A Formação Onilateral em Platão e Aristóteles
A Formação Onilateral em Platão e Aristóteles
A Formação Onilateral em Platão e Aristóteles
A PAIDEIA GREGA
A Formação Omnilateral em Platão e Aristóteles
SÃO CARLOS
2015
2
A PAIDEIA GREGA
A Formação Omnilateral em Platão e Aristóteles
SÃO CARLOS
2015
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar
a
CDD: 370.1 (20 )
5
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O objetivo desta tese é investigar o sentido e a gênese da paideia grega tendo como parâmetros
as concepções educativas de Platão (427 a. C.) e de Aristóteles (348 a. C.). Entendemos que o
sentido educativo presente nas filosofias desses pensadores clássicos da Grécia antiga é
essencial para compreendermos também a natureza e o sentido da educação, bem como
refletirmos sobre a possibilidade e necessidade do seu valor político, tal como formulado por
esses dois filósofos. O problema a ser resolvido pode ser manifestado pela pergunta: em que
medida a educação grega fundada nas filosofias de Platão e de Aristóteles pode oferecer
princípios válidos e universais, quando pensamos sobre um Estado justo, equitativo, onde o
princípio da civilidade possa educar omnilateralmente o homem? A tese concentra-se
especificamente nas obras de referências dos dois pensadores gregos – Platão: A República, Leis
e O Político; Aristóteles: Política, Ética a Nicômacos e Metafísica. Os principais autores que
interpretam, caracterizam, embasam e orientam o caminho da investigação em Platão e
Aristóteles, são: Mário Alighiero Manacorda; Werner Jaeger; Moses I. Finley; Jean-Pierre
Vernant e Herni-Iréneé Marrou, Heródoto, Hesíodo, Homero, Cesar Aparecido Nunes, Ildeu
Moreira Coêlho, Maria do Céu Fialho, José Ribeiro Ferreira e Delfim Ferreira Leão.
Bibliografia complementar tanto de autores brasileiros quanto de estrangeiros foi consultada.
Nossa pesquisa, portanto, pela sua própria natureza, está baseada em estudos de ordem
bibliográfica e pretende responder à questão sobre o valor dos princípios filosóficos de Platão e
Aristóteles para compreensão da educação como formação humana plena.
Palavras-chave: Paideia, Platão e Aristóteles e formação omnilateral.
11
ABSTRACT
The objective of this thesis is to investigate the meaning and the genesis of Greek paideia in,
having as parameters Plato‟s (427 a. C.) and Aristotle‟s (348 a. C.), educational concepts. We
understand that the educational philosophies in this sense these classical thinkers of ancient
Greece is also essential to understand the nature and the meaning of education , as well as
reflect on the possibility and necessity of its political value , as formulated by these two
philosophers. The problem to be solved can be expressed by the question: to what extent the
Greek education founded in the philosophies of Plato and Aristotle can provide valid and
universal principles, when we think about a fair, equitable State where the principle of civility
can educate the omnilateralmente man? The thesis focuses specifically on the masterpieces of
the two thinkers – Plato: The Republic, Laws and The Political; Aristotle: Politics, Ethics
Nicômacos and Metaphysics and The principal authors who interpret, feature, underpin and
guide the research path in Plato and Aristóteles are: Mario Alighiero Manacorda; Werner
Jaeger; Moses I. Finley; Jean-Pierre Vernant and Herni - Irenee Marrou, Herodotus, Hesiod,
Homer, Cesar Aparecido Nunes, Ildeu Moreira Coêlho, Maria do Céu Fialho, José Ribeiro
Ferreira e Delfim Ferreira Leão. Complementary Bibliography both Brazilians as foreign
authors was consulted. Our research, therefore, by its own nature, is based on studies of
bibliographic order and attempts to answer the question about the value of Plato‟s and
Aristotle‟s principles for understanding education as full human development.
Key-words: Paideia, Plato e Aristotle and omnilateral training.
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................13
I CONTEXTO HISTÓRICO
1. 0 - A metodologia do capítulo.....................................................................................40
1. 1 - O horizonte arcaico................................................................................................41
1. 2 - O horizonte sofístico..............................................................................................85
1. 3 - O cenário da filosofia de Platão......……...….…………………………...……..101
1. 4 - O cenário da filosofia de Aristóteles....................................................................116
1. 5 - O cenário educativo grego em Roma...................................................................125
INTRODUÇÃO
1
O termo transliterado phýsis, do grego (θύζρ), remonta uma série de conceitos que aplicam algumas
ideias em comum, como: “[...]1º princípio do movimento ou substancia; 2º ordem necessária ou causal; 3º
exterioridade, contraposta à interioridade da consciência; 4º campo de encontro ou de unificação de certas
técnicas de investigação.” In: ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.698. Por outro lado, o termo, “Não é também o produto de uma
reflexão ingênua e espontânea da razão sobre a natureza. Transpõe, sob uma foma laica e num
vocabulário mais abstrato, a concepção do mundo elaborada pela religião”. In: VERNANT, Jean-Pierre.
As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000. p. 82. Nosso entendimento está vinculado à ideia de movimento como princípio de vida, ou
seja, de criação, nascimento, de geração de todas as coisas existentes.
2
ARISTÓTELES. Metafísica: livro I. I 982 b.5
14
distância. Entretanto, seja no silêncio ou nas sombras, tanto nas bordas como nas dobras
da história, este processo formativo ainda permanece.
No período medieval brota sedimentado numa nova visão: a religião, ou
seja, a educação de Platão e de Aristóteles ganha uma nova perspectiva: o fundamento
da instrução fica a cargo da Igreja. Com o fim do horizonte da idade média, sobretudo
depois dos anos de 1300, as ideias, as instituições e as características dessa época
desmoronam. Assinalado pela pluralidade e diversidade de ideais, pela rensacença, pela
ciência, por novos comportamentos e atitudes nasce o mundo moderno, como ele,
Platão e Aristóteles chegam até a contemporaneidade. Longe de fazer história da
educação desses períodos. Focalizando o período grego antigo, queremos elucidar
temáticas educativas que sustentam nossa proposição e os nossos princípios.
Sustentamos a hipótese de que o pensamento filosófico de Platão e de Aristóteles é
fundamental para compreendermos o sentido de educação e de escola, ao mesmo tempo,
para colocar a questão da possibilidade da formação da omnilateralidade do homem.
A problemática em evidência não é uma questão original. A tentativa de
formar ou modelar o homem 3 é tão antiga quanto ele próprio, quem nos conta isso é o
próprio Platão: “Durante os primeiros tempos careciam ainda de engenho e arte e, na
4
falta da geração espontânea de alimentos, não sabia como sustentar-se […].” O
modelo educativo originário dos povos da Hélade está atrelado aos héróis e às suas
batalhas, são eles: Teseu, Héracles, Aquiles, Heitor entre tantos. A figura do héroi é
modelo a ser seguido! O que determina o héroi é a diferença – o detalhe de seu
comportamento diante dos demais. O detalhe o coloca num patamar de excelência
diante dos homens. O que aproxima os hérois da virtude, da beleza, da força, da garra,
da potência é o processo educativo. Para os gregos antigos a formação educativa está
3
Ao utilizar o termo, nessa tese, buscamos compreendê-lo em seu sentido genérico de ántropos, do grego
(άνθπυπορ). Tomamos emprestada a definição linguística do termo, e compreensão filósofica do
pesquisador e filósofo Ildeu Moreira Coêlho. “O grego possui três termos para se referir aos seres
humanos. O termo anér é homem (sem oposição aos deuses), varão, homem feito, guerreiro. Os termos
anér, andrós e gyné, que deram origem em português a andrologia e a ginecologia, por exemplo, se
referem, respectivamente, ao homem e à mulher, aos humanos em sua diferenciação sexual. O substantivo
ánthropos, entretanto, se refere ao homem em sentido genérico, ao gênero humano como diferente dos
animais, aos humanos por oposição ao divino, aos homens e às mulheres, independentemente de diferença
sexual. Assim, para se referir aos humanos em geral, os gregos não precisavam dizer anér, (homem) e
gyné (mulher), pois o termo ánthropos englobava todo o gênero humano.” In: COÊLHO, Ildeu Moreira.
Filosofia e educação. In: PEIXOTO, José Adão. (Org.). Filosofia, educação e cidadania. (Org.)
Campinas: Alínea, 2001. p.17-70. p.22.
4
PLATÃO. O Político. 274 a.
15
totalmente vinculada à ideia de areté. 5 Na Grécia antiga, o mito já era uma referência,
quando oferecia a imagem do herói a ser imitado pelo homem, como modelo a ser
perseguido. Platão no segundo livro em República expressa o sentido da formação de
Aquiles e natureza formativa de seu mestre:
5
A palavra areté do grego (πεηή) “[...] designa uma capacidade qualquer ou excelência, seja qual for a
coisa ou o ser a que pertença. Seus significados específicos podem ser reduzidos a três: 1º capacidade ou
potência em geral; 2º capacidade ou potência do homem; 3º capacidade ou potência moral do homem.”
ABBAGNANO, Nicola. op. cit. 2000. p.1003. Werner Jaeger afirma sobre a definição da areté helênica:
“Na fórmula „fazer sua a beleza‟ está expresso com claridade ímpar o motivo íntimo da areté helênica. É
isto que, já no tempo da nobreza homérica, distingue o heroísmo grego do simples desprezo selvagem da
morte. É a subordinação do físico a uma „beleza‟ mais elevada.” In: JAEGER, Werner. Paideia: a
formação do homem grego. 4ª ed. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.36
6
PLATÃO. A República. 391 a.
7
HOMERO. Ilíada 2ª ed. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.227.
8
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão técnica da tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010. p.59
9
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução. Artur M. Parreira. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
p.25.
16
10
NUNES Cesar Aparecido. Pós-Graduação da Faculdade de Educação. Universidade Estadual de
Campinas. 1999. In: <http://www.fe.unicamp.br/paideia/sobre-paideia.html.> Acesso em novembro de
2014.
18
11
JAEGER, Werner. op. cit. p.1.
19
12
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. X, 6, 1177 a.
13
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa de. Filosofia da educação: uma disciplina entre a dispersão
de conteúdos e a ausência de uma identidade. Revista Perspectiva. Florianópolis. v, 16, nº 29, p. 45-61,
jan./jun. 1998. p.46
20
14
NUNES. César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: As origens da
articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga. In:
LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação: história, filosofia e temas transversais.
Campinas SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75 (Coleção HISTEDBR). p.67.
21
15
MACEDO, Elizabeth; SOUSA, Clarilza Prado de. A pesquisa em Educação no Brasil. Revista
Brasileira de Educação, v. 15, n. 43, ps. 166-176, 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n43/a12v15n43.pdf. > Acesso em: abril 2012. p. 171.
16
MACEDO, Elizabeth; SOUSA, Clarilza Prado de. op. cit. Acesso em: abril 2012. p.172.
17
SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia da Educação no Brasil: esboço de uma trajetória. In:
GUIRALDELLI, Paulo Jr. (Org.). O que é filosofia da Educação? 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
p. 265 - 326.
22
18
SEVERINO, Antônio Joaquim. Os 20 anos do GT filosofia da educação e sua contribuição para a
constituição do campo investigativo da filosofia da educação. In: <
file:///C:/Users/User/Downloads/TRAB%20ENCOMENDADO%20%2020%20anos%20GT%20%20Filo
sofia%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20(2).pdf > Acesso em outubro de 2014. p.3
19
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa, OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. SANTIAGO,
Joelcileia Lima Ayres de. Filosofia da Educação: produção intelectual, identidade e ensino a partir da
ANPEd. Belém: Eduepa, 2006. p.36
23
fazem opção por pesquisar apenas um autor e nunca dois. Considerando outros aspectos
dos números obtidos, podemos concluir que a listagem dos pensadores da Grécia Antiga
não apresenta uma posição acentuada. Pelo contrário, a grande concentração dos
trabalhos focaliza e enfatiza os pensadores da filosofia contemporânea.
A continuidade dessa pesquisa foi realizada no ano de 2008 e publicada
em 2012, na Revista Diálogo Educacional da Pontifícia Universidade do Paraná. A
pesquisadora, Maria Betânia Barbosa de Albuquerque em parceria com Alder se Sousa
Dias, publicaram uma novo texto, intitulado: Quinze Anos da Filosofia da Educação na
ANPEd. Nessa nova etapa da pesquisa, pouca coisa mudou de lá até aqui. A grande e
maior preocupação dos pesquisadores brasileiros em filosofia da educação não está
voltada para o modelo educativo classico da Grécia antiga. Ao descrever os resultados
sobre os pensadores mais pesquisados em filosofia da educação, os autores afirmam: “A
relação desses pensadores evidencia que a Filosofia da Educação que se faz no GT
20
concentra-se muito pouco nos marcos da filosofia antiga [...].” No ano de 2013
sabemos que a Anped completou vinte anos de existência, nessa perspectiva, as
pesquisa em filosofia da educação não renova as características da pesquisa já revelada.
No Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) foram encontrados aproximadamente até o ano de 2014, de 70
a 80 trabalhos entre dissertações de mestrado e teses de doutorado. A análise da
produção intelectual foi concretizada tendo em vista os resumos publicados no endereço
do site: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Boa parte dos trabalhos
relacionados mais especificamente com o nosso tema são algumas dissertações de
mestrado e poucas teses de doutorado. Também aqui, podemos dizer que os trabalhos
não condizem exatamente com a nossa proposta investigativa. O objeto, a paideia grega
clássica – na filosofia de Platão e na filosofia de Aristóteles, tal qual, não foi
encontrado. As expressões mais utilizadas para essa pesquisa foram: „paideia grega‟,
„paideia em Platão‟, „paideia em Aristóteles‟, „educação em Platão‟, „educação em
Aristóteles‟, „concepção educativa platônica‟, „concepção educativa aristotélica‟,
„formação grega clássica‟, „o sentido formativo grego‟, „a cidade grega e a educação‟,
„formação do rei-filósofo‟, „formação do filósofo-rei‟, „a pólis grega e a educação‟.
20
ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa; DIAS, Alder Sousa de. Quinze Anos da Filosofia da
Educação na ANPEd. Revista Diálogo Educacional - Programa de Pós-Graduação do Paraná. v, 12, nº
35, p. 233-252, jan./abr. 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/dialogo-
5909%20(2).pdf > Acesso em junho 2013. p.244.
24
clássico. O referencial teórico de nossa pesquisa aborda apenas as três primeiras partes
dessa obra. Aqui, o autor trata da restauração do século espiritual de Platão e enfatiza a
concepção educativa desse. Elucida sem precedentes como expressão cultural um
modelo de educação consciente em sua dimensão máxima, sobretudo enquanto
instrumento político daquela civilização. O autor busca na primeira parte da obra,
composta pelos dois primeiros livros, o processo de criação, desenvolvimento e crise da
formação do homem heróico e político dos períodos já assinalados. Na terceira parte da
obra, Werner pesquisa, sobretudo na obra Banquete de Platão, a interpretação do amor
grego, nessa obra, Platão faz a interpolação do amor grego e a educação.
A paideia grega é sem dúvida, para este autor, a verdadeira forma da
educação do homem, aqui, reside o substrato mais significativo do ponto de vista
humano. Ao mesmo tempo, em que modela apropriadamente o formato do ser humano,
dinamiza e orienta a riqueza, e a complexidade da existência do homem. É exatamente
na paideia que essa força formativa atinge seu ápice de intensidade: pelo empenho
consciente do conhecimento e da vontade. Diferentemente do individualismo, o
princípio espiritual dessa formação está fundada no conceito de humanismo que,
posteriormente, no mundo romano, é retomado pela denominação humanitas.
“Significou a educação do Homem de acordo com a verdadeira forma humana, com o
seu autêntico ser. Tal é a genuína paideia, considerada modelo por um homem de
21
Estado romano.” O sentido formativo que Werner Jaeger expressa nessa obra nada
mais é do que a formação do homem no sentido ideal. Na introdução do livro ele
explica isso, a ideia formativa de homem em sua omnilateralidade não nasce na esfera
do mutável do passageiro, da efemeridade, não brota do individual, ao contrário, da
ideia, para além do homem sociálvel ou como “[…] suposto eu autônomo, ergue-se o
Homem como ideia, [...] Ora, o Homem, considerado na sua ideia, significa a imagem
22
do Homem genérico na sua validade universal e normativa.” A segunda obra de
Werner Jaeger é intitulada Cristianismo Primitivo e a paideia Grega, publicada em
1961 na Inglaterra em acordo com Universidade de Harvard. Traduzida para o
português por Tereza Louro Peres. Para os nossos interesses, essa obra é tão
significativa quanto a primeira na medida em que retrata, especificamente os
acontecimentos do período helenístico. O objetivo do autor não está em estabelecer um
contraste entre o fenômeno religioso e a cultura dos gregos “[...] como duas formas
21
JAEGER, Werner. op. cit. p.14.
22
ibid. p.15.
26
23
heterônomas do espírito humano [...]” , ao contrário disso, intenta descrever a
continuidade e as transformações históricas da tradição da paideia grega no período
primitivo dos cristãos, já nos fins da Antiguidade. Descreve Jaeger, especificamente a
cultura da paideia grega no exato momento em que os primeiros cristãos aparecem e,
evidentemente coincide com os primeiros séculos de nossa era.
Outra obra fundamental para o nosso estudo, não menor em relevância, é
o livro de Mário Alighiero Manacorda, História da Educação da Antiguidade: da
Antiguidade aos nossos dias, publicado na Itália em 1983 e no Brasil 1988. O autor,
também a partir de uma investigação histórica, traça o perfil da história da educação da
antiguidade aos nossos dias, cujo fundamento temático, conforme ele mesmo diz:
“Quanto à essência da temática a hipótese foi perseguir o processo educativo pelo qual a
humanidade elabora a si mesma, em todos seus aspectos.” 24
Ao tratar especificamente da educação da Grécia, ele direciona a crítica
tanto a Platão como também a Aristóteles, bem como a toda educação da Grécia antiga.
O autor entende e reconhece as contradições daquela educação e distingue com precisão
o dizer e o fazer dessa prática educativa. “Encontraremos, antes de tudo, a separação
dos processos educativos segundo as classes sociais, porém menos rígida e com um
25
evidente desenvolvimento para as formas de democracia educativa.” Em Marx e a
Pedagogia Moderna esse mesmo autor evidencia a questão da formação da
omnilateralidade, obra publicada em Roma em 1983 e no Brasil no ano de 1991.
Estando fundamentalmente ancorado na concepção de Karl Marx, Mario Manacorda
revela precisamente o sentido da formação omnilateral. Para ele, a natureza do processo
pedagógico do homem omnilateral se apresenta como um resultado de um caminhar
histórico “[...] de autocriação, o homem se apresenta como uma totalidade de
disponibilidades [...]” 26, ou seja, o homem pode ser educado em todos os aspectos.
O livro, História da Educação na Antiguidade, de Henri-Irénée Marrou,
é outra obra de destaque para o nosso referencial teórico, publicada em Paris em 1948 e
no Brasil em 1966. Esse autor retrata toda a história da educação grega e seus percalços
23
JAEGER, Werner. O cristianismo primitivo e a Paideia grega. Tradução de Tereza Louro Pérez.
Revisão de Tradução Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1991. p.9.
24
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. p.16.
25
ibid. p. 58.
26
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. Tradução de Newton Alves de
Oliveira. Revisão técnica de Paolo Nosella; Prefácio de Dermeval Saviani. São Paulo: Cortez; autores
Associados, 1991. p.84.
27
27
CAMBI, Franco. A História da Pedagogia. Tradução Álvaro de Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.
p.96.
28
dos fatos educativos para esse autor não podem ser desvinculados da esfera econômica,
social, material e essencialmente política.
Outra obra que faz parte do nosso referencial teórico é Ilíada escrita por
Homero (Sec VIII a. C.). Obra literária que também dispensa comentários. A título de
esclarecimento, a palavra Ilíada na etimologia é derivada de Ilion, que na língua grega
tem duas conotações: a primeira denota quem é muito rico ou quem possui grande
fortuna; a segunda significa também Tróia, a cidade dos troianos. A obra desse
historiador narra os episódios ocorridos num período de aproximadamente cinqüenta
dias. Esse período está situado justamente com o último ano da Guerra de Tróia. Nesse
poema épico, o autor narra a ira e a bravura do personagem e herói Aquiles. Com o
mesmo grau de importância que Ilíada, três outras obras de autores gregos, fundamenta
o norte do contexto histórico aqui apresentado: a de Tucídides, A História da Guerra do
Peloponeso e a de Heródoto, História, e a de Hesíodo, Os trabalhos e os dias. Ainda,
sobre o historiador Tucídides, é importante afirmar que esse, praticamente acompanhou
de perto quase toda a guerra, vindo falecer alguns anos antes do término deste conflito.
Também destaca-se pelo menos duas obras de Moses I. Finley, um dos
mais conceituados helenistas americanos. A primeira obra é intitulada Os Gregos
Antigos, editada em 1963 em Portugal e publicada no Brasil em 1988. O autor trata
nessa obra a vida dos gregos antigos, relata os acontecimentos e fatos marcantes dessa
civilização desde o período arcaico até o do helenístico, portanto, esclarece o autor da
obra, “[...] sempre que se afigurou possível, explicar o modo como se desenvolveu a
civilização grega nas suas várias facetas, suas grandezas e fraquezas, do ponto de vista
28
material, social, político e cultural.” A segunda obra de Moses I Finley, não menos
importante é intitulada Política no Mundo Antigo, com os direitos reservados para a
língua portuguesa por Edições 70 em 1983. Foi publicada pela primeira vez numa
versão mais reduzida em 1980, em memória ao dinamarquês Jacob Christian Jacobsen
da Real Academia Dinamarquesa de Ciências e Letras. Esse livro é resultado de quatro
Wiles Lectures, - conferências que Moses apresentou na „Quenn‟ s University, e
também de outros escritos publicados em versões revisadas posteriormente pelo autor.
Ele mesmo afirma, “[...] nenhum dos modelos de comportamento ou acontecimentos se
28
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70. 1963. p. 9.
29
29
tornam inteligíveis sem a compreensão das políticas nelas envolvidas.” A política,
concebida tanto na Grécia como em Roma influenciou diretamente os governos dessas
civilizações. Não existe política sem Estado, e nem Estado sem política.
As últimas fontes de caráter internacional a serem descritas são as obras e
as traduções de autores e investigadores portugueses da Universidade de Coimbra, mais
especificamente, do Centro de Estudos Clássicos e Humanisticos da Faculdade de
Letras, onde realizamos o estágio de doutoramento pelo Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior financiado pela Capes, que ocorreu entre os meses de janeiro a
setembro de 2014. O Centro de Estudos Clássicos na realidade tem como objetivos
fundamentais o estudo das línguas, literaturas e culturas da Antiguidade Greco-Latina
(Literatura e Cultura Greco-Latina), da sua transmissão ao longo da Idade Média (com a
especialidade de estudos de Latim Medieval), da sua renovação, sobretudo na época do
Renascimento (Latim Renascentista e Humanismo) e da presença do legado clássico na
atualidade (Recepção dos Clássicos na época moderna), entendido como um dos
principais fundamentos da identidade cultural europeia.
Dentre as principais obras pesquisadas estão: Cidadania Paideia na
Grécia Antiga, dos autores: Delfim Ferreira Leão, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu
Fialho; Globalização no Mundo Antigo de Delfim Ferreira Leão; Ética e Paideia em
Plutarco, de Carmem Soares, José Ribeiro Ferreira e Maria do Céu Fialho; Tempo e
Espaço da Paideia nas Vidas de Plutarco de Joaquim J. S. Pinheiro; finalmente, Helade
Antologia da Cultura Grega de Maria Helena da Rocha Pereira. Também utilizamos
seis traduções das obras de Plutarco: Vidas paralelas. Alcebíades e Coriolando, de
Maria do Céu Fialho e Nuno Simão Rodrigues; Vidas Paralelas Teseu e Romulo de
Delim Ferreira Leão e Maria do Céu Fialho; Vidas Paralelas Sólon e Publícola de
Delfim Ferreira Leão e José Luís Lopes Brandão; Obras Morais Da Educação das
Crianças de Joaquim J. S. Pinheiro e finalmente, Obras Morais O Banquete dos sete
Sábios de Delfim Ferreira Leão. Também utilizamos a tradução da obra de Xenofonte,
Memoráveis, da investigadora Ana Elias Pinheiro e a tradução de Pseudo-Xenofonte: A
Constituição dos Atenienses. Tradução do Grego, Introdução, Notas e Índices. Pedro
Ribeiro Martins. Coimbra.
Na literatura nacional o maior e mais expressivo trabalho, talvez o único,
considerando a especificidade do nosso objeto de estudo, é do Professor Cesar
29
FINLEY. Moses. I. Política no Mundo Antigo. Tradução. Gabinete Editorial de Edições 70. Lisboa:
Edições 70, 1983. p.86.
30
30
NUNES. César Aparecido. op. cit. 1999. p. 67.
31
designar o resultado desse esforço educativo, continuado, para além dos anos escolares,
durante toda a vida a fim de realizar mais perfeitamente o ideal humano.” 31
A investigação procura analisar os princípios universais resultantes da
formação omnilateral a partir das condições que a fizeram surgir: numa civilização de
dominados e dominantes, daqui direcionamos nossa investigação, sobretudo para a
crítica que o autor Mario Alighiero Manacorda faz em seu livro História da Educação
da Antiguidade aos nossos dias.
31
MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990, p.158.
32
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p. 428.
33
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.25.
34
NUNES. Cesar Aparecido. O pedotriba e a educação física antiga: o primeiro professor, a primeira
paideia, e o pecado original. In: Filosofia da Educação. Campinas, v. 1 n.1 p. 157 - 163, out. 2009.
Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/rfe> Acesso em maio de 2013. p.157.
32
castelos o sentido dessa educação, o ideal pedagógico não é o mesmo para todos e
continuará não sendo por séculos. “É fato fundamental da história da formação que toda
a cultura superior surge da diferenciação das classes sociais, que por sua vez se origina
35
da diferença natural de valor espiritual e corporal dos indivíduos.” Antes de adentrar
no contexto do período helenístico ou clássico, já na civilização romana, a reflexão do
capítulo concentra-se de modo especial no confronto entre a paideia sofística e a
socrática. Daí o surgimento das filosofias de Platão e de Aristóteles. Amarrados às
raízes educativas da aristocracia antiga e, em certo sentido, recolhendo e recompondo a
tradição da sofística e da socrática, esses dois pensadores respectivamente fundam suas
filosofias.
Finalmente, a reflexão do capítulo adentra no período helenístico na
intenção de esclarecer histórica e politicamente como as filosofias de Platão e
Aristóteles são reelaboradas, sobretudo, procura abordar o nascimento dos movimentos
filosóficos: estoicismo, epicurismo, ceticismo e ecletismo. Este período pode ser
traduzido a partir da decadência e declínio da pólis grega. Acentua-se no mundo
helenístico, o plano filosófico religioso, nesse tempo, os filósofos procuram unir-se os
elementos religiosos na vida do desenvolvimento do pensamento da Hélade. Podemos
dizer que os pensadores helenísticos apoderam das ideias religiosas e acrescentam ao
pitagorismo e ao próprio platonismo. A filosofia liberta-se do anonimato do mundo
político ateniense, essencialmente localizado para aventurar-se no mundo globalizado.
35
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.24.
36
LEÃO, Ferreira Delfim. A globalização no mundo antigo. Do polites ao kosmolpolites. Coimbra:
Edição Impressa da Universidade de Coimbra - Coimbra University Press. 2012. p.30.
33
37
e dos missionários cristãos levou estes últimos a tirar partido dela.” O futuro do
cristianismo como instituição religiosa estava amarrado nisso. Platão e Aristóteles são
revestidos com uma armadura religiosa, ultrapassam o mundo medieval e chega até nós.
O segundo e terceiro capítulos respectivamente estão caracterizados por
uma investigação propriamente das concepções educativas nas filosofias de Platão e
Aristóteles. Esses dois capítulos refletem e revelam, em última instância, a íntima e
essencial relação entre filosofia e educação, ou seja, do conhecimento filosófico à
filosofia da educação. Resultado dessa articulação, a educação passa até então, a ter uma
conotação ética e uma expressão política. “No bojo desse novo período e identidade, a
filosofia tematizou racionalmente a educação e as possibilidades de educar o homem
38
para a vida na pólis segundo regras derivadas de sua natureza racional e política”.
Entendida como produto social e cultural do período clássico a educação não é senão
outra coisa uma filosofia da educação, afirma Cesar Nunes: “A paideia grega encerra a
primeira forma sistematizada de uma filosofia da educação.” 39 A filosofia, desde o seu
início, faz-se amiga inseparável da paideia e é impossível dizer de uma sem referenciar
a outra.
No segundo capítulo, em Platão, queremos analisar como ele teoriza a
educação centrada no Estado, pesquisar sua teoria política para entender o significado e
finalidade do seu viés político, quando elabora a teoria do rei-filósofo. Platão, desde sua
juventude, nutria pensamentos sobre a carreira política como veremos detalhadamente
na Carta Sétima. Porém, um acontecimento abrupto em sua vida o faz recuar, sendo que
esta atitude de recuo e abandono, o coloca num novo patamar: a carreira filosófica.
Tanto na obra, A República como em Leis e também em O Político, o filósofo direciona
a educação do governante. Da mesma forma que Aristóteles, Platão quer formar o
cidadão íntegro de modo que esse saiba governar e ser governado. Platão durante toda
sua vida esteve envolvido com questões políticas da pólis. Seus parentes são homens
públicos e participam do governo da pólis. Podemos dizer que nas veias desse filósofo
corre o sangue da política da pólis. Por exemplo: o maior e mais intensivo
acontecimento de sua vida está inteiramente relacionado com a política: Sócrates, seu
mestre, é convidado a beber cicuta por uma chantagem política. A morte de Sócrates é
37
JAEGER, Werner. op. cit. 1991. p.24.
38
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.71.
39
ibid. p.62
34
para Platão um convite ideal para pensar o sentido político de justiça que prevalece na
pólis.
No terceiro capítulo, em Aristóteles, nossa investigação centra-se nas
obras: Política e Ética a Nicômacos. Por um lado, não diferenciando da concepção
platônica, ele elabora um programa educativo também fazendo distinção entre os
indivíduos. Por outro lado, reconhece que sua pesquisa é distinta da de Platão.
Aristóteles investiga e examina seu objeto de estudo exaustivamente. Esta tarefa para
ele é demasiadamente árdua. Ele sabe que Platão conduziu a pesquisa por um caminho
diferente o da teoria das formas. O objeto de investigação é o mesmo, mas o ângulo de
observação é outro: lê-se em Ética a Nicômacos:
40
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 1096 a.
41
BERGSON, Henri. Curso sobre a filosofia Grega. Tradução. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p.120.
42
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.100.
35
43
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Antologia da cultura grega. 6ª ed. Coimbra: Imprenssa de
Coimbra, 1995. p.145.
44
ibid. p.15
45
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.53.
36
para Platão um convite ideal para pensar o sentido político de justiça que prevalece na
pólis. A partir destas circunstâncias, ele pensa a educação das crianças da pólis.
A terceira parte do capítulo estuda-se o viés da civilidade em Aristóteles,
que por sua vez, é determinado pelo conceito de felicidade. A felicidade, em Ética a
Nicômacos é para Aristóteles, a categoria máxima da investigação ética. É, portanto, o
ponto vital para a existência social do homem, sem ela, esse não se realiza. Atrelada a
essa, a civilidade é garantida na cidade naturalmente. Ao definir o homem como ser
gregário, Aristóteles reconhece o caráter de civilidade. Nossa investigação procura
teorizar como a cidade deve educar o cidadão. maior preocupação educativa desse
filósofo se concentra na pólis, que é para ele lugar onde o indivíduo pode e deve se
realizar, fora dela não, conforme foi dito anteriormente. Aristóteles é um incansável
estudioso da cidade, visto que pesquisa as finalidades e objetivos da existência dela.
Além disso, estudou as mais diversas constituições de sua época através de pesquisas
sobre leis e normas públicas. Seu objetivo educativo não é senão outra coisa fazer que a
plenitude da realização da cidade possa ser atingida.
46
ARISTÓTELES. Política. I, 1 1252 a.
47
ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. I, 1, 1214 a 5
37
48
MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 6.
38
Por outro lado o homem é criador e criado pela História. Essa trilha
jamais se fez linear, determinadamente construída por desvios, por interrupções
abruptas, rupturas penetrantes. A formação do homem está situada no intervalo entre
passado e futuro; o tempo, em conformidade com o pensamento de Hannah Arendt, não
é “[...] um fluxo contínuo de ininterrupta sucessção; [...].” 52 Portanto, o homem se situa
nessa lacuna do tempo, “[...] cuja existência é conservada graças à „sua‟ luta constante,
53
à sua tomada de posição contra o passado e o futuro.” Nessa encruzilhada de
possibilidades humanas, evidentemente, o processo de criação não se faz sem
49
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.7.
50
CAMBI, Franco. op. cit. p.101.
51
ibid. p.37.
52
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 5ª ed. Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. São
Paulo: Perspectiva, 2002. p.37.
53
ibid. p.37.
39
54
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Considerações extemporâneas. In: Obras incompletas. p.3
40
CAPÍTULO I
CONTEXTO HISTÓRICO
Considerando que, enquanto cada animal é, por sua natureza, logo e sempre,
unilateralmente si mesmo (a pulga é logo e sempre pulga, o pássaro,
pássaro, e o cachorro, cachorro, seja qual for o destino que a breve vida lhe
(reserva), somente o homem quebrou os vínculos da unilateralidade natural
e inventou sua possibilidade, de tornar-se outro e melhor, e até unilateral;
considerando, outrossim, que na esta possibilidade, dada apenas pela vida
em sociedade foi até agora negada pela própria sociedade à maioria, ou
melhor, negada a todos em menor ou maior grau, o imperativo categórico da
educação do homem pode ser assim enunciado: Apesar de o homem lhe
parecer, por natureza, unilateral, eduque-o com todo empenho em qualquer
parte do mundo para que se torne onilateral.
Mario Alighiero Manacorda
1. 0 A metodologia do capítulo
55
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.4.
56
ibid.p.4.
43
educador dos povos helênicos. E isso ele reconhece, embora o critique. Sobre a
reprodução da imitação, Platão no terceiro livro da A República assevera contra ele e os
cantores de sua época, de acordo com ele, não existe dedicação por parte daqueles que
ensinam a imitação, : “[...] tanto Homero como os demais poetas procedem em suas
57
narrativas por imitação [...]” , ainda em conformidade com a leitura do terceiro livro
da obra de A República, Platão deixou evidente que a narração de toda a Odisséia,
Homero faz isso. A crítica que Platão faz é sobre o ensino, ou seja, sobre a forma de
ensinar. Bem sabemos que a Atenas da época de Platão é a época de transformações e
mudanças sociais. Também, no último livro da A República, Platão não se conforma
com a imitação. Não é tão simples entender a atitude platônica diante dos poetas. Na
verdade, Platão, em sua época, não expulsa os poetas, apenas, ele está tentando
estruturar o modelo educativo de Atenas. Sua intenção é desenvolver um processo
educativo onde os jovens aprendam conhecer o espírito de lucidez, de fulgor. A meta
pedagógica é fazer do guardião da pólis alguém de vista penetrante, que saiba distinguir
as aparências as representações da verdadeira realidade ideal.
As informações mais antigas sobre a educação são derivadas do período
arcaico da história de nossa civilização, advindas do oriente, no “[...] antigo reino de
Menfis [...]” 58, Mario Manacorda entende que o berço da instrução e da cultura, de fato,
começa no Egito. De lá, advém uma literatura sapiencial, cujo conteúdo educativo
59
retrata uma verdadeira “[...] escola de vida reservada às classes dominantes.” Este
início educativo revela mais do que nunca, a sabedoria prática A inculturação das
técnicas e habilidades profissionais e das habilidades políticas ligadas ao poder estão
sempre reservadas às castas dominantes. Isso, também significa dizer que, nas primeiras
escolas existentes, apenas os filhos dessas classes tinham o direito de frequentá-las.
Essa literatura sapiencial, ainda de acordo com o mesmo Mario Manacorda, “[...] data
60
da 3ª dinastia (século XXVII a. C.).” O conhecimento ou mais especificamente, o
saber educativo das primeiras civilizações denota um teor político e essencialmente
moral resultante da vida e dos costumes das classes dominantes. Seja no Egito, ou
qualquer civilização do oriente, os ensinamentos são sempre derivados de normas ou de
“[...] preceitos morais e comportamentais rigorosamente harmonizados com estruturas e
57
PLATÃO. República. 393 c.
58
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.23.
59
ibid. p.23.
60
ibid. p.23.
44
61
conveniências e estruturas sociais [...]”. O saber educativo egípcio revela algumas
características significativas como o teor político e moral, a arte de bem falar e,
sobretudo, a obediência ao comando, características que foram adotadas pelos povos
gregos. Assim, como Aristóteles, também Platão reconheceu a supremacia do Egito:
pela boca de Sócrates, no diálogo com o personagem Fedro, afirma ele:
61
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.23.
