15 24 37 455 Publicação Estatuto Do Idoso Dignidade Humana em Foco
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A Velhice no século XXI 1
Paulo Roberto Barbosa Ramos1
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de anos começaram a ser vistas como incompatíveis com essa
nova engenharia social, já que esta passou a exigir do ser humano
vigor físico e muita disposição para o trabalho extenuante, a
ser desempenhado nos primeiros momentos do processo de
industrialização.
Assim, incapazes de participar desse processo por conta de suas
condições de saúde e, nessas condições, dependentes de outros
familiares, especialmente as mulheres, as quais precisavam sair
de suas casas para trabalhar, situaram-se numa condição de
fardo familiar e social, já que obstaculizavam relações sociais
que precisavam ser consolidadas por meio de um novo modelo
de organização doméstica, exigência de uma nova sociedade em
formatação.
Sem pessoas para ampará-los em seus lares e representando
um estorvo ao deslocamento de mão-de-obra feminina, foram
entregues a asilos, instituições que abrigavam todos os indivíduos
considerados sem utilidade social, a como mendigos, deficientes
mentais e físicos e doentes incuráveis.
Por óbvio que essa condição inicial dos velhos na modernidade
não lhes asseguraria a construção de um imaginário positivo. É por
isso que, ainda hoje, associamos a ideia do velho àquilo que não
tem valor, que tem pouca ou nenhuma utilidade e que, portanto,
pode ser descartado, tanto que nos discursos cotidianos, a todo
instante, existe o desejo inconsciente e, muitas vezes, até mesmo
consciente, de descartar e desvalorizar o velho, favorecendo
sempre o novo como algo melhor.
É para enfrentar essa ideia, fortemente enraizada na história, que
se deve concentrar forças no sentido de sua superação, de modo
que principalmente as pessoas, e não propriamente as coisas,
pois não são delas que se estou falando, passem a ter um novo
valor na sociedade. Como, então, assegurar aos velhos algum
valor no momento atual em que o conhecimento é tão dinâmico e
provisório, o que torna a experiência, que muitos velhos possuem
de sobra, algo completamente descartável?
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2. Um novo significado para a velhice: os direitos fundamentais
como estratégia para superação do velho como ser do passado
Até hoje a velhice é associada à experiência. Poucas pessoas não
fazem essa ligação imediata. Quando se pergunta o que a velhice
traz de bom ao ser humano, porque o que traz de ruim todos
sabem e são capazes de arrolar um verdadeiro rosário, respondem
de forma envergonhada: a experiência. Contudo, atualmente, a
experiência realmente significa um ganho para a pessoa idosa?
Em um contexto de grande dinâmica social, as coisas e as pessoas
mudam a cada dia. As ideias e as visões de mundo tornaram-se
praticamente descartáveis. Formas de organização social, até
então alimentadoras de esperanças, desaparecem no ar, como em
um passe de mágica. Nesse ambiente torna-se essencial discutir
se realmente a experiência ainda pode ser traduzida como um
ganho para a pessoa idosa.
Ora, se nem mais a experiência resta como um consolo para a
velhice, o que fazer para tornar essa etapa da vida uma fase em
que efetivamente valha a pena viver e usufruir? (há alguma coisa
a ser usufruída, ainda?). Pois é, a velhice, por incrível que pareça,
ainda é uma fase da vida e, portanto, necessita ser vivida com
dignidade.
A alternativa por meio da qual é possível tirar a velhice desse
impasse, quer dizer, de ser vista como uma fase da vida de
desvalorização do ser humano, em que só há praticamente perdas
(doenças de toda ordem, fragilidade, abandono, discriminação,
desrespeito) e a percepção de que apenas a experiência é agregada
como algo positivo, a qual, inclusive, na sociedade contemporânea
perde esse status em razão de a inovação e a mudança terem mais
valor e importância, é reconhecer a velhice como a própria garantia
do direito à vida, como a afirmação do ser humano como um ser
moral, do qual não podem ser retiradas as condições essenciais de
existência eliminadoras de situações de sofrimento.
Pois bem. Os velhos têm direito a não sofrer, ou sendo o
sofrimento inevitável, a sofrerem o mínimo possível. Para isso
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existem as tecnologias, as instituições, as quais devem garantir
os direitos essenciais e permitir que as pessoas tenham acesso
ao melhor sistema de saúde possível, ao melhor tratamento
existente, a relações familiares livres de violência, a serviços
públicos eficientes e racionais.
Somente com o reconhecimento de que o ser humano durante
toda a sua existência é titular de direitos fundamentais será
possível reverter o processo consoante o qual os velhos são
percebidos como seres inúteis, não importantes. Esse é o caminho
para construir um novo velho, um velho que não traz no acúmulo
de anos a ideia de que seu tempo já passou, pois apesar de muito
tempo vivido, continua vivo e participando do aqui e do agora,
tendo, portanto, direito a todos os bens e benefícios gerados pelo
tempo histórico de sua existência.
3. O risco de ser velho na sociedade brasileira: não há velhice,
há velhices.
Ora, se pretende privilegiar uma concepção diferente do
envelhecimento a de reconhecimento de direitos fundamentais
como atributo inerente a todo o ser humano, necessita-se criar as
condições para que todo o ser humano possa usufruir os direitos
dos quais é titular, porquanto apenas o discurso, pelo menos no
sentido raso que costumeiramente é entendido, é insuficiente
para assegurar aos seres humanos essa nova condição.
É preciso ter essa cautela em virtude do fato de as pessoas
serem diferentes e se encontrarem, também, em situações muito
díspares, tanto que, em relação ao processo de envelhecimento,
não é correto falar em velhice, mas sim em velhices.
A velhice é um fenômeno heterogêneo por excelência. Basta
analisar o cenário que circunda o observador para se constatar
que há velhos ricos e velhos pobres; velhos com família e velhos
sem família; velhos com poucos problemas de saúde e velhos
com muitos problemas de saúde; velhos vítimas de violência e
velhos que não são vítimas de violência; velhos que vivem com
suas famílias e velhos que vivem em instituições asilares e, muitas
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vezes, até nas ruas pedindo esmolas; velhos com idade muito
avançada e velhos ainda mais jovens, se comparados aos que já
acumulam muitos anos, enfim, a velhice propõe um cenário de
grande riqueza de percepção.
Todas essas condições em que se encontram as pessoas com
muitos anos acumulados impõem formas diferentes de vida,
decorrentes de dificuldades muitos específicas. Em sendo assim,
as ações da sociedade e do Estado devem ser desenvolvidas no
sentido de ajudar os velhos a enfrentarem de modo adequado
essas dificuldades.
Para que serve um tipo de política voltada para idosos na família
em que a família desse idoso é completamente desestruturada?
De pouco adiantarão as ações desenvolvidas se a sociedade e o
Estado não colocarem à disposição desses velhos os serviços, os
equipamentos e os recursos humanos para atender eventuais
necessidades não albergadas pela família. A própria Constituição
Federal de 1988, quanto a esse ponto, foi sabiamente redigida.
Nela é possível encontrar dispositivo no qual fica estabelecido
que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar
as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito
à vida.
Não há disposição mais categórica na Constituição de 1988 quanto
à necessidade de comprometimento simultâneo da família, da
sociedade e do Estado no desenvolvimento de ações voltadas à
garantia da dignidade da pessoa idosa. Em não tendo uma dessas
instituições condições de sozinha garantir os direitos das pessoas
idosas, as outras devem agir disponibilizando os recursos que estão
sob seu alcance para atender as necessidades reais das pessoas
idosas. No cotidiano, entretanto, essas ações compartilhadas
ainda não são frequentemente experimentadas, uma vez que
determinados atores estatais, especialmente, colocam obstáculos
ao exercício de sua responsabilidade em relação à pessoa idosa.
Muito recentemente houve um caso em que a filha de uma
senhora com mal de Alzheimer vinha enfrentando muitas
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dificuldades para cuidar da sua mãe, a qual, em razão de sua
doença, ficou completamente dependente. Buscando apoio da
Promotoria de Justiça da Pessoa Idosa para que obrigasse o Poder
Público a ajudá-la, através da contratação de um cuidador e de
outros profissionais, porquanto não mais conseguia trabalhar e
nem mesmo dormir, na medida em que sua mãe não permitia
em razão da doença, não teve seu pleito atendido por parte do
Poder Público, por conta de uma série de desculpas de falta de
recursos. Tão logo uma ação civil pública foi ajuizada e concedida
liminar para garantir da idosa de ser amparada pelo Estado por
meio de apoio dispensado a sua filha, a idosa veio a óbito, o que
revela a falta de compromisso dos atores do Poder Executivo,
especialmente, com a dignidade da pessoa humana, apesar do
que está estabelecido na Constituição Federal de 1988, o que
deixa evidente a tese de Konrad Hesse consoante a qual a força
normativa da constituição depende do compromisso decisivo dos
cidadãos e autoridades.
Situações como essa tendem a aumentar, na medida em que o
número de pessoas velhas no Brasil cresce significativamente e,
com ele, as consequências típicas do processo de envelhecimento,
dentre as quais doenças como Alzheimer e Parkinson, que
comprometem gravemente a lucidez das pessoas que acumulam
muitos anos, deixando-as em situações de grande vulnerabilidade,
especialmente quando não possuem famílias estruturadas ou,
mesmo as tendo, não dispondo essas de estrutura adequada para
ampará-las adequadamente.
4. Políticas públicas e envelhecimento: sem ações estatais
racionais todos os direitos estão ameaçados
Como foi possível perceber, envelhecer na sociedade brasileira
ainda é um grande risco. Mesmo analisando o envelhecimento
como uma grande vitória da população, ainda possui sabor de
fracasso, consoante se pode confirmar no exemplo mencionado
no item anterior.
Quando se registra que o envelhecimento é uma grande vitória
da humanidade e, consequentemente, da sociedade brasileira,
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tem-se em mente que, há pouco mais de um século a expectativa
média de vida da população mundial e brasileira, da mesma
forma, não ultrapassava os trinta e cinco anos, quer dizer, as
pessoas que nasciam nesse período esperavam viver em média
trinta e cinco anos, de modo que alcançar essa idade era ser velho.
Hoje, diferentemente daquele período, a expectativa de vida já se
aproxima, mesmo no Brasil, dos oitenta anos, o que quer dizer
que as pessoas possuem mais tempo de realizar os seus projetos
de vida, desde, é claro, que tenham recursos adequados, dos
quais, lamentavelmente, a maioria não dispõe.
Esse quadro nos impõe um grande desafio: exigir das agências
estatais a implementação de políticas públicas para o atendimento
das necessidades específicas dos idosos, seja por meio de oferta
de instituições de longa permanência devidamente humanizadas,
ainda chamadas asilos, para pessoas velhas vítimas de violência na
família ou pessoas velhas sem família que não tenham condições
de conviver em outros espaços institucionais ou mesmo sozinhas;
sejam por meio da criação de outras modalidades de atendimento,
como casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, serviços de
atendimento domiciliar, casas de passagens, dentre tantos outros.
Portanto, como se percebe, a qualidade do envelhecimento de
uma população significativamente heterogênea como a brasileira,
depende de políticas públicas, quer dizer, de ações estatais
voltadas ao atendimento das demandas do segmento envelhecido
da população, o qual necessita de serviços muito específicos,
principalmente na área de saúde.
5. Modalidades de atendimento ao idoso: não-asilares e asilares
A legislação brasileira, desde 1996, prevê uma série de serviços que
devem ser disponibilizados para as pessoas idosas, dependendo
de suas necessidades. De acordo com o Decreto 1.948/96, o
qual regulamentou a Lei 8.842/94, que dispõe sobre a Política
Nacional do Idoso, há duas modalidades de serviços devem estar
à disposição das pessoas idosas, quais sejam: não-asilares e
asilares.
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As modalidades não-asilares devem se constituir em regra,
porquanto é orientação dos Princípios das Nações Unidas, bem
como da Constituição Federal e da própria Política Nacional do
Idoso, que os velhos mantenham os vínculos familiares e com a
comunidade. As modalidades não-asilares de atendimento estão
previstas no art. 4º do Decreto antes referido, o qual estabelece
quatro modalidades explícitas de atendimento e uma quinta não
especificada, porquanto decorrente de iniciativas surgidas na
própria comunidade a partir de sua própria realidade.
A primeira modalidade de atendimento é chamada de centro de
cuidados diurno, a qual se desenvolve por meio de hospital-dia
ou centro-dia, quer dizer, local destinado à permanência diurna
do idoso dependente ou que possua deficiência temporária e
necessite de assistência médica ou de assistência multiprofissional.
Trata-se de modalidade de grande importância, na medida em
que capaz de estimular a manutenção da dinâmica familiar,
preservando um clima de equilíbrio no seio de famílias que
possuem idosos sem a capacidade de desempenharem sozinhos
às tarefas mínimas da vida diária, como, por exemplo, tomar
banho, alimentar-se, dirigir-se ao banheiro, enfim, tarefas que
tornam uma pessoa independente. Ora, a existência de um centro
de convivência, abarcando a ideia de hospital-dia ou centro-
dia, garante qualidade de vida à família do idoso, bem como ao
próprio idoso, já que essa modalidade impõe que o idoso seja
atendido por equipe multiprofissional durante o dia e retorne ao
convívio de sua família na parte da noite, mantendo, com isso, os
seus vínculos familiares, elemento absolutamente essencial para
sua dignidade.
Além da modalidade centro de convivência, o Decreto 1948/06
também prevê a modalidade casa-lar, a qual pode ser entendida
como residência, em sentido participativo, cedida por instituições
públicas ou privadas, destinada a idosos detentores de renda
insuficiente para sua manutenção e sem família. A proposta de
casa-lar é de grande valia para idosos independentes, sem família
e com renda insuficiente para manutenção de um lar. Ademais, é
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preciso ressaltar que essa modalidade contribui para que idosos
com afinidade possam viver em um mesmo espaço, com a mesma
dinâmica de uma comum, afastando um mal muito corriqueiro na
velhice: a solidão.
A modalidade casa-lar contribui ainda para a manutenção dos
idosos no seio da comunidade, além de permitir que sejam
continuamente assistidos não somente pela comunidade, como
também pelo Poder Público, o qual deverá destacar funcionários
para fazerem visitas periódicas a esses lares, prestando aos idosos,
orientação não somente em relação à higiene, convivência, como
também acompanhado a sua saúde por meio do programa de
saúde da família. Trata-se de uma modalidade muito barata
de atendimento aos idosos, uma vez que eles próprios devem
sustentar a casa com a soma de suas rendas, devendo o Poder
Público ou mesmo a iniciativa privada disponibilizar o espaço e
assegurar a sua condição de habitação.
O mesmo decreto também prevê a modalidade oficina abrigada de
trabalho para atendimento à pessoa idosa, a qual é entendida como
o local destinado ao desenvolvimento, pelo idoso, de atividades
produtivas capazes de lhes proporcionar oportunidade de elevar
sua renda. Na realidade, a modalidade oficina abrigada de trabalho
objetiva capacitar o idoso em uma habilidade que ele já possua, de
modo que com o seu próprio trabalho possa aumentar a sua renda
e, com isso, a sua qualidade de vida. Para que essa modalidade
possa ser efetivada precisa ser estimulada não somente pelo Poder
Público, como também pela iniciativa privada.
Não resta dúvida de que a modalidade de atendimento casa-lar
pode ser oferecida conjuntamente com a modalidade oficina
abrigada de trabalho, porquanto ao mesmo tempo em que
oportuniza aos idosos a possibilidade de viverem com seus
semelhantes de maneira bem mais próxima, permite-lhes
ampliar sua renda e autoestima por meio da valorização de suas
habilidades.
Não bastassem essas inteligentes modalidades de atenção à
pessoa idosa, o Decreto 1.948/96 também assegura à pessoa
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idosa o atendimento domiciliar, o qual pode ser entendido como
o serviço prestado ao idoso que vive só e seja dependente, a
fim de suprir as suas necessidades da vida diária. Esse serviço é
prestado em seu próprio lar, por profissionais da área de saúde
ou por pessoa da própria comunidade, chamadas de cuidadoras.
O atendimento domiciliar, na verdade, é uma obrigação do Estado
em relação aos idosos dependentes aos quais não é aconselhado
o atendimento no centro de cuidados diurno. Por certo, essa
modalidade, em regra, dirige-se a idosos muito dependentes,
os quais necessitam do atendimento de pessoas efetivamente
capacitadas para a garantia de acompanhamento adequado no
manuseio de medicamentos dos quais precisam, bem como de
procedimentos de higiene corretos.
Por certo que famílias muito pobres, as quais possuem pessoas
idosas em seu seio, necessitam do apoio do Estado para garantir
a mínima dignidade aos seus velhos, tanto mais porque essas
pessoas precisam trabalhar e não possuem recursos, por conta
de sua condição de pobreza, para custear a permanência de um
cuidador particular nos seus lares.
O atendimento domiciliar é muito mais que o chamado programa
de saúde da família já precariamente em funcionamento em
todo território nacional. O atendimento domiciliar para idosos
exige assistência permanente e diária, podendo ser realizado por
equipe multiprofissional e de cuidadores, os quais podem cobrir
toda uma comunidade.
Para não fechar as modalidades de atendimento, o Decreto
1.948/06 permite outras formas de atendimento, decorrentes de
iniciativas surgidas na própria comunidade, que visem a promoção
e à integração da pessoa idosa na família e na sociedade.
Importante ressaltar que a modalidade aberta é uma faculdade
permitida pelo Decreto 1.948/06 somente à comunidade e não ao
Estado. O Estado está adstrito às quatro primeiras modalidades,
as quais tem obrigação de oferecer, consoante as necessidades
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da população idosa de cada município. Necessário registrar esse
detalhe porque se tem notícia de uma modalidade não prevista
na legislação, chamada de família acolhedora, desenvolvida no
Rio de Janeiro, em que famílias receberiam uma determinada
quantia para abrigar idosos dependentes que viviam no Asilo
Cristo Redentor.
Tomando conhecimento dessa situação, quando ainda presidia o
Conselho Nacional do Idoso, encaminhei Resolução no sentido de
proibir esse tipo de modalidade amparado no inciso VI, art. 4º
do Decreto 1.948/06, que somente permite outras modalidades
de atendimento se desenvolvidas pela comunidade, tendo como
parâmetro a promoção e integração da pessoa idosa na família.
