Lavoura Úmida - Dimas Macedo

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DIMAS

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MACEDO

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Macedo, Dimas.
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LAVOTIRA ITNNME
É ruto importante que o crítho
também deva ser visto corno um
orientador que exerce uma tarefa, por
assim dizer, inÍormativa e, portanto,
endereçada ao grande públho, crian-
do um liame entre a obra e o leitor,
tomando, enÍim, acessÍvel a produção l

literária. E Dimas Macedo ao abordar,


no sêu livro LEITUHA E CONJUNTU-
FlA, 35 autores cearenses, cumpriu
esse papel. DaÍ o seu incontestável
mérito.

ÍIrval Altuc Flho


(DlaÍlo do l{üdeste ' 25,8,85)

Vnno acompanhando as incursies


de Dimas Macedo pelos caminhos da
crítica e já não tenho dúvida em aÍir-
mar que em pouco tempo será uma
das mais autênticas revelações de
crítico literário da sua geraçáo.

Joeé Alc{ês Phlo


(Dl&lo do l{údeslê ' 13.0zel)
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LAVOTIRA ÚUME

Prefácio de Sânzio de Azevedo

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Ildttora ()flclna
Fortaleza - 1990
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l,t til!- q'yú{,}''Ê
\»P- Nada concilia a minha angústia
Ponto. Ponto final e necessú,rio, ponto abstrato.
Sou o acrobata dos deuses humild.es.
Salto de c,éu em céu, de trapézio em trapézio,
e nd,o caio.
E o único aplnuso que ainda escuto é o de Deus.
Nã,o sei se sou diuino.
DIMAS MACEDO Abraço-me con'to se eu fosse um outro a n1,e abraçar.
Copyright (c) tggO

l: edição
IRANILDO SAMPAIO

Editora Oficina
Rua_ Tenente Benévolo, Sg3
Fortaleza - Ceará
Fone: 22t.131S

9rp, 9 arte Íinat: Audifax Rios


Foto: Marcus Guitherme
Cornposição: GráÍica O POVO
e TECLA
lmpressão:

lmpresso no Brasil/printerl
Catalogação na Fonte: BpGMp
ln Brazil

Ít/acedo, D imas
L avoura Umida
Fortaleza, Editora OÍicina, 1990
À memórta d,os meus pais, José Zito de
7op. Macedo e Maria El;tete de Macedo, heróis
1. L iteratura Brasileira - poesia anônimos dilncerados peln crença ern urna
l. título ideologin profética, níufragos inocentes du,
CDD. 869.1 estupidez-e da insensi,bilidnde do destirut e,
acima de tudo, testemunhos edificantes de
I
um projeto de resistência fundamentado na
esperunça e no olnor à aerdade.
I

STIMÁRIO

LAVOURA UMIDA
Poema Aceso. 15
lmaginário 17
Lavoura Umida. 19
Teoria do Poema 21
Latifúndio... 23
Utopia. 24
Existência 25
Cristal da Ansia ... 27
Solidão da lnfânci;....... 28
Poema do Desejo 29
Poema do Insólito. 31
O Mito de Lavras.. 33

LEGENDAS
lmproviso Para Horácio Dídimo'.... 37
O Corpo do FreiTito.. 39
Morte no Boqueirão de Lavras 43
Fragmentos da Denunciação
de Pinto Madeira. 45
49
Décimas ao Poeta José Alcides Pinto.

ALGUNS PERFIS
57
Luciano Maia.
5B
Adriano Spínola.
Batista de Lima. -59
{i0
Barros Pinho. (it
Regine Limaverde..
ti')
Marly Vasconcelos
Linhares Filho. til
(i4
Roberto Pontes.
Francisco Carvalho. íi 1r