62
PLATÃO. Fedro. 274 c.-274 d.
63
HOMERO. op. cit. p.7.
64
ibid. p.8.
65
HERÓDOTO. História. Tradução do grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1988. p.106.
66
Bastante conhecida e reverenciada também em filmes épicos, a guerra de Tróia foi narrada por Homero,
no terceiro quartel do século V a. C., em Ilíada. Heródoto descreve ao seu modo, os acontecimentos que
antecedem a guerra dos dois continentes. Isto é, precisamente, entre dois povos: os gregos e os troianos,
resultando em lutas e mortes dos heróis gregos. Portanto, o processo formativo da civilização da Hélade,
está essencialmente amarrado às obras e feitos destes heróis.
45
é a mais completa e perfeita para as crianças e os jovens da pólis. Platão, pela boca de
Sócrates, num diálogo com Glauco, com um de seus interlocutores, explica que é
preciso, com crítica, recorrer à tradição anterior, sobretudo quando se fala de Homero e
de sua educação, já que esse é o educador de toda a Hélade.
A essas palavras, o rei foi tomado de cólera ingente. Não quis da vida
privá-lo, por ter, em verdade, receio; mas para a Lícia o enviou, tendo
escrito uns sinais mui funestos em tábuas fechadas, que ao sogro
71
PLATÃO. República. 606 e.
72
CAMBI, Franco. op.cit. 1999. p.75.
73
MOSSÉ Claude. As instituições gregas. Tradução de Antônio Manuel Dias Diogo. Lisboa: Edições
70, 1985. p.9.
47
mandou que entregasse para que viesse a morrer, visto morte nos
sinais inculcarem. 74
74
HOMERO. op. cit. p.168
75
FERREIRA, José Ribeiro. Participação e poder na democracia grega. Coimbra: Gabinete de
Publicações do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 1990. (Coleção Estudos 13). p.29.
76
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas - Teseu e Romulo. Tradução do Grego, Introdução e Notas.
Delfim Ferreira Leão e Maria do Céu Fialho. Coimbra: CECH/FL/UC, 2008. (Coleção Autores Gregos e
Latinos Série Textos). p.22.
77
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas - Teseu e Romulo. op. cit. p.22.
48
aprofundado da história dos homens primitivos. Quer ele saber “[…] quando
começaram as cidades a aparecer e, além disso, no momento em que os homens aí
começaram a viver em comunidade de cidadãos […].” 78 Destaca contudo, a catástrofe
e a civilização propriamente dita, isto é, as primieras comunidades humanas, enfatiza
entretanto, o […] Dilúvio como cataclismo universal e primordial que então delimita a
história da evolução da humanidade. “[…]: os sobreviventes do Dilúvio são os óbvios
79
iniciadores de um processo civilizacional e político.” Assim, nessa perspectiva da
catástrofe, Platão, coloca na boca dos personagens Clínias e Estrangeiro, o diálogo
sobre o desaparecimento e a redescoberta das inúmeras atividades humanas que
propiciam a fundação de cidades: o domínio da arte, da arquitetura, da política da escrita
da música e, de tantos outros campos do conhecimento. Na obra, o personagem
Estrangeiro confirma ao seu interlocutor Clínias:
Por sua vez, Creta exerceu sem dúvida um fascínio na tradição, nos
costumes, nas leis, nas artes, na música, na arquitetura, na educação, na cultura grega,
logo, na história dessa civilização. É importante e imprescindível sublinhar a questão da
mulher na civilização cretense. Em República, Platão, em nossas análises no segundo
capítulo enfatiza boa parte de suas reflexões sobre a educação da mulher em sua época.
Mais do que qualquer outra civilização antiga, em certo sentido, podemos dizer que as
mulheres cretenses desfrutavam de muitos privilégios nessa sociedade, como veremos
posteriormente no segundo capítulo, a educação das mulheres não deverá ser
diferenciada em relação a dos homens, ou seja, deve ser semelhante a educação
masculina.
Em Política, Aristóteles faz menção ao poderio do lendário e famoso rei
de Creta, os espartanos, conforme afirma o Estagirita, redigiram suas leis, normas e
princípios tendo em vista a constituição de Creta, expressa ele: “[...] a maior parte foi
78
PLATÃO. Leis. 676 b.
79
N.T. ibid. p.45.
80
PLATÃO. Leis. 667 d.
49
81
copiada da cretense.” Situada ao longo da região do Mediterrâneo no sudeste da
Europa, limitando-se aos continentes da África e Ásia, esses primeiros habitantes se
espalham por toda a região da Hélade, aglomerando-se e afiliando-se em pequenas
partes de terras. Nessa região, vão construir as cidades, assim, como conhecemos: a
cidade-Estado, a pólis, “[...] Festo, Mália e Cnossos, sua primeira civilização palaciana
(2000 – 1700) [...].” 82 Tanto nas ilhas como no continente, as primeiras cidades sempre
foram construídas afastadas e distantes do mar para evitar a pilhagem ou a pirataria.
Sobre isso, é o historiador grego Tucídides (460 – 455 a. C.) que nos relata; também em
sua época, o seu povo já tinha o costume e a prática da pirataria, expressa ele: “[...] até
hoje em muitas partes da Hélade, isto ainda ocorre [...] Assim, o costume daqueles
povos continentais de portar armas é uma sobrevivência de seus antigos hábitos de
pilhagem.” 83 Da mesma forma que os povos bárbaros, os helênicos intensificaram suas
naus, o comercio marítimo passa a ser a fonte de sua economia.“Quer tenham descido
dos Bálcãs, quer tenham vindo das planícies da Rússia do sul, esses antepassados do
homem grego pertencem a povos indo-europeus, que já diferenciados pela língua, falam
84
um dialeto grego arcaico.” Por volta de 1600 a. C., a cidade de Micenas vai roubar a
cena, “[...] – a esplêndida civilização cretense foi subjugada por Micene, cidade da
Argólida que vinha exercendo uma supremacia na região e cujos traços aparecem nos
poemas homéricos: a estirpe dos aqueus, [...]”. 85 Em 1200 a. C., a civilização micênica
caiu bruscamente sob ímpeto poderio dos povos dóricos, de acordo com os estudos de
Vernant; assim, é abolida definitivamente a figura do rei. Embora rivalizando
constantemente, os povos dóricos e aqueus se misturam, posteriormente vão formar as
duas estirpes do povo helênico.
Quando no século XII antes de nossa era o poder micênico desaba sob
o ímpeto das tribos dóricas que irrompem na Grécia continental, não é
uma simples dinastia a sucumbir no incêndio que assola
alternadamente Pilos e Micenas, é um tipo de realeza que se encontra
para sempre destruída, toda uma forma de vida social, centralizada em
torno do palácio, que é definitivamente abolida, um personagem, o
Rei divino, que desaparece do horizonte grego. 86
81
ARISTÓTELES. Político. II, 7, 1272 a.
82
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.15
83
TUCÍDIDES. op. cit. p.21.
84
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.16
85
CAMBI, Franco. op. cit. p.75.
86
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.12.
50
87
HERÓDOTO. op. cit. p.268
88
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.15
51
muitos aspectos, porém, jamais neutro de vida cultural: os poemas de Homero trazem
informações dessa riqueza cultural, o próprio fato de a “[...] de a escrita ter surgido de
novo na Grécia, sob a forma de um alfabeto fonético maravilhosamente flexível alterou
radicalmente o quadro.” 89
Do ponto de vista cronológico os problemas referentes às origens do
pensamento helênico são explicados pelo historiador e antropólogo francês, Jean-Pierre
Vernant, de acordo com ele, quando Creta constrói sua primeira civilização palaciana
sua cultura, ainda está orientada para as demais civilizações do oriente próximo, o
quadro só modifica com a leitura e interpretação dos poemas de Homero. A data que
marca o início da poesia arcaica está situada por volta dos anos 776 a.C., data essa,
tradicionalmente relacionada com os primeiros Jogos Olímpicos e reconhecida em
grande parte pelos estudiosos.
Neste período, as primeiras cidades são construídas ao longo do mar
Egeu, a península grega é povoada. De acordo com os estudos de Jean Pierre-Vernannt,
a civilização grega se reconhece num estilo de organização social distintamente dos
povos bárbaros. As margens do Mediterrâneo não separa o ocidente do oriente.
Geograficamente, podemos afirmar foi neste espaço, que nasceram originariamente o
que entendemos como, cidade-Estado. Expressa mais uma vez, Jean-Pierre Vernant.
90
“Com a decifração do linear B micênico, a data dos primeiros textos gregos de que
91
dispomos recuou meio milênio.” Com isso, o mais antigo mundo grego está longe de
ser o milagre. Também a especialista no mundo grego antigo, Claude Mossé, afirma:
“Com efeito, em certas regiões do mundo grego, exitia por volta de sec. XV, um tipo de
Estado que tinha por centro mais do que uma cidade, uma fortaleza, um palácio.” 92
Nesse contexto histórico não existe ainda a cidade tal qual conhecemos: a
pólis clássica. Até então, os homens livres eram constituídos, por um lado, de guerreiros
– soldados, de artesãos – trabalhadores do palácio e finalmente dos camponeses; por
89
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.18.
90
A expressão linear B utilizada por Jean-Pierre Vernant significa escrita silábica. Podemos dizer que é
uma espécie de escrita utilizada pelos antigos povos gregos – micênicos, entre os séculos, XV e XII a. C.
A linear B foi decifrada pela arqueologia moderna como uma espécie de grafia silábica. Derivada
provavelmente da linear A (escrita ainda não decifrada pelos arqueólogos), utilizada pelos povos
cretenses entre os séculos XVIII a XIV a C. A escrita linear B foi encontrada talhada em algumas
tabuinhas de argila e vaso nos castelos das cidades de Cnossos, Pilos e Micenas. Sobre essa grafia antiga,
Moses Finley, revela que, com “[...] a decifração recente da sua escrita silábica denominada linear B –
provou que pelo menos nos palácios, a sua língua era uma forma arcaica do grego.” In: FINLEY. Moses.
I. op. cit. 1963. p.13.
91
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.11.
92
MOSSÉ Claude. op. cit. p.9.
52
93
CARDOSO, Ciro Flamarion S. A Cidade-Estado antiga. 2ª ed. São Paulo: Ática. 1987. p. 20.
94
ibid. p.19.
95
VERNANT, Jean-Pierre. op.cit. p.13
96
TUCÍDIDES. op. cit. p.20.
97
CAMBI, Franco. op. cit. p.76.
53
98
século IX e o início do VII”. Distintas pelo gênero literário, essas duas obras
compõem todo o processo pedagógico da escola arcaica grega.
Especificamente em Ilíada é retratada a formação de um jovem guerreiro
– Aquiles. Ao retomar o processo pedagógico do jovem herói, quer elucidar como
exemplo primordial a formação omnilateral e, portanto, a formação de Aquiles “[...] se
delineia como uma educação prática, que une „língua‟ e „mão‟ e versa sobre o cuidado
do corpo, mas não exclui a oratória, guiada pelo centauro Quirão”.99 O desempenho, o
contorno ou o modelo desse educador é centralizado na figura mítica de Quíron, e o
modelo de homem a ser seguido e imitado é o de Aquiles. Essas primeiras figuras
direcionam e centralizam o processo educativo da educação arcaica da Grécia. Quíron
não só forma Aquiles, mas também outros heróis daquela civilização. Outra figura
significativa, e menos mítica, é a do educador Fênix. Tanto Quíron como Fênix educam
e formam Aquiles. No canto nono em Ilíada, encontramos a passagem que narra a
instrução do jovem Aquiles pelo educador Fênix.
103
TUCÍDIDES. op. cit. p.21.
104
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.64.
105
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. p.54.
55
dos homens. A efebia grega consistia numa espécie de instrução militar, de acordo com
os esclarecimentos do investigador português Delfin Ferreira Leão, a efebia pode ser
106
descrita como “[...] um treino obrigatório de dois anos de serviço nacional.” Em
conformidade com a constituição ateniense, em Assembleia eram escolhidos dois
pedotribas e outros instrutores que ensinavam os jovens a combater como hoplitas. No
primeiro ano, os ensinamentos eram diversos, como a prática do arco, a prática do
lançamento de dardo, os disparos da catapulta – uma espécie instrumento para lançar
pedras nas muralhas, como, tantas e tantas vezes, retradados em filmes épicos. No
segundo ano, os jovens eram levados ao teatro para fazer apresentação pública, “[...] de
manobras militares diante do povo, e depois de receberam do Estado um escudo e uma
lança, patrulham o país e estanciam junto das guarnições.” 107 Após esses dois anos, eles
são recebidos na cidade. Tendo finalizado o tempo da lua de mel, expressa Henri
Marrou, o efebo, “[...] era solenemente festejado; entre outros presentes, recebia uma
armadura, oferecida pelo amante, de quem se tornava então o παπα
108
είρescudeiro. ” Uma vez ali admitido, o novo escudeiro poderia ocupar seu lugar
de honra nessa aristocracia. Esse tipo de costume educativo era exercido na educação
grega arcaica e é detalhadamente interpretado pela filosofia platônica em O Banquete.
Sobre o sentido da efebia platônica nessa obra, Michael Foucault, esclarece:
106
N.T. In: ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.5.
107
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. p.89.
108
ibid.1990. p.54.
109
FOUCAUT. Michael. História da sexualidade II. O uso dos prazeres. Tradução de Maria Tereza da
Costa de Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. São Paulo: Edições Graal,
1984. p.299.
56
pela luta, pelo sacrifício, pela honra mas, sobretudo, pela beleza e pelo prazer de amar e
ser amado. Os prazeres da atividade sexual fazem parte da naturalidade e dos costumes
da prática formativa do corpo, não representam uma ideia de bem ou de mal como
concebemos posteriormente. Portanto, tal estrutura irá inspirar toda a tradição posterior:
“Pois estes heróis homéricos não são combatentes selvagens, guerreiros pré-históricos,
como se compraziam em imaginá-los nossos predecessores românticos: em certo
sentido, são cavalheiros.” 110
Heródoto nos relata que, no governo de Sólon (638 -558 a.C.), aconteceu
um fato extraordinário sobre esses guerreiros-atletas. Estando em viagem pelo Egito,
Sólon encontrou com o rei da Lídia – antiga região da Ásia menor. Após ter conhecido
o palácio, os tesouros e as riquezas do rei egípcio, uma disputa ficou no ar. Quem seria
o mais feliz dos homens? O conceito de felicidade estava sendo debatido. Heródoto,
pela boca de Sólon teria dito ao rei: “[...] É o ateniense Telos rei. [...]”. 111 Uma vez que,
a cidade de Telos prosperava em tudo. Seus filhos eram belos, sadios e fortes, eram bem
formados, logo, bem educados. Sua cidade era sólida em riquezas, nada ali faltava.
Telos terminou sua vida estando em batalha, porém, derrotou todos os seus inimigos.
Aclamado e louvado por todos, teve um funeral apropriado. O rei da Lídia estava muito
intrigado. Quem então poderia ser o segundo homem mais feliz? Para despertar ainda
112
mais a curiosidade do rei, novamente “[...] Sólon respondeu: Clêobis e Bíton [...]”
Esses, eram argivos, além da fortuna que tinham eram belos, fortes, vigorosos,
vencedores de competições atléticas; portanto, educados no corpo e na alma. O final da
história Heródoto expressa:
[...] havia uma festa de Hera entre os argivos, e era imprescindível que
sua mãe fosse levada ao tempo por uma parelha de bois; mas os bois
não chegaram a tempo do campo e os jovens, premidos pela escassez
de tempo, atrelaram-se ao jugo e puxaram o carro em que sua mãe
estava sentada; eles puxaram ao longo de quarenta e cinco estádios até
chegarem ao templo. Isto feito, e sob as vistas da multidão presente,
eles tiveram o mais belo dos fins, e o deus mostrou através deles até
que ponto a morte pode ser melhor do que a vida para o homem: [...]
Clêobis e Bíton, que haviam lhe proporcionado aquela grande honra
[...] Então os argivos fizeram e consagraram em Delfos estátuas aos
dois, por haverem demonstrado a sua excelência.113
110
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.20.
111
HERÓDOTO. op. cit. p.27
112
ibid. p.27
113
HERÓDOTO. op. cit. p.27-28
57
114
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.61.
115
ibid. p.61.
58
116
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
117
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. p.40
59
118
educação dos bons costumes.” Com o desaparecimento dos antigos palácios e dos
reis, ou seja, com a derrocada da realeza micênica no século XI, também a escrita
desaparece do cenário. Como sabemos a escrita antes dos séculos V e IV a. C., era uma
atividade restrita, somente os escribas tinha acesso a ela. Porém, com a disseminação do
alfabeto, os gregos a retomam com uma fonética distinta dos fenícios. Daí surge o
terceiro tipo de mestre, o gramático e junto com ele nasce a escola como hoje é
conhecido.
Nos ginásios eram conferidos os ensinamentos, sendo esses locais
sempre abertos ao público. A primeira etapa educativa começava-se aos sete anos com
término aos doze. O próprio Aristóteles é quem nos informa sobre estes períodos como
poderemos perceber, posteriormente, no segundo capítulo dessa tese. A educação até
então, tinha uma modalidade física e corporal. Esse período a criança aprendia as
práticas da equitação, da natação, das atividades marcais e militares. Desde cedo as
crianças eram treinadas para os jogos olímpicos. Cesar Nunes explica detalhadamente
essa primeira etapa do aprendizado grego:
118
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. p.41
119
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
60
ela uma simples resistência ao medo ou à dor, ou além disso, também será em relação
ao desejo, ao prazer, […], sob cuja influência os corações daqueles que se reclamam ser
120
auteros se tornam em corações de cera.” Novamente, Cesar Nunes elucida com
precisão o horizonte formativo dessa nova etapa, o que consistia naturalmente no ideal
estético de beleza e de sensualidade da juventude grega.
120
PLATÃO. Leis. 633 d.
121
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.158.
122
TUCÍDIDES. op. cit. p.40.
61
na Ágora, nos banquetes, nos ginásios.” 127 Ali na praça, aprende-se a literatura: poesia,
tragédia, comédia e a prosa; da mesma forma, aprende-se as artes visuais: a arquitetura,
escultura e a pintura e por fim, aprende-se a ciência, a filosofia e a política. O jeito, a
forma, a conduta, os costumes e hábitos dos primeiros povos da Hélade foram
constituídos ao ar livre, na praça, no ginásio, na rua. Ali, estão os templos, os edifícios
públicos, as estátuas, os altares, em suma, a vida da Grécia crescia e desenvolvia nesse
contexto. É na praça que os jovens aprendem a pensar os rumos da cidade, era ali que os
magistrados se reuniam para pensar e propor os caminhos da pólis. “De fato, é no plano
político que a Razão, na Grécia, primeiramente se exprimiu, constituiu-se e se formou. ”
128
127
FERREIRA, José Ribeiro. Educação em Esparta e em Atenas. Dois métodos e dois paradigmas. In:
LEÃO Delfim Ferreira; FERREIRA, José Ribeiro; FIALHO, Maria do Céu. Cidadania e Paideia na
Grécia antiga. 2ª ed. Coimbra: CECH/FL/UC, 2012. p.11-46. (Coleção Autores Gregos e Latinos Série
Ensaios). p.30
128
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.103.
129
FINLEY, I Moses. (Org.) O legado da Grécia. Uma nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto.
Brasília: Universidade de 1998. p.23.
130
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 2012. p.15.
63
131
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.35.
132
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. p.158.
133
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.45.
64
134
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas – Teseu e Romulo. Disponível em:
<https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/bitstream/123456789/9/6/vidas_teseu_e_romulo.pdf > p.27. Acesso em
maio de 2014.
135
PEREIRA. Maria Helena da Rocha. op. cit. p.145.
136
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 37.
137
N.T. In: PLURTARCO. Vidas Paralelas - Teseu e Romulo. 2008. p.27. p.28.
65
formado no corpo e na alma, nas armas e nas palavras, na honra e na coragem, na beleza
e na sensualidade. Aquiles não é um bruto com as palavras, sabe comunicar com os reis,
nunca se apresenta menor que eles. Quando o rei Agamemnon, por inveja ou capricho
retira-lhe o suposto prêmio de uma batalha, Aquiles, se apresenta ao rei com as
seguintes palavras:
Não foi por causa dos fortes Troinaos que vim para Tróia, para
guerreá-los, pois munca motivo para isso me deram. Deles, nenhuma
das manadas um boi me roubou, nem cavalos, nem no terremo de
Ftias, nutriz de guerreiros, tampouco minhas colheitas destruiram,
[…] Para teu gáudio, grandíssimo despuradouro, seguimos-te, cão sem
nenhum derscortino, a vingar-te do utraje dos Troas a Menelau. Mas
sequer te pertubas, nem cuidas de nada. E, para o cúmulo, ameaças de
vires a escrava arrancar-me que dos Acaios obtive por prêmio de
grandes trabalhos. 138
Aquiles é exatamente isso, sua formação não está reduzida apenas numa
dimensão. Tem consciencia da batalha que trava e das palavras à quem dirige. Portanto,
aqui nesse estágio embrionário, já se podem prever os primeiros princípios do conceito
de omnilateralidade: formar o corpo e a alma – formar para a guerra e para exercer a
política, sobretudo exercendo a honra, por isso a formação omnilateral nesse momento
estava praticamente ligada à concepção do herói grego arcaico.
Não menos significativos são os poemas de Hesíodo, nascido
provavelmente entre os séculos (VIII e VII a. C.), vivendo na Beócia região central da
Grécia, escreve a obra, Os trabalhos e os dias, em homenagem ao seu irmão Perses. De
acordo com a interpretação de Mary de Camargo na introdução dessa mesma obra, a
autora explica que o contexto em que viveu Hesíodo é um contexto de pequenos e
simples agricultores. Distintamente da Teogonia, que narra o mundo de deuses e sua
organização, em Os Trabalhos e os Dias, o poeta assume um nova vertente, o mundo
dos homens mortais, “[...] apontando sua origem, suas limitações, seus deveres,
139
revelando-nos assim, em que se fundamenta a própria condição humana.” Logo no
início do texto, Hesíodo invoca as musas de Piéria, na intenção que essas façam diante
de Zeus, justiça, tendo em vista uma demanda em torno das terras camponesas.
Musas Piérias que gloriais com vossos cantos, vinde! Dizei Zeus
vosso pai hineando. [...] Zeus altissonante que altíssimos palácios
138
HOMERO. op. cit. p.65.
139
HESÍODO. Os trabalhos e os dias. 5ª ed. Tradução, introdução e comentários de Mary Camargo
Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 2006. p.11.
66
140
HESÍODO. op. cit. v.5.
141
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.77.
142
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.62.
143
HESÍODO. op. cit. v.311.
67
Essa educação arcaica não foge muito aos princípios e ideais da educação
das demais civilizações da antiguidade, embora suas características e aspectos
permaneçam menos rígidos. Em relação à escola de estado de Esparta, podemos ler em
Aristóteles. “Somente em Esparta, ou praticamente só, o legislador parece ter prestado
atenção às questões de educação e preparo físico do cidadão; na maioria das cidades
145
estas questões foram descuradas [...].” Mario Alighiero Manacorda esclarecendo
sobre a lenda do educador de Aquiles – na obra de Hesíodo, os ensinamentos do
educador “[...] se constituem um patrimônio de sabedoria e de moralidade camponesa e
146
que correspondem aos „ensinamentos‟ egípcios, mesopotâmicos ou hebraicos.” Essa
classe produtora, embora não seja uma classe escravizada, não possui uma formação
adequada. Na verdade a classe produtora fica a margem do processo instrutivo. Fora do
requinte educativo da família patriarcal encontramos a grande massa produtora, Ciro
Flamarion esclarece:
144
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.87.
145
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 9, 1180 a.
146
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.62.
147
CARDOSO, Ciro Flamarion. S. op. cit. 1987. p.20.
148
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. p.63.
68
149
MOSSÉ Claude. op. cit. p.10.
150
id. p.10.
151
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.77.
69
centro da cultura da história da antiguidade, “[...] que pela obra dos reis macedônios e,
depois, dos reis romanos, foi afirmando-se como a cultura-líder do Mediterrâneo e do
mundo antigo.” 152 A pólis, sem dúvida traduziu para a história da civilização ocidental
esta forma e este jeito, está maneira e este estilo de ser e de viver. Podemos dizer em
certo sentido que, o universo espiritual da pólis, remonta e atualiza o sentido da
existência da esfera política e do sentido de civilidade.
Por sua vez, o modelo educativo de Esparta, como já afirmado
anteriormente, é um modelo militar, cujo processo pedagógico vai orientar a formação
do guerreiro para o ofício das armas; mas ao mesmo tempo ele é também instruído na
educação musical e na atlética, modelo educativo controlado pelo Estado. Sobre isso,
Aristóteles reconhece e louva a escola de Esparta, e assim, reivindica para Atenas o
mesmo modelo. Afirma ele: “Quanto a este aspecto, deve-se louvar os lacedemônios,
pois eles dão a máxima atenção à educação das crianças e fazem dela um encargo
153
público.” Embora seja reconhecida historicamente como aquela que irá lograr uma
herança educativa rude, severa e até mesmo inculta, também deve ser considerada,
mesmo antes de sua rival Atenas, como uma cidade de cultura.“Desde o século VIII, a
154
arte já floresce na Lacônia e o século VII é o grande século de Esparta, [...].” Fruto
de sucessivas guerras do período, Esparta pode ser considerada como uma das cidades
mais vastas por seu território. Sua educação é, por longo período, considerada como
exemplo educativo para todos os conservadores gregos, inclusive Platão e Aristóteles.
Finda a época homérica, a estrutura social das cidades gregas se modifica, seja na
perspectiva da cultura, seja nas finalidades educativas. O cavalheiro ou herói grego
passa a ser agora o soldado, não mais numa formação individual como aquela de
Aquiles, que se processa isoladamente, mas sim, numa instrução coletiva – social.
“Nessas cidades a educação é tarefa precípua do Estado: confiada a um magistrado,
„pedônomo‟, ou legislador para a infância, ela não se realizava isoladamente como para
Aquiles, mas coletivamente, nas tropas (aghélai) ou nos coros (choròs).” 155 A formação
e instrução pertencem ao Estado, que cuida, portanto, da criança desde os mais tenros
anos até formar o homem adulto. Não visa, portanto, a formação da criança tal qual
entendemos hoje. A areté do guerreiro de Homero é substituída pela areté do soldado.
Eis um fato novo, que inaugura o campo político dos gregos: aquele ideal formativo
152
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p. 78.
153
ARISTÓTELES. Política. XII, 1, 1337 b.
154
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p.33.
155
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.65.
70
individual – pessoal, se transforma num ideal comunitário. Essa nova finalidade é tudo
para os cidadãos da pólis – cada cidadão se reconhece na vida da cidade. O que vai unir
os cidadãos da pólis é um sentimento unívoco de semelhança, que posteriormente se
transformará num único objetivo: formar os cidadãos para os interesses e necessidades
daquela pólis. Sobre isso, escreve Jean-Pierre Vernant: “Esta semelhança cria a unidade
da pólis, porque para os gregos, só os semelhantes podem encontrar-se mutuamente
156
unidos pela Philia, associados numa mesma comunidade.” É evidente que a
organização social de Esparta deixou como legado difíceis e complicados problemas,
sobretudo na arte do fazer – da guerra. De fato, a politéia dos lacedêmonios é uma
realidade que não se compreende de uma única vez. Contudo, precisamos salientar a
questão da igualdade entre os seus cidadãos livres. Claude Mossé, em seus estudos
revela que a própria denominação […] «espartano» designa Homoioi, os Iguais, ou
157
sejam os cidadãos.” E, é exatamente essa conotação de Iguais, que Atenas, poucos
séculos depois, dá uma reordenação democrática que chega até a nossa civilização. Em
Esparta, nesse momento, os homoioi eram definidos pelos laços de sangue. Mesmo nas
violentas batalhas entre eles, sabiam os gregos conduzir o sentido da rivalidade.
Tucídides narra um pouco dessa emblemática realidade grega, sobretudo na ocasião da
desavença entre espartanos e atenienses, justamente quando seus respectivos aliados
passaram a rivalizar.
156
VERNANT, Jean-Pierre. op.cit. p.49
157
MOSSÉ Claude. op. cit. 70, 1985. p.91.
158
TUCÍDIDES. op. cit. p.13.
71
A educação propriamente dita vai dos sete anos aos vinte anos; ela é
disposta sob a autoridade direta de um magistrado especial, verdadeiro
comissário da Educação nacional, o παιδαγυγόρ. [...] Aos vinte ou
vinte um anos o jovem, tendo concluído sua formação, mas não
havendo satisfeito ainda todas as exigências do impiedoso Estado
totalitário, entrava nas formações de homens feitos, inicialmente, na
dos „jogadores de bola.‟ 160
159
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.41.
160
ibid. p. 42
161
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.83.
72
162
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.83.
163
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.34.
73
164
século V – a metrópole da civilização helênica.” Para a nossa investigação, é
importante reconhecer esse aspecto do Estado, ou seja, sua finalidade para qual foi
criado. Essa devoção ao Estado é bastante significativa para propor a questão da
formação do homem omnilateral, tanto em Platão como em Aristóteles. Os dois
reconhecem esse caráter: enquanto, para o primeiro, sobressai o viés político, - o
governo dos filósofos, para o segundo, sobressai o caráter da civilidade, - a cidade educa
o cidadão. O Estado, desde cedo, se interessa pelos fins da educação: “A criação mais
característica de Esparta é o seu Estado, e o Estado representa aqui, pela primeira vez,
uma força educadora no mais vasto sentido da palavra.” 165
Por sua vez, Atenas, como as demais poleis que formam o grande centro
mediterrâneo, inicialmente engendra as mesmas fases da educação espartana: guerreira
e autoritária. Mas aos poucos o cenário modifica. Para entender o cenário educativo de
Atenas é preciso situar alguns os aspectos históricos e políticos dessa época. A aurora
da mentalidade educativa ateniense, em certo sentido começa com as reformas de Sólon
(640 – 558 a. C.). Até então, a organização da anterior da constituição do legislador
Drácon (século VII a. C.) permitia somente aos nobres caracterizados pelos laços de
sangue a participarem das magistraturas da pólis. Na Constituição dos Atenienese,
Aristóteles enfatiza que os laços de sangue era primordial na vida política ateniense,
“[…] as magistraturas eram estabelecidas de acordo com a nobreza de nascimento e
166
com a riqueza.” O legislador Sólon é o grande reformista ateniense, nele está o
começo da formação política de Atenas.
Sobre sua geneologia, origem social, bem como sua descendência estão
ligadas ao rei da Ática. É o biógrafo de Queronéia, Plutarco (46 -120 d.C), que nos
informa: “[…] filho de Execéstides, homem que, pela riqueza e poder, segundo
afirmam, se situa na classe média, mas que, atendendo à estirpe, pertencia a uma casa
167
notável: era, de fato descendente de Codro.” Esse reformista retirou dos ombros dos
atenienses um grande e pesado fardo. De acordo com as reflexões da Constituição dos
Atenienes de Aristóteles, sabemos que ele aboliu a escravatura por dívidas, para além
dessa medida, criou o direito de uma terceira parte para fazer justiça nos tribunais e
finalmente, a criação da assembleia polular.
164
MARROU, Henri-Irénée. 1990. p.35.
165
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.109.
166
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.31
167
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Sólon e Publícola. p.45.
74
168
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.175.
169
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.23.
170
ibid. p.31.
171
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.23.
172
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Sólon e Publícola. p.100.
75
173
anulação das dívidas, […]” , entretanto, Solon tomou uma nova decisão, fundou um
“[…] segundo conselho, através da escolha de cem homens por cada uma das tribos, que
174
eram quatro.” Este conselho ficou conhecido como boule dos Quatrocentos. Ao
mesmo tempo, delimitou que este conselho analisasse as questões antes do povo e que
não deixasse seguir nada para a assembléia sem essa apreciação prévia. É o começo da
democracia. A Grécia inventa a democracia. Na Constituição dos Atenienses,
Aristóteles expressa: […] ao conselho do Areópago atribuiu a função de salvaguardar as
leis, tal como, de início, começara por zelar pela constituição.175
O século V a. C., é também o século das guerras, são marcantes,
denominadas guerras Médicas ou Guerras Greco-Persa. Além de Atenas, a musa
inspiradora, como bem sabemos, muitas cidades gregas adotavam parcialmente o
sistema democrático. Mas, é exatamente neste século que muitas pólis vão unir-se em
torno de Atenas para proteger das sucessivas invasões persas. Disso, resulta a primeira
confederação dos cidadãos atenienses, denominada, também, liga de Delos. Essa
confederação foi base para a criação e contrução do Império Grego e de modo
generalizado, contribuiu para a constituição do regime democrático. Sólon, no auge de
seu poderio e domínio dá a Atenas uma nova vida. Com ele inicia-se uma nova esfera
da vida política ateniense e, portanto uma nova fase educativa se faz renascer, para
176
Werner Jaeger, “[...] ele foi uma coluna fundamental do edifício da formação ática.”
Além de legislador, Sólon é também poeta, conhecedor dos anseios e sentimentos de
seu povo. Os estudos de Werner Jaeger revseelam que, se os fragmentos das poesias
desse legislador tivessem desaparecido na história, jamais conheceríamos o sentido
ético de seus atos políticos, que na verdade, suplantam o nível partidário. Aristóteles, na
primeira parte da Constituição dos Atenienses relata que esse importante reformador de
Atenas traduzia seus sentimentos, sobretudo os mais intensos em versos. “Que Sólon
tinha esse poder testemunha-o a gravidade da situação; para mais, ele mesmo o recorda
em vários dos seus poemas e todos os autores partilham da mesma opinião.” 177 Sobre a
importância desses fragmentos, Werner Jaeger explica e interpreta sem esses “[...] não
estaríamos em condições de compreender o que há de mais grandioso e memorável na
173
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Sólon e Publícola p.78.
174
ibid. p.78.
175
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.24.
176
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.173.
177
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.29
76
178
poesia ática contemporânea da tragédia e nem a vida espiritual inteira de Atenas.”
Como sabemos Sólon instituiu uma nova constituição para Atenas, e promulgou outras
várias leis fixando-as no “[...] Pórtico Real e todos juraram observá-las futuramente.” 179
Aristóteles refere-se a ele como o primeiro democrata [...] o campeão do povo [...].” 180
Por volta do século V a. C., Atenas alcança um novo estágio educativo,
seja no campo político, como no plano cultural e democrático, portanto, sua educação –
o sistema educativo perde o até então caráter militar. O mundo social desse século é um
verdadeiro espetáculo, é um acontecimento marcante na história das civilizações
antigas, é um horizonte onde floresce verdadeiramente a dimensão criativa do homem
antigo, grego. Longe das técnicas precisas e das tecnologias midiáticas de nosso tempo,
a civilização grega vai profundamente traçar educativamente o rosto de sua cultura. O
mundo social é fervilhante e borbulhante, de acordo com Franco Cambi, a população
dessa época, atinge “[...] cerca de 300 mil habitantes [...].” 181 Nesse meio encontram-se:
poetas, artistas, pintores, historiadores, escultores, educadores, dramaturgos,
comediantes, teatrólogos, filósofos, arquitetos, escultores, oradores, assim vão compor
também o quadro social da pólis. E é nesse labirinto cultural essencialmente educativo
que aparecem pouco depois do final do século, Platão, e um pouco mais adiante,
Aristóteles.
Foi por volta do século VIII a. C., que a sociedade de Atenas reproduz a
antiga educação homérica. A Atenas dos séculos VII e VI a. C., não tem uma estrutura
educacional própria, não tem ainda uma escola, o que estimula a educação como
instrumento institucional são os famosos jogos olímpicos, cuja prática ainda prevalece
muito viva entre nós. Lorenzo Luzuriaga, tratando da educação ateniense, explica: “[...]
os certames nacionais desportivos substituem os torneios guerreiros da idade homérica;
182
e para eles a juventude se prepara desde tenra infância.” As crianças e adolescentes
atenienses experimentam a mesma instrução: guerreira e heróica. A educação, até então,
é uma educação que prioriza a matéria social e não a estatal.
Descrevendo especificamente as características da educação do século V
a. C., em Atenas encontraremos “[...] formas de educação (historicamente acertadas)
baseadas na „música‟, com o mestre de cítara (kitharistés) e de flauta (haulétes), e na
178
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.174.
179
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.30.
180
ibid p.22.
181
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 84.
182
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.39.
77
183
ginástica com o paidotríbes. Estes são os herdeiros históricos do Fênix Homérico.”
Também aqui em Atenas não mais uma educação individual como vimos em Aquiles,
não mais também uma educação privada. A educação é pública, em certo sentido aberta
ao povo, porém seus educadores são privados. Não são eles funcionários do Estado,
como vimos anteriormente em Esparta. Para a educação ateniense, não mais como na
educação de Esparta, a família não está em primeiro plano e, portanto, somente aos sete
anos vai se começar propriamente o processo educativo, dividido em duas etapas –
educação musical e educação atlética. A educação musical não ensina só a música, mas
também a poesia, e posteriormente uma instrução mais aplicada a partir da retórica e da
gramática, como nos relata Luzuriaga.
