem opção por pesquisar apenas um autor e nunca dois. Considerando outros aspectos
dos números obtidos, podemos concluir que a listagem dos pensadores da Grécia Antiga
não apresenta uma posição acentuada. Pelo contrário, a grande concentração dos
trabalhos focaliza e enfatiza os pensadores da filosofia contemporânea.
A continuidade dessa pesquisa foi realizada no ano de 2008 e publicada
em 2012, na Revista Diálogo Educacional da Pontifícia Universidade do Paraná. A
pesquisadora, Maria Betânia Barbosa de Albuquerque em parceria com Alder se Sousa
Dias, publicaram uma novo texto, intitulado: Quinze Anos da Filosofia da Educação na
ANPEd. Nessa nova etapa da pesquisa, pouca coisa mudou de lá até aqui. A grande e
maior preocupação dos pesquisadores brasileiros em filosofia da educação não está
voltada para o modelo educativo classico da Grécia antiga. Ao descrever os resultados
sobre os pensadores mais pesquisados em filosofia da educação, os autores afirmam: “A
relação desses pensadores evidencia que a Filosofia da Educação que se faz no GT
20
concentra-se muito pouco nos marcos da filosofia antiga [...].” No ano de 2013
sabemos que a Anped completou vinte anos de existência, nessa perspectiva, as
pesquisa em filosofia da educação não renova as características da pesquisa já revelada.
No Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) foram encontrados aproximadamente até o ano de 2014, de 70
a 80 trabalhos entre dissertações de mestrado e teses de doutorado. A análise da
produção intelectual foi concretizada tendo em vista os resumos publicados no endereço
do site: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Boa parte dos trabalhos
relacionados mais especificamente com o nosso tema são algumas dissertações de
mestrado e poucas teses de doutorado. Também aqui, podemos dizer que os trabalhos
não condizem exatamente com a nossa proposta investigativa. O objeto, a paideia grega
clássica – na filosofia de Platão e na filosofia de Aristóteles, tal qual, não foi
encontrado. As expressões mais utilizadas para essa pesquisa foram: „paideia grega‟,
„paideia em Platão‟, „paideia em Aristóteles‟, „educação em Platão‟, „educação em
Aristóteles‟, „concepção educativa platônica‟, „concepção educativa aristotélica‟,
„formação grega clássica‟, „o sentido formativo grego‟, „a cidade grega e a educação‟,
„formação do rei-filósofo‟, „formação do filósofo-rei‟, „a pólis grega e a educação‟.

20
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa; DIAS, Alder Sousa de. Quinze Anos da Filosofia da
Educação na ANPEd. Revista Diálogo Educacional - Programa de Pós-Graduação do Paraná. v, 12, nº
35, p. 233-252, jan./abr. 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/dialogo-
5909%20(2).pdf > Acesso em junho 2013. p.244.
24

Tendo verificado a atualidade temática, bem como a relevância,


ocorrência e pertinência do objeto nas pesquisas do campo da educação do Brasil,
passemos agora à descrição das obras que integram o quadro do nosso referencial
teórico-metodológico. No tocante às nossas fontes de pesquisa utilizadas para desvendar
nosso objetivo, seis são as principais: as de PLATÃO, A República, Leis e O Político, e
as de ARISTÓTELES. Política, Ética a Nicômacos e Metafísica. As demais obras estão
divididas em dois grupos: no primeiro, estão relacionadas às obras de autores
internacionais e no segundo, às obras dos autores brasileiros.
As fontes secundárias internacionais são dos autores: Franco Cambi: A
História da Pedagogia; Moses I Finley, Os Gregos Antigos; Werner Jaeger, Paideia: a
formação do homem grego; Lorenzo Luzuriaga. História da educação e da pedagogia e
também, Pedagogia; Mario Alighiero Manacorda, História da educação da Antiguidade
aos nossos dias. Henri-Irénée Marrou, História da educação na Antiguidade; Aníbal
Ponce, Educação e luta de classes. As fontes pesquisadas no estágio sanduíche em
Portugal são dos autores: Delfim Ferreira Leão, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu
Fialho, Cidadania e Paideia na Grécia Antiga; José Ribeiro Ferreira, Participação e
Poder na Democracia Grega; Delfim Ferreira Leão, Globalização no mundo antigo;
Maria Helena da Rocha Pereira, Hélade: Antologia da Cultura Grega; e, finalmente as
atraduções das obras de Plutarco.
As fontes secundárias nacionais são: As origens da articulação entre
filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga e O
pedotriba e a educação física antiga: o primeiro professor, a primeira paideia, e o
pecado original do professor e pesquisador do Grupo Paideia da Unicamp, Dr. Cesar
Aparecido Nunes. Tendo em vista a carência de investigação nessa área, o referido
professor fundou em 1999 o grupo de pesquisas intitulado Paideia. Este grupo de
pesquisa não somente resgata do sentido da paideia grega antiga, mas, especificamente,
busca assimilar historicamente a questão conceitual entre filosofia e educação.
Duas são as obras de Werner Jaeger que configuram nosso referencial
teórico. A primeira, Paideia: A Formação do Homem Grego, publicada na Alemanha
em 1936 e no Brasil em 1966, dispensa comentários é uma das mais importantes para o
desvendamento de nossos propósitos, na medida em que coloca em evidência nossa
temática, a filosofia da educação, bem como revela as peculiaridades históricas do
objeto a ser investigado. Werner Jaeger evidencia em sua obra o sentido da formação do
homem grego, suas origens e raízes dos aspectos históricos do período primitivo e
25

clássico. O referencial teórico de nossa pesquisa aborda apenas as três primeiras partes
dessa obra. Aqui, o autor trata da restauração do século espiritual de Platão e enfatiza a
concepção educativa desse. Elucida sem precedentes como expressão cultural um
modelo de educação consciente em sua dimensão máxima, sobretudo enquanto
instrumento político daquela civilização. O autor busca na primeira parte da obra,
composta pelos dois primeiros livros, o processo de criação, desenvolvimento e crise da
formação do homem heróico e político dos períodos já assinalados. Na terceira parte da
obra, Werner pesquisa, sobretudo na obra Banquete de Platão, a interpretação do amor
grego, nessa obra, Platão faz a interpolação do amor grego e a educação.
A paideia grega é sem dúvida, para este autor, a verdadeira forma da
educação do homem, aqui, reside o substrato mais significativo do ponto de vista
humano. Ao mesmo tempo, em que modela apropriadamente o formato do ser humano,
dinamiza e orienta a riqueza, e a complexidade da existência do homem. É exatamente
na paideia que essa força formativa atinge seu ápice de intensidade: pelo empenho
consciente do conhecimento e da vontade. Diferentemente do individualismo, o
princípio espiritual dessa formação está fundada no conceito de humanismo que,
posteriormente, no mundo romano, é retomado pela denominação humanitas.
“Significou a educação do Homem de acordo com a verdadeira forma humana, com o
seu autêntico ser. Tal é a genuína paideia, considerada modelo por um homem de
21
Estado romano.” O sentido formativo que Werner Jaeger expressa nessa obra nada
mais é do que a formação do homem no sentido ideal. Na introdução do livro ele
explica isso, a ideia formativa de homem em sua omnilateralidade não nasce na esfera
do mutável do passageiro, da efemeridade, não brota do individual, ao contrário, da
ideia, para além do homem sociálvel ou como “[…] suposto eu autônomo, ergue-se o
Homem como ideia, [...] Ora, o Homem, considerado na sua ideia, significa a imagem
22
do Homem genérico na sua validade universal e normativa.” A segunda obra de
Werner Jaeger é intitulada Cristianismo Primitivo e a paideia Grega, publicada em
1961 na Inglaterra em acordo com Universidade de Harvard. Traduzida para o
português por Tereza Louro Peres. Para os nossos interesses, essa obra é tão
significativa quanto a primeira na medida em que retrata, especificamente os
acontecimentos do período helenístico. O objetivo do autor não está em estabelecer um
contraste entre o fenômeno religioso e a cultura dos gregos “[...] como duas formas

21
JAEGER, Werner. op. cit. p.14.
22
ibid. p.15.
26

23
heterônomas do espírito humano [...]” , ao contrário disso, intenta descrever a
continuidade e as transformações históricas da tradição da paideia grega no período
primitivo dos cristãos, já nos fins da Antiguidade. Descreve Jaeger, especificamente a
cultura da paideia grega no exato momento em que os primeiros cristãos aparecem e,
evidentemente coincide com os primeiros séculos de nossa era.
Outra obra fundamental para o nosso estudo, não menor em relevância, é
o livro de Mário Alighiero Manacorda, História da Educação da Antiguidade: da
Antiguidade aos nossos dias, publicado na Itália em 1983 e no Brasil 1988. O autor,
também a partir de uma investigação histórica, traça o perfil da história da educação da
antiguidade aos nossos dias, cujo fundamento temático, conforme ele mesmo diz:
“Quanto à essência da temática a hipótese foi perseguir o processo educativo pelo qual a
humanidade elabora a si mesma, em todos seus aspectos.” 24
Ao tratar especificamente da educação da Grécia, ele direciona a crítica
tanto a Platão como também a Aristóteles, bem como a toda educação da Grécia antiga.
O autor entende e reconhece as contradições daquela educação e distingue com precisão
o dizer e o fazer dessa prática educativa. “Encontraremos, antes de tudo, a separação
dos processos educativos segundo as classes sociais, porém menos rígida e com um
25
evidente desenvolvimento para as formas de democracia educativa.” Em Marx e a
Pedagogia Moderna esse mesmo autor evidencia a questão da formação da
omnilateralidade, obra publicada em Roma em 1983 e no Brasil no ano de 1991.
Estando fundamentalmente ancorado na concepção de Karl Marx, Mario Manacorda
revela precisamente o sentido da formação omnilateral. Para ele, a natureza do processo
pedagógico do homem omnilateral se apresenta como um resultado de um caminhar
histórico “[...] de autocriação, o homem se apresenta como uma totalidade de
disponibilidades [...]” 26, ou seja, o homem pode ser educado em todos os aspectos.
O livro, História da Educação na Antiguidade, de Henri-Irénée Marrou,
é outra obra de destaque para o nosso referencial teórico, publicada em Paris em 1948 e
no Brasil em 1966. Esse autor retrata toda a história da educação grega e seus percalços

23
JAEGER, Werner. O cristianismo primitivo e a Paideia grega. Tradução de Tereza Louro Pérez.
Revisão de Tradução Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1991. p.9.
24
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. p.16.
25
ibid. p. 58.
26
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. Tradução de Newton Alves de
Oliveira. Revisão técnica de Paolo Nosella; Prefácio de Dermeval Saviani. São Paulo: Cortez; autores
Associados, 1991. p.84.
27

escolares até Roma; trata-se, contudo da história da civilização da paideia, começando


pela educação Homérica até o desfecho na civilização romana. A história da educação
do tempo de Platão e de Aristóteles apesar do tempo e da distância de vinte e cinco mil
anos de existência continua ainda a nos provocar. O norteamento geral de sua obra
retrata a curva da evolução do pensamento educativo grego. Ainda de acordo com
Henri-Marrou, os antigos gregos, sobretudo do período clássico, fundam
verdadeiramente a civilização da paideia e homem ali formado não é senão o homem
integral, o homem enquanto tal, apto para exercer qualquer atividade, formado em todas
as suas potencialidades, tal como expressou também Mario Manacorda.
Além disso, não é de forma alguma indiferente para nós a obra de Franco
Cambi em História da Pedagogia, publicado no Brasil em 1999. O autor também
considera a questão da omnilateralidade. Para ele, contudo, trata-se da história da
pedagogia da antiguidade à sociedade contemporânea, ao pesquisar a história da
pedagogia especificando o cenário clássico. Considera, sobretudo, as transformações de
ordem teórico-metodológica ocorrida nos últimos 30 ou 40 anos no campo da História.
Ao pesquisar a educação grega e romana o autor traz elucidações pertinentes para a
nossa pesquisa, por entender que o mundo clássico é o mundo da origem da nossa
tradição educativa. Sobre a omnilateralidade o autor expressa:

Aqui a paideia é entendida como construção de „um espírito


plenamente desenvolvido‟ como é indicada na noção de humanitas
que é o princípio animador da formação helenística, inspirada em
valores universais que distingue o homem do bruto o heleno do
bárbaro. A formação visa a um „homem completo‟, moralmente
desenvolvido, que não seja um só um técnico, mas justamente um
homem, nutrido de cultura antes de tudo literária e hábil no uso da
palavra, consciente da tradição e que se faz „pessoa‟, sujeito dotado de
caráter. 27

Em Educação e Luta de Classes, Aníbal Ponce, especialmente no


capítulo segundo de sua obra, enfoca o pensamento educativo grego esclarecendo
especificamente as lutas e os interesses sociais e econômicos da realidade grega, que na
verdade, compõem a faceta dominadora da vida desse período. Aníbal Ponce interpreta
a educação para além das práticas pedagógicas e dos vínculos filosóficos educacionais,
mais que isso, ele a considera como um fenômeno da superestrutura. As interpretações

27
CAMBI, Franco. A História da Pedagogia. Tradução Álvaro de Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.
p.96.
28

dos fatos educativos para esse autor não podem ser desvinculados da esfera econômica,
social, material e essencialmente política.
Outra obra que faz parte do nosso referencial teórico é Ilíada escrita por
Homero (Sec VIII a. C.). Obra literária que também dispensa comentários. A título de
esclarecimento, a palavra Ilíada na etimologia é derivada de Ilion, que na língua grega
tem duas conotações: a primeira denota quem é muito rico ou quem possui grande
fortuna; a segunda significa também Tróia, a cidade dos troianos. A obra desse
historiador narra os episódios ocorridos num período de aproximadamente cinqüenta
dias. Esse período está situado justamente com o último ano da Guerra de Tróia. Nesse
poema épico, o autor narra a ira e a bravura do personagem e herói Aquiles. Com o
mesmo grau de importância que Ilíada, três outras obras de autores gregos, fundamenta
o norte do contexto histórico aqui apresentado: a de Tucídides, A História da Guerra do
Peloponeso e a de Heródoto, História, e a de Hesíodo, Os trabalhos e os dias. Ainda,
sobre o historiador Tucídides, é importante afirmar que esse, praticamente acompanhou
de perto quase toda a guerra, vindo falecer alguns anos antes do término deste conflito.
Também destaca-se pelo menos duas obras de Moses I. Finley, um dos
mais conceituados helenistas americanos. A primeira obra é intitulada Os Gregos
Antigos, editada em 1963 em Portugal e publicada no Brasil em 1988. O autor trata
nessa obra a vida dos gregos antigos, relata os acontecimentos e fatos marcantes dessa
civilização desde o período arcaico até o do helenístico, portanto, esclarece o autor da
obra, “[...] sempre que se afigurou possível, explicar o modo como se desenvolveu a
civilização grega nas suas várias facetas, suas grandezas e fraquezas, do ponto de vista
28
material, social, político e cultural.” A segunda obra de Moses I Finley, não menos
importante é intitulada Política no Mundo Antigo, com os direitos reservados para a
língua portuguesa por Edições 70 em 1983. Foi publicada pela primeira vez numa
versão mais reduzida em 1980, em memória ao dinamarquês Jacob Christian Jacobsen
da Real Academia Dinamarquesa de Ciências e Letras. Esse livro é resultado de quatro
Wiles Lectures, - conferências que Moses apresentou na „Quenn‟ s University, e
também de outros escritos publicados em versões revisadas posteriormente pelo autor.
Ele mesmo afirma, “[...] nenhum dos modelos de comportamento ou acontecimentos se

28
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70. 1963. p. 9.
29

29
tornam inteligíveis sem a compreensão das políticas nelas envolvidas.” A política,
concebida tanto na Grécia como em Roma influenciou diretamente os governos dessas
civilizações. Não existe política sem Estado, e nem Estado sem política.
As últimas fontes de caráter internacional a serem descritas são as obras e
as traduções de autores e investigadores portugueses da Universidade de Coimbra, mais
especificamente, do Centro de Estudos Clássicos e Humanisticos da Faculdade de
Letras, onde realizamos o estágio de doutoramento pelo Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior financiado pela Capes, que ocorreu entre os meses de janeiro a
setembro de 2014. O Centro de Estudos Clássicos na realidade tem como objetivos
fundamentais o estudo das línguas, literaturas e culturas da Antiguidade Greco-Latina
(Literatura e Cultura Greco-Latina), da sua transmissão ao longo da Idade Média (com a
especialidade de estudos de Latim Medieval), da sua renovação, sobretudo na época do
Renascimento (Latim Renascentista e Humanismo) e da presença do legado clássico na
atualidade (Recepção dos Clássicos na época moderna), entendido como um dos
principais fundamentos da identidade cultural europeia.
Dentre as principais obras pesquisadas estão: Cidadania Paideia na
Grécia Antiga, dos autores: Delfim Ferreira Leão, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu
Fialho; Globalização no Mundo Antigo de Delfim Ferreira Leão; Ética e Paideia em
Plutarco, de Carmem Soares, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu Fialho; Tempo e
Espaço da Paideia nas Vidas de Plutarco de Joaquim J. S. Pinheiro; finalmente, Helade
Antologia da Cultura Grega de Maria Helena da Rocha Pereira. Também utilizamos
seis traduções das obras de Plutarco: Vidas paralelas. Alcebíades e Coriolando, de
Maria do Céu Fialho e Nuno Simão Rodrigues; Vidas Paralelas Teseu e Romulo de
Delim Ferreira Leão e Maria do Céu Fialho; Vidas Paralelas Sólon e Publícola de
Delfim Ferreira Leão e José Luís Lopes Brandão; Obras Morais Da Educação das
Crianças de Joaquim J. S. Pinheiro e finalmente, Obras Morais O Banquete dos sete
Sábios de Delfim Ferreira Leão. Também utilizamos a tradução da obra de Xenofonte,
Memoráveis, da investigadora Ana Elias Pinheiro e a tradução de Pseudo-Xenofonte: A
Constituição dos Atenienses. Tradução do Grego, Introdução, Notas e Índices. Pedro
Ribeiro Martins. Coimbra.
Na literatura nacional o maior e mais expressivo trabalho, talvez o único,
considerando a especificidade do nosso objeto de estudo, é do Professor Cesar

29
FINLEY. Moses. I. Política no Mundo Antigo. Tradução. Gabinete Editorial de Edições 70. Lisboa:
Edições 70, 1983. p.86.
30

Aparecido Nunes, docente adjunto da Unicamp Professor Titular de Filosofia da


Educação da Faculdade de Educação, é também Coordenador Executivo do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Filosofia e Educação – PAIDEIA. Iniciamos nossos estudos
com o seu artigo - publicado em 1999, intitulado, As Origens da Articulação entre
Filosofia e Educação: Matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga.
Nesse trabalho o autor procurou identificar “[...] uma original matriz articuladora da
filosofia e educação na Grécia, expressa no conceito de paideia definida como formação
30
ética, estética e política do homem para viver em sociedade.” Para Cesar Nunes, a
tradição cultural-educacional de nosso tempo apresenta um caráter hermético, elitista,
esxcludente e antidemocrático da tradição filosófica no Brasil. Para além dessas notas
críticas o autor reconhece a fragilidade das políticas públicas do Estado. O professor
Cesar Aparecido Nunes ainda publicou mais um artigo, O Pedotriba e a educação
Física antiga: o primeiro professor, a primeira ginástica e o pecado original, na Revista
Digital do paideia, número especial de lançamento em outubro de 2009. Nesse trabalho,
ele pesquisou a formação específica do professor de educação física da atualidade a
partir da concepção do antigo mestre da educação física da Grécia antiga, o pedotriba.
Foi também utilizado o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano
para fundamentar e referenciar as Notas de Rodapé, bem como todas as palavras da
língua grega e a sua transliteração para língua portuguesa.
Todas essas fontes descritas em certo sentido traduzem o nosso caminho,
isto é, exprimem nossa opção teórica. O caminho investigativo que vamos percorrer não
é caminho único. A trilha que nos leva ao passado da Grécia antiga é uma trilha tantas
vezes palmilhada por estudiosos, historiadores, filósofos, sociólogos e pesquisadores
das diferentes áreas e épocas. Metodologicamente, o percurso investigativo desta tese
está dividido em quatro capítulos. A trajetória que pretendemos percorrer está
sedimentada na História e, genuinamente, na História da Educação.
O primeiro capítulo se refere a uma investigação histórica do surgimento
do conceito da paideia grega, cujas raízes germinaram na cultura do período arcaico e
vai florescer depois da geração de Aristóteles. O percurso investigativo propõe analisar
o surgimento, desenvolvimento e florescimento da educação clássica ou helenística,
conforme explica Henri- Irénée Marrou, o sentido do termo helenístico “[...] serve para

30
NUNES. César Aparecido. op. cit. 1999. p. 67.
31

designar o resultado desse esforço educativo, continuado, para além dos anos escolares,
durante toda a vida a fim de realizar mais perfeitamente o ideal humano.” 31
A investigação procura analisar os princípios universais resultantes da
formação omnilateral a partir das condições que a fizeram surgir: numa civilização de
dominados e dominantes, daqui direcionamos nossa investigação, sobretudo para a
crítica que o autor Mario Alighiero Manacorda faz em seu livro História da Educação
da Antiguidade aos nossos dias.

Passando à Grécia, logo encontramos em Homero [...] o


reaparecimento em formas próprias de uma educação dos poucos para
o „dizer‟ e o „fazer [...] Nele encontramos também a definição das
coisas que um homem livre deve saber que são, afinal, aquelas que um
não livre não deve saber: é ainda a discriminação educativa. 32

Os estudos de Werner Jaeger, Mario Alighiero Manacorda, Henri-


Marrou, Lorenzo Luzuriaga, Aníbal Ponce, todos eles, sem exceção, afirmam que os
princípios formativos da educação estão historicamente intricados no processo
pedagógico da formação da aristocracia da antiga nobreza grega. Os primeiros
princípios da formação homem omnilateral surgem no horizonte arcaico dessa
civilização. As primeiras ideias que irão surgir do homem omnilateral estão na epopeia
homérica, cuja prática desse processo se desenvolve e encaminha-se até o período
romano. A formação do homem contempla todos os aspectos que contemplam e que
integram a dimensão humana – a omnilateralidade. Werner Jaeger em Paideia esclarece:
“Na sua forma mais pura, é no conceito de areté que se concretiza o ideal de educação
dessa época.” 33
A reflexão do primeiro capítulo está norteada pelos acontecimentos
históricos que engendram a antiga realeza aristocrática grega e portanto, trata-se
exclusivamente de fatos que marcam de forma indelevel a educação dessa época. “A
educação era uma distinção de classe, somente os senhores proprietários de terras, os
nobres ou patrícios, tinham acesso e mantinham um eficiente sistema educacional
34
aristocrata.” Portanto, nasce da aristocracia e da nobreza helênica derivada dos

31
MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990, p.158.
32
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p. 428.
33
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.25.
34
NUNES. Cesar Aparecido. O pedotriba e a educação física antiga: o primeiro professor, a primeira
paideia, e o pecado original. In: Filosofia da Educação. Campinas, v. 1 n.1 p. 157 - 163, out. 2009.
Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/rfe> Acesso em maio de 2013. p.157.
32

castelos o sentido dessa educação, o ideal pedagógico não é o mesmo para todos e
continuará não sendo por séculos. “É fato fundamental da história da formação que toda
a cultura superior surge da diferenciação das classes sociais, que por sua vez se origina
35
da diferença natural de valor espiritual e corporal dos indivíduos.” Antes de adentrar
no contexto do período helenístico ou clássico, já na civilização romana, a reflexão do
capítulo concentra-se de modo especial no confronto entre a paideia sofística e a
socrática. Daí o surgimento das filosofias de Platão e de Aristóteles. Amarrados às
raízes educativas da aristocracia antiga e, em certo sentido, recolhendo e recompondo a
tradição da sofística e da socrática, esses dois pensadores respectivamente fundam suas
filosofias.
Finalmente, a reflexão do capítulo adentra no período helenístico na
intenção de esclarecer histórica e politicamente como as filosofias de Platão e
Aristóteles são reelaboradas, sobretudo, procura abordar o nascimento dos movimentos
filosóficos: estoicismo, epicurismo, ceticismo e ecletismo. Este período pode ser
traduzido a partir da decadência e declínio da pólis grega. Acentua-se no mundo
helenístico, o plano filosófico religioso, nesse tempo, os filósofos procuram unir-se os
elementos religiosos na vida do desenvolvimento do pensamento da Hélade. Podemos
dizer que os pensadores helenísticos apoderam das ideias religiosas e acrescentam ao
pitagorismo e ao próprio platonismo. A filosofia liberta-se do anonimato do mundo
político ateniense, essencialmente localizado para aventurar-se no mundo globalizado.

Da antiga cidade-estado, restava somente, na prática, a cidade


enquanto centro urbano, com alguma autonomia a nível local de
privilégios que poderiam ir além disso (com a isenção de impostos e o
direito de asilo), mas que só ocasionalmente eram concedidos pelo
monarca.36

O homem grego não é mais o cidadão da pólis, esse sentido desaparece.


A ética separa da política e vice versa. Essa nova dimensão é característica desse
período. Com o advento do cristianismo um novo processo pedagógico se inicia, visto
que as filosofias de Platão e de Aristóteles são conectadas a partir de outra perspectiva.
No período Alexandrino a filosofia se une a religião e ganha sua maior expressão: é o
momento de encontro entre gregos e cristãos. “A situação paralela dos filósofos gregos

35
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.24.
36
LEÃO, Ferreira Delfim. A globalização no mundo antigo. Do polites ao kosmolpolites. Coimbra:
Edição Impressa da Universidade de Coimbra - Coimbra University Press. 2012. p.30.
33

37
e dos missionários cristãos levou estes últimos a tirar partido dela.” O futuro do
cristianismo como instituição religiosa estava amarrado nisso. Platão e Aristóteles são
revestidos com uma armadura religiosa, ultrapassam o mundo medieval e chega até nós.
O segundo e terceiro capítulos respectivamente estão caracterizados por
uma investigação propriamente das concepções educativas nas filosofias de Platão e
Aristóteles. Esses dois capítulos refletem e revelam, em última instância, a íntima e
essencial relação entre filosofia e educação, ou seja, do conhecimento filosófico à
filosofia da educação. Resultado dessa articulação, a educação passa até então, a ter uma
conotação ética e uma expressão política. “No bojo desse novo período e identidade, a
filosofia tematizou racionalmente a educação e as possibilidades de educar o homem
38
para a vida na pólis segundo regras derivadas de sua natureza racional e política”.
Entendida como produto social e cultural do período clássico a educação não é senão
outra coisa uma filosofia da educação, afirma Cesar Nunes: “A paideia grega encerra a
primeira forma sistematizada de uma filosofia da educação.” 39 A filosofia, desde o seu
início, faz-se amiga inseparável da paideia e é impossível dizer de uma sem referenciar
a outra.
No segundo capítulo, em Platão, queremos analisar como ele teoriza a
educação centrada no Estado, pesquisar sua teoria política para entender o significado e
finalidade do seu viés político, quando elabora a teoria do rei-filósofo. Platão, desde sua
juventude, nutria pensamentos sobre a carreira política como veremos detalhadamente
na Carta Sétima. Porém, um acontecimento abrupto em sua vida o faz recuar, sendo que
esta atitude de recuo e abandono, o coloca num novo patamar: a carreira filosófica.
Tanto na obra, A República como em Leis e também em O Político, o filósofo direciona
a educação do governante. Da mesma forma que Aristóteles, Platão quer formar o
cidadão íntegro de modo que esse saiba governar e ser governado. Platão durante toda
sua vida esteve envolvido com questões políticas da pólis. Seus parentes são homens
públicos e participam do governo da pólis. Podemos dizer que nas veias desse filósofo
corre o sangue da política da pólis. Por exemplo: o maior e mais intensivo
acontecimento de sua vida está inteiramente relacionado com a política: Sócrates, seu
mestre, é convidado a beber cicuta por uma chantagem política. A morte de Sócrates é

37
JAEGER, Werner. op. cit. 1991. p.24.
38
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.71.
39
ibid. p.62
34

para Platão um convite ideal para pensar o sentido político de justiça que prevalece na
pólis.
No terceiro capítulo, em Aristóteles, nossa investigação centra-se nas
obras: Política e Ética a Nicômacos. Por um lado, não diferenciando da concepção
platônica, ele elabora um programa educativo também fazendo distinção entre os
indivíduos. Por outro lado, reconhece que sua pesquisa é distinta da de Platão.
Aristóteles investiga e examina seu objeto de estudo exaustivamente. Esta tarefa para
ele é demasiadamente árdua. Ele sabe que Platão conduziu a pesquisa por um caminho
diferente o da teoria das formas. O objeto de investigação é o mesmo, mas o ângulo de
observação é outro: lê-se em Ética a Nicômacos:

De qualquer modo talvez parece melhor, e de fato seria até uma


obrigação, especialmente para um filósofo, sacrificar até as relações
pessoais mais estreitas em defesa da verdade; efetivamente, ambas nos
são caras, mas o dever nos leva dar primazia à verdade. 40

Aristóteles é um grande estudioso, um pesquisador apaixonado pelas


coisas e causas humanas e, portanto, preocupa-se em estudar tudo o que lhe é possível.
O escopo de sua pesquisa visa entender a própria natureza humana. “A filosofia de
Aristóteles é um perpétuo esforço por reinstalar o inteligível no sensível [...].” 41 O seu
pensamento filosófico não se esgota no mundo sensível como poderia sugerir uma das
mais famosas pinturas do renacentista Rafael. Para ele o intelegível é insepável do
sensível. Sua ciência é uma ciência que quer traduzir as causas humanas, ou seja, quer
decifrar causas naturais. Aristóteles foi o primeiro a dividir os conhecimentos humanos
em distintas categorias. “E a natureza do homem normal fica mais próxima dos animais
do que de Deus.” 42 Ao pensar o sentido e a natureza das causas humanas Aristóteles se
aproxima da vida prática do homem vivendo na cidade. A preocupação central dele é
formar o homem virtuoso, formar o homem em sua racionalidade para que esse possa
ser capaz de viver em comunidade. A realização da cidade, ou mais precisamente da
pólis, depende exclusivamente do homem. Se o homem não se realiza, tampouco a
cidade se realiza. Essa é a missão aristotélica que propomos desvendar ao longo do
capítulo.

40
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 1096 a.
41
BERGSON, Henri. Curso sobre a filosofia Grega. Tradução. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p.120.
42
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.100.
35

No quarto e último capítulo a reflexão volta-se para pensar três realidades


inseparáveis e distintas, criadas e determindas historicamente pelo processo civilizatório
do mundo grego antigo, precisamente nos séculos V e VI a. C. São elas: a pólis,
entendida como horizonte educativo de política e de civilidade, na medida em que,
oferece possibilidade para formar o cidadão em sua omnilateralidade; a filosofia,
entendida como necessidade universal, cuja reflexão filosófica é um conhecimento
educativo por natureza; e a filosofia da educação, como criação original de Platão e de
Aristóteles.
A primeira parte investiga a origem e o universo espiritual da pólis.
Simônides, (556 – 468 a, C), um dos mais importantes autores de epigramas do período
arcaico da Grécia antiga, com sutileza lírica, escreveu um de seus mais belos epitáfios:
“A cidade é mestra do homem.” 43 Para o investigador português, Delfim Leão Ferreira,
do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, a
composição poética do […] grande cantor da resistência grega às invasões persas estava
também a sintetizar, com a sua reconhecida habilidade para construir frases lapidares, o
44
essencial da existência da Hélade, ao longo das épocas arcaica e clássica.” Entre os
séculos VIII e VII a. C., a Grécia criou e desenvolveu o sistema da pólis, a maior
invenção grega, “[…] por ela, a vida social e as relações entre os homens tomam uma
forma nova cuja originalidade é plenamente sentida peíticalos gregos.” 45
Numa segunda parte, o capítulo investiga o sentido da educação política
de Platão. Por seu turno, além da obra, República a origem da educação política, pode
ser encontrada também no pimeiro livro, em Leis. Platão descreve o sentido amplo da
educação, visto que essa começa na infância e tem como prioridade formar o jovem
para exercer na vida pública a virtude em conformidade com a justiça. A verdadeira
educação faz do homem um cidadão íntegro, éssa é a intenção platônica. Platão durante
toda sua vida esteve envolvido com questões políticas da pólis. Seus parentes são
homens públicos e participam do governo da pólis. Podemos dizer que nas veias desse
filósofo corre o sangue da política da pólis. Por exemplo: o maior e mais intensivo
acontecimento de sua vida está inteiramente relacionado com a política: Sócrates, seu
mestre, é convidado a beber cicuta por uma chantagem política. A morte de Sócrates é

43
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Antologia da cultura grega. 6ª ed. Coimbra: Imprenssa de
Coimbra, 1995. p.145.
44
ibid. p.15
45
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.53.
36

para Platão um convite ideal para pensar o sentido político de justiça que prevalece na
pólis. A partir destas circunstâncias, ele pensa a educação das crianças da pólis.
A terceira parte do capítulo estuda-se o viés da civilidade em Aristóteles,
que por sua vez, é determinado pelo conceito de felicidade. A felicidade, em Ética a
Nicômacos é para Aristóteles, a categoria máxima da investigação ética. É, portanto, o
ponto vital para a existência social do homem, sem ela, esse não se realiza. Atrelada a
essa, a civilidade é garantida na cidade naturalmente. Ao definir o homem como ser
gregário, Aristóteles reconhece o caráter de civilidade. Nossa investigação procura
teorizar como a cidade deve educar o cidadão. maior preocupação educativa desse
filósofo se concentra na pólis, que é para ele lugar onde o indivíduo pode e deve se
realizar, fora dela não, conforme foi dito anteriormente. Aristóteles é um incansável
estudioso da cidade, visto que pesquisa as finalidades e objetivos da existência dela.
Além disso, estudou as mais diversas constituições de sua época através de pesquisas
sobre leis e normas públicas. Seu objetivo educativo não é senão outra coisa fazer que a
plenitude da realização da cidade possa ser atingida.

Toda a cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as


primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza
de uma coisa é o seu estágio final, porquanto o que cada coisa é
quando o seu crescimento completa nos chamamos de natureza de
cada coisa, quer falamos de um homem, de um cavalo ou de uma
família. Mais ainda: o objetivo para o qual cada coisa foi criada – sua
finalidade – é o que há de melhor para ela, e a autossuficiência é uma
finalidade e o que há de melhor. 46

Em Ética a Eudemo, Aristóteles expressa que a felicidade é “[…], mais


47
formosa e a melhor de todas as coisas, é também a mais agradavel.” , portanto, é a
condição mais alta que o homem poderá alcançar, é a concretude da vida humana, o
ideal mais elevado e nobre, eis o sentido da civilidade. Portanto, na pólis, é possível a
realização das necessidades e das capacidades do ser humano. A felicidade a que se
refere Aristóteles não é a felicidade de homem que leva uma vida isolada, solitária, mas
a autosuficiência da felicidade que acontece na pólis. Por ser desejável por ela mesma a
felicidade não carece de outra coisa, senão dela própria.
Finalmente, o capítulo retrata as duas últimas partes: a filosofia e a
filosofia da educação. Investiga historicamente o nascimento e natureza da filosofia e a

46
ARISTÓTELES. Política. I, 1 1252 a.
47
ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. I, 1, 1214 a 5
37

filosofia da educação. A partir desse engendramento, sua originalidade e princípios aos


poucos vão se fazendo, o que não acontece de um dia para o outro; aos poucos, nesse
processo de fazimento, toma sua verdadeira forma. Evidentemente a filosofia em suas
raízes não está pronta, ela é resultado da sociedade que a engendra, portanto
subordinada a essa. Quem a inventa não o faz sem intencionalidades. Por isso, seus
métodos e práticas aos poucos vão se organizando. Sua forma autônoma será encontrada
posterior ao período de seu nascimento.
Antes de adentrar nas reflexões dos capítulos é importante afirmar, ao
ultrapassar seu período embrionário – período de sua criação alcança sua maturidade na
era helenística, atingindo sua forma plena e o seu ápice; a paideia grega conquista
Roma, por essa dominada, a cultura grega domina seus dominadores, e assim, chega até
nós.

Uma vez chegada à maturidade, a inércia própria aos fenômenos de


civilização (e particularmente aos fenômenos dependentes da rotina
pedagógica) conservar-lhe-á, sem mudanças importantes durante
longos séculos, a mesma estrutura e a mesma prática. Fora do mundo
grego, sua extensão a Roma, à Itália, ao Ocidente latinizado,
acarretará somente transposições e adaptações de importância
secundária. Contra toda expectativa, o mesmo ocorre, a princípio, com
um fenômeno tão perturbador quanto o da conversão do mundo
mediterrâneo ao Cristianismo. A decadência da civilização antiga só
se manifestará, no domínio da educação, por fenômenos de esclerose,
o que acentua ainda mais esta impressão de estabilidade. 48

Ao longo desse cenário, construído e determinado historicamente, a


nossa pesquisa pretende aclarar como as filosofias da educação de Platão e de
Aristóteles foram sendo criadas e como permaneceram intactos alguns de seus ideais.
Como não desvaneceram alguns de seus princípios educativos ao longo do tempo, e por
que permanecem seus pilares entre nós? Existe um elo que interliga e cruza o mundo de
Aquiles e o nosso? Como propor uma conexão formativa para pensar as nossas metas?
A formação do sentido da omnilateralidade se impõe, para nós, como uma tarefa
primeira. Eis o fio que nos direcionará.
Aos olhos da contemporaneidade, esse cenário denota, ao mesmo tempo,
estranheza e fascinação. Portanto, indagar a paideia grega é perguntar qual o sentido e a
finalidade da existência de um modelo educativo criado pelos gregos em sua

48
MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 6.
38

complexidade e historicidade, em suas contradições e ambiguidades. “E foi sob a forma


de paideia, de „cultura‟, que os Gregos consideraram a totalidade da sua obra criadora
49
em relação aos outros povos da Antiguidade de que forma herdeiros.” A paideia do
mundo grego é a casa do cidadão, é o lócus da construção da civilidade, ali, o cidadão é
político e o político é cidadão. O político é educado pela cidade e a cidade é o essencial
da vida do político. Franco Cambi, em História da Pedagogia, destaca, “[...] – a
experiência grega talvez constitua a matriz fundamental de uma identidade cultural
complexa relativa aos problemas de educação/formação.” 50
O processo da instituição da civilização humana ou, mais precisamente, o
caminho que a história tem percorrido para humanizar o homem, sempre foi marcado
por um caráter estranho, misterioso, obscuro e complexo, porém singular: nem sempre
calmo, nem sempre violento.

Por trás do nosso presente, como infraestrutura condicionante unitária


e dotada de sentido orgânico e permanente no tempo, opera a
modernidade. Por trás da modernidade, coloca-se a Idade Média, e por
trás desta a Idade Antiga; e, antes ainda, o Mediterrâneo como
encruzilhada de culturas, o Oriente como matriz de muitas formas
Ocidente, a grande revolução do Neolítico e o advento das sociedades
hidráulicas. A história é um organismo: o que está antes condiciona o
que vem depois; assim a partir do presente, da Contemporaneidade e
suas características, seus problemas, deve-se remontar para trás, bem
para trás até o limiar da civilização e reconstruir o caminho complexo,
não linear, articulado, colhendo ao mesmo tempo, seu processo e seu
sentido. 51

Por outro lado o homem é criador e criado pela História. Essa trilha
jamais se fez linear, determinadamente construída por desvios, por interrupções
abruptas, rupturas penetrantes. A formação do homem está situada no intervalo entre
passado e futuro; o tempo, em conformidade com o pensamento de Hannah Arendt, não
é “[...] um fluxo contínuo de ininterrupta sucessção; [...].” 52 Portanto, o homem se situa
nessa lacuna do tempo, “[...] cuja existência é conservada graças à „sua‟ luta constante,
53
à sua tomada de posição contra o passado e o futuro.” Nessa encruzilhada de
possibilidades humanas, evidentemente, o processo de criação não se faz sem

49
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.7.
50
CAMBI, Franco. op. cit. p.101.
51
ibid. p.37.
52
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 5ª ed. Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. São
Paulo: Perspectiva, 2002. p.37.
53
ibid. p.37.
39

irregularidades, sem bloqueios, sem intencionalidades. Identificando propriamente a


história do processo formativo, a questão da formação do homem omnilateral é a que
centraliza e norteia toda a nossa investigação, tendo em vista as filosofias de Platão e de
Aristóteles. Não existem soluções prontas e nem fórmulas mágicas.
Já passados quase dois séculos e meio, Friedrich Nietzsche escreveu:
“Quem entende sua vida apenas como um ponto de desenvolvimento de uma espécie ou
Estado ou de uma ciência e assim quer ser unicamente parte integrante da história, não
entendeu a lição lhe propõe a existência e tem de aprendê-la mais uma vez.” 54 É nesse
labirinto, portanto, que nossa investigação caminha.

54
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Considerações extemporâneas. In: Obras incompletas. p.3
40

CAPÍTULO I

CONTEXTO HISTÓRICO

Considerando que, enquanto cada animal é, por sua natureza, logo e sempre,
unilateralmente si mesmo (a pulga é logo e sempre pulga, o pássaro,
pássaro, e o cachorro, cachorro, seja qual for o destino que a breve vida lhe
(reserva), somente o homem quebrou os vínculos da unilateralidade natural
e inventou sua possibilidade, de tornar-se outro e melhor, e até unilateral;
considerando, outrossim, que na esta possibilidade, dada apenas pela vida
em sociedade foi até agora negada pela própria sociedade à maioria, ou
melhor, negada a todos em menor ou maior grau, o imperativo categórico da
educação do homem pode ser assim enunciado: Apesar de o homem lhe
parecer, por natureza, unilateral, eduque-o com todo empenho em qualquer
parte do mundo para que se torne onilateral.
Mario Alighiero Manacorda

1. 0 A metodologia do capítulo

O objetivo deste primeiro capítulo, como adianta o título, é investigar, na


conjuntura da história da educação da Grécia antiga, o sentido e a natureza da paideia
grega, identificando as concepções educativas em Platão (427 a. C. – 348 a. C.) e em
Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.).
A estrutura do capítulo está dividida em cinco tópicos. O primeiro deles
retrata historicamente as raízes do sentido da paideia no cenário da educação da Grécia
arcaica, até o advento da pólis. Previamente, investiga a origem do conceito da
formação do homem omnilateral. Essa primeira ideia da formação do homem completo
é apresentada a partir dos poemas e poesias de Homero (século IX a C.) e Hesíodo
(século VIII a. C.). Dois modelos educativos diametralmente opostos são analisados. O
primeiro nasce em Esparta: devido à sua cultura autoritária e conservadora, emerge uma
formação militar e guerreira; o segundo é gerado em Atenas, sendo propiciada por uma
cultura democrática, que leva a uma formação tipo artística. O advento da pólis coincide
com o nascimento da filosofia na região da Jônia e, a partir do século VI a. C., já
desatado o nó das questões religiosas, a escrita prevalece como o elemento
preponderante e circunstancial que propicia o pano de fundo da paideia grega.
41

O segundo tópico está direcionado para o período da paideia sofística. O


desenvolvimento começa com a distinção e oposição entre a paideia sofística e a
paideia de Sócrates. Propriamente no período da sofistica apresentamos as condições
históricas que fizeram surgir os primeiros princípios educativos das filosofias dos dois
referidos filósofos. A intenção aqui está em aclarar como esses pensadores recolhem da
tradição educativa anterior o processo pedagógico. Ao fazerem isso, eles, de certa
forma, redimensionam o processo educativo da vida da pólis. Logo, lançam as primeiras
sementes, - suas teses, suas filosofias da educação.
O terceiro tópico e quarto, respectivamente, apresentam o nascimento e
desenvolvimento das filosofias da educação de Platão e de Aristóteles. Nesse momento,
a investigação caminha, sobretudo, para entender os fundamentos históricos e teóricos
da concepção educativa dos filósofos, cujo período está fixado entre os séculos V e IV
a. C., respectivamente. Esta terceira parte do capítulo também está subdividida em dois
tópicos: o primeiro redimensiona o cenário educativo platônico e, o segundo desvela o
horizonte educativo aristotélico.
O último tópico tem início ainda no final do século IV a. C., retrata os
acontecimentos sobre o início, o desenvolvimento e a maturação da paideia grega.
Retrata, contudo o mundo helenístico. Em seguida, nossa reflexão encaminha-se para as
possíveis consequências desse fato educativo, cujas orientações finais do trabalho
desembocam já na civilização medieval – no século V d. C., quando o cristianismo
ganha força e a religião católica assume o poderio do mundo ocidental. Assim, a paideia
grega é substituída pela cristã e, nos transcursos posteriores, acaba cada vez mais por
perder seu caráter nobre, ao mesmo tempo em que conserva sua índole aristocrática. Se
o fio condutor que orienta nossos fundamentos e diretrizes está vinculado a formação do
homem omnilateral, a pergunta que traduz o objetivo deste capítulo pode ser assim
descrita: ao longo do horizonte histórico da Antiguidade grega, como situar a dimensão
da omnilateralidade nas filosofias da educação de Platão e de Aristóteles para pensar o
nosso contexto educativo contemporâneo?

1.1 Horizonte arcaico.


42

Na longínqua tradição grega da cultura arcaica, encontraremos as


primeiras notícias sobre a educação grega. A paideia platônica e a paideia aristotélica
brotam nesse solo. Suas raízes desentrelaçam do mundo mitológico e desmistificam
também do plano religioso, ao mesmo tempo, desarticulam do mundo físico pensado
pelos primeiros filósofos. Platão e Aristóteles, cada um ao seu modo e época, fundam o
sentido da educação e junto com os sofistas pensam um novo modelo de escola. Não se
confundindo com as várias histórias da educação do mundo da antiguidade, como do
Egito, da civilização babilônica, da China, Índia ou dos povos hebreus, a educação
clássica da Grécia antiga incorpora também em seu bojo inúmeros aspectos desses
processos. Por fugir ao escopo deste trabalho, não vamos entrar detalhadamente nesse
campo, mas desde já asseguramos que tal educação brota desse contexto mais amplo,
mesmo porque “Antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas
55
pertence por essência à comunidade.” e, portanto, não poderemos fugir a tais
características, pois o homem, em toda a sua história, cria e inventa cultura, e também
por ela é criado, isto é, ele é parte dela e ao mesmo tempo dela criador, assim a
educação é processo social e histórico e ao mesmo tempo é resultado, enquanto
resultante é a educação, “[...] consciência viva de uma norma que rege uma comunidade
humana, quer se trate da família, de uma classe, ou de uma profissão, quer se trate de
um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado.” 56 Dessa mesma forma,
também ele é criador e inventor da história e, portanto, a educação é parte da história, é
parte da cultura, é parte integrante da vida e da existência humana. O mundo da cultura,
o mundo da história e o mundo da educação são realidades que se integram e
complementam. O mundo de cada uma dessas realidades está em processo de
construção, não são realidades estáticas, prontas e acabadas. Em processo construtivo
complexo e amplo, aos poucos vai se desenvolvendo. Ao retratar especificamente, o
cenário educativo da cultura de um povo, conscientemente estamos retratando as
mudanças e as transformações ao longo das gerações.
O horizonte educativo grego do período arcaico que transparece nas
grandes obras de Homero e de Hesíodo é um horizonte formado por reis, guerreiros e
famílias nobres, é um horizonte marcado pela aristocracia guerreira. Com base nos
dizeres do próprio Platão, que sabe perfeitamente bem que, quando se trata de educação
antiga, o primeiro nome a ser lembrado é o de Homero, (VIII a. C.), o poeta admirado, o

55
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.4.
56
ibid.p.4.
43

educador dos povos helênicos. E isso ele reconhece, embora o critique. Sobre a
reprodução da imitação, Platão no terceiro livro da A República assevera contra ele e os
cantores de sua época, de acordo com ele, não existe dedicação por parte daqueles que
ensinam a imitação, : “[...] tanto Homero como os demais poetas procedem em suas
57
narrativas por imitação [...]” , ainda em conformidade com a leitura do terceiro livro
da obra de A República, Platão deixou evidente que a narração de toda a Odisséia,
Homero faz isso. A crítica que Platão faz é sobre o ensino, ou seja, sobre a forma de
ensinar. Bem sabemos que a Atenas da época de Platão é a época de transformações e
mudanças sociais. Também, no último livro da A República, Platão não se conforma
com a imitação. Não é tão simples entender a atitude platônica diante dos poetas. Na
verdade, Platão, em sua época, não expulsa os poetas, apenas, ele está tentando
estruturar o modelo educativo de Atenas. Sua intenção é desenvolver um processo
educativo onde os jovens aprendam conhecer o espírito de lucidez, de fulgor. A meta
pedagógica é fazer do guardião da pólis alguém de vista penetrante, que saiba distinguir
as aparências as representações da verdadeira realidade ideal.
As informações mais antigas sobre a educação são derivadas do período
arcaico da história de nossa civilização, advindas do oriente, no “[...] antigo reino de
Menfis [...]” 58, Mario Manacorda entende que o berço da instrução e da cultura, de fato,
começa no Egito. De lá, advém uma literatura sapiencial, cujo conteúdo educativo
59
retrata uma verdadeira “[...] escola de vida reservada às classes dominantes.” Este
início educativo revela mais do que nunca, a sabedoria prática A inculturação das
técnicas e habilidades profissionais e das habilidades políticas ligadas ao poder estão
sempre reservadas às castas dominantes. Isso, também significa dizer que, nas primeiras
escolas existentes, apenas os filhos dessas classes tinham o direito de frequentá-las.
Essa literatura sapiencial, ainda de acordo com o mesmo Mario Manacorda, “[...] data
60
da 3ª dinastia (século XXVII a. C.).” O conhecimento ou mais especificamente, o
saber educativo das primeiras civilizações denota um teor político e essencialmente
moral resultante da vida e dos costumes das classes dominantes. Seja no Egito, ou
qualquer civilização do oriente, os ensinamentos são sempre derivados de normas ou de
“[...] preceitos morais e comportamentais rigorosamente harmonizados com estruturas e

57
PLATÃO. República. 393 c.
58
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.23.
59
ibid. p.23.
60
ibid. p.23.
44

61
conveniências e estruturas sociais [...]”. O saber educativo egípcio revela algumas
características significativas como o teor político e moral, a arte de bem falar e,
sobretudo, a obediência ao comando, características que foram adotadas pelos povos
gregos. Assim, como Aristóteles, também Platão reconheceu a supremacia do Egito:
pela boca de Sócrates, no diálogo com o personagem Fedro, afirma ele:

Pois ouvi contar que, perto de Náucratis, no Egito, havia um daqueles


deuses antigos do lugar, cujo símbolo sagrado era a ave a que chamam
íbis. O nome dessa divindade era Theuth. Pois dizem que foi ele o
primeiro a descobrir a ciência do número e do cálculo, a geometria e a
astronomia, o jogo de damas e o dos dados e, sobretudo a escrita. 62

É importante ressaltar preliminarmente as palavras do tradutor de Ilíada,


sobre o valor das poesias de Homero, portanto, da questão homérica como tal, ele
reconhece que Homero, “[...] insistentemente promente a seus heróis a imortalidade que
63
lhes assegurava a arte divina.” Para além dessa importância fundamental, o tradutor
Carlos Alberto Nunes esclarece que as duas epopeias de Homero “[...] não fogem às
vicissitudes das produções congêneres, e que são muito condicionadas, demasiadamente
64
humanas.” O autor, nesse sentido, mais que afirmar sobre a beleza incondicional dos
versos dos poemas, mais que enumerar as inúmeras teorias do campo da filologia
clássica, quer tomar posição sobre um debate infindável.
Heródoto (484 – 425 a. C.), um dos primeiros e mais importantes
historiadores da antiguidade clássica, em seus estudos supõe que a época de Homero,
(século VIII a. C.) ou mesmo a de Hesíodo, (século VIII a. C.) não ultrapassa “[...] mais
65
de quatrocentos anos [...]” antes de sua era. O que podemos concluir é que, o
historiador Heródoto conjecturou que Homero teria vivido por volta de 850 a. C.
66
Perante isso, significa dizer que, a guerra de Tróia poderia ter acontecido bem antes
ainda; talvez, por volta dos anos 1250 anos antes de nossa era, tomando-se por base as
palavras de Tucídides:

61
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.23.
62
PLATÃO. Fedro. 274 c.-274 d.
63
HOMERO. op. cit. p.7.
64
ibid. p.8.
65
HERÓDOTO. História. Tradução do grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1988. p.106.
66
Bastante conhecida e reverenciada também em filmes épicos, a guerra de Tróia foi narrada por Homero,
no terceiro quartel do século V a. C., em Ilíada. Heródoto descreve ao seu modo, os acontecimentos que
antecedem a guerra dos dois continentes. Isto é, precisamente, entre dois povos: os gregos e os troianos,
resultando em lutas e mortes dos heróis gregos. Portanto, o processo formativo da civilização da Hélade,
está essencialmente amarrado às obras e feitos destes heróis.
45

Com efeito, apesar de ter vivido muito tempo depois da guerra de


Tróia, ele em parte alguma de suas obras usa tal denominação para
todos, ou mesmo para qualquer deles, exceto para os comandados de
Aquiles da Ftiótida, que foram de fato os primeiros helenos; em seus
poemas ele chama os demais de dânaos, argivos e aqueus.67

De acordo com os estudos de Moses Finey, tudo que os gregos clássicos


sabiam da história antiga, ou pensavam que sabiam, era, contudo, uma confusão de fatos
e de ficções. Homero, explica o helenista, “[…] o que conseguiu fazer foi estabelecer
uma espécie de sequência cronológica para dois séculos passados, aproximadamente da
68
metade do século VIII a. C., em diante.” Portanto, a educação arcaica não tem como
não iniciar em Homero, em certo sentido, ele vai narrar os princípios básicos – os
primeiros princípios dessa educação. Tucídides (460 - 400 a. C.) estuda cuidadosamente
a obra de Heródoto e, ao registrar os fatos que antecedem a maior guerra entre Atenas e
Esparta, recorre aos fundamentos teóricos de Heródoto. Não poderia ser diferente,
expressa Finley: “A partir do capítulo catorze ele trilha sobre bases firmes, estabelecidas
por Herótodo, com a indispensável ajuda de registros egípcios, persas, e outros [...] Mas
69
na primeira parte ele não tinha em que se basear a não ser em Homero.” A poesia
homérica é substrato integrante do processo educativo do período arcaico. Herótodo
esclarece os motivos que o fizeram passar em revista a história passada, expressa o
historiador:

Quanto a mim, não pretendo absolutamente decidir se as coisas se


passaram dessa ou de outra maneira; e depois de ter narrado o que
conheço sobre o primeiro autor das injúrias feitas aos Gregos,
prossigo minha história, na qual tratarei tanto dos pequenos Estados
como dos grandes. Os outrora florescentes, encontram-se hoje, na sua
maioria, em completa decadência, e os que florescem hoje, eram
outrora bem pouca coisa. Persuadido da instabilidade da ventura
humana, estou decidido a falar igualmente de uns e de outros. 70

Tucídides, Platão ou Aristóteles reconheceram a dimensão educativa que


desprendia da poesia homérica, jamais se mantiveram céticos quanto a isso.
Especificamente Platão que compreende, inicialmente, que a tradição educativa anterior
67
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Tradução e notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1982. p.3.
68
FINLEY I Moses. Uso e abuso da História. Tradução Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins
Fontes, 1989. Disponível em: http://casadopdf.blogspot.pt/2013/09/pdf-uso-e-abuso-da-historia-de-
moses.html Acesso em maio de 2014. p.11.
69
FINLEY I Moses. op. cit. p.11.
70
HERÓDOTO. op. cit. p.32.
46

é a mais completa e perfeita para as crianças e os jovens da pólis. Platão, pela boca de
Sócrates, num diálogo com Glauco, com um de seus interlocutores, explica que é
preciso, com crítica, recorrer à tradição anterior, sobretudo quando se fala de Homero e
de sua educação, já que esse é o educador de toda a Hélade.

Assim, Glauco, lhe falei, quando ouvires os admiradores de Homero


declarar que esse poeta foi o educador da Hélade e que é digno de ser
estudado no que entende com problemas da educação e das relações
humanas, e também que devemos viver de acordo com os seus
ensinamentos, precisarás acatá-los e beijá-los como a pessoas de
muito merecimento, e concordar que Homero não só é o poeta
máximo como o primeiro dos trágicos, porém não te esqueças de que
em matéria de poesia só devemos admitir na cidade hinos aos deuses e
elogios de varões prestantíssimos. 71

A origem dessa tradição e da cultura grega no Mediterrâneo, assim como


das demais civilizações que ali florescem, marca os anos 4000 e 3000 a. C. As primeiras
configurações da civilização grega aparecem por volta do terceiro milênio antes de
Cristo, ganha corpo, “[...] – a civilização cretense na Ilha de Creta, tecnicamente
evoluída (na arquitetura e na escrita), ligada aos cultos religiosos mediterrâneos,
72
governada por reis-sacerdotes; [...]” , edifica suas cidades independentes uma das
outras – uma espécie de pequenas nações. Creta é a maior ilha da Grécia. Situada ao sul
do mar Egeu, historicamente habitada desde os primórdios de nossa civilização.
Podemos dizer que, tanto Sólon (638 – 558 a. C,) – maior legislador da democracia
ateniense, como Licurgo, (Século VIII) – o simbólico genereal da pólis espartana, em
certo sentido, fundamentaram suas leis e costumes, a partir do remontar da civilização
minóica. A historiadora francesa Claude Mossé, especialaista em estudos da Grécia
antiga, da mesma escola de Jean-Pierre Vernant e Vidal Pierre-Naquet, afirmou: “As
73
mais antigas formas políticas conhecidas na Grécia remontam à época micênica.” Em
Ilíada, talvez a escrita cretense e sua decodificação tenham possíveis vínculos com os
versos do canto VI, como podemos ler na obra de Homero:

A essas palavras, o rei foi tomado de cólera ingente. Não quis da vida
privá-lo, por ter, em verdade, receio; mas para a Lícia o enviou, tendo
escrito uns sinais mui funestos em tábuas fechadas, que ao sogro

71
PLATÃO. República. 606 e.
72
CAMBI, Franco. op.cit. 1999. p.75.
73
MOSSÉ Claude. As instituições gregas. Tradução de Antônio Manuel Dias Diogo. Lisboa: Edições
70, 1985. p.9.
47

mandou que entregasse para que viesse a morrer, visto morte nos
sinais inculcarem. 74

Depois de mais de três milênios, esses sinais funestos nos poemas


homéricos, despertaram a atenção dos estudos arqueológicos dos pesquisadores
modernos. Foram encontradas tabuinhas pertencentes supostamente aos povos
micênicos, com caracteres de uma determinada linguagem. Sobre isso, também
esclareceremos posteriormente com os estudos de Jean-Pierre Vernant. Também em
Creta, situa-se Cnossos – antiga cidade, provável centro de cultura da civilização
minóica. Precisamente, no século XIX, o arqueólogo britânco, Arthur Evans, (1851 -
1941), a partir de suas escavações, redirecionou o olhar sobre o horizonte das origens
gregas.
A ilha supera o continente. O palácio de Minos, Teseu, Ariadne, o
labirinto, Egeu, e tantos outros mitos, são figuras que ganham determinantes no
processo de comunicação e de construção identitária dos povos helenos. Na mitologia,
Teseu é sem dúvida um defensor da igualadade e da democracia. O investigador
português José Ribeiro Ferreira, escreve em sua obra: “Teseu critica na tirania a
inexistência de leis comuns e válidas para todos (nomoi koinoi) e a falta de igualdade
75
(ison) [...].” Podemos perceber aqui, que o processo da vida social dos povos da
Hélade, são menos rígidos, portanto, tende a democracia. Por outro viés, os tradutores,
Delfim Ferreira e Maria do Céu Fialho das Vidas Paralelas Teseu e Rômulo, de
Plurtarco, (45 – 120 d. C.) explicam que o sentido “[…] da expansão da aceitação do
herói por espaço helênico decorre de uma singular genealogia e origem geográfica de
caráter mítico.” 76 Está na Suiça a mais remota reprodução da batalha entre o héroi e o
monstro do Labirinto especificamente “[…] encontra-se na efornamentação pictória de
uma anfora cicládica da primeira metade do séc. VII a. Censor da soberania do demos e
um arauto de Tebas que se encontra no museu de Basiléia.” 77
Ainda sobre essa civilização, Platão, em sua obra Leis, exatamente no
terceiro livro, passa em revisão a história antiga de seu povo atrelando-a um exame

74
HOMERO. op. cit. p.168
75
FERREIRA, José Ribeiro. Participação e poder na democracia grega. Coimbra: Gabinete de
Publicações do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 1990. (Coleção Estudos 13). p.29.
76
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas - Teseu e Romulo. Tradução do Grego, Introdução e Notas.
Delfim Ferreira Leão e Maria do Céu Fialho. Coimbra: CECH/FL/UC, 2008. (Coleção Autores Gregos e
Latinos Série Textos). p.22.
77
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas - Teseu e Romulo. op. cit. p.22.
48

aprofundado da história dos homens primitivos. Quer ele saber “[…] quando
começaram as cidades a aparecer e, além disso, no momento em que os homens aí
começaram a viver em comunidade de cidadãos […].” 78 Destaca contudo, a catástrofe
e a civilização propriamente dita, isto é, as primieras comunidades humanas, enfatiza
entretanto, o […] Dilúvio como cataclismo universal e primordial que então delimita a
história da evolução da humanidade. “[…]: os sobreviventes do Dilúvio são os óbvios
79
iniciadores de um processo civilizacional e político.” Assim, nessa perspectiva da
catástrofe, Platão, coloca na boca dos personagens Clínias e Estrangeiro, o diálogo
sobre o desaparecimento e a redescoberta das inúmeras atividades humanas que
propiciam a fundação de cidades: o domínio da arte, da arquitetura, da política da escrita
da música e, de tantos outros campos do conhecimento. Na obra, o personagem
Estrangeiro confirma ao seu interlocutor Clínias:

Fica, então, por considerar o fato de terem estas mesmas invenções


aparetemente escapado aos homens primitivos […] uma delas
revelada a Dédalo, outra a Orfeu, outra, a Palamedes. A técnica
musical terá sido revelada a Mársias e a Olimpo, a arte da lira, a
Anfion, para alem de tantas outras invenções reveladas a tantos
outros; tudo isso tendo acontecido a muitos anos. 80

Por sua vez, Creta exerceu sem dúvida um fascínio na tradição, nos
costumes, nas leis, nas artes, na música, na arquitetura, na educação, na cultura grega,
logo, na história dessa civilização. É importante e imprescindível sublinhar a questão da
mulher na civilização cretense. Em República, Platão, em nossas análises no segundo
capítulo enfatiza boa parte de suas reflexões sobre a educação da mulher em sua época.
Mais do que qualquer outra civilização antiga, em certo sentido, podemos dizer que as
mulheres cretenses desfrutavam de muitos privilégios nessa sociedade, como veremos
posteriormente no segundo capítulo, a educação das mulheres não deverá ser
diferenciada em relação a dos homens, ou seja, deve ser semelhante a educação
masculina.
Em Política, Aristóteles faz menção ao poderio do lendário e famoso rei
de Creta, os espartanos, conforme afirma o Estagirita, redigiram suas leis, normas e
princípios tendo em vista a constituição de Creta, expressa ele: “[...] a maior parte foi

78
PLATÃO. Leis. 676 b.
79
N.T. ibid. p.45.
80
PLATÃO. Leis. 667 d.
49

81
copiada da cretense.” Situada ao longo da região do Mediterrâneo no sudeste da
Europa, limitando-se aos continentes da África e Ásia, esses primeiros habitantes se
espalham por toda a região da Hélade, aglomerando-se e afiliando-se em pequenas
partes de terras. Nessa região, vão construir as cidades, assim, como conhecemos: a
cidade-Estado, a pólis, “[...] Festo, Mália e Cnossos, sua primeira civilização palaciana
(2000 – 1700) [...].” 82 Tanto nas ilhas como no continente, as primeiras cidades sempre
foram construídas afastadas e distantes do mar para evitar a pilhagem ou a pirataria.
Sobre isso, é o historiador grego Tucídides (460 – 455 a. C.) que nos relata; também em
sua época, o seu povo já tinha o costume e a prática da pirataria, expressa ele: “[...] até
hoje em muitas partes da Hélade, isto ainda ocorre [...] Assim, o costume daqueles
povos continentais de portar armas é uma sobrevivência de seus antigos hábitos de
pilhagem.” 83 Da mesma forma que os povos bárbaros, os helênicos intensificaram suas
naus, o comercio marítimo passa a ser a fonte de sua economia.“Quer tenham descido
dos Bálcãs, quer tenham vindo das planícies da Rússia do sul, esses antepassados do
homem grego pertencem a povos indo-europeus, que já diferenciados pela língua, falam
84
um dialeto grego arcaico.” Por volta de 1600 a. C., a cidade de Micenas vai roubar a
cena, “[...] – a esplêndida civilização cretense foi subjugada por Micene, cidade da
Argólida que vinha exercendo uma supremacia na região e cujos traços aparecem nos
poemas homéricos: a estirpe dos aqueus, [...]”. 85 Em 1200 a. C., a civilização micênica
caiu bruscamente sob ímpeto poderio dos povos dóricos, de acordo com os estudos de
Vernant; assim, é abolida definitivamente a figura do rei. Embora rivalizando
constantemente, os povos dóricos e aqueus se misturam, posteriormente vão formar as
duas estirpes do povo helênico.

Quando no século XII antes de nossa era o poder micênico desaba sob
o ímpeto das tribos dóricas que irrompem na Grécia continental, não é
uma simples dinastia a sucumbir no incêndio que assola
alternadamente Pilos e Micenas, é um tipo de realeza que se encontra
para sempre destruída, toda uma forma de vida social, centralizada em
torno do palácio, que é definitivamente abolida, um personagem, o
Rei divino, que desaparece do horizonte grego. 86

81
ARISTÓTELES. Político. II, 7, 1272 a.
82
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.15
83
TUCÍDIDES. op. cit. p.21.
84
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.16
85
CAMBI, Franco. op. cit. p.75.
86
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.12.
50

Não mais o poder está no palácio, a dimensão mítica e religiosa


desaparece, no entanto, surge uma nova trilha. As consequências da queda do poder
micênico suplanta amplamente as consequências na vida política e social da cultura
grega. A partir de então, não mais o rei decide sobre a trajetória existencial da vida dos
súditos. O princípio de igualdade – isonomia, aparece no horizonte de Hérodoto. Antes
de Dario (550 – 486 a. C.) rei da Pérsia – antiga Aquemênida, governar boa parte do
mundo arcaico, Herótodo, nos relata a famosa dicussão sobre como governar. Três
homens da nobreza persa, um destes, é Dario, que na ocasião, discute com Otanes e
Megabises – personagens de Herótodo no terceiro livro, Tália. Os três são concorrentes
ao trono da Persia. E, três são as formas de governo apresentada: monarquia, oligarquia
e democracia. O termo isonomia – princípio de igualdade aparece claramente no texto
de Herótodo, é Otanes que sugere, o governo do Estado não deve ser administrado por
um só homem.

Então, Otanes, que desejava ardentemente estabelecer a


isonomia, vendo seu parecer rejeitado ergueu-se no meio da
assembléia e falou assim: „Persas‟, já que é preciso que um de
nós se torne rei; que a sorte ou o sufrágio da nação coloque um
de nós no trono; […]. 87

O restante da história já conhecemos, Dario foi proclamado rei de todos


os povos da Ásia, do ponto de vista político seu projeto mais ambicioso foi ter dividido
o reino em vinte Estados, que os persas denominavam satrapias Em relaçãos aos
estudos de Pierre Vernant, a derrocada do trono repercutiu substancialmente na vida do
homem grego, transformando a estrutura do seu universo pessoal, portanto, modificando
suas atitudes comportamentais. Daí, o aparecimento da pólis e junto com ela o
nascimento de uma nova educação.
Com o desaparecimento da figura do rei, isto é, do poder do sistema
micênico, a nova trilha histórica, por um período de quatrocentos anos, tende, em certo
sentido, a “[...] preparar, ao termo do longo, do sombrio período de isolamento e de
reconsideração dos fatos que se chama a Idade Media grega, uma dupla e solidária
88
renovação: a instituição da Cidade, o nascimento de um pensamento racional.”
Denominada também Idade das Trevas por falta de esclarecimento histórico. Para o
helenista Moses I Finley, esse período pode ter sido um período iletrado e retrógrado em

87
HERÓDOTO. op. cit. p.268
88
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.15
51

muitos aspectos, porém, jamais neutro de vida cultural: os poemas de Homero trazem
informações dessa riqueza cultural, o próprio fato de a “[...] de a escrita ter surgido de
novo na Grécia, sob a forma de um alfabeto fonético maravilhosamente flexível alterou
radicalmente o quadro.” 89
Do ponto de vista cronológico os problemas referentes às origens do
pensamento helênico são explicados pelo historiador e antropólogo francês, Jean-Pierre
Vernant, de acordo com ele, quando Creta constrói sua primeira civilização palaciana
sua cultura, ainda está orientada para as demais civilizações do oriente próximo, o
quadro só modifica com a leitura e interpretação dos poemas de Homero. A data que
marca o início da poesia arcaica está situada por volta dos anos 776 a.C., data essa,
tradicionalmente relacionada com os primeiros Jogos Olímpicos e reconhecida em
grande parte pelos estudiosos.
Neste período, as primeiras cidades são construídas ao longo do mar
Egeu, a península grega é povoada. De acordo com os estudos de Jean Pierre-Vernannt,
a civilização grega se reconhece num estilo de organização social distintamente dos
povos bárbaros. As margens do Mediterrâneo não separa o ocidente do oriente.
Geograficamente, podemos afirmar foi neste espaço, que nasceram originariamente o
que entendemos como, cidade-Estado. Expressa mais uma vez, Jean-Pierre Vernant.
90
“Com a decifração do linear B micênico, a data dos primeiros textos gregos de que
91
dispomos recuou meio milênio.” Com isso, o mais antigo mundo grego está longe de
ser o milagre. Também a especialista no mundo grego antigo, Claude Mossé, afirma:
“Com efeito, em certas regiões do mundo grego, exitia por volta de sec. XV, um tipo de
Estado que tinha por centro mais do que uma cidade, uma fortaleza, um palácio.” 92
Nesse contexto histórico não existe ainda a cidade tal qual conhecemos: a
pólis clássica. Até então, os homens livres eram constituídos, por um lado, de guerreiros
– soldados, de artesãos – trabalhadores do palácio e finalmente dos camponeses; por

89
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.18.
90
A expressão linear B utilizada por Jean-Pierre Vernant significa escrita silábica. Podemos dizer que é
uma espécie de escrita utilizada pelos antigos povos gregos – micênicos, entre os séculos, XV e XII a. C.
A linear B foi decifrada pela arqueologia moderna como uma espécie de grafia silábica. Derivada
provavelmente da linear A (escrita ainda não decifrada pelos arqueólogos), utilizada pelos povos
cretenses entre os séculos XVIII a XIV a C. A escrita linear B foi encontrada talhada em algumas
tabuinhas de argila e vaso nos castelos das cidades de Cnossos, Pilos e Micenas. Sobre essa grafia antiga,
Moses Finley, revela que, com “[...] a decifração recente da sua escrita silábica denominada linear B –
provou que pelo menos nos palácios, a sua língua era uma forma arcaica do grego.” In: FINLEY. Moses.
I. op. cit. 1963. p.13.
91
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.11.
92
MOSSÉ Claude. op. cit. p.9.
52

outro lado, os escravos – os não-livres. Os homens não-livres representavam a maior


parte da população; eles constituiam na verdade, a grande massa totalmente
desqualificada, sem rumo e sem identidade, sem nada – sem escola e sem educação. Do
ponto de vista social, a aristocracia é o elemento hegemônico nessa primeira arcaica
civilização. Por sua vez, é a família o centro das decisões dessa organização social. Para
Ciro Flamarion, não há sinais nos escritos dos antigos poetas sobre propriedades
93
coletivas, “O genos era invariavelmente só aristocrático [...]” A cidade não estava
pronta de acordo com o modelo clássico. O que existe conforme os estudos de Ciro
Flamarion, ainda é um ajuntamento de pessoas advindas das regiões urbanas, ali, “[...],
num descampado (ágora) reunia-se a população para escutar, sem direito a intervir, os
debates dos aristocratas, chamados de „reis‟[...].” 94 Dali, sem dúvida, encontraremos as
primeiras marcas e registros de uma civilização diferenciada. Os detalhes civilizatórios,
marcam contudo, o lume de uma civilização de engenheiros e construtores, expressa
Jean-Pierre Vernant, é possível vislumbrar […] aí a obra de uma mesma escola de
arquitetos, pintores e afresquistas. 95 Fortemente caracterizadas pelo contexto religioso e
pela forma mítica presente nos poemas homéricos e nas poesias de Hesíodo (século VIII
a. C.), podemos encontrar as primeiras raízes da educação clássica da Grécia antiga,
raízes essas que Platão e Aristóteles recolhem para compor posteriormente suas
filosofias da educação. Para compreender os albores dessa história e dessas raízes, “A
melhor evidência disso é Homero.” 96; confirma o historiador ateniense Tucídides (460 -
400 a. C.).
Contemporaneamente, os estudos de Franco Cambi evidenciam que o
depoimento mais claro e nítido dessa unidade poética ou, mais precisamente, dessa
unidade espiritual são na verdade os dois poemas de Homero, tanto Ilíada como
Odisséia. A primeira unidade poética desse testemunho “[...] narra os eventos da guerra
de Tróia, a vitória dos aqueus e a constituição, nesse fracionário e dividido, povo de
97
uma consciência comum, histórico-mítica e étnica, [...]” ; A segunda unidade poética
está em Odisseia, nela é contada a viagem de Ulisses a Ítaca: “[...] nessas páginas estão
refletidas as práxis econômicas e sociais, crenças religiosas e as regras do poder, as
próprias práticas culturais ligadas à oralidade, [...] fixadas por escrito entre o fim do

93
CARDOSO, Ciro Flamarion S. A Cidade-Estado antiga. 2ª ed. São Paulo: Ática. 1987. p. 20.
94
ibid. p.19.
95
VERNANT, Jean-Pierre. op.cit. p.13
96
TUCÍDIDES. op. cit. p.20.
97
CAMBI, Franco. op. cit. p.76.
53

98
século IX e o início do VII”. Distintas pelo gênero literário, essas duas obras
compõem todo o processo pedagógico da escola arcaica grega.
Especificamente em Ilíada é retratada a formação de um jovem guerreiro
– Aquiles. Ao retomar o processo pedagógico do jovem herói, quer elucidar como
exemplo primordial a formação omnilateral e, portanto, a formação de Aquiles “[...] se
delineia como uma educação prática, que une „língua‟ e „mão‟ e versa sobre o cuidado
do corpo, mas não exclui a oratória, guiada pelo centauro Quirão”.99 O desempenho, o
contorno ou o modelo desse educador é centralizado na figura mítica de Quíron, e o
modelo de homem a ser seguido e imitado é o de Aquiles. Essas primeiras figuras
direcionam e centralizam o processo educativo da educação arcaica da Grécia. Quíron
não só forma Aquiles, mas também outros heróis daquela civilização. Outra figura
significativa, e menos mítica, é a do educador Fênix. Tanto Quíron como Fênix educam
e formam Aquiles. No canto nono em Ilíada, encontramos a passagem que narra a
instrução do jovem Aquiles pelo educador Fênix.

Ninguém mais ao teu lado querias, tanto como hospede, fora, ou à


mesa, nos nossos banquetes, té, que em meus joelhos, alfim, te
pusesse, e cortasse os assados em pedacinhos, com o que te saciasses
e vinho de desse. [...] Considerando que os deuses um filho me
haviam negado, como se um filho me fosses, Aquiles divino criei-te,
para que um dia amparar-me pudesses da ruína e do opróbrio. 100

Essas primeiras configurações se exprimem na forma mítica e também


sapiencial marcadas pela sabedoria de vida dos gregos, proveniente, sobretudo dos
poemas e dos cantos desses poetas. De modo especial nas epopéias de Homero, que, de
acordo com Werner Jaeger, será preciso considerá-las ao mesmo tempo como “[...] a
fonte histórica da vida daqueles dias e a expressão poética imutável dos seus ideais.”101
Assim, aquele ideal contido no antigo conceito de paideia deve ser extraído para formar
o próprio mundo aristocrático e, desse, “ [...] inquirir como o ideal de Homem ganha
forma nos poemas homéricos e como a sua estreita esfera de validade originária se
alarga e se converte em força de formação de muito maior amplitude.” 102 Nesse mundo
épico de Homero, a educação é conferida nos palácios reais ou, ainda, nas casas dos
nobres, até mesmo nos ginásios, onde os jovens dessa classe, filhos da elite helênica,
98
CAMBI, Franco. op. cit. p.76.
99
ibid. p. 76.
100
HOMERO. op. cit. p.227.
101
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.25.
102
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.26.
54

recebem a instrução e a formação educativa de seus preceptores, mais especificamente,


do pedotriba, do instrutor musical e dos gramáticos. Aprendem a cortesia e a delicadeza
dos bons costumes e aprendem, ao mesmo tempo, a arte das armas e as artes musicais.
Mais uma vez, Tucídides nos relata os costumes da época, expressa ele: “Os
lacedemônios foram também os primeiros a despir-se e, após tirar a roupa em público
103
untar-se com óleo o corpo quando iam participar de exercícios físicos [...].” É
cantando os versos das poesias e dos poemas que as crianças e os jovens aprendem; a
técnica da memorização é o costume da época. Até então, a escrita não é um ramo da
aprendizagem, portanto, do conhecimento. Essa pertence ao escriba, uma espécie de
profissional destinado aos trabalhos do palácio cuja finalidade era contabilizar toda a
administração do reino. Não obstante, a técnica do escriba, podemos encontrar no
sistema educacional arcaico, integralmente documentadas, a própria aculturação –
moral, religiosa e social. Juntamente com essas, também as técnicas e o domínio das
artes do fazer e do dizer.

As „palavras‟ e as „ações‟ de Homero e de Fênix reaparecerão na


Grécia histórica como educação através da „musica‟ (mousiké) e da
„ginástica‟(gymnastiké): por música entende-se a aculturação ao
patrimônio ideal, transmitido através dos hinos religiosos e militares,
cantados em coro pelos jovens (naquele tempo não havia transmissão
escrita, portanto o verso cantado era necessário para a memória e a
prática coral para a sociabilidade), e por ginástica entende-se a
preparação do guerreiro. É assim que as encontraremos definidas
várias vezes em Platão. 104

O processo pedagógico dessa educação tem como finalidade formar o


herói, o guerreiro, para falar e para agir, o que na verdade assegura a hegemonia política
da vida arcaica. Seus traços fundamentais baseiam-se nos conceitos de honra, valor,
bravura, virilidade, de beleza e de sedução. Essa educação está impregnada de uma
cultura nascida e desenvolvida no seio da aristocracia de guerreiros ou mais
precisamente, naquilo que Henri-Marrou enfatizou, o “[...] clube de homens [...]”.105 É
preciso esclarecer aqui, que apesar de a efebia se constituir como espaço masculino,
(andron) não podemos afirmar que as mulheres estivessem ausentes. Aqui, o amor
grego se aflora numa perspectiva caracterizada por uma moral pederástica. Concluindo
a idade apropriada, o jovem ou, na etimologia grega, o efebo, era conduzido ao clube

103
TUCÍDIDES. op. cit. p.21.
104
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.64.
105
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. p.54.
55

dos homens. A efebia grega consistia numa espécie de instrução militar, de acordo com
os esclarecimentos do investigador português Delfin Ferreira Leão, a efebia pode ser
106
descrita como “[...] um treino obrigatório de dois anos de serviço nacional.” Em
conformidade com a constituição ateniense, em Assembleia eram escolhidos dois
pedotribas e outros instrutores que ensinavam os jovens a combater como hoplitas. No
primeiro ano, os ensinamentos eram diversos, como a prática do arco, a prática do
lançamento de dardo, os disparos da catapulta – uma espécie instrumento para lançar
pedras nas muralhas, como, tantas e tantas vezes, retradados em filmes épicos. No
segundo ano, os jovens eram levados ao teatro para fazer apresentação pública, “[...] de
manobras militares diante do povo, e depois de receberam do Estado um escudo e uma
lança, patrulham o país e estanciam junto das guarnições.” 107 Após esses dois anos, eles
são recebidos na cidade. Tendo finalizado o tempo da lua de mel, expressa Henri
Marrou, o efebo, “[...] era solenemente festejado; entre outros presentes, recebia uma
armadura, oferecida pelo amante, de quem se tornava então o παπα
108
είρescudeiro. ” Uma vez ali admitido, o novo escudeiro poderia ocupar seu lugar
de honra nessa aristocracia. Esse tipo de costume educativo era exercido na educação
grega arcaica e é detalhadamente interpretado pela filosofia platônica em O Banquete.
Sobre o sentido da efebia platônica nessa obra, Michael Foucault, esclarece:

Em Platão se encontra o tema de que é à alma dos rapazes, mais do


que ao corpo que o amor deve se dirigir. [...] Ele fundamenta, com
efeito, não sobre a dignidade do rapaz amado e o respeito que lhe se
deve, mas sobre o que, é próprio do amante, determina o ser e a forma
do seu amor (seu desejo de imortalidade, sua aspiração ao belo em sua
pureza, a reminiscência do que viu acima do céu). [...] ele não traça
uma linha de demarcação nítida, definitiva e intransponível o mau a
mor do corpo e o belo amor da alma; por mais desvalorizada, por mais
inferior que seja a relação com o corpo, quando comparada com esse
movimento para o belo, por mais perigosa que possa ser, posto que ela
pode desviar e estancar esse movimento, ela não é por isso excluída
nem condenada para sempre. 109

A estrutura formativa da educação dos guerreiros baseia-se na


naturalidade da atividade sexual. Ora, o espírito dos jovens guerreiros é caracterizado

106
N.T. In: ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.5.
107
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. p.89.
108
ibid.1990. p.54.
109
FOUCAUT. Michael. História da sexualidade II. O uso dos prazeres. Tradução de Maria Tereza da
Costa de Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. São Paulo: Edições Graal,
1984. p.299.
56

pela luta, pelo sacrifício, pela honra mas, sobretudo, pela beleza e pelo prazer de amar e
ser amado. Os prazeres da atividade sexual fazem parte da naturalidade e dos costumes
da prática formativa do corpo, não representam uma ideia de bem ou de mal como
concebemos posteriormente. Portanto, tal estrutura irá inspirar toda a tradição posterior:
“Pois estes heróis homéricos não são combatentes selvagens, guerreiros pré-históricos,
como se compraziam em imaginá-los nossos predecessores românticos: em certo
sentido, são cavalheiros.” 110
Heródoto nos relata que, no governo de Sólon (638 -558 a.C.), aconteceu
um fato extraordinário sobre esses guerreiros-atletas. Estando em viagem pelo Egito,
Sólon encontrou com o rei da Lídia – antiga região da Ásia menor. Após ter conhecido
o palácio, os tesouros e as riquezas do rei egípcio, uma disputa ficou no ar. Quem seria
o mais feliz dos homens? O conceito de felicidade estava sendo debatido. Heródoto,
pela boca de Sólon teria dito ao rei: “[...] É o ateniense Telos rei. [...]”. 111 Uma vez que,
a cidade de Telos prosperava em tudo. Seus filhos eram belos, sadios e fortes, eram bem
formados, logo, bem educados. Sua cidade era sólida em riquezas, nada ali faltava.
Telos terminou sua vida estando em batalha, porém, derrotou todos os seus inimigos.
Aclamado e louvado por todos, teve um funeral apropriado. O rei da Lídia estava muito
intrigado. Quem então poderia ser o segundo homem mais feliz? Para despertar ainda
112
mais a curiosidade do rei, novamente “[...] Sólon respondeu: Clêobis e Bíton [...]”
Esses, eram argivos, além da fortuna que tinham eram belos, fortes, vigorosos,
vencedores de competições atléticas; portanto, educados no corpo e na alma. O final da
história Heródoto expressa:

[...] havia uma festa de Hera entre os argivos, e era imprescindível que
sua mãe fosse levada ao tempo por uma parelha de bois; mas os bois
não chegaram a tempo do campo e os jovens, premidos pela escassez
de tempo, atrelaram-se ao jugo e puxaram o carro em que sua mãe
estava sentada; eles puxaram ao longo de quarenta e cinco estádios até
chegarem ao templo. Isto feito, e sob as vistas da multidão presente,
eles tiveram o mais belo dos fins, e o deus mostrou através deles até
que ponto a morte pode ser melhor do que a vida para o homem: [...]
Clêobis e Bíton, que haviam lhe proporcionado aquela grande honra
[...] Então os argivos fizeram e consagraram em Delfos estátuas aos
dois, por haverem demonstrado a sua excelência.113

110
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.20.
111
HERÓDOTO. op. cit. p.27
112
ibid. p.27
113
HERÓDOTO. op. cit. p.27-28
57

Mas, como entender essa educação heróica, cavalheiresca e ao mesmo


tempo trágica, carregada de paixões, de violência, de mortes? Quem são os seus
educadores? Mario Manacorda nos alerta para essa questão imbricada: “Estes
educadores arcaicos têm em comum algo de estranho: são pessoas que mataram ou
tentaram matar e, por isso, tiveram que fugir de suas terras e procurar hospitalidade em
114
outro lugar.” Esses educadores são, até então, os pedagogos dessa civilização. Em
grande parte, esse estranho ideal é uma questão comum partilhada em grande parte nas
primeiras civilizações antigas. Conforme a explicação desse mesmo autor, atrás dessas
atitudes esconde-se uma decisão divina. “Mas, como sempre, atrás do educador humano
esconde-se o educador divino: atrás dos levitas, Javé; atrás de Fênix, Pátroclo e Quíron,
115
os deuses, Zeus; Posêidon e Mercúrio.” Porém, essa dimensão educativa apreendida
a partir da cultura aristocrática, fundada na honra e no mundo da nobreza, expressa o
mundo de um grupo que se distingue pelos laços de sangue, pela genealogia familiar e
também, sobretudo, pelas divindades. A honra, a altivez, a coragem, o elogio, a força, a
destreza e a virilidade a beleza e a sedução eram conceitos vinculados à ideia de areté, o
escravo não tem areté, somente os homens livres a possuem, é um atributo dos homens
nobres.
Quanto aos educadores dessa escola, são conferencistas, palestrantes
vindos de longe. Assemelhando-se a atual profissão do professor de pedagogia
contemporâneo, o ofício de ensinar na época antiga era uma atividade custosa e
emperrada. Considerando vinte cinco mil anos que nos separa em distancia e em
condições, podemos afirmar que a trajetória histórica dessa profissão perpetua esse
sentido. Em primeiro lugar, essa atividade não era bem vinda aos olhos dos homens
livres, mesmo porque, aos escravos pertencia o trabalho. Acima de qualquer outra
coisa, era uma profissão relegada à marginalidade e vulgarizada nessa sociedade; era
uma atividade indigna, ora escravo, ora estrangeiro, porém, nunca um homem livre vai
assumir essa função, não é coisa digna de um cidadão livre. Isso é estranho aos nossos
olhos quando descartamos os ideais e as inspirações que movem as finalidades daquela
civilização.
Sabemos das distinções e particularidades educativas da poleis,
atenienses, os processos pedagógicos são diferenciados, no entanto, é importante situar
preliminarmente, os aspectos gerais dos professores dessa escola. Três são os tipos de

114
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.61.
115
ibid. p.61.
58

educadores que vamos encontrar: o pedotriba, o citarista e o gramático. O primeiro e


mais importante de todos era o mestre de educação física, ou o treinador de meninos. O
professor de ginástica sabia muito bem da importância dessa prática. A ginástica era até
então considerada uma verdadeira arte, ao mesmo tempo em que contribuía para a saúde
do aluno, era também uma atividade que visava a formação estética e, portanto esse
116
educador era “[...] uma espécie de instrutor de atividades marciais e militares.” O
Pedotriba ensinava os esportes: a equitação, corrida de bigas, corrida a pé, lançamento
dos dardos e de discos, saltos em extensão, boxe, luta livre e as lutas mais acirradas e
violentas. Esses esportes tinham características competitivas. Essa herança da
competição é também um legado grego que perpetuou e está entre nós, muitas vezes
camufladas em doses homeopáticas do doping de nossos atletas.
O segundo em ordem de importância era o instrutor de música. Além da
formação física e atlética que os jovens recebiam no ginásio, passam a receber um novo
tipo de conhecimento: era destinado ao instrutor de música também o ensino artístico.
Ao som da lira - um instrumento de cordas, os jovens aprendiam a cantar e a dançar. O
canto coral, a execução da lira, a dança faziam parte do processo pedagógico desses
jovens. A educação grega musical era também acompanhada pela poesia. Embora sendo
a poesia um componente indireto do canto, tornou-se parte integral dos conhecimentos
que deveriam ser apreendidos. Os poemas, tanto de Homero como de Hesíodo,
passaram a ser elemento fundamental na cultura e na educação dos jovens.
Finalmente, o último e menos importante, o gramático; a esse, era
reservado o ensino das primeiras letras. Apesar da conotação negativa e da pouca
importância, sobretudo de sua profissão, o mestre das primeiras letras, era escolhido não
sem distinção. Herdeiro da rica tradição clássica, Plutarco (c 46 – 146 d. C,), em Obras
Morais Da Educação das Crianças, expressa o momento e os critérios de escolha dos
pedagogos: “Quando as crianças atingirem a idade de serem entregues aos pedagogos
deve ter-se, nesse momento, muito cuidado na escolha […] É necessário, contudo, que o
117
pedagogo sério tenha a natureza como à de Fenix, o pedagogo de Aquiles.” De
acordo com os ensinamentos de Plutarco, os pais das crianças e dos jovens atenienses
devem procurar pedagogos que têm uma conduta de vida irrepreensível, cujo
comportamento moral deve superar qualquer censura. Tal qual Aristóteles, Plutarco
entende que a fonte e raiz das qualidades morais das crianças “[…] encontram-se na

116
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
117
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. p.40
59

118
educação dos bons costumes.” Com o desaparecimento dos antigos palácios e dos
reis, ou seja, com a derrocada da realeza micênica no século XI, também a escrita
desaparece do cenário. Como sabemos a escrita antes dos séculos V e IV a. C., era uma
atividade restrita, somente os escribas tinha acesso a ela. Porém, com a disseminação do
alfabeto, os gregos a retomam com uma fonética distinta dos fenícios. Daí surge o
terceiro tipo de mestre, o gramático e junto com ele nasce a escola como hoje é
conhecido.
Nos ginásios eram conferidos os ensinamentos, sendo esses locais
sempre abertos ao público. A primeira etapa educativa começava-se aos sete anos com
término aos doze. O próprio Aristóteles é quem nos informa sobre estes períodos como
poderemos perceber, posteriormente, no segundo capítulo dessa tese. A educação até
então, tinha uma modalidade física e corporal. Esse período a criança aprendia as
práticas da equitação, da natação, das atividades marcais e militares. Desde cedo as
crianças eram treinadas para os jogos olímpicos. Cesar Nunes explica detalhadamente
essa primeira etapa do aprendizado grego:

Consistia em aulas numa área ou páteo aberto chamada palestra,


uma área livre circular onde as crianças ficavam em pé ou
sentadas em círculo monitoradas pelo pedotriba que ensinava os
movimentos e exigia intensa repetição dos alunos, até à
exaustão, acompanhadas de um instrumento musical (oboé ou
cítara) manejado monocordicamente. 119

Uma vez adquiridas essas primeiras práticas formativas, o modelo grego


também era provido de um segundo momento educativo. Sabemos historicamente que
Esparta sempre foi a pólis dos combates. Em Lacedemônia, o modelo formativo militar
era paragmático, e havia uma preocupação especial do ponto de vista físico. Muitas
vezes, por exemplo, privilegiava-se o aspecto puramente corporal em detrimento do
intelectual. Dos doze aos dezoito anos uma nova fase de ensinamentos era conferida aos
jovens: desde cedo, o jovem é levado a aprender a viver em comunidades, separados por
idades, viviam e aprendiam uma vida parca e austera. A coragem deve ser a mola
mestra da vida do jovem aprendiz, deve ser exercitada para contrariar o prazer, para ser
resistência diante da dor e do cansaso, em Leis, Platão, pela boca do personagem
ateniense, quer saber sobre a dimensão salutar do cultivo dessa virtude, indaga ele: Será

118
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. p.41
119
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
60

ela uma simples resistência ao medo ou à dor, ou além disso, também será em relação
ao desejo, ao prazer, […], sob cuja influência os corações daqueles que se reclamam ser
120
auteros se tornam em corações de cera.” Novamente, Cesar Nunes elucida com
precisão o horizonte formativo dessa nova etapa, o que consistia naturalmente no ideal
estético de beleza e de sensualidade da juventude grega.

Esse segundo momento era definido como gymnasia, espaços ou salas


onde os jovens estavam sempre nus, em espaços circunscritos para as
lutas cada um portando um saquinho de areia, para esfregar as mãos,
um pote ou bule portátil de óleo para passar sobre o corpo, uma toalha
com suas marcas e nomes e muita disposição para as disputas e
expressões corporais. Os gymnasia eram celeiros de jovens militares e
atletas olímpicos, heróis populares e hábeis amantes. 121

Ainda sobre esses educadores, como afirmamos anteriormente, o


pedotriba é o principal deles. Em grande parte, esse educadores, não são exatamente da
Grécia. Pelo contrário, são estrangeiros, itinerantes que muitas vezes atraem numerosos
ouvintes, sobretudo pela eloquência no falar, e pelo modo de persuadir e de ensinar.
São realmente indivíduos que têm a elegância da retórica, podemos dizer que são os
primeiros trabalhadores da educação. Eles começam, contudo, a ganhar importância a
partir do século V a. C., sobretudo na pólis ateniense, quando essa se torna centro das
atividades da vida de seus habitantes. As decisões sobre as ações materiais, econômicas,
sociais, e políticas, que precisavam ser deliberadas eram realmente deliberadas por uma
só classe, a classe dos proprietários de terras e dos ricos negociantes de Atenas. Com o
advento da democracia, o povo aprende sem dúvida a amar o debate, a reflexão, a
discussão. Diante da potência inovadora de sua ampla educação e da atitude de uma
escola inovadora, os atenienes ganharam fama e elogios, eles próprios gabam-se dessa
iniciativa de pensar a cidade para além da esfera do prático. Tucídides, (460 – 400 a. C.)
filho de Atenas, expressa sobre os seus contemporâneos.

[…] eles são ávidos de inovações e rápidos para fazer planos e


executar as suas decisões, […] são ousados muito além de suas forças,
aventurosos muito além de sua capacidade de reflexão, confiantes em
face dos perigos; […] Além disso, eles são rápidos em suas decisões,
[…]. 122

120
PLATÃO. Leis. 633 d.
121
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
122
TUCÍDIDES. op. cit. p.40.
61

Da arcaica escola à outro tipo de escola. Cesar Nunes explica que as


expressões escola arcaica, paideia homérica ou ainda, educação arcaica referem-se
“[...] ao mesmo fenômeno institucional e pedagógico, a escola e pedagogia aristocrata
greco-ateniense que vigorou até o advento da democracia no século V a.C.”. 123 A partir
da democracia grega portanto uma nova educação passa a configurar no horizonte
grego. A educação musical perde o brilho de sua expressividade para dar lugar a
educação política, ou mais especificamente, a arte do falar. A palavra se torna, no
entanto, a chave e a autoridade da política da pólis. “A democracia ateniense tem
necessidade de „professores‟, de pessoas capazes de ensinar a falar bem, a manejar
124
habilmente os argumentos de modo a convencer nos tribunais [...].” Conhecidos
como sofistas, esses itinerantes procuram ganhar a vida desta forma, e juntamente com
Sócrates, Platão e Aristóteles vão traduzir e criar um novo estilo educativo.
A história da escola do tipo grego, como as demais escolas da
antiguidade, reserva seu espaço somente para os filhos de uma pequena elite; além
disso, até então, as escolas não tem articulação com o Estado. As famílias são
responsáveis para educar seus filhos. O conteúdo é explicitamente moral e
comportamental.

Como se sabe, existe toda uma literatura sapiencial, feita de


„ensinamentos‟ morais e comportamentais, que é comum também a
outras culturas do Oriente Próximo: basta pensar na Bíblia e na
literatura dos povos mesopotâmicos. Esta literatura pressupõe a
existência de uma verdadeira escola de vida reservada às classes
dominantes. 125

Do ponto de vista educativo, a essência da vida desse homem acontece na


126
praça pública – ágora, o processo pedagógico acontece em lugares abertos ao
público. Este lugar é por excelência de formação, de convívio, portanto, de aprendizado.
Sobre essa realidade afirma Ferreira: “[...] a grande escola era o convívio social que tem
significativa importância educativa em Atenas, com particular saliência para o convívio
123
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
124
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noel. Prefácio Jean-Toussaint.
Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p.17.
125
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.23.
126
A palavra ágora, (αγοπά) significa praça pública – mercado. A ágora pode ser compreendida como
lugar cívico, ao mesmo tempo, é também lugar religioso e comercial. Esta palavra está também
relacionada com o termo transliterado ágoren, que por seu turno significa falar em público. Para os gregos
falar em público é ocasião de pensar os desígnios e rumos da pólis, nesse sentido, ágora é também a
expressão máxima da vida pública para um cidadão livre. “Falar é dizer o ser, é refletir o kosmos, tal
como ele é, por meio de instrumento que os deuses nos deram para este fim.” ROUGUE. Christophe.
Compreender Platão. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes. 2005. p.9.
62

na Ágora, nos banquetes, nos ginásios.” 127 Ali na praça, aprende-se a literatura: poesia,
tragédia, comédia e a prosa; da mesma forma, aprende-se as artes visuais: a arquitetura,
escultura e a pintura e por fim, aprende-se a ciência, a filosofia e a política. O jeito, a
forma, a conduta, os costumes e hábitos dos primeiros povos da Hélade foram
constituídos ao ar livre, na praça, no ginásio, na rua. Ali, estão os templos, os edifícios
públicos, as estátuas, os altares, em suma, a vida da Grécia crescia e desenvolvia nesse
contexto. É na praça que os jovens aprendem a pensar os rumos da cidade, era ali que os
magistrados se reuniam para pensar e propor os caminhos da pólis. “De fato, é no plano
político que a Razão, na Grécia, primeiramente se exprimiu, constituiu-se e se formou. ”
128

Por outro, a guerra é um acontecimento comum nas cidades helênicas,


“[...] não só numa perspectiva de séculos, ou de meio século, mas ocorria com
129
intervalos de poucos anos, e em muitas poleis, talvez na maioria delas, [...]” ;
portanto, o plano formativo escolar contemplava as aspirações e anseios de sua própria
sociedade. Formar para a guerra era um ideal que perpassava a glória. Na reflexão do
investigador português, José Ribeiro Ferreira, o sentido da guerra, sem dúvida, se
afirmava e se evoluía. Os grandes proprietários, os homens da elite, cidadão livres, ou
seja, os nobres se ocupavam além da defesa do território, das artes, das letras, da poesia,
da música e dos exercícios físicos. O jovem grego desde cedo é convidado a apreender o
sentido da guerra e, portanto, era um ato brioso combater em defesa de seu país, sobre
essa formação militar, expressa Ferreira: “Encontramos a cada passo a ideia de que a
guerra é a atividade nobre, de que é nos campos de batalha que o cidadão alcança glória
130
e de que sua areté reside na coragem em combate.” O processo pedagógico dessa
educação tinha essa finalidade: formar soldados – hoplitas, que por sua vez priorizavam
os exercícios físicos para modelar e aperfeiçoar a força de seus corpos.
Além desses aspectos já assinalados como já investigados, a formação
atlética também era condição significativa na vida educativa dos jovens dessa elite.
Lembramos aqui os tão famosos Jogos Olímpicos, em que, “O traço essencial é o

127
FERREIRA, José Ribeiro. Educação em Esparta e em Atenas. Dois métodos e dois paradigmas. In:
LEÃO Delfim Ferreira; FERREIRA, José Ribeiro; FIALHO, Maria do Céu. Cidadania e Paideia na
Grécia antiga. 2ª ed. Coimbra: CECH/FL/UC, 2012. p.11-46. (Coleção Autores Gregos e Latinos Série
Ensaios). p.30
128
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.103.
129
FINLEY, I Moses. (Org.) O legado da Grécia. Uma nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto.
Brasília: Universidade de 1998. p.23.
130
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 2012. p.15.
63

espírito de emulação, o desejo de sobressair, de figurar entre os primeiros, de ser


131
superior, uma espécie de competição desportiva.” O sentido educativo aristocrático,
apesar do predomínio do guerreiro lutador e matador, não obstante da força física, é
superado pelo conceito de honra. O sentido dessa virilidade, dessa destreza, desse
despojamento para a guerra traduz a sensualidade grega desses guerreiros, “heróis e
amantes de Atenas”, como expressou o poeta e cantor brasileiro Chico Buarque de
Hollanda na música Mulheres de Atenas.
O herói escolhe sempre o caminho mais difícil o que, necessariamente,
evidencia sua coragem e honra. Em suma, esse ideal se configura como ideal estético
dessa civilização como expressa Cesar Nunes: [...] eram símbolos da juventude, do
esplendor, da sensualidade e beleza entre os gregos.132 Este espaço é essencialmente
público - está totalmente articulado com os anseios da socciedade da época. Podemos
afirmar assim, tudo está direcionado à areté. Em todos esses aspectos, seja nos jogos
esportivos, no combate, na guerra, ou nas boas maneiras, o que prevalece é o ideal da
areté. A excelência – a areté está vinculada às dimensões espirituais e, a forma de agir
do guerreiro, se identifica com o heroísmo e se expressa na coragem, na audácia, na
valentia. Suas ações são dignas de exaltação e, portanto, a negação de qualquer um
desses atributos é considerada por essa civilização uma verdadeira tragédia. Sobre essa
personalidade e caráter do homem formado nesse horizonte, Werner Jaeger, expressa:
“A sua honra é a sua destreza e o engenho de sua inteligência que, na luta pela vida e na
volta ao lar, sai sempre triunfante e em face dos seus inimigos mais poderosos e dos
perigos que o espreitam.” 133
Esse universo espiritual e simbólico revela os primeiros passos
pedagógicos para explicar, posteriormente, a formação do homem omnilateral. Esse
guerreiro formado na música e nas armas é um combatente que mata e morre em prol da
honra de sua linhagem. Na introdução da obra, Vidas Paralelas Teseu e Romulo, em
Plutarco (c.46 – 126 d. C.), a investigadora Maria Filaho do Centro de Estudos
Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, interpreta o sentido
plutarquiano da areté contemplada no personagem e fundador de Atenas, Teseu. Para
essa autora, Plutarco tem a lúcida convicção acerca do papel formativo do modelo das
ações ilustres operada na alma humana. Afirma a autora:

131
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.35.
132
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. p.158.
133
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.45.
64

Para o polígrafo de Queronéia essa atração das obras de arete exercida


sobre a alma em formação pressupõe nesta última uma predisposição
que é também arete inata e que aspira, ao receber o estímulo de uma
ação modelar que se impõe como espetáculo, a elevar-se à
superioridade desta e com está se medir, numa saudavel emulação,
tradizida em actos. 134

Necessariamente nobre, esse herói aprova e atesta sua fidelidade


máxima. A morte já não é para um grego um fim de linha. Ao contrário, é imagem da
beleza e da valentia, sendo louvada pelos poetas e os cantores dessa civilização como
uma espécie de memória permanente de beleza e de coragem. Simonides (556 – 468
a.C.) um dos maiores autores dos epigramas do período arcaico grego, em um de seus
cantos enaltece a morte dos seus guerreiros conterrâneos na Batalha de Termópilas -
Portões Quentes, por ocasião das invasões persas no ano de 480 a. C.