(i(;
Antônio Girão Barroso'
I

PRETÁCIO

Nascido em Lavras da Mangabeira, berço deFiíza


de Pontes, Filgueiras Lima, Joel eJosaphat Linhares,
hoje saudade, bem como de João Clímaco Bezerra,
Joaryvar Macedo, Linhares Filho, Batista de Lima
e Dias da Silva, além de terra adotiva de Moreira
Campos, é Dimas Macedo - como tive oportunidade
de afirmar publicamente, ao recebê-lo na Academia
Cearense de Letras - um dos mais positivos valores
da geraçáo que ora se firma definitivamente no cenário
cultural do Ceará.
Autor de vários livros de ensaios literários e jurídi-
cos, tem se destacado como poeta: estreando em 1978
com o livro Cor de Estrela (que hoje rejeita), haveria
de marcar sua presença diante dacrítica, porém, com
A Distância de Todas as Coisas, de 1980, com
repercussão em outros Estados, "livro que transmite
na medida exata os mistérios, a beleza, os milagres
da poesia", como diz o trovador César Coelho no
prefácio da obra, que teria segunda ediçáo em 1987.
Foi depois de ler esse livro que Artur Eduardo
Benevides escreveu: "Dimas Macedo é uma legítima
esperança da poesia cear€nse. Nos temas universais
e nos regionais, no registro dos sentimentos, emoções
e memódas, demonstra, <Íe maneira convincente, todo
o seu valor de poeta. E náo tenho dúvida em afirmar
que se trata do início de uma jomada que poderá
ser das mais brilhantes na poesia do Ceará."

Lavoura Úmida 9
I

Vemos, em A Distância de Todas as Coisas,


o lírico, a derramar-se em versos de amor; o pensador,
que busca decifrar os segredos da vida; e, acima de
tudo, o poeta de raízes plantadas no cháo de sua terra
natal, nos versos telúricos em que resgata o rio Salga-
I do, o rio de sua intância. l\4as nas evocaçóes de Lavras
da Mangabeira também vamos encontraÍ o poeta de
notas sociais, verberando a crueldade dos poderosos.
Neste seu novo livro, Lavoura Úmidà, o ffrico
está em poemas como "Imaginário" ("Eu quero a ân-
sia / dos teus braços quero / e a afliçáo / sensual da
tua boca").
O pensador ainda se esconde em trechos como
este, da "Teoria do Poema", que diz: "Nós / os poe-
tas / que amamos o poema / não sabemos / que tipo A nova corda que o poeta acresÇenta ao seu alaúde
de linguagem / se esconde nas asâs do sol." (ou à sua viola, para ser mais nosso) é a dos chamados
Embora em Lavoura Úmida não evoque sua cida- versos de circunstância, gênero este tão encarecido
de com a mesma força e freqüência com que o fazia por Manuel Bandeira, e que constituem os perfis dos
no livro anterior, o poeta da terra está presentc cnr poetas cearenses que fecham o volume. Aliás, fora
alguns passos da obra, como em "Morte no llot;ur:irão mesmo desta parte do livro há outros poemas que
da Lavras" (Eis-me no Boqueirão, / a naturcza onr seguem o mesmo espírito, e deles o ponto mais alto
festa, / o esplendor das águas / inunrllntlo ()s urctls sem dúvia sáo as "Décimas ao Poeta José Alcides
olhos, / as pilastras rla nrclra / corrrlrritttitt<lo o tttctt Pinto", onde é nítida e deliberada a influência da
corpo.") nossa literatura de cordel, até mesmo na irregularidade
O poeta social cstá rruris lilrtc c pn:scrrlo cttt l,a- de alguns versos, que nem sempre ostentam o mesmo
voufa Umida rlo qrrc clrr r;rlrlt;rrcr rlos livros ltttIcriorcs número de sílabas dos demais: "Erótico e comtemplati-
do autor. Como enr "t)lopitr", tlrt: rliz: "ll as multi- vo / exótico assim como um monge / seus versos res-
dóes / sedentas clc .justiçrr / cxiriir:rrrr rr n:núncia da soam ao longe / seu canto é quase profético / seu jeito
quase esquelético / lhe dá à dimãnsâo de um sábio /
opressáo / e hastearanr a harrtlcirir rlrr vitírria / no cora-
é um romancista hábil / porém seu fazer artístico I
çáo da praça." Ou em " l.ati íúntlio", (lr.rc lernbra alguns
passos da poesia revolucionárit rlc Aluízio Medeiros: revela um poeta místico / só no munnuraÍ dos lá-
"Nas léguas do latiílindio / rlorrrrc ír sírga devoran- bios."
te I na sorte do camponês." ()u lúrrrla em "O Corpo Aqui está Dimas Macedo com um novo livro de
do Frei Tito", que abre com esta estrofe: "O corpo poemas, a nos mostÍar que, nele, o ensaísta náo sufo-
do Frei Tito / é uma bandeira cle luÍas I éuma página cou o poeta, um dos mais significativos de sua geração.
viva / de mortificaçóes / e de legendas do povo cea-
rense." Sânzirt rle 4zcvedo

