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Percepção dos perigos ambientais urbanos e os

efeitos de lugar na relação população-ambiente*

Eduardo Marandola Jr.**


Francine Modesto***

Os estudos ambientais enfrentam, desde seu advento, o fantasma da falácia


ecológica. Especialmente no âmbito das ciências humanas, sempre houve uma
atenção redobrada em relação a qualquer forma de determinismo geográfico
ou interpretação que submetesse a compreensão da sociedade à lógica da
natureza. Nos estudos de População e Ambiente (P-A), esta preocupação
esteve sempre presente, não sendo raro o debate sobre a falácia ecológica,
seus riscos e a busca por formas de eliminá-la do escopo das análises. No
entanto, com o interesse redobrado das ciências humanas pelo espaço nas
últimas décadas, a importância da espacialidade e a contínua incorporação
de sua dimensão nas análises renovam esta preocupação, agora em um novo
contexto sociocultural. A ideia de efeitos de lugar ganha relevo à medida que
se reconhece, na contramão da mundialização, o reforço de fatores regionais
e locais na determinação e mediação de problemáticas ambientais que afetam
populações e lugares de maneira específica, e não de forma indiscriminada
pelo espaço. Nesse contexto, o debate metodológico precisa dar atenção à
forma como o espaço entra na equação P-A, sem desconsiderar o histórico dos
debates ou os novos arranjos socioespaciais contemporâneos. Estas questões
apresentaram-se como relevantes na pesquisa desenvolvida sobre a percepção
dos perigos e a vulnerabilidade nas Regiões Metropolitanas de Campinas e da
Baixada Santista, no Estado de São Paulo. Utilizando dados de uma pesquisa
domiciliar desenvolvida em 2007 (Projeto Vulnerabilidade), procuramos ir além
das variáveis que costumeiramente nos ajudam a pensar as questões referentes à
situação de vida (renda, escolaridade, ciclo vital), tentando entendê-las em escalas
espaciais diferenciadas, incorporando os efeitos de lugar como fundamentais
para compreender a percepção dos perigos urbanos na relação população-
espaço-ambiente.

Palavras-chave: Riscos. Espaço. Migração. Metodologia. População. Ambiente.

* Uma primeira versão deste artigo foi apresentada na sessão temática “Aspectos teóricos e metodológicos no estudo da
relação população, espaço e ambiente”, do Grupo de Trabalho População, Espaço e Ambiente, durante o XVII Encontro
Nacional de Estudos Populacionais, Abep, realizado em Caxambu (MG), em setembro de 2010.
** Geógrafo, Faculdade de Ciências Aplicadas, Universidade Estadual de Campinas – FCA/Unicamp.
*** Socióloga, mestre e doutoranda em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp); Núcleo
de Estudos de População (Nepo/Unicamp). Bolsista CNPq.

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População e ambiente: desafios propriamente espaciais dos processos em


metodológicos questão. Entre eles, a falácia ecológica (atri-
buir características individuais tendo como
Enquanto campo de pesquisa consoli- base observações de dados agregados a
dado, os estudos em População e Ambiente partir de esferas de grupo ou de recortes
(P-A) têm à sua frente o desafio de avançar espaciais) é um fantasma que acompanha
em metodologias de análise para aprofundar todo o desenvolvimento teórico e metodoló-
a compreensão da relação dos grupos po- gico dos estudos de P-A, servindo de alerta
pulacionais e seus ambientes. Este desafio constante para os pesquisadores. Este
tem várias facetas que se apresentam aos fantasma teve sempre um papel ambíguo
estudiosos da área. de ameaça e de patrulhamento, servindo
Entre as dificuldades históricas do como fonte de desconfiança para aqueles
campo está a necessidade de incorporação que tratavam a dimensão ideologicamente,
da dimensão espacial às análises. Embora procurando descaracterizar ou desqualificar
isso seja amplamente reconhecido e até questões ambientais que tinham raízes ou
reivindicado enquanto essencial (MARTINE, eram produzidas por iniquidades sociais
2007), os caminhos para tal intento conti- (MARTINE, 1993).
nuam sinuosos e imprecisos. Na visão de No entanto, mesmo fora do contexto
Lutz, Prskawetz e Sanderson (2002), um dos estudos de P-A, a Demografia tem avan-
dos pontos mais importantes para a conso- çado e procurado incorporar a dimensão es-
lidação do campo de P-A é conseguir, me- pacial. Paul Voss (2007) afirma que o espaço
todologicamente, construir uma abordagem está presente na Demografia desde sua
eminentemente relacional, que não enfatize gestação inicial, mas que nos últimos anos
a flecha no sentido PàA nem AàP. A saída adquiriu novo papel. O autor defende a de-
para este dilema é conseguir considerar mografia espacial como campo específico,
de forma equilibrada os aspectos do polo por tratar os fenômenos demográficos numa
Ambiente em suas características próprias. perspectiva eminentemente espacial. Este
É aí que a dimensão espacial aparece como olhar não se restringe às técnicas modernas
sugestão de solução. de geoprocessamento, estando ligado direta
Historicamente, a questão do espaço e indiretamente a uma perspectiva meto-
tem sido trabalhada a partir do componente dológica e epistemológica de considerar a
da distribuição espacial da população, dimensão espacial dos fenômenos.
reconhecidamente a questão central dos Um dos principais embates que tra-
estudos (HOGAN, 2000; MARTINE, 2001). zem a importância de um olhar espacial à
Em termos teórico-metodológicos, no Demografia são os cortes escalares macro
entanto, a incorporação do espaço tem e micro. Os estudos demográficos vêm
sido difusa, partindo de matrizes de outras utilizando recortes espaciais, mas não têm
áreas (especialmente a ecologia humana incorporado propriamente uma perspectiva
e a produção do espaço) e não de uma metodológica e analítica das implicações es-
discussão propriamente demográfica calares destes recortes. Voss (2007) defende
(MARANDOLA JR.; HOGAN, 2007a). No a necessidade de incorporar as variáveis
entanto, se tematicamente o espaço já ecológicas e os efeitos de vizinhança na
faz parte do escopo das análises (foi até análise demográfica em todas as escalas,
mesmo incluído no nome do Grupo de o que permitiria estudos de perfis escalares
Trabalho da Associação Brasileira de do tipo down ou up-scales. Tais análises,
Estudos Populacionais, a partir de 2006), complementares, são muito presentes nos
metodologicamente ele ainda carece de estudos de P-A, sendo uma das principais
uma incorporação mais efetiva no conjunto estratégias de aproximação de processos
dos estudos em P-A. de organização regional ou nacional com
Há vários motivos para esta permanente processos específicos de uso e ocupação
dificuldade, que não diferem dos motivos do solo (BARBIERI, 2007; D’Antona; Cak;
de outras áreas em incorporar as questões Vanwey, 2007).

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Barbara Entwisle (2007), por outro Esse se mostra um caminho promissor


lado, procura “colocar as pessoas no lu- para os estudos de P-A. Os efeitos de lugar
gar”, ao avaliar os estudos ecológicos em envolvem uma ampla gama de questões que
Demografia, especialmente aqueles ligados permitem associar as variáveis ecológicas
às análises de vizinhança e de saúde. O às consequências e condicionantes de pro-
espaço é considerado metodologicamente blemas ambientais, como riscos e perigos,
nas análises a partir dos efeitos ou impactos poluição, contaminação, além de revelarem
de vizinhança, levando-se em conta fatores de forma mais precisa os fatores que interfe-
como proximidade, relações topológicas e rem na forma como as populações reagem
recursos disponíveis na comunidade como e dão resposta a tais situações de estresse
variáveis ecológicas fundamentais para en- ambiental (vulnerabilidade).
tender as questões de saúde. Esses efeitos Por outro lado, os efeitos de lugar são
de vizinhança, ou de forma mais ampla importantes para compreender a mediação
efeitos de lugar (place effects), são estu- escalar do lugar, abrindo a possibilidade de
dados nas Ciências Sociais, na Psicologia, se pensar o papel das escalas nas atitudes e
nas Ciências da Saúde e até nos estudos percepções das pessoas diante de perigos
de políticas públicas e gestão do território. específicos, ou da situação ambiental de
Esses estudos buscam uma alternativa forma mais geral.
para a falácia ecológica que não implica fugir Estas questões têm sido abordadas
dos elementos espaciais e ambientais. Sua tradicionalmente pelas mediações sociais
estratégia é diminuir a escala e investigar de e culturais mais evidentes, tais como
maneira mais detida as múltiplas influências renda e escolaridade, bem como origens
e formas de envolvimento das pessoas religiosas ou culturais. No entanto, com a
com o lugar, encontrando aí as variáveis e fluidez contemporânea e a velocidade das
nuances que ligam as pessoas aos lugares. comunicações e da mobilidade, as dinâ-
A questão é qualificar esse envolvimento micas socioculturais têm se generalizado
para poder reconhecer o que interfere, nesta mais intensamente. Este processo, ao invés
escala, na relação sociedade-natureza. de enfraquecer as mediações das escalas
Macintyre, Ellaway e Cummins (2002, menores, tem reforçado a importância da
p.125) afirmam que os efeitos de lugar são heterogeneidade, enfatizando a questão
uma categoria residual, uma caixa preta dos local como uma das escalas de mediação
estudos a respeito da influência do ambien- das pessoas com o mundo (BOURDIN,
te sobre a população. Para avançar neste 2001). Neste sentido, as percepções que
sentido, eles adotaram que “a distinção en- as pessoas têm das questões ambientais
tre ‘composição’ e ‘contexto’ pode ser mais expressam de forma candente os efeitos
aparente do que real, e as características do lugar e seu papel na relação P-A, en-
tanto de infraestrutura material quanto do quanto dimensão espacial fundamental da
funcionamento social do coletivo podem problemática.
influenciar a saúde” (tradução nossa). Em Estes são temas que têm sido persegui-
termos dos estudos demográficos, esta dos nos trabalhos desenvolvidos no Núcleo
distinção permite ver de forma simultânea de Estudos de População, pela equipe
e articulada os elementos estruturais do ligada à linha População e Ambiente e ao
lugar (físicos, simbólicos ou relacionais) e os Projeto Vulnerabilidade.1 Neste contexto,
componentes próprios da população: seus as questões do lugar são pensadas em
atributos, estrutura e composição. relação aos perigos e à mobilidade, a partir

1 Projeto realizado de 2003 a 2008: “Dinâmica intra-metropolitana e vulnerabilidade sociodemográfica nas metrópoles
do interior paulista: Campinas e Santos” (http://www.nepo.unicamp.br/vulnerabilidade), com um espólio de dados e
discussões que ainda estão sendo discutidos em outros projetos, tais como “Mobilidade populacional, ciclo vital e
vulnerabilidade sociodemográfica em regiões metropolitanas: abordagens geográficas qualitativas” (Prodoc/Capes), em
desenvolvimento desde 2008.

