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XXIX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – Pelotas - 2019

Características organológicas da Ocarina e sua importância na prática


composicional para o instrumento

MODALIDADE: COMUNICAÇÃO
SUBÁREA: COMPOSIÇÃO

Giovanni de Moraes Aglio


Universidade Estadual Paulista, UNESP- [email protected]

Igor Abdo Aguilar


Universidade Estadual de Campinhas, UNICAMP - [email protected]

Regina Marcondes Amaral


Universidade Estadual Paulista, UNESP - [email protected]

Ricardo Rosa
Universidade Estadual Paulista, UNESP - [email protected]

Resumo: O presente artigo propõe uma análise de possíveis dinâmicas e técnicas estendidas para a
ocarina, a partir da abordagem acústico-organológica do instrumento, visando sua utilização na
prática composicional contemporânea. É feita uma breve contextualização histórica do instrumento
e, posteriormente, são explicadas e analisadas suas características acústicas e organológicas, a fim
de perceber a interferência destas na composição para o instrumento, principalmente em relação a
dinâmicas. Por fim, é feita uma descrição de possíveis técnicas estendidas do instrumento.

Palavras-chave: Organologia. Ocarina. Composição.

Organologic Characteristics of the Ocarina and its Importance to the Composition for the
Instrument

Abstract: The present article proposes an analysis of possible dynamics and extended techniques
for ocarinas, based on the acoustic-organological approach of the instrument, aiming its
application in the contemporary compositional practice. For this, a brief historical
contextualization of the instrument is made and, afterward, its acoustic and organological
characteristics are explained and analysed in order to perceive their influences in composing for
ocarina, especially in relation to dynamics. Finally is made a description of possible extended
techniques of the instrument.

Keywords: Organology. Ocarina. Musical Composition.

1. Introdução
A ocarina é um instrumento ainda pouco estudado academicamente e seu repertório,
apesar de crescente, é ainda escasso. Assim, o presente trabalho busca analisar as capacidades
e particularidades organológicas da ocarina a partir de experimentações composicionais em
repertório recente, escritas e executadas pelos autores do artigo, visando catalogar e descrever
tais particularidades.

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2. Contextualização histórica
Segundo David Ramos (RAMOS, p.9, 2011) as ocarinas, também conhecidas
como flautas globulares, já foram encontradas em culturas centro e sul americanas, sendo
datadas de 10.000 anos, provavelmente usadas como um instrumento ritualístico para a dança
e pastoreio. Somente no meio do século XIX, após a criação do modelo transversal apelidado
“modelo de Budrio” - devido à cidade onde foi criada por Giuseppe Donati - a ocarina foi
aperfeiçoada e passou a ser tratada como um instrumento profissional.
Este novo instrumento, que continha 10 furos, possibilitava uma tessitura de
pouco mais de uma oitava. Para compensar a pequena tessitura, as ocarinas eram tocadas em
quintetos e septetos. O instrumento foi então levado para o mundo, ora como um brinquedo,
ora fabricado como meio de distração para soldados durante as duas guerras mundiais.
No decorrer do século XX, o crescente interesse de compositores como
¹György Ligeti, Leoš Janacek, Krzysztof Penderecki, e mais recentemente Ellie Mäkelä e
Kristopher Maloy por instrumentos menos conhecidos deu à ocarina novas composições e
solos. Após aparecer como tema no jogo de videogame Zelda: Ocarina of Time, a ocarina se
tornou conhecida pelos jovens, e desde então vemos - inclusive no Brasil - novos
instrumentistas e produtores de ocarina. O instrumento foi incorporado à cultura popular
japonesa, onde se desenvolveu o modelo com 12 furos, utilizado até hoje, com maior
tessitura. Este é o modelo que será abordado com maior profundidade no decorrer deste
artigo.

3. Definição e características sonoras


A etimologia da palavra “ocarina” deriva do italiano “oca” (uma espécie de
ganso) e “ina” (um diminutivo da língua) resultando, portanto, em “gansinho”, por sua
semelhança com a cabeça do animal.
A ocarina é um instrumento de sopro de câmara fechada, cujo som é produzido
soprando-se através de uma embocadura (apito). O ar atinge o bisel e vibra dentro da
superfície da câmara de ressonância do instrumento, emitindo um som. A nota musical
resultante depende de quantos furos estão livres ou fechados, ou seja, quanto mais aberturas,
mais aguda é a nota.
Tradicionalmente feita de argila, a ocarina pode ser produzida, também, a partir de
outros materiais como plástico, metal e madeira. Tem formato globular ou transversal. Isso a
torna diferente dos aerofones de tubos, como a flauta transversal e a flauta doce, instrumentos

