Perfeição Cristã e Contemplação Segundo São Tomás de Aquino e São

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Índice

Capa
Página de direitos autorais
Página Dedicató ria
PREFÁ CIO
PREFÁ CIO DO TRADUTOR
CASA DO ARCEBISPO
CONTEÚ DO
I. INTRODUÇÃ O
II O VERDADEIRO PROBLEMA MÍSTICO
ARTIGO I
OBJETO E MÉ TODO DA TEOLOGIA ASCETICA E MÍSTICA
I. O SIGNIFICADO DA TEOLOGIA ASCETICA E MÍSTICA; SEU OBJETO
II. OS PRINCÍPIOS E O MÉ TODO DA TEOLOGIA ASCETICA E MÍSTICA
A. Método descritivo ou indutivo
B. Método dedutivo
C. União dos dois métodos
ARTIGO II
A DISTINÇÃ O ENTRE TEOLOGIA ASCETICA E TEOLOGIA MÍSTICA E A UNIDADE DA
DOUTRINA ESPIRITUAL
I. TESE TRADICIONAL: A UNIDADE DA DOUTRINA ESPIRITUAL
II. TESES DE VÁ RIOS AUTORES MODERNOS: SEPARAÇÃ O DA TEOLOGIA ASCETICA DA
MÍSTICA
III. RETORNO À TESE TRADICIONAL: UNIDADE DA DOUTRINA ESPIRITUAL
ARTIGO III
SIGNIFICADO DOS TERMOS DO PROBLEMA
III TEOLOGIA MÍSTICA E AS DOUTRINAS FUNDAMENTAIS DE ST. THOMAS
ARTIGO I
VIDA INTELECTUAL NATURAL E VIDA SOBRENATURAL
ARTIGO II
A TEOLOGIA MÍSTICA E O CARÁTER ESSENCIALMENTE SOBRENATURAL DA FÉ
INFUNDIDA
ARTIGO III
TEOLOGIA MÍSTICA E A DOUTRINA DE ST. THOMAS SOBRE A EFICÁ CIA DA GRAÇA
ARTIGO IV
AS CONSEQUÊ NCIAS PRÁTICAS DA DOUTRINA DE ST. THOMAS DE GRAÇA
IV A PLENA PERFEIÇÃ O DA VIDA CRISTÃ
ARTIGO I
PERFEIÇÃ O CRISTÃ , OU O INÍCIO DA VIDA ETERNA
I. A VIDA ETERNA EM SEU COMPLETO DESENVOLVIMENTO
1. Começo da vida eterna
ARTIGO II
A PERFEIÇÃ O CRISTÃ CONSISTE PRINCIPALMENTE NA CARIDADE
I. DOUTRINAS ERRÔ NEAS OU INCOMPLETAS SOBRE A ESSÊ NCIA DA PERFEIÇÃ O
II. A VERDADEIRA SOLUÇÃ O: A PERFEIÇÃ O CONSISTE PRINCIPALMENTE NA
CARIDADE
III. A OBJEÇÃ O DOS INTELECTUAIS: POR QUE A CARIDADE É SUPERIOR AO NOSSO
CONHECIMENTO DE DEUS?
4. A PERFEIÇÃ O É UMA PLENITUDE
ARTIGO III
A PLENA PERFEIÇÃ O DA CARIDADE PRESUPE A PURIFICAÇÃ O PASSIVA DOS
SENTIDOS E DO ESPÍRITO
1. DOUTRINA DE ST. JOÃ O DA CRUZ SOBRE A PERFEIÇÃ O DA CARIDADE
ARTIGO IV
SEGUNDO A TRADIÇÃ O A PLENA PERFEIÇÃ O DA VIDA CRISTÃ PERTENCE À ORDEM
MÍSTICA
VII. PERFEIÇÃ O RELATIVA, HEROÍSMO E SANTIDADE
ARTIGO V
A PERFEIÇÃ O E O PRECEITO DO AMOR DE DEUS
A. O PRIMEIRO PRECEITO É SEM LIMITES?
B. TRÊ S CONSEQUÊ NCIAS DO PRECEITO DO AMOR DE DEUS
V A CONTEMPLAÇÃ O E SEUS GRAUS
ARTIGO I
ORAÇÃ O EM GERAL E ORAÇÃ O COMUM
I. A ORAÇÃ O DE PETIÇÃ O
II. ORAÇÃ O COMUM
III. COMO CHEGAR A UMA VIDA DE ORAÇÃ O E PERSEVERAR NELA
ARTIGO II
SIGNIFICADO DE "CONTEMPLAÇÃ O", "ORDINÁ RIO", "EXTRAORDINÁ RIO"
I. A CHAMADA CONTEMPLAÇÃ O ADQUIRIDA E CONTEMPLAÇÃ O INFUSA
II. O ORDINÁ RIO E O EXTRAORDINÁ RIO NA VIDA SOBRENATURAL
ARTIGO III
DESCRIÇÃ O DA CONTEMPLAÇÃ O INFUSA E SEUS GRAUS DE ACORDO COM ST. TERESA
I. O ESTADO MÍSTICO EM GERAL: PREPARAÇÃ O; CHAMADA GERAL E CHAMADA
INDIVIDUAL; NATUREZA DO ESTADO MÍSTICO
II. OS GRAUS DO ESTADO MÍSTICO; DA QUARTA À SÉ TIMA MANSÕ ES
ARTIGO IV
O QUE A CONTEMPLAÇÃ O INFUSA NÃ O REQUER ESSENCIALMENTE
ARTIGO V
A RELAÇÃ O ESSENCIAL DA CONTEMPLAÇÃ O INFUSA E DA VIDA MÍSTICA COM OS
DONS DO ESPÍRITO SANTO
1. A inspiração especial do Espírito Santo e a graça comum e real
2. Elevação crescente da inspiração especial do Espírito Santo em iniciantes, proficientes
e perfeitos
ARTIGO VI
O CARÁTER ESSENCIAL DA CONTEMPLAÇÃ O INFUSA; COMO PROCEDE DO DOM DA
SABEDORIA E DA FÉ
I. O ESPÍRITO DE SABEDORIA NAS ESCRITURAS
II. O DOM DA SABEDORIA E A CONTEMPLAÇÃ O INFUNDIDA SEGUNDO A TEOLOGIA
III. PREDOMINÂ NCIA PROGRESSIVA DO MODO DIVINO DO DOM DA SABEDORIA NA
ORAÇÃ O
4. SE A CONTEMPLAÇÃ O PROCEDE EXCLUSIVAMENTE DO DOM DA SABEDORIA, OU
TAMBÉ M DA FÉ UNIDA À CARIDADE
V. OS FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO E AS BEM-AVENTURANÇAS
VI O CHAMADO À CONTEMPLAÇÃ O OU À VIDA MÍSTICA
ARTIGO I
OS DIFERENTES SIGNIFICADOS DA PALAVRA "CHAMAR"
ARTIGO II
O CHAMADO GERAL E REMOTO À CONTEMPLAÇÃ O MÍSTICA
I. AS TRÊ S RAZÕ ES PRINCIPAIS QUE ESTABELECE A CHAMADA GERAL E REMOTA
R. O princípio básico da vida mística é o mesmo da vida interior comum.
B. No progresso da vida interior a purificação da alma não é completa sem as
purificaçõ es passivas, que pertencem à ordem mística
C. O fim da vida interior é o mesmo da vida mística, mas esta prepara a alma mais
imediatamente para ela.
ARTIGO III
O CHAMADO INDIVIDUAL E PRÓ XIMO À CONTEMPLAÇÃ O
I. OS TRÊ S SINAIS PRINCIPAIS DO CHAMADO PRÓ XIMO
II. OBSTÁ CULOS A ESTA CHAMADA PRÓ XIMA; SUAS VARIEDADES
ARTIGO IV
AS CONDIÇÕ ES ORDINARIAMENTE EXIGIDAS PARA A CONTEMPLAÇÃ O INFUSA
I. AS ALMAS INTERIORES GENEROSAS, GERALMENTE, NÃ O TÊ M AS PRINCIPAIS
CONDIÇÕ ES REQUERIDAS PARA A VIDA MÍSTICA?
II. OBSTÁ CULOS ESPECÍFICOS À CONTEMPLAÇÃ O
III. O QUE SE DEVE PENSAR DAS ALMAS QUE RECEBERAM APENAS UM OU DOIS
TALENTOS?
4. É ESTA DOUTRINA DE NATUREZA DE LEVAR ALGUMAS ALMAS À PRESUNÇÃ O E
OUTRAS AO DESANIMIO?
V. ALGUMAS DIFICULDADES TEÓ RICAS
VI. PECADO VENIAL E IMPERFEIÇÃ O, OBSTÁ CULOS À UNIÃ O DIVINA
ARTIGO V
GRAÇAS EXTRAORDINÁ RIAS QUE À S VEZES ACOMPANHAM A CONTEMPLAÇÃ O
INFUSA
1. Revelaçõ es divinas
2. Visõ es
3. Palavras sobrenaturais
II. CONFUSÕ ES A SEREM EVITADAS NA EXPOSIÇÃ O DA DOUTRINA TRADICIONAL
Perfeição Cristã
e Contemplação

Segundo São Tomás de


Aquino e São João da
Cruz

Pe. Reginald Garrigou


-Lagrange, OP
Copyright © 2003, Pe. Reginald Garrigou-Lagrange,
À Bem-Aventurada Virgem Maria, Mã e de Deus e
Medianeira, que conduz os humildes à intimidade de Cristo,
como Ele mesmo os conduz ao Pai, presto esta imperfeita
homenagem de profunda gratidã o e filial obediência
PREFÁ CIO
Estamos felizes por ter uma traduçã o para o inglê s deste livro em que
nosso propó sito foi estabelecer, de acordo com os princípios
formulados por Sã o Tomá s de Aquino e Sã o Joã o da Cruz, que a
perfeiçã o cristã consiste especialmente na caridade segundo a
plenitude da os dois grandes preceitos: "Amará s o Senhor teu Deus de
todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de
todo o teu entendimento, e ao teu pró ximo como a ti mesmo" (Lucas
10:27). Mostramos també m que a contemplaçã o infusa dos misté rios
da fé , dos misté rios da Santíssima Trindade presente em nó s, da
encarnaçã o redentora, da cruz, da Eucaristia, sacramento e sacrifício,
está no caminho normal da santidade. Esta contemplaçã o procede da fé
iluminada pelos dons do entendimento e da sabedoria, que estã o em
todos os justos; isto é , da fé viva, que se tornou penetrante e doce.
Essa visã o de perfeiçã o nã o é de forma alguma algo novo. O nú mero
de teó logos que ultimamente o consideram tradicional aumentou
notavelmente. Esta doutrina nos parece o comentá rio teoló gico das
palavras de nosso Salvador: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba...
rios de á gua viva correrã o do seu ventre" (Joã o 5:37 f.) . Todos sã o
convidados a beber da fonte de á gua viva, como diz Santa Catarina de
Sena em seu Diálogo (cap. 53); a ú nica condiçã o imposta para chegar à
fonte é uma verdadeira sede de virtude, a honra de Deus e a salvaçã o
das almas.
FR. R EGINALD G ARRIGOU -L AGRANGE, OP
PREFÁ CIO DO TRADUTOR
As obras e a reputaçã o do grande teó logo dominicano, padre Reginald
Garrigou-Lagrange, já sã o bem conhecidas dos leitores americanos.
Duas de suas notáveis contribuiçõ es à literatura teoló gica foram
traduzidas e publicadas nos ú ltimos dois anos.
É o sincero desejo do tradutor deste volume sobre teologia mística
tornar acessíveis à s almas ansiosas por instruçã o os tesouros de luz tã o
maravilhosamente organizados e sintetizados pelo padre Garrigou-
Lagrange, e também oferecer-lhes seu encorajamento a "buscar as
coisas que estã o acima."
O tradutor agradece profundamente ao Reverendíssimo Peter
O'Brien, OP, e ao Reverendíssimo Norbert Georges, OP, prior e subprior
respectivamente da Dominican House of Studies em River Forest,
Illinois, que gentilmente leram o manuscrito e deram inestimável
assistência. Ela deseja também agradecer a ajuda do Reverendo HJ
Schroeder, OP, e dos membros do Departamento de Inglês do Rosary
College.
Pela cortesia de permissã o para usar citaçõ es de suas publicaçõ es,
ela agradece aos beneditinos de Stanbrook, a Thomas Baker de Londres
e à Houghton Mifflin Company. Ela reconhece a permissã o de Burns,
Oates e Washbourne para usar citaçõ es de suas publicaçõ es,
especialmente da Summa theologica de St. Thomas Aquinas, e da The
Macmillan Company para citaçõ es de The Imitation of Christ .
O tradutor se sentirá amplamente recompensado se este volume
abrir uma nova perspectiva e um horizonte espiritual mais amplo até
mesmo para uma alma.
IRMÃ M. T IMOTHEA D OYLE , OP
colégio rosá rio
Festa de Santa Catarina de Siena, 1937
CASA DO ARCEBISPO
5418 M OELLER A VENUE
NORWOOD, OHIO

O douto autor de Perfection chrétienne et contemplation . Padre Garrigou-


Lagrange, dispensa apresentaçõ es. Suas obras em filosofia e teologia
lhe deram grande renome. A traduçã o da irmã Timothea, Christian
Perfection and Contemplation , torna disponível para os leitores ingleses
um valioso tratado sobre teologia ascé tica e mística que é claramente
exposto e é só lido em doutrina. O autor dá razoável atençã o aos
aspectos histó ricos e tradicionais das questõ es tratadas. Ele
sabiamente escolhe como seus guias os grandes mestres da teologia
ascé tica e mística, Santo Agostinho, Sã o Tomá s de Aquino, Sã o Joã o da
Cruz, Sã o Francisco de Sales e Santa Teresa de Ávila.
Irmã Timothea, embora aderindo fielmente ao texto francês, nos deu
uma traduçã o suave e idiomá tica na qual pouco ou nada da clareza e
encanto do original é perdido.
Cada um é chamado a avançar no caminho da perfeiçã o segundo o
seu estado de vida. A teologia ascética e mística, como observa o padre
Garrigou-Lagrange, é a aplicaçã o da teologia moral, exposta por Sã o
Tomá s, para conduzir as almas a uma uniã o cada vez mais estreita com
Deus. Muitos imaginam que a teologia ascética e mística é para poucos
escolhidos. Eles, portanto, pensam erroneamente que ela está
confinada a padres, religiosos e algumas almas escolhidas no mundo.
A publicaçã o da obra do padre Garrigou-Lagrange em inglês nã o
apenas ajudará muito a dissipar essa falsa ideia, mas também,
acreditamos, levará muitas almas a um estado mais elevado de
perfeiçã o e a uma uniã o mais pró xima com Deus. Deve encontrar um
lugar na biblioteca de cada padre e seminarista, nas bibliotecas dos
conventos das irmã s e nas casas onde há leitura cató lica. Que a
Perfeição e a Contemplação Cristã despertem em muitos o apreço pelas
coisas mais elevadas da vida espiritual.
J OHN T. M C N ICHOLAS
Arcebispo de Cincinnati
CONTEÚ DO
I. INTRODUÇÃ O
II O VERDADEIRO PROBLEMA MÍSTICO

ARTIGO I
OBJETO _ E MÉ TODO _ DE UM CÉ TICO E TEOLOGIA MÍSTICA _ _
I. O SIGNIFICADO _ DE UM CÉ TICO E TEOLOGIA MÍSTICA ; _ _ I TS O BJECT
II. OS PRINCÍPIOS _ _ E MÉ TODO _ DE UM CÉ TICO E TEOLOGIA MÍSTICA _ _
A. Método descritivo ou indutivo
B. Método dedutivo
C. União dos dois métodos

ARTIGO II
A DISTINÇÃ O ENTRE UMA TEOLOGIA CÉ TICA _ _ _ _ E TEOLOGIA MÍSTICA _ _ E A
UNIDADE _ DA DOUTRINA ESPIRITUAL _ _
I. TESE T RADICIONAL : A UNIDADE _ DA DOUTRINA ESPIRITUAL _ _
II. TESE _ DE VÁ RIOS AUTORES MODERNOS : S EPARAÇÃ O _ _ DE UM CÉ TICO DA
TEOLOGIA MÍSTICA _ _
III. RETORNAR _ PARA A TESE T RADICIONAL : UNIDADE _ DA DOUTRINA
ESPIRITUAL _ _

ARTIGO III
SIGNIFICADO _ DOS TERMOS _ DO PROBLEMA _

III TEOLOGIA MÍSTICA E AS DOUTRINAS FUNDAMENTAIS DE ST.


THOMAS

ARTIGO I
VIDA I NTELECTUAL NATURAL _ _ E A VIDA SOBRENATURAL _
I. ERRO DO OS N OMINALISTAS EM _ A SOBRENATURALIDADE _ DA GRAÇA S
ANTIFICANTE _ E AS VIRTUDES TEOLÓ GICAS _ _
II. A SOBRENATURALIDADE ESSENCIAL _ _ _ DO A GRAÇA _ DO AS VIRTUDES _ E
OS PRESENTES SÃ O SUPERIORES _ _ _ PARA ISSO _ DO UM MILAGRE
SENSÍVEL _ _ E DO A PROFECIA _ DE EVENTOS FUTUROS _ _
III. O ESSENCIALMENTE SOBRENATURAL _ _ _ OU O SOBRENATURAL _ QUOAD
SUBSTANTIAM , E O P RETERNATURAL OU O SOBRENATURAL _ QUOAD MODUM
4. O UTLINE DA D IVISÃ O DO SOBRENATURAL _

ARTIGO II
TEOLOGIA MÍSTICA _ _ E O PERSONAGEM ESSENCIALMENTE SOBRENATURAL
_ _ _ DE F AI FUNDA _
I. PERSONAGEM ESSENCIALMENTE SOBRENATURAL _ _ DO AS VIRTUDES
INFUNDIDAS , SEJAM TEOLÓ GICAS _ _ _ OU M ORAL
II. C APITAL I MPORTÂ NCIA DESTA DOUTRINA _ _ _ A RESPEITO _ PARA EU FUNDI A

III. UMA CERTIDÃ O ABSOLUTA _ DE F AI FUNDA _
4. ESTA DOUTRINA É _ _ _ A FUNDAÇÃ O _ DE TEOLOGIA MÍSTICA _ _
V. OS ATOS _ DO OS PRESENTES _ DO O ESPÍRITO SANTO É DUPLAMENTE
SOBRENATURAL - COMO _ _ _ _ _ À SUA SUBSTÂ NCIA E _ _ _ QUANTO AO SEU
MODO _

ARTIGO III
TEOLOGIA MÍSTICA _ _ E A DOUTRINA _ DE S T. _ T HOMAS SOBRE A E FICÁ CIA
DE GRAÇA _
I. A GRAÇA É EFICAZ _ EM EU MESMO
II. ESSA EFICÁ CIA TRANSCENDENTAL _ _ _ P RODUTOS DA GRAÇA _ NOS EUA _
E CONOSCO _ O MODO LIVRE _ _ DE NOSSOS ATOS _ _
III. AG O B O D E VEM INTEIRAMENTE DE DEUS COMO PRIMEIRA CAUSA , E
INTEGRALMENTE _ _ _ DO HOMEM _ COMO SEGUNDA CAUSA _ _
4. O DISTÚ RBIO _ _ DENTRO UM ATO MAL OCORRE APENAS _ _ _ _ DO HOMEM _
COMO UMA CAUSA D EFICIENTE _

ARTIGO IV
AS CONSEQUÊ NCIAS PRÁTICAS _ _ _ DO A DOUTRINA _ DE S T. _ T HOMAS NA G
CORRIDA
I. DUAS GRAÇAS : SUFICIENTES _ E E FFICACIOSO
II. LÍDERES DE D OTRINA PARA:
1. Humildade
2. Oraçã o íntima
3. A prá tica das virtudes teologais
III. A MESMA DOUTRINA É ENSINADA _ _ _ _ _ POR A I MITAÇÃO _ E POR OS MAIORES
M ESTRES _ DO A VIDA ESPIRITUAL _ _

IV A PLENA PERFEIÇÃ O DA VIDA CRISTÃ

ARTIGO I
PERFEIÇÃ O CRISTÃ , OU O INÍCIO DA VIDA E TERNA
I. VIDA E TERNA EM SEU DESENVOLVIMENTO COMPLETO _ _ _
1. Começo da vida eterna
2. Vida de graça na terra, a mesma em sua essência que a do
céu
3. A caridade deve durar para sempre
4. A habitaçã o da Santíssima Trindade
5. A uniã o mística é o prelú dio normal, embora pouco
frequente, da vida no céu

ARTIGO II
A PERFEIÇÃ O CRISTÃ CONSISTE ESPECIALMENTE _ _ _ EM CARIDADE _
I. E RRÔ NEO OU DOUTRINAS I NCOMPLETAS _ SOBRE A ESSÊ NCIA _ DE PERFEIÇÃ O
_
II. A VERDADEIRA SOLUÇÃ O : A PERFEIÇÃ O C ONSISTE PRINCIPALMENTE _ EM
CARIDADE _
III. A OBJEÇÃ O _ _ DOS I NTELECTUAIS : POR QUE A CARIDADE É SUPERIOR _ AO
NOSSO CONHECIMENTO _ _ DE DEUS ? _
4. PERFEIÇÃ O É S _ A P LENITUDE

ARTIGO III
A COMPLETA _ _ _ DA CARIDADE P RESUPOSTA _ A
PERFEIÇÃ O
PURIFICAÇÃ O PASSIVA _ _ DO OS SENTIDOS _ E DO O ESPÍRITO _
1.D OCTRINA DE S T. _ J OHN DO O C ROSS SOBRE A PERFEIÇÃ O _ DE CARIDADE _

ARTIGO IV
UM ACORDO À T RADIÇÃ O A PERFEIÇÃ O COMPLETA _ _ DA VIDA CRISTÃ
PERTENCE _ _ _ PARA A ORDEM MÍSTICA _ _
I. TRÊ S MANEIRAS _
II. ENSINO _ DO A I MITAÇÃO _ SOBRE A PERFEIÇÃ O E INFUNDEI A C
ONTEMPLAÇÃ O
III. D OCTRINA DE S T. _ C ATHERINE DE SIENA _
4. D OCTRINA DE S T. _ T HOMAS
V. D OCTRINA DE DIONÍSIO _
VI. D OCTRINA DE S T. _ UM UGUSTINHO
VII. PERFEIÇÃ O RELATIVA , HEROÍSMO _ _ E S ANTICIDADE
VIII. " PERFEIÇÃ O COMPLETA " SIGNIFICA NÃ O APENAS _ _ _ A ESSÊ NCIA _ DE
PERFEIÇÃ O , MAS É INTEGRIDADE NORMAL _ _ _ _

ARTIGO V
PERFEIÇÃ O _ E O PRECEDIMENTO _ DO O AMOR _ DE DEUS _
A.I S O PRIMEIRO PRECEDIMENTO _ _ SEM L IMIT ?
1. Ensinamento de Santo Agostinho e Sã o Tomá s sobre este
ponto
2. Objeçõ es de Suarez e respostas de Passerini
B. TRÊ S CONSEQUÊ NCIAS _ DO O PRECEDIMENTO _ DO O AMOR _ DE DEUS _
1. No caminho da perfeiçã o, quem nã o avança retrocede
2. Cada cristã o, cada um segundo a sua condiçã o, deve
esforçar-se pela perfeiçã o da caridade
3. As graças reais sã o progressivamente oferecidas à alma
proporcionalmente ao fim a ser alcançado
V A CONTEMPLAÇÃ O E SEUS GRAUS

ARTIGO I
ORAÇÃ O _ EM GERAL _ E ORAÇÃ O COMUM _ _
I. A ORAÇÃ O _ DE PETIÇÃ O _
II. ORAÇÃ O COMUM _ _
III. COMO TOMAR _ _ PARA A VIDA _ DE ORAÇÃ O _ E PERSEVERAR _ EM I T

ARTIGO II
SIGNIFICADO _ DE "C ONTEMPLATION ", "O RDINÁ RIO ", "E XTRAORDINÁ RIO "
I. S O-CHAMADA DE C ONTEMPLAÇÃ O C ONTEMPLAÇÃ O E INFUNDEI A C
ONTEMPLAÇÃ O

Á
II. O ORDINÁ RIO _ _ E O EXTRAORDINÁ RIO _ DENTRO A VIDA
SOBRENATURAL _ _

ARTIGO III
D ESCRIÇÃ O DE C ONTEMPLAÇÃ O INFUNDADA _ E SEUS GRAUS DE ACORDO _ _
PARA S T. _ TERESA _
I. O ESTADO MÍSTICO _ _ EM GERAL : P REPARAÇÃ O ; CHAMADA GERAL _ _ E
CHAMADA INDIVIDUAL ; _ _ NATUREZA _ DO O ESTADO MÍSTICO _ _
II. OS GRAUS _ _ DO O ESTADO MÍSTICO ; _ _ A PARTIR DE O QUARTO _ PARA AS
SÉ TIMAS MANSÕ ES _ _

ARTIGO IV
O QUE A C ONTEMPLAÇÃ O INFUNDIDA NÃ O EXIGE ESSENCIALMENTE _ _ _
__
1. Nem sempre é dado de repente
2. Nã o é necessariamente acompanhada por uma
impossibilidade absoluta de discursar ou de raciocinar
3. É um ato meritó rio
4. Nã o requer consciência de estar em estado de graça
5. Nã o requer o sentimento da presença de Deus (noite do
espírito)
6. Nã o é uma graça dados gratuitos
7. Nã o requer ideias infusas, mas uma luz infusa
8. Nã o requer uma percepçã o imediata de Deus

ARTIGO V
A RELAÇÃ O ESSENCIAL _ _ _ DE C ONTEMPLAÇÃ O INFUNDADA _ E DO A VIDA
MÍSTICA _ _ COM OS PRESENTES _ DO O ESPÍRITO SANTO _ _
I. OS DONS DO ESPÍRITO SANTO _ _
II. A RE OS PRESENTES _ DO NECESSÁ RIO DO ESPÍRITO SANTO _ _ _ PARA A
SALVAÇÃ O ?
III. NECESSIDADE _ DO UMA D OCILIDADE CADA VEZ MAIS PERFEITA PARA
O MESTRE DO INTERIOR _
4. A INSPIRAÇÃ O ESPECIAL _ _ _ DO O ESPÍRITO SANTO _ _ E O PROGRESSO _ DE
CARIDADE _
1. A inspiraçã o especial do Espírito Santo e a graça comum e
real
2. Elevaçã o crescente da inspiraçã o especial do Espírito Santo
em iniciantes, proficientes e perfeitos

ARTIGO VI
O PERSONAGEM ESSENCIAL _ _ _ DE C ONTEMPLAÇÃ O INFUNDADA ; _ COMO I
T PROCEDE _ _ A PARTIR DE O PRESENTE _ DE SABEDORIA _ E DA FÉ _
I. O ESPÍRITO _ DE SABEDORIA _ NA ESCRITURA _
II. O PRESENTE _ _ DE SABEDORIA _ E I NFUSEI A C ONTEMPLAÇÃ O DE ACORDO À
HEOLOGIA _
III. P ROGRESSIVO P REDOMINÂ NCIA DO MODO DIVINO _ _ DO PRESENTE _ DE
SABEDORIA NA ORAÇÃ O _
4. SE A C ONTEMPLAÇÃ O PROCEDE EXCLUSIVAMENTE _ _ A PARTIR DE O
PRESENTE _ DE SABEDORIA , OU _ TAMBÉ M DA FÉ UNIDA _ _ À CARIDADE _
V. AS FRUTAS _ DO O ESPÍRITO SANTO _ _ E AS B EATITUDES

VI O CHAMADO À CONTEMPLAÇÃ O OU À VIDA MÍSTICA

ARTIGO I
OS DIFERENTES SIGNIFICADOS _ _ _ DO A PALAVRA " CALL " _
I. GERAL E CHAMADA REMOTA _ _
II. I NDIVIDUAL E CHAMADA PRÓ XIMA _ _
III. CHAMADA SUFICIENTE _ _
4. CHAMADA E FFICACIOSA _ PARA O INFERIOR _ OU PARA OS GRAUS
SUPERIORES _ _ DE C ONTEMPLAÇÃ O INFUNDADA _

ARTIGO II
O GERAL _ _ E CHAMADA REMOTA _ _ À C ONTEMPLAÇÃ O MÍSTICA _
I. AS TRÊ S RAZÕ ES PRINCIPAIS QUE ESTABELECE _ _ _ _ _ O GERAL _ E CHAMADA
REMOTA _ _
R. O princípio bá sico da vida mística é o mesmo da vida
interior comum.
B. No progresso da vida interior a purificaçã o da alma nã o é
completa sem as purificaçõ es passivas, que pertencem à
ordem mística
C. O fim da vida interior é o mesmo da vida mística, mas esta
prepara a alma mais imediatamente para ela.
ARTIGO III
O I NDIVIDUAL _ E CHAMADA PRÓ XIMA _ _ À C ONTEMPLAÇÃ O
I. OS TRÊ S SINAIS PRINCIPAIS _ _ _ DO A CHAMADA PRÓ XIMA _ _
II. O BSTÁ CULOS A ESTA CHAMADA PRÓ XIMA ; _ _ I TS V ARIEDADES

ARTIGO IV
AS CONDIÇÕ ES O RDINARIAMENTE EXIGIDAS _ _ _ PARA I FUSO C ONTEMPLAÇÃ O
I. D O GENEROSAS ALMAS INTERIORES GERALMENTE FALTA _ _ _ _ AS
CONDIÇÕ ES PRINCIPAIS O RDINARIAMENTE EXIGIDAS _ _ _ POR A VIDA
MÍSTICA ? _ _
1. Meios oferecidos a todos pela Igreja
2. Disposiçõ es interiores que constituem as principais
condiçõ es normalmente exigidas para a vida mística
II. OBSTÁ CULOS ESPECÍFICOS _ _ À C ONTEMPLAÇÃ O
III. O QUE DEVE SER PENSADO _ _ _ DAS ALMAS QUE RECEBERAM _ _ _ _ _ APENAS
UM NE OU DOIS ALENTES ? _ _
4. É ESTA DOUTRINA _ DO UMA NATUREZA _ L IDER ALGUMAS ALMAS _ _ _
PARA PRÓ XIMO _ E OUTROS _ AO DESANIMIO ? _
V. ALGUMAS D IFICULDADES TEÓ RICAS _
VI. V ENIAL S IN E EU MPERFEIÇÃ O , OBSTÁ CULOS À DIVINA U NIÃ O _

ARTIGO V
GRAÇAS EXTRAORDINÁ RIAS QUE À S VEZES ACOMPANHAM A C ONTEMPLAÇÃ O
INFUNDADA _ _ _ _
I. G RAÇAS DADOS GRÁTIS
1. Revelaçõ es divinas
2. Visõ es
3. Palavras sobrenaturais
4.Toques divinos
II. C ONFUSÕ ES PARA SEJA UM ANULADO EM E XPOUNDING A D OTRINA
TRADICIONAL _
CAPÍTULO I
I NTRODUÇÃ O
ESTE trabalho é baseado no ensinamento de Sã o Tomá s de Aquino e de
Sã o Joã o da Cruz. Sã o Tomá s, "Doutor Communis", como é chamado na
encíclica Studiorum ducem de Pio XI , é preeminente entre os teó logos
porque alcançou as alturas da sabedoria adquirida e infundida. Para
explicar os segredos desta dupla sabedoria, ele recebeu em alto grau a
graça especial que Sã o Paulo chama de sermo sapientiae . Pela
sabedoria adquirida ele sintetizou maravilhosamente o conhecimento
do filó sofo e o do teó logo, e o dom da sabedoria o elevou ao mais alto
grau de contemplaçã o infusa. Frequentemente acompanhada de êxtase
e do dom das lá grimas, ensinou-lhe o que a linguagem humana nã o
poderia expressar. Foi esta contemplaçã o infusa que o impediu de ditar
o fim da Summa theologica; o que ele podia colocar em palavras
parecia-lhe apenas palha em comparaçã o com o que ele via. 1
A encíclica Studiorum ducem , ao apresentar-nos Sã o Tomá s como o
mestre indiscutível da teologia dogmá tica e moral, e també m da
teologia ascé tica e mística, chama a atençã o para uma bela doutrina,
que desenvolvemos longamente neste livro (caps. 4-6), ou seja, que o
preceito do amor de Deus nã o tem limite e que a perfeiçã o da caridade
recai sobre este preceito, nã o, é claro, como algo a ser realizado
imediatamente, mas como o fim para o qual todo cristã o deve tendem
de acordo com sua condiçã o. 2
Sã o Francisco de Sales ensinou a mesma doutrina, muitas vezes mal
compreendida, embora claramente formulada pelos Padres da Igreja,
em particular por Santo Agostinho. 3
Sã o Tomá s, em seu tratado sobre as virtudes infusas e os dons do
Espírito Santo, expõ e particularmente sua natureza e propriedades.
Sã o Joã o da Cruz explica as vá rias fases do seu progresso, até ao seu
desenvolvimento perfeito. Entre os autores espirituais, nó s o tomamos
como nosso guia: (1) Ele é certamente um dos maiores místicos
cató licos. (2) Ele é canonizado, e sua doutrina, que passou pelo teste da
crítica e foi examinada pela Igreja, é perfeitamente só lida. (3) Vindo
como ele veio no sé culo XVI, ele se beneficiou de toda a tradiçã o
anterior, especialmente das obras de Santa Teresa, que ele conhecia
profundamente e explicou conectando os estados místicos que ela
experimentou e descreveu com os princípios sobrenaturais dos quais
eles procederam; especialmente com as virtudes teologais e com os
dons do Espírito Santo, que nela se desenvolveram plenamente. Assim,
ele vai alé m até mesmo de Santa Teresa e, como teó logo, trata de
problemas muito elevados sobre os quais ela escreveu muito pouco. Ao
fazê -lo, ele une os dados do misticismo descritivo e a teologia
especulativa das virtudes e dons. (4) Sã o Joã o da Cruz, como todos os
teó logos carmelitas, está totalmente de acordo com Sã o Tomá s nas
grandes questõ es da predestinaçã o e da graça. 4
A doutrina desses mestres é a expressã o segura da tradiçã o, como
veremos comparando-a com a dos doutores que os precederam e dos
que os seguiram.
Nosso objetivo é explicar o caminho unitivo, para que possamos
levar as almas a ambicioná -lo e incentivá -los a fazer esforços generosos
para alcançá -lo.
Algumas pessoas falam sobre misticismo, mas o entendem mal e
abusam dele. Essas pessoas devem ser iluminadas pelo só lido ensino da
teologia. Outros, em nú mero muito maior, sã o completamente
ignorantes do misticismo e aparentemente desejam permanecer assim.
Eles confiam apenas em seus pró prios esforços, auxiliados pela graça
comum; conseqü entemente, eles visam apenas as virtudes comuns e
nã o tendem à perfeiçã o que consideram muito elevada. Assim, as vidas
religiosas e sacerdotais, que poderiam ser muito frutuosas, nã o passam
de uma certa mediocridade que muitas vezes se deve, pelo menos em
parte, à sua formaçã o precoce imperfeita e à s ideias inexatas sobre a
uniã o com Deus a que cada cristã o pode e deve aspirar.
Alguns, que deveriam conhecer bem os escritos dos grandes santos,
raramente os consultam, sob o pretexto de que seu ensinamento sobre
misticismo está fora de alcance, que leva a interpretaçõ es divergentes e
que, segundo vá rios teó logos, ainda nã o é possível. determinar em que
consiste o seu ensinamento, mesmo em grandes linhas, e em particular
sobre esta questã o fundamental: a contemplaçã o, de que falam, está no
caminho normal da santidade ou nã o?
Consequentemente, em matéria de teologia mística existe um certo
agnosticismo, assim como existe um agnosticismo que sustenta que os
verdadeiros milagres nã o podem ser discernidos porque nem todas as
leis da natureza sã o conhecidas, e que nã o se pode confiar nas
Escrituras porque certas passagens obscuras do Antigo e Novo
Testamentos nã o foram totalmente elucidados. Acreditamos que esse
agnosticismo sobre a teologia mística é falso, que nã o pode fazer bem e
que termina desastrosamente.
O ensinamento de Sã o Tomá s e de Sã o Joã o da Cruz sobre este
problema parece-nos muito claro. Se esses grandes mestres tivessem
deixado esse importante problema sem soluçã o, os pró prios elementos
da teologia mística ainda teriam de ser constituídos.
O Papa Bento XV felicitou o editor de La vie spirituelle por dar a
conhecer esta doutrina, e escreveu-lhe o seguinte (15 de setembro de
1921): “Em nossos dias muitos negligenciam a vida sobrenatural e
cultivam em seu lugar um sentimentalismo inconsistente e vago. é
absolutamente necessá rio recordar com mais frequência o que os
Padres da Igreja, juntamente com a Sagrada Escritura, nos ensinaram
sobre o assunto, e fazê-lo tendo como guia especialmente Sã o Tomá s de
Aquino, porque ele expô s tã o claramente suas doutrina sobre a
elevaçã o da vida sobrenatural. Devemos também seriamente chamar a
atençã o das almas para as condiçõ es exigidas para o progresso da graça
das virtudes e dos dons do Espírito Santo, cujo perfeito
desenvolvimento se encontra na mística vida. Isso é exatamente o que
você e seus colaboradores fizeram em sua revisã o, de maneira ao
mesmo tempo erudita e só lida."
Nas delicadas questõ es que tivemos de considerar, ao combater um
erro, nem sempre é fá cil evitar alinhar-se com o erro contrá rio, e
formular a doutrina que se eleva acima desses desvios opostos e que é
um meio justo apenas porque é um cume. Se inadvertidamente
empregamos quaisquer expressõ es inexatas neste estudo, nó s as
retratamos aqui e agora, e declaramos que rejeitamos toda
espiritualidade que se desvie um pouco daquela dos santos, que foi
aprovada pela Santa Igreja. É por isso que, via de regra, citamos apenas
místicos canonizados cujos ensinamentos sã o comumente aceitos.
Nossas conclusõ es podem ser resumidas na tabela da pá gina
seguinte. 5
Esta tabela dá uma ideia do progresso da doutrina sobre este
assunto de Santo Agostinho a Santa Teresa, passando do geral ao
particular. Santo Agostinho fazia distinçã o entre os principiantes, os
proficientes e os perfeitos, classificaçã o que, segundo a terminologia
de Dionísio, corresponde à s vias purgativa, iluminativa e unitiva. Sã o
Tomá s observou vá rias vezes em seus escritos o correspondente
progresso das virtudes e dos dons, que sã o o princípio dos atos
sobrenaturais, em particular os graus de humildade. 6 As purificaçõ es
passivas dos sentidos e do espírito indicadas por Sã o Gregó rio Magno
foram descritas por Tauler e especialmente por Sã o Joã o da Cruz. Este
ú ltimo nos diz 7 que na purificaçã o passiva dos sentidos "Deus começa
a se comunicar nã o mais pelos sentidos como antes, por meio do
raciocínio... mas de uma maneira puramente espiritual, em um ato de
simples contemplaçã o". Evidentemente, trata-se aqui da contemplaçã o
infusa, como já declarou o santo. 8 Podemos entender por que Sã o Joã o
diz: “Os proficientes estã o no caminho iluminativo. É nele que Deus
nutre e fortifica a alma pela contemplaçã o infusa”. 9

Em outro lugar ele diz: "A purificaçã o passiva dos sentidos é comum.
Ocorre na maioria dos iniciantes." 10 É , de fato, o limiar da vida mística,
como a oraçã o de recolhimento sobrenatural descrita por Santa Teresa.
11 Esta oraçã o é muitas vezes precedida por atos isolados de

contemplaçã o infusa no curso da oraçã o de recolhimento adquirida


descrita pelo santo. 12 Na via iluminativa manifestam-se claramente os
dons do medo e do conhecimento (purificaçã o passiva dos sentidos em
que se reconhece a vacuidade das coisas criadas) e també m o dom da
piedade (quietude da vontade em que se encontra este dom) .
Nesta tabela aproximada, consideramos a alma ideal de forma
abstrata. As vias iluminativas e unitivas sã o aí consideradas, nã o só na
sua forma imperfeita, mas na sua plenitude, da mesma forma que sã o
consideradas por S. Joã o da Cruz, que é um fiel eco da tradiçã o.
Essa elevada perfeiçã o é descrita por Santo Agostinho e Sã o
Gregó rio; a perfeiçã o a que conduzem os doze graus de humildade
enumerados por Sã o Bento ou os sete graus aconselhados por Santo
Anselmo: (1) reconhecermo-nos desprezíveis; (2) lamentar por causa
disso; (3) admitir que somos assim; (4) desejar que nosso vizinho
acredite; (5) tolerar pacientemente que as pessoas o digam; (6)
voluntariamente ser tratado como uma pessoa digna de desprezo; (7)
amar ser tratado dessa maneira. 13
Esta grande concepçã o da perfeiçã o cristã e das vias iluminativas e
unitivas é a ú nica que nos parece conservar toda a grandeza do
Evangelho e das Epístolas de Sã o Joã o e de Sã o Paulo.
Como acabamos de dizer, o preceito do amor nã o conhece limites.
"Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, de toda a tua alma, de
todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu pró ximo
como a ti mesmo." 14 Cristo acrescenta para todos nó s: "Sede vó s
perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito"; 15 e todo o Sermã o da
Montanha, que começa com as bem-aventuranças, é uma espé cie de
comentá rio a esta exortaçã o. Para nos elevar a esta perfeiçã o, "o Verbo
se fez carne e habitou entre nó s,... e da sua plenitude todos nó s
recebemos". 16 A vida da graça, que nos foi dada, é a semente da vida do
cé u, e é a mesma vida em sua essê ncia. "Amé m, amé m vos digo: quem
crê em mim tem a vida eterna." 17 A contemplaçã o dos misté rios da vida
de Cristo será dada aos que O seguem fielmente. "Aquele que tem os
meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama. E aquele que me
ama será amado de meu Pai. E eu o amarei e me manifestarei a ele." 18
"Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Pará clito, para que fique
convosco para sempre... O Pará clito, o Espírito Santo, que o Pai enviará
em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e traga todas as
coisas à sua mente, tudo o que eu tiver dito a você ." 19
O amor ao pró ximo també m deve ir longe. "Um novo mandamento
vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei." 20 "Ningué m
tem maior amor do que este, de dar algué m a sua vida pelos seus
amigos." 21
Nosso Salvador, para nos fazer entender em que consiste a perfeiçã o
da caridade, assim rezou por nó s: "Pai santo, guarda-os em teu nome,
que me deste, para que sejam um, como nó s també m somos... E a gló ria
que me deste, eu lhes dei, para que sejam um, como nó s també m somos
um”. 22
O Evangelho de Sã o Mateus nã o é menos sublime quando recorda
estas palavras de Cristo: "Confesso-te, ó Pai, Senhor do cé u e da terra,
que ocultaste estas coisas aos sá bios e prudentes e as revelaste aos
pequeninos. ." 23
Por fim, Sã o Paulo nos mostra tudo o que o corpo místico de Cristo é
e deve ser; como o cristã o deve ser incorporado a Cristo por uma
santificaçã o progressiva, que dá uma idéia muito ampla das três fases
distinguidas mais adiante.
A via purgativa . Incorporados em Cristo, os fié is devem orientar sua
vida para o cé u e morrer cada vez mais para o pecado. "Mortificai, pois,
os vossos membros que estã o sobre a terra... despojando-vos do velho
homem com as suas obras." 24 "Pois fomos sepultados juntamente com
ele pelo batismo na morte. . . . Porque, se fomos plantados juntamente
com ele na semelhança da sua morte, també m o seremos na
semelhança da sua ressurreiçã o. Sabendo isto, que o nosso velho
homem é crucificado com Ele, para que o corpo do pecado seja
destruído até o fim, para que nã o sirvamos mais ao pecado”. 25 "E os
que sã o de Cristo crucificaram a sua carne com os seus vícios e
concupiscê ncias." 26 Alé m disso, os Apó stolos levaram em seus corpos
"a mortificaçã o de Jesus, para que també m a vida de Jesus se manifeste
em seus corpos". 27 Quem sacrifica a sua vida, reencontra-a
transfigurada. "Se o grã o de trigo que cai na terra nã o morrer, fica ele
só . Mas, se morrer, dá muito fruto." 28
O caminho iluminativo é indicado també m por Sã o Paulo, quando
nos diz que o cristã o, pela luz da fé e sob a inspiraçã o do Espírito Santo,
deve revestir-se "do novo, aquele que se renova para o conhecimento,
segundo o imagem daquele que o criou... Revesti-vos, pois, como
eleitos de Deus, santos e amados, das entranhas da misericó rdia,
benignidade, humildade, modé stia, paciê ncia. é o vínculo da perfeiçã o”
29 Devemos imitar Jesus Cristo e aqueles que se assemelham a Ele; 30

devemos ter Seus sentimentos, captar o espírito de Seus misté rios, de


Sua paixã o, 31 crucificaçã o, 32 morte, sepultura, 33 ressurreiçã o, 34 e
ascensã o. 35 Sã o Paulo, alé m disso, sofre as dores do trabalho até que
Cristo seja formado nas almas dos fié is, 36 até que sejam perfeitamente
iluminados pela luz da vida. "Alé m disso, considero todas as coisas
como perda pelo excelente conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor:
por quem sofri a perda de todas as coisas e as considero como esterco,
para que eu possa ganhar a Cristo." 37
O caminho unitivo é aquele seguido pelo cristã o sobrenaturalmente
iluminado que vive em uma uniã o que é , por assim dizer, contínua com
Cristo. "Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do
alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas do
alto, nã o nas coisas da terra. Pois estais mortos (para o mundo); e a
vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. 38 "E regozije-se a paz
de Cristo em vossos coraçõ es, onde també m fostes chamados em um
só corpo; e sede gratos. Habite abundantemente em vó s a palavra de
Cristo, com toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns
aos outros com salmos e hinos , e câ nticos espirituais, cantando em
graça em seus coraçõ es a Deus. Tudo o que fizerem em palavras ou em
obras, façam tudo em nome do Senhor Jesus Cristo, dando graças a
Deus e Pai por ele. 39 Sob a inspiraçã o do Espírito Santo, tal é de fato a
uniã o com Deus, por meio de Cristo e a contemplaçã o amorosa e
deleitosa dos grandes misté rios da fé . 40 É o prelú dio normal da visã o
beatífica. "Quando Cristo aparecer, que é a sua vida, entã o você
també m aparecerá com Ele em gló ria." 41
CAPÍTULO II
O ATUAL PROBLEMA MÍSTICO _ _ _ _

ARTIGO I
Objeto e Método da Teologia Ascética e Mística
O QUE deve ser entendido por teologia ascé tica e mística? É uma ciê ncia
especial ou uma parte da teologia? Qual é o seu objeto particular? Sob
que luz ela procede? Quais sã o seus princípios? Qual é o seu mé todo?
Essas questõ es devem ser resolvidas antes de buscarmos a distinçã o
entre ascetismo e misticismo, e antes de abordarmos os principais
problemas que eles devem resolver.
I. O SIGNIFICADO DA TEOLOGIA ASCETICA E MÍSTICA; SEU OBJETO