10 Dimas Macedo
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LAVOURA ÚNNIDA

Para Veleda Maria Vieira Bastos e


Isabel Natércia Solott Barreira
t

POEIUA ACESO

Com a face acesa


da linguagem eu canto
e inexplico
a lógica interna do poema
Com o nexo da poesia
eu me oponho
ao dese§pero do mundo
em desencanto
Eu canto em descompasso
apalavraeoencanto {
Eu canto o verbo do corpo
em desalento

Lavoura Úmida 15
l

IMAGINÁRIO

Eu quero a ânsia
dos teus braços quero
e a aflição
sensual da tua boca

Eu ouero a louca
lâmina da minha fantasia
Teço com o vento pastando no teu sexo
asagaeocampasso
do coração alado Com a alvenaria do sol
em movimento eu quero apaz da chama
e ergo da solidão e a concha do Prazer
a elegia do tempo e do espaço. sangrando em rebeldia

16 Dimas Macedo Lavoura Úmida 17


I

LAVOIIRA ÚTUI»A

Vejo-te verde verdade


úmida lavoura
em êxtase de esPanto
Vejo-te ventre
colhido na aragem
e aberto ao repouso

Em ti
diviso a fanüasia
E cultivando o alento da minha possessão
quero com o vento
habitar Vejo-te no sonho
os desertos gerais a bailar
do teu imaginário por sobre a minha ânsia

Lavoura í9
18 Dlmas Macedo
l

TEORIA DO POEII{A

Nós
os poetas
Qle amamos o poema
não sabemos
que tipo de linguagem
Vejo-te na infância se esconde na§asãs do sol
acalentando
a minha alegoria Da nave do sonho
o mito do poema
Em ti lúcido se ánuncia
cansado da espera em auroras de enleio
descubro a poêsia e tardes de magia

20 Dimas Í\Iacedo
Lavoura Úmida 21
LATIFTINDIO

Na solidão do espaço
presa nas asas do vento
nas trevas do latifúndio
a liberdade inexiste
entreadesgraçaeafome
No coração do infortúnio
habita a sombra do medo
Do ventre do poema e a face da violência
explode a solidão arma a trama da desdita
Do rosto do poema
sangra a utopia Nas léguas do latifúndio
que apunhala dorme a saga devorante
o coração trôpego do mundo na sorte do camponês

Lavoura Úmida 23
22 Dimas Macedo
I
I

UTOPIA EXISTÊNCN

A metáfora No silêncio da casa


fluiu do sonho eu me reparto
e o sopro revolucionário Na afliça'o do tédio
invadiu os espaços da esperança eu me enlouqueço
e teço
1

E as multidões na geometria do sonho


sedentas de justiça o e§paço do caos onde navego
exigiram a renúncia da opressão
e hastearam a bandeira da vitória Na solidão da casa
no coração da praça eu pressuponho
a ausência de ti
E vieram os pássaros e me entristeço
no escuro da noite e dissoluto te busco
bicar o coração dos opressores e me com
e celebrar com seu canto no abso do verso
um futuro de luz que se anuncia que te escrevo

24 Dimas Macedo
Lavoura ÚmHa 25
,
I

CRISTAL DA ÂIYSIA

Na superfície da sombra
teço o discurso do empenho
com a perícia do engenho
discuto a arte do sonho
na solidão recomponho
o imaginário do tempo
Na dimensão do quarto persigo o sopro do vento
me nego e reconheço preso nas minhas entranhas
e alimento com atitudes estranhas
no conflito da dor restauro a face da essência
o fantasma da morte e no fundo da consciência
rondando entre os meus dedos guardo o cristal dessa ânsia