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em que as alturas dos sons resultantes estão relacionadas ao comprimento da distância


percorrida pela coluna de ar. Já na ocarina, as alturas dos sons produzidos dependem da área
total de furos abertos em relação ao volume total do instrumento. Por isso, a ocarina funciona
como um ²ressonador de Helmholtz.
A ocarina está catalogada na classificação de ³Sachs-Hornbostel em número
421.221.422, embora a catalogação neste sistema não leve em consideração os possíveis
modelos de ocarinas existentes e tocados ainda hoje, como ocarinas de 4, 6, 8, 10 e 12 furos,
em formato ovalado, retangular, alongado ou transversal.

4. A disposição das notas


As notas na ocarina são obtidas fechando-se ou abrindo-se os furos. No caso de
uma ocarina transversal simples, há 10 furos grandes e 2 furos pequenos. Quando todos estes
furos são fechados simultaneamente, é obtida a nota mais grave da ocarina e, quando os dois
pequenos furos são abertos, é obtida a nota base da ocarina, ou seja, a nota da afinação em que
está a ocarina. Uma ocarina com nota base Dó tem afinação em Dó.
As 3 notas mais graves da ocarina (3 notas mais graves do que a nota base) podem
soar um pouco mais fracas em comparação com as demais notas. Isso deve-se ao fato de que,
para produzi-las, é necessária pouquíssima quantidade de ar. Além disso, a sua produção é
feita fechando-se os dois furos pequenos com dedos que já estão sendo utilizados para fechar
furos grandes, o que em geral dificulta passagens rápidas. Por isso, é sugerido que essas notas
sejam utilizadas como acompanhamento rítmico ou seguradas por um tempo relativamente
longo.
As duas notas mais agudas da ocarina, por sua vez, são obtidas retirando-se todos
os dedos dos furos, o que obriga o instrumentista a segurar a ocarina de forma que a equilibre
entre alguns dedos e a boca. Essas notas são utilizadas por diversas vezes tão livremente como
as outras. Porém, a dificuldade deve ser levada em conta, assim como o fato de que nas
ocarinas todas as notas mais agudas tendem a soar naturalmente com maior intensidade,
dificultando a timbragem de um trecho não solista.

5.Extensão e Tessitura
Mesmo tendo passado por um aperfeiçoamento com o modelo de Budrio, a
ocarina ainda é um instrumento de extensão relativamente pequena. Em geral, não tem mais
que uma oitava e uma quarta justa de extensão.

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A extensão limitada da ocarina deve ser considerada ao se compor para o


instrumento. Isso, no entanto, não impediu que compositores como Kristopher Maloy, Ellie
Makela e Toru Takemitsu compusessem concertos para ocarina ou mesmo peças para mais de
uma ocarina para um mesmo intérprete que as alterna durante a performance.

As ocarinas podem ter uma câmara (4-12 furos), duas câmaras (ocarina dupla,
com 8-16 furos) ou três câmaras (ocarina tripla, com 20 furos). Elas estão organizadas de
acordo com suas tessituras, da mais aguda para a mais grave, respectivamente: soprana, alta,
média (ou tenor) e baixa. Geralmente estão divididas em 3 afinações: Dó Maior (mais
comum), Sol Maior e Fá Maior (menos comum). No entanto, é usado um único padrão de
digitação, o que faz das ocarinas instrumentos transpositores.
A tabela abaixo resume as características básicas de cada ocarina transversal, discutidas
acima:

Tabela 1:Quadro de tessituras de ocarinas transversais e suas respectivas afinações.

6. O Sopro
Diferentemente do que ocorre com as flautas cilíndricas, o formato globular das
ocarinas não causa o dobramento de oitava quando soprada com maior intensidade, como na
flauta transversal, por exemplo.

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Por outro lado, na ocarina, a intensidade do sopro pode alterar a afinação da nota
produzida, ocasionando uma diferença de até uma segunda maior. A afinação é, portanto, uma
questão de extremo cuidado, principalmente quando tocada com mais ocarinas ou em
uníssono com outro instrumento. Esta particularidade, no entanto, permite a produção de
“bends” na ocarina, se adaptando muito bem à sonoridade blues/jazz. Outra possibilidade é a
de trabalhar com a música microtonal, adaptável à ocarina.
Em relação ainda à intensidade, em determinadas peças pode-se substituir a
variação deste parâmetro sonoro pela ornamentação. São possíveis todos os tipos de
articulações, trinados, apojaturas e glissandos. Estes últimos devem ser executados mantendo-
se a pressão de sopro estável e escorregando-se o dedo de um furo e abrindo-o
progressivamente, elevando a altura da nota.