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da abordagem da vulnerabilidade do lugar força e seus significados são mais densos e


(MARANDOLA JR.; HOGAN, 2009). Utilizan- abundantes (RELPH, 1976).
do basicamente uma abordagem qualitativa, Os estudos interdisciplinares sobre o
de orientação fenomenológica, a equipe lugar, embora partam deste entendimento
tem avançado no sentido de compreender básico fundamentado nos geógrafos huma-
os elementos componentes da experiência nistas dos anos 1970, procuram sistematizar
urbana que interferem nas atitudes e na for- e compreender as formas como o lugar
ma como pessoas, grupos e lugares reagem é constituído, bem como suas influências
diante de certos perigos. A abordagem esta- nos âmbitos social e ambiental. Da Geo-
belece a relação entre as escalas do bairro, grafia herdaram um olhar específico sobre
da cidade e da região, tentando acompanhar a centralidade da experiência e da escala
os perigos e o desenho da vulnerabilidade próxima para a construção dos lugares, mas
a partir de um olhar micro (lugar) e meso acrescentaram uma gama de elementos
(região) da experiência. sistemáticos para medir o que passou a ser
Um dos desafios desta perspectiva chamado de efeitos de lugar.
é conseguir transgredir as escalas e as A abordagem psicométrica, por exem-
temporalidades, identificando elementos plo, trabalha com uma tríade de componen-
essenciais que permitam pensar os pro- tes para medir a relação das pessoas com
cessos enquanto fenômenos, e não apenas o lugar: envolvimento com o lugar (place
como excepcionalidade de um caso. Uma attachment), identidade com o lugar (place
das estratégias neste sentido foi a inclusão, identity) e dependência do lugar (place de-
no levantamento amostral por domicílio pendence), os quais envolvem diferentes ati-
realizado pelo Projeto Vulnerabilidade, em tudes, respectivamente: afetação, cognição
2007, no módulo sobre as características e elementos conotativos (KYLE et al., 2004).
do domicílio e de seu entorno, de quesitos Envolvimento com o lugar corresponde aos
que exploram a percepção dos perigos em laços emocionais que ligam a pessoa a
diferentes escalas. Embora com limitações um lugar; identidade com o lugar é o grau
inerentes à sua própria característica, tal de características do lugar que refletem a
levantamento permite discutir aspectos pessoa, enquanto a dependência do lugar
relevantes do papel dos efeitos do lugar refere-se ao grau de facilidades comparati-
em problemáticas de P-A, especialmente vas oferecidas pelo lugar.
ligados aos perigos ambientais urbanos. Estes conceitos, embora muito empre-
O objetivo deste artigo é iniciar esta gados por uma ampla bibliografia (ALTMAN;
discussão, procurando refletir sobre as im- LOW, 1992), possuem uma carência teórica
plicações desta pesquisa para uma reflexão básica: “As relações teóricas entre os cons-
metodológica que incorpore os efeitos de trutos de ligação com o lugar, no entanto,
lugar nos estudos de P-A enquanto estraté- não são consistentemente empregadas”
gia de apreensão da dimensão espacial e (NIELSEN-PINCUS, 2010, p. 1, tradução
transescalar dos fenômenos demográficos. nossa). Falta um olhar mais geral que esteja
Para isso, é necessário pensar as vari- “conectado com a relação entre este concei-
áveis pertinentes do lugar para os estudos to e outros que façam referência equitativa
de P-A e refletir sua aderência ao desenho aos laços que estabelecemos com o nosso
amostral e teórico-metodológico da fonte meio.” (HERNÁNDEZ et al., 2007, p. 311,
dos dados. tradução nossa).
Hernández et al. (2007) procuram
O lugar e seus efeitos ampliar as possibilidades analíticas destes
conceitos, estudando o envolvimento com
Lugar é uma essência ou categoria o lugar entre nativos e não nativos em três
espacial que implica proximidade. Em- ambientes diferentes: bairro, cidade e ilha.
bora alguns o tomem como um conceito Os resultados apontam para o maior en-
multiescalar (Tuan, 1983), é na escala da volvimento dos nativos, que pelo tempo de
experiência corpórea que ele tem sua maior experiência no/com o lugar possuem maior

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identificação e laços afetivos com ele. Não é própria de estar-com por estar-entre, edifica-
possível, argumentam os autores, determi- do entre a objetividade e a subjetividade, ou
nar um mínimo de tempo de envolvimento, seja, na intersubjetividade das experiências
mas a linha é ascendente em relação ao (ENTRIKIN, 1991). No lugar estão o enraiza-
tempo de residência. mento e o envolvimento e, em última análise,
A pesquisa aponta ainda que o envol- as possibilidades de ligação elementar com
vimento e a identidade com o bairro são as escalas superiores. Não é, portanto, uma
menos fortes do que com a cidade e a ilha, leitura essencialista. Antes, é uma perspec-
contrariando a tradição de estudos que têm tiva relacional e contextual.
dado maior ênfase aos bairros e às comuni- No entanto, os lugares não são homogê-
dades. Embora reconheçam a necessidade neos, e nosso envolvimento com eles varia
de mais estudos para apoiar esta tendência, muito em intensidade, característica e tempo
os autores atribuem o resultado das relações de experiência. Relph (1976) foi um dos
simbólicas mais fortes, no caso da cidade primeiros a sistematizar estas possibilidades
e da ilha, a uma história compartilhada e de envolvimento, adotando dois conceitos
com limites mais definidos do que o bairro. fundamentais: interioridade (insiderness),
Por outro lado, pode-se pensar que o bairro ou senso de pertencimento, e exterioridade
contemporâneo é a primeira célula espacial (outsiderness), senso de não pertencimento.
a sofrer com os processos de fluidez e de- Para o autor, este envolvimento diferenciado
sagregação da identidade e do mundo do com lugares estava ligado às características
trabalho (BAUMAN, 2003; 2007). próprias deles, bem como à natureza da
A dimensão do pertencimento é uma relação da pessoa com ele. Esta relação
das mais complexas a se abordar. A posição entre interioridade e exterioridade é a base
do ego no discurso expõe a forma de se para a identidade do lugar, estabelecendo
colocar no mundo e de perceber o próprio um gradiente de relacionamento que dilui a
ambiente. O lugar “pertence a mim” ou “faz tradicional polarização insider-outsider (de
parte de mim”? Nesta, a posição do ego dentro e de fora). Relph propõe entender
está expressa na natureza do envolvimento, os lugares no âmbito de suas características
identidade e dependência com/no lugar físicas (forma), atividades e significados,
(KYLE et al., 2004). tentando compreender a experiência na
No caso do “pertence a mim”, a relação intersubjetividade.
com o lugar é a de posse. O ambiente é Os lugares, no entanto, não são apenas
recurso e ativo que são movimentados e externos, são internos também: as pessoas
transformados de acordo com as necessida- carregam em seus corpos os lugares. É por
des, vontades e desejos. Já o entendimento isso que os estudos de lugar precisam abar-
“faz parte de mim” implica um envolvimento car os dois polos da relação P-A: o lugar tem
inerente homem-meio, uma relação de cum- características próprias (os efeitos de depen-
plicidade que envolve o cuidado e a iden- dência e de identificação), mas as pessoas
tidade. No primeiro há a ênfase da depen- precisam se identificar e se envolver com
dência, enquanto no segundo destacam-se ele, ou seja, precisam ter nelas mesmas
a identidade e o envolvimento. sentimentos e memórias que estabeleçam
É para aprofundar esta discussão que ligações com o lugar (LOWENTHAL, 1975;
o sentido geográfico de lugar, associado a LEWICKA, 2008; 2010).
uma leitura fenomenológica, pode contribuir. Em termos demográficos, é essencial
Lugar é a existência, sem dissociação do pensar que tipo de experiência demográfica
ego: uma cumplicidade visceral homem- as pessoas carregam em seus corpos. Ciclo
terra que tem sua manifestação máxima vital, gênero, estrutura familiar, morbidades,
no lugar, expressão da própria ontologia condição migratória não costumam ser
da espacialidade, ou como prefere Dardel considerados em sua dimensão espacial
(1952), da geograficidade. (salvo o último), mas são essenciais para a
Lugar assim entendido é construído na compreensão do próprio lugar e, em con-
entridade (betweenness), uma característica trapartida, também da forma como aquela

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comunidade se vê e se envolve com ele. fenomênica do lugar e sua dinâmica própria