Dos que morreram nas Termópilas, glorioso é o destino, bela a morte.


É seu túmulo um altar; em vez de gemidos, a sua lembrança: o pranto
se volve em elogio. Essa pedra tumular não destruirá o bolor, nem o
tempo que tudo vence. Esta sepultura de homens corajosos escolheu
para guardar a fama excelsa da Grécia. Testemunha-o Leônidas rei de
Esparta, que deixou o ornamento de uma grande valentia e um nome
imperecível. (frg. 5 Diehl) 135

O comportamento heróico desses guerreiros não se traduz em


mediocridade histórica, muito menos, caminham nas sombras do esquecimento, ao
contrário, revitaliza o cotidiano formativo dos jovens atenienese. “O ideal homérico da
areté heroica é transformada no heroísmo do amor à pátria.” 136 Nos relatos de Plutarco,
Teseu, motivado pelos feitos paragmáticos de Herácles, revela identicamente uma
imagem de coragem, de excelência para os atenienses. Por seu turno, Teseu se coloca
como modelo de força, de coragem e grandeza de alma, e “[…] num impulso de
137
generosidade, oferece-se para integrar o grupo dos reféns destinados a Minos.” Esse
é o modelo de homem a ser seguido e admirado pelos atenienses. Nessa mesma
margem, entre tantos e tantos guerreiros, Aquiles, talvez seja o mais expressivo e
signifivativo dos heróis da antiguidade grega. Sempre acostumado às grandes batalhas,

134
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas – Teseu e Romulo. Disponível em:
<https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/bitstream/123456789/9/6/vidas_teseu_e_romulo.pdf > p.27. Acesso em
maio de 2014.
135
PEREIRA. Maria Helena da Rocha. op. cit. p.145.
136
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 37.
137
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas - Teseu e Romulo. 2008. p.27. p.28.
65

formado no corpo e na alma, nas armas e nas palavras, na honra e na coragem, na beleza
e na sensualidade. Aquiles não é um bruto com as palavras, sabe comunicar com os reis,
nunca se apresenta menor que eles. Quando o rei Agamemnon, por inveja ou capricho
retira-lhe o suposto prêmio de uma batalha, Aquiles, se apresenta ao rei com as
seguintes palavras:
Não foi por causa dos fortes Troinaos que vim para Tróia, para
guerreá-los, pois munca motivo para isso me deram. Deles, nenhuma
das manadas um boi me roubou, nem cavalos, nem no terremo de
Ftias, nutriz de guerreiros, tampouco minhas colheitas destruiram,
[…] Para teu gáudio, grandíssimo despuradouro, seguimos-te, cão sem
nenhum derscortino, a vingar-te do utraje dos Troas a Menelau. Mas
sequer te pertubas, nem cuidas de nada. E, para o cúmulo, ameaças de
vires a escrava arrancar-me que dos Acaios obtive por prêmio de
grandes trabalhos. 138

Aquiles é exatamente isso, sua formação não está reduzida apenas numa
dimensão. Tem consciencia da batalha que trava e das palavras à quem dirige. Portanto,
aqui nesse estágio embrionário, já se podem prever os primeiros princípios do conceito
de omnilateralidade: formar o corpo e a alma – formar para a guerra e para exercer a
política, sobretudo exercendo a honra, por isso a formação omnilateral nesse momento
estava praticamente ligada à concepção do herói grego arcaico.
Não menos significativos são os poemas de Hesíodo, nascido
provavelmente entre os séculos (VIII e VII a. C.), vivendo na Beócia região central da
Grécia, escreve a obra, Os trabalhos e os dias, em homenagem ao seu irmão Perses. De
acordo com a interpretação de Mary de Camargo na introdução dessa mesma obra, a
autora explica que o contexto em que viveu Hesíodo é um contexto de pequenos e
simples agricultores. Distintamente da Teogonia, que narra o mundo de deuses e sua
organização, em Os Trabalhos e os Dias, o poeta assume um nova vertente, o mundo
dos homens mortais, “[...] apontando sua origem, suas limitações, seus deveres,
139
revelando-nos assim, em que se fundamenta a própria condição humana.” Logo no
início do texto, Hesíodo invoca as musas de Piéria, na intenção que essas façam diante
de Zeus, justiça, tendo em vista uma demanda em torno das terras camponesas.

Musas Piérias que gloriais com vossos cantos, vinde! Dizei Zeus
vosso pai hineando. [...] Zeus altissonante que altíssimos palácios

138
HOMERO. op. cit. p.65.
139
HESÍODO. Os trabalhos e os dias. 5ª ed. Tradução, introdução e comentários de Mary Camargo
Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 2006. p.11.
66

habita. Ouve, vê, compreende e com justiça endireita sentenças. Tu!


Eu e a Perses, vedadade quero contar. 140

Também Franco Cambi revela que é possível descobrir outros elementos


do processo formativo dessa educação arcaica, cuja moral educativa é oposta à de
Homero, Hesíodo exalta o trabalho dos camponeses. Ainda de acordo com as reflexões
desse autor, em Os Trabalhos e os Dias, são evidenciadas as práticas e rituais de
iniciação dos jovens no trabalho, as culturas arcaicas “[...] assumem um papel crucial no
crescimento e na inserção das jovens gerações na sociedade adulta, sancionando uma
futura maturidade do indivíduo por meio de provas rituais.” 141
Essas práticas devem ser entendidas como uma espécie de rito de
passagem, cuja finalidade pedagógica é inserir os jovens aprendizes na vida adulta. Do
ponto de vista dessa educação, podemos dizer que ela traz em seu bojo ensinamentos
morais. Seu canto e sua poesia são ensinamentos que refletem no setor agrícola da
civilização da Grécia antiga. Os ensinamentos são dirigidos para os camponeses,
adentrando no campo da moralidade e enaltecendo o trabalho. Mario Manacorda fala
sobre a importância dos poemas de Hesíodo: “O seu poema „Os Trabalhos e os dias‟
constitui um testemunho excepcional de uma moral do trabalho, contra os poderosos e
os prepotentes.” 142
Nas poesias de Hesíodo, diferentemente das de Homero, o heroísmo
também se manifesta na vida dos camponeses, em suas lutas e trabalhos com a terra e
em sua sabedoria de vida. Lê-se em Os Trabalhos e os Dias: “Por trabalhos os homens
são ricos em rebanhos e recursos e, trabalhando muito mais caros serão os imortais. O
143
trabalho, desonra nenhuma, o ócio desonra é!” O canto das poesias de Hesíodo vai
ressoar como um eco em toda a vida dos camponeses. Embora sejam os nobres que
continuem a manter o poder, os camponeses, por seu turno, têm a sua vida própria e
independência espiritual.

Não existe a escravatura e nada indica, mesmo remotamente, que


aqueles camponeses e pastores que viviam do trabalho das suas mãos
descendessem de uma raça subjugada na época das grandes migrações
como acontecia na Lacônia. [...] O poema de Hesíodo permite-nos

140
HESÍODO. op. cit. v.5.
141
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.77.
142
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.62.
143
HESÍODO. op. cit. v.311.
67

conhecer com clareza o tesouro espiritual que os camponeses beócios


possuíam, independentemente de Homero. 144

Essa educação arcaica não foge muito aos princípios e ideais da educação
das demais civilizações da antiguidade, embora suas características e aspectos
permaneçam menos rígidos. Em relação à escola de estado de Esparta, podemos ler em
Aristóteles. “Somente em Esparta, ou praticamente só, o legislador parece ter prestado
atenção às questões de educação e preparo físico do cidadão; na maioria das cidades
145
estas questões foram descuradas [...].” Mario Alighiero Manacorda esclarecendo
sobre a lenda do educador de Aquiles – na obra de Hesíodo, os ensinamentos do
educador “[...] se constituem um patrimônio de sabedoria e de moralidade camponesa e
146
que correspondem aos „ensinamentos‟ egípcios, mesopotâmicos ou hebraicos.” Essa
classe produtora, embora não seja uma classe escravizada, não possui uma formação
adequada. Na verdade a classe produtora fica a margem do processo instrutivo. Fora do
requinte educativo da família patriarcal encontramos a grande massa produtora, Ciro
Flamarion esclarece:

[...], achamos: uma categoria de „trabalhadores da coletividade‟


(demiurgos), gozando de certo prestigio social – artesãos
especializados, profetas, médicos, arautos, poetas, cantores (aedos),
etc. –, que iam de uma „casa‟ nobre a outra na medida em que fossem
solicitados seus serviços; camponeses sem terra (tetes), que alugavam
quando podiam sua força de trabalho e eram muito malvistos; e –
sabemo-lo por Hesíodo – pequenos proprietários de terras. 147

Em conformidade com os estudos de Mario Alighiero Manacorda. assim,


pode-se assistir ao conflito, ou, mais precisamente, a oposição entre as duas paideias.
De um lado, os aristocratas; de outro, os produtores. Quem, na verdade, poderá
participar da educação? Quem poderá participar da escola? Quem poderá fazer parte da
política? Quem poderá realizar as tarefas do poder? Manacorda afirma: “Neste conflito
aparecerá o desprezo dos espíritos conservadores por qualquer ascensão das classes
148
populares através da aprendizagem”. O estilo mítico das lendas e fábulas, e a
dimensão da religião, comportam a personalidade espiritual da herança aristocrática.

144
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.87.
145
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 9, 1180 a.
146
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.62.
147
CARDOSO, Ciro Flamarion. S. op. cit. 1987. p.20.
148
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. p.63.
68

Esse embrionário estágio histórico da formação do homem omnilateral alcançará os


séculos posteriores, com Platão e Aristóteles, mesmo considerando os preconceitos e
ambiguidades de suas filosofias, carregando a mais rica e perfeita harmonia na vida da
pólis.
O longo período denominado Idade das trevas da Grécia foi rompido com
o estalar de uma nova forma de vida social: aparece um novo modelo de organização
política. A partir desse século constata-se o reaparecimento de diferentes locais “[…]
que nunca tinham sido completamemte abandonados, como Atenas, e sobretudo o
aparecimento de novos povoados: Tebas, Esparta, Argos.” 149 De acordo com os estudos
de Claude Mossé, este ressurgimento de povoados e de novas comunidade políticas não
aconteceram somente “[…] nas ilhas, nas costas da Ásia Menor, povoados gregos
solidamente constituídos enxameando por sua vez a partir de meados do séc.VIII e
balizando de cidades gregas as bacias ocidentais e o oriente do Mediterrâneo.” 150 Nessa
mesma época é feita a composição das poesias que foram transcritas na pólis ateniense e
atribuídos pela tradição, ao poeta Homero, provavelmente por volta do século VI a. C.
Portanto, entre os séculos, (800 – 700 a. C.), a Grécia caminha para uma
profunda e intensa modificação na estrutura política e social. Até então, sua economia
essencialmente agrícola se transforma numa economia de comércio; aos poucos, as
póleis se transformam em verdadeiros centros comerciais. As cidades gregas ou, mais
precisamente, cidades-estados, por nós conhecidas como aquelas que têm um governo
próprio e independentes umas das outras, com forte vínculo espiritual, se autogovernam:
se organizam e se estruturam fundamentalmente nos valores e nos fins comunitários,
sobretudo nas leis e nos ritos.
Esparta e Atenas são as cidades mais representativas e emblemáticas que
conhecemos, são duas pólis de maior representatividade na Hélade. Enquanto a primeira
retrata uma cultura autoritária e conservadora, eminentemente militar, a segunda é
caracterizada por uma cultura democrática, essencialmente artística. Diametralmente
opostas em seu caráter educativo, Esparta e Atenas, unindo-se às demais poleis, criam
“[...] no centro Mediterrâneo uma civilização móvel e unitária, articulada e comum,
madura pelo pluralismo de formas e de especializações e pelas diversas contribuições de
151
etnias, de grupos e de indivíduos, que [...],” aos poucos vai se tornando o grande

149
MOSSÉ Claude. op. cit. p.10.
150
id. p.10.
151
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.77.
69

centro da cultura da história da antiguidade, “[...] que pela obra dos reis macedônios e,
depois, dos reis romanos, foi afirmando-se como a cultura-líder do Mediterrâneo e do
mundo antigo.” 152 A pólis, sem dúvida traduziu para a história da civilização ocidental
esta forma e este jeito, está maneira e este estilo de ser e de viver. Podemos dizer em
certo sentido que, o universo espiritual da pólis, remonta e atualiza o sentido da
existência da esfera política e do sentido de civilidade.
Por sua vez, o modelo educativo de Esparta, como já afirmado
anteriormente, é um modelo militar, cujo processo pedagógico vai orientar a formação
do guerreiro para o ofício das armas; mas ao mesmo tempo ele é também instruído na
educação musical e na atlética, modelo educativo controlado pelo Estado. Sobre isso,
Aristóteles reconhece e louva a escola de Esparta, e assim, reivindica para Atenas o
mesmo modelo. Afirma ele: “Quanto a este aspecto, deve-se louvar os lacedemônios,
pois eles dão a máxima atenção à educação das crianças e fazem dela um encargo
153
público.” Embora seja reconhecida historicamente como aquela que irá lograr uma
herança educativa rude, severa e até mesmo inculta, também deve ser considerada,
mesmo antes de sua rival Atenas, como uma cidade de cultura.“Desde o século VIII, a
154
arte já floresce na Lacônia e o século VII é o grande século de Esparta, [...].” Fruto
de sucessivas guerras do período, Esparta pode ser considerada como uma das cidades
mais vastas por seu território. Sua educação é, por longo período, considerada como
exemplo educativo para todos os conservadores gregos, inclusive Platão e Aristóteles.
Finda a época homérica, a estrutura social das cidades gregas se modifica, seja na
perspectiva da cultura, seja nas finalidades educativas. O cavalheiro ou herói grego
passa a ser agora o soldado, não mais numa formação individual como aquela de
Aquiles, que se processa isoladamente, mas sim, numa instrução coletiva – social.
“Nessas cidades a educação é tarefa precípua do Estado: confiada a um magistrado,
„pedônomo‟, ou legislador para a infância, ela não se realizava isoladamente como para
Aquiles, mas coletivamente, nas tropas (aghélai) ou nos coros (choròs).” 155 A formação
e instrução pertencem ao Estado, que cuida, portanto, da criança desde os mais tenros
anos até formar o homem adulto. Não visa, portanto, a formação da criança tal qual
entendemos hoje. A areté do guerreiro de Homero é substituída pela areté do soldado.
Eis um fato novo, que inaugura o campo político dos gregos: aquele ideal formativo

152
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p. 78.
153
ARISTÓTELES. Política. XII, 1, 1337 b.
154
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p.33.
155
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.65.
70

individual – pessoal, se transforma num ideal comunitário. Essa nova finalidade é tudo
para os cidadãos da pólis – cada cidadão se reconhece na vida da cidade. O que vai unir
os cidadãos da pólis é um sentimento unívoco de semelhança, que posteriormente se
transformará num único objetivo: formar os cidadãos para os interesses e necessidades
daquela pólis. Sobre isso, escreve Jean-Pierre Vernant: “Esta semelhança cria a unidade
da pólis, porque para os gregos, só os semelhantes podem encontrar-se mutuamente
156
unidos pela Philia, associados numa mesma comunidade.” É evidente que a
organização social de Esparta deixou como legado difíceis e complicados problemas,
sobretudo na arte do fazer – da guerra. De fato, a politéia dos lacedêmonios é uma
realidade que não se compreende de uma única vez. Contudo, precisamos salientar a
questão da igualdade entre os seus cidadãos livres. Claude Mossé, em seus estudos
revela que a própria denominação […] «espartano» designa Homoioi, os Iguais, ou
157
sejam os cidadãos.” E, é exatamente essa conotação de Iguais, que Atenas, poucos
séculos depois, dá uma reordenação democrática que chega até a nossa civilização. Em
Esparta, nesse momento, os homoioi eram definidos pelos laços de sangue. Mesmo nas
violentas batalhas entre eles, sabiam os gregos conduzir o sentido da rivalidade.
Tucídides narra um pouco dessa emblemática realidade grega, sobretudo na ocasião da
desavença entre espartanos e atenienses, justamente quando seus respectivos aliados
passaram a rivalizar.

Os lacedemônios mantiveram sua hegemonia sem transformar seus


aliados em tributários, mas cuidando, para que estes tivessem uma
forma oligárquica de governo, de conformidade com o interesse
exclusivo de Esparta; os atenienses, por seu turno, fizeram com que as
cidades aliadas paulatinamente lhes entregassem as suas naus, à
exceção de Quios e Lesbos, e impuseram a todos um tributo em
dinheiro. Desta forma os recursos próprios dos atenienses para a
guerra tornaram-se maiores que os dos lacedemônios e seus aliados ao
tempo em que a aliança estava intacta e forte. 158

Analisando especificamente a educação de Esparta do século V a. C., o


processo pedagógico é bastante distinto, porém significativo para compreender a nossa
investigação sobre a omnilateralidade. Ao pensar na formação do guerreiro – soldado,
isto é, do adestramento do hoplita, a finalidade não é outra, senão, estar apto para servir
o Estado. Licurgo (800 a. C – 730 a. C.) é o maior legislador de Esparta. O guerreiro ou

156
VERNANT, Jean-Pierre. op.cit. p.49
157
MOSSÉ Claude. op. cit. 70, 1985. p.91.
158
TUCÍDIDES. op. cit. p.13.
71

o jovem soldado se encontra totalmente nas mãos do Estado. Nessa perpectiva, a


legislação cuida com total dedicação do processso pedagógico das crianças e dos
jovens. A legislação é exigente e rigorosa, bem antes do nascimento das crianças o
Estado já previa as condições básicas para formar o guerreiro. No segundo capítulo da
tese evidenciaremos mais precisamente essa questão, em A República, o projeto
platônico visa cuidar previamente dos rebentos das uniões matrimoniais. Sabemos que a
prática educativa de Esparta é movida por uma política de eugenismo, isto é, a criança
só é aceita pelo Estado se for: bem formada, bela, formosa, saudável. Contrariando esse
modelo, está isenta do processo educativo, ou seja, raquíticos, disformes e deficientes,
ou semelhantes, como também já sabemos, são punidos com a morte, “[…] são
condenados a ser lançados no monturo, nos Apótetas.” 159 Ao sete anos os espartanos
bem formados, belos e bem formados, formosos e saudáveis são requisitados pelo
Estado, até à morte, pertence-lhe inteiramente. Expressa Henri-Marrou:

A educação propriamente dita vai dos sete anos aos vinte anos; ela é
disposta sob a autoridade direta de um magistrado especial, verdadeiro
comissário da Educação nacional, o παιδαγυγόρ. [...] Aos vinte ou
vinte um anos o jovem, tendo concluído sua formação, mas não
havendo satisfeito ainda todas as exigências do impiedoso Estado
totalitário, entrava nas formações de homens feitos, inicialmente, na
dos „jogadores de bola.‟ 160

Apesar dos entraves do engendramento histórico da época, Platão


recolhe dessas raízes arcaicas sua intenção educativa visando o futuro de seu
pretendente dirigente-filósofo, - uma educação para toda a vida, um ciclo de estudos
contínuo, uma formação corporal e intelectual. Também Aristóteles mais tarde proclama
em seus escritos sua defesa de uma escola de Estado. Essas três partes constituíam o
processo formativo da educação espartana. Subtraída de sua família, a criança era
inserida em “[...] escolas-ginásio [...]” 161, e instruída comunitariamente. O aprendizado
acontecia no espaço público, cuja finalidade era formar o militar, o soldado e, o ideal
era definido em função dos interesses do Estado – o homem da pólis vive para a pólis, e
essa é tudo para os cidadãos. Da mesma forma as mulheres eram treinadas e assim
educadas, porém, tendo em vista a procriação de filhos robustos para a pólis.Em relação
à escrita, o educando aprendia o elementar.

159
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.41.
160
ibid. p. 42
161
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.83.
72

Levava-se uma vida em comum, favoreciam-se os vínculos de


amizade, valorizava-se se em particular a obediência. Quanto à cultura
- ler, escrever -, pouco espaço era dado a ela na formação do espartano
– „o estritamente necessário‟, diz Plutarco –, embora fizessem
aprender de memória Homero e Hesíodo ou o poeta Tirteo. 162

Aqui, o principal é, sem dúvida, o devotamento ao Estado: disciplina,


severidade e determinação compõem o quadro desse processo educativo. Dava-se
contudo prioridade a educação física em detrimento da educação intelectual, trata-se
contudo de uma educação coletiva, retirados dos lares gregos, os jovens são submetidos
a um forte esquema disciplinar. A arte do ensino era sentenciado pelo ofício do soldado,
do hoplita. Aos funcionários compete cuidar rigorosamente para que os adolescentes
possam se inserir na vida adulta. Esparta é uma máquina de fabricar combatentes. É
importante também salientar, aqui, a educação feminina, embora nesta a instrução
musical e esportiva tivessem uma formação menos consistente: à mulher reserva-se o
papel de gerar filhos saudáveis e fortes para o Estado. As fontes do conhecimento da
história da educação espartana chegam até nós muito tardiamente. Henri-Irénée Marrou
reconhece isso e explica:

Infelizmente, as fontes que nos permitem descrever a educação


espartana são tardias: Xenofonte e Platão levam-nos somente até o
século IV e seu testemunho é menos explícito que o de Plutarco e das
inscrições ou em sua maioria datam apenas dos séculos I e II de nossa
era. Ora, Esparta não foi somente conservadora, mas reacionária: sua
vontade de resistir à evolução natural, de remontar a corrente, de
restabelecer os „costumes tradicionais de Licurgo‟ determinou, desde
o século IV, um esforço de reajustamento e de restauração que,
realizado, ao longo da História, a conduziu a muitas restaurações
arbitrárias, a falsas reintegrações pseudo-arqueológicas. [...] Esta nos é
acessível graças a duas ordens de conhecimento: os fragmentos dos
grandes líricos: Tirteu, Alcman e os resultados surpreendentes das
escavações feitas pela Escola Inglesa de Atenas, notadamente as do
santuário de Ártemis Ortia (1906-1910). 163

A partir da cultura arcaica, esses novos estudos, conforme acentua esse


mesmo autor, a educação de Esparta é diferente; não mais aquela que se destaca pela
desconfiança, mas apresenta os vislumbres de uma nova paisagem, centrada também no
mundo da cultura e das artes: “[...] ela é, então, aquilo que Atenas só se tornará no

162
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.83.
163
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.34.
73

164
século V – a metrópole da civilização helênica.” Para a nossa investigação, é
importante reconhecer esse aspecto do Estado, ou seja, sua finalidade para qual foi
criado. Essa devoção ao Estado é bastante significativa para propor a questão da
formação do homem omnilateral, tanto em Platão como em Aristóteles. Os dois
reconhecem esse caráter: enquanto, para o primeiro, sobressai o viés político, - o
governo dos filósofos, para o segundo, sobressai o caráter da civilidade, - a cidade educa
o cidadão. O Estado, desde cedo, se interessa pelos fins da educação: “A criação mais
característica de Esparta é o seu Estado, e o Estado representa aqui, pela primeira vez,
uma força educadora no mais vasto sentido da palavra.” 165
Por sua vez, Atenas, como as demais poleis que formam o grande centro
mediterrâneo, inicialmente engendra as mesmas fases da educação espartana: guerreira
e autoritária. Mas aos poucos o cenário modifica. Para entender o cenário educativo de
Atenas é preciso situar alguns os aspectos históricos e políticos dessa época. A aurora
da mentalidade educativa ateniense, em certo sentido começa com as reformas de Sólon
(640 – 558 a. C.). Até então, a organização da anterior da constituição do legislador
Drácon (século VII a. C.) permitia somente aos nobres caracterizados pelos laços de
sangue a participarem das magistraturas da pólis. Na Constituição dos Atenienese,
Aristóteles enfatiza que os laços de sangue era primordial na vida política ateniense,
“[…] as magistraturas eram estabelecidas de acordo com a nobreza de nascimento e
166
com a riqueza.” O legislador Sólon é o grande reformista ateniense, nele está o
começo da formação política de Atenas.
Sobre sua geneologia, origem social, bem como sua descendência estão
ligadas ao rei da Ática. É o biógrafo de Queronéia, Plutarco (46 -120 d.C), que nos
informa: “[…] filho de Execéstides, homem que, pela riqueza e poder, segundo
afirmam, se situa na classe média, mas que, atendendo à estirpe, pertencia a uma casa
167
notável: era, de fato descendente de Codro.” Esse reformista retirou dos ombros dos
atenienses um grande e pesado fardo. De acordo com as reflexões da Constituição dos
Atenienes de Aristóteles, sabemos que ele aboliu a escravatura por dívidas, para além
dessa medida, criou o direito de uma terceira parte para fazer justiça nos tribunais e
finalmente, a criação da assembleia polular.

164
MARROU, Henri-Irénée. 1990. p.35.
165
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.109.
166
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.31
167
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Sólon e Publícola. p.45.
74

Werner Jaeger em sua Paideia afirma: “Sólon é o primeiro representante


do autêntico mundo ático e, ao mesmo tempo, o seu criador mais iminente”. 168 A partir
dele, começam a serem discutidos os problemas da vida pública, especialmente na
assembleia geral, ou assembleia popular, onde os cidadãos, homens livres da pólis,
podiam expressar publicamente o seu direito de falar, podiam defender sua opinião e,
portanto, deliberar sobre as questões públicas. “No arcontado de Sólon, todos passaram
169
a reunir-se no Thesmotheteion.” O Thesmotheteion o qual se refere Aristóteles era o
local onde reuniam anualmente os homens livres para propor as leis. Queremos ressaltar
que a democracia de Atenas dessa época era fundamentada na soberania popular. O eco
dessa soberania se exprimia nas assembléias e nos tribunais. Os cidadãos atenienses e,
somente estes, se reuniam e, é exatamente essa reunião que denominamos ecclesia. Os
estudos do investigador português, José Ribeiro Ferreira, revelam que a ecclesia era
tipo um órgão que incorporava os cidadãos livres. Sendo agora um instrumento público,
a assembleia popular é que vai definir, a partir dos embates e das discussões, a vida da
pólis.
A nova constituição de Sólon deixou de servir-se das regulamentações
antigas de Dracon, (650 a.C.), e, “[...] estabeleceu que as magistraturas fossem tiradas á
170
sorte a partir de uma lista selecionada previamente por cada uma das tribos.” O
governo de Sólon abriu os caminhos para o florescimento de uma nova Atenas,
enquanto fervilhavam os conflitos sociais e econômicos, tendo em vista a diminuição
dos poderes autocráticos. Nesse período Atenas vive uma intensa crise agrária e, é
exatamente nesse momento que Sólon “[…] promulgou leis e procedeu a um
171
cancelamento das dívidas, fossem privadas ou públicas.” É essa, uma de suas
maiores façanhas poíticas. Por isso, foi amado e odiado ao mesmo tempo. Plutarco (46-
120 d. C) ao escrever a biografia de Sólon em Vidas paralelas, enfatiza em poucas
linhas a personalidade do legislador de Atenas: “[…] no trato gostava de ajudar os
pobres e era indulgente e moderado com os adversários. […] sendo visto como um
172
homem prudente, organizado e, partidário da igualdade, [...].” Após ter instituído o
conselho do Aerópago – primeiro conselho, exatamente pelos que haviam exercido o
arcondato anual, percebeu que “[…] o povo se tornara enfatuado e arrogante com a

168
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.175.
169
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.23.
170
ibid. p.31.
171
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.23.
172
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Sólon e Publícola. p.100.
75

173
anulação das dívidas, […]” , entretanto, Solon tomou uma nova decisão, fundou um
“[…] segundo conselho, através da escolha de cem homens por cada uma das tribos, que
174
eram quatro.” Este conselho ficou conhecido como boule dos Quatrocentos. Ao
mesmo tempo, delimitou que este conselho analisasse as questões antes do povo e que
não deixasse seguir nada para a assembléia sem essa apreciação prévia. É o começo da
democracia. A Grécia inventa a democracia. Na Constituição dos Atenienses,
Aristóteles expressa: […] ao conselho do Areópago atribuiu a função de salvaguardar as
leis, tal como, de início, começara por zelar pela constituição.175
O século V a. C., é também o século das guerras, são marcantes,
denominadas guerras Médicas ou Guerras Greco-Persa. Além de Atenas, a musa
inspiradora, como bem sabemos, muitas cidades gregas adotavam parcialmente o
sistema democrático. Mas, é exatamente neste século que muitas pólis vão unir-se em
torno de Atenas para proteger das sucessivas invasões persas. Disso, resulta a primeira
confederação dos cidadãos atenienses, denominada, também, liga de Delos. Essa
confederação foi base para a criação e contrução do Império Grego e de modo
generalizado, contribuiu para a constituição do regime democrático. Sólon, no auge de
seu poderio e domínio dá a Atenas uma nova vida. Com ele inicia-se uma nova esfera
da vida política ateniense e, portanto uma nova fase educativa se faz renascer, para
176
Werner Jaeger, “[...] ele foi uma coluna fundamental do edifício da formação ática.”
Além de legislador, Sólon é também poeta, conhecedor dos anseios e sentimentos de
seu povo. Os estudos de Werner Jaeger revseelam que, se os fragmentos das poesias
desse legislador tivessem desaparecido na história, jamais conheceríamos o sentido
ético de seus atos políticos, que na verdade, suplantam o nível partidário. Aristóteles, na
primeira parte da Constituição dos Atenienses relata que esse importante reformador de
Atenas traduzia seus sentimentos, sobretudo os mais intensos em versos. “Que Sólon
tinha esse poder testemunha-o a gravidade da situação; para mais, ele mesmo o recorda
em vários dos seus poemas e todos os autores partilham da mesma opinião.” 177 Sobre a
importância desses fragmentos, Werner Jaeger explica e interpreta sem esses “[...] não
estaríamos em condições de compreender o que há de mais grandioso e memorável na

173
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Sólon e Publícola p.78.
174
ibid. p.78.
175
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.24.
176
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.173.
177
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.29
76

178
poesia ática contemporânea da tragédia e nem a vida espiritual inteira de Atenas.”
Como sabemos Sólon instituiu uma nova constituição para Atenas, e promulgou outras
várias leis fixando-as no “[...] Pórtico Real e todos juraram observá-las futuramente.” 179
Aristóteles refere-se a ele como o primeiro democrata [...] o campeão do povo [...].” 180
Por volta do século V a. C., Atenas alcança um novo estágio educativo,
seja no campo político, como no plano cultural e democrático, portanto, sua educação –
o sistema educativo perde o até então caráter militar. O mundo social desse século é um
verdadeiro espetáculo, é um acontecimento marcante na história das civilizações
antigas, é um horizonte onde floresce verdadeiramente a dimensão criativa do homem
antigo, grego. Longe das técnicas precisas e das tecnologias midiáticas de nosso tempo,
a civilização grega vai profundamente traçar educativamente o rosto de sua cultura. O
mundo social é fervilhante e borbulhante, de acordo com Franco Cambi, a população
dessa época, atinge “[...] cerca de 300 mil habitantes [...].” 181 Nesse meio encontram-se:
poetas, artistas, pintores, historiadores, escultores, educadores, dramaturgos,
comediantes, teatrólogos, filósofos, arquitetos, escultores, oradores, assim vão compor
também o quadro social da pólis. E é nesse labirinto cultural essencialmente educativo
que aparecem pouco depois do final do século, Platão, e um pouco mais adiante,
Aristóteles.
Foi por volta do século VIII a. C., que a sociedade de Atenas reproduz a
antiga educação homérica. A Atenas dos séculos VII e VI a. C., não tem uma estrutura
educacional própria, não tem ainda uma escola, o que estimula a educação como
instrumento institucional são os famosos jogos olímpicos, cuja prática ainda prevalece
muito viva entre nós. Lorenzo Luzuriaga, tratando da educação ateniense, explica: “[...]
os certames nacionais desportivos substituem os torneios guerreiros da idade homérica;
182
e para eles a juventude se prepara desde tenra infância.” As crianças e adolescentes
atenienses experimentam a mesma instrução: guerreira e heróica. A educação, até então,
é uma educação que prioriza a matéria social e não a estatal.
Descrevendo especificamente as características da educação do século V
a. C., em Atenas encontraremos “[...] formas de educação (historicamente acertadas)
baseadas na „música‟, com o mestre de cítara (kitharistés) e de flauta (haulétes), e na

178
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.174.
179
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.30.
180
ibid p.22.
181
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 84.
182
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.39.
77

183
ginástica com o paidotríbes. Estes são os herdeiros históricos do Fênix Homérico.”
Também aqui em Atenas não mais uma educação individual como vimos em Aquiles,
não mais também uma educação privada. A educação é pública, em certo sentido aberta
ao povo, porém seus educadores são privados. Não são eles funcionários do Estado,
como vimos anteriormente em Esparta. Para a educação ateniense, não mais como na
educação de Esparta, a família não está em primeiro plano e, portanto, somente aos sete
anos vai se começar propriamente o processo educativo, dividido em duas etapas –
educação musical e educação atlética. A educação musical não ensina só a música, mas
também a poesia, e posteriormente uma instrução mais aplicada a partir da retórica e da
gramática, como nos relata Luzuriaga.

A educação musical compreendia não apenas a música, mas também a


poesia; e era dada pelo „citarista‟, por vezes na própria „palestra‟, ou,
então, em lugares especiais. Mais tarde, desenvolveu-se a educação
tipo mais instrutivo, escolar, dada pelo didaskalos ou mestre
elementar, seguido do grammatikos, que ensina a gramática e a
retórica. A esses educadores ajunte-se o pedagogo, que acompanhava
os rapazes e cuidava se sua conduta. 184

Em relação à educação do corpo – a educação física ou atlética, bem


diferente da academia contemporânea, a educação ateniense visa uma formação além da
simples estética: a ética – o primado do caráter. O modelo da formação do corpo
continua sendo o modelo da formação corporal de Aquiles. Isso nunca modificou. A
finalidade dessa educação é formar o homem por inteiro, subtenda: o corpo – em vigor e
beleza e sensualidade; a alma – em nobreza e excelência, logo, gera homem o homem
belo, forte e bom. Henri-Marrou explica isso detalhadamente, não existe separação entre
corpo e espírito.
Talvez seja o espírito dessa educação, expresso da melhor maneira
pela palavra kalokagathia, isto é, educação moral e estética reunidas a
tanto o cultivo do corpo, a beleza física, como o sentido moral e
social. Ambos os aspectos predominam aqui sobre o intelectual e o
técnico. Os jogos e esportes, o canto e a poesia, são instrumentos
essenciais dessa educação, de tipo ainda minoritário, embora com o
espírito cívico e, em certo sentido, democrático, por ser patrimônio de
todos os homens livres. 185

183
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.66.
184
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.40.
185
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit., 1980.p.40.
78

É também na legislação de Sólon que encontramos normas e leis sobre o


ensino. A preocupação dos atenienses com a educação é uma questão que começa a ser
debatida nesse tempo. É, portanto, no século VI a. C., que a escola ganha sua
importância na legislação. Os estudos de Manacorda revelam que nas leis e normas da
legislação de Sólon estão presentes os deveres da família.

[…] além de fazer aprender a ler e a nadar, prover a aprendizagem de


um ofício para os pobres e, para os ricos, a aprendizagem da música
além e da equitação, além de „praticar os ginásios a caça e a filosofia.‟
Além disso, davam-se disposições referentes mais de perto à escola,
determinando o início e o término das aulas, o número de alunos,
como tamém as características dos magistrados prepostos para a
intrução. 186

São os pais dos alunos que devem instruir seus filhos, por isso
encontraremos nas famílias os primeiros pedagogos, que em sua grande maioria são
escravos ou estrangeiros. O pedagogo é aquele que leva os filhos para a escola, e
também o que cuida de sua educação moral. Não obstante, é precisamente no século V
a. C. que a educação de Atenas transforma-se substancialmente em relação aos séculos
anteriores. As modificações mais intensas ocorrem na formação dos jovens. A formação
agora se dirige especificamente para a política. O jovem deve saber falar nas
assembleias, o que significa uma formação para o dizer. Também existe uma
preocupação com os ginásios e palestras dessa época. Em uma das traduções da
Constituição dos Atenienes, de quem apresenta sob a autoria de Pseudo-Xenofonte está
evidente a preocupação dos atenienses com os ginásios – escola da época. Podemos ler
em Pseudo-Xenofonte: “Há uns tantos ricos que têm ginásios, banhos e vestuários
particulares, mas o povo está constituído, para seu próprio uso, muitas palestras,
187
vestiários e banhos públicos.” Com o advento da pólis, a vida social dos gregos se
transforma substancialmente. Sua criação está situada entre os séculos VIII e VII a. C.,
expressa Jean-Pierre Vernant: “Advento da Pólis: nascimento da filosofia:”188 Com o
surgimento da cidade, a nova manifestação da estrutura social se dá diante da radical e
profunda transformação no estatuto social da vida na civilização grega.

186
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p. 66.
187
PSEUDO-XENOFONTE. A constituição dos atenienses. Tradução do Grego, Introdução, Notas e
Índices. Pedro Ribeiro Martins. Coimbra: CECH/FL/UC, 2011. (Coleção Autores Gregos e Latinos Série
Textos) p.29.
188
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.103.
79

Na história da civilização grega, a criação da pólis se constitui um


acontecimento marcante e decisivo para toda a humanidade, “[...] marca um começo,
uma verdadeira invenção [...], cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos.”
189
A cidade definida e defendida por Aristóteles não é uma simples reunião de pessoas
vivendo em um mesmo espaço. A filosofia da pólis aristotélica ultrapassa os limites do
entendimento geográfico e territorial. Muito menos pode ser definida em sentido
econômico. A definição da pólis para Aristóteles abarca os conceitos de felicidade e
civilidade que estudaremos no terceiro capítulo. A definição de pólis está vinculada
diretamente com aos homens livres dessa civilização. A cidade deve ser compreendida
por eles e neles, isto é, a soberania pertence ao cidadão que exerce o seu direito legitimo
de ser o que é. A palavra todos para Aristóteles é duvidosa, ele mesmo assim o
expressa: “Vemos então, que a palavra „todos‟ é ambígua, (de fato as palavras „todos‟,
„ambos‟, „impar‟ e „par‟ causam confusões na argumentação, mesmo em debates
lógicos).190 A lógica da cidadania do filósofo é outra. “A cidade-Estado antiga é uma
dessas noções que, uma vez assimiladas, são entendidas e aplicadas sem dificuldade,
mas que são difíceis de definir em poucas palavras.”191 Na compreensão de Ciro
Flamarion a cidade-Estado clássica parece ter sido “[...]criada paralelamente pelo
gregos e pelos etruscos e / ou romanos. No caso destes últimos, a influência grega foi
192
inegável, embora difícil de medir e avaliar.” Em Aristóteles seguramente só uns
poucos cidadão ricos participam legitimamente da justiça judiciária, legislativa e
administrativa da pólis
O que prevalece como finalidade primeira para o sistema da pólis grega é
a palavra, o dizer - a arte da palavra se torna o conteúdo central da formação grega, ela
está em primeiro lugar no que se refere ao instrumento da vida política. A palavra é sem
dúvida carregada e recheada de autoridade, de política: de todos os instrumentos de
poder da pólis ela é o maior, com ela e por ela nasce a voz de comando. O indivíduo
grego que sabe conduzir bem as palavras pode ter sucesso nas assembleias e nos debates
sobre as questões públicas, mais que isso, pode ter sucesso e prestígio na vida, pois a
palavra “Torna-se se o instrumento político por excelência, a chave de toda a autoridade
193
do Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem.” Logo, do ponto de vista

189
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit p.41.
190
ARISTÓTELES. Política. II, 1, 1262 a.
191
CARDOSO, Ciro Flamarion S. op. cit. p.7
192
ibid. p.8.
193
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.41.
80

educativo, ela tem o papel proeminente e, portanto, a finalidade da escola tipo grego é
instruir para o dizer, para o comando. Desde cedo, as crianças e os jovens da pólis
devem aprender bem a retórica e a eloquência, devem com habilidade e astúcia
aprenderem o cultivo do dizer.
A vida social, até então centralizada nos arredores do palácio, onde o rei
é o vértice de todas as decisões políticas, de todas as questões religiosas, administrativas
e econômicas, passa agora a ser debatida no espaço público - o Estado é o centro, não o
mundo privado; o Estado deve cuidar da coisa pública e não o contrário. “À imagem do
rei, senhor de todo o poder, substitui-se a ideia de funções sociais especializadas,
diferentes uma das outras e cujo ajustamento cria difíceis problemas de equilíbrio.” 194
A vida social vai ser sedimentada pelo caráter de publicidade e a escrita não mais está
reservada aos profissionais e dignitários do palácio e inspetores do rei. Não mais sendo
um saber especializado, “[...] a escrita vai fornecer, no plano propriamente intelectual, o
meio de uma cultura comum e permitir uma complexa divulgação de conhecimentos
195
previamente reservados ou interditos.” A partir daí, de acordo com Jean-Pierre
Vernant, não mais somente os cantos de Homero e Hesíodo são decorados e recitados
como forma de aprendizado, mas também a escrita passa a ser a base da paideia grega,
tendo como critério a diké ou justiça, como podemos ler na citação abaixo:

Compreende-se assim o alcance de uma reivindicação que surge desde


o nascimento da cidade: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se faz
mais que assegurar-lhes permanência e fixidez. Subtraem-se à
autoridade privada dos basileis, cuja função era „dizer‟ o direito;
tornam-se bem comum, regra geral, suscetível de ser aplicada a todos
da mesma maneira. Ao contrário, pela publicidade que lhe confere a
escrita, a diké, sem deixar de aparecer como um valor ideal vai poder
encarnar-se num plano propriamente humano, realizar-se na lei, regra
comum a todos, mas superior a todos, norma racional, sujeita à
discussão e modificável por decreto, mas que nem por isso deixa de
exprimir uma ordem concebida sagrada. 196

O nascimento da escola de escrita é um fato essencialmente importante


para a história da humanidade, a escrita, do legado fenício, sem dúvida reivindicará seu
papel e valor educativo, por volta do século IX a. C., quando os gregos a reinventam.
Não é uma novidade ou um novo tipo de fonética, mas é uma reinvenção com a sutileza
e criatividade grega. Quando a escrita irrompe como sabedoria na vida dos cidadãos
194
VERNANT, Jean-Pierre. p.36.
195
ibid. p.43.
196
ibid. p.43.
81

gregos assume de uma vez por todas como um valor em si mesmo. A escrita desvela em
si mesmo sua verdade, deixa de ser um mistério reservado dos escribas. Disseminado
seu saber a escrita não pertencerá mais aos quadros da religião, ou seja, da divindade
como algo escondido, misterioso, oculto.

Na escola do alfabeto o gramático se robustece, supera o citarista eo


pedotriba em importância estratégica. Logo mais esse profissional
seria superado pelo aparecimento e atuação contundente do filósofo,
destacada a partir da ação educacional dos sofistas e da crítica social e
ideológica feitapor Sócrates e Platão sobre esse vertiginoso e original
movimento cultural, pedagógico e político em Atenas. 197

Esse saber escondido, tipo esotérico agora é revelado publicamente na


pólis, não mais os deuses e as divindades o protegem, agora, esse saber é publicizado:
pertence à comunidade, é um bem comum. O que outrora estava sob plano e proteção da
divindade, agora e desvelado e colocado no plano da comunidade. Precisamos entender
aqui, duas situações: a primeira, a palavra escrita não tinha destaque na vida social dos
gregos, eles preferiam falar e ouvir, o próprio Heródoto fazia suas leituras públicas de
sua História. A poesia, o teatro, são atividades experenciadas ao ar livre. A própria
filosofia era uma atividade realizada a partir dos discursos e dos debates. Muitos
filósofos ensinavam caminhando. Bem sabemos, Sócrates (469 – 399 a.C.) nada
escreveu. Não temos nenhuma notícia que ele tivesse escrito alguma obra. É Aristóteles
que vai dar os primeiros passos em direção a uma escola de escrita; a segunda, a
educação é da alçada privada e não do Estado. A exceção fica por conta da arte militar,
essa sim, era da alçada da legislação, bem como, a ginástica. De resto, a família era
totalmente responsável para assegurar a formação dos filhos dos cidadãos gregos. É
também Aristóteles que irá propor ao legilador uma escola de Estado.

Tomada dos fenícios e modificada por uma transição mais precisa dos
sons gregos, a escrita poderá satisfazer a essa função de publicidade,
porque ela própria se tornou quase o mesmo direito da língua falada,
o bem comum de todos os cidadão. As mais antigas inscrições do
alfabeto grego que conhecíamos mostram que, desde o século VIII,
não se trata de mais de um saber especializado, reservado a escribas,
mas de uma técnica de amplo uso, livremente difundida no público. 198

197
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. p. 159.
198
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.43.
82

Diferentemente da escola do escriba oriental ou mesopotâmio, a escola


de escrita da Grécia desenvolve-se a partir da democracia. A partir de uma situação
democrática, a escrita até então era uma técnica complexa, poucos indivíduos
conseguiam adquirir essa habilidade, os poucos que conseguiam eram tidos na conta dos
poderosos. A escola do alfabeto aparece como instrumento preparatório para a vida
coletiva, sem dúvida, é uma porta que se abre para os desafios da vida pública: uma
escola que preparava e formava os alunos para assumirem a vida política, expressa
Cesar Nunes:

Surge então a escola do alfabeto, a segunda escola e ideal educativo


ateniense. Era uma escola voltada para a instrução nas primeiras letras
e sua continuidade interpretativa, com a exigência da ampliação
vocabular e reflexiva, a conquista da força da expressão retórica, o
adestramento do espírito e da razão em vista das disputas filosóficas e
verbais, a preparação nas contendas e debates públicos. 199

Sobre a literatura sapiencial, também reservada a poucos, ainda no antigo


império da civilização egípcia, por volta do século XXVII a. C., encontraremos as
primeiras notícias sobre escrita como nos conta é Mario Manacorda, “No antigo Egito
vimos Ensinamentos, escritos ou mandados escrever pelo„vizir‟ pai, e lidos e decorados
pelos filhos prostrados no chão; vimos em seguida nascer a escola de escribas [...] ”200,
se antigas escolas dos escribas se prestam para o serviço dos reis antigos, na Grécia,
como enfatiza Manacorda, “[...] com a escrita alfabética surge um meio democrático de
comunicação e de educação, e a escola de escrita se abre tendenciosamente a todos os
cidadãos.” 201 A data de origem ou o nascimento propriamente da escrita é uma questão
imbricada na história, mas, mesmo assim, grandes estudiosos como Mario Alighiero
Manacorda, Henri-Irénée Marrou e Werner Jaeger, ao falarem sobre a data originária e
seu possível registro na história, concordam em situá-la, com mais precisão, no século
V a. C. O que também é significativo salientar é que essa nova dimensão, a escrita,
passa a ser, na vida da pólis, de modo especial na pólis ateniense, um instrumento
público ao qual todos os cidadãos gregos livres têm acesso:

Podemos então dizer que no início do século V a. C., antes da vitória


dos atenienses sobre os persas em Maratona, já existia uma escola de
letras (grámmata) ou de bê-á-bá, que é progenitora direta da nossa

199
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.159.
200
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.67.
201
ibid. p.67.
83

escola. Devia ter surgido há pouco e talvez não tivesse encontrado


apoio dos conservadores, [...]. 202

Como essa nova dimensão educativa torna-se um instrumento público


franqueado a todos os gregos livres, a formação assume um caráter mais culto e cada
vez mais civil. A filosofia aristotélica, cuja natureza educativa reivindicará
posteriormente, sem dúvida, um valor emblemático para essa questão – a escola de
escrita, o estudo das letras, é um papel de primeira grandeza na filosofia de Aristóteles.
Questão essa a ser tratada com maior precisão e detalhes, sobretudo, no terceiro capítulo
de nossa tese. Mas, também é necessário dizer, a escrita como uma parte essencial da
educação não era bem vista pelos conservadores. Sobre esse aspecto, aparece
objetivamente uma desconfiança em relação à escrita: os conservadores não querem
contrariar a tradição, uma vez que os jovens aprendiam pelo método da memorização.
“Platão exprimiu abertamente a sua desconfiança em relação aos livros: não podem ser
inquiridos e, por conseguinte, as suas ideias estão fechadas à correcção ou ao
aperfeiçoamento e, além disso, enfraquecem a memória (Fedro224-8).” 203
Também sobre isso, Mario Manacorda afirma:

Assiste-se, enfim, a um conflito entre as duas tradições culturais, a dos


aristocratas guerreiros e a do povo de produtores. A esse conflito se
entrelaçará um outro que, com base social semelhante, dará origem à
polêmica entre a excelência adquirida, entre as virtudes inatas e as
virtudes aprendidas, entre natureza e educação. Neste conflito
aparecerá o desprezo dos espíritos dos conservadores por qualquer
ascensão das classes populares através da aprendizagem. 204

Inseparável da educação física e musical, a intelectual, por sua vez,


preparava os alunos pelo método mnemônico, isto é, a partir da memorização dos
textos, dos versos e dos poemas dos educadores da época. Explica Manacorda, “[...]
obviamente a iniciação à leitura, à escrita e às contas, acompanhados, como instrução
intelectual, da leitura de poetas e prosadores, e também de filósofos, pelo menos os do
205
tipo Diógenes.” Como afirmamos anteriormente, Aristóteles, ao contrário de Platão,
não se opõe à escrita. Ele mesmo afirmou que “[...] escrever e ler são úteis aos negócios
e à economia doméstica e à aquisição de conhecimentos e às várias atividades da vida

202
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit.p.69.
203
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p. 82.
204
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit 2010. p.63.
205
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit 2010. p.76.
84

206
em uma cidade.” Portanto, a escrita, para ele, determina a base da educação: ao
mesmo tempo em que ativa e faz desenvolver a vida prática, dela adquirimos outros
conhecimentos. Essa nova perspectiva educativa da escrita também se torna um
elemento de debate e de tomada de decisões na vida do cidadão grego. Sobre essa
importância, tanto para a vida individual de cada cidadão grego, como para o posterior
desenvolvimento da educação na história da nossa civilização, Franco Cambi faz uma
reflexão estritamente pertinente para o entendimento da formação do homem completo:

Todo o povo escrevia, como atesta a prática do ostracismo; as


mulheres também eram admitidas na cultura.Afirmou-se um ideal de
formação mais culto e civil, ligado à eloquência e à beleza,
desinteressado e universal, capaz de atingir os aspectos mais próprios
e profundos da humanidade de cada indivíduo e destinado a educar
justamente este aspecto de humanidade(de humanitas, como dirão
Cícero e os latinos),que em particular a filosofia e as letras conseguem
nele fazer emergir e amadurecer. 207

Atenas, sobretudo no final do século quinto antes de nossa era, confere


seu momento de glória e do apogeu do sistema democrático à pólis. Com o governo de
Péricles (495 a 429 a. C.) assinalamos a segunda parte de nosso capítulo, mesmo
porque, é ele o testemunho mais precioso desse período. “Ora, enquanto Péricles esteve
à frente do povo, a situação política manteve-se num cenário favorável; após sua morte,
208
porém, ficou bastante pior.” Sólon, como já analisado anteriormente, foi o primeiro
representante do povo, depois dele, Pisístraco (600 - 527 a. C.), tanto o primeiro, como
o segundo eram representantes do grupo dos aristocratas, por seu turno, Péricles não era
bem visto pelos grandes proprietários de terras e pelos poderosos ricos de Atenas. “De
facto, e pela primeira vez, o povo escolheu para seu chefe alguém que não gozava de
boa reputação entre as classes superiores; [...]. ” 209
Atenas é o grande centro cultural e econômico até então. No campo
político, instaura-se a democracia e, nesse tempo, o sentido educativo da filosofia tem
um papel preponderante na formação dos jovens, da pólis. Sobre isso, o historiador
Tucídides é quem nos fala mais uma vez. Ele vai descrever o próprio discurso de
Péricles, escrito na ocasião da guerra do Peloponeso. Portanto, o historiador coloca na

206
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
207
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.84.
208
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.65.
209
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.65
85

boca de Péricles que, Atenas é escola de toda a Hélade. É também para os atenienses,
escola de democracia e escola de filosofia, a pólis, sem dúvida, nasceu assim.

Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições
de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao
invés de imitar os outros. Seu nome, como tudo depende não de
poucos, mas da maioria, é democracia. [...] Na educação, ao contrário
de outros que impõem desde a adolescência exercícios penosos para
estimular a coragem, nós, com a nossa maneira liberal de viver
enfrentamos pelo menos tão bem quanto eles perigos comparáveis.
[...] Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da
filosofia sem indolência. [...]. 210

A democracia, a educação são qualidades que fazem da Grécia


clássica a verdadeira escola de toda a Hélade, são os dizeres de Péricles. A Grécia
clássica substitui as explicações míticas e religiosas pela reflexão racional e, portanto,
pela educação – paideia. Nasce a razão autônoma, pela inteligência crítica, pela
constituição e afirmação de uma personalidade livre, capaz de estabelecer uma lei
humana.

A pólis ateniense do século IV a. C. constituiu-se numa cidade de


aproximadamente cem mil habitantes, um verdadeiro turbilhão
humano para as condições materiais daquela época. Esplendorosa,
rica, dirigida por uma classe de proprietários e comerciantes de
origem aristocrática faustosa e esnobe, cheia de glórias militares e
mercantis, densamente procurada por estrangeiros e patrícios, além de
abrigar milhares de escravos. 211

Em Atenas uma nova geração educativa começa a se impor contra a


velha tradição escolar. A paideia grega clássica vai florescer nesse ambiente de
requinte, considerando apenas os interesses dos homens detentores do poder, como bem
escreveu César Nunes.

1.2 O horizonte sofístico

Nesse período, a reflexão filosófica se volta para a educação e, assim,


desde suas origens, a filosofia nasce colada à paideia. A filosofia e a educação desse
210
TUCÍDIDES. op. cit. p.98.
211
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.60.
86

período fundam o sistema educativo grego da pólis, cuja finalidade é formar os filhos da
classe nobre. “Os diálogos socrático-platônicos e os textos de Aristóteles são discursos
de (lógoi) que, sem se perderem na aparência e no efêmero, buscam a essência do real e
se impõem como verdadeiros pelo rigor e consistência dos argumentos.” 212As filosofias
da educação de Platão e Aristóteles estão ligadas ao próprio contexto histórico do
nascimento da filosofia.
Sócrates, Platão e Aristóteles compõem uma espécie de tríade sagrada
213
de que nos fala Cesar Nunes. Esse movimento intelectual formado pela tríade opera
uma verdadeira revolução sobre as finalidades da educação, juntamente com os sofistas.
Especificamente, os sofistas desempenharam um papel memorável nos debates que
disputavam com Sócrates, com Platão e com Aristóteles. O sentido educativo nasceu
exatamente aqui. Até então a especulação filosófica estava direcionada para o mundo
físico. Por isso, os primeiros filósofos são muitas vezes denominados naturalistas.
Os anos de 440 a 400 antes de nossa era representam o período da
sofística. Os sofistas foram antes de tudo educadores. Indagar os sofistas é perguntar
qual o sentido e os princípios da atividade do ensino em sua abrangência e
complexidade histórica. Em sua obra O Político, Pltatão explica essa complexidade.
Pela boca do personagem Estrangeiro Platão assegura: “Impõe-se-nos neste momento, o
dever de refletir o seguinte: qual das ciências se liga o saber respeitamente à governação
214
dos homens – o mais difícil e o mais importante de todos.” A educação, sua
amplitude, sua forma, as questões éticas são debatidas no meio da praça de Atenas.
Sem dúvida, eles acreditaram nessa possibilidade: é possível educar o
homem. Até então, o problema filosófico de debate e de reflexão girava em torno das
coisas naturais, da natureza ou a phýsis. Isto é, antes dos sofistas a realidade filosófica
gravitava em torno da natureza, do cosmos, da água, do ar, do infinito, do fogo, da terra
e de todos os elementos. Com a sofística nasce o segundo momento da filosofia grega,
expressa Henri-Bergson, “Concorda-se, desde Hegel, em fazer começar nos sofistas o
215
segundo período da filosofia grega.” Estes trabalhadores da educação juntamente
com a tríade sagrada da filosofia grega redirecionam o discurso para as coisas humanas,
na verdade eles deslocam e posicionam do discurso da natureza phýsis, para um
discurso sobre o homem. Sobre eles, expressa Giovanni Reale:

212
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.24.
213
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.61.
214
PLATÃO. O Político. 292 d.
215
BERGSON, Henri. op. cit. p.92.
87

Dizer que, sem os sofistas, Sócrates e Platão são totalmente


impensáveis significa dizer que os sofistas representam algo
totalmente novo e, de algum modo, operaram uma revolução como
relação aos filósofos da phýsis: é está revolução, junto com as razões
que a produziram, que agora devemos esclarecer. 216

Ainda de acordo com esse mesmo autor o movimento filosófico da


sofistica veio para suprir o que até agora estava esquecido e guardado: o plano da
reflexão humana. A filosofia tinha agora um novo objetivo, refletir sobre as coisas do
homem. Nesse período a democracia triunfa, a política é proeminente e a hegemonia
ateniense é notória. As grandes questões sobre o modelo educativo estão sempre em
disputa: o tipo de ensino; as matérias úteis à vida; a aprendizagem; as relações e
vínculos com o Estado; o tipo de escola; e tantas outras características são debatidas. A
partir do confronto da paideia socrática e da paideia sofistica, aos poucos, será gerada e
desenvolvida a paideia filosófica, cuja finalidade é a proposta de um governo de
filósofos. As raízes lingüísticas da palavra paideia aparecem por volta do século V a.
C.. Bem no início desse século, ainda significa criação de meninos. Contudo, toda a
educação grega clássica está voltada para a vida adulta: Tratando especificamente disso,
Henri-Irénée Marrou acrescenta: “Em primeiro lugar, toda esta educação está orientada
para o fim da formação do homem adulto e não para o desenvolvimento da criança.” 217
A etimologia não contempla a amplitude do termo, ou seja, o sentido verdadeiro não é o
sentido linguístico, ele ultrapassa essas dimenensões conceituais. Afirma Henri-Marrou:
“[...] bem sei que a palavra  encontra-se παιδί, mas o sentido completo é este:
“o tratamento que se deve dispensar à criança para fazer dela um homem, perceberam-
no bem os latinos, que com Varrão e Cícero, traduziram  por humanitas.” 218
Etimologicamente o termo paideia do grego (αίδεςζη) deriva de paidós
(παίρ) quer dizer criança. Nesse entendimento, a paideia seria uma técnica, um kwou-
how para moldar a criança, mas para os gregos antigos, o sentido não é exatamente esse.
Os gregos desconhecem por completo a psicologia infantil. Inicialmente preocupada
mais com educação técnica dos meninos, com a formação de seu caráter, a paideia
incorpora a formação moral e política do cidadão da pólis, e alcança sua maior
expressão na práxis axiológica da cultura humana que leva o homem a perguntar, a
216
REALE. Giovanni. História da Filosofia Grega e Romana II Sofistas, Sócrates e Socráticos
menores. 9 ed. Tradução Marcelo Perini. São Paulo: Edições Loyola, 2009. p.25.
217
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.341.
218
ibid. 1990. p.341.
88

interrogar o sentido e a finalidade da existência pessoal e coletiva.“Na experiência dos


filósofos-educadores o conceito de paideia superava a vinculação limitada à instrução
da criança.” 219 Aristóteles trata dessa questão no segundo capítulo de Política. Expressa
ele:

Em primeiro lugar, um animal é constituído de alma e de corpo, e


destas partes a primeira é por natureza dominante e a segunda
dominada. Para descobrir o que é natural devemos conduzir a nossa
investigação de preferência para as coisas em seu estado natural, e não
para as deterioradas. 220

As crianças, as mulheres, escravos e bárbaros estão numa condição


inferior aos homens livres. De acordo com as reflexões aristotélicas para desvendar o
que é natural é preciso encaminhar as pesquisas preferencialmente para as coisas em seu
estado natural, e não para as deterioradas. Por isso, ele expressa: “Consequentemente,
ao estudar o homem cumpre-nos considerar aquele que está nas melhores condições
221
possíveis de corpo e de alma; [...]” Para esse filósofo, somente o homem livre se
encontra em condições possíveis de corpo e de alma. Como sabemos as crianças não são
completamente desenvolvidas e por isso, nunca poderiam ser compreendidas apenas em
relação a elas mesmas. É isso que Aristóteles quer evidenciar, as qualidades morais e
intelectuais estão em potência no homem livre, portanto, a paideia grega não está
voltada para formar a criança em si, mas, para o homem enquanto tal. Aristóteles
descreve: “[...] a natureza de cada coisa é seu estágio final, porquanto o que cada coisa é
quando o seu crescimento se completa nós chamamos de natureza de cada coisa, quer
222
falemos de um homem, de um cavalo ou de uma família.” É no homem livre que
aparecerá o princípio fundante da filosofia aristotélica, não nos homens não livres,
explica ele, aqueles homens que “[...] são maus ou estão em más condições pode-se ser
levado a pensar que o corpo muitas vezes comanda a alma por causa de suas condições
deterioradas ou contra a natureza.” 223 Logo, a paideia assumiria uma finalidade distinta
e exclusiva, podemos assim dizer: a educação grega se volta para a formação do homem
adulto, o objetivo não era formar a criança em seu desenvolvimento, como afirmou
Henri-Marrou, mas, dela fazer um homem. Essa idéia de educação representa para os

219
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.62
220
ARISTÓTELES. Política. I, 2,1254 b.
221
ibid. I, 2, 1254 b.
222
ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1253 a.
223
ibid. I, 2, 1254 b.
89

povos helênicos o esforço máximo para compreender o lugar e a totalidade do homem


na sociedade. Esse ideal de homem pensado pela educação helênica representa, em face
dos povos da época, um novo estágio em tudo o que se refere à vida dos homens em
comunidade. O verdadeiro sentido da educação não é o indivíduo, mas a pessoa
humana. O que justifica a existência de uma comunidade ou de um indivíduo reside no
entendimento de sua autonomia. Em sentido original a educação pretende atingir a mais
rica e perfeita personalidade do homem.
Com o advento dos sofistas, essa palavra ganhará cada vez mais
amplitude e importância em seu significado na vida dos gregos. Portanto, paideia
significa formação humana ou formação do homem como tal. A antiga educação
helênica está impregnada de cultura e religiosidade. Os princípios dessa educação não
fazem distinção entre cultura e religião: a educação, reafirmamos, está impregnada do
discurso religioso. Entretanto, com os sofistas, a educação dá um passo largo em relação
a uma educação consciente: “A cisão tem lugar no tempo dos sofistas, que é ao mesmo
224
tempo a época da criação da ideia consciente de educação.” O conceito de paideia,
com os sofistas, ultrapassa a vinculação limitada à criança, ou seja, deixou de se
restringir às questões da infância. A ação educativa se refere ao homem adulto:

O conceito, que originariamente designava apenas o processo da


educação como tal, estendeu ao aspecto objetivo e de conteúdo a
esfera do seu significado, exatamente como a palavra alemã Bildung
(formação) ou a equivalente latina cultura, do processo da formação
passaram a designar o ser formado e o próprio conteúdo da cultura, e
por fim, abarcaram, na totalidade, o mundo da cultura espiritual: o
mundo em que nasce o homem individual, pelo simples fato de
pertencer ao seu povo ou a um círculo social determinado. A
construção histórica deste mundo da cultura atinge o seu apogeu no
momento em que se chega à ideia consciente de educação. Torna-se
assim claro e natural o fato de que os Gregos, a partir do século IV,
quando este conceito encontrou a sua cristalização definitiva, terem
dado nome de paideia a todas as formas e criações espirituais e ao
tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por
Bildung ou, com a palavra latina cultura.225

A constituição do processo de toda amplitude da cultura só pode atingir


sua meta quando a educação vem à tona em seu sentido consciente, vivo, penetrante e
borbulhante na sociedade onde está engendrada, a paideia é entendida assim, em sua
consciência plena e definitiva nesta civilização. Explica-nos Werner Jaeger, o conceito

224
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.352.
225
ibid. p.354.
90

de paideia que incialmente estva ligado ao processo educativo aos poucos se estende a
própria ideia de cultura. “Os sofistas constituem, sob este ponto de vista, um fenômeno
central. São criadores da consciência cultural em que o espírito grego alcançou o seu
telos, e a íntima segurança da sua própria forma e orientação.” 226
Esse desenvolvimento determinadamente histórico da formação do
homem atinge seu ápice no momento em que a ideia de educar passa a ser algo
consciente na cultura dessa civilização. A paideia se volta para uma formação
continuada do homem, consciente de que somente no plano do comunitário é possível
realizar perfeitamente o ideal humano. Nesse nível, a formação se volta para o plano do
político e, em seu caráter mais profundo, mais do que conhecer a historicidade e a
singularidade do seu território ou de sua etnografia, a formação política se volta para os
negócios da pólis, se refere às coisas humanas. Não tão distintamente da política
contemporânea, muitas vezes preocupada, sobretudo, com os interesses dos indivíduos e
dos grupos, e permeada tanto pela corrupção como pelo engano, a política da Grécia
clássica dimensiona uma questão significativa e instigadora: ela centraliza a totalidade
da vida educativa do cidadão:

Além de criarem a razão, a política, a democracia e o teatro, os gregos


souberam, talvez como nenhum outro povo, valorizar a educação,
entendida não como escola, instrumentalização de crianças e jovens
para o exercício de funções e atividades específicas, mas como
paideia, cultura, ideal de excelência, trabalho de purificação e
elevação da alma à mais alta perfeição. 227

A reflexão sobre a paideia consagra um incondicional saber a respeito da


educação, um esforço educativo para formar o homem em sentido integral, por inteiro,
um processo permanente e durável que consiste em formar o homem durante toda a sua
vida. Nesse cenário é que remontamos propriamente às concepções das filosofias da
educação de Platão e Aristóteles.
No alvorecer do século VI, antes de nossa era, Pitágoras (570 a. C.), um
dos primeiros filósofos, refletiu sobre essa paideia: “Sua tese é que existe um bem que
se transmite sem perdê-lo, sem onerar ou diminuir quem o distribui: a educação, a que
confere o nome de paideia.” 228 Sabemos que a filosofia nasce por volta do século VI a.
C., em Mileto - cidade-estado, na Jônia. Com a filosofia, nasce um saber racional – os

226
JAEGER, Werner. op. cit. p.354.
227
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.45.
228
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.62.
91

mitos não mais servem para explicar a vida humana, mas “Em sua origem, a filosofia
nasceu como forte oposição à explicação mitológica de analisar a realidade”. 229 As
instituições filosóficas de caráter particular têm a finalidade especulativa do mundo, da
natureza, do cosmo. Os primeiros nomes estão ligados aos filósofos como Tales de
Mileto (640 – 546 a. C.), Anaxímenes (588 – 524 a. C), Anaximandro (610 – 546 a. C.)
Heráclito (535 – 475 a. C.) Parmênides, (530 – 460 a. C.), Pitágoras (século VI) e
muitos outros. Todos esses filósofos tentam explicar a realidade a partir de premissas
lógicas, portanto racionais.

Os primeiros filósofos gregos buscavam um tipo de saber que fosse


capaz de superar o nível primário do conhecimento, aquilo que
definiam com doxa, como um saber ingênuo, simplista, como opinião
e que, ao mesmo tempo, não fosse confundido com o dogmatismo das
doutrinas e adivinhações mitológicas vigentes. A marca de
diferenciação que delimitava a intencionalidade do saber filosófico
nascente era a distância do saber primário, definido como senso
comum, e a negação do saber mitológico. 230

Esses filósofos, conhecidos como filósofos naturalistas têm como ímpeto


fundamental de suas investigações uma compreensão racional do mundo exterior da
natureza. Eles se preocupam em estudar e conhecer a ordem do cosmo, do universo, do
mundo, do número e de suas partes constituintes. Aos nossos olhos, esses primeiros
filósofos se parecem muito mais com cientistas do que com filósofos. Aliás, a palavra
filósofo começa a ser utilizada com Pitágoras, – é ele quem se denominará filósofo –
amigo da sabedoria. Sobre isso, Laértios Diógenes esclarece:

[...] Pitágoras, foi o primeiro a usar o termo e a chamar-se de filósofo;


com efeito, Heracleides do Pontos em sua obra A Mulher Exânime
atribui-lhe em conversa com Lêon, tirano da cidade de Fliús, a frase
segundo a qual homem algum é sábio, mas somente Deus.
Imediatamente esse estudo passou a chamar-se sabedoria, e seu
professor recebeu o nome de sábio, para significar que atingira a
perfeição no tocante à alma, enquanto o estudioso dessa matéria
recebia o nome de filósofo. Outro nome para os sábios era „sofista‟, e
não somente para os filósofos, mas também para os poetas – Cratinos,
ao elogiar Homero e Hesíodo em sua peça Arquílocos, dá-lhes esse
nome. 231

229
NUNES Cesar Aparecido. p.58.
230
ibid. p.58.
231
LAÊRTIOS. Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução do Grego, Introdução e
Notas: Mario da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998. (Coleção Biblioteca UnB). p.15.
92

Pitágoras funda, organiza e sistematiza a primeira escola filosófica com


peculiaridades pedagógicas, mas não é ainda uma escola pública ou uma escola de
Estado. Conforme os estudos de Marrou, o Pitagorismo se abre à dimensão pedagógica
em uma instituição já apropriada. Tem sua sede, normas e reuniões regularizadas: “[...]
é uma verdadeira escola, que absorve o homem por inteiro e lhe impõe um estilo de
vida”.232 É uma espécie de confraria. As primeiras escolas filosóficas revelam os
primeiros mestres no âmbito filosófico. Não são ainda educadores, são considerados
sábios. Aos primeiros sábios estão ligados nomes como Tales, Anaximandro, Heráclito,
Parmênides e também Pitágoras. Daqui, Platão e Aristóteles também recolhem dessas
primeiras confrarias raízes institucionais, para posteriormente fundar respectivamente a
Academia e o Liceu – suas escolas filosóficas e científicas. Porém, esclarece Marrou:

Mas não foi destes círculos de especialistas que emanou a grande


revolução pedagógica com que a educação helênica daria um passo
decisivo para maturidade: ocorrendo na segunda etapa do quinto
século. Ela é obra deste pugilo de inovadores que se conveio em
designar pelo nome de Sofistas. 233

Os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles modificam o cenário educativo


da história da civilização grega. Particularmente, os sofistas são os primeiros a lançar a
pedra de toque. Começa com eles um novo ciclo formativo na vida da pólis. Abre-se a
porta para uma nova profissão, a qual abarca, marca e fertiliza todo o território do
processo pedagógico das escolas de Atenas no começo do século V a. C. Desde então
uma verdadeira batalha educativa e ideológica se instala na pólis. De um lado, os
sofistas, de outro, nada menos que Sócrates, Platão e Aristóteles.

Extraordinária ousadia essa que nos mostra o caminho percorrido pelo


homem desde os „costumes invariáveis‟ dos primitivos até esse
momento singular em que ele começa a compreender a pequena
importância de muitos dogmas e a tirania de muitas tradições. Para
esse „novo homem‟ era necessária uma nova educação, mas nenhuma
das escolas que existiam em Atenas era capaz de proporcioná-la. O
ideal que dominava até então era o ideal que os senhores da terra
haviam concebido e imposto, ao passo que o novo ideal era dos
comerciantes e industriais, que até então tinham estado excluídos do
ginásio. Os Sofistas se apropriaram sagazmente dele e lançaram no
mercado o seu trabalho intelectual. 234

232
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.82.
233
ibid. 1990. p 83.
234
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez. 1994. p.53.
93

De acordo com essa reflexão, Aníbal Ponce explica que os sofistas,


contrariando a tradição educativa que domina a época, desenvolvem uma nova prática
educativa, eles não condenavam ou desabonavam o trabalho, os sofistas são também
trabalhadores, são eles também artesãos. Os sofistas “[...] se propuseram dar aos
atenienses não só os conhecimentos que a vida prática requeria, como também
secularizar a conduta, tornando-a independente da religião.” 235
Como já sabemos, Sócrates entra em conflito com os sofistas e tantas
vezes os ridiculariza. “A ciência desinteressada não tinha atrativos para ele, e, além
disso, ele havia transformado o problema moral no centro predileto das suas
236
meditações.” Posteriormente também Platão critica os sofistas por ganhar dinheiro
com a educação, é inadmissível para esse filósofo que a educação tenha fins práticos.
Seu discípulo Aristóteles defenderá a mesma tese e também fará oposição a eles. O
ganha-pão dos sofistas é ocasião de conflito. Em Ditos e Feitos Memoráveis, de
Sócrates, Xenofonte, também os ridicularizam: é Sócrates, o personagem central dessa
obra, ele, por sua vez, argumenta com os sofistas. “Será porque, ao contrário dos que,
exigindo salário, são obrigados a fazer o que lho rende, eu que nada recebo não sou
forçado a falar com quem não queira?” 237
Protágoras (485 – 410 a. C.) é um dos expoentes centrais deste círculo –
com ele nascerá a paideia sofística, vindo de outras terras, esse estrangeiro oferece seus
serviços, [...] a troco de remuneração, oferece toda a classe de conhecimentos; [...]238 A
palavra sofística é derivada da palavra sofista que, por sua vez, significa, em sentido
originário, sábio, capaz de falar bem,; ou seja, aquele que sabe falar, que é hábil no
discurso, que sabe dominar a linguagem. O termo sofistica perdeu seu sentido originário
Giovanni Reale explica:

É sabido, com efeito, que o sofista, na linguagem corrente há tempo


assumiu um sentido decididamente negativo: sofista é chamado aquele
que, fazendo uso de raciocínios capciosos, busca, por um lado,
enfraquecer e ofuscar o verdadeiro, e por outro, reforçar o falso,
revestindo-o de aparências do verdadeiro. Mas este não é de modo
algum o sentido original do termo, que significa simplesmente „sábio‟,

235
PONCE, Aníbal. op. cit. p.53.
236
ibid. p.53.
237
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. In: Os Pensadores. p.62.
238
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.624.
94

„especialista no saber‟, possuidor do saber. Significa não só algo


positivo, mas altamente positivo. 239

Desde Platão, esse conceito ganhou pejorativamente o significado de


alguém suspeito, de alguém que usa artifícios duvidosos para fazer prevalecer sua
opinião. Podemos dizer que os sofistas não são filósofos, menos ainda são cientistas,
eles são os pedagogos – os educadores, eles não criaram filosofias, mas sim difundiram
o conhecimento já existente.

Ideólogos autênticos da „nova riqueza‟, os sofistas afirmam que „o


homem é a medida de todas as coisas‟, e parecem encerrar nessa frase
a mesma doutrina que muitos séculos mais tarde se transformará na
bandeira do individualismo burguês. Todas as ideias recebidas
começam a parecer „relativas‟ aos seus olhos, e se o subjetivismo no
campo moral já era em si perigoso, a maneira como Trasímaco, por
exemplo, enfrentava o direito positivo quase chegava a ser
revolucionária. 240

Protágoras até então é o maior deles. Uma de suas frases mais


conhecidas, talvez a mais famosa, é “[...] „ O homem é a medida de todas as coisas, das
coisas que são que elas são, das coisas que não são que elas não são. ‟ ” 241 Sua missão e
ofício é educar os homens, em Protágoras, pela boca de Platão, ele afirma: “[...]
242
declaro sem ambages que sou sofista e instruo os homens.” A profissão de
Protágoras consiste em ensinar bem a arte da política e educar os jovens na sabedoria.
Podemos perceber, aqui, que a reflexão sobre a formação educativa desse período passa
a ser o homem, não mais o herói, o guerreiro como enfatizamos na educação homérica.
A reflexão se volta, pela primeira vez, para uma investigação moral e ética do ser
humano. Evidencia-se o valor do humano, isto é, do indivíduo. Diôgenes Laêrtios conta
que “[...] Protágoras e Prôdicos de Céos ganhavam a vida fazendo leituras públicas”,243
e ele também é o primeiro a sustentar que qualquer argumento tem duas posições
contrárias. “Era notória a venalidade dos sofistas, principalmente de Protágoras, que se
244
tornou famoso pelas importâncias recebidas de Evatlo.” Os estudos de Marrou
evidenciam que é Protágoras o primeiro a receber salário, ele está atento para essa
questão, isto é, ele é o primeiro a aceitar pagamento pelas suas atividades educativas.

239
REALE. Giovanni. op. cit. 2009. p.23.
240
PONCE, Aníbal. op. cit. p.52.
241
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.264.
242
PLATÃO. Protágoras. In: Diálogos. 317 b.
243
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.264.
244
N.T. In: ARISTÓFANES. As nuvens. In: Os Pensadores. p.182.
95

Protágoras pedia a considerável soma de dez mil dracmas (a dracma,


cerca de um franco-ouro, representava o salário diário de um operário
qualificado). Seu exemplo servirá por muito tempo de modelo, mas os
preços baixarão rapidamente: no século seguinte (entre 393 e 338),
Isócrates não pedirá mais de mil dracmas e lamentará que
concorrentes desleais aceitem receber a bagatela de quatrocentas ou
mesmo trezentas dracmas. 245

Os sofistas aparecem em Atenas por volta do século V a. C., com o


intuito de resolver o problema da formação dos jovens da alta classe. Platão no
Protágoras explica o sentido político da formação dos jovens atenienses, a proposta é
formar bons cidadãos que saibam administrar sabiamente a cidade. “Essa disciplina é a
prudência nas suas relações familiares, que o porá em condições de administrar do
melhor modo sua própria casa e, nos negócios da cidade, o deixará mais do que apto
246
para dirigi-los e para discorrer sobre eles.” Além de Protágoras, entre os mais
conhecidos estão: Górgias, (485 – 391 a. C.), famoso por sua habilidade na arte retórica,
um dos diálogos de Platão é dedicado a Górgias; Hípias, os pesquisadores não datam
nem seu nascimento, nem sua morte, provavelmente tenha aparecido pela metade do
século V a. C., sobre ele, Reale expressa, “Este sofista, que deve ter sido muito famoso,
(Platão lhe dedicará dois diálogos), condividia a concepção do fim do ensinamento
(educação política) que era própria de todos os outros sofistas, [...]” 247; Crítias, (450 –
404 a. C.), parente de Platão e um dos expoentes do governo dos Trinta; e também
Trasímaco de Calcedônia, (459 – 400 a. C.), esse, por sua vez participa como
personagem significativo no primeiro livro de A República. Atenas é rica culturalmente
e caminha cada vez mais para o processo da democracia, até então, é modelo para as
demais poleis. Nesse ínterim, os sofistas, hábeis conferencistas, sabiam ensinar a arte de
bem falar e, portanto, ganhavam a vida difundindo o saber. Os jovens atenienses
precisam e devem ser educados e instruídos na oratória, devem aprender a ser hábeis no
discurso para intervir na assembleia, na vida política da pólis.

Os jovens que seguiam os sofistas, que escutavam Sócrates, que


frequentavam os ginásios eram ricos. Os ginásios se converteram, por
volta do século IV, em centros de reunião da sociedade elegante.
Frequentá-los era equivalente a declarar que não se estava obrigado a
trabalhar para viver. [...] Que buscavam os jovens nas bem pagas
245
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.86.
246
PLATÃO. Protágoras. In: Diálogos. 319 a.
247
REALE, Giovanni. História da filosofia Antiga. I Das origens á Sócrates. Tradução Marcelo Perine.
São Paulo. Edições Loyola, 1993. (Série História da Filosofia). p.228.
96

lições dos sofistas? Uma coisa acima de tudo: a sabedoria prática, que
evita os escolhos e conselhos fecundos capazes de garantir êxitos na
oratória política. De fato, Protágoras assinalava como fim da
educação: dar bons conselhos em assuntos domésticos, para que os
jovens arranjem as suas casas do melhor modo possível, da mesma
forma que capacitá-losem assuntos políticos, para serem capazes de
dominar os negócios da cidade. 248

A Atenas do século V a. C. é uma cidade rica e poderosa diante das


demais poleis. Demograficamente era uma cidade constituída de pessoas
sucessivamente ricas que viviam de rendimentos e investimentos de suas propriedades,
terras, escravos, e empréstimos de dinheiro, sobretudo de transações mercantis
realizadas no famoso porto de Atenas, o Pireu. Em Política, preocupado com a
civilidade, com a comunicação e, sobretudo com o número de cidadãos que viviam em
Atenas, Aristóteles explica a realidade portuária, tendo em vista, as forças navais da
época. Ele nos informa que ali circula necessariamente um grande número de pessoas,
em virtude da grande tripulação, das inúmeras frotas marítimas ali abrigadas e
comandadas pelos marinheiros combatentes, compulsoriamente, cidadãos de Atenas. A
grande preocupação do Estagirita é o [...] número de cidadãos e a expressão do
249
território. De acordo com sua investigação, uma cidade constituída de um número
muito pequeno de habitantes não será uma cidade auto-suficiente. Esta associação de
pessoas ou, esta comunidade precisa ser auto auto-suficiente. Portanto, a questão
territorial é investigada pelo Estagirita. Para ele, o número de habitantes de uma pólis
dever ser um número que assegure a auto-suficiência. A intenção da civilidade em
Aristóteles não é senão fazer que cada cidadão tenha uma vida boa, ou seja, [...] capaz
de assegurar-lhe a auto-suficiência com vistas a uma vida melhor segundo as regras da
comunidade política [...]. 250
Do ponto de vista da extensão geográfica era de fato uma cidade
pequena, um estado pequeno em relação ao mundo moderno. De acordo com os estudos
de Finley, as poleis eram sempre pequenas tanto em população e em área. Sobre Atenas,
Finley enfatiza: “[...] cerca de 1500 quilometros quadrados, o que equivale, mais ou
251
menos, a Dorset, Derbyshire ou ao Grão Ducado de Luxemburgo [...].” O número
total dos habitantes de Atenas quem nos informa é o americano Moses Finley. É claro

248
PONCE, Aníbal. op. cit. p.55.
249
ARISTÓTELES. Política. VII, 4, 1326 a.
250
ARISTÓTELES. Política. VII, 4, 1326 b.
251
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.47.
97

que não podemos e nem temos a exatidão destes dados. Os números que o helenista
informa são números estimados. Escreve ele em sua obra Os Gregos Antigos: “[...]
Quando a população de Atenas atingiu o auge ao estalar a Guerra do Peloponeso 252 em
431, o seu total, incluindo mulheres e crianças, homens livres e escravos, era cerca de
253
250000 ou 275.000.” Para esse helenista, pelo menos um terço da população ou
pouco mais de cidadãos viviam nas regiões urbanas, os demais, escravos e cidadãos não
livres impedidos de possuir terras e posses “[...] concentravam-se na cidade e na zona
254
do porto.” Para ocupar um lugar de destaque na pólis, o cidadão precisa dominar a
arte de bem falar. A palavra é, pois, o instrumento mais precioso e mais poderoso na
pólis.

A oratória política, por outro lado, requeria conhecimentos variados,


mas superficiais e, acima de tudo, riqueza dialética, desenvoltura e
agilidade mental. Mais do que o saber propriamente técnico do
advogado, útil sem dúvida, mas não indispensável, porque a parte
jurídica das alegações poderia ser entregue a qualquer logógrafo
especializado, interessava agora conhecer todas essas veredas do
raciocínio capcioso, pelas quais se vai habilmente empurrando o
adversário até fazê-lo despencar numa armadilha de efeito fulminante.
Mesmo sem estar investido de qualquer função social, o orador de
prestígio, que domina o seu auditório, podia ter em suas mãos a
direção da Assembleia. 255

Após a experiência de tirania pela qual passa a cidade de Atenas,


próximo ao sexto século a. C., a vida dos cidadãos se concentra em torno da política.
Atenas passa a ser uma pólis norteada pelo campo político. Explica Marrou, o que
estava em jogo era a formação política, “[...] o exercício do poder, a gestão dos negócios
públicos tornam-se a ocupação fundamental, a atividade mais nobre e mais apreciada do
256
homem grego, o supremo objetivo ofertado à sua ambição.” O homem grego, nesse
sentido, precisava mostrar-se superior, sobrepujar-se, e superar o seu oponente no
discurso. O cidadão grego até então teria que ser o melhor, o superior, seja nos
combates ou nos esportes. Agora, porém, ele deve ser o melhor também no meio

252
Registrada nas obras dos historiadores gregos Tucídides e Xenofonte, a guerra do Peloponeso foi a
maior e mais expressiva luta armada entre espartanos e atenienses. Esta batalha foi travada por duas
grandes simaquias: a de Delos – Atenas e a do Peloponeso – Esparta. Com o término das guerras Médicas
– conflitos entre gregos e persas, Atenas cria a liga de Delos, tinha esse nome porque a fortuna – riquesas
das cidades confederadas era, em princípio, guardada na Ilha de Delos, igualmente conhecida como liga
Marítima ateniense. TUCÍDIDES. op. cit. p.15.
253
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.48.
254
ibid. p. 61.
255
PONCE, Aníbal. op. cit. p.55.
256
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p.83.
98

político: ele deve brilhar na vida pública. Ele deve ser um homem de ação, e
principalmente, na ação política, isto é, formado para as tarefas do dizer. Platão, em sua
obra Górgias, descreve esse novo homem de forma lúcida, diante do entendimento que
os sofistas tinham de sua própria profissão, ou seja, Platão tem como objetivo ressaltar a
natureza do trabalho que eles, os sofistas, faziam. Tomando-se por base o início da obra
Górgias, Sócrates, o personagem central, está a debater e a investigar sobre a finalidade
do trabalho dos sofistas: a retórica, no caso específico, da profissão do personagem
Górgias. Sem dúvida, esse era um dos maiores retóricos da época de Sócrates e Platão,
brilhantemente, coloca na boca desse personagem, o que ele pensa sobre o uso da
retórica. Afirma Górgias: “[…] a retórica não tem nada que ver com esses aspectos, pelo
contrário, toda a sua ação e eficácia se realizam através palavra. É por isso que eu digo
257
que a retórica é a arte dos discursos e estou convencido de que digo bem.” O sofista
sabe disso – por isso, a cada momento, procura sempre estar em espaço público, seja
nos ginásios, ou na casa dos aristocratas. Ele anda de cidade em cidade à procura de
estudantes, tarefa não muito fácil.
O sofista procura os lugares mais diferentes possíveis: está presente nos
momentos de lazer, nas práticas esportivas nos ginásios – procura sempre uma ocasião
para ser ouvido. Os pais das famílias da elite de Atenas pagam para esses a educação de
seus filhos, uma vez que é preciso formá-los para o exercício das tarefas da política, e os
sofistas sabem muito bem disso. Aristófanes revela o lado ganancioso dos sofistas a
partir de um diálogo entre os personagens: o pai, Estrepsíades e o filho, Fidípides: “Se a
gente lhes der algum dinheiro, eles ensinam a vencer com discursos nas causas justas e
258
injustas.” Portanto, ensinam a arte da retórica, do convencimento, realmente é
preciso falar bem e exercer bem as tarefas do dizer.
Ainda, sobre a postura histórica e iluminista dos sofistas, Reale Afirma:

Eles subverteram as velhas concepções da physis, nas quais o


pensamento ameaçava cristalizar-se; verteram, criticaram a religião
tradicional, abalaram os pressupostos aristocráticos sobre os quais se
fundavam a política passada, abalaram as instituições esclerosadas,
contestaram tábua de valores que então era defendida sem convicções.
259

257
N.T. In: PLATÃO. Górgias. p.28
258
ARISTÓFANES. op. cit. p.182.
259
REALE, Giovanni. op. cit. 1993. p.197.
99

O que sabemos dos sofistas é revelado por Platão. Eles trabalham para o
ensino – seu papel primeiro e indispensável na vida da pólis é formar a personalidade
dos jovens, meta cujo fundo é político. Eles procuram formar o espírito do cidadão para
a carreira do homem público. Da mesma forma, mais tarde, Platão não relegará esse
ideal, porém, ao adotá-lo, o faz numa nova perspectiva. Ao combater as normas e os
costumes do mundo aristocrático, os sofistas fazem uma revolução na paideia grega.
Iniciam um novo modo de encarar a vida; instituem uma maneira diferente de pensar os
costumes, as normas, os valores e as ideias da época. Segundo Werner Jaeger, pela
primeira vez eles convertem a paideia num problema consciente e situam a educação
no centro da vida do povo grego.

É no tempo dos sofistas que a paideia se converte pela primeira vez


num problema consciente e se situa no centro do interesse geral, sob a
pressão da própria vida e da evolução do espírito, que sempre
colaboram. Nasce uma „cultura superior‟, surgindo e se
desenvolvendo, como representante dela, uma profissão especial: a
dos sofistas, que se atribuem a missão de „ensinar a virtude.‟ 260

De acordo com esse autor, a atitude original desses itinerantes é


investigar e criticar a educação tradicional. A questão de ensinar ou não a virtude é uma
questão que está no centro dos debates da polis; portanto, a educação é uma questão, por
excelência, filosófica. Logo, na primeira linha do livro Mênon de Platão, uma pergunta
surge como um estopim. Nesse livro, Platão ocupa-se da questão da virtude, quer ele
saber se ela, a virtude, está dentro ou fora da alma dos seres humanos. O personagem do
livro faz a pergunta fatal: Podes dizer-me Sócrates: a virtude é coisa que se ensina?261
Os diálogos platônicos por uma razão ou por outra, sempre revela que Sócrates está
mais perto da virtude que os sofistas. Ainda sobre esses educadores Durant Will
acrescenta:

Entretanto, o mais característico e fértil desenvolvimento da filosofia


grega corporificou-se nos sofistas, filósofos ambulantes que
analisavam o íntimo de sua própria natureza, de preferência o mundo
das coisas materiais. Eram, todos, muito hábeis (Górgias e Hipias, por
exemplo,) e muitos deles profundos (Protágoras, Prodicos); raro ou
será o problema ou a solução de nossa filosofia corrente sobre o
espírito e a conduta que não tivessem conhecido ou discutido.262

260
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.645.
261
PLATÃO. Mênon. 70 a.
262
DURANT, Will. op. cit. p.25.
100

Fica claro que a partir deles nasce uma profissão: a do ensino. A


finalidade do ensino grego era sem dúvida educar os nobres e os sofistas assumem
também esse ideal. “No fundo não era senão uma nova forma de educação dos nobres.”
263
Por um lado, encontramos os sofistas, cuja arte da persuasão, do convencimento,
coloca em dúvida não só a tradição, mas também a existência de verdades, justamente
por se tratar da formação do jovem político. Atenas exigia profundamente um novo tipo
de ensino, uma nova educação. Nasce um novo tipo de escola e os sofisas são os
primeiros homens que fazem o processo de renovação. A partir do conceito de retórica
na obra de Platão, Górgias, Sócrates e o personagem Górgias comentam sobre as novas
artes que Atenas necessita. É Platão que pela boca de Sócrates, expressa um novo
modelo educativo, um novo currículo:

Há, pelo contrário, outras artes que realizam todos os seus objetivos
pela palavra e não carecem praticamente de nenhuma ou quase
nenhuma ação. É o caso da aritimética, do cálculo, da geometria e
também do jogo do tabuleiro e de muitas outras artes em que o
discurso desempemha, por vezes, um papel superior, dado que toda a
atuação e eficácia se verificam nestas artes da palavra. 264

Sabemos que neste tempo a democracia está borbulhando em Atenas. O


modelo formativo aristocrático não mais atende as necessidades dos cidadãos da pólis.
Nessa época os atenienses legislaram uma norma que restrigia a cidadania aos filhos
legítimos, na verdade, não importava se os progenitores fossem cidadãos. Moses I
Finley explica essa situação, pois, teria isso acontecido anteriormente como um dos
grandes chefes de Atenas, Péricles. “Tinha havido uma época, duas ou três gerações
antes, em que os aristocratas gregos angariavam muitas vezes os casamentos dos filhos
265
fora da comunidade por vezes, até com bárbaros.” Portanto, o debate, a reflexão os
questionamentos eram constantes. A educação fundada no conhecimento dos poetas e
dos cantores arcaicos não correspondia às neceossidades de uma cidade democrática.

Pelo contrário, os sofistas estabeleceram um currículo de estudos e


diziam-se detentores de um saber que eram capazes de comunicar aos

263
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.339.
264
PLATÃO. Górgias. 450 e
265
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.49.
101

ouvintes: um saber que lhes permitiria afrontar todas as questões e


realizar, por conseguinte, uma brilhante carreira política. 266

O exemplo mais significativo pode ser percebido claramente em


Protágoras que, ao reconhecer o enfraquecimento e esfacelamento dos ideais da cultura
aristocrática, indaga sobre a virtude. A formação do homem na pólis é objeto de
reflexão, de debate, de dúvidas. Protágoras e os demais sofistas, de algum modo,
preocupam-se com a questão prática, com a práxis, preocupação, aliás, essencialmente
ética. Interrogam os valores instituídos e consolidados na pólis com o objetivo de
construir uma cidade democrática. Por outro lado, encontramos Sócrates, figura
emblemática no centro da vida da pólis. Extremamente crítico em relação aos
ensinamentos sofísticos, faz severas críticas ao saber do senso comum, sobretudo aos
ensinamentos de Protágoras, cuja arte maior era essa habilidade de saber fazer
prevalecer qualquer ponto de vista sobre a opinião oposta. Aflora aqui, uma verdadeira
disputa pelas finalidades educativas da época: de um lado, a paideia sofística; de outro,
a socrática.

1.2.1 O cenário da filosofia da educação em Platão.

O cenário histórico onde Platão inventa sua filosofia é um cenário


político por excelência em todos os aspectos: na cultura, no comércio, nas artes, na
educação, na filosofia, nas ciências. A cultura científica grega desse período é
efervescente: borbulha criatividade na investigação; a originalidade facilmente é
percebida no estilo artístico que traduz o sentido estético da visão de seus criadores.
Esse legado grego é visível, tanto nas artes, como na matemática, tanto na astronomia,
como na escultura, seja música ou na pintura, seja no teatro como na retórica, da mesma
forma, na geometria, na poesia e, sobretudo, na filosofia. Sem dúvida, esse crescimento
gradual e rápido das ciências proporciona o desenvolvimento do setor econômico: a
matemática contribuiu largamente para dar equilíbrio às transações mercantis; a
astronomia possibilitou um desenvolvimento adequado no setor da navegação. Logo,
266
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 2010. p.38
102

com a estabilidade econômica e o acumulo de riquezas proporcionaram segurança e


tranqüilidade para uns os poucos poderosos e afortunados de Atenas. Platão não se furta
sequer um momento desse sentido mais amplo do quadro político de Atenas, portanto,
ali, elabora e cria sua filosofia.
Do ponto de vista da política educativa, os sofistas na época de Platão
dominam o campo do processo pedagógico. Em Protágoras, é possível notar esse
domínio sofistico. No diálogo sobre a questão da virtude, pela boca de Platão, o próprio
Protágoras pergunta para Sócrates e para os interlocutores: “Mas, que preferis: falar-vos
eu como um velho que se dirige a jovens e contar-vos uma história, ou expor o assunto
267
sob forma de dissertação?” Os sofistas propunham todo e qualquer tipo de debate
possível, refletiam sobre qualquer de tema, nada passava distante de seus olhos. Durant
Will esclarece e enfatiza sobre essa conduta sofistica:

Formulavam questões a respeito de tudo; mostravam-se á vontade na


presença de tabus religiosos ou políticos; e ousadamente traziam todas
as crenças e instituições perante o tribunal da razão. Em política, se
dividia em duas escolas. Uma como a de Rousseau, asseverava que a
natureza é boa e, a civilização, má; [...] Outra escola, como depois a
de Nietzsche, proclamava que a natureza se acha além do bem e do
mal, que naturalmente todos os homens são desiguais. 268

O contexto da guerra é outro elemento familiar que também compõe o


horizonte de onde brota a filosofia platônica. A guerra em si e por si faz parte da vida do
homem, é também tão antiga quanto ele. E nas poleis ela tem uma característica própria.
A própria formação e criação das poleis favoreciam o contexto das guerras como já foi
analisado anteriormente. Cada cidade se autogovernava, em suma, cada pólis era um
Estado independente. Do âmbito político a maior debilidade ou limitação de uma
cidade-estado, era de não conduzir certa diplomacia juntos aos poderes legislativos. A
questão da articulação política favorecia ou não as guerras. “De espírito particularista o
Grego considerava a pólis a única base possível de uma existência civilizada e livre.” 269
Sem dúvida, é esse espírito particularista que contribuiu para as sucessivas batalhas e
conflitos constantes entre as poleis. A partir da prolongada guerra do Peloponeso (430 a
400 a. C.), o avassalador poder hegemônico de Esparta, notoriamente chefiado pelo

267
PLATÃO. Protágoras. In: Diálogos. 320 c.
268
DURANT, Will.op. cit. p.25.
269
FERREIRA, José Ribeiro. op.cit. 2012. p.14
103

partido oligárquico, derrota abusivamente a frota marítima de Atenas. Expressa Durant


Will:

[...] Critias advogou o abandono da democracia, pela sua ineficiência


na guerra, e secretamente aplaudia o governo aristocrático de Esparta.
Muitos dos chefes dos oligarcas forma desterrados; mas quando os
atenienses se renderam, uma das condições da paz espartana foi a
repatriação do desses aristocratas exilados. Mal havia regressado com
Critias á frente rompe a revolução dos ricos contra o partido
„democrático‟ que governara no decurso dessa guerra calamitosa. A
revolução falhou e Critias foi morto no campo de batalha. Ora, Critias
era discípulo de Sócrates e tio de Platão. 270

É nesse contexto histórico, político, e territorial de Atenas do século V a.


C., que a filosofia platônica brota, ganha expressão e se lança para o mundo. Platão está
pregado nesse chão e tudo começa por uma relação amigável entre Sócrates e ele. Como
bem sabemos, Sócrates nada escreve – o que conhecemos dele, sua vida e filosofia,
advém dos seus discípulos e ou de seus adversários. Sócrates não faz filosofia como os
demais filósofos de sua época. Suas reflexões caminham em sentido contrário: o plano
de reflexão passa a ser o homem numa perspectiva ética. As principais fontes históricas
sobre Sócrates provêm dos testemunhos de Platão, Xenofonte (431 - 355 a. C.) e
Aristófanes (446 – 322 a. C.) e, também de Aristóteles.
No corpo doutrinal denominado platonismo, separar o que pertence a
Sócrates e o que pertence a Platão não é uma tarefa fácil de ser realizada. Pelo contrário,
exige pesquisa especializada. Nossa intenção aqui é apenas esclarecer essa situação,
sobretudo do ponto de vista da filosofia da educação de Platão. Portanto, precisamos
apenas dizer algumas palavras para esclarecer, em termos educativos, a questão de
Platão e Sócrates. Do ponto de vista educativo, Platão projeta quase toda a sua filosofia
da educação em Sócrates. Neste, Platão parece encontrar sua subjetividade. Quando se
propõe a escrever sua obra, ele não o faz objetivamente e, portanto, ao transcrever sua
concepção educativa, ele projeta em Sócrates quase toda a sua obra e seu pensamento.
Ao interpretar o cenário das paideias sofística e socrática, Platão reflete, repensa,
explicita e elabora sua filosofia da educação e, portanto, a figura emblemática de
Sócrates parece ser o próprio Platão.

270
DURANT, Will. op. cit. p.26.
104

Os Atenienses mataram precisamente o único dentre eles que, mais do


que se deleitar com belos discursos, esforçava-se por encontrar o
logos justo, integro, aquele que é a expressão do próprio ser das
coisas. A „justiça‟ de Atenas matou o único ateniense para quem a
palavra „justiça‟ deveria ter um significado do real, verificável,
definível. 271

O acontecimento – morte de Sócrates é sem dúvida o elemento que


modificou a vida de Platão. Se a intenção dele era a carreira política, certamente depois
da morte de seu mestre ele recua, porém, “[...] não parece ter nunca abandonado
272
inteiramente a ideia de exercer uma influencia sobre os assuntos políticos. ” Após
este fato, tudo o que Platão pensa, elabora, escreve e ensina está ligado com a morte de
seu mestre. Daqui aflora de vez seu perfil essencialmente político para pensar uma pólis
justa. O tema justiça percorre toda a trajetória de seus diálogos em A República. No
livro VII da obra o filósofo mencionado acima traça o perfil educativo do seu projeto:
ele ensina a seus discípulos o sentido da justiça, da política, da ética, enfim, do
ordenamento de uma cidade justa e ideal. As leis para Platão são elaboradas com vistas
à vantagem própria, sejam democráticas, sejam tirânicas, uma vez instituídas [...]
declaram ser de justiça fazerem os governados o que é vantajoso para os outros e punem
273
os que as violam, como transgressores da lei e praticantes de ato injusto. E, essa é a
razão porque Platão afirma ser o princípio da justiça sempre o mesmo, em todo e
qualquer lugar. A cidade justa que Platão pensou não é uma cidade teórica e irrealizável.
Ao contrário, é possível acontecer, transmutando do plano ideal para o plano real. A
justiça não pode ser provada somente pelo mais forte, é para todos.
Sócrates é contemporâneo dos sofistas. Nascido em 469 a C., em Atenas,
talvez a figura mais desconcertante e carismática de toda a história da filosofia. “A
julgar pelo busto, salvo entre as ruínas da escultura antiga, Sócrates, mesmo para um
filósofo, estava longe de ser belo.” 274 O acontecimento decisivo em sua vida está ligado
à questão da sabedoria. Entre outras frases e feitos, conta-nos Diôgenes “[...]
testemunham o acerto da sacerdotisa pítia ao dar a Cairefon a famosa resposta: Sócrates,
275
de todos os homens o mais sábio.” Ao procurar interpretar o significado de tal
afirmação, concluiu que ele: Sócrates, era o mais sábio porque tinha consciência de sua
própria ignorância. Esse acontecimento colocou Sócrates numa missão de incitar os
271
ROUGUE. Christophe. op. cit. p.11.
272
BERGSON, Henri. op.cit. p.296.
273
PLATÃO. A República. 339 a
274
DURANT, Will. op. cit. p.26.
275
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.57.
105

homens a se preocuparem, antes de tudo, com os interesses da própria alma, procurando


adquirir virtude e sabedoria. Sócrates ensinava a buscar a verdade sem interesses. Seu
método é o da ironia ou, mais precisamente, a maiêutica. Para os gregos a ironia era
considerada uma atitude detestável, mas em Sócrates tinha outra finalidade, a de
desmascarar a impostura, principalmente daqueles sofistas que não ensinavam a verdade
pela verdade, mas por interesses.