No caso do Rio de Janeiro havia um encaminhamento político
voltado, não para assegurar os direitos dos idosos, mas para fechar
o asilo Cristo Redentor, submetendo os idosos dependentes a uma
situação no mínimo arriscada, uma vez que as famílias que iriam
recebê-los não possuíam as habilidades adequadas para deles
cuidar e nem com os quais mantinham vínculos afetivos. Ora, se
mesmo em ambientes em que idosos possuem vínculos afetivos
são constantes vítimas de violência, quanto mais em ambientes
familiares em que esses vínculos inexistem.
Para além das modalidades não-asilares, o Decreto 1.948/96
prevê a modalidade asilar, devendo-se considerar que essa
modalidade deve ser vista como exceção. Somente se o idoso não
puder ser atendido em nenhuma das modalidades não-asilares,
as quais devem ser oferecidas pelo Poder Público, poderá ser
encaminhado para asilos, também chamados de instituições de
longa permanência.
De acordo com o parágrafo único do art. 17 do Decreto 1.948/96,
o idoso que não tenha meios de prover à sua própria subsistência,
que não tenha família ou cuja família não tenha condições de
prover à sua manutenção, terá assegurada a assistência asilar, pela
União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.
Portanto, a pessoa idosa somente poderá ser encaminhada para
um asilo, que deve ser uma instituição em que todos os direitos
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fundamentais sejam respeitados, caso as modalidades não-
asilares sejam inadequadas para abrigá-la, não tenha meios de
prover sua subsistência por si ou pela sua família.
Apesar dessa determinação legal é muito comum que famílias
queiram ver-se livres de seus idosos, instalando-os em asilos,
os quais existem não para quebrar vínculos familiares, mas
para garantir a sobrevivência digna de idosos sem família ou
com famílias cuja a convivência represente um risco para eles.
Importante registrar ainda que não é permitida a permanência
de idosos portadores de doenças que exijam assistência médica
permanente ou de assistência de enfermagem intensiva em asilos.
6. A velhice e o ambiente familiar: os velhos são quase sempre
vítimas de violência
No Brasil a grande maioria dos idosos vive com a sua família.
Contudo, é justamente nesse espaço em que são mais atingidos
em sua dignidade por meio de todas as formas de violência, as
quais podem ser em rápida síntese, classificadas em psicológica,
financeira e física.
Os filhos, genros, noras e netos, principalmente, e não somente os
que são dependentes de álcool e outras drogas, costumeiramente,
muitas vezes para garantir seus padrões de vida ou mesmo
sustentar suas famílias, apropriam-se dos rendimentos dos
idosos e de seus bens, deixando-os em situação de grandes
dificuldades. São muitos os idosos que têm suas aposentadorias
e pensões atingidas por empréstimos não autorizados por eles,
mas contraídos por seus familiares, em flagrante abuso de
confiança. E, mesmo diante dessas situações, as próprias vítimas
não denunciam aqueles que subtraem suas rendas em razão dos
vínculos afetivos, os quais são completamente ignorados pelos
seus familiares.
Não bastasse a violência financeira dos quais são vítimas, os idosos
são intimidados a entregar os seus bens aos seus descendentes ou
mesmo a estranhos, por meio de várias formas de chantagens,
caracterizando um tipo de violência que chamamos de psicológica.
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Ademais, a violência física também faz parte do cotidiano de
muitos velhos, principalmente dos acometidos por alguma espécie
de dependência física ou mental, decorrente do Alzheimer,
Parkinson, dentre outras. A própria imprensa constantemente
exibe situações de grande covardia praticadas ou por familiares
ou por pessoas contratadas para cuidar de pessoas idosas.
Trata-se de um cenário relativamente novo em razão da grande
quantidade de pessoas muito velhas hoje presentes na sociedade
brasileira e da incapacidade de esta sociedade, até o presente
momento, de oferecer recursos e um imaginário adequado
para lidar com esse novo contingente populacional bastante
heterogêneo.
Vale registrar que inicialmente pensava-se que o fato de os
idosos, até então completamente subtraídos de qualquer tipo
de assistência estatal no Brasil, fossem, com o recebimento do
benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo,
previsto na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica de
Assistência Social, alcançar um status diferenciado dentro da
família, uma vez que muitas vezes, especialmente nas pequenas
cidades do interior do país, constituem a única fonte de renda
dos lares. Infelizmente não foi o que aconteceu. Consoante já se
registrou, tornaram-se alvo fácil de familiares dependentes de
álcool e drogas e de filhos chantagistas, os quais privam os seus
velhos de condições mínimas de existência, na medida em que se
apropriam de seus rendimentos.
Por outro lado, esses mesmos velhos são muitas vezes, em razão
do seu baixo nível de escolaridade, vítimas de quadrilhas, que os
induzem a assinar documentos sob a justificativa de tratar-se de
mais um benefício que vão adquirir, quando, na verdade, estão
levando-os a assumir empréstimos sem que tenham qualquer
oportunidade de usufruir das quantias contratadas, já que
apropriadas pelas quadrilhas. Assim, ficam apenas com as dívidas,
as quais somente são sentidas no mês seguinte quando se dirigem
às agências bancárias para receber seus benefícios.
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7. A velhice no século XXI: assegurando direitos para todas as
idades
Em virtude das grandes desigualdades, principalmente sociais e
econômicas, com as quais o Brasil ainda se depara a Constituição
Federal de 1988, tradutora do grande pacto com os direitos
fundamentais, ainda não se fez valer suficientemente. Entretanto,
com o aprimoramento democrático, a percepção consoante a qual
o ser humano é um ser de direitos, independentemente de sua
faixa etária, contribuirá para que, nos próximos anos, a percepção
sobre o processo de envelhecimento comece a mudar para uma
compreensão cada vez mais próxima da vontade constitucional.
Não se está impondo uma visão otimista sobre o processo de
envelhecimento, até mesmo porque ninguém, em pleno gozo
de suas faculdades mentais, pode dizer que é agradável ter
osteoporose, câncer, pressão alta, diabetes, Alzheimer, Parkinson,
dentre tantas outras enfermidades especialmente presentes na
velhice.
Esses problemas irão se acentuar na medida em que um número
cada vez maior de pessoas alcançarem índices etários cada vez mais
elevados, mesmo diante da oferta de inúmeros medicamentos,
decorrentes dos avanços das tecnologias médicas, disponíveis
para a diminuição do sofrimento dessas pessoas.
Com um acentuado envelhecimento da população,
inevitavelmente, novos paradigmas surgirão, na medida em que
os velhos se tornarão atores políticos cada vez mais importantes e
influentes na sociedade.
O envelhecimento populacional está preparando o terreno
para uma verdadeira revolução dos idosos, a qual já está
transformando radicalmente o modelo de sociedade em que
se vive. Basta observar que estão surgindo novas perspectivas
de organização da arquitetura das cidades, voltados a derrubar
barreiras arquitetônicas que representam grande obstáculo à
locomoção das pessoas com mobilidade reduzida, novos sistemas
de atendimento de saúde, os quais já estão a exigir novos
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profissionais, novas tecnologias e medicamentos para fazer frente
às doenças que atingem principalmente as pessoas velhas.
Não bastasse isso, há toda uma reflexão sobre o sistema
previdenciário, o qual necessitará ser repensado diante da situação
inevitável de brevemente a sociedade apresentar mais pessoas
jubiladas que na ativa. Mesmo que medidas paliativas comecem
a ser pensadas, como o aumento da idade para aposentadoria,
medidas mais definitivas precisam ser articuladas, de modo a que
sociedade não perca a sua funcionalidade.
Somente esses fenômenos já seriam suficientes para demonstrar
o poder transformador do processo de envelhecimento
populacional. Mas ele não para por aí. Quem cuidará dos idosos
daqui a cinquenta anos se os jovens hoje e velhos de amanhã
não quiserem mais ter filhos e, quando os têm, não ultrapassam
de dois? Por outro lado, com a mudança do papel da mulher na
sociedade a chamada cuidadora natural, desaparecerá, o que
implicará no surgimento em grande escala de instituições para
atendimento dos idosos.
O perfil do idoso brasileiro no século XXI cambiará significativamente,
tanto mais porque a população envelhecida deste século será
muito mais velha, mais informada e mais dependente por
acumular mais anos, contudo, deixará, paradoxalmente, o legado
de uma sociedade mais estruturada e racional, o que não quer
dizer mais afetiva, tudo decorrência de uma nova reengenharia
social.
8. Considerações Finais
O envelhecimento no Brasil ainda se coloca como uma vitória
com sabor de fracasso. Se, por um lado, o acelerado processo
de envelhecimento populacional representa melhoria em várias
políticas públicas, bem como no avanço de tecnologias médias, por
outro lado muitas pessoas ainda não têm acesso a esses benefícios
e o segmento como um todo ainda é alvo de fortes preconceitos
em virtude da associação do envelhecimento com aquilo que não
é útil a uma sociedade em constante transformação.
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Se a experiência não é importante, a velhice perde muito do seu
valor, de modo que é preciso reinventar a velhice, percebendo-a
como um direito humano fundamental, quer dizer como o
coroamento do respeito ao ser humano durante toda a sua
trajetória existencial, uma vez que assegurar a velhice é garantir o
próprio direito à vida para além da sobrevivência, quer dizer, com
dignidade.
Sendo assim, faz-se imprescindível a construção de uma ampla
rede de serviços para a pessoa idosa, considerando as suas reais
necessidades, de modo que possam ter efetivamente assegurados
os seus direitos fundamentais.
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Os Tratados Internacionais e o Estatuto do Idoso:
Rumo a uma Convenção Internacional?
Iadya Gama Maio2
1.Introdução
Atualmente o mundo discute o processo de envelhecimento
populacional, o que certamente trará grandes mudanças,
principalmente no que tange às políticas públicas. Acredito ser
um bom momento para algumas considerações no sentido de
propor instrumentos jurídicos e legais internacionais que sejam
vinculantes, a fim de prever um sistema de garantia de direitos à
população idosa de forma mais igualitária entre os diversos países
que fazem parte da Organização das Nações Unidas (ONU) e da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Sem a pretensão de
esgotar o assunto, talvez seja importante não só a revisão histórica
de como vem acontecendo este processo, mas também questionar
por que o Brasil, mesmo tendo uma das legislações mais avançadas
como o Estatuto do Idoso, precisa dele participar ativamente, e
qual a contribuição que a nossa legislação interna pode oferecer na
construção deste novo sistema internacional.
2 Promotora de Justiça junto ao Ministério Público do Rio Grande do Norte; Doutoranda em Saúde
Pública pela Universidade de São Paulo(USP). Mestra em Direito Constitucional pela UFCE(2003)
e em Gerontologia Social pela Universidade Autônoma de Madri/Espanha. Especialista em MBA-
gestão de negócios pela UNP/IBEMEC.
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2. A transição demográfica e epidemiológica como fatores de
mudanças
A demografia nos mostra que o envelhecimento populacional
mundial é um fato, e trará, por consequência, toda uma nova
estruturação, com impactos políticos, econômicos, sociais e
culturais.
Considerando as informações oriundas do Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (2012) existem hoje
aproximadamente 810 milhões de pessoas com idade igual ou
superior a 60 anos em todo o mundo e a tendência é ultrapassar
a cifra de 2 bilhões em 2050, quando as pessoas mais velhas irão
ultrapassar o número dos mais jovens (menores de 14 anos), pela
primeira vez na história.
Em recente levantamento daPesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2008), sobre a Síntese de Indicadores Sociais, é
visível a mudança no perfil populacional; a expectativa de vida do
brasileiro ao nascer cresceu mais de três anos na última década
e passou de 69,3 anos, em 1997, para 72,7 anos, em 2007; ainda
as mulheres vivem mais tempo: em média 76,5 anos, contra os 69
anos vividos pelos homens.
O envelhecimento não acontece de forma linear em todos
os países ou continentes, uma vez que cada região tem suas
peculiaridades e formas de lidar com este processo inevitável
e será necessário garantirqualidade de vida, tendo em vista o
aumento da expectativa de vida.
A transição epidemiológica e as transformações sociais precisam
ser consideradas. As doenças crônico-degenerativas implicam em
cuidados de longa duração, exigindo-se cada vez mais das áreas
da saúde e da assistência social. Afinal de que qualidade de vida
está se falando?
Diante dos dados elencados, a relevância da temática do
envelhecimento é uma questão mundial, é uma conquista da
humanidade, mas um grande desafio que se coloca.
33
No Brasil, em decorrência da adoção interna de alguns tratados
internacionais e da influência da concepção de Estado Social
Democrático de Direito, não só a Constituição Federal refletiu a
importância da proteção social à velhice, em adotar um sistema
de garantias a pessoas idosas, como também norteou toda uma
legislação infraconstitucional, culminando na aprovação da Lei
Federal n° 10.471, denominada Estatuto do Idoso, que entrou
em vigor em 2003 e que, portanto, está completando 10 anos de
vigência.
3. Os tratados internacionais e o direito ao envelhecimento
No cenário do pós-guerra surgiu a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que introduziu a concepção contemporânea de direitos
humanos, decorrente do princípio da dignidade humana, capaz de
reunir os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais,
marcada pela universalidade e indivisibilidade, que possibilitou
a partir daí a adoção de vários outros tratados internacionais1
voltados à proteção de direitos fundamentais.
Não verificamos de forma explícita nos Tratados Internacionais
de maior amplitude, como na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) ou no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966), exposição referente ao
envelhecimento propriamente dito, que apenas ditam normas de
alcance geral destinada a todos os indivíduos. Somente em 1988,
através do Protocolo Adicional à Convenção Americana referente
aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pacto de San José da
Costa Rica), denominado também de Protocolo de San Salvador,
foram previstas normas de cunho especial referente ao tema,
principalmente no artigo 17 que trata da proteção de pessoas
idosas2.
Portanto, o “Protocolo de San Salvador”, é, até o presente
momento, o único instrumento internacional vinculativo que
incorpora especificamente alguns dos direitos das pessoas idosas,
mas de uma forma muito tímida.
Por sua vez, a Organização das Nações Unidas, reconhecendo
o envelhecimento como uma questão de âmbito mundial,
34
realizou duas Assembleias sobre este tema, em 1982 e 2002,
respectivamente nas cidades de Viena e Madri. Nesta segunda
originou-se um importante documento denominado “Plano de
Ação Internacional sobre Envelhecimento”3, constituindo-se em
um marco fundamental, mas não vinculativo, de caráter orientador
e paradigmático, que influenciaria muitas legislações internas dos
estados, nas quais os Governos afirmaram o conceito de uma
“Sociedade para Todas as Idades”. Este conceito visava garantir
os direitos econômicos, sociais e culturais dos idosos assim como
seus direitos civis e políticos, assistência à saúde, apoio e proteção
social, bem como a eliminação de todas as formas de violência e
discriminação.
A Assembleia Geral das Nações Unidas4 (1991), através da
Resolução 46/91 instituiu carta contendo alguns princípios
aplicáveis à proteção e promoção dos direitos das pessoas idosas:
independência, participação, cuidados especiais e dignidade,
além de instituir o dia 1° de outubro o dia internacional do idoso,
edeterminar o ano de 1999, Ano Internacional das Pessoas Idosas.
Em continuidade, importante ressaltar o papel da Segunda
Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento
na América Latina e no Caribe: uma sociedade para todas as idades
e de proteção social baseada em direitos e a chamada Madri +5,
ocorrida em 2007 no Brasil, que culminou com a denominada
“Carta de Brasília”, fazendo referência expressa:
25. Acordamos solicitar aos países membros do
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
que avaliem a possibilidade de designar um relator
especialencarregado de velar pela promoção e
proteção dos direitos humanos das pessoas idosas;
26. Comprometemo-nos a realizar as consultas
pertinentes com nossos governos para incentivar
a elaboração de uma convenção sobre os direitos
humanos das pessoas idosas no seio das Nações
Unidas;(g.n.)
35
Na cidade do Rio de Janeiro, em 2008, a Secretaria Especial de
Direitos Humanos (SEDH) e o Ministério das Relações Exteriores
brasileiro, com apoio técnico do Centro Latinoamericano e
Caribenho de Demografia (CELADE) - Divisão de População da
CEPAL e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA),
realizou a Primeira Reunião de Seguimento à Declaração de Brasília,
na qual a Associação Nacional de Membros do Ministério Público
de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência -
AMPID teve a oportunidade de apresentar uma primeira proposta
para a convenção internacional sobre direitos da pessoa idosa6,
documento este que depois serviu de base para as demais reuniões
que se seguiram, na Argentina e no Chile em 2009, tendo, nesta
última, se intensificado também a luta para que a Organização
dos Estados Americanos (OEA) realizasse uma sessão especial
de expertos e representantes de governos, para tratar sobre a
viabilidade de preparar uma Convenção Interamericana sobre os
Direitos das Pessoas Idosas. 7
Em 2010, foi publicado estudo do Comitê Consultivo do Conselho
de Direitos Humanos das Nações Unidas acerca da «Necessidade
de uma abordagem de direitos humanos e de um mecanismo
efetivo das Nações Unidas para os direitos humanos das pessoas
idosas”8, dando início às reuniões do Grupo de Trabalho de
Composição Aberta sobre o envelhecimento9, no âmbito da
ONU, reunindo estados e a sociedade civil, já tendo ocorrido duas
reuniões em 2011 e uma em 2012.10 Uma quarta reunião está
prevista para agosto de 2013. Essas discussões têm tratado de
violações de direitos ocorridas em vários países, principalmente
ao que tange à discriminação por idade, maior vulnerabilidade
física e psicológica, violações por parte do descumprimento
positivo das obrigações dos Estados, ou seja, da falta de garantia e
efetividade dos direitos sociais, principalmente na área da saúde
ede aposentadorias e rendas.
A Terceira Conferência Regional Intergovernamental sobre
Envelhecimento na América Latina e Caribe11 foi realizada em
San José, na Costa Rica, em 2012, tendo como objetivo o tema
“Envelhecimento, solidariedade e proteção social: o tempo de
36
avançar para a igualdade”, na qual foi analisada a implementação
dos compromissos assumidos pelos países da região na Declaração
de Brasília, aprovada em 2007 durante a Segunda Conferência,
tendo sido reafirmada a necessidade de se adotar, por parte
das Nações Unidas, uma convenção internacional com caráter
vinculante.
Desde 2009 se discute na Comissão de Assuntos Jurídicos e
Políticos (CAJP) do Conselho Permanente do Grupo de Trabalho
sobre Direitos Humanos das Pessoas Idosas da Organização
dos Estados Americanos-OEA12, a adoção de uma convenção
interamericana.