26 Dimas Macedo Lavoura úmida 2Z


I

SOLIDÃO DA INFAI{CIA POErr{A Do DESEJO

Uma sensação estranha Diante do teu corpo


me invade como fragrância
a saudade tamaáha
- e sinto e lúcido me encanto
r ---
eq me derramo ein espanto
que da minha infância. em vastos devaneios
Minha solidão imensa Com o halo dos teus seios
já. n-ão se expressa em palavras: eu te venero e canto
e tal como a dor intensâ e ergo para ti
que me faz pensar em Lavras. meu corpo em oferenda
Lavras,,minha amada terra, Deixa então
comoebelaaimensidão que eu te cavalgue o dorso
que campeia enr tua serra que eu te liberte o gozo
do lendário Boqucirào! com a hóstia do mõu falo

28 Dimas l\4acedo
Lavoura 29
I

POEMA DO INSÓLIIO

Deixa que a mansidão invada Com lágrimas literais


os poros do teu corpo chorei a decomposição do teu corpo
e recomponha a lúcida no leito da avenida
exasperação
E vi que do meio do povo
Então pra ti serei a rosa do teu sexo
o cavaleiro andante desabrochava em conchas
o companheiro amante de luz e jatos de mercúrio
o sol iluminando o quarto em
espavento Lamentei a desfiguração
do teu rosto úmido de esPerma
Serei então e da nlacidez das tuas mãos
o teu melhor momento sedentas de carícias
e tu serás pra mim o sentimento libertei as tramas inconclusas
e a luz que invade o espaço da oue consumiam as minhas
emoção tiiviatiOades corriqueiras

30 Dimas lvlacedo Lavoura Úmida 31


,

O MITO DE LATTRAS

Pressinto o mito de Lavras


desgarrado,
num céu de espaços,
como um Deus confuso.
Preso às entranhas do além
Sangrei de dor e desespero busco as metáforas,
ao perceber que o ópio dos teus olhos persigo a indecisão
não mais fitaria que me faz dissoluto.
os espaços impuros
da fome de amor Deslumbrado,
que me consome e alucina entre escombros,
eu me atravesso em abraços,
Com gestos de cristais entre brilhos de luz
beijei a petala me ressuscito,
vermelha dos teus lábios nasço
e flutuei nos escombros da escuridão de Lavras
da minha precária alegoria. e entre o caos me reParto.

Lavoura Úmida 3íl


32 Dimas Macedo
I

D
c
i'1 CI

Com os braços cruzados


eu conquisto os pedaços
da infâircia de Lãvraà
e me lanço insepulto. \
Vejo os desvãos do passado »t
e me escrevo e refaço
e me habito no amor
lI' (0. ,->[ ! 1
como um pássaro absurdo.

LEGENDAS
Para Maria Demétrio Ximenes e
d,o Socorro
34 Dimas Macedo
Maria das Dores Carneiro Caualcante (Dóia)
,

IMPROVISO PARA
HORÁCIO DÍDIMO

No amor tu tens o alento


no poema a solidão
eu Íou te contar Horácio
com a arte do sertão
comoébelooimproviso
que trago no coração.

Ungido com a emoção


da tua arte madura
vou te mostrar o repente
da minha literatura
e cantando direi ao mundo
o valor da tua cultura.

Lavoura Úmlda 37
,

O CORPO DO FREI TITO

O corpo do Frei Tito


é uma bandeira de lutas
e uma página viva
Com as tintas da escritura de mortificações
vou fazer uma elegia e de legendas do povo cearense
para a infância de Horácio
que feita de alegoria Dos sertões de Lavras
e com o enleio da palavra ao cosmopolitismo
vou lavrando a poésia. dos espaços parisienses
o corpo do Frei Tito
Exaltando a simpatia trescala uma proposta
de Horácio eu teço o encanto de fraternidadê e de amor
sendo o poema um enigma
na arte eu vejo o espanto Vive a altivez do Frei Tito
na metáfora do desejo como uma vigília a pairar
Horácio bebe o seu canto. por sobre a solidão dos ditadores