Teologia é a ciência de Deus. Distinguimos entre teologia natural ou


teodicéia, que conhece a Deus apenas pela luz da razã o, e teologia
sobrenatural, que procede da revelaçã o divina, examina seu conteú do e
deduz as conseqü ências das verdades da fé.
A teologia sobrenatural costuma ser dividida em duas partes,
dogmá tica e moral. A teologia dogmá tica trata dos mistérios revelados,
principalmente da Santíssima Trindade, da encarnaçã o, da redençã o, da
Eucaristia e dos demais sacramentos e da vida futura. A teologia moral
trata dos atos humanos, dos preceitos e conselhos revelados, da graça,
das virtudes cristã s, tanto teologais quanto morais, e dos dons do
Espírito Santo, que sã o princípios de açã o ordenados para o fim
sobrenatural tornados conhecidos pela revelaçã o.
Os teó logos modernos muitas vezes exageraram a distinçã o entre
teologia moral e teologia dogmá tica, dando a esta ú ltima os grandes
tratados sobre a graça e sobre as virtudes e dons infundidos, e
reduzindo a primeira à casuística, que é a menos elevada de suas
aplicaçõ es. A teologia moral tornou-se, assim, em vá rias obras
teoló gicas, a ciência dos pecados a serem evitados, e nã o a ciência das
virtudes a serem praticadas e desenvolvidas sob a açã o constante de
Deus em nó s. Desta forma, perdeu parte de sua preeminência e é
manifestamente insuficiente para a direçã o das almas que aspiram à
uniã o íntima com Deus.
Ao contrá rio, a teologia moral, exposta na segunda parte da Summa
theologica de Sã o Tomá s, conserva toda a sua grandeza e eficá cia para a
direçã o das almas chamadas à mais alta perfeiçã o. Sã o Tomá s, de fato,
nã o considera a teologia dogmá tica e moral como duas ciê ncias
distintas; a doutrina sagrada, em sua opiniã o, é absolutamente una e de
tã o alta perfeiçã o que conté m as perfeiçõ es tanto da teologia
dogmá tica quanto da teologia moral. Em outras palavras, é
eminentemente especulativo e prá tico, como a ciê ncia de Deus da qual
brota. 1 É por isso que ele trata em detalhes na parte moral de sua
Summa nã o apenas os atos, preceitos e conselhos humanos, mas
també m a graça habitual e atual, as virtudes infusas em geral e em
particular, os dons do Espírito Santo, seus frutos , as bem-
aventuranças, a vida ativa e contemplativa, os graus de contemplaçã o,
as graças concedidas gratuitamente, como o dom dos milagres, o dom
das línguas, a profecia e o arrebatamento, e també m a vida religiosa e
suas diversas formas.
A teologia moral assim entendida evidentemente contém os
princípios necessá rios para conduzir as almas à mais alta santidade. A
teologia ascética e mística nada mais é do que a aplicaçã o dessa ampla
teologia moral à direçã o das almas rumo a uma uniã o cada vez mais
estreita com Deus. Pressupõ e o que a sagrada doutrina ensina sobre a
natureza e as propriedades das virtudes cristã s e dos dons do Espírito
Santo, e estuda as leis e condiçõ es de seu progresso do ponto de vista
da perfeiçã o.
Para ensinar a prá tica das mais altas virtudes e a perfeita docilidade
ao Espírito Santo e conduzir à vida de uniã o com Deus, a teologia
ascética e mística reú ne todas as luzes da teologia dogmá tica e moral,
da qual é a mais elevada aplicaçã o e o coroa.
Completa-se assim o ciclo formado pelas diversas partes da teologia,
com sua evidente unidade. A ciência sagrada procede da revelaçã o
contida na Escritura e na tradiçã o, preservada e explicada pela
autoridade docente da Igreja. Ela ordena todas as verdades reveladas e
suas conseqü ências em um ú nico corpo doutriná rio, no qual os
preceitos e conselhos sã o apresentados como fundados no mistério
sobrenatural da vida divina, da qual a graça é uma participaçã o. Por fim,
mostra como, pela prá tica das virtudes e pela docilidade ao Espírito
Santo, a alma chega nã o só à crença nos mistérios revelados, mas
também à fruiçã o deles e à apreensã o do significado profundo da
palavra de Deus, fonte de todo conhecimento sobrenatural, e em uma
vida de uniã o contínua com a Santíssima Trindade que habita em nó s. O
misticismo doutriná rio aparece assim como a coroa final de todo
conhecimento teoló gico adquirido, e pode direcionar as almas nos
caminhos do misticismo experimental. Este é um conhecimento
amoroso inteiramente sobrenatural e infuso, cheio de doçura, que só o
Espírito Santo, por sua unçã o, pode nos dar e que é, por assim dizer, o
prelú dio da visã o beatífica. Tal é manifestamente a concepçã o da
teologia ascética e mística que foi formulada pelos grandes mestres da
ciência sagrada, especialmente por Sã o Tomá s de Aquino.
Esta concepçã o corresponde perfeitamente ao significado atual e à
etimologia das palavras "ascético" e "místico". O termo "ascetismo",
como indica sua origem grega, significa o exercício das virtudes. Entre
os primeiros cristã os chamavam-se ascetas aqueles que se dedicavam à
prá tica da mortificaçã o, exercícios de piedade e outras virtudes cristã s.
Portanto, o ascetismo é aquela parte da teologia que dirige as almas na
luta contra o pecado e no progresso da virtude.
A teologia mística, como o pró prio nome indica, trata de coisas mais
ocultas e misteriosas: da uniã o íntima da alma com Deus; dos
fenô menos transitó rios que acompanham certos graus de uniã o, como
o êxtase; e de graças essencialmente extraordiná rias, como visõ es e
revelaçõ es privadas. De fato, foi sob o título de "Teologia Mística" que
Dionísio e muitos depois dele trataram da contemplaçã o sobrenatural
e da uniã o íntima da alma com Deus. Ao fazer isso, eles apontaram o
assunto principal deste ensinamento. 2 Tudo isso equivale a dizer que a
teologia ascé tica e mística, ou doutrina espiritual, nã o é uma ciê ncia
especial, mas uma divisã o da teologia. O grande corpo de teó logos
sempre assim o entendeu.
Isso nã o impede de forma alguma um psicó logo, mesmo sendo
incrédulo, de estudar os aspectos externos dos fenô menos ascéticos e
místicos no Cristianismo ou em outras religiõ es. Mas esse estudo seria
apenas psicoló gico e de modo algum mereceria o nome de teologia
ascética e mística. Seria principalmente descritivo. Se tentasse explicar
todos esses fatos pelos poderes meramente naturais da alma, seria
declarada falsa por todos os cató licos, porque veríamos nela uma
explicaçã o materialista do superior pelo inferior, semelhante à quela
que os mecanicistas propõ em. para fenô menos vitais.
Tendo feito essas consideraçõ es, podemos facilmente responder à
questã o proposta sobre qual é o objeto da teologia ascética e mística,
sem ainda fazer uma distinçã o entre esses dois ramos da doutrina
espiritual. É a perfeiçã o cristã , a uniã o com Deus, a contemplaçã o que
esta pressupõ e, os meios ordiná rios que conduzem a ela, e os
extraordiná rios auxílios que a favorecem.
Podemos agora perguntar o que distingue a teologia ascética da
teologia mística. Mas como esse delicado problema é resolvido de
maneira um tanto diferente de acordo com o método de tratamento
desses assuntos, é melhor propor de imediato a questã o do método.
II. OS PRINCÍPIOS E O MÉ TODO DA TEOLOGIA ASCETICA E MÍSTICA

Depois do que acabamos de dizer sobre o objetivo desse ramo da


teologia, é fá cil ver quais princípios ele deve seguir para alcançá -lo.
A luz da revelaçã o contida na Escritura e na tradiçã o é explicada pela
autoridade docente da Igreja e comentada pela teologia dogmá tica e
moral. Dos princípios da fé a teologia deduz as conclusõ es que eles
contêm implicitamente. À luz desses princípios, os fatos da vida
ascética e mística devem ser examinados se quisermos ir além da
simples psicologia, e sob essa luz as regras de direçã o devem ser
formuladas para que sejam algo mais do que prescriçõ es prá ticas
imotivadas.
Isso é claro e é admitido por todos os escritores cató licos. Mas se
tentarmos uma exposiçã o mais exata da questã o do método,
encontraremos entre os autores certas divergências, que nã o deixam de
influenciar suas teorias. Alguns escritores, especialmente na teologia
mística, usam quase exclusivamente o método descritivo e indutivo, que
procede dos fatos; outros, ao contrá rio, seguem principalmente o
método dedutivo, que procede de princípios.
A. Método descritivo ou indutivo . A escola descritiva, sem desprezar a
doutrina dos grandes teó logos sobre a vida da graça e sobre as ajudas
ordiná rias ou extraordiná rias de Deus, se compromete a descrever os
diferentes estados espirituais e particularmente os estados místicos
por seus sinais, ao invés de determinar sua natureza teologicamente. e
examinar se procedem das virtudes cristã s, dos dons do Espírito Santo
ou das graças concedidas gratuitamente, como a profecia e os carismas
a ela relacionados.
Recentemente, vá rios trabalhos foram escritos que sã o instrutivos
em certos aspectos. Eles sã o especialmente coleçõ es de descriçõ es de
estados místicos, seguidas de regras prá ticas de direçã o e algum
material suplementar sobre questõ es teó ricas, como a natureza da
uniã o mística. 3 Esses tratados sã o aná logos, como declaram seus
autores, a manuais de medicina prá tica que ensinam como fazer um
diagnó stico rá pido e como prescrever remé dios adequados sem um
exame extenso da natureza da doença ou de suas relaçõ es com todo o
organismo.
Essas obras, que sã o muito ú teis de um ponto de vista, contêm
apenas parte da ciência: as bases indutivas ou os fatos e as conclusõ es
prá ticas. Falta, porém, a luz dos princípios teoló gicos e a coordenaçã o
doutriná ria. Portanto, as regras de direçã o contidas nesses livros sã o
geralmente, na opiniã o dos teó logos, muito empíricas e
insuficientemente classificadas e justificadas. A ciência é o
conhecimento das coisas, nã o apenas por suas aparências e seus sinais,
mas por sua pró pria natureza e suas causas. E, como a açã o brota da
natureza das coisas, ninguém pode dizer de maneira prá tica à alma
interior o que ela deve fazer, se nã o tiver determinado a pró pria
natureza da vida interior. Como pode alguém dizer se a alma pode e
deve sem presunçã o desejar a uniã o mística, antes de determinar a
natureza desta uniã o e antes de reconhecer se é um dom
essencialmente extraordiná rio ou uma graça eminente geralmente
concedida aos perfeitos, uma graça necessá ria, em menos moralmente,
para alta perfeiçã o? Se esta questã o for tratada meramente como um
apêndice, como um problema puramente especulativo e quase
insolú vel, as regras de direçã o formuladas anteriormente nã o terã o
fundamento doutriná rio suficiente.
Certos partidá rios da escola descritiva, embora admitindo a verdade
da doutrina teoló gica dos dons do Espírito Santo, que sã o os princípios
da contemplaçã o mística, declaram que ela "tem apenas interesse
histó rico", 4 porque, dizem eles, nã o lançar luz sobre os fatos ou sobre
as questõ es prá ticas de direçã o. Muitos teó logos pensam, ao contrá rio,
que ela torna possível a soluçã o da importante questã o de que
acabamos de falar, e també m permite uma distinçã o entre o que na
vida espiritual pertence à ordem da graça santificante em suas formas
eminentes, e o que refere-se a graças gratuitas ( gratis datae ) que sã o
essencialmente extraordiná rias. Talvez só esta doutrina nos permita
determinar o ponto culminante do desenvolvimento normal da vida da
graça numa alma interior perfeitamente dó cil ao Espírito Santo. Este
problema é , de fato, um dos mais importantes no â mbito da
espiritualidade.
Para suprir essa lacuna doutriná ria e ausência de princípios
diretores, autores que aderem exclusivamente ao método descritivo à s
vezes dã o, no início de seu tratado sobre misticismo, e como se fosse a
priori, uma assim chamada definiçã o nominal do estado místico (
sossego ou uniã o), que o declara extraordiná rio, ou quase, como visõ es
ou revelaçõ es particulares. Tal definiçã o pressupõ e toda uma teoria.
Esses partidá rios do método de observaçã o, atingidos por certos sinais
do estado místico, que talvez sejam apenas sinais acidentais,
determinam precipitadamente sua natureza, antes de perguntar à
teologia o que ela pensa sobre o assunto. Mas somente esta ciência
suprema, iluminada como é pela revelaçã o, pode dizer se o estado em
questã o é o florescimento pleno e normal da vida sobrenatural da uniã o
com Deus, ou se é um dom extraordiná rio de modo algum necessá rio
para a mais alta santidade. .
p
O uso exclusivo desse método descritivo levaria a esquecer que a
teologia ascética e mística é uma parte da teologia e a considerá -la
como parte da psicologia experimental. Em outras palavras, quem se
omite de recorrer à luz dos princípios teoló gicos, deverá contentar-se
com os princípios fornecidos pela psicologia, como fazem tantos
psicó logos que tratam dos fenô menos místicos nas diversas religiõ es.
Este procedimento, entretanto, nã o leva em consideraçã o a fé; permite
que uma causa sobrenatural seja atribuída apenas a fatos que sã o
essencial e manifestamente milagrosos. Outros fatos místicos, que sã o
mais profundos e, portanto, menos aparentemente sobrenaturais,
declara inexplicáveis, ou tenta explicá -los enfatizando indevidamente
os poderes meramente naturais da alma. A mesma observaçã o se aplica
à s biografias dos santos e à histó ria das ordens religiosas e até da
Igreja.
O mé todo descritivo, por mais ú til e necessá rio que seja, nã o pode
ser exclusivo. Ela se inclina a nã o apreciar o valor de uma distinçã o
teoló gica fundamental que pode iluminar toda a teologia mística: a
distinçã o entre o intrinsecamente sobrenatural ( sobrenaturale quoad
substantiam ), característica da vida íntima de Deus, da qual a graça
santificante, ou graça das virtudes e dos dons", é uma participaçã o, e o
extrinsecamente sobrenatural ou sobrenatural ( sobrenaturale quoad
modum tantum ), que é o cará ter dos sinais ou fenô menos
extraordiná rios que o demô nio pode imitar. Sã o Tomá s 5 e també m Sã o
Joã o da Cruz 6 afirmaram muitas vezes que existe um abismo entre
essas duas formas do sobrenatural. Temos isso, por exemplo, entre a
vida essencialmente sobrenatural da graça invisível (que nem mesmo
um anjo pode conhecer naturalmente) e a ressurreiçã o visível de um
morto, que é sobrenatural apenas pelo modo segundo o qual a vida
natural é restaurada ao cadáver ; ou ainda, entre a fé infusa no misté rio
da Santíssima Trindade e o conhecimento sobrenatural de um
acontecimento futuro na ordem natural, como o fim de uma guerra. 7
Esta é a diferença entre a doutrina cristã e a vida, por um lado, e, por
outro, os milagres e as profecias que confirmam a sua origem divina e
que sã o apenas sinais concomitantes.
Esta notável distinçã o entre as duas formas do sobrenatural domina
toda a teologia e é absolutamente indispensável na teologia mística.
Mas o método puramente descritivo quase nã o dá atençã o a essa
distinçã o; impressiona-se sobretudo com os sinais mais ou menos
sensíveis dos estados místicos, e nã o com a lei fundamental do
progresso da graça. O cará ter essencialmente sobrenatural deste ú ltimo
é muito profundo e muito elevado para cair no escopo da observaçã o.
No entanto, esse elemento sobrenatural é o que mais interessa à fé e à
teologia.
Além disso, as obras de misticismo puramente descritivo, por mais
ú teis que sejam, quase nã o contêm nada além do material da teologia
mística. É por isso que concordamos plenamente com as seguintes
palavras de um excelente tomista que nos escreveu, dizendo: "A teologia
mística como ciência especial nã o existe; existe apenas a teologia, junto
com certas aplicaçõ es dela que dizem respeito à vida mística. Tratar a
teologia mística como uma ciência com princípios pró prios é
empobrecer e diminuir tudo, e perder sua luz direcionadora. A vida
mística deve ser apresentada pelos grandes princípios da teologia.
Entã o tudo é iluminado e temos uma ciência , nã o uma mera coleçã o de
fenô menos."
B.Método dedutivo . Nã o devemos, entretanto, cair no outro extremo
e empregar simplesmente o mé todo teoló gico dedutivo. Alguns, com
tendê ncia a simplificar tudo, seriam levados a deduzir a soluçã o dos
mais difíceis problemas da espiritualidade procedendo da doutrina de
Sã o Tomá s sobre as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo
(claramente distintos das graças gratis datae ) sem considerar
suficientemente as admiráveis descriçõ es dos vá rios graus da vida
espiritual, notadamente da uniã o mística, dadas por Santa Teresa, Sã o
Joã o da Cruz, Sã o Francisco de Sales e outros grandes santos. E como,
segundo Sã o Tomá s e a tradiçã o, os dons do Espírito Santo estã o em
todas as almas em estado de graça, algumas pessoas podem supor que
o estado místico ou contemplaçã o infusa é muito frequente, e podem
confundir com eles o que é apenas seu prelú dio, como, por exemplo, a
oraçã o da simplicidade, tã o bem descrita por Bossuet. 8 Daí a tendê ncia
a nã o levar suficientemente em conta os fenô menos concomitantes ou
auxiliares de certos graus da uniã o mística, como a suspensã o das
faculdades e o êxtase, e daí o perigo de cair em um extremo oposto ao
dos partidá rios da mé todo exclusivamente descritivo.
Esses dois extremos devem ser evitados. Eles lembram a oposiçã o na
filosofia entre aqueles que consideram apenas milagres e profecias
(sinais concomitantes da revelaçã o) e aqueles que falam apenas da
harmonia e sublimidade da vida e da doutrina cristã s.
Como resultado desses dois excessos, há dois outros extremos a
serem evitados na direçã o espiritual: aconselhar as almas a abandonar
o caminho ascético cedo ou tarde demais. Voltaremos a este ponto.
União dos dois métodos . Evidentemente, esses dois métodos, o
indutivo e o dedutivo, ou o analítico e o sintético, devem ser
combinados.
À luz dos princípios da teologia, devemos determinar o que deve ser
a perfeiçã o cristã , sem de modo algum diminuí-la; qual é a natureza da
contemplaçã o que ela supõ e, o meio ordiná rio que conduz a ela, e o
extraordiná rio que ajuda a favorecê-la. Para isso, devemos analisar os
conceitos de vida cristã , perfeiçã o e santidade fornecidos pelo
Evangelho; e devemos também descrever os fatos da vida ascética e
mística estudando o testemunho dos santos que melhor os
experimentaram e os revelaram. Nesta descriçã o dos fatos,
acompanhada da aná lise dos conceitos teoló gicos correspondentes,
devemos procurar determinar a natureza desses fatos ou estados
interiores, e distingui-los dos fenô menos concomitantes e auxiliares. Os
autores mais ú teis neste estudo sã o aqueles que foram grandes
teó logos e grandes místicos, como Sã o Tomá s, Sã o Boaventura, Ricardo
de Sã o Vítor, Sã o Joã o da Cruz e Sã o Francisco de Sales.
Depois de analisar esses conceitos e fatos, devemos sintetizá -los à
luz da concepçã o evangélica de perfeiçã o ou santidade. Devemos
mostrar: (1) o que é essencial ou conforme à perfeiçã o cristã , e o que é
contrá rio a ela; (2) o que é necessá rio ou muito ú til e desejável para
alcançá -lo, e o que é essencialmente extraordiná rio e nã o é necessá rio
para a mais alta santidade.
Em todo este estudo, uma distinçã o de suma importâ ncia é aquela
entre o intrinsecamente extraordiná rio (o milagroso) e o
extrinsecamente extraordiná rio, que é o ordiná rio ou o normal na vida
dos santos, sendo ao mesmo tempo tã o raro quanto a pró pria
santidade. A omissã o desta distinçã o é fonte de frequentes
ambiguidades em vá rias obras modernas, que nã o apreciam
suficientemente as grandes divisõ es do sobrenatural. Assim, à luz das
ideias e princípios teoló gicos, poderemos discernir os fatos e formular
regras de direçã o motivando-os. Em nossa opiniã o, este é o verdadeiro
método da teologia ascética e mística. Nenhum outro método servirá ,
pois a teologia mística é a aplicaçã o da teologia à direçã o das almas
para uma uniã o cada vez mais estreita com Deus.
Devemos agora examinar a distinçã o entre teologia ascética e
mística, suas relaçõ es e a unidade da doutrina espiritual. Esta é uma
questã o delicada. Em sua consideraçã o, nã o devemos esquecer que
Deus chama todas as almas interiores a beber da fonte de á gua viva,
onde encontrarã o vida em abundâ ncia, mesmo além de seus desejos,
"para que tenham vida, e a tenham com abundâ ncia". Segundo os
santos, a alma que, por amor de Deus, trabalha para se despojar de tudo
o que nã o é Deus, logo é penetrada de luz e tã o unida a Deus que se
torna semelhante a Ele e entra na posse de todos os Seus bens. .

ARTIGO II
A distinção entre teologia ascética e teologia mística e a
unidade da doutrina espiritual
A teologia ascética e mística é a aplicaçã o da teologia na orientaçã o
das almas para uma uniã o cada vez mais íntima com Deus. Deve usar os
métodos indutivo e dedutivo, estudando os fatos da vida espiritual à luz
dos princípios revelados e das doutrinas teoló gicas deduzidas desses
princípios. Devemos agora ver o que distingue a teologia ascética da
mística; e se essa distinçã o é tal que exclui a continuidade na passagem
de um para o outro, ou a unidade na doutrina espiritual. Escritores
anteriores e vá rios autores modernos nã o concordam nesse ponto.
I. TESE TRADICIONAL: A UNIDADE DA DOUTRINA ESPIRITUAL

Até os sé culos XVII e XVIII, era geralmente aceito que a teologia


mística incluía nã o apenas a uniã o mística, a contemplaçã o infusa, seus
graus e as graças extraordiná rias que à s vezes a acompanham (visõ es e
revelaçõ es privadas), mas també m a perfeiçã o cristã em geral e a
primeiras fases da vida espiritual, cujo progresso normal parecia assim
direcionado para a uniã o mística como seu ponto culminante. Tudo
isso reunido formava um todo verdadeiramente uno: uma doutrina
espiritual dominada por uma altíssima ideia de perfeiçã o, extraída do
Evangelho e dos santos, e unificada pelo princípio comumente aceito
de que a contemplaçã o infusa ou mística 1 é normalmente concedida
aos perfeitos . e procede especialmente do dom da sabedoria, cujo
progresso é proporcional ao da caridade. Em outras palavras, eles
concordaram em reconhecer que um grau eminente de caridade, que é
o princípio de uma uniã o muito íntima com Deus, é normalmente
acompanhado por uma contemplaçã o eminente e confusa, que é ao
mesmo tempo muito penetrante e deliciosa. Esta caridade é
igualmente acompanhada por um conhecimento quase experimental
do misté rio de Deus que está mais pró ximo da alma do que de si
mesma, de Deus que se faz sentir por ela e que age constantemente
sobre ela, tanto na prova como na consolaçã o. , tanto para destruir o
que deveria morrer quanto para renovar e construir.
Estas afirmaçõ es podem ser verificadas consultando as teologias
místicas de Vallgornera (dominicano), de Tomé de Jesus, Domingos da
Santíssima Trindade, Antô nio do Espírito Santo, Filipe da Santíssima
Trindade (carmelitas), 2 e, mais no passado, as obras de Sã o Joã o da
Cruz, Santa Teresa, Venerável Louis de Blois, 3 Venerável Dionísio, o
Cartuxo, Tauler, Beato Henry Suso, Beato Bartolomeu dos Má rtires, Sã o
Tomá s de Aquino, Sã o Boaventura, Sã o Alberto, o Grande, Dionísio, o
Místico, e Santo Agostinho.
Sã o Tomá s mostrou especialmente a relaçã o entre o que hoje é
chamado de teologia ascé tica e teologia mística, tratando das relaçõ es
mú tuas de açã o e contemplaçã o. Com Santo Agostinho e Sã o Gregó rio,
assim ensina: A vida ativa, à qual se liga o exercício das virtudes morais
da prudê ncia, da justiça, da fortaleza e da temperança, 4 e as obras
externas da caridade, prepara para o vida contemplativa, na medida em
que regula as paixõ es que perturbam a contemplaçã o e na medida em
que nos faz crescer no amor de Deus e do pró ximo. 5 Entã o a
contemplaçã o de Deus, que é pró pria do perfeito, leva à açã o, dirige-a e
torna-a muito mais sobrenatural e fecunda. 6 Assim, na ordem natural, a
imagem precede a ideia e entã o serve para expressá -la; a emoçã o
precede a vontade e entã o serve para executar com maior ardor a coisa
desejada; e assim, novamente, diz Sã o Tomá s, nossos atos engendram
um há bito, entã o esse há bito nos faz agir com mais rapidez e facilidade.
7 Assim, a ascese nã o cessa quando começa a vida contemplativa; pelo

contrá rio, o exercício das diversas virtudes torna-se verdadeiramente


superior quando a alma recebe a graça mística da uniã o quase contínua
com Deus.
Algumas almas, observa Sã o Tomá s, por causa de sua
impetuosidade sã o mais aptas para a vida ativa; outros tê m por
natureza a pureza de espírito e a calma que os preparam mais para a
contemplaçã o; 8 mas todos podem preparar-se para a vida
contemplativa, 9 que é a mais perfeita e em si mesma a mais meritó ria.
10 "O amor a Deus é de fato mais meritó rio do que o amor ao pró ximo."
11 É o amor que nos leva, diz Santo Agostinho, a buscar o santo repouso

da contemplaçã o divina. 12 "E se um dos sinais da caridade é o trabalho


externo que nos impomos por amor de Cristo, um sinal muito mais
expressivo é deixar de lado tudo o que diz respeito à vida presente e
encontrar nossa felicidade em entregar-nos exclusivamente a a
contemplaçã o de Deus”. 13 "Quanto mais intimamente um homem une a
sua alma ou a de outro a Deus, mais aceitável é o seu sacrifício a Deus."
14

Sã o Joã o da Cruz insiste neste ponto: a contemplaçã o sobrenatural,


de que fala em A subida ao Monte Carmelo e em A noite escura , aparece
ali como o desenvolvimento pleno da "vida de fé" e do espírito de
sabedoria. "Somente a fé", diz ele, "é o meio pró ximo e proporcional
que pode unir a alma a Deus". 15 "A fé pura, no desnudamento e na
abnegaçã o de tudo, inclina-se muito mais ao amor divino do que à s
visõ es espirituais." 16
Isso é verdade se nã o diminuirmos, como fazem vá rios autores
modernos, o cará ter essencialmente sobrenatural da fé, e se
lembrarmos que, mesmo quando esta virtude é obscura e imperfeita ou
separada da caridade, é, em razã o de seu primeiro objeto e seu motivo,
infinitamente superior ao mais elevado conhecimento natural dos
anjos, ou mesmo à previsã o sobrenatural de futuros naturais e
contingentes. É da mesma ordem essencialmente divina da visã o
beatífica. Sã o Paulo diz que a fé infusa, dom de Deus, é "a substâ ncia das
coisas que se espera". Principalmente quando acompanhada dos dons
da sabedoria e do entendimento em grau eminente, é, por assim dizer, o
início da vida eterna, inchoatio vitae aternae , como diz Sã o Tomá s em
De veritate , q. 14, A. 2.
Se quisermos compreender toda a grandeza da vida de fé na qual
todo cristã o deve progredir, devemos ler os mestres da mística
tradicional. Uma vez que tenhamos compreendido seu ponto de vista,
nã o nos surpreenderemos que a vida mística perfeita seja o ponto
culminante do desenvolvimento normal da vida da graça. Assim se
mantém a unidade da doutrina e da vida espiritual, apesar da
diversidade dos estados interiores.
II. TESES DE VÁ RIOS AUTORES MODERNOS: SEPARAÇÃ O DA TEOLOGIA ASCETICA DA MÍSTICA

Desde os séculos XVII e XVIII, vá rios autores pensaram que era


necessá rio separar a teologia ascética da mística, que desde entã o
muitas vezes se tornaram assuntos de tratados especiais chamados
"Diretó rio Ascético" e "Diretó rio Místico".
Essa divisã o seguiu discussõ es animadas que foram ocasionadas por
abusos decorrentes de um ensino prematuro e errô neo dos caminhos
místicos. Desde o tempo de Santa Teresa, esses caminhos pareceram a
muitos teó logos tã o suspeitos que os escritos de Sã o Joã o da Cruz
tiveram que ser defendidos contra a acusaçã o de iluminismo, e os
superiores se levantaram a ponto de proibir seus religiosos de ler os
obras do Venerável John Tauler, Ruysbroeck, Beato Henry Suso, Santa
Gertrude e Santa Mechtildis. Apó s a condenaçã o dos erros de Molinos,
os caminhos místicos ficaram ainda mais suspeitos.
Desde entã o, um nú mero bastante grande de autores, que sã o
excelentes em muitos aspectos, concordaram em fazer uma distinçã o
absoluta entre teologia ascética e mística. Excessivamente ansiosos por
sistematizar as coisas e por estabelecer uma doutrina para remediar os
abusos, e conseqü entemente levados a classificar as coisas material e
objetivamente, sem um conhecimento suficientemente elevado e
profundo delas, eles declararam que a teologia ascética deveria tratar a
vida cristã "comum" de acordo com os três caminhos, o purgativo, o
iluminativo e o unitivo. Quanto à teologia mística, deveria tratar apenas
das graças extraordiná rias, entre as quais se incluíam nã o só as visõ es e
as revelaçõ es privadas, mas também as contemplaçõ es sobrenaturais,
confusas, as purificaçõ es passivas e a uniã o mística.
Portanto, a uniã o mística nã o aparece mais em seu arranjo como o
ponto culminante do desenvolvimento normal da graça santificante, das
virtudes e dos dons. Segundo eles, a contemplaçã o infusa nã o é a vida
de fé e o espírito de sabedoria levados à sua perfeiçã o, à sua plena
eflorescência; mas parece estar ligado a graces gratis datae , como a
profecia, ou pelo menos a um modo inteiramente extraordiná rio ou
milagroso dos dons do Espírito Santo. Por colocarem a uniã o mística e a
contemplaçã o infusa entre as graças gratis datae , esses autores
aconselham as almas já fervorosas a nã o buscarem nã o apenas visõ es e
revelaçõ es privadas, mas também a uniã o mística e a contemplaçã o
infusa, se quiserem evitar toda presunçã o e avançar na humildade :
altiora te ne quaesieris . Este parece ser o erro cometido por aqueles
diretores espirituais que recusaram a comunhã o diá ria a essas mesmas
almas, alegando que a humildade nã o permite que alguém almeje tã o
alto.
Esses autores distinguem assim uma vida unitiva chamada "comum",
a ú nica necessá ria, dizem eles, à perfeiçã o, de uma vida unitiva
chamada "extraordiná ria", que, segundo eles, nã o é exigida nem mesmo
para uma grande santidade. Deste ponto de vista, o ascetismo nã o
conduz ao misticismo, e a perfeiçã o, ou uniã o "ordiná ria", a que conduz,
é normalmente um fim e nã o uma disposiçã o para uma uniã o mais
íntima e mais elevada. Portanto, a teologia mística é importante apenas
para algumas almas muito raras e privilegiadas; podemos muito bem,
entã o, quase ignorá -lo para evitar a presunçã o e a ilusã o.
Em seu desejo de remediar um abuso, eles nã o estã o caindo em
outro que é clara e repetidamente apontado em A Subida do Monte
Carmelo 17 e no Cântico Espiritual? O padre Lallemant, um dos melhores
escritores espirituais da Companhia de Jesus, reclama amargamente
dessa concepçã o da vida mística como quase inacessível. Em sua
opiniã o, esta concepçã o barra o caminho para a alta perfeiçã o e a uniã o
íntima com Deus. 18. Em consequê ncia deste ensinamento, muitas
almas se tê m desviado da leitura de S. Joã o da Cruz, embora seja ele o
mestre que melhor fortifica contra a ilusã o e o desejo de graças
essencialmente extraordiná rias. 19
III. RETORNO À TESE TRADICIONAL: UNIDADE DA DOUTRINA ESPIRITUAL

Pode-se perguntar se esta distinçã o absoluta e falta de continuidade


entre teologia ascética e teologia mística nã o diminui notavelmente a
elevaçã o da perfeiçã o cristã que é o fim do progresso normal da graça
santificante e da caridade nesta vida; se nã o perde de vista que o
progresso dos dons do Espírito Santo é proporcional ao da caridade,
que deve crescer sempre; e se nã o confunde graças estritamente
extraordiná rias com graças eminentes e bastante incomuns concedidas
ordinariamente a elevada perfeiçã o, estado bastante incomum em
razã o da abnegaçã o muito grande que supõ e. Em suma, esta distinçã o
nã o confunde o extrinsecamente extraordiná rio, que é o ordiná rio
muito elevado da vida de uniã o com Deus nos santos nesta vida, e o
intrinsecamente extraordiná rio ou milagroso, que, na maioria das
vezes, é apenas uma sinal ou uma ajuda transitó ria inferior para a vida
da graça?
Podemos perguntar se este ensinamento nã o interpreta mal e
diminui a doutrina tradicional dos grandes teó logos e místicos sobre a
qualidade essencialmente sobrenatural 20 da vida da graça, da fé , da
caridade, dos dons do Espírito Santo. Essa vida está
incomparavelmente acima do fenô meno do êxtase, que em certo
sentido é externo, acima dos milagres e das profecias, pois em sua
perfeiçã o é como que o prelú dio da visã o beatífica, que uma alma
santa, já perfeitamente purificada, normalmente obté m sem passar
pelo purgató rio.
Nos ú ltimos anos, essas questõ es levaram vá rios escritores, como o
padre Saudreau, o padre Lamballe e o padre Arintero, OP, a rejeitar uma
distinçã o tã o absoluta entre teologia ascé tica e mística e a observar a
continuidade existente entre eles. Recorreram ao testemunho de S.
Joã o da Cruz, que diz: «Os que na vida espiritual ainda se exercitam na
meditaçã o, pertencem ao estado dos principiantes. a fim de introduzi-
los no caminho do progresso, que é o dos contemplativos, e de fazê -los
chegar com segurança e segurança ao estado de uniã o perfeita, isto é ,
divina”. 21 Este ú ltimo, na linguagem do autor de A Noite Escura da Alma
, é manifestamente de ordem mística. Como mostra o padre Lamballe 22
em vá rios textos tirados de Sã o Joã o da Cruz, segue-se que a
contemplaçã o mística é concedida ordinariamente aos perfeitos,
embora certas almas perfeitas a tenham apenas de maneira imperfeita
e por curtos períodos de tempo. 23
Santa Teresa expressa a mesma opiniã o, quando diz: “Sua
misericó rdia é tã o grande que Ele nã o impede ningué m de beber da
fonte da vida [contemplaçã o infusa]. Ele é tã o bom que nã o nos forçará
a beber dele”. 24 A santa ensina sempre à s suas filhas que devem dirigir
todos os seus esforços para se prepararem para receber esta preciosa
graça, ainda que certas almas, apesar da sua boa vontade, nã o
experimentem as suas alegrias nesta vida. A contemplaçã o pode, de
fato, ser á rida por um longo tempo, durante o qual se pode ser um
contemplativo sem saber. 25 Pio X, em sua carta (7 de março de 1914)
sobre o ensinamento de Santa Teresa, diz que os graus de oraçã o
enumerados pela santa sã o tantos degraus para o cume da perfeiçã o
cristã : "Docet enim gradus orationis quot numerantur , veluti totidem
superiores in Christiana perfecte ascensus esse."
Alé m disso, de acordo com vá rios teó logos contemporâ neos, cujo
nú mero cresce diariamente e que desejam preservar o ensinamento
tradicional como é formulado nos grandes clá ssicos da teologia
mística, é louvável que toda alma interior deseje a graça da
contemplaçã o mística e prepare-se para isso com a ajuda de Deus,
aumentando a fidelidade à s Suas santas inspiraçõ es. 26
Segundo esses teó logos, especialmente o padre Arintero, OP, a vida
mística é caracterizada pela predominâ ncia dos dons do Espírito
Santo. 27 A teologia ascé tica, dizem eles, trata da vida cristã dos
iniciantes e daqueles que avançam com a ajuda da graça no exercício
das virtudes cristã s, cujo modo continua sendo um modo humano
adaptado ao de nossas faculdades. Por outro lado, a teologia mística
trata especialmente da vida unitiva dos perfeitos, na qual se manifesta
claramente o modo divino dos dons do Espírito Santo, em cujo
exercício a alma é mais passiva do que ativa, e em que obté m um
conhecimento "quase experimental" de Deus presente nela, como
explica Sã o Tomá s. 28 «Estes dons», diz-nos o grande doutor, «existem
em todas as almas em estado de graça»; mas normalmente nã o
predominam, nem agem de modo frequente e manifesto, senã o nas
almas muito humildes e mortificadas, habitualmente dó ceis ao
Espírito Santo. Algumas almas se destacam nos dons relativos à vida
ativa, como o dom da fortaleza; outros nas da vida contemplativa, como
entendimento e sabedoria. Estes entram especialmente nos "caminhos
passivos", porque já nã o se dirigem a si mesmos, mas sã o
habitualmente dirigidos imediatamente por Deus. Ele dá a seus atos
aquele modo que só Ele pode comunicar a eles, como, por exemplo,
quando um mestre dirige seu aluno segurando sua mã o. Esses atos sã o
assim duplamente sobrenaturais ( reduplicativos , como dizem os
escolá sticos): por sua essê ncia, como atos das virtudes cristã s da vida
ascé tica; e por este modo superior, que supera o simples exercício das
virtudes cristã s auxiliadas pela graça atual. É isso que permite a Santa
Teresa falar de "oraçã o sobrenatural" quando começam as vias
passivas. 29 Mas este modo divino dos atos sobrenaturais, que brotam
imediatamente das inspiraçõ es do Espírito Santo, nã o é
essencialmente extraordiná rio, como um milagre, uma visã o, uma
profecia, mas algo eminente e ordiná rio nos perfeitos, que vivem
habitualmente recolhidos em adoraçã o do misté rio da Santíssima
Trindade presente neles. 30
Tal, de fato, é o principal assunto tratado por todos os grandes
teó logos místicos de Dionísio a Tauler e Sã o Joã o da Cruz, que muitas
vezes usa a ú nica palavra "fé" para indicar esta virtude e o dom da
sabedoria em um grau superior. .
Esses mestres discutem secundariamente os chamados fenô menos
exteriores, que acompanham certos graus da uniã o mística – por
exemplo, o êxtase, que desaparece com a uniã o transformadora. Fazem
sempre uma nítida distinçã o entre esta uniã o tã o íntima com Deus, que
é a meta dos seus desejos e de toda a sua vida, e as graças
extraordiná rias de ordem inferior, como as visõ es, ou o conhecimento
profético do futuro; graças que, na opiniã o deles, nã o devemos desejar.
Deste ponto de vista, inté rpretes de Sã o Joã o da Cruz, como Padre
Lamballe e Padre Arintero, OP, 31 consideram que a uniã o
transformadora ou casamento espiritual é nesta vida o á pice do
desenvolvimento normal da vida de graça em almas inteiramente fié is
ao Espírito Santo, especialmente nas consagradas a Deus e chamadas à
vida contemplativa. Alguns teó logos pensaram que esse objetivo
normal de progresso espiritual nã o passa alé m da oraçã o de silê ncio,
apó s a qual o extraordiná rio, propriamente dito, começaria com uniã o
e êxtase. 32 Segundo o que diz Santa Teresa das almas que nã o vã o alé m
da oraçã o do silê ncio, parece claro, poré m, que elas falharam na
fidelidade ao Espírito Santo, e que normalmente deveriam ter chegado
a uma uniã o mais íntima com Deus, que ela chama de "grau mais alto
de perfeiçã o". 33 Sã o Joã o da Cruz ensina a mesma doutrina. 34
Pode ser que o êxtase nã o implique (pelo menos necessariamente)
nada de extraordiná rio no verdadeiro sentido da palavra. Muitas vezes
parece vir da fraqueza do organismo que desmaia sob a açã o divina.
Pode ser apenas a reaçã o de uma profunda graça interior, que absorve
toda a atençã o e toda a força da alma em Deus, que está intimamente
presente à alma e que se faz sentir por ela. Deste ponto de vista, haveria
continuidade entre todos os graus da uniã o mística, desde a oraçã o de
quietude até a uniã o transformadora, na qual a alma nã o experimenta
mais "a fraqueza do êxtase", para usar a expressã o de Santa Hildegarde .
Esta é a opiniã o do Padre Lamballe, do Padre Arintero, OP, e de
vá rios outros teó logos contemporâ neos que consultamos. Eles
sustentam, além disso, que a oraçã o afetiva simplificada, que precede a
oraçã o essencialmente mística ou passiva, é normalmente uma
disposiçã o para receber esta ú ltima. Assim haveria continuidade entre
a vida ascética e a mística; o primeiro seria caracterizado pelo modo
humano das virtudes cristã s, o segundo pelo modo divino dos dons do
Espírito Santo, intervindo nã o mais de modo latente ou transitó rio, mas
de modo manifesto e frequente. Antes do estado místico ou passivo, em
um período de transiçã o (a oraçã o da simplicidade descrita por
Bossuet) haveria atos místicos transitó rios, que por sua natureza
disporiam a alma para a verdadeira vida de uniã o. Esta seria a idade
adulta ou perfeita da vida espiritual, ou a vida da graça consciente de si.
Se o que foi dito acima é verdade - como veremos, os autores citados
apresentam razõ es de peso para sua opiniã o - a alma que ainda nã o
possui nada da vida mística nã o passou da infâ ncia ou da adolescê ncia
da vida espiritual. Tal alma deve recordar as palavras de Sã o Paulo:
"Irmã os, nã o vos torneis filhos nos sentidos, mas na malícia sejam
filhos e nos sentidos sejam perfeitos". 35 Esta alma nã o atingiu a
maturidade espiritual, a idade perfeita alcançável nesta vida. Pode ter
grande erudiçã o també m em teologia, pode saber viver, pode possuir
prudê ncia, fé , caridade, zelo, entusiasmo e uma grande atividade
apostó lica; mas, apesar de suas só lidas virtudes e zelo cristã o, nã o é
suficientemente espiritualizado. Sua maneira de viver permanece
muito humana, muito exterior e ainda muito dependente do
temperamento. Nã o evidencia o modo inteiramente sobrenatural e
divino de pensar, amar a Deus e agir, que caracteriza aqueles que estã o
verdadeiramente mortos para si mesmos e perfeitamente dó ceis ao
Espírito Santo. Normalmente, somente estes ú ltimos tê m, em todas as
circunstâ ncias, agradáveis ou dolorosas, "a mente de Cristo", que os
capacita a julgar profundamente as coisas espirituais e a reconciliar
habitualmente em suas vidas virtudes aparentemente contraditó rias
em natureza: a simplicidade da pomba e a prudê ncia da serpente;
fortaleza heró ica e doçura gentil; humildade de coraçã o e
magnanimidade; uma fé absolutamente inflexível quando os princípios
estã o em jogo e uma grande misericó rdia para os equivocados; uma
intensa vida interior, um recolhimento contínuo e um apostolado
fecundo.
Esta ú ltima concepçã o da conexã o entre teologia ascética e mística
merece consideraçã o. Aqueles que muitas vezes leram e meditaram
sobre os grandes mestres da teologia mística tradicional estarã o
inclinados a concordar, acreditamos, com esta interpretaçã o, quando
recordarem os seguintes princípios, que sã o a expressã o certa do
ensinamento de Sã o Tomá s.
1) A perfeiçã o cristã consiste na uniã o com Deus, que supõ e em nó s
o pleno desenvolvimento da caridade, das demais virtudes e dos dons
do Espírito Santo, que suprem a imperfeiçã o dessas virtudes e sã o em
nó s o princípio imediato da contemplaçã o sobrenatural.
2) As trê s virtudes teologais sã o sobrenaturais em sua essê ncia (
quoad substantiam ) por causa de seu motivo formal e de seu objeto
pró prio, ambos inatingíveis apenas pela razã o ou mesmo pelo mais
alto conhecimento natural dos anjos. Vá rios teó logos, seguindo o
ensino inferior do nominalismo, pensaram, ao contrá rio, que os atos de
fé e das outras virtudes cristã s sã o atos essencialmente naturais,
revestidos de uma modalidade sobrenatural (sobrenatural apenas na
maneira, nã o em razã o de seu objeto formal). ). Assim, eles se
assemelhariam mais a uma afeiçã o natural sobrenaturalizada do que a
uma afeiçã o sobrenatural em sua essê ncia e por seu motivo formal.
Existe uma imensa diferença entre essas duas concepçõ es da fé e das
outras virtudes teologais. Só a primeira é verdadeira, 36 e mostra
claramente porque a fé no misté rio da Santíssima Trindade é
infinitamente superior à s intuiçõ es naturais do gê nio, e superior em
geral à s graces gratis datae , mesmo, por exemplo, à previsã o
sobrenatural de um futuro evento, como o fim de uma praga. 37
3) Os dons do Espírito Santo sã o duplamente sobrenaturais, nã o só
em sua essência (como as virtudes teologais e as demais virtudes
infusas), mas em seu modo de açã o. Por eles a alma nã o se dirige mais
com a ajuda da graça, mas é dirigida e movida imediatamente pela
inspiraçã o divina; e quando, por perfeita fidelidade ao Espírito Santo,
vive habitualmente sob o regime dos dons, está em estado passivo.
4) Esses dons, tornando-nos dó ceis ao sopro de Deus, crescem com
a caridade como as virtudes infusas. Ora, a caridade deve sempre
crescer nesta vida pelos nossos mé ritos e pela santa comunhã o. Quem
nã o avança, recua, porque, segundo a observaçã o de Santo Agostinho e
de Sã o Tomá s, 38 o primeiro preceito nã o tem limite e só os santos o
cumprem perfeitamente. "Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu
coraçã o, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu
entendimento." 39
5) Se considerarmos nã o o que realmente é, mas o que deveria ser,
nã o a fraqueza de nossa natureza e a inconstâ ncia de nosso livre
arbítrio, mas a pró pria essência da graça recebida no batismo e da
caridade, devemos admitir que normalmente, ou de acordo com sua lei
fundamental, a graça nunca deve ser perdida (embora muitos cristã os
caiam em pecado mortal). Da mesma forma, esta vida de graça, germe
de gló ria, princípio da vida eterna, deveria normalmente desenvolver-
se a tal ponto que o fogo da caridade nos purificasse de todas as
manchas antes da morte e nos permitisse entrar no céu sem passar
pelo purgató rio. Por culpa pró pria, as almas sã o detidas no purgató rio,
onde já nã o têm oportunidade de merecer. Ver Deus face a face
imediatamente apó s a morte estaria na ordem radical; por isso as almas
do purgató rio sofrem tanto por serem privadas desta visã o. Portanto,
de acordo com a lei fundamental da vida da graça, as purificaçõ es
dolorosas que limpam a alma de suas impurezas devem ser meritó rias
e devem preceder a morte, como acontece nos santos; eles nã o devem
seguir a morte. Sendo tudo isto verdade, por que a uniã o mística,
acompanhada destas purificaçõ es passivas, nã o deveria ser o normal
florescimento da vida da graça, embora poucas almas a alcancem de
fato, assim como poucas conservam a inocência batismal? Se a uniã o
mística, de fato, nã o é comum, por que nã o deveria ao menos ser
esperada no final de uma vida interior muito generosa? O
extraordiná rio consistiria entã o ainda na concessã o destas eminentes
graças desde a infâ ncia, como aconteceu na vida de vá rios santos.
Todos concordam que praticamente dois excessos devem ser
evitados na direçã o das almas: exortar as almas a deixarem o caminho
ascé tico cedo demais ou tarde demais. Se partirem cedo demais,
correm o risco de cair na ociosidade do quietismo ou em um
semiquietismo prá tico; se tarde demais, correm o risco de abandonar a
oraçã o porque nã o encontram mais proveito na meditaçã o discursiva,
onde o diretor deseja mantê -los, ou correm o risco de nã o entender
nada sobre o caminho obscuro, mas muito mais espiritual, ao longo do
qual o Senhor está começando a conduzi-los. Sobre este ponto, Sã o
Joã o da Cruz, em A subida ao Monte Carmelo 40 e em A noite escura ,
deixou-nos valiosos ensinamentos. Entre os trabalhos recentes sobre o
assunto, um dos mais só lidos é Les voies de l'oraison mentale , de Dom
Vital Lehodey. 41
O que a experiê ncia ensina? Nã o diz que a condiçã o atual e o ideal
normal (o que se deve esperar) finalmente se harmonizam, pelo menos
no final de uma vida santa? Todos os santos canonizados parecem ter
tido a uniã o mística com frequê ncia, exceto alguns má rtires que podem
tê -la tido apenas no momento de sua tortura. 42 Santa Teresa declara
que nos seus mosteiros se encontram muitas almas que alcançam a
oraçã o essencialmente mística do sossego; que alguns, mais
adiantados, usufruem habitualmente da oraçã o de uniã o; e que vá rios
outros gostam disso em intervalos. 43
Sobretudo nas ordens religiosas contemplativas, por vezes
encontram-se almas que certamente ultrapassaram a meditaçã o
discursiva ou a oraçã o da simplicidade. Estas almas experimentam
grande angú stia quando sã o obrigadas a cessar a açã o de graças depois
da sagrada comunhã o; eles sã o totalmente arrebatados por Deus, como
se fossem absorvidos por Ele, e vivem pelos misté rios da Santíssima
Trindade, da encarnaçã o e da redençã o, de maneira
incomparavelmente mais profunda do que o mais douto teó logo, se
este nã o for verdadeiramente um homem de oraçã o. Essas vidas,
embora familiarizadas com alegrias e sofrimentos interiores bastante
incomuns, nã o sã o realmente extraordiná rias no verdadeiro sentido
desta palavra. Só eles, ao contrá rio, estã o inteiramente em ordem.
Evitam mesmo o extraordiná rio quanto possível, segundo o conselho
de Sã o Joã o da Cruz, 44 que é o seu sustento quotidiano. Este grande
doutor os orienta cada vez mais para a Santíssima Trindade que habita
em nó s; sentem grande alegria ao ler as belas pá ginas de Santo
Agostinho e Sã o Tomá s sobre este misté rio; e expressam-se també m
sobre a Paternidade de Deus, sobre o valor infinito dos mé ritos de
Cristo, sobre o fruto de uma comunhã o fervorosa, com uma
espontaneidade e frescor bem diferentes daqueles produzidos pelo
aprendizado erudito obtido nos livros. Para que possamos viver dessa
maneira, esses misté rios sobrenaturais nos foram revelados. Assim é a
vida cristã em pleno desenvolvimento, o reino profundo de Deus em
nossos coraçõ es.
A graça superabunda nestas almas depois de terem passado pelas
dolorosas purificaçõ es, que sã o a verdadeira noite escura. Eles, por
assim dizer, tiveram um vislumbre do mais puro, santo e insondável
abismo de Deus. Transbordam de amor e, no seu grande desejo de
amar a Deus, anseiam fazê -lo sem medida, com o coraçã o do Verbo
feito carne. O Espírito de amor os penetrou e, tanto na prova como na
alegria, repousam na caridade do Pai celeste como uma criança nos
braços de sua mã e. Eles veem o cumprimento da oraçã o de Cristo:
"Para que todos sejam um, como Tu, Pai, em Mim, e Eu em Ti." 45 Esta é
a vida unitiva, mas sem nada de extraordiná rio, no sentido do
milagroso. E esta é verdadeiramente a vida mística e contemplativa.
Esta é també m a vida apostó lica; em sua fé profunda na
superabundâ ncia da redençã o, essas almas se oferecem para que o
cá lice transborde sobre os pecadores. Alé m disso, eles desejam
sinceramente deixar esta terra de exílio e ir para o cé u. Esta é a
perfeiçã o descrita por Sã o Tomá s quando, depois de falar dos que
começam e dos que avançam na vida espiritual, diz dos perfeitos: "Eles
tendem principalmente a unir-se a Deus, a desfrutá -lo, e desejam
morrer para estar com Cristo”. 46
Portanto, encontramos nã o apenas uma continuidade entre teologia
ascé tica e mística, mas també m uma certa compenetraçã o. Nã o sã o
duas divisõ es distintas da teologia, mas duas partes ou dois aspectos
de um mesmo ramo, que nos mostra a vida espiritual em sua infâ ncia,
adolescê ncia e maturidade. Teologia ascé tica e mística ou, mais
simplesmente, doutrina espiritual, é uma delas. Deve começar
colocando diante de nó s o fim atingível nesta vida, ou seja, a perfeiçã o
espiritual para a qual o progresso espiritual deve tender. Deve mostrar
esta perfeiçã o em toda a sua elevaçã o e grandeza, segundo o
testemunho do Evangelho e dos santos. Depois deve indicar os meios
para isso: a luta contra o pecado, a prá tica das virtudes, a perfeita
docilidade ao Espírito Santo. Mas o fim proposto, tal como o
encontramos, por exemplo, nas oito bem-aventuranças quando o seu
significado pleno é aceito, vai alé m do domínio da simples ascese. 47 A
vida ascé tica, poré m, nã o cessa quando a alma entra na uniã o mística.
A prá tica das virtudes torna-se, pelo contrá rio, muito mais perfeita,
como o demonstram as grandes austeridades dos santos, a sua
paciê ncia e o seu zelo. Até o fim, a alma deve se lembrar das palavras de
nosso Senhor: "Se algué m quer vir apó s mim, negue-se a si mesmo e
tome cada dia a sua cruz". 48
Isso nos traz de volta à afirmaçã o, baseada no ensinamento de Sã o
Tomá s, que fizemos no início deste artigo: A ascese prepara a alma para
a uniã o mística, que entã o torna o exercício das virtudes e nosso
apostolado muito mais sobrenatural. e frutífero. A prá tica das virtudes
prepara para a contemplaçã o e é por ela dirigida.
Quando as teologias ascética e mística sã o separadas uma da outra, o
ascético carece de vitalidade, profundidade e elevaçã o; o místico perde
sua importâ ncia, sua gravidade e sua profundidade, e parece ser apenas
um luxo na espiritualidade de algumas almas privilegiadas.
Tal nos parece a concepçã o da teologia ascética e mística, ou da
doutrina espiritual, que mais se ajusta ao ensino tradicional. Essa é a
concepçã o que tentaremos formular neste trabalho.