Sob as diferentes máscaras que Sócrates assumia eram visíveis os


traços da máscara principal, a do não saber e da ignorância: pode se
mesmo dizer que, no fundo, as máscaras policrômicas da ironia
socrática não são mais que variantes dessa principal e, com um
multiforme jogo de dissoluções sempre remetia a ela. 276

A ironia, para ele, tem finalidade de pôr em descoberto a vaidade.


Sócrates faz perguntas aos seus interlocutores. A sua arte educativa pode ser comparada
à de sua mãe, que era uma parteira: aquela que ajuda alguém a dar à luz. Sócrates tem o
espírito de médico – faz perguntas e se finge de ignorante, para desmascarar a impostura
de seus opositores. A este processo denomina-se maiêutica, ou seja, método. O que na
verdade produzia uma verdadeira fúria em seus adversários e interlocutores. Vamos
perceber isso claramente no conhecido diálogo introdutório sobre a justiça que
investigaremos no segundo momento desse trabalho: em A República, Trasímaco recusa
definitivamente a maiêutica socratiana. O modo como Sócrates conduz o diálogo é
causa de derivação e ofuscamento naqueles que o escutam.
Sócrates, assim como em República, é o personagem principal nos
diálogos em O Banquete. Nessa obra, Platão interpreta a teoria do amor. Num diálogo
surpreendente, esse, coloca na boca de Sócrates seu ensinamento mais sublime sobre o
eros. Sócrates teoriza o amor, com efeito, desloca o jovem e hábil amante, Alcebíades,
(450 a 404 a. C) - político versátil e brilhante, para o plano das aparências, para o plano
da efemeridade e da banalidade:

Caro Alcebíades, é bem provável que realmente não sejas um vulgar,


se chega a ser verdade o que dizes a meu respeito, e se há em mim
algum poder pelo qual tu te poderias tornar melhor; sim, uma
irresistível beleza verias em mim, e totalmente diferente da formosura
que há em ti. Se então, ao contemplá-la, tentas compartilhá-la comigo
e trocar a beleza por beleza, não é em pouco que pensas levar
vantagens, mas ao contrario, em lugar da aparência é a realidade do

276
REALE. Giovanni. op. cit. 1993. p.144
106

que é belo que tentas adquirir, e realmente é „ouro por cobre‟ que
pensas trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passe
despercebido que nada sou. 277

Com sua inteligência, perspicácia, força, beleza e coragem, dotado de


extrema capacidade de sedução, na Guerra do Peloponeso, Alcebíades, apesar de ser o
maior responsável pelos êxitos nas batalhas atenienses, é também incriminado pelos
pelos reveses e instabilidades que sua pátria padeceu. Em Vidas Paralelas, o filósofo de
Queroneia, confirma que Alcebíades possuía “[…] dotes oratórios, além de um sentido
estratégico apurado e uma prontra capacidade de respostas às situações, vem a morrer,
278
fora da pátria e acossado por várias facções incluindo os seus compatriotas […]”
No que tange a relação eros, e paideia, não mais prevalecerá o ritual antigo, com Platão
surge uma nova reorientação. Resultante do antigo „clube dos homens‟, a efebia na
versão platônica supera a versão arcaica: Não mais o forte e viril guerreiro domina o
jovem efebo. Ao contrário, na versão platônica, os jovens que procuram e tentam
seduzir o velho e desajeitado Sócrates. Sobre essa emblemática passagem em O
Banquete, Michael Foucault interpreta que Sócrates supera a dominação circunstancial
exatamente porque está qualificado pela soberania que exerce sobre si, expressa ele:

[...] é que Sócrates só é amado por eles na medida mesmo em que é


capaz de resistir à sua sedução; o que não quer dizer que ele é, para
eles, sem amor nem desejo, mas sim, que ele é levado pela força do
verdadeiro amor e que sabe verdadeiramente amar o verdadeiro amor
que convém amar. Diotímia havia dito anteriormente: dentre todos é
ele o sábio em matéria de amor. É a sabedoria do mestre daí para a
frente (e não mais a honra do rapaz) que marca, ao mesmo tempo, o
objeto do verdadeiro amor, e o princípio que impede de ceder. 279

Em 399 a. C. foi acusado injustamente de corrupção da juventude,


chegando a ser julgado e condenado. Seus adversários, esperando que fosse se exilar ou
pagar fiança, receberam um choque: Sócrates enfrentou o processo serenamente, e
consumou-se, bebendo cicuta. Estavam presentes no seu julgamento muitos de seus
discípulos, inclusive Platão, o que ele mesmo nos conta em seu livro Apologia de

277
PLATÃO. O Banquete In: Diálogos. 218 e.
278
PLUTARCO. Vidas paralelas. Alcebíades e Coriolando. Tradução do grego, introdução e notas de
Maria do Céu Fialho e Nuno Simão Rodrigues. Coimbra: Impressa da Universidade de Coimbra –
Coimbra University Press, 2010. p.14.
279
FOUCAUT. Michael. História da sexualidade II. O uso dos prazeres. Tradução de Maria Tereza da
Costa de Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. São Paulo: Edições Graal
Ltda, 1984. p.303.
107

Sócrates. A morte de Sócrates causa, dentro de pouco tempo, bastante perplexidade nos
cidadãos atenienses – de acordo com os dizeres de Diôgenes Laêrtios, eles, não somente
arrependem-se, mas, também, o nome Sócrates, é honrado. Sua morte acaba por elevá-
lo ainda mais.
E assim Sócrates deixou de estar entre os homens; passado pouco
tempo os atenienses arrependeram-se, fecharam as palestras e os
ginásios atléticos, baniram os outros acusadores e condenaram
Mêletos à morte; além disso, honraram Sócrates com uma estátua de
bronze, obra de Lísipos, erigida no recinto destinado a procissões. 280

A filosofia socrática direciona ao valor ético incondicionado. Na


definição e aquisição da verdadeira sabedoria, Sócrates centraliza seu interesse na
problemática do homem. Portanto, as questões educativas centram-se no plano humano,
na vida do indivíduo. A paideia socrática é uma paideia aberta – a ação educativa dessa
paideia consiste, propriamente, na formação do indivíduo.
Para Platão, a morte de Sócrates é, sem dúvida, um verdadeiro infortúnio
para os atenienses. Podemos dizer que a filosofia de Platão, sobretudo sua concepção
educativa, nasce a partir do escândalo gerado pela morte de Sócrates. Platão é um dos
discípulos mais dedicados e interessados nos ensinamentos socráticos. Como afirmamos
anteriormente, os sofistas quebraram todos os tabus religiosos, desafiaram a fé e os
deuses do Olimpo. Os sofistas romperam com as distintas regras morais, colocam tudo
em xeque; o que vale e é significativo agora é somente a lei. A lei é que deveria
imperar. “Um individualismo desintegrador enfraquecerá o caráter ateniense tornando
281
por fim a cidade presa aos espartanos severamente educados.” Platão é ainda
bastante jovem quando participa do processo que condenou Sócrates. Sua morte é um
assunto político, escreveu Xenofonte (430 – 355 a. C.): “Admirou-me muitas vezes por
que argumentos, afinal, lograram os acusadores de Sócrates persuadir os atenienses de
que ele merecia a morte por crime contra o Estado.” 282 Embora Platão não tenha estado
na prisão no último dia de vida de Sócrates, devido a estar um tanto debilitado em
saúde, ele nos conta detalhadamente, ao final de seu livro, Fédon, os momentos finais
da vida de seu mestre; essa passagem é apresentada por dois de seus personagens,
Críton responde a Equécrates. “Tal foi, Equécrates, o fim de nosso companheiro. O
homem de quem podemos bem dizer que, entre todos os de seu tempo que nos foi dado

280
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.58.
281
DURANT, Will. op. cit. p.28.
282
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. In: Os pensadores. I, 1.
108

283
a conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo.” O projeto de educação de
Platão ganha base exatamente aí: sua concepção educativa ou, mais precisamente, seu
projeto pedagógico nasce, como afirma Mario Alighiero Manacorda, “[...] como
produto e remédio da corrupção gerada pela própria pólis.” 284
A morte de Sócrates é uma questão política e, sobretudo, uma questão
educacional. Os concidadãos de Sócrates querem saber se a virtude deve ou não ser
ensinada aos jovens. Sabemos que nos diálogos socráticos esse filósofo tenta a todo o
momento resolver essa questão. Na obra Mênon, de Platão, Sócrates esclarece que, antes
de saber se uma coisa deve ou não ser ensinada, é preciso previamente saber o que essa
significa.

Eu próprio, em realidade, Mênon, também me encontro nesse estado.


Sofro com meus concidadãos da mesma forma carência no que se
refere a esse assunto, e me censuro a mim mesmo por não saber
absolutamente nada sobre virtude. E, quem não sabe o que uma coisa
é, como poderia saber que tipo de coisa é? 285

Mesmo não fazendo parte de nenhum partido político de sua época


Sócrates quer saber qual é o melhor governo para Atenas. Certamente não teria assunto
mais empolgante que esse para os jovens pretendentes à carreira política ateniense. A
morte de Sócrates está ligada com estas questões. É uma decisão precipitada tomada
pelos cidadãos da pólis, e Platão reconhece isso. A vida inteira desse filósofo gira em
torna da política, tal situação não é indiferente ou contrária à vida cultural da Grécia
antiga. Platão, assim como tantos outros jovens gregos tem o desejo de ingressar na vida
pública, isso, ele expressa na Carta Sétima, como veremos detalhadamente no segundo
capítulo dessa tese.
A morte de Sócrates certamente marca sua decisão, entre outras causas,
Platão segue a trilha filosófica, mas o ideal de seus ensinamentos tem especialmente a
dimensão política. Durant Will relata:

[...] e aquele trágico arremate de uma vida serena deixou marca em


todas as fases do pensamento do discípulo. Encheu-se de desdém pela
democracia, de ódio ás multidões ainda maior que o natural na sua
educação e linguagem aristocrática, isso levou á convicção catonica de
dever acabar-se com a democracia, substituindo-a pelo governo dos

283
PLATÃO. Fédon. In: Diálogos. Epílogo -117
284
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.76.
285
PLATÃO. Mênon. op. cit. 71b.
109

mais sábios e melhores. Um dos problemas de sua vida iria ser achar o
meio de descobrir os mais sábios e melhores e ainda habilitá-los e
persuadi-los a governar. 286

O programa educativo que o filósofo propõe atua como remédio perante


a corrupção que ronda a pólis e, portanto, visa “[...] uma formação verdadeiramente
filosófica, à juventude que fosse digna dela, sem compactuar com a formação
superficial, [...] desejava preparar homens cuja ciência pudesse trazer benefícios à
287
cidade.” Nessa trilha filosófica propugnada pelo filósofo, a formação política do
guardião é a tese principal que sustenta toda a sua filosofia educativa. De acordo com o
projeto platônico, é necessário formar muito bem a natureza pública do governante da
pólis.

Platão carregava um remorso tão profundo pela condenação e pelo


desaparecimento de Sócrates que se tornou o administrador da
mensagem socrática, para que a cidade se transformasse e homens
como Sócrates pudessem continuar vivos. Assumiu como tarefa
completa a reforma completa da organização cívica, para que outros
homens que tivessem o mesmo gênio pessoal de Sócrates, o mesmo
daîmon, pudessem expressar-se. 288

A questão principal dessa formação está voltada diretamente para a ideia


do Bem. Antes de escrever sobre o mito da caverna, no livro sexto da A República, mas
que todos os valores existentes na realidade humana, Platão teoriza sobre o sentido e a
natureza da ideia do Bem. Na filosofia platônica a ordenação da vida da pólis implica
necessariamente o conhecimento do Bem.
Platão, reconhecido como primeiro filósofo a sistematizar a filosofia do
mundo grego antigo, pode ser considerado o vértice de toda a construção idealista do
pensamento ocidental. A filosofia de Platão influenciou toda a Idade Média, teve
influência decisiva nos sistemas religiosos, e ainda hoje, continua sendo uma filosofia
que instiga a todos nós pesquisadores, professores e alunos da escola contemporânea. O
aristocrata Platão, desde cedo, assume o gosto pela vida pública, mesmo porque seus
pais descendem de famílias importantes de Atenas, ligadas aos reis e à política de seu
tempo. No entanto, Platão, por inúmeras razões, toma outro caminho: funda uma
instituição de ensino. Sua intenção é que esta seja um protótipo de colégios e

286
DURANT, Will. op. cit. p.34.
287
N.T. In: PLATÃO. A República livro VII. p.18.
288
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noel. Prefácio Jean-Toussaint.
Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p.22.
110

universidades. “Sua ação política e educacional desenvolveu-se no Akademos, uma


289
espécie de escola de governo e administração pública.” Por um período de mais de
vinte anos, Platão dedica sua vida para o desenvolvimento dessa academia. É ali que ele
desenvolve e produz suas maiores obras, inclusive elabora seu projeto educativo e, de
fato, institui-se o programa de uma nova escola, um projeto inovador e ousado para os
princípios educativos da pólis.
Do ponto de vista especificamente da educação, sua obra A República
conquistou o fascínio e a beleza de todas as épocas históricas. Platão no livro VII, dessa
obra, defende uma das teorias mais representativas da história da educação no mundo
ocidental: governar cidades para o Bem seria o trabalho dos filósofos-educadores. De
acordo com este modelo, a filosofia se une à educação a partir de uma ação política.
Platão elabora uma proposta educativa do rei-filósofo, que consiste numa formação
sólida para defender a cidade. O projeto educativo platônico está centrado em duas
dimensões: a primeira dimensão está ligada às ideias de Sócrates – a formação
individual, isto é, a educação e a instrução do ponto de vista do indivíduo. A segunda
dimensão se volta para o campo político – aqui, é possível perceber que as questões se
voltam para a vida social desses indivíduos, portanto está vinculada aos problemas
formativos dos indivíduos vivendo na pólis. Não é interessante completar o
entendimento educativo platônico sem compreender sua mais longa e última obra, Leis,
filha e resultado tanto de sua maturidade cronológica como filosófica. Nessa obra,
Platão idealiza seu projeto educatico com mais concretude. Não mais Siracusa, a nova
pólis pensada é Magnesia, situada na região de Tessália. Ali Platão novamente funda
sua cidade teórica onde os cidadãos devem ser sancionados segundo o comportamento
de suas ações. Afirma o investigador português da Universidade Católica Portuguesa:
“Do plano ideal passou-se para o plano real, por esse motivo a cidade por Platão
descrita nas Leis já não será a cidade ideal mas, antes, a cidade possível.” 290
Tanto em A República como em Leis, tratando especificamente da
concepção educativa em Platão, nos diálogos filosóficos é apresentada a proposta de um
governo de filósofos. Essa concepção revela a imagem do filósofo-governante, ou do
governante-filósofo, cabendo a esse governar a cidade. Essa cidade só se realiza a partir
de um programa educativo que ele mesmo elabora no seu livro A República. Platão nos
ensina a olhar a realidade de um novo jeito. Em sua filosofia da educação,

289
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.64.
290
N.T. In: PLATÃO. Leis. op. cit. p.7.
111

independentemente de seu viés idealista, aproxima-se intensamente do chão da


educação e da política da pólis. A partir de um novo redirecionamento político elabora
seu programa educativo. Desde já, precisamos esclarecer, nesse programa, que a política
da pólis não se faz sem educação; da mesma forma, a educação da pólis não se sustenta
sem a política. Platão estabelece para a formação do futuro governante uma cultura
especial, começando na infância e não para mais. Para tanto, ele salienta vigorosamente
a importância de uma escolha austera visando atingir o ápice do propósito educativo.
Essa formação não é uma formação complicada e desinteressada de seus propósitos.

Platão preconiza a existência de um estatuto de guerreiros


profissionais, os „guardiões‟. [...] Platão prefere, todavia, que seja a
própria cidade a produzir uma classe especial. O fato de lhes dar o
nome de „guardiões‟ já tem implícita a limitação das suas funções à
defesa. A imagem traçada por Platão constitui uma estranha mescla:
em parte, é um relato da trajetória real e natural do problema
apreciado de um ponto de vista moral, em que a origem da guerra se
apresenta como sintoma perturbador da ordem primitiva; por outra
parte, é uma ficção que visa alcançar o melhor da profissão das armas,
consideradas já indispensáveis. O segundo destes motivos não tarda a
passar a primeiro plano, logo nos vemos convertidos em escultores,
aos quais é entregue a missão de formar, por assim dizer, com mão de
artista, através da seleção dos caracteres mais adequados e da sua
educação, o tipo de „guardião inteligente e valoroso.‟ 291

Como dissemos, Platão conhece bem a realidade da política de Atenas,


sua família e seus parentes descendem dos políticos e dos antigos reis no passado.
Sócrates, seu mais estimado mestre, considerado como homem sábio e justo, morre por
uma intriga política – pelas tarefas do poder, é julgado e condenado à morte; pela lei de
Atenas é levado a beber cicuta. Platão, por essa e por outras causas, é levado a
questionar onde está a justiça da lei. A idéia fundamental que perpassa toda a formação
do seu pupilo é alavancada a partir da idéia do Bem, a qual será investigada no segundo
capítulo dessa tese.

Se muitos se servem da palavra para enganar, é preciso chegar a um


discurso (lógos), a uma sabedoria capaz de impor como verdadeira, de
submeter todos os discursos e práticas ao julgamento da razão, e cujas
exigências possam modificar a vida do ouvinte e do leitor. 292

291
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.764.
292
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. p.23
112

Onde está a justiça da pólis? Para Platão a cidade só poderá vir a ser
melhor se os melhores filósofos governarem a cidade. Atenas só poderá deixar de ser
uma cidade movida pela corrupção quando os seus dirigentes souberem filosofar
verdadeiramente, – do fundo da caverna, acorrentado e amarrado, o guardião da pólis é
convidado a se libertar das correntes e das cadeias e, num itinerário entre sombras e
penumbras, deve continuar ininterruptamente a caminhar em direção da luz. Platão
convida o seu pupilo a subir uma trilha pedregosa até o topo: a idéia do Bem. Após a
morte de Péricles em 429 a. C., a situação política de Atenas é insustentável. Tucídides
nos informa sobre o contexto histórico.

Dessa forma Atenas, embora fosse no nome uma democracia, de fato


veio a ser governada pelo primeiro de seus cidadãos. Seus sucessores,
todavia, equivalentes uns aos outros mas cada um desejoso de ser o
primeiro, procuravam sempre satisfazer aos caprichos do povo e até
lhe entregavam a condução do governo. 293

Poucos anos mais tarde, Platão está envolvido nessa empreitada política
de Atenas, e ele reconhece isso. No momento, seus parentes, até então representantes do
governo oligárquico, estão no poder, mas o infortúnio para Platão não foi pequeno, ele
se desentende com os seus. É nesse período que Sócrates morre condenado, por isso,
Platão, quando elabora o seu projeto educativo, quer intervir nos costumes e na tradição
da constituição de Atenas.
Platão desenvolve o seu projeto educativo tendo como finalidade formar
a natureza política do governante da pólis – o rei-filósofo ou o filósofo- rei. No vértice
do projeto ele apresenta três classes sociais: a dos produtores, ou mais especificamente,
a dos trabalhadores; a dos guardiões, e a dos governantes. Em primeiro lugar ele parte
da divisão social do trabalho: o processo formativo depende da classe social. No vértice
de sua sociedade, se concentra a primeira e mais importante classe da pólis, a dos
homens livres, ou seja, os proprietários de terra, donos da fortuna e donos do poder. É a
classe dos governantes, podemos assim dizer – uma pequena elite, poucas pessoas, os
mais afortunados. Essa classe não está aberta a todos os cidadãos livres, mas somente
aos escolhidos - os guardiões. Contudo, entre eles temos, ainda, que distinguir entre
aqueles que deverão mandar e aqueles que deverão obedecer. Tal situação é projetada
por Platão, e é ele quem fará,seguindo a tradição deixada por Homero, com lucidez, a
distinção entre o dizer e o fazer. Na antiga paideia homérica, as tarefas do poder e as

293
TUCÍDIDES. op. cit. p.111.
113

tarefas das armas não estão em oposição, “Mas em Homero os dois termos não estão em
oposição e não indicam as opostas tarefas de quem governa e de quem produz, e sim, os
294
dois momentos da ação de quem governa.” Portanto, em Platão, para a classe
governante, temos uma escola, cuja prática formativa consiste em instruir o cidadão
grego para exercer o poder, para a política, isto é, para o dizer, na verdade, para
governar. Essa escola visa formar o verdadeiro político, cuja finalidade primeira é
governar bem a cidade, para que não ocorra mais injustiça. Platão se preocupa com a
paz da pólis. A morte de Sócrates é uma questão instigante para Platão; seu mestre
morre sendo acusado de não educar os jovens da pólis. Platão sabe disso perfeitamente
bem – em seu livro Apologia de Sócrates, o filósofo narra toda a situação vivida por
Sócrates.
Abaixo da classe dos governantes, esta a dos guerreiros, o processo
pedagógico visa a moderação, a coragem e a destreza. Visa formar o guarda perfeito,
pois é dele quem dependerá a paz e a unidade da pólis, já que serão esses, na juventude,
guerreiros e, na velhice, governantes. Esses governantes ou dirigentes são aqueles que
mais tenham amado a cidade durante seu desempenho e currículo educativo. São
escolhidos os melhores no seu gênero e os mais bem dotados, informa-nos Platão, para
serem os dirigentes do Estado. No tempo de Platão e Aristóteles, diferentemente dos
nossos sentimentos em relação ao Estado, o povo grego está convencido de que esse é,
sem dúvida, um instrumento confiável. Sua ordenação não fere os princípios da vida do
indivíduo. Suas leis e normas garantem a vida plena do cidadão. Em outras palavras, o
Estado é a forma de vida de cada um deles, é o paradigma de todo o modelo de vida. As
ações públicas se voltam para o bem comum. Podemos dizer que o homem livre grego é
um cidadão, em tudo que essa palavra comporta e contém. O Estado é para o cidadão
grego, referencial de vida.

Nessas condições, teremos de escolher os guardas que à nossa


observação se nos tenham sempre revelado dispostos a promover o
que se lhes afigura vantajoso para a cidade e que de nenhum modo
consentiriam em fazer o contrário disso.
São esses realmente, os indicados, respondeu?
Ao meu parecer, devemos observá-los em todas as idades, para ver se
se mantêm fieis àquele princípio, e que nem por força de
encantamentos nem por violência de nenhuma espécie serão levados a

294
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.59.
114

jogar fora a máxima de que lhes cumpre fazer sempre o que visar ao
maior bem da cidade. 295

Formados a essa maneira, caberá à classe dos guerreiros, por um lado,


manter a paz e a ordem. É seu atributo, além de manter a fonte de todas as normas,
cuidar da classe dos governantes para que esses não se tornem opulentos e gananciosos:
a riqueza desses em demasia deverá ser contida. Por outro lado, é função também do
guerreiro cuidar para que o Estado conserve suas leis, e vigiar para que não ninguém as
modifique, sobretudo as prescrições educativas, velando também para que essas
adaptem os melhores jovens a esse processo formativo. A tudo isso deverá estar atento o
guarda da cidade. Sobretudo, e finalmente, deve vigiar e conservar o ordenamento do
Estado. Lê-se em Platão:

A educação e a instrução bem dirigidas formam constituições boas;


por outro lado, as boas constituições, sob a influência de semelhante
educação, tornam-se ainda melhores do que as das gerações
anteriores, sob todos os aspectos, mas principalmente no que entende
com a procriação, tal como se observanos outros animais.
É muito possível observou.
Para tudo dizer numa só palavra: o que importa aos guardas da cidade
é evitar que ela venha imperceptivelmente a corromper-se devendo
eles, por conseguinte, antes de mais nada, impedir que se introduzam
na Ginástica e na Música inovações contra a ordem estabelecida e
esforçar-se ao máximo para que esta seja preservada, de medo,[...]. 296

O governo da cidade deverá ser entregue àquele que tiver maior nitidez
sobre o Belo, sobre o Justo e sobre o Bem; deverá ser entregue àquele que tiver maior
esclarecimento sobre o bem da cidade, fora disso poderá ser facilmente corrompido e
destruído. O governante que administra com pusilanimidade, que é servil ao gerir os
recursos da cidade, não pode certamente governar com justiça e retidão.
Por último, em seu projeto educativo, encontra-se a terceira classe, a dos
produtores, basicamente formada por camponeses, artesãos e comerciantes. A essa lhe é
reservada apenas um ensino basicamente técnico; não é necessária educação especial.
Assim, a grande massa da população ficava sem nada, sem educação, sem instrução.
Movida por interesses dos dominantes, existe apenas a escola para a classe dos homens
livres, isto é, para os governantes, para os guerreiros e para os produtores, embora para
esses últimos configure-se inicialmente como apenas um treinamento. A grande maioria

295
PLATÃO. A República. 412 d.
296
ibid. 424 a.
115

dos indivíduos é excluída e oprimida, “[...] sem arte, nem parte, nenhuma escola e
nenhum treinamento, mas em modo e graus diferentes, a mesma aculturação que
descende do alto para as classes subalternas.” 297
Tendo em vistas todas essas contradições, o que Platão evidencia em seu
projeto educativo é a formação humana – é um modelo de paideia ancorado por uma
formação dignamente humana. Tem o objetivo de formar o homem omnilateral, capaz
de efetivar a essência mesma de um ideal. Mais que formar o homem para uma
determinada especificidade profissional, o modelo educativo platônico revela uma
formação sólida. Para Platão, o governo da cidade deve pertencer aos homens nobres,
educados, cultivados na justiça e na ética, cujo fundamento último é atingir a plenitude
da formação do homem.

Platão se propõe a intervir nesta tradição para adequá-la às suas


exigências ideais, até mais, pretende adequar a estes ideais a própria
constituição da cidade e todos os aspectos de sua vida, das pinturas e
ornamentos à urbanística, em suma, aquilo que é pantakhoû („tudo
quanto há em qualquer lugar‟). Esta concepção do pantakhoû, isto é,
da sociedade como um todo que educa, é talvez o elemento mais novo
e característico de toda a pedagogia platônica, muito além da
interpretação da música e da ginástica. 298

A natureza da formação política do seu filósofo está direcionada


diretamente com a ideia de Bem, visando curar os males e a corrupção da cidade e por
isso que Platão pensa em intervir na constituição da pólis. A pólis platônica só poderá
concretizar quando gerida por governantes sábios, por governantes detentores de
sabedoria e honestidade, fora disso, não poderá a cidade realizar.

Naquilo que nos diz respeito, é nossa intenção, pelo contrário, que as
investigações – especialmente aquelas orientadas por bons
legisladores – constituam sempre o escopo daquele caminho por nós
mesmo anteriormente encetado. Naquilo que ti concerne, certamente
constitui meu dever de louvar a tua tentativa para interpretar as leis:
começar pelo estudo da virtude, afirmando constituir ela no ponto de
partida para qualquer legislador – realmente seria este o procedimento
mais correto; todavia, ao teres pretendido serem as leis promulgadas
apenas a partir de um só elemento da virtude, considerei que já não
falavas de um modo tão correto acerca das leis. A razão por que
acrescentei toda essa digressão é precisamente essa. 299

297
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.58.
298
ibid. p.77.
299
PLATÃO. Leis. 631 a.
116

Portanto, sem subterfúgios, a constituição, passa a ser o caminho único e


plausível para regular todos os cantos da cidade, nada passa desapercebido dela. Uma
vez promulgadas por políticos sábios e virtuosos, as leis deverão regular e orientar todos
os aspectos da cidade, só assim, a cidade vive, e portanto, a pólis pode perdurar.
Diferentemente de uma concepção exageradamente idealista, como pensam muitos, em
Leis, Platão dá uma conotação fundamental nas normas e regras das leis, e parece
fundamentar todo o poder na constituição.

1.3.2 O cenário da filosofia da educação em Aristóteles

O horizonte onde Aristóteles (384 a. C. - 322 a. C.) elabora sua filosofia


é um horizonte marcadamente por uma intensa instabilidade política. Ele não chega a
conhecer o auge democrático, artístico, político e cultural de Atenas. Diferentemente de
seu mestre Platão, Aristóteles é estrangeiro e parece ter permanecido meteco durante
toda a sua vida. Nascido em terras macedônicas, esse filósofo elabora sua filosofia
numa pólis desfalecida de autonomia política. Podemos afirmar que Aristóteles é o
filosófo da ruptura cultural de Atenas, ao mesmo, sua presença filosófica arquiteta o
universo espiritual do mundo helenístico. Quando o governo anti-macedônico toma o
poder em Atenas, Aristóteles é obrigado a abandonar suas atividades intelectuais, dali,
ele parte para Artaneu, uma colônia grega fundada durante a Guerra do Peloponeso.
Aristóteles teme sua própria vida. Como já sabemos, Atenas matou Sócrates pouco
antes da estadia de Aristóteles ali, e dali, segue para a região da Ásia Menor bem antes
da morte de seu mestre Platão. Este cenário de incertezas políticas e de sucessivas
batalhas começa a se construir aproximadamente cem anos antes. Tucídides retrata o
começo da decadência ateniense.

Tudo ia mal para eles em toda parte, e diante do impacto daquele


acontecimento deixaram-se dominar por um medo e uma consternação
enormes. Com efeito, perdendo cada um e a cidade toda tantos
hoplitas e cavalarianos e uma juventude inteira que não viam como
substituir, ficaram aniquilados; além do desastre em si, não viam nas
docas naus suficientes , nem dinheiro no tesouro, nem tripulações
para as naus, e isto os deixava desesperados de salvação. 300

300
TUCÍDIDES. op. cit. p.385.
117

Uma Atenas enfraquecida em tudo cuja trajetória territorial terminará nas


mãos do rei Felipe da Macedônia. Na verdade, Aristóteles presenciou a decadência da
pólis, estando ele agregado aos dominadores da Grécia. De fato, viu a vitória dos
macedônicos com seus próprios olhos. O pai do nosso filósofo era médico na corte do
rei Felipe. Para Aristóteles estava reservada uma especial tarefa. Em Alexandre O
Grande, Plutarco (46 – 120 d.C) relata: “Tendo notado que o caráter de Alexandre era
difícil de governar [...] Felipe esforçou-se por dirigi-lo com a persuasão [...] mandou
chamar Aristóteles, o mais célebre e o mais sábio dos filósofos.” 301
No campo da política educativa os debates dos sofistas e dos filósofos de
sua época giravam em torno de duas questões: a primeira estava condicionada pelo
modelo constitucional de Atenas, como sabemos, ele estuda mais de cento e trinta e oito
constituições de seu tempo. Aristóteles é um incansável estudioso; a segunda estava
voltada para o modelo político oligárquico dos Lacedemônios. Estas são as primeiras
raízes políticas que orientam Aristóteles na elaboração de seu pensamento filosófico. Ao
criar sua filosofia ele está atento para os estudos e para as pesquisas de seus
predecessores. Isso está claríssimo ao longo de suas obras Política e Ética a Nicômacos.
Sempre que discute um assunto ele retoma as teorias e métodos que contribuíram para o
desenvolvimento científico de sua época.
Aristóteles pode ser considerado um dos maiores pilares do pensamento
ocidental. Dá início aos fundamentos da lógica, da física, da psicologia, da ética, da
política da estética e da biologia. “Antes de Aristóteles a ciência estava em embrião.
302
Nasceu com ele.” Não se pode dizer que ele é um investigador inconsequente
sobretudo, pelo fato de estudar muitas matérias e distintas áreas. Ao contrário,
diferentemente de nossos tempos, ele sabe perfeitamente bem que cada tema deve ser
esclarecidamente escolhido, que cada objeto de pesquisa deve ser portanto,
criteriosamente investigado. No capítulo primeiro, nas primeiras linhas, em Ética a
Eudemo, ele, com precisão, ele pondera e esclarece a questão da pesquisa em ciências
humanas: “Ora, sobre cada assunto e cada natureza são inúmeros os pontos de vista que
303
comportam uma dificuldade e requerem um exame.” Aristóteles, por assim dizer, é
um filósofo que, de certo modo, pensa a totalidade da realidade do homem. Ele tudo
estuda, concentra-se seus esforços para entender a natureza do conhecimento e a

301
PLUTARCO. Alexandre o grande. Tradução Helio Veja. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p.22.
302
DURANT, Will. op. cit. p.82.
303
ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. I, 1, 1214 a5.
118

natureza humana. Durant Will afirma “O próprio Aristóteles parece ter sido membro da
304
grande confraria medica de Asclepiades.” Nascido em Estagira, capital da
Macedônia, ainda bastante jovem conhece Platão e passa a frequentar sua academia. Sua
vida como educador se resume em dois momentos centrais: o primeiro, como educador
e preceptor de Alexandre: “ARISTÓTELES educou Alexandre segundo a tradição helênica
heróica, baseando-se em Homero, mas dando grande lugar também às ciências, à ética e
à política.” 305 ; o segundo está relacionado à fundação do Liceu – sua escola. No início
de sua vida, Aristóteles tem grande respeito por Platão, seu mestre; porém, em 349 a.
C., abandona-o e funda sua própria escola, o Liceu, instituição que visa a formação
científica e filosófica dos jovens. Sobre a importância educativa dessa instituição quem
nos fala é Luzuriaga:

Com efeito, no Liceu reuniu ARISTÓTELES enorme material científico e


bibliográfico. Não se descuidava, entretanto, do ensino, a que eram
dedicadas as manhãs, quando trabalhavam pequenos grupos de alunos
selecionados, que seguiam cursos de estudos regulares; as tardes eram
dedicadas ao maior público e realizavam-se conferências sobre temas
gerias de filosofia e política. Tanto a Academia, como o Liceu são,
como o Museu de Alexandria, as mais altas instituições da cultura e
educação helênicas e quiçá de todos os tempos. ” 306

Em seus textos, reflexões e análises no oitavo livro Política, sobre a


finalidade da educação, Aristóteles entende que está ligada diretamente à questão ética,
ou seja, com o modo de agir do indivíduo; portanto, ele se preocupa com a questão da
civilidade, questão essa sempre presente no âmago da pólis e que, na verdade, chega até
nós. Para um grego estar fora dos assuntos da pólis ou da política é viver de maneira
não civilizada, por isso ele vai teorizar sobre a cidade. Tendo em vista sua filosofia, a
cidade é mais que uma simples reunião de pessoas, a cidade existe para um determinado
fim: a felicidade. Anuncia Aristóteles: “A comunidade política, então, deve existir para
307
a prática de ações nobilitantes, e não somente para a convivência.” Nessa mesma
linha de raciocínio, a cidade é maior e mais importante que o indivíduo, por isso tem
precedência sobre esse. Aqui nasce o sentido e o ideal educativo político. Logo, se a
cidade não se realizar muito menos realiza o indivíduo. “Não viver numa cidade é, para
um grego da época clássica não viver politicamente, (isto é, de maneira não civilizada).”

304
DURANT, Will. op. cit. p.69.
305
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. p.55.
306
ibid. p.56.
307
ARISTÓTELES. Política. III. 5, 1281a.
119

308
A civilidade é o ápice da reflexão aristotélica do ponto de vista da finalidade da
cidade.

A educação grega sempre procurou cultivar o espírito cívico, o


orgulho de pertencer a uma cidade livre, a lealdade à comunidade
política. Essa psicologia impregnou toda a tradição clássica, e de
modo tão profundo que sua influencia deve ser avaliada no mesmo
nível de Roma como elemento importante na moldagem do ideal de
cidadão na moderna Europa democrática. 309

É nesse espírito que Aristóteles, em Ética a Nicômacos, irá propor e


defender o bem universal que é para ele a felicidade. “A finalidade da educação para
ARISTÓTELES é o bem moral, no qual consiste a felicidade que não há confundir com o
prazer, posto seja este condição necessária daquela.” 310 Para Aristóteles, a felicidade é a
condição mais alta que o homem poderá alcançar – é a concretude da vida humana, o
ideal mais elevado e nobre, e realiza todas as necessidades e capacidades do homem.
Para esse filósofo, o fim a que visa todo o agir humano é a felicidade, e essa é a maior
busca do indivíduo, “[...], pois todas as outras coisas que fazemos são feitas por causa
dela, e sustentamos que o primeiro princípio e causa dos bens é algo louvável e divino.”
311
Podemos, então, dizer que a felicidade é um fim a ser desejado, buscado e aprendido
constantemente pelo indivíduo, e nenhum outro fim pode ser superior a este. É a
realização plena do homem e, portanto, a finalidade da educação, a partir dessa
perspectiva, é elevar o indivíduo cada vez mais a uma vida feliz. Para Aristóteles, o
processo pedagógico deve levar o homem a atingir a sua perfeição máxima, o homem
deve estar constantemente engajado na prática ou na contemplação do que é conforme à
excelência e, só assim poderá suportar os infortúnios, as vicissitudes esituações
adversas. Sua filosofia educativa expressa que o bem para o homem é o exercício vivo e
contínuo das faculdades da alma. Ele sabe que a felicidade não é um momento de
prazer, não se faz num só dia, mas se aprende a ser feliz durante toda a vida. No
primeiro livro de sua Ética a Nicômacos ele definiu “Logo, a felicidade é algo final e
auto-suficiente, e é o fim a que visam todas as ações.” 312 Por outro lado, já sabemos,

308
WOLFF, Francis. Aristóteles e a Política. Tradução de Thereza Christina Ferreira Stummer e Lygia
Araujo Watanabe. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. (Clássicos e Comentadores) p.9.
309
MARROU Henri-Irénné. Educação e retórica. In: FINLEY, I Moses. (Org.) O legado da Grécia. uma
nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto. Brasília: Universidade de 1998. p.212.
310
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. p.56.
311
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 1102 a.
312
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 7, 1097 b.
120

Aristóteles definiu o homem como um animal político, da pólis, um ser da cidade, zoon-
politikon. Aquele pertencente à pólis. A vida em sociedade pressupõe essencialmente a
realização plena do homem e de sua felicidade. “Agora é evidente que o homem, muito
313
mais que a abelha ou outro animal gregário é um animal social.” Essa constituição
está na natureza do homem: viver em comunidade é uma necessidade natural. Assim, a
educação está diretamente vinculada às questões da política.
Contrariando seu mestre Platão, Aristóteles enfatiza a questão da escrita a
partir de um novo ponto de vista. Ele não nega a escrita. No entanto, entende que
qualquer educação que tenha finalidade prática é inútil e indigna para o cidadão da
pólis. Falando a esse respeito, Mario Manacorda afirma que “Aristóteles, em seu
realismo, não pode ignorar o fato. O que importa é que, no seu reexame, ele exclui, na
educação dos livres, toda disciplina que objetive o exercício profissional: o homem livre
314
deve visar a própria cultura.” O que está em jogo é a finalidade, e a finalidade da
educação, nesse sentido, visa a cultura, assim, a educação não pode ter uma finalidade
prática. E o trabalho de educador não pode pertencer à classe dos cidadãos livres e, sim,
à classe dos escravos, juntamente com os estrangeiros e prisioneiros de guerra – a esses
reserva-se o ofício e a arte de ensinar.

Em geral, o oficio de mestre era o ofício de quem caíra em desgraça


(como no exemplo de Dionísio de Siracusa) e nisto parece perpetuar-
se o destino de Fênix e Pátroclo. Mais exatamente: entre as téchnai, os
ofícios, ou profissões „artesanais‟, esta téchne intelectual em geral não
era exercida por homem do démos, em cujas famílias o ofício passava
de pai para filho, mas por homens de classes cultas que por desgraça
tiveram que descer na escala social. O caso real de Dionísio de
Siracusa, além do risco corrido por Platão, feito escravo quando
voltava da Sicília, confirma isso. Mas não faltam outros exemplos. 315

Não muito distante de nossa realidade, nessa época, sobretudo o mestre


das primeiras letras era bastante desvalorizado. Ensinar por dinheiro era indigno, tarefa
digna dos mercenários. O homem livre poderia ensinar apenas os parentes, familiares ou
amigos, e isso fez Aristóteles, como nos relata Diôgenes, ao dizer que ele “[...] morava
316
na corte de Amintas, rei da Macedônia, na qualidade de médico e amigo do rei.”
Assim, a educação não visava a técnica, o fazer, e sim, a cultura, a paideia. Daí,
podemos afirmar que, entre nós, até hoje, perpetua-se a não valorização, a

313
PLATÃO. A República. 1253 a.
314
MANACORDA, Mario Alighiero. 2010. op. cit. p.77.
315
MANACORDA, Mario Alighiero. 2010. op. cit. p.82.
316
LAÊRTIOS, Diôgenes op. cit. p.128.
121

desqualificação da profissão e do ofício de ensinar.É mais tarde, em Roma, que


podemos perceber a primeira proposta de governo em favor dos salários dos mestres,
cuja iniciativa advém das classes superiores.

Exatamente por causa desta sua característica de ser uma escola das
classes dominantes, ela tornou-se de interesse público e conseguiu o
apoio direto do poder político, que primeiramente faz concessões
particulares, em seguida provê os salários dos mestres e, enfim,
assume também a fundação das escolas. 317

Mas aqueles que ensinam, desde o seu início, não o fazem por gosto ou
por missão, e sim, para sobreviver – portanto, é coisa vil e indigna de um cidadão livre.
Ainda em Roma, Aníbal Ponce nos fala sobre essa situação. “O pagamento obtido pelos
mestres era naturalmente muito exíguo, a ponto de eles serem forçados a exercer outros
318
ofícios, como o de copista, por exemplo.” De acordo com esse mesmo autor, até
praticamente o final do Império Romano, o professor ainda não estava autorizado
legalmente a receber salários e, portanto, não reclamavam juridicamente contra as
famílias dos alunos. Com relação a essa situação, Aristóteles de certa forma contribuiu
para disseminá-la. Ele considera o que deve e o que não deve ser aprendido, bem como
faz distinção entre os tipos de conhecimentos que são úteis e indispensáveis no
ensinamento dos jovens, a saber: a gramática – escrita, até então desconsiderada por
Platão. Também inclui o desenho como um conhecimento útil. Aristóteles, assim como
Platão, exclui na educação dos jovens toda e qualquer disciplina que visa à vida
profissional. Os estudos do historiador Manacorda sempre relembra, o importante, para
Aristóteles, tanto quanto para Platão, é uma formação que vise à cultura, à educação, e
não à profissionalização, ou seja, o trabalho, o ofício. A instrução profissional é
considerada como uma instrução servil que, como afirma Manacorda, “[...] terá que
percorrer um caminho bastante longo para conquistar sua verdadeira dignidade.” 319
Numa outra perspectiva, podemos perceber claramente que Aristóteles
tem um cuidado especial com a educação no sentido cívico. Diríamos que ele abre as
portas para a reflexão sobre o ensino público. É na época de Aristóteles que a educação
deixa de estar à margem dos problemas públicos e passa a ser considerada como um dos
atributos essenciais do Estado. Portanto, ele assume a escola como um bem comum para
aquela civilização. Conforme Aristóteles, a pólis de seu tempo vive praticamente do
317
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.124.
318
PONCE, Aníbal. op. cit. p.68.
319
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. p.95.
122

ensino privado. Os homens ou, mais especificamente, os pais confiam o ensino de seus
filhos a uma educação privada. O próprio Aristóteles nos fala disso. No entanto, o
filósofo pensa diferente – ele elabora novas formulações teóricas e práticas sobre a
educação. Não mais vigorará somente o ensino privado: a educação, como parte
essencial da vida social, deve ser acima de tudo um bem público. A educação deve ser
um bem comum para a cidade. Até então, a educação não era prevista na constituição,
os pais livremente escolhiam para os seus filhos, o Estado não fornecia a educação.
Novamente, Aristófanes relata um traço dessa situação; o personagem Estrepsíades fala
ao seu filho da necessidade da mudança de comportamento e indica o caminho da
escola:
Fidípides __ Mas em que devo obedecer-lhe?
Estrepsíades __ Mude logo seus hábitos e vá aprender o que eu
aconselhar.
Fidípides __ Então fale, que ordena?
Estrepsíades __E você obedecerá um pouquinho?
Fidípides __ Sim por Dionísio.
Estrepsíades __ Olhe ali (aponta a casa de Sócrates).
Você está vendo aquela portinha e aquele casebre?
Fidípides __ Estou vendo. Papai, de fato o que é aquilo?
Estrepsíades __ De almas sábias é aquilo um pensatório. [...] 320

Diferentemente, Aristóteles pensa e propõe uma nova interpretação sobre


a educação. Como finalidade única, a educação se dirige a todos os cidadãos da pólis.
Aristóteles reconhece o poder da escola de Estado: “Ninguém contestará que a educação
dos jovens requer atenção especial do legislador, pois a negligência das cidades a este
321
respeito é nociva aos respectivos governos.” Cabe ao legislador cuidar da educação.
Cabe a ele olhar com especial cuidado, sobretudo, a educação das crianças. Ao Estado
compete formar o cidadão: “Aristóteles, sem dúvida, impõe ao legislador um dever
322
estrito de legislar sobre a educação.” O Estado é o único bem comum capaz de
assegurar a educação do homem da pólis. Essa concepção de escola com o amparo de
Estado vai perpassar toda a civilização romana e chega até nós. Mario Alighiero
Manacorda, em seus estudos sobre a educação e a escola em Roma, esclarece:

Com todas as suas contradições já analisadas, com os defeitos e


virtudes de sua cultura e sua didática, com o desprezo e o prestígio
que sofriam ou gozavam seus mestres, a escola de tipo grego é, nos
últimos tempos da república e nos primeiros do principado, uma

320
ARISTÓFANES. op. cit. 85-90
321
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
322
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.165.
123

instituição já difundida e consolidada. É difícil dizer quantos mestres e


quantos discípulos eram contados em Roma e nas outras cidades do
império: sem dúvida, uma pequena parcela da população é que
frequentava a escola e, especialmente, como constatava Platão na sua
Atenas, se assiste a uma inevitável diminuição das frequências desde
os primeiros graus até os mais elevados. [...] Desta forma, Plínio
levantava o problema que já vimos tratado por Aristóteles com relação
à Grécia: se é conveniente ou não a intervenção direta do Estado como
acabará acontecendo. 323

Esse caráter público que a escola grega assumiu a partir do século V a.C.
se torna, portanto, uma obrigação oficial do Estado. Entretanto, esse caráter público se
torna uma realidade também em Roma, uma vez que, ao conquistar a Grécia, Roma
herdou e incorporou o mesmo modelo educativo, ou seja, incorporou o mesmo tipo de
escola. Sobre as escolas de caráter público, Anibal Ponce confirma:

As escolas públicas primárias formam uma criação dos comerciantes,


dos industriais, dos negotiadores, as escolas públicas superiores
também forma uma exigência do poderio crescente dessas classes, um
modo de assegurar a direção política dos seus negócios. 324

Portanto, o Estado é o seu preceptor e mantenedor. Aristóteles, em seu


livro Política, especialmente nos capítulos finais, analisa as disciplinas já previstas e
estudadas por Platão e pela antiga tradição de Homero e Hesíodo: a música, a ginástica,
a gramática, o desenho e, finalmente, como já salientamos anteriormente, sustenta a
questão da escrita. Afirma ele: “É igualmente claro que alguns conhecimentos úteis
também devem ser estudados pelos jovens, não somente por seus préstimos – como
estudo da gramática, mas também por que eles podem levar a muitos outros ramos de
325
conhecimento.” Sabemos que Aristóteles não nos deixou escrito, propriamente
falando, um projeto educacional, um estudo específico sobre a educação ou sobre a
escola. Mas é possível afirmar que suas ideias, seu método, sua filosofia e sua
concepção educativa acabam por influenciar “[...] grandemente nas épocas posteriores,
máxime na Idade Média e na Renascença, e influem ainda em nossos dias.”. 326
Antes de passarmos para a terceira parte do capítulo é preciso dizer que a
paideia grega clássica da antiguidade, ou a Civilização da paideia, como disse Henri-
Irénée Marrou, não está definida e nem pronta desde o seu início, foi preciso esperar seu

323
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.123-124.
324
PONCE, Aníbal. op. cit. p.72.
325
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
326
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 57.
124

estado de maturação e desenvolvimento para encontrá-la em sua mais nobre e estilizada


forma, e é “Somente a partir da geração seguinte à de Aristóteles e Alexandre o Grande
a educação antiga se torna verdadeiramente uma educação que atinge a sua Forma
clássica e, em suma, definitivamente.” 327
Essa sociedade a que pertencem Sócrates, Platão e Aristóteles, conforme
investigamos é uma sociedade engendrada e configurada a partir das condições
materiais, sociais, econômicas e ideológicas daquela civilização; o processo educativo
tem uma finalidade: formar o cidadão para a vida da pólis, cujo caráter político e o
caráter de civilidade atingem o âmago dessa civilização. “A posição que esta ocupa na
história dos sistemas do pensamento grego é caracterizada pelo fato de ser uma paideia
que aspira resolver, com a mais vasta ambição, o problema da educação do Homem.” 328
Como vimos anteriormente, o modelo de Estado que também deriva dessa sociedade
não é um Estado igualitário – é um Estado dividido por classes, e somente os homens
livres poderão ter acesso à escola pública; assim, o modelo educativo grego é um
modelo que faz distinção entre as classes sociais e, no entanto, com essas ambiguidades
e entre tantas já analisadas, essa civilização soube valorizar a educação no seu viés
político, da mesma forma soube valorizar o caráter de civilidade – a formação do
homem no meio social, cujo interesse comum prevalecia sobre os interesses privados,
soube assim, valorizar a escola estatal, para defender seus ideais e metas, no que diz
respeito à formação omnilateral.

Se, como escreveu Horácio, „Graecia capta, ferrun victorem coeptit‟


[„A Grécia conquistada, conquistou seu feroz vencedor‟], no decurso
do século V a vida e a cultura romanas transformaram-se
radicalmente, em consequência justamente desta conquista.
Transformaram-se a religião – que vinha se fundindo cada vez mais
com a grega e se reelaborando de acordo com ela –, a vida política –
que vinha também se redefinindo segundo os modelos da tradição
grega; –, a cultura – que recebeu dos gregos formas literárias novas
(como a poesia lírica), a filosofia e a retórica nas suas manifestações
mais ricas e maduras. Até o estilo de vida acabou helenizando-se: o
grego torna-se a língua dos letrados, os debates culturais deram vida a
círculos e grupos, enquanto a difusão do epicurismo e do estoicismo
chega a mudar a concepção do mundo e da vida humana, afastando as
classes cultas da religião tradicional. 329

327
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.153.
328
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.591.
329
CAMBI, Franco. 1999. op. cit.. p.107.
125

Como explicou o historiador, a Grécia foi derrotada e conquistada por


Roma, ao mesmo tempo, a cultura grega conquistou Roma. Essa sociedade de Sócrates,
de Aristóteles e Platão, da pólis, da paideia, em suma, a cultura grega germina no solo
romano.

1.3 O cenário educativo grego em Roma

A partir daqui, nossa investigação volta-se para a terceira e última parte


do capítulo. Foi por meio da civilização helenística, ou mais especificamente, nas
palavras de Henri-Marrou, Civilização da paideia, que Roma cresce e desabrocha no
mundo medieval e também chega até nós. “A educação clássica busca formar o homem
enquanto homem, e não enquanto elemento a serviço de um maquinismo político,
330
enquanto semelhante a uma abelha na colméia.” A educação grega clássica não
morre na pólis. Plutarco, (ca 46 - 120), um dos maiores representantes do
neoplatonismo, biógrafo das famosas Vidas Paralelas de gregos e romanos, resgata os
ensinamentos de Fenix à Aquiles. Em sua obra Da Educação das Crianças, publicada
muito provavelmente no primeiro ou no segundo século de nossa era, podemos ler: “É
necessário, contudo, que o pedagogo sério tenha a natureza como a de Fênix, pedagogo
de Aquiles.” 331 Portanto, seja em Plutarco, depois com Erasmo ou Montaigne, seja com
Comênios ou Rousseau, a ideia da formação omnilateral presente na pedagogia grega
clássica não desaparece, portanto, ainda nos intriga. Ela está viva entre nós. Sobre os
escritos educativos de Plutarco, o investigador português do Centro de Estudos
Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra afirma:

É o único tratado da Antiguidade, especificamente dedicado à


pedagogia, que nos chegou na íntegra, fato que lhe confere o direito de
ser um documento indispensável para qualquer estudo de história da
educação no Ocidente. Por valorizar os benefícios da paideia […]. 332

O cenário político e demográfico que vai receber e perpetuar a filosofia


de Platão e a filosofia de Aristóteles é um cenário distinto, difuso, e profundamente

330
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 352.
331
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. op. cit. 7 b.
332
N.T. In: ibid. p.9
126

modificado, estamos inicialmente reportando aos séculos (II e III a. C.) A desfalecida
pólis ateniense ao escapar do julgo dos macedônios, cai nas mãos do domínio romano.
Estando os gregos nas mãos de Alexandre, as poleis perdem totalmente sua autonomia.
A democracia ateniense nunca mais foi percebida e sentida como os gregos a
perceberam e sentiram. Embora subjugada sua cultura subjuga seus dominados – a
língua, a educação, as artes, a filosofia, o teatro: o jeito de ser dos povos da Hélade
passa a ser o jeito de ser também de seus opositores, a língua grega é universalizada e, é
nisso que consiste o helenismo. “Do polites se evoluía assim para o kosmopolites, do
333
caráter local da cidade-estado para o mundo globalizado da oikoumene.” Este é o
fato político principal que marcou e condicionou o desenvolvimento e a trajetória
histórica das filosofias dos nossos filósofos. No âmbito propriamente do discurso
educativo, podemos dizer que esse período foi caracterizado por uma reflexão sobre o
indivíduo.

A educação cívica do mundo clássico formava cidadãos; a cultura da


época de Alexandre forjou, depois, os indivíduos. Nas grandes
monarquias helenísticas, os liames e as relações entre homem e Estado
tornam-se cada vez menos estreitos e imperiosos, as novas formas
políticas, nas quais o poder é mantido por um só ou apenas por
poucos, permitem sempre mais a cada um forjar ao seu modo sua
própria vida e sua própria fisionomia moral; [...]. 334

A desestabilização política da pólis causada pelas conquistas


macedônicas desfavorece o sentido da investigação da racionalidade filosófica. No
segundo século antes de Cristo, a decadente Atenas perde todo o seu brilho e esplendor
filosófico; considerando as devidas proporções, podemos dizer assim, é como se a
filosofia de Platão e de Aristóteles tivesse desaparecido do cenário. Para explicar isso,
recorremos a nota introdutória de E. Joyau, professor de filosofia da Universidade de
Clermont, em Paris: a nota se refere aos escritos do filósofo e poeta latino Tito Lucrécio
(96 – 55 a. C.) em sua obra, Epicuro Antologia de Textos. De acordo com Lucrécio,
Epicuro de Samos (341 – 270 a. C.) foi contemporâneo de Aristóteles e, no entanto, não
chegou a ouvir os ensinamentos do Estagirita, Aristóteles, certamente, deveria ter se
retirado para outra região. Epicuro funda o movimento epicurista como veremos

333
LEÃO, Ferreira Delfim. op. cit. 2012. p.31
334
REALE. Giovanni. ANTISERI. História da filosofia. Antiguidade e Idade Média. I. São Paulo:
Edições Paulinas, 1990. (Coleção Filosofia.) p.229.
127

posteriormente. Nessa época florescem também outros movimentos como: o estoicismo,


ceticismo e ecletismo. Expressa o professor parisiense:

Os dois grandes sistemas de Platão e de Aristóteles teriam exigido


para ser bem conhecidos e compreendidos; um exame longo e
paciente, teriam merecidos ser discutidos ponto por ponto.; Epicuro
não se demorou-se nesse trabalho; talvez não fosse muito capaz de o
especular; em todo o caso, não sofreu a influência destas duas
doutrinas e não se inspirou nelas. 335

Estamos relatando isso exatamente porque os movimentos surgidos nesse


período vão se afastar por demais das filosofias dos nossos dois filósofos. Os filósofos
desse período estão preocupados com os problemas morais, querem contudo, descobrir
regras e normas universais acerca do comportamento humano. Com o ocidente
helenizado e difuso culturalmente em todas as suas dimensões, os filósofos da época
helenística retomam o discurso filosófico a partir de diferentes visões. A primeira e a
maior tendência da filosofia helenística é trazer de volta para o cenário a questão da
religião. Se a filosofia grega nasce para contrapor as opiniões, as tradições e antigos
costumes da vida arcaica, agora novamente brota um novo despertar para às antigas
tradições. Como estudamos nos tópicos anteriores, Sócrates é o principal personagem e
símbolo de uma investigação que Platão tenta justificar teoricamente, nesse interim,
afirma Nicola Abbagnano:

[…] o homem não necessita de receber a verdade da tradição porque


esta verdade está confiada à sua razão. Com o prevalecimento do
interesse religioso, a tradição retoma seus direitos: a verdade é o
futuro de uma revelação originária e a sua única garantia é a tradição.
336

A filosofia dessa época se prende ao misticismo e a religiosidade. Ao


mesmo tempo, ao ceticismo e ao ecletismo. Ora, toma partido da religiosidade e do
misticismo, ora toma partido da descrença e da desconfiança. O clima é de instabilidade
da racionalidade. Na realidade, este espírito que ronda o discurso filosófico no ocidente
helenizado: um sentimento de insegurança generalizado, uma mentalidade configurada
pelo pessimismo; brota uma descrença, uma desconfiança no pensamento racional - na

335
N.T. In: CARO, Tito Lucrécio. Epicuro antologia de textos. Os Pensadores. p.11.
336
ABBAGNANO. Nicola. História da filosofia. Volume II. 5ª ed. Tradução Antônio Borges Coêlho.
Lisboa: Editorial Presença. 1999. p.52.
128

racionalidade. Contudo, esse é o solo primeiro onde as raízes educativas das filosofias
de Platão e de Aristóteles vão germinar para mover posteriormente o mundo cristão.
A principal e a maior beneficiada deste legado, sem dúvida, foi Roma,
“[...] a primeira a aprender substancialmente com os gregos e a estabelecer, ao mesmo
tempo uma cultura independente, atuante não só na arte e na tecnologia, mas também na
337
literatura e no pensamento.” A força do império macedônico deve-se contudo, a
Felipe II, (382 – 336 a.C.), filho do rei Amintas III, (370 a. C), aquele que acolheu em
sua corte o médico Nicômacos, pai de Aristóteles. Felipe II, após ser assassinado na
Batalha de Queroneia (330 a. C.). Essa batalha na verdade, corresponde na prática, à
conquista da Grécia pela Macedônia e o fim da democracia grega. Felipe II não poderá
ver seu filho conquistar seus objetivos militares. Não indiferente aos planos de seu pai,
Alexandre (356 - 323 a. C.), com pouco mais de dezesseis anos, derrota o exército das
cidades de Atenas e Tebas. É por volta do século IV a. C., sobretudo com a formação e
desenvolvimento do Império de Alexandre, que a “[...] cultura helênica se universaliza e
converte em helenística [...]”. 338 Sobre isso, Marrou acrescenta:

A educação helenística é realmente o que deveremos chamar a


educação clássica: […] Ela permanece em voga, em todo o mundo
mediterrâneo, por tanto tempo quanto este merece ser considerado
antigo. Ultrapassa, com efeito, a era propriamente helenística para
estender-se pelo período romano. 339

A grande aventura de Alexandre Magno contribuiu fundamentalmente


não somente para o desenvolvimento político dessa educação, mas também, sobretudo,
para renovar o espírito de uma nova época, principalmente do ponto de vista cultural. O
enfraquecimento das poleis, as sucessivas guerras e rivalidades provocaram cada vez
mais os objetivos expansionistas de Alexandre, o que na verdade vai contribuir para o
crescimento da civilização grega no oriente.
Tudo começa com o enfraquecimento político da pólis grega, sobretudo
ao final do século VI a. C., as sucessivas guerras entre as póleis, de modo especial,
Atenas e Esparta, as duas mais emblemáticas, essas rivalidades são constantes e vão
possibilitar e facilitar as aventuras e o expansionismo de Felipe da Macedônia e
posteriormente, Alexandre. Em Atenas, sobretudo no último quarto do século V a. C.,

337
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1998. p.465.
338
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.42.
339
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.154.
129

três grandes partidos políticos disputam a hegemonia da cidade: os democratas, os


oligarcas extremistas e os moderados; em termos de política, podemos dizer que os
primeiros desejavam o direito ao voto para todos os cidadãos e, portanto a participação
no governo. Os oligarcas extremados defendiam, não sem razão, a classe mais elevada e
mais rica, visto que somente a essa, pertencia o direito da cidadania. Finalmente os
moderados, este partido não tinha uma posição definida. Esses conflitos tornaram-se
confrontos e terminaram no que já sabemos: o fim do governo dos trinta tiranos e o fim
da democracia.
Com a derrocada e decadência da cidade-Estado, a pólis grega é
derrotada e substituída pelas monarquias. Perdem-se aqui, no entanto, aqueles valores
expressivos e tão caros que dimensionavam a vida pública do cidadão e de toda a
civilização grega, o que na verdade constitui toda a vida espiritual da Grécia clássica. O
helenismo, conforme explica Franco Cambi, “[...] coincide com o período em que
desenvolve a hegemonia da cultura grega no Mediterrâneo, em que se chega a constituir
340
uma verdadeira e própria koiné grega, (uma língua comum) [...]” , o que explica, no
entanto, o nascimento da cultura humanística, prevalecendo nessas circunstâncias,
questões relativas ao plano do humano. A formação e a instrução passam, no entanto, a
priorizar as coisas próprias do homem. O declínio das cidades-Estado era um fato
consumando: os cidadãos até então, agora são indivíduos controlados sob a égide de
poderes globalizados, isto é, sob a vigilância de poderes mundiais. Expressa Michael
Foucault: “O acaso reinava […] As filosofias da idade helenística eram essencialmente
341
filosofias da evasão, e o principal meio dessa evasão era o de cultivar a autonomia.
Ainda de acordo com esse autor, os gregos dessa época não tiveram que esconder ou
[...] fugir „do mundo sem cidade dos grandes impérios‟ pela excelente razão que o
„helenismo era um mundo de cidade; [...].”. 342 Em outras palavras, podemos dizer que o
processo formativo passa, de acerta forma, a vincular questões propriamente do
indivíduo e não mais do cidadão tal qual vimos na pólis grega do período clássico da
antiguidade. A maior consequência que a aventura de Alexandre gera é exatamente a
destruição da pólis grega. Não mais no centro mediterrâneo estão as famosas poleis
gregas, Esparta, Atenas, Corinto, dentre outras; naquele lugar agora se desenvolve outro

340
CAMBI, Franco op. cit. 1999. p. 94.
341
FOUCAULT, Michael. História da sexualidade. III o cuidado de si. Tradução Maria Thereza
Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. 10ª impressão. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1985. p.88.
342
FOUCAULT, Michael. ibid. p.89.
130

centro de cultura. Não mais se verá aquela civilização unitária e móvel liderada pela
pólis Atenas, a partir de 404 a. C., não existirá mais hegemonia ateniense. Outros
centros de cultura aparecem no cenário: Rodes, Pergamos, sobretudo, Alexandria são
os novos centros da civilização ocidental. Com bem sabemos, Alexandria é fundada por
Alexandre Magno no Egito. Sem dúvida, com sua famosa biblioteca e museu, se torna o
verdadeiro centro de toda a cultura de literatura, de filosofia e de ciência. Como já
anunciamos anteriormente, a filosofias de Platão e de Aristóteles é retomada numa nova
perspectiva:

“[…] depois dos grandes sistemas metafísicos, científicos e políticos


de Platão e Aristóteles, delineia-se um novo período que elabora um
pensamento de fundamento antropológico dividido em lógica, física e
ética, mas, mais ligado aos problemas da ética e da busca da „vida
boa‟ que é indicada na figura do „sábio‟: aquele que limita suas
próprias necessidades, pratica uma meditação constante, procura a
felicidade individual pela ascese. 343

Alexandria se torna pelo menos nos primeiros momentos o centro da


cultura helenística; depois Roma, pela sua força militar e política, vence e conquista
toda a Hélade. Escolas filosóficas são fundadas, a de Epicuro, (342 –2 70 a. C.), e a de
Zenão (335 – 264 a. C.), o estoicismo e o epicurismo, respectivamente são os primeiros
movimentos filosóficos dessa epoca. Outra escola é a do ceticismo fundada por Pírron
(370 – 270 a. C) e, finalmente, a escola eclética, sendo seu representante o filósofo
latino Marco Túlio Cícero (106 – 43 a. C.), um dos mais dignos expoentes da filosofia
romana. Na, até então, academia de Platão e no Liceu de Aristóteles, são desenvolvidos
assuntos filosóficos e científicos. Rodes, Pérgamo e outras cidades vão atrair artistas,
homens sábios, estudiosos. Espeusipo (408 – 399 a. C.), sobrinho de Platão assume a
direção da Academia. No Liceu, Teofrasto de Eresso (371 – 287 a. C) dá continuidade
ao trabalho de Aristóteles em Lesbos, pólis situada ao nordeste do mar Egeu. O
discípulo de Aristóteles Teofrasto dirige a escola peripatética até mais ou menos o ano
de 288 ou 286 a. C, por ocasião de sua morte, deixando como novo sucessor, Estratão
de Lâmpsaco (355 – 269 a. C,), que por seu turno, trabalha no Liceu 18 anos
consecutivos. Os movimentos desse período vão ocupar em filosofar sobre os
problemas morais e, pouco tempo depois, a filosofia ocupa-se fundamentalmente dos

343
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.94
131

problemas religiosos. Podemos dizer que a filosofia helenística não perde seu caráter
inquiridor, porém, fica restrito aos problemas morais.
O primeiro e mais importante movimento histórico desse período é
denominado estoicismo. Após o período peripatético, o principal movimento filosófico
do período romano que acentua o caráter religioso não é sem razão o estoicismo, pois,
esse, é a pedra angular que orienta, reconecta e hegemoniza o sentido da filosofia
helenística e portanto,

[…] procura recolher e cerzir os elementos religiosos implícitos na


história do pensamento grego, da religião dos mistérios ao pitagorismo
e ao platonismo; depois nas filosofias que se enlaçam expressamente
com religião orientais e procuram conduzir de novo a elas o próprio
pensamento grego (filosofia greco-judaica) Em suma, a expressão
mais alta desta orientação será o Neoplatonismo. 344

Como doutrina, o estoicismo revela uma tendência filosófica exatamente


oposta ao epicurismo que descreveremos em seguida. Para os estóicos a filosofia é uma
ciência que trata das coisas divinas e humanas. O homem, nesse sentido, deve viver de
acordo com a natureza. O homem não deve estar voltado para a ciência, mas sim para
buscar a felicidade por intermédio da virtude. Sêneca, um dos expoentes mais brilhantes
dessa escola, afirma: “A natureza nos gerou em bom estado e nele estaríamos se dela
345
não nos afastássemos.” Para conseguir alcançar a felicidade deve o homem viver
uma vida de virtude. Além de Zenão, os demais expoentes dessa escola são: Crisipo
(281 – 208 a. C); Epiteco (50 – 138 d. C.); Sêneca (4 a.C. –65 d. C) e Marco Aurélio
(121 – 180 d.C).
Ao contrário dessa escola, o epicurismo é uma doutrina que tem o
objetivo de atingir a plena satisfação interior, ou seja, baseia-se na busca do prazer, na
busca da felicidade. Ainda, em nota explicativa, os estudos de E Joyau, confirmam,
que, em acordo com Tito Lucrécio (96 – 55 a.C.), para Epicuro, o homem pode
conquistar sua felicidade, a filosofia seria uma, “[...] atividade destinada a estabelecer
346
por meios de raciocínios e de discussões uma vida feliz.” Nesta mesma nota
podemos ler ainda: “Devemos filosofar não em palavras, mas em atos: a filosofia não
347
deve ser uma ciência de que se ande fazendo gala.” Portanto, o homem pode

344
ABBAGNANO. Nicola. op. cit. 1999. p.53.
345
SÊNECA. Lucio Aneu. Consolação a minha mãe Hélvia. In: Os Pensadores. V-1.
346
CARO, Tito Lucrécio. Epicuro antologia de textos. In: Os Pensadores. p.19.
347
ibid. p.19.
132

conquistar seu estado de satisfação e ao mesmo tempo libertar das paixões. A frouxidão
do homem, o desejo mórbido e incontido não poderá conduzir o homem ao caminho da
felicidade. O epicurista enxerga a filosofia como uma atividade prática, o mérito da
filosofia, nesse sentido, é extremamente instrumental, sua finalidade é a felicidade
extenuida de toda dor, ou seja, é em suma, ausência absoluta de dor. Do ponto de vista
ético o movimento epicurista elege os prazeres como a centralidade das decisões. “Só o
cálculo cuidadoso dos prazeres pode conseguir que o homem se baste a si próprio e não
348
se converta em escravo das necessidades e da preocupação pelo amanhã.”
Distanciando do pensamento aristotélico, a filosofia epicurista ganha uma nova
finalidade e contudo, perde seu brilho e explendor, “[…] o de ela própria determinar o
fim do homem e de ser, já como a investigação, parte integrante deste fim.” 349
O ceticismo foi uma escola fundada por Pírron conforme já
mencionamos anteriormente, o nome ceticismo é derivado do termo sképsis, que
significa investigação ou procura. Do ponto de vista da ciência podemos dizer que o
ceticismo seria uma constante procura do conhecimento. A verdade filosófica seria
sempre buscar o conhecimento; podemos então dizer que, não consiste para o ceticismo
a busca da verdade, mas sempre estar procurando-a.
A última escola desse período é a escola eclética. Na verdade essa escola
nasce para fazer oposição ao ceticismo. Para essa escola, a busca da verdade não se
resume em uma resposta, mas em várias. O ecletismo representou inúmeras
possibilidades de reflexão em conformidade com as ideias predominantes do período. A
partir de então a filosofia grega entra em contato com as grandes religiões do oriente,
dentre outras estão o judaísmo e cristianismo. Num primeiro momento a tentativa de
conciliação entre filosofia e fé foi resolvida em grande parte pelo pensamento platônico.
A filosofia aristotélica no pensamento cristão desse período ainda era uma contribuição
muito modesta e secundária.

Grande parte dessa influência deu-se por intermédio do platonismo,


pois as escolas platônicas do período imperial romano havia absorvido
boa parte do aristotelismo (embora houvesse também uma forte

348
ABBAGNANO. Nicola. História da filosofia. Volume II. 5ª ed. Tradução Antônio Borges Coêlho.
Lisboa: Editorial Presença, 1999. p.31.
349
ibid. p.27.
133

influência anti-aristotélica, manifesta em Ático, no século II, e até


certo ponto em Plotino, no século III). 350

O que podemos dizer específicamente desses movimentos filosóficos em


relação às filosofias de Platão e de Aristóteles é que eles preparam o solo
definitivamente para o desenvolvimento da mensagem cristã e, posteriormente, para
criação da filosofia cristã. Por um lado, o século primeiro de nossa época foi marcado
inicialmente pelo platonismo médio, sendo, seu maior representante, Plutarco de
Queronéia (a. C. 46 – 120 d. C.). “Ficaram-nos dele numerosíssimas obras de cometário
a Platão, de polêmica contra os Estóicos e os Epicuristas, de física, de psicologia, de
ética, de religião e de pedagogia.” 351 Por outro lado, muitos filosófos dessa época estão
também ligados ao neopitagorismo. Nos séculos (II – III d. C.) a finalidade da reflexão
filosófica era explicitamente religiosa. A partir do século (IV d. C), os pensadores da
filosofia cristã foram, cada vez mais, influenciados pelo platonismo, “[...] a que os
352
estudiosos modernos chamam neoplatonismo.” Essa filosofia é uma filosofia ligada
as questões místicas, fundada por Plotino, (205 –270 d. C.), um dos maiores filósofos
religiosos. “Em Plotino, e em considerável extensão, ainda nas hierarquias mais rígidas
e muito mais nitidamente demarcadas e elaboradas de seus sucessores os níveis de
realidade correspondem intimamente aos estados da experiência interior do homem.” 353
Com o advento do cristianismo no solo grego-romano floresce, paralela e
extraordinariamente, o campo da religiosidade. Para além dessas escolas surgiram
ainda, nesse mesmo período, muitos pensadores que trabalharam para forjar esse
sentido; logo, prepararam o terreno para edificar a filosofia cristã. O primeiro é Fílon,
(13 a. C. – 40 d. C.), idealizador da filosofia religiosa. Este filósofo elaborou a síntese
entre a vida religiosa judaica e a filosofia platônica. Integrados inteiramente à nossa era,
citamos o nome de Clemente de Alexandria (150 – 215), primeiro pensador cristão;
contrapondo à Fílon, Clemente conciliou a revelação cristã – mensagem de Jesus Cristo,
a partir dos elementos da filosofia de Platão; também Orígenes (185 - 204) um dos mais
importantes teólogos além de exegeta do cristianismo; é ele quem faz notáveis
interpretações filosóficas religiosas da sagrada escritura. Tanto Orígenes, como

350
ARMSTRONG. Arthur Hilary. Filosofia Grega e cristianismo. In: FINLEY. Moses. I. (Org.). O
legado da Grécia uma nova avaliação. Tradução. Yvette Vieira Pinto de Almeida. Brasília: Universidade
de Brasília, 1998. p.382.
351
ABBAGNANO. Nicola. op. cit. 1999. p.54.
352
ARMSTRONG. Arthur Hilary. op. cit. p.402.
353
ibid. p.402.
134

354
Clemente de Alexandria “[...] tornaram os fundadores da filosofia cristã.”
Finalmente, egípcio Plotino, que enfatizamos anteriormente, grande precursor da
filosofia neoplatonista. Finalmente, citamos também os nomes dos discípulos ilustres
dessa corrente, Porfírio (232 – 303) e Proclo (410 – 485), tendo o primeiro organizado a
introdução à lógica de Aristóteles e o segundo é autor da conhecida Teologia Platônica.
Sobre Porfírio e os escritos sobre o neoplatonismo podemos acrescentar:

A edição dos escritos de Plotino, preparada e organizada por seu


discípulo por Porfírio, e que conhecemos como Enéadas, não surgiu
senão no início do século IV: houve uma edição anterior, por outro
amigo íntimo e discípulo, Eustóquio, mas não há provas de que tenha
sido amplamente lida, embora o escritor cristão do século IV Eusébio
de Cesaréia talvez a tenha usado. 355

Sobre o sentido da filosofia helenística o que podemos afirmar, com


certeza é que, a investigação sobre o homem não mais está voltada para a antiga
concepção de pólis grega. As virtudes de civilidade tal qual pensou Aristóteles estão
fora do rol filosófico helenístico, por sua vez, o Estado, a política são conceitos
neutralizados e instrumentalizados nas mãos de Alexandre. No século II a. C. Felipe II
subiu ao trono da Macedônia, provalvnelmente em 359 antes de nossa era, tudo estava
praticamente mudado para os gregos. Expressa Finley: “Durante meio século, exércitos
356
inteiros de Macedônios e Gregos passarm a vida a lutar no estrangeiro.” Ao
universalizar o sentido desse novo Estado e dessa nova política, o homem não é mais
cidadão da pólis, nem helenizado nem romano, mas, cidadão do mundo. Os estudos da
investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de
Coimbra, Maria Fialho, revelam que a dimensão que identifica o homem helenístico
deve ser desvelada a partir da própria ideia de universalização, a pólis, não mais deve
ser entendida como um simples complexo urbano, mais que isso, deve ser
compreendida como “[...] – um universo, onde em condições ideais, homens, deuses e
natureza convivem e se complementam em harmonia.” 357 Ainda em conformidade com
essa autora, quanto mais o sistema da pólis se intensifica e se consolida, “[…], a
experiência de identidade helênica vai-se, também, reforçando, assente em referências

354
JAEGER, Werner. op. cit. 1991. p.67.
355
ARMSTRONG. Arthur Hilary. op. cit. p. 404.
356
FINLEY. Moses. op. cit. I963. p.147.
357
FIALHO, Maria do Céu. Rituais de cidadania na Grécia antiga. In: LEÃO, Delfim Ferreira;
FERREIRA, José Ribeiro; FIALHO, Maria do Céu. Cidadania e Paideia na Grécia antiga. 2ª ed.
Coimbra: CECH/FL/UC, 2012. p.111-144. (Coleção Autores Gregos e Latinos Série Ensaios). p.116.
135

de integração do homem nesse microcosmo acabado, dentro do macrocosmo helénico.”


358
A esse complexo e emaranhado fundo helenístico é que se confere o rosto das
demais poleis gregas que por seu turno, constituem o mundo grego.
Entre os séculos, III e II a. C., em suma, as cidades gregas jamais
conseguiram libertar-se do poderio da Macedônia. Foi somente com o domínio
definitivo de Roma que as cidades gregas vieram a constituírem-se como províncias
romanas.

Um papel decisivo nesta unificação espiritual do Mediterrâneo foi


exercido por Roma, que, conquistando o Oriente, foi por sua vez
conquistada pela cultura grego-helenística, e a difundiu amplamente
por todo império. Tal cultura levava à maturidade a rica tradição da
Grécia, desenvolvida em todas as suas articulações, construídas em
formas grandiosas em todos os setores (da arquitetura à poesia, à
filosofia e as ciências), marcada agora de um forte individualismo
apolítico e orientado para o „cuidado de si‟ que implica uma rica
elaboração de „exercícios espirituais‟ capazes de favorecer a ascese.
359

Com o helenismo, o cuidado de si que nos fala Franco Cambi está


relacionado com a própria ideia da cultura de si, que na verdade remonta toda a tradição
da cultura grega, sobre isso, mais uma vez, Michael Foucault descreve sobre essa
prioridade da formação clássica grega antiga: “A melhoria, o aperfeiçoamento da alma
que se busca na filosofia, a paideia que esta deve assegurar, é tingida cada vez mais
com as cores médicas. Formar-se e cuidar-se de si são atividades solidárias.” 360
Especificamente quanto à história da educação romana, ela também não
foge aos princípios da história das demais civilizações antigas. Paralelamente às
civilizações arcaicas, também Roma segue os mesmos passos e praticamente todos os
estágios da passagem da comunidade primitiva para a sociedade de classes. Os estudos
de Aníbal Ponce evidenciam três tarefas educativas fundamentais as quais o cidadão de
Roma deve ocupar-se: deve ele aprender as tarefas do campo, da guerra e da política.
Essas atividades se realizam no cotidiano da vida prática. Os nobres patrícios em Roma
monopolizam o poder. “Os filhos dos proprietários recebiam a sua educação ao lado do
pai, acompanhando-o nos seus trabalhos, escutando as suas observações, ajudando-o nas

358
FIALHO, Maria do Céu. op.cit. 2012. p.116.
359
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p. 95.
360
FOUCAULT, Michael. op. cit. 1985. p.60.
136

suas tarefas mais simples.” 361 Os grandes proprietários de terras controlam e governam
a rumo da educação romana.

A posse da terra também assegurava os melhores postos no exército.


Os custosos cavalos e as armas pesadas eram privativos dos
poderosos. Até o século II a. C., as legiões não se compunham de
soldados profissionais e sim de grandes e pequenos proprietários que
abandonavam temporariamente as suas propriedades para se dedicar
às lides guerreiras e, comumente, obter mais riqueza, em terras e
escravos. 362

O sistema educativo é também desigual e não apresenta mobilidade


social, sempre reservada à classe dominante, a escola tipo romana continua a reservar
seu espaço para a classe dominante. Podemos afirmar que, numa primeira fase, ou mais
precisamente na época da república, ela é moldada por uma instrução patriarcal. Os
primeiros anos da República não são diferentes dos tempos da arcaica Grécia: a
educação é moldada e dirigida pela classe dominante: os nobres patrícios. Os pequenos
proprietários, os plebeus, apesar de serem livres não assumem as tarefas do poder.
Como sempre a grande massa da população está destinada ao trabalho e a escravidão.
Referindo-se sobre a formação desse nobre, expressa Ponce: “Aos vinte anos, o jovem
nobre que já sabia arar a terra e que havia assistido algumas batalhas no exército e no
Senado estava pronto para a vida pública.” 363
No início ainda do terceiro século antes da nossa era, o povo da região do
Lácio faz uma nova experiência educativa. Nessas circunstâncias, Roma adota a
educação da Grécia, ou seja, a pátria romana traz do solo grego o sistema educativo da
pólis grega para os seus filhos, e isso tem um valor muito significativo em termos de
cultura e dos valores humanos. A pátria romana adota para os seus filhos a paideia
grega em plena hegemonia e poderio helenístico. As atividades do fazer e do falar agora
são retomadas em Roma. O lócus da formação romana é um lócus fundado na moral
familiar. Se na época grega classica cabia a pólis a função educativa, agora em Roma,
caberá a família esta função. Sobre a educação das crianças e dos jovens dessa época,
Plutarco (ac 46 – 120 d. C.), o maior representante do platonismo médio, conforme
referenciamos na introdução da tese, evidência o processo formativo tal qual Fênix
educou Aquiles. Afirma o neoplatonista e biógrafo: “Procurem-se para os filhos mestres

361
PONCE, Aníbal. op. cit. p.61.
362
id. p. 62.
363
id. p.62.
137

que tenham uma conduta de vida irrepresível, uma moral acima de qualquer censura e
364
que sejam os melhores em sua experiência” Referendado pela dimensão moral e
familiar, também, o processo pedagógicco romano forma o homem para o exercício da
excelência no falar e na excelência do fazer. O orador é o homem poderoso e forte, sabe
ele agir e raciocinar. Mais uma vez, Plutarco em sua obra moral destaca a especificidade
da educação de Roma. A atividade do agir – da força humana deverá ser guiada e
amparada pela inteligência.

Pois qual é o poder da força humana comparada com o dos outros


animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é
o único dos bens que temos que é imortal e divino, Na natureza
humana, os dois bens mais importantes são a inteligência e o
raciocínio. A inteligência comanda o raciocínio e o raciocínio está a
serviço da inteligência. 365

Já bem sabemos, a família assume o papel da pólis. Ela é o principal


instrumento educativo, pois, na monarquia, ou seja, no período anterior, são
relativamente poucas as informações educativas, são mínimas. Sobre isso, os estudos de
Henri-Irénée Marrou enfatizam que a originalidade da educação romana foi
interrompida. Diz ele: “[...] a educação latina evoluiu num sentido muito diferente,
porque Roma se viu levada a adotar as formas e os métodos da educação helenística.”
366
Para além do desenvolvimento das letras e da própria filosofia, no solo romano, ao
final do IV a. C. e começo do século III a. C., a escola estatal do tipo grego será adotada
e difundida não sem maiores esforços.“Nesse período a educação deixa de ser matéria
de iniciação privada e passa a ser educação pública, posto que não do Estado, mas dos
367
municípios, das cidades” , ao Estado cabia, somente, como nas épocas anteriores,
cuidar da preparação da formação dos jovens guerreiros, mais especificamente dizendo,
da efebia,– uma espécie de instrução militar obrigatória, que consistia em formar o
caráter moral e cívico do soldado, o que, por sua vez, chega até nós, denominado
atualmente como serviço militar, também obrigatório.

Esta vitória da escola do tipo grego em Roma representa, afinal, um


fato histórico de valor incalculável, mediante o qual a cultura grega
tonou-se patrimônio comum dos povos do império romano e depois

364
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. 7 b
365
ibid. 8 d.
366
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.375.
367
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 42.
138

transmitida durante milênios, à Europa medieval e, moderna –, enfim,


à nossa civilização – como premissa e componente indispensável à sua
história. 368

Este novo centro cultural vai assumir verdadeiramente o sentido dessa


paideia, essa ideia serena e forte de uma educação consciente que modela, edifica e
instrui o ser humano. Plutarco entendeu perfeitamente esse sentido, compreendeu
também a perpectiva política de Platão e a civilidade aristotélica ao seu modo. Para ele,
os homens mais perfeitos são capazes de: “ […] unir e alternar a capacidade política
com a filosofia; […] dedicar-se à atividade política para utilidade da vida pública e
369
passar o tempo com calma exserenidade ocupando-se da filosofia.” Aos poucos, a
civilização da Hélade construiu o sentido educativo de seu povo, para tal civilização, a
educação não pode ser uma somatória de tecnicas que modela de forma dirigista os seus
indivíduos. Muito menos, se apresenta como uma uma organização privada que
pretende formar uma individualidade perfeita e independente do Estado. Sobre essa
força educativa, Werner Jaeger escreveu:

Colocar estes conhecimentos como força formativa a serviço da


educação e formar por meio deles verdadeiros homens, como o oleiro
modela a sua argila e o escultor as suas pedras, é uma ideia ousada e
criadora que só podia amadurecer no espírito daquele povo artista e
pensador. A mais alta obra de arte que o seu anelo se propôs foi a
criação do Homem vivo. Os gregos viram pela primeira vez que a
educação tem de ser também um processo de construção consciente.
370

No entanto, com o decorrer do tempo, as transformações são constantes,


sobretudo quando “[...] a visão de mundo greco-romana foi suplantada pelo
371
cristianismo, a educação deixou de visar a formação do cidadão: [...]” Perdendo
cada vez mais o seu caráter político e de civilidade, a educação aos poucos foi tomando
outra configuração. A partir de então, a paideia não tem mais a finalidade de formar o
homem em sua omnilateralidade, mas sim, em sua unilateralidade; nesse caso, ficando
restrita a uma formação específica do crente, do cristão. Como sabemos a filosofia cristã
aos poucos foi suplantando a filosofia grega. A explicação do cristianismo como

368
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit.. 2010. p.108.
369
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. 10 f.
370
JAEGER, Werner. 2001. op. cit. p. 13.
371
BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa educacional e educação básica. In: BITTAR, Marisa;
LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em fundamentos da educação. (Orgs) São Carlos: Pedro & João
Editores, 2007. p.22
139

fundamento filosófico não deverá surpreender-nos, Werner Jaeger, em seus estudos


sobre a relação entre Paideia grega e cristianismo revela a impressão que os povos
helênicos tiveram sobre os judeus já cristianizados.

[...] os autores gregos que nos transmitem as primeiras impressões do


seu encontro com o povo judeu, como Hecateu de Abdera,
Megástenes e Clearco de Soles em Chipre, aluno de Teofrasto,
referem invariavelmente os Judeus como uma „raça filosófica. ‟ O que
pretendem dizer, evidentemente, é que os Judeus sempre tinham
defendido certas opiniões acerca da unidade do princípio divino do
mundo, que os filósofos gregos só muito recentemente perfilhavam. A
filosofia servia de plataforma para as primeiras tentativas de um
contato mais íntimo entre o oriente e o ocidente. 372

O acontecimento Jesus Cristo foi talvez o acontecimento mais expressivo


que dinamizou e contribuiu largamente para que as filosofias de Platão e de Aristóteles
continuassem a florescer, porém numa perspectiva cristã, isto é, fora de sua
originalidade teórica. No começo de tudo, o crescimento da mensagem de Jesus Cristo
se deu através da evangelização dos primeiros discípulos denominados apóstolos, entre
os mais conhecidos, temos as figuras dos apóstolos Pedro e de Paulo. Em conformidade
com a sagrada escritura, o apóstolo Paulo entrou em contato com discípulos de Epicuro
e também com os de Zenão. Lê-se especificamente no capítulo dezessete em Atos dos
Apóstolos.

Os que conduziram Paulo levaram-no até Atenas. [...] Enquanto Paulo


os esperava em Atenas, à vista da cidade entregue à idolatria, o seu
coração enchia de amargura. Disputava na sinagoga com os judeus e
prosélitos, e todos os dias, na praça, com os que ali se encontravam.
Alguns filósofos epicureus e estóicos conversavam com ele. Diziam
uns: „Que quer dizer esse tagarela?‟ Outros: „Parece que é pregador de
novos deuses. ‟ Pois lhes anunciava Jesus e a Ressurreição. [...] Ora,
(como se sabe), todos os atenienses e forasteiros que ali se fixaram
não se ocupavam de outra coisa senão a de dizer ou de ouvir as
últimas novidades. 373

Aproximadamente entre os anos 70 e 100 de nossa era, os evangelistas


remontam as primícias do falar e do fazer de Jesus Cristo. Na verdade, os discípulos, os
amigos de Jesus, - os cristãos precisavam dizer para o mundo quem era esse tal Jesus.

372
JAEGER, Werner. 1991. op. cit. p.46.
373
BÍBLIA SAGRADA. 176ª ed. Atos dos Apóstolos. Tradução: Monges Beneditinos de Maredsous.
Tradução portuguesa da versão francesa dos originais em grego, hebraico e aramaico. Tradução. São
Paulo: Ave Maria. 2007. cap. 17, 16 a 23.
140

Precisariam explicar qual a relação entre Jesus e Deus. Que filiação ou autorização
divina lhe pertenceria? Essas são questões que precisavam ser colocadas junto ao
tribunal da razão. Como traduzir para o mundo inteiro essa mensagem por excelência
aramaica? Como traduzir e interpretar esse judeu descendente dos povos hebreus? O
restante da história parece que já conhecemos suficientemente bem.
Fílon, (30 a.C. – 40 c.C.) Clemente de Alexandria, (150 d. C – 215 d. C)
Orígenes, (185 – 253 d. C) Plotino, (203 d. C. – 270 d. C) são os principais
representante da filosofia helenística, conforme anunciamos no início da terceira parte
desse capítulo. São eles homens de sabedoria, de conhecimento e de inteligência
robusta; por excelência são exímios conhecedores da mensagem cristã, verdadeiros
sábios da época. São eles que traduziram e interpretaram o desenvolvimento histórico
da religião cristã. A filosofia fazia-se serva da teologia!

Os apologistas do século II eram homens de notáveis conhecimentos


intelectuais, mas o cristianismo precisava agora dos serviços dos
intelectos e personalidades mais desenvolvidas que se podiam
encontrar nos ambientes culturais de Alexandria, capital do mundo
helenístico. [...] Ali, no tempo de Jesus e de Paulo, Fílon o filósofo
judeu tentara demonstrar em inúmeras obras escritas em grego que sua
religião hebraica podia ser representada e compreendida em termos da
filosofia grega. 374

No transcurso dos séculos, já nos albores da Idade Média, a paideia


clássica vai ser substituída pela paideia cristã. O processo formativo visava formar o
cristão, o fiel, o crente e, portanto, a aprendizagem passa a ser um instrumental que visa
a compreensão da palavra divina, ou mais precisamente, tanto o aprendizado da leitura e
exercício da escrita remetem à conversão e ao conhecimento da palavra cristã – a bíblia.
No início da missão cristã primitiva, conforme explica Werner, os missionários eram
obrigados a empregar

[...] formas gregas de literatura e discurso ao dirigirem aos judeus


helenizados para quem se viram primeiro e que encontraram em todas
as grandes cidades do mundo mediterrâneo. Isto tornou-se ainda mais
necessário quando Paulo abordou os gentios e começou a fazer
conversos entre eles.Esta mesma atividade protréptica constituía um
traço da característico da filosofia grega nos tempos helenísticos. 375

374
JAEGER, Werner. 1991. op. cit. p.46
375
ibid. p.23.
141

Essa instrumentalização passa a ser um aparelho de ensino e aprendizado


na escola. Em suma, trata-se de um instrumento doutrinador na educação. O ensino, a
aprendizagem, os métodos acabam instrumentalizando a educação, as tarefas do poder e
do dizer, princípio herdado da educação grega, agora toma outra direção, sobretudo no
contexto medieval e cristão. A igreja católica detém o saber, o conhecimento e,
portanto, o poder, a hegemonia, a política. Assim lhe competem as tarefas do dizer; por
outro lado, uma educação dos cavalheiros que tem por objetivo preparar os jovens
medievais para as tarefas do fazer, portanto aos filhos dos nobres, restando aos filhos
dos nobres essa condição. Afirma Henri Marrou:

No decorrer dos séculos seguintes, a educação clássica acabará de


perder muito do que podia restar do seu caráter nobre [...] o papel da
cultura física continua a apagar-se progressivamente; [...] em proveito
dos elementos propriamente espirituais, e, no interior destes, o aspecto
artístico e notadamente musical cede definitivamente o passo aos
elementos literários. 376

Essa formação do homem omnilateral em seu sentido amplo deve ser


entendida não como uma simples técnica que prepara a criança para o mundo adulto; a
paideia, na visão grega helenística, “[...] serve para designar o resultado desse esforço
educativo, continuado para além dos anos escolares, durante toda a vida a fim de
377
realizar mais perfeitamente o ideal humano;”[...] logo, no sentido de cultura, de
civilização, enfim, no sentido da existência humana. Esse ideal helenístico não tem
outra finalidade que não seja formar o homem por inteiro, foge a toda unilateralidade,
não pode e não deve ser compreendida como instrumentalização de crianças e de
jovens; pelo contrário, a visão do homem helenístico revela acima de tudo um empenho
para atingir a mais bela e rica forma da existência do ser humano e, portanto, essa
paideia não tem outra finalidade a não ser atingir essa beleza e riqueza do processo
formativo do humano.

Mais que nunca, o homem grego se crê o centro e “a medida de todas


as coisas”, mas este humanismo agora tomou consciência de sua
exigência personalista: para o Helenístico, a existência humana não
tem outro fim senão atingir a forma mais rica e a mais perfeita de
personalidade; como o coroplasto modela e decora as figuras de
argila, cada homem deve propor-se, como tarefa fundamental,
modelar sua própria estátua; já citei esta fórmula famosa: ela é do

376
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.153-154.
377
ibid. 1990. p.158.
142

serôdio Plotino, mas a ideia está subjacente a todo o pensamento


helenístico. Fazer-se a si mesmo: extrair, da criança que antes se foi,
do ser mal delineado que se arriscaria permanecer, o homem
plenamente homem cuja imagem ideal se entrevê – tal é a obra de toda
a vida, a única obra a que essa vida possa ser nobremente consagrada.
378

Sem dúvida, no decorrer dos séculos a educação tem muito a perder de


seu caráter nobre. Por outro lado, ao mesmo tempo, são assegurados seus princípios, –
sua originalidade parece brotar sempre e tende a permanecer. Como esclareceu Werner
Jaeger, essa história vivida já teria desaparecido há longo tempo se o homem grego não
a tivesse criado na sua forma perene. Assim, entre os séculos XV e XVI, no revigorante
momento da Renascença, que marca profundamente a era moderna, reconhece-se mais
uma vez o valor educativo dessa paideia. O período da renascença ficou marcado por
seus ideais e atitudes, acaba por tornar-se uma norma, que parece conduzir o mundo
moderno, sobretudo o ideal do humanismo que, por sua vez, pode ser definido como a
glorificação do ser humano e das coisas naturais em contraposição ao divino e
extraterreno. Do ponto de vista educativo, podemnos afirmar que esse período é
caracterizado por uma volta parcial das concepções educativas de Platão e de
Aristóteles. Se a Idade Média é marcada pelo sincretismso do conhecimento com as
crenças do cristianismo, do islamismo e, portanto, da religião, a renascença, ao
contrário, é marcada por uma intensa volta aos aspectos do mundo clássico.

Mas foi sobretudo a grande Renascença, a dos séculos XV e XVI, que


marcou nossa educação moderna, com sua volta fracamente declarada
à mais escrita tradição clássica; hoje ainda vivemos, muito mais do
que se tem originalmente consciência, da herança do Humanismo: o
ensino secundário francês, para tomar apenas um exemplo,
permaneceu, vistas as coisas em seu conjunto, tal qual o
estabeleceram, no século XVI, os fundadores das Academias
protestantes e dos colégios da Companhia de Jesus. 379

Tendo investigado o contexto histórico que engendrou essa educação,


passamos agora ao problema mais estrito entre: educação clássica – a paideia grega e a
filosofia. Como percebemos na conjuntura analisada, – a filosofia nasce colada a essa
paideia, desde seus primeiros passos assume a educação como investigação racional, de
seus princípios, métodos teorias e finalidades; em outras palavras, a filosofia assume a

378
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.158.
379
ibid. 1990. p. 4.
143

reflexão sobre a educação a partir de seu contexto originário. Em Platão ou em


Aristóteles, a filosofia não tem outra finalidade a não ser educar o homem. A filosofia
encerra-se numa verdadeira paideia. Foram eles os estetas da educação, que resgatam na
história e na tradição da cultura grega de seu tempo, o sentido pleno da natureza
formativa do homem. O conhecimento filosófico em sua constituição histórica assumiu
como temática fundamental de investigação a educação.

Se considerarmos que a filosofia tem como propósito produzir uma


ordem apodíctica dos fatos, o que configuraria uma teoria, a filosofia
clássica inaugurada na pólis, buscou racionalmente produzir uma
teoria da educação de modo a justificar uma ordem entre as práticas
educacionais e as finalidades expressas para a educação. 380

Alinhavado estas primeiras raízes históricas da Grécia clássica


aproximamos um pouco mais de nosso objeto investigativo. O desígnio que se busca
nessa próxima tarefa é uma análise da relação intima e essencial entre educação e
filosofia. Nessa mesma linha de pensamento podemos dizer então que a filosofia e a
educação também têm uma história, e as origens de uma e de outra nascem praticamente
juntas. Assim, podemos dizer que a filosofia é educativa desde sua nascente. “A
dimensão educativa não é, pois, algo acrescentado à filosofia de fora para dentro, mas
381
constitutiva de sua natureza.” Os dois capítulos precedentes investigam na filosofia
de Platão e na filosofia de Aristóteles respectivamente, o sentido mais estrito dessa
relação: a dimensão educativa.

380
NUNES Cesar Aparecido. op. cit.1999. p.61
381
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.43.
144

CAPÍTULO II

A CONCEPÇÃO EDUCAÇÃO EM PLATÃO

Ora, quem faz parte desse pequeno grupo e provou a doçura e a felicidade
de semelhante bem, ao perceber a insânia da maioria, e que não há, por
assim dizer, nada sadio nos que se dedicam à Política, por não ser possível
encontrar aliado para defender a justiça sem arriscar-se perecer, tal como o
indivíduo que se visse jogado no meio de feras e que nem se dispusesse a
colaborar em suas malfeitorias nem se sentisse capaz de, sozinho, opor-se a
toda aquela malta, pela certeza de vir a finar-se muito antes de poder vir à
cidade e aos amigos, sem proveito algum nem para si nem para os outros,
refletindo em tudo isso, abstém-se de qualquer atividade e passa a cuidar
apenas dos próprios interesses. É como o indivíduo surpreendido no inverno
por tempestade de saraiva ou de poeira que o vento redemoinha, e que
procura amparo certo ao pé de um muro: vendo os demais homens tão
atolados no crime, sente-se feliz por ao menos poder ao menos passar esta
vida limpo de injustiça e de ações ímpias e de despedir-se dela com uma bela
esperança tranquila e confiante.
Platão

2. 0 A metodologia do capítulo.

O objetivo deste capítulo é investigar o sentido da concepção educativa


no pensamento filosófico de Platão (427 - 348a. C.) que, sem dúvida, ocupa a
centralidade de sua filosofia. Especificamente no segundo capítulo, em Platão, o
governo de filósofos é, sem dúvida, uma questão paradoxal. Três obras do filósofo, A
República, Leis e Político contribuem para a próxima reflexão. Platão, a partir da
divisão social do trabalho, propõe sua educação, ele projeta educação do rei-filósofo ou
filósofo-rei. Sua educação é edificada para abrigar os interesses da classe dos dirigentes
da pólis, os homens livres. Numa extremidade, o princípio educativo desse filósofo tem
suas raízes fixadas nos ensinamentos de Sócrates e de modo especial na sua
condenação. Como descrevemos anteriormente, a vida de Platão é toda circundada pela
política de Atenas, sendo que Sócrates morre por uma causa pública. Seus acusadores
são representantes da mais expressiva política de Atenas. Na outra extremidade, Platão,
quer salvaguardar a cidade da criminalidade, das injustiças, das calúnias, da
desonestidade, das imperfeições da corrupção: seu patamar teórico é, contudo ético.
145

Política e platonicamente podemos expressar, a educação move o indivíduo de acordo


com as leis, e essa, está amparada na educação. Não existe cidade sadia e justa sem tal
equilíbrio.
Metodologicamente o capítulo dessa investigação está dividido em
quatro partes. Para fundamentalmente entender a dimensão e amplitude da concepção
educativa platônica, trazemos para o centro, não como subterfugio, mas como substrato
essencial, as obras: Leis e O Político. De modo geral, a divisão desse capítulo pode ser
vislumbrada a partir dos dez livros presentes na obra A República, porém é apenas uma
recurso didática no sentido de buscar facilitar o trabalho de nossa metodologia.
A primeira parte trata da vida de Platão, da literatura e das obras. Antes
de apresentar propriamente este projeto e seu programa de estudos, é importante
sublinhar algumas palavras preliminares que, na verdade, possibilitam compreender
com maior nitidez, brilho e clareza a natureza e o sentido do programa, bem como as
finalidades do projeto. Três são os fatores preliminares que aludiremos para esclarecer e
aclarar o entendimento de sua filosofia da educação. O primeiro fator está relacionado
com a vida do filósofo. Estamos, mais ou menos, quase dois mil e quatrocentos e
cinquenta anos de distância de seu nascimento; essa distância, entre outras causas, nos
impossibilita ter informações precisas sobre os detalhes da vida de Platão. No entanto, é
imprescindível estreitar os laços da distância e do tempo a partir de uma interpretação,
sobretudo, crítica. O segundo fator a ser considerado é sua forma peculiar de escrever.
Platão, ao redigir, não o faz para o público moderno. Além disso, ele redige sua obra e
toda a sua filosofia a partir de diálogos; quando vai escrever, ele não o faz
objetivamente, mas a partir de personagens. Portanto, previamente, é preciso entender
como Platão elabora o seu pensamento e qual a sua intenção a partir dos seus diálogos.
Finalmente, o terceiro e último aspecto introdutório está ligado de modo especial as
obras do filósofo, em especial, o livro, A República, pois é nele que propomos não
somente investigar o contexto educativo de sua filosofia, mas também descrever os
aspectos históricos que engendram suas particularidades, alinhavando o sentido de sua
filosofia da educação.
A segunda parte do capítulo retrata os primeiros passos que Platão dá em
direção à construção de seu projeto educativo. Essa parte é caracterizada por um diálogo
introdutório sobre o conceito de justiça. Especificamente, essa parte está focalizada no
primeiro livro; ali, Platão apresenta um diálogo prévio de um debate que está por vir, a
fundação de uma cidade perfeita, da justiça.
146

A terceira parte investiga a construção propriamente dita do projeto


platônico. A reflexão caminha até o livro sexto. Nessa segunda parte, inicialmente é
apresentada uma profunda e intensa angústia que norteia os discursos dos dois irmãos,
Glauco e Adimanto; ao mesmo tempo, conseguem, com habilidade e sutileza, direcionar
a investigação por caminhos até então não percorridos. Nessa tentativa de examinar com
rigor o sentido e a natureza da questão da justiça e da injustiça, os irmãos, os demais
interlocutores e Sócrates, cada vez mais sentem a necessidade de ampliar o debate sobre
a justiça; a questão do caráter e do comportamento do indivíduo parece estar
relacionada com a cidade.
Na última e derradeira parte, o trabalho se concentra basicamente no
livro sétimo da Repíublica, o qual retrata a concepção educativa de Platão,
especificamente na alegoria da caverna. Por fim, a reflexão acompanha os últimos três
livros da obra. Platão propõe examinar a questão da justiça por dois caminhos: primeiro,
na perspectiva de cidade; depois, ele volta a investigação para o interior do indivíduo.
Para ele, é mais fácil e simples encontrar o que se procura em lugares maiores do que
em lugares menores. Dessa forma, Platão procura na tradição, na cultura, nos costumes
e nas normas e, portanto, na constituição, adequar seus princípios educativos; a partir da
divisão social das classes, ele condensa toda a sua filosofia da educação.