183
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.66.
184
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.40.
185
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit., 1980.p.40.
78
São os pais dos alunos que devem instruir seus filhos, por isso
encontraremos nas famílias os primeiros pedagogos, que em sua grande maioria são
escravos ou estrangeiros. O pedagogo é aquele que leva os filhos para a escola, e
também o que cuida de sua educação moral. Não obstante, é precisamente no século V
a. C. que a educação de Atenas transforma-se substancialmente em relação aos séculos
anteriores. As modificações mais intensas ocorrem na formação dos jovens. A formação
agora se dirige especificamente para a política. O jovem deve saber falar nas
assembleias, o que significa uma formação para o dizer. Também existe uma
preocupação com os ginásios e palestras dessa época. Em uma das traduções da
Constituição dos Atenienes, de quem apresenta sob a autoria de Pseudo-Xenofonte está
evidente a preocupação dos atenienses com os ginásios – escola da época. Podemos ler
em Pseudo-Xenofonte: “Há uns tantos ricos que têm ginásios, banhos e vestuários
particulares, mas o povo está constituído, para seu próprio uso, muitas palestras,
187
vestiários e banhos públicos.” Com o advento da pólis, a vida social dos gregos se
transforma substancialmente. Sua criação está situada entre os séculos VIII e VII a. C.,
expressa Jean-Pierre Vernant: “Advento da Pólis: nascimento da filosofia:”188 Com o
surgimento da cidade, a nova manifestação da estrutura social se dá diante da radical e
profunda transformação no estatuto social da vida na civilização grega.
186
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p. 66.
187
PSEUDO-XENOFONTE. A constituição dos atenienses. Tradução do Grego, Introdução, Notas e
Índices. Pedro Ribeiro Martins. Coimbra: CECH/FL/UC, 2011. (Coleção Autores Gregos e Latinos Série
Textos) p.29.
188
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.103.
79
189
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit p.41.
190
ARISTÓTELES. Política. II, 1, 1262 a.
191
CARDOSO, Ciro Flamarion S. op. cit. p.7
192
ibid. p.8.
193
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.41.
80
educativo, ela tem o papel proeminente e, portanto, a finalidade da escola tipo grego é
instruir para o dizer, para o comando. Desde cedo, as crianças e os jovens da pólis
devem aprender bem a retórica e a eloquência, devem com habilidade e astúcia
aprenderem o cultivo do dizer.
A vida social, até então centralizada nos arredores do palácio, onde o rei
é o vértice de todas as decisões políticas, de todas as questões religiosas, administrativas
e econômicas, passa agora a ser debatida no espaço público - o Estado é o centro, não o
mundo privado; o Estado deve cuidar da coisa pública e não o contrário. “À imagem do
rei, senhor de todo o poder, substitui-se a ideia de funções sociais especializadas,
diferentes uma das outras e cujo ajustamento cria difíceis problemas de equilíbrio.” 194
A vida social vai ser sedimentada pelo caráter de publicidade e a escrita não mais está
reservada aos profissionais e dignitários do palácio e inspetores do rei. Não mais sendo
um saber especializado, “[...] a escrita vai fornecer, no plano propriamente intelectual, o
meio de uma cultura comum e permitir uma complexa divulgação de conhecimentos
195
previamente reservados ou interditos.” A partir daí, de acordo com Jean-Pierre
Vernant, não mais somente os cantos de Homero e Hesíodo são decorados e recitados
como forma de aprendizado, mas também a escrita passa a ser a base da paideia grega,
tendo como critério a diké ou justiça, como podemos ler na citação abaixo:
gregos assume de uma vez por todas como um valor em si mesmo. A escrita desvela em
si mesmo sua verdade, deixa de ser um mistério reservado dos escribas. Disseminado
seu saber a escrita não pertencerá mais aos quadros da religião, ou seja, da divindade
como algo escondido, misterioso, oculto.
Tomada dos fenícios e modificada por uma transição mais precisa dos
sons gregos, a escrita poderá satisfazer a essa função de publicidade,
porque ela própria se tornou quase o mesmo direito da língua falada,
o bem comum de todos os cidadão. As mais antigas inscrições do
alfabeto grego que conhecíamos mostram que, desde o século VIII,
não se trata de mais de um saber especializado, reservado a escribas,
mas de uma técnica de amplo uso, livremente difundida no público. 198
197
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. p. 159.
198
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.43.
82
199
NUNES. Cesar Aparecido. op. cit. 2009. p.159.
200
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.67.
201
ibid. p.67.
83
202
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit.p.69.
203
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p. 82.
204
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit 2010. p.63.
205
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit 2010. p.76.
84
206
em uma cidade.” Portanto, a escrita, para ele, determina a base da educação: ao
mesmo tempo em que ativa e faz desenvolver a vida prática, dela adquirimos outros
conhecimentos. Essa nova perspectiva educativa da escrita também se torna um
elemento de debate e de tomada de decisões na vida do cidadão grego. Sobre essa
importância, tanto para a vida individual de cada cidadão grego, como para o posterior
desenvolvimento da educação na história da nossa civilização, Franco Cambi faz uma
reflexão estritamente pertinente para o entendimento da formação do homem completo:
206
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
207
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.84.
208
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.65.
209
ARISTÓTELES. A constituição dos atenienses. p.65
85
boca de Péricles que, Atenas é escola de toda a Hélade. É também para os atenienses,
escola de democracia e escola de filosofia, a pólis, sem dúvida, nasceu assim.
Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições
de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao
invés de imitar os outros. Seu nome, como tudo depende não de
poucos, mas da maioria, é democracia. [...] Na educação, ao contrário
de outros que impõem desde a adolescência exercícios penosos para
estimular a coragem, nós, com a nossa maneira liberal de viver
enfrentamos pelo menos tão bem quanto eles perigos comparáveis.
[...] Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da
filosofia sem indolência. [...]. 210
período fundam o sistema educativo grego da pólis, cuja finalidade é formar os filhos da
classe nobre. “Os diálogos socrático-platônicos e os textos de Aristóteles são discursos
de (lógoi) que, sem se perderem na aparência e no efêmero, buscam a essência do real e
se impõem como verdadeiros pelo rigor e consistência dos argumentos.” 212As filosofias
da educação de Platão e Aristóteles estão ligadas ao próprio contexto histórico do
nascimento da filosofia.
Sócrates, Platão e Aristóteles compõem uma espécie de tríade sagrada
213
de que nos fala Cesar Nunes. Esse movimento intelectual formado pela tríade opera
uma verdadeira revolução sobre as finalidades da educação, juntamente com os sofistas.
Especificamente, os sofistas desempenharam um papel memorável nos debates que
disputavam com Sócrates, com Platão e com Aristóteles. O sentido educativo nasceu
exatamente aqui. Até então a especulação filosófica estava direcionada para o mundo
físico. Por isso, os primeiros filósofos são muitas vezes denominados naturalistas.
Os anos de 440 a 400 antes de nossa era representam o período da
sofística. Os sofistas foram antes de tudo educadores. Indagar os sofistas é perguntar
qual o sentido e os princípios da atividade do ensino em sua abrangência e
complexidade histórica. Em sua obra O Político, Pltatão explica essa complexidade.
Pela boca do personagem Estrangeiro Platão assegura: “Impõe-se-nos neste momento, o
dever de refletir o seguinte: qual das ciências se liga o saber respeitamente à governação
214
dos homens – o mais difícil e o mais importante de todos.” A educação, sua
amplitude, sua forma, as questões éticas são debatidas no meio da praça de Atenas.
Sem dúvida, eles acreditaram nessa possibilidade: é possível educar o
homem. Até então, o problema filosófico de debate e de reflexão girava em torno das
coisas naturais, da natureza ou a phýsis. Isto é, antes dos sofistas a realidade filosófica
gravitava em torno da natureza, do cosmos, da água, do ar, do infinito, do fogo, da terra
e de todos os elementos. Com a sofística nasce o segundo momento da filosofia grega,
expressa Henri-Bergson, “Concorda-se, desde Hegel, em fazer começar nos sofistas o
215
segundo período da filosofia grega.” Estes trabalhadores da educação juntamente
com a tríade sagrada da filosofia grega redirecionam o discurso para as coisas humanas,
na verdade eles deslocam e posicionam do discurso da natureza phýsis, para um
discurso sobre o homem. Sobre eles, expressa Giovanni Reale:
212
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.24.
213
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.61.
214
PLATÃO. O Político. 292 d.
215
BERGSON, Henri. op. cit. p.92.
87
219
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.62
220
ARISTÓTELES. Política. I, 2,1254 b.
221
ibid. I, 2, 1254 b.
222
ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1253 a.
223
ibid. I, 2, 1254 b.
89
224
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.352.
225
ibid. p.354.
90
de paideia que incialmente estva ligado ao processo educativo aos poucos se estende a
própria ideia de cultura. “Os sofistas constituem, sob este ponto de vista, um fenômeno
central. São criadores da consciência cultural em que o espírito grego alcançou o seu
telos, e a íntima segurança da sua própria forma e orientação.” 226
Esse desenvolvimento determinadamente histórico da formação do
homem atinge seu ápice no momento em que a ideia de educar passa a ser algo
consciente na cultura dessa civilização. A paideia se volta para uma formação
continuada do homem, consciente de que somente no plano do comunitário é possível
realizar perfeitamente o ideal humano. Nesse nível, a formação se volta para o plano do
político e, em seu caráter mais profundo, mais do que conhecer a historicidade e a
singularidade do seu território ou de sua etnografia, a formação política se volta para os
negócios da pólis, se refere às coisas humanas. Não tão distintamente da política
contemporânea, muitas vezes preocupada, sobretudo, com os interesses dos indivíduos e
dos grupos, e permeada tanto pela corrupção como pelo engano, a política da Grécia
clássica dimensiona uma questão significativa e instigadora: ela centraliza a totalidade
da vida educativa do cidadão:
226
JAEGER, Werner. op. cit. p.354.
227
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.45.
228
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.62.
91
mitos não mais servem para explicar a vida humana, mas “Em sua origem, a filosofia
nasceu como forte oposição à explicação mitológica de analisar a realidade”. 229 As
instituições filosóficas de caráter particular têm a finalidade especulativa do mundo, da
natureza, do cosmo. Os primeiros nomes estão ligados aos filósofos como Tales de
Mileto (640 – 546 a. C.), Anaxímenes (588 – 524 a. C), Anaximandro (610 – 546 a. C.)
Heráclito (535 – 475 a. C.) Parmênides, (530 – 460 a. C.), Pitágoras (século VI) e
muitos outros. Todos esses filósofos tentam explicar a realidade a partir de premissas
lógicas, portanto racionais.
229
NUNES Cesar Aparecido. p.58.
230
ibid. p.58.
231
LAÊRTIOS. Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução do Grego, Introdução e
Notas: Mario da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998. (Coleção Biblioteca UnB). p.15.
92
232
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.82.
233
ibid. 1990. p 83.
234
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez. 1994. p.53.
93
235
PONCE, Aníbal. op. cit. p.53.
236
ibid. p.53.
237
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. In: Os Pensadores. p.62.
238
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.624.
94
239
REALE. Giovanni. op. cit. 2009. p.23.
240
PONCE, Aníbal. op. cit. p.52.
241
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.264.
242
PLATÃO. Protágoras. In: Diálogos. 317 b.
243
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.264.
244
N.T. In: ARISTÓFANES. As nuvens. In: Os Pensadores. p.182.
95
lições dos sofistas? Uma coisa acima de tudo: a sabedoria prática, que
evita os escolhos e conselhos fecundos capazes de garantir êxitos na
oratória política. De fato, Protágoras assinalava como fim da
educação: dar bons conselhos em assuntos domésticos, para que os
jovens arranjem as suas casas do melhor modo possível, da mesma
forma que capacitá-losem assuntos políticos, para serem capazes de
dominar os negócios da cidade. 248
248
PONCE, Aníbal. op. cit. p.55.
249
ARISTÓTELES. Política. VII, 4, 1326 a.
250
ARISTÓTELES. Política. VII, 4, 1326 b.
251
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.47.
97
que não podemos e nem temos a exatidão destes dados. Os números que o helenista
informa são números estimados. Escreve ele em sua obra Os Gregos Antigos: “[...]
Quando a população de Atenas atingiu o auge ao estalar a Guerra do Peloponeso 252 em
431, o seu total, incluindo mulheres e crianças, homens livres e escravos, era cerca de
253
250000 ou 275.000.” Para esse helenista, pelo menos um terço da população ou
pouco mais de cidadãos viviam nas regiões urbanas, os demais, escravos e cidadãos não
livres impedidos de possuir terras e posses “[...] concentravam-se na cidade e na zona
254
do porto.” Para ocupar um lugar de destaque na pólis, o cidadão precisa dominar a
arte de bem falar. A palavra é, pois, o instrumento mais precioso e mais poderoso na
pólis.
252
Registrada nas obras dos historiadores gregos Tucídides e Xenofonte, a guerra do Peloponeso foi a
maior e mais expressiva luta armada entre espartanos e atenienses. Esta batalha foi travada por duas
grandes simaquias: a de Delos – Atenas e a do Peloponeso – Esparta. Com o término das guerras Médicas
– conflitos entre gregos e persas, Atenas cria a liga de Delos, tinha esse nome porque a fortuna – riquesas
das cidades confederadas era, em princípio, guardada na Ilha de Delos, igualmente conhecida como liga
Marítima ateniense. TUCÍDIDES. op. cit. p.15.
253
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.48.
254
ibid. p. 61.
255
PONCE, Aníbal. op. cit. p.55.
256
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p.83.
98
político: ele deve brilhar na vida pública. Ele deve ser um homem de ação, e
principalmente, na ação política, isto é, formado para as tarefas do dizer. Platão, em sua
obra Górgias, descreve esse novo homem de forma lúcida, diante do entendimento que
os sofistas tinham de sua própria profissão, ou seja, Platão tem como objetivo ressaltar a
natureza do trabalho que eles, os sofistas, faziam. Tomando-se por base o início da obra
Górgias, Sócrates, o personagem central, está a debater e a investigar sobre a finalidade
do trabalho dos sofistas: a retórica, no caso específico, da profissão do personagem
Górgias. Sem dúvida, esse era um dos maiores retóricos da época de Sócrates e Platão,
brilhantemente, coloca na boca desse personagem, o que ele pensa sobre o uso da
retórica. Afirma Górgias: “[…] a retórica não tem nada que ver com esses aspectos, pelo
contrário, toda a sua ação e eficácia se realizam através palavra. É por isso que eu digo
257
que a retórica é a arte dos discursos e estou convencido de que digo bem.” O sofista
sabe disso – por isso, a cada momento, procura sempre estar em espaço público, seja
nos ginásios, ou na casa dos aristocratas. Ele anda de cidade em cidade à procura de
estudantes, tarefa não muito fácil.
O sofista procura os lugares mais diferentes possíveis: está presente nos
momentos de lazer, nas práticas esportivas nos ginásios – procura sempre uma ocasião
para ser ouvido. Os pais das famílias da elite de Atenas pagam para esses a educação de
seus filhos, uma vez que é preciso formá-los para o exercício das tarefas da política, e os
sofistas sabem muito bem disso. Aristófanes revela o lado ganancioso dos sofistas a
partir de um diálogo entre os personagens: o pai, Estrepsíades e o filho, Fidípides: “Se a
gente lhes der algum dinheiro, eles ensinam a vencer com discursos nas causas justas e
258
injustas.” Portanto, ensinam a arte da retórica, do convencimento, realmente é
preciso falar bem e exercer bem as tarefas do dizer.
Ainda, sobre a postura histórica e iluminista dos sofistas, Reale Afirma:
257
N.T. In: PLATÃO. Górgias. p.28
258
ARISTÓFANES. op. cit. p.182.
259
REALE, Giovanni. op. cit. 1993. p.197.
99
O que sabemos dos sofistas é revelado por Platão. Eles trabalham para o
ensino – seu papel primeiro e indispensável na vida da pólis é formar a personalidade
dos jovens, meta cujo fundo é político. Eles procuram formar o espírito do cidadão para
a carreira do homem público. Da mesma forma, mais tarde, Platão não relegará esse
ideal, porém, ao adotá-lo, o faz numa nova perspectiva. Ao combater as normas e os
costumes do mundo aristocrático, os sofistas fazem uma revolução na paideia grega.
Iniciam um novo modo de encarar a vida; instituem uma maneira diferente de pensar os
costumes, as normas, os valores e as ideias da época. Segundo Werner Jaeger, pela
primeira vez eles convertem a paideia num problema consciente e situam a educação
no centro da vida do povo grego.
260
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.645.
261
PLATÃO. Mênon. 70 a.
262
DURANT, Will. op. cit. p.25.
100
Há, pelo contrário, outras artes que realizam todos os seus objetivos
pela palavra e não carecem praticamente de nenhuma ou quase
nenhuma ação. É o caso da aritimética, do cálculo, da geometria e
também do jogo do tabuleiro e de muitas outras artes em que o
discurso desempemha, por vezes, um papel superior, dado que toda a
atuação e eficácia se verificam nestas artes da palavra. 264
263
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.339.
264
PLATÃO. Górgias. 450 e
265
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.49.
101
267
PLATÃO. Protágoras. In: Diálogos. 320 c.
268
DURANT, Will.op. cit. p.25.
269
FERREIRA, José Ribeiro. op.cit. 2012. p.14
103
270
DURANT, Will. op. cit. p.26.
104
276
REALE. Giovanni. op. cit. 1993. p.144
106
que é belo que tentas adquirir, e realmente é „ouro por cobre‟ que
pensas trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passe
despercebido que nada sou. 277
277
PLATÃO. O Banquete In: Diálogos. 218 e.
278
PLUTARCO. Vidas paralelas. Alcebíades e Coriolando. Tradução do grego, introdução e notas de
Maria do Céu Fialho e Nuno Simão Rodrigues. Coimbra: Impressa da Universidade de Coimbra –
Coimbra University Press, 2010. p.14.
279
FOUCAUT. Michael. História da sexualidade II. O uso dos prazeres. Tradução de Maria Tereza da
Costa de Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. São Paulo: Edições Graal
Ltda, 1984. p.303.
107
Sócrates. A morte de Sócrates causa, dentro de pouco tempo, bastante perplexidade nos
cidadãos atenienses – de acordo com os dizeres de Diôgenes Laêrtios, eles, não somente
arrependem-se, mas, também, o nome Sócrates, é honrado. Sua morte acaba por elevá-
lo ainda mais.
E assim Sócrates deixou de estar entre os homens; passado pouco
tempo os atenienses arrependeram-se, fecharam as palestras e os
ginásios atléticos, baniram os outros acusadores e condenaram
Mêletos à morte; além disso, honraram Sócrates com uma estátua de
bronze, obra de Lísipos, erigida no recinto destinado a procissões. 280
280
LAÊRTIOS. Diôgenes. op. cit. p.58.
281
DURANT, Will. op. cit. p.28.
282
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. In: Os pensadores. I, 1.
108
283
a conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo.” O projeto de educação de
Platão ganha base exatamente aí: sua concepção educativa ou, mais precisamente, seu
projeto pedagógico nasce, como afirma Mario Alighiero Manacorda, “[...] como
produto e remédio da corrupção gerada pela própria pólis.” 284
A morte de Sócrates é uma questão política e, sobretudo, uma questão
educacional. Os concidadãos de Sócrates querem saber se a virtude deve ou não ser
ensinada aos jovens. Sabemos que nos diálogos socráticos esse filósofo tenta a todo o
momento resolver essa questão. Na obra Mênon, de Platão, Sócrates esclarece que, antes
de saber se uma coisa deve ou não ser ensinada, é preciso previamente saber o que essa
significa.
283
PLATÃO. Fédon. In: Diálogos. Epílogo -117
284
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.76.
285
PLATÃO. Mênon. op. cit. 71b.
109
mais sábios e melhores. Um dos problemas de sua vida iria ser achar o
meio de descobrir os mais sábios e melhores e ainda habilitá-los e
persuadi-los a governar. 286
286
DURANT, Will. op. cit. p.34.
287
N.T. In: PLATÃO. A República livro VII. p.18.
288
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noel. Prefácio Jean-Toussaint.
Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p.22.
110
289
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.64.
290
N.T. In: PLATÃO. Leis. op. cit. p.7.
111
291
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.764.
292
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. p.23
112
Onde está a justiça da pólis? Para Platão a cidade só poderá vir a ser
melhor se os melhores filósofos governarem a cidade. Atenas só poderá deixar de ser
uma cidade movida pela corrupção quando os seus dirigentes souberem filosofar
verdadeiramente, – do fundo da caverna, acorrentado e amarrado, o guardião da pólis é
convidado a se libertar das correntes e das cadeias e, num itinerário entre sombras e
penumbras, deve continuar ininterruptamente a caminhar em direção da luz. Platão
convida o seu pupilo a subir uma trilha pedregosa até o topo: a idéia do Bem. Após a
morte de Péricles em 429 a. C., a situação política de Atenas é insustentável. Tucídides
nos informa sobre o contexto histórico.
Poucos anos mais tarde, Platão está envolvido nessa empreitada política
de Atenas, e ele reconhece isso. No momento, seus parentes, até então representantes do
governo oligárquico, estão no poder, mas o infortúnio para Platão não foi pequeno, ele
se desentende com os seus. É nesse período que Sócrates morre condenado, por isso,
Platão, quando elabora o seu projeto educativo, quer intervir nos costumes e na tradição
da constituição de Atenas.
Platão desenvolve o seu projeto educativo tendo como finalidade formar
a natureza política do governante da pólis – o rei-filósofo ou o filósofo- rei. No vértice
do projeto ele apresenta três classes sociais: a dos produtores, ou mais especificamente,
a dos trabalhadores; a dos guardiões, e a dos governantes. Em primeiro lugar ele parte
da divisão social do trabalho: o processo formativo depende da classe social. No vértice
de sua sociedade, se concentra a primeira e mais importante classe da pólis, a dos
homens livres, ou seja, os proprietários de terra, donos da fortuna e donos do poder. É a
classe dos governantes, podemos assim dizer – uma pequena elite, poucas pessoas, os
mais afortunados. Essa classe não está aberta a todos os cidadãos livres, mas somente
aos escolhidos - os guardiões. Contudo, entre eles temos, ainda, que distinguir entre
aqueles que deverão mandar e aqueles que deverão obedecer. Tal situação é projetada
por Platão, e é ele quem fará,seguindo a tradição deixada por Homero, com lucidez, a
distinção entre o dizer e o fazer. Na antiga paideia homérica, as tarefas do poder e as
293
TUCÍDIDES. op. cit. p.111.
113
tarefas das armas não estão em oposição, “Mas em Homero os dois termos não estão em
oposição e não indicam as opostas tarefas de quem governa e de quem produz, e sim, os
294
dois momentos da ação de quem governa.” Portanto, em Platão, para a classe
governante, temos uma escola, cuja prática formativa consiste em instruir o cidadão
grego para exercer o poder, para a política, isto é, para o dizer, na verdade, para
governar. Essa escola visa formar o verdadeiro político, cuja finalidade primeira é
governar bem a cidade, para que não ocorra mais injustiça. Platão se preocupa com a
paz da pólis. A morte de Sócrates é uma questão instigante para Platão; seu mestre
morre sendo acusado de não educar os jovens da pólis. Platão sabe disso perfeitamente
bem – em seu livro Apologia de Sócrates, o filósofo narra toda a situação vivida por
Sócrates.
Abaixo da classe dos governantes, esta a dos guerreiros, o processo
pedagógico visa a moderação, a coragem e a destreza. Visa formar o guarda perfeito,
pois é dele quem dependerá a paz e a unidade da pólis, já que serão esses, na juventude,
guerreiros e, na velhice, governantes. Esses governantes ou dirigentes são aqueles que
mais tenham amado a cidade durante seu desempenho e currículo educativo. São
escolhidos os melhores no seu gênero e os mais bem dotados, informa-nos Platão, para
serem os dirigentes do Estado. No tempo de Platão e Aristóteles, diferentemente dos
nossos sentimentos em relação ao Estado, o povo grego está convencido de que esse é,
sem dúvida, um instrumento confiável. Sua ordenação não fere os princípios da vida do
indivíduo. Suas leis e normas garantem a vida plena do cidadão. Em outras palavras, o
Estado é a forma de vida de cada um deles, é o paradigma de todo o modelo de vida. As
ações públicas se voltam para o bem comum. Podemos dizer que o homem livre grego é
um cidadão, em tudo que essa palavra comporta e contém. O Estado é para o cidadão
grego, referencial de vida.
294
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.59.
114
jogar fora a máxima de que lhes cumpre fazer sempre o que visar ao
maior bem da cidade. 295
O governo da cidade deverá ser entregue àquele que tiver maior nitidez
sobre o Belo, sobre o Justo e sobre o Bem; deverá ser entregue àquele que tiver maior
esclarecimento sobre o bem da cidade, fora disso poderá ser facilmente corrompido e
destruído. O governante que administra com pusilanimidade, que é servil ao gerir os
recursos da cidade, não pode certamente governar com justiça e retidão.
Por último, em seu projeto educativo, encontra-se a terceira classe, a dos
produtores, basicamente formada por camponeses, artesãos e comerciantes. A essa lhe é
reservada apenas um ensino basicamente técnico; não é necessária educação especial.
Assim, a grande massa da população ficava sem nada, sem educação, sem instrução.
Movida por interesses dos dominantes, existe apenas a escola para a classe dos homens
livres, isto é, para os governantes, para os guerreiros e para os produtores, embora para
esses últimos configure-se inicialmente como apenas um treinamento. A grande maioria
295
PLATÃO. A República. 412 d.
296
ibid. 424 a.
115
dos indivíduos é excluída e oprimida, “[...] sem arte, nem parte, nenhuma escola e
nenhum treinamento, mas em modo e graus diferentes, a mesma aculturação que
descende do alto para as classes subalternas.” 297
Tendo em vistas todas essas contradições, o que Platão evidencia em seu
projeto educativo é a formação humana – é um modelo de paideia ancorado por uma
formação dignamente humana. Tem o objetivo de formar o homem omnilateral, capaz
de efetivar a essência mesma de um ideal. Mais que formar o homem para uma
determinada especificidade profissional, o modelo educativo platônico revela uma
formação sólida. Para Platão, o governo da cidade deve pertencer aos homens nobres,
educados, cultivados na justiça e na ética, cujo fundamento último é atingir a plenitude
da formação do homem.
Naquilo que nos diz respeito, é nossa intenção, pelo contrário, que as
investigações – especialmente aquelas orientadas por bons
legisladores – constituam sempre o escopo daquele caminho por nós
mesmo anteriormente encetado. Naquilo que ti concerne, certamente
constitui meu dever de louvar a tua tentativa para interpretar as leis:
começar pelo estudo da virtude, afirmando constituir ela no ponto de
partida para qualquer legislador – realmente seria este o procedimento
mais correto; todavia, ao teres pretendido serem as leis promulgadas
apenas a partir de um só elemento da virtude, considerei que já não
falavas de um modo tão correto acerca das leis. A razão por que
acrescentei toda essa digressão é precisamente essa. 299
297
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.58.
298
ibid. p.77.
299
PLATÃO. Leis. 631 a.
116
300
TUCÍDIDES. op. cit. p.385.
117
301
PLUTARCO. Alexandre o grande. Tradução Helio Veja. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p.22.
302
DURANT, Will. op. cit. p.82.
303
ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. I, 1, 1214 a5.
118
natureza humana. Durant Will afirma “O próprio Aristóteles parece ter sido membro da
304
grande confraria medica de Asclepiades.” Nascido em Estagira, capital da
Macedônia, ainda bastante jovem conhece Platão e passa a frequentar sua academia. Sua
vida como educador se resume em dois momentos centrais: o primeiro, como educador
e preceptor de Alexandre: “ARISTÓTELES educou Alexandre segundo a tradição helênica
heróica, baseando-se em Homero, mas dando grande lugar também às ciências, à ética e
à política.” 305 ; o segundo está relacionado à fundação do Liceu – sua escola. No início
de sua vida, Aristóteles tem grande respeito por Platão, seu mestre; porém, em 349 a.
C., abandona-o e funda sua própria escola, o Liceu, instituição que visa a formação
científica e filosófica dos jovens. Sobre a importância educativa dessa instituição quem
nos fala é Luzuriaga:
304
DURANT, Will. op. cit. p.69.
305
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. p.55.
306
ibid. p.56.
307
ARISTÓTELES. Política. III. 5, 1281a.
119
308
A civilidade é o ápice da reflexão aristotélica do ponto de vista da finalidade da
cidade.
308
WOLFF, Francis. Aristóteles e a Política. Tradução de Thereza Christina Ferreira Stummer e Lygia
Araujo Watanabe. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. (Clássicos e Comentadores) p.9.
309
MARROU Henri-Irénné. Educação e retórica. In: FINLEY, I Moses. (Org.) O legado da Grécia. uma
nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto. Brasília: Universidade de 1998. p.212.
310
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. p.56.
311
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 1102 a.
312
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 7, 1097 b.
120
Aristóteles definiu o homem como um animal político, da pólis, um ser da cidade, zoon-
politikon. Aquele pertencente à pólis. A vida em sociedade pressupõe essencialmente a
realização plena do homem e de sua felicidade. “Agora é evidente que o homem, muito
313
mais que a abelha ou outro animal gregário é um animal social.” Essa constituição
está na natureza do homem: viver em comunidade é uma necessidade natural. Assim, a
educação está diretamente vinculada às questões da política.
Contrariando seu mestre Platão, Aristóteles enfatiza a questão da escrita a
partir de um novo ponto de vista. Ele não nega a escrita. No entanto, entende que
qualquer educação que tenha finalidade prática é inútil e indigna para o cidadão da
pólis. Falando a esse respeito, Mario Manacorda afirma que “Aristóteles, em seu
realismo, não pode ignorar o fato. O que importa é que, no seu reexame, ele exclui, na
educação dos livres, toda disciplina que objetive o exercício profissional: o homem livre
314
deve visar a própria cultura.” O que está em jogo é a finalidade, e a finalidade da
educação, nesse sentido, visa a cultura, assim, a educação não pode ter uma finalidade
prática. E o trabalho de educador não pode pertencer à classe dos cidadãos livres e, sim,
à classe dos escravos, juntamente com os estrangeiros e prisioneiros de guerra – a esses
reserva-se o ofício e a arte de ensinar.
313
PLATÃO. A República. 1253 a.
314
MANACORDA, Mario Alighiero. 2010. op. cit. p.77.
315
MANACORDA, Mario Alighiero. 2010. op. cit. p.82.
316
LAÊRTIOS, Diôgenes op. cit. p.128.
121
Exatamente por causa desta sua característica de ser uma escola das
classes dominantes, ela tornou-se de interesse público e conseguiu o
apoio direto do poder político, que primeiramente faz concessões
particulares, em seguida provê os salários dos mestres e, enfim,
assume também a fundação das escolas. 317
Mas aqueles que ensinam, desde o seu início, não o fazem por gosto ou
por missão, e sim, para sobreviver – portanto, é coisa vil e indigna de um cidadão livre.
Ainda em Roma, Aníbal Ponce nos fala sobre essa situação. “O pagamento obtido pelos
mestres era naturalmente muito exíguo, a ponto de eles serem forçados a exercer outros
318
ofícios, como o de copista, por exemplo.” De acordo com esse mesmo autor, até
praticamente o final do Império Romano, o professor ainda não estava autorizado
legalmente a receber salários e, portanto, não reclamavam juridicamente contra as
famílias dos alunos. Com relação a essa situação, Aristóteles de certa forma contribuiu
para disseminá-la. Ele considera o que deve e o que não deve ser aprendido, bem como
faz distinção entre os tipos de conhecimentos que são úteis e indispensáveis no
ensinamento dos jovens, a saber: a gramática – escrita, até então desconsiderada por
Platão. Também inclui o desenho como um conhecimento útil. Aristóteles, assim como
Platão, exclui na educação dos jovens toda e qualquer disciplina que visa à vida
profissional. Os estudos do historiador Manacorda sempre relembra, o importante, para
Aristóteles, tanto quanto para Platão, é uma formação que vise à cultura, à educação, e
não à profissionalização, ou seja, o trabalho, o ofício. A instrução profissional é
considerada como uma instrução servil que, como afirma Manacorda, “[...] terá que
percorrer um caminho bastante longo para conquistar sua verdadeira dignidade.” 319
Numa outra perspectiva, podemos perceber claramente que Aristóteles
tem um cuidado especial com a educação no sentido cívico. Diríamos que ele abre as
portas para a reflexão sobre o ensino público. É na época de Aristóteles que a educação
deixa de estar à margem dos problemas públicos e passa a ser considerada como um dos
atributos essenciais do Estado. Portanto, ele assume a escola como um bem comum para
aquela civilização. Conforme Aristóteles, a pólis de seu tempo vive praticamente do
317
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.124.
318
PONCE, Aníbal. op. cit. p.68.
319
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. p.95.
122
ensino privado. Os homens ou, mais especificamente, os pais confiam o ensino de seus
filhos a uma educação privada. O próprio Aristóteles nos fala disso. No entanto, o
filósofo pensa diferente – ele elabora novas formulações teóricas e práticas sobre a
educação. Não mais vigorará somente o ensino privado: a educação, como parte
essencial da vida social, deve ser acima de tudo um bem público. A educação deve ser
um bem comum para a cidade. Até então, a educação não era prevista na constituição,
os pais livremente escolhiam para os seus filhos, o Estado não fornecia a educação.
Novamente, Aristófanes relata um traço dessa situação; o personagem Estrepsíades fala
ao seu filho da necessidade da mudança de comportamento e indica o caminho da
escola:
Fidípides __ Mas em que devo obedecer-lhe?
Estrepsíades __ Mude logo seus hábitos e vá aprender o que eu
aconselhar.
Fidípides __ Então fale, que ordena?
Estrepsíades __E você obedecerá um pouquinho?
Fidípides __ Sim por Dionísio.
Estrepsíades __ Olhe ali (aponta a casa de Sócrates).
Você está vendo aquela portinha e aquele casebre?
Fidípides __ Estou vendo. Papai, de fato o que é aquilo?
Estrepsíades __ De almas sábias é aquilo um pensatório. [...] 320
320
ARISTÓFANES. op. cit. 85-90
321
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
322
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.165.
123
Esse caráter público que a escola grega assumiu a partir do século V a.C.
se torna, portanto, uma obrigação oficial do Estado. Entretanto, esse caráter público se
torna uma realidade também em Roma, uma vez que, ao conquistar a Grécia, Roma
herdou e incorporou o mesmo modelo educativo, ou seja, incorporou o mesmo tipo de
escola. Sobre as escolas de caráter público, Anibal Ponce confirma:
323
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.123-124.
324
PONCE, Aníbal. op. cit. p.72.
325
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
326
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 57.
124
327
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.153.
328
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.591.
329
CAMBI, Franco. 1999. op. cit.. p.107.
125
330
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 352.
331
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. op. cit. 7 b.
332
N.T. In: ibid. p.9
126
modificado, estamos inicialmente reportando aos séculos (II e III a. C.) A desfalecida
pólis ateniense ao escapar do julgo dos macedônios, cai nas mãos do domínio romano.
Estando os gregos nas mãos de Alexandre, as poleis perdem totalmente sua autonomia.
A democracia ateniense nunca mais foi percebida e sentida como os gregos a
perceberam e sentiram. Embora subjugada sua cultura subjuga seus dominados – a
língua, a educação, as artes, a filosofia, o teatro: o jeito de ser dos povos da Hélade
passa a ser o jeito de ser também de seus opositores, a língua grega é universalizada e, é
nisso que consiste o helenismo. “Do polites se evoluía assim para o kosmopolites, do
333
caráter local da cidade-estado para o mundo globalizado da oikoumene.” Este é o
fato político principal que marcou e condicionou o desenvolvimento e a trajetória
histórica das filosofias dos nossos filósofos. No âmbito propriamente do discurso
educativo, podemos dizer que esse período foi caracterizado por uma reflexão sobre o
indivíduo.
333
LEÃO, Ferreira Delfim. op. cit. 2012. p.31
334
REALE. Giovanni. ANTISERI. História da filosofia. Antiguidade e Idade Média. I. São Paulo:
Edições Paulinas, 1990. (Coleção Filosofia.) p.229.
127
335
N.T. In: CARO, Tito Lucrécio. Epicuro antologia de textos. Os Pensadores. p.11.
336
ABBAGNANO. Nicola. História da filosofia. Volume II. 5ª ed. Tradução Antônio Borges Coêlho.
Lisboa: Editorial Presença. 1999. p.52.
128
racionalidade. Contudo, esse é o solo primeiro onde as raízes educativas das filosofias
de Platão e de Aristóteles vão germinar para mover posteriormente o mundo cristão.