ARTIGO III
Significado dos termos do problema
A questã o do vocabulá rio apresenta uma das principais dificuldades
encontradas por quem estuda problemas místicos. Muitas
controvérsias surgem devido à falta de um acordo prévio quanto ao
significado das palavras utilizadas. Por exemplo, na questã o de saber se
a vida mística é a coroa normal da vida interior, a palavra "mística" é
entendida por alguns em um sentido tã o amplo que a vida mística
parece quase identificada com uma vida cristã pouco fervorosa, ou com
mera perseverança no estado de graça. Outros autores usam a palavra
"místico" em um sentido tã o limitado que parece nã o haver vida mística
sem êxtase, visõ es e revelaçõ es proféticas. Da mesma forma, a palavra
"contemplaçã o" tem para alguns um sentido muito amplo, enquanto
para outros pode ser usada apenas com o significado exato de
contemplaçã o infusa e passiva. O mesmo vale para a palavra "normal".
Se usado por teó logos especulativos, é aplicável apenas a uma lei geral e
superior da vida da graça, uma lei que de modos muito diversos se
aplica mais cedo ou mais tarde, perfeita ou imperfeitamente, ao
desenvolvimento de almas generosas que sã o chamadas ao
contemplativo ou mesmo para a vida ativa. E esta lei exige muitas
condiçõ es que podem faltar; terá dificuldade em funcionar na pessoa
que recebe a graça, por exemplo, em um ambiente desfavorável, em
uma vida de estudo muito absorvente, ou onde falta uma direçã o
adequada, ou no caso de uma pessoa que tem um temperamento
ingrato e certas imperfeiçõ es, ainda que involuntá rias. Apesar de todos
esses obstá culos, essa lei rege o crescimento da semente divina, fato
que o teó logo considera e que a experiência comprova. Se, ao contrá rio,
a palavra "normal" é usada por um diretor nã o místico, vendo apenas
os fenô menos particulares e externos, ele dá ao termo "normal" um
significado mais concreto e material, que parece ser ao contrá rio do
fato quando as exceçõ es sã o observadas. Essas exceçõ es ele nã o
examina de dentro para verificar se procedem da pró pria graça ou dos
defeitos de quem recebe a graça, da natureza da pró pria semente ou
dos efeitos do solo estéril que exige trabalho extraordiná rio para sua
transformaçã o.
A mesma dificuldade surge se expressarmos o problema
perguntando se todas as almas interiores sã o chamadas à vida mística.
Alguns que respondem negativamente usam a palavra "chamado"
quase no sentido de "ressuscitado", "liderado", "predestinado" ou
"escolhido"; e entã o fica claro que nem todas as almas interiores sã o
chamadas à vida mística. Essa visã o ignora a declaraçã o das Escrituras:
"Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos". Essas duas
palavras, "chamado" e "escolhido", diferem muito. Por outro lado,
alguns autores admitem o chamado geral das almas à vida mística, mas
parecem esquecer o ensinamento comum sobre os sinais especiais do
chamado individual, sinais que nã o estã o presentes em toda alma
piedosa. Eles sã o em nú mero de trê s e sã o enumerados por Sã o Joã o da
Cruz, e antes dele por Tauler. Iremos nos referir a eles mais adiante. 1 Os
muitos problemas consequentes requerem uma declaraçã o do
significado exato da palavra "chamada", que pode designar uma
chamada remota ou imediata. A mesma dificuldade ocorre em conexã o
com a palavra "mé rito" na pergunta: Pode uma alma merecer a
contemplaçã o mística?
Devemos tentar estabelecer significados precisos para os termos que
estamos usando. Embora tenhamos dificuldade em chegar a um acordo
imediato sobre as definiçõ es reais, que expressam a base das coisas e
sã o fruto de longas pesquisas, devemos ao menos ter um entendimento
sobre as definiçõ es nominais, sobre o significado do principais termos
da teologia mística em uso hoje. Uma vez que a terminologia mística foi
dada precisã o por Santa Teresa, Sã o Joã o da Cruz e Sã o Francisco de
Sales, devemos levar em conta essa precisã o estabelecida que repousa
sobre sua autoridade e é um progresso real. Se, por exemplo, desde a
época desses grandes mestres, a expressã o "oraçã o essencialmente
mística" significa oraçã o manifestamente passiva, devemos doravante
usar a expressã o apenas com esse significado preciso, que inclui muitos
graus de oraçã o.
A fim de fixar o vocabulá rio, queremos propor algumas definiçõ es,
pelo menos nominais, 2 que sã o geralmente aceitas pelos teó logos
místicos que seguem simultaneamente a doutrina de Sã o Tomá s e a de
Sã o Joã o da Cruz, de Sã o .Teresa e de Sã o Francisco de Sales. 3 No
decorrer deste trabalho, mostraremos a solidez bá sica dessas
definiçõ es, ou seu real valor.
Sã o Tomá s define a contemplaçã o como uma simples visã o
intelectual da verdade, superior ao raciocínio e acompanhada de
admiraçã o. 4 Pode ser puramente natural, como, por exemplo, em um
artista, um erudito ou um filó sofo. A contemplaçã o cristã se deté m nas
verdades reveladas e pressupõ e a fé . Vá rios teó logos admitem a
existê ncia de uma contemplaçã o adquirida que se segue à meditaçã o.
Eles geralmente definem essa contemplaçã o adquirida como o
conhecimento amoroso de Deus que é fruto de nossa atividade pessoal
auxiliada pela graça. Pelo contrá rio, a contemplaçã o infusa, de que
falam os místicos, é um conhecimento amoroso de Deus, que nã o é
fruto da atividade humana auxiliada pela graça, mas de uma inspiraçã o
especial do Espírito Santo; de modo que nã o é produzido à vontade,
como é um ato de fé . 5
Na vida sobrenatural, entendemos pela palavra "ordiná rio" toda
graça, todo ato, todo estado, que está no caminho normal da santidade;
tudo o que é moralmente necessá rio na maioria dos casos para alcançar
a santidade. E por "santidade" devemos, no mínimo, entender o que
geralmente é necessá rio para entrar no céu imediatamente apó s a
morte, porque uma alma sofre no purgató rio apenas por sua pró pria
culpa. O "ordiná rio" assim definido compreende as graças eminentes
que, de fato, podem ser chamadas de extraordiná rias porque sã o
bastante incomuns, mas que sã o ordiná rias de acordo com o direito
normal, se forem realmente necessá rias para a obtençã o da santidade,
para a plena perfeiçã o da vida cristã . vida, ou pela completa pureza da
alma que merece entrada imediata no céu.
Todo favor, ao contrá rio, que está fora do caminho normal da
santidade e que nã o é absolutamente necessá rio para alcançá -la, é
extraordiná rio. Classificamos como tais especialmente as graças
chamadas gratis datae , como milagres, profecias, visõ es e outros
fenô menos do mesmo tipo. 6
No que diz respeito à palavra "chamado" ou "vocaçã o", tentaremos
distinguir neste trabalho os diferentes significados que pode ter,
conforme se trate de um chamado geral e remoto de todas as almas
justas à contemplaçã o mística ou, pelo contrá rio, de um chamada
individual e pró xima. Como veremos, este ú ltimo pode ser apenas
suficiente e permanecer estéril; ou pode ser eficaz. Neste ú ltimo caso,
pode ser uma chamada eficaz tanto para graus inferiores, quanto para
graus superiores da vida mística.
Em todas essas questõ es, devemos considerar o desenvolvimento
pleno e normal da vida da graça como tal, e entã o ver o que há nas
almas mais ou menos dispostas que receberam esse germe da vida
eterna. Para isso, devemos recordar antes de tudo a doutrina
tradicional da graça, tal como foi concebida, seguindo Sã o Paulo e Santo
Agostinho, pelo príncipe dos teó logos, Sã o Tomá s de Aquino, e pelos
grandes místicos cató licos .
CAPÍTULO III
TEOLOGIA MÍSTICA _ _ E AS DOUTRINAS FUNDAMENTAIS
DE S T. T HOMAS

ARTIGO I
Vida Intelectual Natural e Vida Sobrenatural
VÁ RIOS autores , impressionados com a diferença que encontram entre
os escritos dos grandes teó logos místicos (como Dionísio, Ricardo de
Sã o Vítor, Sã o Boaventura, Tauler, Sã o Joã o da Cruz) e os escritos de Sã o
Tomá s Tomá s de Aquino fica surpreso por esperarmos encontrar nos
escritos de Sã o Tomá s os princípios da teologia mística. Alguns até
consideram Sã o Tomá s, nã o um grande teó logo que de um ponto de
vista sobrenatural usou Aristó teles para a defesa e explicaçã o das
verdades divinas da fé , mas sim um filó sofo de gê nio que nos deu uma
interpretaçã o do Evangelho, um Aristó teles cristã o , como mais tarde
Malebranche era um Platã o cristã o.
Qualquer pessoa que aceite essa visã o deve carecer de um
conhecimento íntimo dos escritos de Sã o Tomá s, especialmente seus
tratados sobre a Trindade, a encarnaçã o, a Santa Eucaristia, a graça, as
virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. Certamente tal pessoa
nunca leu os comentá rios de Sã o Tomá s sobre Sã o Paulo, Sã o Joã o, os
Salmos e o Câ ntico dos Câ nticos. Ele deve ignorar os curtos tratados de
Sã o Tomá s sobre piedade, suas oraçõ es, seu ofício do Santíssimo
Sacramento; e ele deve nã o estar familiarizado com a vida do santo,
suas noites passadas diante do taberná culo, seus êxtases, o eminente
dom da contemplaçã o que o fez referir-se à sua Summa como sendo
apenas palha em comparaçã o com o que ele viu.
Neste artigo queremos mostrar que esse julgamento do grande
doutor decorre de uma maneira inteiramente material de ler suas
obras. Temos a tendência de dar uma interpretaçã o materialista a tudo
— doutrina, piedade, regras de conduta, açã o. Esta é a inclinaçã o de
nossa natureza caída e ferida, a menos que seja profundamente
regenerada e completamente vivificada pela graça que cura e eleva, e a
menos que estejamos livres da dominaçã o de nosso temperamento; ou
se, apesar do estado de graça, preservamos uma série de juízos
puramente naturais, bastante inconformes com o espírito da fé.
Influenciados por essas disposiçõ es, somos involuntariamente
propensos a interpretar materialisticamente as doutrinas mais
elevadas; isto é , tendemos a observar apenas seus elementos materiais
que se adaptam melhor aos nossos gostos, e a perder de vista o
espírito que determina sua natureza e é a alma do corpo doutriná rio.
Mais uma vez a expressã o de Sã o Paulo é verificada: "Porque a letra
mata, mas o espírito vivifica". 1 Seguindo assim, a pretexto de confiar
no que é tangível, mecanicamente exato e incontestavelmente certo
mesmo para os incré dulos, acabaríamos explicando o superior pelo
inferior, reduzindo o primeiro ao segundo, que é a pró pria essê ncia da
materialismo em todas as suas formas. Estaríamos inclinados a
explicar a alma pelo corpo, muito mais do que o corpo pela alma; da
mesma forma, explicar a vida da graça pela natureza, as doutrinas
teoló gicas pelos elementos filosó ficos que assimilaram, a vida das
ordens religiosas pelas condiçõ es sociais em que tiveram sua origem,
sem pensar suficientemente no trabalho incessante mas invisível de
Deus, o ú nico que pode levantar grandes doutores e santos. Deste
ponto de vista, rapidamente diminuiríamos tudo e, em vez de vivermos
sobrenaturalmente segundo o verdadeiro sentido desta palavra,
poderíamos, apesar de certas aparê ncias, tropeçar no que é medíocre e
mesquinho.
Essa disposiçã o de explicar o superior pelo inferior é encontrada em
graus variados, desde o materialismo grosseiro que explica o espírito
pela matéria até aquele que coloca uma interpretaçã o materialista na
filosofia espiritual, teologia, exegese, histó ria da Igreja, ascetismo e o
liturgia, cuja letra é mantida, e nã o o espírito.
Mesmo com um verdadeiro desejo de aprender, podemos ler St.
Thomas a partir deste ponto de vista. Na sua doutrina teoló gica
encontram-se numerosos elementos materiais ou filosó ficos, que ele
pretende subordinar à ideia de Deus, autor da graça. Se enfatizarmos
indevidamente esses elementos inferiores, que estã o ao alcance da
razã o, em vez de subir ao cume da síntese, encontraremos uma
verdadeira oposiçã o entre esta doutrina e a dos grandes teó logos
místicos, que trataram especialmente da uniã o com Deus. As á rvores
nos impedirã o de ver a floresta. Absorvidos nos detalhes da base da
estrutura, deixaremos de ver a pedra angular do arco. Pelo menos
estaremos considerando apenas de baixo para cima o princípio
sobrenatural desta obra-prima da mente; vendo-o apenas por sua
reflexã o sobre as realidades inferiores que ele regula, em vez de julgar
essas questõ es de cima, como deveria ser feito pela "razã o superior",
tã o valorizada por Santo Agostinho, e pela sabedoria teoló gica, para nã o
falar do dom da sabedoria, que é ainda mais elevado. Assim, ler a Suma
de Sã o Tomá s e comentá -la pode ser apenas levemente sobrenatural e
até mesmo antimístico. Essa maneira de lê-lo desvia a mente da visã o
dos grandes comentaristas (Capréolo, Caetano, Bannes, Joã o de Sã o
Tomá s, os carmelitas de Salamanca), todos eles inferiores ao mestre.
Mas eles o entenderam melhor do que nó s e nos conduzem atrá s dele
para as mesmas alturas.
Um delicado instrumento de precisã o é facilmente danificado de
modo que deixa de ser preciso; da mesma forma, a doutrina de St.
Thomas é facilmente distorcida. Isso ocorre se colocarmos de forma
equivocada a ênfase no que é secundá rio e material, explicando assim
de forma banal e sem a devida proporçã o o que há de formal e principal
nele. Ao fazer isso, deixamos de ver os cumes brilhantes que deveriam
iluminar todo o resto.
Notamos aqui as principais confusõ es que tornariam essa doutrina
essencialmente antimística. Eles foram feitos especialmente por
teó logos nominalistas, que finalmente perceberam nada alé m de
palavras nas mais altas realidades espirituais, quando nã o viram como
materialmente evidente que essas realidades haviam sido reveladas
por Deus. 2 A teologia nominalista é uma diminuiçã o considerável da
ciê ncia de Deus. Apontamos essas confusõ es para mostrar que o
ensinamento de Sã o Tomá s é , ao contrá rio, o mesmo que Sã o Joã o da
Cruz e seus discípulos desenvolveram. Tornamos este ponto evidente
insistindo no que constitui a grandeza de seu ensinamento e
manifestando a riqueza sobrenatural que ele conté m. Para quem leu os
teó logos de Salamanca, evidentemente a doutrina carmelita e a do
Doutor Angé lico concordam em tudo, particularmente no que diz
respeito à s questõ es mais elevadas do tratado sobre a graça.
Consideremos brevemente, na síntese tomista, as doutrinas
fundamentais que estã o mais intimamente ligadas à vida espiritual;
especialmente aqueles relacionados ao nosso conhecimento natural e
intelectual; depois, as relativas à vida sobrenatural, à s virtudes infusas,
aos dons do Espírito Santo, à eficá cia da graça e, finalmente, à pró pria
natureza de Deus.
Na síntese tomista nosso conhecimento intelectual na ordem
natural é baseado nos primeiros princípios da razã o: o princípio da
contradiçã o – nenhum ser, criado ou incriado, pode ao mesmo tempo e
sob o mesmo aspecto ser e nã o ser; o princípio da causalidade – tudo o
que tem potencial de inexistê ncia, seja espírito ou maté ria, tem uma
causa; o princípio da finalidade – todo agente, seja material ou
espiritual, age para um fim; o primeiro princípio da moralidade - deve-
se fazer o bem e evitar o mal. Sã o Tomá s declara que o conhecimento
intelectual dessas verdades primordiais brota de certo modo dos
sentidos, porque nossa inteligê ncia abstrai suas idé ias das coisas
sensíveis. Compreendendo materialmente esta doutrina, alguns
pensaram que a certeza intelectual dos primeiros princípios se
decompõ e essencial ou formalmente na sensaçã o, e que se baseia na
sensaçã o como no seu motivo formal. 3 Este ponto de vista reduziria o
superior ao inferior, a inteligê ncia ao sentido; esqueceria que os
princípios racionais sã o absolutamente universais e necessá rios e que
atingem até as realidades mais elevadas, o pró prio Deus, ao passo que
a sensaçã o atinge apenas os objetos sensíveis, singulares e
contingentes. Se isso fosse feito, a universalidade absoluta e a
necessidade das primeiras verdades racionais nã o seriam mais
explicáveis; a razã o permaneceria prisioneira dos fenô menos, como os
sentidos de um animal, e nossa liberdade, que decorre de nossa
inteligê ncia, desapareceria. Nã o poderíamos resistir à atraçã o dos
bens sensíveis, porque nã o os dominaríamos. A nossa natureza, como a
dos animais, seria incapaz de receber a graça e de ser elevada à visã o
de Deus.
De acordo com St. Thomas, por outro lado, a certeza intelectual dos
primeiros princípios racionais se resolve apenas materialmente na
sensaçã o pré -requisito; 4 ele se resolve formalmente em evidê ncia
puramente intelectual da verdade absoluta de seus princípios, que
aparecem como as leis fundamentais nã o apenas dos fenô menos, mas
do ser ou de toda realidade inteligível, seja corporal ou espiritual. Essa
evidê ncia pressupõ e em nó s uma luz intelectual sempre crescente, de
ordem infinitamente superior à sensaçã o ou à imaginaçã o mais sutil;
uma luz intelectual que é uma imagem distante da luz divina e que nada
pode iluminar sem o concurso constante de Deus, Sol dos espíritos,
Mestre das inteligê ncias. 5 Embora Sã o Tomá s trate aqui de assuntos na
ordem natural, ele já fala quase como um místico: “Como toda doutrina
humana proposta exteriormente nos instrui por causa da luz
intelectual que recebemos de Deus, segue-se que só Deus nos ensina
interiormente e como Causa principal”. 6
Malebranche e os ontologistas exageraram essas palavras de Sã o
Tomá s e pareceram ter uma ideia ainda mais elevada de nossa
inteligência natural ao afirmar que nossa inteligência vê os primeiros
princípios no pró prio Deus. A aparente elevaçã o desse platonismo
cristã o nã o é, porém, a da verdadeira teologia mística, porque tende a
confundir a ordem natural e a da graça, em vez de manter a
superioridade absoluta desta ú ltima.
Segundo os ontologistas, nosso intelecto é capaz de conhecer o ser,
porque é capaz de conhecer a Deus; segundo Sã o Tomá s, nosso
intelecto é capaz de conhecer a Deus pela graça, porque é antes de tudo
capaz de conhecer o ser por natureza. 7 Este ensinamento o coloca
infinitamente acima dos sentidos.
A respeito da vida sobrenatural, conhecemos o princípio de Sã o
Tomá s: “A graça aperfeiçoa a natureza e nã o a destró i”. 8 No entanto, é
necessá rio um grande espírito de fé , se quisermos sempre interpretar
este princípio corretamente, sem nos inclinarmos praticamente para o
naturalismo. Algumas pessoas entenderã o este princípio
materialmente, ou estarã o mais atentas à natureza que deve ser
aperfeiçoada do que à graça que deve produzir esta transformaçã o em
nó s. Alé m disso, considerando a natureza como ela realmente é desde o
pecado original, eles nã o distinguirã o suficientemente na natureza o
que é essencial e bom, o que deve ser aperfeiçoado, do que deve ser
mortificado, o egoísmo em todas as suas formas grosseiras ou sutis. Ao
nã o fazer essa distinçã o, eles encontram uma oposiçã o real entre a
doutrina de Sã o Tomá s assim interpretada materialisticamente e o
famoso capítulo da Imitação (Livro III, cap. 54), "Sobre os diversos
movimentos da natureza e da graça". Esquecem-se do que ensina o
santo doutor sobre as feridas decorrentes do pecado original que
permanecem na alma batizada. 9
Eles esquecerã o ainda mais completamente o que ele diz sobre a
distâ ncia infinita que separa a natureza mais perfeita, mesmo a do anjo
mais exaltado, do menor grau de graça santificante, que Sã o Tomá s
declara "superior ao bem natural de todo o universo" 10 de maté ria e
espírito. Todas as naturezas angé licas juntas nã o sã o iguais ao menor
movimento de caridade.
Os nominalistas diminuíram esta doutrina a ponto de pensar que a
graça nã o é uma realidade sobrenatural por sua essê ncia, mas que ela
tem apenas um valor moral que nos dá direito à vida eterna, como uma
nota de banco nos dá o direito de reivindicar uma certa soma de ouro.
11 Da mesma forma, para eles, os caracteres batismal e sacerdotal sã o

apenas títulos extrínsecos, relaçõ es estabelecidas pela razã o sem base


na realidade (por exemplo, um filho adotivo). Lutero, discípulo dos
nominalistas, chegou a dizer que a graça santificante nã o é uma
realidade em nó s, nã o é uma vida nova, mas apenas o perdã o das
nossas faltas exteriormente concedido por Deus.
Sem ir a tais extremos, alguns teó logos pensaram que Deus poderia
criar uma inteligê ncia para a qual a visã o beatífica seria natural. 12 Eles
falharam em ver a distâ ncia infinita que necessariamente separa a
natureza de toda inteligê ncia criada e criável da graça, que é uma
"participaçã o na natureza divina". 13
Para compreender o que é esta distâ ncia, devemos ter em mente
que a graça é real e formalmente uma participaçã o na natureza divina
precisamente enquanto ela é divina, uma participaçã o na Divindade,
naquilo que faz de Deus Deus, na sua vida íntima. . Como a
racionalidade é o que faz do homem um homem, a Divindade é a
essê ncia constituinte de Deus, tal como Ele mesmo é . A graça é uma
participaçã o misteriosa nessa essê ncia, que supera todo conhecimento
natural. Até as pedras, pelo fato de existirem, tê m uma remota
semelhança com Deus enquanto Ele é ; as plantas també m se
assemelham remotamente a Ele na medida em que ele está vivo; as
almas humanas e os anjos sã o por natureza feitos à imagem de Deus e
se assemelham a Ele por analogia na medida em que Ele é inteligente;
mas nenhuma natureza criada ou criável pode se assemelhar a Deus
exatamente na medida em que Ele é Deus. Somente a graça pode nos
fazer participar real e formalmente da Divindade, da vida íntima
daquele de quem somos filhos pela graça. A Deidade, que permanece
inacessível a todo conhecimento natural criado, é superior a todas as
perfeiçõ es divinas naturalmente conhecíveis, superior ao ser, à vida, à
sabedoria, ao amor. Todos esses atributos divinos, por mais diversos
que pareçam, sã o uma e a mesma coisa em Deus e com Deus. Eles estã o
na Divindade formal e eminentemente como notas de uma harmonia
superior, cuja simplicidade está alé m de nossa compreensã o. 14
A graça nos faz participar real e formalmente desta Divindade, desta
vida eminente e íntima de Deus, porque a graça é em nó s o princípio
radical das operaçõ es essencialmente divinas, que consistirã o em
ú ltima aná lise em ver Deus imediatamente, como Ele se vê, e em amar
Ele como Ele ama a Si mesmo. A graça é a semente da gló ria. Para
conhecer intimamente sua essência, devemos primeiro ter visto a
essência divina da qual a graça é a participaçã o. Pela graça, somos
verdadeiramente "nascidos de Deus", como diz Sã o Joã o. É isso que faz
Pascal dizer: “Todos os corpos juntos e todos os espíritos juntos e todas
as suas produçõ es nã o sã o iguais ao menor movimento de caridade, que
é de outra ordem e infinitamente mais elevada”.
Se entendermos claramente esta doutrina, sabemos que a graça nã o
apenas nos vivifica e espiritualiza, mas també m nos deifica. "Como
apenas o fogo pode tornar um corpo incandescente", diz Sã o Tomá s,
"somente Deus pode divinizar as almas". 15
Portanto, o menor grau de graça santificante é infinitamente
superior a um milagre sensível, que é sobrenatural apenas em razã o de
sua causa, por seu modo de produçã o ( quoad modum ), nã o por sua
realidade íntima: a vida restituída a um cadáver é apenas a vida natural,
baixa, de fato, em comparaçã o com a da graça. O paralítico, quando seus
pecados lhe sã o perdoados, recebe infinitamente mais do que sua cura.
Em Lourdes, as maiores bênçã os nã o sã o as que curam o corpo, mas as
que vivificam as almas. O sobrenatural "modal", ou o sobrenatural, nã o
conta, por assim dizer, em comparaçã o com o essencialmente
sobrenatural.
O menor grau de graça santificante é, portanto, infinitamente
superior ao fenô meno do êxtase, à visã o profética dos eventos futuros
ou ao conhecimento natural do anjo mais elevado.
O conhecimento natural do anjo supremo poderia em sua ordem
natural crescer indefinidamente em intensidade, mas nunca alcançaria
a dignidade do conhecimento sobrenatural da fé infusa ou do dom da
sabedoria. Jamais atingiria mesmo obscuramente a vida íntima de Deus,
assim como o progresso indefinido da imaginaçã o jamais se igualaria à
inteligência; como a multiplicaçã o indefinida dos lados de um polígono
inscrito em um círculo nunca é igual a este, pois o lado, por menor que
seja, nunca se torna um ponto. Enquanto no estado de provaçã o, os
anjos, e também o homem, possuíam, além do conhecimento natural de
Deus, o conhecimento que procedeu da fé infusa e dos dons.
De tudo isso vemos a distâ ncia que separa o cará ter essencialmente
sobrenatural da graça santificante do cará ter sobrenatural dos milagres
sensíveis ou mesmo da profecia.
Em outro lugar 16 , examinamos longamente o valor dessa divisã o do
sobrenatural, geralmente admitida, e de suas subdivisõ es. Este é um
ponto importante na teologia, e particularmente importante na
teologia mística. Este fato pode ser notado na tabulaçã o da pá gina 59,
onde o sobrenatural quoad substantiam (por sua essê ncia) é
claramente distinto do miraculoso quoad substantiam (milagres de
primeira ordem). Na primeira consideramos a causa formal; na
segunda, uma causa extrínseca, a causa eficiente. Assim, a graça
santificante é sobrenatural por sua essê ncia, ou causa formal; milagres,
mesmo de primeira ordem, sã o sobrenaturais apenas porque nenhuma
força criada pode produzi-los. Pela ressurreiçã o de uma pessoa morta,
a vida natural é sobrenaturalmente restaurada a ela.
O problema a ser discutido no presente trabalho pode ser reduzido
nos seguintes termos: A vida mística pertence à categoria da graça
santificante, das virtudes e dos dons, ou à categoria relativamente
inferior dos milagres e profecias?
Para a soluçã o do problema místico atual, a maior consideraçã o
deve ser dada à elevaçã o sobrenatural da graça santificante como foi
concebida por Sã o Tomá s. 17 Nenhum teó logo, como mostramos, 18 foi
capaz de fazer uma distinçã o tã o clara quanto ele entre a ordem natural
e a ordem essencialmente sobrenatural. Ningué m afirmou melhor a
gratuidade absoluta da vida da graça, e sua elevaçã o superando
infinitamente, como o faz, toda reivindicaçã o e desejo inato da
natureza humana e angé lica. No entanto, ningué m mostrou melhor
como esse dom, embora gratuito, é maravilhosamente adequado à s
nossas mais altas aspiraçõ es. Nada é mais gratuito e desejável do que a
visã o beatífica, e nesta vida nada é mais do que a sagrada comunhã o. 19
SOBRENATURAL

Quando consideramos a conformidade do cristianismo com as


nossas aspiraçõ es naturais, muitas vezes deixamos de notar a
gratuidade absoluta do dom divino e assim nos inclinamos para o
naturalismo prá tico. Por outro lado, quem nã o vê esta admirável
conformidade é levado a conceber uma sobrenaturalidade rígida,
contrá ria à natureza e carente de simplicidade. Essa concepçã o levaria
à exaltaçã o e à s loucuras do falso misticismo.
Sã o Tomá s manté m a elevaçã o infinita da graça acima da nossa
natureza e també m a harmonia entre as duas. Mas ele acrescenta que
essa harmonia só aparece realmente depois de uma profunda
purificaçã o da natureza pela mortificaçã o e pela cruz, como mostram
as vidas dos santos. Ele repetidamente nos diz que essa harmonia foi
totalmente realizada neste mundo somente em nosso Senhor Jesus
Cristo. Bossuet diz a mesma coisa ao falar de Jesus: "Quem nã o
admiraria a condescendê ncia com que tempera a grandeza de sua
doutrina? É leite para as crianças e, ao mesmo tempo, pã o para os
fortes. Está cheio de segredos de Deus, mas é evidente que Jesus nã o se
surpreende com isso, como outros mortais a quem Deus se comunica.
Nosso Senhor fala naturalmente dessas coisas, como algué m nascido
neste segredo e nesta gló ria; e o que Ele tem sem medida ( Joã o 3: 34)
Ele dá com medida para que nossa fraqueza seja capaz de suportá -la."
20

Por esta maravilhosa conciliaçã o de qualidades tã o diversas, isto é,


da gratuidade absoluta e da suprema aptidã o da graça, Sã o Tomá s nos
conduz à mais elevada teologia mística ortodoxa, que é na realidade um
comentá rio à expressã o de nosso Senhor: conhecer o dom de Deus".
Veremos isso melhor quando falarmos da sobrenaturalidade das
virtudes infusas, tanto morais como teologais, e dos dons do Espírito
Santo.