2.1 A vida, literatura e obras.

Estamos realmente a uma distância considerável da data em que nasceu


Platão, cujo verdadeiro nome é Aristocles, proveniente de uma família de nobres
aristocratas, em Atenas. Sobre sua filiação, linhagem e nascimento quem nos conta é
Diôgenes Laêrtios: “Era filho de Aríston e de Perictione – ou Potone – que fazia sua
ascendência recuar a Sólon [...] Dizem ainda que seu pai traçava sua ascendência até
382
Codros, filho de Melantos.” ; portanto, a partir de uma linhagem aristocrática, ele
contava, na verdade, entre os seus ascendentes o lendário rei Codros, e também ascendia
a Sólon, (640 a. C. – 558 a. C.), o grande responsável pela reforma política de Atenas,
posteriormente aperfeiçoada por outros dois estadistas, Clístenes (565 a. C. – 492 a. C.)

382
LAÊRTIS, Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução o Grego, Introdução e
Notas. Mario da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998. (Coleção Biblioteca UnB). p.85.
147

e Péricles, (495 – 429 a. C.). Assim, tanto por parte de seus pais paternos, como por
parte dos maternos, sua descendência remete aos políticos da pólis, e dos antigos reis de
Atenas. Platão parece ter conhecido Sócrates (469 a. C. – 399 a. C.) provavelmente no
interior de sua própria família, pois ele era amigo de seus parentes. Conforme esse
mesmo autor, Platão passou a ouvi-lo ainda bem jovem, mesmo porque a juventude da
elite da pólis sabia que, além de estudar filosofia, deveria também se preparar para a
383
carreira política, portanto, “[...] aos vinte anos tornou-se discípulo de Sócrates.” A
educação de Platão não poderia ser diferente dos demais jovens da pólis, certamente
deve ter aprendido a música, bem com a ginástica, a arte da retórica e, sobretudo, uma
formação política. Desde muito cedo sua vida está envolvida com as questões da
política de Atenas, mesmo porque sua mãe era prima de Crítias, (450 – 404 a. C.) um
dos principais representantes do governo oligárquico. Crítias participou intensamente da
vida política de Atenas, é quem organiza o Governo dos Trinta, – uma espécie de
liderança governada por trinta magistrados atenienses após a derrocada da democracia
grega.
Platão sabe que tais políticos não fazem outra coisa senão destruir os
caminhos da justiça. Nesse ínterim, a sua perspectiva política é estritamente ética. A
morte de Sócrates fez com que Platão frustrasse em relação à carreira política. O maior
desgosto de Platão é a morte de Sócrates, seu professor e mestre. Sócrates morrerá pelas
mãos dos democratas que estavam no poder de Atenas. A morte de Sócrates foi
fundamental para que Platão pensasse em uma nova atututde. Ele é o mais fiel aluno de
Sócrates e, talvez, o filósofo mais combatido em Atenas. Sócrates foi morto pela lei de
Atenas; em outras palavras, a norma, a legalidade e a constituição de sua cidade Atenas;
acabaram por assassinar seu professor e amigo. O que poderá ser a justiça para Platão?
O que será que Platão pensa das leis e das normas de sua cidade? Em que medida essa
constituição de Atenas é justa para Platão? O que é, na verdade, a justiça para Platão?
Ele segue sua carreira filosófica com profunda dor e remorso pela morte
de Sócrates. Ele não aceita o fato. Por isso, ao longo de sua trajetória existencial, segue
procurando homens justos e sábios, homens de bem que consigam governar justamente
sua cidade. Essa foi sua incumbência. “Suponhamos que nunca antes dele tenha a
filosofia assumido tanto brilho, nem depois dele. Mesmo traduzido, seu estilo é todo

383
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p.86.
148

384
centelha e efervescência.” Descrevendo a personalidade política desse filósofo,
expressa François Châtelet, que “[...] esse jovem de boa família, prometido ao mais belo
destino de um político, renunciou-se à carreira que poderia ter justamente por causa da
385
morte de Sócrates.” Nos diálogos filosóficos de Platão, a natureza política da
formação do rei - filósofo ou do filósofo – rei, é sem dúvida a sua maior intenção
educativa, ancorado a partir da ideia do Bem, ancorado essencialmente na constituição,
nas leis, o filósofo propugna um governo para uma pólis justa. Também em Leis, Platão
conserva seus objetivos formativos, de acordo com Finley, ele escreveu essa obra mais
ou menos perto dos oitenta anos, tais escritos condesam um projeto para pólis – para o
Estado. Podemos afirmar então, que ele projetou a justiça e o cuidado tal qual elaborou
em A República, mas agora, os objetivos formativos visam todos os cantos da pólis,
portanto, “[…] abarca a regulamentação de todos os pormenores possíveis na vida dos
cidadãos, estrangeiros – não os Dez mandamentos, mas dez mil com penas
386
cuidadosamente graduadas para cada tipo de infração.” Em suma, acima de qualquer
crítica, para além de qualquer oposição, Platão revela aqui, o cuidado com a cidade, o
zelo com o Estado, e, sobretudo, a disposição para fazer reinar a justiça, o direito na
vida de cada cidadão.
No mesmo ano da morte de Sócrates, Platão e outros alunos socratianos
decidem ir para a cidade de Megara, ficando “[...] como hóspedes de Euclides
(provavelmente para evitar possíveis perseguições que lhe poderiam sobrevir pelo fato
de ter feito parte do círculo socrático). Mas não deve ter estado muito tempo em
Megara.” 387 A partir de então, Platão faz inúmeras viagens: passa pela Itália, depois vai
até o Egito, entre outras regiões. Nessas viagens, conhece novas filosofias, entra em
contato com a filosofia de Heráclito (540 – 480 a. C.), conhece Crátilo, discípulo
imediato desse, logo, aprofunda com precisão os conhecimentos dessa escola. Entra em
contato também com a filosofia de Pitágoras (século V a C.), também acompanhou e
frequentou os seguidores desse filósofo. Sobre essas viagens, Henri Bergson nos
informa:

384
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.35.
385
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noel. Prefácio Jean-Toussaint.
Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1994. p.22.
386
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.115.
387
REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. II Platão e Aristóteles. Tradução Henrique Cláudio
de Lima Vaz, Marcelo Perine. São Paulo. Edições Loyola, 1994. (Série História da Filosofia). p 8.
149

A morte de seu mestre foi um golpe terrível para ele. Tentou em vão
defendê-lo e, após a condenação de Sócrates, deixou Atenas. Viajou
para a África, a magna Grécia, a Sicília. É na Sicília, sobretudo, que
parece ter aprofundado a filosofia pitagórica. È lá que teve aventuras
romanescas como poucos filósofos tiveram. 388

Durante mais de uma década peregrinando, sempre buscou aperfeiçoar


sua formação, como aludimos anteriormente, sendo de família abastada, sua educação
desde muito cedo foi brilhante. “Era eminentemente artista, mesmo quando se tornou
filósofo.” Agora, nessas viagens, cada vez mais, impregnava “[...] de todas as fontes de
389
sabedoria.” Aproximadamente pelos anos de 387 a. C., retorna a Atenas, com o
espírito amadurecido, inundado de sabedoria dos lugares e terras distantes por onde
passou. Platão dá início à sua carreira de educador. Assim como Sócrates começa a
angariar discípulos, [...] procurava nos ginásios e alhures jovens inteligentes, nos quais
390
desperta o gosto pela filosofia. ” Seus ensinamentos são ensinamentos novos e essa
filosofia anunciada não difere da dos diálogos que conhecemos.
Com a ideia e a pretensão de um projeto mais ambicioso em torno das
questões políticas, empreende-se numa nova viagem. “Sabe-se, todavia, que em 388
391
a.C. foi recebido na corte do tirano Dionísio de Siracusa.” Platão ainda faz três
grandes viagens para Siracusa, na região da Sicília, na tentativa de colocar seu projeto
educativo em prática, mas essa intenção falhou e, em razão disso, não foi realizada.
Bernard Piettre afirma:

Esse projeto não constituía somente um sonho do filósofo, pois não


era estranho à formação dada aos alunos da Academia. Além disso,
Platão alimentou a esperança de vê-lo, de certo modo, concretizar-se.
Acreditou, nesse sentido, encontrar na figura de Dion, cunhado de
Dionísio de Siracusa, a reunião providencial entre o filósofo e o
político. 392

Mesmo não realizando seu projeto em Siracusa, seu programa de estudos,


sua concepção política e ética, sua concepção de sociedade, seu pensamento educativo,
foram sendo reconhecidos. Em Roma, descrevendo sobre as consequências dos males e
dos bens públicos, o filósofo Cícero (106 – 43 a. C.) procura reproduzir para os

388
BERGSON, Henri. Curso sobre a filosofia grega. Tradução. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p.296.
389
DURANT, Will. op. cit. p.34.
390
BERGSON, Henri. op. cit. p.296.
391
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p.18.
392
N.T. ibid. p.19.
150

romanos os mesmos princípios que Platão desenvolveu em A República. O filósofo


expressa:

Platão dividiu seu território, com suas moradas e riquezas, entre os


cidadãos, em parte iguais, e estabeleceu sua República, tão fácil de
desejar quanto difícil de possuir, e que vinha a ser menos um plano
suscetível de realização do que um modelo em que se pudessem
estudar todos os expedientes da política. Por minha parte, tanto que
possa consegui-lo, tentarei aplicar princípios idênticos, não ao vão
simulacro de uma sociedade imaginária, mas à ampla e poderosa
República, de modo que se possa assinalar a causa dos males e dos
bens públicos. 393

Sobre sua estada em Siracusa, Platão tinha uma profunda amizade com
Dion, genro do tirano Dionísio (430-367 a. C.), que governava Siracusa entre os anos de
403 a 367 a. C. Esta amizade rendeu a Platão novas expectativas e novas esperanças
para colocar seu projeto em prática. “Essa ligação com Dion, – talvez o mais forte laço
afetivo da vida de Platão – representa também o início de reiteradas tentativas para
394
interferir na vida política de Siracusa.” Após a morte de Dionísio, seu filho,
denominado também Dionísio, assumiu o governo em Siracusa. Nesse ínterim, Dion
queria realizar o projeto de Platão, associando o novo dirigente ao rei-filósofo, maso
fato é que Dionísio não se prestou a isso.
Coincidindo com a sua segunda viagem de volta da Sicília, Platão funda
a sua própria escola – a sua Academia. Não temos muitas notícias sobre a organização
dessa escola, mas com base em estudos sobre o tema, parece que ali não havia cursos
regulares. Ainda, os estudiosos que comentam Platão, em considerável parte, entendem
que a própria história da academia está vinculada pelo filósofo, existe uma especulação
sobre a existência desta escola. Após a morte de Platão, essa escola foi ganhando forma
e corpo, e permaneceu assim por durante muitos ao desenvolvimento do pensamento de
Platão, ou seja, de acordo com os temas pesquisados séculos, haja vista que não são
poucos os nomes que ficaram registrados na história e que sucederam o mestre. O
sucessor primeiro foi Espeusipo, (408 – 339 a. C.) seu sobrinho. O segundo é
Xenócrates (406 – 314 a. C.) que conduziu a escola provavelmente por mais de vinte e
cinco anos (339 – 314 a. C.). O próximo nome é de Polémon de Atenas, (314 – 270 a.
C.) Entre os nomes dos discípulos imediatos de Platão estão também: Heráclides do
Pontico (390 – 310 a. C.) , Exodos de Cnidos (390 – 338 a. C.) e, finalmente, Filipo de

393
CÍCERO, Marco Túlio. Da República. II, 30.
394
N.T. In: PLATÃO. Diálogos (Pensadores) p. XI.
151

Opunto (339 – 314 a. C.). Podemos, por assim dizer, que a academia de Platão era um
local reservado para o estudo. Bernard Piettre referindo-se a ela, explica:

O que é a Academia? Uma escola mais ou menos inspirada nas seitas


pitagóricas. Para entendê-la, é necessário imaginar uma espécie de
universidade que comporta salas de estudo e reuniões, bibliotecas,
museus, e também salas de refeição em comum, de ambulatórios
semelhantes às nossas capelas, onde eram realizados certos cultos. 395

Esse local, sobretudo, está reservado para os estudos, ali se ensina a


matemática, a geometria a medicina, a astronomia, a botânica, a retórica e a própria
filosofia. Durante esse período entre as viagens a Siracusa e a fundação de sua escola,
Platão dá início à sua obra escrita, ou mais especificamente, ele dá início aos seus
ensinamentos e, justamente nesse período, escreve seus primeiros diálogos, em grande
parte conhecidos como os diálogos socráticos, mesmo porque Sócrates acaba sendo o
principal personagem de Platão.

Cerca de 387 a. C., Platão funda em Atenas a Academia, sua própria


escola de investigação científica e filosófica. O acontecimento é da
máxima importância para a história do pensamento ocidental. Platão
torna-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada
para a pesquisa original e concebida como conjugação de esforços de
um grupo que vê no conhecimento algo vivo e dinâmico e não um
corpo de doutrinas a serem simplesmente resguardadas e transmitidas.
O que se sabe das atividades da Academia, bem como a obra escrita
por Platão e as notícias sobre seu ensinamento oral, testemunham
sobre essa concepção da atividade intelectual: antes de tudo busca a
inquietação, reformulação permanente e multiplicação das vias de
abordagens dos problemas, a filosofia sendo fundamentalmente
filosofar – esforço para pensar mais profunda e claramente. 396

Antes de retornar definitivamente para Atenas, Platão sofreu o último


golpe em Siracusa, ao tentar uma última intervenção política para colocar em prática seu
projeto, acabou por se tornar um escravo naquela região, porém com auxilio de terceiros
consegue dali se evadir. Dionísio, o filho, acabou tendo Platão e Dion como adversários
e o projeto não vingou.
Com efeito, em 361 a. C., Dionísio convida-o a voltar. Nada, porém,
estimulava Platão a retornar à Sicília depois da experiência malfadada
das duas viagens precedentes. Somente Dion, exilado, insiste para que

395
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p.18.
396
N.T. ibid. p. XII.
152

aceite sob os argumentos de que Dionísio ficaria consideravelmente


lisonjeado e revelaria um gosto e disposições verdadeiras para a
filosofia. Platão não deveria deixar que se apagassem essas boas
disposições em um governante. Pelo sim, pelo não, o filósofo retorna,
pela terceira vez à Sicília. Mas, novamente, Dionísio se revela
inflexível, certamente porque Platão havia reclamado, com muita
insistência, que Dion retornasse do exílio. Dionísio confisca os bens
de Dion e obriga Platãoa permanecer em Siracusa, de onde, não sem
dificuldade, o filósofo consegue partir ao fim de um ano, graças à
intervenção de Arquitas de Tarento. 397

Mas, a intenção de Platão era verdadeiramente realizar esse projeto, tal


como escreveu: “Foi tendo isso em mente que cheguei à Itália e à Sicília pela primeira
398
vez.” No ano 360 a. C. Platão volta definitivamente para sua escola, permanecendo
nela até o final de sua vida. É nesse período que ele vai compor a obra Leis. Composta
por doze livros, a reflexão desta vez tem a ausência do seu mais nobre e personagem e
amigo: Sócrates. Os ensinamentos platônicos chegam até nós de forma completa: ao
todo, são trinta e seis escritos subdivididos em nove tetralogias. 399 Sobre isso, Giovanni
Reale confirma: “Os escritos de Platão chegaram-nos integralmente. A ordem que lhes
foi dada (trabalho levado a termo pelo gramático Trásilo, mas iniciado antes dele)
baseia-se no próprio conteúdo dos escritos.” 400
O segundo fator introdutório que precisa ser aclarado é a questão literária
da obra platônica. Os diálogos que Platão redigiu são derivados da vida prática de
Atenas. O que ele escreveu está voltado para as coisas humanas que é senão: os valores,
as atitudes, os comportamentos que os indivíduos cultivam dentro da cidade. As atitudes
e os comportamentos são questões da vida do cotidiano da pólis. Platão não tira sua
filosofia do nada, ao contrário, ele afirma sua investigação nas atividades humanas. O
mundo dos afazeres humanos está presente na sua concepção educativa de regeneração
e conversão. A filosofia, tanto de Platão como a de seu discípulo Aristóteles, não
desconhecem essas experiências de vida do cotidiano da pólis que constituem o
universo humano. Já sabemos, Platão está preocupado com universo educativo da pólis.
Seu interlocutor, Sócrates, na obra, Mênon, expressa: “[...] também me encontro nesse

397
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p.19.
398
PLATÃO. Carta VII. 326-5.
399
Tetralogia significa trabalho artístico produzido por obras diferentes, distintas. No mundo grego, a
palavra tetralogia estava ligada ao conjunto de quatro peças teatrais. O conjunto das obras de Platão
constitui o Corpus Platonicum, formado por (43 obras), das quais, (07 inautênticas). “Trásilos diz que
Platão publicou seus diálogos em formas de tetralogias, à semelhança dos poetas trágicos, que
participavam das competições dramáticas – as Dionísias, as Lênaias, as Panatenaias e o Festival dos
Quíftroi. A última das quatro peças era um drama satírico, e as quatro peças juntas chamavam-se uma
tetralogia.” In: LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p.98.
400
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p. 9.
153

estado. Sofro com meus cidadãos da mesma carência no que se refere a este assunto
[...]” 401 Sócrates e Mênon estavam querendo saber como um homem poderia tornar-se
virtuoso e, portanto, as ideias de conversão e regeneração estavam presentes de modo
subliminar nos diálogos dos personagens platônicos
Para Cesar Nunes, a filosofia platônica adquire esse modo de conversão,
“[...] de fuga e superação das coisas, sensíveis e perecíveis, dos erros e percalços do
mundo material, para uma contemplação absoluta, incontestável, fundante de toda a
402
ordem e verdade, critério de todo o saber e plenitude.” De acordo com Platão, se as
cidades não forem governadas pelos filósofos formados na justiça, na autenticidade,
sobretudo nos valores que elevam e enobrecem o ser humano, muito pouca coisa pode
mudar a realidade corrompida das poleis.
Sem dúvida, esse critério contribui bastante para que possamos entender
sua concepção educativa, mesmo porque Platão não é autor dos nossos tempos. Ele fala
para outro tipo de civilização mas, no entanto, suas palavras têm conotação
profundamente contemporânea. É como se ele estivesse aqui, seus diálogos não são de
forma alguma diálogos intemporais. As críticas que sempre recebeu e recebe não são,
senão outra coisa, uma tentativa de destronar seus diálogos. O viés político educativo é
inconfundível. Precisamos saber como ele escreve e como traduz sua forma de pensar.
Em outras palavras, saber como ele traduz sua forma de pensar para sua obra escrita. Ao
redigir, ele o faz a partir de diálogos e, ao mesmo o tempo que o faz, não transcreve
objetivamente, isto é, ele não escreve sua obra, seus escritos, nem traduz seu
pensamento como primeiro autor.
O modo como Platão escreve é caracterizado por perguntas e respostas
em torno de alguma questão. Assim, os personagens procuram resolver o problema a
partir de um diálogo, mais precisamente, a partir de uma disputa. O narrador da vida dos
filósofos, o biografo e também historiador, Diôgenes Laêrtios (200 – 250 a. C.) atesta
que Platão é o criador primeiro da dialética. De acordo com suas pesquisas não existe
nenhuma dúvida que realmente não seja de fato Platão, o verdadeiro criador dos
diálogos, é dele o pleno direito de reivindicação dessa herança literária. O estilo é
inconfundível, a clareza da exposição linguística é bela; o domínio e a criação faz de

401
PLATÃO. Mênon. 70 b.
402
NUNES Cesar Aparecido. As origens da articulação entre Filosofia e Educação: matrizes conceituais e
notas críticas sobre a paideia antiga. In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.). Pesquisa em Educação:
história, filosofia e temas transversais. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75
(Coleção HISTEDBR). p. 65.
154

Platão um artista e, ao mesmo tempo, poeta e filósofo. O diálogo nada mais é do que um
debate composto de perguntas e respostas. É um discurso tanto filosófico como político
e, o que caracteriza esse diálogo, são os personagens. São eles que dão a tonalidade e a
elucubração na conversa. Sobre o diálogo - a dialética, bem como sobre a natureza e
arranjo dos discursos de Platão, quem nos fala mais uma vez é Diôgenes Laêrtios:

A dialética é a arte da discussão com o objetivo de refutar ou aprovar


uma tese por meio de perguntas e respostas dos interlocutores. [...]
Ora, Platão, quando tem uma convicção firme, expõe seus pontos de
vista e refuta os pontos de vista falsos, porém, diante de questões
obscuras ou dúbias, suspende o juízo. Suas opiniões pessoais ele
apresenta por meio de quatro personagens: Sócrates, Timaios, o
hóspede ateniense e o hóspede eleático. 403

Portanto, ao redigir, Platão seleciona seus personagens; nunca se


apresenta como o autor primeiro, quem por ele fala não é ele, mas sim, seus
personagens. De acordo com as reflexões de Diôgenes Laértes, para refutar as opiniões
falsas ele serve, por exemplo, dos personagens: Trasímaco, Calicles, Polos, Protágoras,
Górgias, Hípias, Eutídemos e outros semelhantes. Assim, cada um desses personagens
expressa, dita, interpreta o que Platão propõe; na verdade, seus personagens comandam
sua inspiração. Em quase toda a sua obra seu personagem principal é Sócrates. Em
Sócrates, Platão coloca quase toda sua inspiração filosófica. E, igualmente, sua
inspiração educativa. Considerando propriamente os escritos platônicos, podemos
perguntar: onde estão Sócrates e Platão? Isto é, nessa produção literária, o que pertence
verdadeiramente a Platão e o que pertence verdadeiramente a Sócrates? Como bem
sabemos, Sócrates nada escreve; durante todo o percurso de sua vida, nada redige. O
que dele sabemos e conhecemos é por intermédio de outros – seus alunos, um desses,
Platão. Essa questão é intrincada, delicada e de difícil resolução; os estudiosos da
filosofia de Platão concordam em afirmar que, tentar separar aquilo que é de Platão e
aquilo que é de Sócrates, é uma empreitada insolúvel.
Em quase toda sua obra escrita, Platão põe na boca de Sócrates – nos
diálogos – toda sua subjetividade. Assim, ele interpreta a vida da polis e, igualmente,
pensa, reedifica, e reinventa o caminho da política pela educação. É em Sócrates que
está projetado o Platão. Ademais, falando especificamente do livro A República, junto

403
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p. 96.
155

com os personagens – Glauco, Adimanto e Polemarco –, Sócrates vai debater, em torno


de dez livros, o ideal de uma cidade perfeita. Em tese, em A República, ele funda sua
cidade perfeita. Essa é a intenção educativa de Platão: fundar uma cidade perfeita, tendo
como parâmetro principal a justiça.
Finalmente, o último fator introdutório: as obras propriamente da
investigação, A República, O Político e Leis. Considerando todo o trabalho filosófico de
Platão, a sua maior contribuição educativa está em A República, mas o sentido pleno
desse trabalho só deverá ser compreendido quando complementado com as demais
obras mencionadas. Em A República, diferentemente do que se pensa sobre sua teoria
educativa, por seu viés e estilo idealista, nunca esteve tão próximo do chão da pólis. O
livro A República representa, na obra de Platão, uma posição fundamental para
compreender o sentido e a natureza dos discursos sobre a paideia clássica da
antiguidade grega. Além disso, entender seus escritos políticos, visto que, ali, sua teoria
política é elaborada a partir de uma perspectiva essencialmente educativa. Em Leis,
como afirmamos anteriormente, ele coloca toda a cidade sob a vigilância de leis, o
poder está na constituição, e essa é de inspiração dos deuses. Na sua obra Leis, os
estudos platônicos evidenciam que, sobretudo, na cidade da Lacedemônia, o deus é
Apolo, e, em certo sentido, está ligado aos costumes de sua época. Platão quer enfatizar
que os deuses, as divindades estão presentes muito mais do que em sua obra A
República. Os personagens da obra são o Estrangeiro de Atenas, Megilo de Esparta e
Clínias de Creta, e a cidade a ser fundada é Magnésios. Sobre a nova cidade idealizada
por Platão, a colônia dos magéssios, o tradutor e investigador português, Carlos
Humberto Gomes, do livro Leis, esclarece:

Do plano ideal passou-se para o plano real, por este motivo a cidade
de Platão descrita nas leis, já não será a cidade ideal, mas, antes, a
cidade do possível. […] a cidade será, por conseguinte, gerida em
conformidade com as leis promulgadas por aqueles que são detentores
da sabedoria, da virtude e da honestidade. 404

Finalmente, na obra O Político, Platão, apesar da complexidade da


estrutura teórica destes diálogos, tematiza sua teoria política. Nossa intenção não é
aprofundar exaustivamente o sentido da obra, ao contrário, queremos abarcar apenas o
viés político que caracteriza as ações educativas do homem livre da pólis. A ideia

404
N.T. In: PLATÃO. Leis. p.9
156

central que Platão remete é à ideia da trama e do fabrico da tecelagem. Este é um


trabalho delicado e essencial: a tarefa de fiar e seu resultado, por isso, Platão faz
analogia as tarefas do fazer do político da pólis: “Por conseguinte, já se tornou evidente
a parcela da arte da tecelagem que nos propusemos a tratar, suponho eu.” 405 De acordo
com ele, trabalho de unir os fios junto aos trabalhos da lã, por meio de um entrelaçar a
trama e a teia surge o resultado final. Presentes nas referidas obras, três realidades
distintas – política, educação e leis – que, ali, não estão em oposição, ou em
contradição, embora sendo três realidades diferentes; no entanto, são complementares e
integram numa unidade perfeita ao longo da reflexão filosófica de Platão.

2.1 Um diálogo preliminar: a justiça

Estamos no século V a. C., Platão deve ter mais ou menos cinquenta anos
quando elabora o seu programa de estudos que, no transcurso dos séculos, acaba por se
tornar uma das maiores teorias da educação. Não podemos entender a obra A República
como um projeto tal qual entedemos hoje, longe disso, afirma Finley, era “[…] um
conjunto de normas infáliveis, para as quais o homem bom devia tender e pelas quais se
406
deveriam testar as situações políticas e sociais existentes.” Seu plano é idealmente
político, isso significa dizer que é um plano ou uma estrátégia de cidade e para a cidade.
Como um arquiteto, projeta e estrutura a base do lócus urbano – a territorização desse
espaço é escopo da política, da educação e da lei; a primeira e a segunda são mantidas
essencialmente pela terceira – sem leis não existe a cidade de Platão. A educação que
ele projeta não se esgarça nem desloca para o mundo de um idealismo sem sentido, ao
contrário, ela é fundamentada para e na cidade. O território de Atenas é um território
essencialmente político.
A palavra política, na etimologia grega, deriva de pólis, ou cidade-
Estado. Posteriormente, no quarto capítulo voltaremos a refletir sobre o sentido
específico de política, por hora, cumpre-se apenas ressaltar, a política é uma arte, uma
técnica, - know-how, uma ciência, uma forma de como se portar na cidade. Seria
também uma forma de ali bem viver. Aristóteles no terceiro capítulo dessa tese, como

405
PLATÃO. O Político. 283 a.
406
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.114.
157

veremos posteriormente, definiu o homem como um ser da cidade, é o zoo-politikon -


407
único capaz do “[...] dom da fala [...].” O homem é aquele que fala e comunica na
cidade. A sociedade de Platão é a cidade da comunicação oral. Não há internet, tabletes,
smartfhones, portanto, a comunicação e a informação acontecem no plano da oralidade.
Sabemos muito bem que Platão, ao expor seu plano educativo, não fala
para a massa excluída e oprimida da pólis de seu tempo, e nem poderia; ele sempre
esteve alheio e avesso a essas questões, mesmo porque a sociedade da qual faz parte é
uma sociedade escravagista e dividida por classes antagônicas. A lógica social que
perpassa toda a civilização grega antiga deriva da relação entre aqueles que oprimem –
dominam – e aqueles que são oprimidos – dominados. Esse programa de estudos
pertence somente àqueles que dominam – para uns poucos afortunados, filhos de uma
elite – homens livres da pólis, “[...] que não chegavam a 500 representantes na cidade,
detentores da fortuna, praticantes da demagogia e defensores dos interesses dos
408
senhores de bens e escravos, homens de honra da cidade.” O ciclo do seu programa
educativo começa propriamente no segundo capítulo e se estende até o oitavo, no livro
A República. Essa obra de Platão aparecerá na Academia provavelmente entre os anos
375 a. C., e 374 a. C.; e o seu programa de estudos surge como instrumento formativo
para a vida do cidadão da pólis. Como modelo único e preciso, tem a intenção de
regenerar e salvar a cidade da corrupção. Longe de um pensar idealista e distante da
realidade de sua cidade, Platão, mais do que nunca, está com os pés enterrados no chão
da pólis. Sua proposta educativa ilumina o itinerário do seu pupilo – o rei-filósofo ou
filósofo-rei; cada vez mais esse é chamado a se desfazer de suas amarras e cadeias e, ao
mesmo tempo, sair da caverna que ali habita desde pequeno. E, se quiser
verdadeiramente emergir dali, deverá olhar para a luz e ir em direção ao bem.
Nas primeiras páginas do segundo livro, A República, Sócrates, na
qualidade de narrador e personagem principal, fala de algumas disposições preliminares.
“Pensei que depois dessas palavras eu estivesse dispensado de prosseguir; mas tudo
409
aquilo, pelo que se viu, não passara de um simples proêmio.” A justiça é o tema do
proêmio de que fala Sócrates; assim, o primeiro livro tem como propósito argumentar e
definir os conceitos de uma virtude na tentativa de compreender outras. Portanto, o tema
fundante é o tema da justiça e três são os conceitos que fazem o argumento prosseguir.

407
ARISTÓTELES. Política I, 1, 1253 a.
408
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. p.60.
409
PLATÃO. A República 357 a.
158

Os três conceitos são apresentados na figura de três personagens são: o primeiro,


Céfalo; o segundo, Polemarco; e o terceiro, Trasímaco. A partir dessa introdução no
capítulo primeiro do livro, Sócrates e seus interlocutores vão direcionar os diálogos para
construir a cidade perfeita, tendo como base a política e a educação.
A questão da justiça é colocada logo nas primeiras páginas do primeiro
capítulo. Antes de adentrar propriamente no debate sobre a justiça, retrocederemos
alguns fundamentos históricos da época de Platão. Sabemos que a vida de Platão está
ancorada entre a filosofia e a política.

Platão deve ter tido um primeiro contato direto com a vida política em
404 - 403, quando a aristocracia tomou o poder e dois de seus
parentes, Cármides e Crítias, participaram como personagens de
destaque do governo oligárquico: mas deve ter sido, indubitavelmente,
uma experiência amarga e decepcionante, por contados métodos
facciosos e violentos que Platão viu serem postos em ação, justamente
por aqueles nos quais confiara. Mas o desgosto com os métodos da
política praticada em Atenas deve ter chegado ao cume em 339,
quando Sócrates foi condenado à morte. 410

Platão olha para a realidade da pólis com vista penetrante; ele conhece
sua Atenas, sua família; seus parentes descendem de pessoas advindas do meio político.
Sua realidade é uma realidade estritamente política, portanto ele conhece muito bem a
tirania daqueles que governam a pólis; seu desejo é restabelecer, pelos caminhos da
justiça, sua cidade. Na última fase da Guerra do Peloponeso, iniciada no ano de 404 a.
C., cuja consequência resulta na invasão e domínio de Esparta sobre Atenas, Platão
desentende-se com seus familiares políticos, que na verdade compunham o grupo dos
Trinta tiranos, “[...] – hoje diríamos: Ditadores – cujos excessos levariam à queda da
411
oligarquia e à subida, mais uma vez do partido democrático.” Podemos dizer que o
pavor oligárquico de Crítias e de Cármides, bem como a restauração da democracia e
sobretudo, o processo e condenação de Sócrates tenham levado a Platão a uma profunda
reflexão, além de uma contínua tristeza. De acordo com os estudos de Bernard Piettre,
filosofia e política são incompatíveis para Platão. Muitos acontecimentos fizeram o
filóloso de Atenas a desviar-se de primeiro projeto – o político. Expressa Bernard
Piettre: “[...] em primeiro lugar a amizade por Sócrates, [...] em segundo lugar o

410
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p. 7.
411
NUNES, Carlos Alberto. Marginalia platônica. Pará: Universidade Federal do Pará, 1973. (Coleção
Amazônica / Serie Farias Brito). p.17.
159

fracasso do Governo dos Trinta, [...] consubstanciado no depotismo [...] (responsável


por mais de 1500 execuções sumárias em menos de um ano) [...].” 412
Sabemos que a democracia ateniense nasceu justamente desses conflitos
políticos. A democracia nasce não a partir da luta de classes, mas, da luta e do confronte
de grupos políticos. Quando, finalmente, Atenas é derrotada por Esparta em 404 a. C.,
Crítias regressa do exílio que os democratas havia a ele imputado. Junto com Cármides,
ele volta para chefiar o governo dos Trinta. Sobre as ações desse governo Xenofonte
(430 – 355 a. C.) escreve: “Haviam os Trinta feito morrer grande número de cidadãos
413
dos mais ilustres e desgarrado outros tantos da trilha da justiça”. Os dois tios de
Platão, Cármides e Crítias estão intensamente ligados a este conflito político. Disso,
resultou seu profundo desgosto e desprezo pela democracia, podemos dizer que Platão
não tem grandes amores pelas multidões como anunciamos nas palavras de Durant Will
no primeiro capítulo dessa tese. Sem dúvida, o desencantamento com estas questões
públicas da pólis, sobretudo com a morte de seu mestre, conduziu Platão por um
caminho árduo que quase lhe custou a vida.
Esse grupo lutava contra os partidos democráticos com o qual Platão
estava envolvido; assim, ele está inteiramente envolvido com questões dessa natureza.
Ele mesmo afirma isso em uma carta endereçada a um amigo, a já conhecida Carta VII:
“Quando eu era jovem, senti o mesmo que muitos: pensei, mal me tornasse senhor de
mim mesmo, ir direto à política.” 414 Ele acreditava que os dirigentes da pólis pudessem,
até então, restabelecer os caminhos da injustiça para os da justiça. A Atenas desse
período vive uma verdadeira turbulência política. Aqueles que apoderaram do governo
são gananciosos e mesquinhos. Historicamente pode se afirmar que o transcurso da vida
desse filósofo está praticamente circunscrito entre o auge da democracia grega até o
período helenístico. Tendo em vista a carreira filosófica e a carreira política, o
acontecimento Sócrates, na vida de Platão é sem dúvida o maior acontecimento, na
verdade, o impacto deste fato provocou causas profundas e duradouras na vida do
filósofo.

Por intermédio de Sócrates e de sua incessante ação como perquiridor


de consciência e de crítico de idéias vagas ou preconcebidas, o
primado da política torna-se para Platão, o primado da verdade, da
ciência. Se o interesse de Platão foi inicialmente dirigido para a
412
N.T. In: PLATÃO. A República livro VII. p.13.
413
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. (Os Pensadores). II, 32
414
PLATÃO. Carta VII. 324 5c.
160

política, através da influencia de Sócrates ele reconhece que o


importante não era fazer política, qualquer política, mas a política. 415

Em termos de corrupção, descrétito político e usurpação de poderes, as


pólis contemporâneas identificam em grau, e gênero, com as poleis do tempo Platão e
Aristóteles. Platão não podia mais suportar a democracia ateniense, ele sabia que os
homens públicos de seu tempo não faziam política. Mais ou menos há quase quarenta
anos atrás desses acontecimentos, Tucídides, ao registrar a Guerra do Peloponeso,
conta-nos sobre a personalidade de homens tirânicos que já governavam as cidades da
Hélade.

Além disso, os tiranos usurpadores do poder em cidades helênicas,


preocupados apenas com seus próprios interesses tanto em relação à
imunidade de suas pessoas quanto à prosperidade de suas famílias, na
medida do possível fizeram da segurança pessoal o seu principal
objetivo na administração das cidades, de tal forma que nenhum
empreendimento digno de menção foi realizado por eles, exceto talvez
por algum isoladamente em conflito com seus vizinhos. 416

A corrupção política parecia perpetuar-se no tempo também de Platão.


Por isso, ele presta atenção no jogo político da pólis, e, com máxima precaução,
observava os dirigentes. Tirar proveito e angariar vantagens para satisfazer interesses
pessoais ou de pequenos grupos era, sem dúvida, o objetivo dos maiores dirigentes da
pólis. O projeto educativo de regeneração e salvação da pólis, que Platão propõe está
fortemente relacionado a tais questões e, também a morte de Sócrates. Os conflitos e
posteriormente a revolução contra o governo dos Trinta nascem justamente porque
muitos cidadãos de Atenas detestavam o modo destes fazerem política. Com vista
penetrante e atenta, ele está com os olhos fixos no chão da pólis; assim, ele escreve:

E logo vi que esses homens em pouco tempo mostraram que a antiga


constituição era como de ouro. – Além disso, um amigo meu, mais
velho, Sócrates, que eu certamente não me envergonharia de dizer ser
então o mais justo de todos, mandaram-no com outros contra um dos
cidadãos, conduzindo-o à força para a morte, afim de que fosse
cúmplice dos negócios deles querendo ou não. Mas ele não se deixou
se persuadir e arriscou-se a suportar tudo, em vez de se tornar
cúmplice deles em atos ímpios. 417

415
N.T. Vida e Obra de Platão. In: PLATÃO. Diálogos: (Os Pensadores). p. X.
416
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Tradução e notas de Mário da Gama Kury.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. p.111.
417
PLATÃO. Carta VII. 324 a -325 b
161

Platão lembra com saudades da constituição antiga, pois os dirigentes de


sua época governavam mal a cidade; por isso, ao elaborar seu projeto educativo, ele
pensa em restabelecer os caminhos da justiça. Assim, é possível afirmar que o perfil
educativo de seu programa de estudos é também essencialmente ético e exige
conversão.
Retomando nossa reflexão teórica, portanto, existe um problema a ser
resolvido por Platão. Recordando as palavras introdutórias, a morte de Sócrates é, sem
dúvida, para Platão, uma questão de justiça, pois, seu mestre morre por uma causa
pública. Embora Sócrates não tenha exercido estritamente as atividades políticas em
Atenas, ele, contudo, é talvez o mais expressivo orador de Atenas. Ele sabe falar, aliás,
sabe muito bem as tarefas do falar ou, mais precisamente, do dizer, e essa é a maior
atividade política da pólis. De alguma forma, é possível dizer que os atenienses matam,
então, aquele que sabe falar. Em suma, vão matar a Sócrates, que com ardor e ironia
questionava a justiça. Atenas vai tirar a vida de quem mais louvava a justiça. A justiça
de Atenas condena à morte Sócrates.

A cidade vivia a turbulência da impostura, da violência e da mentira.


A acusação estava relacionada com as tarefas do dizer. Acusavam-o
de corromper os jovens! A „ordem‟ legal condenara Sócrates à cicuta,
a democracia corrompera-se pela demagogia, a própria Lei não
representava mais justiça [...]. 418

Por isso, Platão coloca a questão da justiça como eixo central, como a
origem e o fim de sua intencionalidade educativa. Ao projetar seu programa, mais
precisamente, sua filosofia da educação, ele a envolve, a condensa, a amarra, e prende
nos laços da justiça, da ética e da ordem. Nesse entrelaçar está a sua mais profunda
concepção educativa.
No primeiro capítulo da obra República é apresentada a cena do diálogo
entre Sócrates e Céfalo, dois velhos conhecidos, para não dizer amigos, há tempos não
se viam; assim, dão início a uma conversa simples, amiga e íntima. Esse diálogo
acontece na casa de Polemarco, filho de Céfalo, além dos personagens: Trasímaco, os
irmãos Glauco e Adimanto, Líside e Eutidemo, irmãos de Polemarco, Carmantides e
Clitofonte, todos interlocutores de Sócrates. Referindo-se ao seu antigo e conhecido

418
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p. 64.
162

amigo, Sócrates fez uma ponderação: “Pareceu-me bastante envelhecido, pois fazia
muito tempo que o não via. Ainda ostentava a coroa, [...] Por isso, sentamo-nos perto
dele, nas cadeiras que ali havia, dispostas em círculo.” 419 Sócrates parece se comprazer
em dialogar com pessoas de idade avançada; sempre trazia consigo a ideia de que tais
pessoas podem nos dizer sobre a trajetória da existência da vida humana. Inicialmente
os dois amigos, numa conversa intima sem grandes pretensões dialogam sobre a
experiência da velhice, a reflexão gira em torno das condições, consequências e
finalidade do envelhecer. “No teu modo de pensar, qual foi a maior vantagem que te
proporcionou tua fortuna?” 420 Essa é a pergunta que Sócrates faz a Céfalo. Consciente
de que sua resposta não agradaria aos demais interlocutores, replicou Céfalo: “A quem a
consciência nada acusa, esse tem sempre por companheira a doce Esperança, como
421
bondosa guardiã da velhice, no dizer de Píndaro.” Nesse ínterim, parece que Céfalo
estava tranquilo no diálogo; replicou-se como aquele que não deve nada a alguém,
confiante também estava por ter a convicção de ter estado do lado da verdade, ou seja,
parece que a verdade estava ao seu lado, e mais uma vez, relembra o poeta Píndaro. Seu
argumento traduz a satisfação dos justos, ou seja, de alguém que durante a trajetória
terrestre parece tê-la atravessado com tranquilidade.
Dessa conversa, Sócrates entende que ali nasce um primeiro conceito da
justiça: o de Céfalo – que consiste em dizer a verdade e restituir o que se deve, isto é,
em alguma medida, também ser justo. Da mesma forma, é justo aquele que diz a
verdade e não fica em débito com alguém. Tendo inicialmente feito essa prévia, o
diálogo toma nova direção, porém, o tema é o mesmo, a velhice.
Sócrates, em sua reflexão, procura relacionar o tema da velhice com a
questão da justiça. Tanto para Sócrates, como para Céfalo, a velhice só tem sentido
enquanto propósito e significado de vida. Os partícipes do diálogo não sabem como
definir concretamente a justiça; Sócrates indaga a todos se a justiça deve ser somente
uma questão de dizer a verdade e restituir os bens a quem se deve. Mais uma vez, outro
poeta é lembrado no debate. “Não, Sócrates! Está muito certo, interferiu Polemarco, se
422
tivermos de dar crédito a Simônides.” Para cumprir seus sacrifícios religiosos,
Céfalo, concordando com argumento de seu filho, retira-se do diálogo, deixando-o em
seu lugar. Mais que dizer a verdade, Polemarco entende que o conceito de justiça é uma

419
PLATÃO. A República. 328 c.
420
ibid. 330 d.
421
ibid. 331 a.
422
ibid. 331 d.
163

questão de direito, o significado poético dado nessa segunda definição de justiça,


significa “[...] dar a cada um, o que lhe é devido [...].” 423
Finalmente, o terceiro conceito de justiça é configurado por Trasímaco.
Este, até então ausente do diálogo, irrompe intempestivamente o colóquio. Não
aceitando o método de Sócrates, Trasímaco insiste que não se devem formular
perguntas, e sim dizer com clareza e distinção o que realmente deve ser dito. Sócrates
responde a Trasímaco:

Acreditas, mesmo, que se estivéssemos à procura de ouro, ficaríamos


por gosto a fazer mesuras um para o outro, deixando, assim, passar a
oportunidade de apanhá-lo no chão? E agora, que estamos
empenhados a encontrar a justiça, coisa de muito valor do que
montões de peças de ouro, haveríamos de ser tão insensatos que
empregássemos o nosso tempo com cortesias de parte a parte, e assim
deixássemos passar a oportunidade de descobri-la? 424

Após ter entrado no debate, Trasímaco fala da justiça a partir da ideia de


força e de inteligência. Trasímaco está investigando e defendendo a vantagem do mais
forte a partir da política da pólis, ele não está apenas teorizando sem um chão seguro, ao
contrário seu argumento está fundamentado na vida administrativa e política da cidade.
Os estudos de Giovanni Reale revelam três momentos da sofística,425 ou seja, existiram
três grupos diferentes; três tipos de mestres da retórica. O primeiro: é o da geração dos
grandes mestres como Protágoras. O segundo é o da geração dos “[...] „eristas‟, isto é,
aqueles que explorando o método sofístico [...] transformam a dialética sofísitica numa
estéril arte de contendas [...], enfim, os políticos sofistas, homens políticos [...].” 426 Este
último, talvez Trasímaco possa fazer parte, o da geração dos políticos sofistas, ou seja,
homens que aspiram ao poder político. Na verdade Trasímaco da Calcedônia subverte e
critica toda a visão política tradicional da pólis, sobretudo os fundamentos religiosos e
mitológicos. A possibilidade da definição de justiça consiste em pensar no interesse do
mais forte, explica Trasímaco a Sócrates. “Então, ouve, me falou; o que afirmo é que o
427
justo não é nem mais nem menos do que a vantagem do mais forte.” Nessas
circunstâncias, o debate ganha maiores amplitudes, se torna um tema, contudo, político,
explica mais uma vez Trasímaco. “Ignoras, porventura, continuou, que as cidades ora

423
PLATÃO. A República. 332 a.
424
ibid. 336 e.
425
REALE. Giovanni. op. cit. 2009. p.33.
426
ibid. p.33.
427
PLATÃO. República 338 c.
164

428
são governadas por tiranos, ora pelo povo, ora por aristocratas?” Na concepção de
Trasímaco, cada governo deve gerir suas leis e normas, tendo em vista o próprio
benefício. Trasímaco tem razão de assim o afirmar, ele, assim como Sócrates, também
conhece o governo das poleis, de acordo com sua em visão política, os dirigentes da
pólis não têm feito outra coisa senão promulgar leis com vista à vantagem própria, por
isso, calculadamente, insiste que os governantes devem sim promulgar leis e normas
que visem o sucesso, a fama e os interesses de quem governa. Essa é a realidade que ali
se vê. “Atenas era um burburinho de ideias e um fervilhar de debates e proposições.” 429
Sobretudo a partir do século V a. C., os acontecimentos políticos, sociais e econômicos
de Atenas ganham nova dimensão. Na perspectiva educativa um novo horizonte começa
a surgir. Uma intensa agitação se esboça contra a educação antiga.

A nobreza tradicional, os eupátridas – que fundava a sua hegemonia


na posse da terra – viu crescer e afirmar-se outra classe social até
então desprezada, a dos metecos ou comerciantes, cuja riqueza estava
de tal modo ligada aos negócios da navegação, que mais de uma vez
foi denominada „a gente das costas. ‟.430

Trasímaco conhece as leis de Atenas, e diferentemente de Sócrates,


enxerga o quadro social e moral de Atenas completamente ao avesso da visão do
filósofo. É desse modo que Trasímaco inverte o quadro conceitual da definição da
justiça e da injustiça. Do ponto de vista da reflexão moral, Aníbal Ponce, afirma que
“[...] já era em si perigosa a maneira como Trasímaco, por exemplo, enfrentava o direito
431
positivo, quase chegava a ser revolucionária.” Ele faz apologia da injustiça: quando
se pratica a injustiça com perfeição ela ganha atributos da justiça e recebe honra e
louvores, por isso deve ser exaltada e amada.
Por um lado, o diálogo sobre a justiça passa a ter uma conotação maior, o
discurso é direcionado para o âmbito do governo das cidades. Por outro, a animosidade
dos diálogos ganha uma tonalidade ríspida; a conversa amiga até então se transforma
em ataques pessoais. Tanto de um lado como de outro as acusações são certeiras.
Trasímaco não se conforma com o método adotado por Sócrates, “Nas tuas discussões,

428
PLATÃO. A República. 338 d.
429
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p. 60.
430
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez, 1994. p.53.
431
ibid. p.53.
165

Sócrates, replicou, procedes como verdadeiro sicofanta.” 432, isto é, aquele que não diz a
verdade.
Desde já, é preciso afirmar que Platão coloca na boca de Sócrates
palavras irônicas contra o sofista Trasímaco; ele é visto como um homem altivo e sutil,
“[...] concentrando-se à maneira de um animal de rapina, saltou-se para cima de nós
433
como se fosse dilacerar-nos.” Nesse diálogo Platão deixa transparecer um Sócrates
inocente e, por seu turno, Trasímaco um sujeito arrogante e agressivo. Assim, os
escritos de Platão revelam o caráter, um perfil um tanto difamatório em relação à
paideia dos sofistas. Como bem sabemos, Platão pertence à classe dos aristocratas, os
sofistas são trabalhadores, em grande parte são estrangeiros advindos de vários lugares.
Sobre essa situação salienta Werner Jaeger.

Políticos eminentes, como Péricles e altas personalidades sociais,


como Calias, o homem mais rico de Atenas, davam o exemplo de um
apaixonado amor aos estudos, e muitas pessoas de destaque
mandavam os filhos às conferências dos sofistas. Mas não se podia
ignorar o perigo que a ζοθία encerrava para o homem do tipo
aristocrático. Por isso que não queriam que os seus filhos se
convertessem em sofistas. Alguns discípulos mais bem- dotados dos
sofistas seguiam os seus mestres de cidade em cidade e aspiravam a
fazer profissão dos ensinamentos recebidos. Em contrapartida, os
jovens distintos que assistiam às suas conferências não os julgavam
modelos dignos de imitação. Pelo contrário, acentuavam a diferença
de classe que os separava dos sofistas, todos procedentes de famílias
burguesas, e estabeleciam um limite além do qual não podia passar a
sua infância. 434

Já em sua nascente, quando do seu aparecimento, os sofistas ganham uma


conotação pejorativa, negativa, que na verdade permanece até os nossos dias. Essa
constatação não é irrelevante; esse caráter preconceituoso contra Trasímaco tende a
revelar um dado interessante na nossa investigação, o modelo aristocrático e elitista da
concepção educativa de Platão revela o seu lado difamatório e adverso em relação à
paideia sofistica. Afirma Reale: “Resta, em todo caso, que a responsabilidade máxima
em desacreditar os sofistas foi de Platão, e o foi, mas do que pelo que disse, pelo modo
435
particularmente eficaz como disse, com o instrumento da sua arte.” Platão, em O

432
PLATÃO. A República. 340 d.
433
ibid. 336 b.
434
JAEGER, Werner. Paideia. a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução Artur M Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001. p.371.
435
REALE, Giovanni. História da filosofia Antiga. I Das origens á Sócrates. Tradução Marcelo Perine.
São Paulo. Edições Loyola, 1993. (Série História da Filosofia). p.190.
166

Político, não é menos preconceituoso, nada mais, nada menos, o sofista é para ele
“[…]a trupe dos maiores impostores e mais bem experimentados indivíduos na arte
deles, [..].” 436
O caráter introdutório do livro primeiro da República tem como
centralidade e finalidade buscar soluções para resolver dois problemas fundamentais da
pólis. O primeiro é um problema histórico. Platão quer resolver questões da constituição
– das leis da cidade, portanto da história da pólis: quem deve governar e quais
finalidades se propõe tal governo; quais tipos de governantes podem e devem assumir a
administração do Estado; e de que maneira esses devem agir. Nesse aspecto, pergunta-
se pelas finalidades do fazer e do dizer no contexto político situado já ao final do século
V e início do século IV a. C. O segundo refere-se à questão dos valores; é um problema
ético e político da pólis, e que, portanto, está ligado ao comportamento dos cidadãos da
cidade. Logo, é uma questão de formação e educação, portanto, uma questão teórica. A
filosofia da educação em Platão está ligada a duas vertentes: uma histórica e outra
teórica.
O problema da definição do conceito de justiça até então deve ser
entendido não de forma acabada, e a conclusão mais acentuada a que se chega ao
término dos diálogos do primeiro livro é: a justiça de modo algum pode ser prejudicial,
isto é, aqueles que a praticam não devem ficar em desvantagens; está necessariamente
vinculada à questão das virtudes. Sócrates, ao final do primeiro livro, expressa: “Pois se
eu não souber o que é a justiça, de modo nenhum poderia saber se é ou não uma virtude
e se quem a possui é feliz ou desgraçado.” 437
Tendo feito a apologia do caráter da injustiça que, “[...] quando praticada
438
em alto grau, é mais forte e mais livre e dominadora do que a justiça, [...]”
Trasímaco, por seus recursos técnicos e eloquentes na habilidade de falar, é considerado
por Sócrates como alguém que tem habilidade para falar, discursar, capaz da arte da
retórica, portanto sabe navegar sobre a superficialidade do jorro das palavras. Sobre essa
habilidade de Trasímaco, acrescenta Sócrates,

Depois de assim falar e de nos ter, à maneira de um banhista hábil,


inundando os ouvidos com aquele jorro de palavras, tencionava
Trasímaco retirar-se. Porém, os circunstantes não permitiram;

436
PLATÃO. O Político. 291 c
437
PLATÃO. A República. 354 c.
438
ibid. 344 c.
167

obrigaram-no a esperar e a defender o que acabara de expor. Eu,


também, instei muito com ele nesse sentido, [...]. 439

O entendimento de Trasímaco sobre a questão da justiça é o avesso ao


que Sócrates enfatiza. Como Sócrates, o sofista também parece conhecer bem a
realidade das esferas pública e privada da pólis, da mesma forma conhece o
comportamento e as atitudes dos dirigentes. Na compreensão de Trasímaco, o indivíduo
justo está sempre perdendo, porém, o injusto está sempre ganhando invariavelmente. O
que precisa e deve ser considerado de acordo com a visão de Trasímaco são as opiniões
correntes, sobretudo aquelas que mais fazem sucesso perante o povo.

O que precisas considerar, meu Sócrates simplacheirão, é que por toda


a parte o homem justo perde do injusto. Em primeiro lugar, nos
contratos particulares, quando dois indivíduos se associam nunca viste
na dissolução da sociedade levar o justo nenhuma vantagem sobre o
injusto, porém sempre o inverso: de todo jeito ele perde. Ao depois,
nas relações com a cidade, quando está em causa algum imposto, com
igualdade de bens, o justo paga mais e o injusto menos, e quando se
trata de receber, um fica de mãos vazias e o outro lucra enormemente.
440

De um jeito ou de outro, o justo acaba sempre em prejuízo: nas questões


particulares, ele perde; nas questões públicas, ele também não ganha e, portanto, na
visão de Trasímaco, esse indivíduo no mínimo deve ser considerado um perdedor, um
fraco, nenhuma vantagem obtém para si. Já o indivíduo injusto procura obter maiores
vantagens em tudo; esse sim, de acordo com Trasímaco, pode e deve ser considerado
modelo, portanto, pode ser imitado por outros indivíduos. A conclusão mais clara a que
se chega nessa primeira parte de nossas investigações é uma definição não acabada, não
pronta sobre o conceito de justiça. Como afirmado anteriormente, Trasímaco tenta
retirar-se do debate, porém os irmãos Glauco e Adimanto não permitem e o fazem
permanecer para ouvir o que Sócrates tem a dizer sobre a justiça. Os dois irmãos
desenvolvem paulatinamente discursos habilidosos sobre os temas investigados e
instigam incessantemente para que Sócrates possa dar seu parecer.
Os personagens Glauco e Adimanto insistem em todos os momentos para
que Sócrates possa intervir no diálogo. A vida política e a vida educativa da pólis
passam até a serem questionadas fortemente pelos irmãos, em outras palavras, podemos

439
PLATÃO. A República. 344 d.
440
ibid. 343 d.
168

dizer que o comportamento moral dos cidadãos gregos é objeto de debate cuja
finalidade é construir uma cidade justa habitada por cidadãos justos. A justiça está
ligada com a questão do cumprimento dos deveres, cada indivíduo deve zelar pelo seu
papel que lhe confiado nessa sociedade.

2.2 A construção do projeto

Antes de iniciarmos a reflexão sobre o projeto platônico podemos afirmar


que sua intenção ao construí-lo tem uma única finalidade: a justiça. Parece que Platão
tem uma necessidade constante, fazer reinar a justiça na sua sociedade. Ao ensinar seus
discípulos ele não os ensina do nada ou de um lugar que não se sabe, ao contrário, ele
extrai os conhecimentos e saberes que estão vivos e presentes na história, e na realidade
da pólis de sua época. Sobre isso, escreve Bernard Piettre: “Pode-se, igualmente,
considerar as sombras da caverna como a projeção de outro espetáculo, tão familiar aos
atenienses: os quadros vivos, relativos à história de Deméter e de Core, [...]”441 O
projeto educativo criado por ele visa apenas formar uma classe: a dos proprietários do
poder de Atenas de sua época: “Tudo indica que essa classe, naturalmente pouco
442
numerosa, é que detém o único conhecimento digno de ser denominado sabedoria.”
Especificamente, na alegoria da caverna, ele descreve o sentido do processo pedagógico
cuja finalidade é formar o dirigente da pólis. Esse sentido político platônico se funda na
cultura e na história da pólis a partir de seu engendramento. Daí, o direcionamento
teórico do segundo capítulo: investigar no plano histórico e cultural como Platão
concebe seu viés político – essencialmente educativo.
No início do segundo livro, Glauco indaga decididamente a Sócrates:
“[...] queres apenas deixar a impressão de que nos convencestes, ou desejas, de fato,
443
capacitar-nos de que a justiça, de qualquer forma, é sempre superior à injustiça?” .
Glauco rejeita as argumentações elaboradas por Trasímaco, considerando-as
inadequadas de acordo com sua educação. Para Glauco, a justiça na concepção de
Trasímaco não se constitui como um bem em si, é senão, uma espécie de obrigação,

441
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p. 91.
442
PLATÃO. A República. 429 a.
443
ibid. 358 e.
169

como se fosse apenas um contrato social. Nesse caso o indivíduo só a deseja, só a


pratica, tendo em vista benefícios e vantagens que essas possam proporcionar-lhe. Não
sendo um bem em si, fica presa e amarrada ao compromisso, assim como um pacto
social e, portanto, um bem menos amado, menos querido.
As opiniões são muitas e o debate prossegue naturalmente, Glauco
expressa também a sua. “Dizem que, por natureza, praticar a injustiça é um bem e ser
vitima da injustiça, um mal [...] Na qualidade de um meio termo entre ambas, não é
amada a justiça, como um bem, mas apenas tolerada.” 444 Glauco, em seu exame sobre a
distinção dos conceitos do indivíduo justo e injusto, envereda por caminhos e labirintos
tortuosos, trilhas essas, transmitidas pelos antigos poetas da antiguidade arcaica da
445
Grécia. Ele descreve a história do anel legendário do pastor de Giges. Essa história
contada e cantada pelos antigos poetas fala de certo indivíduo que para ser quisto
perante os demais deveria ter atitudes como o do pastor de Giges. A história conta que,
tendo o pastor se apossado de um anel mágico, arroga-se no direito de um poder
ilimitado. Na lendária fábula, o pastor acredita que tudo é possível fazer: destruir,
roubar, enganar e matar, tendo em vista a liberdade.

Pois, o indivíduo com semelhante poder que não decidisse a praticar


nenhuma injustiça, nem tocar nos bens alheios, seria tido na conta de
infelicíssimo pelos observadores, e inteiramente destituído de senso,
muito embora uns para os outros o elogiassem, enganando-se
mutuamente, de medo de virem a ser vítima de alguma tramoiade
qualquer deles. 446

Nessa escalada investigativa e na tentativa de compreender os conceitos


da justiça e da injustiça, os interlocutores cada vez mais ficam apreensivos diante dos
discursos, assim eles citam muitos versos que fazem parte da formação educativa da
época dos antigos poetas. Glauco e Adimanto conhecem bem essas fábulas e outras
histórias, que tantas vezes escutaram e tiveram que aprender. Falam eles das de
Hesíodo, ora citam as de Ésquilo, tantas vezes repetem versos de Píndaro, bem como os
de Homero. Quantas vezes eles escutavam o mesmo canto, as mesmas histórias, muitos
livros: reclama Adimanto: “Trazem, também, livros aos montes, de Museus e Orfeu,
filhos de Selene e das Musas [...]” 447, esse modelo educativo, o discurso sobre a justiça

444
PLATÃO. A República. 359 b.
445
ibid. 369 d.
446
ibid. 360 d.
447
ibid. 365 a.
170

e injustiça, explica Adimanto, é uma espécie de discurso que circula nas praças e no
espaço público. “Todos esses discursos, meu caro Sócrates, continuou, em tantas
variações acerca da justiça e da maldade e da estima em que são tidas pelos homens e
pelos deuses, que impressão imaginamos possam deixar na alma dos jovens que os
448
escutam?” Diferentemente do discurso da injustiça, o caminho da justiça é um
caminho que exige e deve ser tratado com cautela e precisão. Adimanto, preocupado
com a educação dos jovens da pólis, assevera: “Refiro-me aos bem-dotados e capazes, por
assim dizer, de apanhar, do que ouvem, de passagem e como num vôo, a conclusão de como
devem percorrer para atravessarem a vida do melhor modo possível.” 449
Nesse trecho podemos perceber claramente que Platão, pela boca de
Adimanto, fala dos bem-dotados: é possível perceber a ideia de uma educação seleta e
amarrada ao caráter aristocrático do filósofo. De todas as maneiras possíveis, os irmãos
procuram incitar cada vez mais Sócrates, na esperança que este pudesse intervir em
algum momento no diálogo. Recorramos agora ao trecho de uma interpretação que
Platão dá ao personagem Adimanto que, num tom muito angustiado, expõe a
problemática do sistema formativo da pólis. Adimanto se encontra derrotado, sente-se
corrompido e traído pela sua própria formação e educação.

Meu admirável amigo, todos vós que vos apresentais como paladinos
da justiça, desde os heróis da antiguidade, cujos escritos nos foram
transmitidos até os homens de nossos dias, ninguém condenou até
hoje a injustiça, ou fez o elogio à justiça a não ser por causa da
reputação, das honrarias e dos benefícios dela decorrentes. Mas a
maneira por que atua a justiça ou a injustiça na alma em que se
encontrem, graças à virtude própria, sem que os deuses e os homens o
saibam, ninguém ainda, nem em verso nem em prosa, fez a
demonstração convincente de que uma é o maior mal que a alma possa
ter em si mesma, e a outra, a justiça, o maior bem. Se assim nos
tivésseis falado do começo e procurado desde a infância convencer-
nos de semelhante verdade, não teríamos precisão de nos vigiarmos
reciprocamente para não cometermos injustiça, pois cada um seria o
melhor guarda para si mesmo, por medo de, com a prática de alguma
maldade, agasalhar o maior mal. Tudo isso, Sócrates, e muito mais
ainda, certamente Trasímaco e outros poderiam dizer a respeito da
justiça e da injustiça, modificando, a meu parecer, por maneira
imprópria, a natureza de ambas. 450

Adimanto, sem perder a sutileza e a habilidade no discurso, não menos


sem veemência, longe do medo, com profundidade e franqueza, tendo declarado

448
PLATÃO. A República. 365 a.
449
ibid. 365 b.
450
ibid. 366 e.
171

anteriormente sua posição frente ao sistema educativo de sua época, reverencia a pedra
de toque, convida seu mestre para que este possa tomar uma posição. A justiça
entendida a partir da ideia do mais forte parece superar o conceito de justiça. A lei do
mais forte que propõe Trasímaco parece ser uma coisa corriqueira na vida prática dos
atenienses. Parece que a parte mais forte sempre supera a parte mais fraca. O próprio
Aristóteles poucos anos depois, em Política reconhece isso quando estuda a legislação
para Atenas. Ele alerta como princípio geral para toda e qualquer constituição: “[...] é
essencial que a parte desejosa da perenidade da constituição seja mais forte do que a
451
parte desejosa do contrário.” O que será que os atenienses pensavam a respeito da
massacrante vitoria que Tucídides narra no livro terceiro de sua obra História da
Guerra do Peloponeso, naquela ocasião mais de dez mil homens esmaga quinhentos
homens de Melos. A lei do mais forte parece sempre imperar. Por isso, Adimanto cada
vez mais, coloca Sócrates diante do espelho da justiça. Ele não admite o silêncio. Ele
tem necessidade de ouvir do mestre, o parecer sobre a justiça; será ela verdadeiramente
superior a injustiça? Ésta é uma dúvida não somente de Adimanto. Esta é uma questão
crucial. O que é a justiça? Adimanto apressa em dizer a Sócrates, que fique de lado a
reputação. É preciso despojar. Será que Sócrates não elogia a justiça nem censura a
injustiça? Será que Sócrates está de acordo com Trasímaco em considerar a justiça um
bem estranho? Será a saber, a vantagem do mais forte, vindo a ser a injustiça útil e
vantajosa para si mesma, conquanto nociva para o mais fraco? São dúvidas terríveis
para Adimanto. Não tendo mais necessidade de esconder nada de seu mestre, quer ver
Sócrates defender a tese oposta até agora anunciada, logo, expressa com veemência:

Uma vez que admitiste ser a justiça um dos maiores bens, cuja posse é
desejada tanto pelo que dela decorre como, e principalmente, por ela
mesma, como a vista, o ouvido, a razão, a saúde e os demais bens que
são operantes por sua própria natureza, não pela opinião que os
homens fazem deles, então elogia também na justiça o que nela é de
vantagem para o seu possuidor, e na injustiça, e na injustiça o que nela
prejudica; deixa ao cuidado de terceiros o elogia das recompensas e da
opinião. Na boca de outras pessoas, eu ainda poderia tolerar essa
maneira de elogiar ou de reprovar a injustiça em que são exaltados ou
condenados o prestígio ou as vantagens de uma e de outra. Porém de
ti, que dedicaste a vida exclusivamente ao estudo dessa questão,
espero coisa muito diferente, a menos que decidas o contrário. Não te
limites, portanto, a declarar que a justiça é superior à injustiça, mas
mostra-nos como cada uma atua por si mesma no seu possuidor e o

451
ARISTÓTELES. Política. IV. 10, 1296 b.
172

que faz de uma um bem e de outra um mal, quer seja vista ou não seja
pelos deuses e pelos homens.452

Assim como as águas ferilizam, solidificam e dão vida às raízes já sem


vida num solo árido, o lamento de Glauco e Adimanto, faz brotar do âmago de Sócrates
uma convicção sobre um novo modelo de educação da pólis: a justiça ou a injustiça são
conceitos que germinam num mesmo solo, conforme a educação do indivíduo,
conforme será a situação da justiça e injustiça a ser praticadas na pólis. Sócrates não tem
outra solução, senão convidar a todos os partícipes para refletirem juntos sobre a
questão, com maior rigor e precisão. No entendimento de Sócrates, os dois irmãos
aprofundaram e alargaram a compreensão inicial da justiça. A tarefa já era bastante
árdua, ao seu parecer “[...] exigia vista penetrante.” 453
Por isso, Sócrates explica aos seus interlocutores que a questão da justiça
e da injustiça não é apenas uma questão do indivíduo, mas de todos: é uma questão que
deve ser teoricamente debatida a partir do contexto da cidade. Deve ser debatida no
centro da vida pública. Não pode ser deliberada por grupos restritos, mercadores ou
poderosos, muito menos, por alguns poucos interessados. A análise dos conceitos de
justiça e de injustiça acaba por enveredar para um novo campo. Discute-se agora,
entretanto, as vantagens e as desvantagens do indivíduo vivendo na cidade. Esse é um
problema árduo. Por isso, quando atrelado fortemente ao campo das prerrogativas, dos
privilégios, dos interesses, dos direitos, da regalia, a questão toma e ganha corpo na vida
da pólis. A via, ou o desvio mais curto para atingir a finalidade do debate é a cidade. Os
conceitos de justiça e de injustiça passam a ser refletidos no âmbito da comunidade. O
que pode ser vantajoso para uns pode não ser para os outros, essa é a velha questão que
ainda não é muito bem definida nem mesmo no nosso mundo contemporâneo. A
questão é uma questão pública. A partir de então, Trasímaco, já acuado, não mais
participa dos diálogos, somente ao final do debate é que Sócrates vai a ele remeter as
conclusões sobre a investigação iniciada. Diz ele para os seus interlocutores.

Uma vez que não somos suficientemente idôneos, lhes disse, para
levar avante uma investigação nessa base, proponho procedermos
como alguém a quem mandassem ler de longe letras pequeninas e
ocorresse a outra pessoa que havia algures letras iguais àquelas, porém
em caracteres maiores e numa superfície mais larga; seria resolução

452
PLATÃO. A República. 367 b.
453
ibid. 368 d.
173

felicíssima começar a leitura destas e depois passar para as menores,


para ver se eram realmente, iguais. 454

Estando todos os personagens do diálogo acordados quanto ao método e


a forma de investigação, logo eles investigam a questão da justiça e injustiça na cidade
para saber como ela ali se dispõe, para depois investigá-la no interior do indivíduo.
455
Platão diz pela boca de Sócrates: “E não é maior a cidade do que o indivíduo?”
Poucos anos mais tarde, seu mais expressivo discípulo, Aristóteles (384 a. C. – 322 a.
C.), vai retomar esse mesmo princípio, para poder entender e compreender o sentido de
civilidade dos cidadãos da pólis. Ao teorizar sobre a cidade, em seu primeiro livro,
Política, Aristóteles considera que essa também precede concretamente sobre o
indivíduo e todas as suas particularidades, da mesma forma precede a família, a
comunidade, esclarece ele: “Na ordem natural a cidade tem precedência sobre a família
e sobre cada um de nós individualmente, pois o todo deve necessariamente ter
456
precedência sobre as partes; [...].” Tanto em Platão como em Aristóteles, há a
concepção de que a cidade deve ter precedência sobre o indivíduo. Assim, Sócrates
remete o debate da justiça e da injustiça para a esfera da cidade. Na compreensão de
Platão, a reflexão, o debate, o diálogo que seus personagens apresentam só é justificado
enquanto cidade. O conceito de justiça ou o próprio conceito de injustiça só tem sentido
e é verdadeiro enquanto os indivíduos vivem juntos.
Nos diálogos de Platão e também nos escritos de Aristóteles, é possível
perceber que esses dois filósofos reconhecem que a tradição educativa é a mais
completa e perfeita para educar as crianças e os jovens da pólis. Em A República, diz
Sócrates: “– Que educação lhes daremos? Será difícil achar outra melhor do que a que
já foi encontrada no decurso do tempo, a saber: Ginástica para o corpo e Música para a
457
alma.” Partindo de Homero, apesar das críticas de Platão, ao antigo educador da
pólis, seu projeto educativo nasce dessa educação antiga. Assim, dessas raízes, ele
começa a elaborar sua intenção formativa, tendo como fundamento duas disciplinas já
existentes até então. Ginástica e música são duas matérias que de certa forma compunha
o processo pedagógico da escola tipo grego. Em Homero, particularmente, esses dois
ramos de conhecimento já visavam a formação do homem em sua omnilateralidade.

454
PLATÃO. A República. 368 d
455
ibid. 368 d.
456
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
457
PLATÃO. República. 376 e.
174

Diz Sócrates: “Segundo o meu modo de pensar, principiei, forma-se uma


cidade quando nenhum de nós se basta a si mesmo e necessita de muitas coisas. Ou
admites outra causa para o nascimento das cidades?” 458 Aqui, Sócrates quer mostrar aos
seus interlocutores que o indivíduo não se basta, ou seja, é carente, é apetente. Assim,
pela apetência e carência nascem as necessidades. O Estado, a cidade, a pólis, as
classes, as instituições, as profissões e ocupações vão nascer exatamente pela carência
do indivíduo, este não é autárquico, depende de outros indivíduos para viver. Em outras
palavras, o indivíduo para viver cria necessidades e elas são múltiplas, variadas. Para
viver e sobreviver o indivíduo necessita do auxílio do outro. A cidade-Estado brota
dessa raiz. A origem do Estado está aqui. O homem necessita de paz, de defender a paz,
de defender o território, daí surgem também as mais diferenciadas profissões. Logo, a
cidade surge dessa carência e dessa apetência. As necessidades dos indivíduos estão na
cidade por mais rudimentar que esta seja. Para suprir as necessidades e anseios que
comportam uma cidade, Sócrates alude primeiramente àquelas profissões mais
elementares, no entanto, essenciais na edificação de qualquer civilização, por isso é
preciso das mais diversas profissões, do pedreiro, do tecelão, do lavrador, dos
construtores, dos carpinteiros, dos sapateiros, dos ferreiros, dos pastores e outras, e
representam a classe trabalhadora, a que produz.
Nos diálogos com seus interlocutores, Sócrates vai apresentar as classes
que uma cidade deve ter, a saber: a classe dos produtores, a classe dos guardas e, por
fim, a classe dos dominantes. Uma cidade precisa de indivíduos que saibam fazê-la
funcionar. Precisa de indivíduos que produzam o bem material para satisfazer as
necessidades de todos, depois precisa de indivíduos para defender o território dessa
cidade e, por fim, necessita de indivíduos que administrem as poleis. A partir dessa
prerrogativa, Platão começa a elaborar o seu programa educativo visando construir uma
cidade harmoniosa. Seu programa educativo então nasce a partir dessa separação entre
as classes, portanto da divisão social do trabalho. É preciso dizer que a maior parte da
população e a grande massa de escravos não têm educação e nem escola. Os escravos,
os agricultores, os artífices estão fora do rol da classe privilegiada. Eles não têm
serventia no modelo educativo platônico. Werner Jaeger referindo-se a isso esclarece:

Platão não parte de um povo histórico existente, como Atenas ou


Esparta. Ainda quando se refere conscientemente às condições

458
PLATÃO. República. 369 b.
175

vigentes na Grécia, não se sente vinculado a um determinado torrão


nem a uma cidade determinada. Na sua obra não há a mínima alusão
aos fundamentos concretos do Estado. 459

Platão, assim, começa a elaborar seu projeto educativo. Ele começa


pensar a política da pólis a partir da educação e esta a partir da dimensão pública. Para
Platão, no centro dessa divisão de classes, a mais poderosa e mais significativa é a
classe dos governantes, que comporta os filhos da elite de Atenas. “Ele pensa
especialmente na sua educação, ou melhor, na educação dos cidadãos como guerreiros,
a partir de uma seleção dos mais aptos.” 460 Nesse ínterim, a dimensão educativa do seu
projeto contempla sabiamente a formação integral, - completa de seu pupilo, porém, sua
proposta é unilateral porque ela visa uns poucos não contemplam o todo, portanto, não
visa a omnilateralidade da qual enfatiza Mario Alighiero Manacorda. Como afirmamos
anteriormente, ao propor a concepção educativa, Platão parte dessa divisão, e aqui já
podemos dizer que existe uma profunda distinção entre as coisas que se deve fazer e as
coisas que se deve dizer, proposto por Manacorda, “Ela constitui o antecessor direto de
nossa escola. Mas encontramos também muito claramente o sadismo da relação
pedagógica a ignóbil posição social da „não liberal‟ profissão de ensinar [...]”.461 Se a
primeira classe – a dos trabalhadores produz as necessidades básicas e essenciais para a
edificação da cidade, a segunda e a terceira classe deve manter-se sempre em estado de
alerta, elas precisam ser irrepreensíveis por suas virtudes, a dos guardas. Estes devem
proteger a cidade com honra e alegria, defender o seu território com coragem e assim,
conservá-la em paz, enquanto a dos governantes deve adequadamente administrar os
negócios públicos visando o bem de cada uma das classes. Fora disso, a cidade não
poderá manter-se coesa e em harmonia.
Tendo investigado inicialmente as classes sociais, as profissões e suas
finalidades, Sócrates responde a Glauco sobre a possibilidade de se fundar uma cidade
farta, sadia e luxuosa. “Talvez não haja mal nisso; estudando uma cidade nessas
condições, é possível que venhamos a surpreender a justiça e a injustiça no momento
462
preciso em que se originam.” , e é exatamente com o debate da justiça e da injustiça
que vai brotar a concepção platônica de uma cidade perfeita, de um Estado ideal. Será

459
JAEGER, Werner. op.cit. 2001. p. 750.
460
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão Técnica da Tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010. p.76.
461
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.428.
462
PLATÃO. A República. 372 e.
176

preciso entender com maior amplitude a questão dos conceitos da justiça e da injustiça.
Ao dar os primeiros passos em direção ao seu projeto educativo, Platão o faz situando a
justiça em primeiro plano, ela é seu norte. Platão pensa na educação guerreira cuja
finalidade é preservar a pólis da corrupção. Reflete ele:

Acabei por entender que todas as cidades de agora são mal


governadas, pois têm legislação quase incurável, e falta uma
preocupação extraordinária aliada à fortuna. Fui obrigado a dizer,
louvando a verdadeira filosofia, que a ela cabe discernir o
politicamente justo em tudo dos indivíduos, e que a espécie dos
homens não renunciará aos males antes que a espécie dos que
filosofam correta e verdadeiramente chegue ao poder político, ou a
espécie dos que têm soberania nas cidades, por alguma graça divina,
filosofe realmente. 463

Nessa perspectiva de corrupção da pólis, ele pensa num sistema


educativo que possa modelar não somente o corpo do indivíduo, mas também a alma.
Uma vez formado, possa o indivíduo sentir-se bem e feliz. Música e ginástica são as
duas primeiras disciplinas do projeto platônico já por ele recomendadas anteriormente.
Por isso, Sócrates fala para os seus interlocutores de uma necessidade primordial: o
estudo dedicado dessas disciplinas: música e ginástica, cada uma particular vai
contribuir na formação dos guardiões, para que sejam perfeitos na sua profissão. Nada
poderá perturbar a alma do guarda, que a música seja edificante, que as histórias sejam
bem contadas tendo em vista a verdadeira história dos heróis, longe dos contos que
fantasiam a verdadeira realidade vivida por cada herói, mais que isso, que essas poesias
sirvam para encorajar e despertar nos jovens guardiões a coragem a destreza e o ardor,
sobretudo que indiquem o caminho da justiça e da virtude. Falando especificamente da
classe dos guardiões Sócrates enfatiza:

– Se quisermos, portanto, manter de pé a primeira proposição, a saber:


que os nossos guardas, dispensados de qualquer outra ocupação, se
dedicariam exclusivamente à liberdade da cidade, sem empreenderem
senão o que tendesse para esse fim, será preciso que não façam nada
mais nem imitem coisa alguma. 464

A finalidade dessa formação remete às tarefas do poder, da política, nesse


ínterim, nos dizeres de Sócrates, ela não visa às atividades práticas, “[...] o trabalho de
ferreiro, ou de qualquer outro artífice, de remadores de trirremes ou de seus
463
PLATÃO. Carta VII. 326-5b5
464
PLATÃO. A República. 395 c.
177

comandantes, e tudo o mais que se relaciona com essas atividades, não deverá ser
imitado.”465 A educação não tem a finalidade prática e portanto não visa
profissionalização. Estes poucos afortunados mais tarde devem exercer a tarefa mais
importante da pólis – a direção da cidade. Para a classe dos governantes existe uma
escola, essa escola deve formar o verdadeiro político cuja finalidade primeira é governar
bem a cidade. Para a classe dos guerreiros, o processo formativo visava cultivar a
coragem e moderação e, por fim, na classe dos produtores, por sua vez, a formação
consistia num ensino propriamente técnico.
Essa concepção educativa para os para os filhos dos cidadãos livres é
prevista em duas etapas, somente aqueles que conseguem passar da primeira fase – da
formação dos guardiões, conseguem alcançar a outra fase: a da formação política, pois,
pressupõe que esses afortunados venceram as maiores provas na ginástica, nas corridas,
nos torneios olímpicos. Essas duas etapas formativas, a do guarda e do político,
consistem em dois processos pedagógicos distintos, respectivamente: um, o fazer; outro,
o falar. A primeira parte do processo pedagógico preparava os jovens para atuar na
guerra; a segunda prática educativa se volta finalmente para orientar e capacitar o jovem
para exercer a política da pólis, portanto, na juventude, eles seriam guerreiros e na
velhice atuariam como governantes da cidade, porém essa prática era reservada somente
para a classe dominante, cujo ideal formativo era atingir a plenitude da formação da
pólis, o homem omnilateral. Apenas uns poucos afortunados atingiam esse grau.
“Formar o homem das classes dirigentes, eis o ideal da educação grega, [...].” 466
O projeto platônico traz em seu bojo uma intenção ética, a paideia que
Platão propõe tem a finalidade de salvar e regenerar a pólis. A finalidade é formar o
homem completo, o processo formativo visa instruir e educar o “[...] homem por inteiro:
467
corpo e alma, sensibilidade e razão, caráter e espírito.” Essa paideia insiste em
formar duplamente o individuo: que ele seja manso e dócil no espírito, ao mesmo tempo
ágil e rápido em seus movimentos. Em outras palavras, insiste numa formação
intelectual e física, uma formação omnilateral. Sócrates fala do perfil do guardião da
pólis:

465
PLATÃO. República. 396 b.
466
PONCE, Aníbal. op. cit. 1994. p.47.
467
MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 342
178

Assentamos, portanto, com toda a confiança, que o homem, também,


se tiver de mostrar-se manso para seus familiares e conhecidos, terá de
ser naturalmente filósofo e ávido de saber.
Assentemos, respondeu.
Logo, filósofo, brioso, rápido de movimentos e forte é como precisará
ser o indivíduo destinado a tornar-se um bom guarda de sua cidade.468

A paideia platônica é configurada pela música e pela ginástica tem como


objetivo formar o homem valoroso e vigoroso. Interiormente e exteriormente bem
formado, esse indivíduo está apto para exercer todas as atividades dentro da pólis.
Podemos dizer que esse duplo equilíbrio entre a formação do corpo e da alma foi
transmitido e assimilado desde a época arcaica, como podemos ler em Manacorda. “Na
música e na ginástica está baseada também no período clássico a educação dos cidadãos
em Creta e Esparta, consideradas durante muito tempo modelo de política e de educação
por todos os conservadores gregos.” 469
Platão, sem dúvida, recolhe essas raízes educativas da tradição arcaica
para pensar na formação omnilateral de seu pupilo – música para alma e ginástica para o
corpo, e no plano moral ele propõe um aprendizado cuja finalidade é moldar o caráter,
visando a integridade e nobreza da alma do guardião. Para tanto, é preciso extirpar toda
espécie de música, de poesia que seja contrária a isso. Que sejam extirpadas as poesias e
poemas que cantem a mentira, a injustiça e a ilusão; ao contrário, que orientem a
formação do caráter do jovem guardião. Podemos afirmar que a finalidade imediata da
formação dos guardas consiste em fazer que esses se identifiquem com a sua função,
desse modo a pólis parece não mais carecer, salvo os desequilíbrios que possa perdurar.

A educação dos „guardiões‟ de acordo com um sistema legalmente


estabelecido pelo Estado é uma inovação revolucionária de alcance
histórico incalculável. É a ela que em última instância remonta a
exigência do Estado moderno sobre a regulamentação autoritária da
educação dos cidadãos, defendida principalmente desde o Século das
Luzes e a época do absolutismo por todos os Estados, qualquer que
fosse a sua forma de governo. 470

Se o fim imediato da educação dos guardiões consiste em fazer que esses


se identifiquem com sua função, a finalidade do processo educativo em longo prazo
consiste em formar o verdadeiro filósofo. Assim, Platão começa a programar uma nova

468
PLATÃO. A República. 376 c.
469
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.65.
470
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução de Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 766.
179

etapa educativa, para aqueles que suportaram bem os desafios e, por fim, alcançaram a
honra, a esses sim, devem prosseguir nos estudos. Essa dimensão nova do programa de
Platão tem uma única finalidade, formar o verdadeiro cidadão da pólis, o rei-filósofo, ou
o filósofo-rei. Uma questão paradoxal começa a ser refletida com maior radicalidade por
Sócrates e por seus interlocutores: a formação do homem completo. Sócrates alerta seu
interlocutor Glauco quanto ao processo dessa formação:

Os que na infância, na mocidade e na idade madura forem submetidos


a essas provas e se saírem delas puros e vitoriosos, serão colocados
como dirigentes e guardas da cidade e receberãohonrarias tanto em
vida como depois de mortos, além de erigirmos túmulos e outros
monumentos em sua memória, os maiores no seu gênero. Serão
excluídos os que falharem nessas provas. 471

O indivíduo que é formado e instruído nessa paideia é um homem de


cultura, dotado de valores, aprendeu a conhecer a música, seu corpo não é rígido e nem
fraco, mas vigoroso e belo, pois o desenvolveu na ginástica, estudou os cálculos, a
geometria, a astronomia, a aritmética, a física, a dialética e a filosofia, desse modo
subentende que é um indivíduo educado, nobre, cultivado nas artes e nas letras e,
portanto, supõe-se que pode governar a cidade. Reafirma Sócrates novamente a Glauco
as condições educativas dos guardas, é uma educação austera e severa:

O que eu disse há pouco foi apenas que eles precisam receber uma
educação acertada, seja ela qual for, se tiverem de adquirir a maior
disposição possível de brandura, tanto com referência a eles mesmos
como aos que eles terão de proteger. [...] Inicialmente nenhum deverá
possuir nada, a não ser o estritamente necessário. Depois, ninguém
terá moradia própria nem celeiro, onde qualquer pessoa não possa
entrar quando quiser. [...] De todos os cidadãos de nossa comunidade,
serão eles os únicos a quem não é permitido lidar com ouro e prata, ou
sequer tocar neles, nem permanecer sob o mesmo teto, trazê-los como
enfeite nas vestes ou beber em vasos de ouro e prata. Desse modo, não
somente se conservarão salvos, como promoverão a salvação da
cidade. 472

Aos poucos Platão definiu o perfil daqueles que serão os futuros


guardiões, os guardiões perfeitos: vigorosos e belos por seu corpo e valorosos em
virtudes, mansos e dóceis por seu espírito. Tudo isso deve ser assegurado por lei, isto é,
a educação deve ser protegida pela lei – pela constituição da pólis. Confirma Sócrates:
“Foi por essas razões, arrematei, que explicamos como devem ser organizadas as

471
PLATÃO. A República. 414 a.
472
ibid. 416 c-d-e. 417 a
180

moradias dos nossos guardas e tudo o mais que lhes diz respeito, o que passará ser
regulado por lei.” 473
Nessa altura dos diálogos, Adimanto faz uma indagação importante sobre
a vida dos guardiões. “De que maneira, Sócrates, perguntou, te justificarias, se alguém
474
observasse que teus homens não são muito felizes?” Adimanto faz essa pergunta
porque bem sabe que os guardas não terão nenhuma regalia por serem guardas, nada
podem possuir, vivem uma vida regrada e preservada em relação aos demais indivíduos,
ainda que eles sejam os donos da cidade. Sem dúvida, a formação dos guardas na
concepção educativa platônica consiste numa tarefa árdua e perigosa, longe dos prazeres
fáceis, do luxo, da ambição, da avareza, da ostentação. Responde Sócrates a Glauco:

É isso mesmo, observei; e ainda por cima só recebem a comida, sem


nenhum soldo de crescença, ao contrário do que se dá com os outros,
de forma que nem mesmo poderão viajar, se assim o desejarem,
presentear as raparigas ou gastar com o que bem que lhes parecer, tal
como fazem os que têm na conta de felizes. Tudoisso e alguma coisa
mais deixaste de incluir em tua acusação. 475

Para Sócrates, todas as funções devem ser realizadas em benefício e


proveito da cidade, e não em proveito e interesse do indivíduo. Como anteriormente
afirmado pelo próprio Sócrates, a cidade deve preceder sobre o indivíduo. A cidade foi
fundada para edificação de todos, e não para a edificação do indivíduo em suas
particularidades. Nessas circunstâncias, Platão, pela boca de Sócrates, encaminha o
debate para dois polos distintos: o primeiro, o plano formativo, refere-se à questão
moral; o segundo, o plano de formação, para a vida política. Responde Sócrates que a
cidade tem uma única finalidade, a de conjunto:

Quando constituímos a cidade, não tínhamos por escopo deixar uma


classe mais feliz do que as outras, porém promover a felicidade
máxima da cidade. Éramos de parecer que numa cidade desse tipo é
que haveria maior probabilidade de encontrarmos a justiça, tal como
se daria com a injustiça na mais desorganizada; isso nos permitiria,
após o competente exame, resolver a questão que há muito nos
ocupamos. Presentemente, segundo creio, o que estamos formando é a
cidade mais feliz, não no sentido de separar uns poucos cidadãos para
tal fim, mas no conjunto. 476

473
PLATÃO. República. 417 b.
474
ibid. 419 a.
475
ibid. 420 a.
476
ibid. 420 b - c.
181

Tendo Sócrates terminado o diálogo sobre a formação dos guardas, uma


vez já consolidada, restaria apenas saber quem governaria a cidade. Aparece então no
discurso de Sócrates a dimensão política do processo formativo político: quem pode
dizer e quem pode fazer as coisas da pólis, quem deverá mandar e quem deverá
obedecer? Sobre o conteúdo e fins dessa educação proposta por Platão, afirma Mario
Manacorda que “[...] para os afortunados que continuavam os estudos, culminavam no
„dizer e fazer as coisas da cidade‟. E talvez, além do dizer e do fazer, deveremos
também falar do pensar.” 477
Para as tarefas do dizer, Platão entende que essa classe precisa ser muito
bem formada, pois a esta pertenceria a dos governantes filósofos, ou filósofos-
governantes, que constituiriam a primeira classe do Novo Estado. Sobre a cultura
formativa e especial que teriam os governantes-filósofos – chamados a velar pela
conservação, regeneração e manutenção do espírito da verdadeira educação no Estado
perfeito. Werner Jaeger alerta:

Todavia, a tese do reinado dos filósofos, que parecia apenas começar


por estabelecer como premissa para realização destas exigências, volta
a conduzir-nos por si própria ao problema da educação dos
„governantes‟, uma vez que a „salvação do temperamento filosófico‟
manifesta-se essencialmente como o problema da sua educação
adequada. 478

Essa educação acertada, adequada e modelada deve ter base e


fundamento nos valores da Justiça, portanto, do Belo, do Bom, por fim, do Bem.
Sócrates revela aos seus interlocutores: formados na coragem na justiça e na sabedoria,
pois a cidade deles depende. Portanto, a partir dessa formação, deverão saber distinguir
a opinião daquilo que é verdadeiro, daquilo que edifica e enobrece a existência da
cidade.

Por consequência, se formarmos verdadeiros guardas, estes serão


absolutamente incapazes de fazer mal à cidade; quem pretende o
contrário e os transforma em lavradores ocupados apenas com
festanças e alheios à função de felizes hospedeiros do burgo, falará de
tudo, menos da nossa cidade. Precisamos, portanto considerar-se ao
instituirmos os guardas, temos em mira conceder-lhes o maior grau
possível de felicidade, como indivíduos, ou se, de preferência,
devemos olhar para a cidade como a um todo, para que ela alcance

477
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.75.
478
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 864.
182

esse desiderato, e também obrigar pela força, ou pela persuasão os


auxiliares e os guardas e assim os demais cidadãos a cumprirem suas
obrigações da melhor maneira possível, e uma vez bem organizada e
florescente a cidade, deixar que cada classe participe da felicidade a
que por natureza tem direito. 479

Aqui, o projeto educativo de Platão entende a cidade como um todo. De


fato diz ele, enfatizemos novamente a citação, “devemos olhar para a cidade como um
todo para que ela alcance seu desiderato”, assim, ele propõe que a cidade possa educar
os seus habitantes, tudo que tem nela deve educar o seu cidadão. A finalidade dessa
educação nãoé senão que esses guardiões perfeitos evitem que a cidade se corrompa em
todos os sentidos, pois quando a educação e a instrução são bem dirigidas certamente
também serão boas as constituições por eles redigidas. Tendo em vista seu programa
educativo, os governantes – administradores da pólis devem ser dirigidos e movidos
pelo conhecimento. Um governante sem instrução, sem formação, sem sabedoria, sem
temperança, sem honra, sem vigor e sem valentia certamente fracassaria na missão de
dirigir uma pólis justa. Nessa mesma direção apropriamo-nos das palavras de Cesar
Nunes.

Para Platão, a doxa é critério das sensações. Podemos cometer


enganos se estivermos determinados pelas sensações, mantendo nosso
conhecer no nível da aísthesis, condicionados à filodoxia, que nos
confunde e embrutece. Defendeu que é preciso superar a filodoxia
pela filosofia, somente restando ao homem abandonar as sensações e
voltar-se para a contemplação das ideias, das essênciaspurasque não
alteram que não confundem e que somente são alcançáveis pelas
almas intelectivas superiores, ascéticas, capazes de superar a ditadura
das sensações e do determinismo do corpo para atingir o Bem
Supremo. [...] Disto decorre sua teoria política, a lei deve basear-se na
ciência: os reis se tornam filósofos, ou os filósofos se tornam reis,
apresentando sua concepção aristocrática de poder para que não
cometam erros como a morte de Sócrates. Decorre também sua ética:
a virtude deve basear-se na razão, na essência do Bem e da Verdade, e
não sustentar-se sobre opiniões individuais. 480

Constituindo-se na primeira e mais importante classe da pólis, os


filósofos-governantes ou os governantes-filósofos comandariam as demais classes tendo
como fundamento edificar a pólis virtuosa e estável, “Terá de ser, por conseguinte,
481
sábia, valente, temperante e justa.” Não se funda uma cidade para o bem de uma

479
PLATÃO. A República. 421 b.
480
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.65.
481
PLATÃO. A República. 427 e.
183

determinada classe ou para o bem de um determinado indivíduo, mas se funda uma


cidade para o conjunto das três classes e essa é a proposta de Platão.
Uma parte das reflexões da filosofia da educação de Platão, embora
apareça pouco no contexto geral de sua filosofia, porém não menos importante, é a
educação feminina. Está presente, sobretudo a partir do quinto livro em A República. A
educação das mulheres é o objeto central das reflexões de Sócrates e de seus
interlocutores nesse livro que, por sua vez, não está separada da reflexão sobre a
formação dos dirigentes da cidade, os guardiões. Por curiosidade ou não, esses querem
ouvir o que Sócrates tem a dizer sobre a posição da mulher na cidade. Sócrates
aproveita a oportunidade para reforçar sua primeira tese, sobre o governo dos filósofos.
Sócrates, atendendo a curiosidade de seus ouvintes, passa a investigar a possibilidade e
probabilidade de as mulheres exercerem a função dos guardas. O traço e perfil que
Sócrates tem é resultado da antiga educação das mulheres de Esparta. Esse traço da
mulher guerreira é resultado da educação arcaica espartana, como nos relata Henri
Marrou: inicialmente a educação das mulheres tinha uma formação especificamente
regulamentada, em que a música, a dança e até mesmo o canto tinham uma conotação
mais apagada do que o esporte e a ginástica.

A graça arcaica cede o passo a uma concepção utilitária e crua: como


mulher espartana tem o dever de ser antes de tudo uma mãe fecunda
em seus filhos vigorosos. Sua educação é subordinada a esta
preocupação de eugenia: procura-se „tirar-lhe a delicadeza e a
feminilidade‟, enrijecendo-lhe o corpo, obrigando-a a exibir-se nua
nas festas e nas cerimônias: o objetivo é fazer das virgens espartanas
robustas viragos sem complicações sentimentais, que se acasalarão ao
melhor dos interesses da raça. 482

Para Sócrates, o melhor caminho a ser trilhado nada mais é do que voltar
ao princípio, tal como expressa: “Prossigamos, portanto, na mesma direção e vejamos se
é válido ou não aquele princípio referente ao nascimento e à educação das mulheres.”
483
Inicialmente, Sócrates faz alusão aos cães, às fêmeas desses que analogicamente
vigiam e caçam igualmente aos machos, não ficam em casa cuidando dos filhotes. Aqui
podemos dizer que Sócrates não faz uma argumentação propriamente dita sobre os cães,
apenas ele situa a ideia de que os cães são assim e que, portanto, homens e mulheres
também podem ser assim. Por essa analogia, Sócrates demonstra que nessa cidade as

482
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p.46.
483
PLATÃO. A República. 451 d.
184

mulheres devem ter a mesma participação dos homens, pois cada um deve se aplicar ao
que é de sua natureza para que haja justiça na cidade. Embora seja a mulher mais fraca,
não existe algo tão distinto de modo a fazer essa separação e assim, tanto para Sócrates
como para seus interlocutores, a educação deverá ser a mesma, nesse caso. É atribuída
para a mulher a mesma educação do homem, seja na música, seja na ginástica. Afirma
Sócrates: “Nesse caso, estas duas artes terão de serem ensinadas também às mulheres,
bem como a arte da guerra, que elas precisarão praticar do mesmo modo que os
homens.” 484
Essa reflexão sobre a educação das mulheres, sobretudo na arte militar,
onde essas deveriam despir-se em público para os exercícios físicos é uma questão da
cultura da época. Pareceria ridículo observar em público a mulher nua se exercitando
com os demais homens, talvez fosse bem interessante à vista dos homens mais idosos.
Na concepção de Sócrates as coisas mudam de tempo em tempo, isto é, cada época um
comportamento distinto e portanto, é necessário não se intimidar com considerações do
passado. A ideia de mulheres nuas em público está relacionada com os povos helênicos,
na visão de Sócrates. Da mesma forma que aconteceu na cultura dos helenos, os
costumes modificam-se com o passar dos tempos. No princípio, os povos helenos
consideravam o homem nu desonroso e ridículo e, posteriormente, descobriram que
desnudar-se era mais adequando que se cobrir para os exercícios. Portanto, Sócrates
mostra aos seus interlocutores que a questão não estava no risível, no ridículo, mas sim
em saber em quais e que condições a mulher deveria ser guerreira e atuar também como
filósofa.
A questão marcante da educação das mulheres para Platão era saber se
ela tinha condição de associar-se ao homem, isto é, seria possível o gênero feminino
adequar-se em todas as situações possíveis ao gênero masculino? Ou poderia haver
algum trabalho ou atividade de que o gênero feminino deveria ser poupado? O diálogo é
mais intenso e mais agudo do que pensavam os seus interlocutores. Sócrates, no
entanto, relaciona a investigação como uma situação sempre inusitada. Diz ele: “Mas
tanto no caso de cair alguém num pequeno tanque como no mar fundo, terá por força de
485
nadar.” Previamente, Sócrates considera que toda investigação deve ser bem
analisada, seja em qual ângulo o objeto se encontra. Ele entende que para indivíduos de
naturezas diferentes certamente deveriam ocupar-se das mesmas coisas, ou das mesmas

484
PLATÃO. República. 452 a.
485
ibid. 453 d.
185

funções, e realmente parece bem confortável essa proposição: naturezas diferentes não
devem ocupar-se com as mesmas coisas. Mas os homens e as mulheres devem fazer as
mesmas coisas? Sócrates parece colocar seus interlocutores numa armadilha. Nos
diálogos platônicos, ele procura sempre encaminhar as perguntas para uma nova
dimensão. No primeiro momento ele reconhece que indivíduo de natureza diferente
deve ocupar funções distintas; num segundo momento, entende que as contradições
fazem parte do debate da reflexão e do pensamento, e retoma sua interlocução da
seguinte forma como na transcrição abaixo:
Por conseguinte, continuei, estávamos livres de formular a pergunta se
os indivíduos calvos e os de cabeleira vasta têm a mesma natureza ou
se são de natureza contrária, e depois de havermos concordado que
são de natureza contrária, no caso de exercerem os calvos o oficio de
sapateiro, não deixar que os de cabeleira o exerçam, e vice versa.
Seria mais do que ridículo, respondeu.
E por que ridículo, perguntei, se não for pelo fato de não ter sido nossa
intenção estabelecer a diferença ou identidade das naturezas em
sentido absoluto e de só termos, então, em mente o conceito de
identidade ou diferença que relaciona com as ocupações? Essa razão
de havermos dito o médico e o indivíduo dotado de espírito de médico
tem a mesma natureza. Não pensas desse modo?
Perfeitamente.
O médico e o carpinteiro diferem entre si?
Muito.
V – Sendo assim, prossegui, se os sexos masculino e feminino
parecem diferir na aptidão para determinadas artes ou ocupações,
diremos que é preciso atribuir a cada um a que lhe convém. Mas, se
virmos que a diferença consiste apenas em gerar filhos o homem e em
dá-los à luz a mulher, não poderemos, de forma alguma, admitir como
demonstrado que a mulher difere do homem na questão com que nos
ocupamos. Pelo contrário: continuaremos a sustentar que tanto os
nossos guardas como nossas mulheres devem desempenhar funções
idênticas. 486

Assim, Sócrates consegue que seus interlocutores entendam que ao


atribuir diferentes ocupações a natureza distinta e também as mesmas ocupações a
naturezas que, por assim dizer, são contrárias, eles próprios não investigaram que a
diferença e a identidade estavam justamente em questão. Platão, por intermédio das
palavras de Sócrates, não partilha a opinião corrente da pólis grega, embora sendo a
mulher mais fraca que o homem em geral, ela deverá ocupar-se de todas as atividades
de que o homem participa. “Por conseguinte, a mulher da classe dominante deverá ser
educada na música e na ginástica, tal qual como o homem, e como ele se deverá formar

486
PLATÃO. República. 454 c - e.
186

para a guerra.” 487 Também na administração pública não existe algo que seja específico
e próprio das mulheres. Na medida em que a formação é a mesma entre o gênero
feminino e masculino, também as ocupações serão as mesmas. “No que entende com a
formação das mulheres para a função de guardas, não haverá necessidade de dar àquelas
488
educação diferente da dos homens, visto ser a mesma natureza que a recebe.”
Portanto, não poderá haver qualquer ocupação daqueles que administram uma cidade
que seja própria de uma mulher, porque ela é mulher, e da mesma forma, acontece como
o homem, por ele ser homem. As naturezas são igualmente distribuídas entre os dois
gêneros, ainda que a mulher seja mais fraca, a mulher participa de todas as ocupações, e
isto, conforme a natureza, e o homem também.
Não há nada melhor para uma cidade do que ser habitada pelos melhores
homens e mulheres e este fim será alcançado pelo mesmo sistema de educação. “E
poderá haver algo mais louvável numa cidade, do que ter homens e mulheres
excelentes?” 489 Portanto é preciso desde cedo superar os risos e gracejos contra a nudez
feminina, é preciso levar em conta as questões relativas. Conquanto da aparente
contradição existente no fato dessa igualdade atribuída aos dois sexos, não se pode
negar ou confundir que haja entre eles diferença, mas que, portanto, não se justifica.
Sócrates mostra aos seus interlocutores que as aptidões para as atividades dentro da
pólis não dependem do sexo, entretanto deve haver tanto homens quanto mulheres em
todas as funções, sendo que para isso são eles educados da mesma forma, ou seja, pela
música e pela ginástica.
Essas reflexões que fazem Sócrates e seus interlocutores sobre a
condição das mulheres não estão separadas da condição dos homens. As consequências
do debate que fazem Sócrates e seus interlocutores estão vinculadas à formação do
surgimento da noção de rei-filósofo. A reclamação de que o poder político esteja com
um guardião perfeito é conhecida, mas, no entanto é preciso esclarecer também sua
natureza filosófica. É preciso também saber como se deve proceder para bem educar o
indivíduo. Quando começa a educação e a formação do seu dirigente filósofo? Os
interlocutores do diálogo procuram e querem saber onde começa a formação do
indivíduo. Na concepção platônica, é preciso mesmo antes do nascimento do guardião
cuidar e interessar-se por esse processo, sobretudo tendo em vista a eugenia. O ciclo

487
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 815.
488
PLATÃO. República. 456 e.
489
ibid.456 e.
187

educativo do programa tem origem nas relações conjugais entre homens e mulheres da
pólis, a preocupação está em gerar filhos fortes.
A seleção é drástica, como podemos ler:

De acordo com os princípios estabelecidos, continuei, será preciso que


os melhores homens se unam o maior numero de vezes possível às
melhores mulheres, e os indivíduos inferiores de um e de outro sexo
só muito o raramente o façam, devendo ser criados os filhos nascidos
da união daqueles, porém não os destes últimos, se quisermos que o
rebanho se mantenha sempre em excelentes condições. Todas essas
cautelas só devem ser conhecidas dos governantes, para que o rebanho
dos guardas se conserve, tanto quanto possível, imune de rebeliões.
É muito certo.
Por isso mesmo regulamentaremos o uso de algumas festas em que se
reunirão moças e moços, com sacrifícios e hinos aos nossos poetas,
apropriados à cerimônia dos casamentos. Fica a cargo dos dirigentes
determinar quantos casamentos devem ser celebrados, levando-se em
consideração as guerras, doenças e outras ocorrências da mesma
natureza para que o número de homens se mantenha sempre igual, e se
evite, na medida do possível, que a cidade venha a crescer demais ou a
minguar .490

Esse poder confiado a pólis tem consequência e repousa na classe


dominante, somente ela detém o poder. Essa aristocracia não é uma aristocracia firmada
nos laços de sangue, como se via nas épocas anteriores, mas a pólis é a mãe primeira a
decidir.