O assunto tem sido tão difundido que no âmbito do MERCOSUL,
a RAADDHH - Altas Autoridades enMateria de Derechos
Humanos y Cancilleríasdel MERCOSUR y Estados Asociados - vem
empreendendo discussões sobre a matéria.
Não se pode esquecer o papel de destaque dos movimentos sociais,
da sociedade civil13 e dos organismos nacionais e internacionais14:
estes vêm unindo esforços e acompanhando de perto, para que
o tema avance tanto no âmbito da ONU como da OEA, para que
seja criado um instrumento que garanta a defesa dos direitos das
pessoas idosas de forma vinculante.
Por fim, cabe considerar que as discussões têm se dado em
vários espaços e momentos, e que não temos, neste artigo, a
pretensão de esgotar, mas de apenas tentar chamar a atenção
para a necessidade do debate. A proposta encontra muitas
resistências, o que certamente resultará em atraso na sua
aprovação, principalmente: a) pelos países desenvolvidos que
são extremamente refratários à iniciativa, sob argumentos de
que a convenção poderia representar altos custos econômicos;
b) que não existiriam lacunas normativas dentre os tratados
internacionais de direitos humanos vigentes que justifiquem o
investimento e esforço exigidos para redação de uma convenção
específica para idosos; c) que não foi dado o tempo necessário para
que os resultados do Plano de Madri pudessem ser observados; e
d) que o novo projeto resultaria em uma sobreposição de esforços,
37
bem como, o Grupo de trabalho constituído pela ONU não teria
o mandato requerido para receber propostas para elaboração de
uma convenção.
4. A legislação brasileira. O estatuto do idoso
É inegável que o Brasil, ao ser signatário de diversos tratados
internacionais, também adotou uma legislação positiva
assegurando os direitos humanos das pessoas idosas.
O Brasil é um dos países que previu em sua própria Constituição
Federal de 1988, a proteção à velhice, conforme artigo 230.
Em 1994 foi sancionada a Lei Federal nº 8.842, posteriormente
regulamentada pelo Decreto nº 1.948/96, que dispôs sobre a
Política Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa - PNDPI, tendo por
objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições
para promover sua autonomia, integração e participação efetiva
na sociedade, mas que ainda não protegia de forma integral.
Depois do forte ativismo dos movimentos sociais, em 2003, foi
sancionada aLei Federal nº 10.741, que dispõe sobre o Estatuto
do Idoso, reconhecendo, com destaque, ser o envelhecimento um
direito personalíssimo e sua proteção, um direito social (artigo 8º).
O Estatuto do Idoso, não só foi um marco jurídico e político
importante, como também mostrou ser uma lei amplamente
inovadora, ousada e avançada, além de protetiva deste grupo
vulnerável, e que assegurou, com absoluta prioridade, a efetivação
do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao
esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade,
ao respeito e à convivência familiar e comunitária, dentre outros.
Ao lado da garantia de direitos, ordenou todo um sistema protetivo
de resguardar estes direitos, com o devido acesso à justiça, e a
previsão de crimes que procuram evitar que a pessoa idosa seja
objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência,
crueldade ou opressão.
Além de todo o arcabouço legal15 o Brasil, adotando a linha da
democracia participativa, instituiu os Conselhos de Direito das
38
Pessoas Idosas em todos os níveis da federação, que constituem
espaços de definição de diretrizes, fiscalização e acompanhamento
das políticas públicas. A partir de 2009, a Política Nacional do
Idoso passou a ser coordenada diretamente pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR16, o que
representou um grande marco, dando mais visibilidade política ao
segmento idoso.
Também devem ser mencionadas as Conferências Nacionais17,
Estaduais e Municipais, que são espaços de debate e de
participação decisória da sociedade civil na formulação de
políticas públicas, e os Programas Nacionais de Direitos Humanos
(PNDH I, II e III), lançados pelo governo brasileiro18 entre 1996 a
2010. Estes buscamconcretizar a promoção e defesa dos Direitos
Humanos, prevendo também a valorização da pessoa idosa e a
sua participação na sociedade.
1. Por que uma convenção específica? E por que o Brasil precisa
participar mesmo já tendo uma legislação nacional sobre o
tema?
A base conceitual da Convenção Internacional dos Direitos
das Pessoas Idosas é a mudança de paradigma da perspectiva
biológica e assistencial para a visão social dos direitos humanos,
visando eliminar todas as formas de discriminação, entre outras,
a discriminação por motivos de idade. É reconhecer também
que as pessoas, à medida que envelhecem, devem desfrutar de
uma vida plena, com saúde, segurança e participação ativa na
vida econômica, social, cultural e política de suas sociedades.
É fundamental o reconhecimento da dignidade dos idosos e a
eliminação de todas as formas de abandono, abuso e violência,
bem como a tarefa de incorporar eficazmente o envelhecimento
nas estratégias, políticas e ações socioeconômicas.
Ter uma convenção específica para pessoas idosas é reconhecer
esse coletivo em seu contexto peculiar, que requer proteção
específica para ter acesso ao pleno usufruto dos seus direitos
genéricos, não providos pela descrição genérica dos direitos
39
contidos nos demais tratados existentes, pois é indispensável
incorporar a questão do envelhecimento aos programas mundiais.
Esta convenção, como mecanismo de proteção de direitos
humanos, faz parte de projeto estratégico de visibilidade do
público-beneficiário. Por ser temática, aprofunda conhecimentos
teóricos e práticos sobre os direitos humanos de pessoas idosas e
atende as suas demandas, podendo servir de referência positiva
para os demais órgãos de monitoramento.
Tratados dessa natureza têm também função educativa e podem
auxiliar as organizações que trabalham junto às pessoas idosas
a provocar as mudanças necessárias na legislação, influenciar as
políticas públicas e práticas locais, atuando ainda na formação de
opinião pública. Possibilitam também a incorporação das pessoas
idosas na pauta internacional de direitos humanos e na agenda
socioeconômica de desenvolvimento.
Instrumentos de força jurídica coercitiva tendem a fortalecer a luta
pela conquista de direitos e o movimento de reivindicações junto
aos Estados, na cobrança de suas responsabilidades na promoção
de políticas públicas inclusivas. A Convenção vem, pois, clarificar
as obrigações dos Estados-Parte e os direitos das pessoas idosas,
com regras de monitoramento, tendo em vista a eficácia da sua
aplicação.
Há quem diga que a adoção de uma convenção específica
perpetua o estereótipo e o preconceito em relação à velhice. Se
isto não aconteceu na adoção de convenções específicas sobre
raça, mulher, criança e pessoa com deficiência, porque haveria de
ser com as pessoas idosas?
As normas que em si não resolvem todas as questões, mas
oferecem poderosas ferramentas para a defesa e garantia do
exercício de direitos, principalmente no combate as formas de
violência com base no respeito à diversidade, a equiparação de
oportunidades e a busca da autonomia pessoal e coletiva levam à
conquista do direito à vida no sentido pleno.
Em que pese nossa legislação ter a Carta Magna e diversas leis
que respaldam os direitos das pessoas idosas, a presença do Brasil
40
nesta Convenção é de profunda importância por demonstrar nossa
experiência na matéria, ser agente multiplicador e agregador,
além do conhecimento acumulado na área de direitos humanos,
tendo se apropriado cada vez mais das políticas, leis e práticas
inclusivas no Brasil.
É verdade que até o presente momento, treze países
latinoamericanos19 já adotaram legislações específicas em matéria
de proteção à pessoa idosa, mas uma convenção, certamente
iria contribuir para diminuir a enorme gama de ambiguidades e
disparidades em relação à forma e ao sistema com que os países
reconhecem os direitos das pessoas idosas, procurando dar mais
uniformidade e reforçando a implementação de políticas públicas.
Por fim, e não menos importante, existe o “Princípio da
Solidariedade”entre os povos e países em que se faz necessário
observar a promoção e a construção de sociedades mais justas
e equitativas, para estimular uma cultura de paz, centrada no
intercâmbio, no diálogo intercultural e na cooperação, visando
a alcançar uma melhor convivência nacional e internacional;
respeito à responsabilidade mútua entre os diversos Estados,
sendo que o Brasil previu expressamente e se obrigou a observar,
em suas relações internacionais, a cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade, bem como buscar a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latinoamericana de
nações, conforme se verifica na sua própria Constituição Federal,
artigo 4º, inciso IX e parágrafo único.
2. Conclusão
Embora o envelhecimento saudável seja uma das grandes
conquistas da humanidade, ele também representa desafios
para as diferentes sociedades, particularmente para países em
desenvolvimento, como o Brasil, que deveriam dispor de recursos
para atender às necessidades básicas de saúde e sociais dos
indivíduos idosos.
Pode-se observar que o Brasil avançou nestes últimos 10 anos de
vigência do Estatuto do Idoso, na esfera legislativa/normativa,
41
mas não se pode afirmar o mesmo em termos de políticas
públicas voltadas exclusivamente à pessoa idosa. É certo que
tenha implantado projetos importantes, como por exemplo; o
programa do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), que recebe
denúncias de violência ou o programa do Benefício de Prestação
Continuada (BPC), mas ainda há muito a ser feito no âmbito
interno. Percebe-se certa “artificialidade”, sendo que muitos
programas sãomeramente protocolares, descritivos, desprovidos
de qualquer conteúdo mais eficaz.
Infelizmente, existe uma gama de direitos sociais, que na prática,
nosso país ainda não estabeleceu como prioridade e necessitam
ser garantidos através da prestação de serviços por parte do
poder público. Se analisarmos o documento denominado
Informe Brasil para a III Conferência Regional Intergovernamental
sobreEnvelhecimento na América Latina e Caribe”20 apresentado
pelo próprio Governo em 2012, verificamos que as políticas
adotadas não possuem uma realidade prática de proteção focada
à pessoa idosa. Muitas vezes são programas genéricos, nos quais
o idoso pode ser inserido, mas que ainda não se coadunam com
os anseios da população idosa. O que ela realmente deseja? Basta
ver que muitas das deliberações, advindas das três Conferências
Nacionais já realizadas, não foram sequer executadas ou postas
em prática, ou melhor, foram totalmente ignoradas! Não há
muitos dados ou registros que possam ser consultados, pelo
menos no âmbito federal, que possam expressar quais foram os
impactos reais causados pela adoção destas políticas no cotidiano
das pessoas idosas. O que mudou? Quais as efetivas necessidades
deste segmento, por regiões? Vacinar é importante, sem dúvida,
mas onde se encontram as discussões sobre os cuidados de
longa duração de pessoas idosas que sofrem de doenças crônico-
degenerativas e que necessitam de apoio?
Quanto à atuação do Ministério Público, em uma visão geral,
entendo que este possui o dever constitucional de atuar na
fiscalização e de auxiliar na construção de políticas públicas
eficientes, principalmente na estruturação de uma rede de apoio
à pessoa idosa e transformarpara melhor a realidade social.
42
Na seara internacional, caminha-se a passos lentos. Será que
conseguiremos aprovar uma convenção sobre os direitos
humanos das pessoas idosas?
Cabe ainda considerar que a Associação Nacional de Membros do
Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas
com Deficiência-AMPID, como sociedade civil interessada, vem
acompanhando as discussões que vem sendo travada no Brasil,
América Latina e na própria ONU e OEA, sobre a necessidade de
ser adotar uma Convenção Internacional dos Direitos do Idoso,
bem como a criação de uma Relatoria Especial para os Direitos
Humanos dos Idosos nas Nações Unidas com o objetivo de
impulsionar esta discussão no âmbito internacional.
Notas:
1. O Brasil, por exemplo, a partir da Carta de 1988, importantes tratados internacionais de direitos
humanos foram ratificados, dentre eles, destaque-se a ratificação: a) da Convenção Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) da Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) da Convenção so-
bre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) da Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de
setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) do Protocolo à Convenção Americana referente
à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) do Protocolo à Convenção. Americana
referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto
de 1996; j) da Convenção Interamericana para Eliminação de todas as formas de Discriminação con-
tra Pessoas Portadoras de Deficiência, em 15 de agosto de 2001; k) do Estatuto de Roma, que cria
o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002; l) do Protocolo Facultativo à Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002;
m) do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento de
Crianças em Conflitos Armados, em 27 de janeiro de 2004; n) do Protocolo Facultativo à Conven-
ção sobre os Direitos da Criança sobre Venda, Prostituição e Pornografia Infantis, também em 27
de janeiro de 2004; o) do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, em 11 de janeiro de
2007 e p) A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, através do decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.
2. Proteção de pessoas idosas. Toda pessoa tem direito à proteção especial na velhice. Nesse senti-
do, os Estados Partes comprometem-se a adotar de maneira progressiva as medidas necessárias a
fim de pôr em prática este direito e, especialmente, a:a. Proporcionar instalações adequadas, bem
como alimentação e assistência médica especializada, às pessoas de idade avançada que careçam
delas e não estejam em condições de provê-las por seus próprios meios; b. Executar programas tra-
balhistas específicos destinados a dar a pessoas idosas a possibilidade de realizar atividade produti-
va adequada às suas capacidades, respeitando sua vocação ou desejos; c. Promover a formação de
organizações sociais destinadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas.
3. Cabe aqui ressaltar que países importantes como Estados Unidos e Canadá não assinaram, até
hoje, este Protocolo conforme site a seguir;
http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/f.Protocolo_de_San_Salvador_Ratif..htm.
43
4. Proclamação sobre o Envelhecimento, G.A. res. 47/5, 47 ONU Supl. (N º 49) aos 13 anos, ONU
Doc. A/47/49 (1992).http://www1.umn.edu/humanrts/resolutions/47/5GA1992.html. Acessado
em 23.04.2013. Ver também ONU- Resolução 3137, de 14 de dezembro de 1973, Resolucão 37/51,
de 3 de dezembro de 1982, Resolução 46/91, de 16 de dezembro de 1991, Resolução 57/167, de
18 de dezembro de 2002, Resolução 58/134, de 22 de dezembro de 2003, Resolução 60/135, de
16 de dezembro de 2005, Resolução 61/142, de 19 de dezembro de 2006, Resolução 62/130, de
18 de dezembro de 2007, Resolução 63/151, de 18 de dezembro de 2008, Resolução 64/132, de
18 de dezembro de 2009, Resolução 65/182 de 21 de dezembro de 2010, Resolução 67/449, de
29 de novembro de 2012.
5. http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_informes/11.pdf.Acessado em
24.04.2013.
6.Consulte o documento em http://www.ampid.org.br/ampid/Docs_ID/Conv_PessoaIdosa.php.
Acessado em 24.04.2013.
7. Dias 21 e 22 de maio, em Buenos Aires, a Segunda Reunião de seguimento da Declaração de
Brasília, e nos dias 5 e 6 de outubro, em Santiago, a Terceira Reunião de seguimento da Declaração
de Brasília Vale salientar que outras reuniões foram feitas ao longo destes anos, que são encon-
tros internacionais de seguimento da Declaração de Brasília, visando a promoção dos direitos das
pessoas idosas e principalmente para discutir a adoção de um instrumento jurídico vinculante,
geralmente organizados pelo CELADE/CEPAL.
Ver http://www.cepal.org/celade/envejecimiento/. Acessado em 25.04.2013. Dentre as conclu-
sões da reunião ocorrida em Santiago destaca-se o item que destaca a necessidade de se “solicitar
ao Ministério das Relações Exteriores de cada governo gestionar junto a missão de seu pais na Or-
ganização dos Estados Americanos(OEA), WASHIGTON DC, a realização de uma sessão especial de
expertos e representantes de governos, que trate sobre a viabilidade de preparar uma Convenção
Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, com o apoio da Organização Panamericana de
Saúde (OPS) e da CEPAL, tal como foi estabelecido pela Assembleia Geral da OEA em sua Resolução
AD;RES, 2455 do 39ª período de sessões celebrada em São Pedro Sula ( Honduras em 4 de julho
de 2009).”
8.A/HRC/AC/4/CRP.http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/advisorycommittee/ses-
sion4/documentation.htm. Acessado em 24.04.2013.
9. Grupo das Nações Unidas de Trabalho Aberto (OEWG) é um novo grupo de trabalho da ONU
que foi criada por uma decisão tomada em uma resolução na Assembleia Geral 2010 (Resolução A/
RES/65/182 em: http://social.un.org/ageing-working-group/). Acessado em 24.04.2013.
10.Consultar http://social.un.org/ageing-working-group/documents/AAC27820121Spanish.pdf.
Acessado em 24.04.2013.
11.http://www.sedh.gov.br/pessoa_idosa/carta-de-sao-jose/Carta_San_Jose_maio_2012.pdf.
Acessado em 24.04.2013.
12. OEA (Organização dos Estados Americanos)OEA- Resoluções AG/RES.. 2455(XXXIX-O/09), AG/
RES. 2562 (XL-O/10)- Direitos Humanos e Pessoa Idosa, aprovada em 8 de junho de 2010, e AG/
RES.2654(XLI-O/11).
Consultarhttp://www.oas.org/consejo/sp/cajp/Personas%20Mayores.asp. Acessado em
24.04.2013. “Los Estados Miembros de la OEA, a través de cuatroresoluciones consecutivas de
laAsamblea General entre losaños 2009 y 2012, han reafirmado lanecesidad de elaborar un instru-
mento interamericano sobre losderechos de las personas mayores. Para tal fin, laSecretaríaEjecuti-
va para elDesarrollo Integral, a través del Departamento de Desarrollo Social y Empleo, acompaña
a los Estados Miembrosenelproceso, junto conlasociedad civil, conaccionestendientes a lacreación
de conciencia y difu
44
sión de laimportanciadel tema, así como elestudio y promoción de buenas políticas públicas diri-
gidas a la tutela de losderechos humanos de las personas mayores.” http://www.oas.org/es/sedi/
ddse/paginas/index-5.asp. Acessado em 25.04.2013.
13. Reunión Regional de Sociedad Civil sobre Envejecimiento Madrid +10: Del Plan a laAcción, San
José, Costa Rica, 6, 7 y8 de mayo de 2012. http://www.corporacioncec.cl/documentos_relaciona-
dos.html. Acessado em 25.04.2013.
14. Só para citar alguns: AMPID, SBGG, ANG (Brasil), HelpAge Internacional, Global ActionAging,
IAGG, CARITAS, INPEA, CEPAL/CELADE, OMS, OPS, OISS (organismos internacionais), sem falar nos
vários fóruns que vem sendo realizados em paralelos às reuniões oficiais.