38 Dimas Macedo Lavoura Úmida 39


I

O povo continua sonhando


com o pão da verdade que lhe
falta à mesa
e com uma luz capaz de clarear
os sangradouros da sua alegoria
Com ele libertária
autopiaeapaixão
se fizeram escudos da verdade Que a lição do Frei Tito
e a rebeldia nos sirva de incenso
se ergueu em holocausto Darâ esconiurar a violência
para celebrar o seu último ã afastar o ódio do coração dos
sacrifício opressores
Morreu o Frei Tito Que os restos mortais do Frei Tito
apunhalado pela traição nos desoertem a certeza
mas com ele ressuscita de que à intolerância será
a fome insaciável destruída
de liberdade e de justiça
pois o povo ainda teima e de que os valores essenciais da
em cultivar a resistência existência
e em sonhar com a va nguarda continuarão brotando do coração
de um tempo menos nebuloso dos oprimidos

Lavoura Úmida 4í
40 Dimas Macedo
I

MORTE NO
BOQUEIRÃO DE I,ATüRAS

Lavras da Mangabeira,
barragem do rio Salgado:
eis a torrente
das águas me arrastando !

Eu, em aflição,
rezando a última prece,
a morte a me espreitar
no Boqueirão adiante,
onde a beleza
universal se encerra.
Que a crucificação e as cinzas do
Frei Tito Mística e em anseios
nos sirvam de sementes a serra
e se transformem em viçosos ao meu sofrer assiste
grãos de esperança. atroz é o meu tormento;
-

42 Dimas Macedo Lavoura Úmída 43


I

FRAGMENTOS DA
DENTINCIAÇÃO DE PINTO MADEIRA
o rio impetuoso
me arrasta me arrasta I
a imensidão
-
de uma paz se descerra.
Maldição e culto evoco
Eis-me no Boqueirão, glória ao Santo Padre louvo
a natureza em festa, e ao Coronel de MilÍcias
o esplendor das águas lá da Vila de Jardim
inundando os meus olhos, legendas absolutas
as pilastras da rocha da rebeldia de um povo
comprimindo o meu corpo. nos sertões do Cariri.

Em ânsias deliro, Lavrando o poema


e no prazer fremente, cantarei louvones
me assalta a vastidão ao Império desnudo
de um tempo infindo, Joaquim Pinto Madeira
devolvendo-me à aurora de ti soerguerei o mito
outonal da vida, em abril proscrito
ao abismo da morte do ano da graça
que me vai consumindo. de mil oitocentos e trinta e dois.

44 Dimas Macedo Lavoura Úmida 45


I

Posto em relevo o conflito


travou-se a luta de idéias
restaurou-se a viva chama
dos ideais mais robustos Na luta sem tréguas
fez-se mito o Príncipe Egrégio cem léguas venceste
a Majestade Real cem léguas nas costas
opressor da liberdade de possantes eguas
tirania e rebeldia atravessaste
ave agourenta noturna a vastidão adusta dos sonhos
luxúria das prostitutas. e recriaste
a imagem desfeita do Império.
E mergulhou todo o Vale
nos combates mais tiranos A Coluna do Trono
em legendárias batalhas por ti erigida
lavouras do latifúndio pedestal de honra
seivas da terra florindo bastião de lutas
ve.iop de sangue jorrando opressão e força
miserias nos consumindo sustentáculo
e te celebrando a gloria das tuas decisões autoritárias
para as gerações vindouras dos faustos do tempo
cultuar tua memoria. tombará prostrada para a história.

46 Dimas Macedo Lavoura Umida 47


I

DÉCIMAS AO POETA
JOSE ALCIDES PINTO

Convoco as musas risonhas


com suas formas estéticas
da vida extraio as patéticas
maneiras de ver o mundo
e dos abismos profundos
do ser tal comô um esteta
com a visão de um profeta
e os sonhos de Baudelaire
faço profissão de fé
para falar de um poeta.
Seu nome é José Alcides
E posto que é.s legenda Pinto e provém da ribeira
aroeras em chamas do Acaraú e anda à beira
pelos séculos vindouros da loucura que o consome
das margens do Salgado pronuncrar o seu nome
às ribeiras do Douro é um ato de maldição
pela vastidão dos mares porque o seu coração
crescerão os teus louros não comporta desenganos
disseminados e mator que os oceanos
pelos teus ideais revolucionários. que campeiam a imensidão.