ARTIGO II
Teologia Mística e o Caráter Essencialmente
Sobrenatural da Fé Infusa
A doutrina de Sã o Tomá s sobre nosso conhecimento intelectual
natural e a essência da graça santificante nos direciona para a mais
elevada teologia mística ortodoxa. O mesmo se aplica ao seu
ensinamento sobre o cará ter sobrenatural das virtudes infusas e dos
dons do Espírito Santo. Neste artigo trataremos especialmente do
cará ter sobrenatural da fé. Mas primeiro devemos dizer algumas
palavras sobre o cará ter sobrenatural das virtudes morais cristã s.
Essas virtudes morais sã o as quatro virtudes cardeais (prudência,
justiça, fortaleza e temperança) e as virtudes associadas a elas,
particularmente as da religiã o (ou justiça em relaçã o a Deus), da
magnanimidade, da paciência, da perseverança (todas relacionadas à
fortaleza). , de castidade, gentileza, modéstia e humildade.
Suma de Sã o Tomá s que trata dessas virtudes morais cristã s,
especialmente prudência, justiça, coragem e temperança, muitos
pensam que essas sã o apenas as virtudes naturais descritas por
Aristó teles e que elas sã o revestidas com uma modalidade sobrenatural
adventícia simples, brotando da influência da caridade, que deve dirigir
todos os nossos atos para Deus. Alguns teó logos nã o foram além dessa
concepçã o.
O pensamento de Sã o Tomá s é muito mais elevado. Segundo seu
ensinamento, as virtudes morais cristã s sã o infusas e, por seu objeto
formal, essencialmente distintas das mais altas virtudes morais
adquiridas descritas pelos maiores filó sofos. Essas virtudes morais
adquiridas, por mais ú teis que sejam, poderiam ser continuamente
desenvolvidas sem nunca atingir o objeto formal das virtudes cristã s.
Existe uma diferença infinita entre a temperança aristoté lica, regida
apenas pela reta razã o, e a temperança cristã , regida pela fé divina e
pela prudê ncia sobrenatural. Sã o Tomá s diz: "Evidentemente, a medida
a ser imposta à s nossas paixõ es difere essencialmente conforme brota
da regra humana da razã o ou da regra divina. Por exemplo, no uso dos
alimentos, a medida prescrita pela razã o tem por fim evitar o que é
prejudicial à saú de e ao pró prio exercício da razã o, enquanto segundo a
lei divina, como diz Sã o Paulo, o homem deve castigar seu corpo e
submetê -lo à abstinê ncia e outras austeridades semelhantes" 1 Esta
medida, que pertence à ordem sobrenatural, é de fato animado por
aquilo que a razã o desamparada ignora, mas que a fé nos ensina sobre
os resultados do pecado original e de nossos pecados pessoais, sobre a
elevaçã o infinita de nosso fim sobrenatural, sobre a obrigaçã o de amar
a Deus, autor da graça, mais do que a nó s mesmos e acima de tudo, e
renunciar a si mesmo para seguir nosso Senhor Jesus Cristo. 2
Sã o Tomá s insiste igualmente na necessidade de uma purificaçã o
progressiva para que as virtudes morais cristã s, auxiliadas pelas
virtudes adquiridas, possam atingir a sua perfeiçã o. Ele nos mostra o
que eles devem se tornar naqueles que realmente lutam pela uniã o
divina. "Entã o", diz ele, "a prudê ncia despreza as coisas do mundo pela
contemplaçã o das coisas divinas; ela dirige todos os pensamentos da
alma para Deus. A temperança abandona, tanto quanto a natureza pode
suportar, o que o corpo exige; a fortaleza impede a alma de se assustar
diante da morte e diante do sobrenatural desconhecido. A justiça leva a
alma finalmente a entrar plenamente neste caminho inteiramente
divino." 3 Ainda mais sublimes, diz ele, sã o as virtudes da alma já
purificada, as dos bem-aventurados e dos grandes santos da terra.
Este ensinamento nã o é menos elevado do que o oferecido por
Tauler em seus Sermões , ou por Sã o Joã o da Cruz ( A Subida do Monte
Carmelo e A Noite Escura da Alma ) nos capítulos que ele dedica à
purificaçã o ativa e passiva da a alma.
No que diz respeito à s virtudes teologais, alguns, que lê em a Summa
theologica de maneira inteiramente material, chegam à conclusã o de
que nosso ato de fé é um ato substancialmente natural revestido de
uma modalidade sobrenatural: substancialmente natural, porque
repousa formalmente no natural, conhecimento histó rico da pregaçã o
de Cristo e dos milagres que a confirmaram; revestido de uma
modalidade sobrenatural, para que seja ú til à salvaçã o. Costuma-se
dizer que essa modalidade se assemelha a uma camada de ouro
aplicada ao cobre para fazer metal folheado. Teríamos assim uma vida
"sobrenatural chapeada" e nã o uma vida nova, essencialmente
sobrenatural. 4
De acordo com essa concepçã o, a certeza de nossa fé sobrenatural na
Santíssima Trindade, na encarnaçã o e em outros mistérios repousaria
formalmente, em ú ltima aná lise, no conhecimento inferior, embora
moralmente certo, que nossa razã o desassistida pode ter dos sinais da
revelaçã o e da as marcas da Igreja. O ato de fé seria uma espécie de
raciocínio, formalmente baseado em uma certeza de ordem inferior.
Muitas vezes esta certeza repousa apenas no testemunho humano de
nossos pais e de nossos pastores, pois muito poucos fiéis podem fazer
um estudo crítico das origens do cristianismo. O ato de fé teologal
assim concebido nã o é mais infalivelmente certo e quase nada preserva
de sobrenatural e misterioso. Nã o é mais evidente por que a graça
interior é absolutamente necessá ria nã o apenas para confirmá -la, mas
para produzi-la. Este ú ltimo ponto foi definitivamente definido pela
Igreja contra os pelagianos e os semipelagianos.
Essa concepçã o material é simplesmente outro caso de reduçã o do
superior ao inferior. É um erro aná logo ao discutido acima em relaçã o
aos primeiros princípios racionais.
Sã o Tomá s ensina que, assim como a sensaçã o é apenas um pré-
requisito de conhecimento inferior ao dos princípios, um conhecimento
que se baseia na evidência intelectual, também o conhecimento
racional dos sinais da revelaçã o desempenha apenas o papel de um
preâ mbulo para preparar nosso intelecto receber a influência da graça,
a ú nica que pode nos fazer aderir infalivelmente ao motivo formal da fé,
à autoridade da revelaçã o de Deus, em uma ordem infinitamente
superior ao raciocínio anterior.
Sã o Tomá s viu todo o significado e alcance das palavras de nosso
Senhor: "Ningué m pode vir a mim, a nã o ser que o Pai, que me enviou, o
atraia... Todo aquele que ouviu falar do Pai e aprendeu, vem a mim...
Amé m, amé m vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna”. 5 "As
minhas ovelhas ouvem a minha voz." 6 "Todo aquele que é da verdade
ouve a minha voz." 7 Sã o Paulo diz a mesma coisa: "A fé é um dom de
Deus... A fé é a substâ ncia das coisas que se espera", 8 ou a semente, o
começo da vida eterna.
E o Concílio de Trento 9 definiu assim: "Na justificaçã o o homem
recebe, com a remissã o dos pecados, as trê s virtudes da fé , da
esperança e da caridade, infundidas ao mesmo tempo em sua alma por
Jesus Cristo, no qual é enxertado ."
Assim, como ensina Sã o Tomá s, a fé é substancialmente
sobrenatural, especificada por um motivo formal da mesma ordem
inteiramente sobrenatural, um motivo que a fé alcança de maneira
absolutamente infalível. É por isso que, em vez de questioná -lo,
devemos sofrer os piores tormentos, como os má rtires.
Esta certeza absolutamente infalível e essencialmente sobrenatural
se resolve apenas materialmente em nosso conhecimento moralmente
certo (crítico ou nã o crítico) dos sinais que confirmaram a pregaçã o de
Cristo e també m tal conhecimento das marcas da Igreja. Baseia-se
formalmente na autoridade reveladora de Deus, na primeira Verdade
incriada reveladora que se revela com os misté rios que manifesta, que
se acredita com os misté rios em uma ordem infinitamente superior à
evidê ncia racional, assim como a luz física aparece e é vista ao mesmo
tempo que nos faz ver cores. 10 Como costumam dizer os tomistas, "A
primeira Verdade reveladora é ao mesmo tempo aquilo em que se
acredita e aquilo pelo qual se acredita, assim como a luz é aquilo que é
visto e aquilo pelo qual se vê ." 11 Santo Agostinho expressou essa ideia
em seu comentá rio sobre Sã o Joã o. 12
A questã o diz respeito nã o apenas à crença em Deus, o Autor da
natureza e dos milagres sensíveis que a razã o pode conhecer por seu
pró prio poder; diz respeito també m à crença em Deus, autor da graça,
em Deus considerado em sua vida íntima, em Deus que nos conduz a
um fim sobrenatural, dando origem em nó s a atos essencialmente
sobrenaturais. 13
Se Deus tivesse revelado sobrenaturalmente apenas as verdades
naturais da religiã o, como, por exemplo, Sua providência natural, sem
nos dizer nada sobre os mistérios sobrenaturais (por exemplo, a
Santíssima Trindade), nossa fé teria sido sobrenatural apenas em razã o
de sua origem, por seu modo de produçã o, mas nã o por seu objeto
formal ou por sua essência. Teria sido especificamente inferior à fé
cristã , independentemente do que os semi-racionalistas, que desejavam
provar os mistérios do cristianismo, possam ter dito sobre isso. Pelo
contrá rio, a nossa fé infusa nã o é especificamente inferior à que tinham
os anjos antes de desfrutarem da visã o beatífica, ainda que a nossa fé se
expresse em ideias adquiridas e a deles em ideias infusas.
Na realidade, é o misté rio sobrenatural da sua vida íntima que Deus
nos revelou. Por conseguinte, a nossa fé baseia-se na pró pria verdade
de Deus, Autor da graça, no conhecimento incriado da sua vida íntima
que Ele possui: uma Verdade primeira inteiramente sobrenatural, à
qual nos eleva a luz infusa da fé , e à qual nos torna nó s aderimos
É
infalivelmente. 14 É a eterna Verdade primeira, que ainda é obscura para
nó s porque transluminosa, diz Dionísio, e é infinitamente superior nã o
apenas à evidê ncia de princípios racionais que nos permitem
reconhecer um milagre, mas també m à evidê ncia que os anjos
naturalmente desfrutam, e que os demô nios preservam; 15 "a Primeira
Verdade que ilumina e ensina interiormente o homem." 16
Portanto, sem a luz infusa da fé , o homem permanece na presença
do Evangelho como um ouvinte privado de sentido musical que escuta
uma sinfonia sem perceber realmente sua beleza. "Mas", diz Sã o Paulo,
"o homem sensual nã o percebe essas coisas que sã o do Espírito de
Deus; pois isso é loucura para ele e ele nã o pode entender, porque é
examinado espiritualmente". 17
Os fié is, ao contrá rio, compreendem "as coisas profundas de Deus"
de que fala a revelaçã o proposta pela Igreja. «Esta escola, onde Deus
ensina e se compreende, está muito longe dos sentidos», diz Santo
Agostinho. "Vemos muitos homens virem ao Filho de Deus, visto que
vemos muitos que crê em em Cristo; mas onde e como eles ouviram e
aprenderam esta verdade do Pai, isso nã o vemos. Esta graça é
inteiramente muito íntima e muito segredo para nó s vermos." 18
Sã o Tomá s diz: “Trê s coisas nos levam a crer em Cristo: “primeiro, a
razã o natural; . . . em segundo lugar, o testemunho da lei e dos profetas; .
. . em terceiro lugar, a pregaçã o dos Apó stolos; mas quando assim
conduzidos, alcançamos a crença; entã o podemos dizer que
acreditamos, nã o por nenhum dos motivos anteriores, mas apenas por
causa da pró pria verdade de Deus. . . ao qual aderimos firmemente sob
a influê ncia de uma luz infusa; porque a fé tem a certeza da luz
divinamente infundida”. 19 Em outra passagem Sã o Tomá s diz: “Deus
habita em nó s pela fé viva, segundo a expressã o de Sã o Paulo: 20 'Cristo
habita em vossos coraçõ es pela fé .' " 21
Esta doutrina elevada muitas vezes recebeu uma interpretaçã o
materialista e foi consideravelmente diminuída. Os grandes
comentaristas de Sã o Tomá s nos ú ltimos sete sé culos sempre o
defenderam e o estimaram. Para nos convencer disso, basta ler o que
eles escreveram sobre os artigos da Suma relativos ao cará ter
sobrenatural das virtudes teologais e especialmente da fé . 22 Deve-se
ler particularmente os belos escritos dos carmelitas de Salamanca
sobre este ponto, que eles consideram como o fundamento da doutrina
mística de seu pai, Sã o Joã o da Cruz. 23 Tanto Sã o Francisco de Sales
quanto Bossuet també m expressam a mesma opiniã o. 24
Entre os teó logos modernos, Scheeben, que compreendeu
claramente este ensinamento, escreveu o seguinte: "O motivo formal da
fé é pura e imediatamente divino e, portanto, absolutamente uno e
simples, firme e subsistente, idêntico à primeira e imutável fonte de
toda verdade (Primeira Verdade). Por outro lado, a pró pria fé aparece
como um comércio direto, uma uniã o íntima com a palavra interior de
Deus e, conseqü entemente, com sua vida interior. Como esta palavra
interior nã o existia apenas no momento da manifestaçã o da palavra
exterior , mas também subsiste em sua qualidade de palavra eterna de
Deus, em um presente eterno, eleva nossa mente à participaçã o em Sua
verdade e vida imortal, e a faz repousar nela.
"A opiniã o contrá ria, segundo a qual o acto exterior da revelaçã o
seria um motivo parcial da fé , assenta numa concepçã o mecâ nica, na
qual a fé aparece como um processo dedutivo que nos ajuda a
descobrir a verdade dos seus conteú dos. Diminui o cará cter
transcendental da fé , que é essencialmente um impulso em direçã o a
Deus”. 25
Foi isso que levou Lacordaire a dizer: "O que se passa em nó s
quando acreditamos é um fenô meno de luz íntima e sobre-humana.
Nã o digo que as coisas exteriores nã o agem sobre nó s como motivos
racionais de certeza; mas o pró prio ato dessa a certeza suprema, de
que falo, nos afeta diretamente como um fenô meno luminoso (luz
infusa da fé ), como um fenô meno transluminoso. . . . Somos afetados
por uma luz transluminosa. . . . , que seria natural e racional, e um
objeto que supera a natureza e a razã o?... É algo como uma intuiçã o
simpá tica que em um ú nico momento estabelece entre dois homens o
que a ló gica nã o poderia fazer em muitos anos. vezes ilumina a
inteligê ncia." 26 O bispo Gay tem a mesma opiniã o. 27
Para nos fazer assim aderir à Verdade suprema, essencialmente
sobrenatural, a fé infusa deve, portanto, ser també m sobrenatural na
sua essê ncia e nã o apenas por uma modalidade acidental. É , portanto,
infinitamente superior à luz da razã o, como esta aos sentidos. 28
Quando esta grande doutrina de Sã o Tomá s nã o é diminuída por
uma interpretaçã o materialista, é , em razã o de sua grandeza,
evidentemente o fundamento da teologia mística, e nã o é de forma
alguma inferior à s mais belas pá ginas sobre a vida de fé no escritos de
Dionísio, 29 Tauler, 30 Beato Henrique Suso, 31 ou Sã o Joã o da Cruz.
Veremos que especialmente as purificaçõ es passivas do espírito,
descritas em A noite escura da alma , só podem ser compreendidas pelo
que acabamos de dizer sobre a sobrenaturalidade absoluta do motivo
formal das virtudes teologais. Essas dolorosas purificaçõ es passivas,
nas quais os dons do Espírito Santo tê m uma grande participaçã o,
trazem à tona esse motivo puro e sobrenatural, libertando-o cada vez
mais de todo motivo inferior acessível à razã o.
Para mostrar que a contemplaçã o mística é apenas a plenitude da
vida de fé , cuja essê ncia acabamos de determinar, basta citar algumas
passagens características dos escritos de Sã o Joã o da Cruz. Em A
Ascensão do Monte Carmelo 32 ele escreve: "Para estar preparado para a
uniã o divina, o entendimento deve ser purificado, esvaziado de tudo o
que vem dos sentidos, de tudo o que pode se apresentar com clareza.
Ele deve estar intimamente em paz, recolhido e abandonado na fé .
Somente esta fé é o meio pró ximo e proporcional que pode unir a alma
a Deus, pois a fé está em tã o íntima conexã o com Deus que o que
cremos pela fé e o que vemos pela visã o beatífica sã o um e o mesma
coisa. Deus é infinito; a fé nos propõ e o infinito. Deus é uno e trino; a fé
nos propõ e como uno e trino. Assim como Deus é escuridã o para nossa
mente, a fé ilumina nosso entendimento cegando-o. Somente por esse
meio Deus se manifesta à alma em uma luz divina que excede todo
entendimento; daí resulta que quanto maior a fé , mais profunda é a
uniã o. . . . Pois sob as trevas da fé , o entendimento é unido a Deus; sob
cobertura desta misteriosa escuridã o, Deus se encontra escondido."
Mais adiante na mesma obra, 33 Sã o Joã o da Cruz diz das visõ es
espirituais nas quais as criaturas sã o vistas: "Nã o nego que a memó ria
delas possa suscitar algum amor a Deus e contemplaçã o; mas pura fé e
desprendimento nas trevas de tudo isso estimula e eleva a alma muito
mais a isso, sem que a alma saiba como ou de onde vem. é o efeito da
fé , que se desenvolveu na noite, na nudez e na pobreza espiritual, e que
é acompanhada por um amor de Deus mais profundo e infuso. a cada
objeto exterior e interior que é capaz de possuir, tanto mais aumenta a
sua fé , e també m a esperança e a caridade, na medida em que as trê s
virtudes teologais formam uma unidade. isso, sim uma vez que nã o é
estabelecido nos sentidos pela ternura, mas na alma por uma fortaleza,
coragem e ousadia até entã o desconhecidas."
Anteriormente, Sã o Joã o da Cruz havia escrito: 34 "Para ser
transformada sobrenaturalmente, a alma deve entrar nas trevas (nã o
apenas em relaçã o à s criaturas, mas em relaçã o ao que a razã o pode
saber de Deus). escuridã o, como um cego, confiando na fé obscura,
tomando-a como luz e guia. A alma nã o pode se ajudar com nenhuma
das coisas que ela entende, prova, sente ou imagina. . . . A fé domina
todas essas idé ias, gostos , sentimentos e imagens. Se a alma nã o
quiser extinguir suas luzes preferindo-lhes a obscuridade total, nã o
alcançará o que é superior, isto é , o que a fé ensina. . . . A alma cria para
si grandes obstá culos em sua ascensã o a esse elevado estado de uniã o
com Deus quando se baseia no raciocínio ou se apega ao seu pró prio
julgamento ou vontade”. Em outro lugar, o santo afirma que, ao fazer
isso, a alma se mistura com seus atos sobrenaturais, um ato de
qualidade grosseira que nã o atinge o fim. 35
E ainda Sã o Joã o da Cruz diz: 36 "Ocupar-se com coisas que sã o claras
para a mente e de pouco valor é proibir-se o acesso ao abismo da fé
onde Deus em segredo instrui sobrenaturalmente a alma, e sem o seu
conhecimento enriquece-o com virtudes e dons... O Espírito Santo
ilumina o intelecto recolhido segundo a medida do seu recolhimento.
Mas o mais perfeito recolhimento é aquele que se realiza na fé , e por
isso o Espírito Santo nã o comunica as suas luzes fora da fé ." Em todos
esses textos, o santo se preocupa com a fé viva iluminada por um dom
do Espírito Santo. 37
Encontramos o mesmo ensinamento para almas mais avançadas em
A Noite Escura da Alma: "A alma deve entã o entrar na segunda noite
para despojar-se perfeitamente de todas as percepçõ es e sabores,
sejam dos sentidos ou do espírito, a fim de caminhar na pureza da fé
obscura. Só aí pode encontrar o meio adequado pelo qual a alma se une
a Deus, como Ele mesmo declara pelo profeta Osee (2: 20): 'Eu te
desposarei a Mim na fé'. " 38
No Cântico Espiritual , Sã o Joã o resume lindamente esta doutrina e
mostra sua grandeza. Ele insiste na sobrenaturalidade absoluta do
objeto que a fé alcança pelos artigos do Credo:
"Ó cristal bem!
Oh, isso em Tua superfície prateada
Tu irias espelhar de uma vez
Aqueles olhos desejados 39
Que estã o delineados em meu coraçã o!"
“Por 'superfícies prateadas' a alma significa as proposiçõ es ou
artigos de fé . verdades que ele conté m consideradas em si mesmas.
Durante nossas vidas nó s aderimos a esta substâ ncia da fé , embora
esteja escondida em um envelope prateado. Ela aparecerá revelada no
cé u, e contemplaremos este ouro puro com prazer. . . . Assim a fé nos dá
Deus ainda nesta vida, embora sob um vé u de prata. Isso nã o nos
impede de recebê -lo verdadeiramente." 40
Sã o Tomá s tem a mesma opiniã o. Ao corrigir Hugo de Sã o Victor, ele
observa que a ú nica contemplaçã o que supera a fé é a visã o beatífica.
Segundo sua opiniã o, a contemplaçã o dos anjos e de Adã o antes da
queda nã o era superior à fé , mas, diz ele, eles receberam a luz do dom
da sabedoria em maior abundâ ncia do que nó s. 41 E ele mostra que a
contemplaçã o uniforme ou circular, de que fala Dionísio, pressupõ e o
sacrifício dos sentidos e do raciocínio, ou a multiplicidade em que eles
se demoram. 42
Sã o Tomá s nã o está falando aqui apenas da contemplaçã o chamada
"comum" e nem um pouco da contemplaçã o mística. Se assim o
entendê ssemos mal, confundiríamos este ú ltimo com seus fenô menos
concomitantes e esqueceríamos que o santo doutor reconhece que o
grau superior da contemplaçã o uniforme ou circular é aquele que
Dionísio chama de grande escuridã o, ou a plenitude da fé . Sã o Tomá s
diz: "Entã o conhecemos a Deus por meio da ignorâ ncia, por uma uniã o
que ultrapassa a natureza de nossa alma e na qual somos iluminados
pelas profundezas da sabedoria divina, que nã o podemos perscrutar." 43
Santo Alberto Magno ensina a mesma doutrina. 44
Este ensinamento é confirmado pelo testemunho de almas
experimentadas nos caminhos místicos. “Um dia”, diz a Beata  ngela
de Foligno, “vi Deus em uma escuridã o e necessariamente em uma
escuridã o, porque Ele está situado muito acima da mente, e nenhuma
proporçã o existe entre Ele e qualquer coisa que possa se tornar objeto
de um pensamento. . É um deleite inefável no bem que tudo conté m.
Nada nele pode tornar-se objeto de uma palavra ou de um conceito.
Nã o vejo nada, vejo tudo. A certeza é obtida na escuridã o. Quanto mais
profunda a escuridã o, tanto mais quanto mais o bem excede tudo. Este
é o misté rio reservado. . . Preste atençã o. O poder divino, a sabedoria e
a vontade das quais tive visõ es maravilhosas em outros tempos,
parecem menos do que isso que eu vi. Este é um todo; dir-se-ia que os
outros eram partes." 45 É a Divindade superior ao ser, à sabedoria, ao
amor, que sã o idê nticos entre si em sua infinidade.
Tal é manifestamente o pleno desenvolvimento da fé infusa, da qual
Sã o Tomá s tã o bem determinou a sobrenaturalidade essencial; é a fé
baseada num motivo formal, inacessível à razã o e ao conhecimento
natural dos anjos. As almas contemplativas encontraram grande luz ao
aprender o verdadeiro pensamento do santo doutor sobre este ponto
fundamental. 46
Com efeito, se estivermos verdadeiramente convencidos da essencial
sobrenaturalidade da fé, compreenderemos que a contemplaçã o
mística é o desabrochar normal desta virtude teologal unida à caridade
e aos dons do Espírito Santo. Só o contemplativo se eleva à s alturas da
sua fé.
A certeza de sua contemplaçã o é baseada formalmente em uma
iluminaçã o secreta do Espírito Santo, enquanto os fenô menos
concomitantes de suspensã o das faculdades e de êxtase sã o apenas
efeitos e sinais de um estado com qualidade sobrenatural além do
alcance da observaçã o. Aqui, como também para o conhecimento
natural dos primeiros princípios e para a certeza da fé, devemos
distinguir claramente entre o motivo totalmente espiritual e formal de
nossa adesã o e os sinais sensíveis que o acompanham.
Se, por outro lado, o ensinamento de Sã o Tomá s sobre o cará ter
sobrenatural da fé for interpretado materialisticamente, a
contemplaçã o mística se materializará . Demasiada atençã o será dada
aos fenô menos que à s vezes a acompanham, e ela será declarada
absolutamente extraordiná ria porque se perderá de vista a lei
fundamental do desenvolvimento contínuo "da graça das virtudes e dos
dons".
O que o santo doutor ensina sobre esperança e caridade também
será interpretado materialisticamente. Se alguém imaginasse que a
razã o sozinha, estudando historicamente o Evangelho confirmado por
milagres, pode sem a graça alcançar o motivo formal que especifica a fé
infusa, seria levado a pensar que a razã o pode, da mesma forma,
conhecer o motivo formal da esperança e da caridade. . Se assim fosse,
os atos dessas virtudes seriam substancialmente naturais e precisariam
apenas de uma modalidade sobrenatural para serem ú teis à salvaçã o.
Nosso ato de caridade assemelhar-se-ia, assim, a um afeto natural e
razoável, sobrenaturalizado para se tornar meritó rio. Neste caso já nã o
vemos a distâ ncia infinita que separa, na sua pró pria essência e na sua
vitalidade essencial, o desejo natural de ser feliz do acto da esperança
infusa, ou ainda aquela distâ ncia que separa o amor natural do
soberano Bem, da qual Platã o fala em O Banquete , da caridade divina
que é mencionada tã o repetidamente no Evangelho.
Alguns teó logos, seguindo os nominalistas, diminuíram seriamente o
cará ter sobrenatural das virtudes cristã s, mesmo das virtudes
teologais; mas tal diminuiçã o certamente nã o é encontrada em St.
Thomas. Em sua opiniã o, essas virtudes sã o sobrenaturais em sua
pró pria essência, o que aumenta infinitamente a vitalidade de nossa
inteligência e de nossa vontade. Eles sã o especificados por um objeto
formal, ou um motivo formal, que supera infinitamente os poderes
naturais da alma humana e os dos anjos mais elevados.
Esta doutrina do motivo essencialmente sobrenatural e formal das
trê s virtudes teologais coloca o ensinamento de Sã o Tomá s no mesmo
nível que o dos maiores místicos ortodoxos. 47
Finalmente, somos confrontados com a questã o dos dons do Espírito
Santo e da inspiraçã o sobrenatural a que eles nos tornam dó ceis, como
as velas tornam um navio receptivo ao sopro do vento. Alguns teó logos,
que nã o viam a necessidade das virtudes morais infusas, superiores à s
virtudes morais adquiridas, surpreenderam-se ao saber que em toda
alma em estado de graça há , além disso, dons do Espírito Santo,
superiores por seu modo divino à s virtudes morais infusas. Eles
negaram essa superioridade essencial porque nã o reconheceram as
riquezas sobrenaturais que a vida mística nos manifesta especialmente.
Compreendendo Sã o Tomá s materialmente, eles confundiam a
inspiraçã o do Espírito Santo com a graça real necessá ria para o
exercício das virtudes assim que alguma dificuldade especial se
apresentava.
Sã o Tomá s, ao contrá rio, ensina explicitamente a distinçã o essencial
entre as virtudes e os dons e, conseqü entemente, distingue exatamente
a inspiraçã o do Espírito Santo, que supera o modo humano, da simples
graça atual que se adapta a esse modo. 48 També m neste ponto, ao
declarar os dons necessá rios à salvaçã o, Sã o Tomá s concorda com os
maiores místicos. Acrescenta, como eles, que os dons, embora
subordinados à s virtudes teologais, auxiliam muito no seu
desenvolvimento. O Espírito Santo nos comunica Suas luzes no
recolhimento da fé . Assim, a diferença é muito grande entre aquela fé
sobrenatural que subsiste sem caridade em uma alma em estado de
pecado mortal, e a fé viva que é auxiliada pelos dons e toques
profundos do Espírito Santo.
Encontraremos a mesma grandeza na doutrina de Sã o Tomá s sobre a
graça atual, sobre o modo da presença de Deus na alma justa e sobre a
eminente e absoluta simplicidade da essência divina.
O humilde Tomá s de Aquino, sempre inclinado ao silêncio e sempre
recolhido, viveu esta doutrina sobrenatural. Todo o seu coraçã o estava
entregue ao amor de Deus enquanto ele ponderava e resolvia as
questõ es mais difíceis. Como poderia ser diferente em um grande santo
destinado a permanecer ao longo dos séculos a luz da teologia? O dom
celestial da sabedoria iluminou sua pesquisa, dirigiu sua inteligência e
sua vontade para uma posse cada vez mais profunda da verdade e da
vida divina, e isso aconteceu embora ele estivesse envolvido nos mais
diversos estudos. Questõ es aparentemente distantes deste fim supremo
o sã o apenas para uma alma que ainda nã o alcançou aquela altura onde
tudo se perde em Deus, princípio e fim de todas as coisas. Sem dú vida,
Sã o Tomá s foi elevado aos mais altos graus de contemplaçã o mística, e
certamente seu ensinamento nã o impedirá as almas em sua ascensã o.

ARTIGO III
Teologia Mística e a Doutrina de São Tomás sobre a
Eficácia da Graça
Aqueles que se surpreendem com o fato de buscarmos os princípios
da teologia mística nos escritos de Sã o Tomá s devem considerar
especialmente seu ensinamento sobre a eficá cia da graça.
Esta doutrina, precisamente por ser muito elevada, geralmente nã o é
bem compreendida, exceto por teó logos especulativos e almas que
entraram nos caminhos passivos. A razã o para isso se encontra no fato
de que os teó logos especulativos estã o acostumados a considerar tudo
em relaçã o a Deus, a primeira causa universal e Autor da salvaçã o. As
almas nas vias passivas sabem por experiência que na obra da salvaçã o
tudo vem de Deus, até a nossa cooperaçã o – neste sentido, nã o
podemos distinguir nela nenhuma parte que seja exclusivamente nossa
e que nã o venha do Autor de tudo. Boa.
A expressã o "nenhuma parte exclusivamente nossa" ocorre com
frequência nas obras dos padres e nas de Sã o Tomá s. Como veremos,
expressa claramente seu pensamento; mas para compreender toda a
sua grandeza e profundidade, devemos, antes de tudo, expor as
concepçõ es menos elevadas propostas por certos teó logos. Convém-nos
compreender a eficá cia da graça atual de que necessitamos para a
nossa conversã o, depois resistir à tentaçã o, por vezes violenta, para
merecer, crescer no amor de Deus, passar pelo crisol do purificaçõ es e
perseverar no bem até a morte.
Alguns teó logos 1 pensaram que a graça que é proveitosa para a
salvaçã o é chamada eficaz, nã o porque ela nos leve suave e
poderosamente a consentir no bem, mas porque ela nos é dada no
momento em que Deus a previu por nó s mesmos. sozinhos,
escolheríamos aceitá -lo em vez de resistir a ele. A previsã o divina da
resposta do homem é o que distingue a graça eficaz da graça que nã o é
eficaz. Em outras palavras, esta eficá cia nã o vem da vontade divina,
mas da vontade humana; a graça é eficaz, nã o porque Deus quer, mas
porque o homem a aceita. Segundo esta ideia, pode acontecer que de
dois pecadores nas mesmas circunstâ ncias recebendo iguais graças
reais, um se converta e o outro permaneça no seu pecado. Portanto,
essa diferença de determinaçã o entre esses dois homens nasce apenas
da vontade humana, e nã o da diferença na ajuda divina que eles
receberam. A mesma graça, que só era suficiente e que permanecia
esté ril em um, era eficaz no outro porque ele mesmo a tornava eficaz.
Se assim for, evidentemente o ato salutar é provocado pela atraçã o
divina, mas a distinçã o inicial que separa o justo do pecador nã o vem
de Deus; é exclusivamente nosso. E esta concepçã o da eficá cia da graça
é aplicada nã o apenas aos atos salutares que precedem a justificaçã o,
mas també m a todos os atos meritó rios, até o ú ltimo que coroa a obra
da salvaçã o. 2
Uma explicaçã o tã o humana deste misté rio divino preserva a
grandeza do misté rio? A Escola de St. Thomas nunca pensou assim. 3
Nã o é a livre determinaçã o a parte mais importante da obra de
salvaçã o? Essa determinaçã o é o que distingue o justo do pecador na
produçã o de todo ato salutar; cada vez que evita o pecado no curso de
sua vida, cada vez que triunfa sobre a tentaçã o, ou merece e persevera
no bem. Segundo Sã o Tomá s, nã o podemos admitir que esta
importante distinçã o venha exclusivamente de nó s e nã o de Deus, o
Autor da salvaçã o. Sã o Paulo diz: “Pois quem te distingue? Ou o que
tens que nã o tenhas recebido? 4 “Sem Mim”, diz nosso Senhor, “nada
podeis fazer”. 5 Nestas palavras, os padres, especialmente Santo
Agostinho e, seguindo-o, Sã o Tomá s, viram a afirmaçã o de que na obra
de nossa salvaçã o tudo vem de Deus, até nossa cooperaçã o, até a
distinçã o entre justos e pecadores, entã o que nã o podemos encontrar
nela uma parte que seja exclusivamente nossa. 6 Alé m disso, se Deus
nã o fosse de forma alguma a causa de nossa escolha, Ele nã o teria
podido prevê -la infalivelmente desde toda a eternidade; pois só Ele é
eterno, e nossos atos livres sã o futuros desde toda a eternidade 7
apenas porque Ele decidiu produzi-los em nó s e conosco, ou pelo
menos permiti-los se forem maus. 8
Outros teó logos modernos procuraram corrigir a doutrina que
estamos examinando, dizendo que a graça, seguida do consentimento
para o bem, é chamada eficaz porque é mais adaptada ( congrua ), do
que a graça simplesmente suficiente, ao temperamento do sujeito que
recebe e à s circunstâ ncias de tempo e lugar em que se encontra. A
graça, portanto, nos exorta a dar nosso consentimento, mas a livre
determinaçã o deste ú ltimo permanece exclusivamente nosso trabalho.
A açã o de Deus, convidando-nos ao bem, é aná loga à de uma mã e que,
quando o quer, pode encontrar os melhores meios para persuadir o
filho e levá -lo a comportar-se bem.
Apesar desta ligeira modificaçã o, podemos verdadeiramente dizer
que nesta segunda doutrina, como na precedente, a eficá cia da graça
nã o vem da vontade divina, mas da vontade humana e també m do
nosso temperamento e circunstâ ncias. Em outras palavras, a graça,
també m nesta doutrina, solicita nosso bom consentimento, mas a
determinaçã o deste ú ltimo é exclusivamente nossa. Se assim fosse, a
parte mais importante da obra de salvaçã o nã o viria do Autor da
salvaçã o; só teria sido previsto por Ele. 9
Na realidade, segundo Sã o Tomá s, a açã o de Deus sobre a vontade de
um pecador convertido é infinitamente mais profunda do que a de uma
mã e sobre o coraçã o de seu filho. A açã o da mã e poderia crescer para
sempre sem nunca atingir a açã o de Deus. Somente a respeito de Deus,
a Sagrada Escritura diz: "Porque é Deus quem opera em vó s tanto o
querer como o realizar, segundo a sua boa vontade." 10 Ele mesmo diz
pela boca de Ezequiel: "E vos darei um coraçã o novo, e porei dentro de
vó s um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coraçã o de pedra, e vos
darei um coraçã o de carne. E porei o meu espírito no meio de ti, e te
farei andar nos meus mandamentos, e guardar os meus juízos, e os
cumprir." 11 "Como a divisã o das á guas, assim é o coraçã o do rei na mã o
do Senhor; para onde quer, o inclinará ." 12 E Sã o Paulo pergunta: "Ou
quem primeiro deu a ele, e lhe será dada recompensa?" 13 "Portanto,
nã o depende de quem quer, nem de quem corre, mas de Deus, que se
compadece" 14 . . . "mas o mesmo Deus, que opera tudo em todos." 15
"Pois nele vivemos, nos movemos e existimos." 16 "Porque dele, por ele
e nele sã o todas as coisas." 17
Depois de citar dois desses textos da Escritura, 18 Sã o Tomá s
observa: "Alguns, que nã o entendem como Deus pode causar em nó s o
movimento de nossa vontade sem prejuízo da liberdade, fizeram o
possível para arrancar uma interpretaçã o diferente desses divinos
palavras. Para eles, eles significam que Deus causa em nó s a vontade e
o ato, na medida em que Ele nos dá a faculdade de querer, mas nã o na
medida em que Ele nos faz querer isso ou aquilo. Orígenes assim o
entendeu ( Peri Archon , Bk. III). , apenas a faculdade da vontade que
temos de Deus, mas a pró pria operaçã o." 19
O Concílio de Orange explica essas palavras da Escritura dizendo:
“Deus efetua no homem vá rias bê nçã os sem a cooperaçã o do homem,
mas o homem nã o pode fazer bem sem a ajuda de Deus, que o capacita
a realizar todas as suas boas obras . tem algo de si mesmo, exceto seu
engano e pecado. Qualquer que seja a verdade e a justiça que temos em
nó s, recebemos daquela fonte de onde todos devemos beber nesta vida,
se nã o quisermos desmaiar no caminho. 21
Seguindo a doutrina de Santo Agostinho, expressa no Concílio de
Orange, Sã o Tomá s ensina que a graça é eficaz por si mesma e nã o por
causa do consentimento que a segue. Consideremos o que ocorre no
mais íntimo da vontade de um pecador convertido. Se Deus deseja
eficazmente que um certo pecador se converta em um determinado
momento, "esta vontade divina", diz Sã o Tomá s, "nã o pode deixar de se
cumprir"; como Santo Agostinho observa: "É pela graça de Deus que
todos os que sã o salvos sã o seguramente salvos." "Se entã o", continua
Sã o Tomá s, "está na intençã o de Deus, que move as vontades, converter
ou justificar um certo pecador, esse pecador será infalivelmente
justificado de acordo com a expressã o de Jesus: Todo aquele que ouviu
falar de o Pai e aprendeu vem a mim". 22
Segundo Sã o Tomá s, a graça divina, que nos inclina eficazmente ao
bem salutar, nã o é , portanto, indiferente ou mutável. Nã o é eficaz por
nosso consentimento previsto; mas nos move de forma segura,
poderosa e gentil a seguir o caminho do bem e nã o o do mal. 23
Assim, na obra da salvaçã o, o homem nada pode fazer sem a ajuda
de Deus, mas infelizmente ele é suficiente para cair ou pecar. E
precisamente porque o pecado como tal é uma deficiê ncia ou a
privaçã o de um bem, ele exige para sua produçã o apenas uma causa
defeituosa e deficiente de acordo com a Escritura: "A destruiçã o é sua,
ó Israel: sua ajuda está somente em mim". 24 Deus permite que essa
falha ocorra, ou melhor, nã o a impede, apenas porque Ele é
suficientemente poderoso e bom para extrair dela um bem maior – a
manifestaçã o de Sua misericó rdia ou justiça. 25
Por conseguinte, ningué m que alcançou o uso da razã o é privado da
graça eficaz necessá ria para a salvaçã o, exceto por ter resistido
livremente a uma graça suficiente, uma boa inspiraçã o que lembrou o
dever a ser cumprido. O pecador assim colocou um obstá culo no
caminho da graça eficaz que havia sido oferecida na ajuda suficiente.
Por exemplo, o fruto é oferecido na flor, mas se o granizo cair sobre
uma á rvore em flor, nunca veremos o seu fruto. Sã o Tomá s observa: "Só
sã o privados da graça aqueles que colocam em si mesmos um
obstá culo à graça. Assim, quando o sol está brilhando, se algué m fecha
os olhos e cai em um precipício, é sua pró pria culpa, embora a luz do
sol seja necessá ria para ele ver... Sobre o assunto de certos pecadores,
lemos em Jó (21: 14): Os quais disseram a Deus: Aparta-te de nó s, nã o
desejamos o conhecimento dos Teus caminhos... Eles eram inimigos da
luz". 26
Deus nã o é obrigado a remediar nossas faltas voluntá rias,
especialmente quando elas se repetem. A verdade é que Ele
frequentemente os remedia, mas nem sempre. Aí reside um misté rio. 27
Neste sentido compreendemos o profundo significado das palavras
do Concílio de Trento (Sess. VI, cap. 13): "Se os homens nã o resistirem
à sua graça, visto que Deus começou neles a obra da salvaçã o,
prosseguirá a sua realizaçã o, operando neles tanto o querer como o
realizar . 30 No mesmo capítulo, o Concílio recorda-nos que «a graça da
perseverança final só pode vir dAquele que tem o poder de sustentar os
que estã o de pé , 31 para que perseverem, e de levantar os que caíram.
estar absolutamente certo de obter esta graça final, embora todos
devam constantemente depositar firme esperança na ajuda de Deus”.
A Igreja fala assim em sua liturgia: "Preveni, nó s Vos suplicamos, ó
Senhor, todos os nossos pensamentos, palavras e açõ es por Vossas
santas inspiraçõ es e os levamos adiante com a ajuda de Vossa graça,
para que cada oraçã o e obra nossa pode começar sempre de Ti e por Ti
ter um final feliz."
Como diz Santo Agostinho: "O livre-arbítrio é por si só suficiente
para o mal, mas, no que diz respeito ao bem, nã o faz nada a menos que
seja auxiliado pela bondade todo-poderosa". 32 Embora nossa
resistê ncia à graça suficiente seja somente de nó s mesmos, nó s
livremente damos nossa cooperaçã o, nosso consentimento, para o bem
apenas em virtude da graça intrinsecamente eficaz, um novo dom de
Deus que produz em nó s a vontade e o ato. "Sem Mim você nã o pode
fazer nada", diz nosso Senhor; e, por outro lado, a alma unida a Deus diz
com Sã o Paulo: "Tudo posso naquele que me fortalece"; 33 isto é ,
cooperar em Sua obra santificadora, trabalhar para a eternidade.
Alguns pensaram que esta doutrina da graça intrinsecamente eficaz
destró i a liberdade humana e contém um absurdo. Longe de ser
absurda, na opiniã o de Sã o Tomá s exprime um mistério sublime: o
mistério de Deus mais intimamente presente ao nosso livre-arbítrio do
que o nosso livre-arbítrio a si mesmo.
A graça nã o destró i nossa liberdade por sua certa eficá cia; antes, por
essa mesma eficá cia, a graça divina move o livre arbítrio sem violá -lo.
Esta é a ideia inspirada de Sã o Tomá s de Aquino quando interpreta a
revelaçã o. "Quando uma causa", diz ele, 34 "é eficaz para agir, o efeito se
segue à causa, nã o apenas quanto à substâ ncia do efeito, mas també m
quanto ao seu modo de ser e de ser feito; quando uma causa é dé bil,
pelo contrá rio, nã o consegue dar a seu efeito a maneira que está nele”.
Nã o é capaz de deixar sua marca no efeito. A propriedade de agentes
poderosos na ordem física, intelectual e moral é imprimir pela pró pria
força de sua açã o sua semelhança em suas obras, em seus filhos, em
seus discípulos. Os gê nios artísticos tê m consciê ncia disso em si
mesmos, grandes líderes militares o experimentam. Sã o Tomá s diz:
"Sendo a vontade divina perfeitamente eficaz, segue-se nã o só que as
coisas acontecem que Deus quer que aconteçam, mas també m
acontecem da maneira que Ele quer desde toda a eternidade. Deus quer
que algumas coisas aconteçam necessariamente, outras
contingentemente. e livremente". Com este fim em vista, Ele nos deu
35

o livre arbítrio. E por que Ele seria incapaz de produzir em nó s e


atravé s de nó s até mesmo a maneira livre de nossos atos? Assim como
Só focles, Dante e Corneille tê m sua maneira de nos tocar e de incitar
nossas emoçõ es, assim també m Deus faz o que quer quando move
nossa vontade. Sã o Tomá s afirma: "O livre arbítrio é a causa de seu
pró prio movimento, porque por seu livre arbítrio o homem se move
para agir. Mas nã o pertence necessariamente à liberdade que o que é
livre seja a primeira causa de si mesmo, como nem para que uma coisa
seja causa de outra precisa ser a primeira causa. Deus, portanto, é a
primeira causa, que move tanto as causas naturais quanto as
voluntá rias. E assim como movendo as causas naturais Ele nã o impede
que seus atos sejam naturais, assim movendo causas voluntá rias, Ele
nã o priva suas açõ es de serem voluntá rias: mas, ao contrá rio, Ele é a
causa disso mesmo nelas; pois Ele opera em cada coisa de acordo com
sua pró pria natureza. 36 Assim, um grande mestre comunica a seus
discípulos nã o apenas seu conhecimento, mas seu espírito e sua
maneira. Leã o XIII diz o mesmo na encíclica Libertas . "Deus",
acrescenta Sã o Tomá s, "move imutavelmente nossa vontade por causa
da eficá cia perfeita de seu poder, que nã o pode falhar; mas a liberdade
permanece por causa da natureza (e da amplitude ilimitada) de nossa
vontade (que é ordenada para universal bom, e que é como resultado)
indiferente em relaçã o ao bem particular que ele escolhe. Assim, em
todas as coisas, a Providê ncia opera infalivelmente, mas as causas
contingentes produzem seus efeitos de maneira contingente, pois Deus
move todas as coisas proporcionalmente à pró pria maneira da
natureza de cada ser." 37
Sob o impulso da graça intrinsecamente eficaz, a vontade se move
livremente, pois é movida por Deus de uma maneira condizente com
sua natureza. Por natureza tem por objeto o bem universal, ilimitado,
concebido pelo intelecto, que é infinitamente superior aos sentidos;
somente a atraçã o de Deus visto face a face poderia cativar
invencivelmente esta faculdade de querer e amar. 38 Goza de uma
indiferença dominadora em relaçã o a cada bem particular, julgado bom
sob um aspecto, mas insuficiente sob outro. A relaçã o de nossa vontade
com esse objeto nã o é necessá ria; ao contrá rio, nossa vontade domina
a atraçã o desse bem. O ato é livre porque procede, sob a indiferença do
juízo, de uma vontade cuja amplitude universal se projeta para alé m do
bem particular a que se inclina. 39 Por Seu movimento eficaz, Deus nã o
muda, e nem mesmo pode mudar, essa relaçã o contingente de nosso
ato voluntá rio com esse objeto, uma vez que o ato é especificado por
esse pró prio objeto. A moçã o divina nã o violenta a nossa vontade,
porque se exerce interiormente segundo a inclinaçã o natural da nossa
vontade para o bem universal, inclinaçã o que vem de Deus e da qual Ele
é o senhor. 40 Dizer que a liberdade permanece nã o é contraditó rio; mas
em tudo isso temos um misté rio infinitamente profundo, aná logo ao do
ato criador: o misté rio de Deus mais pró ximo de suas criaturas, cuja
existê ncia ele preserva, do que elas mesmas. 41
Deus move nossa liberdade fortiter et suaviter . Poder e gentileza
estã o tã o intimamente unidos na graça eficaz que a falha em reconhecer
o primeiro é uma supressã o do segundo; é uma falha em ver o abismo
infinito que separa a influência divina das influências criadas que se
exercem sobre nosso livre arbítrio. Os seres mais queridos exercem
sobre nó s uma grande influência persuasiva. Suponhamos que esteja
continuamente aumentando. Consideremos entã o a influência que o
maior dos anjos pode exercer; e lembremo-nos de que Deus sempre
pode criar anjos mais perfeitos que exerçam sobre nó s uma influência
ainda maior. Mas tudo isso nunca alcançará a eficá cia da graça divina.
Segue-se que os esforços e a vontade sã o inú teis? Pelo contrá rio.
Precisamente porque a boa vontade e o santo esforço sã o os mais
importantes na obra da salvaçã o, eles nã o podem ser exclusivamente
nosso trabalho. A graça é o que nos leva a fazer essa escolha, o que nos
faz lutar contra a tentaçã o e vencê-la. Como costuma dizer Santo
Agostinho, Deus nos move, nã o para que nã o façamos nada, mas
precisamente para que ajamos. E muitas vezes, se exigimos muito
pouco de nó s mesmos, é porque nã o contamos suficientemente com a
graça, porque nã o a pedimos suficientemente. Se nossa vida espiritual
declina para um nível inferior, e se nos contentamos com uma vida
inteiramente natural, isso é consequência de acreditarmos que estamos
sozinhos em agir, esquecendo que Deus está em nó s e conosco, mais
pró ximo de nó s do que nó s. para nó s mesmos.
Chegamos agora ao fundamento da mais elevada teologia mística, a
de Sã o Paulo, Santo Agostinho, Dionísio, Sã o Bernardo, 42 Sã o Tomá s,
Tauler, Ruysbroeck, o autor da Imitação , e Sã o Joã o da Cruz . Na obra da
salvaçã o, tudo vem de Deus, até a nossa cooperaçã o. Nã o podemos nos
gloriar em contribuir com uma ú nica parte, por menor que seja, que
seja exclusivamente nossa. O homem em si é suficiente para o mal; mas
para o bem, ele nã o pode fazer absolutamente nada sem a ajuda natural
ou sobrenatural de Deus. Por outro lado, com Deus e por Ele pode
realizar as maiores açõ es: pode cooperar na salvaçã o das almas, cada
uma das quais vale mais que todo o universo material; ele pode fazer
atos de caridade, o menor dos quais tem maior valor do que todas as
naturezas angé licas juntas. 43 "Mas os que esperam no Senhor
renovarã o as suas forças, tomarã o asas como á guias, correrã o e nã o se
cansarã o, caminharã o e nã o se fatigarã o." 44
Para concluir, limitamo-nos a citar a passagem magistral onde
Bossuet, no oitavo capítulo do seu tratado sobre o livre-arbítrio,
sintetiza esta doutrina de Sã o Tomá s. "Para reconciliar o decreto de
Deus e Sua açã o onipotente com nosso livre arbítrio, nã o precisamos
atribuir a Ele uma concordâ ncia (em nossa açã o) que está igualmente
pronta para qualquer coisa, e que se tornará o que quisermos fazer
dela. Ainda menos é necessá rio que Ele espere a decisã o de nossa
q p
vontade, para que possa entã o formar Seu decreto de acordo com
nossas resoluçõ es. o poder infinito que alcança nã o apenas a essência
de todas as coisas, mas também todos os seus modos de ser, está de
acordo com o efeito total e completo, produzindo nele tudo o que
concebemos estar nele, porque Sua vontade ordena que venha a ser
dotado de todas as propriedades que lhe pertencem”.
O mesmo capítulo continua: "Na criatura nã o há nada que tenha ser,
por menor que seja, mas o que, por isso mesmo, recebeu de Deus tudo o
que possui. E ninguém pode objetar que a propriedade especial do
exercício do livre arbítrio é que ele provém exclusivamente do pró prio
livre arbítrio. Isso seria verdade se a liberdade do homem fosse uma
liberdade primá ria e independente e nã o uma liberdade que flui de
uma fonte superior. Deus, que, como primeiro ser, é a causa de todo ser,
como primeiro motor deve ser a causa de toda açã o para que Ele
produza em nó s a pró pria açã o, assim como Ele colocou em nó s o poder
de agir. E a açã o criada nã o deixa de ser uma açã o porque foi produzida
por Deus. Ao contrá rio, é açã o ainda mais porque Deus a investiu de ser.
...
"Se o poder de produzir nossa açã o em nó s fosse atribuído a
qualquer outro que nã o nosso Criador, bem poderia ser acreditado que
Ele faria violência à nossa liberdade e, ao movê-la, quebraria uma mola
tã o delicada que Ele nã o havia feito. Mas Deus nã o tem que se precaver
contra Sua açã o tirando nada de Sua obra, porque Ele produz tudo até o
ú ltimo detalhe. Consequentemente Ele produz nã o apenas nossa
escolha, mas também a pró pria liberdade que está em nossa escolha.
colocar a liberdade em nossa açã o é fazer-nos agir livremente; e
realizar isso, é querer que a açã o exista; pois com Deus, realizar é
querer. vontade em nó s, devemos entender apenas que Ele deseja que
sejamos livres. Mas Ele deseja nã o apenas que sejamos livres no poder,
mas que sejamos livres em seu exercício. E Ele deseja nã o apenas em
geral que exerçamos nossa liberdade, mas que devemos exercê-la em
tal e tal ato. Pois Ele, cujo o conhecimento e a vontade se estendem até
o ú ltimo detalhe das coisas, nã o se contenta em querer que existam em
geral, mas desce ao que se chama tal e tal, isto é, ao que é mais
particular; e tudo isso está incluído em Seu decreto.
"Assim, Deus desde toda a eternidade deseja todo exercício futuro da
liberdade humana na medida em que é bom e real. O que poderia ser
mais absurdo do que dizer que nã o é, porque Deus quer que seja? Pelo
contrá rio, devemos dizer que é, porque Deus quer; e como acontece que
somos livres em virtude do decreto que quer que sejamos livres, o
resultado é que agimos livremente em tal e tal ato em virtude do
decreto que atinge em todos esses detalhes."
Portanto, absolutamente tudo no mundo dos corpos materiais e dos
espíritos, em seu ser e em suas açõ es, vem de Deus, com a ú nica
exceçã o do mal, que é uma privaçã o e uma desordem. O mal é
permitido pela bondade suprema apenas porque Deus é poderoso o
suficiente para extrair dele um bem ainda maior: a manifestaçã o
marcante de Sua misericó rdia ou justiça. 45
Esta doutrina louva a gló ria de Deus. Muitas vezes nã o é
compreendido, porque é ao mesmo tempo muito elevado e muito
simples. Aqueles que nã o alcançam sua grandeza desdenham de sua
simplicidade. “Mas os humildes de coraçã o penetram nas profundezas
de Deus sem serem perturbados e, afastados do mundo e de seus
pensamentos, encontram a vida na grandeza das obras de Deus”. 46 Eles
nã o sentem sua liberdade oprimida pela força divina da graça; ao
contrá rio, eles encontram neste poder libertaçã o e salvaçã o.
Sã o Tomá s e os maiores místicos que vieram depois dele nos dizem
que esta doutrina deve nos levar a grandes profundidades de
humildade, oraçã o contínua, fé prá tica e sublime, abandono na
esperança, açã o de graças e intimidade de amor.