Nielsen-Pincus et al. (2010) investigaram o (MARANDOLA JR., 2008a; MARANDOLA
papel de três aspectos sociodemográficos JR.; HOGAN, 2009). Estes estudos permiti-
na composição dos laços com o lugar: ram avançar na reflexão sobre a percepção
pertencimento de grupo (residentes locais dos perigos urbanos e os componentes da
vs. proprietários não moradores), tempo de vulnerabilidade, bem como a dimensão do
residência e sazonalidade da residência, en- lugar nos processos de P-A. Por outro lado,
tendendo estas variáveis como reveladoras estas pesquisas fundamentaram a elabo-
do envolvimento com o lugar e mostrando ração de quesitos para o questionário do
como o tempo de experiência tanto inter-
levantamento domiciliar amostral realizado
fere na forma e intensidade da identidade,
pelo Projeto Vulnerabilidade, em 2007,
dependência e envolvimento com o lugar,
fornecendo assim dados mais abrangentes
quanto contribui para fortalecer os laços de
sobre os efeitos de lugar na percepção dos
confiança e de proteção do próprio lugar.
A relação P-A se dá justamente nesta perigos urbanos em contextos de elevada
intersubjetividade singular: grupos demo- urbanização.
gráficos, que possuem e carregam suas Três questões centrais nortearam a
trajetórias, coletividades e territorialidades, elaboração das questões, a partir destas
tentando identificar-se e envolver-se com experiências de pesquisa:
outras trajetórias, coletividades e territoriali- • os perigos compreendem os fenô-
dades. Neste processo, constituem lugares menos concretos que causam dano
ao mesmo tempo em que são constituídos e, portanto, são eles, e não os riscos,
por eles. que devem ser questionados. Os
perigos constituem a materialidade
Perigos urbanos e a percepção do que aparece na experiência das pes-
ambiente soas, e por isso precisamos primeiro
entender a percepção deles, para
Acompanhar estes níveis de envolvi-
depois pensarmos a dimensão dos
mento, pertencimento e dependência, no
riscos (a probabilidade de eles ocor-
entanto, não é uma tarefa simples. Duas
estratégias têm sido mais utilizadas para ten- rerem) (MARANDOLA JR.; HOGAN,
tar abarcar estes processos: as pesquisas 2007b; 2009);
qualitativas, com imersão e envolvimento • a percepção dos perigos está direta-
do pesquisador; e os levantamentos de mente ligada à posição na cidade e
percepção e atitudes ambientais. A primeira na região, sendo esta posição uma
permite a discussão mais aprofundada dos expressão dos círculos sociais e cul-
processos e fenômenos constituintes do turais em que a pessoa está exposta
lugar e das circunstâncias e possibilida- e potencialmente inserida, bem como
des diferenciadas de envolvimento. Estas das restrições e potencialidades es-
pesquisas lançam luz sobre características paciais que mediam sua visão dos
particulares, provocando a formulação de perigos e do próprio ambiente (DE
entendimentos que projetam teorias com- PAULA; MARANDOLA JR.; HOGAN,
preensivas dos fenômenos. A segunda pode 2007; MARANDOLA JR., 2008b);
servir tanto de antena para fenômenos ou
aspectos significativos que são mais gerais • a condição de migrante é um viés
(aparecem na heterogeneidade), quanto fundamental na experiência espacial
para avaliar a amplitude de compreensões que interfere diretamente na forma
provenientes dos estudos de imersão. Em como a pessoa vive e percebe o
vista disso, as duas estratégias são comple- ambiente e o urbano. Ser migrante
mentares e se retroalimentam. ou não é essencial no enfrentamento
Temos trabalhado com pesquisas e percepção dos perigos urbanos
específicas, procurando a compreensão (MARANDOLA JR., 2008b; 2008c).

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A percepção é extremamente sensível 1987; LUPTON, 1999; SLOVIC, 2000). Me-


para captar as consequências do envolvi- dos, incertezas e as características próprias
mento com o lugar e suas nuances, porque dos eventos, como a distinção entre perigos
está no nível mais elementar de relaciona- naturais, sociais e tecnológicos, também são
mento sensorial do corpo com o mundo, importantes para perceber as diferenças na
desde que se atente para as mediações percepção (SAARINEN, 1966; LUHMANN,
(PINHEIRO, 1997; 2006). A percepção tem 1993; WILDAVSKY; DAKE, 1994). Nos últi-
sido utilizada há muito tempo para conhecer mos anos cresceu uma tendência de ler a
e investigar os sentidos e as identidades dos percepção dos perigos como manifestação
lugares nos estudos urbanos e ambientais, dos novos cenários globais de comunica-
justamente por apresentar a apreensão do ção, investigando-se o papel dos diferentes
mundo visual de forma imediata, sem me- atores na comunicação e na construção
diações (GIBSON, 1974; OLIVEIRA, 1977; social do próprio risco, além, é claro, de uma
LYNCH, 2003). preocupação em compreender os proces-
A percepção, diferente de como é sos de estigmatização e amplificação social
trabalhada por alguns, é parte constituinte do risco (CASTIEL, 2002; KASPERSON;
do próprio fenômeno, ou seja, seu estudo KASPERSON, 2005).
é um caminho que nos permite tentar com- Todos estes desenvolvimentos ajudaram
preender o porquê de as pessoas terem a compreender melhor a forma como o risco
determinada percepção que talvez não seja é compreendido e construído socialmente
a mesma verificada pelo estudo técnico. A em contextos culturais distintos. No entanto,
percepção é intuitiva, imediata, e é por isso os efeitos de lugar nesta percepção não têm
que, com relação à maioria dos perigos, as recebido a mesma atenção. A influência
pessoas não passam da sua percepção, da situação e posição espacial e os
pois não chegam a refletir ou elaborá-los processos de identificação, dependência
enquanto tal. Os perigos são constituintes e envolvimento com o lugar não têm sido
da história de vida das pessoas e da própria considerados com a mesma frequência que
forma como elas se colocam nas cidades, os processos socioculturais na delimitação
como elas constroem suas identidades, mas dos fatores que interferem na percepção dos
nem sempre se tornam conscientes. riscos e perigos. É justamente nesta seara
A percepção dos perigos é o primeiro que elaboramos as questões e procuramos
passo porque estes são tangíveis, diferen- indícios para a discussão.
temente dos riscos, que necessitam de uma Os elementos espaciais que foram inclu-
elaboração cognitiva para sua apreensão. ídos nas questões, que permitem discutir os
Os perigos podem ser perguntados de efeitos de lugar foram:
forma mais direta, enquanto os riscos re-
querem um trabalho maior para a acurácia • Escala dos perigos – diz respeito às
no questionário. Neste sentido, as perguntas perguntas da percepção dos perigos
sobre perigos específicos (áreas contami- em três escalas: entorno da casa
nadas, trânsito, poluição, etc.) são mais (bairro), cidade e região. Este quesito
adequadas para um questionário grande possibilita compreender as questões
cujo objetivo era maior do que este módulo de proximidade e distância, centrais
de questões. para discussão da percepção, pois
Há uma ampla bibliografia sobre per- os perigos são percebidos de forma
cepção de riscos, com longa tradição de muito diferente nestas escalas;
estudos e de estratégias metodológicas, • Posição – refere-se à situação de
mostrando que muitos fatores interferem na moradia na região metropolitana
percepção, desde a renda, a escolaridade, (RM). O desenho amostral não per-
os círculos culturais e religiosos e o lugar, mite a representatividade por mu-
até os ativos e as estruturas materiais dis- nicípios, mas sim por sede da RM e
poníveis para as pessoas enfrentarem os os demais municípios do entorno, o
perigos (KATES, 1967; DOUGLAS, 1985; que oferece uma situação espacial,

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embora heterogênea, com especifi- facilitou as respostas, pois as pessoas já


cidades significativas para entender estavam, no momento das perguntas, com
o posicionamento em relação à cen- a atenção voltada para o entorno da casa e
tralidade e às estruturas espaciais e suas condições, além de estar no início do
simbólicas diferenciais. Morar na sede questionário, sem terem sido mencionados
e no seu entorno implica condições os demais temas (família, renda, trabalho,
e especificidades espaciais que pos- saúde, educação, etc.) (CUNHA, 2009a;
sibilitam aventar questões referentes 2009b).
à percepção e ao seu viés topológico; As questões sobre percepção eram
• Condição migratória: esta é atribuída semiabertas, com categorias predefinidas,
a partir do quesito tempo de residên- nas quais o entrevistador classificava as
cia. Trata-se de elemento muito respostas. Quando a resposta era esponta-
importante porque diz respeito tanto neamente múltipla, a orientação era que se
à experiência espacial que a pes- perguntasse ao entrevistado qual daquelas
soa tem da cidade e da RM – mais era a mais relevante para ele. As categorias
tempo, mais experiência –, que lhe foram definidas tanto pelos pré-testes reali-
permite conhecer perigos e sistemas zados na montagem geral do questionário,
de proteção, quanto às experiências quanto pelas pesquisas empíricas em
espaciais anteriores que a pessoa bairros de Campinas que a equipe vinha
traz para o novo lugar, modificando- realizando ao longo do Projeto.
o também. Os migrantes carregam Aplicado apenas a domicílios urbanos, o
seus lugares e nesse processo são questionário foi prioritariamente respondido
transformados ao mesmo tempo em por mulheres, responsáveis pelo domicílio ou
esposas dos responsáveis. Na inexistência
que transformam.
delas ou na sua ausência irremediável, o
Os três elementos podem ser balizados questionário foi respondido por homens
pelas respostas aos quesitos sobre mobi- responsáveis pelo domicílio. O motivo de
lidade (cotidiana e pendular), bem como tal escolha está associado à complexidade
pelos dados da migração intraurbana, que das perguntas e ao entendimento de que
permitem identificar alguns traços da ex- as mulheres teriam melhores condições de
periência espacial das pessoas na região responder aos sete módulos do questionário
e na cidade, o que interfere sem dúvida na devido ao seu maior envolvimento com os
sua percepção e na forma como se inserem membros do domicílio.
social e espacialmente. A amostra envolve cerca de 70% de
O questionário foi aplicado em 1.823 respondentes mulheres (Tabela 1). Embora
domicílios entre os 19 municípios da Região não seja possível indicar estatisticamente
Metropolitana de Campinas (RMC) e em um viés de gênero claro em relação à per-
1.595 domicílios dos nove municípios da cepção dos perigos ambientais (os dados
Região Metropolitana da Baixada Santista não diferem entre homens e mulheres), é
(RMBS) – as duas RMs do interior do Esta- importante estar atento para a quantidade
do de São Paulo –, no segundo semestre das mulheres respondentes, bem como ao
de 2007. Seu desenho amostral foi feito a direcionamento do próprio questionário,
partir de Zonas de Vulnerabilidade (ZVs), que foi elaborado tendo-se em mente que
que foram compostas por meio dos dados teríamos mulheres como informantes.
do Censo 2000, sem representação espa- Castro e Abramovay (2005) apontam
cial, mas permitindo uma análise domiciliar para a importância de avançar na compreen-
(CUNHA et al., 2006). são da perspectiva de gênero ao se pensar
Com um questionário organizado em o ambiente, já que esta permite entender o
vários módulos, as questões de percepção papel de homens e mulheres nas organiza-
dos perigos ficaram no primeiro, aparecen- ções, no que se refere às questões contem-
do na sequência das questões referentes às porâneas. A bibliografia sobre percepção
características do domicílio e do bairro. Isso de risco está atenta ao viés de gênero e há