Os referidos funcionários, quero crer, levarão os filhos de pais bem


constituídos para o redil, nalgum ponto, afastado da cidade e os
entregaram a uma tantas amas aí residentes. Quanto aos nascidos de
pais inferiores ou mesmo dos outros que porventura apresentem
alguma malformação congênita, serão escondidos, como convém, em
algum lugar oculto e inacessível. 491

Visando a eugenia daquela civilização, esse sentido dado por Platão ao


seu programa foge à nossa compreensão contemporânea. Atrás de toda contradição,
esconde ali uma preocupação com a formação do homem adulto. A preocupação não
está no desenvolvimento da criança, mas visa gerar filhos fortes, sobretudo para
defender a pólis. “Quanto aos filhos, à medida que forem nascendo, serão entregues a
comissões adrede organizadas, ou de homens somente, ou de mulheres, ou, ainda dos

490
PLATÃO. A República. 459 e.
491
ibid. 460 c.
188

dois sexos, por serem comuns às funções públicas.”492, como verdadeira mãe e
protetora, a pólis vai assegurar a seletividade e a manutenção do processo instrutivo.
Compete ao Estado cuidar dessa educação durante toda a vida do educando. Ainda,
sobre o período infantil, no sétimo livro da República, Platão orienta a formação do
caráter, ressalta a não-violência, faz menção ao lúdico: “Por isso, meu caro, nunca
ensines nada às crianças por meios violentos, mas à guisa de brinquedos; como melhor
poderás observar as aptidões de cada um.” 493 Também Platão fala do zelo e do cuidado
que terão com os pupilos, ao levá-los como expectadores nas campanhas militares, ao
mesmo tempo que aprendem a lutar, aprendem a coragem e a virtude de ser guerreiro,
por isso Sócrates recorda a questão das batalhas e pergunta ao interlocutor Glauco se ele
lembra dessa questão:

Não te recordas de que falamos da vantagem de levarmos os meninos


a cavalo, nas campanhas militares, como expectadores e nos casos de
absoluta segurança, aproximá-los o mais possível da batalha e fazê-los
tomar o gosto do sangue, como cachorrinhos?
Recordo-me respondeu.
Em todos esses trabalhos, continuei, e perigos e ensinamentos, os que
se revelarem mais diligentes devem ser relacionados numa lista a
parte.
Em que idade? perguntou.
Ao terminar o curso obrigatório de exercíciosfísicos do ginásio, pois
esse tempo, quer seja dois anos, quer seja de três, não admite outras
ocupações: o cansaço e o sono são os inimigos naturais do estudo, sem
contarmos que o curso em si é a melhor pedra de toque para vermos
como cada um se comporta na Ginástica.” 494

O ensino tanto da ginástica como da música começa a partir dos sete


anos. No entanto, é praticamente quando a educação propriamente dita tem seu início.
Antes dessa idade são praticados os jogos esportivos, praticados emcomum e sem o
espírito de competição, tanto meninos como meninas brincam sob vigilância. É Henri-
Marrou quem nos narra.

Os primeiros anos da criança deveriam, segundo Platão, ser ocupados


por jogos educativos praticados em comum, pelos dois sexos, e sob a
vigilância, em jardins de crianças; mas, para ele, como para todos os
gregos a educação propriamente dita só começa aos sete anos. [...] No
referente à ginástica, Platão reage violentamente contra o espírito de

492
PLATÃO. República. 460 b.
493
ibid. 537 a.
494
ibid. 537 a.
189

competição que, como lembrei, causava já tantos danos ao esporte de


seu tempo. 495

Como já afirmamos anteriormente, para os gregos da antiguidade a


educação infantil não era considerada um fim em si, a criança era tratada como um
adulto. A educação desse período não contempla a formação da criança, a escola do tipo
grego não está direcionada para formar a criança, mas sim, para formar o homem
adulto. Além disso, somente os escolhidos, os mais aptos serão incluídos e integrados
nessa camada social. Esse poder confiado aos perfeitos - a classe dominante, uma vez
tendo revelado suas aptidões para o aprendizado da música e da ginástica podem chegar
ao término desse aprofundado plano educativo. Sobre isso, Cesar Nunes afirma:

Na experiência dos filósofos-educadores, o conceito de paideia


superava a vinculação limitada à instrução da criança. Tratava-se de
uma reflexão sobre a formação do homem para a vida racional na
pólis. Aplicava-se à vida adulta, à formação e à cultura, à sociedade e
ao universo espiritual da condição humana; exigia a investigação da
natureza humana para sua efetiva compreensão e possibilidade de
intervenção política. 496

A paideia é definida como paideia dos dirigentes, a esses pertencem o


poder e o legado da continuidade da educação, o Estado assim concebido depende da
educação e do conhecimento. O que poderia então fazer com que um indivíduo pudesse
vir a ser um bom filósofo? Surgido dessa classe, ele será capaz de distinguir a opinião
do verdadeiro conhecimento. Interessa, portanto, reconhecer o parecer do diferir. Por
isso, Sócrates mais uma vez retoma a reflexão sobre a educação das mulheres,
novamente afirma a distinção entre os objetos da opinião e os objetos da ciência. Se as
mulheres aprendem também a música e a ginástica não poderá então haver distinção
entre os gêneros, o que por sua vez justifica e confirma a natureza constitutiva dos
homens e das mulheres e, assim, os verdadeiros filósofos buscam e aspiram a
contemplação da verdade.
Sócrates explica aos seus interlocutores a diferença conceitual entre o
conhecimento e a opinião. A opinião emana dos nossos sentidos, expressa nossos
desejos, nossas paixões; o conhecimento, ao contrário, contrapõe aquilo que é visto
pelos olhos. Enquanto a opinião não necessita de provas e de demonstrações mais

495
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 116.
496
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.62.
190

acuradas, o conhecimento necessita cada vez mais de reflexão, de contemplação, isto é,


da racionalização das ideias. No conhecimento é preciso sempre demonstrar a razão – a
racionalidade, tendo em vista os conceitos necessários e universais. Enquanto o
conhecimento objetiva determinar o sentido do ser, a opinião permite apenas conjecturar
sobre esse. Enfatiza Sócrates aos seus interlocutores que o conhecimento intelectivo é
capaz de demonstrar com mais afinco a essências das coisas. “Desse modo, ao que
parece, descobrimos que as ideias da maioria dos homens a respeito do belo e de outros
conceitos semelhantes giram numa região intermediária entre o não-ser e o verdadeiro.”
497

Para Sócrates, alguns indivíduos inclinam para as coisas em que há


conhecimento, são os amigos da sabedoria e da filosofia e, portanto, fogem das
aparências, do variável, do visível, logo, das coisas efêmeras. “Nesse caso, teremos de
denominar filósofos e amigos da sabedoria os que se comprazem com a essência das
coisas, não amigos da opinião.” 498 O que faz, portanto, um homem ser um bom filósofo
senão a sua capacidade de fazer distinção entre a opinião e o conhecimento? Portanto,
os governantes devem necessariamente ser filósofos, a fim de não se deixarem levar por
opiniões, guiando-se a si mesmos e à cidade pelo conhecimento que enobrece e edifica
o homem, jamais baseando sua convicção em opiniões que não dignificam a existência
do ser humano.
O projeto educativo platônico caminha nessa direção, procura formar o
homem em sua totalidade, em sua inteireza. O pupilo platônico deverá, desde cedo,
procurar sempre mais se aproximar do conhecimento, do saber, da educação como se
fosse um enamorado. “Com relação à natureza dos filósofos, devemos aceitar como fato
irretorquível que estes são apaixonados do conhecimento capaz de revelar algo daquela
499
essência eterna que não oscila entre o nascimento e a destruição.” Assim, ele induz
os interlocutores, necessariamente, a refletir e investigar sobre a natureza daqueles que
dirigem a pólis. Para saber sobre essa natureza irretorquível do guerreiro, ela deverá ser
observada desde a infância.
Na concepção de Sócrates, o que evidencia e caracteriza essa natureza
reside e consiste nas aptidões naturais, mas, sobretudo, na educação queo pupilo cultiva.
Isto é: conforme a educação, conforme é o pupilo. Mas, para que seja possível que a

497
PLATÃO. A República. 479 d.
498
ibid. 480 a.
499
ibid. 485 b.
191

alma de cada um desses escolhidos possa alcançar o conhecimento adequado “[...]


teremos de procurar um espírito moderado e gracioso por natureza e que se deixe guiar
500
facilmente para a verdadeira essência de cada coisa.” Conforme afirmamos
anteriormente, essa seleção é drástica e sistematizada, mesmo porque o governo da
cidade não poderá ser entregue àquele que não tem capacidade de reflexão, de
argumentação. Este não sabe distinguir com nitidez as opiniões do conhecimento.
Assim, facilmente o governo pode ser corrompido e destruído. “Uma natureza
pusilânime e servil, ao que parece não participará da verdadeira Filosofia.” 501
O que Platão evidencia nas palavras de Sócrates é um modelo de homem
justo, humano, é um modelo ético, é um modelo de uma paideia ancorada por uma
formação dignamente humana. Sua paideia não tem outro objetivo senão formar o
homem no seu mais profundo humano, isto é, procura formar a sua omnilateralidade, a
sua completude, portanto em todas as suas capacidades: intelectuais, físicas e sobretudo
morais. Essa paideia é capaz de efetivar a essência mesmo de um ideal.

A verdade, Adimanto, é que quem volve o pensamento para a essência


das coisas não tem vagar para ocupar-se com as atividades dos
homens, de guerreá-los e saturar-se de ódio e de azedume. Não; só vê
as coisas imutáveis e bem ordenadas e se compraz em sua
contemplação. Aqui ninguém prejudica os outros; todos acompanham
a ordem e a razão e procuram imitá-las e, tanto quanto possível,
assemelhar-se-lhes. Ou serás de parecer que pode haver jeito de não
imitamos aquilo com cuja convivência nos deleitamos?
- É possível, respondeu.
Convivendo o filósofo só com o que é ordenado e divino, torna-se por
vez, divino e ordenado quanto o permite a natureza humana; mas a
calunia pulula por toda a parte.
Perfeitamente
E no caso, prossegui, de ver-se na contingência de aplicar à vida
publica e particular dos homens tudo o que ele viu por lá, para não ser
o único a beneficiar-se julgas mesmo que ele tornaria mau obreiro da
temperança, da justiça e das demais virtudes cívicas? 502

Platão, nessa passagem, evidencia claramente aquilo que fundamenta a


natureza das ações humanas, dos valores, do conhecimento e da paideia. O bem do
indivíduo é também o bem da cidade, o dirigente da pólis deve contemplar o Belo, o
Bom e o Bem. A ideia de Bem deve ser contemplada, pois só assim o pupilo platônico
livra-se da corrupção que ataca e corrompe a pólis. Ao rei-filósofocabe manter o

500
PLATÃO. A República. 486 d.
501
ibid. 486 b.
502
ibid. 500 b.
192

pensamento voltado para a não mesquinharia e a não mediocridade, mas sim para aquilo
que é ordenado, justo e divino. A contemplação do belo, do bom, do perfeito, e da Ideia
de Bem, das essências puras, de que fala Platão, não é senão a fuga das coisas imediatas,
do prático, do variável. O dirigente da cidade deve estar atento a isso, seu pupilo deve se
parecer com o imutável, portanto não se contentar com o mutável; deve parecer-se com
o bom, com o belo, com o divino, com aquele que não se modifica. Nos diálogos de
Platão, bem como para todos os demais gregos antigos, a contemplação ou a teoria tem
um significado diferente do que entendemos hoje. Platão, ao colocar na boca de
Sócrates sua inspiração política, está falando da realidade concreta da pólis e do
indivíduo. Portanto, Platão não está falando de uma realidade meramente especulativa
ou mesmo de generalidades intelectuais, muito menos de uma construção imaginária
que pouco tem a ver com os acontecimentos verdadeiros da pólis de seu tempo.
Salientamos mais uma vez, Platão sabe que seu professor é condenado pela justiça de
Atenas. Por isso, quando ele propõe o perfil de seu filósofo-dirigente, ele o faz a partir
da justiça, da beleza, da sabedoria. Assim, esse indivíduo deve ser apaixonado pelo
saber, deve manter uma relação de profunda amizade com o saber, para que esse possa
revelar-lhe algo a mais daquela essência que existe sempre, que não se desvirtua e nem
se modifica, nem com a geração nem com a destruição. A corrupção não poderá ser
cessada sem um governo que se proponha a dirigir a cidade com seriedade, serenidade,
sabedoria e justiça. Platão, no quinto livro da A República, expressa a sua mais intensa
preocupação em relação ao verdadeiro governo dos filósofos. Coloca mais uma vez na
boca de Sócrates quase toda sua inspiração educativa. Na medida em que fala ao seu
interlocutor Glauco, evidencia nas entrelinhas o sentido e a natureza de sua concepção
educativa. Aqui está o objetivo do projeto educativo de Platão: formar o rei-filósofo ou
o filósofo- rei.

A não ser, prossegui, que os filósofos cheguem a reinar nas cidades ou


que os denominados reis e potentados se ponham a filosofar
seriamente e em profundidade, vindo a unir-se, por conseguinte, o
poder político e a Filosofia, e que sejam afastados à força os
indivíduos que se dedicam em separado a cada uma dessas atividades,
não poderão cessar, meu caro Glauco, os males das cidades, nem
ainda, segundo penso, os do gênero humano. Antes disso não se
concretizará no mínimo nem verá a luz do sol a Constituição cujo
traçado acabamos de esboçar. Era isso o que há muito eu receava
declarar, por ver como destoa da opinião comum. É difícil
193

compreender que de outra forma não poderá haver felicidade, nem


pública nem particular. 503

Os filósofos são amigos da sabedoria, do conhecimento e ao aspirar,


querer, desejar muito a Justiça, o Belo, o Bom e o verdadeiro Bem, pautados numa
educação sólida, eles poderão reinar sobre a cidade. Mas é preciso enfatizar
radicalmente, o filósofo não é o dono do saber, nem o saber é propriedade sua, mas o
filósofo deve aspirá-lo e almejá-lo a todo o momento, constantemente. Ainda que este
dele escape, sua tarefa é novamente alcançá-lo, só assim ele encontrará o sentido da
filosofia. “Aproximando-se desse modo, do verdadeiro ser e a ele unindo-se, gera a
inteligência e a verdade, com o que atinge o conhecimento e vive e se desenvolve
504
verdadeiramente. Só então, nunca antes, é que cessam essas dores de parto.” A
educação que os indivíduos escolhidos, os afortunados deverão receber, está relacionada
com o divino, com a excelência – a virtude, com a verdade, com a coragem, com a
temperança, com a justiça, portanto, com aqueles valores que enobrecem e caracterizam
a dignidade do humano. A cidade e o seu governo não podem ser entregues a indivíduos
que estão desprovidos dessa educação e que, portanto, não trazem dentro de si esse
espírito. Mas, os filósofos do tempo de Platão desconhecem o verdadeiro sentido da
filosofia, ele sabe disso e escreveu isso em A República.
Para um indivíduo privado dessa visão, certamente sua administração
pode estar fadada ao insucesso. Para o “[...] descrédito da Filosofia, o que já me referi,
consiste, justamente, em não estarem à sua altura os que com ela se ocupam”505 Quem
está privado da educação, do saber, da cultura, dos valores, das normas das leis, da
sabedoria e da justiça está privado do conhecimento e, assim, sua visão não atinge o
horizonte da pólis, o horizonte da pólis precede o horizonte do indivíduo. Só uma visão
penetrante abarca o horizonte da pólis, assim, somente esse indivíduo de visão larga
será capaz de governar ética e politicamente sua cidade. O projeto educativo de Platão
propõe eliminar as imperfeições nos costumes e na cultura da época e posteriormente
estabelecer sua constituição, que deverá espelhar-se na essência da justiça e da beleza e
do bem. Na oportunidade de estar num cargo público, o dirigente-filósofo terá de fazer
de tudo para que também a cidade possa a ser melhor de todas as cidades. E essa é uma
questão essencialmente educativa que Platão deixa revelar pela boca de Sócrates. “Por

503
PLATÃO. A República. 473 d.
504
ibid. 490 b.
505
ibid. 535 c.
194

isso, Adimanto, voltei a falar, podemos afirmar que com uma educação viciosa as almas
506
mais bem dotadas se tornam particularmente ruins.” Quanto ao caráter do rei-
filósofoou, mais precisamente, quanto ao modelo ideal de humano em sua
omnilateralidade que Platão pretende formar pelo seu programa de estudos, foi descrito
com sabedoria por Werner Jaeger:

O seu „filósofo‟ não é exatamente um professor de Filosofia nem


qualquer outro representante da „Faculdade‟ de Filosofia, que se
arrogue um título destes, baseadonos conhecimentos que tem da sua
especialidade (ηεσνςδπιον). E ainda menos é um „pensador original‟,
pois não seria possível existirem simultaneamente tantos pensadores
quanto os „filósofos‟ de que Platão precisapara governar o seu Estado.
Apesar de a palavra „Filósofo‟ possuir na linguagem platônica, como
em seguida veremos, um conteúdo tão grande de disciplina dialética
da inteligência, apresenta em primeiro plano um sentimento mais
amplo e fundamental, que é o de „amante da cultura‟ designando-se
deste modo a personalidade humana altamente cultivada. Platão
concebe o filósofo como um homem de grande memória, de
percepção rápida e sedento de saber.Um tal homem despreza tudo o
que é minúsculo, o seu olhar eleva-se sempre ao aspecto global das
coisas e abarca, de uma vigia altíssima, a existência e o tempo. Não
tem a vida em grande apreço nem sente grande apego aos bens
exteriores. É estranho a ele tudo o que seja gabolice. É grande em
tudo, mas sem por isso deixar de possuir o encanto. É amigo e parente
da verdade, da justiça, da valentia, do autodomínio. 507

Esse é o tipo humano que Platão idealiza como ideal para dirigir sua
cidade, desde cedo modelado e instruído nos caminhos da justiça. Platão, ainda, nos
diálogos sobre a natureza que o filósofo precisa ter, insiste cada vez mais na
necessidade de elevar as coisas humanas para o mundo do inteligível, do bem, da
justiça, por isso diz Sócrates aos seus interlocutores: “O que é imperfeito não serve para
medir coisa nenhuma, apesar de haver muita gente que se contenta com aproximações,
sem sentir a necessidade de levar a pesquisa adiante.” 508 De acordo com as reflexões de
Sócrates, um bom dirigente deve prezar cultivar todas as virtudes possíveis, mais que
isso, deve cultivar o conhecimento de algo bom e maior, portanto superior a tudo e a
todos, que na verdade nada mais é do que a ideia do bem. Escolhido entre os melhores,
o seu pupilo em nada deve ser inferior aos demais filósofos. Sua formação, seus
estudos, seu currículo deve direcioná-lo para o ápice da excelência, agindo em
consonância com o saber, com as virtudes, com a justiça, assim direcioná-lo para o

506
PLATÃO. A República. 492 e.
507
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 848.
508
PLATÃO. A República. 504 c.
195

verdadeiro Bem. Adimanto quer ouvir de Sócrates o que é o Bem, ou, o que é o
verdadeiro Bem. Sócrates responde:

Já me ouviste, em várias ocasiões, dizer que a ideia do bem constitui o


mais elevado conhecimento, e que na medida em que dela participam
são úteis e vantajosas a justiça e as demais virtudes. Neste momento
deves saber que vou dizer-te isso mesmo, com acréscimo de que não a
conhecemos bem e que sem isso de nada nos servirá o conhecimento
de todo o resto, por mais perfeito que seja, como inútil nos seria
possuir tudo, porém, com exclusão do bem. Ou acreditas que tenha
algum valor a posse do que quer que seja, se não adquirirmos o bem?
Ou conhecer tudo sem o bem, sem conhecermos nada belo nem bom?
509

A ideia de Bem para Sócrates é em primeiro lugar uma questão de


investigação, para tanto ele insiste em dizer que o indivíduo humano a conhece pouco.
Em Platão, o ato de conhecer – o conhecimento, e a educação, destarte, a paideia, se
entrelaçam e, necessariamente juntas, dão ao indivíduo uma nova configuração. A
virtude se identifica com o conhecimento, com a justiça, com a verdade e com a ordem
e com o bem, categorias essas que representam os valores fundamentais e centrais da
concepção de uma cidade que pretende ser perfeita e ordenadamente justa. A ideia do
Bem supremo dá um direcionamento final para a construção da cidade justa e
politicamente ordenada, cuja ideia suprema de Bem deve ser buscada e vivida na
realidade, pois é nesse sentido que Platão se apresenta pelas palavras de Sócrates:

Ora, o que comunica a verdade aos objetos conhecidos e ao sujeito


cognoscente a faculdade de conhecer, podes afirmar que é a idéia do
bem; é a fonte primitiva do conhecimento e da verdade, tanto quanto
estes podem ser conhecidos; mas, por mais belos que sejam ambos, o
conhecimento e a verdade, se admitires que muito mais belo é esse
outro elemento – a idéia do bem – terás pensado com acerto.
Conhecimento e verdade: assim como há pouco nos foi lícito admitir
que a luz e a visão têm analogia com o sol, porém que seria erro
identificá-los com ele, agora podemos considerar o conhecimento e a
verdade como semelhantes ao bem, sem que nenhum, no entanto,
possa ser como ele identificado, pois a natureza do bem deve ser tida
em muito maior apreço. 510

O caráter educativo dessa passagem é a explicação mais plausível sobre


o conceito de Bem que Platão formula e que, no entanto, para se distinguir a

509
PLATÃO. República. 505 a - b.
510
ibid. 509 a.
196

importância e a pertinência do Bem na existência humana, não é necessariamente


preciso previamente determinar a sua essência. O plano educativo de Platão ou, mais
exatamente o processo pedagógico, não é um plano acabado ou pronto, ele se encontra
num certo inacabamento, cabendo discípulos e mestres cultivarem cotidianamente os
princípios e categorias que abarcam a formação do homem por inteiro. O pano de fundo
que assegura a distinção entre a ciência e a opinião vai se desenvolver, sobretudo, no
livro sétimo da A República, onde Platão desenrola finalmente seu programa educativo.
É exatamente no sétimo livro da A Republica que Platão condensa quase toda a sua
ideia sobre o sentido educativo de seu programa, ao fazer a analogia ao mundo
subterrâneo de uma caverna. Antes de apresentar o programa de estudos aos seus
interlocutores, Sócrates, para explicar com maior exatidão a complexidade da ideia de
bem, faz comparação com o sol. De acordo com ele, o sol ilumina o planeta, as plantas,
os seres, enfim, ilumina o mundo, sem ele, o indivíduo não tem acesso à realidade da
vida, sem o sol o indivíduo não pode enxergar nada. É a luz do sol que ilumina os
objetos para que esses possam ser conhecidos. O sol é a intermediação primeira entre os
objetos e os olhos. Afirma ele, “A vista não é o sol; nem ela nem a parte em que ela se
511
encontra e que denominamos olho.” Portanto, Sócrates procura fazer com que seus
interlocutores comessem a entender que o que é o sol no mundo visível, não é o bem no
mundo inteligível.
A ideia do Bem, de acordo com ele, ilumina a capacidade de reflexão,
logo, ilumina e aclara a inteligência. Paulatinamente, Sócrates vai conduzindo seus
interlocutores para um diálogo estritamente educativo: “[...] o sol, como dirás, não
somente empresta às coisas visíveis a faculdade de serem vistas, como também a
geração, o crescimento e a alimentação, muito embora ele mesmo não seja geração.” 512.
Assim, o sol é fonte de vida, sem ele é impossível o crescimento e desenvolvimento dos
seres. Sócrates explica a ideia do Bem, assim como o sol é a fonte a vida, o Bem é a
fonte da vida do mundo inteligível.
Também nos diálogos em O Banquete, Platão, novamente pelas palavras
de Sócrates, porém agora dialogando com o personagem Alcibíades (450 – 404 a. C.),
enquanto refletiam sobre a questão do amor, também já identificava essa realidade de –
olhar com a vista e olhar com a alma. Naquela ocasião, Sócrates confirmava para seu
interlocutor. “Em verdade, a visão do pensamento começa a enxergar com agudeza

511
PLATÃO. A República. 508 b.
512
ibid. 509 b.
197

513
quando a dos olhos tende a perder sua força; tu, porém, estás ainda longe disso.”
Essas duas realidades investigadas por Platão estão relacionadas com a vista e com a
alma, logo se relacionam com o visível e com o invisível. Ver com a alma os valores: o
belo, o bom, o justo, enfim, aquilo que não pode ser visto – com os olhos – invisível.

Dirás, por conseguinte, continuei, que este sol é que eu denomino


filho do bem, gerado pelo bem com sua própria imagem, e que no
mundo visível está nas mesmas relações para a vista e as coisas vistas
com o bem no mundo inteligível para o entendimento e as coisas
percebidas pelo entendimento. 514

Assim, por um lado, como a luz do sol, como o clarão do dia ilumina os
objetos para que possamos enxergar, por outro, ao contrário, sem a luz do sol, não
podemos enxergar. Assim acontece com a visão da alma. O invisível de que nos fala
Platão é o contrário do visível, esse proporcionado pelo sol, por sua vez, o invisível só
poderá ser percebido e proporcionado pela visão intelectual, assim, é o conhecimento
que auxilia a visão da alma, é o saber que o aclara, é a educação que direciona e orienta
a visão da alma, aqui está a verdadeira separação entre: ver com a vista e ver com a
alma, e portanto, é o que justifica e orienta o individuo separar a opinião do
conhecimento.
Aqui está o divisor de águas, entre a opinião – a doxa e as ciências. Na
filosofia de Platão o pensamento, a reflexão, a racionalidade orienta sempre mais as
ciências. A opinião está no mundo da efemeridade, do passageiro. Fazer essa distinção
não é uma tarefa simples de trilhar, ao contrário: “Se Sócrates foi o primeiro grande
educador da história, Platão foi o fundador da teoria da educação, da Pedagogia.” 515

2.3 A caverna e a conversão.

Como afirmamos tantas vezes, Platão conhece a realidade da polis, sabe


da existência da corrupção, não desconhece a demagogia dos políticos de sua cidade.
Ele quer salvar e regenerar a cidade. Lança mão de sua mais significativa filosofia: a

513
PLATÃO. O Banquete. 219 a.
514
PLATÃO. República. 508 c.
515
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980.
198

educação. O mito ou alegoria da caverna que ele apresenta aos seus discípulos não é um
mito novo, não é uma coisa de outro mundo, ao contrário, essa alegoria em certo
sentido, já estava presente a partir de uma conotação religiosa e mística da época.
Inicialmente as respostas que os homens tinham sobre sua existência, sobre a origem do
universo, do cosmos, dos deuses, eram respostas constituídas por explicações míticas.
As respostas míticas são explicações que podem orientar a fantasia, embora não sejam
verdadeiras. Platão sabe disso perfeitamente. Do ponto de vista da alegoria da caverna,
expressa Bernard Piettre: “Trata-se de um tema que não é novo. Sem dúvida, na obra de
Platão, mas no pensamento grego, por detrás do qual há toda uma história que Platão
516
não desconhecia [...]. ” Nessa perspectiva, seu projeto é logo compreendido pelos
seus. O processo pedagógico de seu programa é revestido da cultura de seu povo. Platão
propõe uma formação única, específica para os seus guardiões. Além dos tradicionais
ramos de conhecimento: a música e ginástica, ele agora contempla outros: a geometria,
o cálculo, a astronomia, a dialética, portanto, a filosofia. Daí nasce uma cultura especial
para a formação do pupilo. Logo no início do livro sétimo de A República, Platão, por
meio de seu personagem, Sócrates convida seu interlocutor Glauco a imaginar esta
cena:

I _ Depois disso continuei, compara nossa natureza, conforme seja ou


não educada, com a seguinte situação: imagina homens em uma
morada subterrânea em forma de caverna, provida de uma única
entrada com vista para a luz em toda a sua largura. Encontram-se
nesse lugar, desde pequenos, pernas e pescoço amarrados com
cadeias, de forma que são forçados a ali permanecer e a olhar apenas
para frente, impossibilitados, como se acham, pelas cadeias, de virar a
cabeça. A luz de um fogo aceso a grande distancia brilha no alto e por
trás deles; entre os prisioneiros e o foco de luz há um caminho que
passa por cima, ao longo do qual imagina agora um murozinho, à
maneira do tabique que os pelotiqueiros levantam entre eles e o
público e por cima do qual executam suas habilidades.
Figuro tudo isso, respondeu.
Observa, então, ao comprido desse murozinho homens a carregar toda
sorte de utensílios que ultrapassam a altura do muro, e também
estátuas e figuras de animais, de pedra ou de madeira, bem como
objetos da mais variada espécie. Como é natural desses carregadores,
uns conversam e outros mantêm-se calados.
Imagens muito estranhas, disse, como também os prisioneiros de que
falas.
Parecem-se conosco, respondi. Para começar, achas mesmo que, em
semelhante situação, poderiam ver deles próprios e dos vizinhos

516
N.T. In: PLATÃO. A República livro VII. op. cit. p. 90.
199

alguma coisa além da sombra projetada pelo fogo, na parede da


caverna que lhes fica em frente?
De que jeito, perguntou, se a vida inteira não conseguem mexer a
cabeça?
E com relação aos objetos transportados, não acontecerá a mesma
coisa?
Como não?
Logo, se fossem capazes de conversar, não acreditas que pensariam
estar designando pelo nome certo tudo o que vêem?
Necessariamente.
E se no fundo da prisão se fizesse também ouvir um eco? Sempre que
falasse alguma das estátuas, não achas que eles só poderiam atribuir a
voz às sombras em desfile?
Sim, por Zeus! Exclamou.
De qualquer forma, continuei, para sempre semelhante gente a
verdade consistiria apenas na sombra dos objetos fabricados.
É mais do que certo, respondeu. 517

Após ter narrado essa primeira parte da alegoria, Platão esclarece que é
necessário aplicar essa alegoria a tudo o que foi dito até então. Essa situação paralisada,
adormecida, enternecida, e carcerária dos indivíduos no interior da caverna
analogicamente é uma comparação à situação existencial dos indivíduos no mundo.
Essa situação existencial não pode ser resolvida sem drama. Até então, se
imaginássemos a cena descrita por Platão, saberíamos que aqueles prisioneiros só
podem enxergar sombras e penumbras, mesmo porque todos os indivíduos ali presentes
estão na escuridão. De acordo a alegoria de Platão, a imagem das estátuas é projetada na
parede da caverna tendo em vista o foco de luz que advém da parte superior da caverna.
Nessa mesma dinâmica, se um dos prisioneiros consegue dali sair, e assim, ver a luz do
sol, certamente aos retornar para o interior da mesma, onde seus companheiros
continuam ali, presos e amarrados, ele sem dúvida se deparará com uma realidade
diferente. Essa é a primeira ideia que Platão quer mostrar. Depois ele prossegue com
sua história:

Considera agora, lhe disse, quais seriam as consequências da


libertação desses homens, depois de curados de suas cadeias e
imaginações, se as coisas se passassem do seguinte modo: vindo a ser
um deles libertado e obrigado imediatamente a levantar-se, a virar o
pescoço, andar e olhar na direção da luz, não apenas tudo isso lhe
causaria dor, como também o deslumbramento o impedira de ver os
objetos cujas sombras até então ele enxergava. Como achas que
responderia a que, lhe afirmasse que tudo o que ele vira até ali não
passava de brinquedo e que somente, agora, por estar mais próximo da
realidade e ter o rosto voltado para o que é mais real é que ele via com

517
PLATÃO. A República. 514 a.
200

maior exatidão; e também se o interlocutor lhe mostrasse os objetos, à


medida que fossem desfilando, e obrigasse, à custa de perguntas, a
designá-los pelos nomes? Não te parece que ficaria atrapalhado e
imaginaria ser mais verdadeiro tudo o que ele vira até então do que
quanto naquele instante lhe mostravam?
Muito mais verdadeiro, respondeu.
II _ E no caso de o forçarema olhar para a luz, não sentiria dor nos
olhos e não correria para junto das coisas que lhe era possível
contemplar, certo de serem todas elas mais claras do que as que lhe
então apresentavam?
É isso mesmo, disse.
E agora, perguntei; se o arrastassem à força pela rampa rude e
empinada e não o largassem enquanto não houvesse alcançado a luz
do sol, não te parece que sofreria bastante e se revoltaria por ver-se
tratado daquele modo? E depois de estar no claro, não ficaria com a
vista ofuscada, sem enxergar nada do que lhe fosse, então, indicado
como verdadeiro?
De fato, respondeu; pelo menos no começo.
Precisaria, creio, habituar-se para poder contemplar o mundo superior.
De início, perceberia mais facilmente as sombras; ao depois, as
imagens dos homens e dos outros objetos refletidos na água; por
último, os objetos, e no rasto deles, o que se encontra no céu e o
próprio céu, porém sempre enxergando com mais facilidade durante a
noite, à luz da lua e das estrelas, do que de dia ao sol com todo o seu
fulgor.
Não há dúvida. 518

Continuando nesse mesmo entendimento, e se os prisioneiros também


fizessem a mesma experiência? O que Platão quer demonstrar com essa história? Não é
senão mostrar que a realidade pode ser percebida pelo mundo sensível e pelo mundo
inteligível? As sombras são as aparências sensíveis das coisas que os indivíduos
percebem. Platão quer alertar que o individuo deve olhar as coisas para além das
aparências. Em relação ao projeto educativo do rei-filósofo, significa que esse dirigente,
na qualidade de governante da pólis, precisa superar o mundo sensível, logo, superar as
aparências, as crenças, a ignorância, a irracionalidade, enfim, o mundo das opiniões,
tendo em vista atingir o mundo inteligível.
A caverna para Platão representa o mundo dos sentidos, e o fora dela, – o
dia legítimo: o exterior, o dia claro, representa o mundo do inteligível. Estes dois
mundos – sensível e inteligível, também representam as diferentes etapas da educação
do pupilo de Platão, bem como sua progressão rumo ao conhecimento e ao Bem. Tendo
ele chegado ao ápice de seus estudos, embora continue sempre essa caminhada, ele
deverá governar em prol da cidade. Por isso, Platão deixa evidente que seria preciso não
somente entender o sentido da alegoria, mas aplicar na vida prática esses
518
PLATÃO. República. 515 c.
201

conhecimentos. Em outras palavras, é preciso aplicar esse sentido à educação. Diz o


personagem Sócrates na alegoria: “[...] a educação não é o que muitos indevidamente
proclamam, quando se dizem capazes de enfiar na alma o conhecimento que nela não
519
existe, como poderia dotar de vista os olhos privados da prisão.” Isso significa dizer
que a educação não consiste em empurrar na alma um monte de conteúdos de fora para
dentro, a paideia platônica ou, mais precisamente, a concepção educativa de Platão, não
é algo que se acrescenta ao guarda da pólis, não é algo que vem de fora para dentro, mas
sim, é alvo de escolha. Platão nos convida a voltar os olhos para a educação e a ela
converter-se. Isso significa deliberar sobre ela. Portanto, essa transposição que o
prisioneiro da caverna faz – do interior para o exterior, não é, senão, ascensão, o que
significa: elevar-se. Sair da caverna é, ao mesmo tempo, a passagem da escuridão para a
claridade, do obscuro à luminosidade. O interesse principal de Platão é evidenciar a
descoberta e a progressão do mundo intelegível – superior. Isto, não acontece de um dia
para o outro. O sol que Platão faz analogia em A República é em certo sentido é a causa
de tudo que existe no mundo visível. “Finalmente, segundo penso, também o sol, não na
água ou sua imagem refletida em qualquer parte, mas no lugar certo, que ele poderia ver
520
e contemplar tal como é mesmo.” Portanto, se o Bem é a causa de tudo, nesse
sentido, no mundo visível, sem dúvida, reflete o mundo intelegível. O guardião da pólis
precisa apreender a fazer esse itinerário. Podemos ler em A República:

Considera também o seguinte, lhe falei: se esse indivíduo baixasse de


novo para ir sentar-se em seu antigo lugar, não ficaria com os olhos
obnubilados pelas trevas, por vir da luz do sol assim tão de repente?
Sem dúvida respondeu. E se tivesse de competir outra vez a respeito
das sombras com aqueles eternos prisioneiros, quando ainda se
ressentisse da fraqueza da vista, por não se ter habituado com o escuro
- o que não exigiria pouco tempo – não se tornaria objeto de galhofa
dos outros e não diriam estes que o passeio lá por cima lhe estragara a
vista e que não valia a pena sequer tentar aquela subida? E se
porventura ele procurasse libertá-los e conduzi-los para cima, caso
fosse possível aos outros fazer uso das mãos e matá-lo, não lhe
tirariam a vida? Com toda certeza, respondeu. 521

O sair da caverna não pode ser entendido como se fosse um passe de


mágica, como se tudo pudesse ser transformado de um dia para o outro, não podemos
negar que as incertezas das sombras, as incertezas da realidade, essa ascensão, é

519
PLATÃO. República. 518 c.
520
ibid. 516 b.
521
ibid. 516 b.
202

realizada aos poucos, a partir da educação, do tempo, do saber, do conhecimento, do


estudo, da reflexão, da orientação e, vagarosamente, o prisioneiro vai se libertando das
amarras e contemplando o inteligível. Em outras palavras, podemos dizer que o pupilo
de Platão deverá recusar o mundo da obscuridade das opiniões para voltar-se para a
luminosidade da verdade, esse é o primeiro passo a ser dado: é necessário desamarrar-se
dos sentidos. Mas esta empreitada é uma situação árdua, não é fácil nem simples, ela
não acontece de um dia para o outro, muito menos acontece no mundo da tranquilidade,
da passividade, da facilidade e das ilusões, a educação, ao contrário, é trabalho
ininterrupto, de dedicação contínua.
Em educação essa situação consiste em a ela voltar-se durante toda a
vida. Se a vida inteira, amarrados e aprisionados, os encarcerados foram habituados a
não mexerem a cabeça, são forçados constantemente a permanecerem olhando para
frente e nem podem virar a cabeça. Por sua vez, Platão parece conhecer bem a realidade
humana, sobretudo a realidade humana de sua pólis, ao fazer essa analogia ele sabe que
a conversão é difícil e dolorosa e embaraçante. Sua paideia é uma constante conversão
ao sentido do Belo, do Bom e do Bem. “Por este caminho atingir-se-a a essência (óusia)
da justiça, da Beleza, da Bondade, que configura o logos, o saber de ordem mais
elevada.” 522 A ascensão ou a subida do interior da caverna é para Platão o encontro da
alma com o mundo do inteligível, que é diferente do sensível, o mundo inteligível não é
o mundo das aparências, daquilo que se vê numa primeira vez, e sim, é aquela esfera
ligada aos vários graus do conhecimento e que, portanto, é distinto das meras opiniões,
das crenças, do falatório.
Expressa Platão, “[...] a educação não será mais do que a arte de fazer
essa conversão [...] ” 523 ; de acordo com o pensamento de Platão, o pupilo, deve ser
formado nessa prerrogativa, vista ele já possui, porém está mal orientada, sua vista não
está olhando para o que se deve olhar, e só a educação pode promover essa mudança. A
concepção educativa platônica tem a finalidade de dirigir a vista do pupilo para onde se
deve. Portanto, será preciso virar a cabeça para longe dos percalços, da mentira, das
coisas sensíveis e perecíveis, dos erros, do mundo material, em suma, para outra
direção. Esse processo começa na infância do pupilo. Os legítimos filósofos deixam de
lado as coisas efêmeras e banais, se tornam “[...] filósofos e amigos da sabedoria os que

522
NUNES César Aparecido. op. cit. 1999. p.65.
523
PLATÃO. A República. 518 d.
203

524
se comprazem com a essência das coisas, não amigos da opinião.” , isto é, os
filósofos descartam de sua amizade as opiniões. São, entretanto, amantes do saber.
Sair do cárcere, das cadeias, das amarras significa e simboliza a
libertação. Mais uma vez reafirmamos: se a tarefa do rei-filósofo é governar as cidades
para o Bem, para a Beleza e para Bondade, então esse afortunado, enquanto governante
da pólis, deve priorizar e conhecer o mundo do Bem. Sua tarefa consiste sempre em
fugir da aparência, do efêmero, da irracionalidade, da mesquinharia, da mediocridade,
da insignificância, do banal e, assim, chegar ao mundo do inteligível, da inteligência e
do pensamento, daquilo que é ordenado, justo e ético. Expressa Platão o sentido da con
versão. “Evidentemente, não é a mesma coisa que virar uma valva de ostra; trata-se da
conversão da alma, de um dia, por assim dizer, noturno, para a subida ao dia legítimo do
ser.” 525 Isso é o que Platão entende como a verdadeira filosofia, isto é, converter a alma
para o conhecimento, para o Belo, para o Bom, portanto, para o Bem. Sobre isso, Werner
Jaeger acrescenta:

A última coisa que na região do conhecimento puro da alma aprende a


ver, „com esforço‟, é a idéia de Bem. Mas uma vez que aprende a vê-
la tem necessariamente de chegar à conclusão de que essa idéia é a
causa de tudo o que no mundo existe de belo e de justo, e de que
forçosamente deve tê-la contemplado quem quiser agir racionalmente
tanto na vida privada como na vida pública.526

Platão fazendo analogia às cadeias e correntes que prendem a cabeça do


prisioneiro, de modo a permanecer sempre virado para frente, nos orienta que é preciso
girar o pescoço ao virar a cabeça, só assim o prisioneiro pode dar o primeiro passo ao
processo de libertação. O ato de ver com a vista e o ato de ver com a alma é justamente
o que separa a opinião da ciência.
A concepção educativa de Platão é norteada por uma série de disciplinas
que poderão auxiliar o pupilo a desenvolver essa nova etapa educativa – a passagem do
sensível para o inteligível. Assim, nessa etapa da investigação Platão coloca na boca de
seu personagem Sócrates, a continuidade da proposta pedagógica, tendo passado pelo
estudo da música, pela ginástica, tendo estudado a geometria, a matemática, a
astronomia, chega-se ao estudo da dialética. Essas primeiras ciências são propedêuticas
e, portanto, têm finalidade preparatória, e de certo modo revela o mundo do inteligível.
524
PLATÃO. A República. 480 a.
525
ibid.521 c.
526
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.885.
204

Afirma ele: “Assim, a Aritmética, a Geometria e os demais ramos do conhecimento que


servem de propedêutica à Dialética terão de ser-lhes ministrados na infância, porém sem
527
que o sistema pedagógico se ressinta do menor constrangimento.” Para entender
obviamente a concepção educativa de Platão é necessário também situar o ciclo de
estudos do programa platônico. Como já vimos anteriormente, ele começa muito antes
do nascimento do futuro filósofo, a educação é pensada em movimento progressivo e
contínuo, conforme também salientamos anteriormente. A seletividade é drástica e
violenta, esse ciclo culmina propriamente os estudos filosóficos, para que o melhor de
todos os guardas – aquele perfeito, formado no corpo e na alma, possa assumir as
tarefas do poder, da pólis. De acordo com Platão, após o período da infância e
adolescência o ciclo de estudo caminha para uma nova etapa. O ciclo muda aos
dezessete anos, esse período pode ser caracterizado por uma nova etapa, a fase da
efebia, ou mais precisamente, a educação militar. Após a seleção, os melhores, os
poucos eleitos, os afortunados, após os vinte anos entram no ensino superior. A
geometria, a aritmética são disciplinas que vão preparando cada vez mais os pupilos,
para que esses possam exercer a verdadeira educação, que não é senão a paideia
filosófica.
Educados e cada vez mais instruídos na dialética na filosofia, aos poucos
os escolhidos vão chegar ao verdadeiro conhecimento filosófico, que na verdade é
educativo por sua própria natureza. Com dedicação, empenho, desenvoltura, estudar
interruptamente é tarefa dos afortunados. Livre de qualquer outra preocupação, o
escolhido deve “[...] cultivar a mente, como antes fora feito com os exercícios físicos,
528
porém, agora, num período de anos duas vezes mais.” O sobrevivente ou escolhido
de quem fala Platão aos cinquenta anos chega ao ápice dos estudos, mas essa educação
continua por durante a vida toda.

Atingidos os cinquenta anos, os que sobreviverem e, por vários


modos, se tiveram distinguido com galhardias nas ocupações práticas
e nos diferentes ramos do saber, serão finalmente conduzidos à meta,
obrigados a abrir os olhos da alma e a dirigi-los para o ser que dá luz,
a todas as coisas; depois de contemplarem o bem em si, tomá-lo-ão
como modelo para dirigir a contento a cidade, os participantes e a eles
próprios o resto da vida, cada um por seu turno, de forma que
dediquem à Filosofia a maior parte do tempo; porém, uma vez
chamados, terão de ser entregar-se às labutas políticas, com

527
PLATÃO. A República. 536 d.
528
ibid. 539 e.
205

assumirem sucessivamente a direção dos negócios públicos, sem


imaginarem que com isso praticam alguma ação excelente, mas
apenas um dever inadiável; e depois de haverem educados em
intermitência tantos concidadãos, de acordo com seus próprios
modelos, e de deixá-los como guardas da cidade, passarão a habitar a
Ilha dos Bem-aventurados. Como a demônios, a cidade instituirá em
sua memória monumentos e sacrifícios públicos, no caso de o
confirmar o oráculo pítico ou, quando não, como a almas bem-
aventuradas e divinas. 529

Portanto, a concepção educativa platônica envolve toda a tradição e a


cultura da pólis e ao mesmo tempo procura a dequar seus princípios educativos para a
pólis. O novo tema proposto está ligado às diferentes formas de dirigir uma cidade e
seus possíveis tipos de humanos criados a partir de suas constituições. Conforme já
sabemos, a cidade perfeita só poderá existir se tiver dirigentes capazes, dirigentes
filósofos no poder. O itinerário da reflexão caminha na intenção de compreender as
formas de governo e como são elas instituídas. Sobre as constituições, Platão elenca as
mais evidentes de sua época, são elas: a timarquia, a democracia, a oligarquia e
finalmente a tirania, essa última, na concepção de Sócrates, é uma das piores formas. A
partir daí, ele, juntamente com os interlocutores, examinam e investigam cada
constituição em particular. Tendo as características e especificidades de cada uma, eles
procuram nela descobrir o paradeiro do homem justo e injusto, assim remontam
novamente o discurso iniciado no primeiro livro, voltam eles ao ponto inicial do
diálogo, naquela ocasião transmitido pelo personagem Trasímaco.
Nesse ínterim, Platão fala e informa sobre as constituições de seu tempo,
e sobre os tipos de indivíduos que a essas se assemelham. Adota uma linha de reflexão
bastante irônica, tipicamente de Sócrates, realmente as palavras agora passam a ter uma
tonalidade extremamente crítica, pautadas de ironia. Mesmo porque, como aludimos nas
nossas palavras introdutórias, Platão parece ter se desentendido seriamente com alguns
de seus parentes políticos, ele conhece bem o caminho por onde está palmilhando.
As formas de governo são examinadas não somente a partir da esfera
pública, mas a partir da esfera individual, isto é, do ponto de vista da formação do
indivíduo. Platão, pela boca de seu personagem Sócrates, comenta sobre a falta de uma
investigação mais sistematizada sobre a realidade do indivíduo e de acordo com ele será
preciso primeiro verificar a questão dos apetites, isto é, dos desejos, das vontades que
estão presentes no interior da alma humana. Os apetites, os desejos, diz o personagem

529
PLATÃO. A República. 540 a - c.
206

530
Sócrates, “De fato, nascem com o homem; [...]” , sim, os apetites e desejos fazem
parte e estão presentes em todos os indivíduos, de alguma forma esses desejos, esses
apetites, ora impõem-se sobre o indivíduo, ora, o indivíduo os comanda. Na visão de
Sócrates isso é uma coisa natural, é uma predisposição presente no interior de cada um:
os desejos, os apetites, as necessidades quando praticadas ao extremo vão dar origem à
tirania, por isso ele recorda o ponto inicial do debate, lembra ele, das palavras de
Glauco.

Não é difícil, me disse; depois de completares a descrição da cidade,


falaste mais ou menos como agora, que consideravas excelente uma
cidade nos moldes da que acabavas de descrever, assim como o
indivíduo que se lhe assemelhasse, muito embora, ao que parece, te
fosse possível apresentar uma cidade e um homem de maior beleza.
Disseste mais: que se essa forma de governo fosse a verdadeira todas
as outras, seriam defeituosas. 531

Por isso, Platão vai investigou os tipos de constituições e, ao mesmo


tempo, analisou os tipos de humanos que essas constituições produzem. Ele lembra e
fala das mais diversas constituições e respectivas cidades, lembra ele do elogio que os
cidadãos da pólis, faziam à constituição de Creta e à da Lacedemônia, mas também
recorda daquelas constituições inadequadas e assim investiga os indivíduos que a elas se
assemelham, “[...] precisamos considerar os tipos inferiores, os contenciosos e os
ambiciosos que correspondem à constituição da Lacônia e passar para os outros tipos.”
532

No plano individual, o homem justo e bom está ligado ao governo


aristocrático, como forma perfeita e justa de vida, a aristocracia é a pedra de toque, o
paradigma, a referência primeira, tanto para a construção da pólis como para a formação
e existência do indivíduo. Conforme sua própria investigação, ele afirma, “Já
discorremos a respeito do indivíduo que se assemelha à aristocracia, e concluímos que
533
deverá ser bom e justo.” Embora, tendo já demonstrado os demais modelos de
constituições inferiores ou, mais precisamente, as constituições até então corrompidas.
A intenção de Platão é rever e refletir os equívocos de cada uma delas e, de forma
definitiva, demonstrar aos seus interlocutores que todas elas regridem em relação à

530
PLATÃO. A República. 571 b.
531
ibid.543 d.
532
PLATÃO. República. 545 a.
533
ibid. 544 e.
207

questão dos valores, tendo em vista a construção da cidade, do Estado perfeito. As


constituições não aparecem do nada, muito menos “[...] nascem dos carvalhos ou das
534
pedras [...]” , cada constituição, cada norma, cada lei, vai nascer dos costumes, dos
hábitos provenientes das mais diversas culturas, nasce a partir de cada costume, de cada
hábito que o indivíduo pratica, portanto as constituições nascem “[...] dos costumes dos
cidadãos [...]” 535 e a esses estão sempre inclinadas.
De todas as constituições existentes na sua época, a mais terrível e
inoportuna é a tirania. Ao indivíduo que pertence a essa constituição, ele o apresenta aos
seus interlocutores como o indivíduo mais belo e feliz, uma vez que esse pratica a
tirania. Assim, ele procede da mesma forma em relação à constituição corrompida e
536
tirânica: “[...] é a bela e sedutora a raiz de onde brota a tirania.” No seu
entendimento, nascida a partir da democracia, a tirania se impõe a partir da violência
dos desejos obcecados e desenfreados de um individuo. Daí deriva a tirania, o indivíduo
não justo, o mais ambicioso vai escravizar a cidade toda, vai contaminar todos os
demais indivíduos. Quanto ao governo oligárquico, Platão já o havia definido como
aquela forma de governo que tem por objetivo acumular riquezas, onde apenas os ricos,
os abastados e afortunados podem gerir a cidade, dessa forma. A oligarquia é uma
espécie de plutocracia. Platã investiga a origem da tirania e a sua ironia está presente em
todas as suas palavras.

Só nos resta, continuei, dissertar acerca da mais bela forma de


governo e do mais belo homem: a tirania e o tirano.
Perfeitamente.
Vejamos, então, meu caro companheiro, como nasce a tirania. Sua
origem democrática é mais do que evidente.
Sem dúvida.
A passagem da democracia para a tirania não se fará da mesma forma
que a da oligarquia para a democracia?
De que jeito?
Acumular riquezas não foi o bem a que os cidadãos se propuseram e
de que resultou a oligarquia? Ou não?
Certo.
Depois do desejo insaciável de riqueza e do descaso de tudo o mais,
senão tão-somente ganhar dinheiro, proveio a ruína da oligarquia.
Exato.
E o que destruiu a democracia, não foi a avidez do bem que ela a si
mesma propusera?
Qual foi o bem a que ela propôs?

534
PLATÃO. A República. .544 e.
535
ibid. 544 e.
536
ibid. 563 e.
208

A liberdade, lhe disse. A esse respeito ouvirás dizer nas cidades


democráticas que é o mais belo de todos, o único que em qualquer
cidade dignifica a vida do homem livre.
É certo, me falou; é a frase que se ouve a cada momento. 537

Essas as palavras de Platão ditas por Sócrates. Poucos anos mais tarde,
em Roma, o filósofo Cícero vai descrevê-las fazendo alusão também à tirania reinante
em sua época: enfatiza o filósofo romano, expressa, “[...] que, conforme escreve Platão,
538
se nos apresenta nos diálogos peripatéticos de Sócrates.” , a questão da liberdade,
quando mal orientada pelos dirigentes do povo, só pode trazer consequências
inadequadas, por vezes desastrosas, de acordo com o filósofo romano. As palavras de
Platão são fecundas e traduzem o sentido de uma cidade sem compromisso com a
justiça. Não é novidade dizer que a liberdade é característica primeira do governo
democrático e, na verdade, a liberdade é sem dúvida o que dá graça e beleza à vida e à
existência do indivíduo. Platão sabe perfeitamente disso, conhece seu tempo, conhece
seu povo, não se fala em outra coisa nesse período a não ser em liberdade. A liberdade é
a palavra do momento. Na sequência do diálogo platônico, Sócrates acrescenta sua
própria opinião sobre as formas de governos de seu tempo.

O que eu acho é que quando uma cidade democrática sedenta de


liberdade tem a má sorte de ser servida por escanções ordinários,
embriaga-se além da conta com o vinho puro da liberdade; e sempre
que os governantes não se mostram complacentes e não deixam beber
à vontade, ela os persegue, acusando-os de criminosos oligarcas.
É, realmente, o que todas fazem, observou. [...]
A mesma doença, lhe disse, atacou a oligarquia e lhe causou a ruína,
aqui se manifesta num âmbito maior e com mais força, pela falta de
freio, até reduzir a democracia à servidão, pois é um fato que o abuso
seja do que for provoca reação correspondente, o que se verifica tanto
nas estações, nas plantas e nos corpos, como no governo das cidades.
539

A forma de governo estabelecida pela tradição socrático-platônica é a


forma aristocrática. Como já vimos, ela é distinta da timarquia e da democracia.
Sócrates recorre e identifica-se com as antigas constituições de Creta, de Lacedemônia,
vigentes nos séculos anteriores: essa forma de governo está vinculada à questão da
honra. O homem honrado é aquele que possui bens, essa ideia posteriormente vai ser
traduzida no homem que tem dinheiro, o que por sua vez vai gerar a oligarquia. Em
537
PLATÃO. A República. 562 a-b-c.
538
CÍCERO, Marco Túlio. Da República. II, 24.
539
PLATÃO. A República. 562 d -563 e.
209

relação à democracia, Sócrates entende o lado demagógico. Por isso, a aristocracia na


tradição socrático-platônica é considerada pedra de toque, e o indivíduo que a essa se
assemelha deve ser o mais belo e o melhor e o dirigente filósofo, educado, instruído
nessa paideia, é o mais perfeito. Portanto, dessa mesma forma, seus governados são
também os melhores e certamente essa constituição é a mais bela. Educados súditos são
capazes de conservar o Estado perfeito, ao contrário, o homem tirânico, súditos tirânicos
não podem realizar a verdadeira vida da pólis, pois, “[...] a rigor, o perfeito tirano só
nasce quando determinado indivíduo, ou por natureza e hábito ou por ambos os fatores,
540
se torna ébrio, amoroso e louco.” Dizendo de outra forma, esse indivíduo se deixar
levar pelos seus desejos – apetites todos que nele habitam, de modo a fazer de tudo para
satisfazê-los e acima de tudo e de todos. Assim, preso aos seus desejos, à servidão dos
apetites, esse indivíduo não pode ser recomendado ao governo, muito menos pode
governar a cidade. Sem racionalidade, sem reflexão, sem moderação, sem sabedoria,
esse indivíduo agarrado e colado ao mundo dos desejos, “[...] não há loucura nem
541
imoralidade que não esteja disposta a praticar.” Ao examinar as constituições, os
tipos de governos e seus respectivos tipos de humanos, o personagem Sócrates
reconhece o homem justo pela sua cidade. Ele e seus interlocutores chegam ao fim do
debate sobre os conceitos de justiça e injustiça. Depois de esclarecer a questão da justiça
e injustiça no interior do homem, Glauco, Polemarco, Adimanto, Sócrates e os demais
interlocutores descobrem que a justiça não é somente vantajosa para o individuo, mas
também pode ser um instrumento que possibilita uma existência equilibrada na pólis,
bem como pode proporcionar uma vida prazerosa e feliz. Diz Sócrates: “O certo, lhe
falei, é que também, sob muitos aspectos, a cidade por nos fundada é a melhor possível,
o que afirmo com vistas, principalmente, ao que dissemos a respeito da poesia.” 542
Nessa altura, Platão propõe para sua educação uma última medida, quer
ele intervir não somente na constituição da pólis, mas, sobretudo na, tradição e nos
costumes e na cultura de seu tempo. Nos diálogos em República, Sócrates retoma a
questão da poesia e dos poetas, está preocupado com os métodos de ensino. O que
Sócrates quer revelar sobre a educação e sobre o método de ensino é que: a imitação,
quando não bem praticada, não pode trazer resultados excelentes, muito menos formar
crianças e jovens adequadamente do ponto de vista moral. Quando a imitação está longe

540
PLATÃO. A República. 573 c.
541
ibid. 571 d.
542
ibid. 595 a.
210

da sua verdadeira forma, ela não exerce sua finalidade como deveria, assim ele compara
a arte de imitar a partir de algumas profissões, fala ele do ofício do carpinteiro, do
pintor, dos artistas, cujo aprendizado consiste na imitação, mesmo por que, nesse tempo,
essas profissões eram aprendidas pela arte da imitação.

Sendo assim, firmemos desde logo este ponto: todos os poetas, a


começar por Homero, não passam de imitadores de simulacros da
virtude e de tudo o mais que constitui objeto de suas composições,
sem nunca atingirem a verdade, o que também se dá com o pintor, a
que já nos referimos, o qual, sem nada entender da arte de fazer
sapatos, é capaz de pintar um sapateiro que lhe pareça bom e a
quantos desconheçam essa profissão e só percebam as cores e o
desenho. 543

Nessa passagem, Platão faz alusão ao antigo método de aprendizado da


cultura arcaica grega, recorda todos os educadores do passado, Ele critica
categoricamente também a Homero. Para fazer sua critica, ele faz alusão ao mau pintor,
pois na medida em que projeta sua pintura na moldura, ela nada parece com o original.
Assim, conforme contam as histórias, conforme será a atitude dos ouvintes. Até então,
as respostas que os educadores do mundo arcaico tinham sobre a existência humana,
sobre a origem do universo, do cosmos, dos deuses, do passado de seus descendentes
eram respostas constituídas por explicações míticas. Contavam e transmitiam a história
dos seus descendentes e heróis a serem imitados, como Ulisses, Aquiles e outros. As
respostas míticas são explicações que podem orientar a fantasia, embora não sejam
verdadeiras e Sócrates sabe disso. No caso da arte de pintar, se o pintor não imita com
perfeição, então ela só imita o simulacro, a representação. Ele imita o aparente, o
efêmero, o não o verdadeiro. E, se ele, imita sem realmente conhecer aquilo que imita,
não imita com a racionalidade, como reflexão, com o pensamento. Portanto, Sócrates
faz a crítica a cada um desses poetas e também os condena. Lê-se a interlocução de
Sócrates e Adimanto.

É o que será preciso condenar desde o início com todo o empenho,


principalmente quando a mentira não é bem contada.
Por exemplo?
Quando fazem uma descrição errônea da natureza dos deuses e dos
heróis, a maneira do mau pintor, cujo trabalho em nada se parece com
o original que se propusera retratar.

543
PLATÃO. A República. 600 a.
211

Realmente, disse; tudo isso merece, de fato, franca repulsa. [...] 544

Assim, a exemplo do mau pintor, também os poetas quando não contam,


cantam ou descrevem a realidade de modo adequado, também as crianças e os jovens
não vão aprender como deveriam. A preocupação central de Platão é de fundo moral,
que é uma questão ética. O processo pedagógico vai dificultar o andamento da
aprendizagem, pois impede o ciclo do desenvolvimento da carreira do formando,
bloqueia o processo educativo e, portanto, afasta o pupilo de Platão da verdadeira
educação.
A concepção educativa de Platão quer intervir nos costumes e na
constituição de sua cidade, busca ele uma educação nova, as fábulas e as poesias não
condizem verdadeiramente com a justiça, essa é a questão maior para Platão. A
legendária fábula do pastor de Giges referendada anteriormente é típica de um
aprendizado não ético. Se as crianças e jovens não são bem instruídos e educados de
acordo com a constituição sadia, o que deles esperar no futuro?
Investigando especificamente da formação dos guardas, como poderão
tornar-se soldados e guardiões excelentes? Como afirmamos nas palavras introdutórias
desse capítulo, Platão aproxima-se do chão da política da pólis, com os olhos
penetrantes ele vislumbra o horizonte da Justiça, do Belo, da Beleza e do Bem, na
tentativa de adequar a ajustar pela educação, sua pólis. Para Platão só a ideia do Bem é
capaz de conduzir a formação do seu pupilo. O conhecimento do Bem não é ainda o
Bem. Platão não procura definir em sentido rigoroso a ideia do Bem. “Em nenhuma das
suas obras o faz, apesar da freqüência com que elas, no final da investigação, conduzem
545
a este ponto.” Os estudos de Werner Jaeger ilustra com genialidade a ideia de Bem
em Platão.

A alma do homem é semelhante ao olhar. Se não olharmos para a


região de onde irradia com brilhantes cores a luz do dia, mas sim para
as trevas da noite debilmente iluminada pelas estrelas, o olhar pouco
vê e parece cego, como se carecesse de todo o poder visual. Quando
Hélios, porém, ilumina o mundo, é clara a sua visão e plena a sua
capacidade visual. Acontece o mesmo com a alma: quando fita o
mundo que brilha claramente com a luz da verdade e do Ser, a alma
conhece e pensa e está dotada de razão. Quando, porém, é o que está
envolto nas sombras, o que nasce e morre, que contempla, então gera

544
PLATÃO. A República. 377 e.
545
JAEGER, Werner. op. cit. p. 869.
212

simples opiniões, a sua visão é fraca, move-se por tateamentos e


assemelha-se a algo carente da razão. 546

Para Platão, a ideia do Bem é a responsável para comunicar ao nosso


intelecto o caráter da verdade dos objetos que o homem pode conhecer, haja vista que
ela é fonte primeira do conhecimento e da verdade; por essa razão, Platão coloca na
formação de seu pupilo a ideia de Bem como princípio máximo. “Dizem que o bem é a
inteligência do bem, admitindo como certo que compreendemos o que querem dizer
quando pronunciamos a palavra Bem.” 547 Conclui-se que, talvez, na filosofia educativa
de Platão encontra-se a mais expressiva e significante tentativa de educar o homem no
plano da justiça, no plano das coisas humanas. Entretanto, esse modelo educativo é
previsto para uns poucos, visando, portanto, a unilateralidade.

546
PLATÃO. A República. p.871.
547
ibid. 505 c.
213

CAPÍTULO III

A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO EM ARISTÓTELES

Naquele mundo das cidades gregas independentes e da República


romana, todos estariam de acordo com a ideia de Aristóteles quanto a
ser o homem um animal cuja finalidade consiste em viver, como
cidadão, uma vida associativa numa cidade-Estado e com a crença de
que no Estado imperam as leis, não os homens. Tão belo ideal
excluía, entretanto as mulheres, os escravos, e os estrangeiros
domiliciados e não impediu longas e sangrentas lutas em função das
quais a natureza da cidade-antiga transformou-se mais de uma vez
Ciro Flamarion.

3. 0 A metodologia do capítulo.

O objeto de estudo deste capítulo é a concepção educativa do pensamento


filosófico de Aristóteles (384 – a. C. – 322 a. C.), tendo como referência duas de suas
principais obras: Política e Ética a Nicômacos. Sobretudo, no oitavo livro da Política,
Aristóteles estabelece o escopo de sua educação – a legislação, isto é, o Estado deve
cuidar da educação. Ele examina as condições necessárias para obtenção do fim a que
ele persegue, que é senão descobrir a melhor forma de comunidade política, tendo em
vista a realização plena da vida do cidadão na pólis. Para ele, o bem da cidade é o bem
do indivíduo, e a felicidade da cidade é também a felicidade do indivíduo.
Metodologicamente, dividimos o capítulo em quatro partes, a primeira é
uma reflexão sobre a vida de Aristóteles. Podemos dizer que é um exímio investigador
e, se Platão tinha uma tedência filosófica que o deslocava para o âmbito religioso,
Aristóteles, ao inverso, tinha uma tedência que o movia para a esfera do prático, da
ciência. Ele é um dos maiores pensadores da filosofia antiga.
A segunda parte trata da escola de Estado entendida como engargo
público. Aristóteles parte do princípio de que todos os homens desejam uma vida
melhor, e não ao contrário. Por isso, ele recomenda ao legislador da pólis uma atenção
especial à educação. Seu método de estudo parte do geral para o particular, dessa forma,
214

em primeiro lugar, e declara objetivamente as funções e finalidades da cidade, ou da


cidade-Estado. A reflexão filosófica aristotélica fundamenta os pressupostos teóricos e
práticos da pólis, para ele “[...] a cidade é uma criação natural [...].” 548
A terceira parte se caracteriza pela escola de Escrita - a gramática.
Aristóteles assume a escrita como fator essencial para o desenvolvimento da formação
do indivíduo. Aristóteles, não nega o estudo das letras, “Aprender bem as letras é o
começo da sabedoria, [...].” 549 Nesse ínterim, em contrapartida ao sistema educativo da
tradição aristocrática, ele impulsiona fortemente o aspecto da gramática. Rompe
definitivamente com o sistema educativo de sua época. A escrita que Platão não
reconhece e nem dá atenção, Aristóteles coloca em primeiro plano, na esfera do quadro
educativo das matérias, Aristóteles “substituindo o costume pelo reino da lei escrita,
atribui mais a flexibilidade da inteligência, à palavra persuasiva, à utilidade e à eficácia
que à integridade ou beleza do caráter e dos costumes.” 550 De acordo com os estudos e
crítica de Mario Manacorda, no entanto, ele exclui dos jovens – os filhos dos homens
livres da pólis, qualquer conteúdo que venha instruí-los no sentido prático, -
profissional.
A quarta e última parte investiga o sentido da concepção educativa de
Aristóteles. De acordo com seus estudos, o fim a que visa todo o agir humano é a
felicidade, ninguém a escolhe por outras razões a não ser por ela própria, tida como bem
supremo realizável. A felicidade “[...] é um primeiro princípio, pois todas as outras
coisas que fazemos são feitas por causa dela, e sustentamos que o primeiro princípio é
551
causa dos bens, é algo louvável e divino.” A concepção educativa aristotélica visa
uma única meta: atingir a felicidade plena que o ser humano busca na cidade, eis aqui o
sentido total do conceito de civilidade em Aristóteles. A partir dessa ótica, o cidadão
não deve ser educado de forma desigual ou diferente dos demais cidadãos, nesse
sentido, a cidade educa o indivíduo. Para isso, ele faz distinção entre as ciências práticas
e as ciências teóricas. Aristóteles investiga a forma, a configuração, dos modos, dos
costumes dos indivíduos a se constituírem como humanos, o caráter ou a índole dos
seres humanos vivendo juntos em uma determinada sociedade.

548
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
549
MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 154.
550
VERGNIÈRES, Solange. Ética e Política em Aristóteles. Physis, ethos, nomos. Tradução. Constança
Marcondes Cesar. São Paulo: Pauluas, 1998. (Ensaios Filosóficos). p. 6.
551
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. I. 1102 a.
215

3. 1 A vida e obras.

Assim como a de Platão, poucas coisas chegaram até nós com precisão.
Nossa investigação biográfica do filósofo em grande parte está fundamentada na obra
de Diôgenes Laêrtios, (200 a 250 a.C.) que chegou até nós – Vidas e doutrinas dos
filósofos ilustres do século (III a. C.). Assim como Homero foi reconhecido como
autoridade poética da Antiguidade, Aristóteles, “[...] foi esse tipo de autoridade na Idade
552
média, para a qual ele era <o filósofo>; [...].” Platão entendia a ideia como forma
primeira de investigação; Aristóteles via a substância – entendida como realidade,
como o primeiro objeto de pesquisa. „Depois dele, afirma Cesar Nunes, “[...] a filosofia
grega feneceu e perdeu seu esplendor. [...].” 553
A vida desse filósofo, coincide com a crise e o declínio de Atenas. Sobre
isso, comenta Finley, “Aristóteles e a pólis clássica morrem aproximadamente na
mesma altura.” 554 É considerado também um dos maiores pensadores do ocidente, visto
que sua reflexão, seus escritos e, sobretudo, seu pensamento, “[...] desafia até hoje a
compreensão dos estudiosos e teve uma imensa repercussão sobre o desenvolvimento de
toda a filosofia ocidental, que não cessa de voltar aos temas e questões propostas por
555
ele”. De acordo com Diôgenes Laértios, ele “[...] era o discípulo mais autêntico de
556
Platão, [...]” Conhecido e também denominado, Estagirita, por ser proveniente da
cidade de Estagira, atual Stava, situada aproximadamente umas duzentas milhas ao
norte da Grécia. Aristóteles nasce no ano de 384 a. C. De acordo com Mario da Gama
Cury, “A principal fonte para a biografia de Aristóteles é o livro V da Vida dos
Filósofos de Diôgenes Laértios, que viveu na primeira metade do século III d. C., mas
557
usou fontes muito mais antigas, hoje perdidas.” Sobre as circunstâncias do
nascimento de Aristóteles, Diôgenes Laértios relata:

552
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.101.
553
NUNES Cesar Aparecido. As origens da articulação entre Filosofia e Educação: matrizes conceituais e
notas críticas sobre a paideia antiga. In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.). Pesquisa em Educação:
história, filosofia e temas transversais. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75
(Coleção HISTEDBR). p. 66.
554
ibid. p.116.
555
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. Aristóteles. A plenitude como horizonte do ser. São Paulo:
Moderna, 1994. p. 20.
556
LAÊRTIS, Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução o Grego, Introdução e
Notas. Mario da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998. (Coleção Biblioteca UnB). p.129.
557
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.6.
216

Aristóteles, filho de Nicômacos e de Faistis, nasceu em Stágeira.


Nicômacos descendia de Nicômacos, filho de Macáon, e neto de
Asclépios, (...) como diz Hêrmipos em sua obra sobre Aristóteles, e
morava na corte de Amintas, rei da Macedônia, na qualidade de
médico e amigo do rei. 558

Em relação à sua primeira educação, também pouco se conhece. Afirma


Faria que, “Seus pais morreram cedo e Aristóteles foi, segundo a tradição, criado por
559
um tio na cidade de Atarneu, colônia grega situada na Ásia menor.” De acordo com
essa mesma autora, permaneceu ali até a sua juventude, sempre frequentando a corte,
“[...] tendo o destino pessoal marcado pelo sucesso e azares do Império Macedônico.”
560

Durant Will apresenta duas versões sobre sua adolescência: a primeira


versão relata-nos um Aristóteles a esbanjar suas posses a partir de uma vida
descontrolada, sem regras, relata-nos ainda que, Aristóteles teria ingressado no exército
para evitar a fome, voltando em seguida a Estagira para exercer a medicina, donde
segue para Atenas, aos trinta anos para estudar filosofia com Platão. A segunda versão
da descrição de Durant revela que o nosso filósofo chega a Atenas com dezoito anos e
não trinta. O fato interessante é que nas duas histórias relatadas um fato se justifica:
expressa Will, “[...], todavia, mesmo nessa versão mais verossímil, existem suficientes
561
referências a uma adolescência desmandada e perdulária.” Fazendo opção pela
primeira ou pela segunda, o final da trajetória histórica sempre será o mesmo,
chegaremos sempre na escola peripatética. O termo peripatético na versão grega
significa itinerante, isto é, aquele que caminha, passeia, perambula. Daí, o que já
sabemos, seus discípulos foram chamados peripatéticos, e a tradição nos conta que tanto
o estagirita como os discípulos debatiam os temas caminhando, perambulando pelo
jardim.
Em Atenas, na época de Aristóteles, duas grandes escolas disputavam o
interesse dos jovens da pólis, a Academia de Platão e a escola de Isócrates (436 a. C. –
336 a. C.), essa última de inspiração sofística. Aos dezoitos anos ele entra para a
Academia de Platão e permanece nela até os anos 348 - 347 a. C. “Bem cedo ultrapassa

558
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p. 129.
559
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op. cit. p. 20.
560
ibid. p. 20.
561
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.69.
217

o nível de simples estudante, desenvolvendo suas próprias pesquisas e teorias e


562
contestando em mais de um ponto as teses platônicas.” Na escola platônica ele
permaneceu aproximadamente vinte anos. Com Platão, Aristóteles cultiva a filosofia, e
não demorou muito para que o mestre reconhecesse aquele novo discípulo.

Mas, ambos eram gênios; e é sabido que os gênios se harmonizam


tanto entre si como a dinamite e o fogo. Separava-os quase meio
século; para a mútua compreensão era difícil suprimir esse abismo da
diferença em idades; de modo a corrigir a incompatibilidade das
almas. 563

Platão é da cidade de Atenas, a famosa pólis, seu novo discípulo da


região do norte, certamente os sotaques eram distintos; o mestre não prezava muito os
macedônios - os bárbaros. No entanto, seu discípulo era um deles e ali estava. Conta-
nos Will que certa vez, Platão o citou como o “„Nous da Academia‟, isto é, a
Inteligência personificada.” 564
De acordo com Diôgenes Laêrtios, ele “[...] escreveu numerosíssimas
565
obras e considerando sua excelência em todos os campos.” , escreveu sobre
psicologia, moral, ética, política, lógica, física, metafísica, biologia, zoologia, artes,
retórica dentre outras. Ao que parece, são mais de quatrocentas obras, “das quais restam
quarenta e sete, entre as certamente autênticas, as provavelmente autenticas, as de
566
autenticidade duvidosa e as espúrias, além de fragmentos das obras perdidas.” Sobre
o conjunto de seus escritos, ficou denominado como corpus aristotélico. Esse conjunto
de escritos foi dividido em dois grandes grupos: o grupo dos estudos exotéricos, isto é:
destinados ao grande público – dedicados à divulgação das teorias filosóficas junto ao
público; e grupo dos esotéricos, ou – acromáticos, cujo conteúdo educativo era
reservado somente aos participantes da escola. “Dessas quarenta e sete somente uma
pertence à classe das chamadas exotéricas: [...] é a Constituição de Atenas, descoberta
567
no fim do século passado.” As demais, sem exceção, pertencem à classe das
esotéricas – ou exclusiva aos seus discípulos. É possível afirmar que ele preocupava
com a totalidade dos conhecimentos, Aristóteles provavelmente “[...] tenha herdado de

562
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op. cit. p. 20.
563
DURANT, Will. op. cit. p.70.
564
ibid. p.70.
565
LAÊRTIS, Diôgenes.op. cit. p.134.
566
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.6.
567
ibid. p.6.
218

568
seu pai o interesse pelas ciências naturais constante em sua obra.” Quando da morte
de seu mestre Platão, Aristóteles deixa a Academia e, de acordo com os estudiosos,
parece ter aborrecido com questões relacionadas à direção da escola e ainda, uma
desavença sobre quem seria o novo representante a pleitear o cargo na direção da
Academia o faz afastar-se. Explica Gama:

Desgostoso com a escolha de Spêusipos, representante de uma


tendência do platonismo que lhe repugnava - a de transformar a
filosofia em matemática, Aristóteles deixou a Academia. Juntamente
com Xenôcrates, outro filósofo platônico descontente, ele aceitou um
convite de um colega na Academia – Hermias, futuro governante de
Atarneus e Assos, na Mísia (Ásia menor), que reuniu em torno de si
um pequeno círculo. 569

Na cidade de Assos ele permaneceu por volta de três anos. Aqui começa
uma fase significativa na vida do filósofo. Juntamente com os discípulos de Platão,
“Erasto e Corisco, originários da cidade de Esquepsi, que se tornaram conselheiros de
Hérmias, homem político, senhor de Arteneu e de Assos. 570, ainda, de acordo com esse
autor, Aristóteles teria permanecido na ilha de Lesbos por influência de Teofrasto (372
– a 387 a C.), seu amigo e mais tarde sucessor de sua escola. Dali Aristóteles vai para a
Macedônia. Nesse tempo, Felipe II (382 – 336 a. C.), rei da Macedônia tem quase todo
o território grego em suas mãos, “[...] foi o senhor efectivo da Grécia (excluindo os
571
Sicilianos e outros Gregos ocidentais).” Estamos lentamente adentrando no mundo
helenístico. No ano de 338 a. C., o exército de Felipe II entra em confronto com os
soldados dos exércitos formados pelos guerreiros de Atenas e de Tebas e põe fim na
democracia ateniense. Provávelmente, entre os anos 343 – 342 a. C. o rei convida
Aristóteles para instruir seu filho Alexandre (356 – 323 a. C.), o maior conquistador do
mundo antigo, educado pelo filósofo ele modifica os rumos da histórica grega.

De Atarneus Aristóteles foi depois para a Macedônia, na corte de


Felipe, e recebeu dele como aluno o filho Alexandre, a quem pediu a
reconstrução de sua pátria destruída por Felipe. Alexandre atendeu à
solicitação e, além disso, deu uma constituição aos habitantes. 572

568
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.5.
569
ibid. p.5.
570
REALE, Giovanni. História da filosofia Antiga. II Platão e Aristóteles. Tradução Henrique Cláudio
de Lima Vaz, Marcelo Perine. São Paulo. Edições Loyola, 1994. (Série História da Filosofia). p.316.
571
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. 75.
572
LAÊRTIS, Diôgenes. op.cit. p.130.
219

A partir daí, inicia-se um novo momento na vida do filósofo. Do ponto de


vista educativo, dois são os acontecimentos que irão marcar sua filosofia da educação.
O primeiro compreende o período como preceptor de Alexandre, e o segundo, quando
ele funda sua escola. Sobre as relações espirituais entre o filósofo e Alexandre poucas
coisas também sabemos, no entanto, afirma Giovanni Reale:

O gênio político do discípulo, nesse âmbito, abriu perspectivas


históricas muito mais novas e audazes do que as categorias políticas
do filósofo permitiam compreender, dado que eram categorias
substancialmente conservadoras e, sob certo aspecto, inclusive
reacionárias. Na corte macedônia, Aristóteles ficou, talvez, até quando
Alexandre assumiu o trono, isto é, até 336 (mas é também possível
que depois de 340 ele tenha voltado para Estagira, estando então
Alexandre ativamente empenhado na vida política e militar). 573

Sobre o segundo acontecimento marcante na vida do filósofo em relação


à educação, está ligado à criação de sua escola, denominado Liceu, em 335 - 334 a. C. A
escola foi fundada “[...] próximo a um pequeno bosque consagrado a Apolo Lício, e às
Musas, Aristóteles se instalou em alguns prédios existentes no local e fundou a sua
escola: entre os prédios haviam uma colunata coberta (perípatos) origem do nome da
escola.” 574 A partir daí Aristóteles desenvolve praticamente quase toda a sua disposição
e atividades de ensino. Assim, o Liceu se transforma em pouco tempo num grande
centro de estudos, sobretudo das ciências naturais. Como afirmado anteriormente,
Aristóteles escreveu inúmeras obras, pesquisou sob o ponto de vista dos mais diferentes
ramos do saber. Sobre o grau de importância do Liceu e das pesquisas, Kury afirma:

Lá ele constituiu uma coleção de manuscritos – protótipo de todas as


grandes bibliotecas da antiguidade, e também de mapas, além de um
museu, com objetos para ilustrar suas aulas, especialmente de
zoologia; consta que Alexandre teria contribuído com uma elevada
soma para a coleção. Aristóteles estabeleceu normas para a sua
comunidade, inclusive refeições em comum em um seminário mensal.
Uma de suas realizações mais importantes foi a organização de
pesquisas em grande escala, das quais o levantamento de 158
constituições de cidades-estados helênicos foi um exemplo. Sob sua
direção Teofrastos realizou pesquisas botânicas e Aristôxenos
pesquisas musicais; além disto, o primeiro compilou histórias básicas
do pensamento helênico anterior, englobando a física, a psicologia e a
cosmologia. Êudemos fez o mesmo em relação à matemática, à
astronomia e a teologia, e Menon em relação à medicina. 575
573
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p.316.
574
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.6.
575
ibid. p.6.
220

Após a morte de Alexandre em 323 a. C., em Atenas surgiu um


movimento contrapondo-se ao poder macedônico. Aristóteles passa a ser hostilizado e
por isso, vai para a região da Calcídia, ficando exilado até a sua morte em 322 a. C.
Após sua morte, a direção da escola fica a cargo de seu discípulo Teofrastos. Ainda que
os seus concidadãos mantivessem certo respeito por ele, ou mesmo por ser um filósofo,
“[...] Aristóteles sempre permaneceu como um „meteco‟ (estrangeiro sem direito a
cidadania), vinculado à figura do conquistador Alexandre, que retirou dos atenienses o
576
bem mais precioso, a autonomia de sua cidade.” Conforme os escritos de Mario da
Gama Kury, Aristóteles foi casado duas vezes, sua primeira mulher Pítias, sobrinha de
Hérmias, morre por ocasião da segunda estada do filósofo em Atenas e, “[...] passa a
viver com Herpílis, da qual teve um filho chamado Nicômacos, a quem teria dedicado
577
uma de suas Éticas.” O destino de sua filosofia segue verdadeiramente um labirinto
histórico até alcançar a modernidade. Desde sua morte ocorrida em 322 a. C. sua
filosofia, seu pensamento, sua infkuência e seus preceitos educativos não mais são
ouvidos pela sua civilização. Em relação ao destino de sua filosofia, Reale explica:

A especulação aristotélica teve um influxo de alcance histórico, [...]


Se imediatamente depois da sua morte, Aristóteles calou-se, e não foi
mais ouvido no âmbito do próprio Perípato [...] renasceu já no final da
era antiga, no âmbito do próprio pensamento grego, com os grandes
comentadores gregos que buscavam nele um seguro ponto de apoio:
de Alexandre de Afrodisia (200 d.C.) [...] Já no século VI d. C.,
Boécio tornava conhecida a lógica, traduzindo o Organon [...] Em
grande parte por influxo dos árabes o interesse pelo pensamento do
Estagirita refletiu para o ocidente e nos séculos XIII e XVI assistimos,
com a Escolástica, ao mais grandioso fenômeno de reflorescimento
que o aristotelismo conheceu: neste período Aristóteles perdeu,
contudo, os seus contornos históricos de homem de determinada
época, e tornou-se o símbolo do „philosophus‟ por „excelência‟ „o
mestre daqueles que sabem‟ [...] do século XV até o final do século
XVII (sobretudo na Universidade de Pádua), que, na tentativa de
voltar ao Aristóteles genuíno, isto é, ao Aristóteles espoliado das
vestimentas com as quais a escolástica o revestira, na realidade acabou
por identificar Aristóteles com a naturalista antiplatônico, como já
sabemos [...] No século XIX, na sequência do florescimento dos
estudos filológicos e da grande edição de todas as obras do nosso
filósofo preparada por Bekker, inseriu de novo, embora parcialmente,
no vivo da cultura filosófica: [...]. 578

576
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op.cit. p. 23.
577
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.8.
578
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p.495.
221

Neste labirinto histórico, o brilho de sua perspicácia filosófica jamais foi


apagado, muito menos seus discursos educativos. Entre o apagar e o acender, o brilho
de seu pensamento educativo caminha permanentemente entre os estudiosos e
pesquisadores. Ora brilha, ora ofusca, sua atitude educativa é franca, não pálida, não
serena, ríspida, por vezes assustadora.
Mas a quem Aristóteles direciona seus escritos e quem são os seus
interlocutores? O que ele propõe investigar? Em algumas circunstâncias, sua voz ecoa
contra a tradição filosófica de sua época – os antigos filósofos, conhecidos por nós,
como, pré–socráticos, ou seja, aqueles que vieram antes de Sócrates (469 a. C. – 399 a.
C.). Aristóteles lembra que os primeiros filósofos não se dedicaram às causas humanas,
esqueceram eles das ciências humanas. Ao não desvendarem a realidade humana, tanto
Anaxágoras, (500 – 428 a. C.) como Tales de Mileto (640 – 546 a. C.) e, homens
semelhantes a eles, embora tenham o estudo da filosofia não souberam discernir que o
conhecimento filosófico “[...] é uma combinação do conhecimento científico com a
inteligência, que permite perceber o que há de mais sublime na natureza.” 579 Não poupa
Sócrates ou Platão dos elogios, mas, também interpreta suas análises numa outra
perspectiva. Ele questiona o projeto educativo de seu mestre, e pergunta, “Qual é então
580
o melhor sistema? O adotado atualmente ou a legislação proposta da República?”
Aristóteles pergunta qual então é o melhor sistema? Seria o de Platão idealizado em A
República ou ainda, o sistema vigente de sua época? Outras vezes sua voz ressoa contra
os sofistas, assevera o filósofo: “Por outro lado, vemos que os sofistas que pretendem
581
ensinar política estão muito longe de ensiná-la realmente.” , por fim, sua voz ressoa
também contra a própria teoria platônica.
Em relação aos seus propósitos, sua investigação quer suprir as carências
da formação do sistema educativo da polis. Nessa escalada investigativa sua reflexão é
substancialmente política e ao mesmo tempo, essencialmente ética.

Ao dirigir a reflexão ética para o campo político, Aristóteles enfatiza


que as ações humanas dependem sobretudo de questões políticas. Por
outro lado, as questões políticas devem pautar-se essencialmente pela
reflexão ética. Pode-se dizer que existe uma relação intrínseca entre a
ciência da práxis e a ciência do ethos. A ética é a política na medida
em que essa tem como finalidade o bem do homem vivendo na pólis.

579
ARISTÓTELES. Política. VI, 1141 a.
580
ibid. II, 1, 1261 a.
581
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1181 a.
222

Se os negócios humanos não se realizarem no bem, também a cidade


não se realiza, tão pouco se realiza o homem. 582

3.1 A escola de Estado

Sua investigação sobre a escola de Estado parte do pressuposto de que a


felicidade é a única e a melhor forma de viver em qualquer polis. Nesse ínterim,
investiga a melhor forma de governo, e que essa corresponda verdadeiramente aos
anseios da comunidade. Ele projeta na educação seu porto seguro. A partir daí sim, ele
interpreta seu programa educativo. As escolas de seu tempo não são escolas públicas, é
ele quem dá o início às primeiras iniciativas de uma escola de Estado. Já ao final de sua
obra, Ética a Nicômacos, Aristóteles, antecipa e anuncia seu programa educativo, desde
já ele recomenda que os jovens sejam educados e instruídos por lei. A questão da
formação dos jovens de Atenas é complexa, por isso, Aristóteles enfatiza que é
necessária uma preparação desde os tempos da adolescência, Escreve ele em Ética a
Nicômacos:

Mas é difícil proporcionar desde a adolescência uma preparação certa


para a prática da excelência moral se os jovens não são criados sob
leis certas; de fato, viver moderada e resolutamente não é agradável
para a maioria das pessoas, especialmente quando se trata de jovens.
Por esta razão a sua educação e suas ocupações devem ser reguladas
por lei, pois elas não serão penosas se se tiverem tornado habituais.
Mas certamente não é bastante que desde jovens as criaturas humanas
recebam a educação e os cuidados certos; [...]. 583

O assunto educativo é um assunto que demanda antes de qualquer outra


coisa o cuidado e a manutenção do Estado. Ele reconhece que seus antecessores se
omitiram quanto a isso, nesse caso os governantes parecem que desconhecem esse
assunto entendido como uma reflexão das coisas humanas ou, mais precisamente, como
ciências humanas.

582
OLIVEIRA. José Sílvio de Oliveira. Ética educação e escola. 131f. 19/03/2004. Dissertação de
Mestrado – Cultura e Processos Educacionais. Faculdade de Educação. Universidade Federal de Goiás.
Goiânia: FE/UFG. 2004. p. 49.
583
ARISTÓTELES. Política. X, 1180 a.
223

Nossos predecessores se omitiram quanto ao exame do assunto


legislação; talvez seja melhor, portanto, que nós mesmos o estudemos,
e estudemos de um modo geral a questão das constituições, a fim de
completarmos da melhor maneira possível, nos limites de nossa
filosofia das coisas humanas. Primeiro, então, se algo foi dito com
acerto e detalhadamente. 584

O ponto de partida de sua investigação é a cidade, - a pólis, - a cidade-


Estado. Ele quer saber de fato qual é o fim soberano da cidade, porque ela existe? Quais
são os fundamentos qualitativos e quantitativos da constituição da comunidade política?
Ele bem sabe que a parte melhor da cidade, isto é, a parte mais forte deve ser sempre
superior a parte mais fraca. De acordo com a sua concepção filosófica a cidade é
constituída de qualidade e de quantidade. Seja a liberdade, a riqueza, a educação e a
nobreza são qualidades da pólis de Aristóteles. A quantidade é uma questão de “[...]
585
superioridade numérica da maioria.” Ele sabe exatamente que a qualidade presente
na pólis é advinda de uma só classe. Nesse ínterim, ele quer saber qual a melhor forma
de comunidade política. Para ele, o sistema educativo deve adaptar-se às constituições.

Mas de todos os meios que já mencionei o mais eficiente para


assegurar a estabilidade da constituição, apesar de geralmente
negligenciado, é à adaptação da educação às formas de governo. Com
efeito, não haverá utilidade alguma nas melhores leis, ratificadas pela
aprovação unânime dos cidadãos, se estes não forem preparados e
educados dentro do espírito da constituição, ou seja,
democraticamente se as leis forem democráticas e oligarquicamente se
forem oligárquicas, pois se um cidadão for discrepante, a cidade
também sê-lo-á. 586

Na concepção do filósofo, a cidade não deve ser menor em importância


do que o cidadão, ao contrário. A cidade é maior que o indivíduo. O chão político-
econômico de Atenas na época de Aristóteles, como já foi afirmado, é um solo
fragmentado, prestes a ruir. Estruturalmente desarticulado, as disputas pelo governo da
pólis são intensas, “[...] Alguns desaprovam o exercício das funções de governo,
587
pensando que a vida do homem livre é diferente da vida do estadista [...]” , outros
588
pensam “[...] que a cidade próspera deve ser uma grande cidade [...]” , e mais ainda,

584
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1181 b.
585
ARISTÓTELES. Política. IV, 10, 1296 b.
586
ibid. V, 7, 1310 a.
587
ibid. VII. 3, 1325 b.
588
ibid. VII, 4. 1326 a.
224

os estudos de Aristóteles revelam, sobretudo, em pólis com grande número de


indivíduos, ocorre facilmente a usurpação dos direitos de cidadania.
Nesse cenário, Aristóteles não parte primeiramente da escola para pensar
a educação omnilateral. A partir de uma visão do todo é que ele principia sua reflexão.
É a cidade que deve ser investigada em primeiro lugar, mesmo porque a cidade tem
primazia sobre o indivíduo, assim, o filósofo evidencia seu método, “[...], pois o todo
deve necessariamente ter precedência sobre as partes; com efeito, quando o corpo é
destruído pé e mão já não existem , a não ser de maneira equívoca [...]” 589 Mas, o que é
a cidade para ele? É a cidade nada mais que uma comunidade, na verdade, a cidade não
existe, o que existe são pessoas vivendo juntas, comunitariamente se dispondo para
alcançar objetivos. A comunidade é formada pelas muitas famílias, - das varias aldeias
nasce o que Aristóteles chama de comunidade perfeita, a comunidade soberana que é a
pólis. A reunião de todas as famílias forma a cidade.
A cidade é para ele um tipo de “[...] comunidade, e toda comunidade se
forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas
590
com vistas ao que lhes parece um bem; [...]” Essa comunidade não é uma simples
reunião de pessoas para viverem conforme o bel prazer de cada. Muito menos pode ser
entendida como uma sociedade onde os seus integrantes coexistem. Para Aristóteles,
essa comunidade vive em função de uma determinada causa, onde as pessoas vivem e
propiciam harmonicamente uma história juntos. Essa cidade é essencialmente política,
as análises de Aristóteles demonstram primeiramente que todas as ações das pessoas,
sejam mulheres e homens, crianças e adultos, jovens e velhos, são praticadas visando
atingir algum bem. Nessa mesma perspectiva todas as comunidades visam atingir um
bem, portanto “[...] é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as
outras tem mais que todas esse objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela
591
se chama cidade e é a comunidade política.” A cidade visa o maior de todos os bens
e portanto ela tem por finalidade o bem maior de todos os outros.
Diferentemente de seus predecessores, a cidade nasce naturalmente e tem
em vista atingir uma finalidade, não nasce a partir das necessidades e carências dos
indivíduos, como pensou Platão em sua obra República.592 Aristóteles aponta em
primeiro lugar a origem natural da família para satisfação das necessidades básicas do

589
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
590
ibid. I, 1, 1252 a.
591
ibid. I, 1, 1252 a.
592
PLATÃO. República. 369 b.
225

cotidiano. De acordo com a concepção de Estado do Estagirita, a cidade é uma invenção


natural, diz ele: “[...] a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um
animal social, [...] ” 593, ou seja, um animal político. Aqui se faz necessário ressaltar que
o homem social aristotélico é o homem político, - zoon-politikon, ou seja, aquele que
está vinculado à pólis, atrelado essencialmente à cidade, às coisas da cidade. O homem
não pode viver fora da cidade. Essa é a dimensão do homem político por ele previsto. O
homem diferentemente dos demais animais pode falar, isto é, tem o dom da fala.

Na verdade, a simples voz pode indicar a dor e o prazer, e os outros


animais a possuem (sua natureza foi desenvolvida somente até o ponto
de ter sensações do que é doloroso ou agradável e externá-las entre si),
mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e
portanto também o justo e injusto; a característica específica do
homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem
o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras
qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que
constitui a família e a cidade. 594

Etimologicamente a palavra grega pólis, “[...] no seu sentido clássico


595
significava <<um estado que se governava a si mesmo>>.” Como já estudado no
primeiro capítulo, sabemos que as cidades gregas se autogovernavam e são
independentes uma das outras, em todos os sentidos. Cada cidade tinha autonomia, a
política, a economia e o poder da administração. Portanto, ela é o substrato fundamental
da civilidade. Aristóteles sabe muito bem disso e, mais adiante, ele explica que
indivíduo isolado não consegue bastar a si mesmo.

É claro, portanto, que a cidade tem precedência por natureza sobre o


indivíduo. De fato, se cada indivíduo isoladamente não é auto-
suficiente, consequentemente em relação à cidade ele é como as outras
partes em relação a seu todo, e um homem incapaz de integrar-se
numa comunidade, ou que seja auto-suficiente a ponto de não ter
necessidade de fazê-lo, não é parte de uma cidade, por ser um animal
selvagem ou um deus. 596

O zoon-politikon do filósofo está enraizado junto à natureza do homem:


viver em comunidade é uma necessidade natural. A parte racional do homem é política.
“Quando Aristóteles define o homem como animal „político‟ sublinha o que separa a

593
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
594
ibid. I. 1, 1253 a.
595
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.47.
596
ARISTÓTELES. Política. cit. I, 1, 1253 a.
226

Razão grega da de hoje. Se o homo sapiens é a seus olhos um homo politicus, é que a
própria Razão, em sua essência, é política.” 597
As análises de Aristóteles sobre a cidade caminham no mesmo sentido
inicial. Aristóteles continua a decompor as partes do todo para explicar detalhadamente
cada uma das partes. Assim, ele coloca uma ordem cronológica do ponto de vista do
poder e do governo da pólis: O primeiro e único dono e senhor de tudo é o homem livre
daquela civilização, somente ele é soberano, proprietário de bens, de terras, de escravos,
de mulheres. O escravo e a mulher ocupam posições diferentes: “Entre os bárbaros,
598
porém, a mulher e o escravo ocupam a mesma posição; [...]” , a ela resta procriar,
cuidar da economia da casa, das coisas do marido, e a ele, obedecer. Quanto ao escravo,
nada lhe resta, senão trabalhar e obedecer, é simplesmente propriedade do senhor. A
partir dessa decomposição investigativa, acrescenta Aristóteles: “[...] é num ser vivo que
599
se pode discernir a natureza do comando do senhor e do estadista: [...] ” , sendo o
homem livre, senhor, proprietário de terras de escravos e de mulheres, só a ele caberá o
poder, e “[...] o abuso dessa autoridade é inconveniente para ambos os lados, pois o que
600
é conveniente para uma parte é também para o todo [...].” Para o filósofo, a vida
nasce da família e essa tem por naturalidade atingir sua finalidade que é senão fazer
com que os seus componentes vivam e se sintam felizes. A finalidade das ações dos
indivíduos não é contrária nem inversa da finalidade da cidade. Se a cidade visa o maior
de todos os bens, e tendo por finalidade o bem maior de todos os outros, então ela é
soberana. A associação de homens, mulheres e escravos constitui a família, essa por sua
vez quando reunidas, formam a comunidade. A comunidade é a cidade. Daqui, é
possível entender que a cidade é uma constituição natural e, portanto, é na cidade que o
homem vai efetivar e concretizar sua realização máxima. Esse pensamento sobre a
cidade que Aristóteles elabora se concretiza na vida prática dos indivíduos da pólis.
Nesse sentido, a cidade é soberana, porque ela é o todo, portanto só ela
pertence o poder, e o poder para um grego é a lei, logo a lei é soberana perante os
cidadãos dessa civilização. A lei não pode ser parcial, ela é imparcial e por isso garante
o bem comum, jamais pode ser parcial, isto é, priorizar interesses de uns poucos. A lei é
para Aristóteles, para Platão, ou para qualquer cidadão grego dessa civilização, a

597
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da
Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.103.
598
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1252 b.
599
ibid. I, 2, 1254 b.
600
ibid. I, 2, 1255 a.
227

expressa máxima que garante racionalmente o bem comum. O objetivo da cidade para
Aristóteles é viver bem, e assim “[...] a lei é uma garantia de justiça recíproca [...]” 601, e
tudo mais deve se ordenar para esse fim, portanto, “[...] uma cidade não é apenas uma
reunião de pessoas num mesmo lugar, com o propósito de evitar ofensas e de
intercâmbios de produtos.” 602
A partir daí, sem dúvida, a lei passa a ser impreterivelmente o
instrumento preciso para contribuir para a efetivação, determinação e configuração do
Estado. Dessa reflexão inicial três aspectos são essenciais na visão educativa de
Aristóteles: a primeira, a cidade é uma comunidade; a segunda, essa comunidade visa
atingir uma finalidade; e a terceira e última, a comunidade é soberana. Aqui, o filósofo
foge do individualismo e convida o cidadão a adaptar-se ao mundo comunitário, assim é
definida a comunidade política por ele. Voltando sua voz novamente para os sofistas,
afirma:

Para falar de um modo geral, eles não sabem sequer o que é a ciência
política, nem do que ela trata; se assim não fosse eles não a teriam
classificado idêntica à retórica, ou até inferior a ela, nem teriam
imaginado que legislar é fácil, bastando fazer uma coleção de leis
consideradas boas. 603

Para Aristóteles, as constituições “[...] são por assim dizer, „obras de


604
artes‟ políticas, [...].” A lei, a constituição é o caminho mais próximo para
regulamentar e adequar à vida todos os indivíduos.” Aristóteles sabe disso muito bem,
diz ele: “Uma constituição é o ordenamento de uma cidade quanto às suas diversas
funções, principalmente a função mais importante de todas.” 605 Aristóteles está vivendo
um período conturbado em relação ao governo das poleis, com isso ficam evidentes as
contradições nos debates da política. Explica ele: “[...] as causas de revoluções nos
governos constitucionais e nas monarquias e as tiranias devem ser conssiderdas as
praticamente as mesmas, [...]” 606
Aristóteles, ao estudar as mais diferentes formas de constituições
determina também quais os tipos de pessoas que podem assumir o governo da pólis.
Como vimos anteriormente, ele estudou mais de 180 constituições de sua época. Nesse
601
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1281 a.
602
ibid. III, 5, 1281 a.
603
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1181 a.
604
ibid. X, 1180 a.
605
ARISTÓTELES. Política. III, 3, 1278 b.
606
ibid. VI, 8, 1311 a.
228

contexto de organicidade do Estado, Aristóteles elabora sua filosofia da educação. A


concepção educativa do filósofo brota nesse chão. Assim, “Ele se esforça em conciliar
as exigências legítimas e divergentes do costume, da lei e da palavra e chega, assim, a
607
organizar, de modo original, as relações entre pedagogia e moral e a política.” Ao
enraizar no mesmo solo a raiz educativa, enlaça, entrelaça e prende as raízes do Estado.
Permanecendo entrelaçadas, ambas estão seguras, juntas mantêm o
equilíbrio, a sustentabilidade dos frutos. Aristóteles, em Ética a Nicômacos,
previamente anuncia sua intenção: ele pensa uma escola de Estado para Atenas, por isso
louva a pólis espartana, cuja constituição regulamentava a escola pública:

Somente em Esparta, ou praticamente só, o legislador parece ter


prestado atenção às questões da educação e preparo físico dos
cidadãos; na maioria das cidades essas questões forma descuradas, e
cada pessoa vive como lhe apraz, à maneira dos Ciclopes.
„fixando a lei para a mulher e os filhos. ‟ 608

Como descrevemos no segundo capítulo dessa tese, em Platão, as escolas


de Esparta e Creta eram públicas, os habitantes da Lacedemônia eram privilegiados pela
escola de Estado, ou seja, a instrução ganha a conotação pública. Os espartanos
recebiam na escola pública não somente as crianças, também as mulheres. As jovens
daquela região tinham esse direito assegurado por lei: aprendiam tanto a ginástica como
a música. Aristóteles pensa esse modelo de escola para Atenas, é evidente com muitas
modificações.