15. Cabe aqui referir que existem inúmeras leis que protegem a pessoa idosa, como por exemplo,
lei que disciplinam a saúde, a assistência social dentre outros.
16. http://www.sedh.gov.br/acessoainformacao/acoes-e-programas/pessoa-idosa. Acessado em
25.04.2013.
17. 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa: 23 a 26 de maio de 2006. Construindo
a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa – RENADI; 2ª Conferência Nacional dos
Direitos da Pessoa Idosa: 18 a 20 de março de 2009.“Avaliação da Rede Nacional de Proteção e
Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa: Avanços e Desafios; 3ª”. Conferência Nacional dos Direitos
da Pessoa Idosa, 23 a 25 de novembro de 2011. O compromisso de todos por um envelhecimento
digno no Brasil.
18. http://www.sedh.gov.br/clientes/sedh/sedh/pndh. Acessado em 25.04.2013.
19. Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua,
Paraguai, Peru, República Dominicana e a Venezuela. Argentina, Bolívia, Panamá e Chile estariam
ainda em vias de discussões internas.
20. O conteúdo do documento pode ser verificado em www.sedh.gov.br/pessoa_idosa/carta-de-
sao-jose/informe.doc. Acessado em 25.04.2013.
21.http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/noticias/2012/209-populacao-com-mais-de-60-a-
nos-alcancara-1-bilhao-de-pessoas-em-uma-decada. Acessado em 25.04.2013.
45
Acesso do Cidadão Idoso à Justiça
Waldir Macieira da Costa Filho3
I. Introdução
A lei 10.741 de 03 de outubro de 2003, denominado Estatuto
do Idoso, que completa este ano dez anos de existência, é mais
um reflexo, uma consequência, de uma lei maior: a Constituição
Federal do Brasil de 1988, chamada “Carta Cidadã”.
É nessa Carta Cidadã, que completa vinte e cinco anos nesse
mesmo mês de outubro, que encontramos os parâmetros e
princípios que norteiam o referido estatuto. Pois, ao ser gestada
dentro de ares de redemocratização da Nação e preservação dos
direitos humanos, trouxe à luz a concepção de uma sociedade
inclusiva, que aceita a todos e oportuniza a estes autonomia e
mobilidade social. A começar pelo disposto no art.3º, IV, que traz
o principio da igualdade material, que constitui um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, onde se deve
garantir e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
3 Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, Titular da 1a. Promotoria
de Justiça de Defesa do Idoso e Pessoa com Deficiência da Capital; Professor do Curso
de Pós-Graduação em Gerontologia do Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA;
Membro titular do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE)
junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República representando a
AMPID.
46
O Art. 230 da mesma Carta atribui à família, a sociedade e o
Estado o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar e garantindo-lhes o direito à vida. A partir dessas diretrizes
constitucionais era necessário criar um documento regulatório
que instrumentalizasse direitos e políticas publicas especificas aos
nossos velhos. A Lei 8.842 de 04 de janeiro 1994, que instituiu a
política Nacional do Idoso, e que se baseava na tríade - autonomia,
integração e participação efetiva na sociedade do idoso - na
verdade foi uma grande carta de intenção, porém quase nada de
efetivo trouxe para mudar a realidade do segmento da terceira
idade no Brasil. É realmente o Estatuto do Idoso, que entrou em
vigor no dia 1º de janeiro de 2004, que vem instrumentalizar e
operacionalizar garantias e direitos aos idosos no País.
O projeto de lei do estatuto já estava há mais de oito anos
no Congresso tramitando, mas as pressões da sociedade
civil organizada, principalmente os movimentos de idosos e
aposentados, que representam mais de 12% da população
brasileira, fez com que houvesse um esforço dos parlamentares
para sua aprovação. Não havia mais o que esperar, os idosos
precisavam de uma carta mais explícita de seus direitos e que
pudesse trazer mecanismos jurídicos de exigi-los, inclusive
judicialmente. Cabe, neste sentido, aproveitar as palavras de
Simone de Beauvoir4 no seu famoso livro “A Velhice”:
Paremos de trapacear; o sentido de nossa vida está em questão do
futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos
quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos
neles. Isto é necessário, se quisermos assumir em sua totalidade
nossa condição humana. Para começar, não aceitaremos mais
com indiferença a infelicidade da idade avançada, mas sentiremos
que é algo que nos diz respeito. Somos nós os interessados. Essa
infelicidade denuncia contundentemente o sistema de exploração
no qual vivemos. O velho incapaz de suprir suas necessidades
representa sempre uma carga. Mas nas coletividades onde reina
certa igualdade - no interior de uma coletividade rural, em alguns
4 in A Velhice,pág.12, Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1990.
47
povos primitivos - o homem maduro, mesmo não querendo sabê-
lo, sabe, entretanto, que amanhã sua condição será aquela que
ele destina hoje ao velho.
Porém, o advento desse diploma de proteção à velhice, por si
só não resultou imediatamente em efetivação de direitos e,
principalmente, na dignidade do idoso em nosso meio. Não raro
pessoas físicas e jurídicas deixam de atender ao que preceituam
os dispositivos da lei, seja por ação ou omissão, e que ensejam
a necessária adoção de medidas judiciais para a garantia
desses interesses individuais, difusos, coletivos ou individuais
homogêneos do contingente envelhecido da população brasileira.
O Estatuto do Idoso traz normas substantivas e instrumentais, para
que, caso não sejam cumpridos os direitos substantivos, possam
os idosos ou seus representantes dispor de instrumentos jurídicos
para exigir o cumprimento daqueles, inclusive de maneira célere.
Entre estas normas instrumentais estão aquelas que possibilitam
um acesso adequado à Justiça, como os dispostos nos art.69 a
71 do Estatuto, que em comunicação com outras leis processuais,
são ferramentas essenciais ao idoso, seja ele autor, réu ou
interveniente em um processo administrativo ou judicial.
II- Acesso à Justiça
O jurista italiano Mauro Capelletti, no seu famoso livro “Acesso à
Justiça”5, sustentou que o interesse em torno do acesso efetivo
à Justiça no mundo ocidental o levou a três posições básicas,
definida em três ondas: a primeira onda englobaria a assistência
judiciária para os pobres, garantindo isenção de custas e advogados
gratuitos e remunerados pelo estado; a segunda onda garantiria a
representação dos interesses difusos, resultando na mudança do
paradigma do processo judicial, que se restringiria somente como
um assunto entre autor e réu, para a criação e implementação de
regras para o procedimento e atuação dos juízes e órgãos, como
Ministério Público, para facilitar a resolução de demandas por
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; e a terceira
onda vai mais além, procurando mecanismos de uma Justiça mais
5 Rio Grande do Sul: Antônio Fabris, 1988.
48
célere, mais efetiva em relação aos direitos substantivos (o que
está escrito nas normas) que são reclamados.
Para Capelletti o sistema judiciário precisa usar métodos mais
eficientes para suprir a enorme demanda de processos existentes,
diminuindo os litígios e garantindo uma eficaz aplicação da lei e
do direito. Como bem diz o referido autor na p.26 da mesma obra,
o problema de execução das leis que se destinam a proteger
e beneficiar as camadas menos afortunadas da sociedade é
geral. Não é possível, nem desejável resolver tais problemas
com advogados apenas, isto é, com uma representação judicial
aperfeiçoada. Entre outras coisas, nós aprendemos, agora, que
esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos
procedimentais que os tornem exequíveis. Como afirma Jacob:
São as regras de procedimento que insuflam vida nos direitos
substantivos, são elas que os ativam, para torná-los efetivos.
Dentro desse panorama o Brasil criou, nas últimas décadas,
mecanismos para um melhor acesso à Justiça das minorias, entre
os quais, o aperfeiçoamento da ação civil pública (nos casos
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e
indisponíveis), onde o Ministério Público é um dos legitimados
a propô-la; a criação de procedimentos especiais, como a ação
monitória; a previsão dos Juizados Especiais para causas de valor
menos elevado e que não exijam prova pericial complexa; a
limitação às hipóteses de cabimento de alguns recursos; a previsão
da assistência judiciária gratuita, inclusive com a efetivação
e aparelhamento das Defensorias Públicas em todo o País; a
implantação do processo eletrônico, diminuindo a burocracia e
aumentando a celeridade nas respostas aos envolvidos na lide; e,
dentre outros, a prioridade de tramitação dos processos judiciais e
administrativos cujas partes ou intervenientes tenham idade igual
ou superior a 60 anos, previstos nos arts.69 a 71 do Estatuto do
Idoso e nos art. 1211-A, 1211-B e 1211-C do Código de Processo
Civil, alterados pela Lei 12.008/09.
Desta forma, o Estatuto do Idoso trouxe mecanismos para facilitar
o acesso à Justiça a quem, devido à idade, já não pode esperar
muito por uma resposta a um direito ameaçado ou vilipendiado.
49
III- Prioridade processual ao idoso
O Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas (ONU) publicou, em janeiro de 2010, parecer
que aponta para a necessidade de uma convenção internacional
para os direitos das pessoas idosas e recomenda que se fomente
junto aos Estados Partes um tratamento jurídico e político
específico para as questões que envolvem estas pessoas. A partir
disso, varias reuniões já foram realizadas a fim de se pactuar um
documento de consenso entre as nações que envolvam garantias
aos idosos. Ocorre, porém, que um dos itens de dissenso é a
questão da prioridade processual aos idosos, que apesar de ser
ponto pacífico na legislação brasileira, ainda não é bem absorvido
pelos ordenamentos de vários países que fazem parte da ONU.
O Brasil, desta forma, inova neste aspecto da prioridade processual
do idoso, seja no aspecto administrativo, seja no judicial. O que é
importante frisar que, nesta discussão com as demais nações, o
Brasil não pode tergiversar na sua posição favorável à prioridade
processual e medidas específicas de acesso à justiça ao idoso, isso
é cláusula fundamental para garantia dos direitos desse segmento,
pois, como dito acima, tais medidas instrumentais são vitais para
a realização do direito substantivo escrito na letra fria da lei.
Positivamente nosso ordenamento garante um tratamento
preferencial à terceira idade, a começar pelo art.71 da Lei
10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que assim diz:
É assegurada prioridade na tramitação dos processos e
procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em
que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual
ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.
§ 1o O interessado na obtenção da prioridade a que alude este
artigo, fazendo prova de sua idade, requererá o benefício à
autoridade judiciária competente para decidir o feito, que
determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se
essa circunstância em local visível nos autos do processo.
50
§ 2o A prioridade não cessará com a morte do beneficiado,
estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou
companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos.
§ 3o A prioridade se estende aos processos e procedimentos na
Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos
e instituições financeiras, ao atendimento preferencial junto à
Defensoria Publica da União, dos Estados e do Distrito Federal em
relação aos Serviços de Assistência Judiciária.
Seguindo o disposto no Estatuto foi inserido, através da Lei 12.008
de 2009, no Código de Processo Civil, os seguintes artigos que
regulamentam a prioridade processual:
1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte
ou interessado a pessoa com idade igual ou superior a 60
(sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade
de tramitação em todas as instâncias. Art. 1.211-B. A pessoa
interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua
condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente
para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as
providências a serem cumpridas. § 1o Deferida a prioridade, os
autos receberão identificação própria que evidencie o regime de
tramitação prioritária.
Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, essa não cessará com
a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge
supérstite, companheiro ou companheira, em união estável.
Desta forma, em qualquer processo, a parte ou interveniente
com 60 anos ou mais, terá prioridade no trâmite do mesmo,
estendendo-se a todos os atos procedimentais, inclusive na
execução da sentença, no recebimento de precatórios judiciais
e expedição de mandados. Na designação de audiências, seja
nas varas comuns, seja nos juizados especiais, seja em qualquer
instância dos tribunais, quando houver parte idosa, estes atos
judiciais será marcado o mais breve possível, ou tendo preferência
nas pautas dos juízos. Os autos processuais nestes casos são
marcados, com tarjas coloridas, para, da mesma forma dos
51
processos de réus presos, terem identificação de que se trata de
processos prioritários em todas as fases, facilitando seu manuseio
e providências mais céleres pelos cartórios e secretarias judiciais.
O entendimento de parte no processo (autor e réu), conforme lição
de Luiz Guilherme Marinoni6 é aquele que toma “parte” no litígio
ou dele faz “parte”, em que a sentença produzirá efeitos contra
ou a seu favor. No sentido de interveniente, também aquele que
tem interesse na lide, pode estar ele como litisconsorte, opoente
ou assistente. Todos esses interessados na lide são legitimados a
requerer a prioridade processual. Basta, assim, que demonstre sua
condição através de documento hábil, como registro de nascimento,
carteira de identidade ou profissional, carteira de trabalho ou
documento oficial. Devendo para isso juntar aos autos cópia desse
documento através de petição ao juízo, seja através de advogado
ou defensor público, representante do Ministério Público (no caso
de substituto processual) ou até mesmo diretamente nos casos
dos juizados especiais ou Justiça do Trabalho que admitem o jus
postulandi (requerer diretamente ao juiz).
A prioridade se estenderá também aos substitutos processuais
dos idosos, como em ações coletivas intentadas por sindicatos
ou associações classistas onde, entre os representados, existam
aqueles com sessenta ou mais anos. Também estes processos
seguirão um tramite prioritário.
Questão interessante é em relação ao mandado de segurança,
previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e
regulamentado na Lei 12.016/2009, que por sua essência é ação
prioritária sobre todos as demais ações e atos judiciais, ressalvando
apenas o habeas corpus. Pois tendo o juiz recebido conjuntamente
um mandado de segurança e outra ação cuja parte tenha 60 anos,
aquela terá a prioridade, por determinação da lei que excepciona
apenas o habeas corpus. Entretanto, caso a parte ou interveniente,
no referido writ, possua 60 anos ou mais, esse processo que já
tem prioridade sobre as demais ações, terá prioridade também
sobre os demais mandados de segurança.
52
Entendo também que ações, com pedidos liminares ou cautelares,
em que o objeto da lide seja a vida humana como garantias de
leito, internações, cirurgias e medicamentos, em que as partes
encontram-se em estado grave, estas teriam o condão de afastar
a prioridade processual de outro processo em que haja uma
parte idosa, pois o valor vida fala mais alto, é direito fundamental
constitucional e prevalece sobre tudo e todos.
Outro ponto controverso é em relação aos precatórios, instituto
prescrito no art. 100 da Carta Magna. Este instituto é previsto nas
ações em que são definidas penas pecuniárias, como indenizações
ou restituição de valores, junto o Estado (seja federal, estadual
ou municipal) cujas sentenças transitaram em julgado e entram
na fase de execução. O ente público, definido o valor a ser
pago à pessoa física ou jurídica, está obrigado a incluir no seu
orçamento a verba necessária ao pagamento dos seus débitos,
cujos precatórios tenham sido apresentados até 1.º de julho do
ano, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte
A expedição do instrumento encerra uma atividade de natureza
administrativa. Neste aspecto os precatórios cujos credores
são idosos terão prioridade no recebimento no inicio do ano
subsequente, cabendo aos tribunais organizar lista de preferência
àqueles precatórios onde existam idosos e pessoas com doença
grave, com fundamento no art.112-A, com a redação trazida pela
Lei 12.008 de 2009. A crítica em relação a esse instituto é que
nem sempre os valores depositados pelo Estado à Justiça são
suficientes para pagar todos os precatórios listados para aquele
ano, e muitas “prioridades” ficam na fila para pagamento para os
anos subsequentes, o que na prática é um desrespeito à lei e a
dignidade do idoso.
IV- Da Justiça e seus órgãos auxiliares
A possibilidade de criação de varas especializadas e exclusivas ao
idoso, trazida pelo art.70 do Estatuto, foi uma mola propulsora
para criação, desde 2005, de experiências no Judiciário brasileiro
que fomentou a criação de juizados especiais e varas para
atendimento exclusivo de demandas onde uma das partes, ou até
algum interveniente, fosse uma pessoa com 60 anos ou mais. Isso
53
trouxe a necessidade de especialização de juízes e servidores na
matéria sobre o envelhecimento para o atendimento de qualidade
desta clientela.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pela fiscalização
e melhor atuação do Judiciário no País, começou a adotar
medidas saneadoras para uma melhor prestação jurisdicional a
grupos marginalizados na sociedade, entre eles, os idosos, criou,
por exemplo, em resposta à atribuição constitucional de órgão
propulsor de políticas institucionais para o Poder Judiciário,
o programa Mutirões da Cidadania. O objetivo do programa
é estabelecer medidas efetivas para a garantia de direitos
fundamentais do cidadão em situação de maior vulnerabilidade.
Esse programa tem quatro eixos de atuação: proteção à criança
e ao adolescente, ao idoso, aos portadores de necessidades
especiais e à mulher vítima da violência doméstica e familiar.
Dentro desta atuação, outra medida do CNJ foi Publicada no
Diário da Justiça, seção 1, página 139, do dia 12/11/2007. Trata-
se da Recomendação nº 14, de 06 de novembro de 2007 do
CNJ, para que todos os Tribunais do País adotem medidas para
dar prioridade aos processos e procedimentos em que figure
como parte interveniente pessoa com idade superior a 60 anos,
em qualquer instância. Seguindo essa recomendação, o mesmo
CNJ determinou a criação em todos os Tribunais de comissões
de acessibilidade, para um diagnóstico de suas unidades,
retirando barreiras arquitetônicas, urbanísticas, de transporte, de
comunicação e atitudinais a fim de facilitar o acesso aos serviços
judiciários das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida,
neste caso incluído os idosos.
Recentemente, o CNJ também definiu que todas as unidades
judiciárias do país reservem 5% das vagas de seus estacionamentos
para pessoas idosas, conforme prevê o Estatuto do Idoso. E a partir
deste mês de maio de 2013, funcionará uma Central Judicial do
Idoso que executará pesquisa, a começar pelos cartórios judiciais
do Fórum de Brasília a respeito do tratamento que vem sendo
dado aos processos envolvendo pessoas idosas como partes. Pois
54
não temos ainda um diagnóstico nacional sobre o trâmite dos
processos envolvendo idosos, como dito no capítulo anterior.
Essas ações no judiciário nacional desencadeou também que,
órgãos que auxiliam a Justiça, como Ministério Público e Defensoria
Pública, criassem núcleos ou grupos de execução específicos para
essa área. Isso possibilitou um melhor atendimento ao segmento
envelhecido da população mais carente, dentro do aspecto da
assistência judiciária. Além disso, os promotores de justiça e
defensores públicos tem a possibilidade de ajustar condutas ou
celebrar acordos extrajudiciais, com força legal, que extingam
conflitos e demandas. Isso faz com que os idosos, muitas vezes,
tenham seus direitos garantidos sem precisar ajuizar uma ação
judicial. Cito como exemplos garantias de pensão alimentícia, de
abrigamento a idosos sem referência familiar, solução de conflitos
familiares, e até de revisão de empréstimos bancários.