A principal e a maior beneficiada deste legado, sem dúvida, foi Roma,
“[...] a primeira a aprender substancialmente com os gregos e a estabelecer, ao mesmo
tempo uma cultura independente, atuante não só na arte e na tecnologia, mas também na
337
literatura e no pensamento.” A força do império macedônico deve-se contudo, a
Felipe II, (382 – 336 a.C.), filho do rei Amintas III, (370 a. C), aquele que acolheu em
sua corte o médico Nicômacos, pai de Aristóteles. Felipe II, após ser assassinado na
Batalha de Queroneia (330 a. C.). Essa batalha na verdade, corresponde na prática, à
conquista da Grécia pela Macedônia e o fim da democracia grega. Felipe II não poderá
ver seu filho conquistar seus objetivos militares. Não indiferente aos planos de seu pai,
Alexandre (356 - 323 a. C.), com pouco mais de dezesseis anos, derrota o exército das
cidades de Atenas e Tebas. É por volta do século IV a. C., sobretudo com a formação e
desenvolvimento do Império de Alexandre, que a “[...] cultura helênica se universaliza e
converte em helenística [...]”. 338 Sobre isso, Marrou acrescenta:
337
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1998. p.465.
338
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p.42.
339
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.154.
129
340
CAMBI, Franco op. cit. 1999. p. 94.
341
FOUCAULT, Michael. História da sexualidade. III o cuidado de si. Tradução Maria Thereza
Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. 10ª impressão. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1985. p.88.
342
FOUCAULT, Michael. ibid. p.89.
130
centro de cultura. Não mais se verá aquela civilização unitária e móvel liderada pela
pólis Atenas, a partir de 404 a. C., não existirá mais hegemonia ateniense. Outros
centros de cultura aparecem no cenário: Rodes, Pergamos, sobretudo, Alexandria são
os novos centros da civilização ocidental. Com bem sabemos, Alexandria é fundada por
Alexandre Magno no Egito. Sem dúvida, com sua famosa biblioteca e museu, se torna o
verdadeiro centro de toda a cultura de literatura, de filosofia e de ciência. Como já
anunciamos anteriormente, a filosofias de Platão e de Aristóteles é retomada numa nova
perspectiva:
343
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p.94
131
problemas religiosos. Podemos dizer que a filosofia helenística não perde seu caráter
inquiridor, porém, fica restrito aos problemas morais.
O primeiro e mais importante movimento histórico desse período é
denominado estoicismo. Após o período peripatético, o principal movimento filosófico
do período romano que acentua o caráter religioso não é sem razão o estoicismo, pois,
esse, é a pedra angular que orienta, reconecta e hegemoniza o sentido da filosofia
helenística e portanto,
344
ABBAGNANO. Nicola. op. cit. 1999. p.53.
345
SÊNECA. Lucio Aneu. Consolação a minha mãe Hélvia. In: Os Pensadores. V-1.
346
CARO, Tito Lucrécio. Epicuro antologia de textos. In: Os Pensadores. p.19.
347
ibid. p.19.
132
conquistar seu estado de satisfação e ao mesmo tempo libertar das paixões. A frouxidão
do homem, o desejo mórbido e incontido não poderá conduzir o homem ao caminho da
felicidade. O epicurista enxerga a filosofia como uma atividade prática, o mérito da
filosofia, nesse sentido, é extremamente instrumental, sua finalidade é a felicidade
extenuida de toda dor, ou seja, é em suma, ausência absoluta de dor. Do ponto de vista
ético o movimento epicurista elege os prazeres como a centralidade das decisões. “Só o
cálculo cuidadoso dos prazeres pode conseguir que o homem se baste a si próprio e não
348
se converta em escravo das necessidades e da preocupação pelo amanhã.”
Distanciando do pensamento aristotélico, a filosofia epicurista ganha uma nova
finalidade e contudo, perde seu brilho e explendor, “[…] o de ela própria determinar o
fim do homem e de ser, já como a investigação, parte integrante deste fim.” 349
O ceticismo foi uma escola fundada por Pírron conforme já
mencionamos anteriormente, o nome ceticismo é derivado do termo sképsis, que
significa investigação ou procura. Do ponto de vista da ciência podemos dizer que o
ceticismo seria uma constante procura do conhecimento. A verdade filosófica seria
sempre buscar o conhecimento; podemos então dizer que, não consiste para o ceticismo
a busca da verdade, mas sempre estar procurando-a.
A última escola desse período é a escola eclética. Na verdade essa escola
nasce para fazer oposição ao ceticismo. Para essa escola, a busca da verdade não se
resume em uma resposta, mas em várias. O ecletismo representou inúmeras
possibilidades de reflexão em conformidade com as ideias predominantes do período. A
partir de então a filosofia grega entra em contato com as grandes religiões do oriente,
dentre outras estão o judaísmo e cristianismo. Num primeiro momento a tentativa de
conciliação entre filosofia e fé foi resolvida em grande parte pelo pensamento platônico.
A filosofia aristotélica no pensamento cristão desse período ainda era uma contribuição
muito modesta e secundária.
348
ABBAGNANO. Nicola. História da filosofia. Volume II. 5ª ed. Tradução Antônio Borges Coêlho.
Lisboa: Editorial Presença, 1999. p.31.
349
ibid. p.27.
133
350
ARMSTRONG. Arthur Hilary. Filosofia Grega e cristianismo. In: FINLEY. Moses. I. (Org.). O
legado da Grécia uma nova avaliação. Tradução. Yvette Vieira Pinto de Almeida. Brasília: Universidade
de Brasília, 1998. p.382.
351
ABBAGNANO. Nicola. op. cit. 1999. p.54.
352
ARMSTRONG. Arthur Hilary. op. cit. p.402.
353
ibid. p.402.
134
354
Clemente de Alexandria “[...] tornaram os fundadores da filosofia cristã.”
Finalmente, egípcio Plotino, que enfatizamos anteriormente, grande precursor da
filosofia neoplatonista. Finalmente, citamos também os nomes dos discípulos ilustres
dessa corrente, Porfírio (232 – 303) e Proclo (410 – 485), tendo o primeiro organizado a
introdução à lógica de Aristóteles e o segundo é autor da conhecida Teologia Platônica.
Sobre Porfírio e os escritos sobre o neoplatonismo podemos acrescentar:
354
JAEGER, Werner. op. cit. 1991. p.67.
355
ARMSTRONG. Arthur Hilary. op. cit. p. 404.
356
FINLEY. Moses. op. cit. I963. p.147.
357
FIALHO, Maria do Céu. Rituais de cidadania na Grécia antiga. In: LEÃO, Delfim Ferreira;
FERREIRA, José Ribeiro; FIALHO, Maria do Céu. Cidadania e Paideia na Grécia antiga. 2ª ed.
Coimbra: CECH/FL/UC, 2012. p.111-144. (Coleção Autores Gregos e Latinos Série Ensaios). p.116.
135
358
FIALHO, Maria do Céu. op.cit. 2012. p.116.
359
CAMBI, Franco. op. cit. 1999. p. 95.
360
FOUCAULT, Michael. op. cit. 1985. p.60.
136
suas tarefas mais simples.” 361 Os grandes proprietários de terras controlam e governam
a rumo da educação romana.
361
PONCE, Aníbal. op. cit. p.61.
362
id. p. 62.
363
id. p.62.
137
que tenham uma conduta de vida irrepresível, uma moral acima de qualquer censura e
364
que sejam os melhores em sua experiência” Referendado pela dimensão moral e
familiar, também, o processo pedagógicco romano forma o homem para o exercício da
excelência no falar e na excelência do fazer. O orador é o homem poderoso e forte, sabe
ele agir e raciocinar. Mais uma vez, Plutarco em sua obra moral destaca a especificidade
da educação de Roma. A atividade do agir – da força humana deverá ser guiada e
amparada pela inteligência.
364
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. 7 b
365
ibid. 8 d.
366
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.375.
367
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 42.
138
368
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit.. 2010. p.108.
369
PLUTARCO. Obras morais Da educação das crianças. 10 f.
370
JAEGER, Werner. 2001. op. cit. p. 13.
371
BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa educacional e educação básica. In: BITTAR, Marisa;
LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em fundamentos da educação. (Orgs) São Carlos: Pedro & João
Editores, 2007. p.22
139
372
JAEGER, Werner. 1991. op. cit. p.46.
373
BÍBLIA SAGRADA. 176ª ed. Atos dos Apóstolos. Tradução: Monges Beneditinos de Maredsous.
Tradução portuguesa da versão francesa dos originais em grego, hebraico e aramaico. Tradução. São
Paulo: Ave Maria. 2007. cap. 17, 16 a 23.
140
Precisariam explicar qual a relação entre Jesus e Deus. Que filiação ou autorização
divina lhe pertenceria? Essas são questões que precisavam ser colocadas junto ao
tribunal da razão. Como traduzir para o mundo inteiro essa mensagem por excelência
aramaica? Como traduzir e interpretar esse judeu descendente dos povos hebreus? O
restante da história parece que já conhecemos suficientemente bem.
Fílon, (30 a.C. – 40 c.C.) Clemente de Alexandria, (150 d. C – 215 d. C)
Orígenes, (185 – 253 d. C) Plotino, (203 d. C. – 270 d. C) são os principais
representante da filosofia helenística, conforme anunciamos no início da terceira parte
desse capítulo. São eles homens de sabedoria, de conhecimento e de inteligência
robusta; por excelência são exímios conhecedores da mensagem cristã, verdadeiros
sábios da época. São eles que traduziram e interpretaram o desenvolvimento histórico
da religião cristã. A filosofia fazia-se serva da teologia!
374
JAEGER, Werner. 1991. op. cit. p.46
375
ibid. p.23.
141
376
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.153-154.
377
ibid. 1990. p.158.
142
378
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.158.
379
ibid. 1990. p. 4.
143
380
NUNES Cesar Aparecido. op. cit.1999. p.61
381
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.43.
144
CAPÍTULO II
Ora, quem faz parte desse pequeno grupo e provou a doçura e a felicidade
de semelhante bem, ao perceber a insânia da maioria, e que não há, por
assim dizer, nada sadio nos que se dedicam à Política, por não ser possível
encontrar aliado para defender a justiça sem arriscar-se perecer, tal como o
indivíduo que se visse jogado no meio de feras e que nem se dispusesse a
colaborar em suas malfeitorias nem se sentisse capaz de, sozinho, opor-se a
toda aquela malta, pela certeza de vir a finar-se muito antes de poder vir à
cidade e aos amigos, sem proveito algum nem para si nem para os outros,
refletindo em tudo isso, abstém-se de qualquer atividade e passa a cuidar
apenas dos próprios interesses. É como o indivíduo surpreendido no inverno
por tempestade de saraiva ou de poeira que o vento redemoinha, e que
procura amparo certo ao pé de um muro: vendo os demais homens tão
atolados no crime, sente-se feliz por ao menos poder ao menos passar esta
vida limpo de injustiça e de ações ímpias e de despedir-se dela com uma bela
esperança tranquila e confiante.
Platão
2. 0 A metodologia do capítulo.
382
LAÊRTIS, Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução o Grego, Introdução e
Notas. Mario da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998. (Coleção Biblioteca UnB). p.85.
147
e Péricles, (495 – 429 a. C.). Assim, tanto por parte de seus pais paternos, como por
parte dos maternos, sua descendência remete aos políticos da pólis, e dos antigos reis de
Atenas. Platão parece ter conhecido Sócrates (469 a. C. – 399 a. C.) provavelmente no
interior de sua própria família, pois ele era amigo de seus parentes. Conforme esse
mesmo autor, Platão passou a ouvi-lo ainda bem jovem, mesmo porque a juventude da
elite da pólis sabia que, além de estudar filosofia, deveria também se preparar para a
383
carreira política, portanto, “[...] aos vinte anos tornou-se discípulo de Sócrates.” A
educação de Platão não poderia ser diferente dos demais jovens da pólis, certamente
deve ter aprendido a música, bem com a ginástica, a arte da retórica e, sobretudo, uma
formação política. Desde muito cedo sua vida está envolvida com as questões da
política de Atenas, mesmo porque sua mãe era prima de Crítias, (450 – 404 a. C.) um
dos principais representantes do governo oligárquico. Crítias participou intensamente da
vida política de Atenas, é quem organiza o Governo dos Trinta, – uma espécie de
liderança governada por trinta magistrados atenienses após a derrocada da democracia
grega.
Platão sabe que tais políticos não fazem outra coisa senão destruir os
caminhos da justiça. Nesse ínterim, a sua perspectiva política é estritamente ética. A
morte de Sócrates fez com que Platão frustrasse em relação à carreira política. O maior
desgosto de Platão é a morte de Sócrates, seu professor e mestre. Sócrates morrerá pelas
mãos dos democratas que estavam no poder de Atenas. A morte de Sócrates foi
fundamental para que Platão pensasse em uma nova atututde. Ele é o mais fiel aluno de
Sócrates e, talvez, o filósofo mais combatido em Atenas. Sócrates foi morto pela lei de
Atenas; em outras palavras, a norma, a legalidade e a constituição de sua cidade Atenas;
acabaram por assassinar seu professor e amigo. O que poderá ser a justiça para Platão?
O que será que Platão pensa das leis e das normas de sua cidade? Em que medida essa
constituição de Atenas é justa para Platão? O que é, na verdade, a justiça para Platão?
Ele segue sua carreira filosófica com profunda dor e remorso pela morte
de Sócrates. Ele não aceita o fato. Por isso, ao longo de sua trajetória existencial, segue
procurando homens justos e sábios, homens de bem que consigam governar justamente
sua cidade. Essa foi sua incumbência. “Suponhamos que nunca antes dele tenha a
filosofia assumido tanto brilho, nem depois dele. Mesmo traduzido, seu estilo é todo
383
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p.86.
148
384
centelha e efervescência.” Descrevendo a personalidade política desse filósofo,
expressa François Châtelet, que “[...] esse jovem de boa família, prometido ao mais belo
destino de um político, renunciou-se à carreira que poderia ter justamente por causa da
385
morte de Sócrates.” Nos diálogos filosóficos de Platão, a natureza política da
formação do rei - filósofo ou do filósofo – rei, é sem dúvida a sua maior intenção
educativa, ancorado a partir da ideia do Bem, ancorado essencialmente na constituição,
nas leis, o filósofo propugna um governo para uma pólis justa. Também em Leis, Platão
conserva seus objetivos formativos, de acordo com Finley, ele escreveu essa obra mais
ou menos perto dos oitenta anos, tais escritos condesam um projeto para pólis – para o
Estado. Podemos afirmar então, que ele projetou a justiça e o cuidado tal qual elaborou
em A República, mas agora, os objetivos formativos visam todos os cantos da pólis,
portanto, “[…] abarca a regulamentação de todos os pormenores possíveis na vida dos
cidadãos, estrangeiros – não os Dez mandamentos, mas dez mil com penas
386
cuidadosamente graduadas para cada tipo de infração.” Em suma, acima de qualquer
crítica, para além de qualquer oposição, Platão revela aqui, o cuidado com a cidade, o
zelo com o Estado, e, sobretudo, a disposição para fazer reinar a justiça, o direito na
vida de cada cidadão.
No mesmo ano da morte de Sócrates, Platão e outros alunos socratianos
decidem ir para a cidade de Megara, ficando “[...] como hóspedes de Euclides
(provavelmente para evitar possíveis perseguições que lhe poderiam sobrevir pelo fato
de ter feito parte do círculo socrático). Mas não deve ter estado muito tempo em
Megara.” 387 A partir de então, Platão faz inúmeras viagens: passa pela Itália, depois vai
até o Egito, entre outras regiões. Nessas viagens, conhece novas filosofias, entra em
contato com a filosofia de Heráclito (540 – 480 a. C.), conhece Crátilo, discípulo
imediato desse, logo, aprofunda com precisão os conhecimentos dessa escola. Entra em
contato também com a filosofia de Pitágoras (século V a C.), também acompanhou e
frequentou os seguidores desse filósofo. Sobre essas viagens, Henri Bergson nos
informa:
384
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.35.
385
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noel. Prefácio Jean-Toussaint.
Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1994. p.22.
386
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.115.
387
REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. II Platão e Aristóteles. Tradução Henrique Cláudio
de Lima Vaz, Marcelo Perine. São Paulo. Edições Loyola, 1994. (Série História da Filosofia). p 8.
149
A morte de seu mestre foi um golpe terrível para ele. Tentou em vão
defendê-lo e, após a condenação de Sócrates, deixou Atenas. Viajou
para a África, a magna Grécia, a Sicília. É na Sicília, sobretudo, que
parece ter aprofundado a filosofia pitagórica. È lá que teve aventuras
romanescas como poucos filósofos tiveram. 388
388
BERGSON, Henri. Curso sobre a filosofia grega. Tradução. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p.296.
389
DURANT, Will. op. cit. p.34.
390
BERGSON, Henri. op. cit. p.296.
391
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p.18.
392
N.T. ibid. p.19.
150
Sobre sua estada em Siracusa, Platão tinha uma profunda amizade com
Dion, genro do tirano Dionísio (430-367 a. C.), que governava Siracusa entre os anos de
403 a 367 a. C. Esta amizade rendeu a Platão novas expectativas e novas esperanças
para colocar seu projeto em prática. “Essa ligação com Dion, – talvez o mais forte laço
afetivo da vida de Platão – representa também o início de reiteradas tentativas para
394
interferir na vida política de Siracusa.” Após a morte de Dionísio, seu filho,
denominado também Dionísio, assumiu o governo em Siracusa. Nesse ínterim, Dion
queria realizar o projeto de Platão, associando o novo dirigente ao rei-filósofo, maso
fato é que Dionísio não se prestou a isso.
Coincidindo com a sua segunda viagem de volta da Sicília, Platão funda
a sua própria escola – a sua Academia. Não temos muitas notícias sobre a organização
dessa escola, mas com base em estudos sobre o tema, parece que ali não havia cursos
regulares. Ainda, os estudiosos que comentam Platão, em considerável parte, entendem
que a própria história da academia está vinculada pelo filósofo, existe uma especulação
sobre a existência desta escola. Após a morte de Platão, essa escola foi ganhando forma
e corpo, e permaneceu assim por durante muitos ao desenvolvimento do pensamento de
Platão, ou seja, de acordo com os temas pesquisados séculos, haja vista que não são
poucos os nomes que ficaram registrados na história e que sucederam o mestre. O
sucessor primeiro foi Espeusipo, (408 – 339 a. C.) seu sobrinho. O segundo é
Xenócrates (406 – 314 a. C.) que conduziu a escola provavelmente por mais de vinte e
cinco anos (339 – 314 a. C.). O próximo nome é de Polémon de Atenas, (314 – 270 a.
C.) Entre os nomes dos discípulos imediatos de Platão estão também: Heráclides do
Pontico (390 – 310 a. C.) , Exodos de Cnidos (390 – 338 a. C.) e, finalmente, Filipo de
393
CÍCERO, Marco Túlio. Da República. II, 30.
394
N.T. In: PLATÃO. Diálogos (Pensadores) p. XI.
151
Opunto (339 – 314 a. C.). Podemos, por assim dizer, que a academia de Platão era um
local reservado para o estudo. Bernard Piettre referindo-se a ela, explica:
395
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p.18.
396
N.T. ibid. p. XII.
152
397
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p.19.
398
PLATÃO. Carta VII. 326-5.
399
Tetralogia significa trabalho artístico produzido por obras diferentes, distintas. No mundo grego, a
palavra tetralogia estava ligada ao conjunto de quatro peças teatrais. O conjunto das obras de Platão
constitui o Corpus Platonicum, formado por (43 obras), das quais, (07 inautênticas). “Trásilos diz que
Platão publicou seus diálogos em formas de tetralogias, à semelhança dos poetas trágicos, que
participavam das competições dramáticas – as Dionísias, as Lênaias, as Panatenaias e o Festival dos
Quíftroi. A última das quatro peças era um drama satírico, e as quatro peças juntas chamavam-se uma
tetralogia.” In: LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p.98.
400
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p. 9.
153
estado. Sofro com meus cidadãos da mesma carência no que se refere a este assunto
[...]” 401 Sócrates e Mênon estavam querendo saber como um homem poderia tornar-se
virtuoso e, portanto, as ideias de conversão e regeneração estavam presentes de modo
subliminar nos diálogos dos personagens platônicos
Para Cesar Nunes, a filosofia platônica adquire esse modo de conversão,
“[...] de fuga e superação das coisas, sensíveis e perecíveis, dos erros e percalços do
mundo material, para uma contemplação absoluta, incontestável, fundante de toda a
402
ordem e verdade, critério de todo o saber e plenitude.” De acordo com Platão, se as
cidades não forem governadas pelos filósofos formados na justiça, na autenticidade,
sobretudo nos valores que elevam e enobrecem o ser humano, muito pouca coisa pode
mudar a realidade corrompida das poleis.
Sem dúvida, esse critério contribui bastante para que possamos entender
sua concepção educativa, mesmo porque Platão não é autor dos nossos tempos. Ele fala
para outro tipo de civilização mas, no entanto, suas palavras têm conotação
profundamente contemporânea. É como se ele estivesse aqui, seus diálogos não são de
forma alguma diálogos intemporais. As críticas que sempre recebeu e recebe não são,
senão outra coisa, uma tentativa de destronar seus diálogos. O viés político educativo é
inconfundível. Precisamos saber como ele escreve e como traduz sua forma de pensar.
Em outras palavras, saber como ele traduz sua forma de pensar para sua obra escrita. Ao
redigir, ele o faz a partir de diálogos e, ao mesmo o tempo que o faz, não transcreve
objetivamente, isto é, ele não escreve sua obra, seus escritos, nem traduz seu
pensamento como primeiro autor.
O modo como Platão escreve é caracterizado por perguntas e respostas
em torno de alguma questão. Assim, os personagens procuram resolver o problema a
partir de um diálogo, mais precisamente, a partir de uma disputa. O narrador da vida dos
filósofos, o biografo e também historiador, Diôgenes Laêrtios (200 – 250 a. C.) atesta
que Platão é o criador primeiro da dialética. De acordo com suas pesquisas não existe
nenhuma dúvida que realmente não seja de fato Platão, o verdadeiro criador dos
diálogos, é dele o pleno direito de reivindicação dessa herança literária. O estilo é
inconfundível, a clareza da exposição linguística é bela; o domínio e a criação faz de
401
PLATÃO. Mênon. 70 b.
402
NUNES Cesar Aparecido. As origens da articulação entre Filosofia e Educação: matrizes conceituais e
notas críticas sobre a paideia antiga. In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.). Pesquisa em Educação:
história, filosofia e temas transversais. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75
(Coleção HISTEDBR). p. 65.
154
Platão um artista e, ao mesmo tempo, poeta e filósofo. O diálogo nada mais é do que um
debate composto de perguntas e respostas. É um discurso tanto filosófico como político
e, o que caracteriza esse diálogo, são os personagens. São eles que dão a tonalidade e a
elucubração na conversa. Sobre o diálogo - a dialética, bem como sobre a natureza e
arranjo dos discursos de Platão, quem nos fala mais uma vez é Diôgenes Laêrtios:
403
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p. 96.
155
Do plano ideal passou-se para o plano real, por este motivo a cidade
de Platão descrita nas leis, já não será a cidade ideal, mas, antes, a
cidade do possível. […] a cidade será, por conseguinte, gerida em
conformidade com as leis promulgadas por aqueles que são detentores
da sabedoria, da virtude e da honestidade. 404
404
N.T. In: PLATÃO. Leis. p.9
156
Estamos no século V a. C., Platão deve ter mais ou menos cinquenta anos
quando elabora o seu programa de estudos que, no transcurso dos séculos, acaba por se
tornar uma das maiores teorias da educação. Não podemos entender a obra A República
como um projeto tal qual entedemos hoje, longe disso, afirma Finley, era “[…] um
conjunto de normas infáliveis, para as quais o homem bom devia tender e pelas quais se
406
deveriam testar as situações políticas e sociais existentes.” Seu plano é idealmente
político, isso significa dizer que é um plano ou uma estrátégia de cidade e para a cidade.
Como um arquiteto, projeta e estrutura a base do lócus urbano – a territorização desse
espaço é escopo da política, da educação e da lei; a primeira e a segunda são mantidas
essencialmente pela terceira – sem leis não existe a cidade de Platão. A educação que
ele projeta não se esgarça nem desloca para o mundo de um idealismo sem sentido, ao
contrário, ela é fundamentada para e na cidade. O território de Atenas é um território
essencialmente político.
A palavra política, na etimologia grega, deriva de pólis, ou cidade-
Estado. Posteriormente, no quarto capítulo voltaremos a refletir sobre o sentido
específico de política, por hora, cumpre-se apenas ressaltar, a política é uma arte, uma
técnica, - know-how, uma ciência, uma forma de como se portar na cidade. Seria
também uma forma de ali bem viver. Aristóteles no terceiro capítulo dessa tese, como
405
PLATÃO. O Político. 283 a.
406
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.114.
157
407
ARISTÓTELES. Política I, 1, 1253 a.
408
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. p.60.
409
PLATÃO. A República 357 a.
158
Platão deve ter tido um primeiro contato direto com a vida política em
404 - 403, quando a aristocracia tomou o poder e dois de seus
parentes, Cármides e Crítias, participaram como personagens de
destaque do governo oligárquico: mas deve ter sido, indubitavelmente,
uma experiência amarga e decepcionante, por contados métodos
facciosos e violentos que Platão viu serem postos em ação, justamente
por aqueles nos quais confiara. Mas o desgosto com os métodos da
política praticada em Atenas deve ter chegado ao cume em 339,
quando Sócrates foi condenado à morte. 410
Platão olha para a realidade da pólis com vista penetrante; ele conhece
sua Atenas, sua família; seus parentes descendem de pessoas advindas do meio político.
Sua realidade é uma realidade estritamente política, portanto ele conhece muito bem a
tirania daqueles que governam a pólis; seu desejo é restabelecer, pelos caminhos da
justiça, sua cidade. Na última fase da Guerra do Peloponeso, iniciada no ano de 404 a.
C., cuja consequência resulta na invasão e domínio de Esparta sobre Atenas, Platão
desentende-se com seus familiares políticos, que na verdade compunham o grupo dos
Trinta tiranos, “[...] – hoje diríamos: Ditadores – cujos excessos levariam à queda da
411
oligarquia e à subida, mais uma vez do partido democrático.” Podemos dizer que o
pavor oligárquico de Crítias e de Cármides, bem como a restauração da democracia e
sobretudo, o processo e condenação de Sócrates tenham levado a Platão a uma profunda
reflexão, além de uma contínua tristeza. De acordo com os estudos de Bernard Piettre,
filosofia e política são incompatíveis para Platão. Muitos acontecimentos fizeram o
filóloso de Atenas a desviar-se de primeiro projeto – o político. Expressa Bernard
Piettre: “[...] em primeiro lugar a amizade por Sócrates, [...] em segundo lugar o
410
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p. 7.
411
NUNES, Carlos Alberto. Marginalia platônica. Pará: Universidade Federal do Pará, 1973. (Coleção
Amazônica / Serie Farias Brito). p.17.
159
415
N.T. Vida e Obra de Platão. In: PLATÃO. Diálogos: (Os Pensadores). p. X.
416
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Tradução e notas de Mário da Gama Kury.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. p.111.
417
PLATÃO. Carta VII. 324 a -325 b
161
Por isso, Platão coloca a questão da justiça como eixo central, como a
origem e o fim de sua intencionalidade educativa. Ao projetar seu programa, mais
precisamente, sua filosofia da educação, ele a envolve, a condensa, a amarra, e prende
nos laços da justiça, da ética e da ordem. Nesse entrelaçar está a sua mais profunda
concepção educativa.
No primeiro capítulo da obra República é apresentada a cena do diálogo
entre Sócrates e Céfalo, dois velhos conhecidos, para não dizer amigos, há tempos não
se viam; assim, dão início a uma conversa simples, amiga e íntima. Esse diálogo
acontece na casa de Polemarco, filho de Céfalo, além dos personagens: Trasímaco, os
irmãos Glauco e Adimanto, Líside e Eutidemo, irmãos de Polemarco, Carmantides e
Clitofonte, todos interlocutores de Sócrates. Referindo-se ao seu antigo e conhecido
418
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p. 64.
162
amigo, Sócrates fez uma ponderação: “Pareceu-me bastante envelhecido, pois fazia
muito tempo que o não via. Ainda ostentava a coroa, [...] Por isso, sentamo-nos perto
dele, nas cadeiras que ali havia, dispostas em círculo.” 419 Sócrates parece se comprazer
em dialogar com pessoas de idade avançada; sempre trazia consigo a ideia de que tais
pessoas podem nos dizer sobre a trajetória da existência da vida humana. Inicialmente
os dois amigos, numa conversa intima sem grandes pretensões dialogam sobre a
experiência da velhice, a reflexão gira em torno das condições, consequências e
finalidade do envelhecer. “No teu modo de pensar, qual foi a maior vantagem que te
proporcionou tua fortuna?” 420 Essa é a pergunta que Sócrates faz a Céfalo. Consciente
de que sua resposta não agradaria aos demais interlocutores, replicou Céfalo: “A quem a
consciência nada acusa, esse tem sempre por companheira a doce Esperança, como
421
bondosa guardiã da velhice, no dizer de Píndaro.” Nesse ínterim, parece que Céfalo
estava tranquilo no diálogo; replicou-se como aquele que não deve nada a alguém,
confiante também estava por ter a convicção de ter estado do lado da verdade, ou seja,
parece que a verdade estava ao seu lado, e mais uma vez, relembra o poeta Píndaro. Seu
argumento traduz a satisfação dos justos, ou seja, de alguém que durante a trajetória
terrestre parece tê-la atravessado com tranquilidade.
Dessa conversa, Sócrates entende que ali nasce um primeiro conceito da
justiça: o de Céfalo – que consiste em dizer a verdade e restituir o que se deve, isto é,
em alguma medida, também ser justo. Da mesma forma, é justo aquele que diz a
verdade e não fica em débito com alguém. Tendo inicialmente feito essa prévia, o
diálogo toma nova direção, porém, o tema é o mesmo, a velhice.
Sócrates, em sua reflexão, procura relacionar o tema da velhice com a
questão da justiça. Tanto para Sócrates, como para Céfalo, a velhice só tem sentido
enquanto propósito e significado de vida. Os partícipes do diálogo não sabem como
definir concretamente a justiça; Sócrates indaga a todos se a justiça deve ser somente
uma questão de dizer a verdade e restituir os bens a quem se deve. Mais uma vez, outro
poeta é lembrado no debate. “Não, Sócrates! Está muito certo, interferiu Polemarco, se
422
tivermos de dar crédito a Simônides.” Para cumprir seus sacrifícios religiosos,
Céfalo, concordando com argumento de seu filho, retira-se do diálogo, deixando-o em
seu lugar. Mais que dizer a verdade, Polemarco entende que o conceito de justiça é uma
419
PLATÃO. A República. 328 c.
420
ibid. 330 d.
421
ibid. 331 a.
422
ibid. 331 d.
163
423
PLATÃO. A República. 332 a.
424
ibid. 336 e.
425
REALE. Giovanni. op. cit. 2009. p.33.
426
ibid. p.33.
427
PLATÃO. República 338 c.
164
428
são governadas por tiranos, ora pelo povo, ora por aristocratas?” Na concepção de
Trasímaco, cada governo deve gerir suas leis e normas, tendo em vista o próprio
benefício. Trasímaco tem razão de assim o afirmar, ele, assim como Sócrates, também
conhece o governo das poleis, de acordo com sua em visão política, os dirigentes da
pólis não têm feito outra coisa senão promulgar leis com vista à vantagem própria, por
isso, calculadamente, insiste que os governantes devem sim promulgar leis e normas
que visem o sucesso, a fama e os interesses de quem governa. Essa é a realidade que ali
se vê. “Atenas era um burburinho de ideias e um fervilhar de debates e proposições.” 429
Sobretudo a partir do século V a. C., os acontecimentos políticos, sociais e econômicos
de Atenas ganham nova dimensão. Na perspectiva educativa um novo horizonte começa
a surgir. Uma intensa agitação se esboça contra a educação antiga.
428
PLATÃO. A República. 338 d.
429
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p. 60.
430
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez, 1994. p.53.
431
ibid. p.53.
165
Sócrates, replicou, procedes como verdadeiro sicofanta.” 432, isto é, aquele que não diz a
verdade.
Desde já, é preciso afirmar que Platão coloca na boca de Sócrates
palavras irônicas contra o sofista Trasímaco; ele é visto como um homem altivo e sutil,
“[...] concentrando-se à maneira de um animal de rapina, saltou-se para cima de nós
433
como se fosse dilacerar-nos.” Nesse diálogo Platão deixa transparecer um Sócrates
inocente e, por seu turno, Trasímaco um sujeito arrogante e agressivo. Assim, os
escritos de Platão revelam o caráter, um perfil um tanto difamatório em relação à
paideia dos sofistas. Como bem sabemos, Platão pertence à classe dos aristocratas, os
sofistas são trabalhadores, em grande parte são estrangeiros advindos de vários lugares.
Sobre essa situação salienta Werner Jaeger.
432
PLATÃO. A República. 340 d.
433
ibid. 336 b.
434
JAEGER, Werner. Paideia. a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução Artur M Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001. p.371.
435
REALE, Giovanni. História da filosofia Antiga. I Das origens á Sócrates. Tradução Marcelo Perine.
São Paulo. Edições Loyola, 1993. (Série História da Filosofia). p.190.
166
Político, não é menos preconceituoso, nada mais, nada menos, o sofista é para ele
“[…]a trupe dos maiores impostores e mais bem experimentados indivíduos na arte
deles, [..].” 436
O caráter introdutório do livro primeiro da República tem como
centralidade e finalidade buscar soluções para resolver dois problemas fundamentais da
pólis. O primeiro é um problema histórico. Platão quer resolver questões da constituição
– das leis da cidade, portanto da história da pólis: quem deve governar e quais
finalidades se propõe tal governo; quais tipos de governantes podem e devem assumir a
administração do Estado; e de que maneira esses devem agir. Nesse aspecto, pergunta-
se pelas finalidades do fazer e do dizer no contexto político situado já ao final do século
V e início do século IV a. C. O segundo refere-se à questão dos valores; é um problema
ético e político da pólis, e que, portanto, está ligado ao comportamento dos cidadãos da
cidade. Logo, é uma questão de formação e educação, portanto, uma questão teórica. A
filosofia da educação em Platão está ligada a duas vertentes: uma histórica e outra
teórica.
O problema da definição do conceito de justiça até então deve ser
entendido não de forma acabada, e a conclusão mais acentuada a que se chega ao
término dos diálogos do primeiro livro é: a justiça de modo algum pode ser prejudicial,
isto é, aqueles que a praticam não devem ficar em desvantagens; está necessariamente
vinculada à questão das virtudes. Sócrates, ao final do primeiro livro, expressa: “Pois se
eu não souber o que é a justiça, de modo nenhum poderia saber se é ou não uma virtude
e se quem a possui é feliz ou desgraçado.” 437
Tendo feito a apologia do caráter da injustiça que, “[...] quando praticada
438
em alto grau, é mais forte e mais livre e dominadora do que a justiça, [...]”
Trasímaco, por seus recursos técnicos e eloquentes na habilidade de falar, é considerado
por Sócrates como alguém que tem habilidade para falar, discursar, capaz da arte da
retórica, portanto sabe navegar sobre a superficialidade do jorro das palavras. Sobre essa
habilidade de Trasímaco, acrescenta Sócrates,
436
PLATÃO. O Político. 291 c
437
PLATÃO. A República. 354 c.
438
ibid. 344 c.
167
439
PLATÃO. A República. 344 d.
440
ibid. 343 d.
168
dizer que o comportamento moral dos cidadãos gregos é objeto de debate cuja
finalidade é construir uma cidade justa habitada por cidadãos justos. A justiça está
ligada com a questão do cumprimento dos deveres, cada indivíduo deve zelar pelo seu
papel que lhe confiado nessa sociedade.
441
N.T. In: PLATÃO. A república livro VII. p. 91.
442
PLATÃO. A República. 429 a.
443
ibid. 358 e.
169
444
PLATÃO. A República. 359 b.
445
ibid. 369 d.
446
ibid. 360 d.
447
ibid. 365 a.
170
e injustiça, explica Adimanto, é uma espécie de discurso que circula nas praças e no
espaço público. “Todos esses discursos, meu caro Sócrates, continuou, em tantas
variações acerca da justiça e da maldade e da estima em que são tidas pelos homens e
pelos deuses, que impressão imaginamos possam deixar na alma dos jovens que os
448
escutam?” Diferentemente do discurso da injustiça, o caminho da justiça é um
caminho que exige e deve ser tratado com cautela e precisão. Adimanto, preocupado
com a educação dos jovens da pólis, assevera: “Refiro-me aos bem-dotados e capazes, por
assim dizer, de apanhar, do que ouvem, de passagem e como num vôo, a conclusão de como
devem percorrer para atravessarem a vida do melhor modo possível.” 449
Nesse trecho podemos perceber claramente que Platão, pela boca de
Adimanto, fala dos bem-dotados: é possível perceber a ideia de uma educação seleta e
amarrada ao caráter aristocrático do filósofo. De todas as maneiras possíveis, os irmãos
procuram incitar cada vez mais Sócrates, na esperança que este pudesse intervir em
algum momento no diálogo. Recorramos agora ao trecho de uma interpretação que
Platão dá ao personagem Adimanto que, num tom muito angustiado, expõe a
problemática do sistema formativo da pólis. Adimanto se encontra derrotado, sente-se
corrompido e traído pela sua própria formação e educação.