7.Dinâmica
Na ocarina, a dinâmica e a afinação são influenciadas pela intensidade do sopro.
Quanto mais grave a nota, menos ela soará, quanto mais aguda a nota, mais soará. Partindo
disso, para realizar três dinâmicas (p, mf e f) para a mesma nota, é preciso mudar a intensidade
do sopro e usar ou a técnica de semi-furos (presente na técnica de flauta doce) ou mudar a
digitação, considerando os diferentes tamanhos dos buracos, para compensar a desafinação.
Focaremos nesta segunda forma, visto que a primeira é mais útil para efeitos como o
glissando.
Na tabela 2 abaixo, há um quadro com a tablatura para cada nota, em três
dinâmicas diferentes - p, mf e f, resultantes de pesquisa e experimentação com auxílio de
afinador. O parâmetro norteante para a construção desta tabela foi que, para uma nota soar
forte (f), é necessário fechar mais a ocarina (seja tapando um buraco grande ou dois buracos
menores que juntos somam o tamanho apropriado) para compensar a afinação alta. Para a nota
soar piano (p), é necessário destampar alguns buracos, e eventualmente substituir por outros
menores, para compensar a afinação baixa.
Como é possível mudar um semitom mantendo a mesma digitação e somente
alterando a intensidade do sopro, em algumas notas, a digitação em piano é idêntica ao
semitom acima (ver notas 8 e 9, por exemplo) ou a digitação em forte é idêntica ao semitom
abaixo (ver notas 1 e 2, por exemplo). Desta forma, é possível expandir essa tabela para mais
gradações de dinâmicas, levando em conta todos esses parâmetros, e até formular outras
digitações.

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Tabela 2: Tablatura de dinâmicas para a ocarina.

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Por ser uma técnica fora do uso tradicional do instrumento, ela não se aplica de
forma constante por toda a extensão das notas da ocarina. A percepção das três dinâmicas é
evidente na região central, enquanto que no grave a diferença é reduzida, e no agudo o
mezzoforte fica próximo ao forte. Abaixo há um gráfico (figura.1) para ilustrar:

Figura 1: Gráfico de frequência e intensidade

Figura 2: excerto musical do arranjo de Carolan’s Concerto

No excerto musical acima, o ré executado na dinâmica f pela ocarina contralto (pauta do


meio) no compasso 9 e o ré executado em dinâmica mf pela mesma ocarina, tem as
respectivas digitações:
Ré f Ré mf

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8. Ocarina na música contemporânea e suas técnicas estendidas

8.1 Manipulação de afinação e quartos de tom:


Como mencionado anteriormente, a ocarina é dinamicamente sensível,
possibilitando usar notas “desafinadas” como microtons. Uma vez que nesse instrumento não
há mudança de registro como nas flautas tubulares, pode-se alterar as digitações de maneira a
alcançar os microtons desejados. Um exemplo disso é tocar um Lá quarto bemol usando ou o
dedo médio ou indicador direito (podendo ser um ou outro conforme a dinâmica desejada).

8.2 Glissando real, um slide acústico:


A ocarina sendo uma flauta globular (421.221.422 Sachs-Hornbostel por MIMO
Consortium) tem condições acústicas que permitem utilizar glissandos livremente dentro das
extensões de cada câmera, possibilitando um glissando de mais de uma oitava, passando pelos
microtons entre as notas de maneira constante. Sendo plausível a duração da nota ao
intérprete, o glissando pode ser tocado de forma rápida ou devagar, a fim de proporcionar uma
exploração timbrística, que ocorre no repertório tradicional do instrumento, por exemplo no
final das frases de Mazurka Pizzichina de Giorgio Pacchioni .

8.3 Multifônicos:
Foram encontradas duas maneiras de se realizar multifônicos na ocarina: ao soprar
pouco menos que o suficiente na mudança de harmônico irá se ouvir a fundamental, o
harmônico e uma camada de ruído, ou seja, um multifônico natural do instrumento. Já o outro
método é cantar e tocar a ocarina simultaneamente, resultando em uma interação da voz com
a ressonância do instrumento na câmara.