[...] mas aqui, o grande filósofo fala como precursor da época


helenística, porque em seu tempo, a existência de uma verdadeira
„instrução pública‟ assumida pelo Estado permanecia uma verdadeira
originalidade das cidades „aristocráticas‟ (Esparta e Creta), cujas
tendências totalitárias constatamos. 609

Por isso, o legislador de Atenas deve estar atento para essa questão,
portanto a ele confere esse encargo: aprovar em lei a escola de Estado – pública,
recomenda Aristóteles: “[...] a educação deve ser adequada a cada forma de governo,
porquanto o caráter específico de cada constituição a resguarda e mesmo lhe dá bases
610
firmes desde o princípio [...].” Aristóteles, na qualidade de pesquisador do

607
VERGNIÈRES, Solange. op.cit. p.6.
608
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1180 a.
609
MARROU, Henri-Irénée. op. cit.1990. p.166.
610
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
229

comportamento dos cidadãos da pólis, conhece os hábitos praticados em relação ao


sistema educativo, tanto de seu tempo como o da tradição: sabe muito bem ele que os
homens livres de Atenas escolhem para seus filhos a educação que lhes aprouver, ou
seja, os filhos dos ricos são educados de acordo com a supervisão individual de cada
homem livre da pólis. A posição de Aristóteles sobre a escola de Estado é assumida
claramente: “É claro, portanto, que tem de haver uma legislação pertinente à educação
das crianças, e que ela deve ser um encargo público; não se deve, porém, ignorar o que é
a educação e como deve educar.” 611
Não existe uma instituição pública na pólis de Atenas. Para Aristóteles,
não é aconselhável ter um único modelo educativo na cidade. No caso de Atenas, como
foi afirmado anteriormente, as escolas eram privadas, não existia a escola de Estado.
Aristóteles está preocupado em garantir para a cidade uma vida boa para todos os
homens livres, portanto, acima de qualquer outra finalidade, quer garantir o bem comum
da pólis. A educação deve ser um bem comum também para a cidade.

Mas como há um fim único para a cidade toda, é obvio que a


educação deve ser necessariamente uma só e a mesma para todos, e
que sua supervisão deve ser um encargo publico, e não privado, à
maneira de hoje (atualmente, cada homem supervisiona a educação de
seus próprios filhos, ensinando-lhes em caráter privado qualquer ramo
especial de conhecimento que lhe pareça conveniente). Ora: o que é
comum a todos deve ser aprendido em comum. Não devemos pensar
tampouco que qualquer cidadão pertence a si mesmo, mas que todos
pertencem à cidade, pois cada um é parte da cidade, e é natural que a
superintendência de cada parte deve ser exercida em harmonia com o
todo. 612

Uma das primeiras práticas educativas que deve ser reformulada é essa:
aquilo que é de todos, deve, portanto, ser aprendido também em comum, por isso a
escola de Estado. No entendimento de Aristóteles, há uma única finalidade para toda a
cidade, se a cidade fosse menor que o cidadão certamente não necessitaria de tal
propósito, mas agora, a cidade deve preceder o cidadão, portanto se a educação não for
a mesma para todos certamente a cidade não se realiza, da mesma forma, também seus
integrantes, por isso a necessidade da escola de Estado.
Para além dessas questões, o legislador desde o início deve estar atento
para a união entre homens e mulheres, isto é, ele deve legislar sobre as uniões

611
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
612
ibid. VIII, 1, 1337 a.
230

matrimoniais. Nesse sentido o filósofo de Estagirira se identifica com Platão, na medida


em que sua preocupação também com as questões do matrimônio. Em suma, os dois
estão preocupados com o controle de natalidade, Aristóteles, por sua vez, afirma:

Ao legislar a propósito desta união ele deve considerar as próprias


pessoas e sua idade com vistas ao tempo que elas devem viver juntas e
a que sua capacidade de procriação não seja prejudicada pela
circunstância de o homem ainda se capaz de gerar e a mulher já não
ser capaz de conceber [...].” 613

A sua posição em relação ao cuidado com o nascimento e crescimento


das crianças é também uma posição drástica. Muito mais que a seletividade platônica,
Aristóteles sabe muito bem que seus concidadãos se preocupam com a densidade
territorial, assim ele impõe ao legislador uma constituição que não permita que “[...]
nenhuma criança disforme seja criada; com vistas a evitar o excesso de crianças [...].”
614
A propósito, vale relembra que finalidade da formação do homem grego não estava
voltada para a criança, mas para o homem adulto: “A criança ainda não é
completamente desenvolvida, e portanto suas qualidades obviamente não podem ser
consideradas apenas em relação a ela mesma, e sim ao homem inteiramente
desenvolvido, ou seja, a pessoa que tem autoridade sobre ela.” 615

Mas é melhor que haja um sistema específico e público para tais


questões: se elas forem descuradas pela comunidade, então será
acertado que cada pessoa ajude seus filhos e seus amigos a atingir a
excelência moral, e que elas tenham o poder, ou no mínimo a
inserção, de agir assim. 616

Aqui, percebemos que Aristóteles propõe também a educação familiar,


outra prática que também deve ser reformulada, diferentemente de Platão, já que, na
concepção educativa deste, a criança ainda recém-nascida era destinada ao serviço do
Estado. Na concepção educativa de Aristóteles, a prática é diferente: a criança, a partir
dos primeiros anos, deve ser educada na família. O primeiro período instrutivo da
criança fica a cargo da família.

613
ARISTÓTELES. Política. VII, 14, 1335 a.
614
ibid. VII, 14, 1335 b.
615
ibid. I, 5, 1260 b.
616
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1180 a.
231

Em certo sentido, sem dúvida, a educação começa desde estes


primeiros anos: a criança inicia-se já na vida social, mediante a forma
das boas maneiras a adquirir, como da civilidade pueril e correta; já se
procura impor-lhe certa disciplina moral: sabemos que certas amas de
leite dedicavam-se a reprimir os caprichos da criança e a corrigir sua
vontade em formação por meio de regras estritas e, já, de muita
severidade. 617

Nesses primeiros anos a educação familiar deve voltar-se para a


formação física da criança, “[...] orientada no sentido de exercer influência
preponderante em relação ao vigor físico.” 618 Em primeiro lugar a prioridade educativa
era sem dúvida, o físico, - o corpo, o treinamento tinha como finalidade desenvolver o
aspecto militar - das armas. O cuidado com o corpo é um atributo especial, não se
recomenda uma instrução excessiva ou violenta, de acordo com suas análises, a
instrução deve ser gradativa, adaptativa, portanto, formativa.
Existe uma predisposição natural nos filhos para obedecer aos pais. Nos
lares os costumes e os hábitos têm força e poder, uma vez que os laços de sangue
propiciam e contribuem consideravelmente na formação da criança. A criança desde
cedo deve aprender a obedecer à voz de comando. A escola de Estado, então recebe a
criança aos sete anos e dela cuida permanentemente. Sobre essa nova prática educativa
da pólis ateniense, Henri-IrénéeMarrou, ao retratar especificamente as instituições
educativas da história da civilização grega, não deixou de credenciar Aristóteles.

Aristóteles desdobra-nos um quadro análogo, e a análise que dele faz


permite-nos visualizar melhor seu conteúdo real. Até os sete anos a
criança permanece com sua família, sob os cuidados das mulheres; os
antigos tão preocupados com a finalidade humana da educação (a
criança como tal não lhes interessa), quase não se ocupavam com essa
primeira fase, que para eles não faz parte ainda da παίδ no sentido
pleno da palavra. A partir dos sete anos, e teoricamente até os catorze
(Aristóteles diz mais vagamente, até a puberdade, estende-se o
período escolar: mais ou menos equivalente ao nosso curso primário.
O período seguinte culmina com o estágio de formação cívica e
militar, a efebia. 619

Ainda, sobre a primeira educação das crianças, é preciso detalhar sobre


esses “[...] mestres, ou técnicos, que transmitiam às crianças os segredos de suas artes,

617
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 224.
618
ARISTÓTELES. Política. VII, 15. 1336 a.
619
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 164.
232

não eram educadores no sentido estrito [...].” 620 São técnicos, a saber: o primeiro e mais
importante: o professor de ginástica, - pedotriba, o treinador de meninos; depois desse,
em grau de importância, estaria o mestre de música, - o citarista, cabia a esse, instruir e
capacitar artisticamente o jovem. Finalmente o mestre do bê-á-bá, esse, “o menos ilustre
e mais característico, o grammatistés [...]” 621, o mestre do bê-á-bá, não tinha vida fácil,
explica Mario Manacorda que “Assim como na literatura egípcia e hebraica, também na
622
literatura grega existem testemunhos de mestres surrados por seus discípulos; [...] ”
A vida desses primeiros mestres da educação estava praticamente envolvida com o
descaso, com o desprezo e com a miséria. Quem nos conta essa realidade é Aníbal
Ponce:

A sorte dos artesãos era de fato terrível: o homem livre, mas pobre que
queria trabalhar honradamente, tinha que competir com o trabalho
escravo, muito mais barato do que o seu. A desvantagem dessa
situação o manietava com dívidas que não podiam redimir e, em
pouco tempo, passava da sua miserável „liberdade‟, a olhar
invejosamente para a situação, menos miserável talvez, dos
escravos.623

Esse é o estranho caminho que se perpetuou entre os séculos. Os estudos


de Mario Manacorda já nos revelaram no primeiro capítulo dessa tese: apesar de
ser um indivíduo decaída no círculo estreito das relações educativas da época,
cuja profissão é indigna e vulgar. Entretanto, Aristóteles, reconhece a complexa
e difícil tarefa encarregada ao grammatistes, Lê-se em Ética a Nicômacos.

De fato, moldar adequadamente o caráter de alguém – seja quem for


que nos apresente – não é tarefa para qualquer pessoa ao acaso; se
uma pessoa pode fazer isto, esta é a pessoa que tem o conhecimento
adequado, da mesma forma que na medicina e em todas as outras
profissões cujo exercício pressupõe cuidado e discernimento. 624

Aristóteles sabe que o ato de ensinar não é um ofício para qualquer


pessoa, não pode ser uma coisa decidida pelo acaso. Se uma pessoa está destinada a tal

620
MARROU Henri-Irénné. Educação e retórica. In: FINLEY, I Moses. (Org.) O legado da Grécia. uma
nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto. Brasília: Universidade de 1998. p.212.
621
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão técnica da tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010. p.79.
622
ibid.p.80.
623
PONCE. Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez. 1994. p.68.
624
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1180 b.
233

profissão certamente deve essa, aprender bem os conhecimentos, acima de tudo deve ter
um conhecimento acertado. Sobre o sentido evolutivo dessa profissão na história,
escreve Henri Marrou:

Bem significativa, a este respeito, é a evolução semântica (estimulada


desde o período helenístico) que conduziu o termo „pedagogo‟ a seu
sentido atual de „educador‟: na formação da infância este humilde
servo desempenhava, efetivamente, um papel mais importante que o
mestre-escola; este último é apenas um técnico adstrito a um setor
ilimitado da inteligência; o pedagogo, ao contrário, acompanha a
criança o dia inteiro, inicia-a nas boas maneiras e na virtude, ensina-a
a conduzir-se no mundo e na vida (o que importa mais do que saber
ler...). 625

Ensinar é uma atividade tão complexa tal qual a medicina ou qualquer


outra profissão. Mas essa questão está descartada na civilização de Aristóteles, o ofício
de ensinar é uma profissão vulgar, indigna. Os sábios da época não ensinam por missão,
mas para ganhar dinheiro, para escapar à pobreza, o está em questão, afirma Mário
Manacorda, não é a arte em si, “[...] não o conhecimento e a habilidade neste ou naquele
626
campo, mas o seu exercício mercenário, para ganhar a vida, isto é indigno.” Ainda
em Platão, em sua obra Górgias, podemos ler: “Mas se trata de ensinar a alguém a
maneira de ser tornar o mais virtuoso possível, de o ensinar a administrar a sua casa ou a
sua cidade, considera-se vergonhoso não o fazer senão a troco de dinheiro.”627 Já
sabemos, e vamos ressaltar, em Creta ou em Esparta, a educação é tarefa do Estado, o
que não acontecia em Atenas. Por sua vez, Aristóteles reconhece a natureza dessa
atividade, ao afirmar: “Há também algumas ciências que podem ser tidas como liberais,
mas somente até o ponto em que elas não levem à vulgaridade [...]” 628, certamente aqui
sua voz está ecoando contra os sofistas, que faziam dessa atividade um verdadeiro
ganha pão, com ela angariavam fundos para viver. Novamente, afirma o filósofo: “[...],
pois uma dedicação excessiva e uma obstinação que pode induzir alguém a considerá-
629
las um fim em si mesmas resultarão nos inconvenientes mencionados pouco antes.”
Somente é permitido ensinar nos lares, onde naturalmente o pai transmite ao filho o seu
aprendizado, no máximo aos amigos e parentes. O próprio Aristóteles foi preceptor de

625
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.345.
626
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.85
627
PLATÃO. Górgias. 520 d.
628
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 b.
629
ibid. VIII, 2, 1337 b.
234

Alexandre, portanto ensinar aos amigos e parentes é uma coisa digna, mas ensinar por
dinheiro é vulgar.

Faz também muita diferença a natureza do objetivo visado em certa


atividade ou em certo estudo; se alguém segue uma atividade ou um
estudo para o seu benefício ou pelo benefício de seus amigos, ou
visando as qualidades morais, eles nada têm de vulgar, mas aquele que
se dedica a eles por causa de terceiros parece muitas vezes estar
agindo mercenariamente ou servilmente. 630

Assim, a atividade do mestre escola é então uma atividade abominável,


poucos deles conseguiram sobressair. A relação entre os filhos dos ricos e os mestres
escola sempre foi um relação conflituosa.“Pois é, os caminhos da cultura são infinitos:
entre eles, as perseguições políticas. É triste constatar que, se os sábios ensinam, não o
631
fazem por missão, mas somente para escapar à pobreza.” A profissionalização não é
bem vinda para Aristóteles, assim como também foi para Platão. A civilização de
Aristóteles ou de Platão está fundamentada na divisão do trabalho, a escravidão garante
o trabalho, por isso era inadmissível um homem livre exercer a atividade de um
trabalhador. Por isso os sofistas estão sempre na contramão da concepção, ora de Platão,
ora de Aristóteles. Eles são trabalhadores, artesãos do ensino, portanto indignos, pois
para os referidos filósofos, eles recebem salários. Afirma Aníbal Ponce:

O ideal que dominava até então era o ideal que os senhores da terra
haviam concebido e imposto, ao passo que o novo ideal era dos
comerciantes e industriais, que até então tinham estado excluídos do
ginásio. Os sofistas se apropriaram sagazmente dele e lançaram no
mercado o seu trabalho intelectual.632

Outra significativa prática educativa é a questão do ócio, a


despreocupação. O trabalho manual sempre esteve a cargo dos escravos e dos
estrangeiros. O trabalho é sempre para os gregos antigos uma atividade vil, e Aristóteles
sabe disso perfeitamente bem, ele conhece bem a realidade da cidade de sua época e,
portanto sua teoria está adequando aos costumes de seu povo. Quando ele pensa seu
projeto ele faz visando os interesses das classes abastadas.

O filho de um artesão, quando não continuava sendo um analfabeto


(apesar da lei), apenas conseguia adquirir os mais elementares

630
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 a.
631
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.84.
632
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 53.
235

conhecimentos de leitura, escrita e cálculo. O filho do nobre, por outro


lado, podia completar todos os graus de ensino: escola elementar e
palestra até os 14 anos, ginásio até os 16, efebia até os 18, cidadania
dos 20 aos 50, e vida diagógica dos 50 até a morte. 633

A finalidade prática da educação não vale para os homens livres, ele


descarta o sentido da profissionalização. O homem livre não trabalha, essa tarefa está
destinada para os escravos. Essa é uma questão que Aristóteles ainda retém de Platão.
Mario Manacorda alerta também o preconceito de Aristóteles. “„Não para o ofício
[téchne], mas para a educação [paideia]‟, já dissera Platão, nisso concordando com
Aristóteles.” 634 .
Aristóteles evidencia o tempo livre do cidadão da pólis como um dos
momentos mais preciosos. Sabe-se que o homem livre da pólis não trabalha, a
vulgaridade a que se refere Aristóteles é em relação ao trabalho dos sofistas, pois eles
recebiam dinheiro para tal, “[...], e por isso Aristóteles proibia terminantemente que se
ensinasse aos jovens as artes mecânicas e os trabalhos assalariados, porque não somente
alteram a beleza do corpo, como também tiram ao pensamento toda atividade e
elevação.” 635 O homem livre, ao contrário, não trabalha, deve ter tempo para descansar,
para o lazer e o ócio. Podemos assim dizer, a cidade existe para além das coisas que são
necessárias e úteis para a construção de um povoado. Para além das necessidades
diárias, ela existe para satisfazer algo mais, não apenas para assegurar a nossa frágil
636
existência, mas, enquanto nela estamos para “[...] assegurar uma vida melhor [...]” ,
isto é, para viver a vida boa e feliz, portanto, assegurando o que nela há de melhor. Os
homens livres cultivam os negócios da pólis, e ao mesmo tempo vivem do lazer,
Expressa o filósofo:

[...], a própria natureza atua no sentido de sermos não somente


capazes de ocupar-nos eficientemente de negócios, mas também de
nos dedicarmos nobremente ao lazer, pois – voltando mais uma vez ao
assunto – este é o princípio de todas as coisas. De fato, se ambos são
necessários, o lazer é mais desejável que os negócios, e é o objetivos
deste, [...]. 637

633
PONCE, Aníbal. op. cit p. 51.
634
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p. 77.
635
ibid. p.45.
636
ARISTÓTELES. Política. III, 1280 b.
637
ibid. VIII, 1, 1337 b. - VIII, 2, 1338 a.
236

O que importa para um homem livre da pólis são os negócios e o lazer.


Por isso, ao estruturar e sistematizar sua prática educativa, ele enfatiza o lazer, o
relaxamento, o ócio – tempo livre, como uma parte integrante da vida dos homens
livres, o tempo livre é caracterizado como uma atividade essencial na educação dos
filhos dos nobres. Em conformidade com o pensamento educativo do filósofo, no lazer,
ao mesmo tempo, estão contidos dois momentos que favorecem e propiciam a vida dos
homens livres: o prazer e a felicidade. Essas duas situações são adversas ao mundo do
trabalhador, pois eles estão praticamente ocupados com o trabalho. Aristóteles explica o
sentido e a finalidade do relaxamento.

De fato, se ambos são necessários, o lazer é mais desejável que os


negócios, e é o objetivo destes; temos portanto de perguntar:como
devemos fruir nosso lazer? Certamente não será jogando, pois se
assim fosse os jogos seriam o objetivo de nossa vida; como isto é
impossível e as diversões são mais úteis no tempo em que nos
dedicamos aos negócios (quando se está fatigado tem-se necessidade
de relaxar, e o relaxamento é o objetivo dos jogos, ao passo que os
negócios são acompanhados de fadiga e concentração), ao introduzir
as diversões na cidade devemos discernir os momentos favoráveis
para usarmos, pois as empregamos como se fossem remédios; a
sensação que elas criam na alma é relaxante para a mesma, e é
relaxante por ser agradável. 638

O lazer é sem dúvida para ele uma atividade importante, é


essencialmente educativa. Para Aristóteles no lazer é possível encontrar a felicidade, da
mesma forma o prazer, portanto a alegria de viver. “É claro, portanto, que há ramos do
conhecimento e da educação que devemos cultivar apenas com vistas ao lazer dedicado
639
à atividade intelectual, e tais ramos devem ser apreciados por si mesmo, [...].” As
características do lazer se ligam à finalidade máxima da cidade: a felicidade. Assim,
Aristóteles privilegia o tempo de relaxamento para os homens livres. O lazer, de acordo
com suas reflexões, está diretamente vinculado ao prazer, “Mas o lazer parece conter
em si mesmo o prazer, a felicidade e a bem-aventurança de viver, e isso não está a
640
alcance dos homens ocupados; e sim daqueles que usufruem o lazer.” Ainda de
acordo com sua reflexão, os negócios são uma preocupação dos homens que os buscam
visando obter uma alguma meta ainda não atingida, ao contrário, “[...], a felicidade é um
objetivo alcançado, que todos os homens consideram acompanhado não pelo

638
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
639
ibid. V1II, 2, 1338 a.
640
ibid. VIII, 2, 1338 a.
237

641
sofrimento, e sim pelo prazer.” Aristóteles sabe que as opiniões sobre o conceito de
felicidade são muitas, há divergências de opiniões, mas, em relação ao ócio, ele afirma,
“[...] cada um o concebe segundo sua própria natureza e seu próprio caráter, e o prazer
que o melhor dos homens considera ligado à felicidade é o melhor prazer e provém das
mais nobres fontes.” 642
Após ter sistematizado a primeira parte de sua concepção de educação do
ponto de vista da pólis, Aristóteles começa agora a rever os conteúdos educativos
existentes na sua época. Ele investiga a escola de seu tempo: analisa e interpreta os
conteúdos estudados pelos jovens da pólis. Ele procura rever quais são os ramos de
conhecimento que os jovens aprendem. A partir daí, põe em evidência e interpreta uma
nova prática educativa: a escrita – a gramática. Ao analisar os ramos do conhecimento,
ele coloca em primeiro plano a escrita, contrariando dessa forma seu mestre Platão.

3.2 A escola de escrita.

Antesdo século V a. C., a escrita não era compreendida como proposta de


aprendizado, ela é ainda uma atividade exercida apenas pelos escribas, funcionários dos
reis, isso na verdade era uma praxe das civilizações antigas. Até então, era uma espécie
de profissão privilegiada, que, na verdade consistia em dar, transmitir ordens.
Descrevendo sobre a escola de escrita no Egito, Mario Manacorda afirma: “O ofício de
escriba, portanto consiste em essencialmente em dar ordens e também em ser enviado
643
como mensageiro, o que em geral significa transmitir ordens: [...]. ” Os escribas, do
ponto de vista político social, são homens superiores aos camponeses e aos artífices. A
classe trabalhadora é uma classe inferior a classe dos escribas. Somente esses últimos
apoderaram da cultura da escrita, ou seja, tinham o poder da escrita. Em certo sentido
eles participam quase que, diretamente do exercício do poder. Henri-Marrou expressa o
sentido do poder daqueles que detinham esse conhecimento:

A ideia elevada que se faz da arte do escriba encontra sua expressão


simbólica na ideia de que a escrita é uma coisa sagrada, de origem e

641
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
642
ibid. VIII, 2, 1338 a.
643
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.39.
238

de inspiração divinas, disposta sobre o patrocínio de um deus, Tot, por


exemplo, no Egito, Nabu, filho do deus da sabedoria Ea, na
Mesopotâmia.644

Antes, propriamente, do advento público da escrita na pólis, os escribas


tinham o contato direto com os reis nos palácios. Os escribas estão longe da grande
massa de indivíduos iletrados. O escriba é socialmente um funcionário do rei, essa
profissão é privilegiada. Mas é com Aristóteles que essa atividade passa a ser exercida
como ramo do conhecimento. A questão da escrita, enquanto especificidade do saber,
não parece uma questão de primeira via em Platão. É com Aristóteles que a escrita passa
a ser devotada e se renova definitivamente. Já previamente analisado no segundo
capítulo, Platão é sem dúvida um oponente especial em relação à escrita, sua posição é
uma ocasião de resistência ao ensino da gramática. Sobre isso, afirma Mario
Manacorda: “Como se vê, as letras, esquecidas por Platão, aqui são registradas em
primeiro lugar: Aristóteles, em seu realismo, não pode ignorar o fato.” 645
Contrapondo-se ao seu mestre, Aristóteles procura substituir o costume
pela lei escrita, não mais a imitação entendida como forma única de aprendizado, ao
contrário, a escrita ganha maior flexibilidade e se torna, sem dúvida, um valor
insubstituível na vida educativa da Grécia. Sabe-se que a palavra é o centro da vida
política da pólis e que, por meio da escrita, ela se transforma substancialmente. Os
gregos, dos egípcios a absorvem e, numa transcrição modificada, colocam a escrita em
circulação e, a partir de Aristóteles, ela se torna um instrumento preciso na vida
formativa dos filhos dos nobres daquela civilização. “Era a palavra que formava, no
quadro da cidade, o instrumento da vida política; é a escrita que vai fornecer, no plano
intelectual, o meio de uma cultura comum e permitir uma completa divulgação de
conhecimentos previamente reservados ou interditos.” 646 Assim, a escrita é a base para
o desenvolvimento da educação. A paideia aristotélica traz em seu interior uma relação
essencial entre a filosofia e a educação.

Compreende-se assim o alcance de uma reivindicação que surge desde


o nascimento da cidade: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se faz
mais que assegurar-lhes permanência e fixidez Subtraem-se à
autoridade privada dos basileis, cuja função era „dizer‟ o direito;
tornam-se bem comum, regra geral suscetível de ser aplicada a todos

644
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. p.10.
645
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.77.
646
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. 2000. p. 43.
239

da mesma maneira. No mundo de Hesíodo, anterior ao regime da


Cidade, a dike atuava ainda em dois planos, como dividida entre o céu
e a terra: para o pequeno cultivador beócio, a dike é, neste mundo,
uma decisão de fato dependente da arbitrariedade dos reis „comedores
de presentes‟; no céu, é uma divindade soberana, mas longínqua e
inacessível. Ao contrário, pela publicidade que lhe confere a escrita, a
dike, sem deixar de aparecer como um valor ideal vai poder encarnar-
se num plano propriamente humano, realizar-se na lei, regra comum a
todos, norma racional, sujeita à discussão e modificável por decreto,
mas que nem por isso deixa de exprimir uma ordem concebida
sagrada. 647

No início do século V a. C., a escrita passa a ser um instrumento precioso


aos olhos da civilização grega, de forma definitiva – o nascimento da escola de escrita,
por sua vez marca também toda a história da civilização humana. “Em cidades como
Atenas, ler, escrever e aritmética parece terem sido atributos comuns a toda população
648
livre.” Como se sabe, a palavra era para um grego um instrumento político de
importância considerável.
Desde os tempos de Homero a palavra e a palavra escrita estão
relacionadas de forma íntima à vida da pólis. Sobre a origem da escrita na civilização
grega, Heródoto descreveu-a da seguinte maneira:

Os fenícios vindos com Cadmos, entre os quais estavam esses


gefireus, introduziram numerosos conhecimentos entre os helenos
quando estabeleceram em seu território – entre outros o conhecimento
do alfabeto, que os helenos até onde vai meu conhecimento, não
possuíam anteriormente; depois, com o passar do tempo,
simultaneamente com a língua esses cadmeus mudaram também as
formas das letras. 649

A questão da escrita não é uma questão nova para a pólis, desde o início
nos tempos de Homero ela estava presente, porém escondida no mundo dos segredos
dos escribas. A palavra é acima de tudo a rainha para os cidadãos da pólis. “Seria,
650
portanto uma distorção realçar a palavra escrita.” Saber usá-la é, contudo, dominar a
assembleia. Por isso, quem sabia pronunciar bem se saía bem, sobretudo, na política em
Atenas. “O uso da escrita, que havia desaparecido no século XI, com o colapso da
civilização micênica, foi restaurado com a adoção do alfabeto fonético grego de origem

647
VERNANT. Jean-Pierre. op. cit. p. 43.
648
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.81.
649
HERÓDOTO. História. Tradução do grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1988. p.274.
650
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.82.
240

651
fenícia no início do século XVIII.” No tempo de Sólon (640 a. C. - 558 a. C.), a
escrita passa a ser o centro das preocupações da pólis, foi, sem dúvida, um dos maiores
acontecimentos relacionados à democracia grega, de Atenas. Quando os gregos
redescobrem o sentido da escrita, ela não mais apresenta aquela especificidade do
escriba; ao contrário, acaba por representar a cultura comum da vida na pólis.
Em relação ao projeto educativo platônico, a escrita até então é um saber
desqualificado e ignorado. Contudo, para o helenista Finley, a não aceitação de Platão
tem um propósito. Escreve ele: “O próprio Platão, apesar de todas as suas dúvidas foi
652
um óptimo escritor [...]” , se Platão, nos dizeres de Finley era mesmo um ótimo
escritor como poderemos entender essa tal recusa? Platão, em Fedro, explica sua falta
de interesse pela escrita, ao mesmo tempo, propõe uma alegoria, a qual narra a história
do inventor da escrita. Essa alegoria contada por Platão tem personagens fictícios: Teute
e o rei Tamuz. Platão, mais uma vez, coloca na boca de Sócrates sua inspiração: no
diálogo com personagem Fedro, Sócrates explica o sentido e a natureza da escrita; essa,
contudo, não passa de um simulacro.

Sócrates: __ Dizem que Tamuz fez muitas observações e contra cada


uma das artes, que fora longo enumerar. Porém, quando chegou aos
caracteres da escrita, Aqui está majestade, lhe disse Teute, uma
disciplina capaz de deixar os egípcios mais sábios e com melhor
memória. Está descoberto o remédio para o esquecimento e a
ignorância. Ele a falar, e o rei a responder: Engenhosíssimo Teute,
uma coisa é inventar as artes, e outra muito diferente, discorrer sobre a
utilidade ou desvantagem para quem delas tiver de fazer uso. Tal é o
teu caso, como pai da escrita: dada a afeição que lhe dedicas, atribui-
lhe ação exatamente oposta à que lhe é própria, pois é bastante idônea
para levar ao esquecimento a alma de quem aprende, pelo fato de não
obrigá-lo ao exercício da memória. [...]
Fedro: __ com que facilidade, Sócrates, inventas um conto egípcio ou
da terra em que entenderes!
Sócrates: __ É a escrita, Fedro, é muito perigosa e, nesse ponto,
parecidíssima com a pintura, pois esta, em verdade, apresenta seus
produtos como vivos, [...]
Fedro: __ Referes-te ao discurso de quem sabe, discurso vivo e
animado , do qual, com toda a justiça, pode ser considerado simples
simulacro o discurso escrito. 653

651
MARROU Henri-Irénné. op. cit. 1998. p.214.
652
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.82.
653
PLATÃO. Fedro - Cartas O Primeiro Alcibíades. In: Diálogos de Platão. 274 e.
241

Para Platão, praticar a escrita poderia trazer consequências equívocas à


memória, já que os jovens de sua civilização aprendiam pelo método mnemônico, cujo
fundamento residia na capacidade de memorização. Os jovens recitavam e cantavam a
antologia dos poetas antigos. A leitura estava estreitamente associada à recitação e essa,
por sua vez, à memória. O povo grego era, contudo um povo que preferia falar e ouvir,
afirma Finley:

Por cada pessoa que lia uma tragédia, havia dezenas de milhares que
as conheciam por representação ou audição. [...] Esta elevação da
oratória a uma alta forma literária é o resultado final da paixão grega
pela palavra falada, um aspecto da sua vida que sempre se deve ter em
conta, na consideração da sua literatura até o fim do período clássico.
654

Por seu turno, Aristóteles centraliza a gramática em primeiro plano na


prática educativa da pólis. Em termos de debates, dúvidas, incertezas e indagações, o
contexto da escola de sua época está marcado também pelas disputas pedagógicas.
Discute-se também o que deve ser ensinado e o que deve não ser ensinado. O que
precisa necessariamente ser ensinado e o que não deve ser necessário. Existe uma
preocupação com o conteúdo educativo, o chão pedagógico da pólis é um chão que vem
sendo disputado, tanto por Platão como também pelos sofistas, todos eles apontam
soluções. O que precisa ser ensinado? Essa é a grande indagação de que também vai se
ocupar Aristóteles. Diz ele:

Na atualidade há divergência de opinião quanto aos próprios fatos,


pois nem todos estão de acordo a respeito das matérias que os jovens
devem aprender, seja com vistas às qualidade morais, seja com vistas
à vida perfeita, e não é claro se os estudos devem ocupar-se mais do
intelecto ou do caráter. 655

A sua preocupação é saber quais são essas matérias, entre a música, a


ginástica, o desenho e outras, sobretudo que saber se a importância maior deve ser com
a formação do caráter, ou seja, a excelência moral, - a sophrosýne, ou, se é mais
importante formar a parte intelectual, - a phrónesis. De acordo com o filósofo, a prática
educativa existente parece gerar “[...] dúvidas embaraçosas e não é claro, tampouco, se
devem ser ensinadas as matérias úteis à vida ou os conhecimentos mais elevados; [...]. ”

654
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.82.
655
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
242

656
Os estudiosos dos conteúdos pedagógicos de seu tempo estão em dúvida sobre o que
é realmente significativo para formar bem os jovens no campo moral, entre eles, “[...]
não se chegou a um acordo quanto ao que é útil às qualidade morais, pois para começar
657
nem todos os homens dão preferência à mesma qualidade moral, [...].” Para
Aristóteles, todos os estudiosos concordam e ao mesmo tempo discordam em relação à
melhor qualidade moral, portanto sustentam opiniões diversas.
Porém, aos filhos dos ricos nobres de Atenas, expressa o Estagirita, “[...]
deve se transmitir aos jovens, então, apenas os conhecimentos úteis que não tornam
658
vulgares as pessoas que os adquirirem.” Portanto, o ofício de ensinar, - a tarefa
pedagógica, não deve ser um conhecimento a ser repassado aos jovens filhos dos ricos.

Uma atividade, tanto quanto uma ciência ou arte, deve ser considerada
vulgar se seu conhecimento torna o corpo, a alma, o intelecto de um
homem livre inúteis para a posse a posse e a prática das qualidades
morais. Eis por que chamamos vulgares todas as artes que pioram as
condições naturais do corpo, e as atividades pela quais se recebem
salários; elas absorvem e degradam o espírito. 659

Está evidente para Aristóteles a distinção: uma coisa é a atividade servil,


outra coisa é a atividade liberal. Essa distinção é clara e objetiva, ao mesmo tempo é
visível e contundente, somente uns poucos jovens terão oportunidade de estudar
integralmente, poucos deles terão uma formação omnilateral. Grande parte dos jovens
está fora da escola, - dos ginásios, os filhos da classe trabalhadora.

Alguns preceitos de Sólon são particularmente ilustrativos. „As


crianças – afirma ele – devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler;
em seguida, os pobres devem-se exercitar na agricultura ou em uma
indústria qualquer, ao passo que os ricos devem se preocupar com a
música e a equitação e entregar-se à filosofia, à caça e à frequência
nos ginásios. ‟ 660

Para os poucos afortunados que ali estão o filósofo define oportunamente


os conteúdos que eles precisam e devem conhecer. A partir dessa ótica, no segundo
capítulo do oitavo livro Política, Aristóteles afirma: “Pode-se dizer que há quatro ramos
de educação atualmente, a gramática, a ginástica, a música, e o quarto, segundo alguns é

656
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
657
ibid. VIII, 2, 1337 b.
658
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
659
ibid. VIII, 2, 1337 b.
660
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 51.
243

661
o desenho; [...].” Alguns conhecimentos são úteis à vida, outros nem tanto, porém
um é essencial. De todos os conteúdos, – matérias, ele assume então a escrita, - a
gramática em primeira mão. Para Aristóteles, a gramática deve estar entre aqueles
conhecimentos que os jovens devem saber.
Essa é mais uma prática que deve ser reformulada na educação de
Atenas. Essa guinada na história da civilização humana é mais uma das grandes
contribuições educativas de Aristóteles. Sobre essa importância para a história da
educação da humanidade, Mario Manacorda, se referindo à ideia de aculturação,
expressa: “[...] às palavras da tradição (os épea) passa agora através das letras (os
662
grámmata)” , isto é, não mais somente a palavra, - o discurso tem a prioridade na
vida dos homens da pólis, mas, também, o discurso escrito, portanto, agora entra para o
rol das coisas que os jovens devem saber.
De acordo ainda com a sua concepção e prática educativa, em primeiro
lugar está a educação moral, ou seja, aquela educação derivada dos hábitos e dos
costumes. Tendo formado os jovens na prática moral, posteriormente, Aristóteles fala
da educação do intelecto:

Como é óbvio que a educação pelo hábito deve vir antes da educação
pela razão, e o exercício do corpo antes do exercício do espírito,
evidentemente, de conformidade com essas considerações as crianças
devem ser entregues aos cuidados do instrutor de ginástica e do
treinador de crianças, a um deles para aperfeiçoar os hábitos do corpo
e ao outro, para os exercícios. 663

Os jovens devem aprender conhecimentos que são úteis “[...] não


664
somente por seus préstimos – como o estudo da gramática, [...]” mas porque,
sobretudo, eles induzem e levam os jovens aos demais ramos de conhecimentos, que na
verdade são indispensáveis para a formação omnilateral. Essa é a posição de Aristóteles,
embora assumindo a escrita como primeiro ramo de conhecimento, continua, no
entanto, a carregar o germe do preconceito platônico, a educação deve visar a cultura e
não os conhecimentos que profissionalizam os homens livres da pólis.

661
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
662
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.71.
663
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
664
ibid. VIII, 3 1338 b.
244

A disseminação do alfabeto estimulou a adoção de um terceiro tipo de


ensino e o aparecimento da escola como hoje conhecemos, onde a
criança, sob a supervisão de um professor com um nome
característico, grammatistes ou grammatididaskalos („aquele que
ensina letras‟), aprendia a ler e a escrever. 665

Os estudos de Mario Manacorda evidenciam que a escola de escrita se


propagou rapidamente entre os cidadãos livres, mas como não poderia ser diferente,
afirma ele: “Ela entrou no rol das coisas que um jovem livre deve conhecer [...]” 666 Em
Roma, entre o final do século IV e o século III a escola já é difundida, “[...] Mas uma
verdadeira escola de nível mais elevado (gramática e retórica) surgirá somente em
decorrência da embaixada de Cratete de Maio, em 169 a. C.” 667
Ao investigar as quatro matérias, gramática, ginástica, música e desenho,
ele justifica a importância de cada uma. A gramática é para ele o começo de tudo, é a
escrita e a leitura que conduzem o jovem aos demais conhecimentos, juntamente com o
desenho, “[...] são consideradas úteis na vida e com muitas aplicações [...] ” 668, a leitura
e a escrita também “são úteis aos negócios, e à economia doméstica e à aquisição de
669
conhecimentos e às várias atividades da vida em uma cidade, [...] ” Quando Henri
Marrou descreve sobre o objetivo da instrução primária da escola helenística, ele
confirma que é possível ter uma ideia concisa e objetiva, portanto, concreta do trabalho
numa escola primária helenística, “[...] Ler, aprender de cor, escrever – contar: tal é o
670
programa, muito simples, muito limitado, que ela ambicionava preencher. [...]” , sobre a
leitura e sobre o alfabeto, escreve ele:

[...] Nada que lembre nossa „leitura global‟, nem nosso cuidado no
sentido de interessar a criança fazendo-a construir pequenas sentenças.
[...] Seu plano de estudos é preparado em função de uma análise
apriori, puramente racional, do objeto a conhecer, e ignora
deliberadamente os problemas de ordem psicológica que suscita o
sujeito a saber, a criança. [...] Começa-se, pois, com o alfabeto: a
criança aprende pela ordem as vinte e quatro letras, não como
costumamos a fazer hoje dando o valor fonético (a, be, ce, de...) mas
dizendo os nomes (alfa, beta, gama,) e parece a princípio sem ver as
formas. 671

665
MARROU Henri-Irénné. op. cit. 1998. p.214.
666
MANACORDA, Mario Alighiero. 2010. p.68.
667
ibid. p.105.
668
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
669
ibid. VIII, 2, 1338 a.
670
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.236.
671
ibid. p.236.
245

Esse método pretende durar séculos, como afirmou Mário Manacorda:


“Essa ficou sendo, por milênios, a técnica do ler; e se entende que se tornasse hábito ler,
sempre e em qualquer lugar, em voz alta como será confirmado no decorrer dos
672
séculos.” O uso da escrita é para Aristóteles uma das primeiras coisas para atingir a
sabedoria, da mesma forma que a leitura, o grau de dificuldade é o mesmo. Não temos
pormenores sobre o ou os tipos de escrita ensinados. “[...] O mestre começava, pois, por
ensinar a criança a traçar, uma a uma, as letras; [...] Após as letras vinham as sílabas,
673
[...] depois vinham as frases curtas [...]” , cabendo ao gramático essa função.
Naturalmente a pedagogia do chicote, ou, como se refere Mario Manacorda, “o sadismo
pedagógico” perpassa toda a esteira dessa primeira educação clássica.
O segundo ramo de conhecimento investigado por Aristóteles é a
ginástica. Para ele, expressa o filósofo, a mesma “[...], contribui para a bravura; [...] nós
674
dedicamos à ginástica, por causa da saúde e da força [...].” Esse ramo do
conhecimento, ou, mais especificamente, essa matéria, desde os tempos de Homero, já
está consolidada e sua função é preparar para as tarefas do fazer, ou das armas.
Aristóteles, aqui, faz uma distinção entre o período da infância e o período da
puberdade. Especificamente para o período da infância ele prescreve um treinamento
bem moderado.
Expressa o filósofo:

[...] convém prescrever às crianças exercícios leves, proibindo-lhes


dietas e exercícios forçados, para que nada lhes prejudique o
crescimento; há mesmo uma prova nada desprezível de que o
treinamento rigoroso pode levar a tal resultado: na lista de vencedores
dos jogos olímpicos encontram-se apenas duas ou três pessoas
vitoriosas como homens e como meninos, isto porque o treinamento
desde a infância e os exercícios exagerados lhes tiram as forças. 675

Aristóteles situa essa matéria após ter investigado a escrita e critica os


povos lacedemônios, embora durante “[...] todo o tempo em que perseveravam em seus
penosos exercícios haverem sido superiores a todos os outros povos, agora são deixados
676
para trás tanto nas competições atléticas quanto nos embates da guerra.” De acordo
com a reflexão de Aristóteles, as grandes conquistas dos espartanos não deve ser

672
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.74.
673
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 245.
674
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
675
ibid. VIII, 4, 1339 a.
676
ibid. VIII, 3, 1338 b.
246

explicada pela superioridade dos excessivos e penosos exercícios, mas sim pelo preparo
indevido dos adversários. Do ponto de vista físico, desde cedo, as crianças devem ser
educadas a partir das características de um homem nobre. Para o Estagirita, a primazia
está, sobretudo com o sentimento da nobreza. Diferentemente dos animais e de qualquer
outra fera, a criança nunca deve ser tratada com brutalidade animalesca:

Aqueles que impõem às crianças a prática exagerada de exercícios


penosos e as deixam ignorantes em relação a outras partes
indispensáveis da educação, na realidade fazem das crianças meros
trabalhadores braçais, porque pretendem torná-los úteis à sociedade
em uma única tarefa, e mesmo para esta as preparam pior que os
outros, como demonstram nossos argumentos. 677

Ao terminar sua exposição teórica sobre o primeiro processo pedagógico


da criança, Aristóteles recomenda aos demais educadores de sua época, para não julgar
os feitos anteriores da educação espartana mas, pelos fatos atuais, ou seja, a educação
espartana, ou mais especificamente, o processo pedagógico não é mais o mesmo.
Portanto, a educação dos lacedêmonios necessita de ser analisada a partir de uma nova
perspectiva. Na verdade, Aristóteles está a falar do Estado espartano. Isto é, a educação
é mantida pelo Estado, essa é a proposta de Aristóteles para Atenas. Os preconceitos
devem ser eliminados. Terminado o primeiro período, - a infância, Aristóteles
acrescenta a segunda parte do processo educativo das crianças.

Quando, porém, após a puberdade, os jovens tiverem dedicado três


anos a outros estudos, então convirá consagrar o período seguinte a
exercícios pesados e a uma dieta rígida; não se deve fatigar ao mesmo
tempo o corpo e a mente, pois as duas espécies de fadigas produzem
efeitos antagônicos: a fadiga do corpo prejudica o espírito, e a deste
prejudica o corpo. 678

O terceiro ramo de conhecimento estudado por ele é a música, Aristóteles


reconhece que essa atividade deve ser transmitida às crianças não exatamente por ser ela
uma atividade útil, muito menos por necessidade, para o filósofo, a musica é uma
atividade liberal, a gramática e o desenho são mais úteis e necessários que essa, “[...] os
antigos incluíram a música na educação, não por ser necessária (nada há de necessário
nela), nem útil, no sentido de ler e escrever [...].” 679 Dessa forma ele indaga se a música

677
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
678
ibid. VIII, 4, 1339 a.
679
ibid. VIII, 2, 1338 a.
247

pertence mesmo a um ramo de conhecimento ou a vários? Na concepção aristotélica é


muito complexo entender a influência que a música tem, seja no campo do lazer, do
prazer, dos negócios, da educação, mais complexo ainda seria determinar tal influência,
não se sabe muito bem sobre essa. São várias indagações que o Estagirita faz. Será ela
capaz de exercer influência na formação do caráter tal qual a ginástica exerce para a
formação do corpo? “Ou ainda se ela contribui de algum modo para o entretenimento
intelectual e para o cultivo do espírito, [...].”680
A música por sua utilidade entra no rol das coisas liberais, porém,
Aristóteles, ao investigar as partes que a compõem, pergunta-se se a sua maior eficácia
está esfera da vida educativa, ou no campo da diversão, ou ainda, no entretenimento.
Antes de descrever a resposta por ele dada, é necessário dizer previamente de sua recusa
sobre a profissionalização dessa atividade. Assevera-o:

Rejeitamos, então, a profissionalização no ensino musical e a


execução com os instrumentos, e consideramos a execução em
competições como uma atividade profissional, pois o executante não
participa das mesmas para o seu aperfeiçoamento, mas para o prazer
dos seus ouvintes, e este é um prazer vulgar; por isto não
consideramos a execução condizente com a condição do homem
livre;mas extremamente subalterna; os executantes se tornam
vulgares, uma vez que a vulgaridade da audiência geralmente
influencia a musica, de tal forma que ela dá aos artistas que a
executam com o fito de ser agradável à audiência um caráter peculiar,
e também um aspecto corporal diferente por causa dos movimentos
que ele tem de fazer. 681

Como se sabe, o conceito de profissionalização não é um conceito bem-


vindo para Aristóteles: não combina com o caráter nobre do homem; da mesma
maneira, a ideia de profissionalizar, também analisada na concepção educativa
platônica, não combina com a formação ideal do rei-filósofo. Pode-se afirmar que
Platão e Aristóteles são responsáveis em sua originalidade pelo preconceito contra o
trabalho. Nos poemas e nas poesias de Homero e Hesíodo, respectivamente, o conceito
de trabalho ou mesmo a ideia de profissões não comporta evidentemente o rumo tal se
alastrou a. partir da época clássica na Grécia. É sobretudo Platão “[...] quem sugere a
distinção entre „dizer‟ e o „fazer‟[...].” 682

680
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1339 b.
681
ibid. VIII, 7, 1342 a.
682
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.59.
248

Ainda sobre a influência do ensino musical na educação, Aristóteles


amplia muito o sentido do que possa significar a música na esfera formativa. Do ponto
de vista das qualidades morais, o filósofo sabe perfeitamente bem que essas “[...]
pressupõe sentimentos de deleite, de amor e de ódios apropriados [...]” 683, por sua vez,
a música é uma das coisas bastante agradáveis para o homem. É evidente e necessário
homem deve aprender a julgar apropriadamente e ao mesmo tempo a fazer distinção
entre as ações nobilitantes e ações não nobilitantes. Para o filósofo, as composições
musicais, os compassos, os ritmos bem como a melodia e a cadência das músicas “[...]
contêm representações de cólera e de doçura, e também de coragem e de moderação e
de todos os sentimentos antagônicos e de qualidades morais, correspondentes com mais
aproximação à verdadeira natureza destas qualidades, [...].” 684 Isso é possível perceber
na realidade, essa relação se encontra nos acontecimentos do cotidiano, está na realidade
viva dos indivíduos. Afirma Aristóteles, “[...] (a evidência disto está nos próprios fatos,
685
pois quando ouvimos tais representações nossa alma sofre mudanças);[...].” A
disposição, ou, mais precisamente, a predisposição para deleitar ou para sofrer está na
natureza do indivíduo e vinculada com os fatos do cotidiano. A predisposição para
emocionar, sentir raiva ou alegria com as coisas da realidade está diretamente ligada
com o sentimento diante dos próprios fatos. Aristóteles explica essa situação a partir da
contemplação da estátua, - imagem de alguém.

[...] (por exemplo, se um homem se deleita na contemplação da


estátua de alguém por nada mais que sua beleza, a visão real da pessoa
cuja estátua ele contemplou deve ser-lhe igualmente agradável);
acontece que os objetos atuantes sobre outros sentidosnão transmitem
qualquer sensação semelhantes às qualidades do caráter, como por
exemplo os que afetam o tato e o paladar (embora os objetos que
afetam a visão tenham uma ligeira ação deste tipo, pois há formas que
representam um caráter, mas somente em pequena escala, e nem todos
os homens são capazes de provar esta espécie de sensação); as obras
de artes visuais não são representações de emoções, de caráter, pois as
formas e cores e indicações de tais emoções, e estas indicações são
apenas sensações corpóreas simultâneas com as emoções; sua relação
com a moral é diminuta, mas uma vez que há alguma os jovens
devem ser instituídos para olhar não as obras de Páuson mas as de
Polígnotos, ou de qualquer outro pintor ou escultor que reproduza
sentimentos de ordem moral[...]. 686

683
ARISTÓTELES. Política. VIII, 5, 1340 a.
684
ibid. VIII, 5, 1340 a.
685
ibid. VIII, 5, 1340 a.
686
ibid. VIII, 5, 1340 b.
249

Diferentemente da pintura, da escultura, das artes visuais, na concepção


aristotélica, a música contém uma relação estreita com o comportamento do indivíduo.
A música parece influenciar no caráter da cada indivíduo em particular e de diferentes
maneiras. Ao contrário das artes visuais, a atividade musical “[...] contém realmente em
si mesma imitações de afecções de caráter, isto é evidente, pois há diferenças na própria
687
natureza das melodias, [...].” Também, isso pode ser percebido no cotidiano. Ao
escutar uma música os indivíduos são afetados de maneiras distintas, os sentimentos são
também distintos, cada indivíduo se comporta de forma diferenciada. A música, nesse
sentido é ocasião de mudança de vida para os jovens, portanto, de transformação da
alma do indivíduo, por isso ele recomenda que essa matéria seja encaminhada aos
688
jovens com dedicação. A música provoca “[...] certo efeito moral na alma, [...]” ,
além disso, “[...] o estudo da música é próprio para essa fase da vida dos jovens, por
causa da idade não suportam o que não é adoçado pelo prazer e a música naturalmente é
doce [...].” 689
A última matéria a ser investigada por ele é o desenho. Este, como a
gramática, é uma atividade útil e necessária e também contribui para a formação dos
jovens durante toda a vida. Como atividade liberal, o desenho, diferentemente do lazer,
não deve ser cultivado apenas para prazer, ao contrário, deve ser cultivado em “[...] si
690
mesmo [...].” De acordo com Henri-Marrou, as informações sobre tal matéria são
relativamente baixas. “Surgiu este na educação liberal no curso do século IV,
primeiramente em Sicione, sob a influência do pintor Pânfilo, um dos mestres de
Apeles, donde propagou-se por toda a Grécia.” 691 Parece que na ordem de classificação
das principais matérias da educação da pólis, o desenho ocupa a quarta posição de
interesse. Sobre ele, Aristóteles enfatiza: “É claro, portanto, que há ramos do
conhecimento e da educação que devemos cultivar apenas com vistas ao lazer,
dedicados à atividade intelectual e tais ramos devem ser apreciados por si mesmos.” 692
Aqui, Aristóteles está se referindo à música, mas, ao mesmo tempo, faz menção ao
desenho e também à gramática, pois essas são formas de conhecimentos que estão: “[...]
relacionadas com os negócios, são cultivadas como necessárias, e como meios para

687
ARISTÓTELES. Política. VIII, 5, 1340 b.
688
ibid. VIII, 5, 1340 b.
689
ibid. VIII, 5, 1340 a.
690
ibid. VIII, 2 1338 a.
691
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 210.
692
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
250

693
atingir outros fins.” e acrescenta finalmente que o desenho pode ser “[...] útil no
694
sentido de tornarmo-nos melhores juízes das obras dos artistas [...].” Sobre as
considerações de Aristóteles em relação ao desenho, Henri-Irénée Marrou afirma:

Não há dúvida que não se deve forçar demasiado o sentido


etimológico de um termo que se tornou trivial, mas é realmente na
beleza dos corpos que pensa Aristóteles, [...], em que define a
orientação que deve tomar o ensino do desenho: seu objetivo nada tem
de prático, visando apenas aguçar o sentido da vista, o gosto pelas
linhas e formas. 695

Já descrevemos, mas é preciso enfatizar, a escola de escrita ganha


atenção especial em Aristóteles, a escrita – essa técnica, dignifica e libera o homem para
todas as demais atividades. Em tempos que se fala de alfabetização de jovens e adultos,
de projetos para incluir, estamos atrasados perante Aristóteles, ele é atualíssimo.

3.3 A felicidade e a cidade.

A concepção educativa de Aristóteles está diretamente vinculada aos


conceitos de felicidade e de civilidade. Sem essas duas concepções não há como definir
sua filosofia da educação. A felicidade e a civilidade são conceitos que perpassam
integralmente a formação omnilateral do homem da pólis. No início do livro sétimo da
Política, Aristóteles coloca uma questão essencial para saber qual é a melhor forma de
constituição. Previamente é necessário saber qual o modo de vida mais desejável, mais
querido, mais procurado para os habitantes de qualquer cidade. Na incerteza dessa
questão fica impossível conhecer a melhor forma de comunidade política.
Por um lado, do ponto de vista das necessidades que os cidadãos da pólis
precisam para suas realizações pessoais e individuais, parece não haver dúvida entre os
estudiosos da época. No livro sétimo da Política, no início do capítulo primeiro, de
acordo com a reflexão aristotélica, são três as necessidades básicas que os indivíduos

693
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
694
ibid. VIII, 2, 1338 a.
695
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 212.
251

necessitam para viver, a saber: os bens exteriores, os bens do corpo e os bens da alma.
Diôgenes Laêrtios expressa essa questão:

Como fim único, Aristóteles propôs o exercício da excelência em uma


vida perfeita. Definia a felicidade como a fusão perfeita de bens de
três espécies: dos bens da alma, que qualifica de primeiro por sua
importância; em segundo lugar dos bens do corpo – a saúde, a força, a
beleza e similares –; em terceiro lugar os bens externos – a riqueza, a
nobreza de nascimento, a fama, e similares –; a excelência não é
bastante para a felicidade, sendo necessários ainda os bens do corpo e
os externos, pois o sábio será infeliz se viver aflito por causa dos
sofrimentos, pobreza ou similares; a deficiência moral, entretanto, é
suficiente em si mesma para causar a infelicidade, ainda que seja
acompanhada por abundantes bens externos e do corpo. 696

Por outro lado, Aristóteles sabe que existem divergências sobre o modo
de vida mais desejável na pólis. Ao que diz respeito sobre a “[...] quantificação e
697
superioridade relativas dos bens, [...]” , a ostentação, a mesquinharia, a ganância, o
luxo e a prepotência fazem parte da vida dos cidadãos de Atenas, e essas condições não
são diferentes do tempo contemporâneo. Alguns cidadãos da época de Aristóteles
imaginam ter muitas virtudes morais, “[...] sejam elas quais forem, é suficiente, mas a
riqueza, os bens materiais, poder, a glória e tudo mais do mesmo gênero elas buscam até
698
o infinito, querendo até o excesso.” Ao contrário disso, para Aristóteles a alma é
superior aos bens exteriores, o que ele propõe para a pólisé uma vida onde os cidadãos
livres possam garantir o direito de viver uma vida boa. Sobre os bens exteriores deve
sempre haver um limite para tal, o bem do indivíduo não deve ser superior ao bem da
cidade. O bem da cidade é também o bem do indivíduo. O mais importante para o
filósofo não é justamente a quantificação e a distribuição de bens de uma cidade. Sem
dúvida, o mais importante para ele são as qualidades presentes na alma. Afirma ele:
“[...]; logo, como nossa alma é mais valiosa, tanto absolutamente quanto em relação a
nós mesmos, do que nossos bens externos e nosso corpo, a melhor condição de cada um
desses últimos deve estar quanto à outra na mesma relação em que as próprias coisas
699
estão.” De acordo essa linha de reflexão, os bens que os homens desejam são
desejáveis em função da alma. Afirma ele: “Fique então acordado entre nós que a

696
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. 1998. p.136.
697
ARISTÓTELES. Política. VII, 1, 1323 a.
698
ibid. VII, 1, 1323 a.
699
ibid. VII, 1, 1323 b.
252

felicidade de cada um deve ser proporcional às suas qualidades morais e ao seu bom
senso, à sua conduta moralmente boa e sensata [...].700
Mas as divergências são muitas, outras pessoas pensam e supõem “[...]
que o bem supremo consista em ser o senhor do mundo; pois assim a pessoa teria o
poder de realizar as mais numerosas e belas ações; [...].” 701 Quanto a sua proposta, ele
descreve no capítulo décimo segundo do livro sétimo em Política:

Mas, o objetivo que nos propomos é discernir a melhor forma de


governo, e esta é a que enseja a melhor administração da cidade e a
melhor administração de uma cidade é a que lhe proporciona maior
felicidade; obviamente, portanto, não podemos ignorar o que seja a
felicidade. Sustentamos (de conformidade com nossa definição na
Ética, se os argumentos nela apresentados têm alguma utilidade) que a
felicidade é o resultado e o uso perfeito das qualidades morais, não
condicionalmente, mas absolutamente.702

Para Aristóteles, felicidade além de ser necessária a vida do homem e ao


mesmo tempo um bem em si mesmo. O mais importante para o filósofo não é
justamente a quantificação e adistribuição de bens uma cidade. Sem dúvida, o mais
importante são as qualidades presentes na alma. De acordo com sua concepção, em
termos de superioridade, a alma é o elemento mais precioso que existe no indivíduo, ela
é maior que todos os bens exteriores, maior até mesmo em relação ao corpo, Afirma o
filósofo em relação bens materiais: “Além disto, esses bens são naturalmente desejáveis
por causa da alma, e todos os homens de bom senso devem escolhê-los por causa da
alma; a alma, porém, não deve escolher os bens por causa deles.” 703
Em Ética a Nicômacos, Aristóteles estuda o sentido e a natureza da ética.
O conceito de felicidade não se separa nem da cidade e nem do indivíduo, daí a
concepção de civilidade do filósofo. Como sabemos, homem é para Aristóteles um
animal social. Em outras palavras: essencialmente político, isso significa dizer que o
homem é um ser de civilidade. Werner Jaeger afirma categoricamente: “O Homem que
704
se revela nas obras dos grandes gregos é o homem político.” É na cidade que o
homem vai se realizar e não fora dela. Na mesma dimensão que a felicidade do homem
depende da cidade, assim também a realização da pólis depende do homem. Assim,

700
ARISTÓTELES. Política. VII, 1, 1323 b.
701
ibid. VII, 3, 1325 b.
702
ibid. 1332 a.
703
ibid. VII, 7, 1323 b.
704
JAEGER, Werner. op.cit. 2001. p.16.
253

Aristóteles assegurou precisamenteo sentido da civilidade e, portanto, sua reflexão ética


é política, e vice-versa. A vida em sociedade pressupõe essencialmente a realização
plena do homem e de sua felicidade, ou seja, sem a cidade ou fora dela não pode haver
existência humana, o homem se realiza ali.

Chamamos aquilo que é mais digno de ser perseguido em si mais final


que aquilo que é digno de ser perseguido por causa de outra coisa, e
aquilo que nunca é desejável por causa de outra coisa chamamos de
mais final que as coisas desejáveis tanto em si quanto por causa de
outra coisa, e portanto chamamos absolutamente final aquilo que é
sempre desejável em si, e nunca por causa de algo mais. Parece que a
felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem
supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa
de algo mais; mas as honrarias e o prazer, a inteligência e todas as
outras formas de excelência , embora a escolhamos por si mesmas
(escolhê-las-íamos ainda que nada resultasse delas), escolhemô-las por
causa da felicidade, pensando que através delas seremos felizes. Ao
contrário, ninguém escolhe a felicidade por causa das várias formas de
excelência, nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além
dela mesma. 705

A partir dessas considerações, a felicidade é a condição mais alta que o


homem poderá alcançar,é a concretude da vida humana, ela é “[...] auto-suficiente [...]”
706
·, o ideal mais elevado e nobre. A felicidade a que se refere Aristóteles não é a
felicidade do homem que leva uma vida isolada, solitária. A felicidade está além da
sorte e do destino, isto é, da graça dos deuses. Mas a auto-suficiência da felicidade
acontece na pólis. A felicidade pelo seu grau de auto-suficiência supera o prazer, a
honra, o dinheiro, a riqueza, a sorte, ou seja, o homem, ao escolher a felicidade, não está
mais sujeito a carências porque escolheu a parte de todo o resto que torna a vida boa e
feliz. Por ser desejável por ela mesma a felicidade não carece de outra coisa senão dela
própria. A felicidade não é para Aristóteles apenas uma questão de momento. De acordo
com o filósofo a felicidade vai até onde existe contemplação, até onde o homem com a
faculdade de seu intelecto permitir, assim, a felicidade não pode ser um momento.
Ainda em conformidade com sua reflexão, as pessoas mais capazes de exercerem a
potencialidade contemplativa fruem mais intimamente a felicidade, “[...] não como um
acessório da contemplação, mas algo inerente a ela, pois a contemplação é preciosa por
707
si mesma. A felicidade, portanto, deve ser alguma forma de contemplação.”

705
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. I, 1097 a.
706
ibid. I, 1097 b.
707
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1178 b.
254

Portanto, a eudaimonía visa à vida toda do homem, à totalidade do bem viver, é essa a
finalidade da ética de Aristóteles. Assim, a cidade é o lugar da realização da felicidade.
“A cidade, enfim tem uma finalidade eminente, que é a vida plena e autárquica. Esta
finalidade, que se pode qualificar de ética, não aparece imediatamente; é descoberta na
708
prática da vida comum.” Viver bem e plenamente é conseqüência dessa finalidade.
Eis aqui o sentido da civilidade. O homem se realiza na cidade. “Portanto, é somente
709
por ela que o homem é plenamente: é na e pela cidade que o homem é homem.” A
cidade não é uma mera aglomeração de pessoas reunidas em um mesmo lugar “[...] com
propósito de evitar ofensas recíprocas e de intercambiar produtos.” 710
Nas controvérsias sobre a situação legislativa, judiciária e executiva da
pólis, o caminho mais curto para efetivar a criação da autonomia, para realizar a
excelente escolha e, enfim, para deliberar a justa medida é fundar as relações sociais na
amizade. Ligada aos conceitos de felicidade e civilidade, Aristóteles analisa também o
711
conceito de amizade – phylia , de acordo com as reflexões aristotélicas, a amizade
consiste numa espécie de intermediação primeira para a formação e construção de uma
pólis organizada, justa e solidária: sem amizade não pode haver felicidade e a vida não
vale a pena ser vivida. “Este princípio deve regular também as relações entre amigos
712
desiguais.” Segundo Aristóteles esta é uma virtude ou está estreitamente unida à
virtude. Diferindo do amor e da benevolência, a amizade não implica necessariamente
afeição, excitação, desejo ou prazer, mas se funda numa relação durável, permanente e
sólida, na reciprocidade das relações de solidariedade, de solicitude, de cuidado, de
respeito. A amizade é um bem estável, aproxima-se da benevolência e é mais amplo do
que o amor. Na vida pública deve-se zelar pela amizade como princípio primordial para
motivar a convivência, visando a efetivação da civilidade. Em Ética a Nicômacos o
filósofo explica o sentido da amizade:

E qualquer que seja a significação da existência para as pessoas e seja


qual for o fator que torna a sua vida digna de ser vivida, elas desejam
compartilhar a existência de seus amigos; sendo assim, alguns amigos
bebem juntos, outros jogam dados juntos, outros se juntam para os
708
VERGNIÈRES, Solange. op. cit. p. 152.
709
WOLFF, Francis. Aristóteles e a Política. Tradução de Thereza Christina Ferreira Stummer e Lygia
Araujo Watanabe. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. (Clássicos e Comentadores). p.71.
710
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1281 a.
711
A palavra transliterada phylia do grego (θιλία), está estritamente ligada ao conceito de virtude. Nicola
“Em geral a comunidade de duas ou mais pessoas ligadas por atitudes concordantes e por afetos
positivos”. ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. p. 37.
712
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. VIII, 1163 b.
255

exercícios de atletismo ou para a caça, ou para o estudo da filosofia,


passando seus dias juntos na atividade que eles mais apreciam na vida,
seja ela qual for; já que os amigos desejam conviver, eles fazem e
compartilham as coisas que lhes dão a sensação de convivência. 713

Não obstante os conflitos e as contradições próprias de qualquer grupo


social, a amizade não é e não poderá ser um sentimento que se volta para satisfazer os
desejos, o ego dos indivíduos, mas para realizar os desejos do homem vivendo em
comunidade. Aristóteles trata da amizade sempre em referência à construção da pólis e
da política. As relações recíprocas entre os indivíduos começam a partir do sentimento
da amizade.

Daí se originam as relações entre as famílias, as confrarias, as


irmandades religiosas e as diversões que levam as pessoas ao
convívio. [...] Uma cidade é uma comunidade de clãs e povoados para
uma vida perfeita e independente, e esta em nossa opinião é a maneira
feliz e nobilitante de viver. A comunidade política, então, deve existir
para a prática de ações nobilitantes, e não somente para a convivência.
714

O sentido educativo em Aristóteles propõe zelar pelo direito, mais até do


que pela lei, ou seja, a civilidade propõe que cada indivíduo cuide e zele muito bem
daquilo que é verdadeiramente de todos. Por isso, “A amizade e a justiça parecem
715
relacionar-se com os mesmos objetos e manifestar-se entre as mesmas pessoas.” O
que vai fertilizar a lei são as virtudes e não a força, a imposição e o autoritarismo.
A partir daí Aristóteles entende a comunidade como um todo, composto
por governantes e os governados, portanto, logo, ele teoriza sobre a pólis, - a cidade-
Estado; estuda pormenorizadamente as funções dos órgãos deliberativos; do poder
supremo; do ordenamento das funções dos tribunais e das funções públicas; investiga
quem são as pessoas que devem ser indicadas para cada atividade na cidade. Sem
descaracterizar seu objetivo, nessa mesma linha, visando proteger a classe dominante,
em Política, no livro sexto, Aristóteles, no capítulo quinto, determina a distribuição
716
adequada das “[...] funções de governo [...]” , para a harmonia e o andamento da
ordem da pólis. Do ponto de vista político e administrativo enfatiza inúmeras
superintendências da cidade, a saber: a do mercado; a das propriedades públicas e

713
ARISTÓTELES. Política. IX, 1172 a.
714
ibid. III, 5, 1281 b.
715
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. VIII, 1159 b.
716
ARISTÓTELES. Política. VI, 5, 1321 b.
256

privadas; a da jurisdição sobre o campo e as terras fora da cidade; a dos recebedores de


impostos; a dos arquivistas dos documentos sagrados, a dos sacerdotes; a dos guardiões
das leis; a do lazer; dentre outras. Sobre essas superintendências, ele resume:

[...] elas se relacionam com a religião, com a guerra, com a renda e os


gastos, com o mercado, com a cidadela, com os portos e o campo e
também com os tribunais, o registros de contratos, a execução das
sentenças e a guarda dos presos, a supervisão e verificação das contas
da cidade, a prestação de contas dos funcionários e finalmente as
funções relacionadas com o órgão encarregado das deliberações sobre
os assuntos da cidade. 717

Analisando especificamente a superintendência militar, ou a função dos


guardiões das leis, ele expressa: “Há ainda três funções, exercidas pelas mais altas
autoridades do governo, cujos ocupantes em algumas cidades são escolhidos mediante
718
eleição – os Guardas das Leis, os Pré Conselheiros e os Conselheiros; [...].” A
função dos guardas das leis está subdividida em muitas outras funções, “[...]
719
relacionadas com a guarda da cidade e as ligadas ao serviço militar.” Entre essas,
existe também a guarda das portas e das muralhas da cidade, a guarda do alistamento e
preparo militar, as tropas da cavalaria e da infantaria, da tropa naval, dos arqueiros e
outras mais. “Todas as funções deste tipo constituem uma classe única, a
720
Superintendência Militar.” As pessoas que compõem essa classe são pessoas que
detêm o mando da pólis, “[...], pois os senhores do poder das armas têm também o
721
poder de sustentar ou não a constituição.” Portanto, são confiados às pessoas dessa
superintendência os cargos mais elevados. Por seu turno, o homem livre não deve e não
pode se tornar vulgar, ou, mais precisamente, não deve exercer as atividades
pertencentes aos artífices, nem aos agricultores.
Quando a cidade se realiza, ou seja, quando atinge sua finalidade,
verdadeiramente o cidadão também se realiza. Aristóteles ao falar sobre a importância
da educação expressa:

No momento, porém, estamos investigando a melhor constituição, e


esta é a constituição sob a qual a cidade seria mais feliz (já foi dito
antes que a felicidade não pode existir dissociada das qualidades

717
ARISTÓTELES. Política. VI, 5, 1323 a.
718
ibid. V1, 8, 323 a.
719
ibid. VI, 5, 1322 b.
720
ibid. VI, 5, 1322 b.
721
ibid. VII, 7, 1329 a.
257

morais); diante destas considerações é evidente que na cidade melhor


constituída e, naquela dotada de homens absolutamente justos (e não
apenas justos em relação ao princípio fundamental de certa
constituição) os cidadãos não devem viver uma vida de trabalho trivial
ou de negócios (estes tipos de vida são ignóbeis e incompatíveis com
as qualidades morais); tampouco devem ser agricultores os aspirantes
a cidadania, pois o lazer é indispensável ao desenvolvimento das
qualidades morais e à prática das atividades políticas. 722

Aqui o filósofo descarta qualquer possibilidade de ascensão das classes


inferiores, - dominadas. Ele parte do universal para ao particular para entender mais
claramente a relação de domínio de umas partes sobre as outras, bem como
compreender as possíveis disfunções e distinções existentes entre elas. Aristóteles não
se preocupa tanto com o tamanho da cidade, isto é, com a “[...] magnitude numérica da
723 724
população, [...]” , ao contrário, ele está preocupado com a “[...] eficiência.” Ele
procura, no entanto estudar uma teoria que possa realmente fazer os cidadão da pólis
felizes e, ao mesmo tempo, que a cidade se realize em todos os campos.Portanto,
somente o homem livre está apto a exercer a cidadania na pólis. As poleis gregas em
geral tinham constituições diferenciadas umas das outras, ou seja, cada cidade tinha suas
leis próprias. Como cidade-Estado, cada qual tinha sua independência própria, como se
sabe, as poleis se autogovernam, e é nesse espaço que Aristóteles sistematiza sua
política educacional, que por sua vez deve ser resguardada e aprovada em lei, pois só
assim a cidade se concretiza sua plenitude.
Do ponto de vista da administração política quer ele saber se governantes
e governados devem “[...] alternar-se ou devem conservar na mesma posição por toda a
vida, pois evidentemente o sistema educacional terá de ajustar-se a essa diferenciação.”
725
Para Aristóteles, a própria natureza, em certo sentido já estabeleceu essa posição, um
povo é composto por pessoas de diferentes idades, existem crianças, jovens e adultos,
726
“[...] de tal forma que a uma convém ser governadas e a outras governar.” ;
Aristóteles, no capítulo terceiro do livro quarto da Política estabelece para o bem da
felicidade da cidade e de seu programa educativo, a segregação das classes sociais: os
agricultores são responsáveis para a produção de alimentos; os artífices se dedicam as
artes e aos ofícios; os comerciantes ficam responsáveis para a compra e a venda de

722
ARISTÓTELES. Política. VII, 8, 1329 a.
723
ibid. VII, 4, 1326 a.
724
ibid. VII, 4, 1326 a.
725
ibid. VII, 7, 1332 a.
726
ibid. VII, 7, 1332 a.
258

produtos; os trabalhadores braçais, - os escravos se encarregam da força bruta, e por


fim, a classe superior: os defensores da cidade. Somente a esses últimos o poder da
cidadania pertencem. Na concepção aristotélica é incontestável: os governantes são
superiores aos governados, por isso o legislador deve descobrir uma maneira de fazer
com que isso se realize inteiramente.
De certo ponto de vista, então, pode-se dizer que governar e ser
governado são a mesma coisa, mas de outro se pode dizer que não são;
logo a educação dos governantes e dos governados deve de certo
modo ser a mesma e de certo modo diferente, pois quem aspira ser um
bom governante deve ter sido antes governado, segundo se diz. 727

Aristóteles sabe muito bem que a realidade de sua civilização é uma


realidade formada a partir da divisão social do trabalho, portanto, de um lado: os
dominantes, de outro; os dominados. Mas, uma vez que as coisas são assim é necessário
fazer distinção entre um governo despótico e um governo de homens livres. Para
Aristóteles, não se deve governar despoticamente, de acordo com sua reflexão estão
corretos todos aqueles que afirmam que o governo dos homens livres é o mais indicado,
728
“[...] a vida do homem livre é melhor que do déspota [...]” , assegurando que o
governo deve se constituir de homens livres. As funções constitucionais deverão ser
entregues as mesmas pessoas de uma classe. “A única saída é confiar estas funções
constitucionais as mesmas pessoas, mas ao mesmo tempo, como por natureza, a força
729
esta nos mais jovens e a prudência nos mais idosos.” Fica então assim decidido o
processo formativo de Aristóteles: enquanto jovens: forma-se para as armas, são
guerreiros, na velhice formam para a política, são governantes.

Quanto à educação do indivíduo como tal, que o torna irrestritamente


um homem bom, devemos determinar mais tarde, se tal tarefa é da
alçada da ciência política ou de outra ciência, pois talvez não
signifique a mesma coisa ser um homem bom e um bom cidadão em
todas as cidades. 730

A maior questão para Aristóteles é formar o homem virtuoso. Para atingir


essa finalidade, ele projeta sua prática pedagógica. Para isso, Aristóteles propõe: a
virtude, - a excelência como disposição; a questão dos hábitos - costumes e, finalmente
a educação. A intenção educativa de Aristóteles é formar muito bem o homem da pólis,
727
ARISTÓTELES. Política. VII, 8, 1333 a.
728
ibid. VII, 3, 1325 b.
729
ibid. VII, 7, 1329 a.
730
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. V, 1130 b.
259

na verdade ele quer formar o verdadeiro cidadão. Pela natureza, pelo habito e pela
educação nasce o homem virtuoso de Aristóteles. O hábito adquirido pode ser mediado
pela educação. Desde cedo se aprende os bons costumes: a criança aprende junto ao
pedagogo as boas maneiras, ou seja, os costumes dos homens nobres, - a excelência
moral. Posteriormente, seguindo os estudos aprende a excelência intelectual. Do ponto
de vista da excelência moral pode-se dizer que o caráter não é algo dado e invariável,
mas adquirido, modificável e dinâmico, o processo educativo deve possibilitar ao
indivíduo adquirir uma série de qualidades morais, de virtudes. “Decorre
necessariamente do que foi dito que algumas coisas são pré-existentes e outras devem
731
ser supridas pelo legislador.” A direção do governo da pólis deve estar preocupada
com essa questão. Formar bem os jovens da pólis para que esses participem
adequadamente da vida na cidade.

Por isto devemos desejar que a organização da cidade seja


beneficiada com as qualidades das quais a sorte é a senhora
(reconhecemos que ela exerce este domínio); mas não é obra da
sorte que a cidade age de acordo com as qualidades morais, e
sim da ciências e da premeditação. A cidade age de acordo com
as qualidades morais porque os cidadãos que participam de seu
governo têm qualidades morais, e em nossa cidade todos os
cidadãos participam do governo. 732

Para Aristóteles três são os processos que de certa forma conduzem o


homem em sua vida. Diz ele: “Três coisas fazem os homens bons e dotados de
733
qualidades morais e as três são a natureza, o hábito e a razão.” A primeira: a
natureza, ela é algo dado anteriormente, mas que o homem pode modificá-la pelo
hábito, aqui, ele está se referindo aos governantes e aos governados, a natureza assim os
fez, nasceram nobres, outros nasceram para o trabalho, portanto cabe ao legislador
cuidar dessa primeira parte, pois, de acordo com a filosofia educativa de Aristóteles,
“[...] os homens aprendem algumas coisas pelo hábito e outras coisas por ouvi-las dos
734
mestres.” . A finalidade maior do legislador é empenhar-se para formar o homem
bom, “[...] Como dizemos, todavia, que a excelência de um cidadão ou de um
governante é a mesma que a do melhor dos homens, e que a mesma pessoa deve ser em

731
ARISTÓTELES. Política. VII, 12, 1332 b.
732
ibid. VVII, 12, 1332 b.
733
ibid. VII, 12, 1332 a.
734
ibid. VII, 3, VII, 1325 b.
260

735
primeiro um governado e somente depois um governante, [...]” , portanto, em
primeiro lugar acontece a formação da excelência moral – a sophrosýne, do indivíduo.
O processo educativo deve ser único, para que todos os jovens aprendam a governar e a
deixar-se ser governado. Essa também é uma significativa lição educativa do filósofo.
Como tantas vezes afirmado, jovens: guerreiros, velhos: governantes.
De acordo com seu método de estudo, - a concepção do todo, Aristóteles
divide a vida em “[...] negócios e lazer, e em guerra e paz, [...] 736 e em relação às ações
humanas, “[...] alguma visam às coisas necessárias e úteis, enquanto outras visam às
737
coisas ótimas.” Aristóteles se preocupa essencialmente com a educação integral do
cidadão da pólis, - do indivíduo. Ao estudar a alma do homem ele também a divide em
duas partes: na racional e na irracional. Quanto a essa última, embora sendo irracional,
738
“[...], porém é capaz de obedecer à razão.” Para Aristóteles, estão nestas partes da
alma, as qualidades morais que fazem do indivíduo ser um homem bom. Na razão, ou
seja, a parte racional, pensante do homem está a dimensão prática e a dimensão teórica,
diz ele:

[...] ha uma razão prática e uma razão teórica, e portanto é obvio que a
parte racional da alma também deve ser subdividida assim. Dizemos
que uma classificação equivalente se aplica às suas atividades, ou seja,
as atividades da parte da alma naturalmente superior devem ser
preferíveis para as pessoas aptas a atingir todas as atividade da alma,
ou pelo menos as duas mencionadas, pois o mais desejável para cada
pessoa é sempre o mais alto que ela pode atingir. 739

Esse é o horizonte teórico que ele elabora para interpretar sua prática
educativa para a pólis. Portanto, é nesse campo que ele define em última análise sua
concepção de educação. Fica, portanto, nas mãos do estadista sua inspiração educativa:
formar o homem virtuoso. A felicidade da qual fala Aristóteles em Ética a Nicômacos
está entrelaçada na virtude. Mas a virtude não existe fora do homem. É dentro desse que
essa capacidade se potencializa e se realiza. A virtude é essa capacidade que faz de
qualquer homem buscar o seu melhor. É essa capacidade que qualquer humano possui.

735
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1333 a.
736
ibid. VII, 13, 1333 a.
737
Ibid. VII, 13, 1333 a.
738
ibid. VII, 13, 1333 a.
739
ibid. VII, 13, 1333 a.
261

O estadista, por conseguinte, deve legislar tendo tudo isto em vista,


seja quanto às partes da alma, seja quanto às suas atividades, visando
principalmente aos melhores bens e objetivos. O mesmo princípio se
aplica aos modos de vida e à escolha das ocupações, pois um homem
deve ser capaz de dedicar-se aos negócios e à guerra, mas ainda mais
capaz de viver em paz e no lazer; ele deve fazer o que é necessário e
útil, mas deve preferir o ótimo. Este deve ser o escopo quanto à
educação dos cidadãos, seja em sua infância, seja mais tarde, quanto
se torna imperativo instruí-los. 740

A finalidade da concepção educativa do filósofo é sempre atingir a


perfeição, o ótimo, o verdadeiro, o melhor, ou seja, o processo pedagógico aristotélico
visa atingir o grau máximo da formação do homem vivendo na cidade – pólis. Essa
concepção de educação visa todas as etapas da formação, e, portanto, está diretamente
em “[...] consonância com a pedagogia contemporânea, a qual também insiste na
educação ou formação „geral‟ contrariamente ao interesse, demasiado exclusivo,
concedido a „instrução‟, ao desenvolvimento unilateral das faculdades intelectuais.” 741
Cabe ao estadista de Atenas, em primeiro lugar, fornecer a educação e
não os indivíduos. Não são os pais dos jovens atenienses que devem escolher a escola
para os seus filhos. Os jovens deverão ser instruídos de modo essencialmente, mesmo
porque, esses precisam saber governar e ser também ser governados. Será necessário
obedecer para aprender a comandar. A virtude do cidadão bom é a mesma virtude do
homem bom. “Queremos definir um cidadão, no sentido absoluto, [...] Um cidadão
integral pode ser definido por nada mais nem nada menos que pelo direito de
742
administrar justiça e exercer funções públicas; [...].” Logo, o cidadão é para o
filósofo, exatamente aquele que tem direito de participar das funções deliberativas e
judiciais da cidade, e o que garante isso é a sua nobreza, Somente o homem nobre
poderá participar dos privilégios da cidade. Os artífices, os estrangeiros estão fora desse
rol. Afunilando ainda mais suas intenções educativas, ele expressa: “Depois do que
acabamos de dizer, devemos perguntar se é possível afirmar que as qualidades de um
bom homem são as mesmas de um bom cidadão, ou não são as mesmas.” 743 Aristóteles
sabe perfeitamente bem as algumas pessoas, mesmo indispensáveis na edificação e
realização da cidade não podem ser contadas como cidadãos. Nem mesmo os filhos dos

740
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1333 a.
741
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.342.
742
ARISTÓTELES. Política. VI. 3, 1275 b.
743
ibid. III, 2, 1277 a.
262

homens nobres são cidadãos em sentido absoluto, esses, apenas em ato, não em
potência. Em absoluto, somente os homens nobres adultos.
As qualidades ou as virtudes de um cidadão bom não são diferentes das
qualidades do homem bom. Porém, “Não é portanto adequado ao homem bom, ao
homem apto para a cidadania, ou ao bom cidadão, aprender as tarefas daqueles que
744
estão sujeitos a esse tipo de autoridade,[...]” , nessa perspectiva, só é permitido
exercer essas atividades esporadicamente, sobretudo, quando as finalidades visam o uso
próprio de quem as pratica. Existem diferentes opiniões sobre isso, as qualidades ou os
valores de um homem bom e de um bom cidadão em algumas cidades são as mesmas,
em outras, diferentes, “[...] e também no primeiro caso não é qualquer cidadão que é um
homem essencialmente bom, mas somente o estadista que detém ou pode deter a
745
condução dos assuntos públicos, por si mesmo ou conjuntamente com os outros.” O
sistema educativo interpretado por Aristóteles deve formar apenas o homem das classes
dominantes, tendo,

[...] a nobreza como „antiga riqueza e virtude‟ [...] Nessa expressão


„antiga riqueza‟, aplicada aos nobres, percebe-se muito bem a intenção
de Aristóteles, de distinguir entre as velhas riquezas dos proprietários
de terras e as novas riquezas dos comerciantes e industriais, que já
começava a opor àquelas. 746

Aristóteles em sua obra Política estabelece algumas etapas de sua


educação visando a formação do homem omnilateral. Antes de elaborar algumas etapas
estratégicas encontradas em sua obra Política, é preciso afirmar de antemão, a grande
etapa consiste na escola de estado: o Estado deve fornecer a educação e não os
indivíduos;
A próxima etapa é caracterizada bem antes do nascimento da criança.
Aristóteles no livro oitavo da Política, no capítulo décimo quarto, impõe ao legislador
uma tarefa precípua: ele deve cuidar extremamente do físico da criança, portanto, “[...]
tratar de que as crianças desde o início sejam cuidadas para ter a melhor compleição
possível, ele deve estar atento antes de tudo à união dos sexos e determinar quando e em
747
que condições deve ocorrer a união conjugal. [...].” Aqui o legislador identifica o

744
ARISTÓTELES. Política. III, 2, 1277 b.
745
ibid. III, 3, 1278 b.
746
PONCE, Aníbal. op. cit. p.47.
747
ARISTÓTELES. Política. VII, 14, 1335 a.
263

tempo de procriação considerando as pessoas e as idades, visando a capacidade dos


homens e das mulheres gerarem filhos.
Dando prosseguimento, a etapa seguinte está descrita no capítulo décimo
quinto: Aristóteles deixa a cargo da família a primeira educação da criança, até então,
no projeto platônico, essa era admitida aos cuidados do Estado. Ao contrário, aqui,
nasce a educação familiar. Este período pode ser definido entre os primeiros sete anos.
Caberá à família cuidar da compleição do corpo e aos poucos introduzir a educação
moral.
A próxima etapa está caracterizada também no capitulo décimo quinto.
“Há dois períodos em relação aos quais se devem dividir a educação; um dos sete anos
até a puberdade, e em seguida outro, da puberdade até os vinte anos.” 748
E, finalmente a última etapa, essa fase se concretiza com a maturidade do
indivíduo, está descrita nos últimos dois livros: a cidade deve educar o cidadão.
Para Aristóteles tudo começa pela criação da criança, esta etapa
determina todas as outras. A inteligência e a razão são duas características humanas
naturais, e, portanto seu desenvolvimento é também natural. A nossa criação e a nossa
formação jutamente como a criação de hábitos devem ser sempre regulados tendo em
vista um fim predeterminado, que nada mais é o cidadão vivendo feliz na pólis. A
formação do cidadão atinge sua plenitude na cidade, ou seja, o ponto máximo formativo
do cidadão é definido a partir das qualidades da pólis, é impossível formar homens
perfeitos sem que esses sejam perfeitos cidadãos, da mesma forma acontece com a
pólis, é impossível formar cidadãos perfeitos sem que a pólis seja perfeita. Nesse nível a
formação se volta para o plano do político e, em seu caráter mais profundo, - a
civilidade. Mais do que conhecer a historicidade e a singularidade do seu território ou
de sua etnografia, Aristóteles pensa a formação política e essa se volta para os negócios
da pólis, refere-se às coisas humanas. Distintamente da política educativa
contemporânea, muitas vezes preocupada, sobretudo com os interesses dos indivíduos e
dos grupos e permeada pela corrupção e pelo engano, a política na Grécia antiga tem
como finalidade a dimensão educativa da totalidade da vida do cidadão.
Contemporaneamente, essa realidade especifica entre o papel do Estado e o papel da
educação, Cesar Nunes enfatiza:

748
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. V, 1137 a.
264

A perda do poder de negociação dos setores da educação nas


instancias burocráticas do Estado e a desarticulação dos movimentos
sociais, constatados nesses duros anos 90, têm relegado à educação
um papel secundário de intervenção política do Estado. O próprio
ambiente ideológico de crítica à ação estatal tem produzido deserções
analíticas e improvisações tecnicistas e mistificadoras. 749

A criação, a construção e a realização da pólis, segundoa concepção


ética-política aristotélica, visa à perfeição da formação do homem inteiro, estamos
especificamente restringindo aqui somente os homens livres da pólis. O homem
formado no programa educativo aristotélico aprendeu “[...] os prazeres da poesia, da
750
arte e da filosofia – de gozar o „ócio digno‟.” São nobres formados no fazer e no
dizer, assim, poderiam adequadamente governar a pólis. Por isso, Aristóteles impõe ao
legislador da pólis que não desvie o olhar das escolhas e das deliberações das ações
educativas, visando às finalidades. Também essas devem visar os melhores objetivos e
os melhores bens. Tendo definido o objetivo e a finalidade das ações, é necessário que
as atividades sejam conduzidas para realizar o fim proposto.A concepção educativa de
Aristóteles revela uma configuração teleológica da práxis, isto é, a prática pedagógica
visa a, um fim. Este fim não pode ser realizado fora do contexto da civilidade. Segundo
Aristóteles, a finalidade da práxis é a formação omnilateral do homem da pólis.
Na esfer a da ciência e das artes, no campo da educação, na medicina, no
campo das instituições, na dimensão moral e intelectual, tudo tem uma finalidade, “[...]
assim toda ação e todo propósito visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente,
751
que o bem é aquilo a que todas as coisas visam. ” Por exemplo, quando se produz
uma obra de arte, certamente ela visa a um fim e esse fim nada mais é do que a
perfeição da obra. O homem que Aristóteles quer formar é o homem político, acima de
tudo virtuoso – aquele capaz de governar perfeitamente bem, formado na excelência
moral e intelectual. Portanto, quer formar finalmente o homem de posses, de origem
nobre.O seu programa educativo quer superar as imperfeições e deformações do sistema
de educação da época.
Ele conhece bem as formas de constituição elaboradas tanto pelos
filósofos como pelos estadistas de sua época. Ele sabe que existe a corrupção, a tirania e

749
NUNES. César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e
notas críticas sobre a paideia antiga In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação:
história, filosofia e temas transversais. Campinas SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75
(Coleção HISTEDBR) p.72.
750
PONCE, Aníbal. op. cit. p.49.
751
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. I, 1094 a
265

a demagogia. O luxo, o fausto, a prepotência estão presentes na vida do cidadão da


pólis. No livro quarto de Ética a Nicômacos o filósofo investiga a regulamentação das
propriedades, ele retrata essa realidade decadente da pólis: o acúmulo de propriedades –
de riquezas, é causa de ações irracionais. Por isso, o filósofo elogia a formação do
governante Péricles (499 – 429 a. C.) por seu discernimento quando se trata de questões
do tipo. “É por esta razão que pensamos que homens como Péricles têm discernimento,
752
porque podem ver o que é bom para si mesmo e para os homens em geral; [...].”
Aristóteles considera que os indivíduos que são capazes de discernimento também
conseguem governar não somente suas casas, mas, sobretudo a cidade. Nem sempre as
leis são elaboradas em conformidade com à finalidade da cidade. Nem sempre os
governantes agem para o bem comum da cidade, e, portanto, negam a constituição.
Logo, como Platão, Aristóteles investiga a questão da justiça visando
atingir a formação do indivíduo da pólis. Ao relacioná-la à questão excelência moral,
afirma ele:

Portanto a justiça é frequentemente considerada a mais elevada forma


de excelência moral, [...] Com efeito, a justiça é a forma perfeita de
excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral
perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de
justiça podem praticá-la não somente em relação a si mesmas como
também em relação ao próximo. 753

Em Aristóteles a finalidade dessa prática educativa é o aperfeiçoamento


cada vez mais do agente. O exercício da excelência moral, - a sophrosýne está vinculado
aos meios e ao alcance do homem vivendo na pólis. Por isso a importância da justiça.
Para Aristóteles a excelência moral é fundamental, porque ela acontece na prática
podendo ser deliberada e realizada entre os homens. Para além das virtudes morais, a
excelência intelectual (phrónesis) permite ao homem contemplar os princípios
inteligíveis, buscar a verdade em relação aos bens humanos, escolher o que é melhor e o
maior dos bens. Contudo, as virtudes morais não representam o ápice do agir humano,o
que somente se realiza com as virtudes intelectuais que expressam a mais alta atividade
humana. Do ponto de vista da excelência intelectual, Aristóteles reconhece que essa
prática educativa somente deve ser atribuída aos homens livres da pólis. No seu
programa educativo, a phrónesis é a areté mais elevada porque está relacionada com os

752
ARISTÓTELES. Política. VI, 1140 b
753
ibid. V, 1130 a.
266

primeiros princípios, é a sabedoria prática que se relaciona com o contingente, com o


tempo, com as paixões, com os sentimentos, com as possibilidades, com a liberdade e
com as circunstâncias do mundo e da vida. O homem formado no seu programa
educativo sabe governar e sabe ser governado. Uma coisa não exclui a outra.
Com Aristóteles a educação deixa de ser uma atividade livre, - privada e,
passa a ser governada pela superintendência máxima da máxima da pólis - o Estado. O
homem formado na concepção educativa do filósofo sabe viver a vida boa da cidade;
também, a esse nobre é destinado o tempo livre para relaxar e cuidar daquilo que é mais
proveitoso – o estudo da filosofia. O tempo livre - o ócio tem sua conotação original na
no termo skholé, substantivo próprio, transliterado para a língua portuguesa e entendido
como escola.
Nesse sentido, o ócio pode ser entendida como tempo possível de
reflexão, de estudo, de formação, de criação das artes, das letras, enfim, da cultura. Para
os antigos gregos, o tempo livre é uma atividade intelectual, inversamente e contrária da
atividade física. O ócio, do ponto de vista dos gregos, não pode de maneira alguma ser
entendido como uma não atividade, ou simplesmente como um nada fazer. Ao inverso,
é um tempo a que se reserva para que o indivíduo possa se dedicar plena e totalmente
para a reflexão, às ideias e ao espírito. Na língua latina esse termo já tem uma conotação
institucional, ou seja, pode ser compreendido como um espaço ou um lugar onde
acontece qualquer tipo de instrução, ou seja, é lócus de formação.
Particularmente, a concepção educativa de Aristóteles, tem como
categoria central a civilidade, o homem é o zoon politikon. A cidade como um todo deve
educar o cidadão. Eis a missão da filosofia da educação do filósofo. Ele coloca nas
mãos do Estado o sistema educativo das escolas da pólis.
Esse nobre, formado nas armas - no fazer, logo, sabe defender sua vida e
proteger sua cidade com galhardia; formado também na política - no dizer, com efeito,
sabe dominar a assembléia. Esse privilégio destinado a alguns poucos esta reservado
também o estudo da filosofia, o pensar. A civilização grega clássica da antiguidade
desejava uma educação para a prosperidade da nobreza e, Aristóteles acertadamente
interpreta essa prática com adequação e harmonia.
Tal qual Platão, Aristóteles evidencia uma educação substancialmente
política e ética. Como já sabemos, a cidade teorizada por Platão é idealmente política e
acima de tudo, ética. Os aspectos da formação platônica envolvem toda a dimensão da
cidade, isto é, todo o espaço da cidade e, portanto, o lócus urbano - a urbanidade. A
267

cidade platônica emerge no âmbito da natureza da justiça e da injustiça. Recordando o


segundo capítulo, Platão pensou o sentido formativo do indivíduo político, mais que
isso, ele elaborou um projeto educativo para formar indivíduos justos, sábios, e capazes
de governar a cidade par a justiça e para o sumo Bem. Platão quer limpar a cidade da
corrupção, da intriga e inveja política, da criminalidade, da injustiça, da desonestidade,
da impiedade. A lei platõnica é garantia de uma cidade equilibrada e sadia. Da mesma
forma, o zoon polítikon de Aristóteles foi configurado no âmago da cidade. O lócus
público, é espaço de criação de civilidade.O viés político de Platão e o vies da civilidade
de Aristóteles só poderá ser compreendido na cidade, pela cidade, e com a cidade. A
pólis é a chave principal que caracteriza e direciona o norte do nosso quarto e derradeiro
capítulo.
268

CAPÍTULO IV

A FORMAÇÃO OMNILATERAL NA PÓLIS

A filosofia do trabalho para produzir e do produzir para consumir,


indissociável do ideal de sociedades da abundancia, criou um ciclo
em que a massificação supervalorizou o Homem que, escravo do
consumo, numa confusão eufórica entre o ter e o ser esventra a
Natureza em busca de matéria-prima, altera a em fincão do „conforto‟
e do lazer programado. A natureza desventrada vinga-se. A tolerância
convive com o mais radical fundamentalismo.
Maria do Céu Fialho

4.0 A metodologia do capítulo.

Nas páginas introdutórias dessa tese esboçamos a hipótese da nossa


pesquisa, segundo a qual, as filosofias de Platão (427 a. C. – a 348 a. C.) e de
Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) são fundamentais para compreendermos o sentido da
educação e a natureza da escola, ao mesmo tempo, em que coloca a possibilidade de
uma formação omnilateral do ser humano. Isto é, nas obras de Platão, – o viés político
e, nos escritos de Aristóteles, – a civilidade, são conceitos fundamentais para pensar o
processo pedagógico.
Dividido em cinco tópicos, o intento que aqui se busca é compreender o
processo político e pedagógico a partir de três realidades historicamente criadas e
determinadas a partir do universo espiritual da civilização grega dos séculos IV e V a.C.
Consequentemente, essas realidades do mundo clássico da Grécia antiga compõem o
nosso legado grego, são elas: a pólis, entendida como escola e mestra de política e de
civilidade; a filosofia, compreendida na sua dimensão educativa e a filosofia da
educação, como criação originária de Platão e de Aristóteles. Para tanto, dividimos em
cinco tópicos o capítulo, o primeiro trata de uma investigação sobre o universo
espiritual da pólis, entendido como substrato de política e civilidade, para pensar a
possibilidade de uma formação que propicie não a unilateralidade, ao inverso, que
269

privilegie uma formação completa. O segundo e terceiro tópico trata respectivamente do


viés político de Platão e do viés da civilidade e finalmente o quarto e quinto tópico
investiga respectivamente o sentido e a gênese da filosofia e também da filosofia da
educação. Portanto, para entender o universo da pólis
Para entender o sentido educativo da pólis devemos com tudo
compreender necessariamente a natureza da filosofia. Conhecer o mundo de suas raízes
que é, senão, conhecer o mundo grego como expressou Heidegger: “A palavra
754
„filosofia‟ fala agora através do grego.” Mais que pensar o que seja a filosofia, sua
gênese e sentido, queremos entender esse sentido educativo que não é algo exterior à
filosofia. Ao mesmo tempo faz-se necessário entrar em contato com os primeiros
filósofos, bem como entender as raízes do pensamento originário de alguns deles. A
filosofia de Platão é educativa do começo ao fim por excelência, a de Aristóteles é
formativa em toda sua extensão. Aos homens que determinam as leis do Estado,
expressa Platão em sua Carta Sétima: “Que sejam senhores de si mesmo e estabeleçam
leis comuns, […]" 755, por seu turno, Aristóteles, recomenda em Política, medidas para
756
atingir “[…] o bem estar de todos.” A filosofia grega cria a paideia movida pela
política e pela civilidade.

4.1 A pólis

Já afirmamos que o universo espiritual da pólis, dos séculos V e V a. C.,


teoricamente, traduz os princípios que sustetam de fato, nosssas categorias de análise: o
viés político em Platão e o viés de civilidade em Aristóteles. Nelas estão contidas as
raízes que sustentam teoricamente os conceitos de política e de civilidade. Delas
derivam o nosso entedimento e compreensão da realidade da existência dos homens e
das mulheres como seres humanos. As categorias em análise – a justiça, a ideia de Bem
a ideia da conversão, do homem virtuoso e feliz, de equidade e da própria liberdade
desprendem do viés político platônico e da civilidade aristotélica. Já sabemos que, tanto

754
HEIDEGGER. Martin. Que é isto a filosofia? Identidade e Diferença. Tradução e Notas de Ernildo
Stein. 2ª ed. São Paulo: Livraria duas cidades Ltda, 1978. p. p.20.
755
PLATÃO. Carta VII. 337.5.
756
ARISTÓTELES. Política. VII, 12, 1332 a.
270

Platão como Aristóteles recolheram da tradição aristocrática as primeiras raízes


educativas.
O cenário formativo da política e da civilidade da pólis é pensado a partir
das ideias de propriedade, igualdade e liberdade. De fato, esse horizonte democrático
começou a ser sistematizado efetivamente com leis de Sólon (638 – 558 a. C.) A ideia
de propriedade, de seu uso e posse já estava presente no contexto social desse
legislador. Ele percebeu claramente que a igualdade, ou seja, a igualização das
757
propriedades “[…] afeta fortemente a comunidade política.” Parece ser fácil e
simples pensar isso numa civilização em que o trabalho é realizado pelos escravos. Mas
não é tão sinples assim. O desejo de ganância mora no ser humano, a ambição, avareza,
usura, avidez são desejos, são pré-disposições que estão na alma do homem. Isso é
exatamente a parte irracional que Aristóteles se referiu em sua Ética.
Já pesquisamos isso no primeiro capítulo, a sociedade da Grécia Antiga
era uma sociedadeia também composta por escravos em sua grande maioria. A
escravidão é uma questão tão antiga quanto a própria existência da humanidade; é
estilizada e marcada por uma relação de dominantes e dominados.Também a sociedade
grega não foge a esse padrão e nem poderia. A estrutura política e social engendrada por
essa civilização reconhece, sem maiores problemas, a supremacia do mais forte sobre o
mais fraco e, portanto, essa é a mentalidade que estrutura a vida social dos povos
antigos. Platão e Aristóteles teorizam sobre a escravidão e a legitimaram como veremos
posteriormente. Os dois filósofos reconhecem que os escravos são instrumentos de
trabalho, porém, nem o primeiro, nem o segundo recomendam maus tratos em suas
filosofias. A lei é essencialmente significativa em relação à insolência e maus tratos a
quem quer que seja: a cidade grega, também aos escravos, concedia proteção contra a
violência. “Mesmo o patrão não gozava, na prática, de total impunidade nas relações
com os seus escravos: a estes concedia a pólis, em caso de maus tratos, a possibilidade
758
de se asilarem em determinados locais – [...].” Mais que reconhecer a condição do
escravo, o homem grego livre sabe respeitar o próprio homem no escravo. Na época
helenística esse sentido é, para um grego, um dever moral incontroverso, é acima de
tudo uma atitude educativa: tratar o escravo com humanidade tornou-se para o mundo
helenístico uma ocasião de distinção e de educação. Não estamos aqui a defender o

757
ARISTÓTELES Política. II, 4, 1266 b.
758
FERREIRA, José Ribeiro. Participação e poder na democracia grega. Coimbra: Gabinete de
Publicações do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 1990. (Coleção Estudos) p.65.
271

regime da escravatura e nem estamos a afirmar que os maus tratos não aconteciam na
vida cotidiana dos cidadãos livres na pólis, estamos apenas descrevendo a época
histórica em que os atenienses criaram e promulgaram suas leis. Contudo, com o passar
dos tempos, aperfeiçoaram e priorizaram o status e o locus de sua constituição.
A característica educativa principal dessa sociedade divide as classes
sociais no seu processo educativo, isto é, faz distinção entre os indivíduos; assim, o ato
de educar ou o processo formativo, é diferente para cada grupo social confirmando a
distinção entre as classes. Fazer distinção entre classes é uma condição natural dessa
época, essa educação estava voltada para os filhos dos nobres e não para os camponeses,
para os artesãos e comerciantes.
Sólon reconheceu essa realidade frágil que afeta a dimensão da vida
pública. Aristóteles percebeu isso e escreveu em Política. “Alguns legisladores antigos
[…]; há, por exemplo, a legislação de Sólon, e outras cidades têm uma lei que impede
759
os indivíduos de adquirirem toda a terra que desejem; [...].” A civilidade é movida
inteiramente pela amplitude e dimensão dos valores que dignificam o ser humano e sua
existência. Em Hérodoto, a ideia de liberdade é debatida; o historiador coloca na boca
do rei da Pérsia a própria questão da liberdade.