Na esteira das medidas do CNJ, o Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP), que atua sobre todos os órgãos ministeriais
do País, instalou, através da Emenda Regimental nº 6/12, em 3
de abril deste ano de 2013, a Comissão de Acompanhamento
da Atuação do Ministério Público na Defesa dos Direitos
Fundamentais. Esta Comissão tem o objetivo de acompanhar a
atuação das promotorias e procuradorias de justiça especializadas
na defesa dos direitos fundamentais e elaborar, em conjunto com
os Ministérios Públicos, estratégias nacionais focadas no seu
aprimoramento, além de estimular uma melhor interação com os
movimentos sociais organizados e representativos dos segmentos
marginalizados. Na sua primeira reunião a referida comissão criou
grupos de trabalho, entre eles o grupo direcionado ao idoso.
V- Conclusão
Sem intenção de esgotar a matéria neste breve artigo, e com base
no exposto nos capítulos acima, podemos afirmar que houve, após
a promulgação do Estatuto do Idoso, um avanço e aperfeiçoamento
considerável na prestação jurisdicional e no atendimento em
órgãos auxiliares da Justiça, garantindo um acesso mais justo às
pessoas da terceira idade na resolução de suas demandas. Porém
55
importante registrar que ainda há necessidade que unidades do
Judiciário e dos órgãos auxiliares da Justiça (como Ministério
Público e Defensoria Pública), principalmente das comarcas do
interior, de 1ª e 2ª entrâncias, tenham melhor estrutura física
e de pessoal habilitados para um atendimento de qualidade
e eficiente aos nossos velhos. A acessibilidade arquitetônica,
de comunicação e urbanística em muitos municípios ainda é
deficiente para o acesso adequado dos idosos aos Fóruns e salas
de audiência. Um diagnóstico amplo do Judiciário em relação ao
trâmite dos processos com prioridade ao idoso precisa ser feito
logo, para garantia da eficácia desse direito. Não esquecendo
também da adequação das Delegacias de Polícia nos municípios,
que precisam estar aparelhadas para atender as denúncias de
discriminação e violência ao idoso com efetividade, remetendo as
investigações ao Judiciário e Ministério Público para punição dos
agressores com maior celeridade processual.
56
Um Estatuto para uma Sociedade em Movimento.
DaizyValmorbidaStepansky (*)
Introdução
Garantias institucionais e entorno propício e favorável, à vivência
do Envelhecimento Ativo, como é proposto pelas organizações
internacionais, é o que objetiva o Estatuto do Idoso: otimização
das condições para a saúde, participação e segurança, para as
pessoas mais velhas, comautonomia, independência e qualidade
de vida. Dez anos após a promulgação da Lei 10.741 (1º./10/2003)
que sistematizou o ordenamento jurídico e as políticas setoriais
relativas aos idosos, é absolutamente oportuna à reflexão
multidisciplinar promovida pela Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, através da Coordenadoria Geral de Direitos da Pessoa
Idosa.
57
São fatores intervenientes na construção do envelhecimento ativo:
o gênero, a cultura, fatores econômicos, sociais, comportamentais,
pessoais e a eficiência dos serviços sociais e de saúde. A agenda
social também inclui a emancipação e o protagonismo do cidadão
idoso, promoção, garantia e defesa de direitos, informação
e formação. O Estatuto ocupa-se das garantias legais e da
operacionalização das condições necessárias à qualidade de vida
dos idosos.
No Brasil, mudanças estruturais aceleradas colocam-no no centro
de discussões e práticas políticas, e questionam discursos e
valores de uma sociedade que envelhece antes de se desenvolver.
Os discursos socialdemocratas que fundamentaram a política
brasileira nas últimas décadas são confrontados por práticas
liberais globalizadas e pela realidade da população idosa que
cresce e demanda atendimento por políticas sociais. Vamos
comentar, principalmente, a condição do trabalhador idoso, na
vivência do ritual de passagem do processo produtivo para a vida
de aposentado e sua relação com a sociedade da comunicação e
do consumo, sob a hegemonia da tecnologia informacional.
Envelhecimento e cidadania
A elaboração e a promulgação do Estatuto representaram avanços
institucionais e políticos no tratamento das questões relacionadas
ao idoso, na operacionalização da Política Nacional do Idoso e
na construção de um “entorno propício”, como recomendado
pelo Plano de Madri, com a necessária fundamentação legal,
criminalizando ações e omissões. O Estatuto reafirma os direitos
de cidadania dos idosos, e aos direitos individuais acrescenta a
obrigatoriedade de proteção de seus direitos sociais.
A universalização da cidadania marcou decisivamente o século XX,
quando se encerram discussões seculares sobre a fundamentação
dos direitos humanos, e é assinada a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, como “ideal comum a ser alcançado por
todos os povos e todas as nações”. A partir de então, as lutas
sociais e políticas mudam seu foco para a proteção dos direitos
universais, já conquistados, e para a conquista dos novos direitos,
58
de natureza social. E, posteriormente, para a conquista de direitos
sociais relativos a situações historicamente determinadas e
a segmentos sociais específicos. Não são mais questionados
os direitos das populações que envelhecem, e as discussões
centram-se, atualmente, nos custos dos benefícios, e na origem
dos recursos.
O Estatuto afirma o compromisso institucional com a construção
e a garantia da cidadania do idoso e a obrigação da família, da
comunidade, da sociedade e do Poder Público na garantia
destes direitos. Garante, ainda, o estabelecimento de recursos
para informar e educar sobre os aspectos biopsicossociais do
envelhecimento, enfocando a necessidade de mudanças de
valores e de comportamento em relação à identidade social dos
idosos, o que é relevante, numa sociedade que se caracterizava
como “sociedade de jovens”. Quanto ao acesso à Justiça, define
prioridade de atendimento para a pessoa idosa, o que esbarra nas
práticas do Sistema Judiciário, que condena os idosos e demais
cidadãos à mesma morosidade.
Reconhecendo a importância dos meios de comunicação na
construção do imaginário social, o Estatuto qualifica como crime,
exibir, ou veicular, informações ou imagens depreciativas ou
injuriosas à pessoa do idoso. As identidades sociais são criadas
e recriadas pelas imagens produzidas e divulgadas pela mídia:
a figura do idoso é, frequentemente, associada ao arcaico, à
resistência às inovações tecnológicas, é folclorizado, como uma
figura fora do cenário atual, localizada no passado, sem lugar na
vida produtiva e na vida social. As mudanças nas imagens do idoso
imprimem mudanças nas identidades sociais dos idosos.
A educação permanente
O Estatuto contempla a necessidade de educação permanente
para os idosos, e a melhoria de seus indicadores de escolaridade,
como um direito, e considera a possibilidade de imprimir mudanças
socioculturais em relação ao processo de envelhecimento
populacional. Reconhece também a necessidade de preservar
a memória e a cultura, através da participação dos idosos em
59
atividades sociais, cívicas e culturais, em interação com as demais
gerações.
A educação, nas sociedades, possui formas intencionais e
formas não intencionais: as que se desenvolvem em instituições,
particularmente a escola, e as formas difusas, desenvolvidas pelos
processos sociais mais amplos, que “ensinam” papéis, valores,
comportamentos, sem que existam condições especialmente
preparadas para que ocorra o processo educacional. Nas
sociedades industrializadas, com a hegemonia da tecnologia
informacional, é inegável o papel da comunicação de massa como
importante fator de formação de valores e de comportamentos,
particularmente entre as populações de menor escolaridade,
sem acesso a outras instituições sociais, como a população idosa
brasileira.
O processo educacional tem uma relação dinâmica com o
desenvolvimento social e econômico – qualificação de força
de trabalho, implantação de novas tecnologias produtivas,
direcionamento do consumo, etc. ou como estratégia para o
melhoramento de indicadores sociais: nutrição, prevenção
de doenças, melhoria de condições de higiene e saúde, etc. A
educação popular é um instrumento básico para a mudança e para
o desenvolvimento de cada sociedade. Há uma íntima relação
entre educação e inclusão, entre educação e estratificação social,
entre escolaridade e nível salarial.
Na sociedade gerada pelo capital globalizado, o mercado
internacional assume a centralidade na reprodução capitalista.
O desenvolvimento socioeconômico não é mais concebido como
resultante do processo de acumulação, mas de vários fatores sociais
e, principalmente, do conhecimento. A pesquisa tecnológica e
científica, a formação permanente e a socialização com os valores
de transformação permanente dos fatores produtivos são as
características atuais do perfil e do cenário comportamental, onde
se confundem informação e educação e também, poder social
e controle da informação. A tecnologia informacional perpassa
todas as formas do processo produtivo e transborda para a vida
em sociedade. O relacionamento dos seres humanos entre si, e
60
com a realidade, é mediado por tecnologia. São novos e grandes
os desafios para a educação, especialmente para a que é voltada
para as populações já fora do processo produtivo. Como alerta o
filósofo:
Cada vez mais circulamos em circuitos integrados de larga escala.
O cilício que hoje nos ameaça, é de silício. O desafio que hoje nos
atinge provém de uma autocracia informacional. A informática se
torna um rolo compressor. Em seu tropel a sociedade rola de alto a
baixo. Tudo se processa. Por toda a parte opera um micro. Nenhuma
força da tradição parece resistir à atropelada da computação. As
novas gerações de computadores prometem interface para tudo.
Aumenta sem cessar o número dos periféricos. Pois o grande
periférico visado é o homem que espera o inesperado. Pois neste
caso, nada poderá fugir à informatização. (Emmanuel Carneiro
Leão. Aprendendo a Pensar, 1992, vol. II: 93)
A população idosa brasileira tem baixos níveis de escolaridade,
em comparação aos segmentos mais jovens da mesma região. Ao
menos até os anos 1950, o ensino fundamental era restrito a certos
segmentos sociais específicos, urbanos, predominantemente.
Embora tenha aumentado à proporção de idosos alfabetizados,
o contingente de idosos analfabetos continua, entretanto,
significativo. As diferenças de gênero fazem-se presentes nestes
índices, e é maior o número de mulheres idosas analfabetas. A
baixa escolaridade interfere em seus rendimentos e na condição
de vida de seu núcleo familiar, dificulta a aprendizagem de
novas tecnologias e problematiza sua permanência no processo
produtivo. O baixo nível educacional do idoso também fundamenta
preconceitos e critérios de exclusão e atua negativamente em sua
contribuição à prevenção e manutenção das próprias condições
de saúde.
O envelhecimento na sociedade da comunicação
As tecnologias informacionais, que remodelaram a base material
das sociedades e a estrutura de emprego, são fatores determinantes
nas mudanças estruturais. A hegemonia econômica se desloca da
produção industrial para a prestação de serviços, extremamente
61
heterogêneos. O conhecimento e a informação, assim como a
qualificação profissional, são determinantes para a produtividade
e para o crescimento econômico. A informatização do processo
produtivo, as alterações aceleradas imprimidas à produção e
à vida social, a permanente introdução de novas tecnologias
exigem permanente qualificação do trabalhador ao longo de sua
vida profissional. Seu conhecimento se torna obsoleto antes que
ele envelheça.
A economia de mercado problematiza a operacionalização das
determinações do Estatuto em relação à profissionalização e
trabalho do idoso. Os critérios de seleção são definidos pela
dinâmica da economia e pelo imperativo da produtividade e
do lucro, O conhecimento de informática, é exigência básica na
atualidade, não apenas para o processo de trabalho, mas para a
realização de tarefas cotidianas. A aprendizagem e a atualização
permanentes, exigidas pela oferta incessante de novos produtos,
ainda é restrita e de difícil acesso para o idoso, fora do processo
formal de ensino e de trabalho.
A demanda por informações sobre as mudanças na estrutura
social brasileira é também objeto do Estatuto, e é satisfeita
pelos censos demográficos, principalmente, que, por sua
regularidade, capilaridade e abrangência temática, alimentam
crescente número de estudos e pesquisas. As políticas sociais
brasileiras voltadas para a população idosa se fundamentam nos
documentos internacionais mais significativos, mas dependem
do conhecimento sobre a população e sobre seu cenário
social, econômico e cultural para atenderem sua diversidade e
subsidiarem a avaliação das políticas vigentes e sua adequação às
mudanças sociais.
A comunicação é o principal veículo de transporte de ideias e de
representações entre os mundos das relações sociais, econômicas
e estéticas. Os sistemas de comunicação e a propaganda são
resultantes do predomínio da tecnologia comunicacional e da
supremacia do mercado, e integram a mesma estrutura social
que a linguagem, as instituições e as relações de poder. A
publicidade estabelece vínculos entre arte, imaginário e processo
62
produtivo, especialmente na sua fase de circulação e de consumo.
A publicidade é a síntese da sociedade de consumo. As imagens
sedutoras dos anúncios prometem sempre bem-estar, conforto,
eficácia, felicidade e êxito.
Numa sociedade de mercado, indivíduo e mercadoria se inserem
no mesmo sistema: valores são atribuídos à mercadoria e ao
indivíduo que a consome. Quanto mais consumir, quanto mais
caros forem os objetos de consumo, mais subirá na escala de
valores de mercado. A publicidade define os códigos desta escala,
que também compõe a identidade pós-moderna. A propaganda
que utiliza a imagem do idoso cria a utopia da velhice. A relação
utópica entre o idoso e o consumo redefine o idoso pós-moderno.
O envelhecimento real não se reflete nas cores dos anúncios,
mas nas notícias. A propaganda cria outro corpo para o idoso,
sem história e sem memória. Esta ruptura com o real satisfaz
ao conceito estético das imagens comerciais globalizadas da
publicidade, dos filmes e da televisão.
As imagens do novo idoso, consumidor juvenilizado e feliz, criado
pela previdência privada, povoam a publicidade. O produto
anunciado é um novo estilo de vida, uma nova velhice, para os
jovens de hoje - a velhice do futuro. E a velhice do presente?
Esta é a da notícia, da realidade sombria, da impotência do idoso
pobre. A utopia é o consumo, o corpo trabalhado, a identidade
social reconstruída. Nos anúncios, há uma ameaça implícita: ou
é feito o plano de aposentadoria privada ou o jovem de hoje não
será o idoso do anúncio. Será o da notícia. Na reordenação da
sociedade pelo mercado, o idoso criado, ou recriado pela mídia é
o idoso consumidor.
O idoso é sub-representado na publicidade, que é apenas uma
das fases da comercialização, e volta-se para as potencialidades
de consumo de um mercado real. Para ser incluída neste processo,
qualquer categoria precisa ser consumidora, e a população idosa
brasileira tem rendimentos menores que de outras faixas etárias.
A velhice, na propaganda atual, pode falar dos idosos de hoje ou
dos jovens de hoje, idosos do futuro, porque é um discurso sobre
o mercado. Poucos produtos são anunciados para os velhos, além
63
de empréstimos bancários consignados, planos de previdência e
de saúde, estimulantes sexuais e fraldas geriátricas.
As imagens de idosos conceituam, comumente, tradição,
hospitalidade, carinho, poupança, experiência e harmonia.
Frequentemente, compõe o grupo familiar, conceituando
estabilidade e permanência do produto no mercado: avós, em
produtos para crianças, ou velhos, que assinalam a amplitude
de atendimento ou de aceitação do produto. Não são ativos na
encenação social. Mas a publicidade não pode prescindir do
idoso. Ele representa o testemunho do passado, a ficção de paz e
a ausência de conflitos.
As famílias diminuíram seu tamanho. As mulheres, maioria
dentre a população idosa, participaram do processo produtivo e
aumentam os índices de famílias unipessoais a cada ano. Novas
formas de sociabilidade se desenvolvem em novos espaços sociais,
particularmente nas grandes cidades. Mas a idosa dos anúncios
ainda é, predominantemente, componente do grupo familiar
ampliado, no cenário da família extensa. Sem identidade própria.
Os estereótipos de gênero se prolongam até o envelhecimento e
a velhice feliz e sexualizada é masculina, e é acompanhada por
mulheres jovens.
Envelhecimento, trabalho e aposentadoria
As considerações sobre trabalho, trabalhadores e aposentadoria
contextualizam-se no cenário da reprodução da força de trabalho
sob o capitalismo: a força de trabalho é uma mercadoria peculiar,
e como toda mercadoria, tem um valor que é determinado pelo
tempo de trabalho necessário à produção, portanto, também
reprodução, deste artigo específico, na abordagem marxista.
Enquanto valor, a força de trabalho representa determinada
quantificação de trabalho necessário à produção dos meios de
subsistência necessários à manutenção do seu possuidor em seu
estado de vida normal.
A soma dos meios de subsistência necessários à produção da força
de trabalho deve ser necessária para a produção dos substitutos do
trabalhador, para que seja contínua a transformação de dinheiro
64
em capital. Os meios de subsistência necessários à reprodução
da força de trabalho são históricos e culturais e variam, portanto,
a cada país, e a cada período do desenvolvimento. Os processos
de educação e de qualificação da força de trabalho devem estar
considerados nos custos da sua produção e da sua reprodução. O
trabalhador, quando fora do mercado de trabalho por desemprego
ou por aposentadoria continua a consumir mercadorias, mas sua
capacidade de trabalho não se realiza, se não for vendida.
O estado capitalista tem um papel fundamental na reprodução da
força de trabalho, contribuindo com a oferta coletiva de meios de
reprodução e administrando as relações entre capital e trabalho,
por exemplo. A cidade é o cenário, por excelência, onde ocorre
uma forma de socialização do processo de produção e de circulação
capitalista. A interferência política na gestão dos conflitos entre
capital e trabalho marca grandes períodos dos séculos recentes, e
mostra-se indispensável à sedimentação do poder do capital.
A necessidade de produzir e reproduzir os trabalhadores fora do
mercado de trabalho tem se constituído num dos desafios dos
estados capitalistas, e as questões relacionadas à manutenção das
aposentadorias ocupam lugar de destaque nas agendas políticas
e econômicas de todos os países. Este desafio se torna ainda
maior se considerados os avanços tecnológicos acelerados que
caracterizam a realidade contemporânea e que, precisamente
por isto, exigem permanente investimento na qualificação. Os
processos educacionais e de treinamento, permanentes, impõem-
se aos custos de formação e de reprodução da força de trabalho e,
quando o trabalhador está fora do processo produtivo, constituem
mais um fator de exclusão.