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TABELA 1
Respondentes do questionário, por sexo
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007
RMC RMBS
Sexo
N. abs. % N. abs. %
Homens 554 30,39 460 28,84
Mulheres 1.269 69,61 1.135 71,16
Total 1.823 100,0 1.595 100,0
Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

estudos que indicam a significativa diferença relações de poder que ambos exercem nos
da percepção entre homens e mulheres em diferentes contextos sociais.
relação tanto aos tipos de risco quanto à Um componente importante da per-
própria percepção do ambiente. Segundo cepção do risco é a percepção do perigo,
Gustafson (1998), embora sociólogos e o evento concreto, o que está relacionado
antropólogos classifiquem que os riscos são diretamente à experiência. Algumas pes-
social e culturalmente construídos, estudos quisas revelam que os homens tendem a
da psicologia revelam, segundo o autor, que manifestar níveis mais baixos de preocu-
existe uma dimensão subjetiva na percep- pação quando questionados sobre perigos
ção dos indivíduos, pois a percepção de ambientais. Por se preocuparem menos,
risco não apenas reflete a exposição a ele, sua atenção e consequentemente sua per-
mas também é influenciada pela experiência cepção dos riscos também são menores do
individual e pelas construções coletivas. que as das mulheres (Flynn et al., 1994;
Dessa forma, homens e mulheres não só Riechard et al., 1998; Finucane et al.,
percebem os mesmos riscos de maneiras 2000; Henwood, 2008).
diferentes, como também percebem riscos Mas essa perspectiva não é uma unani-
diferentes. midade. Greenberg et al. (1995) rebatem a
Existem algumas hipóteses que tentam ideia de percepções ambientais diferencia-
explicar as diferenças na percepção do das entre os sexos. Os autores defendem
risco entre homens e mulheres, tais como que homens e mulheres que residem em
condições biológicas, experiência de algum uma mesma vizinhança e que vivenciam
risco e diferenças sociais (FLYNN et al. múltiplos perigos demonstram preocu-
1994). Entre as causas sociais, pesquisas pações parecidas sobre as condições do
qualitativas têm mostrado que a atenção das ambiente local.
mulheres com a casa e a família se reflete No caso dos dados da pesquisa, isso
em sua percepção dos riscos, tornando-as pode ter ressonância na não diferenciação
preocupadas com ameaças à sua família e a estatística entre as respostas de homens
outras pessoas com quem tenham relações e mulheres. Por outro lado, não é demais
estreitas, bem como com relação à sua casa, lembrar que o desenho amostral não foi
como mostram Jakobsen e Karlsson (apud espacial, baseando-se em Zonas de Vulne-
Gustafson, 1998). Frequentemente são rabilidade (ZVs), o que também não sustenta
mencionados riscos de acidentes, riscos de um viés espacial nas respostas. As ZVs fo-
saúde e de morte. A mesma pesquisa mos- ram compostas com base em características
tra que as preocupações dos homens estão apreendidas de quesitos do Censo 2000 que
relacionadas em maior grau com a vida pro- representassem o capital social, humano e
fissional, como, por exemplo, risco de ficar físico, o que deu ênfase para a escolaridade,
desempregado e problemas econômicos. a renda e outros aspectos sociodemográfi-
Porém, isso não indica que as diferenças cos (CUNHA et al., 2006). Este é outro viés
de gênero nas percepções de risco estão importante na amostragem.
ligadas às atividades e aos papéis sociais de Trabalhamos com os dados/valores
homens e mulheres, mas sim às desiguais reais, sem expansão da amostra, para obter

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uma precisão mais clara dos dados. Foram respectivamente, são áreas de concentra-
utilizados dois conjuntos de dados que ção de fluxos, de densa urbanização e de
mediram a percepção, sempre cortados concentração de serviços. A mobilidade
por duas categorias: posição e condição intrarregional e as migrações internas são
migratória. Cada conjunto de dados permite significativas do conjunto de sua dinâmica
ver, a partir destas categorias, indícios dos populacional, apresentando um elevado
efeitos de lugar agindo na diferenciação dinamismo econômico e cultural (JAKOB,
das respostas e na própria interpretação 2002; PIRES, 2007; MARANDOLA JR.,
dos dados. 2008a).
O primeiro foi apreendido pelos quesi- Em termos ambientais e de sítio, porém,
tos 52 a 66 do questionário, que envolvem as duas RMs não poderiam ser mais diferen-
questões sobre as vantagens e os perigos tes. A RMC está na transição entre o Planalto
de viver no bairro, na cidade e na RM. Estas Atlântico (onde está a Região Metropolitana
perguntas objetivavam identificar a influên- de São Paulo) e a Depressão Periférica Pau-
cia da experiência direta dos perigos para a lista, de terrenos sedimentares aplainados,
percepção, assim como possíveis ajudas e por onde se consolidaram uma ampla co-
correlações entre os conjuntos de perigos. A nurbação e um processo de dispersão. Este
violência foi indagada de maneira separada último ocorre em mancha em quase todas
para poder abrir espaço para outros perigos as direções (exceto justamente o leste, onde
serem mencionados. dominam os relevos do Planalto), seguindo
O segundo conjunto refere-se aos que- os eixos rodoviários de grande porte, deno-
sitos 67 a 82 do questionário, que listam uma minados por Caiado e Pires (2006) de eixos
série de perigos, os quais os informantes de desenvolvimento (Mapa 1).
devem classificar como muito grave, grave, Apesar da concentração da sede, ine-
pouco grave, nada grave e não sabe. Estas rente aos processos de metropolização, a
questões foram direcionadas para o entorno RMC possui uma relativa desconcentração
da casa, contendo, portanto, uma escala oriunda da sua própria formação a partir dos
próxima referente ao próprio lugar. anos 1970 (PIRES, 2007). Há cinco cidades
Assim, levando-se em conta este com mais de 150 mil habitantes (três delas
desenho amostral, as características da com mais de 200 mil), sendo outras cinco
composição do questionário e as questões com população superior a 50 mil pessoas
levantadas por nossas pesquisas no campo (estando duas no limiar dos 100 mil). Estas
da vulnerabilidade do lugar, propomos dis- cidades apresentam significativa atividade
cutir dois temas centrais que perseguimos comercial e de serviços, especialmente
a partir dos dados da pesquisa: qual o desde os anos 1990, tendo uma relação
papel do lugar na percepção dos perigos com a sede mais independente do que os
ambientais urbanos? Qual o impacto do modelos de metropolização da era industrial
tempo de residência e do envolvimento produziram. As trocas populacionais e a
com o lugar na relação P-A? Esperamos pendularidade não estão apenas direciona-
que estas questões subsidiem uma reflexão das para a sede, apresentando interações
metodológica sobre o papel dos efeitos de espaciais significativas entre os municípios
lugar nos estudos de P-A. do entorno (MARANDOLA JR., 2008a).
Discutem-se os dados a partir das cate- Em vista disso, em vez de uma man-
gorias de análise, incluindo aí a discussão cha mais densa em torno do centro me-
por escalas, com o intuito de que, com isso, tropolitano, temos um padrão rizomático
seja possível ressaltar seu papel na forma de desenvolvimento da mancha urbano-
como a percepção dos perigos se revela. -metropolitana, capilarizada pelas grandes
rodovias e pelos principais corredores viá-
Posição: sede e entorno rios. Esse padrão de construção, que desde
os anos 1970 elegeu a região como o local
Com aproximadamente 2,7 e 1,7 mi- da produção do espaço urbano, privilegiou
lhões de habitantes, a RMC e a RMBS, as localizações mais conectadas à densa

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MAPA 1
Malha de setores censitários urbanos e microrregiões
Região Metropolitana de Campinas – 2000

Fonte: Malha de setores, IBGE (2000).

malha viária, produzindo uma integração Há pelo menos duas situações espa-
metropolitana bastante significativa. ciais bem claras em termos das interações
Já a RMBS apresenta um quadro bas- espaciais entre as cidades: um eixo mais
tante diferenciado, mas que, igualmente, concentrado em Santos, que inclui São Vi-
coloca a mobilidade e a integração regional cente, Guarujá e Cubatão; e os demais mu-
no centro de sua constituição. Região litorâ- nicípios, que apresentam maior intensidade
nea, entre a serra e o mar, a estreita faixa de de atividades turísticas, uma urbanização
terra que envolve os nove municípios possui menos densa e uma nítida relação entre a
um formato linear bastante acentuado, não distância da sede e a intensidade dos pro-
havendo a mesma capilaridade da sede, cessos e trocas populacionais.
Santos, mas mantendo uma integração Estes fatores, somados à história da
muito intensa por poucos caminhos. A própria ocupação da região muito mais
conexão entre as cidades se dá toda pela antiga do que a de Campinas, associada
SP-55, Rodovia Manoel da Nóbrega, e pela de forma direta a toda a industrialização da
estrada que acompanha a orla, que possui Região Metropolitana de São Paulo, produ-
muitas variações em sua infraestrutura ao ziram uma concentração muito mais signifi-
longo da costa. Todo o trânsito se concen- cativa. A ausência de outras conexões com
tra em estreitos corredores viários, sempre outras cidades ou regiões que não sejam
no sentido paralelo à costa, deslocando-se mediadas pela sede acentua um modelo de
dentro dos municípios e entre eles. Apenas região metropolitana industrial: com muita
na Ilha de São Vicente, onde estão Santos e concentração e dependência da sede frente
a cidade de São Vicente, existe uma morfo- ao seu entorno.
logia um pouco distinta, embora os morros, Essas configurações, evidentemente,
localizados no centro da ilha, garantam que se refletem nos modos de vida, na relação
se mantenha o sentido do contorno da costa com os lugares e mediam a percepção dos
como a orientação da urbanização (Mapa 2). perigos.