ARTIGO IV
As Consequências Práticas da Doutrina de São Tomás
sobre a Graça
Sã o Tomá s, seguindo Santo Agostinho e opondo-se ao naturalismo
pelagiano ou semipelagiano, compreendeu a profundidade e a altura
das palavras de nosso Senhor: "Sem Mim nada podeis fazer" 1 e das
palavras de Sã o Paulo: "Porque é Deus que opera em vó s, tanto para
querer como para realizar, segundo a sua boa vontade”. 2 "Pois quem te
distingue? Ou o que tens que nã o tenhas recebido?" 3 Na obra da
salvaçã o nã o podemos distinguir nenhuma parte que seja
exclusivamente nossa; tudo vem de Deus, até mesmo nossa livre
cooperaçã o, que a graça eficaz gentilmente e poderosamente desperta
em nó s e confirma.
Esta graça, sempre seguida de seu efeito, só nos é recusada, como
dissemos, se resistirmos à graça divina, auxilium praeveniens , graça
suficiente, na qual já nos é oferecido o socorro eficaz, como o fruto na
flor. Se destruirmos a flor, nunca veremos o fruto que a influê ncia do sol
e da nutriçã o da terra teria produzido. Agora o homem é suficiente para
cair; tirado do nada, ele é defeituoso por natureza. Ele é
suficientemente assistido por Deus para que caia apenas por sua
pró pria culpa, o que o priva de uma nova ajuda. Este é o grande
misté rio da graça. Em outro lugar, explicamos o que Sã o Tomá s e seus
melhores discípulos ensinam sobre esse misté rio. 4 Com ele e Santo
Agostinho devemos submeter nossa inteligê ncia diante dessa
obscuridade divina, e como diz Bossuet, "confessar essas duas graças
(suficiente e eficaz), uma das quais deixa a vontade sem desculpa
diante de Deus, e a outra nã o permite a vontade de gloriar-se em si
mesma." 5 Isso nã o está de acordo com o que nossa consciê ncia nos
diz? De acordo com esta doutrina, tudo o que há de bom em nó s,
natural ou sobrenaturalmente, tem sua origem no Autor de todo bem. O
pecado por si só nã o pode vir Dele, e o Senhor permite que aconteça
apenas porque Ele é suficientemente poderoso e bom para tirar dele
um bem maior, a manifestaçã o de Sua misericó rdia ou justiça.
Este ensinamento dos grandes doutores da graça eleva o nosso
espírito a uma elevada contemplaçã o da açã o de Deus no mais íntimo
do nosso coraçã o. Para o provar, basta-nos demonstrar que esta
doutrina deve conduzir os que a compreendem bem à profunda
humildade, à quase contínua oraçã o interior, à perfeiçã o das virtudes
teologais e dos correspondentes dons do Espírito Santo. Além disso,
encontramos nos escritos de todos os grandes mestres da vida
espiritual. Considerando a importâ ncia e a dificuldade do problema,
nada afirmaremos neste artigo, exceto de acordo com as pró prias
palavras da Escritura, como os maiores doutores as explicam.
Esta doutrina conduz antes de tudo a uma profunda humildade. De
acordo com esta doutrina, o homem tem como pró prio, como algo que
vem exclusivamente de si mesmo, apenas o seu pecado, como declarou
o Concílio de Orange. 6 Ele nunca realiza nenhum ato de bem natural
sem a ajuda natural de Deus, ou qualquer ato de bem sobrenatural sem
uma graça que o solicite ou atraia, e també m o mova eficazmente para
o ato salutar. Como diz Sã o Paulo: "Nã o que sejamos suficientes para
pensar alguma coisa de nó s mesmos como de nó s mesmos; mas nossa
suficiê ncia vem de Deus". 7
Mesmo as almas santas que atingiram um alto grau de caridade,
sempre precisam de uma graça atual para merecer, progredir, evitar o
pecado e perseverar no bem. 8 Devem dizer: “Pois os pensamentos do
homem mortal sã o terríveis e nossos conselhos incertos”, 9 “Seja feita a
tua vontade, assim na Terra como no cé u (…) e nã o nos deixes cair em
tentaçã o”. Depois de muito se esforçarem, deveriam admitir: “Somos
servos inú teis”, 10 pois o Senhor poderia ter escolhido outros que O
serviriam muito melhor. Com toda a verdade, devemos dizer, de acordo
com o ensinamento de Sã o Tomá s, que nã o há pecado cometido por
outro homem que eu nã o possa cometer nas mesmas circunstâ ncias
por causa da enfermidade do meu livre arbítrio e da minha pró pria
fraqueza ( o Apó stolo Pedro negou trê s vezes o seu Mestre). E se
realmente nã o caí, se perseverei, é sem dú vida porque trabalhei e lutei,
mas sem a graça divina nada teria feito. 11 "Nã o a nó s, Senhor, nã o a nó s,
mas ao teu nome dá gló ria"; 12 "como o barro do oleiro está em sua
mã o, para moldá -lo e ordená -lo... assim o homem está na mã o daquele
que o fez." 13 "Tuas mã os me fizeram e me formaram"; 14 "Tu nos
redimiste para Deus, em Teu sangue." 15 "Se nã o pereci, é por causa da
tua misericó rdia." 16 "Nas tuas mã os entrego o meu espírito." 17 "Isto",
diz Santo Agostinho, "é o que deve ser crido e dito com toda piedade e
verdade, para que nossa confissã o seja humilde e suplicante, e que tudo
seja atribuído a Deus." 18 Essa é a verdadeira humildade. "Ou o que tens
que nã o tenhas recebido? E se recebeste, por que te glorias, como se
nã o o tivesses recebido?" 19
Os santos, considerando suas pró prias falhas, dizem a si mesmos que
se tal e tal criminoso tivesse recebido todas as graças que o Senhor lhes
concedeu, talvez tivesse sido menos infiel do que eles. A visã o da
gratuidade das predileçõ es divinas as confirma na humildade. Eles
lembram as palavras de nosso Senhor: "Você nã o me escolheu, mas eu
escolhi você".
Esta doutrina conduz também à oraçã o íntima contínua, à açã o de
graças profunda, à oraçã o contemplativa.
Leva à oraçã o íntima; pois esta é uma graça muito secreta que deve
ser pedida. Devemos pedir nã o só a graça que solicita e excita a alma ao
bem, mas também aquela graça que nos faz querer, que nos faz
perseverar, que atinge o fundo do nosso coraçã o e do nosso livre
arbítrio; aquela graça que nos move nestas profundezas, para que
sejamos libertos da concupiscência da carne e dos olhos, e da soberba
da vida. Somente Deus nos salva e nos arrebata desses inimigos de
nossa salvaçã o. Ao mesmo tempo, Ele nã o fere nossa liberdade, mas a
estabelece, libertando-nos do cativeiro dessas coisas da terra.
Assim, a Escritura nos ensina a orar: "Tem piedade de mim, ó
Senhor, segundo a Tua infinita misericó rdia. Sê propício a um pecador.
Ajuda a minha incredulidade. Cria um coraçã o puro em mim e renova
dentro de mim um espírito reto. Converte-me, Ó Senhor, faze-me voltar
para ti, e eu voltarei. 20 Seja feita a tua vontade, assim na terra como no
cé u. Dá -me a Tua doce e poderosa graça para que eu possa cumprir
verdadeiramente a Tua santa vontade. Como diz Santo Agostinho:
"Senhor, dá o que mandas, e manda o que te agrada."
Assim, novamente a Igreja reza no Missal: “Senhor, dirige para Ti as
nossas vontades rebeldes; e atrai-nos fortemente a Ti. Tira de nó s o
nosso coraçã o de pedra e dá -nos um coraçã o de carne, um coraçã o
dó cil e puro. Muda as nossas vontades e inclina-as para o bem." 21
Tal é a santa confiança da oraçã o da Igreja porque ela tem certeza de
que Deus nã o é impotente para converter os pecadores mais
endurecidos. O que deve fazer um padre que nã o consegue converter
um pecador moribundo? Convencido de que Deus pode converter essa
vontade culpada, o sacerdote rezará sobretudo. Se, ao contrá rio, ele
imagina que Deus mantém essa vontade apenas de fora, por
circunstâ ncias, bons pensamentos, boas inspiraçõ es, que permanecem
externas ao consentimento da bondade salutar, o pró prio padre nã o
demorará muito no uso de meios superficiais ? Sua oraçã o possuirá
aquela santa ousadia que admiramos nos santos e que repousa em sua
fé na potente eficá cia da graça?
Da mesma forma, a oraçã o deve ser, em certo sentido, contínua, pois
nossa alma precisa de uma graça nova, atual e eficaz para cada ato
salutar, para cada novo mé rito. Com isso em mente, vemos claramente
o profundo significado das palavras de nosso Senhor: "Devemos orar
sempre e nã o desanimar". 22 Esta verdade só se realiza plenamente na
vida mística, na qual a oraçã o se torna verdadeiramente, como dizem
os padres, "o sopro da alma", que quase nã o cessa mais do que o do
corpo. A alma deseja constantemente a graça, que é como um sopro
vivificante que a renova e a faz produzir constantemente novos atos de
amor de Deus.
Tal deve ser a oraçã o de petiçã o. E també m devemos agradecer a
Deus por todas as nossas boas açõ es, pois sem Ele nada poderíamos
ter feito. É isso que faz Sã o Paulo dizer: "Orai sem cessar. Em tudo dai
graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para com
todos vó s." 23 "Falai entre vó s com salmos, hinos e câ nticos espirituais,
cantando e salmodiando ao Senhor em vossos coraçõ es; dando sempre
graças por tudo, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a Deus e Pai." 24
Esta doutrina da eficá cia intrínseca da graça leva també m
diretamente à oraçã o de contemplaçã o, que considera principalmente
a açã o profunda de Deus em nó s para mortificar e vivificar, e que se
expressa pelo fiat do abandono perfeito. Na contemplaçã o vemos
realizadas no íntimo das almas as palavras da Escritura: "Tu é s grande,
ó Senhor, para sempre... Pois tu flagelas e salvas: Tu fazes descer ao
inferno e tornares a subir." 25 "Tua palavra, ó Senhor, que cura todas as
coisas." 26 Proferir um fiat perfeito a esta intensa e oculta obra da graça
em nó s, mesmo quando ela crucifica e parece destruir tudo, é a mais
secreta, mas també m a mais frutífera cooperaçã o na maior obra de
Deus. É a oraçã o de Jesus no Getsê mani e da Santíssima Virgem ao pé
da cruz.
Por fim, esta doutrina nos lembra que mesmo para a oraçã o é
necessá ria uma graça eficaz. "Da mesma forma també m o Espírito
ajuda a nossa fraqueza. Porque nã o sabemos o que havemos de pedir
como convé m, mas o mesmo Espírito nos pede com gemidos
indizíveis. E aquele que sonda os coraçõ es sabe o que o Espírito deseja;
porque ele pede os santos segundo Deus". 27. Este misté rio verifica-se
sobretudo na uniã o mística, muitas vezes obscura e dolorosa, em que a
alma experimenta a grande necessidade que temos da graça para orar,
como també m para fazer o bem. Mas, diz S. Joã o da Cruz, 28 as almas que
atingiram um certo grau de uniã o "obtê m de Deus tudo o que se
sentem inspiradas a pedir-lhe, segundo as palavras de David: 'Deleita-
te do Senhor, e Ele conceder-te o pedido do teu coraçã o'” (Sl 36: 4).
Alé m disso, toda oraçã o humilde, confiante e perseverante, com a qual
pedimos o que é necessá rio ou ú til para nossa salvaçã o, é
infalivelmente eficaz, porque nosso Senhor proferiu tal promessa e
porque o pró prio Deus fez brotar em nossos coraçõ es essa petiçã o.
Decidido desde toda a eternidade a conceder-nos os seus benefícios,
leva-nos a lho pedir. 29
Esta doutrina da poderosa eficá cia da graça leva finalmente a
grandes alturas na prá tica das virtudes teologais. Isso porque está
intimamente ligada ao sublime misté rio da predestinaçã o, cuja
grandeza preserva plenamente. Sã o Paulo, na Epístola aos Romanos,
nos diz: "E sabemos que todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus, daqueles que, segundo o seu propó sito, sã o
chamados santos. conheceu, també m os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogê nito
entre muitos irmã os; e aos que predestinou, a estes també m chamou; e
aos que chamou, a estes també m justificou; e aos Justificou, també m
glorificou. Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nó s, quem
será contra nó s? 30 Sã o Paulo ensina a mesma doutrina na Epístola aos
Efé sios. 31
Santo Agostinho 32 e Sã o Tomá s 33 explicaram essas palavras de Sã o
Paulo sem diminuir seu significado real. Bossuet, seu discípulo, os
resume com sua habitual maestria dizendo: "Nã o nego a bondade de
Deus para com todos os homens, nem os meios que em Sua
providê ncia geral Ele lhes oferece para sua salvaçã o eterna. O Senhor
nã o quer que isso aconteça. alguns devem perecer , mas que todos devem
voltar à penitê ncia. choram por seus pecados e se convertem em seu
tempo. É por isso que Pedro começou a chorar quando nosso Senhor
olhou para ele benignamente. O arrependimento de Pedro foi o
resultado da oraçã o que Cristo havia feito pela estabilidade de sua fé ;
pois era necessá rio, antes de tudo, reacender sua fé , e depois fortalecê -
la para que ela possa durar até o fim. O mesmo é verdade para todos
aqueles a quem Seu Pai Lhe deu de maneira especial. Destes Ele disse:
'Tudo o que o Pai dá a Mim virá a Mim. . . . Agora esta é a vontade do Pai
que me enviou: que de tudo o que ele me deu, eu nã o perca nada; mas
deve ressuscitá -lo no ú ltimo dia' (Joã o 6: 37, 39).
"E por que Ele nos faz penetrar nessas verdades sublimes? É para
nos perturbar, para nos alarmar, para nos lançar ao desespero, para nos
perturbar e nos fazer questionar se somos ou nã o dos eleitos? Longe de
nó s entregamo-nos a tais pensamentos, que nos fariam penetrar nos
secretos desígnios de Deus, explorar, por assim dizer, até o seu seio, e
sondar o profundo abismo dos seus decretos eternos. O desígnio do
nosso Salvador é que, contemplando este olhar secreto que Ele se fixa
naqueles que Ele conhece e que Seu Pai Lhe deu por uma certa escolha,
e reconhecendo que Ele pode conduzi-los à sua salvaçã o eterna por
meios que nã o falham, devemos aprender antes de tudo a pedir por
esses meios, unirmo-nos à Sua oraçã o, para dizer com Ele: 'Livrai-nos
do mal' (Mt 6, 13) ou, nas palavras da Igreja: 'Nã o permitais que nos
separemos de Vó s. escapar, nã o permita que isso aconteça, mantenha-o
em Tuas mã os, mude-o e traga-o de volta para Ti.' " 35
Esta oraçã o assume todo o seu valor na plenitude da vida de fé, que é
a vida mística; fé, tã o prá tica quanto sublime, na sabedoria de Deus, na
santidade de Seu beneplá cito, em Sua onipotência, em Seu domínio
soberano, no valor infinito dos méritos de Jesus Cristo e na eficá cia
infalível de Sua oraçã o.
Fé na sabedoria de Deus. "Ó profundidade da riqueza da sabedoria e
do conhecimento de Deus! Quã o incompreensíveis sã o os Seus juízos, e
quã o insondáveis os Seus caminhos!... Ou quem lhe deu primeiro, para
que se lhe dê a recompensa? , e por Ele e Nele sã o todas as coisas: a Ele
seja a gló ria para sempre. Amé m." 36
Fé na santidade do beneplá cito divino. "Confesso-te, ó Pai, Senhor
do cé u e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sá bios e
entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim
pareceu bem aos teus olhos." 37 Jesus falou da mesma maneira aos
fariseus: "Nã o murmureis entre vó s. Ningué m pode vir a mim, se o Pai,
que me enviou, nã o o trouxer; e eu o ressuscitarei no ú ltimo dia." 38
Fé na onipotê ncia divina. Deus pode converter os pecadores mais
endurecidos. "O coraçã o do rei está na mã o do Senhor: para onde quer
que ele o volte." 39 "Porque é Deus quem opera em vó s tanto o querer
como o realizar, segundo a sua boa vontade." 40 "As minhas ovelhas
ouvem a minha voz; e eu as conheço, e elas me seguem. E dou-lhes a
vida eterna; e nã o perecerã o para sempre, e ningué m as arrebatará da
minha mã o. Aquilo que meu Pai me deu , é maior do que todos: e
ningué m pode arrebatá -los da mã o de meu Pai. Eu e o Pai somos um." 41
Fé no domínio soberano do Criador. "Eis que como o barro é na mã o
do oleiro, assim sois vó s nas minhas mã os, ó casa de Israel." 42 "Ou nã o
tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso
para honra e outro para desonra? E se Deus, querendo mostrar a sua ira
e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciê ncia vasos de
ira, preparados para destruiçã o, para que Ele pudesse mostrar as
riquezas de Sua gló ria nos vasos de misericó rdia, que Ele preparou
para gló ria?” 43
Fé no valor infinito dos mé ritos e da oraçã o de Jesus. "O Pai ama o
Filho: e Ele entregou todas as coisas em Suas mã os." 44 "Amé m, amé m
vos digo: Aquele que crê em Mim tem a vida eterna." 45 "Manifestei o teu
nome aos homens que me deste do mundo. Teus eram, e a mim os
deste; e eles guardaram a tua palavra. . . . Eu rogo por eles. . . . Santo Pai,
guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, como
nó s també m o somos... Enquanto eu estava com eles, eu os guardava
em teu nome. nenhum deles se perdeu, senã o o filho da perdiçã o, para
que se cumprisse a Escritura. rogo somente por eles, mas també m por
aqueles que pela sua palavra hã o de crer em mim. Tu me deste, porque
me amaste antes da criaçã o do mundo”. 46. Este ato de fé serena e
invencível nos mé ritos infinitos de Cristo arrebata o coraçã o de Deus,
que à s vezes permite que tudo pareça perdido exteriormente, para que
dê a Seus filhos a oportunidade de provar com tal ato sua fé nEle.
Esta doutrina da graça conduz-nos també m a uma esperança
inteiramente sobrenatural composta de confiança na misericó rdia
divina e abandono a ela. O motivo formal da esperança é , de fato, a
misericó rdia divina infinitamente ú til ( Deus auxilians ). Para que esta
virtude da esperança seja divina e teoló gica, devemos esperar em Deus
e nã o na força do nosso livre arbítrio. "Aquele que confia em seu
pró prio coraçã o é um tolo; mas aquele que anda com sabedoria, esse
será salvo." 47 Considerando nossa fraqueza, devemos "operar nossa
salvaçã o com temor e tremor" 48 e "aquele que pensa estar em pé ,
cuide-se para que nã o caia". 49 Mas, considerando a bondade
infinitamente ú til de Deus, devemos dizer-lhe: "Em ti, ó meu Deus,
ponho a minha confiança; nã o me deixes ser envergonhado." 50 "Em
tuas mã os entrego meu espírito." 51 "Provai, e vede que o Senhor é doce;
bem-aventurado o homem que nele espera." 52 "Guarda-me, Senhor,
porque em ti confio." 53 "Em ti, ó Senhor, esperei, nunca seja eu
confundido." 54 "Eis que Deus é o meu salvador, agirei com confiança e
nã o temerei, porque o Senhor é a minha força e o meu louvor, e ele se
tornou a minha salvaçã o." 55 "Tudo posso naquele que me fortalece." 56
Tal é o abandono que Cristo deseja que aprendamos. Nã o há
quietismo, como Bossuet explica tã o bem. Ele diz: "Devemos
abandonar-nos à bondade divina. Isso nã o significa que nã o devamos
agir e trabalhar, ou que, em oposiçã o ao mandamento de Deus,
podemos ceder à despreocupaçã o ou a pensamentos precipitados. Pelo
contrá rio, agindo segundo o o melhor de nossa capacidade, devemos,
acima de tudo, abandonar-nos a Deus somente para o tempo e para a
eternidade. . . .
"Um homem orgulhoso teme que sua salvaçã o seja incerta, a menos
que ele a guarde em suas pró prias mã os, mas ele é enganado. Posso
confiar em mim mesmo? Sinto que minha vontade me escapa a cada
momento. Se Tu, ó Senhor, desejasses para fazer de mim o ú nico senhor
do meu destino, eu deveria recusar um poder tã o perigoso para a
minha fraqueza. Que ningué m me diga que esta doutrina de graça e
preferê ncia leva as boas almas ao desespero. Que loucura para mim
pensar que posso ser tranqü ilizado por sendo lançado sobre mim
mesmo e entregue à minha inconstâ ncia! Com isso, ó meu Deus, nã o
consinto. Só encontro segurança em abandonar-me a Ti. E neste
abandono encontro ainda maior confiança, para aqueles a quem Tu
fazes dê esta confiança em total abandono, receba neste gentil impulso
a melhor marca que podemos ter na terra de sua bondade, aumente em
mim este desejo e por este meio coloque em meu coraçã o a bendita
esperança de estar finalmente entre o nú mero escolhido. (…) Cura-me
e serei curado; converte-me e serei convertido”. 57
Nas dolorosas e passivas purificaçõ es do espírito, muitas vezes as
almas sã o tentadas contra a esperança e perturbadas pelo misté rio da
predestinaçã o. Nesta tentaçã o, todas as ajudas criadas lhes faltam, e
eles devem esperar heroicamente contra todas as esperanças por esta
ú nica e pura razã o, a saber, que Deus é infinitamente ú til e nã o
abandona os justos a menos que eles O abandonem, que Ele nã o os
deixa ser tentados. alé m de suas forças auxiliadas pela graça, que Ele os
sustenta por Sua bondade todo-poderosa, como disse a Sã o Paulo:
"Minha graça te basta; pois o poder se aperfeiçoa na enfermidade". "De
bom grado, portanto", diz o grande apó stolo, "eu me gloriarei em
minhas fraquezas, para que o poder de Cristo habite em mim. Por isso
me agrado em minhas fraquezas, em injú rias, em necessidades, em
perseguiçõ es, em angú stias. , por Cristo Pois quando estou fraco, entã o
sou poderoso." 58
Devemos ter grandes dificuldades para pensar neste motivo formal
de esperança: Deus, nosso ajudador; pois Ele vem eficazmente em
nosso auxílio pela graça que nos impele à prá tica do bem, e de maneira
gentil e poderosa faz com que isso seja realizado. 59 "Mas a salvaçã o dos
justos vem do Senhor, e ele é seu protetor no tempo da angú stia. E o
Senhor os ajudará e os livrará ; e os livrará dos ímpios, e os salvará ,
porque eles esperava Nele." 60
Por fim, esta doutrina da eficá cia da graça confirma nossa caridade
para com Deus e as almas. Esta caridade é uma amizade baseada na
comunicaçã o de Deus a nó s da vida divina atravé s da graça. Portanto,
quanto mais íntima e eficaz for a graça que nos é dada, tanto mais
devemos amar a Deus e corresponder ao seu amor. "Nã o como se
tivé ssemos amado a Deus, mas porque Ele nos amou primeiro." 61 O
pró prio Mestre disse a Seus apó stolos: "Você s nã o me escolheram, mas
eu escolhi você s; e os designei para irem e darem fruto; o Pai, em meu
nome, Ele pode dá -lo a você ”. 62 E no exercício do apostolado, porque
acreditava na potente eficá cia da graça, Sã o Paulo escreveu: "Quem,
pois, nos separará do amor de Cristo? Tribulaçã o? ou angú stia? ou
fome? ou nudez? ou perigo ou a perseguiçã o ou a espada?... Mas em
todas estas coisas nó s vencemos, por causa daquele que nos amou.
Pois estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as potestades, nem o presente . . . nem qualquer outra
criatura poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus,
nosso Senhor”. 63 Cristo disse a Seu Pai celestial: "Aqueles que me deste,
eu os guardei... Pai, quero que, onde eu estiver, també m aqueles que me
deste estejam comigo. Teu nome a eles, e o fará conhecido; para que o
amor com que me amaste esteja neles, e eu neles." 64
Essas palavras de nosso Senhor sã o plenamente realizadas na terra
apenas na vida mística, o prelú dio da vida no céu. E a grande teologia
de Santo Agostinho e de Sã o Tomá s sobre a graça atinge assim o mais
alto misticismo ortodoxo, se for tomado cuidado para nã o diminuir seu
significado.
Nenhum poder é mais gentil do que a graça infalivelmente eficaz de
Deus. Difunde-se suavemente na alma que começa a querer; quanto
mais a alma desejar e quanto maior for sua sede de Deus, mais ela será
enriquecida. Quando Deus se tornar mais exigente e desejar cristal
puro onde havia apenas pecado, entã o Ele dará Sua graça em
abundâ ncia para que a alma possa corresponder à s Suas exigê ncias. Ele
mesmo disse: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em
abundâ ncia." 65 A alma purificada termina louvando o poder de Deus: "A
mã o direita do Senhor forjou força. Nã o morrerei, mas viverei; e
anunciarei as obras do Senhor". 66
Nã o nos surpreendemos ao encontrar esta doutrina nas obras dos
maiores mestres da vida espiritual.
Sã o Bernardo diz: "A graça é necessá ria para a salvaçã o, o livre-
arbítrio é igualmente; mas a graça para dar a salvaçã o, o livre-arbítrio
para recebê -la... Portanto, nã o devemos atribuir parte da boa obra à
graça, e parte ao livre arbítrio. É realizado em sua totalidade pela açã o
comum e inseparável de ambos, inteiramente pela graça, inteiramente
pelo livre arbítrio, mas brotando completamente do primeiro no
segundo." 67
Sã o Boaventura é da mesma opiniã o: "As almas devotas nã o
procuram atribuir a si mesmas na obra da salvaçã o alguma parte que
nã o vem de Deus. Elas reconhecem que tudo procede da graça divina".
68

Tauler fala da eficá cia da graça como faz Sã o Tomá s.


Em A Imitação de Cristo , lemos: "Nunca te consideres nada por
causa das tuas boas obras... De ti mesmo tu sempre tendes a nada:
rapidamente é s derrubado, rapidamente vencido, rapidamente
desordenado, rapidamente desfeito. das quais para a gló ria, mas
muitas coisas pelas quais você deveria se considerar vil; pois você é
muito mais fraco do que é capaz de compreender. "Pois eu nã o sou
nada e nã o sabia. Se eu for deixado sozinho, eis que me torno nada
mais que mera fraqueza; mas se Tu por um instante olhares para mim,
imediatamente me tornarei forte e me encherei de nova alegria." “De
Mim, como de uma fonte viva, o pequeno e o grande, o pobre e o rico
tiram a á gua da vida; e aqueles que me servem voluntá ria e livremente
receberã o graça por graça. portanto, nã o atribuir nada a si mesmo, nem
atribuir bondade a qualquer homem, mas dar tudo a Deus, sem o qual o
homem nada tem. Eu te dei tudo e Minha vontade é ter tudo
novamente. . . . Esta é a verdade pela qual a vangló ria é posta em fuga, e
se a graça celestial entrar e a verdadeira caridade, nã o haverá inveja ou
estreiteza de coraçã o, nem o amor pró prio se ocupará . Pois a caridade
divina supera todas as coisas e amplia todos os poderes da alma. “Ó
bendita graça, que tornas o pobre de espírito rico em virtudes... Desce
Tu a mim, vem e enche-me cedo com Teu consolo, para que minha alma
nã o desfaleça de cansaço e secura de espírito. e por si só é minha força;
somente ela dá conselho e ajuda; ela é mais forte que todos os inimigos
e mais sá bia que todos os sá bios. Que a Tua graça, portanto, ó Senhor,
vá sempre à minha frente e me siga, e me faça continuamente
empenhado em boas obras. “Devo ser louvado em todos os Meus
santos; devo ser abençoado acima de todas as coisas e honrado em
todos os que gloriosamente exaltei e predestinei sem quaisquer
mé ritos próprios . o vínculo do amor... Eles Me amam mais do que a si
mesmos... Por estarem arrebatados acima de si mesmos e do amor-
pró prio, eles sã o totalmente absorvidos no amor de Mim, em quem
també m descansam com plena fruiçã o." 70
Sempre que Santa Teresa toca na questã o da graça, sua doutrina é
semelhante à de Santo Agostinho e de Sã o Tomá s. 71 Sã o Joã o da Cruz
assume sempre a verdade desta doutrina. 72
Sã o Francisco de Sales afirma esta doutrina nos seguintes termos:
“As cadeias da graça sã o tã o poderosas e, ao mesmo tempo, tã o doces
que, embora atraiam nosso coraçã o, nã o agrilhoam nossa liberdade. a
graça é muito mais o efeito da graça do que de nossa pró pria vontade, e
a resistê ncia à s suas inspiraçõ es deve ser atribuída apenas à nossa
vontade... 'Se conhecesses o dom de Deus'. " 73
Bons autores espirituais, nã o importa a que escola teoló gica
pertençam, sã o levados à mesma doutrina pela grandeza dos assuntos
de que tratam. 74
Todas as dificuldades do misté rio da graça sã o resolvidas
praticamente pela humildade. Bossuet diz: "Eis um perigo terrível para
o orgulho humano. O homem diz em seu coraçã o: eu tenho meu livre
arbítrio. Deus me fez livre e desejo me tornar justo... deste abandono à
graça, desejo encontrar algo a que me agarrar. Inimigo orgulhoso, você
deseja reconciliar essas coisas, ou melhor, acreditar que Deus as
reconcilia? Ele as reconcilia da maneira que Ele deseja, sem liberar
você de sua açã o e sem cessar de exigir que você atribua a Ele toda a
obra da sua salvaçã o, pois Ele é o Salvador, e Ele disse: 'Eu sou o Senhor,
e nã o há salvador alé m de Mim' (Is. 43: 11). que Jesus Cristo é o
Salvador, e todas as dificuldades desaparecerã o." 75
Como é evidente nas passagens citadas dos escritos de Sã o Joã o da
Cruz, esta grande doutrina de Sã o Paulo, Santo Agostinho e Sã o Tomá s,
manifestamente dirige as almas para a mais elevada uniã o mística, que
nã o é outra senã o a plenitude da vida de fé. Esta verdade ficará mais
clara nos dois capítulos seguintes, onde trataremos da natureza da
perfeiçã o cristã e do que constitui a essência da contemplaçã o mística.
CAPÍTULO IV
A PLENA PERFEIÇÃ O DA VIDA CRISTÃ _ _ _ _

ARTIGO I
Perfeição Cristã, ou o Começo da Vida Eterna
PODE a perfeiçã o cristã , sua natureza e condiçõ es, ser discutida sem
diminuir de forma alguma sua sublimidade essencial? É possível
chegar à compreensã o das palavras do Mestre: “Sede vó s pois perfeitos,
como també m o vosso Pai celestial é perfeito”? 1 Se fizermos esta
pergunta ao Apó stolo Sã o Joã o, ele nos responderá com as pró prias
palavras de Cristo, que a vida cristã , particularmente a perfeiçã o cristã ,
é o começo da vida eterna.
No Quarto Evangelho, o Salvador diz em vá rias ocasiõ es: "Aquele que
crê no Filho tem a vida eterna". 2 Em outras palavras, ele nã o apenas
terá a vida eterna mais tarde se perseverar; mas quem acredita já a tem
em certo sentido, porque a vida da graça, mesmo na terra, é o começo
da vida eterna, como afirma repetidamente Sã o Tomá s. 3 Assim como a
semente só se define pela planta que dela brota, ou a aurora pelo dia
que anuncia, assim també m só podemos conceber a vida da graça
considerando, antes de tudo, a vida da gló ria, da qual é a semente. Pela
mesma razã o, nã o podemos determinar o que é a perfeiçã o cristã sem
falar primeiro da vida eterna, da qual ela é o prelú dio.
Consideraremos a vida eterna na primeira parte deste artigo; na
segunda parte veremos como a vida da graça na terra é essencialmente
igual à vida no céu; o mesmo também pela caridade, que nunca cessará .
Veremos também como a vida da graça difere daquela do céu por meio
da fé e da esperança, que devem desaparecer para dar lugar à posse
positiva de Deus pela visã o.
Nos artigos seguintes, com Sã o Tomá s como nosso professor,
estudaremos o que nesta vida constitui principalmente a perfeiçã o
cristã propriamente dita; quais sã o suas relaçõ es com os dons e as
virtudes, e com os preceitos e conselhos. Assim veremos tudo o que a
perfeiçã o cristã exige.
A VIDA ETERNA EM SEU COMPLETO DESENVOLVIMENTO

"Esta é a vida eterna: que eles possam conhecer a Ti, o ú nico Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste." 4 Sã o Joã o explica esta
passagem dizendo: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda nã o
se manifestou o que havemos de ser. nó s O veremos como Ele é ." 5 Sã o
Paulo diz: "Agora vemos por espelho de maneira obscura; mas entã o
veremos face a face. Agora conheço em parte; mas entã o conhecerei
como també m sou conhecido." 6 Veremos face a face, isto é ,
imediatamente, tal como Ele é em Si mesmo, Deus "que habita em luz
inacessível" 7 a todo conhecimento natural, criado e criável.
A Igreja nos ensina expressamente que "as almas dos bem-
aventurados no cé u tê m uma visã o intuitiva e direta da essê ncia divina
sem o intermediá rio de qualquer criatura previamente conhecida. A
essê ncia divina se manifesta direta e abertamente em perfeita clareza.
As almas dos bem-aventurados goze-a continuamente e goze-a-á para
sempre. Tal é a vida eterna», 8 à qual a «luz da gló ria» 9 deve elevar-nos.
Somos, portanto, chamados a ver Deus nã o apenas pelo reflexo de
suas perfeiçõ es nas criaturas materiais, ou por sua irradiaçã o
maravilhosa no mundo dos espíritos puros, mas a vê -lo sem
intermediá rios, com mais clareza do que vemos aqui na terra as
pessoas com quem falamos; pois Deus, sendo inteiramente espiritual,
estará intimamente presente em nosso intelecto, que Ele iluminará ao
mesmo tempo em que lhe dará o poder de suportar Seu esplendor
deslumbrante. 10
Entre Ele e nó s nã o haverá sequer o intermediá rio de uma ideia,
pois nenhuma ideia criada pode representar o ser como ele é em si
mesmo, ato puro, infinitamente perfeito, pensamento incriado,
eternamente subsistente, luz da vida e fonte de toda verdade. 11 E nã o
poderemos exprimir a nossa contemplaçã o por nenhuma palavra,
mesmo por qualquer palavra interior. Essa contemplaçã o, superior a
toda ideia finita, nos absorverá em Deus e permanecerá inefável, assim
como nesta vida perdemos o dom da fala quando o sublime nos
arrebata. A Divindade, tal como é em si mesma, só pode ser expressa
pelo Verbo consubstancial, que é o Verbo incriado, “o resplendor da luz
eterna, o espelho imaculado da majestade de Deus e a imagem de Sua
bondade”. 12
Por causa de seu objeto, essa visã o face a face de Deus supera
infinitamente a mais sublime filosofia e també m o mais elevado
conhecimento natural dos anjos. Somos chamados a ver todas as
perfeiçõ es divinas juntas, identificadas em sua fonte comum, a
Divindade; compreender como a mais terna misericó rdia e a mais
inflexível justiça procedem de um ú nico e mesmo amor infinitamente
generoso e infinitamente santo, amor do sumo bem. Este bem,
desejando comunicar-se tanto quanto possível e possuindo o direito
incontestável de ser amado acima de tudo, une assim
maravilhosamente a justiça e a misericó rdia em todas as obras de
Deus. 13 Somos chamados a ver como esse amor, mesmo em seu mais
livre prazer, é idê ntico à pura sabedoria; como neste amor nã o há nada
que nã o seja sá bio, e nesta sabedoria nada que nã o se converta em
amor. E somos chamados a ver como este amor se identifica com o
sumo bem, amado desde toda a eternidade; como a sabedoria divina é
idê ntica à primeira verdade sempre conhecida; como todas essas
perfeiçõ es se harmonizam e sã o apenas uma na pró pria essê ncia
dAquele que é .
Somos chamados a contemplar a vida íntima de Deus, a pró pria
Divindade, absoluta pureza e santidade; perder o olhar em sua
fecundidade infinita, desabrochando nas três Pessoas divinas; ver a
geraçã o eterna do Verbo, "esplendor do Pai e figura da sua substâ ncia";
contemplar em êxtase sem fim a inefável procissã o do Espírito Santo,
aquela torrente de chama espiritual, termo do amor comum do Pai e do
Filho, vínculo que os une eternamente na mais absoluta difusã o de Si
mesmos.
Quem pode dizer o amor e a alegria que nascerã o em nó s dessa
visã o? Se nos deliciamos aqui embaixo com o reflexo das perfeiçõ es
divinas compartilhadas pelas criaturas, pela magia das fadas do mundo
material, pela harmonia de sons e cores, pelo azul de um céu sem
nuvens sobre um mar ensolarado, que nos faz pensar do oceano
tranquilo do ser e da luz infinita da sabedoria divina; se nos
maravilhamos com os esplendores do mundo das almas que nos sã o
revelados pela vida dos santos; o que sentiremos quando virmos Deus,
o lampejo eternamente subsistente da sabedoria e do amor, de onde
procede toda a vida da criaçã o? Falamos de um lampejo de gênio para
designar uma iluminaçã o repentina da mente. O que diremos da luz
incriada de Deus? Para nó s, permanece oculto apenas por causa de seu
esplendor excessivo, pois um raio de sol muito forte parece escuridã o
ao olho fraco de uma coruja.
A alegria nascida de tal visã o será de um amor tã o forte e absoluto
de Deus que nada jamais o destruirá ou mesmo diminuirá . Este amor,
seguindo necessariamente a visã o beatífica de Deus, o soberano bem,
será absolutamente espontâ neo, mas nã o mais gratuito. O Bem infinito,
apresentando-se assim a nó s, saciará nossa sede insaciável de
felicidade, e preencherá e satisfará a capacidade de nosso poder de
amar, "que necessariamente aderirá a Ele". 14 Nossa vontade, por sua
pró pria natureza, se voltará para Ele com toda a sua inclinaçã o e força.
Nã o terá mais energia para suspender o seu ato, que lhe será
arrebatado, de certo modo, pela atraçã o infinita de Deus visto face a
face. Em relaçã o a todo bem finito, nossa vontade permanece livre;
pode até ceder ou nã o à atraçã o e à lei de Deus, desde que nã o vejamos
diretamente a Sua infinita bondade. Mas quando Sua gló ria nos
aparecer, nossos desejos serã o satisfeitos e nã o poderemos mais nã o
corresponder ao Seu amor. "Ficarei satisfeito quando Tua gló ria
aparecer." 15
Esse amor será composto de admiraçã o, respeito, gratidã o e
principalmente amizade, com uma simplicidade e uma profundidade de
intimidade que nenhum afeto humano pode ter. Será um amor pelo qual
nos regozijaremos especialmente porque Deus é Deus, infinitamente
santo, justo e misericordioso; um amor pelo qual adoraremos todos os
decretos de sua providência em vista de sua gló ria, que se irradiará em
nó s e através de nó s.
Tal deve ser a vida eterna em uniã o com todos os que morreram na
caridade, e particularmente com aqueles que amamos no Senhor.
A vida eterna, portanto, consiste em conhecer a Deus como Ele se
conhece e em amá -lo como Ele se ama. Mas, se penetrarmos mais
profundamente neste assunto, veremos que este conhecimento e amor
divinos só sã o possíveis se Deus, por assim dizer, nos deificar em nossa
pró pria alma. Na ordem natural, o homem é capaz de conhecimento
intelectual e de um amor iluminado superior ao amor sensível apenas
porque possui uma alma espiritual. Da mesma forma, só seremos
capazes de um conhecimento divino e de um amor sobrenatural se
tivermos recebido uma participaçã o na pró pria natureza de Deus, da
Divindade; só se a nossa alma, princípio do nosso intelecto e da nossa
vontade, tiver sido, em certo sentido, divinizada ou transformada em
Deus, como o ferro mergulhado no fogo se transforma, por assim dizer,
em fogo, sem deixar de ser ferro. Os bem-aventurados no céu só podem
participar das operaçõ es essencialmente divinas porque participam da
natureza divina, o princípio dessas operaçõ es; apenas porque eles
receberam essa natureza de Deus, assim como um filho na terra recebe
sua natureza de seu pai.
Desde toda a eternidade Deus Pai necessariamente engendra um
Filho igual a Ele, o Verbo. A Ele Ele comunica toda a Sua natureza, sem
dividi-la ou multiplicá -la; Ele O dá para ser "Deus de Deus, luz da luz".
Por pura bondade, Ele quis ter no tempo outros filhos, filhos adotivos,
segundo uma filiaçã o nã o só moral e figurativa, mas muito real, que nos
torna verdadeiramente participantes da natureza divina, de sua vida
íntima. "Esta filiaçã o por adoçã o", diz St. Thomas, "é , portanto,
realmente uma semelhança participada da filiaçã o eterna do Verbo". 16
Sã o Joã o exclama: "Eis que tipo de caridade o Pai nos concedeu, para
que fô ssemos chamados e fô ssemos filhos de Deus." 17 Somos
"nascidos de Deus"; 18 e Sã o Pedro diz que somos "participantes da
natureza divina". 19 "A quem dantes conheceu, també m os predestinou
para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o
primogê nito entre muitos irmã os." 20
Tal é a essê ncia da gló ria que Deus reserva para Seus filhos: "As
coisas que o olho nã o viu, e o ouvido nã o ouviu, e nã o subiram ao
coraçã o do homem, sã o as coisas que Deus preparou para os que o
amam." 21
Os eleitos pertencem verdadeiramente à família de Deus; eles
entram no céu no ciclo da Santíssima Trindade que neles habita. O Pai
engendra neles a Sua Palavra; o Pai e o Filho respiram amor neles. A
caridade os compara ao Espírito Santo; a visã o beatífica os torna
semelhantes ao Verbo, que os torna semelhantes ao Pai de quem Ele é a
imagem. Em cada um deles habita a Trindade, conhecida e amada, como
num sacrá rio vivo; e além disso, eles estã o na Trindade, no á pice do ser,
do pensamento e do amor.
Tal é o objetivo de toda vida cristã , de todo progresso espiritual.
Nela nã o há preocupaçã o com os interesses terrenos, nem com o
desenvolvimento da nossa personalidade (uma fó rmula pobre,
tolamente repetida por muitos cristã os que se esquecem da verdadeira
grandeza da sua vocaçã o). A revelaçã o nos diz que devemos tender
infinitamente mais alto. Deus predestinou Seus eleitos para serem
conformes à imagem de Seu Filho. O mundo, em sua sabedoria, rejeita
esta doutrina; seus filó sofos se recusam a ouvi-la. Entã o o Senhor
chama os humildes, os pobres, os enfermos 22 para participar das
riquezas de Sua gló ria: "Confesso-te, ó Pai, Senhor do cé u e da terra, que
ocultaste estas coisas aos sá bios e prudentes, e os revelou aos
pequeninos". 23
COMEÇO DA VIDA ETERNA
Como podemos atingir um fim tã o elevado como a vida eterna? O
progresso espiritual só pode tender para este fim porque pressupõ e em
nó s a semente da gló ria, isto é, uma vida sobrenatural idêntica em sua
essência à vida eterna. A semente contida na bolota nã o poderia se
tornar um carvalho a menos que tivesse a mesma natureza do carvalho,
a menos que contivesse a mesma vida em estado latente. Uma criança
nã o poderia se tornar um homem a menos que tivesse uma alma
racional, a menos que a razã o estivesse adormecida nele. Da mesma
forma, um cristã o na terra nã o poderia se tornar um dos bem-
aventurados no céu, a menos que já tivesse recebido a vida divina.
Se quisermos entender a natureza da semente contida na bolota,
devemos considerar essa natureza em seu estado perfeito no carvalho
totalmente desenvolvido. Da mesma forma, se quisermos conhecer a
vida da graça, devemos contemplá -la em seu desenvolvimento
supremo; na gló ria que é a sua consumaçã o.
Fundamentalmente a vida da graça e a vida da gló ria sã o a mesma
vida sobrenatural, a mesma caridade, com duas diferenças. Aqui na
terra, Deus é conhecido apenas na obscuridade da fé, nã o na clareza da
visã o. Além disso, esperamos possuir Deus de maneira inamissível; mas
enquanto estivermos na terra, podemos perdê-lo por nossa pró pria
culpa.
Apesar dessas duas diferenças, é a mesma vida. Nosso Senhor disse
à mulher samaritana: "Se conhecesses o dom de Deus... Todo aquele
que beber desta á gua tornará a ter sede; mas aquele que beber da á gua
que eu lhe der nã o terá sede para sempre. Mas a á gua que eu lhe der se
fará nele uma fonte de á gua jorrando para a vida eterna”. 24 No ú ltimo
dia da Festa dos Taberná culos, no Templo, Jesus levantou-se e
exclamou em alta voz: "Se algué m tem sede, venha a mim e beba. Quem
crê em mim, como diz a Escritura: Fora do seu ventre correrã o rios de
á gua viva”. 25 Como acrescenta Sã o Joã o, Ele disse isso do Espírito, que
eles devem receber que acreditam nEle. Em vá rias ocasiõ es Jesus
repete: “Quem crê no Filho tem a vida eterna”. 26 "Quem come a minha
carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no
ú ltimo dia." 27 "O reino de Deus nã o vem com aparê ncia exterior. Nem
dirã o: Eis aqui ou ali. Pois eis que o reino de Deus está dentro de vó s." 28
Está escondido em ti como o grã o de mostarda; como o fermento que
faz crescer o pã o; como o tesouro enterrado no campo.
E como saberemos que já recebemos esta vida que deve durar para
sempre? Sã o Joã o expõ e o assunto para nó s longamente. 29 "Sabemos
que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmã os.
Quem nã o ama, permanece na morte. Todo aquele que odeia a seu
irmã o é homicida. E vó s sabeis que nenhum homicida tem a vida
eterna em si mesmo." 30 "Estas coisas vos escrevo, para que saibais que
tendes a vida eterna, vó s que credes no nome do Filho de Deus." 31
E, na verdade, Cristo disse em Sua oraçã o sacerdotal: "Agora esta é a
vida eterna: que eles possam conhecer a Ti, o ú nico Deus verdadeiro, e
a Jesus Cristo, a quem Tu enviaste." 32 Por meio da fé sobrenatural, esse
conhecimento tem seu início; e pela fé viva, ou fé vivificada pela
caridade, Cristo "habita em nó s e nó s Nele", 33 afirmaçã o que o pró prio
Sã o Joã o explica dizendo: "Deus nos deu a vida eterna. E esta vida está
em Seu Filho ... Quem tem o Filho tem a vida. Quem nã o tem o Filho nã o
tem a vida. 34
Visto que isso é verdade, o que a morte se torna para o verdadeiro
cristã o? Uma passagem da vida sobrenatural ainda imperfeita para a
plenitude desta vida. Nesse sentido, devemos entender as palavras de
nosso Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo: Se algué m guardar a
minha palavra, nã o verá a morte para sempre”. Espantados, os judeus
responderam: "Agora sabemos que tens um demô nio. Abraã o e os
profetas estã o mortos; e tu dizes: Se algué m guardar a minha palavra,
nã o provará a morte para sempre. ?" 35 No tú mulo de Lá zaro, Cristo
disse: "Eu sou a ressurreiçã o e a vida: quem crê em mim, ainda que
esteja morto, viverá . E todo aquele que vive e crê em mim nã o morrerá
para sempre." 36 E novamente aos judeus: "Vossos pais comeram o
maná no deserto e morreram. Este é o pã o que desceu do cé u... Quem
comer este pã o viverá para sempre." 37
A liturgia expressa o mesmo pensamento na missa pelos mortos:
"Para os teus fié is, ó Senhor, a vida mudou, nã o se perdeu." 38
A graça santificante, recebida na essê ncia da alma, é , portanto, por
sua natureza imperecível. Deve durar para sempre e florescer para a
vida eterna. 39 Alé m disso, entre as virtudes teologais há uma, a
caridade, que nã o deve desaparecer. "A caridade nunca desaparece", diz
Sã o Paulo. . . . "E agora permanecem a fé , a esperança e a caridade, estas
trê s: mas a maior delas é a caridade." 40 De fato, alguns santos na terra
tê m um grau de caridade muito maior do que alguns dos bem-
aventurados no cé u, mas sem ter tanta continuidade no ato de amor.
Sã o Joã o, enquanto na terra, tinha um grau de caridade superior ao
possuído pela alma de uma criança que morreu imediatamente apó s o
batismo. 41 Os dons do Espírito Santo també m subsistem no cé u. 42 A
vida da graça é , portanto, a mesma dos bem-aventurados no cé u.
É verdade que nã o alcançamos Deus na clareza da visã o, mas é Ele
que nossa fé alcança. A graça da fé nos faz aderir à Verdade incriada e
reveladora. Cremos na palavra de Deus, nã o na de Sã o Pedro ou de Sã o
Paulo, 43 e esta palavra nos revela "as coisas profundas de Deus". 44
Nossa fé é , portanto, "a substâ ncia (ou o princípio, a semente) das
coisas que se esperam", 45 que contemplaremos no cé u. Essa fé , apesar
de sua obscuridade, supera infinitamente as mais aguçadas intuiçõ es
naturais e até o mais sublime conhecimento natural do anjo mais
elevado. Sã o Paulo declara: "Ainda que nó s ou um anjo do cé u vos
anuncie um evangelho alé m do que vos temos pregado, seja aná tema".
46

Enquanto a esperança nã o der lugar à posse definitiva de Deus,


pode-se perder a vida sobrenatural da graça e da caridade, mas
unicamente porque podemos enfraquecer e nã o cooperar. A graça
santificante, considerada em si mesma, e a caridade que está em nó s
sã o por si mesmas incorruptíveis, como a á gua viva que permaneceria
sempre pura, a menos que o vaso que a conté m se quebrasse. "Porque
Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem
resplandeceu em nossos coraçõ es. ... Mas temos este tesouro em vasos
de barro, para que a excelê ncia seja do poder de Deus, e nã o de nó s." 47
Podemos, infelizmente, perder a caridade, por causa da inconstâ ncia do
nosso livre arbítrio; mas, seja qual for a nossa fraqueza, o amor da
caridade considerado em si mesmo "é forte como a morte, o ciú me tã o
duro como o inferno, as suas lâ mpadas sã o fogo e chamas. Muitas
á guas nã o podem extinguir a caridade, nem as inundaçõ es podem
afogá -la". 48 É este amor que diariamente arrebata as almas ao
demó nio, à s seduçõ es do mundo; é este amor que venceu as
perseguiçõ es e os tormentos mais terríveis. Se nos deixarmos penetrar
por ela, somos invencíveis.
Este amor de caridade é o mesmo que subsiste no cé u. Pressupõ e
que nascemos "nã o do sangue, nem da vontade da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus"; 49 que nã o somos apenas servos de
Deus, mas Seus filhos e amigos de acordo com uma filiaçã o adotiva,
que é tã o real quanto a graça. Mas a realidade da graça difere da da
carne, pois a graça nos é dada para durar para sempre.
Agora vemos claramente por que a revelaçã o nos ensina que a
Santíssima Trindade habita em cada alma em estado de graça como em
um templo onde é conhecida e amada. No cé u, a Trindade habita nas
almas dos bem-aventurados como num taberná culo vivo onde nunca
cessa de ser glorificada. Mas como a vida da graça e da caridade é em
sua essê ncia a mesma do cé u, devemos admitir, como nos ensina a
revelaçã o, que també m nesta terra a Santíssima Trindade habita nas
almas justas: "Se algué m me ama", diz Cristo, "ele guardará a minha
palavra, e meu Pai o amará , e viremos para ele, e faremos nele morada".
50 "E quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele." 51
"Mas, quando vier o Espírito da verdade, Ele vos ensinará toda a
verdade." 52 "Nã o sabeis", diz Sã o Paulo aos coríntios, "que sois o
templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vó s?" 53 "Ou nã o
sabes que os teus membros sã o o templo do Espírito Santo, que está
em ti, a quem tens da parte de Deus; e tu nã o é s de ti mesmo?" 54 "Pois
você é o templo do Deus vivo." 55
Esta habitaçã o da Santíssima Trindade em nó s é atribuída ao
Espírito Santo porque a caridade, que permanecerá no cé u, nos
assemelha mais particularmente ao Espírito de amor; ao passo que a
fé , que será substituída pela visã o, assemelha-nos ainda
imperfeitamente ao Verbo, figura do Pai e esplendor da sua substâ ncia.
A Santíssima Trindade nã o deixa de estar inteiramente em nó s como a
vida da nossa vida, a alma da nossa alma; ocasionalmente ela se faz
sentir por nó s, especialmente pelo dom da sabedoria, 56 e assim nos
prepara na obscuridade da fé para a vida do cé u.
"A vida eterna iniciada", diz Bossuet, 57 "consiste em conhecer pela fé
(um conhecimento terno e afetuoso que inclina a alma ao amor); 58 e a
vida eterna consumada consiste em ver abertamente e face a face.
Jesus Cristo nos dá tanto o um e outro porque Ele merece esta vida
para nó s, e é seu princípio em todos os membros que Ele anima”.
Tal é a vida de graça e de caridade; é infinitamente superior ao
gê nio, ao dom dos milagres, ao conhecimento dos anjos. 59 Em
particular, tal deve ser a perfeiçã o cristã , cuja verdadeira natureza e
condiçõ es podemos agora determinar mais facilmente sem diminuí-
las. Já vimos a natureza da conformidade com o Filho ú nico de Deus,
uma conformidade progressiva que deve tornar-nos semelhantes a
Cristo Jesus na sua vida oculta, apostó lica e sofrida, antes de nos fazer
participantes da sua vida gloriosa, cuja semente já possuem: "Aquele
que crê no Filho tem a vida eterna". 60
Notaremos agora duas consequências importantes dessa doutrina.
1) Visto que a graça santificante é o começo da vida eterna, e visto
que toda alma justa goza da uniã o habitual com a Santíssima Trindade
que nela habita, a uniã o mística, ou a uniã o real, íntima e quase
contínua com Deus, tal como é encontrada aqui na terra nas almas
santas, aparece como o ponto culminante na terra do desenvolvimento
da graça das virtudes e dos dons, e como o prelú dio normal, embora
pouco frequente, da vida no cé u. 61 Esta uniã o mística pertence, de fato,
à ordem da graça santificante; procede essencialmente da "graça das
virtudes e dos dons" e nã o das graces gratis datae , que sã o transitó rias
e em certo sentido exteriores (como milagres e profecias) e que podem
acompanhá -la. A vida mística é a vida cristã , que, por assim dizer,
tornou-se consciente de si mesma. Nã o nos dá a certeza absoluta de
que estamos em estado de graça, certeza que, segundo o Concílio de
Trento, pressuporia uma revelaçã o especial, mas como diz Sã o Paulo:
"O pró prio Espírito dá testemunho ao nosso espírito , que somos filhos
de Deus". 62 Ele nos faz saber disso, observa Sã o Tomá s, "pelo amor
filial que Ele produz em nó s". 63
2) Como a vida da graça é essencialmente ordenada à da gló ria, o
á pice normal, embora de fato bastante raro, de seu desenvolvimento
deve ser uma disposiçã o muito perfeita para receber a luz da gló ria
imediatamente apó s a morte sem passar pelo purgató rio; pois é
apenas por nossa pró pria culpa que seremos detidos naquele lugar de
expiaçã o, onde a alma nã o pode mais merecer. Ora, esta perfeitíssima
disposiçã o à glorificaçã o imediata nã o pode ser outra coisa senã o uma
intensa caridade unida ao ardente desejo da visã o beatífica, tal como as
encontramos particularmente na uniã o transformadora, depois das
dolorosas purificaçõ es passivas que libertaram a alma de suas
impurezas . Visto que nada impuro pode entrar no cé u, em princípio
uma alma deve passar por essas purificaçõ es passivas pelo menos em
certa medida antes da morte enquanto merece e progride, ou apó s a
morte sem mé rito ou progresso. 64
Essas consequências, à s quais voltaremos, revelam a grandeza da
perfeiçã o cristã que pode ser realizada na terra e contêm o
ensinamento mais elevado e prá tico.