A proteção aos trabalhadores fora do processo produtivo, por
desemprego, por velhice ou por aposentadoria foi assumida,
portanto, pela agenda dos direitos sociais, gradualmente, ao longo
do século XX. Os desafios persistem, entretanto, não mais pelo
questionamento dos direitos, mas pela discussão dos custos, dos
limites e da origem dos recursos. A contribuição aos pecúlios de
previdência pelos trabalhadores, a partir de seus salários, pode ser
considerada, portanto, um custo integrado ao custo da reprodução
65
da força de trabalho, especialmente no caso da privatização dos
fundos de pensão, tendência marcante, já a partir das últimas
décadas do século XX. Em todos os sistemas de produção social o
trabalhador necessita dos fundos de subsistência ou do fundo de
trabalho, para sustentar-se e reproduzir-se e, ele mesmo, tem que
produzir e reproduzir.
Conclusão
A igualdade de cidadania não elimina as desigualdades mantidas
pela estratificação em classes e o princípio mais comum nas
práticas de políticas sociais, durante o século XX, é a garantia
de um mínimo de serviços prestados pelo Estado. O estatuto se
ocupa das garantias da aposentadoria por velhice, e de benefícios
desta natureza. Em sua origem inglesa, o sistema de benefícios
era destinado apenas a quem realmente necessitasse dele, e
operou em sua forma mais simples, nos casos das PoorLaws (Lei
dos Pobres) e Old Age Pensions (Aposentadorias por Velhice).
O estigma relativo à “pobreza” marcou definitivamente os
beneficiários, definindo uma categoria social. O “aposentado
por velhice” foi menos estigmatizado. Nas sociedades atuais,
de consumo e de comunicação, o imaginário, frequentemente,
naturaliza o empobrecimento do trabalhador aposentado.
As políticas de atendimento às populações idosas, assim como a
deliberação sobre os valores de aposentadorias, problematizam
a lógica de dispêndio de verbas públicas: equivocadamente,
elas são colocadas como competidoras no atendimento a outros
segmentos sociais. No imaginário coletivo, tais políticas são
associadas à caridade, e não ao ressarcimento a contribuintes que
formaram um pecúlio mal administrado. Essa distorção impede
que as políticas sociais cumpram sua finalidade, que é buscar
o equilíbrio possível entre a acumulação e a equidade, com a
universalização da cidadania e a igualdade de status. Quando um
mínimo consumo de bens e de serviços é incorporado à pauta
de direitos, esvazia-se de conteúdo a beneficência e a caridade
individuais, ou de classe, como formas de complementação das
carências promovidas pela sociedade de mercado.
66
A manutenção do welfarestate e a quantia de benefícios por
ele garantidos - uma rede de segurança mínima, ou políticas
que demandem um dispêndio elevado – enriquecem as
discussões políticas nas sociedades desenvolvidas. As diferentes
formas de lidar com o envelhecimento populacional dividem
as programações partidárias e mobilizam os administradores,
que consideram, frequentemente, as aposentadorias como
verdadeira bomba-relógio, que ameaça explodir em sociedades
industrializadas e culpam aposentados e idosos longevos pelas
crises do sistema capitalista. O conceito de aposentadoria, que se
inicia com o processo de afastamento do trabalho e a classificação
de aposentado, tão utilizada pela mídia como classificação
profissional, são criações do welfare, e podem não corresponder
mais às identidades sociais do envelhecimento ativo.
Lamentando limitações da Constituição Federal de 1988, Florestan
Fernandesse consola, afirmando que “não são as constituições,
mas os seres humanos como classes, povos e nações que fazem sua
história”(Jornal do Brasil, 2/06/1988). Analogamente, pensemos
que o Estatuto do Idoso é uma referência institucional positiva
e muito importante, ainda frágil, entretanto, na prática cotidiana
da cidadania, mas são os cidadãos, idosos ou não, que deverão
aprimorá-lo e fazer com que seja cumprido.
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(*) Sobre a autora:
DaizyValmorbidaStepansky. Socióloga. Doutora em Comunicação
e Cultura (UFRJ). Mestre em Sociologia (IUPERJ). Bacharel e
69
Licenciada em Ciências Sociais (UFRGS). Professora Adjunto
IV, (Aposentada) da UFF. Professora Aposentada da PUC/RJ.
Professora Colaboradora do PPGSD/UFF.
70
Princípio da Dignidade Humana
e Direitos dos Idosos no Brasil
JanaínaRigoSantin7*
71
ou etnia. Também não depende do cargo que ocupa, dos bens
materiais que ostenta, de sua popularidade ou utilidade para
os demais. Logo, não é possível afirmar que uma pessoa terá
mais dignidade que a outra. Afinal, a dignidade não tem preço,
não pode ser medida, é irrenunciável e inalienável, sendo, dessa
forma, é atributo de todos os seres humanos.1
Assim, ao colocar a dignidade humana como foco principal do
ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988 inspirou
a criação de uma ampla esfera de direitos fundamentais que se
configuram como obrigatórios para a garantia do fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana. Dentre os direitos
fundamentais encontram-se os direitos sociais, os quais, para que
sejam efetivamente praticados, exigem prestações positivas.
Os direitos sociais reforçam o direito de exigir a intervenção
do Estado na sociedade e no mercado na intenção de que as
desigualdades sejam reduzidas e a justiça social seja promovida
e garantida. Nas palavras de Bobbio, importante pesquisador da
área jurídica, os direitos sociais “são direitos que tendem, senão
a eliminar, a corrigir desigualdades que nascem das condições de
partida, econômicas e sociais, mas também, em parte, das condições
naturais de inferioridade física”2, como as leis que protegem os
deficientes, os trabalhadores, os sem-teto ou os idosos.
No rol de direitos sociais constitucionais destaca-se a assistência
aos desamparados, nela inserida a proteção à velhice, tratada com
maior detalhamento no artigo 230 da Constituição de 1988. Nesse
artigo, o constituinte atribuiu à família, à sociedade e ao Estado
o dever de amparar os idosos, para que recebam os cuidados
necessários, preferencialmente em seus lares, assegurando-lhes
a participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar, bem como seu direito à vida. Esse regramento legal também
determinou que fosse garantida às pessoas maiores de 60 anos a
gratuidade nos transportes coletivos urbanos.
Já no capítulo que trata da seguridade social, encontra-se a idade
avançada como um fator de risco a ser protegido pelo sistema
previdenciário brasileiro (art. 201, inc. I).
72
Por sua vez, há uma série de leis que tratam sobre o tema da
dignidade da pessoa humana na velhice, como é o caso do
Estatuto do Idoso (lei no 10.741/2003),que veio para reforçar as
determinações constantes no artigo 230 supracitado.
Logo, não há como negar a intenção da Constituição e da lei no
10.741/2003 em proteger os idosos, sendo que o conhecimento
das normas jurídicas que tratam da velhice é de extrema
importância para a disseminação de uma nova cultura, destinada
a valorizar essa fase da vida do ser humano, na qual também o
respeito à dignidade humana deverá também estar presente.
O envelhecimento da população mundial já é fato que não pode
mais ser desconsiderado, tanto pelas conquistas da tecnologia
médica – as quais aumentaram a expectativa de vida da população
e reduziu o risco de mortes prematuras – quanto pelos baixos
índices de natalidade em âmbito mundial. Assim, visões negativas
da velhice ou mesmo o descaso com o idoso devem ser superadas,
sob pena de se excluir grande parcela da população no planeta
dos grandes debates acerca dos direitos fundamentais.
É preciso superar a visão capitalista que dá valor apenas ao ser
humano enquanto este for capaz de produzir e de reproduzir o
capital. Associa-se a velhice à noção de decadência do ser humano
e de inutilidade, devendo ser tratada com base em conceitos
como os de filantropia e de piedade. É preciso superar esse tipo
de visão e a situação de exclusão dos velhos, encarando-se a
velhice “não só como questão fundamental ao desenvolvimento,
mas, principalmente, como direito humano fundamental”.3
Porém, assim como os demais direitos sociais, garantir a proteção
aos idosos na Constituição e nas demais leis brasileiras não é
garantia de sucesso. Antes de tudo, é preciso que as leis brasileiras
sejam aplicadas, que a sociedade e o Poder Público “efetivamente
a levem a sério, orientando suas ações e decisões pelos princípios
e objetivos constitucionais, todos incumbidos de fazer com que
todos os seres humanos tenham direitos iguais a uma vida digna”.4
Não há dúvidas de que tais leis têm o objetivo de proteger o
idoso, com a intenção de garantir sua dignidade enquanto pessoa
73
humana, a ser preservada em todas as fases da vida. Afinal,
todo o indivíduo, com exceção da ocorrência de imprevistos que
interrompam o fluxo contínuo de sua vida, irá alcançar a velhice
algum dia. Compete, então, aos detentores do poder político e
à própria sociedade concretizar as leis brasileiras de proteção
aos idosos, caso contrário, develembrar de que se não agirem
dessa forma, isso pode, no futuro, ter efeito negativo contra essas
pessoas, que também serão idosas um dia.
O Estatuto do idoso: inovações no reconhecimento da dignidade
na velhice
O Estatuto do Idoso, após tramitar durante sete anos no Congresso
Nacional, foi aprovado através da lei no 10.741, de 2 de outubro
de 2003. Seu objetivo é o de garantir direitos capazes de melhorar
a qualidade de vida das pessoas com mais de sessenta anos no
Brasil. Traz consigo, ao longo dos seus 118 artigos, uma legislação
capaz de provocar profundas mudanças sociais, econômicas,
culturais e políticas, visando ao bem-estar das pessoas idosas.
Dentre as mudanças presentes no Estatuto do Idoso, nota-se o
predomínio de leis destinadas à população idosa e aos chamados
direitos sociais, com ações voltadas, por exemplo, ao cuidado à
saúde, à garantia da previdência, da assistência social, da renda
mínima, da educação, do trabalho e da moradia.
No que diz respeito à saúde, o artigo 15 e os artigos seguintes do
Estatuto do Idoso estabelecem o acesso universal e prioritário
do idoso à saúde plena, garantida pelo Sistema Único de Saúde
mediante prevenção, promoção, proteção e recuperação da
saúde. Na rede hospitalar, o idoso internado tem o direito de exigir
a permanência de acompanhante em tempo integral, podendo
optar pelo tratamento mais favorável à sua saúde. Em caso de
necessidade, deverá ser assegurado o atendimento domiciliar,
o que inclui internação, inclusive para aqueles idosos que se
encontram abrigados em instituições públicas, filantrópicas ou sem
fins lucrativos, seja no meio urbano, seja no meio rural. Também é
dever do País fornecer a todos, medicação gratuita, especialmente
quando se tratar de remédios de uso continuado, depróteses,
órteses e outros recursos relativos ao tratamento, à habilitação ou
74
à reabilitação. Os idosos portadores de deficiência ou que tenham
algum tipo de limitação incapacitante têm o direito a atendimento
especializado. Além disso, é obrigatório o treinamento dos
profissionais da saúde para que estejam capacitados para tratarem
com esse segmento da população, assim como também os
cuidadores desses idosos, sejam eles familiares ou de grupos de
autoajuda, devem receber orientação sobre como efetivar esses
cuidados. Por fim, no que diz respeito ao acesso pago à saúde, o
Estatuto do Idoso prevê que planos de saúde não poderão tarifar
valores diferenciados em razão da idade dos usuários.
Conforme o artigo 19 desse Estatuto, quando houver suspeita ou
confirmação de violência contra idoso, os profissionais de saúde
que prestarem atendimento a este deverão, obrigatoriamente,
comunicar quaisquer dos seguintes órgãos: Polícia, Ministério
Público e/ou Conselhos Municipais, Estaduais ou Nacionais do
Idoso. Destaca-se que o Estatuto considera violência qualquer
ação ou omissão capaz de causar morte, dano ou sofrimento físico
ou psicológico ao idoso, praticada em local público ou privado.
No que diz respeito ao direito de moradia, o texto constitucional
prevê que o idoso tem “direito à moradia digna, no seio da família
natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares,
quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou
privada” (art. 37, caput). A assistência integral em entidade pública
de longa permanência somente se dará quando for “verificada a
inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de
recursos financeiros próprios ou da família” (art. 37, parágrafo
1). Essas instituições têm a obrigatoriedade de manter padrões
de habitação compatíveis com as necessidades dos idosos,
fornecendo a eles alimentação e higiene, sob as penas da lei (art.
37, parágrafo 3).
Salienta-se que o artigo 38 do Estatuto do Idoso determina a
obrigatoriedade de o governo rever sua política habitacional,
dando prioridade aos idosos na aquisição da casa própria. Para
tanto, os programas habitacionais devem fazer uma reserva de
pelo menos 3% de todas as unidades residenciais destinadas
a essa fatia da população, devendo tais imóveis ser situados
75
preferencialmente no pavimento térreo. Está prevista, ainda, a
implantação de equipamentos urbanos e comunitários voltados
aos idosos, eliminando barreiras arquitetônicas e urbanísticas,
bem como beneficiando esse grupo de cidadãos com critérios de
financiamento da casa própria compatíveis com seus rendimentos.
A previsão de acolhimento dos idosos em entidades públicas ou
privadas faz parte da política de assistência social brasileira. Nesse
aspecto, a nova legislação, em seus artigos 48 a 51, regulamenta
as obrigações das entidades – governamentais ou não – de
assistência ao idoso. Dentre essas obrigações estão os deveres
de fazer contrato escrito de prestação do serviço; de auxiliar na
preservação dos vínculos familiares, comunicando ao Ministério
Público situações de abandono moral ou material por parte dos
familiares; de proporcionar cuidados à saúde; de oferecer vestuário
adequado e alimentação suficiente, bem como instalações físicas
em condições adequadas de habitabilidade. Essas entidades
devem, ainda, realizar umestudo social e pessoal de cada caso,
além de promover atividades educacionais, esportivas, culturais
e de lazer aos idosos e de trazer assistência religiosa àqueles
que assim o desejarem. O Ministério Público será o responsável
direto pela fiscalização dessas instituições no intuito de garantir
que todas as suas obrigações estão sendo cumpridas. Dessa
forma, para que atuem de forma regular, essas entidades deverão
realizar a inscrição de seus programas junto ao órgão competente
da Vigilância Sanitária e ao Conselho do Idoso.
Além de poderem receber penalidades civis e administrativas, as
entidades governamentais de atendimento que descumprirem
as determinações da lei ficarão sujeitas a penas que variam de
advertência, afastamento provisório ou definitivo dos dirigentes,
fechamento da unidade ou interdição de programa. Já as não
governamentais ficam sujeitas a penas de advertência, multa,
suspensão parcial ou total do repasse de verbas públicas, interdição
de unidade ou suspensão de programa, bem como proibição de
atendimento para bem do interesse público. Interessante também
analisar o texto do artigo 36 do Estatuto do Idoso, que permite
que aquela pessoa que acolher ou que passar a cuidar de idosos
76
em situação de risco social possa abater de seu Imposto de Renda
o valor das despesas decorrentes desses cuidados.
Para a previdência social, observa-se que o Estatuto do Idoso
limitou-se a repetir algumas regras já previstas em outras leis
brasileiras. Em seu artigo 29, o Estatuto do Idoso prevê a garantia
da manutenção do valor real do benefício previdenciário, na
intenção de que os idosos não percam seu poder aquisitivo. Esse
texto repete o previsto no artigo 201 da Constituição Federal,
embora se deva destacar que esse regramento legal vem sendo
desrespeitado e desvalorizado de tal forma que o benefício da
aposentadoria, conforme destaca Juliano Sarmento Barra, vem
sofrendo “um ‘achatamento’ de forma a não expressar seu efetivo
valor de compra.”5 Espera-se que o Poder Executivo implemente
tais dispositivos na aplicação dos reajustes das aposentadorias,
com a aplicação de índices que efetivamente preservem o poder
aquisitivo dos aposentados.
No artigo 30 do Estatuto do Idoso há a determinação de que a
“perda da condição de segurado não será considerada para a
concessão da aposentadoria por idade, desde que a pessoa
conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente
ao exigido para efeito de carência na data de requerimento do
benefício”. Aqui o que se repete é a previsão feita pela lei no
10.666/2003. Sobre isso, destaca Marco Aurélio Serau Júnior que
se trata de medida que tem o objetivo de combater os prejuízos
causados pelo desemprego ou pelos trabalhos informais (ou os
chamados trabalhos sem carteira assinada), uma vez que o não
trabalho (ou a não formalização deste) significa o não recolhimento
de impostos , o que afeta a garantia previdenciária do cidadão.6
Por fim, importante destacar o disposto no artigo 28, inciso II, do
Estatuto do Idoso. Esse texto prevê que deverão ser desenvolvidas
políticas que preparem os trabalhadores para a aposentadoria,
com antecedência mínima de um ano, as quais se darão mediante
estímulo a projetos sociais e de esclarecimento sobre direitos
sociais e de cidadania dos idosos.
Na área da educação, os artigos 21 e 25 preveem que os currículos
mínimos dos diversos níveis de ensino formal deverão apresentar
77
conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito
e à valorização do idoso, a fim de contribuir para a eliminação
do preconceito e de produzir conhecimentos sobre a matéria. O
poder público deverá, dessa forma, criar oportunidades de acesso
do idoso à educação, apoiando a criação de universidade aberta
para idosos, com métodos e materiais didáticos que permitam a
integração desse grupo na vida moderna, em especial no que diz
respeito aos recursos tecnológicos e informáticos, e incentivará a
publicação de livros e periódicos em padrão editorial que facilitem
a leitura.
Relativo ao direito ao trabalho e à profissionalização é importante
ressaltar que não se trata de um direito subjetivo a um posto
de trabalho, mas sim da obrigatoriedade do Estado em definir
políticas de criação de postos de trabalho aos idosos. Assim, o
direito de trabalhar deve ser especialmente considerado em
relação à sua peculiar condição de idoso, qual seja a de certa
limitação física e/ou intelectual, decorrente da idade (artigo
26). São proibidas, portanto, quaisquer discriminações em
razão da idade, com exceção unicamente para os casos em que
a natureza do cargo o exigir. Ademais, nos concursos públicos o
primeiro critério de desempate deverá ser a idade mais elevada.
Finalizando o comentário acerca do direito do trabalho, verifica-
se que o Estatuto determina a criação e o estímulo de programas
de profissionalização especializada para os idosos, bem como
o incentivo às empresas privadas para admissão de idosos ao
trabalho (art. 28, incisos I a III).