Meu admirável amigo, todos vós que vos apresentais como paladinos
da justiça, desde os heróis da antiguidade, cujos escritos nos foram
transmitidos até os homens de nossos dias, ninguém condenou até
hoje a injustiça, ou fez o elogio à justiça a não ser por causa da
reputação, das honrarias e dos benefícios dela decorrentes. Mas a
maneira por que atua a justiça ou a injustiça na alma em que se
encontrem, graças à virtude própria, sem que os deuses e os homens o
saibam, ninguém ainda, nem em verso nem em prosa, fez a
demonstração convincente de que uma é o maior mal que a alma possa
ter em si mesma, e a outra, a justiça, o maior bem. Se assim nos
tivésseis falado do começo e procurado desde a infância convencer-
nos de semelhante verdade, não teríamos precisão de nos vigiarmos
reciprocamente para não cometermos injustiça, pois cada um seria o
melhor guarda para si mesmo, por medo de, com a prática de alguma
maldade, agasalhar o maior mal. Tudo isso, Sócrates, e muito mais
ainda, certamente Trasímaco e outros poderiam dizer a respeito da
justiça e da injustiça, modificando, a meu parecer, por maneira
imprópria, a natureza de ambas. 450
448
PLATÃO. A República. 365 a.
449
ibid. 365 b.
450
ibid. 366 e.
171
anteriormente sua posição frente ao sistema educativo de sua época, reverencia a pedra
de toque, convida seu mestre para que este possa tomar uma posição. A justiça
entendida a partir da ideia do mais forte parece superar o conceito de justiça. A lei do
mais forte que propõe Trasímaco parece ser uma coisa corriqueira na vida prática dos
atenienses. Parece que a parte mais forte sempre supera a parte mais fraca. O próprio
Aristóteles poucos anos depois, em Política reconhece isso quando estuda a legislação
para Atenas. Ele alerta como princípio geral para toda e qualquer constituição: “[...] é
essencial que a parte desejosa da perenidade da constituição seja mais forte do que a
451
parte desejosa do contrário.” O que será que os atenienses pensavam a respeito da
massacrante vitoria que Tucídides narra no livro terceiro de sua obra História da
Guerra do Peloponeso, naquela ocasião mais de dez mil homens esmaga quinhentos
homens de Melos. A lei do mais forte parece sempre imperar. Por isso, Adimanto cada
vez mais, coloca Sócrates diante do espelho da justiça. Ele não admite o silêncio. Ele
tem necessidade de ouvir do mestre, o parecer sobre a justiça; será ela verdadeiramente
superior a injustiça? Ésta é uma dúvida não somente de Adimanto. Esta é uma questão
crucial. O que é a justiça? Adimanto apressa em dizer a Sócrates, que fique de lado a
reputação. É preciso despojar. Será que Sócrates não elogia a justiça nem censura a
injustiça? Será que Sócrates está de acordo com Trasímaco em considerar a justiça um
bem estranho? Será a saber, a vantagem do mais forte, vindo a ser a injustiça útil e
vantajosa para si mesma, conquanto nociva para o mais fraco? São dúvidas terríveis
para Adimanto. Não tendo mais necessidade de esconder nada de seu mestre, quer ver
Sócrates defender a tese oposta até agora anunciada, logo, expressa com veemência:
Uma vez que admitiste ser a justiça um dos maiores bens, cuja posse é
desejada tanto pelo que dela decorre como, e principalmente, por ela
mesma, como a vista, o ouvido, a razão, a saúde e os demais bens que
são operantes por sua própria natureza, não pela opinião que os
homens fazem deles, então elogia também na justiça o que nela é de
vantagem para o seu possuidor, e na injustiça, e na injustiça o que nela
prejudica; deixa ao cuidado de terceiros o elogia das recompensas e da
opinião. Na boca de outras pessoas, eu ainda poderia tolerar essa
maneira de elogiar ou de reprovar a injustiça em que são exaltados ou
condenados o prestígio ou as vantagens de uma e de outra. Porém de
ti, que dedicaste a vida exclusivamente ao estudo dessa questão,
espero coisa muito diferente, a menos que decidas o contrário. Não te
limites, portanto, a declarar que a justiça é superior à injustiça, mas
mostra-nos como cada uma atua por si mesma no seu possuidor e o
451
ARISTÓTELES. Política. IV. 10, 1296 b.
172
que faz de uma um bem e de outra um mal, quer seja vista ou não seja
pelos deuses e pelos homens.452
Uma vez que não somos suficientemente idôneos, lhes disse, para
levar avante uma investigação nessa base, proponho procedermos
como alguém a quem mandassem ler de longe letras pequeninas e
ocorresse a outra pessoa que havia algures letras iguais àquelas, porém
em caracteres maiores e numa superfície mais larga; seria resolução
452
PLATÃO. A República. 367 b.
453
ibid. 368 d.
173
454
PLATÃO. A República. 368 d
455
ibid. 368 d.
456
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
457
PLATÃO. República. 376 e.
174
458
PLATÃO. República. 369 b.
175
459
JAEGER, Werner. op.cit. 2001. p. 750.
460
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão Técnica da Tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010. p.76.
461
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.428.
462
PLATÃO. A República. 372 e.
176
preciso entender com maior amplitude a questão dos conceitos da justiça e da injustiça.
Ao dar os primeiros passos em direção ao seu projeto educativo, Platão o faz situando a
justiça em primeiro plano, ela é seu norte. Platão pensa na educação guerreira cuja
finalidade é preservar a pólis da corrupção. Reflete ele:
comandantes, e tudo o mais que se relaciona com essas atividades, não deverá ser
imitado.”465 A educação não tem a finalidade prática e portanto não visa
profissionalização. Estes poucos afortunados mais tarde devem exercer a tarefa mais
importante da pólis – a direção da cidade. Para a classe dos governantes existe uma
escola, essa escola deve formar o verdadeiro político cuja finalidade primeira é governar
bem a cidade. Para a classe dos guerreiros, o processo formativo visava cultivar a
coragem e moderação e, por fim, na classe dos produtores, por sua vez, a formação
consistia num ensino propriamente técnico.
Essa concepção educativa para os para os filhos dos cidadãos livres é
prevista em duas etapas, somente aqueles que conseguem passar da primeira fase – da
formação dos guardiões, conseguem alcançar a outra fase: a da formação política, pois,
pressupõe que esses afortunados venceram as maiores provas na ginástica, nas corridas,
nos torneios olímpicos. Essas duas etapas formativas, a do guarda e do político,
consistem em dois processos pedagógicos distintos, respectivamente: um, o fazer; outro,
o falar. A primeira parte do processo pedagógico preparava os jovens para atuar na
guerra; a segunda prática educativa se volta finalmente para orientar e capacitar o jovem
para exercer a política da pólis, portanto, na juventude, eles seriam guerreiros e na
velhice atuariam como governantes da cidade, porém essa prática era reservada somente
para a classe dominante, cujo ideal formativo era atingir a plenitude da formação da
pólis, o homem omnilateral. Apenas uns poucos afortunados atingiam esse grau.
“Formar o homem das classes dirigentes, eis o ideal da educação grega, [...].” 466
O projeto platônico traz em seu bojo uma intenção ética, a paideia que
Platão propõe tem a finalidade de salvar e regenerar a pólis. A finalidade é formar o
homem completo, o processo formativo visa instruir e educar o “[...] homem por inteiro:
467
corpo e alma, sensibilidade e razão, caráter e espírito.” Essa paideia insiste em
formar duplamente o individuo: que ele seja manso e dócil no espírito, ao mesmo tempo
ágil e rápido em seus movimentos. Em outras palavras, insiste numa formação
intelectual e física, uma formação omnilateral. Sócrates fala do perfil do guardião da
pólis:
465
PLATÃO. República. 396 b.
466
PONCE, Aníbal. op. cit. 1994. p.47.
467
MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 342
178
468
PLATÃO. A República. 376 c.
469
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.65.
470
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução de Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 766.
179
etapa educativa, para aqueles que suportaram bem os desafios e, por fim, alcançaram a
honra, a esses sim, devem prosseguir nos estudos. Essa dimensão nova do programa de
Platão tem uma única finalidade, formar o verdadeiro cidadão da pólis, o rei-filósofo, ou
o filósofo-rei. Uma questão paradoxal começa a ser refletida com maior radicalidade por
Sócrates e por seus interlocutores: a formação do homem completo. Sócrates alerta seu
interlocutor Glauco quanto ao processo dessa formação:
O que eu disse há pouco foi apenas que eles precisam receber uma
educação acertada, seja ela qual for, se tiverem de adquirir a maior
disposição possível de brandura, tanto com referência a eles mesmos
como aos que eles terão de proteger. [...] Inicialmente nenhum deverá
possuir nada, a não ser o estritamente necessário. Depois, ninguém
terá moradia própria nem celeiro, onde qualquer pessoa não possa
entrar quando quiser. [...] De todos os cidadãos de nossa comunidade,
serão eles os únicos a quem não é permitido lidar com ouro e prata, ou
sequer tocar neles, nem permanecer sob o mesmo teto, trazê-los como
enfeite nas vestes ou beber em vasos de ouro e prata. Desse modo, não
somente se conservarão salvos, como promoverão a salvação da
cidade. 472
471
PLATÃO. A República. 414 a.
472
ibid. 416 c-d-e. 417 a
180
moradias dos nossos guardas e tudo o mais que lhes diz respeito, o que passará ser
regulado por lei.” 473
Nessa altura dos diálogos, Adimanto faz uma indagação importante sobre
a vida dos guardiões. “De que maneira, Sócrates, perguntou, te justificarias, se alguém
474
observasse que teus homens não são muito felizes?” Adimanto faz essa pergunta
porque bem sabe que os guardas não terão nenhuma regalia por serem guardas, nada
podem possuir, vivem uma vida regrada e preservada em relação aos demais indivíduos,
ainda que eles sejam os donos da cidade. Sem dúvida, a formação dos guardas na
concepção educativa platônica consiste numa tarefa árdua e perigosa, longe dos prazeres
fáceis, do luxo, da ambição, da avareza, da ostentação. Responde Sócrates a Glauco:
473
PLATÃO. República. 417 b.
474
ibid. 419 a.
475
ibid. 420 a.
476
ibid. 420 b - c.
181
477
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.75.
478
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 864.
182
479
PLATÃO. A República. 421 b.
480
NUNES Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.65.
481
PLATÃO. A República. 427 e.
183
Para Sócrates, o melhor caminho a ser trilhado nada mais é do que voltar
ao princípio, tal como expressa: “Prossigamos, portanto, na mesma direção e vejamos se
é válido ou não aquele princípio referente ao nascimento e à educação das mulheres.”
483
Inicialmente, Sócrates faz alusão aos cães, às fêmeas desses que analogicamente
vigiam e caçam igualmente aos machos, não ficam em casa cuidando dos filhotes. Aqui
podemos dizer que Sócrates não faz uma argumentação propriamente dita sobre os cães,
apenas ele situa a ideia de que os cães são assim e que, portanto, homens e mulheres
também podem ser assim. Por essa analogia, Sócrates demonstra que nessa cidade as
482
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p.46.
483
PLATÃO. A República. 451 d.
184
mulheres devem ter a mesma participação dos homens, pois cada um deve se aplicar ao
que é de sua natureza para que haja justiça na cidade. Embora seja a mulher mais fraca,
não existe algo tão distinto de modo a fazer essa separação e assim, tanto para Sócrates
como para seus interlocutores, a educação deverá ser a mesma, nesse caso. É atribuída
para a mulher a mesma educação do homem, seja na música, seja na ginástica. Afirma
Sócrates: “Nesse caso, estas duas artes terão de serem ensinadas também às mulheres,
bem como a arte da guerra, que elas precisarão praticar do mesmo modo que os
homens.” 484
Essa reflexão sobre a educação das mulheres, sobretudo na arte militar,
onde essas deveriam despir-se em público para os exercícios físicos é uma questão da
cultura da época. Pareceria ridículo observar em público a mulher nua se exercitando
com os demais homens, talvez fosse bem interessante à vista dos homens mais idosos.
Na concepção de Sócrates as coisas mudam de tempo em tempo, isto é, cada época um
comportamento distinto e portanto, é necessário não se intimidar com considerações do
passado. A ideia de mulheres nuas em público está relacionada com os povos helênicos,
na visão de Sócrates. Da mesma forma que aconteceu na cultura dos helenos, os
costumes modificam-se com o passar dos tempos. No princípio, os povos helenos
consideravam o homem nu desonroso e ridículo e, posteriormente, descobriram que
desnudar-se era mais adequando que se cobrir para os exercícios. Portanto, Sócrates
mostra aos seus interlocutores que a questão não estava no risível, no ridículo, mas sim
em saber em quais e que condições a mulher deveria ser guerreira e atuar também como
filósofa.
A questão marcante da educação das mulheres para Platão era saber se
ela tinha condição de associar-se ao homem, isto é, seria possível o gênero feminino
adequar-se em todas as situações possíveis ao gênero masculino? Ou poderia haver
algum trabalho ou atividade de que o gênero feminino deveria ser poupado? O diálogo é
mais intenso e mais agudo do que pensavam os seus interlocutores. Sócrates, no
entanto, relaciona a investigação como uma situação sempre inusitada. Diz ele: “Mas
tanto no caso de cair alguém num pequeno tanque como no mar fundo, terá por força de
485
nadar.” Previamente, Sócrates considera que toda investigação deve ser bem
analisada, seja em qual ângulo o objeto se encontra. Ele entende que para indivíduos de
naturezas diferentes certamente deveriam ocupar-se das mesmas coisas, ou das mesmas
484
PLATÃO. República. 452 a.
485
ibid. 453 d.
185
funções, e realmente parece bem confortável essa proposição: naturezas diferentes não
devem ocupar-se com as mesmas coisas. Mas os homens e as mulheres devem fazer as
mesmas coisas? Sócrates parece colocar seus interlocutores numa armadilha. Nos
diálogos platônicos, ele procura sempre encaminhar as perguntas para uma nova
dimensão. No primeiro momento ele reconhece que indivíduo de natureza diferente
deve ocupar funções distintas; num segundo momento, entende que as contradições
fazem parte do debate da reflexão e do pensamento, e retoma sua interlocução da
seguinte forma como na transcrição abaixo:
Por conseguinte, continuei, estávamos livres de formular a pergunta se
os indivíduos calvos e os de cabeleira vasta têm a mesma natureza ou
se são de natureza contrária, e depois de havermos concordado que
são de natureza contrária, no caso de exercerem os calvos o oficio de
sapateiro, não deixar que os de cabeleira o exerçam, e vice versa.
Seria mais do que ridículo, respondeu.
E por que ridículo, perguntei, se não for pelo fato de não ter sido nossa
intenção estabelecer a diferença ou identidade das naturezas em
sentido absoluto e de só termos, então, em mente o conceito de
identidade ou diferença que relaciona com as ocupações? Essa razão
de havermos dito o médico e o indivíduo dotado de espírito de médico
tem a mesma natureza. Não pensas desse modo?
Perfeitamente.
O médico e o carpinteiro diferem entre si?
Muito.
V – Sendo assim, prossegui, se os sexos masculino e feminino
parecem diferir na aptidão para determinadas artes ou ocupações,
diremos que é preciso atribuir a cada um a que lhe convém. Mas, se
virmos que a diferença consiste apenas em gerar filhos o homem e em
dá-los à luz a mulher, não poderemos, de forma alguma, admitir como
demonstrado que a mulher difere do homem na questão com que nos
ocupamos. Pelo contrário: continuaremos a sustentar que tanto os
nossos guardas como nossas mulheres devem desempenhar funções
idênticas. 486
486
PLATÃO. República. 454 c - e.
186
para a guerra.” 487 Também na administração pública não existe algo que seja específico
e próprio das mulheres. Na medida em que a formação é a mesma entre o gênero
feminino e masculino, também as ocupações serão as mesmas. “No que entende com a
formação das mulheres para a função de guardas, não haverá necessidade de dar àquelas
488
educação diferente da dos homens, visto ser a mesma natureza que a recebe.”
Portanto, não poderá haver qualquer ocupação daqueles que administram uma cidade
que seja própria de uma mulher, porque ela é mulher, e da mesma forma, acontece como
o homem, por ele ser homem. As naturezas são igualmente distribuídas entre os dois
gêneros, ainda que a mulher seja mais fraca, a mulher participa de todas as ocupações, e
isto, conforme a natureza, e o homem também.
Não há nada melhor para uma cidade do que ser habitada pelos melhores
homens e mulheres e este fim será alcançado pelo mesmo sistema de educação. “E
poderá haver algo mais louvável numa cidade, do que ter homens e mulheres
excelentes?” 489 Portanto é preciso desde cedo superar os risos e gracejos contra a nudez
feminina, é preciso levar em conta as questões relativas. Conquanto da aparente
contradição existente no fato dessa igualdade atribuída aos dois sexos, não se pode
negar ou confundir que haja entre eles diferença, mas que, portanto, não se justifica.
Sócrates mostra aos seus interlocutores que as aptidões para as atividades dentro da
pólis não dependem do sexo, entretanto deve haver tanto homens quanto mulheres em
todas as funções, sendo que para isso são eles educados da mesma forma, ou seja, pela
música e pela ginástica.
Essas reflexões que fazem Sócrates e seus interlocutores sobre a
condição das mulheres não estão separadas da condição dos homens. As consequências
do debate que fazem Sócrates e seus interlocutores estão vinculadas à formação do
surgimento da noção de rei-filósofo. A reclamação de que o poder político esteja com
um guardião perfeito é conhecida, mas, no entanto é preciso esclarecer também sua
natureza filosófica. É preciso também saber como se deve proceder para bem educar o
indivíduo. Quando começa a educação e a formação do seu dirigente filósofo? Os
interlocutores do diálogo procuram e querem saber onde começa a formação do
indivíduo. Na concepção platônica, é preciso mesmo antes do nascimento do guardião
cuidar e interessar-se por esse processo, sobretudo tendo em vista a eugenia. O ciclo
487
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 815.
488
PLATÃO. República. 456 e.
489
ibid.456 e.
187
educativo do programa tem origem nas relações conjugais entre homens e mulheres da
pólis, a preocupação está em gerar filhos fortes.
A seleção é drástica, como podemos ler:
490
PLATÃO. A República. 459 e.
491
ibid. 460 c.
188
dois sexos, por serem comuns às funções públicas.”492, como verdadeira mãe e
protetora, a pólis vai assegurar a seletividade e a manutenção do processo instrutivo.
Compete ao Estado cuidar dessa educação durante toda a vida do educando. Ainda,
sobre o período infantil, no sétimo livro da República, Platão orienta a formação do
caráter, ressalta a não-violência, faz menção ao lúdico: “Por isso, meu caro, nunca
ensines nada às crianças por meios violentos, mas à guisa de brinquedos; como melhor
poderás observar as aptidões de cada um.” 493 Também Platão fala do zelo e do cuidado
que terão com os pupilos, ao levá-los como expectadores nas campanhas militares, ao
mesmo tempo que aprendem a lutar, aprendem a coragem e a virtude de ser guerreiro,
por isso Sócrates recorda a questão das batalhas e pergunta ao interlocutor Glauco se ele
lembra dessa questão:
492
PLATÃO. República. 460 b.
493
ibid. 537 a.
494
ibid. 537 a.
189
495
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 116.
496
NUNES, Cesar Aparecido. op. cit. 1999. p.62.
190
497
PLATÃO. A República. 479 d.
498
ibid. 480 a.
499
ibid. 485 b.
191
500
PLATÃO. A República. 486 d.
501
ibid. 486 b.
502
ibid. 500 b.
192
pensamento voltado para a não mesquinharia e a não mediocridade, mas sim para aquilo
que é ordenado, justo e divino. A contemplação do belo, do bom, do perfeito, e da Ideia
de Bem, das essências puras, de que fala Platão, não é senão a fuga das coisas imediatas,
do prático, do variável. O dirigente da cidade deve estar atento a isso, seu pupilo deve se
parecer com o imutável, portanto não se contentar com o mutável; deve parecer-se com
o bom, com o belo, com o divino, com aquele que não se modifica. Nos diálogos de
Platão, bem como para todos os demais gregos antigos, a contemplação ou a teoria tem
um significado diferente do que entendemos hoje. Platão, ao colocar na boca de
Sócrates sua inspiração política, está falando da realidade concreta da pólis e do
indivíduo. Portanto, Platão não está falando de uma realidade meramente especulativa
ou mesmo de generalidades intelectuais, muito menos de uma construção imaginária
que pouco tem a ver com os acontecimentos verdadeiros da pólis de seu tempo.
Salientamos mais uma vez, Platão sabe que seu professor é condenado pela justiça de
Atenas. Por isso, quando ele propõe o perfil de seu filósofo-dirigente, ele o faz a partir
da justiça, da beleza, da sabedoria. Assim, esse indivíduo deve ser apaixonado pelo
saber, deve manter uma relação de profunda amizade com o saber, para que esse possa
revelar-lhe algo a mais daquela essência que existe sempre, que não se desvirtua e nem
se modifica, nem com a geração nem com a destruição. A corrupção não poderá ser
cessada sem um governo que se proponha a dirigir a cidade com seriedade, serenidade,
sabedoria e justiça. Platão, no quinto livro da A República, expressa a sua mais intensa
preocupação em relação ao verdadeiro governo dos filósofos. Coloca mais uma vez na
boca de Sócrates quase toda sua inspiração educativa. Na medida em que fala ao seu
interlocutor Glauco, evidencia nas entrelinhas o sentido e a natureza de sua concepção
educativa. Aqui está o objetivo do projeto educativo de Platão: formar o rei-filósofo ou
o filósofo- rei.
503
PLATÃO. A República. 473 d.
504
ibid. 490 b.
505
ibid. 535 c.
194
isso, Adimanto, voltei a falar, podemos afirmar que com uma educação viciosa as almas
506
mais bem dotadas se tornam particularmente ruins.” Quanto ao caráter do rei-
filósofoou, mais precisamente, quanto ao modelo ideal de humano em sua
omnilateralidade que Platão pretende formar pelo seu programa de estudos, foi descrito
com sabedoria por Werner Jaeger:
Esse é o tipo humano que Platão idealiza como ideal para dirigir sua
cidade, desde cedo modelado e instruído nos caminhos da justiça. Platão, ainda, nos
diálogos sobre a natureza que o filósofo precisa ter, insiste cada vez mais na
necessidade de elevar as coisas humanas para o mundo do inteligível, do bem, da
justiça, por isso diz Sócrates aos seus interlocutores: “O que é imperfeito não serve para
medir coisa nenhuma, apesar de haver muita gente que se contenta com aproximações,
sem sentir a necessidade de levar a pesquisa adiante.” 508 De acordo com as reflexões de
Sócrates, um bom dirigente deve prezar cultivar todas as virtudes possíveis, mais que
isso, deve cultivar o conhecimento de algo bom e maior, portanto superior a tudo e a
todos, que na verdade nada mais é do que a ideia do bem. Escolhido entre os melhores,
o seu pupilo em nada deve ser inferior aos demais filósofos. Sua formação, seus
estudos, seu currículo deve direcioná-lo para o ápice da excelência, agindo em
consonância com o saber, com as virtudes, com a justiça, assim direcioná-lo para o
506
PLATÃO. A República. 492 e.
507
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 848.
508
PLATÃO. A República. 504 c.
195
verdadeiro Bem. Adimanto quer ouvir de Sócrates o que é o Bem, ou, o que é o
verdadeiro Bem. Sócrates responde:
509
PLATÃO. República. 505 a - b.
510
ibid. 509 a.
196
511
PLATÃO. A República. 508 b.
512
ibid. 509 b.
197
513
quando a dos olhos tende a perder sua força; tu, porém, estás ainda longe disso.”
Essas duas realidades investigadas por Platão estão relacionadas com a vista e com a
alma, logo se relacionam com o visível e com o invisível. Ver com a alma os valores: o
belo, o bom, o justo, enfim, aquilo que não pode ser visto – com os olhos – invisível.
Assim, por um lado, como a luz do sol, como o clarão do dia ilumina os
objetos para que possamos enxergar, por outro, ao contrário, sem a luz do sol, não
podemos enxergar. Assim acontece com a visão da alma. O invisível de que nos fala
Platão é o contrário do visível, esse proporcionado pelo sol, por sua vez, o invisível só
poderá ser percebido e proporcionado pela visão intelectual, assim, é o conhecimento
que auxilia a visão da alma, é o saber que o aclara, é a educação que direciona e orienta
a visão da alma, aqui está a verdadeira separação entre: ver com a vista e ver com a
alma, e portanto, é o que justifica e orienta o individuo separar a opinião do
conhecimento.
Aqui está o divisor de águas, entre a opinião – a doxa e as ciências. Na
filosofia de Platão o pensamento, a reflexão, a racionalidade orienta sempre mais as
ciências. A opinião está no mundo da efemeridade, do passageiro. Fazer essa distinção
não é uma tarefa simples de trilhar, ao contrário: “Se Sócrates foi o primeiro grande
educador da história, Platão foi o fundador da teoria da educação, da Pedagogia.” 515
513
PLATÃO. O Banquete. 219 a.
514
PLATÃO. República. 508 c.
515
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980.
198
educação. O mito ou alegoria da caverna que ele apresenta aos seus discípulos não é um
mito novo, não é uma coisa de outro mundo, ao contrário, essa alegoria em certo
sentido, já estava presente a partir de uma conotação religiosa e mística da época.
Inicialmente as respostas que os homens tinham sobre sua existência, sobre a origem do
universo, do cosmos, dos deuses, eram respostas constituídas por explicações míticas.
As respostas míticas são explicações que podem orientar a fantasia, embora não sejam
verdadeiras. Platão sabe disso perfeitamente. Do ponto de vista da alegoria da caverna,
expressa Bernard Piettre: “Trata-se de um tema que não é novo. Sem dúvida, na obra de
Platão, mas no pensamento grego, por detrás do qual há toda uma história que Platão
516
não desconhecia [...]. ” Nessa perspectiva, seu projeto é logo compreendido pelos
seus. O processo pedagógico de seu programa é revestido da cultura de seu povo. Platão
propõe uma formação única, específica para os seus guardiões. Além dos tradicionais
ramos de conhecimento: a música e ginástica, ele agora contempla outros: a geometria,
o cálculo, a astronomia, a dialética, portanto, a filosofia. Daí nasce uma cultura especial
para a formação do pupilo. Logo no início do livro sétimo de A República, Platão, por
meio de seu personagem, Sócrates convida seu interlocutor Glauco a imaginar esta
cena:
516
N.T. In: PLATÃO. A República livro VII. op. cit. p. 90.
199
Após ter narrado essa primeira parte da alegoria, Platão esclarece que é
necessário aplicar essa alegoria a tudo o que foi dito até então. Essa situação paralisada,
adormecida, enternecida, e carcerária dos indivíduos no interior da caverna
analogicamente é uma comparação à situação existencial dos indivíduos no mundo.
Essa situação existencial não pode ser resolvida sem drama. Até então, se
imaginássemos a cena descrita por Platão, saberíamos que aqueles prisioneiros só
podem enxergar sombras e penumbras, mesmo porque todos os indivíduos ali presentes
estão na escuridão. De acordo a alegoria de Platão, a imagem das estátuas é projetada na
parede da caverna tendo em vista o foco de luz que advém da parte superior da caverna.
Nessa mesma dinâmica, se um dos prisioneiros consegue dali sair, e assim, ver a luz do
sol, certamente aos retornar para o interior da mesma, onde seus companheiros
continuam ali, presos e amarrados, ele sem dúvida se deparará com uma realidade
diferente. Essa é a primeira ideia que Platão quer mostrar. Depois ele prossegue com
sua história:
517
PLATÃO. A República. 514 a.
200
519
PLATÃO. República. 518 c.
520
ibid. 516 b.
521
ibid. 516 b.
202
522
NUNES César Aparecido. op. cit. 1999. p.65.
523
PLATÃO. A República. 518 d.
203
524
se comprazem com a essência das coisas, não amigos da opinião.” , isto é, os
filósofos descartam de sua amizade as opiniões. São, entretanto, amantes do saber.
Sair do cárcere, das cadeias, das amarras significa e simboliza a
libertação. Mais uma vez reafirmamos: se a tarefa do rei-filósofo é governar as cidades
para o Bem, para a Beleza e para Bondade, então esse afortunado, enquanto governante
da pólis, deve priorizar e conhecer o mundo do Bem. Sua tarefa consiste sempre em
fugir da aparência, do efêmero, da irracionalidade, da mesquinharia, da mediocridade,
da insignificância, do banal e, assim, chegar ao mundo do inteligível, da inteligência e
do pensamento, daquilo que é ordenado, justo e ético. Expressa Platão o sentido da con
versão. “Evidentemente, não é a mesma coisa que virar uma valva de ostra; trata-se da
conversão da alma, de um dia, por assim dizer, noturno, para a subida ao dia legítimo do
ser.” 525 Isso é o que Platão entende como a verdadeira filosofia, isto é, converter a alma
para o conhecimento, para o Belo, para o Bom, portanto, para o Bem. Sobre isso, Werner
Jaeger acrescenta:
527
PLATÃO. A República. 536 d.
528
ibid. 539 e.
205
529
PLATÃO. A República. 540 a - c.
206
530
Sócrates, “De fato, nascem com o homem; [...]” , sim, os apetites e desejos fazem
parte e estão presentes em todos os indivíduos, de alguma forma esses desejos, esses
apetites, ora impõem-se sobre o indivíduo, ora, o indivíduo os comanda. Na visão de
Sócrates isso é uma coisa natural, é uma predisposição presente no interior de cada um:
os desejos, os apetites, as necessidades quando praticadas ao extremo vão dar origem à
tirania, por isso ele recorda o ponto inicial do debate, lembra ele, das palavras de
Glauco.
530
PLATÃO. A República. 571 b.
531
ibid.543 d.
532
PLATÃO. República. 545 a.
533
ibid. 544 e.
207
534
PLATÃO. A República. .544 e.
535
ibid. 544 e.
536
ibid. 563 e.
208
Essas as palavras de Platão ditas por Sócrates. Poucos anos mais tarde,
em Roma, o filósofo Cícero vai descrevê-las fazendo alusão também à tirania reinante
em sua época: enfatiza o filósofo romano, expressa, “[...] que, conforme escreve Platão,
538
se nos apresenta nos diálogos peripatéticos de Sócrates.” , a questão da liberdade,
quando mal orientada pelos dirigentes do povo, só pode trazer consequências
inadequadas, por vezes desastrosas, de acordo com o filósofo romano. As palavras de
Platão são fecundas e traduzem o sentido de uma cidade sem compromisso com a
justiça. Não é novidade dizer que a liberdade é característica primeira do governo
democrático e, na verdade, a liberdade é sem dúvida o que dá graça e beleza à vida e à
existência do indivíduo. Platão sabe perfeitamente disso, conhece seu tempo, conhece
seu povo, não se fala em outra coisa nesse período a não ser em liberdade. A liberdade é
a palavra do momento. Na sequência do diálogo platônico, Sócrates acrescenta sua
própria opinião sobre as formas de governos de seu tempo.
540
PLATÃO. A República. 573 c.
541
ibid. 571 d.
542
ibid. 595 a.
210
da sua verdadeira forma, ela não exerce sua finalidade como deveria, assim ele compara
a arte de imitar a partir de algumas profissões, fala ele do ofício do carpinteiro, do
pintor, dos artistas, cujo aprendizado consiste na imitação, mesmo por que, nesse tempo,
essas profissões eram aprendidas pela arte da imitação.
543
PLATÃO. A República. 600 a.
211
Realmente, disse; tudo isso merece, de fato, franca repulsa. [...] 544
544
PLATÃO. A República. 377 e.
545
JAEGER, Werner. op. cit. p. 869.
212
546
PLATÃO. A República. p.871.
547
ibid. 505 c.
213
CAPÍTULO III
3. 0 A metodologia do capítulo.
548
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
549
MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 154.
550
VERGNIÈRES, Solange. Ética e Política em Aristóteles. Physis, ethos, nomos. Tradução. Constança
Marcondes Cesar. São Paulo: Pauluas, 1998. (Ensaios Filosóficos). p. 6.
551
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. I. 1102 a.
215
3. 1 A vida e obras.
Assim como a de Platão, poucas coisas chegaram até nós com precisão.
Nossa investigação biográfica do filósofo em grande parte está fundamentada na obra
de Diôgenes Laêrtios, (200 a 250 a.C.) que chegou até nós – Vidas e doutrinas dos
filósofos ilustres do século (III a. C.). Assim como Homero foi reconhecido como
autoridade poética da Antiguidade, Aristóteles, “[...] foi esse tipo de autoridade na Idade
552
média, para a qual ele era <o filósofo>; [...].” Platão entendia a ideia como forma
primeira de investigação; Aristóteles via a substância – entendida como realidade,
como o primeiro objeto de pesquisa. „Depois dele, afirma Cesar Nunes, “[...] a filosofia
grega feneceu e perdeu seu esplendor. [...].” 553
A vida desse filósofo, coincide com a crise e o declínio de Atenas. Sobre
isso, comenta Finley, “Aristóteles e a pólis clássica morrem aproximadamente na
mesma altura.” 554 É considerado também um dos maiores pensadores do ocidente, visto
que sua reflexão, seus escritos e, sobretudo, seu pensamento, “[...] desafia até hoje a
compreensão dos estudiosos e teve uma imensa repercussão sobre o desenvolvimento de
toda a filosofia ocidental, que não cessa de voltar aos temas e questões propostas por
555
ele”. De acordo com Diôgenes Laértios, ele “[...] era o discípulo mais autêntico de
556
Platão, [...]” Conhecido e também denominado, Estagirita, por ser proveniente da
cidade de Estagira, atual Stava, situada aproximadamente umas duzentas milhas ao
norte da Grécia. Aristóteles nasce no ano de 384 a. C. De acordo com Mario da Gama
Cury, “A principal fonte para a biografia de Aristóteles é o livro V da Vida dos
Filósofos de Diôgenes Laértios, que viveu na primeira metade do século III d. C., mas
557
usou fontes muito mais antigas, hoje perdidas.” Sobre as circunstâncias do
nascimento de Aristóteles, Diôgenes Laértios relata:
552
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.101.
553
NUNES Cesar Aparecido. As origens da articulação entre Filosofia e Educação: matrizes conceituais e
notas críticas sobre a paideia antiga. In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.). Pesquisa em Educação:
história, filosofia e temas transversais. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75
(Coleção HISTEDBR). p. 66.
554
ibid. p.116.
555
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. Aristóteles. A plenitude como horizonte do ser. São Paulo:
Moderna, 1994. p. 20.
556
LAÊRTIS, Diôgenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução o Grego, Introdução e
Notas. Mario da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998. (Coleção Biblioteca UnB). p.129.
557
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.6.
216
558
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. p. 129.
559
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op. cit. p. 20.
560
ibid. p. 20.
561
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.69.
217
562
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op. cit. p. 20.
563
DURANT, Will. op. cit. p.70.
564
ibid. p.70.
565
LAÊRTIS, Diôgenes.op. cit. p.134.
566
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.6.
567
ibid. p.6.
218
568
seu pai o interesse pelas ciências naturais constante em sua obra.” Quando da morte
de seu mestre Platão, Aristóteles deixa a Academia e, de acordo com os estudiosos,
parece ter aborrecido com questões relacionadas à direção da escola e ainda, uma
desavença sobre quem seria o novo representante a pleitear o cargo na direção da
Academia o faz afastar-se. Explica Gama:
Na cidade de Assos ele permaneceu por volta de três anos. Aqui começa
uma fase significativa na vida do filósofo. Juntamente com os discípulos de Platão,
“Erasto e Corisco, originários da cidade de Esquepsi, que se tornaram conselheiros de
Hérmias, homem político, senhor de Arteneu e de Assos. 570, ainda, de acordo com esse
autor, Aristóteles teria permanecido na ilha de Lesbos por influência de Teofrasto (372
– a 387 a C.), seu amigo e mais tarde sucessor de sua escola. Dali Aristóteles vai para a
Macedônia. Nesse tempo, Felipe II (382 – 336 a. C.), rei da Macedônia tem quase todo
o território grego em suas mãos, “[...] foi o senhor efectivo da Grécia (excluindo os
571
Sicilianos e outros Gregos ocidentais).” Estamos lentamente adentrando no mundo
helenístico. No ano de 338 a. C., o exército de Felipe II entra em confronto com os
soldados dos exércitos formados pelos guerreiros de Atenas e de Tebas e põe fim na
democracia ateniense. Provávelmente, entre os anos 343 – 342 a. C. o rei convida
Aristóteles para instruir seu filho Alexandre (356 – 323 a. C.), o maior conquistador do
mundo antigo, educado pelo filósofo ele modifica os rumos da histórica grega.