8.4 Tapping e sons percussivos:


Ao fechar os furos com suficiente intensidade poder-se-á ouvir (com pouco
volume) uma nota percutida, que pode ser amplificada e explorada num contexto
eletroacústico.

8.5 Ruído:
A câmara do instrumento poderá ser usada como filtro de ruído branco ao aplicar-
se o conceito de síntese subtrativa de duas maneiras possíveis: a primeira é tocar o
instrumento enquanto se aproxima o dedo ao bisel. Ao abrir e fechar os furos, ouve-se uma

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mudança da fundamental ao ruído. A outra maneira é soprar em um furo (de preferência do


dedo indicador ou do dedo médio esquerdo). Assim, ao abrir e fechar os furos tem-se outro
tipo de filtragem de ruído.

8.6 Extensão da tessitura:


A extensão do instrumento pode ser alcançada ao tampar o bisel com a mão em
forma de concha. Assim, não só o volume interno define a altura da nota, mas sim, a soma
deste com o volume entre a mão e o bisel. Essa técnica possibilita chegar até um Mi acima do
final da extensão de uma ocarina Alto em Dó, por exemplo.

9. Considerações finais
Apesar de a ocarina aparecer poucas vezes em catálogos organológicos e de a
literatura acadêmica sobre este instrumento ainda ser escassa, a ocarina desempenhou e
desempenha um papel importante na história humana. Ao longo da História, a ocarina passa
de um simples ressonador de sons indefinidos a um instrumento de estudo e escrita musicais
complexos, com o possível uso de técnicas estendidas resultantes de pesquisa e de exploração
do instrumento na contemporaneidade.
Espera-se, assim, que este artigo gere interesse nos músicos e, de maneira
especial, nos compositores. Enquanto houver ocarinistas e compositores interessados neste
instrumento tão singular, a arte da ocarina poderá se manter forte. Se por um lado a ocarina é
um instrumento de simples características organológicas, por outro, é um instrumento que
oferece várias possibilidades composicionais e interpretativas.

Referências Bibliográficas:
FLETCHER, Neville. H.; ROSSING, Thomas D. The Physics of Musical Instruments. 2ª Ed.
New York: Springer-Verlag New York, Inc., 1998.
HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentals of physics. 9ª Ed.
EUA: John Wiley & Sons, Inc., 2011.
MIMO Consortium (Musical Instruments Museum Online). Revision of the Hornbostel-Sachs
classification of musical instruments by the MIMO Consortium. Local de publicação: Editora,
2011.Disponívelem:<http://network.icom.museum/cimcim/resources/classification-of-
musical-instruments/> Acesso em: 25 mar. 2019.
ORIGENS DA OCARINA. Disponível em: <https://ventokanta.com/origens-da-ocarina/>.
Acesso em 20 mar 2019.

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RAMOS, David Erick . The Ocarina Guide. EUA: 2011. E-book. Disponível em:
<http://daviderickramos.com/store/the-ocarina-guide-pdf-download/>. Acesso em: 25 mar.
2019.
SACHS, Curt. The history of musical instruments. Mineola, Nova Iorque: Dover Publications,
Inc., 2006.SACHS, Curt; HORNBOSTEL, Erich M. von. Classification of Musical
Instruments: Translated from the Original German by Anthony Baines and Klaus P.
Wachsmann. The Galpin Society Journal, Reino Unido, v. 14, p. 3-29, 1961.

Notas
1 As obras referenciadas são: György Ligeti - Concerto for Violin and Orchestra (1989 - 1993); Leoš Janacek -
Ríkadla (1926); Krzysztof Penderecki - The Dream of Jacob (1974) e Symphony No. 8 (2008); Ellie Mäkelä -
Ocarina Concerto (2016); Kristopher Maloy - Visions and Fantasies: Concerto for Ocarina and Orchestra (2010).

2 Ressonância de Helmholtz - é o fenômeno ocorrido quando o ar passa por uma cavidade e ressoa. O
dispositivo que demonstra esse fenômeno é o ressonador de Helmholtz, um ressonador acústico criado por volta
de 1860 pelo físico e matemático alemão Hermann von Helmholtz. Um exemplo de ressonador de Helmholtz é o
som resultante ao soprar-se pelo gargalo de uma garrafa vazia.

3 Sistema desenvolvido pelos musicólogos Sachs e Hornbostel para catalogar os instrumentos musicais.

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