Essa previsão de estímulo à contratação de idosos
encontra similitude com os já bem sucedidos
programas de incentivo à admissão de portadores
de deficiências ao mercado de trabalho, podendo
ocorrer nos mesmos moldes, mediante a aplicação
de subsídios tributário-fiscais, esperando-se que
alcancem êxito semelhante.7
Dessa forma, caberá ao Estado dar uma satisfação, com políticas
de renda mínima, para aqueles idosos que não conseguirem se
inserir no mercado de trabalho. Assim, para garantir as condições
78
mínimas de existência e como política de assistência social, o
Estatuto do Idoso, em seu artigo 34, assegura o pagamento do
benefício de um salário mínimo mensal, independentemente
de anterior contribuição, a toda pessoa acima de 65 anos cuja
renda comprovadamente não baste para a sua subsistência e que
também não pode receber o sustento de sua família.
Considerações finais
Conclui-se, portanto, que o Estatuto do Idoso veio como mais
um regramento jurídico destinado a concretizar o princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana, especialmente
voltado àqueles acima de sessenta anos de idade. As populações,
em âmbito mundial, estão envelhecendo, logo, é preciso
preparar a sociedade para a velhice, tratando-a como um direito
fundamental. Nota-se que, na maioria de seus itens, o Estatuto do
Idoso tratou de direitos sociais, os quais demandam prestações
positivas por parte do Estado e da sociedade para a sua plena
efetivação. Trata-se, portanto, de uma obrigatoriedade não
apenas para Estado, o qual deverá programar políticas públicas
voltadas a esse segmento da população, como também da própria
sociedade, que deve superar a visão economicista decorrente de
uma cultura capitalista, que acredita que só tem valor quem puder
dar lucros, produzir e reproduzir o capital.
Em verdade, a efetividade das normas protetoras dos direitos dos
idosos e do próprio princípio da dignidade da pessoa humana é
um processo, pois a simples elaboração de textos legais, mesmo
que contemplem todos os direitos, não é suficiente para que o
propósito que os inspirou seja efetivamente introduzido nas
estruturas sociais, políticas, jurídicas, econômicas e culturais
de seus integrantes. Trata-se de uma luta diária de conquista
efetiva desses direitos, a qual passa não apenas pelos poderes
constituídos, mas por cada cidadão.
Dessa forma, o Estatuto do Idoso configura-se como um grande
passo dado pelo legislador brasileiro no caminho da concretização
dos direitos fundamentais, em especial os direitos sociais,
bem como no desenvolvimento e no respeito à dignidade da
79
pessoa humana. Esse regramento legal tem como maior escopo
melhorar as condições de vida e bem-estar daqueles que tanto
já contribuíram para com o País, sendo, por isso, merecedores
de todo respeito e admiração da nossa geração e das gerações
vindouras.
Notas
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução por Paulo Quintela.
Lisboa: Edições 70, 1960.
2
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução
Daniela BeccacciaVersiani. Organização Michelangelo Bovero. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
p. 508.
3
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A Velhice na Constituição. Revista de Direito Constitucional e
Internacional. Ano 8, n. 30, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar. 2000. p. 191.
4
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A Velhice na Constituição. Revista de Direito Constitucional e
Internacional. Ano 8, n. 30, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar. 2000. p. 201.
5
BARRA, Juliano Sarmento. O Estatuto do Idoso sob a Óptica do Sistema de Seguridade Social.
Revista de Direito Social, n. 14, Porto Alegre: Notadez, mar./abr. 2004, p. 117.
6
SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. O Estatuto do Idoso e os Direitos Fundamentais. Revista de Direito
Social, n. 13, ano 4, Porto Alegre: Notadez, jan./fev. 2004. p. 55.
7
SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. O Estatuto do Idoso e os Direitos Fundamentais. Revista de Direito
Social, n. 13, ano 4, Porto Alegre: Notadez, jan./fev. 2004. p. 53-54.
Referências bibliográficas
BARRA, Juliano Sarmento. O Estatuto do Idoso sob a Óptica do
Sistema de Seguridade Social. Revista de Direito Social, n. 14,
Porto Alegre: Notadez, mar./abr. 2004.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política
e as lições dos clássicos. Tradução Daniela BeccacciaVersiani.
Organização Michelangelo Bovero. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Tradução por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1960.
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A Velhice na Constituição. Revista
de Direito Constitucional e Internacional. Ano 8, n. 30, São Paulo:
Revista dos Tribunais, jan./mar. 2000.
SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. O Estatuto do Idoso e os Direitos
Fundamentais. Revista de Direito Social, n. 13, ano 4, Porto
Alegre: Notadez, jan./fev. 2004.
80
Sobre o Direito à Liberdade da Pessoa Humana
Carolina Valença Ferraz 8
81
como a cor da pele, orientação sexual, gênero sexual, caracteres
físicos, idade, etc.
Importante observar que a tutela da dignidade humana gira em
torno da ideia de que todas as pessoas nascem livres, iguais e
dotadas de racionalidade. Essa premissa se justifica uma vez que a
razão é o traço que nos distancia dos outros animais, permitindo a
cada um concretizar o próprio projeto de vida, a partir de decisões
livremente tomadas. Qualquer obstáculo jurídico, portanto,
à capacidade de autodeterminação, ao exercício da liberdade
individual, que não apresente algum substrato lógico-jurídico,
revela-se inconstitucional, exatamente por violar a dignidade
humana.
Não por acaso, o Estatuto do Idoso, no art. 10, assegura à pessoa
com idade igual ou superior a 60 anos amplo direito à liberdade,
em conformidade com a tábua axiológica da Constituição
Federal. Segundo o § 1º do artigo em comento, o direito à
liberdade compreende os aspectos seguintes: “faculdade de
ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários,
ressalvadas as restrições legais; opinião e expressão; crença e
culto religioso; prática de esportes e de diversões; participação
na vida familiar e comunitária; participação na vida política, na
forma da lei; faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação”.
Imperativo consignar que o direito à liberdade da pessoa idosa
deve ser compreendido de forma amplíssima, não se limitando
às dimensões enunciadas nesse dispositivo legal, que tem caráter
meramente enunciativo, como, aliás, é destacado no próprio texto
de lei.
De sorte que, pelo exposto, resta claro que o avançar da idade não
implica diminuição na capacidade jurídica de autodeterminação
nem na garantia das liberdades individuais. Qualquer restrição
à liberdade baseada tão somente na maturidade fere a Carta
Magna, por violar indevidamente direitos fundamentais da
pessoa, revelando-se medida discriminatória, uma vez que se
consubstancia em mera arbitrariedade.
82
2. Capacidade civil e o direito à liberdade
Presume-se que toda pessoa tenha condições de zelar ela própria
por seus interesses, econômicos ou existenciais. Todavia, quando,
por algum motivo, tal presunção não se confirma, faz-se necessário
que terceiro passe a administrar a vida e o patrimônio de quem
não consegue fazê-lo pessoalmente.
A caracterização da incapacidade, portanto, é o pressuposto para
que outrem passe a representar ou assistir na esfera jurídica aquele
que não está apto a gerenciar os seus interesses diretamente.
Conforme é possível observar da análise conjunta dos artigos 3º e
4º do Código Civil, as hipóteses de incapacidade, essencialmente,
estão pautadas na menoridade, em algum transtorno mental, em
fato que impossibilite a manifestação da própria vontade, no vício
em álcool ou em drogas, e na prodigalidade.
Discernimento e vontade, portanto, são os elementos centrais da
incapacidade. Supõe-se que, caracterizada alguma das hipóteses
elencadas nos artigos citados, a pessoa sofrerá redução ou
supressão no discernimento necessário para reger a própria vida.
Ou, ainda, não terá condições para agir pessoalmente na esfera
civil, por estar impedida de exteriorizar a vontade.
Ainda que as limitações à capacidade civil tenham, em princípio,
natureza protetiva, é necessário destacar que tais restrições
significam redução à autonomia da pessoa, afetando diretamente
a prevalência da sua vontade, importando, assim, em regime que
limite o exercício de direitos fundamentais. Por isso mesmo, tais
limitações ao exercício da capacidade civil devem ser interpretadas
de forma restritiva, sob pena de violação da dignidade humana.
Indispensável consignar que, ainda da leitura conjunta dos artigos
3º e 4º, é possível concluir que não há qualquer associação entre
incapacidade civil e velhice. Dito de outro modo: a lei não prevê,
de forma apriorística, idade a partir da qual a pessoa venha a
ser considerada incapaz para os atos da vida civil, passando a
depender de terceiros para representá-la no tocante aos atos
83
e negócios jurídicos. Ou seja, conforme o disposto no Código
Civil, ninguém deixa de ser civilmente capaz tão somente por ter
atingido certa idade, por ter se tornado idoso.
Na verdade, excetuando o caso da menoridade, quase todas as
hipóteses de limitação à capacidade civil estão pautadas na saúde
mental do indivíduo, a partir da associação entre transtorno
mental e diminuição ou supressão do discernimento.
De modo que, conforme referido, o perfazimento de certa idade
por si não altera de nenhum modo a tutela jurídica da capacidade
civil, vez que esta se mantém íntegra apesar do transcurso do
tempo. As restrições à capacidade civil poderão ocorrer apenas
na eventualidade de a pessoa passar a sofrer alterações em sua
saúde mental, proveniente de traços característicos da senilidade
e desde que isso venha a implicar em perda ou diminuição
da razão acerca das situações da vida. Mesmo nesse caso, a
decretação de incapacidade deverá ser pronunciada por meio
de sentença judicial, no chamado processo de interdição, com
garantia de ampla defesa ao interditando, portanto, mesmo que
exista diagnóstico médico atestando alguma patologia, a perda da
capacidade de exercício não opera de forma automática.
A pessoa idosa, destarte, é considerada absolutamente capaz
pelo ordenamento jurídico pátrio e, assim, tem respeitadas suas
liberdades individuais, de modo que desfruta de autonomia
integral acerca dos seus interesses, mantendo-se na direção da
própria vida.
O idoso preserva a autonomia para decidir pessoalmente a
respeito dos seus interesses existenciais (atinentes a questões
afetivas, sexuais, familiares, à saúde, ao próprio corpo, ao nome,
educação, etc.) e patrimoniais, podendo afastar com isso qualquer
intervenção não autorizada de terceiros nessas searas.
Na medida em que se mantém no exercício pleno da capacidade
civil, está apto a praticar atos e negócios jurídicos de natureza
econômica, inclusive os que importam em disposição patrimonial.
O idoso poderá vender ou doar bens em condições iguais a todas
as outras pessoas, submetendo-se aos mesmos limites legais de
84
natureza contratual, mas também desfrutando exatamente das
mesmas garantias.
De igual modo, poderá livremente dispor dos seus bens por
testamento, para depois da sua morte, uma vez que o Código
Civil não fixa nenhuma restrição ao ato de testar em função da
maturidade. Nesse particular, em princípio podem testar todas as
pessoas maiores de dezesseis anos (art.1.860, parágrafo único),
sem que exista em contrapartida um limite máximo de idade a
partir do qual a capacidade testamentária seja vedada.
Conforme referido, a pessoa idosa goza de igual autonomia no
contexto das relações familiares, sendo-lhe assegurada, por
exemplo, o direito de contrair casamento, constituir união estável,
realizar adoção, etc.
Por esse motivo, o idoso que tenha filhos menores de idade não
sofre qualquer restrição no exercício do poder familiar, mantendo-
se à frente dos cuidados com a prole.
A exemplo do que fora mencionado a respeito do testamento,
o Código Civil estabelece uma idade mínima para contrair
casamento (16 anos, conforme o disposto no art. 1.517), mas
não estabelece uma idade máxima para a sua realização. De
modo que pessoa de qualquer idade, desde que tenha dezesseis
anos completos, poderá contrair matrimônio, visto se tratar de
decisão estritamente pessoal, baseada no direito à privacidade.
O casamento contraído pelo idoso, portanto, é negócio jurídico
perfeito e, deste modo, totalmente eficaz.
Por isso mesmo revela-se totalmente incongruente o disposto
no art. 1.641, II, do Código Civil, que prevê a obrigatoriedade do
regime da separação de bens para o casamento da pessoa maior de
70 anos de idade. Ou seja, a pessoa idosa tem absoluta liberdade
para resolver se quer casar ou não, decidir-se pelo consorte de sua
escolha, mas se for septuagenária ficará impedida de livremente
escolher o regime patrimonial que irá vigorar no curso da relação.
Trata-se de regra que está consubstanciada em premissa falsa,
distante da realidade vigente, além de revelar indesejado ranço
85
paternalista. Baseia-se na falsa ideia de que o relacionamento
conjugal com pessoa idosa necessariamente estaria baseado em
mero interesse patrimonial, em dar o “golpe do baú”, supondo-se
que um enlace dessa natureza não poderia amparar-se no afeto
mútuo ou no desejo de construir um projeto comum de vida. Sob
essa ótica, todo casamento com contraente maior de setenta anos
deveria ser observado com desconfiança, de tal sorte que essa
pessoa mereceria, portanto, especial proteção do estado, para
não vir a sofrer eventual dano patrimonial. Com isso, permite-se
o casamento, mais se impõe o regime de separação total de bens.
Essa limitação, além de injusta, revela-se ainda mais esdrúxula
quando observamos que o idoso, por ser considerado
absolutamente capaz, mantém a administração e disposição do
seu patrimônio, podendo, a título de exemplo, celebrar contrato
milionário de venda ou doação de bens, ficando impedido,
contudo, de livremente escolher o regime patrimonial para
o seu casamento. Ou seja, no tocante aos negócios jurídicos
patrimoniais em geral, a lei considera a pessoa idosa apta a
praticá-los livremente, entretanto, no que se refere ao casamento,
essa mesma pessoa passa a ser tratada como inapta para um ato
simples, que é o da escolha do regime de bens. É uma contradição
intransponível, que fere a lógica do sistema.
Por tais motivos, parece-nos que a regra em apreço limita de forma
injustificada a liberdade da pessoa maior de 70 anos de idade,
já que não se baseia em argumento lógico jurídico de qualquer
espécie, resultando, portanto, em regra puramente arbitrária.
Assim, tal restrição fere direitos fundamentais da pessoa idosa, em
especial o direito à liberdade e o direito à privacidade, em clara
violação à sua dignidade. Além disso, na medida em que não está
pautada em parâmetro justificável, configura-se discriminatória,
por não consagrar a igualdade material prevista na Carta Magna.
É limitação, portanto, inconstitucional, que, apesar da expressa
previsão no Código Civil, não deve ser aplicada. Com isso,
pensamos que a pessoa maior de 70 anos, a despeito da restrição
legal em comento, tem o direito de livremente escolher o regime
86
de bens para o casamento, com base em uma interpretação que
privilegie a tutela da dignidade humana e o livre desenvolvimento
da personalidade, a partir dos valores insculpidos na Constituição
Federal.
3. O direito à sexualidade na maturidade – a quebra de
paradigmas quanto ao prazer e o afeto
A maturidade é tratada como desgaste, perda de utilidade ou até
mesmo como ônus (as famílias estão cada vez mais intolerantes
com os seus idosos). A melhor idade no Brasil é vista como
ultrapassada, obsoleta, e também sinônimo de muita solidão.
Numa sociedade em que vivemos sempre atrás do último
modelo, da última moda, da última tendência, olhar o antes para
compreender o agora é “exigir demais” dos mais jovens.
A ideia da proteção aos direitos da maturidade passa pela perspectiva
da igualdade, da percepção do outro, independentemente de não
ser o outro. A longevidade na realidade brasileira, pautada no
aumento da expectativa média de vida da população, importa na
necessidade de discutirmos direitos e prerrogativas da maturidade
que outrora não eram percebidos, dentre os quais os direitos
sexuais e reprodutivos. Segundo Flávia Piovesan, os direitos
sexuais e os direitos reprodutivos podem ser considerados como
um conjunto de direitos básicos relacionados com o livre exercício
da sexualidade e da reprodução humana, circulando no universo
dos direitos civis e políticos (quando se referem à liberdade,
autonomia, integridade etc.) e no dos direitos econômicos, sociais
e culturais (quando se referem às políticas do Estado) 10.
O Estatuto do Idoso, no art. 10, prevê expressamente o dever do
Estado e da sociedade em assegurar a liberdade, a dignidade e o
respeito à pessoa idosa, o que corrobora com a necessidade de
garantir o livre exercício da sexualidade na maturidade. Em síntese,
assegurar os direitos sexuais na terceira idade é uma prerrogativa
indispensável da pessoa humana, um desdobramento natural do
direito à liberdade, corolário de uma vida digna e plena. E, numa
percepção ainda mais contemporânea, deve-se conceber o direito
10 Piovesan, Flávia. Temas Atuais de Direitos Humanos. São Paulo: Limonad, 1998, p.168.
87
ao prazer como suporte da cidadania, da percepção de que a
felicidade pode e deve ser entendida como um direito11.
Mas como é possível falar em direitos sexuais na maturidade,
quando a sociedade brasileira cobriu de tabus e preconceitos o
prazer nessa fase da vida? Como assegurar aos idosos brasileiros
a plenitude de uma vida sexual, sem a interferência coercitiva de
familiares ou do Estado? Notadamente os familiares dos idosos
se incomodam com a continuidade da vida sexual na maturidade,
numa postura equivocada e intransigente em desfavor da
condição emancipada e autônoma de pessoas que preservaram
o discernimento, a capacidade de exercer direitos e contrair
obrigações, inclusive nos campos afetivo e sexual.
Esse comportamento equivocado da família costumeiramente
se baseia em um traço protetivo do agrupamento familiar, pois a
admissão da sexualidade dos parentes idosos causa desconforto
e preocupações desnecessárias, oriundos dos conceitos
ultrapassados de que sexo é “coisa de jovens” ou que teria
finalidade meramente reprodutiva. Com fulcro no princípio da
intervenção mínima do Estado nas relações familiares, centrado
no respeito à autonomia da vontade e no direito à privacidade, o
poder público não deve se imiscuir nas questões de foro íntimo,
essencialmente no aspecto do livre exercício da sexualidade
humana saudável, feliz e satisfatória, deixando essa seara para
os particulares. Família e Estado devem levar em consideração
o direito de a pessoa madura fazer suas escolhas e desfrutar
uma vida amorosa sem estigmas e intolerância, com qualidade e
exercendo o direito de escolha na perspectiva de alguém que tem
a experiência dos anos a seu favor.