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MAPA 2
Malha dos setores censitários urbanos e microrregiões
Região Metropolitana da Baixada Santista – 2000

Fonte: Malha de setores, IBGE (2000).

Os 16 perigos sobre os quais se pediu rias contaminação e climáticos são aquelas


a avaliação do informante sobre a gravi- em que a pessoa precisa ter em mente
dade para o entorno da residência foram eventos específicos, devido à sua particu-
agrupados em sete categorias, as quais laridade e concretude na experiência. Uma
permitem refletir sobre suas especificidades enchente não se dá de forma generalizada e
em termos de percepção (Quadro 1). Isso se nem indiscriminada. Trata-se de um evento
fez necessário devido aos limites estatísticos facilmente identificável e tem duração e lo-
de expansão da amostra, que podem com- calização muito definidas. A contaminação
prometer sua representatividade. Por este também é definida espacialmente, embora
mesmo motivo, também foram agrupados seja mais difusa no tempo. Quando esta
os gradientes de gravidade predefinidos chega à percepção é porque foi legalmente
como resposta para apenas grave (“muito notificada, divulgada e houve intervenção
grave” e “grave”) e pouco grave (“pouco do poder público para sua contenção. Isso
grave” e “nada grave”). Há uma proximidade também marca um lugar específico. Estas
cognitiva significativa entre muito grave e duas categorias são também aquelas mais
grave, e entre pouco grave e nada grave, associadas ao ambiente, enquanto dimen-
o que justificou esta agregação. Como os são não urbana.
dados para a categoria “não sabe” se mos- Já as categorias acessibilidade, qua-
traram insuficientes estatisticamente para lidade de vida e trânsito dizem respeito
serem considerados, utilizou-se apenas a ao cotidiano mais direto da pessoa. Sua
informação contabilizada como “grave e percepção está associada diretamente a
muito grave” para fins de análise, identifican- práticas e à própria experiência. Mesmo que
do os perigos que sobressaíram em termos não estejam ligadas a eventos específicos,
da gravidade. elas se constroem de forma mais difusa na
As categorias revelam aspectos diferen- experiência, associadas a acontecimentos
tes do envolvimento com o lugar e o papel cotidianos. Elas possuem também, assim
da localização da sua percepção. As catego- com as categorias infraestrutura e manu-

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QUADRO 1
Agregação das categorias de perigos ambientais urbanos

Dificuldade de acesso a outros bairros


Dificuldade em chegar ao local de trabalho
Acessibilidade
Dificuldade de acesso à escola mais próxima
Dificuldade de ir ao posto de saúde mais próximo

Enchentes
Climáticos Enxurradas
Deslizamentos

Contaminação Áreas contaminadas

Problemas no abastecimento de água


Infraestrutura
Problemas com saneamento e/ou esgoto

Problemas na coleta do lixo


Manutenção Insetos, ratos, carrapatos e pernilongos
Mato alto, terreno baldio

Falta de locais de lazer nas proximidades


Qualidade de vida
Falta de áreas verdes nas proximidades

Trânsito Tráfego pesado

tenção, a percepção do papel do poder contaminação (31,0%), qualidade de vida


público e da sua intervenção na gestão do (40,9%) e manutenção (32,2%), categorias
espaço público urbano, apontando para com essa avaliação em, respectivamente,
sua ausência, ao mesmo tempo em que apenas 5,9%, 10,0% e 10,7% de respostas
qualificam esta ausência. do entorno da RMC.
Quando se observam os dados agre- As maiores porcentagens de respostas
gados, ou seja, o conjunto das respostas “graves ou muito graves” na RMC foram da-
dadas pelos informantes em cada RM, das pela sede: 14,2% na categoria qualidade
nota-se uma diferenciação clara entre as de vida; 14,8% para manutenção; e 14,3%
posições. O entorno da RMBS somou 25,0% para trânsito. A categoria infraestrutura foi
de respostas “grave”, para o conjunto dos a única em que a resposta “grave ou muito
16 perigos, o que é mais do que o dobro grave” do entorno superou a da sede, com
das demais posições. A sede da RMBS, por respectivamente 16,4% e 9,9%.
outro lado, registrou apenas 6,8%, o menor Estas respostas apontam para o envol-
índice entre as posições. Na RMC foi a sede vimento com a região e a importância da
que acusou mais respostas como “grave e proximidade em algumas regiões. O entorno
muito grave” (10,4%), enquanto o entorno da RMBS é uma área com muitos assenta-
da RMC apontou 8,5%. mentos precários, muito afastados da sede,
Considerando-se os dados pelas com problemas sérios de infraestrutura,
categorias criadas, foi possível identificar acessibilidade e manutenção. As questões
melhor onde estão estas diferenças entre urbanas estão muito latentes, como apa-
as posições (Gráficos 1 e 2). Em todas as recem na porcentagem da gravidade dos
categorias de perigos, as respostas para perigos relacionados a trânsito, manutenção
“grave e muito grave” do entorno da RMBS e qualidade de vida, todos indicadores desta
foram superiores às do entorno da RMC, precariedade.
enquanto as respostas da sede da RMC A exceção é a gravidade apontada para
foram sempre maiores às da sede da RMBS. os perigos da contaminação na RMBS, em
Destacam-se as porcentagens de respostas especial no entorno (na sede as respostas
como “grave” do entorno da RMBS para “grave e muito grave”, nesta categoria, só

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GRÁFICO 1
Perigos ambientais urbanos percebidos como graves e muito graves, por categorias de perigos e
posição (sede-entorno)
Região Metropolitana de Campinas – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

GRÁFICO 2
Perigos ambientais urbanos percebidos como graves e muito graves, por categorias de perigos e
posição (sede-entorno)
Região Metropolitana da Baixada Santista – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

somaram 8,1%), que possui um histórico de ainda está presente no imaginário da região.
áreas contaminadas que, mesmo já tendo Os grandes eventos de contaminação
se passado alguns anos, percebe-se que ocorreram nas cidades do entorno, em

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especial Cubatão, e esta preocupação com Quando a resposta era positiva, permitia-se
a contaminação ainda presente não se dá que a pessoa mencionasse livremente até
apenas pela repercussão de casos antigos, três vantagens. Estas foram classificadas
mas também pelo ainda convívio com as de acordo com categorias predefinidas.
consequências destas contaminações, A Tabela 2 sintetiza as vantagens mais
principalmente para o mercado de trabalho mencionadas.
e a saúde. As vantagens mostraram-se diretamen-
É interessante notar que, em ambas as te ligadas à questão locacional, de acessibili-
regiões, independentemente da posição, os dade e de proximidade. O item “proximidade
perigos climáticos não receberam destaque, a qualquer serviço mencionado” recebeu
sendo os aspectos do espaço construído as maiores frequências para quase todas
muito mais latentes para as pessoas em as escalas, excetuando-se bairro na RMC e
termos da sua gravidade. Isso mesmo con- região na RMBS, embora nestes dois casos
siderando-se que o levantamento domiciliar tenha sido a segunda mais mencionada.
foi feito apenas poucos meses após a divul- No primeiro caso, a mais mencionada foi
gação do Fourth Assessment Report (AR4) “aluguel ou preço do terreno/casa”, o que é
do International Panel on Climate Change uma vantagem locacional estrutural ligada à
(IPCC), ocasião em que o tema mudança escolha do lugar de moradia, e no segundo
climática estava sendo amplamente divulga- caso foi a categoria “outros”, cujo índice
do e discutido pela mídia. A acessibilidade elevado aponta para o fato de que perdemos
também é muito pouco mencionada como alguma dinâmica relevante.
um problema para as duas regiões, o que É importante observar também os dados
indica tanto uma articulada infraestrutura de menores, tendo sido a categoria “espaços
mobilidade quanto uma rede de serviços verdes” a menos mencionada nas duas RMs
relativamente bem distribuída. (o que é corroborado pelos altos índices de
A relação entre sede e entorno da percepção de perigos ligados à qualidade
RMC, por outro lado, é invertida. A maior de vida, cuja existência de espaços verdes
densidade de deficiência de infraestrutura está incluída), além do baixíssimo índice
está na própria sede. Município com mais de respostas para “aluguel ou preço do
de um milhão de habitantes e com níveis terreno/casa” nas escalas da cidade e da
de desigualdade elevados, Campinas região na RMBS. Chamam atenção também
ostenta uma ampla área de urbanização os baixos índices de respostas nestas
precária que se conurba com municípios mesmas escalas para “parentes próximos”,
vizinhos, repercutindo carências urbanas categoria muito importante na RMC e na
de toda ordem. A única categoria em que própria categoria bairro. Há, na percepção
o entorno registrou mais respostas “grave” das vantagens nas escalas cidade e região
foi na infraestrutura, pois há muitas cidades na RMBS, uma importância na estrutura
da região com problemas crônicos de de serviços maior do que na RMC, onde
abastecimento e tratamento de efluentes, o fatores ligados ao cotidiano e à mobilidade
que tem sido trabalhado, nos últimos anos, apresentam-se mais relevantes em termos
no município-sede. desta percepção.
Estas relações também se revelam O Gráfico 3 apresenta as respostas
quando se observam os dados da percep- afirmativas agregadas para as duas RMs,
ção dos perigos por escalas. Neste quesito, mostrando uma percepção inversa na
a estratégia na elaboração do questionário relação sede-entorno. Na RMC, é a sede
foi perguntar tanto pelos perigos, quanto por que percebe mais as vantagens do que o
vantagens, entendidas enquanto o oposto entorno, o que ocorre de forma inversa na
ao perigo. Perguntamos para a escala do RMBS, com uma amplitude bem maior. No
bairro, da cidade e da região (“A Sra. acha geral, o índice de vantagem na sede da
que há alguma vantagem em viver neste RMBS é muito baixo, com patamares entre
bairro/cidade/região?”), percebendo nuan- 29% e 31% para as três escalas, enquanto
ces importantes na qualidade das respostas. seu entorno registra índices acima dos 50%.