ARTIGO II
A perfeição cristã consiste especialmente na caridade
Em nosso tratamento da perfeiçã o cristã , consideramos o fim para o
qual ela é essencialmente ordenada e, desse ponto de vista, a definimos
como o começo da vida eterna em nossas almas, ou a vida eterna
iniciada na obscuridade da fé. A perfeiçã o nesta vida é o
desenvolvimento da graça, que foi definida como a semente da gló ria.
Das três virtudes teologais que possuímos, uma, a caridade, deve durar
para sempre.
Com Sã o Tomá s de Aquino como nosso guia, devemos agora considerar
em que consiste especialmente e principalmente a perfeiçã o cristã
aqui na terra; quais sã o suas relaçõ es com as virtudes e dons do
Espírito Santo, e com os preceitos e os conselhos.
Veremos que a perfeiçã o cristã consiste sobretudo na caridade:
primeiramente na caridade para com Deus; e secundariamente na
caridade para com o pró ximo. Estudaremos entã o a caridade dos
perfeitos em contraste com a dos iniciantes e dos proficientes, e
veremos quais sã o os graus da caridade perfeita, até o heroísmo e a
santidade. Isso nos levará a considerar as relaçõ es da caridade dos
perfeitos com as outras virtudes, com as purificaçõ es passivas da alma
e com os dons do Espírito Santo, que sã o os princípios da
contemplaçã o. Por este método veremos claramente a dificuldade e a
grandeza da perfeiçã o evangélica considerada em toda a sua grandeza,
tal como nos é proposta por nosso Senhor nas oito bem-aventuranças
no início do Sermã o da Montanha.
Em segundo lugar, trataremos das relaçõ es de perfeiçã o assim
definidas com o preceito do amor e com os conselhos; e, finalmente,
veremos em que graus variados a obrigaçã o de tender à perfeiçã o
vincula todos os cristã os, sejam clé rigos, religiosos ou seculares. Esta é ,
com vá rios acré scimos, a ordem seguida por St. Thomas em sua
exposiçã o do assunto. 2
DOUTRINAS ERRÔ NEAS OU INCOMPLETAS SOBRE A ESSÊ NCIA DA PERFEIÇÃ O

Para resolver a questã o sobre o que constitui especialmente a


perfeiçã o cristã , Sã o Tomá s pergunta, a título de objeçã o, se consiste
principalmente na sabedoria, ou na fortaleza, ou na paciência, ou no
agregado das virtudes. Tais concepçõ es diferentes, de fato, apresentam-
se mais ou menos explicitamente à mente.
Os pensadores gregos consideravam que a perfeiçã o residia
sobretudo na sabedoria, tã o estimada pelo filó sofo; naquela visã o
superior de todas as coisas vistas em sua primeira causa e fim ú ltimo,
uma visã o que percebe a harmonia do universo e deve dirigir toda a
nossa vida.
Hoje os teosofistas fazem com que a perfeiçã o consista em uma
"consciê ncia de nossa identidade divina", na intuiçã o de nossa
divindade. A teosofia pressupõ e o panteísmo; é a negaçã o radical da
ordem sobrenatural e de todos os dogmas cristã os, embora muitas
vezes preserve os termos do cristianismo, dando-lhes um significado
totalmente diferente. É uma imitaçã o e corrupçã o muito pé rfida de
nosso ascetismo e misticismo. 3
Alguns cristã os estariam inclinados a dizer que a perfeiçã o consiste
principalmente na contemplaçã o, que tem sua origem no dom da
sabedoria. Para provar sua afirmaçã o, eles citavam o texto de Sã o
Paulo: "Na malícia sejam filhos, e nos sentidos sejam perfeitos." 4
"Falamos sabedoria entre os perfeitos. . . . O homem espiritual julga
todas as coisas. . . . Temos a mente de Cristo." 5 Lendo estes textos
inspirados de forma demasiado natural e demasiado precipitada,
alguns talvez esperem alcançar rapidamente a perfeiçã o pela leitura
assídua dos grandes místicos sem, no entanto, se preocuparem
suficientemente com a prá tica das virtudes que estes autores
recomendam, e també m sem ter bem presente que a verdadeira
contemplaçã o deve ser inteiramente penetrada pela caridade
sobrenatural e pelo esquecimento de si. 6
De um ponto de vista inferior, alguns podem até pensar que o estudo
da teologia e das ciê ncias afins é o mais importante na vida do
sacerdote, do apó stolo, porque deve lutar contra o erro e iluminar as
mentes. Poder-se-ia, assim, ser levado a considerar praticamente como
secundá ria na vida sacerdotal e apostó lica a celebraçã o da missa e a
uniã o com Deus; mas esta uniã o é a pró pria alma do apostolado. Sem
se dar conta disso, quantos fazem com que a perfeiçã o consista no que
chamam de pleno desenvolvimento de sua personalidade. Eles a
buscam principalmente em uma cultura humana ampla e bem
equilibrada que é "bem informada" sobre problemas reais e cuidadosa
em compreender aquelas fases do cristianismo que sã o mais atraentes
para uma natureza elevada. Mas eles tê m apenas um conhecimento
superficial disso e sã o entregues a um naturalismo prá tico desprovido
de qualquer influê ncia vivificante nas almas. Aqueles entre eles que,
com o passar do tempo, sã o profundamente tocados pela graça de
Deus, percebem seu erro peculiar e entendem que construir apenas
sobre o intelecto é construir sobre a areia, como diz Sã o Tomá s ao
comentar a expressã o de nosso Senhor , "como um homem tolo que
construiu sua casa sobre a areia." 7 A menos que seja vivificado pelo
amor de Deus, "o conhecimento incha", diz Sã o Paulo, "mas a caridade
edifica". 8 Isso porque nos faz viver nã o para nó s mesmos, como faz
aquele que busca apenas o pleno desenvolvimento de sua pró pria
personalidade, mas para Deus: "A caridade, propriamente falando, nos
faz tender a Deus, unindo a Ele nossos afetos, para que vivamos, nã o
para nó s mesmos, mas para Deus”. 9
Outra tendê ncia igualmente imperfeita se opõ e a esse ultra-
intelectualismo. As naturezas inclinadas à açã o sã o por essa mesma
tendê ncia levadas a fazer com que a perfeiçã o consista principalmente
na atividade externa, na fortaleza, ou na coragem que deve ser
demonstrada em tal atividade, ou na paciê ncia quando as
circunstâ ncias sã o desfavoráveis. Para os heró is da antiguidade, o
homem perfeito é antes de tudo o homem forte, o homem corajoso. Se
esta concepçã o for transposta para a ordem sobrenatural, serã o citadas
as palavras de Sã o Tiago: "A paciê ncia faz uma obra perfeita." 10 Esta é ,
de fato, a grande virtude que demonstra a santidade do má rtir. Mas
essa paciê ncia é inspirada e controlada por uma virtude superior.
De acordo com uma tendê ncia aná loga, alguns podem ser levados a
fazer a perfeiçã o consistir especialmente em austeridade, jejum,
prá ticas penitenciais; deste ponto de vista, as ordens religiosas mais
austeras seriam as mais perfeitas. Um certo amor pela austeridade,
nã o isento de orgulho, como encontramos nos jansenistas, poderia
assim ser desenvolvido, o que se tornaria entã o falso zelo e amargura.
A caridade seria sacrificada a ela, 11 e a virtude seria feita para consistir
no que é difícil, e nã o no que é bom e na ordem querida por Deus. 12
Esse erro confundiria os meios com o fim, ou mesmo inverteria a
ordem dos meios para o fim, que é a uniã o com Deus. A austeridade
deve ser proporcional a esse fim; nã o é o fim. 13 O mesmo deve ser dito
da humildade, que nos prostra diante de Deus para que possamos com
docilidade receber Sua influê ncia, que deve nos elevar a Ele. 14
Outros podem ser levados a fazer consistir a perfeiçã o sobretudo no
culto interior e exterior devido a Deus, nos atos de virtude da religiã o,
no fiel cumprimento dos exercícios de piedade e na devoçã o que os
anima. Esta opiniã o se aproxima da verdade; no entanto, esta visã o nã o
discerne suficientemente a superioridade das virtudes teologais que,
mais do que as outras, nos unem a Deus porque sã o imediatamente
especificadas por Ele. A virtude da religiã o é inferior a eles porque está
diretamente relacionada nã o com o pró prio Deus, mas com a adoraçã o
devida a Ele. 15 Deste ponto de vista, talvez se pudesse estar mais
atento ao culto e à liturgia do que ao pró prio Deus; aos nú meros do que
à realidade; à maneira de recitar um Pai-Nosso ou um Gló ria do que ao
significado sublime dessas oraçõ es. O serviço de Deus teria
precedê ncia sobre o amor de Deus.
Outros, embora poucos em nú mero, podem ser tentados a ver a
perfeiçã o na vida solitá ria, especialmente se a alma for favorecida com
visõ es e revelaçõ es. Aristó teles diz no primeiro livro de sua Politica:
"Aquele que vive na solidã o e nã o se comunica mais com os homens, é
uma besta ou um deus." E o pró prio Espírito Santo, pela boca do
profeta Osee, diz do povo escolhido, a figura da alma interior: "Eu a
atrairei e a conduzirei ao deserto: e falarei ao seu coraçã o". 16 Mas
segue-se que o amor à solidã o é a essê ncia da perfeiçã o? Se isso fosse
verdade, como poderiam os cristã os fervorosos, detidos no mundo por
seus deveres, atingir a perfeiçã o? E quanto aos apó stolos e sacerdotes
consagrados ao ministé rio, que nã o podem retirar-se para uma
Tebaida? Sã o Tomá s acredita que "a solidã o, como a pobreza, nã o é a
essê ncia da perfeiçã o, mas um meio para ela". 17
Sã o Francisco de Sales diz: “Cada um pinta a devoçã o de acordo com
sua pró pria paixã o e fantasia. considera-se devoto por recitar
diariamente uma multiplicidade de oraçõ es, embora logo em seguida
pronuncie as palavras mais desagradáveis, arrogantes e injuriosas
entre seus domé sticos e vizinhos. de seu coraçã o perdoar seus
inimigos. Outro prontamente perdoa seus inimigos, mas nunca satisfaz
seus credores, senã o por constrangimento. Estes, por alguns, sã o
considerados devotos, quando, na realidade, nã o o sã o de forma
alguma. 18 Cada um está inclinado a julgar de acordo com suas aptidõ es
e gostos individuais, e entã o buscar uma justificaçã o de seus pontos de
vista.
Para evitar esta falha, alguns fazem a perfeiçã o consistir no conjunto
das virtudes cristã s, e invocam as palavras de Sã o Paulo: "Vó s vos vestis
da armadura de Deus, para que possais resistir aos enganos do
demô nio... para que possais resistir no dia mau e permanecer perfeitos
em todas as coisas”. 19 É certo que todas as virtudes cristã s sã o
necessá rias à perfeiçã o evangé lica: a fé , a esperança, a caridade e as
virtudes morais, entre as quais a mais importante é a virtude da
religiã o, que é a justiça em relaçã o a Deus. Mas todas essas virtudes sã o
reguladas como as funçõ es de um organismo. Nã o há um entre eles que
domine todos os outros, que os inspire, os comande, os anime ou
informe e faça convergir seus esforços para um fim supremo? E nã o é
nesta virtude dirigente que consiste especialmente a perfeiçã o?
Portanto, as outras virtudes nã o devem ser subordinadas a esta virtude
dirigente?
A VERDADEIRA SOLUÇÃ O: A PERFEIÇÃ O CONSISTE PRINCIPALMENTE NA CARIDADE

Para resolver a questã o assim proposta, consideraremos o ensino


das Escrituras e depois o da teologia.
Sã o Paulo ensina, e toda a tradiçã o cristã o segue: "Revesti-vos, pois,
como eleitos de Deus, santos e amados, das entranhas da misericó rdia,
benignidade, humildade, modé stia, paciê ncia: suportai-vos uns aos
outros... Mas Acima de tudo, tende a caridade, que é o vínculo da
perfeiçã o. E regozije-se a paz de Cristo em vossos coraçõ es, onde
també m fostes chamados em um só corpo. 20 É esta virtude da caridade
que corresponde aos dois maiores preceitos, que sã o o fim de todos os
outros e dos conselhos: "Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu
coraçã o, e de toda a tua alma, e de todo o tuas forças, e de todo o teu
entendimento; e ao teu pró ximo como a ti mesmo”. 21
Sã o Paulo está tã o firmemente convencido desta superioridade da
caridade sobre todas as outras virtudes, sobre os dons e sobre as
graças concedidas gratuitamente, que escreve: "Se eu falar as línguas
dos homens e dos anjos, e nã o tiver caridade, Tornei-me como o bronze
que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tivesse profecia e
conhecesse todos os misté rios e toda a ciê ncia, e ainda que tivesse
toda a fé , a ponto de transportar montanhas, e nã o tivesse caridade,
nada sou. . E se eu distribuir todos os meus bens para alimentar os
pobres, e se eu entregar meu corpo para ser queimado, e nã o tiver
caridade, isso de nada me servirá”. 22 Nã o cumpro o primeiro
mandamento de Deus; Eu nã o conformo minha vontade com a Dele; Eu
permaneço afastado Dele.
Alé m disso, a caridade de certo modo implica todas as virtudes que
lhe estã o subordinadas e que aparecem como outras tantas
modalidades ou aspectos do amor de Deus. Isto é o que Sã o Paulo diz
na mesma epístola: "A caridade é paciente, é benigna: a caridade nã o
inveja, nã o age perversamente; nã o se ensoberbece; nã o é ambiciosa,
nã o busca os seus interesses, nã o se irrita, nã o pensa mal; nã o se alegra
com a iniqü idade, mas se regozija com a verdade; tudo sofre, tudo crê ,
tudo espera, tudo suporta”. 23 A isso devemos acrescentar com o grande
Apó stolo: "A caridade nunca desaparece: se as profecias serã o
anuladas, ou as línguas cessarã o, ou o conhecimento será destruído.
Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos. Mas quando isso
veio o que é perfeito, o que é em parte será aniquilado. . . Vemos agora
atravé s de um espelho de maneira obscura; mas entã o veremos face a
face. Agora conheço em parte; mas entã o conhecerei como eu sou
conhecido. E agora permanecem a fé , a esperança e a caridade, estas
trê s: mas a maior delas é a caridade. 24 Ela subsistirá eternamente,
quando a fé e a esperança tiverem desaparecido para dar lugar à visã o e
à posse definitiva de Deus. Alé m disso, segundo Sã o Paulo, na medida
em que amamos a Deus, nó s O conhecemos com aquele doce
conhecimento, que é a sabedoria divina: “Arraigados e fundados na
caridade, podeis compreender com todos os santos, qual é a largura, e
o comprimento, e a altura, e a profundidade; para conhecer també m a
caridade de Cristo, que excede todo conhecimento, para que sejais
cheios de toda a plenitude de Deus”. 25 Finalmente, Sã o Paulo diz, em
vá rias ocasiõ es, que pela caridade nos tornamos templos do Espírito
Santo.
O Apó stolo Sã o Joã o ensina a mesma doutrina: "Deus é caridade: e
aquele que permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele".
26 "Aquele que nã o ama nã o conhece a Deus, porque Deus é caridade." 27
"Sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os
irmã os. Quem nã o ama, permanece na morte." 28
Sã o Pedro expressa o mesmo pensamento: "Mas, antes de tudo,
tenham uma caridade mú tua constante entre si: porque a caridade
cobre uma multidã o de pecados". 29 Nosso Senhor mesmo disse de
Madalena: "Muitos pecados lhe foram perdoados, porque ela muito
amou."
O pleno valor deste ensinamento da Sagrada Escritura, comentado
pelos padres, é -nos revelado atravé s da luz esclarecedora da teologia.
Sã o Tomá s prova que a perfeiçã o cristã consiste sobretudo na caridade:
«Diz-se que uma coisa é perfeita na medida em que atinge o seu fim
pró prio, que é a sua perfeiçã o ú ltima». 30 Tomemos, por exemplo, o
soldado que sabe lutar, o mé dico que sabe curar, o douto professor que
tem a arte de comunicar os seus conhecimentos. Nã o devemos,
entretanto, confundir esses fins particulares do soldado, do mé dico e
do professor com o fim universal do homem e do cristã o. "Agora",
continua Sã o Tomá s, "é a caridade que nos une a Deus, que é o fim
ú ltimo da mente humana, pois aquele que permanece na caridade
permanece em Deus e Deus nele" (I Joã o 4: 16). . Portanto, a perfeiçã o
da vida cristã consiste principalmente na caridade." 31
Mais adiante, o santo doutor acrescenta: "Diz-se que a perfeiçã o de
uma coisa consiste de duas maneiras: de uma maneira, primá ria e
essencialmente; de outra, secundá ria e acidentalmente. Primá ria e
essencialmente, a perfeiçã o da vida cristã consiste na caridade;
principalmente quanto ao amor de Deus, secundariamente quanto ao
amor ao pró ximo, ambos os quais sã o maté ria dos principais
mandamentos da lei divina. , de modo que o que está alé m da medida
seja uma questã o de conselho." 32. Voltaremos mais tarde à questã o dos
conselhos de pobreza, castidade e obediê ncia, mas já agora está claro
que estã o subordinados à caridade. Nã o menos certamente o primeiro
objeto desta virtude teologal é o pró prio Deus. Nosso pró ximo é o
objeto secundá rio dela, e ele deve ser amado por causa de Deus, a quem
ele deve glorificar eternamente conosco participando de sua bem-
aventurança.
A caridade assim concebida é verdadeiramente "o vínculo da
perfeiçã o", como diz Sã o Paulo, porque se o homem é aperfeiçoado por
todas as virtudes, a caridade os une a todos, os inspira, os governa, os
anima ou os informa e assegura sua perseverança fazendo convergir os
seus atos para o fim ú ltimo, para Deus amado acima de tudo. A
caridade nã o apenas nos liga a Deus, mas, em certo sentido, també m
liga todas as virtudes e as torna todas uma. 33
Alé m disso, porque a caridade nos une assim ao nosso fim ú ltimo,
nã o pode coexistir com o pecado mortal, que nos afasta desse fim.
Portanto, a caridade é inseparável do estado de graça, ou da vida divina,
enquanto a fé e a esperança podem ser encontradas em uma alma
pecadora em estado de pecado mortal. Esta é a explicaçã o da afirmaçã o
de Sã o Paulo: "Se eu tivesse toda a fé , a ponto de remover montanhas, e
nã o tivesse caridade, nada seria." 34 Sem a caridade permanecemos na
morte, diz Sã o Joã o. Isso també m explica as palavras de Sã o Pedro: "A
caridade cobre uma multidã o de pecados".
Por fim, como a caridade nã o tem nenhuma das imperfeiçõ es da fé e
da esperança, ela subsistirá eternamente; també m aqui na terra a
caridade chega diretamente a Deus, e por isso nos torna templos do
Espírito Santo. 35. Portanto, a perfeiçã o consiste especialmente na
caridade. Nã o só reú ne todas as nossas forças, inspira nossa paciê ncia
e perseverança, mas també m une as almas e as conduz à unidade na
verdade.
A OBJEÇÃ O DOS INTELECTUAIS: POR QUE A CARIDADE É SUPERIOR AO NOSSO
CONHECIMENTO DE DEUS

Algumas pessoas, especialmente intelectuais, farã o uma objeçã o a


esta grande doutrina tradicional. Nã o é o intelecto, dirã o eles, a
primeira faculdade do homem, aquela que dirige todas as outras, que
primeiramente nos distingue dos animais? Nã o devemos concluir que a
perfeiçã o do homem reside especialmente no conhecimento intelectual
que ele pode ter de todas as coisas consideradas em seu começo e fim;
e, portanto, que a perfeiçã o do homem reside no conhecimento de
Deus, a regra suprema da vida humana?
Sã o Tomá s certamente nã o deixou de reconhecer este aspecto do
problema da perfeiçã o. Ele mesmo admite que o intelecto é superior à
vontade que dirige. O intelecto tem, de fato, um objeto mais simples,
mais absoluto, mais universal, sendo em toda a sua universalidade e,
consequentemente, todo ser; a vontade, ao contrá rio, tem um objeto
mais restrito, o bem, que é uma modalidade do ser, e que em tudo é a
perfeiçã o que o torna desejável. Assim como o bem supõ e o ser, a
vontade pressupõ e o intelecto e é por ele dirigida. É , pois, pelo
intelecto, a mais alta de suas faculdades, 36 que o homem difere
especificamente dos animais.
Sã o Tomá s també m admite que no cé u nossa bem-aventurança
consistirá essencialmente na visã o beatífica, na visã o intelectual e
imediata da essê ncia divina; pois é principalmente por essa visã o que
tomaremos posse de Deus por toda a eternidade. O amor beatífico será
apenas a consequê ncia necessá ria deste conhecimento imediato do
soberano bem. Como as propriedades de um objeto brotam de sua
essê ncia, nosso amor imutável a Deus e a alegria de possuí-lo seguirã o
necessariamente a visã o beatífica, que será assim a essê ncia de nossa
bem-aventurança. 37
O Doutor Angélico nã o poderia afirmar melhor a superioridade do
intelecto sobre a vontade, em princípio, e na perfeita luz do céu. Por que
ele agora nos diz que a perfeiçã o cristã nesta vida consiste
especialmente na caridade, que é uma virtude da vontade, e nã o na fé,
ou no dom da sabedoria, ou na contemplaçã o, todas as quais pertencem
ao intelecto?
Ele mesmo nos deu uma resposta profunda a esta questã o, e uma
resposta de importâ ncia primordial na teologia ascé tica e mística. Ele
nos diz em substâ ncia 38 que, embora uma faculdade possa, por sua
pró pria natureza, ser superior a outra, como a visã o é superior à
audiçã o, é possível que um ato da segunda possa ser superior a um ato
da primeira, como a audiçã o de um sinfonia sublime e muito rara é de
ordem superior à visã o de uma cor comum. Assim, embora o intelecto
por sua pró pria natureza ( simpliciter ) possa ser superior à vontade
que ele dirige, porque tem um objeto mais simples, mais absoluto, mais
universal, ainda assim em certas circunstâ ncias ( secundum quid ) e em
relaçã o a Deus, o o intelecto nesta vida permanece inferior à vontade;
em outras palavras, aqui na terra o amor de Deus é mais perfeito que o
conhecimento de Deus; enquanto é melhor conhecer as coisas
inferiores do que amá -las. Uma observaçã o profunda sobre a qual nã o
se pode meditar muito.
E de onde vem essa superioridade do amor de Deus sobre o
conhecimento que temos dele na terra? "A açã o do intelecto consiste
nisto", diz Sã o Tomá s, 39 "que a ideia da coisa inteligida está naquele
que compreende; enquanto o ato da vontade consiste nisto - que a
vontade está inclinada para a coisa como existindo em si mesmo. E,
portanto, o Filó sofo diz ( Metáfio . VI) que o bem e o mal, que sã o
objetos da vontade, estã o nas coisas, mas a verdade e o erro, que sã o
objetos do intelecto, estã o na mente. Segue-se que nesta vida o nosso
conhecimento de Deus é inferior ao amor de Deus, pois, como diz o
Doutor Angé lico, 40 para conhecer a Deus nó s, de certo modo, o
atraímos a nó s, e para o representarmos nó s mesmos impomos a Ele
os limites de nossas idé ias limitadas. Por outro lado, quando O
amamos, elevamo-nos a Ele, tal como Ele é em Si mesmo.
É melhor, portanto, amar a Deus do que conhecê-lo, embora o amor
sempre suponha um certo conhecimento e seja dirigido por ele. Por
outro lado, é melhor conhecer as coisas inferiores do que amá -las. Ao
, q
conhecê-los nó s os elevamos, de certa forma, à nossa inteligência;
considerando que, ao amá -los, nos inclinamos em direçã o a eles e
podemos nos tornar subservientes a eles como o avarento é ao seu
tesouro. É melhor conhecer as propriedades do ouro do que amá -lo.
Esta é uma das principais doutrinas do tratado sobre o homem que nos
foi deixado por Sã o Tomá s.
O santo doutor repete este ensinamento no folheto sobre a caridade
41 quando pergunta: "Se Deus pode ser amado imediatamente nesta

vida?" Ele responde: "O conhecimento de Deus, por ser mediano, é


considerado enigmá tico e desaparece no cé u... Mas a caridade nã o
desaparece... Portanto, a caridade do caminho adere a Deus
imediatamente. A razã o pois isto é que o ato de uma potê ncia cognitiva
é completado pelo fato de a coisa conhecida estar no conhecedor,
enquanto o ato de uma potê ncia apetitiva consiste em o apetite
inclinar-se para a pró pria coisa. é um ato da potê ncia apetitiva, mesmo
neste estado de vida, tende primeiro a Deus, e dele flui para as outras
coisas, e neste sentido a caridade ama a Deus imediatamente, e as
outras coisas por Deus”. Este amor deve estender-se ao pró ximo, que
deve ser amado pelo amor do nosso Pai comum. "Pois o conhecimento
começa nas criaturas, tende para Deus, e o amor começa com Deus
como o fim ú ltimo e passa para as criaturas." 42
Com isso vemos a superioridade da caridade em comparaçã o com a
fé e a esperança. “Mas a fé e a esperança alcançam a Deus, de fato, na
medida em que dele derivamos o conhecimento da verdade ou a
aquisiçã o do bem, ao passo que a caridade alcança o pró prio Deus para
que nele descanse, mas nã o para que algo nos advenha dele. a caridade
é mais excelente do que a fé ou a esperança e, conseqü entemente, do
que todas as outras virtudes, que nã o tê m Deus diretamente por seu
objeto”. 43 Assim se explica que a caridade, ao contrá rio da fé e da
esperança, é inseparável do estado de graça e da habitaçã o da
Santíssima Trindade em nó s: «Quem permanece na caridade
permanece em Deus e Deus nele». 44
Em virtude do mesmo princípio enunciado por Sã o Tomá s, vemos
ainda que a caridade é superior a todo conhecimento nesta vida,
mesmo à contemplaçã o, que procede do dom da sabedoria. Este
conhecimento quase experimental de Deus impõ e-lhe també m, de
facto, os limites das nossas ideias e extrai o seu sabor do pró prio amor
que o inspira. É a caridade que estabelece em nó s uma simpatia pelas
coisas divinas, que assim se tornam desejáveis. 45. Os dons do Espírito
Santo encontram assim sua regra remota nas virtudes teologais; sã o
regidos imediatamente por inspiraçõ es divinas de modo sobre-
humano e, deste ponto de vista, acrescentam uma nova perfeiçã o à s
virtudes teologais. No entanto, eles permanecem subordinados a eles
por natureza, 46 e seus frutos sã o os pró prios frutos da caridade: alegria
e paz.
Tudo isso nos mostra o significado profundo da expressã o de Sã o
Paulo: "A caridade é o vínculo da perfeiçã o". A caridade nã o só nos une a
Deus mais do que as outras virtudes, mas também as une a todas,
inspirando-as e ordenando todos os seus atos a um fim ú ltimo que é
seu pró prio objeto, a Deus amado acima de tudo. Por isso é chamada a
mã e de todas as virtudes. Com esta interpretaçã o em mente, Santo
Agostinho poderia dizer: "Ame e faça o que quiser". E, de fato, você
pode, desde que ame o Senhor com toda a verdade, mais do que a si
mesmo e acima de todas as coisas. Como podemos amá -lo assim, a
menos que observemos seus mandamentos, o primeiro dos quais, o do
amor, é o começo e o fim de todos os outros?
Devemos concluir com todos os teó logos que a perfeiçã o da vida
cristã consiste principalmente na caridade, numa caridade ativa, que
realmente nos une a Deus, e é fecunda em todo tipo de boa obra. 47 Esta
virtude deve, sem dú vida, ocupar o primeiro lugar em nossas almas.
A PERFEIÇÃ O É UMA PLENITUDE

Do que acabamos de dizer devemos concluir que as outras virtudes,


por mais importantes que sejam, como a fé , a esperança, a virtude da
religiã o, a prudê ncia, a justiça, a fortaleza, a paciê ncia, a temperança, a
mansidã o e a humildade, nã o contribuem para a a essê ncia da
perfeiçã o, e a ela pertencem apenas acidentalmente como
instrumentos, ou meios secundá rios? Alguns teó logos pensaram assim.
48 Acreditamos, poré m, com o padre Passerini, OP, que entre os

tomistas comentou mais profundamente o artigo de Sã o Tomá s que


agora explicamos, que tal nã o é o pensamento do santo doutor. O
pró prio Sã o Tomá s diz: "Primeira e essencialmente a perfeiçã o da vida
cristã consiste na caridade, principalmente no amor de Deus,
secundariamente no amor ao pró ximo, ambos os quais sã o maté ria dos
principais mandamentos do divino lei. . . . Secundá ria e
instrumentalmente, poré m, a perfeiçã o consiste na observâ ncia dos
conselhos. . . . Pois os mandamentos, alé m dos preceitos da caridade,
sã o dirigidos para a remoçã o de coisas contrá rias à caridade, com as
quais, a saber a caridade é incompatível, ao passo que os conselhos sã o
dirigidos para a remoçã o de coisas que impedem o ato de caridade e,
no entanto, nã o sã o contrá rias à caridade”. 49 Segue-se, como mostra
Passerini, que a perfeiçã o consiste essencialmente nã o apenas na
caridade, mas també m nos atos das outras virtudes que sã o de
preceito e que sã o ordenadas pela caridade. 50 Assim, os atos de fé ,
esperança, religiã o e oraçã o, participaçã o na missa e recepçã o da
sagrada comunhã o, pertencem à pró pria essê ncia da perfeiçã o, que é
uma plenitude. Para usar a palavra de Sã o Paulo, a caridade é o vínculo
dessa plenitude. Podemos, portanto, dizer com verdade com Sã o
Tomá s, que a perfeiçã o consiste particularmente na caridade, 51 e
principalmente no amor de Deus. 52 Da mesma forma, o corpo e a alma
constituem a pró pria essê ncia do homem, embora essa essê ncia seja
constituída principalmente pela alma racional, que distingue o homem
dos animais. Tal é o lugar da caridade na vida cristã . Sã o Tomá s diz com
razã o: "A vida cristã consiste principalmente na caridade, que une a
alma a Deus". Ao contrá rio da fé e da esperança, a caridade exclui
absolutamente o pecado mortal e exige o estado de graça ou de vida.
Segue-se que toda alma em estado de graça é perfeita? Até agora tem
perfeiçã o apenas no sentido amplo do termo ( perfectio substancialis ),
que exclui o pecado mortal; mas nã o só por isso tem a perfeiçã o,
propriamente dita ( perfectio simpliciter ), de que fala a teologia
ascética e mística e a que aspiram as almas interiores, especialmente as
consagradas a Deus no estado religioso.
No artigo seguinte veremos em que consiste esta perfeiçã o,
propriamente dita, a perfeiçã o da caridade, ou a caridade dos perfeitos,
em contraste com a dos principiantes e a dos proficientes. Mas já
entrevemos a grandeza inexprimível da caridade também na alma que
acaba de ser arrebatada do pecado mortal e que começa a caminhar no
caminho da perfeiçã o. Esta alma realmente passou da morte para a
vida, para a vida que nunca deve acabar.

ARTIGO III
A plena perfeição da caridade pressupõe a purificação passiva dos
sentidos e do espírito
Vimos que a perfeiçã o cristã consiste principalmente na caridade.
Evidentemente, a posse desta virtude, o estado de graça, nã o é
suficiente para alcançar a perfeiçã o propriamente dita, de que fala a
teologia ascé tica e mística e da qual todas as almas interiores,
particularmente as consagradas a Deus no estado religioso, aspirar a.
"Nã o como se eu já tivesse alcançado ou já fosse perfeito", diz Sã o
Paulo, "mas sigo depois, se puder de alguma forma apreender". 1 Esta
perfeiçã o consiste precisamente na caridade dos perfeitos, que é
superior à caridade dos principiantes e das almas que progridem.
Neste artigo vamos tratar dessa caridade dos perfeitos, e vamos
considerá -la tanto em sua essê ncia quanto em sua integridade, ou sua
plenitude normal.
Trata-se aqui do á pice da caridade em seu desenvolvimento normal,
cuja lei fundamental, bem diferente da nossa natureza decaída, é a lei
da graça, que nos regenera progressivamente, e cuja consumaçã o é a
vida eterna.
Todos os escritores espirituais admitem trê s fases neste
desenvolvimento da caridade: (1) A dos iniciantes cujo principal
esforço é a luta contra o pecado. Por isso é chamada de via purgativa.
(2) A dos que progridem nas virtudes à luz da fé e da contemplaçã o.
Muitas vezes é chamado de caminho iluminativo. (3) A dos perfeitos,
que vivem especialmente em uniã o com Deus pela caridade. É
chamado de caminho unitivo. Esses trê s graus constituem a infâ ncia, a
adolescê ncia e a idade adulta da vida espiritual. 2
Esses termos gerais sã o comumente aceitos, mas nã o tê m
exatamente o mesmo significado para todos os teó logos. A partir dos
sé culos XVII e XVIII, vá rios autores admitiram duas formas unitivas; um
comum e ascé tico, o outro chamado "extraordiná rio", passivo e
místico, que nã o pode ser alcançado sem uma vocaçã o especial. Deste
ponto de vista, as almas podem geralmente ser perfeitas, e mesmo
alcançar a elevada perfeiçã o exigida para a beatificaçã o, sem terem
recebido nenhuma graça mística. Outros sustentam, segundo a
doutrina tradicional, que só existe uma via unitiva, e que seu pleno
desenvolvimento normal é a perfeita uniã o mística, ou a uniã o
transformadora. 3 Na opiniã o deles, esse caminho pertence em sua
qualidade essencial à ordem da graça santificante, ou "a graça das
virtudes e dos dons", e nã o à ordem inferior das graças gratis datae ,
como o dom de profecia ou a dos milagres, que à s vezes a
acompanham. Tocamos nessa questã o quando discutimos as relaçõ es
entre teologia ascé tica e mística. 4
Os autores de que acabá mos de falar apelam à tradiçã o anterior ao
século XVII e, em particular, a Sã o Joã o da Cruz. Portanto, devemos
examinar de perto sua doutrina sobre esse assunto, para que possamos
ver como ela deve ser interpretada e quais sã o suas relaçõ es com a
tradiçã o anterior.
I. DOUTRINA DE ST. JOÃ O DA CRUZ SOBRE A PERFEIÇÃ O DA CARIDADE

Este grande santo fala dos trê s caminhos, purgativo, iluminativo e


unitivo, em vá rias de suas obras, notadamente em A Subida do Monte
Carmelo (Livro I, cap. 1), A Noite Escura da Alma (Livro I, caps. 1, 14), e
O Cântico Espiritual (estrofes 1, 4, 6, 22, 26). Segundo ele, o caminho
iluminativo, ou o caminho das almas que progridem, começa com a
cessaçã o da meditaçã o e o início da contemplaçã o infusa ou mística.
Tratando desta contemplaçã o, ele diz: "As almas começam a entrar
nesta noite escura ( passiva ) quando o pró prio Deus as desvincula
pouco a pouco do estado de principiantes, aquele em que se medita, e
as introduz no estado de proficientes, que é a dos contemplativos. Eles
devem passar por este caminho para se tornarem perfeitos, isto é , para
alcançar a uniã o divina da alma com Deus”. 5
Esta ascensã o nã o é isenta de sofrimento, como nos adverte Sã o
Joã o da Cruz em A Subida ao Monte Carmelo: "Para alcançar a luz divina
e a uniã o perfeita do amor de Deus - falo do que se pode realizar nesta
vida - a alma deve passar pela noite escura... Normalmente, quando as
almas escolhidas se esforçam para alcançar esse estado de perfeiçã o,
elas encontram tanta escuridã o, suportam sofrimentos físicos e morais
tã o severos, que a ciê ncia humana é incapaz de penetrá -los, e a
experiê ncia humana é incapaz de penetrá -los. para representá -los". 6
Nã o é sem dificuldade que se consegue vencer completamente o
egoísmo, a sensualidade, a preguiça, a impaciê ncia, a inveja, o
julgamento injusto, os impulsos da natureza, a pressa natural, o amor-
pró prio, as tolas pretensõ es, e també m o egoísmo na piedade, o desejo
imoderado de consolaçõ es sensíveis , orgulho intelectual e espiritual;
em uma palavra, tudo o que se opõ e ao espírito de fé e confiança em
Deus; 7 para que algué m consiga amar a Deus perfeitamente de todo o
coraçã o, alma, força e mente, e ao pró ximo (inimigos estã o incluídos
neste título) como a si mesmo; em suma, permanecer firmes e
pacientes e perseverar na caridade, aconteça o que acontecer, quando
se verificar a expressã o do Apó stolo, de que “todos os que querem
viver piedosamente em Cristo Jesus padecerã o perseguiçõ es”. 8
Para alcançar esta perfeiçã o, a mortificaçã o ou purificaçã o ativa dos
sentidos e do espírito nã o é tudo o que é necessá rio: "Apesar de toda a
sua generosidade, a alma nã o pode purificar-se completamente, de
modo que seja um pouco apta para a uniã o divina na perfeiçã o do amor.
O pró prio Deus deve pô r a mã o na obra e purificar a alma neste fogo
que lhe está oculto, segundo o modo e a maneira que explicaremos a
seguir. 9
Antes de tudo, a alma é desmamada das consolaçõ es sensíveis, que
em certo momento tê m seu valor, mas que se tornam um obstá culo
quando sã o buscadas por si mesmas. Daí a necessidade da purificaçã o
passiva dos sentidos, que estabelece a alma na aridez sensível e a
conduz a uma vida espiritual muito mais desapegada dos sentidos, da
imaginaçã o e do raciocínio. Pelos dons do Espírito Santo, a alma recebe
neste momento um conhecimento intuitivo, que apesar de uma
escuridã o muito dolorosa a inicia profundamente nas coisas de Deus.
Ocasionalmente, faz com que a alma os penetre mais profundamente
em um instante do que meses e anos de meditaçã o teriam feito. A
resistê ncia à s tentaçõ es, que frequentemente se apresentam nesta
noite dos sentidos, exige atos heró icos de castidade e paciê ncia. 10 Este
período tem sido justamente comparado ao da dentiçã o em crianças
recé m-desmamadas. Com efeito, nesta fase a alma está preparada para
receber um alimento mais forte, as graças espirituais que lhe sã o
concedidas. Estas sã o muito mais preciosas do que as graças
anteriores, mas desconcertam a alma, nã o satisfazendo seu desejo de
graças sensíveis.
Depois de tratar dessa purificaçã o, Sã o Joã o da Cruz observa: "A
alma, portanto, saiu; começou a penetrar no caminho do espírito, que é
seguido por almas proficientes e avançadas, e que també m é chamado
o caminho iluminativo, ou o caminho da contemplaçã o infusa." 11 Este
texto é muito importante, pois Sã o Joã o aqui fala expressamente de
contemplaçã o infusa e nã o de contemplaçã o adquirida. 12
Mas, para alcançar a perfeiçã o da caridade, nã o basta a purificaçã o
passiva dos sentidos: "Ao deixar o estado de iniciante, a alma
permanece muitas vezes imó vel nos exercícios pró prios dos avançados
por um período indeterminado, que pode durar por anos. Como o
prisioneiro que acaba de sair de sua estreita prisã o, a alma está mais à
vontade nas coisas divinas e encontra nelas mais satisfaçã o... apego à
oraçã o discursiva 13 e ao esforço espiritual porque a alma agora
saboreia sem nenhum esforço intelectual uma contemplaçã o muito
calma e afetuosa acompanhada de delícias espirituais. a principal, que
é a do espírito, ainda falta... A alma ainda tem, portanto, de passar por
secura, escuridã o e angú stia, muitas vezes muito mais severas do que
as experiê ncias anteriores." 14 A necessidade desta purificaçã o passiva
do espírito nã o poderia ser mais claramente afirmada. De uma forma
ou de outra, deve ser experimentado para a obtençã o da perfeita
pureza da alma.
Neste período já nã o há pecados veniais deliberados, mas há ainda
as imperfeiçõ es pró prias dos adiantados, imperfeiçõ es incompatíveis
com a plena perfeiçã o da caridade. "As manchas do velho ainda
permanecem no espírito, embora ele nã o suspeite de sua presença,
nem apenas as perceba. Elas devem, no entanto, ceder e serem
removidas pelo forte sabã o e lixívia da purificaçã o passiva do espírito,
sem a qual ainda faltará a pureza necessá ria para a uniã o. Esses
proficientes sofrem també m de embotamento da mente e da grosseria
natural que todo homem contrai pelo pecado. Eles estã o sujeitos a
distraçõ es e à dissipaçã o da mente... O diabo frequentemente engana.
muitos por visõ es imaginá rias e falsas profecias que levam à
presunçã o. . . . Este assunto é inesgotável, e essas imperfeiçõ es sã o
tanto mais incuráveis porque esses proficientes as consideram
perfeiçõ es espirituais. Portanto, aquele que deseja progredir deve,
necessariamente, passar atravé s da purificaçã o da noite espiritual. . . .
Somente aí a alma pode encontrar meios adequados e adequados para
se unir a Deus." 15
Os perfeitos, portanto, nã o sã o apenas aqueles que se impuseram
mortificaçõ es exteriores e interiores, mas que passaram pelas
purificaçõ es dos sentidos e do espírito. A alma que nã o passou por este
cadinho ainda nã o está limpa de suas manchas.
Falando da noite do espírito, Sã o Joã o da Cruz observa: “Quantas
vezes neste caminho a exaltaçã o e a depressã o se sucedem, e quantas
vezes també m a prosperidade é desfrutada por um momento e depois
seguida por tempestades e provaçõ es. ... Essas flutuaçõ es sã o comuns
no estado contemplativo. Antes de atingir o estado de paz definitiva, o
repouso é desconhecido; a vida é uma sucessã o constante de subidas e
descidas. Como o estado de perfeiçã o consiste no amor perfeito a Deus
e no desprezo de si mesmo, nã o pode ser concebida sem as suas duas
partes, o conhecimento de Deus e o conhecimento de si mesmo. Daí
vemos como é necessá rio que a alma tenha uma formaçã o preliminar
em ambos. É por isso que Deus à s vezes eleva a alma fazendo-a prova
sua pró pria grandeza, e à s vezes a humilha mostrando-lhe sua baixeza.
Este movimento de ascensã o e descida pode, portanto, ser
interrompido apenas quando o há bito perfeito das virtudes é
adquirido, quando a alma alcançou a uniã o com Deus. 16
Para resistir à s tentaçõ es contra as virtudes teologais que se
apresentam com bastante frequência na noite do espírito, a alma deve
realizar atos heró icos de fé, esperança e caridade, que aumentam
notavelmente a intensidade dessas virtudes. Ao mesmo tempo, as
iluminaçõ es do dom do entendimento iluminam a alma sobre as
profundezas desconhecidas dos mistérios da fé, sobre as insondáveis
perfeiçõ es de Deus, sobre o nada das criaturas, sobre a gravidade
infinita do pecado mortal, sobre o inefável rebaixamento da Cristo, a tal
ponto que a encarnaçã o e a Eucaristia parecem absolutamente
impossíveis. O entendimento, ainda muito débil, está desnorteado e
desamparado como um homem que nã o sabe nadar e que, ao ser
lançado ao mar aberto, acredita estar a ponto de se afogar. Aí reside a
açã o purificadora de Deus, oposta à tentaçã o do demô nio, muitas vezes
simultâ nea e que o Senhor põ e a serviço dos seus fins.
Uma vez concluída esta purificaçã o passiva do espírito, as almas
normalmente estã o prontas para entrar no cé u imediatamente apó s a
morte: "Por causa de sua purificaçã o perfeita pelo amor, elas nã o sã o
obrigadas a passar pelo purgató rio." 17 Eles tiveram seu purgató rio
nesta vida e de maneira adequada; isto é , enquanto merece; ao passo
que depois da morte as almas, que por sua culpa devem ser purificadas,
nã o mais merecem. Trataremos mais detalhadamente da natureza
dessas purificaçõ es no capítulo 6, artigo 2.
Segundo Sã o Joã o da Cruz, a plena perfeiçã o atingível nesta vida só
se encontra na uniã o transformadora, ou no casamento espiritual.
"Entã o, de fato, a alma nã o é mais perturbada pelo demô nio, nem pelo
mundo, nem pela carne, nem pelos apetites; pode entã o pronunciar as
palavras do Câ ntico: 'Pois o inverno já passou, a chuva acabou e se foi.
As flores apareceram em nossa terra.' " 18 Este estado representa o
pleno desenvolvimento da caridade; o amor perfeito aceita qualquer
trabalho ou sofrimento por Deus, e até encontra uma santa alegria no
sofrimento. 19 Nã o teme a morte, mas a deseja. Nã o atribui nada a si
mesmo, mas refere-se tudo a Deus e é transformado, por assim dizer,
Nele, de acordo com a expressã o de Sã o Paulo: "Aquele que se une ao
Senhor é um só espírito". 20 "É , em suma, o pró prio Deus que se
comunica à alma por uma gló ria admirável e a transforma em si
mesmo. Entã o ocorre a uniã o perfeita da alma e Deus, que estã o tã o
intimamente unidos quanto o vidro e a luz do sol, como carvã o e fogo,
como a luz das estrelas e a luz do sol. No entanto, tal uniã o nã o é tã o
essencial nem tã o completa quanto a do cé u." 21
Quando a caridade é aperfeiçoada, todas as virtudes cristã s atingem
seu perfeito desenvolvimento. "Eles estã o entrelaçados, intimamente
unidos um ao outro, o que torna sua resistê ncia mais forte em razã o de
seu apoio mú tuo. Desta uniã o resulta um todo que constitui a perfeiçã o
completa da alma, um conjunto compacto, uma solidariedade, que
exclui a possibilidade de qualquer ponto fraco que possa facilitar a
entrada do diabo ou das coisas do mundo na alma". 22
Finalmente, "a alma possui os sete dons do Espírito Santo de acordo
com toda a perfeiçã o compatível com a vida aqui embaixo". 23 "As
operaçõ es da alma em uniã o vê m do Espírito divino. . . . Elas sozinhas,
como resultado, sã o perfeitamente harmoniosas. . . sem nunca serem
inoportunas. . . . O Espírito de Deus revela a essas almas o que elas
devem sabem, lembra-lhes o que devem lembrar, . . faz com que
esqueçam o que merece ser esquecido, amem o que é digno de seu
amor e nã o amem nada que nã o seja encontrado em Deus. Assim, todos
os primeiros movimentos de os poderes em tais almas sã o divinos, e
nã o devemos nos surpreender que os movimentos e operaçõ es desses
poderes sejam divinos porque sã o transformados no Ser divino”. 24
Segundo Sã o Joã o da Cruz, as vias iluminativa e unitiva pertencem,
portanto, à vida mística propriamente dita. Esta é, sem dú vida, uma
concepçã o muito elevada do que deve ser o pleno desenvolvimento da
"graça das virtudes e dos dons", do que normalmente deve ser a
intimidade da uniã o divina numa alma interior depois de uma vida
vivida em grande fidelidade ao Espírito Santo.
Desnecessá rio dizer que esta concepçã o da vida unitiva ou perfeita
supera em muito o que muitos escritores modernos sobre ascetismo
chamam de caminho unitivo ordiná rio. A seu ver, esta via nã o
pressupõ e as dolorosas purificaçõ es passivas, pelo menos nã o as do
espírito, que pertencem aos estados místicos. 25 Há uma diferença
considerável entre as almas que passaram valentemente por essas
grandes provaçõ es e as que ainda nã o as passaram. No artigo seguinte
buscaremos a origem dessa divergê ncia entre os ensinamentos
ascé ticos desses escritores modernos e a doutrina de Sã o Joã o da Cruz.
O problema é sé rio. O ideal de perfeiçã o nã o é notavelmente
diminuído ao afirmar que podemos alcançar o desenvolvimento pleno
e normal da vida cristã sem passar sob uma forma ou outra pelas
purificaçõ es passivas, que pertencem à ordem mística, e sem sermos
elevados à contemplaçã o infusa, que iniciaçã o obscura e secreta no
misté rio de Deus presente em nó s? Nã o sã o reprimidos os impulsos e
as grandes aspiraçõ es da vida interior sob o pretexto de evitar a ilusã o,
de seguir o caminho comum, as veredas batidas? Nã o é isto equivalente
a propor à s almas um có modo caminho iluminativo e unitivo, que é de
natureza a dar-lhes uma ilusã o exactamente oposta à quelas que
desejam evitar? A pretexto de combater uma forma de presunçã o, nã o é
ceder a outra? Isso nã o está levando as almas a acreditar que estã o a
ponto de alcançar a perfeiçã o, que já estã o na vida unitiva, quando
talvez ainda estejam entre os iniciantes e tenham apenas uma vaga
noçã o da verdadeira vida iluminativa, a de os proficientes? Isso
també m nã o os expõ e a um desvio completo do caminho certo quando
chegam as dolorosas purificaçõ es passivas, durante as quais eles
pensarã o que estã o retrocedendo, quando na verdade essas provaçõ es
sã o a porta estreita que conduz à verdadeira vida? "Quã o estreita é a
porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos sã o os que a
encontram" (Mt 7:14). Seria bom considerar as palavras de Sã o Joã o da
Cruz sobre este assunto, que citamos nas pá ginas anteriores. Até agora,
apenas propusemos a questã o. Finalmente, é bom recordar o dito de
Sã o Tomá s de Aquino: "O servo de Deus deve aspirar sempre sem
cessar à s coisas mais perfeitas e santas". 26