568
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.5.
569
ibid. p.5.
570
REALE, Giovanni. História da filosofia Antiga. II Platão e Aristóteles. Tradução Henrique Cláudio
de Lima Vaz, Marcelo Perine. São Paulo. Edições Loyola, 1994. (Série História da Filosofia). p.316.
571
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. 75.
572
LAÊRTIS, Diôgenes. op.cit. p.130.
219
576
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op.cit. p. 23.
577
N.T. In: ARISTOTLES. Política. p.8.
578
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p.495.
221
579
ARISTÓTELES. Política. VI, 1141 a.
580
ibid. II, 1, 1261 a.
581
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1181 a.
222
582
OLIVEIRA. José Sílvio de Oliveira. Ética educação e escola. 131f. 19/03/2004. Dissertação de
Mestrado – Cultura e Processos Educacionais. Faculdade de Educação. Universidade Federal de Goiás.
Goiânia: FE/UFG. 2004. p. 49.
583
ARISTÓTELES. Política. X, 1180 a.
223
584
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1181 b.
585
ARISTÓTELES. Política. IV, 10, 1296 b.
586
ibid. V, 7, 1310 a.
587
ibid. VII. 3, 1325 b.
588
ibid. VII, 4. 1326 a.
224
589
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
590
ibid. I, 1, 1252 a.
591
ibid. I, 1, 1252 a.
592
PLATÃO. República. 369 b.
225
593
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1253 a.
594
ibid. I. 1, 1253 a.
595
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.47.
596
ARISTÓTELES. Política. cit. I, 1, 1253 a.
226
Razão grega da de hoje. Se o homo sapiens é a seus olhos um homo politicus, é que a
própria Razão, em sua essência, é política.” 597
As análises de Aristóteles sobre a cidade caminham no mesmo sentido
inicial. Aristóteles continua a decompor as partes do todo para explicar detalhadamente
cada uma das partes. Assim, ele coloca uma ordem cronológica do ponto de vista do
poder e do governo da pólis: O primeiro e único dono e senhor de tudo é o homem livre
daquela civilização, somente ele é soberano, proprietário de bens, de terras, de escravos,
de mulheres. O escravo e a mulher ocupam posições diferentes: “Entre os bárbaros,
598
porém, a mulher e o escravo ocupam a mesma posição; [...]” , a ela resta procriar,
cuidar da economia da casa, das coisas do marido, e a ele, obedecer. Quanto ao escravo,
nada lhe resta, senão trabalhar e obedecer, é simplesmente propriedade do senhor. A
partir dessa decomposição investigativa, acrescenta Aristóteles: “[...] é num ser vivo que
599
se pode discernir a natureza do comando do senhor e do estadista: [...] ” , sendo o
homem livre, senhor, proprietário de terras de escravos e de mulheres, só a ele caberá o
poder, e “[...] o abuso dessa autoridade é inconveniente para ambos os lados, pois o que
600
é conveniente para uma parte é também para o todo [...].” Para o filósofo, a vida
nasce da família e essa tem por naturalidade atingir sua finalidade que é senão fazer
com que os seus componentes vivam e se sintam felizes. A finalidade das ações dos
indivíduos não é contrária nem inversa da finalidade da cidade. Se a cidade visa o maior
de todos os bens, e tendo por finalidade o bem maior de todos os outros, então ela é
soberana. A associação de homens, mulheres e escravos constitui a família, essa por sua
vez quando reunidas, formam a comunidade. A comunidade é a cidade. Daqui, é
possível entender que a cidade é uma constituição natural e, portanto, é na cidade que o
homem vai efetivar e concretizar sua realização máxima. Esse pensamento sobre a
cidade que Aristóteles elabora se concretiza na vida prática dos indivíduos da pólis.
Nesse sentido, a cidade é soberana, porque ela é o todo, portanto só ela
pertence o poder, e o poder para um grego é a lei, logo a lei é soberana perante os
cidadãos dessa civilização. A lei não pode ser parcial, ela é imparcial e por isso garante
o bem comum, jamais pode ser parcial, isto é, priorizar interesses de uns poucos. A lei é
para Aristóteles, para Platão, ou para qualquer cidadão grego dessa civilização, a
597
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da
Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.103.
598
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1252 b.
599
ibid. I, 2, 1254 b.
600
ibid. I, 2, 1255 a.
227
expressa máxima que garante racionalmente o bem comum. O objetivo da cidade para
Aristóteles é viver bem, e assim “[...] a lei é uma garantia de justiça recíproca [...]” 601, e
tudo mais deve se ordenar para esse fim, portanto, “[...] uma cidade não é apenas uma
reunião de pessoas num mesmo lugar, com o propósito de evitar ofensas e de
intercâmbios de produtos.” 602
A partir daí, sem dúvida, a lei passa a ser impreterivelmente o
instrumento preciso para contribuir para a efetivação, determinação e configuração do
Estado. Dessa reflexão inicial três aspectos são essenciais na visão educativa de
Aristóteles: a primeira, a cidade é uma comunidade; a segunda, essa comunidade visa
atingir uma finalidade; e a terceira e última, a comunidade é soberana. Aqui, o filósofo
foge do individualismo e convida o cidadão a adaptar-se ao mundo comunitário, assim é
definida a comunidade política por ele. Voltando sua voz novamente para os sofistas,
afirma:
Para falar de um modo geral, eles não sabem sequer o que é a ciência
política, nem do que ela trata; se assim não fosse eles não a teriam
classificado idêntica à retórica, ou até inferior a ela, nem teriam
imaginado que legislar é fácil, bastando fazer uma coleção de leis
consideradas boas. 603
Por isso, o legislador de Atenas deve estar atento para essa questão,
portanto a ele confere esse encargo: aprovar em lei a escola de Estado – pública,
recomenda Aristóteles: “[...] a educação deve ser adequada a cada forma de governo,
porquanto o caráter específico de cada constituição a resguarda e mesmo lhe dá bases
610
firmes desde o princípio [...].” Aristóteles, na qualidade de pesquisador do
607
VERGNIÈRES, Solange. op.cit. p.6.
608
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1180 a.
609
MARROU, Henri-Irénée. op. cit.1990. p.166.
610
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
229
Uma das primeiras práticas educativas que deve ser reformulada é essa:
aquilo que é de todos, deve, portanto, ser aprendido também em comum, por isso a
escola de Estado. No entendimento de Aristóteles, há uma única finalidade para toda a
cidade, se a cidade fosse menor que o cidadão certamente não necessitaria de tal
propósito, mas agora, a cidade deve preceder o cidadão, portanto se a educação não for
a mesma para todos certamente a cidade não se realiza, da mesma forma, também seus
integrantes, por isso a necessidade da escola de Estado.
Para além dessas questões, o legislador desde o início deve estar atento
para a união entre homens e mulheres, isto é, ele deve legislar sobre as uniões
611
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
612
ibid. VIII, 1, 1337 a.
230
613
ARISTÓTELES. Política. VII, 14, 1335 a.
614
ibid. VII, 14, 1335 b.
615
ibid. I, 5, 1260 b.
616
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1180 a.
231
617
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 224.
618
ARISTÓTELES. Política. VII, 15. 1336 a.
619
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 164.
232
não eram educadores no sentido estrito [...].” 620 São técnicos, a saber: o primeiro e mais
importante: o professor de ginástica, - pedotriba, o treinador de meninos; depois desse,
em grau de importância, estaria o mestre de música, - o citarista, cabia a esse, instruir e
capacitar artisticamente o jovem. Finalmente o mestre do bê-á-bá, esse, “o menos ilustre
e mais característico, o grammatistés [...]” 621, o mestre do bê-á-bá, não tinha vida fácil,
explica Mario Manacorda que “Assim como na literatura egípcia e hebraica, também na
622
literatura grega existem testemunhos de mestres surrados por seus discípulos; [...] ”
A vida desses primeiros mestres da educação estava praticamente envolvida com o
descaso, com o desprezo e com a miséria. Quem nos conta essa realidade é Aníbal
Ponce:
A sorte dos artesãos era de fato terrível: o homem livre, mas pobre que
queria trabalhar honradamente, tinha que competir com o trabalho
escravo, muito mais barato do que o seu. A desvantagem dessa
situação o manietava com dívidas que não podiam redimir e, em
pouco tempo, passava da sua miserável „liberdade‟, a olhar
invejosamente para a situação, menos miserável talvez, dos
escravos.623
620
MARROU Henri-Irénné. Educação e retórica. In: FINLEY, I Moses. (Org.) O legado da Grécia. uma
nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto. Brasília: Universidade de 1998. p.212.
621
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão técnica da tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010. p.79.
622
ibid.p.80.
623
PONCE. Aníbal. Educação e luta de classes. 16ª ed. Tradução de José Severo de Camargo Pereira.
São Paulo: Cortez. 1994. p.68.
624
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1180 b.
233
profissão certamente deve essa, aprender bem os conhecimentos, acima de tudo deve ter
um conhecimento acertado. Sobre o sentido evolutivo dessa profissão na história,
escreve Henri Marrou:
625
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.345.
626
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.85
627
PLATÃO. Górgias. 520 d.
628
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 b.
629
ibid. VIII, 2, 1337 b.
234
Alexandre, portanto ensinar aos amigos e parentes é uma coisa digna, mas ensinar por
dinheiro é vulgar.
O ideal que dominava até então era o ideal que os senhores da terra
haviam concebido e imposto, ao passo que o novo ideal era dos
comerciantes e industriais, que até então tinham estado excluídos do
ginásio. Os sofistas se apropriaram sagazmente dele e lançaram no
mercado o seu trabalho intelectual.632
630
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 a.
631
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.84.
632
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 53.
235
633
PONCE, Aníbal. op. cit p. 51.
634
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p. 77.
635
ibid. p.45.
636
ARISTÓTELES. Política. III, 1280 b.
637
ibid. VIII, 1, 1337 b. - VIII, 2, 1338 a.
236
638
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
639
ibid. V1II, 2, 1338 a.
640
ibid. VIII, 2, 1338 a.
237
641
sofrimento, e sim pelo prazer.” Aristóteles sabe que as opiniões sobre o conceito de
felicidade são muitas, há divergências de opiniões, mas, em relação ao ócio, ele afirma,
“[...] cada um o concebe segundo sua própria natureza e seu próprio caráter, e o prazer
que o melhor dos homens considera ligado à felicidade é o melhor prazer e provém das
mais nobres fontes.” 642
Após ter sistematizado a primeira parte de sua concepção de educação do
ponto de vista da pólis, Aristóteles começa agora a rever os conteúdos educativos
existentes na sua época. Ele investiga a escola de seu tempo: analisa e interpreta os
conteúdos estudados pelos jovens da pólis. Ele procura rever quais são os ramos de
conhecimento que os jovens aprendem. A partir daí, põe em evidência e interpreta uma
nova prática educativa: a escrita – a gramática. Ao analisar os ramos do conhecimento,
ele coloca em primeiro plano a escrita, contrariando dessa forma seu mestre Platão.
641
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
642
ibid. VIII, 2, 1338 a.
643
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.39.
238
644
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. p.10.
645
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.77.
646
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. 2000. p. 43.
239
A questão da escrita não é uma questão nova para a pólis, desde o início
nos tempos de Homero ela estava presente, porém escondida no mundo dos segredos
dos escribas. A palavra é acima de tudo a rainha para os cidadãos da pólis. “Seria,
650
portanto uma distorção realçar a palavra escrita.” Saber usá-la é, contudo, dominar a
assembleia. Por isso, quem sabia pronunciar bem se saía bem, sobretudo, na política em
Atenas. “O uso da escrita, que havia desaparecido no século XI, com o colapso da
civilização micênica, foi restaurado com a adoção do alfabeto fonético grego de origem
647
VERNANT. Jean-Pierre. op. cit. p. 43.
648
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.81.
649
HERÓDOTO. História. Tradução do grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1988. p.274.
650
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.82.
240
651
fenícia no início do século XVIII.” No tempo de Sólon (640 a. C. - 558 a. C.), a
escrita passa a ser o centro das preocupações da pólis, foi, sem dúvida, um dos maiores
acontecimentos relacionados à democracia grega, de Atenas. Quando os gregos
redescobrem o sentido da escrita, ela não mais apresenta aquela especificidade do
escriba; ao contrário, acaba por representar a cultura comum da vida na pólis.
Em relação ao projeto educativo platônico, a escrita até então é um saber
desqualificado e ignorado. Contudo, para o helenista Finley, a não aceitação de Platão
tem um propósito. Escreve ele: “O próprio Platão, apesar de todas as suas dúvidas foi
652
um óptimo escritor [...]” , se Platão, nos dizeres de Finley era mesmo um ótimo
escritor como poderemos entender essa tal recusa? Platão, em Fedro, explica sua falta
de interesse pela escrita, ao mesmo tempo, propõe uma alegoria, a qual narra a história
do inventor da escrita. Essa alegoria contada por Platão tem personagens fictícios: Teute
e o rei Tamuz. Platão, mais uma vez, coloca na boca de Sócrates sua inspiração: no
diálogo com personagem Fedro, Sócrates explica o sentido e a natureza da escrita; essa,
contudo, não passa de um simulacro.
651
MARROU Henri-Irénné. op. cit. 1998. p.214.
652
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.82.
653
PLATÃO. Fedro - Cartas O Primeiro Alcibíades. In: Diálogos de Platão. 274 e.
241
Por cada pessoa que lia uma tragédia, havia dezenas de milhares que
as conheciam por representação ou audição. [...] Esta elevação da
oratória a uma alta forma literária é o resultado final da paixão grega
pela palavra falada, um aspecto da sua vida que sempre se deve ter em
conta, na consideração da sua literatura até o fim do período clássico.
654
654
FINLEY. Moses. I. op. cit. 1963. p.82.
655
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
242
656
Os estudiosos dos conteúdos pedagógicos de seu tempo estão em dúvida sobre o que
é realmente significativo para formar bem os jovens no campo moral, entre eles, “[...]
não se chegou a um acordo quanto ao que é útil às qualidade morais, pois para começar
657
nem todos os homens dão preferência à mesma qualidade moral, [...].” Para
Aristóteles, todos os estudiosos concordam e ao mesmo tempo discordam em relação à
melhor qualidade moral, portanto sustentam opiniões diversas.
Porém, aos filhos dos ricos nobres de Atenas, expressa o Estagirita, “[...]
deve se transmitir aos jovens, então, apenas os conhecimentos úteis que não tornam
658
vulgares as pessoas que os adquirirem.” Portanto, o ofício de ensinar, - a tarefa
pedagógica, não deve ser um conhecimento a ser repassado aos jovens filhos dos ricos.
Uma atividade, tanto quanto uma ciência ou arte, deve ser considerada
vulgar se seu conhecimento torna o corpo, a alma, o intelecto de um
homem livre inúteis para a posse a posse e a prática das qualidades
morais. Eis por que chamamos vulgares todas as artes que pioram as
condições naturais do corpo, e as atividades pela quais se recebem
salários; elas absorvem e degradam o espírito. 659
656
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
657
ibid. VIII, 2, 1337 b.
658
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
659
ibid. VIII, 2, 1337 b.
660
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 51.
243
661
o desenho; [...].” Alguns conhecimentos são úteis à vida, outros nem tanto, porém
um é essencial. De todos os conteúdos, – matérias, ele assume então a escrita, - a
gramática em primeira mão. Para Aristóteles, a gramática deve estar entre aqueles
conhecimentos que os jovens devem saber.
Essa é mais uma prática que deve ser reformulada na educação de
Atenas. Essa guinada na história da civilização humana é mais uma das grandes
contribuições educativas de Aristóteles. Sobre essa importância para a história da
educação da humanidade, Mario Manacorda, se referindo à ideia de aculturação,
expressa: “[...] às palavras da tradição (os épea) passa agora através das letras (os
662
grámmata)” , isto é, não mais somente a palavra, - o discurso tem a prioridade na
vida dos homens da pólis, mas, também, o discurso escrito, portanto, agora entra para o
rol das coisas que os jovens devem saber.
De acordo ainda com a sua concepção e prática educativa, em primeiro
lugar está a educação moral, ou seja, aquela educação derivada dos hábitos e dos
costumes. Tendo formado os jovens na prática moral, posteriormente, Aristóteles fala
da educação do intelecto:
Como é óbvio que a educação pelo hábito deve vir antes da educação
pela razão, e o exercício do corpo antes do exercício do espírito,
evidentemente, de conformidade com essas considerações as crianças
devem ser entregues aos cuidados do instrutor de ginástica e do
treinador de crianças, a um deles para aperfeiçoar os hábitos do corpo
e ao outro, para os exercícios. 663
661
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
662
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.71.
663
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
664
ibid. VIII, 3 1338 b.
244
[...] Nada que lembre nossa „leitura global‟, nem nosso cuidado no
sentido de interessar a criança fazendo-a construir pequenas sentenças.
[...] Seu plano de estudos é preparado em função de uma análise
apriori, puramente racional, do objeto a conhecer, e ignora
deliberadamente os problemas de ordem psicológica que suscita o
sujeito a saber, a criança. [...] Começa-se, pois, com o alfabeto: a
criança aprende pela ordem as vinte e quatro letras, não como
costumamos a fazer hoje dando o valor fonético (a, be, ce, de...) mas
dizendo os nomes (alfa, beta, gama,) e parece a princípio sem ver as
formas. 671
665
MARROU Henri-Irénné. op. cit. 1998. p.214.
666
MANACORDA, Mario Alighiero. 2010. p.68.
667
ibid. p.105.
668
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
669
ibid. VIII, 2, 1338 a.
670
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.236.
671
ibid. p.236.
245
672
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.74.
673
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 245.
674
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1337 b.
675
ibid. VIII, 4, 1339 a.
676
ibid. VIII, 3, 1338 b.
246
explicada pela superioridade dos excessivos e penosos exercícios, mas sim pelo preparo
indevido dos adversários. Do ponto de vista físico, desde cedo, as crianças devem ser
educadas a partir das características de um homem nobre. Para o Estagirita, a primazia
está, sobretudo com o sentimento da nobreza. Diferentemente dos animais e de qualquer
outra fera, a criança nunca deve ser tratada com brutalidade animalesca:
677
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1338 b.
678
ibid. VIII, 4, 1339 a.
679
ibid. VIII, 2, 1338 a.
247
680
ARISTÓTELES. Política. VIII, 3, 1339 b.
681
ibid. VIII, 7, 1342 a.
682
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.59.
248
683
ARISTÓTELES. Política. VIII, 5, 1340 a.
684
ibid. VIII, 5, 1340 a.
685
ibid. VIII, 5, 1340 a.
686
ibid. VIII, 5, 1340 b.
249
687
ARISTÓTELES. Política. VIII, 5, 1340 b.
688
ibid. VIII, 5, 1340 b.
689
ibid. VIII, 5, 1340 a.
690
ibid. VIII, 2 1338 a.
691
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 210.
692
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
250
693
atingir outros fins.” e acrescenta finalmente que o desenho pode ser “[...] útil no
694
sentido de tornarmo-nos melhores juízes das obras dos artistas [...].” Sobre as
considerações de Aristóteles em relação ao desenho, Henri-Irénée Marrou afirma:
693
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1338 a.
694
ibid. VIII, 2, 1338 a.
695
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 212.
251
necessitam para viver, a saber: os bens exteriores, os bens do corpo e os bens da alma.
Diôgenes Laêrtios expressa essa questão:
Por outro lado, Aristóteles sabe que existem divergências sobre o modo
de vida mais desejável na pólis. Ao que diz respeito sobre a “[...] quantificação e
697
superioridade relativas dos bens, [...]” , a ostentação, a mesquinharia, a ganância, o
luxo e a prepotência fazem parte da vida dos cidadãos de Atenas, e essas condições não
são diferentes do tempo contemporâneo. Alguns cidadãos da época de Aristóteles
imaginam ter muitas virtudes morais, “[...] sejam elas quais forem, é suficiente, mas a
riqueza, os bens materiais, poder, a glória e tudo mais do mesmo gênero elas buscam até
698
o infinito, querendo até o excesso.” Ao contrário disso, para Aristóteles a alma é
superior aos bens exteriores, o que ele propõe para a pólisé uma vida onde os cidadãos
livres possam garantir o direito de viver uma vida boa. Sobre os bens exteriores deve
sempre haver um limite para tal, o bem do indivíduo não deve ser superior ao bem da
cidade. O bem da cidade é também o bem do indivíduo. O mais importante para o
filósofo não é justamente a quantificação e a distribuição de bens de uma cidade. Sem
dúvida, o mais importante para ele são as qualidades presentes na alma. Afirma ele:
“[...]; logo, como nossa alma é mais valiosa, tanto absolutamente quanto em relação a
nós mesmos, do que nossos bens externos e nosso corpo, a melhor condição de cada um
desses últimos deve estar quanto à outra na mesma relação em que as próprias coisas
699
estão.” De acordo essa linha de reflexão, os bens que os homens desejam são
desejáveis em função da alma. Afirma ele: “Fique então acordado entre nós que a
696
LAÊRTIS, Diôgenes. op. cit. 1998. p.136.
697
ARISTÓTELES. Política. VII, 1, 1323 a.
698
ibid. VII, 1, 1323 a.
699
ibid. VII, 1, 1323 b.
252
felicidade de cada um deve ser proporcional às suas qualidades morais e ao seu bom
senso, à sua conduta moralmente boa e sensata [...].700
Mas as divergências são muitas, outras pessoas pensam e supõem “[...]
que o bem supremo consista em ser o senhor do mundo; pois assim a pessoa teria o
poder de realizar as mais numerosas e belas ações; [...].” 701 Quanto a sua proposta, ele
descreve no capítulo décimo segundo do livro sétimo em Política:
700
ARISTÓTELES. Política. VII, 1, 1323 b.
701
ibid. VII, 3, 1325 b.
702
ibid. 1332 a.
703
ibid. VII, 7, 1323 b.
704
JAEGER, Werner. op.cit. 2001. p.16.
253
705
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. I, 1097 a.
706
ibid. I, 1097 b.
707
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. X, 1178 b.
254
Portanto, a eudaimonía visa à vida toda do homem, à totalidade do bem viver, é essa a
finalidade da ética de Aristóteles. Assim, a cidade é o lugar da realização da felicidade.
“A cidade, enfim tem uma finalidade eminente, que é a vida plena e autárquica. Esta
finalidade, que se pode qualificar de ética, não aparece imediatamente; é descoberta na
708
prática da vida comum.” Viver bem e plenamente é conseqüência dessa finalidade.
Eis aqui o sentido da civilidade. O homem se realiza na cidade. “Portanto, é somente
709
por ela que o homem é plenamente: é na e pela cidade que o homem é homem.” A
cidade não é uma mera aglomeração de pessoas reunidas em um mesmo lugar “[...] com
propósito de evitar ofensas recíprocas e de intercambiar produtos.” 710
Nas controvérsias sobre a situação legislativa, judiciária e executiva da
pólis, o caminho mais curto para efetivar a criação da autonomia, para realizar a
excelente escolha e, enfim, para deliberar a justa medida é fundar as relações sociais na
amizade. Ligada aos conceitos de felicidade e civilidade, Aristóteles analisa também o
711
conceito de amizade – phylia , de acordo com as reflexões aristotélicas, a amizade
consiste numa espécie de intermediação primeira para a formação e construção de uma
pólis organizada, justa e solidária: sem amizade não pode haver felicidade e a vida não
vale a pena ser vivida. “Este princípio deve regular também as relações entre amigos
712
desiguais.” Segundo Aristóteles esta é uma virtude ou está estreitamente unida à
virtude. Diferindo do amor e da benevolência, a amizade não implica necessariamente
afeição, excitação, desejo ou prazer, mas se funda numa relação durável, permanente e
sólida, na reciprocidade das relações de solidariedade, de solicitude, de cuidado, de
respeito. A amizade é um bem estável, aproxima-se da benevolência e é mais amplo do
que o amor. Na vida pública deve-se zelar pela amizade como princípio primordial para
motivar a convivência, visando a efetivação da civilidade. Em Ética a Nicômacos o
filósofo explica o sentido da amizade:
713
ARISTÓTELES. Política. IX, 1172 a.
714
ibid. III, 5, 1281 b.
715
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. VIII, 1159 b.
716
ARISTÓTELES. Política. VI, 5, 1321 b.
256
717
ARISTÓTELES. Política. VI, 5, 1323 a.
718
ibid. V1, 8, 323 a.
719
ibid. VI, 5, 1322 b.
720
ibid. VI, 5, 1322 b.
721
ibid. VII, 7, 1329 a.
257
722
ARISTÓTELES. Política. VII, 8, 1329 a.
723
ibid. VII, 4, 1326 a.
724
ibid. VII, 4, 1326 a.
725
ibid. VII, 7, 1332 a.
726
ibid. VII, 7, 1332 a.
258
na verdade ele quer formar o verdadeiro cidadão. Pela natureza, pelo habito e pela
educação nasce o homem virtuoso de Aristóteles. O hábito adquirido pode ser mediado
pela educação. Desde cedo se aprende os bons costumes: a criança aprende junto ao
pedagogo as boas maneiras, ou seja, os costumes dos homens nobres, - a excelência
moral. Posteriormente, seguindo os estudos aprende a excelência intelectual. Do ponto
de vista da excelência moral pode-se dizer que o caráter não é algo dado e invariável,
mas adquirido, modificável e dinâmico, o processo educativo deve possibilitar ao
indivíduo adquirir uma série de qualidades morais, de virtudes. “Decorre
necessariamente do que foi dito que algumas coisas são pré-existentes e outras devem
731
ser supridas pelo legislador.” A direção do governo da pólis deve estar preocupada
com essa questão. Formar bem os jovens da pólis para que esses participem
adequadamente da vida na cidade.
731
ARISTÓTELES. Política. VII, 12, 1332 b.
732
ibid. VVII, 12, 1332 b.
733
ibid. VII, 12, 1332 a.
734
ibid. VII, 3, VII, 1325 b.
260
735
primeiro um governado e somente depois um governante, [...]” , portanto, em
primeiro lugar acontece a formação da excelência moral – a sophrosýne, do indivíduo.
O processo educativo deve ser único, para que todos os jovens aprendam a governar e a
deixar-se ser governado. Essa também é uma significativa lição educativa do filósofo.
Como tantas vezes afirmado, jovens: guerreiros, velhos: governantes.
De acordo com seu método de estudo, - a concepção do todo, Aristóteles
divide a vida em “[...] negócios e lazer, e em guerra e paz, [...] 736 e em relação às ações
humanas, “[...] alguma visam às coisas necessárias e úteis, enquanto outras visam às
737
coisas ótimas.” Aristóteles se preocupa essencialmente com a educação integral do
cidadão da pólis, - do indivíduo. Ao estudar a alma do homem ele também a divide em
duas partes: na racional e na irracional. Quanto a essa última, embora sendo irracional,
738
“[...], porém é capaz de obedecer à razão.” Para Aristóteles, estão nestas partes da
alma, as qualidades morais que fazem do indivíduo ser um homem bom. Na razão, ou
seja, a parte racional, pensante do homem está a dimensão prática e a dimensão teórica,
diz ele:
[...] ha uma razão prática e uma razão teórica, e portanto é obvio que a
parte racional da alma também deve ser subdividida assim. Dizemos
que uma classificação equivalente se aplica às suas atividades, ou seja,
as atividades da parte da alma naturalmente superior devem ser
preferíveis para as pessoas aptas a atingir todas as atividade da alma,
ou pelo menos as duas mencionadas, pois o mais desejável para cada
pessoa é sempre o mais alto que ela pode atingir. 739
Esse é o horizonte teórico que ele elabora para interpretar sua prática
educativa para a pólis. Portanto, é nesse campo que ele define em última análise sua
concepção de educação. Fica, portanto, nas mãos do estadista sua inspiração educativa:
formar o homem virtuoso. A felicidade da qual fala Aristóteles em Ética a Nicômacos
está entrelaçada na virtude. Mas a virtude não existe fora do homem. É dentro desse que
essa capacidade se potencializa e se realiza. A virtude é essa capacidade que faz de
qualquer homem buscar o seu melhor. É essa capacidade que qualquer humano possui.
735
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1333 a.
736
ibid. VII, 13, 1333 a.
737
Ibid. VII, 13, 1333 a.
738
ibid. VII, 13, 1333 a.
739
ibid. VII, 13, 1333 a.
261
740
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1333 a.
741
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.342.
742
ARISTÓTELES. Política. VI. 3, 1275 b.
743
ibid. III, 2, 1277 a.
262
homens nobres são cidadãos em sentido absoluto, esses, apenas em ato, não em
potência. Em absoluto, somente os homens nobres adultos.
As qualidades ou as virtudes de um cidadão bom não são diferentes das
qualidades do homem bom. Porém, “Não é portanto adequado ao homem bom, ao
homem apto para a cidadania, ou ao bom cidadão, aprender as tarefas daqueles que
744
estão sujeitos a esse tipo de autoridade,[...]” , nessa perspectiva, só é permitido
exercer essas atividades esporadicamente, sobretudo, quando as finalidades visam o uso
próprio de quem as pratica. Existem diferentes opiniões sobre isso, as qualidades ou os
valores de um homem bom e de um bom cidadão em algumas cidades são as mesmas,
em outras, diferentes, “[...] e também no primeiro caso não é qualquer cidadão que é um
homem essencialmente bom, mas somente o estadista que detém ou pode deter a
745
condução dos assuntos públicos, por si mesmo ou conjuntamente com os outros.” O
sistema educativo interpretado por Aristóteles deve formar apenas o homem das classes
dominantes, tendo,
744
ARISTÓTELES. Política. III, 2, 1277 b.
745
ibid. III, 3, 1278 b.
746
PONCE, Aníbal. op. cit. p.47.
747
ARISTÓTELES. Política. VII, 14, 1335 a.
263
748
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. V, 1137 a.
264
749
NUNES. César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e
notas críticas sobre a paideia antiga In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação:
história, filosofia e temas transversais. Campinas SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75
(Coleção HISTEDBR) p.72.
750
PONCE, Aníbal. op. cit. p.49.
751
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. I, 1094 a
265
752
ARISTÓTELES. Política. VI, 1140 b
753
ibid. V, 1130 a.
266
CAPÍTULO IV
4.1 A pólis
754
HEIDEGGER. Martin. Que é isto a filosofia? Identidade e Diferença. Tradução e Notas de Ernildo
Stein. 2ª ed. São Paulo: Livraria duas cidades Ltda, 1978. p. p.20.
755
PLATÃO. Carta VII. 337.5.
756
ARISTÓTELES. Política. VII, 12, 1332 a.
270
757
ARISTÓTELES Política. II, 4, 1266 b.
758
FERREIRA, José Ribeiro. Participação e poder na democracia grega. Coimbra: Gabinete de
Publicações do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 1990. (Coleção Estudos) p.65.
271
regime da escravatura e nem estamos a afirmar que os maus tratos não aconteciam na
vida cotidiana dos cidadãos livres na pólis, estamos apenas descrevendo a época
histórica em que os atenienses criaram e promulgaram suas leis. Contudo, com o passar
dos tempos, aperfeiçoaram e priorizaram o status e o locus de sua constituição.
A característica educativa principal dessa sociedade divide as classes
sociais no seu processo educativo, isto é, faz distinção entre os indivíduos; assim, o ato
de educar ou o processo formativo, é diferente para cada grupo social confirmando a
distinção entre as classes. Fazer distinção entre classes é uma condição natural dessa
época, essa educação estava voltada para os filhos dos nobres e não para os camponeses,
para os artesãos e comerciantes.
Sólon reconheceu essa realidade frágil que afeta a dimensão da vida
pública. Aristóteles percebeu isso e escreveu em Política. “Alguns legisladores antigos
[…]; há, por exemplo, a legislação de Sólon, e outras cidades têm uma lei que impede
759
os indivíduos de adquirirem toda a terra que desejem; [...].” A civilidade é movida
inteiramente pela amplitude e dimensão dos valores que dignificam o ser humano e sua
existência. Em Hérodoto, a ideia de liberdade é debatida; o historiador coloca na boca
do rei da Pérsia a própria questão da liberdade.
764
ARISTÓTELES. Política. V, 1310 a.
765
PSEUDO-XENOFONTE. A constituição dos atenienses. 1.2.
766
ibid. 1.2.
274
personagens […] aureolados de uma glória quase lendária e sempre celebrados pela
Grécia como seus primeiros, como seus verdadeiros sabios […] ” 767, mas é exatamente
na paragem do século V e VI a. C., que a filosofia abraça definitivamente a paideia, daí,
o processo educativo do cidadão e seu viés político. O próprio Pitágoras, como
investigaremos posteriormente, foi considerado um sábio, embora renegasse esta
distinção. Sem dúvida, nessa época a Grécia explora os caminhos que lhes são próprios,
na verdade, cria os fundamentos do pensamento político cidade – pólis. É nesse
labirinto histórico que, precisamente, circunscreve o ideal político e civil da pólis de
Platão e de Aristóteles.
Sem fugir aos propósitos da nossa investigação, aproximamos um pouco
mais das ideias originárias do universo da sophia, ressaltamos, aproximamos ainda mais
do universo dos sapientes – personagens estranhos e lendários – tradição dos sete
sábios. Os escritos que nos impulsionam para essa investigação é obra de Plutarco,
intitulada, Obras Morais O Banquete dos Sete Sábios. Tradução realizada pelo
investigador Delfim Ferreira Leão, da Universidade de Coimbra. De acordo com os
estudos do investigador português, a gênese mais estável deste grupo de sapientes, é
atribuida aos testemunhos literários de Heródoto. Entretanto, a primeira relação
completa da reunião dos sete sábios encontra-se em Protágoras de Platão. Com base
nos estudos de Delfim Ferreira, a causa ou o “[…] motivo que justificaria sua reunião
teria sido a vontade de consagrar a Apolo certas máximas, como primícias da sua
768
sabedoria.” Ainda, sem afastar dessa criação literária é preciso entender a própria
ideia de banquete – dos comensais na vida da cultura grega arcaica. O próprio Platão
intitula um de seus diálogos como O Banquete. Na tradução da obra o investigador
português caracteriza os rituais de partilhar a comida e a bebida na cultura grega. Este
ritual tem um significado especial nas reuniões dos antigos sábios, “[…] constitui uma
oportunidade excelente para vencer as barreiras e firmar os laços sociais, antes de mais,
769
mas também cariz político e religioso.” Não é menos importante nos festivais
religiosos que por sua vez assumiam um lugar de Estado, “[…] enquanto elucidativo
sinal de civismo, onde a reifeição em conjunto poderia ocupar um posto importante.” 770
Este ritual dos comensais também assume uma dimensão significativa na vida sexual
767
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da
Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.11.
768
N.T. In: PLUTARCO. Obras Morais. O Banquete dos sete sábios. p.20.
769
ibid. p.24.
770
ibid. p.24
275
dos cidadãos dos jovens iniciados. No primeiro capítulo investigamos esta situação: a
formação dos jovens depedem exclusivamente da naturalidade da atividade sexual,
também aqui, o banquete – os comensais – o “[…] symposion, podia cumprir também a
771
função de iniciar um jovem à vários níveis, entre eles a a atividade sexual.” Nesse
âmbito, não existe estranhamento em relação ao ensino e a sexualidade, acima de tudo,
perpassa a naturalidade. De acordo com Defim Ferreira, todas estas circunstâncias são
essenciais para a formação política de um cidadão, ao mesmo tempo em que reforça
772
“[…] os laços de amizade pessoal e ideológica, […]” pode traduzir o sentido de
civilidade e de lealdade entre os grupos ali reunidos. Enfim, os estudos de Delim
revelam que esses laços de amizade poderiam manifestar-se determinantes na altura de
solucionar problemas pessoais ou de perseguir uma carreira política. Bem como
sabemos, mais que a comida, a bebida, ou, o vinho, era o elemento simbólico nestas
reuniões. O sentido literal primitivo, para fazer jus a palavra, symposion, significava
beber em conjunto. E, portanto, as vezes, o vinho detinha maior poder que os convivas,
“[…]colocando em risco a harmonia do encontro.” 773 O mais importante nessas poucas
palavras sobre a tradição dos antigos sábios é o sentido ético que delas se desprende.
Vinculado fortemente ao potencial ético, a literatura de sentenças que move a tradição
774
dos sete sábios […] enquanto repositório de um legado civilizacional […] , deixou
para a história da educação da Grécia, antiga, seja nas obras de Homero ou de Hesíodo;
seja nos escritos de Platão ou de Aristóteles, esta ideia marcante da sophia, que abriga
do universo dos homens sábios.