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Na RMC, a diferença é menor: na base de espaciais, ao passo que na sede da RMBS


38%-39% no entorno e 49%-53% na sede. o peso da própria sede é preponderante no
Há dois movimentos distintos nestes posicionamento escalar. Estar na sede é a
dados. Um é a constância entre as escalas principal vantagem.
(entorno da RMC e sede da RMBS). Isso Essa percepção também é revelada
aponta para uma percepção da posição e pelos dados da sede da RMC, que tem um
sua articulação entre as escalas. No caso índice muito alto nesta escala (53,0%), em
do entorno da RMC, é o reconhecimento da oposição aos 49,1% que apontaram van-
articulação da região e de suas interações tagem em morar na região. Esse segundo

TABELA 2
Percepção das vantagens de morar no bairro, na cidade e na região
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007
Em porcentagem

RMC RMBS
Vantagens
Bairro Cidade Região Bairro Cidade Região
Proximidade a qualquer serviço mencionado 21,9 25,4 28,1 26,1 36,4 32,5
Qualidade de qualquer serviço mencionado 9,0 14,3 17,4 10,1 18,1 15,5
Espaços verdes 1,6 1,4 1,5 2,4 3,7 5,6
Segurança 11,9 4,7 2,8 10,8 2,1 1,6
Parentes próximos 21,2 19,9 17,4 19,2 9,4 6,6
Aluguel ou preço do terreno/casa 25,1 16,4 14,9 13,7 1,6 0,6
Outros 9,3 17,9 17,9 17,6 28,8 37,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

GRÁFICO 3
Percepção das vantagens de morar no bairro, na cidade e na região, por posição (sede-entorno)
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

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movimento, de reconhecimento maior entre acessibilidade), os perigos não são perce-


as diferentes escalas, também se manifesta bidos nesta escala.
nos dados do entorno da RMBS, embora em A pergunta feita (“E fora a violência, há
menor grau, indicando a menor importância algum outro perigo no seu bairro/cidade?”)
da cidade. Isso pode estar ligado à própria permitia primeiro a resposta sim ou não,
dimensão menor da RMBS e de sua forma com a especificação do perigo para as
urbana, que coloca na acessibilidade um respostas sim. Assim como as vantagens,
peso muito forte na percepção da posição, os perigos eram mencionados livremente,
já que a concentração na sede é maior e cabendo ao entrevistador classificar nas
gera um fluxo significativo para ela. categorias predefinidas. Para fins de análise,
Quanto à percepção dos perigos, a tais perigos foram reunidos em categorias
questão foi aplicada após a realização de mais amplas, que expressam problemas
uma pergunta separada sobre violência, semelhantes: inundação, enxurrada e
pois os pré-testes haviam mostrado que a deslizamento; poluição do ar; trânsito e
palavra perigo, nestas situações urbano- acidentes de carro; manutenção (terrenos
metropolitanas, trazia imediatamente a baldios, lixo e problemas sanitários); e
dimensão da violência. Para captar outros outros. A distribuição pelas duas RMs pode
perigos, portanto, primeiro perguntou-se ser vista na Tabela 3.
sobre a violência, para depois indagar sobre A poluição do ar e a manutenção foram
os demais. os perigos mais mencionados na RMC,
Neste caso, perguntamos apenas nas enquanto a manutenção e o trânsito foram
escalas do bairro e da cidade, pois as res- os mais relevantes na RMBS. Isso aponta
postas aos perigos na RM, nos pré-testes, uma ressonância significativa com as
não se mostraram consistentes. Isso em si particularidades das regiões, cujas formas
é importante, porque a reação das pessoas urbanas intensificam tais problemas.
quando questionadas sobre os perigos no Quanto às diferenças escalares, chama
bairro, na cidade e por fim na RM era de indi- atenção o fato de o índice de percepção do
ferença ou de não entendimento. A diferença perigo referente à poluição do ar na RMC
entre perigo no bairro (o entorno da casa) ser maior no bairro do que na cidade, o que
e na cidade (no seu cotidiano, mas não no indica uma percepção e experiência direta
seu “quintal”) é muito clara para as pessoas dele. A poluição do ar, em geral, é tratada
e isso se reflete nas respostas. Já a RM pa- como um problema difuso, concentrado nas
rece uma escala em que os perigos não se regiões centrais ou corredores viários, mas
manifestam, não aparecem na experiência. o dado indica a concretude e proximidade
A região é difusa espacialmente e, embora do problema na percepção da população.
as vantagens possam ser identificadas Neste mesmo sentido, praticamente não há
(especialmente pelas potencialidades da diferença na percepção do problema com

TABELA 3
Percepção dos perigos ambientais urbanos no bairro e na cidade
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007
Em porcentagem

RMC RMBS
Perigos ambientais urbanos
Bairro Cidade Bairro Cidade
Inundação, enxurrada, deslizamento 5,4 18,9 17,6 15,2
Poluição do ar 42,0 38,4 4,1 5,7
Trânsito, acidentes de carro 14,9 15 23,3 34,5
Manutenção: terrenos baldios, lixo, problemas sanitários 29,8 18,2 47,2 32,9
Outros 7,9 9,5 7,8 11,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 7-35, jan./jun. 2012 23


Marandola Jr., E. e Modesto, F. Percepção dos perigos ambientais urbanos e os efeitos de lugar...

trânsito nas duas escalas, mostrando sua a perceber menos perigos, ou vice-versa.
generalização no conjunto da RMC. Os dados apontam para um viés de lugar
No reverso, perigos naturais ligados a na percepção das questões ambientais. A
eventos hidrometeorológicos (inundações, sede da RMBS tem uma tendência geral
enxurradas e deslizamentos), na RMC, são de perceber menos tanto perigos quanto
mais identificados na cidade (18,9%) do vantagens. Por quê? Essa é uma questão
que no bairro (5,4%), o que não acontece que está relacionada aos efeitos de lugar,
na RMBS, onde os índices para as duas que não aparecem nos dados.
escalas são muito próximos. O alto índice
registrado na categoria manutenção inclui Condição migratória: tempo de
os problemas sanitários, historicamente residência
presentes na RMBS e que marcam muito o
cotidiano da urbanização precária presente Que é ser migrante? É estar em busca
amplamente na região. de uma nova territorialização, de conhe-
Este perigo corresponde a boa parte cimento espacial e de inserção no lugar
dos 32,0% e 35,7% de perigos no bairro (MARANDOLA JR.; DAL GALLO, 2009). O
e na cidade, respectivamente, apontados migrante está em condições distintas em
pelo entorno da RMBS (Gráfico 4). A aná- relação aos nativos em termos do tempo de
lise por posição mostra a mesma inversão envolvimento e na sua relação com o lugar
vista nos dados de vantagens: a sede da (HERNÁNDEZ, 2007). Desde a já clássica
RMC e o entorno da RMBS percebem mais compreensão de Norbert Elias (1994) sobre
perigos, sendo a sede da RMBS aquela que as diferenças entre os de fora e os estabe-
apresenta menores índices. Isso mostra que lecidos, o fenômeno da migração tem sido
não há uma ligação direta entre perceber visto também em seu processo de adapta-
vantagens e perigos, ou seja, que uma ção, o que implica uma reterritorialização
elevada percepção de vantagens levaria (HAESBAERT, 1997; SAQUET, 2003).