ARTIGO IV
Segundo a Tradição, a Plena Perfeição da Vida Cristã Pertence à Ordem
Mística
Segundo Sã o Joã o da Cruz, a plena perfeiçã o da vida cristã pertence
claramente à ordem mística e só se realiza verdadeiramente na uniã o
transformadora. No entanto, muitos escritores modernos sobre
ascetismo têm uma opiniã o totalmente diferente. De onde vem essa
divergência?
A explicaçã o do padre Poulain é bem conhecida. Ele diz: "Todos os
escritores ascé ticos falam dos trê s caminhos, o purgativo, o
iluminativo e o unitivo, e eles os fazem corresponder,
aproximadamente em todos os eventos, aos termos: caminho dos
iniciantes, dos proficientes e do perfeito ... Alguns permitem que o
misticismo nã o desempenhe nenhum papel aqui, outros, no má ximo,
colocam-no apenas no final da terceira via. Sã o Joã o da Cruz també m
emprega esses seis termos, mas dá -lhes um significado peculiar ao seu
ensinamento. aborda as questõ es do ponto de vista especial do
misticismo, e coloca-o no segundo e terceiro caminho... : 'O caminho do
espírito, que é o dos proficientes, també m é chamado de caminho
iluminativo, ou caminho da contemplaçã o infusa ' ( The Dark Night of
the Soul , Bk. I, cap. 14). Certamente esta linguagem é muito diferente
daquela de outros autores espirituais." 1
A linguagem de Sã o Joã o da Cruz, com certeza, difere notavelmente
da de muitos escritores modernos sobre ascetismo. Alguns dos ú ltimos
distinguem nã o apenas trê s maneiras, mas seis; trê s ascé ticas e trê s
místicas. 2 Isso nã o é colocar uma interpretaçã o materialista de tudo
sob o pretexto de ser mais preciso? A tradiçã o sempre falou de apenas
trê s maneiras, nã o seis; mas materialmente aparecem de maneira
imperfeita ou em sua plenitude, conforme a condiçã o espiritual do
sujeito. 3 Embora Sã o Joã o da Cruz esclareça em vá rios pontos a
linguagem dos grandes doutores que o precederam, contudo ensina a
mesma doutrina que eles.
É uma doutrina menos elevada encontrada nas obras espirituais dos
pais, de Santo Agostinho, Dionísio, Sã o Bernardo, Sã o Boaventura, Sã o
Tomá s, Tauler, Louis de Blois, Dionísio, o Cartuxo, autor de A Imitação ,
Sã o .Francisco de Sales, e, de modo geral, nas obras dos santos que
g q
falaram da vida perfeita considerada em sua plenitude? Nã o podemos
encontrar em suas obras, assim como nas de Sã o Joã o da Cruz, mençã o
de uma dupla vida unitiva; o primeiro ordiná rio, e o segundo
extraordiná rio por sua pró pria natureza e, como tal, inacessível à
maioria das almas interiores.
Como podemos, entã o, explicar a divergê ncia que acabamos de
apontar? Enquanto alguns autores se preocupam especialmente com
os principiantes e com as almas que só tê m em vista uma perfeiçã o
relativa, Sã o Joã o da Cruz escreve "para aqueles que estã o decididos a
passar pela nudez do espírito", especialmente para as almas
contemplativas. Ele lhes propõ e a mais alta perfeiçã o alcançável nesta
vida, e os meios mais eficazes e diretos para alcançá -la. Ele mesmo
afirma este fato no pró logo de A Ascensão do Monte Carmelo. 4 Isso
explica o aparente exagero de sua insistê ncia na mortificaçã o. Isso
explica també m sua altíssima idé ia dos caminhos iluminativos e
unitivos, que ele nos apresenta em sua plenitude, que só se encontra na
vida mística. Alguns escritores modernos sobre ascetismo nos dã o, ao
contrá rio, apenas uma ideia inferior e diminuída deles; pois se esses
dois caminhos aparecem no curso da vida ascé tica, só pode ser de uma
maneira ainda muito imperfeita.
Encontramos aqui algo semelhante ao que ocorre na cultura
intelectual. Para muitos, a formaçã o teoló gica adequada é dada por um
manual que pode ser estudado em três anos, e que nã o se sente
impelido a reler, porque tudo o que contém se esgota rapidamente.
Quem pode afirmar que a perfeiçã o da cultura teoló gica é encontrada
em tal estudo? Outros podem satisfazer as demandas de suas mentes
apenas pelo estudo profundo de Sã o Tomá s e de seus principais
comentaristas. Este estudo nã o é um empreendimento extraordiná rio
nem um luxo para eles; é necessá rio para o treinamento de suas
mentes. Eles percebem que, mesmo que passem toda a vida ensinando
a Summa theologica , embora escrita para noviços, nunca a esgotarã o e
nunca chegarã o a uma compreensã o completa de sua amplitude, altura
e profundidade; para fazê-lo, seria necessá rio um intelecto igual ao do
mestre. "Compreender é igualar", disse Raphael. Para estudar o tratado
sobre a graça, alguns consagram três meses a ele e quase nunca voltam
a ele; outros entendem que o trabalho de uma vida inteira nã o seria
suficiente para penetrar no que os doutores da Igreja quiseram nos
dizer sobre este grande mistério.
Assim, do ponto de vista espiritual, muitas almas se satisfazem
rapidamente, até muito rapidamente, por uma perfeiçã o muito relativa,
que parece totalmente insuficiente para outras. Estes sentem
necessidade do eminente exercício da caridade e dos dons do Espírito
Santo. Certos temperamentos muito apaixonados e intelectos
extremamente vigorosos parecem encontrar paz apenas em uma
perfeiçã o elevada, mesmo aquela descrita por Sã o Joã o da Cruz. Com
razã o ainda maior, isso é verdade para as almas que receberam cedo na
vida uma atraçã o superior da graça. Eles encontrarã o descanso
somente apó s as dolorosas purificaçõ es, na uniã o transformadora, na
qual nã o serã o mais perturbados pelo diabo, pela carne e pelo mundo.
Por que nã o deveríamos acreditar que Sã o Joã o da Cruz preservou
em sua essê ncia a verdadeira e muito elevada concepçã o tradicional da
perfeiçã o cristã , ou da uniã o com Deus? Nã o deveríamos acreditar, ao
contrá rio, que alguns escritores modernos sobre ascetismo
empobreceram a tradiçã o ao confundir o pleno desenvolvimento
normal da vida da graça na terra com o que é apenas o seu prelú dio?
Esta é a opiniã o de alguns teó logos contemporâ neos que consideram a
vida mística necessá ria à plena perfeiçã o, à exigida, por exemplo, para
a beatificaçã o. 5 Acrescentam que a outra opiniã o, pretendendo
combater a presunçã o, pode levar algumas almas a crer que chegaram à
vida unitiva, quando, na verdade, estã o longe dela. Como resultado, o
ideal de perfeiçã o, o objetivo da vida religiosa, pode ser rebaixado e as
almas privadas de um dos maiores estimulantes para uma vida cada
vez mais fervorosa e generosa em uniã o mais íntima com Deus.
A verdadeira visã o nos parece ser a ú ltima; a saber, que nã o há dois
caminhos unitivos, um ordiná rio e outro extraordiná rio por sua
natureza, aos quais todas as almas fervorosas nã o poderiam aspirar,
mas apenas um caminho unitá rio que, por uma docilidade cada vez
mais perfeita ao Espírito Santo, conduz para uma uniã o mística mais
íntima. Este caminho é extraordiná rio de fato pelo pequeno nú mero de
almas que sã o completamente dó ceis, mas nã o é extraordiná rio por si
mesmo ou por sua natureza, como milagres ou profecias. Pelo
contrá rio, é em si a ordem perfeita, o pleno desenvolvimento da
caridade, realmente realizado nas almas verdadeiramente generosas,
pelo menos no final da vida, se viverem bastante. Bem pode ser que,
por falta de direçã o adequada ou ambiente favorável, ou ainda por
causa de uma natureza dada à s atividades exteriores, certas almas
generosas só chegariam à vida mística depois de muito mais tempo do
que o tempo normal de vida. 6 Mas estas sã o circunstâ ncias acidentais
e, por mais frequentes que sejam, nã o afetam a lei fundamental do
pleno desenvolvimento da vida da graça. 7 Sã o Joã o da Cruz deixa isso
bem claro quando, no início de suas obras, diz que elas foram escritas
"para ajudar as muitas almas que precisam muito de ajuda. Depois dos
primeiros passos no caminho da virtude, quando o Senhor quer fazê -
los entrar na noite escura para conduzi-los à uniã o divina, há alguns
que nã o vã o mais longe. à s vezes é por desconhecimento, ou porque
procuram em vã o um guia experiente capaz de conduzi-los ao cume." 8
Este cume nã o se alcança sem contemplaçã o infusa; e certamente a
contemplaçã o infusa nã o é fruto do nosso esforço pessoal, pois
ultrapassa o modo humano das virtudes cristã s. Nã o o temos quando o
desejamos; vem de uma graça especial, de uma inspiraçã o e iluminaçã o
à qual os dons do Espírito Santo nos tornam dó ceis. Embora nã o
tenhamos essa inspiraçã o quando desejamos, podemos nos manter
prontos para recebê -la; podemos pedi-lo e merecê -lo, pelo menos no
sentido amplo da palavra "mé rito". De fato, toda alma em estado de
graça recebeu os dons do Espírito Santo que se desenvolvem com a
caridade. Como regra geral, o Espírito Santo nos move de acordo com o
grau de nossa docilidade habitual. 9
"A conclusã o é clara", diz o santo doutor, "que, assim que a alma
conseguir purificar-se cuidadosamente de formas e imagens sensíveis,
ela se banhará nesta luz pura e simples, que se tornará para ela o
estado de perfeiçã o. Na verdade, essa luz está sempre pronta para nos
penetrar. Sua infusã o é impedida pelas formas e vé us das criaturas, que
envolvem e estorvam a alma. Rasgue esses vé us... e pouco a pouco, sem
demora, descanse e a paz divina inundará sua alma com visõ es
admiráveis e profundas de Deus, que estã o envolvidas no amor divino."
10

Demonstraremos que esta doutrina de Sã o Joã o da Cruz, ao mesmo


tempo que esclarece a dos grandes doutores que o precederam,
permanece perfeitamente conforme ao seu ensinamento, e que está
contida nas bem-aventuranças evangélicas. Estes nos propõ em a
perfeiçã o cristã em toda a sua grandeza, e certamente nã o sã o
inferiores em elevaçã o ao que escreveu o autor do Cântico Espiritual .
Assim começamos a ver a resposta que deve ser dada a três questõ es
já propostas:
1) O que caracteriza a vida mística? Uma passividade especial ou
predominâ ncia dos dons do Espírito Santo, tendo um modo sobre-
humano especificamente distinto do modo humano das virtudes
cristã s, sem, no entanto, se confundir com as graças gratis datae , como
a profecia. Estes ú ltimos nã o sã o necessá rios para a vida mística; eles
sã o, em certo sentido, exteriores e dados especialmente em benefício
do pró ximo. 11
2) Quando começa a vida mística no curso da vida espiritual?
Normalmente com a purificaçã o passiva dos sentidos e a oraçã o do
recolhimento passivo de que fala Santa Teresa na quarta morada. 12

É
3) É necessá ria uma vocaçã o especial para alcançar a vida mística?
Em princípio, nã o. "A graça das virtudes e dos dons" basta por si só pelo
seu desenvolvimento normal para nos dispor à vida mística, e a
contemplaçã o mística é necessá ria para o pleno aperfeiçoamento da
vida cristã . 13 Mas, de fato, por falta de certas condiçõ es que à s vezes
independem de nossa vontade, mesmo as almas generosas só
alcançariam a contemplaçã o depois de um período de tempo mais
longo do que o normal da vida; assim como algumas mentes, que sã o
capazes de um desenvolvimento intelectual superior, nunca o alcançam
por falta de certas condiçõ es. E, finalmente, em alguns que estã o mais
aptos para a vida ativa, dominam os dons de açã o. 14
Este ensinamento é anterior ao de Sã o Joã o da Cruz. Será
interessante relembrar o capítulo de A Imitação sobre a "Verdadeira
Paz" (Livro IV, cap. 25). Certamente nã o é inferior à doutrina que
acabamos de expor, e se dirige a todas as almas para mostrar-lhes um
ideal de perfeiçã o ao qual possam aspirar sem presunçã o. Citamos
algumas passagens. "A paz é o que todos desejam, mas nem todos se
importam com as coisas que dizem respeito à verdadeira paz. Minha
paz está com os humildes e mansos de coraçã o; com muita paciência
estará a tua paz... Dirija toda a sua atençã o para Me agradar sozinho, e
nã o desejar nem buscar nada além de Mim. . . O progresso espiritual e a
perfeiçã o de um homem consistem nessas coisas . . . em assuntos
grandes ou pequenos, seja no tempo ou na eternidade. Assim manterá s
sempre o mesmo e o mesmo comportamento sempre dando graças
tanto na prosperidade quanto na adversidade, pesando todas as coisas
em igual equilíbrio. Sê tã o cheio de coragem e tã o paciente em Espero
que, quando o conforto interior for retirado, você possa preparar seu
coraçã o para sofrer coisas ainda maiores; e nã o se justifique, como se
nã o devesse sofrer tais e tã o grandes afliçõ es, mas justifique-me em
tudo o que eu designar e nã o cesse de louvem Meu santo nome. Entã o,
você anda no caminho verdadeiro e correto da paz e terá uma
esperança segura de ver Meu rosto novamente com grande prazer.
Agora, se atingires o completo desprezo por ti mesmo, sabe que entã o
desfrutará s de abundâ ncia de paz, tanto quanto possível neste teu
estado de peregrinaçã o."
Esta paz é fruto de uma eminente caridade e do dom da sabedoria
que nos faz ver tudo, agradável ou doloroso, em relaçã o a Deus,
princípio e fim de todas as coisas. Santo Agostinho diz que a bem-
aventurança dos pacificadores corresponde a este dom.
E é por isso que, no mesmo livro da Imitação , 15 o discípulo pede a
graça superior da contemplaçã o, dizendo: "Ó Senhor, tenho muita
necessidade de uma graça ainda maior, se for da Tua vontade que eu
alcance aquela estado onde nem homem nem qualquer criatura será
um obstá culo para mim... Ele desejou voar livremente que disse, 'Quem
me dará asas como uma pomba, e eu voarei e estarei em repouso?' (Sl
54: 7.) ... Um homem deve, portanto, elevar-se acima de todas as
criaturas e renunciar perfeitamente a si mesmo, e no êxtase da mente
perceber que Tu, o Criador de todas as coisas, nã o tens nada entre as
criaturas como Tu. A menos que um homem seja liberto de todas as
criaturas, ele nã o pode atender totalmente à s coisas divinas e,
portanto, há tã o poucos contemplativos, porque poucos podem se
afastar totalmente das coisas criadas e perecíveis. Para obter isso, é
necessá ria muita graça para elevar a alma e levá -lo acima de si mesmo,
e a menos que um homem seja elevado em espírito e seja liberto de
todas as criaturas e totalmente unido a Deus, tudo o que ele sabe e tudo
o que ele tem é de pouca importâ ncia."
Este notável capítulo 16 nã o é menos sublime do que os capítulos de
Sã o Joã o da Cruz sobre a uniã o transformadora. Propriamente falando,
pertence à ordem mística, ú nica na qual se encontra a verdadeira
perfeiçã o do amor de Deus. 17
Os santos usam essa linguagem quando falam do amor perfeito, do
conhecimento íntimo de Deus e de nó s mesmos que ele pressupõ e, e
dos sinais pelos quais ele pode ser reconhecido.
O pró prio Deus usou palavras como estas ao falar a Santa Catarina
de Siena: "Devo agora dizer-te o sinal que dá evidência de que a alma
alcançou o amor perfeito. Este sinal é o mesmo que foi visto nos
Apó stolos depois que eles haviam recebido o Espírito Santo. Saíram do
Cená culo e, livres de todo temor, anunciaram a Minha palavra e
pregaram a doutrina do Meu ú nico Filho. Longe de temerem o
sofrimento, nele se gloriaram. . . .
"Aqueles que desejam apaixonadamente Minha honra e têm fome da
salvaçã o das almas se apressam à mesa da santa cruz. Sua ú nica
ambiçã o é sofrer e suportar mil fadigas pelo serviço do pró ximo. . . .
Eles suportam em seus corpos as chagas de Cristo, e o amor crucificado
que os queima irrompe no desprezo que sentem de si mesmos, na
alegria que experimentam no opró brio, no acolhimento que dã o à s
contradiçõ es e à s dores que lhes concedo, onde quer que estejam. de
onde vier, e de qualquer maneira que eu possa enviá -los. . . .
"Eles correm ardentemente no caminho de Cristo crucificado. Eles
seguem Sua doutrina, e nada pode diminuir seu curso, nem injú rias,
nem perseguiçõ es, nem os prazeres que o mundo lhes oferece e deseja
dar-lhes. Com fortaleza inabalável eles passam por tudo isso munidos
de uma perseverança que nada pode perturbar, com os coraçõ es
transformados pela caridade, saboreando e desfrutando deste alimento
da salvaçã o das almas, prontos a tudo suportar por elas: esta é a prova
incontestável de que a alma ama a Deus perfeitamente e sem nenhum
motivo egoísta. . . . Se os perfeitos se amam, é por minha causa. Se eles
amam o pró ximo, é por mim, a fim de dar honra e gló ria ao meu nome.
É por isso que o sofrimento sempre os encontra. forte e perseverante...
Em meio à s injú rias, a paciência resplandece e proclama sua realeza.
“A estas almas dou a graça de uma consciê ncia da minha presença
contínua, 18 enquanto a outras a dou de vez em quando; nã o que eu lhes
retire a minha graça, mas sim o sentimento da minha presença. sã o
mergulhados nas chamas ardentes da Minha caridade, purificados de
tudo o que nã o sou Eu, despojados de toda vontade pró pria e
consumidos pelo amor de Mim. Quem entã o poderia afastá -los de Mim
e da Minha graça?... Eles sempre experimentam a Minha presença
divina neles, e eu nunca os privo desse sentimento. . . . Alé m disso, seus
corpos sã o freqü entemente levantados da terra em razã o dessa uniã o
perfeita. . . . O corpo permanece, por assim dizer, imó vel, quebrado pelo
amor da alma a tal ponto que ela morreria, se Minha bondade nã o a
cingisse de força... Alé m disso, interrompo esta uniã o por um tempo
para permitir que a alma permaneça unida ao corpo. Sã o Paulo
queixou-se deste corpo ao qual estava escravizado, porque o impedia
do gozo imediato ente da Minha divindade. Ele gemeu porque estava
entre os mortais que Me ofendem continuamente, porque foi privado
de Me ver, privado de Me ver em Minha essê ncia." 19
A linguagem só bria e teoló gica de Sã o Tomá s de Aquino nã o é menos
sublime quando trata da questã o: "Se alguém pode ser perfeito nesta
vida".
"A lei divina", ele responde, "nã o prescreve o impossível. No entanto,
ela prescreve a perfeiçã o, de acordo com Mateus 5:48, 'Sede vó s...
perfeitos, como também vosso Pai celestial é perfeito'.
"A perfeiçã o da vida cristã consiste na caridade. Ora, a perfeiçã o
implica uma certa universalidade porque o perfeito é aquilo a que nada
falta. Por isso podemos considerar uma tríplice perfeiçã o... A perfeiçã o
absoluta consiste em amar a Deus tanto quanto Ele é amável Tal
perfeiçã o nã o é possível a nenhuma criatura, pois somente Deus pode
amar a si mesmo dessa maneira, isto é , infinitamente. Outra perfeiçã o
consiste em amar a Deus na medida de nossas forças, de modo que
nosso amor sempre realmente Deus. Tal perfeiçã o nã o é possível nesta
vida, mas nó s a teremos no cé u. Finalmente, há uma terceira perfeiçã o
que consiste em amar a Deus nã o tanto quanto Ele é amável, nem em
sempre realmente cuidar Dele, mas com exclusã o de tudo o que se opõ e
ao amor d'Ele. "O veneno que mata a caridade", diz Santo Agostinho, "é
a cupidez ou a cobiça. Quando esta é destruída, existe a perfeiçã o", Na
terra pode existir esta perfeiçã o, e aquela de duas maneiras. O homem
pode exclua de sua afeiçã o tudo o que é contrá rio à caridade e que a
destruiria, como o pecado mortal. Isso é necessá rio para a salvaçã o. Em
segundo lugar, o homem pode excluir de sua afeiçã o nã o só o que é
contrá rio à caridade, mas també m tudo o que impede que seu amor se
dirija totalmente a Deus. Sem esta perfeiçã o, a caridade pode existir,
por exemplo, nos principiantes e nos proficientes." 20
É esta ú ltima perfeiçã o que é peculiar ao perfeito. Eles ainda
cometem pecados veniais por fragilidade ou surpresa, mas evitam o
pecado venial deliberado e també m as imperfeiçõ es leves, conscientes
e voluntá rias. Eles sã o muito fié is à s inspiraçõ es do Espírito Santo,
quer essas inspiraçõ es os lembrem de um dever, mesmo que sem
importâ ncia, ou de um simples conselho. 21 Alé m disso, em vez de se
contentarem em fazer atos de caridade relativamente fracos para o
grau de vida sobrenatural a que atingiram ( actus remissi ), os perfeitos
freqü entemente fazem atos pelo menos tã o intensos quanto seu grau
de caridade. Por esses atos, eles merecem um aumento imediato e
notável dessa virtude. 22 Tendo dez talentos, eles cuidam para nã o agir
como se tivessem apenas dois. Alé m disso, eles recebem a comunhã o
com grande fervor de vontade; tê m fome da Eucaristia. 23 Sempre
tendendo para as grandes coisas pela virtude da magnanimidade, 24
eles mostram uma profunda humildade em suas confissõ es, como
també m em toda a sua vida, e, em sua opiniã o, sã o os ú ltimos dos
homens. 25 Sã o mansos e humildes de coraçã o, assim como firmes e
fortes. Neles "a prudê ncia despreza as coisas do mundo pela
contemplaçã o das coisas divinas; ela dirige todos os esforços de suas
almas para Deus. A temperança abandona, na medida em que a
natureza pode suportar, tudo o que o corpo exige. A fortaleza impede a
alma de amedrontando-se diante da morte e do sobrenatural.
Finalmente, a justiça leva a alma a entrar plenamente neste caminho
totalmente divino." 26 Mais elevadas ainda, segundo Sã o Tomá s, sã o as
virtudes da alma completamente purificada. Eles sã o os dos grandes
santos nesta vida e dos bem-aventurados no cé u.
No perfeito, a oraçã o do desejo é quase contínua. Eles entendem o
ditado de nosso Senhor de que devemos orar sempre. A sua fé tornou-
se contemplaçã o amorosa; 27 sua esperança, confiança invencível. 28
Sã o Tomá s afirma que, "enquanto os iniciantes se esforçam
sobretudo para fugir do pecado, para resistir aos movimentos da
concupiscê ncia... e os proficientes dirigem seus esforços principais
para o avanço na prá tica da caridade e das outras virtudes,... , acima de
tudo, unir-se a Deus, aderir a Ele, desfrutá -Lo. Desejam morrer para
estar com Cristo”. 29
Achamos que Sã o Tomá s exprime uma ideia nã o menos sublime do
que deve ser o amor ao pró ximo no perfeito: "Existem, igualmente, três
graus na caridade para com o pró ximo. No primeiro grau, a nossa
caridade, sem excluir ninguém , estende-se positivamente apenas aos
nossos amigos e aos que nos sã o conhecidos. Depois deseja o bem aos
estranhos e faz-lhes o bem e, finalmente, aos nossos inimigos. O ú ltimo,
diz Santo Agostinho, é pró prio dos perfeitos.
"Este progresso na extensã o da caridade é acompanhado por um
progresso semelhante na intensidade desta virtude. Esta intensidade
crescente manifesta-se nas coisas que um homem despreza pelo bem
do pró ximo. Ele finalmente chega a um ponto em que despreza nã o
apenas as coisas exteriores bens, mas afliçõ es corporais e finalmente a
pró pria morte, de acordo com a expressã o de nosso Senhor, 'ningué m
tem maior amor do que este, de dar algué m a sua vida pelos seus
amigos'. Por fim, o progresso da caridade fraterna se manifesta por
seus efeitos, de modo que o homem entregará ao pró ximo nã o só os
bens temporais, mas també m os espirituais, e até a si mesmo, segundo
as palavras de Sã o Paulo: 'Mas eu De bom grado gastarei e serei gasto
por vossas almas; embora amando-vos mais, serei amado menos.' " 30
Sã o Boaventura ensina a mesma doutrina. 31
Sã o Tomá s ensina que a esses trê s graus de caridade correspondem
trê s graus nas virtudes morais, 32 e també m nos dons e na
contemplaçã o. 33 Uma ideia mais sublime da perfeiçã o cristã
dificilmente pode ser concebida. Esta concepçã o exclui tudo o que
impediria a alma de pertencer completamente a Deus. Aderir a Ele,
aspirar ardentemente à visã o beatífica, amar eficazmente e em
particular també m os nossos inimigos, desprezar a morte pela gló ria
de Deus e pela salvaçã o das almas, tal é a idade perfeita da vida
espiritual.
Um exame dos primeiros doutores, que primeiro falaram dos trê s
caminhos (o purgativo, o iluminativo e o unitivo) e dos
correspondentes graus de caridade, mostra que eles usaram esses
termos em um sentido amplo, que foi preservado por Sã o ... Joã o da
Cruz, e nã o na acepçã o estreita desses termos, que se tornou corrente
entre vá rios escritores modernos sobre ascetismo. Evidentemente, a
distinçã o dos trê s caminhos deve sua origem à doutrina da
contemplaçã o cristã formulada por Santo Agostinho e Dionísio. Pourrat
reconhece esse fato em sua obra recente, La spiritité chrétienne , 34 ,
quando diz: "A doutrina dos trê s está gios, o purgativo, o iluminativo e o
unitivo, . . . foi gradualmente generalizada e aplicada à vida cristã
comum" ; isto é , com o passar do tempo, essas expressõ es foram
freqü entemente usadas em um sentido diminuído. No início, eles
foram entendidos em sua acepçã o mais elevada, que nã o designava
algo extraordiná rio em si mesmo, ou algo milagroso, mas algo de grau
eminente, a ordem perfeita ou o pleno desenvolvimento da vida
sobrenatural aqui embaixo.
Dionísio frequentemente fala dessas trê s maneiras, especialmente
ao longo do capítulo cinco de seu livro, A Hierarquia Eclesiástica .
"Deus", diz ele, "primeiro purifica as almas em que habita, depois as
ilumina e, finalmente, as conduz à uniã o divina... . . . o poder de iluminar,
para o sacerdó cio, e o de aperfeiçoar, para o episcopado." 35 Sã o Tomá s
mais tarde repete essa doutrina e a torna sua. 36
Em sua Teologia Mística, 37 Dionísio mostra mais explicitamente o
que entende por estas palavras, que usa com tanta frequê ncia: "Quanto
a ti, ó bem-amado Timó teo, no teu desejo de alcançar a contemplaçã o
mística esforça-te sem te cansar por te separares tanto dos sentidos e
das operaçõ es do entendimento, de tudo o que é sensível e intelectual,
e de tudo o que é ou nã o é , para te elevares pelo desconhecimento,
tanto quanto te for possível, à uniã o com Ele, que é acima de todo ser e
de todo conhecimento; isto é , elevar-se, desapegando-se de si mesmo e
de todas as coisas, despojado de tudo e desimpedido, para aquele
caminho sobrenatural e transluminoso da escuridã o divina”. Esta é
exatamente a mesma doutrina e os termos sã o os mesmos que Sã o
Joã o da Cruz costumava usar em é pocas posteriores.
Santo Agostinho emprega a mesma linguagem quando discute a
contemplaçã o nas Confissões , 38 nos Solilóquios , 39 no De beata vita e no
De quantitate animae . 40 Em particular nesta ú ltima obra nomeada, 41
quando ele está descrevendo os vá rios graus da vida da alma, depois de
considerar a vida vegetativa, a sensitiva e a intelectual, ou o
conhecimento das ciê ncias, ele estuda os graus da vida espiritual: (1) A
luta contra o pecado, o trabalho muito difícil de purificaçã o, durante o
qual deve ser depositada toda a confiança em Deus. Essa purificaçã o,
diz ele, conduz à verdadeira virtude, que mostra toda a grandeza da
alma, sua incomparável superioridade sobre o mundo dos corpos. (2) A
entrada na luz, que só é possível para aqueles que sã o purificados, pois
olhos enfermos nã o podem suportar a luz que um olho puro e saudável
deseja. (3) Contemplaçã o e uniã o divina, que nos permitem gozar do
soberano bem: "Como descreverei as alegrias e as antecipaçõ es da
serenidade eterna que a alma experimenta na visã o intelectual e na
contemplaçã o da verdade? Algumas almas grandes e incomparáveis
tê m relataram essas maravilhas. . . . Sabemos que eles as viram e ainda
as veem. 42
Santo Agostinho descreve esta contemplaçã o nas Confissões 43
quando ele relata seu encontro com sua mã e em Ostia. Nas seguintes
frases ele indica sua concepçã o do estado contemplativo: "Aquele que
silenciaria em si o tumulto da carne, que fecharia os olhos aos
espetá culos oferecidos pela terra, pelas á guas, pelo ar e pelo
firmamento, que imporia silê ncio à sua pró pria alma, reprimindo o eu, .
. . aquele que nã o mais ouviria essas criaturas . . . e a quem somente
Deus falaria diretamente . . . de uma maneira inteiramente espiritual. . . .
Se esse arrebatamento continuasse e somente esta contemplaçã o para
absorver aquele que a desejasse, . . . nã o seria este estado de coisas o
cumprimento da expressã o encontrada no Evangelho: 'Entra no gozo
do Senhor'?" 44
Nã o é de estranhar que, para chegar a tal contemplaçã o e uniã o
divina, seja necessá ria a purificaçã o plena, de que fala S. Joã o da Cruz. O
pró prio Santo Agostinho insiste nisso, e seria um erro separar seu
ascetismo de seu misticismo. A primeira leva à segunda, como a
adolescê ncia à maturidade. Os trê s caminhos de que fala, em termos
bastante semelhantes aos usados pelos grandes mestres posteriores,
correspondem aos trê s graus de caridade que ele menciona em outro
lugar, o dos iniciantes, dos proficientes e dos perfeitos. 45
Segundo Santo Agostinho, uma alma deve, de fato, possuir grande
caridade para ser contada mesmo entre os proficientes. Podemos dizer
que um cristã o nã o é desse nú mero até que tenha passado pelo
julgamento da crítica e da contradiçã o por parte de pessoas que nã o
suportam que algué m as supere em virtude. 46 A caridade perfeita, de
que fala Santo Agostinho no Cântico dos Graus 47 e nas Confissões 48
pressupõ e que algué m está pronto para morrer por seus irmã os, e nã o
pode ser concebido como existindo sem aquele conhecimento íntimo e
penetrante de Deus que é a contemplaçã o mística. O dom da sabedoria
cresce com a caridade; o organismo sobrenatural da graça, das virtudes
e dos dons se desenvolve ao mesmo tempo.
Portanto, concluímos que Sã o Joã o da Cruz, em sua descriçã o dos
três caminhos (o purgativo, o iluminativo e o unitivo) e em seu relato
dos três graus correspondentes de caridade, concorda perfeitamente
com Santo Agostinho, Dionísio, Sã o Tomá s de Aquino, e também com
Sã o Bernardo, Sã o Boaventura e os verdadeiros discípulos destes
grandes mestres. Ele esclarece o ensino deles em vá rios pontos, mas
nã o o altera. Sua concepçã o elevada dos caminhos iluminativos e
unitivos é, portanto, inteiramente tradicional. Ele faz mais do que
descrevê-los em uma forma inferior ou embrioná ria, como fazem vá rios
escritores modernos sobre ascetismo. Ele os mostra para nó s em sua
plenitude; assim considerados, eles pertencem à ordem mística.
Em companhia deste grande mestre, que é o eco fiel da tradiçã o,
devemos sustentar que a plena perfeiçã o da caridade nesta vida nã o
pode existir sem a contemplaçã o mística, sem o pleno
desenvolvimento dos dons do entendimento e da sabedoria, que
crescem com a caridade . Todo o organismo sobrenatural deve se
desenvolver ao mesmo tempo. Esse desenvolvimento nã o é nada
extraordiná rio em si mesmo; é a plena harmonia, a ordem perfeita, da
vida da graça que atingiu aqui na terra o á pice de seu desenvolvimento
normal. Esta graça, chamada por Sã o Tomá s de "a graça das virtudes e
dos dons", 49 é inteiramente distinta, como vimos, das graças gratis
datae , como a profecia ou o dom dos milagres. 50
É isso que faz Sã o Joã o da Cruz exclamar: “Ó almas criadas para tais
gló rias, e chamadas a elas, em que você s estã o pensando? Com o que
estã o ocupadas? Como é triste a cegueira da vossa alma! Vó s estais
cegos à luz mais deslumbrante e surdos à s vozes poderosas que vos
solicitam. Deixando-vos conduzir pelo que considerais felicidade e
gló ria, nã o vedes que permaneceis mergulhados na vossa misé ria e na
vossa mediocridade, e tornais-vos ignorantes e indignos dos tesouros
que vos sã o destinados." 51
Todos deveriam dizer com o salmista: "Assim como o cervo suspira
pelas fontes das á guas, assim minha alma suspira por Ti, ó Deus. Minha
alma tem sede do forte Deus vivo; quando virei e me apresentarei
diante da face de Deus? " 52
PERFEIÇÃ O RELATIVA. HEROÍSMO E SANTIDADE

Teó logos místicos 53 observaram que, mesmo entre os perfeitos,


devemos distinguir entre aqueles que estã o começando a viver uma
vida perfeita, aqueles que estã o progredindo nesta vida por heroísmo
da virtude e aqueles que atingem a perfeiçã o total ou a santidade.
Imediatamente apó s a purificaçã o passiva dos sentidos, a alma já
possui uma relativa perfeiçã o. Geralmente evita os pecados veniais
deliberados e goza de uma contemplaçã o de Deus muito calma e
amorosa, 54 descrita por Santa Teresa na quarta e quinta moradas. Mas
ainda tem muitas imperfeiçõ es para remover.
Especialmente durante as purificaçõ es passivas do espírito e suas
concomitantes provaçõ es, praticam-se as virtudes heró icas,
particularmente as da fé , da esperança e da caridade, como mostra Sã o
Joã o da Cruz, 55 e como as descreve Santa Teresa no início do sé c. a
sexta mansã o.
Finalmente, quando a alma passou e superou as purificaçõ es
passivas do espírito, atinge a plena perfeiçã o da vida interior, descrita
por Sã o Joã o da Cruz em A Chama Viva e na terceira parte do Cântico
Espiritual; por Santa Teresa na sé tima mansã o; e por Sã o Bernardo no
mais alto dos dez graus de caridade que ele enumera. 56 Por causa desta
distinçã o feita mesmo entre os perfeitos, temos falado nesta presente
obra, como regra, propositadamente da plena perfeiçã o da vida cristã , e
nã o apenas daquela menor, relativa perfeiçã o discutida em vá rias obras
sobre ascetismo que nã o tratam da vida mística propriamente dita.
Esta plena perfeiçã o nã o é verdadeiramente o á pice do
desenvolvimento normal da vida da graça? A palavra "normal" nã o deve
nos fazer esquecer a palavra "cú pula" e vice-versa. Para compreendê -lo
claramente, devemos lembrar que a vida cristã exige de todas as almas
o heroísmo da virtude (segundo a preparaçã o da mente); isto é , no
sentido de que todo cristã o deve estar pronto, com a ajuda do Espírito
Santo, para realizar atos heró icos quando as circunstâ ncias o exigirem.
O martírio em certos casos é de preceito e nã o apenas de conselho,
pois todos devemos preferir os tormentos e a morte à abjuraçã o, e
devemos amar a Deus mais do que a vida. Caso contrá rio, como
deveríamos ser conformados com Cristo crucificado e selado com Seu
semblante? 57 Os cristã os que cumprem habitualmente os seus deveres
devem esperar que, se pedirem com humildade, confiança e
perseverança, o Espírito Santo lhes dê a força para permanecerem fié is
mesmo nas torturas, caso tenham de passar por tal prova. Nosso
Senhor disse a Seus discípulos que nã o temessem aqueles que matam
o corpo, e assegurou-lhes que o Espírito Santo os inspiraria
ocasionalmente com o que deveriam dizer. Considerando a questã o de
um ponto de vista puramente humano, nã o deveríamos dizer que todo
cidadã o deveria estar pronto, se necessá rio, para morrer heroicamente
em defesa de seu país?
Além disso, todo cristã o deve preferir o bem sobrenatural, a salvaçã o
do pró ximo, ao seu pró prio bem natural. A caridade o aconselha a
ajudar, mesmo com risco de vida, uma alma em extrema necessidade
espiritual. Esta obrigaçã o é mais estrita para o sacerdote que tem a seu
cargo as almas e para o bispo no que diz respeito ao seu rebanho.
Embora este ú ltimo nã o seja obrigado a possuir as virtudes em grau
heró ico, deve estar pronto, se for o caso, a dar a vida pelos fiéis de sua
diocese.
Portanto, deve-se admitir que a caridade cristã deve, em seu
progresso diá rio, tender normalmente ao grau heró ico, o que permite a
execuçã o pronta e até alegre dos atos mais difíceis para Deus e nosso
pró ximo. Toda alma que passou pelas purificaçõ es passivas do espírito
sente-se fortemente inclinada a este heroico grau de caridade.
Estas purificaçõ es levam finalmente à verdadeira santidade, que é a
pureza perfeita, a uniã o imutável com Deus, 58 e també m a íntima
harmonia de todas as virtudes, mesmo daquelas que aparentemente
sã o mais opostas: o acordo perfeito de grande fortaleza e mansidã o
inalterável, de justiça rigorosa e terna misericó rdia, da sabedoria mais
elevada e simples com prudê ncia abrangente. Esta é verdadeiramente a
santidade diante de Deus, embora nem sempre possa ser manifestada
por sinais definidos para a Igreja. Só nesta santidade se encontra a
perfeiçã o plena da vida cristã , perfeiçã o verdadeiramente superior à
relativa perfeiçã o de que falam vá rios autores sobre a ascese e que é
apenas a entrada no caminho dos perfeitos.
Evidentemente nã o estamos falando apenas da essê ncia da
perfeiçã o, mas de sua integridade normal; como, por exemplo, ter bons
olhos pertence, se nã o à essê ncia do corpo humano, ao menos à sua
integridade. Da mesma forma, como se tornará cada vez mais evidente,
a contemplaçã o infusa pertence, se nã o à essê ncia da perfeiçã o cristã ,
ao menos à sua integridade. Esta contemplaçã o, muito manifesta nos
perfeitos que estã o mais aptos para a vida contemplativa, é difusa nos
outros perfeitos nos quais dominam especialmente os dons do Espírito
Santo que se relacionam com a açã o - os dons de temor, fortaleza,
conselho e conhecimento, unidos ao dom da piedade, sob uma
influê ncia menos visível dos dons da sabedoria e do entendimento. 59

ARTIGO V
A Perfeição e o Preceito do Amor de Deus
A. O PRIMEIRO PRECEITO É SEM LIMITES?

O duplo preceito do amor é estritamente formulado no Evangelho de


Sã o Lucas: 1 "Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de toda
a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento;
pró ximo como a ti mesmo." Depois de ponderar o significado de cada
um destes termos e considerar a insistê ncia com que se repete a
palavra "todos", poderíamos perguntar com Sã o Tomá s se o preceito
do amor de Deus tem um limite; e, em caso afirmativo, se segue que
alé m desse limite há apenas um conselho de caridade em que
consistiria a perfeiçã o.
Alguns pensaram assim e insistiram que, mesmo para observar este
preceito perfeitamente, nã o precisamos possuir um alto grau de
caridade. A perfeiçã o superior, que suprime o pecado venial deliberado
e as imperfeiçõ es voluntá rias, é apenas de conselho. Nã o está incluído
no preceito, mas vai alé m dele. A perfeiçã o consistiria assim sobretudo
no cumprimento de certos conselhos de caridade, superiores ao
pró prio primeiro preceito. 2
Isso pode parecer verdade se considerarmos os assuntos
superficialmente. Ao expor o problema, Sã o Tomá s o anota
cuidadosamente em sua objeçã o: "Todos sã o obrigados a observar os
preceitos para obter a salvaçã o. Se, portanto, a perfeiçã o da vida cristã
consistisse nos preceitos, seguir-se-ia que a perfeiçã o necessá ria à
salvaçã o e que todos seriam obrigados a isso, o que é falso”. 3 Esta é
uma objeçã o especiosa. Como veremos, Sã o Tomá s o resolve
mostrando, como faz Santo Agostinho, a grandeza do preceito do amor
de Deus, que é superior a todos os conselhos. É surpreendente
constatar que os teó logos modernos, e nã o menos importantes entre
eles, por nã o terem compreendido a doutrina dos maiores mestres
sobre esse ponto fundamental da espiritualidade, transformaram essa
objeçã o em tese.
Em vez de nos contentarmos com as aparê ncias e o lado material
das coisas, consideraremos o significado profundo e a extensã o do
preceito. Como base para esta discussã o, seguiremos o mais
exatamente possível o texto de um artigo pouco conhecido de Sã o
Tomá s, "Se a perfeiçã o consiste na observâ ncia dos mandamentos ou
dos conselhos." 4
“Está escrito em Deuteronô mio: 'Amará s o Senhor teu Deus de todo
o teu coraçã o' 5 e em Levítico: 'Amará s o teu pró ximo como a ti mesmo'.
6 Nosso Senhor acrescenta: 'Destes dois mandamentos dependem toda