Quando da derrocada do palácio, ou seja, da destronação dos antigos reis
gregos e dos mais diferentes privilégios, a pólis surge como um bem de todos. “No
local em que se elevava a cidade real – a residência privada, privilegiada –, ela edifica
775
templos que abre a um culto público.” Quando tecemos ideias sobre civilidade,
democracia, igualdade, política, autonomia, muitas vezes, parece ser Atenas, a mais
considerada, no entanto, não podemos desconsiderar ou esquecer que outras poleis,
como Megara, Samos, Mileto ou Quios, “[…] onde é provavel ter existido instituições
776
democráticas desde o início ou meados do século VI.” O reconhecimento mais
771
N.T. In: PLUTARCO. Obras Morais. O Banquete dos sete sábios. p.25
772
ibid. p.26
773
ibid. p.26
774
ibid.p.12.
775
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.51.
776
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.12.
276
777
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.54.
778
ibid. p.50.
779
ibid. p.65.
277
780
amizade política quer assentar na igualdade.” A questão da igualdade e da
participação concreta de todos no governo sempre foi uma questão intrincada. Ela nasce
em terreno grego e tem suas particularidades que precisam ser esclarecidas.
Sócrates entende que o povo – dêmos não é senão os mais pobres dentre
os cidadãos livres. E Sócrates, sabe muito bem disso. Os mais pobres são aqueles que
780
ARISTÓTELES. Ética a Eudemo. 1242 b30.
781
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.49.
782
ibid. p.12.
783
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.13.
784
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. In: Pensadores. IV, 1, 37
278
não têm o suficiente para sustentar sua existência. Podemos afirmar que o conflito entre
pobres e ricos sempre foi uma luta travada na história e na política da humanidade. A
democracia ateniense nasce dessa forma, na oposição entre o demos – povo e os
plousioi – ricos. E alcança proporções terríveis em termos de conflitos sociais. Ao
delatar os desvios das metas públicas, Aristóteles sabe também que o regime
democrático é, igualmente, da ordem dos mais necessitados, expressa ele: “[…] a
democracia é o governo no interesse dos pobres, e nenhuma destas formas governa para
785
o bem da comunidade.” Platão, aristocrata de nascimento, mesmo critica
786
veementemente a democracia, reconhece-a como governo para os pobres.
“Democracia é assim o „governo pelo dêmos‟, o povo.” 787A democracia grega tal como
era praticada na época de Platão e de Aristóteles era uma democracia direta e
plebiscitária e, ainda, é na Assembléia que era decidido os rumos da pólis.
785
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1279 b.
786
PLATÃO. A República. 557 a.
787
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.14.
788
FERREIRA, José Ribeiro. op. cit. 1990. p.45.
789
O termo aristos significa “[...] os melhores, no sentido social. Serve de superlativo a agathói [...]”. Os
aristos eram cidadãos livres que possuiam propriedade e outras posses, ele compunham a elite da pólis
grega. ibid. p. 100.
279
790
NUNES. César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: As origens da
articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga. In:
LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação: história, filosofia e temas transversais.
Campinas SP: Editora Autores Associados, 1999. p. 57- 75 (Coleção HISTEDBR) p.60.
791
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1281 a.
792
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Tradução e notas de Mário da Gama Kury.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. p.111.
280
Conselho dos Quinhentos, ela é “[…] a chave de toda a autoridade no Estado, o meio de
comando e de domínio sobre o outrem.” 793
Juntamente com o prestígio à palavra, os estudos do helenista Jean Pierre
Vernant indicam que outros dois traços que compunham o quadro do universo
espiritual da pólis, o desenvolvimento das práticas públicas – publicidade e finalmente a
igualdade. Entendemos portanto, que aqui, nasce o sentimento de pertença do indivíduo
para com a cidade ou, mais precisamente, do cidadão para com a pólis. O sentimento de
pertença de um cidadão livre para com a pólis é percebido exatamente pelo empenho
consciente que esse o faz, para estar ali, decididamente, amarrado às coisas da cidade.
Sabe ele muito bem, que a cidade é uma extensão de sua vida privada. Essa lhe
pertence, ele não é estrangeiro ali, o lócus público é essencialmente espaço educativo do
cidadão, “[…] a autoridade política é exercida sobre os homens livres e iguais.” 794
A civilidade é apreendida no âmago da cidade. Essa forma, estilo e jeito
de viver e ser são esperados, é, algo natural, a cidadania é ao mesmo tempo, um
privilégio e uma obrigação. A civilidade deve ser exercida em todos os momentos, seja
no tempo favorável, como no tempo inoportuno, seja em momentos de paz, como em
tempos de guerra. O discurso do político e general atenienese Nícias (470 a 413 a. C) foi
descrito por Tucídides, em A História da Guerra do Peloponeso. Tendo perdido todas
as suas naus em combate, os atenienses estavam desprotegidos por completo, o
momento era terrivel, a esperança tinha partido, a morte era a evidência mais exata.
A pólis são os homens, não são as coisas por ela produzidas! É isso que
Aristóteles recomenda ao legislador de Atenas como investigamos no terceiro capítulo.
De acordo com os estudos aristotélicos o legislador deve estar atento para formar –
educar, instruir as crianças e os jovens na coragem e na tenacidade, “[…] os povos
793
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.53.
794
ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1255 b.
795
TUCÍDIDES. op. cit. p.468.
281
796
incapazes de enfrentar corajosamente o perigo são escravos de seus atacantes.” Ao
fazer o seu discurso, Nícias, (470 – 413 a. C.) como político e general capacitado em
batalhas sabe perfeitamente que não existe outra coisa pela frente senão a morte.
Contudo, suas palavras eram palavras de exortação e conforto. O próprio Tucídides
reconhece em Nícias, “O homem que entre todos os helenos de meu tempo menos
merecia sofrer aquela desventura, pois todo o curso de sua vida foi inteiramente
orientado pelos ditames da virtude.” 797 Independetemente das guerras e das batalhas ou
dos próprios jogos olímpicos o espírito de luta, o desejo de vencer, o desejo de vitoria, o
espírito de exaltação, de concorrência e de rivalidade são traços essenciais apreendidos
durante o estágio educativo das crianças e dos jovens da Hélade. “O espírito de agón
798
que anima os gene nobiliarios se manifesta em todos os domínios.” Esse espírito de
combate em determinado momento funda o sentido da vida e da existência dos cidadãos
livres das poleis. “E a política toma, por sua vez, forma de agón: uma disputa oratória,
um combate de argumentos cujo teatro é a ágora, praça pública, um lugar de reunião
799
antes de ser um mercado.” Aqui, sem dúvida, é lugar de disputa originária de
igualdade, de justiça, de autonomia, de liberdade e de participação efetiva dos cidadãos
livres no governo da pólis. Esse conflito não é contemporâneo. Quem não luta, quem
não participa desse lócus, cada vez mais afasta do verdadeiro sentido da civilidade. A
política é a prática da pólis. A civilidade é aprendida no âmago da cidade. A cilividade é
backgrond de toda a política da pólis.
O que faz a pólis existir em civilidade são os homens de virtude. Platão e
Aristóteles estão completamente acordados quanto a isso, sem os valores que
fundamentam a vida pública, jamais poderá haver cidade tal qual pensaram esses dois
filósofos. A publicidade é criada e inventada na igualdade e na justiça. A vida da pólis é
criada e inventada nesses termos. Da palavra pólis deriva a palavra politéia, cuja
conotação emana o sentido da cidadania. Portanto, a politeia que dá a origem ao
cidadão, da origem o homem da pólis ou, mais precisamente, da politeia nasce o polites.
A vida particular do indivíduo grego não é contraditória à sua vida pública e nem está
em oposião à primeira; de acordo com Delfim Leão, isso é patente, a noção de polites e
a de idiotes (enquanto „cidadão privado‟) podem conviver bem, expresa ele, “[…] na
796
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1334 a.
797
TUCÍDIDES. op. cit. p.474.
798
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.49.
799
ibid. p.50.
282
própria cunhagem do termo mais usual para designar o estatuto do „cidadão‟ – o polites
–, precisamente pela estreita ligação que presupõe com o conceito de cidade-estado.” 800
Ainda, de acordo com os estudos do investigador da Universidade de Coimbra, este
exercício “[…] empenhado e consciente da cidadania exigia de cada polites, um
envolvimento direto nos interesses da cidade, desígnio que representava um privilégio
em relação à todos quantos se encontravam excluídos, em maior ou menor grau,[…]. 801
Com efeito, a cidade está para o cidadão, assim como o cidadão está para a cidade.
Platão e Aristóteles compreendem isso, a pólis é lócus seguro de ensino e de
aprendizagem, é a morada do cidadão, portanto, mestra e escola de política e de
civilidade.
800
LEÃO. Delfim Ferreira. A globalização do mundo antigo. Do polites aos kosmopolites. Coimbra:
Impressa da Universidade de Coimbra Coimbra University Press, 2010. p.85
801
ibid. p.85.
283
dirigentes políticos sábios com o objetivo de construir uma cidade justa e sadia. Ele
quer formar o dirigente político em sua completude. Relembrando, três classes são
consideradas, sendo elas: a dos trabalhadores, a dos guardiões e a dos governantes. Diz
Platão: “Sendo assim, a mistura dessas classes e o exercício simultâneo das respectivas
profissões ocasionam prejuízo vultoso para a cidade, o que é, com todo acerto pode ser
802
denominado crime.” A primeira classe, sem privilégios, a dos trabalhadores é
composta por artesãos, lavradores, pedreiros, sapateiros e produtores em geral, não
existindo uma escola especial para essa classe. Platão entende que grande parte das
profissões e outras ocupações usuais são fáceis de aprender, portanto basta um
treinamento; a segunda classe, dos guardas, composta por soldados – guardiões:
defensores da cidade; para essa camada social, resta aprender com desenvoltura e
habilidade a ginástica e a música. A poesia deve ser ensinada com determinação; e por
fim, a dos governantes, composta pelos proprietários de terras e pelos ricos
comerciantes de origem aristocrática. Para essa classe, sim, existe uma escola, cujo
processo pedagógico previa dois momentos formativos diferentes, a saber: o primeiro,
para exercer as tarefas da guerra; o segundo, para exercer as tarefas do político.
Somente uns poucos afortunados chegavam ao término de um duradouro e contínuo
processo de estudos referentes a esse último. Esse projeto tem a finalidade de formar e
instruir o verdadeiro dirigente da pólis, o rei-filósofo ou o filósofo-rei, cujo processo
pedagógico propõe a formação do homem omnilateral. Como consequência dos ideais e
engendramentos da sociedade de seu tempo, a educação não tem finalidade prática, ou
seja, não visa à profissionalização, e sim, à cultura.
Esse distinto projeto cuida da educação do futuro dirigente-filósofo, bem
antes do seu nascimento. Já nas relações afetivas e matrimoniais dos homens e das
mulheres daquela civilização, uma das particularidades do projeto prevê a preocupação
com a eugenia; a seletividade era drástica e hostil aos nossos olhos modernos. Durante
todo o processo formativo, desde a mais tenra idade, somente os melhores, sob a tutela
de uma escola do Estado, continuam no projeto; aos dezessete ou dezoito anos, esses
jovens interrompem “[...] os estudos propriamente intelectuais por dois ou três anos,
803
consagrados „ao serviço obrigatório da ginástica‟.” Ao término, esses bravos e
corajosos guerreiros continuam seus estudos. Esses vencedores das batalhas e das
802
PLATÃO. A República. 434 c.
803
MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antiguidade. 5ª Reimpressão. Tradução Mário
Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990. p. 125.
284
olimpíadas, provavelmente aos vinte anos, entram para uma preparação mais específica
e contínua, afirma Marrou:
804
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p. 126.
805
PLATÃO. A República. 375 a.
806
ibid. 475 e.
285
807
PLATÃO. A República. 500 c.
808
ARISTÓTELES. Política. II, 2, 1264 a.
809
PLATÃO. Leis. In: PLATÃO. Diálogos. 766 a.
810
ibid. 766 b.
811
NUNES, Carlos Alberto. Marginalia platônica. Pará: Universidade Federal do Pará, 1973. (Coleção
Amazônica / Serie Farias Brito). p.19.
286
Leis, escreve: “[...] aquela outra formação que essencialmente visa a riqueza ou a força
física, ou qualquer outra capacidade com estas relacionadas, encontra-se à completa
812
revelia de toda a cidade e de todo espírito de justiça […].” Ele não admite uma
formação que tenha tais características, ele atesta e expressa: “[…] nunca passará ela de
mera insignificância grosseira e servil, totalmente indigna de ser assim denominada pelo
813
nome de educação.” Consideremos aqui o seguinte, nesse tempo, o trabalho é uma
tarefa especial reservada aos escravos. A definição de educação platônica visa formar
homens plenos, com o objetivo de saberem superar suas próprias inadequações, e
limitações individuais. Platão chegou a afirmar no Górgias que os estadistas de seu
tempo não passavam de aduladores, “[…] Achas que os oradores falam sempre com
vista ao maior bem, na preocupação constante de melhorar os cidadãos com seus
discursos, ou que o seu empenho se cifra em agradar ao povo […]?” 814 Ainda de acordo
com Platão, eles postergam o interesse da comunidade ao seu interesse particular. O
processo formativo das escolas atenienes não está preocupado em formar os homens
melhores. O indivíduo formado pela natureza do ensino pedagógico platônico visa
sempre a perfeição. “Afirmo, então, que todo aquele indivíduo que tiver inspiração de
um dia poder ultrapassar-se ele próprio a si mesmo, em alguma coisa, deverá a tal
815
dedicar-se totalmente, […].” O pupilo formado nessa escola aprendeu o dominar a
ciência, o conhecimento, está sempre pronto para qualquer desafio, está preparado para
ser e exercer qualquer tarefa imposta “[…], além disso, não se verifica qualquer motivo
para se subestimar a educação: é ela, com efeito, aquele embrião gerador dos maiores
bens, aí se formando todos aqueles que justamente são os melhores homens.” 816
A reflexão sobre a política da pólis só acontece e desenvolve pela
educação, e essa, por sua vez, só se constitui enquanto na lei; ou seja, o Estado deve
garantir todo o processo formativo do cidadão. A formação e instrução verdadeiramente
humana deve se realizar na esfera do político. O âmbito do público, nesse sentido, é
lugar de todos! Lugar comum a todos. A praça, ágora, é o espaço público mais
importante. Assim, evidencia o lócus do urbano. A territorização do espaço público. É
nesse lugar que acontece as relações humanas: ali é lugar de trocas de experiências,
lugar dos poetas, dos artistas, dos pintores, dos escultores. Nesse território se projeta a
812
PLATÃO. Leis. Volume I. 644 a.
813
ibid. 644 a.
814
PLATÃO. Górgias. 502 e.
815
PLATÃO. Leis. Volume I. 644 a.
816
ibid. 644 b.
287
cultura, as letras, a arte, a ciência, o teatro, a religião, a pintura. Não existe espaço ou
lócus público sem a dimensão do cuidado com o outro. Para um grego, como bem
sabemos, esse cuidado é expresso nas normas, isto é, nas leis. O cuidado de si e o
cuidado com o outro é uma máxima no projeto educativo de Platão. Durant Will ao
estudar o problema político platônico em Platão salienta a improbalidade política em
Atenas: “Descobrir o meio de impedir a incompetência e a improbidade se instalem nos
cargos públicos, e de selecionar e preparar os melhores para governar em benefício da
comunidade – eis o problema da filosofia política.” 817
Bem sabemos, a lei para um grego é a vida da pólis, e a vida da pólis não
existe sem leis. E assim pensou Platão. A constituição é a salvaguarda da cidade. Se a
desonestidade perdura, se a corrupção vive, se o engano permance, se a impiedade
controla as ações dos indivíduos, se as opiniões prevalecem diante do saber, se o
conhecimento deixa-se guiar pelo mito, entre tantas outras inconseqüências,
dificilmente os indivíduos conseguem relacionar. Tanto Platão como Aristóteles sabem
perfeitamente disso. Sem leis não poderá haver justiça e nem cidade. Esse é o viés
político de Platão. No momento em que as relações Estado e política contemporânea se
esgarçam, se esvaziam em credibilidade e em sentido, o projeto educativo de Platão se
desdobra numa unidade lógica e clara entre o Estado e a formação do cidadão da pólis.
Existe lá uma relação intrínseca entre a política da cidade – pólis – e a paideia; uma
depende da outra. Sem educação não há política, sem política não há educação; uma
depende do sucesso e da realização da outra. Em A República, o tema envolvente central
e norteador dos diálogos é a justiça, questão que incendeia todas as páginas desse livro.
Sobre ela, Sócrates afirma ao seu interlocutor:
De fato, ao que parece, a justiça é desse jeito, porém, não com respeito
às ações exteriores do homem, mas às interiores, em verdade, que lhe
refletem o imo ser nos seus elementos constitutivos e o leva, como a
homem justo, a não permitir a nenhum deles fazer nada do que lhe for
estranho, nem interferir uns nos outros os diferentes princípios da
alma em suas respectivas atividades. 818
817
DURANT, Will. História da Filosofia. Vida e ideais dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo
Rangel e Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926. p.104.
818
PLATÃO. A República. 443 d.
288
819
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.114.
289
possíveis da vida dos cidadãos, estrangeiros e escravos – não os dez mandamentos, mas
820
dez mil, com penas graduadas para cada tipo de infração.” O sentido fundamental de
tudo isso não é a propriamente a obra em si, mas, a dedicação em pensar os
fundamentos de uma cidade boa e feliz.
Em Platão, o viés político pode ser encontrado, ora em Leis, ora em A
República, ora em O Político. Não podemos dizer que a perspectiva política platônica se
esgota em uma única obra. Na pólis de sua época Platão realçou esse viés, portanto,
expressou seu sentido e natureza. O processo formativo platônico tal qual foi concebido
caminhava isava conhecer o sentido da formação completa, isto é, para formar o homem
por inteiro. A formação platônica a partir de seu viés político tem como escopo, a
dimensão ampla do homem. Afirma Platão, o empenho e a “[…] total dedicação [...],”
821
garante a formação das crianças em sentido amplo. Entretanto, é preciso esclarecer e
com razão, é claro e Platão não pensou o desenvolvimento da criança em si, mesmo
porque, a civilização que engendrou sua política educativa, fomentava a formação do
homem adulto e não da criança propriamente dita. E é isso que ele projeta, quer fazer da
criança um homem adulto, capacitado nas atividades do fazer e do falar, mas,
sobretudo, nas do pensar. A finalidade máxima da formação prática da criança caminha
em direção à justiça visando o sumo Bem, por isso, afirma ele: “[…] por intermédio de
822
um treino prático, melhor há de orientar a alma da criança.” Mais que cuidar da
formação da criança, Platão quer criar homens que possam ao mesmo tempo,
salvaguardar Atenas e criar novas gerações Em sua obra O Político, a partir da ideia de
tecelagem – trama, o filósofo ateniense inventa um novo conceito para pensar a
educação das crianças de sua época. Explica o Estrangeiro para Sócrates o moço.
ele sabia que o chão de Atenas é um chão contaminado pelo sangue de um justo –
Sócrates. O final dessa história já refletimos ao longo dos capítulos antecedentes, Platão
abandona seu desejo de ser político. Em sua época, ele reconhece e afirma que seu
mestre é “[…] um dos poucos Atenienses, para não dizer o único, que cultivam a
824
verdadeira arte política e a põem em prática nos dias de hoje.” , os demais cidadãos
da pólis, estão longe de conhecer a arte do político. São enfáticas as palavras platônicas:
Sócrates não é o melhor político, ou o verdadeiro. Em outros termos, Sócrates é um dos
poucos cidadãos que compreende perfeitamente a natureza da arte política, ao mesmo
tempo, concretamente, suas ações, ou seja, o fazer e o dizer são percebidos na cidade.
Sócrates não é bem visto pelos políticos da época. A maioria dos homens de Atenas
busca fazer carreira política, querem eles o poder para obter vantagens próprias.
824
PLATÃO. Górgias. 521 d.
825
PLATÃO. O Político. 279 a.
826
ibid. 289 e.
291
827
PLATÃO. Górgias. 519 a.
828
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.113.
292
com exatidão e com detalhes cada uma delas. Em sua obra República, ele já tinha dado
as referências das muitas artes manuais de seu tempo, porém, agora, em O Político, ele
evidencia uma arte em especial, a da tecelagem. Dado a complexidade e organicidade,
ele a escolhe como referência fundamental para pensar sua perspectiva política. No
diálogo entre o Estrangeiro e Sócrates – o moço, Platão, em O Político, concentra sua
atenção na arte da tecelagem como primeiro e mais importante paradigma para propror
sua ciência política.
829
PLATÃO. O Político. 283 a.
830
ibid. 283 a.
831
PLATÃO. A República. 337 d.
294
Quer Platão saber o que deve consistir a educação. E o que deve consistir
a educação é senão a busca constante da perfeição. É preciso evidenciar algo muito
significativo aqui em Platão, ele não está falando de escola, de espaço escolar, de
ginásios ou mais precisamente, de palestras. Ele está definindo educação. Portanto,
inicialmente, compara o sentido da verdadeira educação ao sentido da formação de um
bom agricultor ou, de um bom arquiteto. Para Platão, a educação é um processso que
forma o homem desde sua infância para a integridade, para a virtude, isto é, forma o
homem integro – por inteiro. Para Platão, o homem deve cotidianamente aperfeiçoar
desde a infância o seu objetivo, seja ele qual for.
que ainda não aprendeu, portanto, deve esta preparado para ser e exercer qualquer tarefa
imposta. A educação é para Platão a ideia geradora que pode criar condições humanas
no homem, “[…], além disso, não se verifica qualquer motivo para se subestimar a
educação: é ela com efeito, aquele embrião gerador dos maiores bens, aí se formando
834
todos aqueles que justamente são os melhores homens.” Platão enfatiza claramente
as condições pedagógicas que a criança necessita para atingir a omnilateralidade,
regularmente aliada ao plano da experiência, a formação, por exemplo, em relação à
prática dos jogos e também do treinamento prático. Para ele, a alma da criança deve ser
orientada especialmente visando melhorar “[…] no sentido daquilo que lhe poderá vir a
ser necessário, naquele momento, em que se tornar num homem completo, tendo assim
835
a possibilidade de ser absolutamente perfeito naquilo por que tanto se sacrificou.”
Eis o sentido da omnilateralidade platônica, em Leis, essa é a primeira política educativa
de Platão. A formação omnilateral platônica consiste, em suma, formar o cidadão
íntegro para a vida da pólis e para a política da pólis. Assim, como veremos
posteriormente em Aristóteles836, Platão também entende a reciprocidade do sentido
educativo do ato de governar e de se deixar governar:
838
ARISTÓTELES. Política. VIII, 1, 1337 a.
839
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1252 a.
297
840
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 57.
841
ARISTÓTELES. Política. V, 4, 1305 a.
842
FARIA. Maria do Carmo Bittencourt. op. cit. p. 7
298
843
circulação, inventando uma espécie de mercado das ideias.” Sócrates personagem
central da A República é a inspiração de Platão para projetar a educação do rei-filósofo
ou do filósofo-rei. Os debates giram em torno também da vida dos trabalhadores, dos
artífices. Mas o destino dos filhos dos trabalhadores não tinha outra saída senão em
cultivar alguns poucos conhecimentos elementares, nada mais que isso. Descrevendo
sobre a educação na Grécia antiga, Aníbal Ponce, explica que, a liberdade de ensino não
implicava liberdade de doutrina, o Estado estava a serviço dos altos aristocratas.
843
VERGNIÈRES, Solange. op. cit. p. 24.
844
PONCE, Aníbal. op. cit. p. 50.
845
PONCE, Aníbal. op. cit. p.59.
299
De acordo com essa reflexão, a classe trabalhadora não tem perfil nem
caráter para exercer o poder político. A escravidão é para ele uma condição natural, ele
não está sendo injusto com sua civilização. Isso é próprio e característico de sua
civilização.
Na verdade, se cada instrumento pudesse executar a sua própria
missão obedecendo as ordens, ou percebendo antecipadamente o que
lhe cumpre fazer, como se diz das estátuas de Dáidalos, ou dos
tripodes de Héfaistos que, como fala o poeta, „entram como autômatos
nas reuniões dos deuses‟, se, então as lançadeiras tecessem e as
palhetas tocassem as cítaras por si mesmo, os construtores não teriam
necessidade de auxiliares, e os senhores não necessitariam de
escravos.846
846
ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1254 a.
847
ibid. I, 2, 1254 a.
848
ARISTÓTELES. Política. I, 5, 1260 b.
300
855
ARISTÓTELES. Política. III, 4, 1279 a
856
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. X, 1180 b.
857
ibid. 1180 b.
302
Estado. Tal como vimos em Platão: a criança recém-nascida era recebida aos cuidados
do Estado. Portanto, em Aristóteles, as primeiras orientações pedagógicas ficam a cargo
da família, - dos lares. “A família permanece, na Antiguidade, o quadro da primeira
educação.” 858
Nesse sentido, Aristóteles teoriza sobre a realização de uma cidade
virtuosa, e concede à educação uma função importantíssima – o sistema educativo da
pólis deve formar os cidadãos a partir da virtude, “A felicidade da Cidade depende da
virtude, mas a virtude vive em cada cidadão e, por isso, a Cidade pode tornar-se e ser
859
feliz na medida em que cada um dos cidadãos se torne e seja virtuoso.” Enquanto
Platão na República concebe seu projeto pedagógico a partir do conceito de justiça,
Aristóteles interpreta seu programa e prática educativa a partir da concepção de virtude.
Se o objetivo da civilização grega era formar o homem das classes dominantes, então,
Aristóteles entende que o conceito de virtude só pode e deve estar vinculado ao homem
livre da pólis, - o conceito de virtude ou, areté, na filosofia aristotélica, é a capacidade
máxima que o cidadão possui para realizar com integridade sua vida moral, intelectual,
física, psicológica na pólis. O cidadão que atinge esse propósito deve ser honrado, deve
receber o prêmio máximo, tal cidadão deve receber as maiores honrarias. Somente o
homem rico da pólis poderia receber os maiores prêmios e as maiores honrarias.
Conforme analisado junto ao primeiro capítulo, essa lição Aristóteles recolhe da
tradição de Homero. Para entender um pouco mais a dimensão dessa virtude humana,
Werner Jaeger escreve: “O reconhecimento da grandeza de alma como a mais elevada
expressão da personalidade espiritual e ética fundamenta-se tanto para Aristóteles como
860
para Homero, na dignidade da arete.” Daí, o sentido da civilidade de Aristóteles
supera esses pré-requisitos de uma educação desvinculada da pólis, na cidade, por seu
turno, as famílias não se reúnem com finalidade comercial como já analisado nos
capítulos anteriores. O sentido da civilidade está em atingir a mais nobre e digna causa
da cidade, viver bem. No terceiro livro, do capítulo quinto da Política, Aristóteles é
contundente, “Tudo isto é obra da amizade, pois a amizade é a motivação do convívio;
logo, já que o objetivo da cidade é a vida melhor, estas instituições são o meio que leva
861
àquele objetivo final.” Exatamente aqui, Aristóteles diferencia duas de sua mais
importantes categorias, quando se pensa o sentido do homem político de sua época. são
858
MARROU, Henri-Irénée. op. cit. 1990. p.226.
859
REALE, Giovanni. op. cit. 1994. p.445.
860
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 34.
861
ARISTÓTELES. Política. III, 5, 1281 a.
303
862
elas: a excelência intelectual – phrónesis - a capacidade de reflexão, e a excelência
863
moral, sophrosýne .- a capacidade de agir.
Em primeiro lugar, antes de pensar a cidade, Aristóteles concentrou toda
sua dedicação para entender o sentido das atividades humanas. Ele investigou as ações
dos homens de seu tempo. Se Platão conheceu a desonestidade, a corrupção e a
impiedade no meio das ações políticas dos homens atenienses, Aristóteles, quando
estudou as constituições das cidades gregas, não somente colocou em evidência as leis,
mas, conferiu a especificidade da ação de cada uma delas. As legislações das poleis de
seu tempo – Creta, Cartago, cidades da Macedônia e tantas outras, traziam o costume de
privilegiar nas atividades do fazer – das armas, o domínio, isto é: no sistema
educacional da época, “[…] em certas cidades o objetivo da constituição e das leis é
adequá-las ao exercício do governo despótico sobre os seus vizinhos [..]”864 Muito
próximos a tudo isso está a obscuridade da vida social, estão as mortes, a corrupção, o
engano, a violência, e sobretudo a injustiça. Por isso, em Ética a Nicômacos estuda o
comportamento dos homens de seu tempo. Expressa ele em sua ética:
862
A palavra transliterada phrónesis significa discernimento, excelente reflexão. Por sua vez, o verbo
phronéo deriva da palavra - ζκέτηρna língua grega snignifica pensar, discernir, refletir, esclarecer,
pode dizer que, é a excelência intelectual do homem, é reflexão, entendimento, potência própria do
homem. In: OLIVEIRA, José Sílvio de. op. cit. 2004. p.13.
863
A palavra transliterada sophrosýne está ligada diretamente ao termo grego (Σοφία) que significa
sabedoria. Nesse sentido, sophrosýne é o estado, disposição perfeita. O termo também está relacionado
como o verbo Sophronéo (ζοθόρ) que por sua vez, significa tornar-se sábio, pridente e moderado. In:
OLIVEIRA, José Sílvio de. op. cit. 2004. p.13.
864
ARISTÓTELES. Política. VIII, 2, 1324 b.
865
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 1094 b.
304
866
VERNANT, Jean Pierre. op. cit. p.103.
867
No alfabeto grego existem duas vogais para escrever e expressar a letra “e” do nosso alfabeto. As
palavras transliteradas, “êthos ou éthos na língua grega tinha dois sentidos: escrito com a vogal inicial
longa (eta) “”significa caráter, maneiras de ser, expressa morada, abrigo, habitação do homem e do
animal em geral [...] e, escrita com a letra inicial epsilon (éthos) “”, significa costume, hábito, usos.” In:
OLIVEIRA. José Sílvio de. op. cit. 2004. p.26-27.
305
868
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. II, 1104 a.
869
ibid. II, 1104 a.
870
O termo transliterado héxis () significa disposição constante ou relativamente constante, possessão
estável, disposição deliberada. “Este termo significa, primeiro disposição natural do corpo. [...] pode
designar também uma disposição adquirida pelo uso ou pela educação. Num mundo sem substância e sem
identidade, a héxis testemunha a possibilidade de adquirir um habitus relativamente estável.” In:
VERGNIÈRES, Solange. op. cit. p. 26.
306
871
A palavra transliterada hormé é derivada do verbo ormáo (έναπξη) significa lançar-se, empurrar,
instinto, desejo, por em movimento, se refere ao movimento violento em direção a alguma coisa, impulso
violento, desejo profundo, ímpeto. Refere-se ao desejo quase incontrolável, impelido e movido por
circunstancias externas. OLIVEIRA. José Sílvio de Oliveira. op. cit. p.29
872
O termo transliterado óréxis (όπεξη) significa apetite, vontade, desejo, é um impulso que impele um
ser vivo à ação, visa à satisfação de necessidades. Diferentemente do desejo hormé, o desejo órexis não
provém das circunstâncias externas, mas provém do interior daquele que deseja, faz parte da natureza do
desejante. ibid. p.29.
873
A palavra transliterada páthos do grego (πάθορ) significa paixão, conota sentimento de dor, de
sofrimento. O páthos está sempre à margem de uma decisão e vontade do homem, é aquilo que se sente,
que se sofre afetado por circunstâncias exteriores. Na acepção da dimensão do páthos entraria tudo o que
a natureza oferece ao homem de sem que este tenha intervindo ou colaborado de maneira ativa em sua
existência. ibid. p.29.
307
convidado a construir sua morada, isto é, sua civilidade, seu abrigo. É convidado a
modelar seu estilo de vida, sua maneira de ser, pela ética ou, mais precisamente, pela
transiletração dos termos linguísticos: êthos e éthos ele pode construir sua trajetória
existencial. Então o valor da ética não está em deliberar normas imutáveis, regras fixas e
prontas para o comportamento do homem; seu objetivo não está em determinar o que o
homem deve ou não fazer. Sua finalidade não se direciona para prescrever tipos de
condutas, mas se justifica ao explicar o sentido do conteúdo da virtude ética, isto é,
busca exprimir o sentido racional, intencional e voluntário das ações do homem. O
modo de agir se constitui por uma repetição de atos, porém, entra em contradição com
os impulsos do desejo do homem. Isto significa dizer que as ações humanas não são
necessárias, mas possíveis, pois decorrem de deliberação e escolha.
Aristóteles investigou o sentido e a natureza da ética, portanto, investigou
a forma, a configuração, dos modos, dos costumes dos indivíduos se constituírem como
humanos, em suma, investigou o caráter ou a índole dos seres humanos vivendo juntos
em uma determinada comunidade – pólis. É na pólis que tudo se realiza e não fora dela.
Para Aristóteles, a questão da civilidade está fortemente atrelada à questão ética. Já
investigamos no terceiro capítulo, o conceito de felicidade não se separa nem da cidade
e nem do indivíduo, e aqui brota o sentido da civilidade do filósofo. Como sabemos,
homem é para Aristóteles um animal social, isto é, essencialmente político, isso
significa dizer que o homem é um ser de civilidade. Em Política, quando Aristóteles
propõe definir a melhor forma de governo para a pólis, o conceito de felicidade é a
pedra de toque de sua construção, a ética, a pólis e a civilidade são categorias centrais
no pensamento do filósofo:
sua singularidade e em plena liberdade. Já sabemos por Aristóteles que a cidade é uma
forma máxima – suprema de associação – (comunidade), denominada política. Para um
grego estar fora dos assuntos da pólis ou da política, é viver de maneira não civilizada.
Assim como o homem moderno não pode viver sem a conexão, o homem grego da
época de Platão e de Aristóteles não pode ficar sem a pólis. Segundo Jean-Pierre
Vernant, a civilização grega antiga não separa o cidadão do político, “A phrónesis, a
reflexão é o privilégio dos homens livres que exercem correlativamente sua razão e seus
direitos cívicos.”875
Em conformidade com os estudos de Jean-Pierre Vernant, os cidadãos da
pólis sabem que a cidade necessita da unidade política. Em Aristóteles, só é possível
viver na cidade (pólis) vivendo juntos e experenciando tudo o que de mais peculiar tem
nela e, para os gregos, a comunidade (koinomia)876 é por seu gênero o elemento mais
natural.
875
VERNANT, Jean Pierre. op. cit. p.104.
876
A palavra Koinomia, derivada de Koinós do grego (κοινή) que significa comum, aquilo que é
partilhado entre todos, ou, mais precisamente entre os iguais. Em relação aos homens livres – os iguais,
expressa Jean-Pierre Vernannt: “Nesse equilíbrio recíproco assenta-se a unidade do Estado, ficando cada
elemento contido pelos outros nos limies que não deve ultrapassar.” ibid. p.53.
877
ARISTÓTELES. Política. I, 1, 1252 a.
878
ARISTÓTELES. Política. VII, 13, 1334 a.
879
LEÃO. Delfim Ferreira. Op. cit. 2010. p.86.
309
A vida humana que Aristóteles pensa é uma vida, na qual o homem pode
viver em dignidade. Os cidadãos não são feitos para viver uma vida sem decência, sem
880
TUCÍDIDES. op. cit. p.121.
881
ARISTÓTELES. Política. VII. 4, 1326 a.
882
ibid.VII, 4, 1326 b.
310
decoro, sem lazer, sem honra, portanto, sem reflexão – filosofia. Já descrevemos isso no
terceiro capítulo, o ócio – o lazer é o instrumento essencial dentro da lógica da
civilidade aristotélica. Mais que a atividade guerreira e para além da atividade política,
o homem é chamado à atividade filosófica – a vida contemplativa. Se, Platão em sua
obra Político, distingue a vida do político e do filósofo, em Política, Aristóteles, no
capítulo segundo do sétimo livro, examina também as duas atvidades, a vida do político
e a vida do filósofo.
A questão não deixa de ser uma questão conflituosa. Tanto na
Lacedemônia como em Creta, o sistema educacional e a própria legislação estão
direcionadas para a guerra – para o fazer, Aristóteles reconhece isso e tece críticas. Em
Política, ele afirma que as práticas formativas das crianças e dos jovens das regiões da
Trácia, da Pérsia, eram estimuladas por virtudes militares, também em Cartago ou
Macedônia. Ele próprio conhece o sistema educacioanl da Macedônia, nascido ali, sabe
dos costumes praticados e vivenciados na realidade de sua época, e portanto, nos
informa. “Em alguns festivais celebrados nas tribos citas, passava-se de mão em mão
taça cujo conteúdo um homem que ainda não houvesse esterminado um inimigo não
podia beber.” 883 É dentro dessa realidade de mortes, injustiças, conflitos e obscuridades
da vida social que Aristóteles convida o homem à vida contemplativa, “[…] que certas
884
pessoas dizem ser a única digna de um filósofo. ” Por isso ele distingue a vida do
filósofo e a vida do político. Ele distingue o sentido da vida ativa e da vida
contemplativa. Como já afirmamos várias vezes, ele faz isso investigando inúmeras
contituições das poleis de seu tempo e estudando o comportamento social dos homens
de sua época. Isso é fundamental para ele. Atenas não é uma cidade de anjos, as mortes
são frequentes, as guerras são violentíssimas, a injustiça caminha de braços com a
mentira, com o engano, com a usurpação. Sabe ele muito bem que as leis de seu tempo
respaldam a morte, contemplam a injustiça, solidificam a mentira e o engano. Esse
assunto, assim como foi para Platão, tem primazia na investigação aristotélica.