rE Dimas Macedo Lavoura úmida 49


I

E um poeta maldito Ensaísta e teatrólogo


bucólico e visionário tu*, part_e com o Satanás
diabólico e solitário porém não se satisfaz
tal como foi Mallarmé coln a obra que nos- legou
descende dos Tremembés e diz que apenas esboçou
e de um pastor de ciganos parte de sua escritura
inda no verdor dos anos e algumas partituras
teve a visão das quimeras para tocar ao piano
e o rastro da besta-fera antes de findar seus anos
persegue sempre os seus planos. ou no reino da iluminura.
Erótico e contemplativo Tem no sobrenatural
exótico assim como um monge a sua razã,o mais forte
seus versos ressoam ao longe pois acredi ta que a sorte
seu canto é quase profético determina a existência
seu jeito quase esquelético éfatalistaeaciência
he dá a dimensão'de um sábio praeleéodesconhecido
é um romancista hábil e mesmo um enlouquecido
porém seu fazer artístico o criador de "O Drágão"
revela um poeta místico tem mesmo parte com o cão
só no murmurar dos lábios. esse poeta atrevido.

50 Dimas Macedo Lavoura Umida 51


I

E "Editor de Insônia" Maior c{ue as suas idéias


e um homem cheio de estigmas nada existe neste mundo
é o autor de "O Enigma" nem rnesmo os brados profundos
que ainda não deciframos de Cristo preso ao madeino
é o poeta.que amamos nem Antônio Conselheiro
como ao irmão mais querido com a sua nobre missão
é um soldado ferido nem Bonaparte e Platão
nas trincheiras da ilusão nem o ouro que reluz
da guerra em que o coração nada tanto nos seduz
pelo amor foi vencido. quanto a sua pregaçâo"

E um Pedro Malasarte Nem Os Doze Pares de trrança


em artifício e mistério com as suas rnil aventuras
reza no seu batistério nem O Grilo corn as diabruras
que viverá muito além que a ninguém deu descânso
que viveu Matusalém e nem mesmCI Lobo UIanso
com sua melancolia que foi vate de primeira
quando nasceu era dia nem Romano do Teixeira
porém tudo escureceu nem a Luz da existência
quando o Alcides nasceu nada como a inteligência
f"azía sol e chovia dessa figura altaneira.

52 Dimas Macedo Lavoura úrnítlâ''53


, I

Seu pensamento é fantástico


trágico -e pornô a um só tempo
suas palavras os ventos
espalham pelas montanhas
e penetram às nossas entranhas
como mensagens de fé Q
t
seus "Cantos de Lúcifer" 0 E
0 o õ 3
desmistificam ilusões õ 0
I
são tais como as danações q
ô
0 0
do corpo de uma mulhêr.
;
lr

Abutre da Noite Verde I

poeta desconcertante \
1

l;

não se aquieta um instante \

sempre vive a produzir I


o
mesmo tendo que mentir rl
fr

prefere a verdâde nua í

incisiva, fria, crua /


como q de_ Augusto dos Anjos
o acorde dos seus arranio§ ud, g1
pelos espaços flutua.
Ü

AIJGTINS PERFIS

Para AudiÍar Ri,os e Oswald Barroso


54 Dimas Macedo
,

LUCIANO IUAIA

Poeta vou te contar


o Jaguaribe te aquece
tua poesia é uma prece
a um mundo não desvendado
o teu canto é tempestado
como o furor das procelas
aberto como as cancelas
das desgraças do teu povo
tem mesmo algo de novo
o cumaru das janelas

Lavoura Úmida 57
,

ADRIANO SPÍNOLA BATISTA DE LIIVIA

Alucidezeapalavra Quando falo de poesia


são os ossos do seu ofÍcio eulouvooversoearima
seu discurso é um artifício e louvo Batista de Lima
mais belo que as aquarelas louvo o seu jeito de agir
para cantar as favelas o seu canto é o existir
Adriano faz modismo ea de um povo
patente é o seu vanguardismo de um novo
guando utiliza. o repente dé paz e clemência
é mesmo um irreverente o seu canto é a resistência
mágico do pos-modernismo e com o seu canto me comovo