No que tange à sexualidade na terceira idade, deve ser ressaltado
que esta poderá ter ainda mais qualidade do que antes, uma vez
que o sexo desvencilhado da questão reprodutiva poderá ser
exercido sem amarras e apenas para o prazer12.
11 O direito à felicidade não é tratado diretamente em nossa Carta Magna, mas de forma indireta e
implícita há alusão à sua existência. Contudo, tramita no Congresso Nacional a PEC 19/10, de autoria
do Senador Cristovam Buarque, que propõe a busca pela felicidade como direito fundamental.
12 Nobile, Luciana. Sexualidade na Maturidade. São Paulo: Brasiliense, 2002, p.34.
88
Outra questão bastante polêmica é a reprodução na terceira
idade. É aceitável que um homem ou mulher possam gerar uma
criança que não será acompanhada por eles, já que tais pessoas
provavelmente morrerão antes do desenvolvimento completo do
filho?
A esse respeito, ressalte-se que a reprodução é direito fundamental
e, por tal motivo, não deve ser violado, merecendo especial tutela
do Estado. Pelo avanço no campo da reprodução humana assistida,
existe a possibilidade de gravidez na terceira idade e, pessoas que
antes seriam condenadas às agruras da infertilidade, podem ser
tratadas e vir a conceber. A idade avançada dos genitores não é
garantia de uma paternidade ou maternidade responsável, mas
é provável que a serenidade própria da maturidade importe em
um exercício satisfatório dos cuidados com a prole. Além disso,
pais maduros não podem ser reconhecidos como sinônimo de
orfandade, já que os dados estatísticos indicam cada vez mais
a longevidade da população brasileira. Na verdade, o aspecto
mais relevante é assegurar às crianças o melhor acolhimento,
a satisfação de suas necessidades emocionais e materiais e, se
for possível a mães e pais maduros arcar com tais exigências, a
concepção deve ser assegurada, nos mesmos moldes do que é
garantido a genitores mais jovens.
89
Capacidade Civil e Autonomia da Pessoa idosa
Cláudia Maria Beré13
O Código Civil prevê, em seu art. 1º, que toda pessoa é capaz de
direitos e deveres na ordem civil. O art. 3º, da lei citada, dispõe que
são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da
vida civil os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade
ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento
para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória,
não puderem exprimir sua vontade. Em seguida, o art. 4º enumera
os relativamente capazes: os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os
que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido,
os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e os
pródigos.
Ora, quando a pessoa não se enquadra nem na definição de
incapaz nem na definição de relativamente capaz, ela obviamente
será considerada capaz. Ademais, ainda que a pessoa se enquadre
em uma das hipóteses acima, para que seja reconhecida sua
incapacidade, deverá ser promovida sua interdição, pois os efeitos
da interdição são produzidos com a sentença e a nomeação de
curador.
13 Promotora de Justiça de Direitos Humanos – Idoso, no Ministério Público do Estado de São Paulo.
90
Bem se vê que o simples fato de uma pessoa atingir os sessenta
anos, data em que passa a ser idosa, de acordo com o art. 1º,
da Lei 10.741/03, não acarreta sua incapacidade. Ao contrário,
muitas pessoas nessa faixa etária estão no auge de sua capacidade
intelectual e de suas carreiras, unindo conhecimento, experiência
e maturidade.
Infelizmente, no entanto, a sociedade brasileira tende a considerar
que a pessoa idosa tem sua capacidade diminuída, ainda que ela
esteja em pleno gozo de suas faculdades mentais. As famílias
decidem com quem e onde os idosos irão residir sem consulta-
los, por vezes levando-os para instituições de longa permanência
contra sua vontade, se apoderam de seus rendimentos e de
seu cartão de banco, contraem empréstimos em seu nome,
administram os bens dos idosos se valendo de procurações,
chegando até mesmo dispor de bens sem o consentimento ou o
conhecimento do idoso, deliberam sobre as questões relativas a
sua saúde, sempre supondo que a pessoa idosa não saiba decidir
e que os mais jovens devem tomar decisões por ela.
Tais práticas, muito corriqueiras, estão em total desacordo com a
lei. Conforme dito acima, o fato de a pessoa ser idosa não acarreta
sua incapacidade. A pessoa capaz está habilitada a todos os atos
da vida civil. Logo, o idoso que não tenha sido interditado está
apto aos atos da vida civil.
O desrespeito frequente à autonomia do idoso fez com que a
legislação protetiva deste segmento da população tenha passado
a enunciar, de modo expresso, o direito do idoso de decidir sobre
sua vida e seus bens, embora tais direitos decorram do simples
fato de o idoso ser pessoa capaz.
A Lei Federal nº 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do
Idoso, prevê em seu art. 1º que a política nacional do idoso tem por
objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições
para promover sua autonomia, integração e participação ativa
na sociedade. A mesma lei assegura ao idoso o direito de dispor
de seus bens, proventos, pensões e benefícios, salvo no caso
91
de incapacidade judicialmente comprovada, sendo neste caso
nomeado um curador (art. 10, §§ 1º e 2º).
O desrespeito à disposição legal acima é conduta tão grave que
o Estatuto do Idoso tipifica dois crimes relacionados a este tema.
É crime apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou
qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação
diversa de sua finalidade. (art. 102). A pena para este crime é a
reclusão de um a quatro anos, e multa. Também é considerado
crime coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar
ou outorgar procuração. Neste caso a pena é de dois a quatro
anos de reclusão. É justamente o Estatuto do Idoso que prevê,
de modo expresso, o direito do idoso de decidir sobre os demais
aspectos de sua vida.
No campo da saúde, o Estatuto do Idoso assegura ao idoso que
esteja no domínio de suas faculdades mentais o direito de optar
pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável
(art. 17), deixando claro que o idoso não perde sua capacidade
de discernimento e sua higidez emocional pelo só fato de ter
idade avançada 14. E o direito de optar pelo tratamento que
preferir envolve também o direito de optar por não fazer qualquer
tratamento, conforme reconhecido na Lei Estadual 10.241, de
1999, de São Paulo, mais conhecida como “Lei Covas”, que dispõe
sobre direitos dos usuários dos serviços de saúde – inclusive o
de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida,
com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou
terapêuticos a serem nele realizados.
Somente no caso de o idoso não ter condições de proceder
à opção é que esta será feita pelo curador, quando o idoso for
interditado, pelos familiares, quando o idoso não tiver curador
ou este não puder ser contatado em tempo hábil, pelo médico,
quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil
para consulta a curador ou familiar ou quando não houver curador
ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao
Ministério Público.
14 PINHEIRO, Naide Maria (Coordenadora). O Estatuto do Idoso Comentado. Campinas, SP:
Servanda Editora, 2008, p.185.
92
Ao discorrer sobre a profissionalização e o trabalho, o Estatuto
do Idoso, no art. 26, assegura ao idoso o direito ao exercício
de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas,
intelectuais e psíquicas. O fato de o idoso se aposentar não tem
acarretado sua saída do mercado de trabalho, pois ele muitas
vezes continua trabalhando, seja para complementar sua renda,
seja para sentir-se útil e continuar contribuindo com a sociedade.
É comum que as pessoas fiquem indignadas ao ver um idoso
trabalhando, principalmente quando sua idade já é muito
avançada, mas com frequência ele continua a se dedicar a suas
atividades laborativas por opção, que deve ser respeitada e
merece aplausos, pois o trabalho, além do aspecto financeiro,
favorece a autoestima, a socialização e a saúde mental do idoso.
Outro direito consagrado pelo Estatuto do Idoso é o direito à
moradia. Segundo o art. 37, o idoso tem direito a moradia digna,
no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de
seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição
pública ou privada. O idoso goza de prioridade na aquisição de
imóvel para moradia própria nos programas habitacionais públicos
ou subsidiados com recursos públicos, fazendo jus à reserva de
pelo menos 3% das unidades residenciais.
Caso o idoso não tenha meios de prover à própria subsistência,
não tenha família ou sua família não tenha condições de prover
a sua manutenção, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios deverão lhe assegurar assistência asilar, nos termos do
art. 17, § único, do Decreto nº 1.948/96.
Para assegurar que o idoso capaz somente vá morar em instituição
de longa permanência para idosos se estiver de acordo, o Estatuto
determina que todas as entidades de longa permanência, são
obrigadas a firmar contrato de prestação de serviços com a pessoa
idosa abrigada (art. 35). Somente quando o idoso for incapaz ele
poderá ser levado para este tipo de entidade independente de
sua vontade, já que, se a pessoa idosa for incapaz, caberá a seu
representante legal firmar o contrato de prestação de serviços
com a entidade.
93
O idoso capaz não deve ser tratado como objeto do contrato, sendo
ele sujeito de direito e responsável por sua vida e suas escolhas.
Assim, o contrato não deverá conter cláusulas que restrinjam sua
liberdade, exigindo autorização para saída temporária do idoso
da casa, sozinho ou acompanhado. O Estatuto do Idoso, no art.
10, § 1º, inc. I prevê que “o direito à liberdade compreende, entre
outros, os seguintes aspectos: I- faculdade de ir, vir e estar nos
logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as
restrições legais”. Tampouco poderá haver qualquer cláusula que
permita à família proibir determinadas pessoas de visitar ou ter
contato com o idoso ou exigir que a família autorize o visitante.
A institucionalização do idoso contra sua vontade ou a colocação
de obstáculos a sua liberdade de ir e vir pode caracterizar o
crime previsto no art. 148, do Código Penal: “privar alguém de
sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: pena –
reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.”
No que tange aos direitos políticos, o idoso conserva seu direito à
cidadania. Segundo José Afonso da Silva, “o núcleo fundamental
dos direitos políticos consubstancia-se no direito eleitoral de votar
e ser votado... Essa característica fundamental dos direitos políticos
possibilita falar em direitos políticos ativos e direitos políticos
passivos, sem que isso constitua divisão entre eles. São apenas
modalidades do seu exercício ligadas à capacidade eleitoral ativa,
consubstanciada nas condições do direito de votar, e à capacidade
eleitoral passiva, que assenta na elegibilidade, atributo de quem
preenche as condições do direito de ser votado”15.
Para tornar-se eleitor é necessário realizar o alistamento eleitoral,
que é facultativo a partir dos dezesseis anos e obrigatório para
os maiores de dezoito anos. Não há qualquer limite máximo de
idade para o eleitor votar. O art. 14, § 1º, inc. II, letra “b”, da
Constituição Federal, prevê que o alistamento eleitoral e o voto
são facultativos para os maiores de setenta anos, ficando claro
que o direito de votar persiste na terceira idade, deixando de
ser um dever aos setenta anos, ocasião em que o idoso poderá
15 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Malheiros Editores:
2010, 33ª ed. revista e atualizada, p. 346.
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optar por votar ou não. É importante, no entanto, que os idosos
exerçam seu direito de votar, pois o voto do eleitor idoso é capaz
de influenciar os gestores públicos a elaborar políticas públicas
voltadas ao atendimento deste segmento.
Segundo o Prof. Neilson Santos Meneses do Departamento de
Geografia da Universidade Federal de Sergipe, os“idosos com mais
de 70 anos representaram cerca de 6,5 milhões de votos e eram
proporcionalmente 4,7 % do eleitorado brasileiro, segundo os
dados das últimas eleições divulgados pelo TSE. Caso consideremos
o poder do voto da população acima dos 60 anos, o eleitorado
idoso já é bastante significativo, representando aproximadamente
16 % do eleitorado do país e cerca de 22,5 milhões de votos”16.
Além do direito de votar, o idoso conserva o direito de ser
votado – a chamada elegibilidade. De fato, a idade influencia
na elegibilidade em razão da fixação de idade mínima para a
candidatura a determinados cargos eletivos. A idade mínima para
ser Presidente, Vice-Presidente da República ou Senador é de trinta
e cinco anos; para ser Governador e Vice-Governador, a idade
mínima é de trinta anos; para ser Deputado Federal, Estadual ou
Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz a idade mínima é de
vinte e um anos; e para ser Vereador a idade mínima é de dezoito
anos. Embora exista previsão de idade mínima, não há previsão
de idade máxima para o exercício dos cargos mencionados, sendo
certo que os cargos mais altos da República geralmente são
exercidos por pessoas idosas. Curiosamente, o único presidente
não idoso que governou o Brasil após a redemocratização sofreu
processo de “impeachment”.
Embora o cidadão nunca perca seus direitos políticos por motivo de
idade, verifica-se que é causa de perda ou suspensão dos direitos
políticos a incapacidade absoluta. Logo, o idoso capaz conserva
todos os seus direitos, inclusive os políticos, que somente perderá
caso seja reconhecida sua incapacidade.
Malgrado o destaque dado acima ao direito da pessoa idosa de
reger sua pessoa em todos os aspectos de sua vida e de administrar
16 http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=86937
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seus bens e rendimentos, é certo que algumas pessoas idosas
acabam sendo acometidas de doenças físicas e mentais que
podem reduzir ou suprimir sua capacidade civil e sua autonomia
para praticar as atividades da vida diária.
Em muitos casos, não tem sido fácil reconhecer o momento em
que o idoso perde sua capacidade ou sua autonomia. O próprio
idoso costuma ter dificuldade em aceitar seu envelhecimento e
mesmo quando percebe que vem encontrando dificuldades em
tarefas que anteriormente fazia com facilidade, o idoso acaba
por não pedir ajuda, pois não quer que os outros o considerem
inapto e não deseja incomodar. Também para os familiares não
é fácil reconhecer que o idoso passou a apresentar limitações. O
idoso, muitas vezes, procura ocultá-las ou disfarçá-las e as famílias
nem sempre acompanham de perto as atividades cotidianas do
idoso, o que as impede de constatar o declínio de sua capacidade
física ou cognitiva. Considera-se, pois, muito importante o
acompanhamento próximo da saúde, das finanças, da organização
do lar, da alimentação do idoso, para que possa ser prestada a
devida assistência ao idoso e, até mesmo, possam ser adotadas
providências como a interdição ou contratação de cuidador.
No caso de incapacidade civil, há necessidade de promover
a interdição do idoso e nomear um curador para ser seu
representante legal. O art. 1.775, do Código Civil, apresenta
a ordem legal das pessoas que poderão exercer a curatela. O
cônjuge ou companheiro não separado judicialmente ou de fato é,
de direito, curador do outro, quando interdito. Na falta do cônjuge
ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe (nomeação
difícil no caso de idosos) e na falta destes, o descendente que
se mostrar mais apto. Entre os descendentes, os mais próximos
precedem aos mais remotos. Na falta das pessoas já mencionadas,
compete ao juiz a escolha do curador. Embora a lei seja omissa a
respeito, considerando que se aplicam à curatela as disposições
relativas à tutela (art. 1.781, do Código Civil) e que os pais têm
o direito de nomear tutor em testamento ou qualquer outro
documento autêntico (art. 1.729, da mesma lei), é aconselhável
ao idoso lúcido que indique quem deverá ser seu curador, caso
seja necessário.
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É fácil perceber que os brasileiros tem grande preconceito contra
a interdição, considerando-a uma “crueldade” contra o idoso.
Este conceito, contudo, é equivocado. Ora, se o idoso se tornou
incapaz, a interdição é uma medida de proteção a seu favor, já que
ele não é mais capaz de administrar sua vida e seus bens e nem de
pedir prestação de contas a quem estiver realizando essas funções.
Com a interdição, o curador deverá prestar contas em juízo. Sem
a interdição, o procurador ou a pessoa que estiver cuidando do
idoso e de seus bens prestará contas apenas a sua consciência.
Algumas exercerão tais funções com dedicação e retidão, mas
outras acabam se beneficiando indevidamente do patrimônio do
idoso, sem qualquer cobrança. E a experiência demonstra que
os maus tratos e a exploração financeira geralmente partem de
familiares e de pessoas próximas ao idoso.
Considerando que o idoso poderá perder sua capacidade de
discernimento e de pedir prestação de contas a seu procurador,
aconselha-se que a pessoa idosa não outorgue procuração
sem prazo determinado. Em alguns estados da federação,
a Corregedoria Geral da Justiça determina que os tabeliães
recomendem aos idosos que a procuração seja outorgada pelo
prazo de um ano.
Ainda que capaz, o idoso poderá estar em situação de risco
e, nessa hipótese, o Estatuto do Idoso instituiu medidas de
proteçãoaplicáveis sempre que os direitos nela reconhecidos
forem ameaçados ou violados, quer por ação ou omissão da
sociedade ou do Estado, seja por falta ou abuso da família, curador
ou entidade de atendimento, seja, ainda, em razão da condição
pessoal do idoso (art. 43).
Verificada qualquer das hipóteses acima, prevê, ainda, o Estatuto
do Idoso a possibilidade de o Ministério Público, ou o Poder
Judiciário, a requerimento daquele, aplicar medidas específicas
de proteção, previstas no artigo 45:
I – encaminhamento à família ou curador, mediante
termo de responsabilidade;
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II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – requisição para tratamento de sua saúde, em
regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar;
IV – inclusão em programa oficial ou comunitário
de auxílio, orientação e tratamento a usuários
dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio
idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause
perturbação;
V – abrigo em entidade;
VI – abrigo temporário.
Vale mencionar que as medidas específicas de proteção ao
idoso em situação de risco, previstas no artigo 45, serão as nele
enumeradas, dentre outras, revelando tratar-se de norma jurídica
que admite gama maior de providências em caso de risco, pelo
Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
É comum que o Ministério Público seja provocado pelo idoso
ou sua família, na busca de serviços públicos de saúde e de
assistência social. Neste caso, poderá o Promotor de Justiça
ou o Procurador da República aplicar diretamente a medida de
proteção, requisitando seu cumprimento ao Município, Estados,
Distrito Federal ou à União. Em caso de recusa do órgão público,
o Ministério Público terá de requerer a aplicação da medida ao
Poder Judiciário.
Outras vezes, no entanto, o Ministério Público será acionado por
terceiros, que denunciam maus tratos, abandono e outras situações
violadoras dos direitos humanos dos idosos. Estes idosos, muitas
vezes, receberão de bom grado as medidas de proteção aplicadas
pelo Ministério Público administrativamente. Por vezes, contudo,
o próprio idoso recusa a aplicação de qualquer medida, seja pela
existência de vínculos afetivos com o violador de seus direitos,
seja por temor dessa pessoa, seja por insegurança em deixar uma
situação conhecida, ainda que essa situação viole sua dignidade.
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