A selvageria, a desonestidade, a falta de compromisso com as leis não
passa despecebido pelo Estagirita. Ele está profundamente angustiado com a cidade, ele
deseja mais do que ninguém a civilidade. Dominar despoticamente é uma ideia contrária
ao pensamento aristotélico. A civilidade não combina com políticos despóticos. Por
isso, não faz pouco diferença distinção entre a vida do político e a vida do filósofo. Ele
883
ARISTÓTELES. Política. VII, 2, 1324 b.
884
ibid. VII, 2, 1324 a.
311
4.2. A Filosofia
885
ARISTÓTELES. Política. VII, 2, 1324 b.
312
essencialmente grega. Eis a nossa primeira escolha. O desejo de querer saber o que é
filosofia é um desejo natural. A indagação ou a pergunta, o que é a filosofia reporta ao
mundo grego. Mas o que é filosofia? Pode parecer repetitivo fazer essa pergunta, no
entanto, todos os filósofos independentemente de época ou do contexto social, sempre
tentaram responder tal indagação, e o fizeram não por capricho pessoal, mas exatamente
pela própria natureza da filosofia. No entendimento de Martin Heidegger, a identidade
da filosofia mora no contexto grego, isto é, a filosofia fala em grego, portanto, perguntar
por sua gênese e natureza significa necessariamente remontar suas origens e permanecer
num campo indeterminado exatamente pela vastidão da questão. A pergunta o que é
filosofia é uma questão indefinida por sua própria natureza. Em 1955, por ocasião da
abertura de um colóquio, Martin Heidegger, na Conferência em Cerisy-la-Salle, na
França, expressou:
[...] qualquer que seja seu ponto de apoio primeiro, exige e suscita um
reconhecimento de si mesma, que se deve admitir como homogêneo a
ela. O operador „filosofar‟, de modo semelhante aos operadores
886
HEIDEGGER. Martin. Que é isto a filosofia? Identidade e Diferença. Tradução e Notas de Ernildo
Stein. 2ª ed. São Paulo: Livraria duas cidades Ltda, 1978. p.18
887
HEIDEGGER. Martin. op. cit. p.31.
888
ibid.p.20.
313
idempotentes da álgebra, por mais que seja reiterado, não produz nada
diverso de si mesmo. 889
889
GRANGER, Gilles-Gaston. Por um conhecimento filosófico. Tradução Constança Marcondes Cesar
e Lucy Moreira Cesar. Campinas, São Paulo: Papirus, 1989. p.27.
890
HEIDEGGER. Martin. op. cit. p.24.
891
COÊLHO, Ildeu Moreira. op.cit. 2001. p.27-28.
314
Portanto, perante nossa escolha, não faz sentido querer entendê-la sem
adentrar em seu contexto originário como expressou Gilles-Gaston e o próprio
Heidegger. Numa outra margem, quando perguntamos, buscamos, questionamos o
pensamento não se esgota o sentido da realidade, da vida concreta e do próprio
imaginário,“ […], que permanece uma questão aberta à interrogação, ao estudo, uma
verdadeira quaestio disputata.” 893
A segunda ideia fundamental para pensar o sentido da filosofia é
compreender que ela, não se caracteriza por um saber pronto. A filosofia é um saber não
acabado, não finalizado, portanto, não instrumentalizado. Filosofar consiste em
perguntar, duvidar, contestar, questionar, interrogar. Fazer perguntas, elaborar
indagações faz parte do mundo filosófico. As perguntas iniciais são simples, isto deve
ser claro para qualquer filósofo, posteriormente, elas ganham profundidade. Para
responder uma questão empírica é fundamental elaborar uma argumentação clara e
distinta, portanto, a filosofia parte das perguntas simples para às mais complexas. O
resultado das perguntas se dá no plano do conceito, ou seja, não se deve responder a
questão no plano do simples, das opiniões, do empírico, das aparências, do passageiro,
da efemeridade, mas sim, na esfera dos conceitos. As ideias claras e distintas de Rêne
Descartes (1596 -1650) são exatamente isso. Compreender supõe perguntar do simples
para o complexo. Isso é essencialmente educativo. A filosofia mora nesse contexto de
busca constante, do novo, do não-revelado, do não-dito, do não-feito, do não-pensado.
“Pensar é ir à raiz, além do visível, do aparente, do empírico do múltiplo, do
894
contingente, do mutável, do particular, do individual.” A filosofia é a busca
892
GRANGER, Gilles-Gaston. op. cit. p.9.
893
COÊLHO, Ildeu Moreira. 2001. p.27-28.
894
COELHO, Ildeu Moreira. op.cit.. 2013. p.11
315
895
RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São
Paulo: Cortez, 2001. p.44.
896
PLATÃO. O Político. 269 d.
897
N.T. PLATÃO. O Político. p.196.
898
HEGEL, Friedrich. Introdução às Lições sobre a história da filosofia. A, 1, 25.
316
foi inventado por Pitágoras, que certa vez ouvindo alguém chamá-lo sábio e
considerando este nome muito elevado para si, pediu que o chamasse simplesmente
filósofo, isto é, amigo da sabedoria. A filosofia não é senão uma investigação amorosa
do saber, podemos dizer que, a filosofia é algo que tem sabor. Longe de ser um mero
amor de abstração. Ela faz empenhar tudo o que somos, é a condição típica do homem.
De acordo com a etimologia e com Pitágoras pode-se dizer que a filosofia é amiga do
saber, do conhecimento, do desejo prazeroso de conhecer, de aprender a conhecer a
partir da amizade.
Diferentemente das demais ciências, a filosofia não tem pretensão de
resolver e nem dar soluções aos problemas os quais se defronta o homem. Ela não traz
em sua bagagem respostas para as perguntas, muito menos, é uma detentora de
soluções. “A filosofia, porém, a cada momento pergunta, duvida, contesta.” 899 Quando
na modernidade, o filósofo francês Rêne Descartes (1596 – 1650) coloca tudo em
dúvida, não é o método que ele persegue, é na verdade a própria natureza da filosofia
que grita mais alto, o método é só uma consequencia. “Um certo inacabamento é
inerente a esse trabalho, a esse fazer que jamais se dá por concluído, nem a resposta por
900
acabada, permanecendo sempre aberta, ainda por ser terminada.” Filosofia é uma
contínua busca do conhecimento, é uma interrogação permanente que o próprio ser
humano faz de si mesmo, e de seu mundo. Todos os seres humanos têm essa ânsia, essa
vontade, esse desejo de conhecer. A filosofia é uma contínua busca da verdade, não se
volta para o prático e o imediato e não traz respostas prontas para as questões e as
angústias humanas, as demais ciências estudam o que é quantitativo, observável,
mensurável e pode ser calculado. Fazer filosofia é pensar o não-pensado, é desmascarar
o aparente, o óbvio, é desnudar o ocultado. Sua natureza não é abstração sem sentido,
mas, se traduz pelo desejo da busca de coisas reais, e não de meras fantasias ou de
romances astrais como dizem os poetas. Em conformidade com os estudos de Gilles-
Gaston Granger, diferentemente da filosofia, as ciências da natureza objetivam construir
modelos abstratos dos fenômenos, [...] Elas os representam „em espaços‟ cada vez mais
distanciados do vivido como estruturas abstratas dos elementos que são possíveis
„calcular. ‟ 901
899
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001 p.41.
900
ibid. p.41.
901
GRANGER, Gilles-Gaston. op. cit. p.13.
317
902
SAVIANI, Demerval. Contribuiçoes da filosofia para a educação. In: EM ABERTO. Contribuições
das Ciências Humanas para a Educação - A Filosofia. Orgão de Divulgação Técnica do Ministério da
Educação. Brasília, ano 9, nº 45 - jan-mar. p.1-72, 1990. p.3
903
COÊLHO, Ildeu Moreira.op. cit. 2001. p.42.
904
N.T. PLATÃO. Laques. p.12.
318
905
PLATÃO. Laques. 190 b.
906
DELEUSE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é filosofia. Trad. Bento Prado Junior e Alberto
Munõz. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004. p.259.
907
DELEUSE, Gilles & GUATTARI, Félix. p. 13
319
ligações e consistências, e nunca são criados por acaso. Embora sendo incorporal o
conceito encarna nos corpos, nos objetos, porém, é preciso ressaltar que o conceito não
é a essência da coisa. Conceito é ao mesmo tempo absoluto e relativo, os conceitos são
totalidades fragmentárias.
Para esses dois autores, permanece absoluto pela maneira que opõe a ele
e com os outros, é relativo porque é um pedaço que não se corresponde. Portanto,
conceito deve dizer do acontecimento e não é a coisa em si. A filosofia é a arte de
formar, de inventar, de fabricar conceitos, ela traça, inventa e cria os conceitos. A
filosofia leva em conta a dinâmica da reflexão, da originalidade, da auto-reflexão. Como
afirmamos anteriormente, se a filosofia varia com o tempo, também o filósofo a
redefine no exercício de sua criação conceitual.
A Filosofia começa quando não tomamos mais as coisas como certas,
quando questionamos como as coisas são e estão. Ao aproximar-se da filosofia devemos
o fazer com amor e atenção, entre os anos de 1816 ou 1817, quando Friedrich Hegel foi
nomeado Professor da Universidade de Heidelberg, exatamente no início de sua
carreira, ele expressa: em termos de filosofia, “[…] esta ciência quase emudecida pode
elevar de novo a sua voz e pode esperar que o mundo, que se lhe tornara surdo, lhe volte
a prestar ouvidos.” 909 Quando não mais colocamos nada como certeza a filosofia nasce.
Já estamos consumidos de ler e ver essa citação de Aristóteles, sem, no entanto,
compreendê-la em sua totalidade: “Todos os homens por natureza, desejam saber, [...].”
910
Sua origem é exatamente revelada quando admiramos – maravilhamos. Estar na
filosofia é sempre estar diante do novo. Esse maravilhamento é apenas onde a filosofia
começa e não a causa e fim da filosofia. É pelo maravilhamento que se começa a
filosofar. Notadamente, assevera o Filósofo: “Foi, com efeito, a admiração que impeliu,
911
tal como hoje, os primeiros pensadores às especulações filosóficas. Esta admiração,
ou seja, esse maravilhamento inicial é o caminho que conduz o filósofo a percorrer o
908
DELEUSE, Gilles & GUATTARI, Félix. p.33.
909
HEGEL, Friedrich. Introdução às Lições sobre a história da filosofia. op. cit. [I], 5- 1-5.
910
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 1, 980 a-5.
911
ibid. I, 2, 982 b- 5.
320
912
HEIDEGGER. Martin. op. cit. p.38.
913
PLATÃO. Apologia de Sócrates: Diálogos. I, 17 a.
914
FINLEY. Moses. I. Os gregos antigos. Tradução. Artur Morão. Revisto Por Dr. José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Edições 70, 1963. p.101.
321
Ora também eu, que, para redigir as Vidas Paralelas passei em revista
a extensão de tempo passível de um relato verossímil e susceptível de
uma investigação que se atenha a factos, bem poderia afirmar das eras
que a precedem: daí para trás fica o domínio dos prodígios e da
matéria própria dos trágicos; ocupam-no os poetas e mitógrafos e não
há lugar para credibilidade ou certeza. 916
915
HOMERO. op. cit. p.72.
916
PLURTARCO. Vidas Paralelas – Teseu e Romulo. op. cit. p.38
917
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.33.
322
A escola de Mileto não viu nascer a Razão; ela construiu uma Razão,
uma primeira forma de racionalidade. Essa razão grega não é a razão
experimental da ciência contemporânea, orientada para a exploração
do meio físico e cujos métodos, instrumentos intelectuais e quadros
mentais foram elaborados no curso dos últimos séculos, no esforço
laboriosamente continuado para conhecer e dominar a Natureza. 919
918
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.81
919
ibid.p.103.
323
920
VERNANT, Jean-Pierre op. cit. p.103.
921
ibid. p.103.
324
922
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 2, 982 b1 -5.
923
FREIRE, Paulo. Papel da educação na humanização. In: Revista da FAEEBA – Faculdade do Estado
da Bahia. Ano 6 numero 7, jan-jun, 1997. Edição em Homenagem a Paulo Freire. Salvador. Bahia. p. 9-
32 Disponível em: httpp://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/obras /artigos/6.html. Acesso em:
setembro de 2013. p.1.
325
924
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 3, 984 a
925
A palavra transliterada arkhé do grego (απσή) significa começo, voz de comando, poder. “O
substantivo feminino arkhé vem do verbo árkho que significa ir a frente, guiar mandar, ser o chefe,
prevalecer, dominar, começar, tomar a iniciativa [...]”In: COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit. 2001. p.22.
Podemos dizer que o começo é [...] propriamente, o início de uma coisa no tempo: que pode coincidir ou
não com o princípio (v) origem (v) da própria coisa. Essa distinção é importante em alguns casos: p. ex.
segundo S. Tomás, a criação é matéria de fé enquanto C. do mundo no tempo, mas não enquanto
produção do nada por parte de Deus.” In: ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução
Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.153.
926
ARISTÓTELES. Metafísica. I, 3, 983 b 5-10.
927
ibid. I, 3, 984 a -5.
326
o princípio único - (arkhé) de onde tudo deriva. Porém, o infinito é para ele, o elemento
ar infinito, - isto é; uma substância aérea ilimitada. Para Heráclito de Éfeso (VI a. C.),
tudo está em constante movimento, tudo se move nada permanece imóvel, tudo se
transmuta sem exceção. Isto é para ele, o devir. O princípio primeiro é o fogo, raio que
governa todas as coisas. Lê-se na tradução da Doxografiade Wilson Regis:
928
HERÁCLITO DE ÉFESO. In: Os Pensadores. p.80.
327
929
ARISTÓTELES. Metáfisica. I, 3, 984 b-10.
930
HERÁCLITO DE ÉFESO. op. cit. p.143
931
PARMÊNIDES DE ELÉIA. In: Os pensadores. p.145.
932
ibid. p.148.
933
VERNANT, Jean Pierre. op. cit. p.93.
328
934
ARISTÓTELES. Metáfisica. I, 4, 985 a1-30.
935
ibid. I, 983 b-25.
936
ANAXIMANDRO DE MILETO. In: pensadores. op. cit. p.145.
937
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.97.
938
VERNANT, Jean-Pierre. op. cit. p.93
329
939
A expressão grega (λόγορ) remonta vários significados como: razão, racionalidade, capacidade de
reflexão, de discurso, de inteligência, de princípio de ordem das coisas. No dicionário podemos ler: “1º
Referencial de orientação do homem em todos os campos em que seja possível a indagação ou a
investigação. 2º Fundamento ou Razão de ser. [...] 3º Argumento ou prova. [...] 4º Relação, no sentido
matemático.” In: ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p.824.
940
COÊLHO, Ildeu Moreira. op. cit., 2001. p.19.
941
NUNES César Aparecido. op. cit. 1999. p.61.
330
A filosofia é educativa em si e por si, não faz parte de sua natureza ser
outra coisa. Já investigamos isso no item anterior. Nossa intenção agora não é analisar o
seu sentido educativo, embora o que intitula esse tópico seje filosofia da educação. O
que queremos aqui investigar é o que ela tem sido até agora. A filosofia da educação é
uma realidade criada uma única vez. Platão e Aristóteles já assim o fizeram: criaram-
na, sistematizaram-na. Fundaram a sua gênese e seu sentido. Não precisamos de uma
outra filosofia da educação. Do ponto de vista específico das pesquisas na àrea de
educação, a filosofia da educação tem uma história, e isso é claro. E, é essa história que
nos interessa, portanto, nosso objetivo é investigar o que a filosofia tem sido, e como
tem se constituído. O campo das pesquisas em educação ou mesmo a pesquisa na área
de filosofia da educação pode ser definido também pela hierarquia, objetos de interesses
específicos de um determinado campo sobre o outro. Para compreender historicamente
o que filosofia da educação tem sido e como concretamente tem se constituído é preciso
retroceder um pouco mais na história da pesquisa em educação no Brasil.
Como já sabemos a educação brasileira, nos períodos da colônia e do
império, é fortemente conduzida pelos ideais da Igreja Católica. Essa, por sua vez, trazia
em seu bojo a matriz escolástica tomista, cujo método de estudo se baseava na Ratio
Studiorum. Método esse, nascido e desenvolvido no seio da Companhia de Jesus, ordem
religiosa fundada por Inácio de Loyola (1491 – 1556). A escolástica tomista não é senão
a retomada do pensamento filosófico de Tomas de Aquino (1221 – 1274). O
pensamento desse filósofo medieval pode ser traduzido a partir da junção das ideias do
cristianismo, enquanto revelação cristã e o pensamento filosófico de Aristóteles; Aquino
aposta numa especulação filosófica aristotélica para tentar fundamentar a teologia cristã.
942
NUNES César Aparecido. op. cit. 1999.p. 60.
331
943
BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa, e educacional e educação básica. In: BITTAR, Marisa e
LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em fundamentos da educação. (Orgs) São Carlos: Pedro & João
Editores, 2007. p. 27-32. p.22.
944
BITTAR, Marisa. A pesquisa em educação no Brasil e a constituição do campo científico. Revista
HISTERBR. Campinas, n. 33. mar. 2009 p.1-22. Disponível em: <
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/33/index.html > Acesso em julho de 2011. p.3-22.
945
SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia da Educação no Brasil: esboço de uma trajetória: In:
GUIRALDELLI, Paulo Jr. (Org.). O que é filosofia da Educação? 2ª. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
p.274.
946
TOMAZETTI, Elisete M. Filosofia da Educação e formação de professores em algumas universidades
brasileiras entre os anos 40 e os anos 60. In: Revista Perspectiva, Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 443- 467
jul./dez 2001. Disponível em: <www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva> Acesso em abril de 2011.
p.446.
332
homem, da ética e dos valores, ainda não tinha um vínculo estreito com os problemas e
finalidades da educação presente. Nesse momento, o ensino de filosofia da educação só
tinha uma finalidade: inculcar a doutrina cristã.
O nascer renovador da filosofia da educação, embora estivesse presente
nos escritos de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, caracterizado pelos ideais da
Escola Nova, só mais tarde iria florescer, com a criação dos Programas de Pós-
Graduação. Podemos ler sobre os primeiros princípios e a origem desse nascer
renovador, exatamente, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova publicado em
(1932): “Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de
educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado
na determinação dos fins de educação, quanto também nos meios de realizá-los." 947
Nesse primeiro momento, o objeto de estudo da filosofia da educação se
efetivava não com as questões e finalidades da educação, mas concretizava-se nos
estudos de teorias educacionais dos grandes pensadores da filosofia, tarefa essa
realizada pelos próprios professores de filosofia. Esse caráter elitista da filosofia da
educação nesses anos iniciais cumpria seu papel hegemônico na sociedade, fortemente
marcado por interesses da classe dominante.
Tendo ainda presente os estudos sobre o campo da pesquisa com ênfase
na história da educação, Marisa Bittar, esclarece: “[...] o primeiro deles começa em
1938 com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e se estende
até a fundação do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (1956);” [...]. 948 Também
nesse período a filosofia da educação ainda permanece presa aos ideais do modelo
hegemônico da educação religiosa. O que, na verdade, não modifica muita coisa em
relação ao objeto de interesse da reflexão filosófica. A tradição das pesquisas em
filosofia da educação ainda conserva a mesma posição das décadas anteriores, cuja
presença do movimento de socialização cristã vai marcar, mais uma vez, o
desenvolvimento das instituições da sociedade brasileira. Maria Betânia Barbosa
Albuquerque, em seu trabalho de pesquisa Filosofia da Educação: A Construção de um
Campo Disciplinar (1940 a 1980), afirma: “A produção intelectual dos teóricos da
Filosofia da Educação entre os anos 40 e 50 pautou-se, em geral, nas ideias de São
947
AZEVEDO, Fernando et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (19320 e dos Educadores
(1959) Recife: Massangana; Fundação Joaquim Nabuco, 2010. (Coleção Educadores) Disponível em
<www.dominiopublico.gov.br/.../DetalheObraDownload.do?select> Acesso em julho de 2011. p.34.
948
BITTAR, Marisa. op cit. 2009. Acesso em julho de 2011. p.4.
333
Tomás de Aquino ou de outras autoridades da Igreja Católica.” 949 Portanto, não temos
novidade em relação ao objeto de estudo. Novamente, nesse período, a reflexão
filosófica não se destina às finalidades educativas e, portanto, mantém os interesses
ideológicos e políticos derivados da classe dominante dessa sociedade, cujo objeto de
estudo tem uma finalidade teológica. O campo permanece em silêncio.
As pesquisas só começaram a ganhar um caráter investigativo nas
décadas posteriores de 1970 e 1980, sobre as pesquisas dessa década, Antônio Joaquim
Severino, expressa: “A nossa experiência filosófica não foi aquela de um pensamento
crítico, questionador, exigente, mas muito mais aquela de um pensamento legitimador,
950
referendador, de posições o mais das vezes impregnadas de relações de poder.” Os
objetos de interesse da filosofia da educação nesse período desaparecem nas sombras.
953
SEVERINO, Antônio Joaquim. op. cit. 2000. p.278.
954
BITTAR, Marisa. op. cit. 2009. Acesso em Jun.2011. p.12.
335
década. Esses dois movimentos são marcados, em grande parte, por uma reflexão
direcionada ao pensamento dos filósofos. Por um lado, há a tentativa de elucidar a
prática educativa da filosofia da educação enquanto estatuto. Por outro lado, a tentativa
se resume numa prática educativa da própria educação.
O último período aqui descrito é talvez, o mais complexo para a pesquisa
em filosofia da educação. Pode ser compreendido desde o ano de 1985. Devido a uma
especificidade e complexidade própria destes últimos anos e, dada a multiplicidade de
livros, artigos e revistas, teses e dissertações, que vêm sendo publicados, sobretudo via
Internet, fica realmente complexo desvendar o sentido preciso da filosofia da educação.
Sobre isso já expressamos. O que podemos afirmar é que historicamente que a filosofia
da educação até agora caminha marginalmente em relação aos verdadeiros problemas da
educação e da escola. Sobre a hierarquia dos objetos precisamos recordar as palavras de
Pierre Bourdieu:
955
BOURDIEU, Pierre. Método científico e hierarquia social dos objetos. In: NOGUEIRA, Maria Alice;
CATANI, Afrânio. (Orgs.) Escritos de educação 3 edª Petrópolis: Vozes, 2001. pags. 33-38. p.35.
956
NUNES. César Aparecido. op. cit. 1999. p.61.
336
professor é que esses devem estar ávidos de conhecimento. Para Platão, o filósofo é
aquele que “[…] aspira à sabedoria […].” 957 Aspirar à sabedoria é, em outras palavras,
revelar amor ao estudo: é estar apaixonado pelos estudos, pela geometria, pela
astronomia, pela dialética, pela filosofia. Professor é aquele que faz de sua sala de aula
um lócus de vida. Platão pensa o Estado como a verdadeira pátria para o homem – é ali
que o homem tem o seu espaço. Expressa Werner Jaeger: “O homem perfeito só num
958
Estado perfeito se pode formar, e vice e versa.” Portanto, nosso problema é um
problema da formação do homem, e não da formação específica de professores de
filosofia ou de professores específicos da pedagogia. O filósofo idealizado por Platão
está longe de ser um intelectual da filosofia. A filosofia da educação jamais poderá ser
entendida como transmissão e repetição do que os filósofos interpretaram ou pensaram
no passado. Isso não faz sentido, muito menos ficar discutindo se a filosofia é ou não
um ramo das ciências humanas. A filosofia é do homem. É morada humana. Expressa
Hegel “Trabalhar contra essa superficialidade, colaborar com seriedade [...] probidade e
idoneidade, tirar a filosofia para fora do isolamento em que se refugiou – é o que
959
devemos ter como o que nos é intimado pelo espírito mais profundo do tempo.” É
nesse mesmo tempo em que a filosofia da educação pode do resgatar o sentido da
racionalidade. É impossível investigar a questão filosofia da educação sem pensar a
questão da omnilateralidade na contemporaneidade.
Não é necessário dizer que a sociedade contemporânea é marcada por um
mundo globalizado, repleto de incertezas quanto ao destino dos homens e mulheres, das
humanidades. O mercado compra e vende cultura nesse horizonte mundializado e
pluralizado. Numa dimensão mais abstrata parece haver uma confusão entre o sentido
de ciência, de política e de tecnologia. O mundo do humano se mistura ao do ciborgue.
Estamos enraizados cada vez no mundo da complexidade, do global e, ao mesmo
tempo, na heterogeneidade do local. Portanto, a questão da formação omnilateral está
conjugada e conectada com a urbanização em todos os sentidos, seja no plano
econômico, seja no plano técnico, seja no plano científico, seja na esfera política, tanto
no campo educativo como no campo social, seja no âmbito da formação individual
como no espaço da formação pública. No entanto, o conceito da omnilateralidade que
aqui queremos expressar está vinculado à idéia da totalidade formativa do ser humano,
957
PLATÃO. A República. 475 a.
958
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p. 837.
959
HEGEL, Friedrich. op. cit. [1] 1- 15-20.
337
960
MARROU, Henri-Irénée. op.cit. 1990. p. 347.
961
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. Tradução de Newton Alves de
Oliveira. Revisão técnica de Paolo Nosella; Prefácio de Dermeval Saviani. São Paulo: Cortez; autores
Associados, 1991.p. 23.
962
SAVIANI, Demerval. op. cit. p.5.
338
CONSIDERAÇÕES FINAIS
963
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 12ª ed. Tradução e notas. Luiz
Damasco Penna e J.B. Damasco Penna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980 . p. 33.
964
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. I, 4, 1095 b.
965
LUZURIAGA, Lorenzo. op. cit. 1980. p. 35.
339
Por isso, Aquiles não pode e nem deve trair seus princípios educativos. Já
estabelecida à desavença entre o herói e o rei, o educador Fênix sabe perfeitamente bem
que seu pupilo não deve ser compelido ou superado pela teimosia ou pelo capricho
pessoal, no entanto, seu educador Fênix, o faz recordar para qual intenção foi educado:
Vamos Aquiles, o orgulho domina; aspereza tão grande não fica bem
para ti, pois se deixam dobrar até os deuses, com terem mais
dignidade, poder superior ou virtude. [...] Por isso, Aquiles, concede a
essas filhas de Zeus o devido acatamento, que heróis valorosos já tem
conquistado. [...] Dá-te, porém, muitas coisas, e dons mais valiosos
promete e te mandou, com pedido, em seu nome, os varões mais
conspícuos do acampamento, escolhendo os Argivos que mais
estimavas. 966
966
HOMERO. Ilíada 2ª ed. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.227.
967
ibid. p.63.
340
longe destas realidades. Apenas envidamos esforços para, com atenção, respeito e
dedicação, aproximar temáticas elucidativas da paideia desses dois filósofos. Não
vamos resolver nossa situação educativa como um passe de mágica. Do ponto de vista
da reflexão filosófica, não precisamos de discursos de ocasião, de ufanismos, de
relativismos e modismos que, muitas vezes, fazem parceria com a irresponsabilidade e
com a insensibilidade de um filosofar vazio, e, portanto, com a irreflexão. A nossa
tarefa educativa é uma tarefa histórica. Também a nossa tarefa filosófica é uma tarefa
histórica. Mário Alighiero Manacorda, ao escrever as palavras finais de seu livro
História da Educação da Antiguidade aos nossos dias, deixou-nos uma mensagem
claríssima sobre o que estamos querendo aqui retratar: “É claro que para mim a vida foi
mestra de história, na medida em que eu, como seu discípulo tenha sido capaz de fazer
história a mestra da vida.” 968
Sabemos que a distinção que, historicamente estabeleceu educação e
instrução “[...] traz em si também uma concepção elitista da escola, na medida em que
impõe uma separação mecânica entre formação propedêutica e formação profissional.”
969
Isso implica na verdade uma profunda dicotomia entre ricos e pobres, ou seja, para
os filhos dos pobres, uma escola elementar, mecanicista, portanto tecnicista, ao
contrário, para os filhos dos poderosos, uma escola humanista e geral. Quando Karl
Marx defende a concepção de Aristóteles não é sem razão, a escola que esse propugna
trazia em si as artes do fazer e do falar unidas e quando “[...] ensinadas a um só tempo,
970
que formavam o homem omnilateral [...]” , além disso, a escola de escrita é
valorizada e a do Estado mais ainda. Mesmo nas condições de uma sociedade
aristocrática e escravagista, tal qual a Grécia Antiga, afirma Marisa Bittar: “[...] surgiu a
primeira ideia de uma escola de Estado, quando Aristóteles defendeu que todo o cidadão
deveria ter a mesma educação [...].” 971
Essa história se desdobra e chega até nós; a reflexão continua e se move
sobre a base sólida e axiológica dos estudos da paideia grega. É claro que aqui, e é
968
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. 13ª ed.
Tradução Gaetano Lo Mônaco. Revisão Técnica da Tradução e revisão geral Paolo Nosella. São Paulo:
Cortez, 2010.p.431.
969
FERREIRA JR. Amarílio. BITTAR, Marisa. A educação na perspectiva marxista: uma abordagem
baseada em Marx e Gramsci. Interface (Botucatu) [online]. 2008, vol.12, n.26, pp. 635-646. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832008000300014&script=sciabstract&tlng=pt>
Acesso em outubro de 2014. p.639.
970
ibid. p.639.
971
BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa, e educacional e educação básica. In: BITTAR, Maria e
LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em fundamentos da educação. (Orgs) São Carlos: Pedro & João
Editores, 2007. p. 22-32. p.22.
341
vidente que não estamos mais falando sobre a educação de uns poucos: para a
unilateralidade, mas sim, estamos falando de uma educação para todos: para
omnilateralidade. Os estudos de Mario Manacorda evidenciam que, Platão, sobretudo,
ele, e Aristóteles propugnam uma educação para poucos, isto é, para os homens livres
daquela civilização; fazendo a distinção entre o dizer e o fazer. Essa distinção no tempo
de Homero não estava posta, o discípulo de Platão reconhece e assume isso, e
Aristóteles dá continuidade:
972
ARISTÓTELES. Política. 3, 1278 a.
973
MANACORDA, Mario Alighiero. op. cit. 2010. p.431.
342
977
ARENDT, Hannah. op. cit. 1993. p.33.
978
ibid. p.33.
979
VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. 11ª ed. Tradução Ísis Borges B. da
Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.53.
344
980
PEREIRA, Paula Cristina. A condição humana e a condição urbana. Porto: Edições Afrontamento,
2011. p.31.
981
FERREIRA JR. Amarílio. BITTAR, Marisa. op. cit. 2008. Acesso em outubro de 2014. p.639.
982
SANTOS, Boaventura Sousa. op. cit. p.104.
345
983
PEREIRA, Paula Cristina. op.cit. p.31.
984
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4ª ed. Tradução. Artur M. Parreira. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.p. 877.
346
985
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.877.
347
986
não é possível agir- [...].” A corrupção política determinava, muitas vezes, a alegria
de viver na pólis. Por isso, o projeto educativo de Platão tem como finalidade formar os
jovens para viver a prática dos valores, o quer que os cidadãos de sua cidade, se
realizem na coragem, na justiça, no Belo, no Bom, e, enfim, no Sumo Bem.
A cidade que os filósofos Platão e Aristóteles pensam é a cidade feliz e
justa. Entretanto, assim como os nossos filósofos, sabemos que é impossível ter somente
homens bons em uma cidade. Do ponto de vista social e, sobretudo, educativo,
Aristóteles deseja que os indivíduos desempenhem sua função social da melhor forma
possível, visando atingir o bem da cidade: realmente, todos devem possuir a bondade do
bom cidadão. Essa é a condição única para que a cidade seja melhor. Aristóteles sabe
muito bem disso, em sua obra Política, ele esclarece que o homem bom “[…] possui
uma bondade única, a bondade perfeita, […].” 987 A bondade perfeita que ele pensa está
não está fora da realidade do homem, não é algo inalcansável, irrealizável. Ele, mais que
ninguém, é estrangeiro em Atenas, o conceito de felicidade foi por ele pensado, é um
ideal ainda por todos querido em sua época. Qual é o homem que deseja ter um amigo
infiel, injusto, insensato senão os próprios dessas qualidades? Qual legislação poderá
legislar em proveito de outras? A cidade que os nossos filósofos pensam é a cidade feliz
e justa. Mas, nós sabemos que impossível ter somente homens bons em uma cidade.
Do ponto de vista social e, sobretudo educativo, Aristóteles deseja que os
indivíduos desempenhem sua função social da melhor forma possível visando atingir o
bem da cidade. Necessariamente todos devem possuir a bondade do bom cidadão, fora
disso, é impossível criar uma unidade na cidade, essa é a condição única para que a
cidade seja melhor. Portanto, a escola de Estado e, mormente, a escola de escrita
(queremos aqui entendê-la como educação infantil) são instrumentos de nossa defesa –
nada mais que isso. Contudo, apesar de todos os avanços, a nossa escola ainda é negada
à maioria dos trabalhadores. Sabemos perfeitamente bem que a escola pública, diga-se
de passagem, não forma alunos em igualdade de oportunidades. “Os direitos culturais
centram-se no direito à identidade, à educação, a informação, à participação na vida
cultural, portanto, à diferença cultural, ao acesso a práticas culturais.” 988
O nosso ethos cultural é historicamente desafinado e sem tonalidade
expressiva. Nós não aprendemos o sentido educativo em sua amplitude. Não se resgata
986
PLATÃO. Carta VII. 325b
987
ARISTÓTELES. Política. III, 2, 1277 a.
988
PEREIRA, Paula Cristina. op. cit. p.22.
348
ou se recupera um estilo ou um modelo de vida após se ter, por longos anos, adquirido
outros hábitos. “A qualidade da educação consiste em recuperar a nossa pertinência
cultural, recuperar a capacidade de inovação e mudança que define a cultura científico-
tecnológico-contemporânea.” 989 O ethos é construído ao longo do tempo, pela educação
e na história política, na legislação de um povo. A nossa educação não é pensada com
crítica e com contestação, longe disso, o sentido político, social, individual, cultural e o
próprio fim vital pertencente a ela, fica em segundo plano.
O próprio objeto de investigação, a paideia, entendida cono cultura,
como arte, como civilidade, como formação omnilateral, como abordamos na
introdução dessa tese é um objeto desvinculado da pesquisa em educação na sociedade
contemporânea. Afirma Lorenzo Luzuriaga: “A vida não é, porém, apenas a vida
individual; é também a vida humana social constituída pelas vidas de todos os homens e
990
que procuram facilitar também a educação.” Notadamente, Aristóteles nos deixou
três condições para entender o ethos de um povo: a natureza, a razão e o costume à
prática. Na verdade, tudo é obra da educação. Na introdução de nossa tese, iniciamos
nossa linha de defesa concordando que a educação pertence por essência à comunidade.
” 991 A educação é da comunidade.
Institucionalizar a educação em nome de uma escola para poucos é
traficar seu verdadeiro sentido. A escola de Platão e de Aristóteles foi engendrada numa
época totalmente distinta da nossa. Por isso, nossa defesa ao Estado e à escola pública.
Se a academia de Platão e, igualmente, o liceu de Aristóteles eram destinados para
poucos afortunados, a nossa escola é para todos, sem exceção. Não uma escola
preparatória e instrumental, fundada em interesses privados ou empresariais, mas uma
escola que cria e inventa humanidades. Sem projetos coletivos, esta era da cibernética,
da máquina, da técnica, portanto da instrumentalização, implica cidadania e democracia
utilitária, prática. Em outras palavras: a trama do tecer político parece estar confinada a
era de um prolongado niilismo técnico, individual, em favor do cientificismo, do poder
empresarial, do capital.
989
NUNES, César Aparecido. As origens da articulação entre filosofia e educação: As origens da
articulação entre filosofia e educação: matrizes conceituais e notas críticas sobre a paideia antiga. In:
LOMBARDI, José Claudinei. (Org.) Pesquisa em Educação: história, filosofia e temas transversais.
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990
LUZURIAGA, Lorenzo. ___. Pedagogia. 7ª ed. Tradução e notas de Lólio Lourenço de Oliveira e J.
B. Damasco Penna. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1970.p.125.
991
JAEGER, Werner. op. cit. 2001. p.4.
349
992
FERREIRA JR. Amarílio; BITTAR, Marisa. op. cit. 2008. Acesso em outubro de 2014. p.639.
993
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. VIII, 1160 a.
994
ibid. VIII, 1160 a.
350
995
DEBORD. Guiy. A sociedade do espetáculo. Tradução Francisco Alvese Afonso Monteiro. Lisboa:
Antígona Editores Refractários, 2012. p.34.
996
ibid. p.9
351
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