GRÁFICO 4
Percepção dos perigos ambientais urbanos no bairro e na cidade, por posição (sede-entorno)
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

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Em vista disso, o tempo de residência é tendem a não coincidir com o sistema de


um indicador adequado que mede o tempo lugares dos estabelecidos, como aqueles
de experiência na cidade, permitindo inferir que chegaram há menos tempo (migrantes
diferenças entre o conhecimento espacial recentes), já com a metropolização com-
e o envolvimento com o lugar. Embora não pletamente consolidada, e que têm acesso
seja possível por meio desta informação aos lugares e à informação de uma forma
qualificar com muita precisão a natureza muito mediada, muito distantes do sistema
deste envolvimento, as pesquisas na região de lugares dos não migrantes.
têm mostrado a diferença nos espaços de Esta situação é rica, no entanto, porque
vida e na relação com os lugares entre traz para o lugar outros lugares (pela memória
migrantes e não migrantes (MARANDOLA e corporeidade dos migrantes), conectando
JR., 2008a; 2008b; MARANDOLA JR.; o lugar a outros, pois diferente de outros
HOGAN, 2009). períodos, estes são migrantes que vivem
Por outro lado, as categorias dos pe- entre-territórios, mantendo ligações mais
rigos em discussão permitem identificar intensas (temporalmente e espacialmente)
aspectos que dizem respeito às diferenças com seu lugar-natal (ALMEIDA, 2009). Isso
de envolvimento com os lugares mantidos agrega outra dimensão de envolvimento,
por migrantes e não migrantes em regiões diminuindo a dependência do lugar e o
metropolitanas como estas, onde a migra- próprio tempo de experiência, já que as
ção dos últimos 20 anos advém de outras viagens podem ser, em alguns casos,
áreas urbanas. O que nossas pesquisas na extremamente frequentes.
região têm mostrado é que uma parcela sig- Os dados permitem apreender alguns
nificativa de migrantes possui familiares em destes elementos quando se observa a
outras cidades da RM, realizando viagens percepção dos perigos ambientais urba-
para visitá-los com certa frequência. Por nos, agora categorizados pelo tempo de
outro lado, há um conjunto de migrantes residência. São os mesmos dados ora
de estrato médio que vivem na região sem apresentados e, por isso, notam-se algumas
parentes ou amigos da infância ou juventu- permanências, como o destaque para o en-
de, tendo se mudado a trabalho e que, em torno da RMBS em apontar a gravidade dos
vista disso, precisam viajar frequentemente perigos. No entanto, há também algumas
para o lugar-natal para manter os laços. tendências instigantes.
Nestes casos, embora possam viver vários Por exemplo, observando-se os dados
anos na região, estas pessoas podem agregados para o conjunto das respostas,
manter-se vinculadas ao circuito de lugares verifica-se que a percepção dos perigos
metropolitanos – os lugares neutros de que é maior quanto menor for o tempo de
fala Bauman (2001) –, onde é possível ficar residência. Em ambas as regiões, os
à parte do sistema do local (MARANDOLA respondentes que são migrantes recentes
JR., 2008a; 2008b). apontaram os perigos como graves ou
Isso gera uma situação extremamente muito graves mais vezes do que o fizeram
complexa em termos da percepção dos os não migrantes. Estas proporções foram,
perigos e sua aderência aos efeitos de respectivamente, de 11,1% e 8,5%, na RMC,
lugar. De um lado, temos os naturais (não e de 20,9% e 15,9%, na RMBS.
migrantes), enraizados nestas regiões an- Estes dados indicam a importância
tes da metropolização, antes dos grandes do tempo de experiência no lugar para
fluxos migratórios dos anos 1970 e antes o enfrentamento dos perigos. Tempo de
dos migrantes mais recentes que vieram experiência possui uma associação não
principalmente trabalhar em empresas ou linear, mas crescente e positiva, com o en-
procurar empregos em áreas de concen- volvimento, a identidade e a dependência
tração urbana. De outro, há os migrantes, com/do lugar, como mostraram Hernández
tanto os chegados há mais de dez anos et al. (2007). A experiência ganha densidade
(migrantes estabelecidos), que já possuem e profundidade com o tempo, a partir da
suas próprias redes e lugares na região que pausa (não mudanças), bem como pelos

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laços e atividades desenvolvidas tendo o Outro dado importante neste olhar mais
lugar como mediação com o mundo (TUAN, geral sobre a percepção dos perigos por
1983). Quanto maior for este envolvimento (o condição migratória é a diferença entre as
attachment), maior é a importância do lugar duas RMs, além do fato de aquela discre-
para a mediação das atitudes e percepções, pância entre sede e entorno da RMBS ter
inclusive dos perigos (TUAN, 1980; 2005). se dissipada num maior equilíbrio entre as
Por outro lado, a percepção do perigo categorias de migrantes, o que reforça a
está diretamente associada à percepção importância da diferença entre estes dois
do risco (DOUGLAS; WILDAVSKY, 1982) e lugares no caso desta região.
esta, por sua vez, está ligada à capacidade Já o foco na especificidade das dife-
de enfrentamento, ou seja, à vulnerabili- rentes categorias de perigo e sua influência
dade (WISNER et al., 2004). O tempo de nestes dados mais gerais mostra como a
experiência e o envolvimento com o lugar condição migrante interfere na percepção
(seja pela via da dependência seja pela de cada perigo. Na RMC, os migrantes
identidade) aumentam o conhecimento es- recentes apresentaram os maiores índices
pacial. A ausência deste é uma das origens de percepção de gravidade do perigo em
da insegurança existencial e da incerteza, relação a três categorias (contaminação,
que estão intimamente ligadas à percepção qualidade de vida e manutenção), enquanto
do perigo (GIDDENS, 2002). A gravidade os não migrantes o fizeram com relação aos
dos perigos, portanto, é atenuada diante perigos ligados ao trânsito e à categoria
do conhecimento do perigo, mais do que climáticos e os migrantes estabelecidos
isso, do conhecimento dos lugares onde (que vivem na região há dez ou mais anos)
estão o perigo e das práticas necessárias registraram índices maiores em acessibili-
para enfrentá-lo (MARANDOLA JR., 2008b). dade e infraestrutura (Gráfico 5).

GRÁFICO 5
Perigos ambientais urbanos percebidos como graves e muito graves, por categorias de perigos e condição
migratória (tempo de residência)
Região Metropolitana de Campinas – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

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Na RMBS, os migrantes recentes tive- estão reunidos nestas categorias referem-


ram maior número de respostas de peri- -se ao cotidiano, o que tem um viés direto
gos graves e muito graves nas categorias da condição migratória. Mesmo a categoria
contaminação, climáticos, infraestrutura e manutenção tem relação com a situação do
manutenção, enquanto os migrantes es- bairro no uso do espaço público.
tabelecidos sobressaíram nas categorias Um destaque merece a categoria qua-
acessibilidade, qualidade de vida e trânsito lidade de vida, pois a RMBS, por se tratar
(Gráfico 6). de uma região litorânea, tem a praia como
Observa-se, assim, que não há corres- principal espaço público. Os altos índices
pondência, entre as regiões, da condição de resposta para “grave e muito grave”,
migratória determinando a relação com neste caso, revelam a condição do conjun-
os perigos específicos. Isso se dá pelas to da cidade, com a praia sendo o único
características destas regiões e das suas espaço público na maioria das cidades e
diferentes posições. Os efeitos de lugar, nem sempre acessível, devido à distância e
neste caso, são muito mais topológicos e à própria ausência de meios de transporte
referem-se às características próprias dos público no sentido perpendicular à linha da
lugares que colocam migrantes, não migran- costa (os bairros mais pobres se estendem
tes e migrantes estabelecidos em condições em direção à serra, afastando-se do mar).
diferentes diante de cada perigo. As únicas Os dados da percepção das escalas
categorias de perigos que mantiveram a ajudam a avançar nessa discussão. O
mesma distribuição por condição de mi- Gráfico 7 mostra os dados da percepção da
gração foram acessibilidade e manutenção, vantagem de morar no bairro, na cidade e
podendo-se incluir também qualidade de na RM, por condição migratória. Em todas
vida, que teve uma diferença irrisória na po- as escalas, nas duas RMs, os migrantes
sição entre migrantes recentes e migrantes estabelecidos foram os que apontaram mais
estabelecidos na RMBS. Os perigos que vantagens, sendo que os migrantes recentes

GRÁFICO 6
Perigos ambientais urbanos percebidos como graves e muito graves, por categorias de perigos e condição
migratória (tempo de residência)
Região Metropolitana da Baixada Santista – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

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sempre tiveram os menores índices. Em Se pensarmos nos perigos que foram


termos das escalas, há uma constância nas mais apontados como “graves e muito
duas RMs em relação à proporção entre os graves” (Tabela 3), notamos a importância
grupos de condição migrante, o que indica que a poluição do ar tem nos dados da
uma conexão cognitiva entre as vantagens RMC, denotando alteração e intensificação
do bairro com a cidade e a região. nos últimos anos, que têm sido percebidas
Os dados indicam a não associação ao longo do tempo. No caso da RMBS, o
entre a mudança para a região e a percepção perigo mais apontado foi manutenção, para
de vantagens. Se esta aumenta com o o bairro, e trânsito, para a cidade, o que não
tempo de permanência, como se observa representa um viés de tempo de residência
nos dados, ela tem uma relação mais direta específico, mas sim um efeito de lugar mais
com a experiência e o envolvimento com o contextual.
lugar, e não com a imagem projetada por
ele enquanto atrativo. Efeitos de lugar nos estudos de P-A
O mesmo ocorre com relação aos
perigos. O Gráfico 8 mostra claramente O esforço desta pesquisa é o de avan-
que os migrantes recentes identificam os çar em conjunto em termos teóricos e
perigos como graves e muito graves em metodológicos, procurando movimentar
patamares bem menores. A diferença em temas específicos com metodologias de
relação às vantagens é que, na RMC, são integração de abordagens que contribuam
os não migrantes que apresentam o maior para pensarmos as questões de P-A de for-
índice, com os migrantes estabelecidos em ma ampla e que contribua para os estudos
patamares bem próximos e os migrantes populacionais. Diante de suas limitações,
recentes com níveis menores ainda de o processo de pesquisa e sua construção
percepção dos perigos do que da percepção metodológica aqui discutidos são relevantes
das vantagens. para a problematização dos desafios que o

GRÁFICO 7
Percepção de vantagem de morar no bairro, na cidade e na RM, por condição migratória (tempo de residência)
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

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GRÁFICO 8
Percepção dos perigos ambientais urbanos no bairro e na cidade, por condição migratória (tempo de residência)
Regiões Metropolitanas de Campinas e da Baixada Santista – 2007

Fonte: Pesquisa domiciliar do Projeto Vulnerabilidade Fapesp/CNPq. Tabulações especiais, Nepo/Unicamp (2007).