Em conclusão, de onde nos vem a liberdade? De quem a obtemos? Do


povo, da oligarquia ou de um monarca? Pois se é verdade que por um
único homem fomos libertados da escravidão, concluo ser necessário
mantermos o governo monárquico. Aliás, nunca se deve infringir as
leis da pátria quando elas são verdadeiramente sábias, pois isso seria
perigoso. 760

A liberdade, a igualdade e a justiça são questões relativamente complexas


para qualquer grupo humano. Heródoto ainda nos conta que os outros seis reis da Persia
confabulavam sobre a maneira mais justa para eleger um rei. De acordo com a decisão
final, seria eleito aquele que tivesse mais soberania entre eles. A ideia de liberdade é tão
antiga quanto o homem. Não somente Heródoto faz essa notificação, Aristóteles sabe
muito bem que o princípio de igualdade comporta a liberdade política. Ele trata disso
em sua obra. Não basta e não é suficiente determinar o sistema político, pois o que está
em jogo não são os sistemas políticos. O filósofo entende perfeitamente bem isso e
explica:
759
ARISTÓTELES. Política. II, 4, 1266 b.
760
HERÓDOTO. História. Tradução do grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1988. p.268
272

É possível, porém, manter a igualdade de propriedades, mas seu


tamanho pode ser demasiadamente grande, a ponto de estimular o
gosto pelo luxo, ou muito pequeno, levando a uma vida de penúria; é
claro, portanto, que o legislador não deve simplesmente estabelecer a
igualdade das propriedades; cumpre-lhe também assegurar um
tamanho médio para as mesmas. 761

A questão não é exatamente a lei. As normas são apenas normas mas,


para qualquer grego da época de Platão e Aristóteles, a norma tem autonomia, a lei é
tudo: Sabendo disso, Aristóteles, expressa: “Mas, ainda: mesmo que fosse imposta uma
limitação moderada às propriedades de todos, tal medida não solucionaria e problema
762
[…].” É exatamente por isso que, tanto um filósofo como o outro, recorrem
detidamente, ao sistema educativo. Recorrem ao sistema educativo da pólis, – cidade,
portanto, do Estado. O que está em jogo é a formação do homem em sua totalidade,
“[…], pois é mais necessário igualizar os desejos dos homens que suas propriedades, e
só se pode chegar a este resultado mediante um sistema adequado de educação imposto
763
por lei.” As obras de Platão e os escritos de Aristóteles não foram feitos para a
realização do progresso das poleis, da territorização do espaço urbano, do cosmos, das
artes, da pintura, da poesia, das letras, ou da técnica, ainda que eles tivessem a
preocupação em estudar bem todas questões, porém, eu afirmo, são preocupações
periféricas, os dois estão preocupados com a alma do homem em sua totalidade, cada
um à sua maneira é claro. Em suas obras, todos os dois querem tornar os homens
melhores que são. Toda a pesquisa, toda investigação, todas as análises, portanto, tudo
converge para transformar o homem em humano. Estão preocupados em darem aos
homens: o sentido pleno do humano. O escopo formativo da filosofia de um ou de outro
sempre termina na omnilateralidade humana.
Não é tão simples dar aos indivíduos as mesmas possibilidades sem
desprender das categorias sociais, sem desgarrar das condições materiais, econômicas,
ideológicas, ou culturais. Este é o background da civilidade. Talvez seja essa, a procura
mais lúcida que uma civilização até agora buscou. Não podemos e nem queremos
pensar uma educação omnilateral sem estar ancorado no Estado. E, é nesse sentido, que
a pólis da época de Platão e de Aristóteles anuncia e delimita o sul e norte da tentativa
de formar o homem em sociedade. A teoria política de Platão nasceu no contexto
761
ARISTÓTELES. Política. II, 4, 1267 a.
762
ibid. II, 4, 1267 a.
763
ibid. II, 4, 1267 a.
273

histórico engendrado pela pólis. O viés da civilidade de Aristóteles, da mesma forma,


criou raízes na conjuntura histórica da cidade. Sócrates é levado ao tribunal ateniense e
condenado por ensinar filosofia. Nada mais que isso. Aristóteles, além de sua raiz
macedônica, continuou sempre estrangeiro e, portanto, sabia da maldade dos políticos,
em Política, em profunda comunhão com Platão, o Estagirita atesta a crueldade e
impiedade dos governantes. Ao teorizar sobre os regimes das constituições de sua
época, ele chegou a afirmar que algumas oligarquias, os políticos desejaram e juraram
maldade ao povo, “[…] e serei inimigo do povo e sempre desejarei todo o mal contra
764
ele, mas deveriam ter e demonstrar sentimentos absolutamente contrários;[…],
portanto, os dois filósofos encontram, no solo ateniense, as raízes teóricas para pensar a
educação. Nasceu da angustia e tristeza platônica a ideia de justiça e de Bem, e da
tormenta e desgosto aristotélico, o desejo de civilidade. O ideal político e o viés de
civilidade nascem simultaneamente juntos.
Na viragem do séculos VIII e VII a. C., podemos dizer que um novo tipo
de organização social apareceu no solo micênico, inaugurou-se um novo tempo, uma
nova mentalidade brotou, novos costumes apareceram. Com o ausência do rei e sua
corte, dois povos surgiram e disputavam o destino do solo grego, de um lado, as
comunidades dos camponeses, de outro, a aristocracia guerreira. Não foi sem conflitos
que nasceu uma nova realidade. Se voltarmos os olhos com atenção para os textos
redigidos nessa época, é possíivel perceber claramente o barril de pólvoras que vive
Atenas. Em Pseudo-Xenofonte ou, o suposto notável oligarca que teria redigido uma
das traduções da A Constituição dos Atenieneses, em certo sentido, expressou muito
bem, a realidade conflituosa da política da época de Platão e de Aristóteles. Está escrito
no segundo parágrafo da obra as seguintes palavras: “[…] é legítimo que, em Atenas, os
pobres e o povo recebam mais do que os nobres e os ricos.” 765 Quem carrega o fardo e
faz Atenas desenvolver não é o pequeno grupo da elite – poderosos e proprietários de
terra e de escravos. De acordo com as palavras do pseudo-autor, “[…] é o povo que
conduz as naus e confere poder à cidade, são os timoneiros, os chefes dos remadores, os
766
superintendentes, os vigias de proa e os carpinteiros […].” Os nobres da elite e os
hoplitas estão longe dessa realidade. Por isso, não foi sem confrontos que a Hélade
conheceu uma nova sophia, - saber, racionalidade, […] ligada a uma plêiade de

764
ARISTÓTELES. Política. V, 1310 a.
765
PSEUDO-XENOFONTE. A constituição dos atenienses. 1.2.
766
ibid. 1.2.
274

personagens […] aureolados de uma glória quase lendária e sempre celebrados pela
Grécia como seus primeiros, como seus verdadeiros sabios […] ” 767, mas é exatamente
na paragem do século V e VI a. C., que a filosofia abraça definitivamente a paideia, daí,
o processo educativo do cidadão e seu viés político. O próprio Pitágoras, como
investigaremos posteriormente, foi considerado um sábio, embora renegasse esta
distinção. Sem dúvida, nessa época a Grécia explora os caminhos que lhes são próprios,
na verdade, cria os fundamentos do pensamento político cidade – pólis. É nesse
labirinto histórico que, precisamente, circunscreve o ideal político e civil da pólis de
Platão e de Aristóteles.
Sem fugir aos propósitos da nossa investigação, aproximamos um pouco
mais das ideias originárias do universo da sophia, ressaltamos, aproximamos ainda mais
do universo dos sapientes – personagens estranhos e lendários – tradição dos sete
sábios. Os escritos que nos impulsionam para essa investigação é obra de Plutarco,
intitulada, Obras Morais O Banquete dos Sete Sábios. Tradução realizada pelo
investigador Delfim Ferreira Leão, da Universidade de Coimbra. De acordo com os
estudos do investigador português, a gênese mais estável deste grupo de sapientes, é
atribuida aos testemunhos literários de Heródoto. Entretanto, a primeira relação
completa da reunião dos sete sábios encontra-se em Protágoras de Platão. Com base
nos estudos de Delfim Ferreira, a causa ou o “[…] motivo que justificaria sua reunião
teria sido a vontade de consagrar a Apolo certas máximas, como primícias da sua
768
sabedoria.” Ainda, sem afastar dessa criação literária é preciso entender a própria
ideia de banquete – dos comensais na vida da cultura grega arcaica. O próprio Platão
intitula um de seus diálogos como O Banquete. Na tradução da obra o investigador
português caracteriza os rituais de partilhar a comida e a bebida na cultura grega. Este
ritual tem um significado especial nas reuniões dos antigos sábios, “[…] constitui uma
oportunidade excelente para vencer as barreiras e firmar os laços sociais, antes de mais,
769
mas também cariz político e religioso.” Não é menos importante nos festivais
religiosos que por sua vez assumiam um lugar de Estado, “[…] enquanto elucidativo
sinal de civismo, onde a reifeição em conjunto poderia ocupar um posto importante.” 770
Este ritual dos comensais também assume uma dimensão significativa na vida sexual

767
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da
Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.11.
768
N.T. In: PLUTARCO. Obras Morais. O Banquete dos sete sábios. p.20.
769
ibid. p.24.
770
ibid. p.24
275

dos cidadãos dos jovens iniciados. No primeiro capítulo investigamos esta situação: a
formação dos jovens depedem exclusivamente da naturalidade da atividade sexual,
também aqui, o banquete – os comensais – o “[…] symposion, podia cumprir também a
771
função de iniciar um jovem à vários níveis, entre eles a a atividade sexual.” Nesse
âmbito, não existe estranhamento em relação ao ensino e a sexualidade, acima de tudo,
perpassa a naturalidade. De acordo com Defim Ferreira, todas estas circunstâncias são
essenciais para a formação política de um cidadão, ao mesmo tempo em que reforça
772
“[…] os laços de amizade pessoal e ideológica, […]” pode traduzir o sentido de
civilidade e de lealdade entre os grupos ali reunidos. Enfim, os estudos de Delim
revelam que esses laços de amizade poderiam manifestar-se determinantes na altura de
solucionar problemas pessoais ou de perseguir uma carreira política. Bem como
sabemos, mais que a comida, a bebida, ou, o vinho, era o elemento simbólico nestas
reuniões. O sentido literal primitivo, para fazer jus a palavra, symposion, significava
beber em conjunto. E, portanto, as vezes, o vinho detinha maior poder que os convivas,
“[…]colocando em risco a harmonia do encontro.” 773 O mais importante nessas poucas
palavras sobre a tradição dos antigos sábios é o sentido ético que delas se desprende.
Vinculado fortemente ao potencial ético, a literatura de sentenças que move a tradição
774
dos sete sábios […] enquanto repositório de um legado civilizacional […] , deixou
para a história da educação da Grécia, antiga, seja nas obras de Homero ou de Hesíodo;
seja nos escritos de Platão ou de Aristóteles, esta ideia marcante da sophia, que abriga
do universo dos homens sábios.
Quando da derrocada do palácio, ou seja, da destronação dos antigos reis
gregos e dos mais diferentes privilégios, a pólis surge como um bem de todos. “No
local em que se elevava a cidade real – a residência privada, privilegiada –, ela edifica
775
templos que abre a um culto público.” Quando tecemos ideias sobre civilidade,
democracia, igualdade, política, autonomia, muitas vezes, parece ser Atenas, a mais
considerada, no entanto, não podemos desconsiderar ou esquecer que outras poleis,
como Megara, Samos, Mileto ou Quios, “[…] onde é provavel ter existido instituições
776
democráticas desde o início ou meados do século VI.” O reconhecimento mais

771
N.T. In: PLUTARCO. Obras Morais. O Banquete dos sete sábios. p.25
772
ibid. p.26
773
ibid. p.26
774
ibid.p.12.
775
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.51.
776
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.12.
276

profundo da prática da pólis é caracterizado pelos laços de pertença do indivíduo com


sua cidade. Esses laços de pertença são caracterizados pelo princípio de igualdade.
Igualdade perante a lei, portanto, o conceito de isonomia – igualdade perante a lei,
isegoria – igualdade de direitos no manifestar. “A cidade está agora centralizada na
Ágora, espaço comum, sede das Hestia Koiné, espaço público em que são debatidos os
777
problemas de interesse geral.” Desfeito o palácio real, proprietario primeiro de tudo
e de todos, surge a pólis, que transfere os privilégios privados para a esfera pública, o
Estado, de agora em diante, passa a ser a questão comum. “A arché não poderia mais
ser a propriedade exclusiva de quem quer que seja; O Estado é que precisamente o que
se despojou de todo caráter privado, particular, o que, escapando da alçada dos gene já
aparece como questão comum.” 778
Se é como se diz, a pólis é a mestra do homem, então, concretamente,
podemos dizer: esse epitáfio traduz, verdadeiramente, em poucas palavras: a forma, o
modo, a intenção, o jeito, os costumes, o estilo, os hábitos, o aprendizado, o ideal;
portanto, a poesia, o teatro, a música, as letras, as artes, a literatura, a pintura, a
escultura, enfim, a experiência – a prática cotidiana das poleis gregas. Num primeiro
momento, ao em torno, as muralhas das cidades eram construídas para dar proteção e
segurança ao grupo humano que ali habitava. Porém, num segundo momento, os
guerreiros não mais defendiam os espaços privados dos reis, e sim, o espaço público. A
praça pública se torna o espaço comum entre eles. O que está ao centro, isto é, o que vai
a frente, o que dá voz de comando, não é o interesse privado. A pólis, nada mais é do
que os cidadãos. O interesse de privilegiados deixa de existir para dar lugar ao interesse
de todos. O bem comum torna-se prioridade no esquema de formação da cidade.
Portanto, o que é de todos é posto ao centro como objeto de deliberações. Até então, a
relação súdito e rei é sinal de submissão, é símbolo de domínio, mas a nova relação
homem e a cidade é sinal de unidade, semelhança e igualdade. “Todos os que
participam do Estado vão definir-se como Hómoioi, semelhantes, depois de maneira
779
mais abstrata, como os Isoi, iguais.” Não existe vida pública verdadeira sem
igualdade, sem justiça, e sem participação. O que passa disso é injustiça, é desigualdade,
portanto, roubo e tráfico. Nos momento da escolha e definição políticas, sobretudo,
para que haja igualdade na vantagem e no serviço, Aristóteles afirma que: “[…] a

777
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.54.
778
ibid. p.50.
779
ibid. p.65.
277

780
amizade política quer assentar na igualdade.” A questão da igualdade e da
participação concreta de todos no governo sempre foi uma questão intrincada. Ela nasce
em terreno grego e tem suas particularidades que precisam ser esclarecidas.

A democracia nasceu de um conflito entre os nobres – os euprátridas


detentores de todos os poderes na época arcaica, religioso,
político,econômico, jurídico – e um amplo leque de outros Atenienses
bastante diversificado ecônomica e socialmente, que, apesar de
cidadãos se encontravam numa situação subalterna e não gozavam de
quaisquer direitos políticos, a não ser participar nas reuniões da
Assembléia, cujo poder era então na prática nulo. 781

Em Participação e Poder na Democracia Grega, o investigador


português, José Ribeiro Ferreira, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra revela que o termo democracia,
782
“[…] teve a certidão de nascimento na Grécia como o regime a que se aplica, […]” ,
sem uma data precisa, provavelmente teria surgido no segundo quartel do século V
antes de nossa era. Em conformidade como o mesmo autor, a composição e conotação
linguística da raíz e do conceito de democracia estão associados a outros dois termos,
“[…] além de dêmo-, entra na sua formação, como segundo elemento de composição,
krat-(de kratos que significa „força‟ ou „soberania‟).783 Aqui nasce a ideia de força do
dêmos – povo. Numa das obras de Xenofonte (427 – 353 a. C.), em Memoráveis, os
personagem Sócrates e Eutídemo estão investigando o sentido do termo democracia.
Nessa narrativa, o interlocutor quer saber se é possível entender a noção de democracia
sem a participação do dêmos. Indaga Sócrates:

-Achas possível conhecer a democracia sem conhecer o povo?


-Não, por Jupiter!
-Que chamas o povo?
-Acho que sim.
-Os cidadãos pobres?
-Sabes, então quais são os cidadãos pobres?
-Como não havia de sabê-lo. 784

Sócrates entende que o povo – dêmos não é senão os mais pobres dentre
os cidadãos livres. E Sócrates, sabe muito bem disso. Os mais pobres são aqueles que

780
ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. 1242 b30.
781
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.49.
782
ibid. p.12.
783
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.13.
784
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. In: Pensadores. IV, 1, 37
278

não têm o suficiente para sustentar sua existência. Podemos afirmar que o conflito entre
pobres e ricos sempre foi uma luta travada na história e na política da humanidade. A
democracia ateniense nasce dessa forma, na oposição entre o demos – povo e os
plousioi – ricos. E alcança proporções terríveis em termos de conflitos sociais. Ao
delatar os desvios das metas públicas, Aristóteles sabe também que o regime
democrático é, igualmente, da ordem dos mais necessitados, expressa ele: “[…] a
democracia é o governo no interesse dos pobres, e nenhuma destas formas governa para
785
o bem da comunidade.” Platão, aristocrata de nascimento, mesmo critica
786
veementemente a democracia, reconhece-a como governo para os pobres.
“Democracia é assim o „governo pelo dêmos‟, o povo.” 787A democracia grega tal como
era praticada na época de Platão e de Aristóteles era uma democracia direta e
plebiscitária e, ainda, é na Assembléia que era decidido os rumos da pólis.

É certo que, como na atualidade, as pressões funcionavam e jogavam-


se influências. Apesar disso, o dirigente político estava muito mais
dependente da vontade do dêmos reunido em assembléia – sempre
volúvel e pronto a responsabilizar os seus governantes. Sociedades
sem burocracia, nela as clientelas partidárias não tinham expressão
significativa. Quando muito verifica-se uma espécie de clientela
pessoal, mas sem caráter permanente. 788

Diferente dos nossos conceitos, a democracia grega tinha outras


particularidades. O regime democrático grego está situado no mesmo patamar que a
789
aristocracia. Já sabemos que a aristocracia é o governo dos aristos – os melhores
homens de Atenas. O regime aristocrático era portanto, governado por homens de
muitas posses – riquezas. Por outro lado, a oligarquia – governo liderado por poucos,
era praticado como já sabemos, sobretudo, na pólis espartana, os lacedêmonios eram
especialistas nesse tipo de governo. Cesar Nunes, em As Origens da Articulação entre
Filosofia e Educação: Matrizes Conceituais e Notas Críticas sobre a Paideia Antiga.
Expresa com perspicácia e lucidez:

785
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1279 b.
786
PLATÃO. A República. 557 a.
787
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.14.
788
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.45.
789
O termo aristos significa “[...] os melhores, no sentido social. Serve de superlativo a agathói [...]”. Os
aristos eram cidadãos livres que possuiam propriedade e outras posses, ele compunham a elite da pólis
grega. ibid. p. 100.
279

Mais próxima a uma plutocracia, a democracia ateniense fora original


por recusar conceber o poder como derivado ou orindo de uma
emanação ou natureza divina, mas defini-lo como algo fundado no
pacto entre iguais, homens dotados de razão, sustentado pela palavra
(logos) soberana e pela argúcia da argumentação direta de seus
portentores na ágora pública. 790

Independentemente do regime político a ser adotado, a lei é “[…] uma


791
garantia de justiça recíproca […]” Aristóteles, no livro terceiro em Política trata
especificamente dos tipos de governo de sua civilização. Ele sabe muito bem que a
cidade não é apenas uma reunião de pessoas que buscam como o objetivo atingir os
ideais da compra e da venda, a cidade, para ele não é um mercado, não é um
agrupamento militar, a cidade tem a finalidade de atingir o bem comum. Em plena
guerra do Peloponeso, sabendo do ufanismo momentâneo, Péricles (492 – 429 a. C.) fez
o conhecido discurso fúnebre em honra aos mortos, Tucídides, (460 – 400 a. C.) ao
transcrever a funesta oração do legisdor revela que, muitos dos que ali estiveram
presentes, elogiaram o legislador ateniense.

Em suma, digo que nossa cidade, em seu conjunto, é a escola de toda


a Hélade e que, segundo me parece, cada homem entre nós poderia,
por sua personalidade própria, mostrar-se auto-suficiente nas mais
variadas formas de atividade, com a maior elegância e naturalidade.
Conduzimo-nos liberalmente em nossa vida pública, e não
observamos com uma curiosidade suspicaz a vida privada de nossos
concidadãos, pois não nos ressentimos com nosso vizinho se ele age
como lhe apraz, nem o olhamos com ares de reprovação que, embora
inócuos, lhe causariam desgosto. 792

Os povos da Hélade amavam naturalmente a pólis, dela tinham orgulho,


gabavam da democracia, da liberdade da isonomia. Eles sabiam o sentido para qual a
cidade foi criada. A pólis é, em sua totalidade, formação, escola, educação e mestra.
Atenas foi sem dúvida a pólis que mais cultivou a isegoria - igualdade no falar. Os
cidadão livres tinham perante a lei o direito de se manifestar, mais que isso, de
participar efetivamente de todas as atividades e cargos previstos na legislação, ou seja,
era uma obrigação. A palavra era o primeiro e mais importante intrumento político no

790
NUNES. César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: As origens da
articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga. In:
LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação: história, filosofia e temas transversais.
Campinas SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75 (Coleção HISTEDBR) p.60.
791
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1281 a.
792
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Tradução e notas de Mário da Gama Kury.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. p.111.
280

Conselho dos Quinhentos, ela é “[…] a chave de toda a autoridade no Estado, o meio de
comando e de domínio sobre o outrem.” 793
Juntamente com o prestígio à palavra, os estudos do helenista Jean Pierre
Vernant indicam que outros dois traços que compunham o quadro do universo
espiritual da pólis, o desenvolvimento das práticas públicas – publicidade e finalmente a
igualdade. Entendemos portanto, que aqui, nasce o sentimento de pertença do indivíduo
para com a cidade ou, mais precisamente, do cidadão para com a pólis. O sentimento de
pertença de um cidadão livre para com a pólis é percebido exatamente pelo empenho
consciente que esse o faz, para estar ali, decididamente, amarrado às coisas da cidade.
Sabe ele muito bem, que a cidade é uma extensão de sua vida privada. Essa lhe
pertence, ele não é estrangeiro ali, o lócus público é essencialmente espaço educativo do
cidadão, “[…] a autoridade política é exercida sobre os homens livres e iguais.” 794
A civilidade é apreendida no âmago da cidade. Essa forma, estilo e jeito
de viver e ser são esperados, é, algo natural, a cidadania é ao mesmo tempo, um
privilégio e uma obrigação. A civilidade deve ser exercida em todos os momentos, seja
no tempo favorável, como no tempo inoportuno, seja em momentos de paz, como em
tempos de guerra. O discurso do político e general atenienese Nícias (470 a 413 a. C) foi
descrito por Tucídides, em A História da Guerra do Peloponeso. Tendo perdido todas
as suas naus em combate, os atenienses estavam desprotegidos por completo, o
momento era terrivel, a esperança tinha partido, a morte era a evidência mais exata.

Ficai sabendo de toda a verdade, soldados: tendes de ser


necessariamente bravos, pois não há lugar próximo que possais atingir
a salvo se fordes displicentes; se escapardes agora aos vossos
inimigos, podereis todos chegar aos lugares que certamente ansiais por
ver uma vez mais, e os que são atenienses conseguirão reerguer mais
uma vez o grande poder de sua cidade, por mais abatida que ela esteja.
São os homens que fazem uma cidade, e não as muralhas ou as naus
vazias de homens. 795

A pólis são os homens, não são as coisas por ela produzidas! É isso que
Aristóteles recomenda ao legislador de Atenas como investigamos no terceiro capítulo.
De acordo com os estudos aristotélicos o legislador deve estar atento para formar –
educar, instruir as crianças e os jovens na coragem e na tenacidade, “[…] os povos

793
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.53.
794
ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1255 b.
795
TUCÍDIDES. op. cit. p.468.
281

796
incapazes de enfrentar corajosamente o perigo são escravos de seus atacantes.” Ao
fazer o seu discurso, Nícias, (470 – 413 a. C.) como político e general capacitado em
batalhas sabe perfeitamente que não existe outra coisa pela frente senão a morte.
Contudo, suas palavras eram palavras de exortação e conforto. O próprio Tucídides
reconhece em Nícias, “O homem que entre todos os helenos de meu tempo menos
merecia sofrer aquela desventura, pois todo o curso de sua vida foi inteiramente
orientado pelos ditames da virtude.” 797 Independetemente das guerras e das batalhas ou
dos próprios jogos olímpicos o espírito de luta, o desejo de vencer, o desejo de vitoria, o
espírito de exaltação, de concorrência e de rivalidade são traços essenciais apreendidos
durante o estágio educativo das crianças e dos jovens da Hélade. “O espírito de agón
798
que anima os gene nobiliarios se manifesta em todos os domínios.” Esse espírito de
combate em determinado momento funda o sentido da vida e da existência dos cidadãos
livres das poleis. “E a política toma, por sua vez, forma de agón: uma disputa oratória,
um combate de argumentos cujo teatro é a ágora, praça pública, um lugar de reunião
799
antes de ser um mercado.” Aqui, sem dúvida, é lugar de disputa originária de
igualdade, de justiça, de autonomia, de liberdade e de participação efetiva dos cidadãos
livres no governo da pólis. Esse conflito não é contemporâneo. Quem não luta, quem
não participa desse lócus, cada vez mais afasta do verdadeiro sentido da civilidade. A
política é a prática da pólis. A civilidade é aprendida no âmago da cidade. A cilividade é
backgrond de toda a política da pólis.
O que faz a pólis existir em civilidade são os homens de virtude. Platão e
Aristóteles estão completamente acordados quanto a isso, sem os valores que
fundamentam a vida pública, jamais poderá haver cidade tal qual pensaram esses dois
filósofos. A publicidade é criada e inventada na igualdade e na justiça. A vida da pólis é
criada e inventada nesses termos. Da palavra pólis deriva a palavra politéia, cuja
conotação emana o sentido da cidadania. Portanto, a politeia que dá a origem ao
cidadão, da origem o homem da pólis ou, mais precisamente, da politeia nasce o polites.
A vida particular do indivíduo grego não é contraditória à sua vida pública e nem está
em oposião à primeira; de acordo com Delfim Leão, isso é patente, a noção de polites e
a de idiotes (enquanto „cidadão privado‟) podem conviver bem, expresa ele, “[…] na

796
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1334 a.
797
TUCÍDIDES. op. cit. p.474.
798
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.49.
799
ibid. p.50.
282

própria cunhagem do termo mais usual para designar o estatuto do „cidadão‟ – o polites
–, precisamente pela estreita ligação que presupõe com o conceito de cidade-estado.” 800
Ainda, de acordo com os estudos do investigador da Universidade de Coimbra, este
exercício “[…] empenhado e consciente da cidadania exigia de cada polites, um
envolvimento direto nos interesses da cidade, desígnio que representava um privilégio
em relação à todos quantos se encontravam excluídos, em maior ou menor grau,[…]. 801
Com efeito, a cidade está para o cidadão, assim como o cidadão está para a cidade.
Platão e Aristóteles compreendem isso, a pólis é lócus seguro de ensino e de
aprendizagem, é a morada do cidadão, portanto, mestra e escola de política e de
civilidade.

4.2 O viés político de Platão.

A educação é, ainda, a pedra de toque na edificação teórica da pólis, isto


é, o processo pedagógico é o principal substrato político que garante a construção da
cidade platônica idealizada na ética, na justiça e na ordem. Em Leis, na sua última e
mais extensa obra, Platão, já amadurecido pelas viagens e paragens em outras regiões,
seguramente repleto de experiências intelectuais na academia; cronologicamente, rico
em sabedoria, investiga o conceito de educação com diligência. A formação do
indivíduo acontece no plano real da cidade e não no mundo ideal, ou seja, a educação
acontece na pólis, para a pólis e com a pólis. Ao contrário daqueles que o julga
idealista, Platão procura adequar as leis a toda cidade, a fim de salvaguardar os cidadãos
da injustiça, da impiedade, da mentira, da corrupção, do engano, da desonestidade. As
leis devem reger toda a cidade. O lugar político é para ele espaço de realização do
indivíduo, portanto, do cidadão. Sabemos que a educação que ele pensa e projeta, não
visa a profissionalização tal qual é entendida hoje, ele mesmo deixa isso claro em seus
escritos ao pesquisar o conceito de educação.
Já investigamos no segundo capítulo, sobretudo, em A República, a partir
da divisão social do trabalho, ele projeta seu programa de estudos na intenção de formar

800
LEÃO. Delfim Ferreira. A globalização do mundo antigo. Do polites aos kosmopolites. Coimbra:
Impressa da Universidade de Coimbra Coimbra University Press, 2010. p.85
801
ibid. p.85.
283

dirigentes políticos sábios com o objetivo de construir uma cidade justa e sadia. Ele
quer formar o dirigente político em sua completude. Relembrando, três classes são
consideradas, sendo elas: a dos trabalhadores, a dos guardiões e a dos governantes. Diz
Platão: “Sendo assim, a mistura dessas classes e o exercício simultâneo das respectivas
profissões ocasionam prejuízo vultoso para a cidade, o que é, com todo acerto pode ser
802
denominado crime.” A primeira classe, sem privilégios, a dos trabalhadores é
composta por artesãos, lavradores, pedreiros, sapateiros e produtores em geral, não
existindo uma escola especial para essa classe. Platão entende que grande parte das
profissões e outras ocupações usuais são fáceis de aprender, portanto basta um
treinamento; a segunda classe, dos guardas, composta por soldados – guardiões:
defensores da cidade; para essa camada social, resta aprender com desenvoltura e
habilidade a ginástica e a música. A poesia deve ser ensinada com determinação; e por
fim, a dos governantes, composta pelos proprietários de terras e pelos ricos
comerciantes de origem aristocrática. Para essa classe, sim, existe uma escola, cujo
processo pedagógico previa dois momentos formativos diferentes, a saber: o primeiro,
para exercer as tarefas da guerra; o segundo, para exercer as tarefas do político.
Somente uns poucos afortunados chegavam ao término de um duradouro e contínuo
processo de estudos referentes a esse último. Esse projeto tem a finalidade de formar e
instruir o verdadeiro dirigente da pólis, o rei-filósofo ou o filósofo-rei, cujo processo
pedagógico propõe a formação do homem omnilateral. Como consequência dos ideais e
engendramentos da sociedade de seu tempo, a educação não tem finalidade prática, ou
seja, não visa à profissionalização, e sim, à cultura.
Esse distinto projeto cuida da educação do futuro dirigente-filósofo, bem
antes do seu nascimento. Já nas relações afetivas e matrimoniais dos homens e das
mulheres daquela civilização, uma das particularidades do projeto prevê a preocupação
com a eugenia; a seletividade era drástica e hostil aos nossos olhos modernos. Durante
todo o processo formativo, desde a mais tenra idade, somente os melhores, sob a tutela
de uma escola do Estado, continuam no projeto; aos dezessete ou dezoito anos, esses
jovens interrompem “[...] os estudos propriamente intelectuais por dois ou três anos,
803
consagrados „ao serviço obrigatório da ginástica‟.” Ao término, esses bravos e
corajosos guerreiros continuam seus estudos. Esses vencedores das batalhas e das

802
PLATÃO. A República. 434 c.
803
MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 125.
284

olimpíadas, provavelmente aos vinte anos, entram para uma preparação mais específica
e contínua, afirma Marrou:

Sem dúvida, a educação não se interrompe nunca: o serviço militar,a


ameaça de guerra, sempre repontando no horizonte da cidade grega,
permitem levar bem adiante a formação e a prova do caráter:
preocupado, com todos os educadores antigos, em ressaltar o papel
dos elementos morais, Platão leva em conta essa experiência, na
seleção a que se submete o grupo já restrito dos seus aspirantes-
filósofos, quando sua desmobilização os torna , após os vinte anos,
livres para encetar os altos estudos. Começa propriamente o ensino
superior: não se trata, porém de entrar em cheio na filosofia
propriamente dita. 804

Ao fim de um dedicado e verdadeiro empenho, sem interrupção nos


estudos, livre de qualquer preocupação, aos cinquenta anos está formado o seu
dirigente. Ao rei-filósofo, ou filósofo-rei, cabe exercer as tarefas da política da pólis;
cabe a ele realizar as tarefas do dizer. Este pupilo platônico não é exatamente um
professor formado no âmbito da filosofia, menos ainda um intelectual que se arroga o
direito de um título do tipo. O pupilo de Platão, como ele mesmo escreve em A
República, comparando ao cachorro de boa raça, afirma ele: “É que ambos devem ser
incisivos para descobrir e velozes para perseguir o inimigo, bem como suficientemente
805
fortes para lutar com ele quando capturado.” O filósofo de Platão é aquele que se
806
compraz “[...] na contemplação da verdade[...]” ; é um amante do saber, da cultura,
conhecedor da justiça, da bondade, da ética e dos valores humanos, íntegro em suas
convicções e decisões e fiel a elas; não trai seus princípios educativos; honra sua cidade
e a governa para o equilíbrio e o bem de todos. Descartando o mundo dos sentidos, das
aparências, do mutável, do passageiro, Platão, pela boca de Sócrates, afirma a existência
de uma realidade de um mundo permanente, invariável, portanto divino e
essencialmente ordenado e somente aquele que é instruído e formado nessas condições
poderá governar a pólis.

XIII _ A verdade, Adimanto, é que quem volve o pensamento para a


essência das coisas não tem vagar para ocupar-se com as atividades
dos homens, de guerreá-los e saturar-se de ódio e de azedume. Não;
só vê as coisas imutáveis e ordenadas e se compraz em sua
contemplação. Aqui ninguém prejudica os outros; todos acompanham

804
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 126.
805
PLATÃO. A República. 375 a.
806
ibid. 475 e.
285

a ordem e a razão e procuram imitá-las e, tanto quanto possível,


assemelhar-se-lhes. Ou será de parecer que pode haver jeito de não
imitarmos aquilo com cuja convivência nos deleitamos?
É impossível, respondeu.
Convivendo o filósofo só com que é ordenado e divino, torna-se, por
sua vez, divino e ordenado quanto o permite a natureza humana; mas
a calunia pulula por toda parte. 807

O filósofo de Platão é um homem formado para a cidade. Os olhos de


Platão estão voltados para a realidade política da pólis. Em conformidade com os
escritos de Aristóteles em Política, também, a cidade platônica, […], embora seja
constituída por uma multidão, deve existir como unidade, graças à educação dos
cidadãos, […]. 808 Distintamente de nossas políticas educacionais, a educação para esses
filósofos não é compreendida como um mero acessório político, ou ainda, como uma
atividade de menor importância, ao contrário, expressa Platão: “O embrião de todo ser
vivo, quando começa a desenvolver-se com pujança na direção da excelência de sua
própria natureza, atinge galhardamente o ponto de sua perfeição [...].” 809 O governante
da pólis deve ser escolhido entre os melhores. “Por isso mesmo que o começo deve
consistir na boa escolha desse diretor, terá o legislador de confiar essa função ao
810
cidadão mais completo em todos os sentidos.” O viés educativo é essencialmente
político. Podemos dizer que a Carta VII dirigida aos seus parentes é uma manifestação
claríssima de seu espírito político. O escopo da educação em Platão é formar dirigentes
capazes de governar a pólis fundada na justiça e no Bem. Ele dá um novo tom ao
programa educativo de sua época.

Não nos esqueçamos de que o lema de todos os partidos, inculcado


desde cedo na alma dos jovens, tanto pelos detentores do poder como
pelos professores de retórica que se incumbiam de sua educação, e que
valia como programa de governo, era o seguinte: Fazer todo o bem
aos amigos e o maior mal possível aos inimigos. Não havia, pois,
possibilidades de se estabelecerem tréguas naquela sequência
ininterrupta de crimes. 811

Em relação às finalidades de seu programa educativo, são distintas,


dependendo da posição social do cidadão. Platão no início do primeiro livro de sua obra

807
PLATÃO. A República. 500 c.
808
ARISTÓTELES. Política. II, 2, 1264 a.
809
PLATÃO. Leis. In: PLATÃO. Diálogos. 766 a.
810
ibid. 766 b.
811
NUNES, Carlos Alberto. Marginalia platônica. Pará: Universidade Federal do Pará, 1973. (Coleção
Amazônica / Serie Farias Brito). p.19.
286

Leis, escreve: “[...] aquela outra formação que essencialmente visa a riqueza ou a força
física, ou qualquer outra capacidade com estas relacionadas, encontra-se à completa
812
revelia de toda a cidade e de todo espírito de justiça […].” Ele não admite uma
formação que tenha tais características, ele atesta e expressa: “[…] nunca passará ela de
mera insignificância grosseira e servil, totalmente indigna de ser assim denominada pelo
813
nome de educação.” Consideremos aqui o seguinte, nesse tempo, o trabalho é uma
tarefa especial reservada aos escravos. A definição de educação platônica visa formar
homens plenos, com o objetivo de saberem superar suas próprias inadequações, e
limitações individuais. Platão chegou a afirmar no Górgias que os estadistas de seu
tempo não passavam de aduladores, “[…] Achas que os oradores falam sempre com
vista ao maior bem, na preocupação constante de melhorar os cidadãos com seus
discursos, ou que o seu empenho se cifra em agradar ao povo […]?” 814 Ainda de acordo
com Platão, eles postergam o interesse da comunidade ao seu interesse particular. O
processo formativo das escolas atenienes não está preocupado em formar os homens
melhores. O indivíduo formado pela natureza do ensino pedagógico platônico visa
sempre a perfeição. “Afirmo, então, que todo aquele indivíduo que tiver inspiração de
um dia poder ultrapassar-se ele próprio a si mesmo, em alguma coisa, deverá a tal
815
dedicar-se totalmente, […].” O pupilo formado nessa escola aprendeu o dominar a
ciência, o conhecimento, está sempre pronto para qualquer desafio, está preparado para
ser e exercer qualquer tarefa imposta “[…], além disso, não se verifica qualquer motivo
para se subestimar a educação: é ela, com efeito, aquele embrião gerador dos maiores
bens, aí se formando todos aqueles que justamente são os melhores homens.” 816
A reflexão sobre a política da pólis só acontece e desenvolve pela
educação, e essa, por sua vez, só se constitui enquanto na lei; ou seja, o Estado deve
garantir todo o processo formativo do cidadão. A formação e instrução verdadeiramente
humana deve se realizar na esfera do político. O âmbito do público, nesse sentido, é
lugar de todos! Lugar comum a todos. A praça, ágora, é o espaço público mais
importante. Assim, evidencia o lócus do urbano. A territorização do espaço público. É
nesse lugar que acontece as relações humanas: ali é lugar de trocas de experiências,
lugar dos poetas, dos artistas, dos pintores, dos escultores. Nesse território se projeta a

812
PLATÃO. Leis. Volume I. 644 a.
813
ibid. 644 a.
814
PLATÃO. Górgias. 502 e.
815
PLATÃO. Leis. Volume I. 644 a.
816
ibid. 644 b.
287

cultura, as letras, a arte, a ciência, o teatro, a religião, a pintura. Não existe espaço ou
lócus público sem a dimensão do cuidado com o outro. Para um grego, como bem
sabemos, esse cuidado é expresso nas normas, isto é, nas leis. O cuidado de si e o
cuidado com o outro é uma máxima no projeto educativo de Platão. Durant Will ao
estudar o problema político platônico em Platão salienta a improbalidade política em
Atenas: “Descobrir o meio de impedir a incompetência e a improbidade se instalem nos
cargos públicos, e de selecionar e preparar os melhores para governar em benefício da
comunidade – eis o problema da filosofia política.” 817
Bem sabemos, a lei para um grego é a vida da pólis, e a vida da pólis não
existe sem leis. E assim pensou Platão. A constituição é a salvaguarda da cidade. Se a
desonestidade perdura, se a corrupção vive, se o engano permance, se a impiedade
controla as ações dos indivíduos, se as opiniões prevalecem diante do saber, se o
conhecimento deixa-se guiar pelo mito, entre tantas outras inconseqüências,
dificilmente os indivíduos conseguem relacionar. Tanto Platão como Aristóteles sabem
perfeitamente disso. Sem leis não poderá haver justiça e nem cidade. Esse é o viés
político de Platão. No momento em que as relações Estado e política contemporânea se
esgarçam, se esvaziam em credibilidade e em sentido, o projeto educativo de Platão se
desdobra numa unidade lógica e clara entre o Estado e a formação do cidadão da pólis.
Existe lá uma relação intrínseca entre a política da cidade – pólis – e a paideia; uma
depende da outra. Sem educação não há política, sem política não há educação; uma
depende do sucesso e da realização da outra. Em A República, o tema envolvente central
e norteador dos diálogos é a justiça, questão que incendeia todas as páginas desse livro.
Sobre ela, Sócrates afirma ao seu interlocutor:

De fato, ao que parece, a justiça é desse jeito, porém, não com respeito
às ações exteriores do homem, mas às interiores, em verdade, que lhe
refletem o imo ser nos seus elementos constitutivos e o leva, como a
homem justo, a não permitir a nenhum deles fazer nada do que lhe for
estranho, nem interferir uns nos outros os diferentes princípios da
alma em suas respectivas atividades. 818

817
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.104.
818
PLATÃO. A República. 443 d.
288

No caso específico do livro em questão, os diálogos são desenvolvidos


por meio dos personagens Sócrates, os dois irmãos, Glauco, Adimanto e, ainda,
Trasímaco e Céfalo. O tema principal é desenvolvido pelos personagens Glauco e
Adimanto; os dois irmãos procuram saber e indagam, sucessivamente, como praticar
uma vida justa, tendo como objetivo viver feliz. Os dois irmãos querem saber se no
meio político é possível praticar uma vida justa. Nesse aspecto, Platão coloca em
Sócrates quase toda sua inspiração educativa.
Platão propõe fundar a partir da esfera política uma cidade perfeita, tendo
como fundamento o sistema educativo que, por sua vez, tem a finalidade de educar o
indivíduo por inteiro. Essa escola, que dali deriva, é uma escola seleta, não é para todos,
somente para os filhos dos cidadãos livres. Ela é prevista em dois momentos distintos: o
primeiro, o processo pedagógico prepara para formar os defensores da cidade, os
guardas; já no segundo, o processo educativo é somente para alguns poucos, na verdade
para os vencedores, para um pequeno número seleto de indivíduos. A estes, sim,
compete exercer as tarefa do poder. Esses afortunados continuam o processo educativo;
o programa de estudo é longo e duradouro. Eles deverão estudar incansavelmente
muitas disciplinas, a saber: geometria, matemática, astronomia, dialética e filosofia.
Estes permanecentes, os afortunados e seletos, após essa verdadeira escalada educativa,
mais ou menos aos cinquenta anos, estão aptos para assumir a posição máxima da pólis:
o governo da cidade. A formação é continua, durante toda a vida.
Nessa perspectiva, cabe ao pupilo platônico exercer as tarefas do político,
o comando: o dizer, o rei-filósofo, ou o filósofo-rei é a ambição mais alta do projeto
educativo de Platão e, portanto, o seu filósofo é o centro e o modelo de sua paideia. De
acordo com a sua visão política, os prejuízos, a ganância, a corrupção e a desordem
administrativa da pólis jamais poderão deixar de existir, a não ser que os filósofos
reinem e, por uma graça divina, se disponham verdadeiramente a buscar a filosofia com
sinceridade. O mais expressivo fundamento de Platão, mais que formar a academia,
mais que fazer filosofia, mais que pensar um projeto de cidade, de Estado, de política, é
sem dúvda pensar um mundo justo. Afirma Mose I Finley, “Por fim, já perto dos oitenta
819
anos, escreveu um projeto para o estado [...] A obra significativa intitulada Leis.”
Dela, sabemos que Platão busca todas os minúcias para fazer reinar a justiça em Atenas.
“[...] é um código maciço, que abarca a regulamentação de todos os pormenores

819
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.114.
289

possíveis da vida dos cidadãos, estrangeiros e escravos – não os dez mandamentos, mas
820
dez mil, com penas graduadas para cada tipo de infração.” O sentido fundamental de
tudo isso não é a propriamente a obra em si, mas, a dedicação em pensar os
fundamentos de uma cidade boa e feliz.
Em Platão, o viés político pode ser encontrado, ora em Leis, ora em A
República, ora em O Político. Não podemos dizer que a perspectiva política platônica se
esgota em uma única obra. Na pólis de sua época Platão realçou esse viés, portanto,
expressou seu sentido e natureza. O processo formativo platônico tal qual foi concebido
caminhava isava conhecer o sentido da formação completa, isto é, para formar o homem
por inteiro. A formação platônica a partir de seu viés político tem como escopo, a
dimensão ampla do homem. Afirma Platão, o empenho e a “[…] total dedicação [...],”
821
garante a formação das crianças em sentido amplo. Entretanto, é preciso esclarecer e
com razão, é claro e Platão não pensou o desenvolvimento da criança em si, mesmo
porque, a civilização que engendrou sua política educativa, fomentava a formação do
homem adulto e não da criança propriamente dita. E é isso que ele projeta, quer fazer da
criança um homem adulto, capacitado nas atividades do fazer e do falar, mas,
sobretudo, nas do pensar. A finalidade máxima da formação prática da criança caminha
em direção à justiça visando o sumo Bem, por isso, afirma ele: “[…] por intermédio de
822
um treino prático, melhor há de orientar a alma da criança.” Mais que cuidar da
formação da criança, Platão quer criar homens que possam ao mesmo tempo,
salvaguardar Atenas e criar novas gerações Em sua obra O Político, a partir da ideia de
tecelagem – trama, o filósofo ateniense inventa um novo conceito para pensar a
educação das crianças de sua época. Explica o Estrangeiro para Sócrates o moço.

Primeiro que tudo – é nossa convicção – devímos ter mudado o nome,


aproximando-nos mais da ideia de < criação>, em vez da de <
cuidado>, procedendo de seguida à divisão desta arte, pois ainda podia
apresentar seccões de um tamanho a não desprezar. 823

Reportanto especificamente o viés político de Platão, no segundo


capítulo dessa tese, previamente, assinalamos as primeiras linhas: o ponto de partida
começa em Sócrates, isto é, na relação de amizade entre os dois filósofos. Platão sabia
que Atenas não se converteria à justiça, na Carta Sétima, referenciada já anunciamos:
820
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.115.
821
PLATÃO. Leis. Volume I 643 a.
822
ibid.643 d.
823
PLATÃO. O Político. 276 d.
290

ele sabia que o chão de Atenas é um chão contaminado pelo sangue de um justo –
Sócrates. O final dessa história já refletimos ao longo dos capítulos antecedentes, Platão
abandona seu desejo de ser político. Em sua época, ele reconhece e afirma que seu
mestre é “[…] um dos poucos Atenienses, para não dizer o único, que cultivam a
824
verdadeira arte política e a põem em prática nos dias de hoje.” , os demais cidadãos
da pólis, estão longe de conhecer a arte do político. São enfáticas as palavras platônicas:
Sócrates não é o melhor político, ou o verdadeiro. Em outros termos, Sócrates é um dos
poucos cidadãos que compreende perfeitamente a natureza da arte política, ao mesmo
tempo, concretamente, suas ações, ou seja, o fazer e o dizer são percebidos na cidade.
Sócrates não é bem visto pelos políticos da época. A maioria dos homens de Atenas
busca fazer carreira política, querem eles o poder para obter vantagens próprias.

Devemos, pois, retomar o nosso raciocínio anterior, porque – quando


há milhares de indivíduos que disputam com a classe régia o zelo dos
assuntos das cidades – é preciso distinguí-los a todos e isolar a figura
do rei. E foi precisamente para visar esse fim que declarámos ter
necessidade de um paradgma. 825

A demanda é expressiva ao cargo de governo, entre os homens livres, o


número de cidadãos é enorme, somente os escravos, indiscutivelmente, estão isentos da
arte da política, como ele próprio afirma, “[…] são os que menos reividicam a < arte do
rei.>” 826 Estão nesse meio, os que compram, vendem e trocam moedas – mercadores,
cambistas, armadores, revendedores. Soma-se a esses, escribas, advinhos, arautos,
secretários dos magistrados e por fim, àqueles que exercem a tarefa religiosa. Em, O
Político, Platão escreve que encontrou o porquê da enorme demanda ao cargo. Os
sacerdotes, os advinhos, os secretários dos magistrados assumem uma atitude de
influência fortíssima no meio político, além dos sofistas, é evidente. Além das artes do
fazer, do dizer, do pensar, encontramos em O Político, a arte do servir.
Para além destes esclarecimentos precisamos compreender o que de fato
Platão entende por cidade. O que é a pólis para Platão? O que é a política para ele?
Quem é o verdadeiro político em Platão? E já sabemos, o conceito de político platônico
difere do nosso entendimento moderno. A proposta da formação do rei filósofo ou
filósofo-rei que investigamos no segundo capítulo, especialmente na obra A República

824
PLATÃO. Górgias. 521 d.
825
PLATÃO. O Político. 279 a.
826
ibid. 289 e.
291

quando tratamos especificamente do processo educativo, não contraria o que Platão


escreve em O Político – nessa obra, o viés político, isto é, a atividade do político – arte
do político se fundamenta em criar humanos, não selvagens, predadores, egoístas,
astutos, individualistas, portanto, usurpadores dos direitos dos indivíduos. Mas, o que
era a pólis para Platão? Em sua época os atenieneses gabavam do tamanho dela,
certamente, em comparação às demais, Atenas deveria ser mesmo maior. Entretanto,
para Platão a grandeza do lócus territorial era nociva ao bem público, expressa ele:
“[…] ela está apenas inchada, que esta grandeza que lhe criaram é apenas um tumor.”827
De acordo com a reflexão no Górgias, os legisladores, encheram-a de portos, estaleiros,
muralhas, impostos, bagatelas de todos os tipos, tributos de todas as formas. Os
estadistas atenieneses não souberam cuidar do sistema educativo da pólis, cuidaram das
coisas da pólis, porém, da formação dos jovens e das crianças, pouco fizeram, ao
contrário, criaram indivíduos egoístas, ganaciosos, pretensiosos, usurpadores e
matadores. Roubadores dos direitos dos cidadãos. Platão cita os nomes dos estadistas e
não os colocam no patamar da excelência, ele cita: Temístocles, Cimon e Péricles, que
são afinal, os verdadeiros autores do mal para ele. Observador atento, Platão percebia
todos os acontecimentos de sua cidade. Ele não descobre nada além do que está ali. Em
suma, Platão é um pesquisador das coisas humanas, por isso, a preocupação é com a
política e com a educação. Quer ele tornar o homem melhor. Desde antes, já
investigamos, os antigos gregos tinham uma longa experiência na vida política e na vida
educacional. Lembremos de Aquiles, hábil nas palavras e rápido nos movimentos. A
ideia de política ou, o viés político platônico, não chega até ele, sem referência.

Para Platão, era fundamental, bem como para as principais correntes


da filosofia grega clássica que se lhe seguiram, que os homens são
criados desiguais; não meramente no sentido superficial da
desigualdade no físico, na riqueza ou posição social, mas desiguais na
alma, moralmente desiguais. 828

Nessa perspectiva, a grande maioria dos indivíduos são impotentes por


sua própria natureza, não podem ocupar cargos na pólis, ao inverso disso, uma pequena
minoria, aliás, pouquíssimos indivíduos são completamente potentes, isto é, capazes de

827
PLATÃO. Górgias. 519 a.
828
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.113.
292

racionalidade e, portanto, merecedores do governo da cidade. Só esses, aptos para a


governação. Partindo daqui, Platão cria condições teóricas para pensar não somente o
ofício do político, mas, o político, sendo esse, o responsável para criar os homens de
seu tempo. O conceito de politikós de Platão não se estrutura sem os valores que
engendraram a pólis.
A raíz linguística do termo politikós chega até nós pela vertente latina –
politicus, porém, é em Platão – vertente grega, que a semântica revela o sentido
originário, – do homem da pólis. Este sentido é estudado posteriormente pelo seu
discípulo, Aristóteles: o homem é por sua natureza social. A ideia platônica desse
conceito não se desamarra da cidade, nunca se desprende pólis – Estado. A pólis é a
marca registrada de onde nasce o político. O político nasceu da polis e para a pólis! É
aquele que está enraízado com as coisas da cidade, mais precisamente, com o governo
da cidade e, portanto, o saber da arte política está ali. Platão presta atenção nisso: nas
atividades que os indivíduos realizam no conjunto da pólis, esse é o objeto de
investigação da política. Portanto, o seu viés político é em suma aquilo que frui da e
para pólis. Nesse horizonte, o politikós de Platão não é menos que sua arte, e essa não é
mais que a pólis.
O homem político de Platão é o homem que com perfeição dirige a
cidade para o suno Bem. Assim, como o tecelão, no fabrico da tecelagem, com
suavidade e firmeza, tece a trama dos acontecimentos da vida social. Platão cria o
referencial do tecelão para explicar a profundidade, a largura, a altura, a dimensão e a
complexidade da arte do político. Para ele, o político não nasce de um dia para o outro!
Já sabemos, existem professores para ensinar a política. A arte da carpintaria não é a
arte da política, muito menos, a arte do fabrico de armas é a mesma do que a arte
política. A arte da política não é a arte militar. O ganhador dos jogos olímpicos de
Atenas não está apto para governar a pólis, ainda que possa. Nem sempre os generais
gregos, vencedores de batalhas, estão aptos para legislar sobre o povo. Quem está então
apto para governar a pólis? O viés platônico concede a qualquer cidadão livre –
indivíduo simples ou particular o direito de assumir o poder, desde de que tenha a
capacidade e o entendimento da arte da político. A sociedade de Platão é também, e,
sobretudo, a sociedade dos artesãos, - trabalhadores, e é contudo, a arte desses, que ele
cria sua mais importante referência, embora os exclua de seu projeto educativo. Platão
parece saber profundamente bem sobre todas as artes que compõem o quadro da vida
dos trabalhadores. Ali na pólis se fabrica desde magia até arquitetura e, Platão explica
293

com exatidão e com detalhes cada uma delas. Em sua obra República, ele já tinha dado
as referências das muitas artes manuais de seu tempo, porém, agora, em O Político, ele
evidencia uma arte em especial, a da tecelagem. Dado a complexidade e organicidade,
ele a escolhe como referência fundamental para pensar sua perspectiva política. No
diálogo entre o Estrangeiro e Sócrates – o moço, Platão, em O Político, concentra sua
atenção na arte da tecelagem como primeiro e mais importante paradigma para propror
sua ciência política.

Ora, ao fio do fuso – depois de torcido e de ter ganho consistência –


dás o nome de fio e à arte de o esticar o de «preparação da urdidura.»
[…] Todavia os fios de uma torção suave, mas que – quanto à
resistência de fabrico – possuem a flexibilidade addequada para serem
entrelaçados na urdidura, a esse produto da fiação chamas «trama». A
arte encarregada da disposição dos fios diremos que é a «arte de tecer
a trama». 829

Pela boca do Estrangeiro, Platão consegue propor seu paradgma. Para


chegar ao trabalho final da tecelagem é preciso um longo caminho. O sentido da arte de
unir os fios, que por sua vez irão compor o pano, o tecido, o tapete é uma tarefa
essecialmente delicada, suave, frágil, por isso, necessita de flexibilidade e firmeza das
mãos de quem a engendra. É do ponto de vista do saber- fazer, todo ou qualquer
excesso e toda e qualquer falta, assola o resulatdo final. O tecelão e sua arte do tecer é o
exemplo mais próximo da arte política. É esse entrelaçamento, é esse trabalho com os
fios, na suavidade e na solidez que compõe não só a flexibilidade e a firmeza da trama,
mas é isso, que engendra a trama – teia, expressa Platão: “[…] designamos o produto
830
final por «tecido de lã» e a arte que presidiu ao seu fabrico «tecelagem.»” Longe de
comparações, apenas do ponto de vista didático, em República Platão caracteriza o rei-
filósofo ou o filósofo-rei, aqui ele caracteriza o político-tecelão. Do ponto de vista da
formação dos indivíduos da pólis, em O Político, o responsável para criar a vida social é
o político-tecelão. Na verdade, é o político-tecelão o originador do indivíduo vivendo
em grupos. Para Platão, quem na verdade produz o tecido cívico é o político rico em
justiça e sabedoria, já convertido ao Belo e a o sumo Bem. Tendo como conpanheira a
verdade e o cuidado, o viés político platônico trilha o tecido cívico para “[…]atingir o
próprio ser.” 831

829
PLATÃO. O Político. 283 a.
830
ibid. 283 a.
831
PLATÃO. A República. 337 d.
294

Platão enxerga a pólis em seu conjunto, por isso, educação é o centro de


sua busca. Por outro lado, a grande preocupação filosófica de Platão é contudo, definir o
sentido da educação, pois, ela é, a primeira a processar o sentido do humano. Podemos
dizer que, esse é o mais alto salto que ele dá em direção à educação. Em Leis, sua
primeira iniciativa no livro é definir, lúcida e previamente, o conceito de educação.

Em primeiro lugar, convém definir aquilo que entendemos por


educação, sendo está definição de grande relevância para o bom
desenvolvimento da capacidade de raciocínio, bem como de
importância fundamental para se calcular sua real dimensão. Deve isto
precisamente constituir aquele rumo de orientação que pretendemos
agora dar à nossa discussão […]. 832

Quer Platão saber o que deve consistir a educação. E o que deve consistir
a educação é senão a busca constante da perfeição. É preciso evidenciar algo muito
significativo aqui em Platão, ele não está falando de escola, de espaço escolar, de
ginásios ou mais precisamente, de palestras. Ele está definindo educação. Portanto,
inicialmente, compara o sentido da verdadeira educação ao sentido da formação de um
bom agricultor ou, de um bom arquiteto. Para Platão, a educação é um processso que
forma o homem desde sua infância para a integridade, para a virtude, isto é, forma o
homem integro – por inteiro. Para Platão, o homem deve cotidianamente aperfeiçoar
desde a infância o seu objetivo, seja ele qual for.

Afirmo, então, que todo aquele indivíduo que tiver inspiração de um


dia poder ultrapassar-se ele próprio a si mesmo, em alguma coisa,
deverá a tal dedicar-se totalmente, logo desde a sua infância, nisso
sempre conseguindo obter aquela alegria, a qual passará a constituir
um motivo para a ocupação que escolheu, assim como em relação a
tudo aquilo que com isso relacionar. 833

Como já explicamos, Platão está redigindo para sua época e ao


especificar algumas profissões, em Leis, por exemplo, a da carpintaria, a da arquitetura,
ele explica que o educador tem que saber apreender a dominar a ciência, do
conhecimento e tudo que esse comporta. Do ponto de vista da escola moderna, não
descaracterizando Platão e seu desprezo pelas letras, poderíamos afirmar: as crianças
devem estar aptas para realizar qualquer tarefa, seja para ler os textos, seja para redigir
uma reflexão, seja para realizar os exercícios físicos, seja para estudar pacientemente o
832
PLATÃO. Leis. Volume I. 643 a.
833
ibid. 644 a.
295

que ainda não aprendeu, portanto, deve esta preparado para ser e exercer qualquer tarefa
imposta. A educação é para Platão a ideia geradora que pode criar condições humanas
no homem, “[…], além disso, não se verifica qualquer motivo para se subestimar a
educação: é ela com efeito, aquele embrião gerador dos maiores bens, aí se formando
834
todos aqueles que justamente são os melhores homens.” Platão enfatiza claramente
as condições pedagógicas que a criança necessita para atingir a omnilateralidade,
regularmente aliada ao plano da experiência, a formação, por exemplo, em relação à
prática dos jogos e também do treinamento prático. Para ele, a alma da criança deve ser
orientada especialmente visando melhorar “[…] no sentido daquilo que lhe poderá vir a
ser necessário, naquele momento, em que se tornar num homem completo, tendo assim
835
a possibilidade de ser absolutamente perfeito naquilo por que tanto se sacrificou.”
Eis o sentido da omnilateralidade platônica, em Leis, essa é a primeira política educativa
de Platão. A formação omnilateral platônica consiste, em suma, formar o cidadão
íntegro para a vida da pólis e para a política da pólis. Assim, como veremos
posteriormente em Aristóteles836, Platão também entende a reciprocidade do sentido
educativo do ato de governar e de se deixar governar:

[…], logo desde os tempos da infância, enforma o indvíduo na prática


da virtude, incutindo-lhe o aquele desejo apaixonado de poder um dia
se tornar num cidadão íntegro e que, por este modo, assim possa ele
saber tanto autogovernar-se como simultaneamente submeter à justiça.
837

Para Platão, salientemos, é preciso incultir na criança o desejo


apaixonado de um dia tornar-se um cidadão íntegro, já que sabe muito bem, da maldade,
da desonestidade, da crueldade e impiedade cometida contra Sócrates, portanto,
somente o cidadão íntegro é capaz de olhar com os olhos apaixonados para a pólis. É
preciso fortemente estar apaixonado pelas coisas da polis, estar apaixonado pelas coisas
da pólis significa ter cuidado com tudo aquilo que diz respeito à vida de todos. Ao
mesmo tempo, ter respeito ao que é de todos, portanto, o zelo, a dedicação e interesse
são atitudes fundamentais para com as questões práticas da vida em comum, isto é, da
vida política. Cuidar das coisas da pólis é um ato essencialmente político, daqui nasceu
o viés político platônico. É preciso converter a alma em direção ao Bem. Aqui, do
834
PLATÃO. Leis. Volume I. 644 b.
835
ibid. 643 d.
836
ARISTÓTELES. Político. VII, 5, 1317 b.
837
PLATÃO. Leis. Volume I. 643 e.
296

ponto de vista da igualdade e da justiça, a sociedade moderna comete a mais expressiva


e terrível ingongruência política.

4.3 A civilidade em Aristóteles

Pensar o sentido da civilidade em Aristóteles é interrogá-la numa


dimensão intimamente enraizada no âmbito e na configuração de sua ética. Para
Aristóteles, diferentemente dos seres inanimados, o homem é originador – criador de
seus atos, isto é, o ser humano é pai de suas ações. Não se pode entender a civilidade
sem entender a ética. É impossível entender a cidade sem compreender tal dimensão.
Além de estudar as constituições de seu tempo e, bem antes de publicar sua obra
Política, ele preocupou também em estudar o comportamento humano dos homens de
seu tempo. O ethos-politikón aristotélico em suma é civilidade, não é outra coisa.
“Ademais, para o exercício de todas as faculdades e artes são necessárias certas formas
de educação preliminar e a criação de hábitos em suas várias manifestações; logo, é
838
evidente que deve acontecer o mesmo com as práticas morais.” A partir do saber
ético, o Estagirita estuda a ciência política. Embora não elabore um projeto educativo tal
como vimos em Platão, (427 – 340 a. C.), Aristóteles sistematiza sua filosofia da
educação na tentativa de reverter e equilibrar o processo formativo dos jovens a partir
do viés de civilidade. Aristóteles, não apenas investiga as escolas de sua época, mas,
todo o sentido educativo da vida social. De acordo com seu método de pesquisa já
identificado, ele não iniciou suas análises exatamente pelo sistema educacional das
poleis; no entanto, seu objeto de estudo é em primeiro lugar, a pólis, - a cidade. Ele
mesmo explica essa atitude metodológica:

Da mesma forma que em outras matérias, é necessário decompor o


conjunto até chegar a seus elementos mais simples (estes são as
menores partes do todo) como a cidade também, examinando os
elementos dos quais ela se compõe discerniremos melhor, em relação
a estas diferentes espécies de mando, qual é a distinção entre elas, e
saberemos se é possível chegar a uma conclusão em bases científicas a
propósito de cada afirmação feita pouco antes. 839

838
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
839
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1252 a.
297

Tendo adotado prioritariamente a concepção do todo, partindo do maior


para o menor, Aristóteles quer exatamente compreender o funcionamento adequado de
todas as partes que compõem o seu objeto. Como seu mestre Platão, Aristóteles parte
também da divisão social das classes para interpretar sua prática educativa. O processo
pedagógico por ele pensado tem uma finalidade única: formar os filhos da classe nobre
no espírito da constituição. Portanto, seu projeto é essencialmente político. “Teóricos da
educação propriamente dita, Platão e Aristóteles interpretaram, cada qual a seu modo, o
sentir das classes dominantes nesse momento tormentoso da vida ateniense. ” 840
Como foi analisado no primeiro capítulo dessa tese, o contexto histórico
em que viveu Aristóteles é um contexto marcado pela decadência e crise de Atenas. Os
debates políticos são intensos, discutem-se as formas de governo; o comportamento
moral dos indivíduos; a atuação dos governantes. O debate especificamente educacional
ganha acima de tudo vida nova com os sofistas. A época de Aristóteles está fortemente
marcada pela corrupção moral e política na cidade. No capítulo nono do segundo livro
da Política, ele escreve justamente sobre como alguns de seus concidadãos
negligenciam a política. São capazes de passar a vida toda exercendo o direito de ser
cidadão, no entanto, alguns jamais participaram da atividade política da pólis, e ainda
sim, dela se manifestaram. Escreve particularmente Aristóteles sobre a corrupção e a
841
[...] insolência dos demagogos. , revelando também as acusações falsas, as
apropriações indevidas de bens. A corrupção e a demagogia sem dúvida dilaceram o
desenvolvimento da pólis.

A decadência de Atenas é patente. Uma multiplicidade de partidos


disputa o poder. As assembléias na ágora („praça pública‟, lugar onde
se reúnem os cidadãos) são dominadas pelos demagogos. Os
interesses particulares predominam sobre o interesse do Estado e da
coletividade. A corrupção crescente emperra a máquina do Estado
com tantos processos. Os tribunais se sucedem, mas seus titulares
parecem mais interessados em auferir vantagens que em ocupar-se das
questões da pólis. 842

Desde o advento do apogeu de Atenas, os sofistas, Sócrates e Platão,


marcam, contudo a reflexão educacional. Os sofistas recusam a concepção aristocrática
da educação, “[...] itinerantes, conferencistas da moda, os sofistas põem as ideias em

840
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 57.
841
ARISTÓTELES. Política. V, 4, 1305 a.
842
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op. cit. p. 7
298

843
circulação, inventando uma espécie de mercado das ideias.” Sócrates personagem
central da A República é a inspiração de Platão para projetar a educação do rei-filósofo
ou do filósofo-rei. Os debates giram em torno também da vida dos trabalhadores, dos
artífices. Mas o destino dos filhos dos trabalhadores não tinha outra saída senão em
cultivar alguns poucos conhecimentos elementares, nada mais que isso. Descrevendo
sobre a educação na Grécia antiga, Aníbal Ponce, explica que, a liberdade de ensino não
implicava liberdade de doutrina, o Estado estava a serviço dos altos aristocratas.

Mas a „liberdade de ensino‟ não só descarregava sobre os ombros dos


particulares os gastos de uma instituição que o Estado não custeava,
como também trazia às classes dominantes uma vantagem de primeira
ordem. O Estado impedia a entrada nos ginásios dos jovens que não
haviam frequentado as escolas ou palestras particulares. Com isso, o
Estado, que não estava a serviço da aristocracia latifundiária,
conseguia preencher os seus objetivos fundamentais, só por exceção é
que os pequenos proprietários conseguiam custear os estudos dos seus
filhos até os 16 anos, idade em que ingressavam no ginásio, e, como
só eram elegíveis para os cargos estatais os jovens que haviam
passado pelo ensino do ginásio, compreende-se que o resultado do
„ensino livre‟ tenha sido a concentração dos cargos existentes nas
mãos das famílias nobres. 844

As escolas ou as palestras e os ginásios eram frequentados somente pelos


filhos da alta sociedade, permaneciam ali, verdadeiramente aqueles que não precisavam
trabalhar. O objetivo da formação era inculcar em cada jovem o sentido do futuro
governante, o conferencista ou o educador tinha um só objetivo: ensinar os jovens a
amar a cidade; as instituições; a constituição, enfim, os deuses daquela civilização. É
neste contexto que Aristóteles pensa a educação a partir das classes dirigentes, desse
modo, ele descreve, interpreta e orienta também a educação de seu tempo.

Mais franco ainda que Platão, Aristóteles não se ampara em metáforas


e mitos, nem disfarça o seu pensamento por meio deles. [...] Não
apenas sustentou que a escravidão estava na natureza das coisas, como
afirmou – como já dissemos – que as classes industriais são incapazes
de „virtude‟ e de poder político. Além disso, reservando para muito
poucos a visão do divino – expressão essa que significava teoria [...]
845

843
VERGNIÈRES, Solange. op. cit. p. 24.
844
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 50.
845
PONCE, Aníbal. op. cit. p.59.
299

De acordo com essa reflexão, a classe trabalhadora não tem perfil nem
caráter para exercer o poder político. A escravidão é para ele uma condição natural, ele
não está sendo injusto com sua civilização. Isso é próprio e característico de sua
civilização.
Na verdade, se cada instrumento pudesse executar a sua própria
missão obedecendo as ordens, ou percebendo antecipadamente o que
lhe cumpre fazer, como se diz das estátuas de Dáidalos, ou dos
tripodes de Héfaistos que, como fala o poeta, „entram como autômatos
nas reuniões dos deuses‟, se, então as lançadeiras tecessem e as
palhetas tocassem as cítaras por si mesmo, os construtores não teriam
necessidade de auxiliares, e os senhores não necessitariam de
escravos.846

A concepção de Estado adotada por Aristóteles não era igualitária, ele


parte também da divisão de classes. Assim como seu mestre Platão, faz a distinção entre
os nobres, - os homens livres e o povo. “Mandar e obedecer são condições não somente
inevitáveis, mas também convenientes. Alguns seres, com efeito, desde a hora de seu
847
nascimento são marcados para ser mandados [...].” Nesse caso, a educação deve
ocupar-se somente da formação dos homens livres daquela civilização. Portanto, o
trabalho pertence ao escravo, em Política, no capítulo quinto do livro primeiro, ele
explica as qualidades do senhor – o homem livre, e as qualidades do escravo.

Na verdade, o escravo vive em comum com o seu senhor, enquanto o


artífice está mais afastado, e sua condição requer apenas qualidades
proporcionais à sua dependência, pois, a condição dos artífices
mecânicos é uma espécie de escravidão limitada, e enquanto o escravo
existe por natureza, nenhum sapateiro ou qualquer outro artífice
exerce seu ofício por natureza. É evidente, então, que o senhor deve
ser a origem das qualidades de um escravo, e não um simples
conhecedor da arte de ser senhor, que ensina ao escravo suas tarefas.
848

A escravidão para Aristóteles não está na aparência do escravo, mas sim,


é a sua essência. Na sua concepção fica evidente que a escravidão é algo natural, o
senhor jamais pode ser um artesão, que dirá ser um sapateiro, ferreiro e demais
profissões do tipo. Logo, a formação do cidadão não tem especificidade prática. A
educação proposta por Aristóteles está engendrada de acordo com as aspirações de sua
época. Portanto, perguntar pela paideia aristotélica é compreender sem dúvida as

846
ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1254 a.
847
ibid. I, 2, 1254 a.
848
ARISTÓTELES. Política. I, 5, 1260 b.
300

circunstâncias políticas, a dimensão econômica, as condições materiais e também o


comportamento ideológico dessa sociedade. Fora dessa rota é impossível compreender a
cultura grega antiga e, portanto, a realidade educativa que propôs Aristóteles. “Tinham
razão Aristóteles e Platão: uma sociedade fundada no trabalho escravo não podia
assegurar cultura para todos. O rendimento da força humana era tão exíguo que um
homem não podia estudar e trabalhar ao mesmo tempo.” 849
Especificamente sobre o sistema de educação de sua época, expressa:
“Não é difícil de ver, então, que devem ser ensinado aos jovens os conhecimentos úteis
realmente indispensáveis, mas é óbvio que não se lhes deve ensinar a todos eles
distinguindo-se as atividades liberais das servis; [...].” 850 Essa é a sua posição: somente
se deve ensinar aos jovens filhos da classe dos dirigentes. Na verdade, ele distingue as
atividades liberais das atividades servis, a essas destinadas aos escravos. Mario
Manacorda, descrevendo o escopo da educação aristotélica enfatiza que “[...] a intenção
reformadora será mínima, mas a tentativa de sistematizar e interpretar a prática
educacional será significativa.” 851
Dentro destas circunstâncias, o filósofo coloca em realce um dos maiores
princípios: a civilidade. É verdade que essa prática nasce para nutrir uma pequena
minoria: a classe dos dirigentes daquela civilização – os homens livres. Sua reflexão
educativa passa impreterivelmente pelo ordenamento do Estado e atua radicalmente no
plano moral, “[...] devemos fazer com que tudo que é mau permaneça distante dos
852
jovens, especialmente o que se relaciona com a depravação e a malevolência.”
Portanto é essencialmente ética, mas, sobretudo, política. A instrução adequada para a
realização da excelência moral dos indivíduos é uma tarefa árdua a ser atingida,
853
sobretudo se “[...] os jovens não são criados sob as leis certas; [...]”. Desde cedo as
crianças devem ser criadas, afim de que, sua educação e suas atividades sejam
previamente estabelecidas dentro do espírito da constituição. Desde a infância é preciso
habituar as crianças a desejarem coisas certas. Essa é a educação do hábito, que Platão e
Aristóteles entendem ser perfeita; ou a “[...] verdadeira educação.” 854
Nessas circunstâncias, a cidade deve educar o indivíduo e aqui está, sem
dúvida, a maior contribuição de Aristóteles: a civilidade. “É óbvio, então, que as
849
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 59.
850
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
851
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.76.
852
ARISTÓTELES. Política. VII, 15, 1337 a
853
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. X, 1180 b.
854
ARISTÓTELES. Política. II, 1104 b.
301

constituições cujo objetivo é o bem comum são corretamente estruturadas, de


855
conformidade com os princípios essenciais da justiça, [...].” Ele propõe uma ação
renovadora para tentar interpretar a prática educativa da pólis. Ainda, quando
Aristóteles pesquisava o comportamento dos indivíduos de sua época, o que lhe rendeu,
posteriormente, a obra Ética a Nicômacos, em que já preanunciava quase tudo que
queria e entendia sobre o sentido e a natureza da educação: aqui o filósofo retrata
especificamente sobre a educação da família e, resumidamente, traduz sua intenção:

Mas é melhor que haja um sistema específico e público para tais


questões; se elas forem descuradas pela comunidade, então será
acertado que cada pessoa ajude seus filhos e seus amigos a atingir a
excelência moral, e que elas tenham o poder, ou no mínimo a intenção
de agir assim. 856

Assim, ele antevê a educação da família, ou seja, é na família que se deve


principiar a educação, é em cada lar que se inicia o processo formativo da
omnilateralidade. A concatenação ou o ordenamento das coisas que são de todos – a
educação deve ser concretizada a partir da constituição. Para Aristóteles, isso só se
realiza tendo em vistas leis adequadas. A educação individual leva vantagem sobre a
coletiva

Com efeito, da mesma forma que nas cidades as leis e os costumes


predominantes têm força, nos lares a autoridade e os hábitos dos pais
também têm, e a força destes é ainda maior por causa dos laços de
sangue e dos benefícios devidos ao pai, pois os filhos demonstram
inicialmente uma afeição natural em relação a ele e a disposição de
obedecer-lhe. 857

A civilização de Aristóteles, diferentemente da contemporânea, não está


voltada para a formação da criança em si, isto é, em sua inteireza. Vamos repetir mais
uma vez: não podemos entender a formação da criança como hoje, lá não existe a
preocupação com a criança em si. Mas sim, toda preocupação formativa era estava
orientada para a formação do homem adulto. Distinguindo da concepção platônica,
Aristóteles entende que a família é o princípio motor da educação da criança, e não o

855
ARISTÓTELES. Política. III, 4, 1279 a
856
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. X, 1180 b.
857
ibid. 1180 b.
302

Estado. Tal como vimos em Platão: a criança recém-nascida era recebida aos cuidados
do Estado. Portanto, em Aristóteles, as primeiras orientações pedagógicas ficam a cargo
da família, - dos lares. “A família permanece, na Antiguidade, o quadro da primeira
educação.” 858
Nesse sentido, Aristóteles teoriza sobre a realização de uma cidade
virtuosa, e concede à educação uma função importantíssima – o sistema educativo da
pólis deve formar os cidadãos a partir da virtude, “A felicidade da Cidade depende da
virtude, mas a virtude vive em cada cidadão e, por isso, a Cidade pode tornar-se e ser
859
feliz na medida em que cada um dos cidadãos se torne e seja virtuoso.” Enquanto
Platão na República concebe seu projeto pedagógico a partir do conceito de justiça,
Aristóteles interpreta seu programa e prática educativa a partir da concepção de virtude.
Se o objetivo da civilização grega era formar o homem das classes dominantes, então,
Aristóteles entende que o conceito de virtude só pode e deve estar vinculado ao homem
livre da pólis, - o conceito de virtude ou, areté, na filosofia aristotélica, é a capacidade
máxima que o cidadão possui para realizar com integridade sua vida moral, intelectual,
física, psicológica na pólis. O cidadão que atinge esse propósito deve ser honrado, deve
receber o prêmio máximo, tal cidadão deve receber as maiores honrarias. Somente o
homem rico da pólis poderia receber os maiores prêmios e as maiores honrarias.
Conforme analisado junto ao primeiro capítulo, essa lição Aristóteles recolhe da
tradição de Homero. Para entender um pouco mais a dimensão dessa virtude humana,
Werner Jaeger escreve: “O reconhecimento da grandeza de alma como a mais elevada
expressão da personalidade espiritual e ética fundamenta-se tanto para Aristóteles como
860
para Homero, na dignidade da arete.” Daí, o sentido da civilidade de Aristóteles
supera esses pré-requisitos de uma educação desvinculada da pólis, na cidade, por seu
turno, as famílias não se reúnem com finalidade comercial como já analisado nos
capítulos anteriores. O sentido da civilidade está em atingir a mais nobre e digna causa
da cidade, viver bem. No terceiro livro, do capítulo quinto da Política, Aristóteles é
contundente, “Tudo isto é obra da amizade, pois a amizade é a motivação do convívio;
logo, já que o objetivo da cidade é a vida melhor, estas instituições são o meio que leva
861
àquele objetivo final.” Exatamente aqui, Aristóteles diferencia duas de sua mais
importantes categorias, quando se pensa o sentido do homem político de sua época. são

858
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.226.
859
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p.445.
860
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 34.
861
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1281 a.
303

862
elas: a excelência intelectual – phrónesis - a capacidade de reflexão, e a excelência
863
moral, sophrosýne .- a capacidade de agir.
Em primeiro lugar, antes de pensar a cidade, Aristóteles concentrou toda
sua dedicação para entender o sentido das atividades humanas. Ele investigou as ações
dos homens de seu tempo. Se Platão conheceu a desonestidade, a corrupção e a
impiedade no meio das ações políticas dos homens atenienses, Aristóteles, quando
estudou as constituições das cidades gregas, não somente colocou em evidência as leis,
mas, conferiu a especificidade da ação de cada uma delas. As legislações das poleis de
seu tempo – Creta, Cartago, cidades da Macedônia e tantas outras, traziam o costume de
privilegiar nas atividades do fazer – das armas, o domínio, isto é: no sistema
educacional da época, “[…] em certas cidades o objetivo da constituição e das leis é
adequá-las ao exercício do governo despótico sobre os seus vizinhos [..]”864 Muito
próximos a tudo isso está a obscuridade da vida social, estão as mortes, a corrupção, o
engano, a violência, e sobretudo a injustiça. Por isso, em Ética a Nicômacos estuda o
comportamento dos homens de seu tempo. Expressa ele em sua ética:

Ainda que a finalidade seja a mesma para um homem isoladamente e


para uma cidade, a finalidade da cidade parece de qualquer modo algo
maior e mais completo, seja para atingirmos, seja para um único
homem, é mais nobilitante e mais divino atingí-la para uma nação ou
para as cidades. 865

Quando as leis não visam o primor e a excelência da existência humana,


o bem comum e o bem individual – particular são assolados. Quando as razões políticas
de qualquer civilização visam atingir objetivos em nome de poucos, novamente o bem
comum, é também assolado. Quando Aristóteles pensou a escola de escrita, quando
propôs ao legislador de Atenas a escola de estado, estava ele, propondo a civilidade em
sua dimensão ampla. A civilidade não é senão uma forma de bem viver em

862
A palavra transliterada phrónesis significa discernimento, excelente reflexão. Por sua vez, o verbo
phronéo deriva da palavra - ζκέτηρna língua grega snignifica pensar, discernir, refletir, esclarecer,
pode dizer que, é a excelência intelectual do homem, é reflexão, entendimento, potência própria do
homem. In: OLIVEIRA, José Sílvio de. op. cit. 2004. p.13.
863
A palavra transliterada sophrosýne está ligada diretamente ao termo grego (Σοφία) que significa
sabedoria. Nesse sentido, sophrosýne é o estado, disposição perfeita. O termo também está relacionado
como o verbo Sophronéo (ζοθόρ) que por sua vez, significa tornar-se sábio, pridente e moderado. In:
OLIVEIRA, José Sílvio de. op. cit. 2004. p.13.
864
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1324 b.
865
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 1094 b.
304

comunidades. É preciso na originalidade cívica aristotélica aprender o hábito de viver


bem.

Quando Aristóteles define o homem como “animal político”, sublinha


o que separa a Razão grega da de hoje. Se o homo sapiens é a seus
olhos um homo politicus, é que a própria Razão, em sua essência, é
política. De fato é no plano político que a Razão na Grécia,
primeiramente se exprimiu, constituiu-se e formou-se. 866

O escopo da civilidade se volta para modar e aperfeiçoar o homem em


sua totalidade – concretude. Se Platão é o primeiro a sistematizar a filosofia é ele
também o primeiro a sistematizar a paideia. Para ele não existe cidade sem educação e
nem leis sem educação. Da mesma forma, em Aristóteles, a educação é o elo que
determina a vida social. Para ele, é na e pela cidade que o cidadão se realiza
existencialmente. Quando Aristóteles tratou da vida contemplativa estava ele a propor,
talvez, uma das mais sublimes atividades do homem: a capacidade de pensar, refletir,
raciocinar. Em Platão, pensar não é, senão, olhar com os olhos do pensamento, a
realidade que não se deixar transparecer num só golpe. Em Aristóteles, a atividade mais
significativa é a vida contemplativa, ou seja, o pensar.
Ele só começou a pesquisar a política – sentido de civilidade, depois de
ter terminado a investigação ética, isso podemos descobrir lendo o último livro da
Política de Aristóteles. Como já sabemos, a ética depende da política. Para o filósofo, a
ética é a ciência da praxis – as ações humanas. Ao pesquisar o saber ético, ele funda e
sistematiza o estudo sobre a ética filosófica com perfeição. Linguisticamente o termo
não é inventado por Aristóteles, pois, já na época de Homero, a palavra era entendida
como abrigo, morada, refúgio de animais. O vocabulário grego se valia da palavra ética
em dois sentidos distintos. Antes de Aristóteles, a palavra ética transliterada para êthos
867
ou éthos não tinha o sentido que conhecemos hoje. Embora no alfabeto grego
existam duas vogais para expressar e escrever a letra “e” do nosso alfabeto, na língua
grega os substantivos êthos ou éthos são palavras de uma mesma raiz semântica, e,
portanto, não era compreendida no sentido da virtude do caráter. A partir do filósofo, a

866
VERNANT, Jean Pierre. op. cit. p.103.
867
No alfabeto grego existem duas vogais para escrever e expressar a letra “e” do nosso alfabeto. As
palavras transliteradas, “êthos ou éthos na língua grega tinha dois sentidos: escrito com a vogal inicial
longa (eta) “”significa caráter, maneiras de ser, expressa morada, abrigo, habitação do homem e do
animal em geral [...] e, escrita com a letra inicial epsilon (éthos) “”, significa costume, hábito, usos.” In:
OLIVEIRA. José Sílvio de. op. cit. 2004. p.26-27.
305

noção e o entendimento de ética ganha conotação de caráter – disposição adiquirida


pelo hábito.
A partir daqui, a reflexão aristotélica sobre a formação do caráter está
ligada ao hábito e à instrução, por isso requer tempo para que o homem possa
desenvolver suas potencialidades. Desde o nascimento o homem experimenta essa
dimensão que está à margem de sua escolha ou vontade. Certos atos não trazem a marca
da diferença específica do homem, pertencem a ele como uma necessidade natural, são
apenas atos do homem. O homem nunca está pronto ou acabado, ele está sempre em
fazimento. Diferentemente dos seres inanimados, o homem tem a capacidade de
aperfeiçoar os atos com o hábito. Os seres inanimados a nada se habituam, somente o
homem se habitua. O homem tem necessidade constante de aprendizado. E é pelo hábito
que o homem aprende, ele necessita de educação. O caráter pode ser mediado pela
educação. E é isso que Aristóteles descobre e reconhece, o hábito é a mola propulsora
do caráter do homem, portanto, das ações humanas. Eis o sentido da pragmateia
aristotélica. Aqui, ele não está investigando o conhecimento teórico, mas sim, o
conhecimento prático, cuja natureza é imprecisa. Sua pesquisa tem uma finalidade,
tornar o homem melhor, afirma ele, “[…] para tornarmos bons, pois se não fosse assim
868
nossa investigação viria a ser inútil, cumpre examinar a natureza das ações.” Como
ser de potência ele pode atualizar cotidianamente seus feitos, a partir da razão. “Agir de
acordo com a reta razão é um princípio geral.” 869
Aristóteles sabe perfeitamente bem que sua investigação é um assunto de
natureza dúbia. O homem não é um ser pronto. As ações e os comportamentos do
homem são imprevisíveis, como ser situado e enraizado no mundo ele se move em meio
às possibilidades, é um ser contingente. A vida social é contingente. O homem pode
habituar-se e acostumar-se às mais diferentes e diversas situações. Aristóteles
compreende que isso não é uma aptidão natural, ao contrário, o hábito é uma disposição
870
(héxis) do homem, disposição essa que lhe permite obter um jeito estável de ser. O
jeito estável de ser que ele expressa não é senão o jeito de civilizar-se. O bem estar de
uma sociedade depende das finalidades que se propõem a alcançar.

868
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. II, 1104 a.
869
ibid. II, 1104 a.
870
O termo transliterado héxis () significa disposição constante ou relativamente constante, possessão
estável, disposição deliberada. “Este termo significa, primeiro disposição natural do corpo. [...] pode
designar também uma disposição adquirida pelo uso ou pela educação. Num mundo sem substância e sem
identidade, a héxis testemunha a possibilidade de adquirir um habitus relativamente estável.” In:
VERGNIÈRES, Solange. op. cit. p. 26.
306

Aristóteles investiga o sentido profundo do homem vivendo em


comunidade. Ele busca as causas no mundo real, na verdade ele é o primeiro filósofo a
se preocupar com as causas do comportamento humano em sociedade. Podemos dizer
em certo sentido, que ele funda a psiclogia do ponto vista científico e filosófico. Em
Ética a Nicômacos ele investiga os sentimentos do homem no campo social de seu
tempo. Em conformidade com sua reflexão o homem é um ser de sentimentos, só ele
chora, sorri, sente, tem desejos. O desejo é uma inclinação natural, todo homem pode
desejar o prazer, o dinheiro, ser honrado; deseja sempre fugir à dor, às situações
inconvenientes e adversas.
O desejo no homem pode ser uma propensão externa, quando impelida
871 872
por algo exterior (hormé) , ou ser uma inclinação interna (oréxis) , quando
impulsionado pelo caráter. Todo homem experimenta essa dupla dimensão. A dor, a
paixão, o sentimento são elementos inerentes à sua vida. Na existência humana o desejo
873
é paixão (páthos). Desde o nascimento o homem experimenta essa dimensão que
está à margem de sua escolha ou vontade. Certos atos não trazem a marca da diferença
específica do homem, pertencem a ele como uma necessidade natural, são apenas atos
do homem. Essa é a dimensão do páthos, o modo natural, a maneira instintiva de ser do
homem. Aristóteles pensa e investiga para além do instintivo. O páthos, o desejo não é
apropriado para dirigir a ação humana, ou a vida humana. Somente com o esforço e a
dinamicidade do éthos o homem se pode desprender da passividade, sendo assim cria e
inventa novo estilo, nova configuração, a sua maneira de ser. É o hábito a fronteira,
onde a ética aristotélica começa a erigir. Esse hábito, disposição da alma, estando
sempre em conformidade com a razão, orienta a vontade do homem para que este possa
deliberar – decidir e escolher sempre o melhor. A escolha, a decisão tem que ser
pensada, ponderada, moderada visando ao bem. Aristóteles pensa o homem em sua mais
elevada condição. O homem na sua racionalidade. Pela ética aristotélica, o homem é

871
A palavra transliterada hormé é derivada do verbo ormáo (έναπξη) significa lançar-se, empurrar,
instinto, desejo, por em movimento, se refere ao movimento violento em direção a alguma coisa, impulso
violento, desejo profundo, ímpeto. Refere-se ao desejo quase incontrolável, impelido e movido por
circunstancias externas. OLIVEIRA. José Sílvio de Oliveira. op. cit. p.29
872
O termo transliterado óréxis (όπεξη) significa apetite, vontade, desejo, é um impulso que impele um
ser vivo à ação, visa à satisfação de necessidades. Diferentemente do desejo hormé, o desejo órexis não
provém das circunstâncias externas, mas provém do interior daquele que deseja, faz parte da natureza do
desejante. ibid. p.29.
873
A palavra transliterada páthos do grego (πάθορ) significa paixão, conota sentimento de dor, de
sofrimento. O páthos está sempre à margem de uma decisão e vontade do homem, é aquilo que se sente,
que se sofre afetado por circunstâncias exteriores. Na acepção da dimensão do páthos entraria tudo o que
a natureza oferece ao homem de sem que este tenha intervindo ou colaborado de maneira ativa em sua
existência. ibid. p.29.
307

convidado a construir sua morada, isto é, sua civilidade, seu abrigo. É convidado a
modelar seu estilo de vida, sua maneira de ser, pela ética ou, mais precisamente, pela
transiletração dos termos linguísticos: êthos e éthos ele pode construir sua trajetória
existencial. Então o valor da ética não está em deliberar normas imutáveis, regras fixas e
prontas para o comportamento do homem; seu objetivo não está em determinar o que o
homem deve ou não fazer. Sua finalidade não se direciona para prescrever tipos de
condutas, mas se justifica ao explicar o sentido do conteúdo da virtude ética, isto é,
busca exprimir o sentido racional, intencional e voluntário das ações do homem. O
modo de agir se constitui por uma repetição de atos, porém, entra em contradição com
os impulsos do desejo do homem. Isto significa dizer que as ações humanas não são
necessárias, mas possíveis, pois decorrem de deliberação e escolha.
Aristóteles investigou o sentido e a natureza da ética, portanto, investigou
a forma, a configuração, dos modos, dos costumes dos indivíduos se constituírem como
humanos, em suma, investigou o caráter ou a índole dos seres humanos vivendo juntos
em uma determinada comunidade – pólis. É na pólis que tudo se realiza e não fora dela.
Para Aristóteles, a questão da civilidade está fortemente atrelada à questão ética. Já
investigamos no terceiro capítulo, o conceito de felicidade não se separa nem da cidade
e nem do indivíduo, e aqui brota o sentido da civilidade do filósofo. Como sabemos,
homem é para Aristóteles um animal social, isto é, essencialmente político, isso
significa dizer que o homem é um ser de civilidade. Em Política, quando Aristóteles
propõe definir a melhor forma de governo para a pólis, o conceito de felicidade é a
pedra de toque de sua construção, a ética, a pólis e a civilidade são categorias centrais
no pensamento do filósofo:

Mas o objetivo que nos propomos é discernir a melhor forma de


governo, e esta é a que enseja a melhor administração da cidade, e a
melhor administração de uma cidade é a que lhe proporciona maior
felicidade; obviamente, portanto, não podemos ignorar o que seja a
felicidade; Sustentamos (de conformidade com nossa definição na
Ética, se os argumentos nela apresentados têm alguma utilidade) que a
felicidade é o resultado e o uso perfeito das qualidades morais, não
condicionalmente, mas absolutamente.874

Não é fora da cidade que se delibera as decisões humanas. É portanto no


centro da pólis que se escolhe e se delibera sobre as finalidades das ações do homem.
Aristóteles pensa o conceito de civilidade em que a vida moral pode ser apreendida em
874
ARISTÓTELES. Política. VII, 8, 1332 a.
308

sua singularidade e em plena liberdade. Já sabemos por Aristóteles que a cidade é uma
forma máxima – suprema de associação – (comunidade), denominada política. Para um
grego estar fora dos assuntos da pólis ou da política, é viver de maneira não civilizada.
Assim como o homem moderno não pode viver sem a conexão, o homem grego da
época de Platão e de Aristóteles não pode ficar sem a pólis. Segundo Jean-Pierre
Vernant, a civilização grega antiga não separa o cidadão do político, “A phrónesis, a
reflexão é o privilégio dos homens livres que exercem correlativamente sua razão e seus
direitos cívicos.”875
Em conformidade com os estudos de Jean-Pierre Vernant, os cidadãos da
pólis sabem que a cidade necessita da unidade política. Em Aristóteles, só é possível
viver na cidade (pólis) vivendo juntos e experenciando tudo o que de mais peculiar tem
nela e, para os gregos, a comunidade (koinomia)876 é por seu gênero o elemento mais
natural.

É uma espécie de comunidade e toda comunidade se forma com vistas a


algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas
ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é
evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem
mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela
se chama cidade e é comunidade política. 877

O sentido amplo do ethos-politikón aristotélico implica em primeiro lugar


justiça e sem essa, é impossível a existência de uma vida social digna para todos. A
criação da autonomia, da responsabilidade, da cidadania, da democracia, da igualdade
são valores essenciais para a uma convivência feliz na pólis. Aristóteles sabe disso.
878
“Cabe à cidade, portanto, ser moderada, corajosa e tenaz […].” A civilidade para
Aristóteles faz bem ao indivíduo e não o contrário. “Na realidade, é mais benéfico para
os idiotai que a cidade viva em prosperidade como um todo, beneficiando assim todos
879
os politai e fortalecendo a ideia de Estado.” O homem aristotélico não se reduz ao
cidadão. A cidade foi criada para a edificação do indivíduo. Na vida social a ética se
cruza com a política. Péricles (492 a 429 a. C.) sabe perfeitamente bem dessa realidade

875
VERNANT, Jean Pierre. op. cit. p.104.
876
A palavra Koinomia, derivada de Koinós do grego (κοινή) que significa comum, aquilo que é
partilhado entre todos, ou, mais precisamente entre os iguais. Em relação aos homens livres – os iguais,
expressa Jean-Pierre Vernannt: “Nesse equilíbrio recíproco assenta-se a unidade do Estado, ficando cada
elemento contido pelos outros nos limies que não deve ultrapassar.” ibid. p.53.
877
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1252 a.
878
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1334 a.
879
LEÃO. Delfim Ferreira. Op. cit. 2010. p.86.
309

e, assim como Aristóteles, o legislador de Atenas reconheceu a prioridade da


comunidade sobre a realidade do indivíduo. Tucídides registrou as seguintes palavras de
Péricles exatamente no momento do eclodir da guerra do Peloponeso. “Na minha
opinião uma cidade proporciona maiores benefícios aos seus habitantes quando é bem
sucedida como um todo que quando eles prosperam individualmente, mas fracassam
880
como uma comunidade.” De fato, um indivíduo pode até ser feliz em sua vida
privada ou em seus negócios, porém, se sua cidade cair em ruínas, certamente, esse
poderá a vir com ela perecer.
O viés de civilidade aristotélica implica vida moral e política. Não é o
mundo militar que ordena a vida social, não é o comércio que edifica a vida social.
Também não são os partidos políticos que orientam a vida dos cidadãos ou ainda a vida
privada desses. Em seu tempo existia controversas sobre a vida particular e a vida
pública. Alguns homens dizem que a vida pública deverá superar a vida coletiva, outros
afirmam que a segunda tem prioridade sobre a primeira, para Aristóteles a civilidade
implica as duas coisas. E é por isso que ele estava atento ao número de habitantes da
cidade, “Refiro-me, por exemplo, ao número de cidadãos e à extensão do território.” 881
Aristóteles pensa o homem em sua omnilateralidade. Uma cidade próspera não está
ligada ou relacionada com o tamanho da cidade, não importa a extensão, uma cidade
próspera deve zelar pela vida de todos que ali residem. A civilidade aristotélica coloca
no mais alto grau as atividades da pólis para a realização do indivíduo. A pólis está
voltada para o homem em sentido ético e político, e, portanto, o tom da civilidade é
amplamente humano.

As atividades de uma cidade são as de seus governantes e governados,


e a função de um governante é ordenar e julgar, mas para decidir
questões judiciais e para distribuir funções de acordo com o mérito
dos cidadãos devem conhecer necessariamente o caráter uns dos
outros, pois onde isto não acontece a escolha dos altos funcionários e
os julgamentos são inevitavelmente mal feitos; uma decisão irrefletida
em ambas as matérias é injusta, e isso aconteceria com certeza numa
cidade execessivamente populosa. 882

A vida humana que Aristóteles pensa é uma vida, na qual o homem pode
viver em dignidade. Os cidadãos não são feitos para viver uma vida sem decência, sem

880
TUCÍDIDES. op. cit. p.121.
881
ARISTÓTELES. Política. VII. 4, 1326 a.
882
ibid.VII, 4, 1326 b.
310

decoro, sem lazer, sem honra, portanto, sem reflexão – filosofia. Já descrevemos isso no
terceiro capítulo, o ócio – o lazer é o instrumento essencial dentro da lógica da
civilidade aristotélica. Mais que a atividade guerreira e para além da atividade política,
o homem é chamado à atividade filosófica – a vida contemplativa. Se, Platão em sua
obra Político, distingue a vida do político e do filósofo, em Política, Aristóteles, no
capítulo segundo do sétimo livro, examina também as duas atvidades, a vida do político
e a vida do filósofo.
A questão não deixa de ser uma questão conflituosa. Tanto na
Lacedemônia como em Creta, o sistema educacional e a própria legislação estão
direcionadas para a guerra – para o fazer, Aristóteles reconhece isso e tece críticas. Em
Política, ele afirma que as práticas formativas das crianças e dos jovens das regiões da
Trácia, da Pérsia, eram estimuladas por virtudes militares, também em Cartago ou
Macedônia. Ele próprio conhece o sistema educacioanl da Macedônia, nascido ali, sabe
dos costumes praticados e vivenciados na realidade de sua época, e portanto, nos
informa. “Em alguns festivais celebrados nas tribos citas, passava-se de mão em mão
taça cujo conteúdo um homem que ainda não houvesse esterminado um inimigo não
podia beber.” 883 É dentro dessa realidade de mortes, injustiças, conflitos e obscuridades
da vida social que Aristóteles convida o homem à vida contemplativa, “[…] que certas
884
pessoas dizem ser a única digna de um filósofo. ” Por isso ele distingue a vida do
filósofo e a vida do político. Ele distingue o sentido da vida ativa e da vida
contemplativa. Como já afirmamos várias vezes, ele faz isso investigando inúmeras
contituições das poleis de seu tempo e estudando o comportamento social dos homens
de sua época. Isso é fundamental para ele. Atenas não é uma cidade de anjos, as mortes
são frequentes, as guerras são violentíssimas, a injustiça caminha de braços com a
mentira, com o engano, com a usurpação. Sabe ele muito bem que as leis de seu tempo
respaldam a morte, contemplam a injustiça, solidificam a mentira e o engano. Esse
assunto, assim como foi para Platão, tem primazia na investigação aristotélica.
A selvageria, a desonestidade, a falta de compromisso com as leis não
passa despecebido pelo Estagirita. Ele está profundamente angustiado com a cidade, ele
deseja mais do que ninguém a civilidade. Dominar despoticamente é uma ideia contrária
ao pensamento aristotélico. A civilidade não combina com políticos despóticos. Por
isso, não faz pouco diferença distinção entre a vida do político e a vida do filósofo. Ele

883
ARISTÓTELES. Política. VII, 2, 1324 b.
884
ibid. VII, 2, 1324 a.
311

expressa claramente: “Não é legítimo dominar, mesmo justamente quanto mais


injustamente – estar-se-á usando a força e não o direito.” 885
Fazer distinção é sobretudo, fazer filosofia. O homem é chamado á
filosofar. Ao contrário, não muito longe dessa realidade, a pólis contemporânea destrona
o sentido do filosofar em detrimento da lógica, da técnica, do mercado, e da política. O
ponto de vista moderno reduz a filosofia à técnica: ou desaparece do cenário ou se
transforma em técnica. Descobrir a verdade e distinguir o modo de vida político e o
modo de vida de um filósofo é, para o Estagirita, a questão essencial. A pólis
contemporânea não aprendeu a fazer distinções, e, portanto, não aprendeu a filosofar.
Aliás, aprendeu a filosofar sim, porém, do ponto de vista da técnica, fora disso, a
filosofia é inútil para o indivíduo quanto para a cidade. Se o mundo moderno, sobretudo
com a revolução científica situada no século XVII dá início ao processo de separação
entre filosofia e ciência, por sua vez, o mundo contemporâneo a deserda e a consome de
vez. Daí, a distinção do ideal científico tal qual conhecemos hoje, ou seja, a filosofia ou
qualquer outra área de conhecimento tem sua especificidade, mais que isso, este
acontecimento forjou uma relação desarmoniosa entre as diversas ciências. Parece que
as áreas estão cada vez se distanciando da totalidade do conhecimento. Isto é, existe
uma complexificação de qualquer área do saber. A própria filosofia acaba por perder
sua dimensão criativa e original, parece que a filosofia precisa tornar-se um instrumento
técnico para sobreviver.