58 Dimas Macedo Lavoura Úmida 59


I

BARROS PINHO REGINE LIIVIATüERDE

A tua infância tem sonhos A ternura de Regine


e natais de barro lunar é toda uma cupidez
tua escritura é sem par seu canto por sua vez
são mesmo azuis os teus mitos esplende amor e certeza
estudando os teus conflitos sua arte é como a beleza
eu te descubro poeta que nos encanta e seduz
eu te anuncio profeta tal como ouro reluz
e diante de ti deponho qual lâmina seu verso espelha
esta decima que componho cristal lirismo e centelha
ao teu perfil de esteta essôncia e jatos de luz

Lavoura Úmida 61
60 Dimas Macedo
I

IVIARLY VASCONCELOS LINHARES FILHO

Sua poesia é insone E fatalista e telúrico


feita de cristais de mágoas lírico e pastor de palavras
serenas tais como as águas nasceu nos sertões de Lavras
são suas lucubrações
junto à sombra dos pomares
seus poemas são sermões é o fruto dos Linharés
de conotação tamanha que mais se desenvolveu
seu discurso é uma montanha tange a lira de Orfeu
sua metáfora é aluz desde o verdor dos seus anos
é signo que nos conduz floresciam os desenganos
rastro que nos acompanha quando o Linhares nasceu.

Lavoura Úmida 6Í]


62 Dimas Macedo
I

ROBERTO PONTES FRÂNCISCO CARVALHO

Amigo vero Roberto Maior que Homero e que Dante


eu te admiro a poesia e que os prados cheios de orvalho
plena de paz e estesia tu és Francisco Carvalho
tua arte é singular um poeta descomunal
igual a ti já não há o teu canto é universal
poetas neste Brasil e repleto de lucidez
o teu canto evoluiu vejo em tua timidez
tem dimensões o teu ser toda a cisma do destino
poeta vou te dizer tuas sextilhas são hinos
tua escritura é sutil que te eternizam por vez

64 Dimas Macedo Lavoura Umida 65


t

O AUTOR
DIMAS MACED},33 anos, natural de Lavras
da Mttng,aheira, recentemente eleito para a Acade-
mia Ceorense de Letras, é considerado um dos
inteler:Írtrtis mais importantes d'a atual conjuntura
AI{TÔNIO GIRÃO BARROSO literáriu tlrt Cettrá.
L'ortto prorlutor de cultura, tem referid'o o seu
norne ou unalisada a sua contribuiçao literária
em nttis de 60 livros dos mais diversos gêneros
culturtris. isto sem contar mais de 20 prefácios
que (s(r(vau Poro livro,s de autores cearenses con-
ternlsor[rrtcos, santlo, por isso mesmo, um dos es-
crilrtre,t rntri'ç r:rttrhecitlos e (ttuon'tes da literatura
(((t r( tl.\'(' t lt' .t tttt,qt rt4'úrt.
t\.loslurkt tlrr rnilitância literária, Dimas Ma-
cetlo sc tetn revelatlo peta brilhante atuaÇao de
st.rtt vitlo pro.f'issional. Professor e Chefe do De-
Antônio Girão Barroso l)ort(tm.ento tle Direito da Universidade de
Forta-
é um grande malabarista lezrt, Mestre em Direito e Professor do Curso de
sua arte é concretista Mestrado em Direito da (Jniversidade Federal do
é rico o seu universo Ceará, Advogado militante na Comarca de Forta-
a metáfora do seu verso leza e Procurador do Estado do Ceará, como cul'
revela a sua cultura tor da literatura jurídica Dimas lt[acedo igual-
mente se tem destacado como jurista de reconhe'
Girão é a escritura cida consideração.
mais lucida da poesia No campo específico do serviço público, exer-
que canta a alegoria ceu os encarSos de Diretor do Departamento de
e tece a literatura Assuntos Culturais ria Secretaria de Cultura e
Desporto do Ceará e, no âmbito tla iniciativa pri-
vada, as funções cle Presidente da Cooperativa
de Cultura do Ceará I'imitada, isto sem contar
a sua atuação como Auditor Titular da Justiça
Desportiva e as suas atribuiçoes como Coorde'
nador Adjunto do Curso de Direito da UNIFOR'