campo P-A tem enfrentado, em seu conjun- avançar muito além, pois esbarramos nas
to, para extrapolar limites colocados pelas limitações estatísticas.
próprias bases de dados e metodologias Entre os aspectos que ficam muito evi-
convencionais. dentes, está o papel do lugar na percepção
Em vista disso, a estratégia de combinar dos perigos. Tanto o corte por posição e
trabalhos verticalizados com aplicação de condição migratória quanto a consideração
metodologias qualitativas (de orientação das percepções pelas escalas indicam a im-
fenomenológica) com resultados de levan- portância do lugar, em seu sentido amplo. A
tamentos de percepção colhidos em larga operacionalização de pesquisas com dados
escala (duas RMs) é um esforço para identi- empíricos sempre provoca certas escolhas
ficar elementos nas duas frentes, colocando de recortes que ressaltam alguns aspec-
um a serviço do outro para a discussão do tos. Neste caso, vemos claramente que os
espaço na relação P-A. elementos tangenciais dos efeitos de lugar,
Este trabalho mostra muitas das pos- escolhidos para evidenciar seu papel, são
sibilidades e também muitas das lacunas significativos o suficiente para não serem
deste esforço. Se, por um lado, podemos ignorados. Se, por um lado, a natureza tan-
ver com clareza os efeitos de lugar influen- gencial não permite precisar alguma medida
ciando a percepção dos perigos ambientais de impacto ou uma metrificação de sua
urbanos, por outro, ficamos devendo uma natureza (como os estudos psicométricos),
incursão mais analítica de outras variáveis por outro, tais levantamentos reforçam e
demográficas na composição dos próprios coadunam com as pesquisas qualitativas
efeitos. Condição migratória é relevante, de profundidade e as formulações teóricas
mas não suficiente para esta incursão, as- delas oriundas.
sim como não é, em si, o reconhecimento Por outro lado, estes estudos apontam
do viés de gênero dos dados. Mas, pelo questões antes não consideradas, como a
desenho amostral da pesquisa, não se pode especificidade da sede da RMBS em perce-

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ber menos tanto perigos quanto vantagens, ao espaço, à estrutura urbana e à própria
ou os baixos índices de percepção de ques- dinâmica demográfica. Juntamente com
tões que a teoria urbana constantemente ele, a própria questão da escala torna-se
reforça, como a importância de parentes mais forte e evidente, permitindo pensar a
próximos e dos valores da terra urbana, que experiência na região, na cidade e no bairro,
nos dados para cidade e região, na RMBS, o que qualificaria mais ainda os dados aqui
não possuem relevância. analisados.
Outra questão central que a discussão Região, cidade e lugar mostraram-se,
dos dados aponta é a mistura, no caso por seu turno, escalas espaciais necessárias
da percepção, dos perigos ambientais aos estudos de P-A, para compreender e
relacionados a eventos naturais e os de conectar as escalas de percepção, estrutu-
origem da produção humana (man-made). ração e produção do espaço. É difícil pensar
Os perigos são mais percebidos pela a não aderência, tanto em estudos urbanos
questão espacial da localização, segundo quanto rurais, destas escalas que conectam
proximidade e distância, quando se referem a efetivação dos perigos na experiência
a eventos do seu cotidiano, diferente de com sua organização e distribuição de
quando se pensa em perigos que são mais forma mais difusa, no tempo e no espaço.
difusos, tanto no tempo quanto no espaço, Proximidade e distância são questões que
que tendem a ser percebidos mais pelas os estudos de P-A precisam trazer com mais
mediações socioculturais. força quando estão pensando a dimensão
Isso aponta para a importância de do espaço em seus processos.
fatores materiais, sociais e individuais na O desafio é conseguir tal articulação
composição e consideração dos efeitos de com bases de dados adequadas. Para isso
lugar. Estes não se resumem às trajetórias é necessário investir em levantamentos
individuais, nem à configuração material específicos e em pesquisas que permitam
estrutural. É na compreensão da forma a análise transescalar e que dialoguem e
específica de configuração destes fatores se retroalimentem. O fantasma da falácia
que as diferenças se configuram, o que ecológica só voltará a rondar os estudos
explica as distinções entre as posições. de P-A com mais força se mantivermos a
Já a condição migratória se mostra uma pesquisa no tema engessado em uma das
excelente categoria para analisar as questões escalas, seja a micro, seja a macro. A maior
de perigos e para pensar os efeitos de lugar. força da falácia ecológica está na ilusão
A condição coloca as pessoas em posição de que o espaço é homogêneo e que não
diferencial no espaço, o que institui níveis há fenômenos de ordens diferentes que
de envolvimento, dependência e identidade não são apreensíveis com os métodos
muito variáveis. Por seu turno, é lamentável empregados. Evitá-la, portanto, implica uma
que os dados não permitam avançar na análise transescalar que não considere as
análise das percepções por critérios mais escalas mais próximas como determinadas
específicos, como a origem dos migrantes, pelas mais distantes, nem o inverso.
ou mesmo por uma escala de tempo de re- Uma das virtudes dos estudos de P-A
sidência menor. Isso possibilitaria considerar no campo da Demografia tem sido a incor-
de forma mais precisa as influências e o peso poração do espaço como uma dimensão
do lugar de origem nas percepções e suas propriamente demográfica dos fenômenos:
formas de ver e entender o mundo. Outros os efeitos de lugar são uma especificação
fatores demográficos também seriam poten- desta espacialidade, manifesta em escalas
cialmente elucidativos destes efeitos, como diferentes e com processos de constitui-
a estrutura familiar, o estágio do ciclo vital e ção, manutenção e difusão diferenciados.
o seu padrão de mobilidade. Explorá-los em par com as componentes
O tempo de residência, portanto, é ex- da dinâmica demográfica é uma necessi-
tremamente relevante para discutir os efeitos dade para a consolidação metodológica da
de lugar em termos da dinâmica P-A, poden- consideração do espaço na relação P-A nos
do trazer uma série de questões referentes estudos populacionais.

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Resumen

Percepción de los peligros ambientales urbanos y los efectos de lugar en la relación


población-ambiente

Los estudios ambientales se enfrentan, desde su aparición, al fantasma de la falacia ecológica.


Especialmente en el ámbito de las ciencias humanas, siempre se prestó una atención redoblada
a todo lo referente a cualquier forma de determinismo geográfico o interpretación que sometiera
la comprensión de la sociedad a la lógica de la naturaleza. En los estudios de Población y
Ambiente (P-A), esta preocupación estuvo siempre presente, no siendo raro el debate sobre
la falacia ecológica, sus riesgos y la búsqueda de formas de eliminarla del objeto de los
análisis. No obstante, con el aumento del interés por parte de las ciencias humanas hacia el
espacio en las últimas décadas, la importancia de la espacialidad, y la continua incorporación
de su dimensión en los análisis, han renovado esta preocupación, pero esta vez en un nuevo
contexto sociocultural. La idea de efectos de lugar gana relevancia a medida que se reconoce,
en dirección opuesta a la globalización, el refuerzo de factores regionales y locales en la
determinación y mediación de problemáticas ambientales, que afectan a poblaciones y lugares
de manera específica, y no de forma indiscriminada por el espacio. En ese contexto, el debate
metodológico necesita prestar atención a la forma en la que el espacio entra en la ecuación P-A,
sin desconsiderar los debates previos o los nuevos esquemas socioespaciales contemporáneos.
Estas cuestiones se presentaron como algo relevante en la investigación desarrollada sobre
la percepción de los peligros y la vulnerabilidad en las Regiones Metropolitanas de Campinas
y de la Baixada Santista, en el Estado de Sao Paulo. Utilizando datos de una investigación
por domicilios desarrollada en 2007 (Proyecto Vulnerabilidad), procuramos ir más allá de las
variables que habitualmente nos ayudan a reflexionar sobre las cuestiones relacionadas con la
situación de vida (renta, escolaridad, ciclo vital), intentando entenderlas en escalas espaciales
diferenciadas, incorporando los efectos de lugar como algo fundamental para comprender la
percepción de los peligros urbanos en la relación población-espacio-ambiente.
Palabras-clave: Riesgos. Espacio. Migración. Metodología. Población. Ambiente.

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Abstract

Perception of urban environmental threats and place effects on the population-environment


relationship

Since their beginning, environmental studies have faced the threat of the ecological fallacy.
Particularly within the human sciences domain, there has always been special attention to
any form of geographical determinism or interpretation that could link society’s understanding
to nature’s rationale. Regarding Population and Environment (P-E) studies, the concern has
always been present, and not rarely with debate over the ecological fallacy, its risks and ways to
eradicate it from the scope of analyses. However, in past decades, with the growing interest of
human sciences on space, the importance of spatiality and the continuous amalgamation of its
dimension in analyses have renewed this concern, now within a new sociocultural context. The
effects of space have taken a new dimension, as we recognize, against the globalization trend,
the strength of regional and local factors upon the determination and mediation of environmental
issues that affect populations and places in a specific, but not in an indiscriminate way for space.
Based on this, the methodological discussion has to consider how space influences the P-E
equation, taking into consideration previous debates and the new contemporaneous socio-
spatial arrangements. These issues were relevant in the investigation over the perception of the
dangers and vulnerability in the Metropolitan Regions of Campinas and Baixada Santista, in the
State of São Paulo. Using data from a 2007 household survey (Vulnerability Project), we aimed
to reach beyond the variables commonly used to assess living conditions (income, education,
vital cycle), and we attempted to understand the variables according to differentiated spatial
scales, considering the effects of space as critical for the perception of urban threats within the
population-space-environment relationship.
Keywords: Risks. Space. Migration. Methodology. Population. Environment.

Recebido para publicação em 17/09/2010


Aceito para publicação em 18/02/2011

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