4.2. A Filosofia

Aclarar o nosso entendimento sobre o que é filosofia é o nosso objetivo


agora. Desde já afirmo, não tenho nenhuma pretensão de definir filosofia. Numa das
aulas do curso de filosofia ouvi um professor dizer: – a filosofia é uma coisa tal ou pela
qual, que com ou sem, tudo permanece igual. Essa frase apesar de incontida, sempre me
causou certa perplexidade e até hoje me faz pensar sobre o que poderia se filosofia O
que aqui tento é elucidar e reunir algumas ideias para compor a unidade da nossa tese. A
primeira ideia fundamental para pensar o sentido da filosofia é saber que sua origem é

885
ARISTÓTELES. Política. VII, 2, 1324 b.
312

essencialmente grega. Eis a nossa primeira escolha. O desejo de querer saber o que é
filosofia é um desejo natural. A indagação ou a pergunta, o que é a filosofia reporta ao
mundo grego. Mas o que é filosofia? Pode parecer repetitivo fazer essa pergunta, no
entanto, todos os filósofos independentemente de época ou do contexto social, sempre
tentaram responder tal indagação, e o fizeram não por capricho pessoal, mas exatamente
pela própria natureza da filosofia. No entendimento de Martin Heidegger, a identidade
da filosofia mora no contexto grego, isto é, a filosofia fala em grego, portanto, perguntar
por sua gênese e natureza significa necessariamente remontar suas origens e permanecer
num campo indeterminado exatamente pela vastidão da questão. A pergunta o que é
filosofia é uma questão indefinida por sua própria natureza. Em 1955, por ocasião da
abertura de um colóquio, Martin Heidegger, na Conferência em Cerisy-la-Salle, na
França, expressou:

Porém, a meta de nossa questão é penetrar na filosofia, demoramo-nos


nela, submeter nosso comportamento às suas leis, quer dizer
„filosofar‟. O caminho de nossa discussão deve ter por isso não apenas
uma direção bem clara, mas esta direção deve, ao mesmo tempo,
oferecer-nos também a garantia de que nos movemos no âmbito da
filosofia e não fora dela. 886

Perguntar pela filosofia supõe necessariamente filosofar! E é exatamente


isso que quer expressar Martin Heidegger, a resposta o que é filosofia “[...] somente
pode ser uma resposta filosofante, uma resposta, que enquanto res-posta filosofa por ela
887
mesma.” Entendida assim, a filosofia é uma trilha, um labirinto, uma estrada, “[...]
um caminho sobre o qual estamos a caminho.” 888 Mas, esse caminho, essa estrada, essa
trilha, ou esse labirinto, por um lado, está aqui e agora, e cada vez mais se estende
diante de nós; por outro lado, se estende atrás de nós, isto é, sempre escutamos essa
pergunta e pronunciamos desde os primórdios. Este caminho não conhecemos de modo
perfeito, é um caminho que precisa ser caminhado, Heidegger acrescenta:

[...] qualquer que seja seu ponto de apoio primeiro, exige e suscita um
reconhecimento de si mesma, que se deve admitir como homogêneo a
ela. O operador „filosofar‟, de modo semelhante aos operadores

886
HEIDEGGER. Martin. Que é isto a filosofia? Identidade e Diferença. Tradução e Notas de Ernildo
Stein. 2ª ed. São Paulo: Livraria duas cidades Ltda, 1978. p.18
887
HEIDEGGER. Martin. op. cit. p.31.
888
ibid.p.20.
313

idempotentes da álgebra, por mais que seja reiterado, não produz nada
diverso de si mesmo. 889

O problema não se trata de saber como começou a filosofia e como ela se


desenvolveu, “[...] A questão é carregada de historicidade, é historial, quer dizer,
carrega dentro de si um destino, nosso destino. Ainda mais: ela não é „uma‟, ela é a
890
questão historial de nossa existência ocidental-européia.” Por isso, não temos como
chegar a uma definição acabada dessa atividade, a filosofia não é um saber pronto. “É
preciso, pois, afastar a ilusão de chegar à totalidade como algo dado, constituído, a um
891
fundamento absoluto, capaz de tudo unificar. Menos ainda, podemos afirmar que o
pensamento de um filósofo, ou sua filosofia é mais perfeita que a de outro filósofo, não
se trata de preferência, mas de entender cada filosofia ao seu tempo e em seu contexto,
trata-se de visões de mundo. Entendida desse modo a filosofia só pode ser
compreendida na diferença, na pluralidade, sua identidade é sempre diferença. A
pergunta o que é filosofia se constituiu pela pluralidade de definições.
A filosofia parece não mais falar ao homem de seu tempo, é uma
filosofia separada da política, ou seja, não surgiu na e da pólis. Nosso tempo é um
tempo carregado de contradições, parece que o discurso da filosofia se faz instrumento
de domínio da natureza sempre beneficiando alguns poucos privilegiados ou alguns
grupos determinados. Percorrer o caminho da filosofia grega clássica tem sido para
muitos apenas uma tarefa sem sentido, a identidade helênica parece cada vez mais
escorregar ladeira abaixo e esvaziar-se de referência. Se o Renascimento marca
indelevelmente o diálogo continuo com a cultura greco-latina, a modernidade, ao
contrário, marca necessariamente o início de um processo gradual de abandono a esse
passado. Numa sociedade concebida e marcada pelo mundo da imagem, do som, do
imediato, do sensível, da utilidade prática, da efemeridade e rapidez das informações, do
extremismo do mercado financeiro, da instrumentalização do ensino e da educação, a
filosofia talvez pouco tenha a dizer. O nosso tempo é caracterizado pelas contradições
dos discursos. De acordo com as palavras de Gilles-Gaston, aos olhos de muitos,
filosofar é fugir da realidade, ou seja, é sair do plano da vida concreta. Portanto,
filosofar sobre a filosofia é sem dúvida fugir ainda mais da vida, é, em suma, estar

889
GRANGER, Gilles-Gaston. Por um conhecimento filosófico. Tradução Constança Marcondes Cesar
e Lucy Moreira Cesar. Campinas, São Paulo: Papirus, 1989. p.27.
890
HEIDEGGER. Martin. op. cit. p.24.
891
COÊLHO, Ildeu Moreira. op.cit. 2001. p.27-28.
314

condenado a percorrer indefinidamente um círculo que encerra em nós mesmos. Nesse


sentido, responde Gilles- Gaston aos não adeptos à filosofia:

[…] talvez, quem quer evitar, de toda maneira, qualquer caminho


circular, deve renunciar a pensar, de vez. Se considerarmos, então, que
pensar a vida e pensar as obras humanas, como a filosofia o faz, é
permanecer na vida, ainda, ou ao menos em suas bordas e afastar-se
dela só na aparência, então filosofar sobre a filosofia não nos afastaria
da vida, enquanto que filosofar sobre a filosofia é ainda literalmente,
filosofar. É preciso dizer, que, até, desta duplicação, desta reflexão
sobre si mesma, a filosofia é inseparável. 892

Portanto, perante nossa escolha, não faz sentido querer entendê-la sem
adentrar em seu contexto originário como expressou Gilles-Gaston e o próprio
Heidegger. Numa outra margem, quando perguntamos, buscamos, questionamos o
pensamento não se esgota o sentido da realidade, da vida concreta e do próprio
imaginário,“ […], que permanece uma questão aberta à interrogação, ao estudo, uma
verdadeira quaestio disputata.” 893
A segunda ideia fundamental para pensar o sentido da filosofia é
compreender que ela, não se caracteriza por um saber pronto. A filosofia é um saber não
acabado, não finalizado, portanto, não instrumentalizado. Filosofar consiste em
perguntar, duvidar, contestar, questionar, interrogar. Fazer perguntas, elaborar
indagações faz parte do mundo filosófico. As perguntas iniciais são simples, isto deve
ser claro para qualquer filósofo, posteriormente, elas ganham profundidade. Para
responder uma questão empírica é fundamental elaborar uma argumentação clara e
distinta, portanto, a filosofia parte das perguntas simples para às mais complexas. O
resultado das perguntas se dá no plano do conceito, ou seja, não se deve responder a
questão no plano do simples, das opiniões, do empírico, das aparências, do passageiro,
da efemeridade, mas sim, na esfera dos conceitos. As ideias claras e distintas de Rêne
Descartes (1596 -1650) são exatamente isso. Compreender supõe perguntar do simples
para o complexo. Isso é essencialmente educativo. A filosofia mora nesse contexto de
busca constante, do novo, do não-revelado, do não-dito, do não-feito, do não-pensado.
“Pensar é ir à raiz, além do visível, do aparente, do empírico do múltiplo, do
894
contingente, do mutável, do particular, do individual.” A filosofia é a busca

892
GRANGER, Gilles-Gaston. op. cit. p.9.
893
COÊLHO, Ildeu Moreira. 2001. p.27-28.
894
COELHO, Ildeu Moreira. op.cit.. 2013. p.11
315

constante das indagações feitas sobre a realidade da existência humana, ela se


895
caracteriza como, “[...] uma busca amorosa de um saber inteiro [...].” Não se deve
ver a realidade como algo pronto, estático e instrumentalizado. Por isso a filosofia busca
um saber inteiro, é preciso ver com clareza e profundidade a realidade, o mundo que nos
cerca. Filosofia, historicamente, termo por muito tempo, sinônimo de saber racional e
de ciência. Este sentido não mais prevalece desde que as ciências se separaram da
filosofia. Platão é o primeiro a colocar a filosofia na sua morada originária. Em, O
Político, ele, preliminarmente, retira a filosofia das sombras mitológicas, do veu da
opacidade ficcionista para propor uma análise cosmológica, científica. No mito
cosmológico por ele descrito, Platão atua perfeitamente como um físico.

Presta atenção! O universo, umas vezes a divindade guia-o


pessoalmente no seu trajeto e acompanha-o no seu movimento
circular; mas outras afasta-se – quando os circuitos atingem o
intevalo de tempo apropriado. Mas nessa ocasião, por ação do
movimento autônomo, o cosmos volta novamente à posição contrária,
uma vez que é um ser vivo, dotado de inteligência pelo seu arquiteto
primordial. 896

Platão elimina a conotação fictícia do mito e imprime a ideia de ciência,


de racionalidade física do mundo, do cosmos, tanto das causas como dos movimentos,
isso é acima de tudo filosofia. Platão entende que o primeiro movimento é guiado por
uma orientação da divindade, e o outro é um movimento autônomo. E aqui está o valor
da nova descoberta “[…] A entidade a divina desempenha o papel não de motor do
movimento, mas sim, de guia da direção tomada pelo mesmo, isto porque o cosmo,
897
sendo animado, detém a capacidade de produzi-lo.” Ao retirar as sombras que
cobriam o horizonte da filosofia, Platão viabiliza o sentido amplo do próprio
pensamento humano. De uma outra maneira, afirma Hegel: “[...] o conteúdo que a
filosofia tem não são ações e eventos exteriores das paixões e da sorte, mas são
pensamentos.” 898
A palavra filosofia significa literalmente amigo da sabedoria, em grego
(Σοθία), dividindo a palavra encontramos: (philos - sophias) philosophia, de (philen)
amar e (sophia) sabedoria, saber. Como anunciamos anteriormente, o termo filosofia

895
RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São
Paulo: Cortez, 2001. p.44.
896
PLATÃO. O Político. 269 d.
897
N.T. PLATÃO. O Político. p.196.
898
HEGEL, Friedrich. Introdução às Lições sobre a história da filosofia. A, 1, 25.
316

foi inventado por Pitágoras, que certa vez ouvindo alguém chamá-lo sábio e
considerando este nome muito elevado para si, pediu que o chamasse simplesmente
filósofo, isto é, amigo da sabedoria. A filosofia não é senão uma investigação amorosa
do saber, podemos dizer que, a filosofia é algo que tem sabor. Longe de ser um mero
amor de abstração. Ela faz empenhar tudo o que somos, é a condição típica do homem.
De acordo com a etimologia e com Pitágoras pode-se dizer que a filosofia é amiga do
saber, do conhecimento, do desejo prazeroso de conhecer, de aprender a conhecer a
partir da amizade.
Diferentemente das demais ciências, a filosofia não tem pretensão de
resolver e nem dar soluções aos problemas os quais se defronta o homem. Ela não traz
em sua bagagem respostas para as perguntas, muito menos, é uma detentora de
soluções. “A filosofia, porém, a cada momento pergunta, duvida, contesta.” 899 Quando
na modernidade, o filósofo francês Rêne Descartes (1596 – 1650) coloca tudo em
dúvida, não é o método que ele persegue, é na verdade a própria natureza da filosofia
que grita mais alto, o método é só uma consequencia. “Um certo inacabamento é
inerente a esse trabalho, a esse fazer que jamais se dá por concluído, nem a resposta por
900
acabada, permanecendo sempre aberta, ainda por ser terminada.” Filosofia é uma
contínua busca do conhecimento, é uma interrogação permanente que o próprio ser
humano faz de si mesmo, e de seu mundo. Todos os seres humanos têm essa ânsia, essa
vontade, esse desejo de conhecer. A filosofia é uma contínua busca da verdade, não se
volta para o prático e o imediato e não traz respostas prontas para as questões e as
angústias humanas, as demais ciências estudam o que é quantitativo, observável,
mensurável e pode ser calculado. Fazer filosofia é pensar o não-pensado, é desmascarar
o aparente, o óbvio, é desnudar o ocultado. Sua natureza não é abstração sem sentido,
mas, se traduz pelo desejo da busca de coisas reais, e não de meras fantasias ou de
romances astrais como dizem os poetas. Em conformidade com os estudos de Gilles-
Gaston Granger, diferentemente da filosofia, as ciências da natureza objetivam construir
modelos abstratos dos fenômenos, [...] Elas os representam „em espaços‟ cada vez mais
distanciados do vivido como estruturas abstratas dos elementos que são possíveis
„calcular. ‟ 901

899
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001 p.41.
900
ibid. p.41.
901
GRANGER, Gilles-Gaston. op. cit. p.13.
317

A nossa terceira ideia está relacionada ao objeto de investigação. Em


relação ao objeto dessa investigação filosófica, Dermeval Saviani, num pequenino texto,
Em Aberto, no primeiro volume do ano de 1990, esclarece com maestria tal sentido
“[…] não é predeterminado. Com efeito, seu objeto é o próprio pensamento, ou então a
realidade em geral enquanto suscetível, ou melhor, enquanto necessita ser pensada seja
902
em si mesma na sua generalidade, seja nas suas manifestações particulares.” Ainda
de acordo com suas palavras, o pensamento, enquanto objeto da filosofia, só faz sentido
porque todos os homens pensam, assim, a filosofia é de interesse de todos, uma vez que
todos nós pensamos, em certo sentido, todos nós somos filósofos. Eis a nossa terceira
ideia que faz a filosofia ser o que é. Acordamos com Demerval Saviani, também com
Antônio Gramsci, e adiantamos, a filosofia não tem um objeto próprio, a não ser que se
tenha uma preocupação de dar a essa palavra um alcance essencialmente rigoroso. A
realidade por sua vez é lócus de pensamento do homem. Esse está nela enraizado,
estando situado, não escapa à reflexão. Não tem como não pensar, fora disso, tem que
morrer ou dormir, e, portanto, assim, ela se faz objeto da filosofia. Diferentemente de
uma reflexão sem aprofundamento, sem rigorosidade, sem circularidade, a realidade da
reflexão filosófica não é linear. A realidade que o homem pensa enquanto objeto de
reflexão é uma realidade complexa de se pensar. “No lugar de realidades estáticas e
acabadas, com características positivas e previamente definidas, temos algo em
permanente processo de constituição e superação de si mesmo.” 903 Por isso, o filósofo é
chamado a pensar com rigor e lógica, com audácia e com curiosidade.
A nossa quarta ideia é que a filosofia cria conceitos. Numa outra
dimensão, a filosofia se constitui a partir da formulação de conceitos. A criação de
conceitos não é uma questão nova, sempre foi tarefa dos filósofos inventarem conceitos.
Foi Sócrates que inventou pela primeira vez o sentido do conceito. É na obra intitulada
Laques que nasce a ideia de conceito. Não temos uma data precisa da composição deste
livro de Platão. De acordo com os estudos do investigador português da Universidade
de Coimbra, Francisco Oliveira, tradutor da mesma, a data está situada entre “[...] os
424 a. C., ano da batalha de Délion, onde, segundo 181b, Sócrates revelou sua coragem
exemplar, e 418 a. C.” 904

902
SAVIANI, Demerval. Contribuiçoes da filosofia para a educação. In: EM ABERTO. Contribuições
das Ciências Humanas para a Educação - A Filosofia. Orgão de Divulgação Técnica do Ministério da
Educação. Brasília, ano 9, nº 45 - jan-mar. p.1-72, 1990. p.3
903
COÊLHO, Ildeu Moreira.op. cit. 2001. p.42.
904
N.T. PLATÃO. Laques. p.12.
318

É nesta obra que Platão se encarrega de determinar o sentido da filosofia


enquanto criadora de conceitos. Dois renomados generais de Atenas a debater sobre
qual seria a melhor escola para seus filhos. Eles querem que seus filhos adquiram a
coragem. Como convidado especial deste debate, Sócrates prepara o campo da reflexão.
Sócrates como sempre nada responde, ao contrário, indaga e confunde cada vez mais
seus interlocutores:

Portanto ó Laques, também agora estes dois nos chamam a conselho


sobre o modo como a presença da virtude nas almas dos seus filhos
poderá torna-los melhores? [...] Não será então começarmos por aqui,
por saber, enfim, o que é a virtude? Se nem sequer conhecemos
exatamentne o que porventura é a virtude, de modo poderemos dar
conselhos a alguém sobre a melhor maneira de a alançar. 905

Numa outra perspectiva, talvez as palavras de Gilles Deleuze e Felix


Guatarri possam alertar-nos um pouco mais sobre este descompasso conceitual. Ainda,
de acordo com estes dois autores, uma ausência de clareza conceitual perpassa o sentido
da filosofia, de modo a embaralhar e confundir sempre mais o sentido e o significado
das coisas, dos seres, dos objetos, do mundo, da realidade da própria existência do
indivíduo e da comunidade. No mundo da acumulação, da competição, da
individualidade, o pensamento fica restrito a esfera do processo técnico cultural.

Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada


é mais doloroso, mais angustiante do que um pensamento que escapa a
si mesmo, ideias que fogem, que desaparecem apenas esboçadas, já
corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também
não dominamos. 906

A filosofia trabalha e continua nesta insaciável, incansável busca de criar


o novo. O conceito representa uma compreensão de alguma coisa. “O filósofo é amigo
do conceito, ele é conceito em potencia.” 907 Isso significa dizer que a filosofia enquanto
disciplina se traduz na criação de novos conceitos. O conceito é que desmancha falácias,
filosofar não é tão simples como remontar e montar palavras. Não é uma espécie de
quebra cabeças. Partimos da ideia de Deleuze e Guatarri de que, cada conceito
relaciona-se com outros conceitos, em aspectos de histórias, de devir, e que estabelecem

905
PLATÃO. Laques. 190 b.
906
DELEUSE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é filosofia. Trad. Bento Prado Junior e Alberto
Munõz. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004. p.259.
907
DELEUSE, Gilles & GUATTARI, Félix. p. 13
319

ligações e consistências, e nunca são criados por acaso. Embora sendo incorporal o
conceito encarna nos corpos, nos objetos, porém, é preciso ressaltar que o conceito não
é a essência da coisa. Conceito é ao mesmo tempo absoluto e relativo, os conceitos são
totalidades fragmentárias.

É absoluto porque totaliza seus componentes, mas, relativo aos seus


próprios componentes. É absoluto como um todo, mas relativo
enquanto fragmentário. É infinito por seu sobrevôo ou sua velocidade,
mas finito por seu movimento que traça o contorno de seus
componentes. 908

Para esses dois autores, permanece absoluto pela maneira que opõe a ele
e com os outros, é relativo porque é um pedaço que não se corresponde. Portanto,
conceito deve dizer do acontecimento e não é a coisa em si. A filosofia é a arte de
formar, de inventar, de fabricar conceitos, ela traça, inventa e cria os conceitos. A
filosofia leva em conta a dinâmica da reflexão, da originalidade, da auto-reflexão. Como
afirmamos anteriormente, se a filosofia varia com o tempo, também o filósofo a
redefine no exercício de sua criação conceitual.
A Filosofia começa quando não tomamos mais as coisas como certas,
quando questionamos como as coisas são e estão. Ao aproximar-se da filosofia devemos
o fazer com amor e atenção, entre os anos de 1816 ou 1817, quando Friedrich Hegel foi
nomeado Professor da Universidade de Heidelberg, exatamente no início de sua
carreira, ele expressa: em termos de filosofia, “[…] esta ciência quase emudecida pode
elevar de novo a sua voz e pode esperar que o mundo, que se lhe tornara surdo, lhe volte
a prestar ouvidos.” 909 Quando não mais colocamos nada como certeza a filosofia nasce.
Já estamos consumidos de ler e ver essa citação de Aristóteles, sem, no entanto,
compreendê-la em sua totalidade: “Todos os homens por natureza, desejam saber, [...].”
910
Sua origem é exatamente revelada quando admiramos – maravilhamos. Estar na
filosofia é sempre estar diante do novo. Esse maravilhamento é apenas onde a filosofia
começa e não a causa e fim da filosofia. É pelo maravilhamento que se começa a
filosofar. Notadamente, assevera o Filósofo: “Foi, com efeito, a admiração que impeliu,
911
tal como hoje, os primeiros pensadores às especulações filosóficas. Esta admiração,
ou seja, esse maravilhamento inicial é o caminho que conduz o filósofo a percorrer o

908
DELEUSE, Gilles & GUATTARI, Félix. p.33.
909
HEGEL, Friedrich. Introdução às Lições sobre a história da filosofia. op. cit. [I], 5- 1-5.
910
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 1, 980 a-5.
911
ibid. I, 2, 982 b- 5.
320

sentido profundo do ser. Também isso é essencialmente educativo. Sobre esse


maravilhamento Heidegger explica: “Assim o espanto é a dis-posição na qual e para
qual o ser do ente se abre. O espanto é a dis-posição em meio à qual estava garantida
para os filósofos gregos a correspondência ao ser do ente. ” 912
Finalmente anunciamos nossa quinta e ultima ideia: a filosofia é
essencialmente humana. Novamente é Sócrates, disfarçado em Platão, ou Platão
disfarçado em Sócrates, em Apologia de Sócrates, encontramos pela primeira vez o
sentido humano da filosofia. Sócrates deixa isso evidente ao fazer sua própria defesa, a
sabedoria socrática é humana:

Não sei, Atenienses, que influência execeram meus acusadores em


vosso espírito; a mim próprio, quase me fizeram esquecer quem sou,
tal a força de persuasão. Verdade, porém, a bem dizer, não proferiram
nenhuma. Uma, sobretudo, me assombrou das muitas aleivosias que
assacaram; a recomendação da cautela para não deixardes embair pelo
orador formidável que sou. 913

Inicialmente as respostas que os seres humanos tinham sobre a


existência, a origem do universo, a origem da natureza, do cosmos, dos deuses, eram
respostas constituídas por explicações míticas e religiosas. As respostas míticas são
explicações que podem orientar a fantasia, embora não sejam verdadeiras. “A religião
grega, quando dela se fala pela primeira vez – na Ilíada, Odisseia e nos poemas de
914
Hesíodo – tinha já uma longa história atrás de si.” Homero, em Ilíada, traça o
cenário ilustrativo sobre o sentido do mito e da religião na vida cotidiana dos primeiros
gregos, ali, epicamente, o historiador narra a angústia mitológica de uma personagem,
Tétis, quer ela, que os gregos saiam perdedores na guerra, só assim, o rei Agamémnone
poderá reconhecer a bravura e a falta que faz seu filho, Aquiles.

Quando a donzena manha prometida raiou matutina, para o alto


Olimpo voltaram os deuses de vida perene, todos, com Zeus grande à
frente. Não pôde do filho esquecer-se Tétis, do que lhe pedira: [...] „Se
já algum dia, Zeus pai, de ti fui grata entre os deuses eternos, seja por
meio de ações ou palavras atende me agora: honra concede a meu
filho, fadado a tão curta existência, a quem o Atrida Agamémnone, rei
poderoso, de ultraje inominável cobriu: de premio, ora, ufano, se goza.
Compensação lhe concede, por isso, Zeus sábio e potente; presta aos

912
HEIDEGGER. Martin. op. cit. p.38.
913
PLATÃO. Apologia de Sócrates: Diálogos. I, 17 a.
914
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.101.
321

Troianos o máximo apoio, até que os Acaios a distingui-lo retornem e


de honras condignas o cerquem.‟ 915

Essa forma de perceber e entender a realidade tem um sentido próprio,


ela resgata o sentido da memória da própria cultura. Foi sob esse chão fantasioso e
mitológico que as respostas eram dadas, contudo, elas buscavam em certo sentido, as
causas primeiras. Plutarco, (c.46 – 120 d.C.) logo no começo de sua obra Vidas
Paralelas- Teseu e Romulo soube reconhecer o caráter mítico que estava enraizado na
história fabulosa de Teseu, o fundador de Atenas; entretanto, alertou aos seus leitores
que era necessário um esforço metodológico para compreender o sentido racional em
meio aos mitos. Afirma ele:

Ora também eu, que, para redigir as Vidas Paralelas passei em revista
a extensão de tempo passível de um relato verossímil e susceptível de
uma investigação que se atenha a factos, bem poderia afirmar das eras
que a precedem: daí para trás fica o domínio dos prodígios e da
matéria própria dos trágicos; ocupam-no os poetas e mitógrafos e não
há lugar para credibilidade ou certeza. 916

Historicamente, tudo isso tem uma importância fundamental para o início


da filosofia, na verdade, isso representa exatamente o primeiro esforço que a
humanidade faz para tentar explicar as coisas como são. Podemos dizer que os gregos
foram os primeiros a compreender o sentido universalizante dos mitos. A comunidade
primitiva perguntava, por que trovejava? A resposta era porque os deuses estavam
encolerizados. De onde vinha o vento? Por que os raios atravessavam o ar? As respostas
eram sempre respondidas de forma mítica e religiosa, a fantasia e a fábula faziam parte
dessa trajetória interpretativa. A vida em si está carregada de mitos, lendas, fábulas
sobre a escola, sobre a educação, sobre o mundo inovador da tecnologia e de um
suposto aprendizado. Foi sob esse chão imaginário e fabuloso que as respostas eram
dadas, contudo, elas buscavam em certo sentido, responder as angústias e interrogações
humanas.
A expansão dos povos dóricos na península do Peloponeso em Creta
inaugura uma nova idade na civilização Grega, de acordo com os estudos de Jean Pierre
917
Vernant, “A Metalurgia do ferro sucede à do bronze.” A partir daí, uma nova forma

915
HOMERO. op. cit. p.72.
916
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Teseu e Romulo. op. cit. p.38
917
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.33.
322

de entender e compreender e interpretar o mundo aos poucos irá florescer. A aurora


dessa primeira forma de entender o mundo está originariamente fixada nas cidades
situadas na região da Ásia Menor e da Magna Grécia, no século VI a. C.

É no princípio do século VI, na Mileto jônia, que homens como Tales,


Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão
concernente à natureza que tomam por objeto de uma investigação
sistemática e desinteressada, de uma história, da qual apresenta um
quadro de conjunto, uma theoria. 918

A partir de um processo de laicização, essa inicial sabedoria irá superar o


mundo do mito e ao mesmo tempo se desligará do mundo do sagrado. Aqui nasce a
filosofia. Não se trata apenas de interpretar a ordem da cidade, mas de transformar a
realidade da vida social da pólis. O poder centralizado do antigo monarca é em praça
pública dividido, ao ar livre é debatido e distribuído entre os iguais, que vão compor o
quadro da democracia ateniense.
Como sabemos, desde sempre o ser humano indaga sobre sua existência,
e sobre sua gênese. Sem dúvida, o ser humano é um ser inquieto e imperfeito, mais que
isso, é também um ser pensante. A própria reflexão determina nele um perene surgir de
problemas. As perguntas foram e são perenes. Quem fez as estrelas? De onde venho?
Quem fez a lua? Quem sou eu? Quem fez o sol? Para onde vou? Quem fez o universo?
Não há problema que o ser humano se coloca, em que ele mesmo esteja implicado. As
flores nascem, crescem e desabrocham em perfume, beleza e cor, depois morrem, viram
sementes para nascer novamente. Que força seria essa? Que movimento seria esse?
Quem criou os seres? A tais perguntas, a tais indagações, sob o impulso da fantasia
criadora, a função dos mitos era sempre fornecer uma explicação referente à natureza,
dos acontecimentos da existência humana. E é em função das mitologias que se
desenvolveu a filosofia. Do mito desenvolveu-se a racionalidade.

A escola de Mileto não viu nascer a Razão; ela construiu uma Razão,
uma primeira forma de racionalidade. Essa razão grega não é a razão
experimental da ciência contemporânea, orientada para a exploração
do meio físico e cujos métodos, instrumentos intelectuais e quadros
mentais foram elaborados no curso dos últimos séculos, no esforço
laboriosamente continuado para conhecer e dominar a Natureza. 919

918
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.81
919
ibid.p.103.
323

Os primeiros sábios das escolas filosóficas iniciais da Grécia antiga


questionaram em público racionalmente o sentido da vida social, contrariando as
explicações míticas ou religiosas, “[...] eles puseram em discussão a ordem humana,
procuram defini-la em si mesma, traduzi-la em formas acessíveis à sua inteligência,
aplicar-lhe a norma do numero e da medida.” 920 A cidade começa a ser educada a partir
de seus próprios fundamentos físicos. Aos poucos, os mitos não mais podem explicar a
realidade social da vida dos gregos, os argumentos e interpretações passam agora para
outra extremidade. As coisas da cidade, ou, mais especificamente dizendo, os negócios
da cidade são colocados ao centro do debate, não podem mais ser explicados também
pelo culto do sagrado. Politicamente dizendo, o Estado passa a ser o primeiro e único
modelo de autoridade e se encarrega de pensar autonomamente os fundamentos da
existência da amplitude do social.
O desmoronamento dos palácios e a derrocada dos reis micênicos
acabam por destruir também as façanhas dos antigos heróis, os filhos dos deuses. A
ordem da vida social é explicada agora por realidades físicas. O mito se torna um objeto
de sua narração, ele não pode explicar o problema da gênese e nem indagar como o
mundo foi ordenado, aqui floresce a nova imagem da pólis, e dela a concepção grega do
universo, o que é profundamente distinto da imagem criada pela civilização babilônica e
demais civilizações da época.

A função dos mitos é estabelecer uma distinção e como uma distância


entre o que é primeiro do ponto de vista temporal e o que é primeiro
do ponto de vista do poder entre o princípio que está
cronologicamente na origem do mundo e o princípio que preside à sua
ordenação atual. 921

Ao substituírem a antiga dominação monarca que produzia uma imagem


mítica e fantasiosa do universo, a filosofia grega da antiguidade em pouco tempo cria
um novo espaço para interpretar e transformar o campo da ordem da pólis, a política.
Com efeito, é nessa esfera que homem grego irá se formar. Os primeiros urbanistas da
pólis de acordo com os estudos de Pierre Vernant são por assim dizer, os teóricos
políticos da cidade, e, em pouco menos de dois séculos, Platão e Aristóteles assumem
um novo projeto filosófico na pólis. Eles começam a explicar filosoficamente a ordem
da vida cotidiana social da pólis priorizando o universo educativo. Educação, ética, e

920
VERNANT, Jean-Pierre op. cit. p.103.
921
ibid. p.103.
324

política se entrecruzam e intercalam no projeto formativo dos jovens atenienses, e o


Estado tem autonomia e competência para geri-lo.
De acordo com os escritos de Aristóteles, ao maravilhar-se ante as
perplexidades obvias do cotidiano, aos poucos, o ser humano, a partir de um processo
gradual levanta questões e problemas a respeito das grandes matérias, tais como o sol,
os astros, o universo, logo, a filosofia atua como um instrumento que possibilita ao
homem ou a mulher, gradualmente escapar da ignorância. Os primeiros pensadores
filosofavam por amor ao conhecimento e não visavam uma causa utilitária.

Ora, aperceber uma dificuldade e admirar-se é reconhecer a sua


própria ignorância (é também por isso que o amor dos mitos é, de
certo modo, amor da sabedoria, pois o mito é um agrefgado de
maravilhoso). 922

A filosofia é educativa por excelência, pois ao fazer com que o ser


humano supere de sua dependência imediata da realidade, ela liberta o homem de sua
condição natural, e, portanto, humaniza o homem, ao mesmo tempo, efetiva
concretamente a possibilidade para que esse possa romper com os preconceitos. O
conhecimento filosófico edifica o sentido dessa humanização. Do ponto de vista
formativo, a filosofia sustenta os fundamentos da dimensão do ensinar e do aprender.
Cada vez que o mestre ou professor questiona, quando que o aluno reflete, obviamente,
entra em contato com a realidade da educação e da escola, e, portanto, podem se
surpreenderem com o novo, com o conhecimento, com os saberes.

A possibilidade de admirar o mundo implica em estar não apenas nele,


mas com ele; consiste em estar aberto ao mundo, captá-lo e
compreendê-lo; é atuar de acordo com suas finalidades a fim de
transformá-lo. Não é simplesmente responder a estímulos, porém algo
mais: é responder a desafios. As respostas do homem aos desafios do
mundo, através das quais vai modificando esse mundo, impregnando-
o com seu „espírito‟, mais do que um puro fazer, são que-fazeres que
contém inseparavelmente ação e reflexão. 923

Para Aristóteles os primeiros filósofos buscavam o saber exatamente pelo


desejo de conhecer que cada homem ou mulher traz dentro de si. Esse desejo de querer

922
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 2, 982 b1 -5.
923
FREIRE, Paulo. Papel da educação na humanização. In: Revista da FAEEBA – Faculdade do Estado
da Bahia. Ano 6 numero 7, jan-jun, 1997. Edição em Homenagem a Paulo Freire. Salvador. Bahia. p. 9-
32 Disponível em: httpp://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/obras /artigos/6.html. Acesso em:
setembro de 2013. p.1.
325

conhecer é algo que acontece naturalmente, o homem é um ser de sensações, de


memória, de percepção de entendimento. O ser humano extasia-se diante do novo, do
não ainda visto, do não ainda percebido. O homem surpreende diante dessa realidade. O
inusitado o provoca interiormente. Isso é para Aristóteles o maravilhamento. O
primeiro desses sábios a maravilhar-se foi Tales da cidade de Mileto, (623 – 546 a.C),
na região da Jônia. Com ele nasceu a primeira escola filosófica – jônica. São
representantes da escola jônica, Anaximandro (610 – 547 a. C), Anaxímenes (588 – 524
a. C), Heráclito (VI a. C.) e Diôgenes de Apolônia (V a. C). Tales é também o primeiro
a expressar e a sistematizar a pergunta: qual é a causa última, o princípio supremo de
todas as coisas? É ele o iniciador da filosofia da natureza. É Aristóteles, em Metafísica
que escreve sobre isso: “[…] em todo caso, diz-se que Tales se exprimiu deste modo a
924
respeito da causa primeira das coisas.” Essas primeiras causas nada mais são do que
os primeiros princípios. De acordo com o Estagirita, Tales, afirma a existência de um
925
primeiro princípio único, (arkhé), princípio esse entendido como causa de todas as
coisas e de todos os seres. Em conformidade com os estudos de Aristóteles, em
Metafísica, o princípio de todos os princípios é para Tales, o elemento água. Esta
entidade primária, com efeito, é aquilo do qual derivam originalmente e no qual
ultimam todos os seres: fonte da qual o mundo se origina. Em última instancia, pode ser
comparado como aquilo que define a coisa como ela realmente é. Para Tales, é uma
realidade que permanece idêntica no transmutar-se de suas derivações, ou seja, é uma
realidade que continua a existir mesmo através do processo gerador de todas as coisas,
logo, “[...] não há geração nem destruição, visto que esta natureza primeira subsiste
sempre.” 926 É a fonte e origem de tudo.
Diferentemente de Tales, não menos sem maravilhamento, “[...]
Anaxímenes e Diógenes adnitem o Ar o ar como anterior á Água e, entre os corpos
927
simples, dão lhe a preferência como princípio, [...].” Esses primeiros filósofos estão
atentos ao universo e tudo que o circunda. Em Anaxímenes (588 – 524 a. C) o infinito é

924
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 3, 984 a
925
A palavra transliterada arkhé do grego (απσή) significa começo, voz de comando, poder. “O
substantivo feminino arkhé vem do verbo árkho que significa ir a frente, guiar mandar, ser o chefe,
prevalecer, dominar, começar, tomar a iniciativa [...]”In: COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.22.
Podemos dizer que o começo é [...] propriamente, o início de uma coisa no tempo: que pode coincidir ou
não com o princípio (v) origem (v) da própria coisa. Essa distinção é importante em alguns casos: p. ex.
segundo S. Tomás, a criação é matéria de fé enquanto C. do mundo no tempo, mas não enquanto
produção do nada por parte de Deus.” In: ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução
Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.153.
926
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 3, 983 b 5-10.
927
ibid. I, 3, 984 a -5.
326

o princípio único - (arkhé) de onde tudo deriva. Porém, o infinito é para ele, o elemento
ar infinito, - isto é; uma substância aérea ilimitada. Para Heráclito de Éfeso (VI a. C.),
tudo está em constante movimento, tudo se move nada permanece imóvel, tudo se
transmuta sem exceção. Isto é para ele, o devir. O princípio primeiro é o fogo, raio que
governa todas as coisas. Lê-se na tradução da Doxografiade Wilson Regis:

Os pontos particulares de sua doutrina são os seguintes: fogo é o


elemento e „todas as coisas são permutas de fogo‟(fragmento 90),
originadas por rarefação e condensação; mais nada explica com
clareza. Tudo se origina por oposição e tudo flui como um rio. (Cf.
fragmentos 12,91), e limitado é o todo e um só cosmo há; nasce ele de
fogo e de novo é por fogo consumido, em períodos determinados, por
toda a eternidade. E isto se processa segundo o destino. 928

O pensamento desse filósofo pode ser traduzido a partir da inconstância:


o quente e o frio, o bem e o mal, o fraco e o forte, o gordo e o magro, a doença e a cura,
isto é, a unidade dos opostos. Ao indagar pela natureza do devir, Heráclito descobre que
ela é sempre resultado de uma luta entre dois pólos opostos, entre contrários: o devir é
essencialmente unidade e polaridade. E a realidade que está toda no vir a ser, não é
outra coisa senão harmonia de contrários, do dia e da noite, do verão e do inverno, e
assim ininterruptamente.
Outro importante filósofo dessa época é Pitágoras (530 a. C.) para quem
os números são a causa última de todas as coisas. A escola pitagórica aparece no
horizonte da filosofia grega antiga delimitada por aspectos lendários. Os dados
históricos estão envolvidos em contos e muitas vezes oculta a verdade. Os Pitagóricos
se dedicaram a matemática e por ela nutriram o pensamento de que o princípio de todas
as coisas é números. Como analisamos anteriormente, Platão frequentou a escola
pitagórica. Para essa escola, os números são coisas abstratas, aquele princípio dos
primeiros filósofos. É imagem numérica. A doutrina de Pitágoras tem importância para
os futuros desenvolvimentos do pensamento filosófico sobre a natureza da alma. Para
ele a alma é essencialmente imortal, é uma substância incorruptível.
Nascido na cidade de Eléia na região do sul da Magna Grécia, o filósofo
Parmênides (530 – 460 a. C.) foi um inovador radical dessas primeiras raízes
filosóficas. Parmênides, Xenófanes, (570 – 470 a. C), Zenão (490 – 430 a. C.) e Melisso
(V a.C) fazem parte da nova escola filosófica – a eleática. Aristóteles em Metafísica

928
HERÁCLITO DE ÉFESO. In: Os Pensadores. p.80.
327

reconhece a genialidade do pensamento destes filósofos. De acordo com os estudos


aristotélicos em Metafísica, estes primeiros pensadores devotaram suas reflexões para o
campo da natureza. Sobre Parmênides, ele expressa: “[...] ninguém, portanto alcançou a
concepção da causa em questão, exceção feita talvez a Parmênides, e isso só na medida
em que ele supõe que há não apenas uma causa, mas também em certo sentido duas
929
causas.” Evidentemente, a reflexão filosófica de Parmênides é inovadora e radical,
“[...] levanta-se tanto contra o dualismo de pitagórico (ser e não ser, cheio e vazio...)
930
como, segundo alguns interpretes, contra o mobilismo de Heráclito.” O grande
princípio de Parmênides é o princípio da verdade, “[...] fora do ser o não ser nada é,
forçosamente admite que só uma coisa é, a saber, o ser, e nenhuma outra.” 931 Em outras
palavras podemos dizer que o ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de
modo algum. O ser é! O nada não é! Uma só estrada resta, a estrada é o discurso: o que
é ser é. “ser” ou “não ser”. O pensamento de Parmênides pode ser compreendido em
sentido amplo, o “ser” e “não ser” são tomados em seu significado integral. O ser é
positivo puro e o não ser é negativo puro. Um é o absoluto contraditório do outro. Por
exemplo: tudo aquilo que alguém pensa e diz é. Não se pode pensar (e, portanto, dizer)
senão pensando (e, portanto, dizendo) aquilo que é. Pensar o nada significa não pensar
em absoluto e dizer o nada significa não dizer nada. Por isso, o nada é impensável e
932
indivisível nesse sentido, “[...], pois o mesmo é a pensar e portanto ser.” Para
Parmênides, o ser é incriado e incorruptível. É incriado visto que se fosse gerado
deveria ter derivado de um não ser, o que seria absurdo, dado que o ser não é, ou então
deveria ter derivado do ser, o que é igualmente absurdo porque ele já seria. Para alguns
interpretes desse filósofo, aqui nasce o princípio da contradição, ou seja, um princípio
que afirma a impossibilidade de que os contraditórios coexistem ao mesmo tempo.
Esses primeiros filósofos, sem dúvida, lançam mão de uma nova forma
para compreender o sentido da origem do mundo. Podemos dizer aqui, acontece uma
revolução. “Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral
das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de
933
um sistema de explicações sem analogia com o mito.” A totalidade do real foi
percebida como natureza, eles perceberam e apreenderam, “[...] evidentemente até hoje

929
ARISTÓTELES. Metáfisica. I, 3, 984 b-10.
930
HERÁCLITO DE ÉFESO. op. cit. p.143
931
PARMÊNIDES DE ELÉIA. In: Os pensadores. p.145.
932
ibid. p.148.
933
VERNANT, Jean Pierre. op. cit. p.93.
328

duas das causas que distinguimos na Física, a saber: a matéria e o princípio do


movimento, [...],” 934 originariamente, com lucidez e criatividade apreenderam o real no
horizonte da phýsis. Entendida como força criadora capaz de gerar todas as coisas a
phýsis, força geradora de todos os todos os seres e todos os princípios, gera também o
princípio primeiro. Sobre isso, Aristóteles descreve: “A maioria dos primeiros filósofos
935
concebeu apenas princípios materiais para todas as coisas.” De fato, os primeiros
filósofos voltaram sua atenção para os problemas e questões que se detinham com a
investigação do aparecimento do cosmos. Por exemplo, é atribuído ao filósofo
Anaximandro, (610 – 574 a. C.) também da cidade de Mileto, sucessor e discípulo de
Tales, “[...] a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso
do gnomo e a mediação das distancias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é
936
o iniciador da astronomia grega).” Também da cidade de Mileto, talvez seja ele um
dos mais expressivos filósofos da Jônia, geógrafo, político, matemático, astrônomo, esse
pré-socrático faz o primeiro tratado sobre a natureza. Com ele, a problemática do
princípio se aprofunda. Sua reflexão filosófica sustenta que a água é algo derivado. O
princípio (arkhé) é o infinito, ou seja, uma natureza phýsis infinita e indefinida da qual
provêm todas as coisas. O termo usado por ele é a-peiron, aquilo que é privado de
limites, esse infinito é senão algo imortal e indestrutível. Ao contrário de seus mestres,
nem a água, nem o ar ou qualquer entidade material poderia ser o princípio primeiro,
[...] nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais [...] 937, a dignidade da arkhé
não poderia estar ali. Sobre esse sentido dado por Anaximandro, Pierre Vernant explica:
“A supremacia pertence exclusivamente a uma lei de equilíbrio e de constante
reciprocidade. À monarchia um regime de isonomia se substituiu, na natureza, como na
cidade.” 938
Todos esses filósofos, com efeito, elevaram sua atenção para pensar os
elementos que compõem a questão da geração e da decomposição. Eles preocupavam-
se, sobretudo, com o princípio (arkhé) com a origem do mundo, com a origem do ser e
das coisas e, assim, inventa, cria, funda um novo estilo de pensar, uma primeira
racionalidade, assinalando de vez a passagem do mundo mítico e sapiencial para o

934
ARISTÓTELES. Metáfisica. I, 4, 985 a1-30.
935
ibid. I, 983 b-25.
936
ANAXIMANDRO DE MILETO. In: pensadores. op. cit. p.145.
937
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.97.
938
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.93
329

mundo da razão - lógos,939 para a esfera do epistêmico. E isso é essencialmente


educativo. “Essa questão, reveladora da natureza mesma desse exercício intelectual,
tem sido posta desde a Grécia Antiga (século VI a.C.) e ainda hoje é retomada como
940
nova, provocante desafiadora.” As filosofias de Platão e Aristóteles redefiniram a
ordem da pólis a partir de um novo universo conceitual, o universo educativo.

Se considerarmos que a filosofia tem como propósito produzir uma


ordem apodíctica dos conceitos, o que configuraria uma teoria, a
filosofia clássica inaugurada na pólis buscou racionalmente produzir
uma teoria da educação de modo a justificar uma ordem entre as
práticas educacionais e as finalidades expressas e esperadas para a
educação. 941

Tudo começou com os sofistas e com a tríade sagrada, como explicamos


nos capítulos antecedentes, eles prepararam um novo caminho para pensar a ordem da
pólis. A reflexão filosófica com Platão e com Aristóteles mudará definitivamente o
discurso filosófico da pólis. As filosofias de Platão e de Aristóteles produziram uma
teoria da educação entendida como caminho único para formar as crianças e os jovens
da pólis. A filosofia grega dos séculos V e IV a. C., se transmuta em paideia e, portanto,
assume sua dimensão educativa definitivamente. Diante disso, Platão e Aristóteles
fundam efetivamente a filosofia da educação e é dela que propomos agora dar
continuidade a nossa investigação.

4.3 A Filosofia da Educação.

É preciso compreender previamente, que não existe filosofia da


educação, ou, filosofia da ciência, da história, da idade medieval, da robótica, da
contemporaneidade, do acaso ou do absurdo. O que existe é a filosofia e o que dela se
desprende. O que disso passa, são apenas formas didáticas ou metodológicas para

939
A expressão grega (λόγορ) remonta vários significados como: razão, racionalidade, capacidade de
reflexão, de discurso, de inteligência, de princípio de ordem das coisas. No dicionário podemos ler: “1º
Referencial de orientação do homem em todos os campos em que seja possível a indagação ou a
investigação. 2º Fundamento ou Razão de ser. [...] 3º Argumento ou prova. [...] 4º Relação, no sentido
matemático.” In: ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p.824.
940
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit., 2001. p.19.
941
NUNES César Aparecido. op. cit. 1999. p.61.
330

pensar determinadas realidades específicas, só isso. Não é necessário investigar o seu


sentido mais uma vez. Platão e Aristóteles fudam o sentido da filosofia da educação.

No bojo deste novo período e identidade, a filosofia tematizou


racionalmente a educação e as possibilidades de educar o homem para
a vida da pólis, segundo as regras derivadas de sua natureza racional e
política. Ao compreender a filosofia como produto social e cultural,
área do conhecimento que abrangia as mais amplas questões sobre o
homem, seu ser-racional e seu ser-social, os gregos propuseram as
bases e os fundamentos especulativos da compreensão filosófica de
sua ação. 942

A filosofia é educativa em si e por si, não faz parte de sua natureza ser
outra coisa. Já investigamos isso no item anterior. Nossa intenção agora não é analisar o
seu sentido educativo, embora o que intitula esse tópico seje filosofia da educação. O
que queremos aqui investigar é o que ela tem sido até agora. A filosofia da educação é
uma realidade criada uma única vez. Platão e Aristóteles já assim o fizeram: criaram-
na, sistematizaram-na. Fundaram a sua gênese e seu sentido. Não precisamos de uma
outra filosofia da educação. Do ponto de vista específico das pesquisas na àrea de
educação, a filosofia da educação tem uma história, e isso é claro. E, é essa história que
nos interessa, portanto, nosso objetivo é investigar o que a filosofia tem sido, e como
tem se constituído. O campo das pesquisas em educação ou mesmo a pesquisa na área
de filosofia da educação pode ser definido também pela hierarquia, objetos de interesses
específicos de um determinado campo sobre o outro. Para compreender historicamente
o que filosofia da educação tem sido e como concretamente tem se constituído é preciso
retroceder um pouco mais na história da pesquisa em educação no Brasil.
Como já sabemos a educação brasileira, nos períodos da colônia e do
império, é fortemente conduzida pelos ideais da Igreja Católica. Essa, por sua vez, trazia
em seu bojo a matriz escolástica tomista, cujo método de estudo se baseava na Ratio
Studiorum. Método esse, nascido e desenvolvido no seio da Companhia de Jesus, ordem
religiosa fundada por Inácio de Loyola (1491 – 1556). A escolástica tomista não é senão
a retomada do pensamento filosófico de Tomas de Aquino (1221 – 1274). O
pensamento desse filósofo medieval pode ser traduzido a partir da junção das ideias do
cristianismo, enquanto revelação cristã e o pensamento filosófico de Aristóteles; Aquino
aposta numa especulação filosófica aristotélica para tentar fundamentar a teologia cristã.

942
NUNES César Aparecido. op. cit. 1999.p. 60.
331

A partir da chegada dos padres jesuítas no Brasil, se inicia um


movimento para cristianizar os indígenas e divulgar os padrões da civilização ocidental
cristã. O tomismo consistia no mais refinado e perfeito pensamento metafísico que
sustentou e sustenta todos os ideais do catolicismo. Conforme explicita Bittar.

Quando a visão de mundo grego-romana foi suplantada pelo


cristianismo, a educação deixou de visar a formação do cidadão: para
a Igreja Católica, o importante era formar o cristão. O ler e escrever
passaram a ser encarados como aprendizagens instrumentais para se
compreender as palavras da Bíblia. 943

Do ponto de vista da pesquisa no campo da educação, com ênfase na


944
história da história da educação, conforme os de Marisa Bittar, têm sua origem a
partir da criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), em 1938, que se
estende até a Fundação do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (CBPE), em
1956, e é exatamente neste período que vai também ocorrer a criação das Faculdades de
Filosofia, Ciências e Letras no estado de São Paulo. A disciplina de filosofia da
educação passa a ser um componente curricular nas “[...] seções de Pedagogia das
945
Faculdades de Filosofia.” A disciplina de filosofia da educação ou, mais
especificamente, o ensino de filosofia tem sido um problema desde a Grécia antiga e,
ainda hoje, o debate continua.
Nesse período, não se pode falar de uma reflexão filosófica sobre a
educação. No artigo Filosofia da Educação e Formação de Professores em algumas
universidades brasileiras entre os anos de 40 e os anos 60, a professora Elisete M.
946
Tomazetti escreve: “Num contexto de avanço das ciências da educação, os objetos
de interesse da filosofia da educação foram as ideias sobre a educação de filósofos como
Platão, Locke, Rousseau, Kant, entre outros.” Assim, os primeiros objetos a serem
pesquisados e ensinados, embora tivessem uma conotação mais geral da formação do

943
BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa, e educacional e educação básica. In: BITTAR, Marisa e
LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em fundamentos da educação. (Orgs) São Carlos: Pedro & João
Editores, 2007. p. 27-32. p.22.
944
BITTAR, Marisa. A pesquisa em educação no Brasil e a constituição do campo científico. Revista
HISTERBR. Campinas, n. 33. mar. 2009 p.1-22. Disponível em: <
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/33/index.html > Acesso em julho de 2011. p.3-22.
945
SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia da Educação no Brasil: esboço de uma trajetória: In:
GUIRALDELLI, Paulo Jr. (Org.). O que é filosofia da Educação? 2ª. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
p.274.
946
TOMAZETTI, Elisete M. Filosofia da Educação e formação de professores em algumas universidades
brasileiras entre os anos 40 e os anos 60. In: Revista Perspectiva, Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 443- 467
jul./dez 2001. Disponível em: <www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva> Acesso em abril de 2011.
p.446.
332

homem, da ética e dos valores, ainda não tinha um vínculo estreito com os problemas e
finalidades da educação presente. Nesse momento, o ensino de filosofia da educação só
tinha uma finalidade: inculcar a doutrina cristã.
O nascer renovador da filosofia da educação, embora estivesse presente
nos escritos de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, caracterizado pelos ideais da
Escola Nova, só mais tarde iria florescer, com a criação dos Programas de Pós-
Graduação. Podemos ler sobre os primeiros princípios e a origem desse nascer
renovador, exatamente, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova publicado em
(1932): “Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de
educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado
na determinação dos fins de educação, quanto também nos meios de realizá-los." 947
Nesse primeiro momento, o objeto de estudo da filosofia da educação se
efetivava não com as questões e finalidades da educação, mas concretizava-se nos
estudos de teorias educacionais dos grandes pensadores da filosofia, tarefa essa
realizada pelos próprios professores de filosofia. Esse caráter elitista da filosofia da
educação nesses anos iniciais cumpria seu papel hegemônico na sociedade, fortemente
marcado por interesses da classe dominante.
Tendo ainda presente os estudos sobre o campo da pesquisa com ênfase
na história da educação, Marisa Bittar, esclarece: “[...] o primeiro deles começa em
1938 com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e se estende
até a fundação do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (1956);” [...]. 948 Também
nesse período a filosofia da educação ainda permanece presa aos ideais do modelo
hegemônico da educação religiosa. O que, na verdade, não modifica muita coisa em
relação ao objeto de interesse da reflexão filosófica. A tradição das pesquisas em
filosofia da educação ainda conserva a mesma posição das décadas anteriores, cuja
presença do movimento de socialização cristã vai marcar, mais uma vez, o
desenvolvimento das instituições da sociedade brasileira. Maria Betânia Barbosa
Albuquerque, em seu trabalho de pesquisa Filosofia da Educação: A Construção de um
Campo Disciplinar (1940 a 1980), afirma: “A produção intelectual dos teóricos da
Filosofia da Educação entre os anos 40 e 50 pautou-se, em geral, nas ideias de São

947
AZEVEDO, Fernando et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (19320 e dos Educadores
(1959) Recife: Massangana; Fundação Joaquim Nabuco, 2010. (Coleção Educadores) Disponível em
<www.dominiopublico.gov.br/.../DetalheObraDownload.do?select> Acesso em julho de 2011. p.34.
948
BITTAR, Marisa. op cit. 2009. Acesso em julho de 2011. p.4.
333

Tomás de Aquino ou de outras autoridades da Igreja Católica.” 949 Portanto, não temos
novidade em relação ao objeto de estudo. Novamente, nesse período, a reflexão
filosófica não se destina às finalidades educativas e, portanto, mantém os interesses
ideológicos e políticos derivados da classe dominante dessa sociedade, cujo objeto de
estudo tem uma finalidade teológica. O campo permanece em silêncio.
As pesquisas só começaram a ganhar um caráter investigativo nas
décadas posteriores de 1970 e 1980, sobre as pesquisas dessa década, Antônio Joaquim
Severino, expressa: “A nossa experiência filosófica não foi aquela de um pensamento
crítico, questionador, exigente, mas muito mais aquela de um pensamento legitimador,
950
referendador, de posições o mais das vezes impregnadas de relações de poder.” Os
objetos de interesse da filosofia da educação nesse período desaparecem nas sombras.

A defesa dos ideais católicos de educação contra os pressupostos


considerados ateus e modernizantes da Escola Nova constituiu-se, ao
longo dos anos 40 e 50, na principal polêmica travada pelos
intelectuais da Filosofia da Educação. A depender do resultado destas
disputas foi selado o destino da Filosofia da Educação. 951

O terceiro período da pesquisa em educação no Brasil é talvez o mais


significativo para a filosofia da educação. Pode ser caracterizado como anos de chumbo,
fruto da ditadura militar. Tem início no ano de 1965, terminando em 1985. De acordo os
estudos da pesquisadora Marisa Bittar, a criação dos programas de pós-graduação é um
marco fundamental – divisor de águas, na história da pesquisa em educação no Brasil.
Pode ser também por ela traduzido como uma cirncunstância mais política que
propriamente educativa, afirma ela, “De fato, a contestação política ao regime militar
952
caracterizou aqueles “anos heroicos.”
Tal qual, também para o Professsor Antônio Joaquim Severino: no
âmbito da filosofia da educação, a postura reflexiva da filosofia sobre a educação ganha
uma nova perspectiva. Foi nesse intenso período que a produção de textos sobre a
prática educativa ganhou bastante expressão no cenário das pesquisas em educação no
949
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa. Filosofia da Educação: A construção e a trajetória de um
campo disciplinar (1940-1980). In: IV Congresso Brasileiro de História da Educação, 2006, Goiânia.
A educação e seus sujeitos na história. Goiânia: Editora da UCG, 2006. p. 1-15. Disponível em: <
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/coordenadas/eixo02/Coordenada%20por%20Fatima%20
Maria%20Neves/Maria%20Betania%20Barbosa%20Albuquerque%20-%20Texto.pdf >. Acesso em abril
de 2011. p.2
950
SEVERINO, Antônio Joaquim. op. cit. 2000. p.275.
951
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa. op. cit. 2006. Acesso em abril de 2011. p.3
952
BITTAR, Marisa. op. cit. 2009. Acesso em Junho de 2011. p.9
334

país. Realmente, a criação dos programas de pós-graduação intensificou muito a forma e


o conteúdo das pesquisas em filosofia da educação. Os estudos de Antônio Joaquim
Severino revelaram que, até a década de 1980, “[...] cerca de quarenta Programas de
Pós-Graduação, [...]” 953 foram instalados no Brasil. Os estudos de Bittar revelam que a
954
“Pós-Graduação chegou em 2005 com quase noventa Programas no país.” Isto
significa que, num percurso de 25 anos, a expansão dos cursos de pós-graduação
dobrou, na verdade triplicou. Se considerarmos os quarenta anos dessa instituição, o
campo da produção científica em educação se tornou uma espécie de monopólio, de
concorrência, de luta entre os pesquisadores.
Acrescentam-se a isso os veículos de expressão criados pelos próprios
pesquisadores da área, a criação de revistas com viés filosófico, a participação da
disciplina de filosofia nos programas e nos currículos de pós-graduação e, sobretudo, os
veículos de expressão, como os trabalhos da ANPED e ENDIPE. Portanto, esse período
vai acarretar uma acelerada e desenfreada perda de sentido no que se refere à escolha, à
determinação e à identificação dos objetos. Nesse sentido, a filosofia da educação abre
seu leque no campo das pesquisas. Não mais os objetos são provenientes de apenas uma
vertente, a concepção escolástica e religiosa. O objeto de escolha do pesquisador passa a
ser a educação e a escola.
A filosofia da educação começa a se identificar com os problemas e
finalidades da educação, mas, além disso, preocupa-se com sua própria história. As
escolhas dos objetos não mais tinham a primazia exclusiva da vertente tomista mas,
sobretudo, da concepção marxista, que tem seu ponto culminante na década de 1980, e
também da concepção da existência humana acentuando o caráter de humanização. Os
objetos de interesse da filosofia da educação nesse período, sobretudo nos anos 1980,
podem ser compreendidos a partir de dois movimentos: no primeiro a filosofia da
educação tem como objeto seu próprio estatuto, ou seja, sua tarefa reflexiva consiste em
investigar sua própria natureza e sentido, bem como sua finalidade, cuja tentativa pode
ser caracterizada no plano epistêmico; no segundo, o processo filosófico se volta para a
educação. A reflexão não investiga mais sua própria finalidade, mas estuda os
princípios, as teorias, os métodos da educação na tentativa de desvelar, desvendar a
prática educativa. Daí resulta a grande expansão da produção literária na área. Podemos
perceber isso facilmente pelas publicações dos títulos de livros, revistas e artigos nessa

953
SEVERINO, Antônio Joaquim. op. cit. 2000. p.278.
954
BITTAR, Marisa. op. cit. 2009. Acesso em Jun.2011. p.12.
335

década. Esses dois movimentos são marcados, em grande parte, por uma reflexão
direcionada ao pensamento dos filósofos. Por um lado, há a tentativa de elucidar a
prática educativa da filosofia da educação enquanto estatuto. Por outro lado, a tentativa
se resume numa prática educativa da própria educação.
O último período aqui descrito é talvez, o mais complexo para a pesquisa
em filosofia da educação. Pode ser compreendido desde o ano de 1985. Devido a uma
especificidade e complexidade própria destes últimos anos e, dada a multiplicidade de
livros, artigos e revistas, teses e dissertações, que vêm sendo publicados, sobretudo via
Internet, fica realmente complexo desvendar o sentido preciso da filosofia da educação.
Sobre isso já expressamos. O que podemos afirmar é que historicamente que a filosofia
da educação até agora caminha marginalmente em relação aos verdadeiros problemas da
educação e da escola. Sobre a hierarquia dos objetos precisamos recordar as palavras de
Pierre Bourdieu:

A definição dominante das coisas boas de se dizer e dos temas dignos


de interesse é um dos mecanismos ideológicos que fazem com que as
coisas também muito boas de se dizer não sejam ditas e com que
temas não menos dignos de interesse não interessem a ninguém, ou só
possam ser tratados de modo envergonhado ou vicioso. 955

Sendo um espaço de jogo e de luta concorrencial, o campo de produção


científica não está livre de interesses políticos ou ideológicos, desse modo, as pesquisas,
os temas – os objetos de pesquisa não deixam de estarem em si amarrados a esse jogo
que emana das nossas políticas editoriais. Se esse campo é constituído pelas lutas e pela
concorrência da hegemonia o que está em jogo é a disputa dessa autoridade.
A filosofia deve contribuir para educação. “Os filósofos epistemólogos
956
são desafiados a tornarem-se filósofos educadores.” A filosofia da educação mais
que uma disciplina deve conduzir o aluno para o caminho da dúvida, da reflexão,
portanto, do pensamento. Do ponto de vista educativo da nossa temática em investigada
– a filosofia da educação para Platão especificamente, é preciso afirmar que, em Platão,
seja o aluno, seja o professor, seja o técnico administrativo, seja o diretor, seja o reitor,
não importa, todos devem estar voltados à educação e a ela convertidos em sua
amplitude. Eis o que pensa Platão. O que resta, especificamente, para o aluno e o

955
BOURDIEU, Pierre. Método científico e hierarquia social dos objetos. In: NOGUEIRA, Maria Alice;
CATANI, Afrânio. (Orgs.) Escritos de educação 3 edª Petrópolis: Vozes, 2001. pags. 33-38. p.35.
956
NUNES. César Aparecido. op. cit. 1999. p.61.
336

professor é que esses devem estar ávidos de conhecimento. Para Platão, o filósofo é
aquele que “[…] aspira à sabedoria […].” 957 Aspirar à sabedoria é, em outras palavras,
revelar amor ao estudo: é estar apaixonado pelos estudos, pela geometria, pela
astronomia, pela dialética, pela filosofia. Professor é aquele que faz de sua sala de aula
um lócus de vida. Platão pensa o Estado como a verdadeira pátria para o homem – é ali
que o homem tem o seu espaço. Expressa Werner Jaeger: “O homem perfeito só num
958
Estado perfeito se pode formar, e vice e versa.” Portanto, nosso problema é um
problema da formação do homem, e não da formação específica de professores de
filosofia ou de professores específicos da pedagogia. O filósofo idealizado por Platão
está longe de ser um intelectual da filosofia. A filosofia da educação jamais poderá ser
entendida como transmissão e repetição do que os filósofos interpretaram ou pensaram
no passado. Isso não faz sentido, muito menos ficar discutindo se a filosofia é ou não
um ramo das ciências humanas. A filosofia é do homem. É morada humana. Expressa
Hegel “Trabalhar contra essa superficialidade, colaborar com seriedade [...] probidade e
idoneidade, tirar a filosofia para fora do isolamento em que se refugiou – é o que
959
devemos ter como o que nos é intimado pelo espírito mais profundo do tempo.” É
nesse mesmo tempo em que a filosofia da educação pode do resgatar o sentido da
racionalidade. É impossível investigar a questão filosofia da educação sem pensar a
questão da omnilateralidade na contemporaneidade.
Não é necessário dizer que a sociedade contemporânea é marcada por um
mundo globalizado, repleto de incertezas quanto ao destino dos homens e mulheres, das
humanidades. O mercado compra e vende cultura nesse horizonte mundializado e
pluralizado. Numa dimensão mais abstrata parece haver uma confusão entre o sentido
de ciência, de política e de tecnologia. O mundo do humano se mistura ao do ciborgue.
Estamos enraizados cada vez no mundo da complexidade, do global e, ao mesmo
tempo, na heterogeneidade do local. Portanto, a questão da formação omnilateral está
conjugada e conectada com a urbanização em todos os sentidos, seja no plano
econômico, seja no plano técnico, seja no plano científico, seja na esfera política, tanto
no campo educativo como no campo social, seja no âmbito da formação individual
como no espaço da formação pública. No entanto, o conceito da omnilateralidade que
aqui queremos expressar está vinculado à idéia da totalidade formativa do ser humano,

957
PLATÃO. A República. 475 a.
958
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 837.
959
HEGEL, Friedrich. op. cit. [1] 1- 15-20.
337

ou seja, há que se educá-lo em sua inteireza, em todas as suas potencialidades, ou seja,


“[...] formar o homem em si, apto a exercer, ulteriormente, qualquer tarefa, mas que não
960
se restrinja, por antecipação, a uma especialização determinada.” Que este homem
seja capaz de desenvolver as potencialidades que lhe são próprias. Ao mesmo tempo, o
conceito de omnilateralidade ou, esta reivindicação de uma formação da totalidade da
pessoa que aqui trazemos não difere e nem está em oposição àquele sentido descrito por
Mario Alighiero Manacorda: “[...] esta exigência da omnilateralidade, de um
desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos das faculdades e das
forças produtivas, das necessidades e capacidade da sua satisfação.” 961
E nesse sentido o lócus formativo da filosofia está vazio de referência,
bem como a educação e a escola. Como filósofos epistemólogos somos convidadados a
mover em direção da educação com passos seguros. Expressa Saviani: “Cumpre
restabelecer o primado do problema recolocando a educação no centro de nossas
cogitações, isto é, como ponto de partida e de chegada das teorizações e práticas
pedagógicas.” 962 Não precisamos de outra filosofia da educação, basta saber que o que
já sabemos: é uma reflexão sobre e para a educação.
Propriamente sobre ela, Platão e Aristóteles, mais que ensinar filosofia
nos ensinou a olhar a educação a partir do conhecimento filósofico. Isso significa dizer
que a arte do falar e a arte do fazer estão integradas necessariamente à arte do pensar.
Jamais separadas, nunca em oposição, simultaneamente as crianças e os jovens devem
ser conduzidos a partir dessa linha formativa, de acordo com esse processo pedagógico.
Os primeiros filósofos procuravam encontrar respostas para solucionar os problemas do
mundo da natureza. Entretanto, os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles mudaram o
sentido da investigação, não mais o mundo da natureza seria o centro das especulações
filosóficas, mas sim, o mundo humano – as ciências humanas, de modo especial, a
educação. Originariamente eles pensam o sentido educativo da existência da formação
humana dos cidadãos da pólis, eles criam o legado educativo grego: a filosofia da
educação.

960
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p. 347.
961
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. Tradução de Newton Alves de
Oliveira. Revisão técnica de Paolo Nosella; Prefácio de Dermeval Saviani. São Paulo: Cortez; autores
Associados, 1991.p. 23.
962
SAVIANI, Demerval. op. cit. p.5.
338

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa guisa de conclusão, é uma reflexão que reconhecemos como


bastante limitada. Não chegamos ao fim de um trabalho: pelo contrário, identificamos a
margem inicial de um novo horizonte. A aurora chegou bem antes do despertar, e talvez
não possamos anunciá-la com sinos e badaladas, apenas com o simples cantar de um
pequeno pássaro. Apesar das contradições encontradas ao longo desse processo
investigativo, podemos afirmar: a paideia grega assumiu historicamente uma identidade
política e cultural, tanto por sua originalidade como também por sua riqueza formativa e
pedagógica. “Principia, com a Grécia, nova era na história da humanidade, a era de
nossa cultura ocidental. Enquanto a dos povos anteriores só influiu indiretamente nela, a
cultura grega é a sua genitora direta.” 963 O ideal educativo da cultura helênica primitiva
esteve sempre em consonância com os ideais e aspirações de acordo com o
engendramento de sua sociedade.
A educação cavalheiresca ou heróica, já tão bem pesquisada e
aprofundada por autores como, Henri Marrou, Werner Jaeger, Mario Manacorda, Aníbal
Ponce, Lorenzo Luzuriaga, Franco Cambi, tem o propósito de formar o homem em sua
totalidade. Os primeiros princípios de uma formação voltada à totalidade da pessoa são
encontrados no horizonte educacional da Grécia arcaica, da qual, Platão e Aristóteles
invertem e redirecionam a origem e o sentido. O modelo educativo a ser perseguido e
imitado se funda na ética homérica e nos ensinamentos de Hesíodo. O próprio
Aristóteles reconhecia e recomendava a seus discípulos que era preciso “[...] ouvir as
964
palavras de Hesíodos.” Os fundamentos, isto é, os princípios basilares da formação
omnilateral estão substancialmente arraigados na vida dos heróis gregos. Nada poderá
abalar o sentido da honra, é inadmissível que venha ser abalada por ambição pessoal.

Caráter essencial da educação helênica dessa época, e das seguintes, é


a atenção à totalidade da pessoa. Assim está sinteticamente expresso
na Ilíada, nas palavras de Fênix, o educador de Aquiles, ao recordar-
lhe que o educou „para ambas as coisas, pronunciar discursos e
realizar ações‟; isto é, para falar nos conselhos, intervir na política e
fazer guerra. 965

963
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 12ª ed. Tradução e notas. Luiz
Damasco Penna e J.B. Damasco Penna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980 . p. 33.
964
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 4, 1095 b.
965
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 35.
339

Por isso, Aquiles não pode e nem deve trair seus princípios educativos. Já
estabelecida à desavença entre o herói e o rei, o educador Fênix sabe perfeitamente bem
que seu pupilo não deve ser compelido ou superado pela teimosia ou pelo capricho
pessoal, no entanto, seu educador Fênix, o faz recordar para qual intenção foi educado:

Vamos Aquiles, o orgulho domina; aspereza tão grande não fica bem
para ti, pois se deixam dobrar até os deuses, com terem mais
dignidade, poder superior ou virtude. [...] Por isso, Aquiles, concede a
essas filhas de Zeus o devido acatamento, que heróis valorosos já tem
conquistado. [...] Dá-te, porém, muitas coisas, e dons mais valiosos
promete e te mandou, com pedido, em seu nome, os varões mais
conspícuos do acampamento, escolhendo os Argivos que mais
estimavas. 966

A formação omnilateral deve superar os instintos equivocados das


paixões, dos desejos e dos interesses particulares, que na verdade é próprio e caracteriza
o individualismo. A paidea nasce na esteira do humanismo e não do individualismo.
Este primeiro sentido da formação da omnilateralidade se funda na honra do herói
arcaico. Aquiles sabe como responder aos reis – arte do falar, e os reis sabem sua arte
do fazer, em Ilíada, Homero narra as palavras de Agammenone nos belos versos, do
Canto I:

És só profeta de males; jamais me agradou a tua fala; sempre


encontrastes prazer em prever-nos apenas desgraças; nunca dissestes
ou cumpristes qualquer vaticínio benéfico, bem como agora, [...] pelo
motivo de eu ter recusado o resgaste magnífico da bela filha de
Crises‟[...] „Filho notável de Atreu, mais que todos os homens avaros,
por que maneira os Aqueus poderão novo prêmio ofertar-te? 967

Platão e Aristóteles elaboram a partir da concepção homérica, cada um


ao seu modo e estilo, o processo pedagógico da formação do homem omnilateral. O viés
político educativo platônico e o viés da civilidade aristotélica são construídos
posteriormente a partir dessas origens. As artes do fazer, do falar e do pensar, em certo
sentido, caminham na esteira dessa original paideia.
Ao longo dessa estrada não fizemos história da educação grega antiga,
muito menos história política ou filosófica de Platão e Aristóteles – estamos por demais

966
HOMERO. Ilíada 2ª ed. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.227.
967
ibid. p.63.
340

longe destas realidades. Apenas envidamos esforços para, com atenção, respeito e
dedicação, aproximar temáticas elucidativas da paideia desses dois filósofos. Não
vamos resolver nossa situação educativa como um passe de mágica. Do ponto de vista
da reflexão filosófica, não precisamos de discursos de ocasião, de ufanismos, de
relativismos e modismos que, muitas vezes, fazem parceria com a irresponsabilidade e
com a insensibilidade de um filosofar vazio, e, portanto, com a irreflexão. A nossa
tarefa educativa é uma tarefa histórica. Também a nossa tarefa filosófica é uma tarefa
histórica. Mário Alighiero Manacorda, ao escrever as palavras finais de seu livro
História da Educação da Antiguidade aos nossos dias, deixou-nos uma mensagem
claríssima sobre o que estamos querendo aqui retratar: “É claro que para mim a vida foi
mestra de história, na medida em que eu, como seu discípulo tenha sido capaz de fazer
história a mestra da vida.” 968
Sabemos que a distinção que, historicamente estabeleceu educação e
instrução “[...] traz em si também uma concepção elitista da escola, na medida em que
impõe uma separação mecânica entre formação propedêutica e formação profissional.”
969
Isso implica na verdade uma profunda dicotomia entre ricos e pobres, ou seja, para
os filhos dos pobres, uma escola elementar, mecanicista, portanto tecnicista, ao
contrário, para os filhos dos poderosos, uma escola humanista e geral. Quando Karl
Marx defende a concepção de Aristóteles não é sem razão, a escola que esse propugna
trazia em si as artes do fazer e do falar unidas e quando “[...] ensinadas a um só tempo,
970
que formavam o homem omnilateral [...]” , além disso, a escola de escrita é
valorizada e a do Estado mais ainda. Mesmo nas condições de uma sociedade
aristocrática e escravagista, tal qual a Grécia Antiga, afirma Marisa Bittar: “[...] surgiu a
primeira ideia de uma escola de Estado, quando Aristóteles defendeu que todo o cidadão
deveria ter a mesma educação [...].” 971
Essa história se desdobra e chega até nós; a reflexão continua e se move
sobre a base sólida e axiológica dos estudos da paideia grega. É claro que aqui, e é

968
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão Técnica da Tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010.p.431.
969
FERREIRA JR. Amarílio. BITTAR, Marisa. A educação na perspectiva marxista: uma abordagem
baseada em Marx e Gramsci. Interface (Botucatu) [online]. 2008, vol.12, n.26, pp. 635-646. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832008000300014&script=sciabstract&tlng=pt>
Acesso em outubro de 2014. p.639.
970
ibid. p.639.
971
BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa, e educacional e educação básica. In: BITTAR, Maria e
LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em fundamentos da educação. (Orgs) São Carlos: Pedro & João
Editores, 2007. p. 22-32. p.22.
341

vidente que não estamos mais falando sobre a educação de uns poucos: para a
unilateralidade, mas sim, estamos falando de uma educação para todos: para
omnilateralidade. Os estudos de Mario Manacorda evidenciam que, Platão, sobretudo,
ele, e Aristóteles propugnam uma educação para poucos, isto é, para os homens livres
daquela civilização; fazendo a distinção entre o dizer e o fazer. Essa distinção no tempo
de Homero não estava posta, o discípulo de Platão reconhece e assume isso, e
Aristóteles dá continuidade:

[...] a classe dos artífices em algumas cidades era constituídas de


escravos (por isso a grande maioria dos artífices ainda tem essa
origem); logo a melhor forma de cidade não deverá admitir os artífices
entre os cidadãos; se forem admitidos, nossa definição das qualidades
dos cidadãos não se aplicará a cada cidadão nem a cada homem livre
como tal, mas somente àqueles isentos das atividades servis. Nas
atividades servis, aqueles que prestam seus serviços a um indivíduo
são escravos, e os que prestam à comunidade são artífices ou
assalariados. Estas reflexões um pouco mais desenvolvidas tornarão
mais clara a posição destas classes (na realidade o que já foi dito, se
bem entendido, esclarece suficientemente o assunto. 972

Novamente os estudos de Mario Manacordad revelam, tanto em Homero


ou, como em Hesíodo essa distinção não está definida, essa formação é sem dúvida
fundamentada na unilateralidade. A tese que aqui levantamos é que a formação deve ser
para todos. Não estamos a dizer sobre uma educação que contemple uns poucos
interessados. Sobre o sentido da formação humana na história, estamos plenamente
acordados com Mario Alighiero Manacorda:

Parece-me, contudo, que o caminho do futuro seja aquele que o


passado nunca soube percorrer, mas que nos mostrou em negativo,
descortinando suas contradições. E estas foram e são (é preciso repeti-
lo?) entre a essencial importância humana da formação do homem e o
seu acantonamento de fato como coisa de criança; entre a instrução
dos dominantes para o „dizer‟ intelectual e dos dominados para o
„fazer‟ produtivo; entre a exigência de uma formação geral humana e
a preparação de cada um para competências distintas (como a do dizer
e do fazer); entre a máxima reverentia que se deve à criança e o
perpétuo recurso ao sadismo pedagógico, como as inevitáveis
consequências contestadoras; entre a hodierna assunção tendencial de
todos numa instituição privilegiada, intelectual, e a sua real exclusão
de uma vida plena e a sua separação dos adultos; [...] Em suma, a
exigência de uma escola que de lugar de separação e de privações, se
transforme num lugar e numa época de plenitude de vida. 973

972
ARISTÓTELES. Política. 3, 1278 a.
973
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.431.
342

O caminho até agora percorrido evidencia que a educação tem sido um


privilégio das classes dominantes, o que tem prevalecido é uma formação unilateral.
Defendemos aqui uma sociedade que privilegie a igualdade de direitos e de deveres.
“Não é necessário dizer que a educação imposta pelos nobres se encarrega de difundir e
974
reforçar esse privilégio.” Chegamos até a contemporaneidade e em grande parte a
tarefa formativa permanece ainda colada aos reclamos da hegemonia de quem tem
dinheiro e poder. Os filhos dos trabalhadores ainda permanecem no campo do trabalho,
é claro que de lá prá cá houve mudanças significativas, inclusive nas leis. Mas não se
pode negar que a grande parte da nossa formação moderna é ainda um privilégio dos
que conseguem sobressair no mundo mercadológico.

Trata-se de uma forma ideológica de um Estado, pós-social, com um


poder estrutural extremamente concentrado atraves do qual 1% da
elite global governam os 99% da população empobrecida do mundo.
Como ideologia, a sua força reside no seu valor performativo e não no
seu conteúdo real. 975

O homem contemporâneo é o homem do upgrade. A questão da


formação omnilateral está enraizada na própria condição humana como tal. A
racionalidade da escola moderna ou contemporânea muitas vezes está preocupada com
o mundo da técnica, dos instrumentos, da tecnologia, e, portanto, com os objetos. A
questão educativa, como se apresenta na contemporaneidade, é uma questão complexa,
em todos os sentidos imagináveis. Quanto ao nosso know-hou, no posfácio da obra A
Condição Humana, de Hannah Arendt, Celso Lafer escreveu foi mais ou menos assim:
ou pensamos com lucidez e criatividade, ou tornamos “[...] criaturas desprovidas de
raciocínio, à mercê de qualquer engenhoca tecnicamente possível, por mais mortífera
que seja.” 976
A racionalidade educativa de Platão e de Aristóteles, como se apresentou,
se deu no âmbito político da pólis: ali essa se constituiu e se formou. Tal experiência
nasceu do debate político. Como tantas vezes afirmado, aconteceu no centro da praça –
na ágora. Ao longo da nossa trajetória, com frequência encontramos, tanto em Platão,
974
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez, 1994.p.28.
975
SANTOS, Boaventura Sousa. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. Coimbra: Edições
Almedina, 2013. p.8.
976
N.T. In: ARENDT, Hannah. A condição humana. 6ª ed. Tradução. Poberto Raposo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1993. p.9
343

como em Aristóteles, o conceito ou a expressão lugar político, entendida como


expressão de espaço da cidade – a pólis. Ao explicar os conceitos da esfera pública e da
esfera privada grega, Hannah Arendt entende que, “O surgimento da cidade-estado
significava que o homem recebera além de sua vida privada, uma espécie de segunda
977
vida, o seu bios politikos.” Em conformidade com o pensamento dessa mesma
autora, é como se o cidadão grego tivesse duas existências a primeira: a família e a
segunda: aquilo que é comum – de todos. Uma coisa é uma, outra coisa é outra. Ou seja,
existe uma distância razoável entre a primeira e a segunda, “[...] e há uma grande
diferença em sua vida entre aquilo que lhe próprio (idion) e o que é comum (koinon) ”
978
No percurso por nós trilhado, reconhecemos que, de fato, o lócus grego é, na
verdade, uma experiência de vida política dos homens livres da pólis. Aqui se afirma o
espaço político como essência. Sabemos perfeitamente que a igualdade aqui é relativa
entre as classes. Investigamos isso no primeiro capítulo, porém, agora, é importante
ressaltar a própria questão do surgimento da pólis espartana, ou seja, na ocasião da
derrocada dos reinos micênicos todos aqueles que tendo “[...] recebido o treino militar
com a série das provas e iniciações que comporta, possuem um kleros e participam das
sissitas, encontram-se elevados num mesmo plano. E esse plano que se define a cidade.”
979
Outros lócus ali se inserem, como, o da família, o do espaço social, o das condições
econômicas e materiais: portanto, o da vida cultural ali engendrada.
Tanto em Platão como em Aristóteles, a finalidade educativa do homem
é uma só: visa à pólis. Não é uma opinião ou teoria de um ou de outro, é vida histórica
dos gregos. Tanto em um como no outro, a formação completa – omnilateral está
presente, forma-se o homem por inteiro. O projeto pedagógico platônico não visa uma
formação unilateral do homem. Igualmente, a concepção educativa aristótelica não visa
uma educação incompleta. Reafirmamos, novamente, o lirismo da poesia da antiguidade
grega: “A pólis é a mestra do homem.” Nossos dois filósofos jamais negligenciaram os
versos de Píndaro (522 a.C. – 433 a. C.). A pólis, sem dúvida alguma, é a experiência
política dos povos gregos. Os gregos consideravam-na como a única estrutura social
civilizatória e livre. Considerando todas as contradições ideológicas, econômicas e
materiais que engendraram o espaço político, não podemos negar, nos escritos de Platão
e de Aristóteles, que a ação pública do indivíduo não tem outra finalidade senão atingir

977
ARENDT, Hannah. op. cit. 1993. p.33.
978
ibid. p.33.
979
VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da
Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.53.
344

o bem público. O nosso ágora contemporâneo parece se agravar. Afirmamos em muitas


outras oportunidades esta questão. O espaço – o lócus público contemporâneo, ou, mais
precisamente, as relações humanas, parece se dinamizar em espaços vazios: “vazios de
980
pessoas, de sentidos e, portanto, de relações e aprendizagem significativas.” Não se
sabe bem ao certo o que é público e o que é privado. Há uma confusão geral nesse
sentido. Nessa confusão generalizada, podemos perguntar: quais são os espaços
públicos? O autor Amarílio Ferreira Junior e a autora Marisa Bittar afirmam:

O agravante, além disso, é o domínio do capital sobre todas as


relações sociais em escala jamais vivida pela humanidade,
coisificando os próprios homens, o que exige de nós reflexões
urgentes e cada vez mais complexas, inclusive nas salas de aula e na
convivência com os nossos alunos, pois a escola, neste momento de
reestruturação produtiva do capitalismo, está se ajustando aos ditames
do mercado e se convertendo cada vez mais, no espaço do não
conhecimento e do esvaziamento de seu sentido.981

Essa realidade contemporânea não é apenas uma realidade brasileira ou,


mais especificamente, da educação no Brasil. Os direitos coletivos – comum – de todos,
parecem entrelaçados a milhares de interesses. Qual é o lócus dos direitos humanos?
Quando Boaventura dos Santos, um dos mais brilhantes investigadores portugueses, se
refere aos direitos humanos contra-hegemônicos, diz, em sentido amplo, que “[…] só
podem ser imaginados como lutas contra o sofrimento humano injusto, concebido no
sentido mais amplo e abrangendo a natureza como parte integrante da humanidade.” 982
Diante de nossa pesquisa, o caminho da cibernética, da eletrônica, da
ciência, da técnica faz parte do labirinto do futuro. O ciborgue é uma realidade: não
temos como retroceder. Deverá ele traduzir o caminho das humanidades? De que modo?
Não se pode negar que criamos necessidades, das quais nos tornamos reféns.
Aproximamo-nos de uma margem infindável de problemas e questões. As relações
humanas, e a própria condição humana, são uma realidade complexa, sensível. Daqui
brotam sentimentos, valores, lutas, dores, sofrimentos, poder, hegemonia, ganância,
individualismo, relativismo. As instituições públicas, especialmente o sistema educativo
contemporâneo, a cada dia mais se entrelaçam e se estreitam no mundo da técnica, da
ciência, do poder, das crenças, da subjetividade, das identidades, e de todos os tipos de

980
PEREIRA, Paula Cristina. A condição humana e a condição urbana. Porto: Edições Afrontamento,
2011. p.31.
981
FERREIRA JR. Amarílio. BITTAR, Marisa. op. cit. 2008. Acesso em outubro de 2014. p.639.
982
SANTOS, Boaventura Sousa. op. cit. p.104.
345

modismos e particularidades. Tal ocorre no sistema educativo, não apenas no sistema de


ensino brasileiro, mas em escala mundial. Não existe país ou nação que não contemple
essa dimensão da privacidade atrelada ao mundo público. O mundo privado ocupa o
lócus do público. A esse respeito, afirma a investigadora Paula Cristina Pereira, da
Universidade do Porto:

A pólis ideal civilizacional pretendia articular a cidade à urbanidade


como virtude de civilidade, no nosso tempo a cidade, submetida que
está à fragmentação dos espaços e à despolitização enquanto espaço
público ou à colonização dos espaços pelos diferentes poderes e pelos
interesses econômicos, não nos permite mais uma correspondência
entre espaço-cidade, e aquilo a que podemos chamar espaços de
relações humanas. Estes espaços podem ser, hoje, completamente
preenchidos por objetos de interesses que obliteram as relações
humanas; […]. 983

A filosofia de Platão ou a de Aristóteles não são instrumentos mágicos


que se transportam de uma civilização para a outra. Menos ainda são mercadorias a
serem trocadas e vendidas ao longo do lócus público. Por seu viés, Platão nada mais
quer que o homem ou a mulher se converta à educação. Não é nada mais do que isso.
Isso jamais é passado: é atualíssimo. Converter-se à educação é a ela se entregar, em sua
amplitude. Educação não é somente escola, é paideia tal qual expessou Werner Jaeger,
Henri-Marrou, Cesar Nunes, e tantos tantos outros autores e autoras. Portanto, ela é
civilização de cultura, de artes, de letras, de humanidades: é a expressão de formação
mais profunda da omnilateralidade humana.
Platão deseja ardentemente que a alma do homem se mova para a luz, ou
seja, para o sol da alegoria da caverna, que expressamos no segundo capítulo, ou, mais
precisamente, para a ideia de Bem. A ideia de Bem da qual ele fala não é uma ideia de
um mundo sobrenatural e inexistente. É a ideia de Bem que está na cabeça do homem, e
não fora dela. Werner Jaeger, sobre isso, revela: “Para o realismo platônico, a ideia de
Bem é boa por si mesma; mas ainda, na sua forma mais perfeita, o bom, tal como a ideia
984
do Belo, é belo em si; e ainda mais, é o mais belo de tudo que existe.” É a ideia de
Bem que faz os homens e as mulheres se tornarem bons; que faz a cidade se tornar justa.
A ideia de Bem é a geratriz não de uma ordem estática é impenetrável. Ao contrário, tal

983
PEREIRA, Paula Cristina. op.cit. p.31.
984
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução. Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.p. 877.
346

ideia faz os homens e as mulheres perceberem que é possível viver bem em


comunidade. Isso não é diferente em Aristóteles.
Em Aristóteles, a escola de Estado ganha um significado especial. Ele
recomenda ao legislador de Atenas dar ênfase à unicidade de uma escola para todos. A
cidade só se realiza no e para o bem dos indivíduos. Por isso, ele determina que a
ciência política deva ter primazia entre todas as demais. É a política que garante isso.
Mas não uma política que prioriza o sentido das coisas públicas em favor de poucos. A
finalidade educativa, tal qual pensa o Estagirita, não é senão garantir uma vida boa e
feliz para o indivíduo. Isso não é coisa do passado. O que Aristóteles pensou não é
senão o direito que o cidadão tem de ser feliz na sociedade. Não é outra coisa. O sentido
que aqui queremos dar ao Estado é a publicidade.
A escola que estamos a defender é uma escola que garanta a igualdade
para todos: o filho do rico deverá sentar-se na mesma cadeira que o do trabalhador; que
o pobre e o rico estejam juntos, na mesma sala. Não nos estamos referindo a uma escola
estatal, do governo, e gerida somente por este e por interesses empresariais. Não
estamos também a defender a escola de uns poucos afortunados de Platão ou de
Aristóteles. Não estamos falando de uma escola unilateral. Estamos falando de uma
formação omnilateral. O que neles – filósofos – defendemos nada é senão a formação
que pensaram para o homem em sua totalidade. A paideia desses dois filósofos forma o
homem em sua concretude, inteireza: ou seja, forma a omnilateralidade humana. Forma-
se para as ações e para fazer política. Para além dessa defesa, há a defesa da escola de
Estado. Este princípio – escola de Estado – é de Aristóteles investigado no terceiro
capítulo. Dele deriva e tem para nós sentido universal. Já afirmamos, anteriormente, que
queremos, como todos os brasileiros, uma escola verdadeiramente pública e de
qualidade. Isso não é novidade, não estamos a descobrir nada daquilo que a história já
nos legou. Em certo sentido, já a temos. Entretanto, não se faz uma escola pública e de
qualidade sem crítica, sem contestação e sem reflexão: portanto, sem filosofia.
É desnecessário afirmar que a essência da escola pública é ser de todos, e
deve visar a melhor formação possível dos homens. Quando, educativamente, Platão
pensa o sentido do Bem, ele está se referindo à própria felicidade: “[…] o bem e a
985
felicidade são uma e a mesma coisa.” A morte de Sócrates fez com que Platão
desejasse ardentemente formar homens bons, “Pois, sem amigos e companheiros fiés,

985
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.877.
347

986
não é possível agir- [...].” A corrupção política determinava, muitas vezes, a alegria
de viver na pólis. Por isso, o projeto educativo de Platão tem como finalidade formar os
jovens para viver a prática dos valores, o quer que os cidadãos de sua cidade, se
realizem na coragem, na justiça, no Belo, no Bom, e, enfim, no Sumo Bem.
A cidade que os filósofos Platão e Aristóteles pensam é a cidade feliz e
justa. Entretanto, assim como os nossos filósofos, sabemos que é impossível ter somente
homens bons em uma cidade. Do ponto de vista social e, sobretudo, educativo,
Aristóteles deseja que os indivíduos desempenhem sua função social da melhor forma
possível, visando atingir o bem da cidade: realmente, todos devem possuir a bondade do
bom cidadão. Essa é a condição única para que a cidade seja melhor. Aristóteles sabe
muito bem disso, em sua obra Política, ele esclarece que o homem bom “[…] possui
uma bondade única, a bondade perfeita, […].” 987 A bondade perfeita que ele pensa está
não está fora da realidade do homem, não é algo inalcansável, irrealizável. Ele, mais que
ninguém, é estrangeiro em Atenas, o conceito de felicidade foi por ele pensado, é um
ideal ainda por todos querido em sua época. Qual é o homem que deseja ter um amigo
infiel, injusto, insensato senão os próprios dessas qualidades? Qual legislação poderá
legislar em proveito de outras? A cidade que os nossos filósofos pensam é a cidade feliz
e justa. Mas, nós sabemos que impossível ter somente homens bons em uma cidade.
Do ponto de vista social e, sobretudo educativo, Aristóteles deseja que os
indivíduos desempenhem sua função social da melhor forma possível visando atingir o
bem da cidade. Necessariamente todos devem possuir a bondade do bom cidadão, fora
disso, é impossível criar uma unidade na cidade, essa é a condição única para que a
cidade seja melhor. Portanto, a escola de Estado e, mormente, a escola de escrita
(queremos aqui entendê-la como educação infantil) são instrumentos de nossa defesa –
nada mais que isso. Contudo, apesar de todos os avanços, a nossa escola ainda é negada
à maioria dos trabalhadores. Sabemos perfeitamente bem que a escola pública, diga-se
de passagem, não forma alunos em igualdade de oportunidades. “Os direitos culturais
centram-se no direito à identidade, à educação, a informação, à participação na vida
cultural, portanto, à diferença cultural, ao acesso a práticas culturais.” 988
O nosso ethos cultural é historicamente desafinado e sem tonalidade
expressiva. Nós não aprendemos o sentido educativo em sua amplitude. Não se resgata

986
PLATÃO. Carta VII. 325b
987
ARISTÓTELES. Política. III, 2, 1277 a.
988
PEREIRA, Paula Cristina. op. cit. p.22.
348

ou se recupera um estilo ou um modelo de vida após se ter, por longos anos, adquirido
outros hábitos. “A qualidade da educação consiste em recuperar a nossa pertinência
cultural, recuperar a capacidade de inovação e mudança que define a cultura científico-
tecnológico-contemporânea.” 989 O ethos é construído ao longo do tempo, pela educação
e na história política, na legislação de um povo. A nossa educação não é pensada com
crítica e com contestação, longe disso, o sentido político, social, individual, cultural e o
próprio fim vital pertencente a ela, fica em segundo plano.
O próprio objeto de investigação, a paideia, entendida cono cultura,
como arte, como civilidade, como formação omnilateral, como abordamos na
introdução dessa tese é um objeto desvinculado da pesquisa em educação na sociedade
contemporânea. Afirma Lorenzo Luzuriaga: “A vida não é, porém, apenas a vida
individual; é também a vida humana social constituída pelas vidas de todos os homens e
990
que procuram facilitar também a educação.” Notadamente, Aristóteles nos deixou
três condições para entender o ethos de um povo: a natureza, a razão e o costume à
prática. Na verdade, tudo é obra da educação. Na introdução de nossa tese, iniciamos
nossa linha de defesa concordando que a educação pertence por essência à comunidade.
” 991 A educação é da comunidade.
Institucionalizar a educação em nome de uma escola para poucos é
traficar seu verdadeiro sentido. A escola de Platão e de Aristóteles foi engendrada numa
época totalmente distinta da nossa. Por isso, nossa defesa ao Estado e à escola pública.
Se a academia de Platão e, igualmente, o liceu de Aristóteles eram destinados para
poucos afortunados, a nossa escola é para todos, sem exceção. Não uma escola
preparatória e instrumental, fundada em interesses privados ou empresariais, mas uma
escola que cria e inventa humanidades. Sem projetos coletivos, esta era da cibernética,
da máquina, da técnica, portanto da instrumentalização, implica cidadania e democracia
utilitária, prática. Em outras palavras: a trama do tecer político parece estar confinada a
era de um prolongado niilismo técnico, individual, em favor do cientificismo, do poder
empresarial, do capital.

989
NUNES, César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: As origens da
articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga. In:
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990
LUZURIAGA, Lorenzo. ___. Pedagogia. 7ª ed. Tradução e notas de Lólio Lourenço de Oliveira e J.
B. Damasco Penna. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1970.p.125.
991
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.4.
349

Platão e Aristóteles, ambos na mesma tonalidade, convidam as mulheres


e os homens para a reflexão, para o pensamento, para a razão: portanto, para o exercício
da filosofia na cidade. Eles estão em comum acordo: política sem homens justos
significa cidade corrupta e cruel; escola separada da pólis significa Estado sem direção e
sem rumo, cidadão sem cidadania.
Finalizando, a educação, a escola, o cidadão, a cidade e a própria
formação das crianças e dos jovens, analogicamente são retratados por Aristóteles de
maneira excelente, em conformidade com suas reflexões, tanto o marinheiro, como o
vigia ou mesmo, o timoneiro têm distintas funções na construção da pólis. Eles são em
certo sentido, parceiros da comunidade, embora, as funções sejam distintas todas elas
têm uma única finalidade: de fato trazer segurança à navegação. Para Aristóteles a
formação de Aquiles é sem dúvida o exemplo nítido do fazer e do falar. Afirmam mais
uma vez os autores Amarílio Ferreira Junior e Marisa Bittar:

O filósofo grego, na esteira da concepção homérica de educação,


também defende a concepção pedagógica fundada nas artes do falar e
do fazer como processo formativo do cidadão que decidia o destino
político da polis nas assembleias do ágora. Ou seja, as artes ensinadas
num só tempo, que formavam o homem omnilateral. 992

Como partes da comunidade política, ainda, em Ética a Nicômacos,


Aristóteles acrescenta: “[…]; efetivamente, os homens emprendem uma viagem juntos
com intuito de obter alguma vantagen e de obter alguma coisa de que necessitam para
993
viver; [...].” Se a força e o balanço do mar superam e viram o navio por
irresponssabilidade e insensibilidade dos marinhieros é uma coisa, outra coisa é o navio
ser afundado pela própria natureza da força do mar. O objetivo daqueles que governam
uma cidade deve ser sem dúvida um objetivo que propicie o bem da cidade. Portanto, o
obetivo que a cidade deve atingir deve ser o bem da comunidade e não a vantagem
própria. A pólis nasceu e se organizou unicamente “[…] com vistas a vantagem para
seus membros […].” 994 Tanto em Platão como em Aristóteles, a finalidade educativa do
homem é uma só: visa à pólis. Não é uma opinião ou teoria de um ou de outro, é vida
histórica dos gregos. Tanto em um como no outro, a formação completa – omnilateral
está presente, forma-se o homem por inteiro.

992
FERREIRA JR. Amarílio; BITTAR, Marisa. op. cit. 2008. Acesso em outubro de 2014. p.639.
993
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. VIII, 1160 a.
994
ibid. VIII, 1160 a.
350

Distantes destas realidades investigadas, a pólis moderna é a cidade dos


softwares e dos hardwares, dos androids e dos tabletes, dos selfies, é a civilização da
comunicação e da globalização da informação conectada, portanto, estamos a falar de
uma sociedade da conexão. Essa dinâmica conceiutual que identifica a nossa pólis atual
coincide com a integração dos fenômenos econômicos e tecnológicos. A conjuntura
mundial ganha novo espaço e novo horizonte de reflexão, sobretudo com as novas
configurações do mundo geopolítico aliado ao mundo da máquina. O advento da
revolução industrial parece ter criado bases para a expansão e aumento das cidades sem
precedentes. O mundo do individualismo, do particular, da competição gera e alimenta
cada vez mais as desigualdades entre os grupos humanos. Parece reinar como humano, à
imagem, à representação, o simulacro, o espetáculo, o efêmero, o banal, ao inverso, a
mulher e o homem, a criança e o jovem são confundidos e identificados como coisa,
mercadoria ou produto.

A sociedade portadora do espetáculo não domina somente pela


hegemonia econômica as regiões subdesenvolvidas. Domina-as
enquanto sociedade do espetáculo. Onde quer que a base material
ainda esteja asusente, a sociedade moderna já invadiu
espectacularmente a superfície social de cada continente. 995

Mais que um ser de produção e de conexão, mais do que fazer know-how,


o homem é um ser de relação e de possibilidades. Ao comercializar a própria cultura, o
mercado triunfa sobre o processo de humanização. Os valores até então aceitos passam
a ser questionados: a educação, a escola, a família, a política, as relações entre os sexos,
as artes, as letras, a música, em suma, nada escapa à instrumentalização. Não é novidade
afirmar que a antropologia do homem passa a ser questionada. O humano começa a ser
conectado ao mundo da cibernética. Não existe sequer uma única esfera no mundo que
se salve desse turbilhão. Então fica para trás uma sociedade de homens e mulheres a
quem não interessam mais o passado, a tradição, a cultura, a história, as obras e os
valores de outrora. É preciso cotidianamente acumular e fotografar espetáculos e, ao
mesmo tempo postar na internet. “Tudo que era diretamente vivido se afastou numa
996
representação.” É o mundo da intrumentalização da razão, como afirmou Marx
Horkheimer. É o mundo das incertezas e dos extremos como expressou Eric

995
DEBORD. Guiy. A sociedade do espetáculo. Tradução Francisco Alvese Afonso Monteiro. Lisboa:
Antígona Editores Refractários, 2012. p.34.
996
ibid. p.9
351

Hobsbawm. É mundo do espetáculo como atestou Guy Debord. É o mundo da


insignificância, conforme pensou Cornélius Castoriádis. É acima de tudo, o mundo da
técnica. O know how moderno parece por em dúvida o próprio sentido da filosofia, da
educação, da escola, das artes, das letras e da cultura e, portanto, da paideia.
Se o projeto pedagógico platônico não visa uma formação unilateral do
homem, Igualmente, a concepção educativa aristótelica não visa uma educação
inacabada do ser humano. Reafirmamos, novamente, o lirismo da poesia da antiguidade
grega: “A pólis é a mestra do homem.” Nem Platóteles negligenciaram o sentido dos
versos de Píndaro. A pólis, sem dúvida alguma, é a experiência política dos povos
gregos. Os gregos consideravam-na como a única estrutura social civilizatória e livre.
Este princípio tão raro, tão educativo, parece fugir do horizonte contemporâneo. No
âmbito das humanidades, a paideia de Platão ou de Aristóteles deve ser percebida não
em tom dirigista, formalizado, pronto e acabado, ao contário, em harmonia e em
conjunto com a totalidade da existência humana.
352

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