66 Dimas Macedo Lavoura Umloa o/


I

2.06 Em Torno de Juvenal Galeno, in Aspectos, órgáo da


-
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Livraria Gabriel Editora, 2l ediçáo, 1987, 86 p'
31.07.1988.
3. Principais Fontes de Estudo
2. Principais Artigos Putrlicados
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2.42 - A Proteção dos Direitos Ilurnanos no llrasil , in Boletim de Janeiro, Éàiço"t úirante/Empresa Gráfica
Tipo Edi-
do Instituto Cultural do Valc Claririense, Juazeiro do tor, 1981, Pags. 82-84'
FERNANDLS', Apaício' Escritores do Brasil' Vol' 1'
Norte, nt 10, 1983. Rio de
3.03 - 1982'
2.03 - Duas Cearenses Ilustres e Pionciras, in Revista da Socie- Janeiro, c*'p"à"'êtaf'ca Editora Lt<ta'
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Págs- 105-l l0-
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Lavoura Úmida 69
68 Dimas Macedo
I
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3.07 - PINTO, José Alcides. Política da Arte, Fortaleza, Ban-
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3.08 - PORTELA, Carnciro. Poesia de Agora, Fortaleza, Se-
cretaria de Cultura c Desporto, 1981, págs. 47-52.
3.09 - SAMPAIO, I)orian. Anuário do Ceará 84185, Fortale-
za, Stylus Comunicaçóes l,tda, 1985, p. 2l .
3.10 - SANTOS, Paulo César tlos. Cascata de Versos, Petró-
polis, Editora Pirilarnpo, 19t37, p. 52. Dono de uma linguagem limpa e
escorreita, Dimas Macedo encanta
coÍrD prosador, mas, tendo estreado
4. Principais Referências em f ornais e Revistas muito jovem como poeta, deu-lhe a
poesia bem cedo fama e glória, com
4.Ol - AIRES FILHO, Durval. TÉs Livros - Quatro Nomes, lugar de relevo no Parnaso cearense.
in Suplemento de Cultura de Diário do Nordeste, Fortale- (...) Sua arte literária, da melhor quali-
za, edição de 25.08.1985. dade, veio para ficar e aí está diante
4.02 - ALENCAR, Geraldo. Citica e Apresentação de Lavren- dos nossos olhos cheia de graça, en-
ses Ilustres, in Bol. do Instituto Cultural do Vale Cari- canto e beleza.
riense, Juazeiro do Norte, n1 09, 1,982.
4.O3 - BARROSO, Antônio Giráo. Novo Livro de Dimas Mace- Hbeho Ranpr
do, in Tribuna do Cearâ,, Fortaleza, ediçáo de (Trlb0. do.@tâ ' 200&88)
05.04.1986.
4,O4 - BENEVIDES, Artur Eduardo. Cinco Poetas Cearenses
Contempoúneos, in O Povo, Fortaleza, edição de
05.09.1980.
4.05 -
COSTA, Gabriel José da. O Discurso da Constituinte,
in Tribuna do Ceará, Fortaleza, ediçáo de 07.05.1988.
4.06 - CUNHA, Carlos. O Poeta Dimas Macedo, in O Estado
do Maranhâo, Sáo Luiz, odiçâo de 13.09.1980.
D*", Macedo é uma legÍtima es-
perança da poesia cearense. Nos te-
4.O7. - IBIAPINA, Fontes. A Distância de Todas as Coisas,
mas universais e nos regionais, no re-
in Folha do Litoral, Parnaiba, ediçáo de 18.10.1981. gistro dos sentirnentos, emoçÕes e
4.08 - MACIEL, Nilto. Poemas das Lavras de um Poeta, in memórias, demonstra, de maneira
O Povo, Fortaleza, edição de 07.01.1980. convincente; todo o seu valor de poe-
4.09 - PINTO, José Alcides. O Universo Poético de Dimas
ta. E não tenho dúvida em afirmar
Macedo, in Suplemento de Cultura do Diário do Nordes- que se trata de inÍcio de uma jornada
te, Fortaleza, ediçáo de 13.02.1983. que poderá ser das mais brilhantes
4.10 - RAMOS, Ribeiro. Dimas Macedo: Mestre e Poeta, in
Tribuna do Ceará, ForÍaleza, edição de 20.08.1988. na poesia do Ceará.

70 Dimas Macedo ArlrÍ Eúl.ró B€nclrldes


(O Povo - 0í0S.80)

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