a lei e os profetas.' 7 Ora, a perfeiçã o da caridade, segundo a qual a vida


cristã é perfeita, consiste precisamente nisto: amar a Deus de todo o
coraçã o e ao pró ximo como a nó s mesmos.Parece, portanto, que a
perfeiçã o consiste no cumprimento dos preceitos. Para compreendê -lo
claramente, deve-se observar que a perfeiçã o consiste necessá ria e
essencialmente em uma coisa, secundá ria e acidentalmente em outra.
"Necessá ria e essencialmente, a perfeiçã o da vida cristã consiste na
caridade; primeiramente no amor de Deus, e secundariamente no amor
ao pró ximo. Esta caridade é o objeto dos dois preceitos principais da
lei divina. Ora, seria uma Engana-se ao imaginar que o amor de Deus e
do pró ximo seja objeto de uma lei somente em certa medida, isto é , até
certo grau, a partir do qual passaria a ser objeto de um simples
conselho. a mensagem do mandamento é clara e mostra o que é a
perfeiçã o: 'Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o'. As duas
expressõ es todo e inteiro ou perfeito sã o sinô nimas. Da mesma forma, é
dito: 'Amará s o teu pró ximo como a ti mesmo': e cada um ama a si
mesmo, por assim dizer, sem limite ( má ximo ) . segundo o
ensinamento do Apó stolo, 'A finalidade do mandamento é a caridade'. 9
Ora, o fim nã o se apresenta à vontade de maneira fragmentá ria, mas
em sua totalidade. Nisso difere dos meios. Ou se quer ou nã o se quer.
Nã o se quer pela metade, como Aristó teles observa. 10 Um mé dico
busca apenas metade da cura de uma pessoa doente? Obviamente nã o.
O que ele mede é o remé dio, mas nã o a saú de, que ele deseja sem
medida. Manifestamente, portanto, a perfeiçã o consiste
essencialmente nos preceitos. Alé m disso, Santo Agostinho diz, em seu
livro Defectione justitiae: 'Por que, entã o, esta perfeiçã o nã o deveria ser
prescrita ao homem, embora ele nã o possa tê -la (plenamente) nesta
vida?' " 11
Isso é tanto mais verdadeiro porque o fim em questã o nã o é um fim
intermediá rio, como a saú de, mas o fim ú ltimo, o pró prio Deus, que é o
bem infinito. Sã o Tomá s diz: "Nunca podemos amar a Deus tanto
quanto Ele deve ser amado, nem acreditar e esperar Nele tanto quanto
deveríamos." 12 Alé m disso, as virtudes teologais diferem das virtudes
morais por nã o consistirem essencialmente em um meio-termo feliz.
Seu objeto, seu motivo formal, sua medida essencial, é o pró prio Deus,
Sua infinita verdade e bondade. Se, de um ponto de vista, essas virtudes
supremas sã o um meio feliz, 13 é acidental e da parte do sujeito
humano, nã o do objeto divino. Por exemplo, o proficiente pode e deve
amar a Deus mais do que o iniciante, mas sem poder amá -lo como o
fazem os perfeitos, ou como os bem-aventurados no cé u. 14
Finalmente, outra razã o pela qual o preceito do amor nã o tem limite
é que nossa caridade deve crescer sempre até a morte, pois somos
viajantes no caminho da eternidade. O caminho para a eternidade nã o é
feito para ser usado como um lugar de descanso e sono, mas sim para
ser percorrido. Os preguiçosos sã o aqueles que descansam ao longo da
estrada, em vez de avançar para o seu objetivo. O viajante que ainda
nã o atingiu o prazo determinado de sua peregrinaçã o é ordenado e nã o
apenas aconselhado a avançar, assim como a criança deve crescer de
acordo com a lei da natureza até atingir a maturidade. Ora, quando se
trata de caminhar para Deus, nã o é pelo movimento do corpo que
avançamos, mas pelos passos do amor ou da caridade, como diz Sã o
Tomá s. Assim, devemos aproximar-nos diariamente de Deus, sem pô r
limites ao progresso da nossa caridade. Nã o temos o direito de dizer
que amaremos tanto a Deus e nada mais. Tal restriçã o da caridade
deixaria de observar o primeiro mandamento, que é imensurável:
"Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma,
e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento."
Segue-se que a perfeiçã o de modo algum consiste nos conselhos
evangélicos? Na passagem que citamos acima, Sã o Tomá s responde:
"Secundariamente e instrumentalmente, porém, a perfeiçã o consiste na
observâ ncia dos conselhos; em outras palavras, eles sã o apenas
instrumentos preciosos para alcançá -la. De fato, todos os conselhos,
como os mandamentos, sã o ordenados à caridade, porém com uma
diferença. impede ou impede o exercício perfeito da caridade sem, no
entanto, a ela se opor, como, por exemplo, o casamento, a necessidade
de se ocupar de negó cios seculares e coisas desse tipo. Isso é o que
Santo Agostinho ensina ( Enchiridion , cap. 21): 'Preceitos... e
conselhos... sã o bem observados quando alguém os cumpre a fim de
amar a Deus e o pró ximo por Deus, neste mundo e no pró ximo.' "
É por isso que o abade Moisé s diz: "Jejuns, vigílias, meditaçã o da
Sagrada Escritura, nudez e privaçã o dos bens externos, nã o sã o
perfeiçõ es, mas instrumentos ou meios de perfeiçã o. Nã o é neles que
consiste a perfeiçã o, mas por eles que algué m o alcança." 15
Isto é o que nosso Senhor tinha em mente quando disse ao jovem
rico: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá -o aos
pobres, e terá s um tesouro no cé u; e vem, segue-me. " 16 Como observa
Sã o Tomá s ( loc. cit ., ad 1um), com estas palavras nosso Senhor indica,
antes de tudo, o caminho que conduz à perfeiçã o: "Vai, vende tudo o
que tens e dá -o aos pobres"; depois acrescenta em que consiste esta
perfeiçã o: "e segue-Me", no espírito pela caridade. Como diz Santo
Ambró sio, 17 "Ele ordena que ele siga, nã o com os passos do corpo, mas
com a devoçã o da alma". Os conselhos sã o, portanto, instrumentos ou
meios para atingir a perfeiçã o, mas nã o a constituem essencialmente. A
perfeiçã o encontra-se no cumprimento do preceito supremo e
ilimitado do amor de Deus e do pró ximo.
Voltemos à dificuldade apontada no início deste artigo. A seguinte
objeçã o é levantada: "Todos estã o obrigados à observâ ncia dos
mandamentos, visto que isso é necessá rio para a salvaçã o. Portanto, se
a perfeiçã o da vida cristã consiste essencialmente nos mandamentos,
segue-se que a perfeiçã o é necessá ria para a salvaçã o e que todos sã o
obrigado a ser perfeito, o que é manifestamente falso. Além disso, a
caridade imperfeita já observa os preceitos. Parece, portanto, que a
caridade perfeita consiste essencialmente em observar os conselhos."
A estas duas dificuldades, Sã o Tomá s ( ibid ., ad 2um e 3um),
seguindo Santo Agostinho, oferece uma resposta profunda mostrando
a sublimidade do preceito do amor, que só os santos observam em sua
plenitude: "Como diz Santo Agostinho em De perfecte justitiae, 18 a
perfeiçã o da caridade é prescrita ao homem nesta vida, porque "nã o se
corre na direçã o certa, a menos que se saiba para onde correr. E como
saberemos isso, se nenhum mandamento no-lo declara?" Mas a
questã o do preceito (do amor) pode ser cumprida de vá rias maneiras.
Alé m disso, quem nã o o cumpre da maneira mais perfeita, por isso nã o
transgride o preceito. Para evitar essa transgressã o, basta cumprir o lei
da caridade, até certo ponto, como fazem os principiantes.
"A perfeiçã o do amor divino cai inteiramente no objeto do preceito;
nem mesmo a perfeiçã o do cé u está excluída dele, pois é o fim para o
qual se deve tender, como diz Santo Agostinho. 19 Mas evita-se a
transgressã o do o preceito pondo em prá tica um pouco de amor a
Deus.
"Ora, o grau mais baixo do amor de Deus consiste em nã o amar nada
mais do que Deus, ou contrá rio a Deus, ou igual a Deus, e quem nã o tem
esse grau de perfeiçã o de modo algum cumpre o mandamento. Há outro
grau de caridade, que nã o pode ser realizado nesta vida, e que consiste
em amar a Deus com todas as nossas forças, de tal maneira que nosso
amor sempre se dirija realmente a Ele. Esta perfeiçã o só é possível no
céu, e portanto o fato de ainda nã o possuir isso, nã o acarreta uma
transgressã o do mandamento. E, da mesma forma, o fato de nã o ter
atingido os graus intermediá rios de perfeiçã o, nã o acarreta uma
transgressã o, desde que se atinja o grau mais baixo.
Mas evidentemente aquele que permanece neste grau mais baixo
nã o cumpre o mandamento supremo em toda a sua perfeiçã o. Ele nã o
cumpre plenamente o que a lei do amor exige: "Amará s o Senhor teu
Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma, e de todas as tuas
forças, e de todo o teu entendimento."
Seria, portanto, uma grande ilusã o pensar que apenas a caridade
imperfeita é prescrita e que os graus superiores desta virtude sã o
apenas de conselho. Eles se enquadram no preceito, se nã o como algo a
ser realizado imediatamente, pelo menos como algo para o qual
devemos tender, como dizem os tomistas. Até a caridade do cé u é
prescrita como o fim para o qual a alma nesta vida deve sempre se
esforçar e até correr, como diz Sã o Paulo, 20 sem perder o tempo que lhe
foi concedido. O purgató rio é para aqueles que nã o empregaram
suficientemente bem seu tempo de provaçã o na terra. 21 Esta grande
doutrina parece sutil à primeira vista apenas por causa da objeçã o que
pode embaraçar a mente. Na realidade, é bastante conforme ao que nos
diz o senso comum na ordem natural. "Assim, de fato", observa St.
Thomas, 22 "o homem, desde o nascimento, tem uma certa perfeiçã o
essencial pela qual ele pertence à espé cie humana, e é totalmente
superior ao animal; mas ele ainda nã o a perfeiçã o da maturidade, o
pleno desenvolvimento do corpo e das faculdades da alma. Da mesma
forma, há uma certa perfeiçã o da caridade que nã o é outra senã o a sua
pró pria essê ncia: amar a Deus sobre todas as coisas e nã o amar nada
contrá rio a Ele. Mas há també m, ainda nesta vida, outra perfeiçã o da
caridade que só se alcança pelo progresso espiritual, aná loga ao
crescimento natural. seus deveres para com Deus".
A analogia é evidente. Para pertencer à raça humana basta ser
criança, mas isso nã o basta para ser um homem plenamente
desenvolvido. Alé m disso, em virtude de uma lei necessá ria, uma
criança deve crescer sob pena de nã o permanecer criança, mas de se
tornar um anã o deformado. Da mesma forma, basta ter um grau muito
baixo de caridade para evitar a transgressã o do preceito do amor, mas
isso nã o basta para o cumprimento perfeito deste primeiro preceito,
que é superior a todos os outros e a todos os conselhos. Alé m disso, se
o iniciante nã o crescer na caridade, nã o permanecerá iniciante, mas se
tornará uma criatura anormal e, por assim dizer, um anã o do ponto de
vista espiritual. Por exemplo, ele tem fé e piedade que sã o, por assim
dizer, embrioná rias, aliadas a uma cultura literá ria, científica ou
profissional altamente desenvolvida. A desproporçã o é evidente; o
equilíbrio é totalmente inexistente. Surgem objeçõ es, desconcertam a
alma e a destroem. Por falta de desenvolvimento, a semente divina que
está na alma corre o risco de morrer, como aprendemos na pará bola do
semeador. 23 Na vida espiritual, essas almas anormais certamente nã o
sã o os verdadeiros místicos e santos, mas os retardados e os mornos.
Este ponto de doutrina é evidentemente de primordial importâ ncia
na vida espiritual, mas, por estranho que pareça, muitas vezes é mal
compreendido ou pelo menos esquecido. A perfeiçã o da caridade nã o é
apenas aconselhada, mas prescrita como o fim para o qual todo cristã o
deve tender, se nã o pela prá tica dos conselhos, ao menos pelo seu
espírito, crescendo continuamente na caridade. O Papa Pio XI recordou
esta doutrina em sua encíclica sobre a doutrina espiritual de Sã o
Francisco de Sales. A rejeiçã o desta doutrina é a supressã o da causa
final na questã o que estamos considerando. 24
Quando uma alma, depois de viver muito tempo em estado de
pecado mortal, volta para Deus, deve fazer mais do que simplesmente
cuidar para nã o cair de novo e evitar as ocasiõ es do mal; deve subir
mais alto. O preceito do amor nã o tem limite; nã o se deté m em um
certo grau, alé m do qual só existe um conselho, mas nos ordena a
crescer continuamente na caridade sem nunca parar. Deus, que é
infinitamente bom, merece ser amado sem medida, continuamente
mais e mais "com todo o nosso coraçã o e com toda a nossa alma, com
todas as nossas forças e com toda a nossa mente". Só os santos
observam perfeitamente esta grande lei, que é a alma da vida cristã . 25
B. TRÊ S CONSEQUÊ NCIAS DO PRECEITO DO AMOR DE DEUS

Três consequências importantes decorrem desta elevada doutrina


do preceito do amor de Deus que ensina que o primeiro preceito,
superior a todos os outros e a todos os conselhos, nã o tem limite; que
por ela a perfeiçã o da vida cristã nã o é apenas aconselhada, mas
ordenada a todos; e que é ordenado nã o como algo a ser realizado
imediatamente, mas sim como o fim para o qual cada um deve tender
de acordo com sua condiçã o.
Visto que a caridade do cristã o deve aumentar até a morte, qualquer
interrupçã o em seu desenvolvimento é contrá ria à lei do amor de Deus.
Esta é a explicaçã o da expressã o usada por vá rios padres da Igreja: "No
caminho da salvaçã o, quem nã o avança, volta atrá s". Se a vida nã o sobe,
ela desce. A alma nã o pode viver sem amor. Se nã o progredir no amor
de Deus, recairá no amor-pró prio. Este é o perigo de atos imperfeitos (
actus remissi , como dizem os teó logos) que procedem da caridade, mas
sã o inferiores em intensidade ao nosso grau dessa virtude.
Trê s pontos devem ser observados em relaçã o a esses atos: (1)
Esses atos ainda sã o meritó rios, mas, de acordo com Sã o Tomá s e os
melhores teó logos, eles nã o obtê m imediatamente um aumento de
caridade. Eles o obterã o somente quando fizermos um ato mais
fervoroso, igual ou superior ao grau de nossa virtude; assim como na
ordem natural uma amizade virtuosa só cresce atravé s de atos mais
generosos. 26 (2) Os atos de caridade relativamente fracos demais para
o nosso grau de virtude mostram até um dé ficit, no sentido de que a
alma deve sempre progredir em vez de permanecer estacioná ria; assim
como uma criança deve sempre crescer para nã o ser atrofiada. (3) Por
fim, esses atos nos dispõ em ao retrocesso positivo, pois, em razã o de
sua fraqueza, permitem o renascimento de inclinaçõ es desordenadas,
que levam ao pecado venial, e podem acabar por nos vencer ou nos
levar à morte espiritual. A virtude da caridade diminui assim
diretamente? Nã o diretamente em si; mas a sua irradiaçã o, a sua
influê ncia enfraquecem-se em consequê ncia dos obstá culos que pouco
a pouco se acumulam à sua volta, como a luz de uma lanterna que,
conservando a sua intensidade, emite cada vez menos luz à medida que
a sua chaminé se escurece e se suja com a espirrando lama da estrada.
27

Da mesma forma, uma alma retardada retrocede como um homem


inteligente que deixa de aplicar sua mente ao estudo. Se, possuindo
cinco talentos, ele age como se tivesse apenas dois ou mesmo quatro,
nã o aumenta suficientemente o tesouro que lhe foi confiado. Ele é
assim culpado de negligência e preguiça espiritual, que o impedem de
observar perfeitamente o preceito do amor, lei fundamental da vida
cristã . De tudo isso vemos que um ato meritó rio muito fraco é uma
imperfeiçã o que dispõ e ao pecado venial, como este dispõ e ao pecado
mortal.
O proficiente que se contenta em agir como um iniciante deixa de
progredir e se torna uma alma retardada. As pessoas nã o dã o atençã o
suficiente ao fato de que o nú mero dessas almas é considerável.
Muitos, de fato, pensam em desenvolver seu intelecto, em expandir
seus conhecimentos, sua atividade exterior ou do grupo a que
pertencem (no qual pode haver nã o pouco egoísmo), mas dificilmente
pensam em crescer na caridade sobrenatural, que deve tem o primeiro
lugar em nó s e deve inspirar e vivificar toda a nossa vida e associar-nos
intimamente à grande vida da Igreja e à de Cristo. E muitas almas
retardadas acabam se tornando mornas, covardes e descuidadas,
especialmente quando sua inclinaçã o natural é para o ceticismo e a
zombaria. No final, eles podem se tornar endurecidos e, como
resultado, muitas vezes é mais difícil trazê -los de volta a uma vida
fervorosa do que provocar a conversã o de um grande pecador. 28
Certos escritores modernos nã o dedicam atençã o suficiente ao
nú mero considerável de almas retardadas que estã o na chamada
categoria de proficientes. Eles entã o descrevem o caminho iluminativo
por se contentarem muito facilmente em mostrar o que é de fato
bastante geral, ou seja, notavelmente inferior à contemplaçã o infusa,
que assim aparece como uma graça extraordiná ria. Sã o Joã o da Cruz,
que segue o ensinamento dos maiores mestres, ao contrá rio, mostrou
o que deveria ser para corresponder plenamente ao seu grande nome.
Considerando a questã o deste ponto de vista superior, nã o nos
surpreende que ele faça começar a via iluminativa (a dos proficientes)
com a noite passiva dos sentidos ou o início da contemplaçã o infusa,
que entã o aparece no desenvolvimento normal do interior vida. 29
Esta primeira consequência do preceito do amor de Deus — quem
nã o avança, retrocede — mostra que o progresso da caridade deve ser
contínuo. Assim, abre grandes perspectivas.
Um segundo resultado do preceito do amor de Deus é que cada
cristã o, cada um segundo a sua condiçã o, deve esforçar-se pela
perfeiçã o da caridade. Para todos e cada um é uma obrigaçã o geral, nã o
reservada aos religiosos e clérigos.
Por causa de seus votos, um religioso deve tender à perfeiçã o
praticando os conselhos de pobreza, castidade e obediê ncia e
observando a regra de sua ordem. Essa obrigaçã o especial o coloca no
É
estado de perfeiçã o sem ao mesmo tempo torná -lo perfeito. É idê ntico
ao da observâ ncia dos votos, 30 cuja transgressã o em maté ria grave é
pecado mortal. No caminho do progresso, traçado para ele por sua
regra, o religioso nunca pode estabelecer um limite. Ele deve sempre
aspirar a uma maior perfeiçã o.
Embora o sacerdote secular nã o esteja em estado de perfeiçã o, deve,
no entanto, tender à perfeiçã o por causa das ordens sagradas que
recebeu. Mesmo que nã o tenha o cuidado das almas, está obrigado a
uma santidade interior maior do que a exigida a um religioso nã o
sacerdote. "Por ordens sagradas", diz Sã o Tomá s, "um homem é
nomeado para o ministé rio mais augusto de servir o pró prio Cristo no
sacramento do altar. Isso requer uma santidade interior maior do que a
exigida para o estado religioso". 31
O cristã o comum deve esforçar-se pela perfeiçã o da caridade
segundo a obrigaçã o geral do primeiro mandamento. Como ele deve
fazer isso? Evitando o pecado mortal e venial, tendo o espírito dos
conselhos, sem obrigar-se a praticar os que nã o correspondem à sua
condiçã o, e assim crescendo na caridade até à morte. 32. Se um cristã o
seguir generosamente este caminho, será chamado nã o só de modo
remoto, mas de modo pró ximo e até eficaz, a uma altíssima perfeiçã o, à
qual pode atingir mesmo estando casado. Todos devem, portanto,
crescer na caridade, cada um segundo o seu estado de vida, seja um
simples leigo, um sacerdote secular ou um religioso; em outras
palavras, cada um de acordo com sua condiçã o, seja iniciante,
proficiente ou perfeito. 33 Foi com este significado que nosso Senhor
disse a todos: “Sede vó s, pois, perfeitos, como també m o vosso Pai
celestial é perfeito”. 34 Esta vocaçã o nã o é meramente para a perfeiçã o
dos anjos, mas para a do pró prio Deus, uma vez que recebemos uma
participaçã o nã o só na natureza angé lica, mas na natureza divina, e
uma vez que esta participaçã o, graça santificante, é o começo de a vida
eterna, que se desenvolverá na gló ria na qual veremos Deus como Ele
se vê e o amaremos como Ele se ama.
No mesmo sentido, Sã o Pedro escreveu para todos os fié is: “Como
crianças recé m-nascidas, desejem o leite racional sem dolo, para que
assim possam crescer para a salvaçã o; como pedra viva, rejeitada na
verdade pelos homens, mas escolhida e honrada por Deus: sede vó s
també m edificados como pedras vivas, casa espiritual, sacerdó cio
santo, para oferecer sacrifícios espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus
Cristo”. 35 "Mas crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo." 36 Sã o Paulo també m nos ensina: “Mas
praticando a verdade na caridade, em tudo cresçamos naquele que é a
cabeça, isto é , Cristo”. 37
"Portanto, nó s també m... frutificando em toda boa obra e crescendo
no conhecimento de Deus, fortalecidos com toda a força, segundo o
poder da sua gló ria, em toda a paciê ncia e longanimidade com alegria.
38 "Pelo que, deixando a palavra do princípio de Cristo, prossigamos

para as coisas mais perfeitas" (Hb 6: 1).


Comentando este ú ltimo texto de Sã o Paulo, Sã o Tomá s observa:
«Quanto ao juízo que faz de si mesmo, o homem nã o deve considerar-
se perfeito, mas deve ser sempre como um peregrino que continua o
seu caminho e tende sempre mais alto, como afirma o Apó stolo: "Nã o
que já a tenha alcançado ou seja já perfeito" (Fp 3, 12). Quanto ao
progresso a ser feito, o homem deve sempre procurar alcançar a
perfeiçã o: coisas que ficam para trá s e estendendo-me para as que
estã o adiante' ( ibid ., 3: 13). Como diz Sã o Bernardo, nã o avançar no
caminho da salvaçã o é retroceder. isso nã o quer dizer que todos sejam
obrigados à quela perfeiçã o, em certo sentido exterior, que consiste,
por exemplo, na pobreza voluntá ria e na virgindade... o homem nã o
quisesse amar mais a Deus, falharia naquilo que a caridade exige”. 39
"Aquele que nem sempre desejasse tornar-se melhor, nã o poderia
evitar o desprezo por aquilo que é digno de todo respeito." 40
Sã o Francisco de Sales, citando estas palavras da Escritura, ensina a
mesma doutrina: 41 "E quem é justo, justifique-se ainda; e quem é
santo, seja santificado ainda." 42 'Mas o caminho do justo, como uma luz
brilhante, vai adiante e aumenta até o dia perfeito.' 43 'Entã o corra para
que você possa obter.' 44 Se você seguir a Cristo, você sempre correrá ,
pois Ele nunca parou, mas continuou o curso de Seu amor e obediê ncia
'até a morte, até a morte de cruz'. " 45
Segundo esta mesma lei, o progresso da caridade na Santíssima
Virgem, que foi preservada de toda mancha de pecado, foi contínuo
nesta vida. Nem sequer foi interrompido pelo sono, pois o
conhecimento infuso que ela havia recebido mantinha a parte superior
de sua alma sempre alerta e seus atos meritó rios nã o cessavam, assim
como as batidas de seu coraçã o. 46 A plenitude inicial da graça, que ela
havia recebido desde o instante de sua imaculada concepçã o, foi assim
multiplicada por cada ato de caridade, cada um mais intenso que o
anterior, e incessantemente multiplicado por uma progressã o
maravilhosa que nunca poderíamos calcular. 47
Que aceleraçã o prodigiosa no progresso do amor divino ocorre
quando nã o há nada na alma para impedir seu crescimento! A razã o é
intimidada na presença desta obra-prima de Deus. É credível? De fato,
tanto é assim que, se olharmos ao nosso redor, encontraremos até
mesmo no mundo material uma aparê ncia dessa maravilhosa lei da
vida espiritual; ou seja, todo corpo material caindo livremente no
espaço assume um movimento uniformemente acelerado, cuja
velocidade cresce proporcionalmente ao tempo da queda. 48
Este é um caso particular da lei da gravidade universal, que se aplica
analogamente na ordem espiritual. Se os corpos se atraem na razã o
direta de suas massas e na razã o inversa do quadrado de suas
distâ ncias, da mesma forma as almas sã o tanto mais atraídas por Deus
quanto mais pró ximas dEle pela intensidade de sua caridade
sobrenatural. Se uma alma permanecesse sempre fiel, o progresso do
amor de Deus sem encontrar obstá culos seria assim uniformemente
acelerado, e seria tanto mais intenso quanto maior fosse a velocidade
inicial ou a primeira graça. Isso nos dá um vislumbre do que deve ter
sido esse progresso na alma da Santíssima Virgem, em quem a graça
inicial foi superior à de todos os santos e anjos juntos, pois o diamante
vale mais do que todas as outras pedras preciosas. Maria soube
também evitar nã o só todos os pecados veniais, mas todos tomados
coletivamente, e nunca produziu atos inferiores ao seu grau de
caridade; consequentemente, o progresso do amor de Deus nunca
encontrou nela o menor obstá culo ou o menor atraso.
Sã o Tomá s, que sabia que os corpos caem mais rapidamente à
medida que se aproximam da terra, 49 notou també m esta aceleraçã o
do progresso da caridade nas almas dos santos à medida que se
aproximavam de Deus: "Aqueles", diz ele , "quem está no estado de
graça deve crescer mais nele à medida que se aproxima do fim". 50 Assim
entendia a expressã o da Epístola aos Hebreus: 51 “Consolando-vos uns
aos outros, tanto mais quanto vedes que se aproxima o dia”, tanto mais
que nos aproximamos do fim do caminho.
Há uma terceira consequê ncia do preceito do amor de Deus, ou seja,
como a perfeiçã o da caridade cai sob o preceito como o fim para o qual
se deve tender, é certo que as graças atuais nos sã o oferecidas
progressivamente em proporçã o ao fim a ser alcançado. Sabendo disso,
como é possível que nã o esperemos atingir esse fim e como podemos
ter humildade em nã o pretender subir tã o alto? Nosso Senhor Jesus
Cristo repete continuamente: "Sursum corda ", e acrescenta: "Sem Mim
nada podeis fazer." Se você ascender, nã o leve a gló ria para si mesmo.
Sou Eu que vos carrego, que vos levanto, que constantemente vos dou a
vida, e desejo dar-vos cada vez mais abundantemente, para que
correspondais cada vez mais perfeitamente ao mandamento de Meu
Pai. A caridade perfeita, tal como existe na uniã o transformadora,
aparece assim cada vez mais como o á pice do desenvolvimento normal
da graça do batismo. Parece bastante difícil agora admitir uma possível
discussã o sobre esse ponto. 52 E pensar que as almas contemplativas
sofreram tanto porque quiseram duvidar da munificê ncia de Deus em
favor da alma baptizada! Justamente seus coraçõ es protestaram contra
as dú vidas levantadas por suas almas. Em que suave harmonia tudo
está ligado e unido na verdade de Deus! Quã o calma deve ter sido a
alma de um Santo Agostinho ou de um Sã o Tomá s, vivendo
habitualmente na contemplaçã o pacífica do ser e da unidade de Deus!
Que amor brotou també m do doce conhecimento do preceito supremo
e da graça oferecida para cumpri-lo cada vez mais plenamente! Por
mais sublime que seja o grau em que a misericó rdia divina eleva uma
alma nesta vida, ela deve sempre dizer que seria sua pró pria culpa se
nã o ascendesse mais alto no tempo que lhe resta na terra. O mesmo
profundo misté rio existe em relaçã o ao grau de santidade e o grau de
gló ria como em relaçã o à salvaçã o. É a bondade de Deus que desperta a
nossa bondade, que nos salva e nos faz avançar. É a pró pria má vontade
de uma criatura que a condena, ou pelo menos a atrasa no caminho da
eternidade: "A destruiçã o é tua, ó Israel; o teu socorro está somente em
mim." 53 As profundezas da humildade se abrem para a alma
contemplativa ao mesmo tempo que o abismo da misericó rdia divina
em que ela é cada vez mais mergulhada. À misé ria que humildemente
suplica, a misericó rdia infinita de suas alturas se inclina para nos dar a
força de cumprir sempre mais perfeitamente o primeiro preceito, que é
a lei geradora de toda a nossa vida. Este é o fardo do Salmo 41: "A
minha alma aflige-se dentro de mim; por isso me lembrarei de ti...
Abismo chama abismo, ao ruído das tuas comportas... Comigo está a
oraçã o ao Deus de minha vida... Espera em Deus, pois ainda o louvarei:
a salvaçã o da minha face e o meu Deus!" 54 A grande poesia dos salmos
nos foi revelada para ser compreendida. Poré m, para compreendê -lo
bem e fazê -lo vibrar no fundo da alma, nã o deveríamos ter recebido a
contemplaçã o infusa, que eleva a mente e o coraçã o até à fonte da á gua
viva e à luz da vida? Esta contemplaçã o e seus graus sã o o assunto das
pá ginas seguintes.
CAPÍTULO V
C ONTEMPLAÇÃ O E SEUS D EGRADOS
Visto que determinamos à luz da revelaçã o e també m da experiê ncia o que
deve ser a plena perfeiçã o da vida cristã , devemos agora examinar a
segunda parte do problema e ver se essa plena perfeiçã o supõ e
verdadeiramente a contemplaçã o infusa ou mística. Com este fim em
vista, depois de recordar o que deve ser a oraçã o em geral e a oraçã o
comum, consideraremos: (1) os diferentes significados das palavras
"contemplaçã o", "ordiná rio" e "extraordiná rio"; (2) a descriçã o da
contemplaçã o mística e seus graus de acordo com os santos mais
autorizados; (3) o que a contemplaçã o infusa nã o requer
essencialmente; (4) o que constitui a contemplaçã o e de que princípio
procede. A partir da consideraçã o destes pontos, veremos se a
contemplaçã o é extraordiná ria em si mesma, como um favor
milagroso, ou se pertence ao desenvolvimento pleno e normal da vida
da graça na terra.

ARTIGO I
Oração em Geral e Oração Comum
Em primeiro lugar, devemos ter uma idé ia correta da oraçã o em
geral e recordar o que ensinam Santo Agostinho e Sã o Tomá s sobre a
oraçã o de petiçã o. 1
I. A ORAÇÃ O DE PETIÇÃ O

À s vezes parecemos acreditar que a oraçã o é uma força, com seu


primeiro princípio em nó s mesmos, pelo qual tentamos dobrar a
vontade de Deus com persuasã o. Imediatamente somos confrontados
com esta dificuldade, muitas vezes formulada por incrédulos e em
particular por deístas, a saber, que ninguém pode mover ou dobrar a
vontade de Deus. Deus é sem dú vida a bondade que pede apenas para
se doar, a misericó rdia sempre pronta a socorrer quem sofre e implora;
mas Ele também é um ser perfeitamente imutável. A vontade de Deus é
desde toda a eternidade tã o inflexível quanto misericordiosa. Ninguém
pode se gabar de ter iluminado a Deus, de tê-lo feito mudar sua
vontade. "Eu sou o Senhor e nã o mudo." A ordem do mundo e o curso
dos eventos humanos sã o, por Seu decreto providencial, poderosa e
gentilmente, bem como irrevogavelmente, determinados
antecipadamente. Devemos concluir que nossa oraçã o nã o pode
realizar nada, que chega tarde demais e que, orando ou nã o, o que vai
acontecer vai acontecer?
Temos as palavras de nosso Senhor no Evangelho: “Pedi, e dar-se-
vos-á ; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á”. A oraçã o nã o é uma
força com seu primeiro princípio em nó s mesmos; nã o é um esforço da
alma humana tentar fazer violência a Deus para fazê-lo mudar suas
disposiçõ es providenciais. À s vezes, essas formas humanas de
expressã o sã o usadas metaforicamente. Na realidade, a vontade de
Deus é absolutamente imutável; e precisamente nesta imutabilidade
está a fonte da eficá cia infalível da oraçã o.
Basicamente é muito simples. A verdadeira oraçã o, pela qual com
humildade, confiança e perseverança pedimos para nó s mesmos os
dons necessá rios à nossa santificaçã o, é infalivelmente eficaz, porque
Deus, que nã o pode se contradizer, assim o decretou, e porque nosso
Senhor assim o prometeu. isto. 2
É pueril até conceber um Deus que nã o teria previsto e desejado
desde toda a eternidade as oraçõ es que lhe dirigimos, ou um Deus que
se inclinaria diante de nossa vontade e mudaria seus desígnios. Nã o
apenas tudo o que acontece foi previsto e querido, ou pelo menos
permitido, antecipadamente por um decreto providencial, mas o modo
como as coisas acontecem, as causas que produzem os eventos, tudo foi
determinado desde toda a eternidade pela Providência. Em todas as
ordens, física, intelectual e moral, em vista de certos efeitos, Deus
preparou as causas que devem produzi-los. Para colheitas materiais, Ele
preparou a semente; para tornar fértil o solo ressequido, Ele desejou
chuvas abundantes. Ele levanta um grande líder militar para trazer uma
vitó ria que será a salvaçã o de um povo. Para dar ao mundo um homem
de gênio, Ele prepara um intelecto superior servido por um cérebro
melhor, por uma hereditariedade especial, por um ambiente intelectual
privilegiado. Para regenerar o mundo em seus períodos mais
conturbados, Ele decidiu que deveria haver santos. E para salvar a
humanidade, a Providência divina preparou desde toda a eternidade a
vinda de Jesus Cristo. Em todas as ordens, da mais baixa à mais alta,
Deus dispõ e as causas em vista de certos efeitos que elas devem
produzir. Para as colheitas espirituais e materiais, Ele preparou a
semente, sem a qual a colheita nã o será obtida.
A oraçã o é precisamente uma causa ordenada para produzir este
efeito, a obtençã o dos dons de Deus necessá rios ou ú teis para a
salvaçã o. Todas as criaturas vivem pelos dons de Deus, mas somente as
criaturas intelectuais tomam conhecimento desse fato. Pedras, plantas e
animais recebem sem saber que o fazem. O homem vive pelos dons de
Deus, e ele sabe disso. Se o homem carnal se esquece desse fato, é
porque nã o vive como homem. Se o orgulhoso nã o o admite, é porque o
orgulho é a maior das tolices. A existência, a saú de, a força, a luz do
entendimento, a energia moral, o sucesso de nossos empreendimentos,
tudo é dom de Deus; mas isso é especialmente verdade da graça, que
nos leva ao bem salutar, nos faz realizá -lo e nele perseverar.
É surpreendente que a Providência divina queira que o homem peça
esmola, já que o homem entende que vive apenas de esmolas? Aqui,
como em qualquer outro lugar, Deus deseja primeiro o efeito final,
depois ordena os meios e as causas que devem produzi-lo. Depois de
decidir dar, Ele decide que devemos orar para receber; assim como um
pai, que se propõ e antecipadamente a conceder um favor a seus filhos,
resolve fazê-los pedir. O dom de Deus é o resultado; a oraçã o é a causa
ordenada para obtê-lo. Tem seu lugar na vida da alma, para que receba
os bens necessá rios ou ú teis à salvaçã o, como o calor e a eletricidade
têm seu lugar na ordem física.
Jesus, que quis converter a mulher samaritana, disse-lhe, com o
propó sito de levá -la a orar: "Se tu conhecesses o dom de Deus... á gua . . .
jorrando para a vida eterna".
Desde toda a eternidade Deus previu e permitiu a queda de Maria
Madalena, mas Ele tinha Seus desígnios sobre ela e desejou restaurar a
vida à quela alma morta. Ele decidiu, no entanto, que esta vida seria
restaurada a ela apenas com a condiçã o de que ela o desejasse. Ele
também decidiu dar a ela uma graça real muito forte e gentil que a faria
orar. Esta é a fonte da eficá cia da oraçã o. Porque Madalena orou, a graça
santificante foi dada a ela; mas certamente, sem oraçã o ela teria
permanecido em seu pecado. É , portanto, tã o necessá rio orar se
quisermos obter a ajuda de Deus que precisamos para a observâ ncia da
lei divina e para nela perseverar, como é necessá rio semear se
quisermos colher grã os.
Conseqü entemente, nã o devemos dizer: "Quer rezemos ou nã o, o
que quer que fosse acontecer, aconteceria". Isso seria tã o tolo quanto
dizer: "Quer semeemos ou nã o, quando chegar o verã o, se quisermos
trigo, teremos". A providência tem a ver nã o apenas com o resultado,
mas também com os meios a serem empregados. Salvaguarda a
liberdade humana por uma graça tã o doce quanto forte. "Amém, amém
vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, ele vo-lo
concederá ."
A oraçã o nã o é, entã o, uma força fraca com seu primeiro princípio
em nó s. A fonte de sua eficá cia está em Deus e nos méritos infinitos de
Jesus Cristo. Desce de um decreto eterno de Deus; brota do amor
redentor e ascende à misericó rdia divina. Um jato de á gua nã o pode
subir a menos que a á gua desça de uma altura igual. Da mesma forma,
quando rezamos nã o se trata de persuadir Deus, de incliná -lo, de mudar
suas disposiçõ es providenciais; trata-se simplesmente de elevar a nossa
vontade ao nível da Sua vontade para querer com Ele aquilo que Ele
decidiu dar-nos, os bens ú teis à nossa santificaçã o e salvaçã o. A oraçã o,
em vez de tender a fazer descer o Altíssimo até nó s, é uma elevaçã o da
nossa alma a Deus. Dionísio compara o homem que reza a um
marinheiro que, para desembarcar, puxa um cabo preso a uma rocha na
praia. Esta rocha, que se eleva acima da á gua, é imó vel; para o homem
no barco, porém, a rocha parece estar avançando; embora, na realidade,
apenas o barco esteja se movendo. Da mesma forma, parece-nos que a
vontade de Deus se curva quando nossa oraçã o é ouvida e atendida; no
entanto, é apenas a nossa vontade que ascende. Começamos a desejar
no tempo o que Deus desejou para nó s desde toda a eternidade.
A oraçã o nã o está em oposiçã o ao governo divino; em vez disso,
coopera com esse governo. Há dois de nó s que o farã o, em vez de um.
Quando uma alma pecadora, pela qual oramos há muito tempo, é
convertida, é Deus quem a converte, mas temos sido os associados de
Deus nesta obra. Desde toda a eternidade, Ele decidiu produzir esse
efeito salutar naquela alma apenas com a nossa cooperaçã o.
A Igreja definiu, como ponto de doutrina contra os pelagianos e
semipelagianos, que nã o podemos formar uma verdadeira oraçã o sem
uma graça real. Pedimos apenas o que desejamos, e trata-se aqui de
desejar o que Deus deseja para nó s da maneira como Ele o deseja; em
outras palavras, trata-se de conformar nossa vontade à dEle. Para fazer
isso, Ele deve nos atrair, e devemos nos deixar atrair por Ele.
"Ninguém", diz nosso Senhor, "pode vir a mim, a menos que o Pai que
me enviou o atraia", e Sã o Paulo diz: "Nã o que sejamos suficientes para
pensar alguma coisa de nó s mesmos, como de nó s mesmos, mas a nossa
suficiência vem de Deus” (II Cor. 3: 5).
Um pecador é privado da graça santificante e nesse estado é incapaz
de merecer; mas ele pode orar. Uma graça atual é suficiente; é oferecido
a todos, e só dele sã o privados aqueles que o recusam. 3 No momento
em que esta graça lhe é concedida, um pecador deve cair de joelhos. Se
nã o resistir, será conduzido de graça em graça, até à conversã o e à
salvaçã o. Com humildade, confiança e perseverança, o cristã o deve ao
longo de sua vida pedir a Deus a energia sobrenatural de que necessita
para obter o cé u.
De tudo isso vemos o que a oraçã o pode obter para nó s. O céu é o
objetivo da vida da alma. A este fim supremo Deus subordina tudo o
que Ele quer nos conceder, pois Ele nos dá coisas corporais e espirituais
apenas para a conquista de uma eternidade abençoada.
Portanto, a oraçã o pode obter para nó s apenas as coisas que ajudam
na obtençã o de nosso fim ú ltimo, a vida eterna. Alé m disso, nada pode
fazer. É muito elevado obter para nó s sucesso temporal sem
consideraçã o ou relaçã o com nossa salvaçã o. Nã o devemos esperar tal
resultado disso. 4
Existem dois tipos de bens que nos avançam no caminho para o cé u:
os bens espirituais, que nos levam diretamente para lá ; e os bens
temporais, que podem ser indiretamente ú teis para a salvaçã o na
medida em que se subordinam aos primeiros. Os bens espirituais sã o a
graça, as virtudes e os mé ritos. A oraçã o é todo-poderosa para obter
para o pecador a graça da conversã o, e para o justo a graça real
necessá ria para o cumprimento de seus deveres como cristã o. A oraçã o
é supremamente eficaz para obter para nó s uma fé mais viva, uma
esperança mais confiante, uma caridade mais ardente e uma maior
fidelidade à nossa vocaçã o. A primeira petiçã o na oraçã o do Senhor é
que o nome de Deus seja santificado, glorificado por uma fé radiante;
que venha o seu reino é o objetivo da nossa esperança, e que a sua
vontade seja feita e realizada com amor e uma caridade mais fervorosa.
A oraçã o é onipotente para obter o pã o nosso de cada dia, nã o só o
alimento do corpo, mas da alma, o pã o supersubstancial da Eucaristia e
as disposiçõ es necessá rias para uma boa comunhã o. É eficaz para
obter para nó s o perdã o de nossas faltas, com a disposiçã o interior de
perdoar o pró ximo. Da mesma forma é eficaz para nos fazer triunfar
sobre a tentaçã o; "Vigiai e orai para que nã o entreis em tentaçã o",
disse nosso Senhor. Ele també m nos disse que, para sermos libertados
do mal e do espírito do mal, devemos orar; "Este tipo nã o é expulso,
mas pela oraçã o e jejum." 5
Obviamente, a oraçã o deve ser sincera. Pedir a graça de vencer uma
paixã o sem evitar as ocasiõ es de pecado, pedir a graça de uma morte
feliz sem tentar levar uma vida melhor, nã o é formular uma verdadeira
oraçã o, um verdadeiro desejo; dificilmente é um desejo vago. A oraçã o
també m deve ser humilde, pois é a petiçã o de um mendigo. Deve ser
confiante, confiando na misericó rdia de Deus, nunca duvidando de sua
infinita bondade. Deve ser perseverante para mostrar que brota de um
desejo profundo do coraçã o. 6 Ocasionalmente, Deus parece nã o nos
ouvir imediatamente, para que possa provar nossa confiança e a força
de nossos bons desejos, como Jesus tentou a confiança da mulher de
Canaã com palavras severas que pareciam ser uma recusa: "Eu nã o fui
enviado, mas à s ovelhas perdidas da casa de Israel... Nã o é bom tomar o
pã o dos filhos e lançá -lo aos cachorrinhos”. Sob inspiraçã o divina, a
mulher de Canaã respondeu; "Sim, Senhor, porque també m os
cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos.
Entã o Jesus, respondendo, disse-lhe: Ó mulher, grande é a tua fé ! Seja-te
feito como queres. E a filha dela ficou curado desde aquela hora”. 7
Se realmente rezamos com perseverança e se, apesar das nossas
sú plicas, Deus nos deixa à s voltas com a tentaçã o, devemos recordar o
exemplo de Sã o Paulo, que també m pediu repetidamente para ser
liberto do aguilhã o da carne que o atormentava. . E ele recebeu esta
resposta: "Minha graça te basta." Com o Apó stolo, acreditando que esta
luta nos é proveitosa, nã o deixemos de pedir a graça, a ú nica que nos
pode impedir de fraquejar. Aprendamos assim nossa indigê ncia, que
somos realmente pobres e que convé m a um pobre pedir ajuda.
Durante toda a sua vida, um cristã o deve pedir a energia sobrenatural
necessá ria para realizar sua salvaçã o. A alma humana nã o pode
alcançar o cé u a menos que seja impulsionada por Deus. 8 Uma vez
lançado em seu caminho, deve voar. A oraçã o é como o bater de asas de
um passarinho que foi expulso do ninho e precisa de ajuda.
No que diz respeito à s bê nçã os temporais, a oraçã o pode obter para
nó s tudo o que de uma forma ou de outra nos ajudará em nossa viagem
para a eternidade: comida, saú de, força, prosperidade. A oraçã o pode
obter tudo, desde que peçamos antes de tudo a graça de amar mais a
Deus: "Buscai primeiro o reino dos cé us, e todas estas coisas vos serã o
acrescentadas". 9 A oraçã o é ineficaz porque nã o conseguimos algum
empreendimento? Se oramos verdadeiramente, nã o pedimos este favor
temporal em si, mas apenas na medida em que seria ú til para a nossa
salvaçã o. Se nã o o obtivemos, é porque devemos ser salvos sem ele.
Nossa oraçã o nã o está perdida; nã o obtivemos este favor temporal que
nos era inú til, mas obtivemos ou obteremos outra graça mais preciosa.
A oraçã o humilde, confiante e perseverante, pela qual pedimos as
coisas necessá rias para a salvaçã o, é infalivelmente eficaz em virtude
da promessa de nosso Senhor. 10 Deus de fato nos ordena a trabalhar
para nossa salvaçã o. Ele acrescenta: "Sem Mim (sem a Minha graça)
nada podeis fazer"; "pedi, e recebereis." Ele promete que se pedirmos
esta graça a Ele, Ele no-la dará . Alé m do mais, Ele faz brotar esta oraçã o
em nossos coraçõ es e nos inclina a pedir-lhe o que Ele quer nos
conceder desde toda a eternidade. Se tal oraçã o nã o fosse
infalivelmente eficaz, a salvaçã o seria impossível. Deus estaria nos
mandando fazer algo impossível de realizar, e a contradiçã o existiria
naquele que é a verdade suprema e a bondade suprema. Uma alma
simples compreende imediatamente as palavras de Cristo: "Pedi, e dar-
se-vos-á ; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á ." "E qual de vó s, se
pedir pã o a seu pai, lhe dará uma pedra? Ou um peixe, por peixe lhe
dará uma serpente? a vossos filhos, quanto mais vosso Pai do cé u dará
o bom Espírito aos que Lhe pedirem?” 11 A oraçã o é a respiraçã o da
alma.
A oraçã o é uma força mais poderosa do que todas as energias físicas
juntas, mais poderosa do que o dinheiro, do que o aprendizado. A
oraçã o pode realizar o que todas as coisas materiais e todos os
espíritos criados nã o podem fazer por seus pró prios poderes naturais.
De acordo com Pascal: “Todos os corpos, o firmamento e suas estrelas,
a terra e seu reino, nã o sã o iguais ao menor dos espíritos. impossível e
pertence a outra ordem. . . . Todos os corpos materiais juntos e todos os
espíritos, e tudo o que eles produzem, nã o valem o menor movimento
de caridade, que pertence a uma ordem infinitamente mais elevada." 12
A oraçã o pode obter para nó s a graça que nos fará produzir este ato de
caridade.
A oraçã o, portanto, desempenha um papel infinitamente maior no
mundo do que a descoberta mais surpreendente. Quem ousaria
comparar a influência exercida por um eminente estudioso como
Pasteur com a exercida por meio da oraçã o por um Sã o Paulo, um Sã o
Joã o, um Sã o Bento, um Sã o Domingos ou um Sã o Francisco?
Cada alma imortal vale mais do que todo o mundo físico. É como um
universo, pois por suas duas faculdades superiores, intelecto e vontade,
habita todas as coisas, até mesmo o Infinito. A oraçã o assegura duas
coisas à s almas que se esforçam para chegar a Deus: a luz sobrenatural,
que as dirige; e a energia divina, que os impulsiona. Sem oraçã o reina a
escuridã o nas almas; eles esfriam e morrem como estrelas apagadas. É
essencial confiar nesta força de origem divina; ter em mente de onde
vem e para onde vai. Ele desce até nó s da eternidade por um decreto de
bondade infinita, e é para a eternidade que ele sobe novamente.
II. ORAÇÃ O COMUM

A oraçã o é uma elevaçã o da alma a Deus, pela qual desejamos no


tempo o que Deus desde toda a eternidade quer que Lhe peçamos, a
saber, os diversos meios de salvaçã o, especialmente o progresso na
caridade. "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas
coisas vos serã o acrescentadas." Mas sentimos a necessidade de uma
oraçã o mais íntima em que nossa alma, em recolhimento mais
profundo, possa entrar em contato com a Santíssima Trindade que
habita em nó s. Isto desejamos para receber mais abundantemente do
Mestre interior aquela luz de vida que é a ú nica que nos pode fazer
penetrar e saborear os mistérios da salvaçã o, e reformar o nosso
cará ter sobrenaturalizando-o, tornando-o conforme À quele que nos
convida a buscar a paz da alma em humildade e doçura. Esta oraçã o
íntima é a oraçã o mental. Esta é a oraçã o que prepara para a
contemplaçã o infusa. Vamos considerar brevemente como alcançar esta
oraçã o adquirida e como perseverar nela.
Nosso Senhor nos diz no Evangelho: "E, quando orardes, nã o sereis
como os hipó critas que gostam de orar em pé nas sinagogas e nas
esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. . . . Mas tu, quando
orará s, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai em secreto,
e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará”. 13 Santa Teresa diz
simplesmente: "A oraçã o mental nada mais é , a meu ver, do que estar
em termos de amizade com Deus, conversando frequentemente em
segredo com Aquele que, sabemos, nos ama." 14 As almas cristã s
verdadeiramente simples conhecem a oraçã o espontâ nea e íntima. Um
certo camponê s, interrogado pelo Cura d'Ars, deu-lhe uma excelente
definiçã o. O Cura, notando que ele permanecia calado, sem sequer
mover os lá bios, durante longos períodos de adoraçã o, perguntou-lhe o
que ele dizia a Nosso Senhor naquelas horas de recolhimento. "Oh, eu
nã o digo nada a Ele", respondeu o camponê s; "Eu olho para Ele, e Ele
olha para mim." 15 Esta é aquela oraçã o interior que tantas vezes foi a
oraçã o dos cristã os das catacumbas e de todos os santos, muito antes
dos modernos tratados de meditaçã o.
O que é mais simples do que a oraçã o? Sua espontaneidade à s vezes
se perde pelo uso de métodos muito complicados. Eles podem ser ú teis
para iniciantes, mas sã o capazes de provocar uma reaçã o excessiva em
muitas almas. Estes ú ltimos, cansados dessa complexidade, à s vezes
mergulham em um devaneio piedoso sem nenhum lucro real. A
verdade, aqui como em outros lugares, está acima desses dois erros
extremos e encontra-se em um meio termo. Um método é ú til no
começo, especialmente como meio de evitar distraçõ es. Mas se
quisermos evitar que se torne um obstá culo em vez de uma ajuda, deve
ser simples; em vez de quebrar a espontaneidade e a continuidade da
oraçã o, deve simplesmente descrever a elevaçã o da alma a Deus. Deve
apenas indicar os atos essenciais que compõ em esse movimento.
Quais sã o esses atos? Evidentemente a oraçã o é mais que um ato do
intelecto como um simples estudo. As almas especulativas, curiosas das
coisas de Deus, nã o sã o por isso almas contemplativas ou almas
orantes. Em suas reflexõ es, eles podem experimentar um prazer que
supera em muito o dos sentidos; mas esse prazer muitas vezes vem
apenas de seu conhecimento, e nã o da caridade. Eles sã o movidos por
um amor ao conhecimento muito mais do que pelo amor de Deus. Esse
prazer à s vezes aumenta seu orgulho e amor pró prio. O estudo e a
especulaçã o nã o supõ em necessariamente o estado de graça e de
caridade e nem sempre ajudam a desenvolver esse estado. A oraçã o,
pelo contrá rio, deve proceder do amor de Deus e deve terminar n'Ele. A
contemplaçã o de Deus é desejada por amor a Ele, e a contemplaçã o de
sua bondade e beleza aumenta o amor. Além disso, o amor de Deus
nesta vida, como vimos, é mais perfeito do que o conhecimento de
Deus. A caridade é mais perfeita do que a fé, porque o conhecimento de
certa forma atrai Deus até nó s e, por assim dizer, reduz-o à medida das
nossas ideias; ao passo que o amor nos aproxima de Deus, nos eleva a
Ele, nos une a Ele. E, enquanto estivermos privados da visã o beatífica, é
sobretudo a caridade que nos une a Deus e constitui o vínculo da
perfeiçã o. Conseqü entemente, esta virtude deve ocupar o primeiro
lugar em nossa alma. A alma deve elevar-se a Deus nas asas do intelecto
e da vontade auxiliada pela graça. Portanto, a oraçã o é um movimento
de conhecimento e amor sobrenatural.
Quais sã o os atos essenciais da oraçã o? Para que seja a elevaçã o de
toda a alma a Deus, a oraçã o deve ser precedida de um ato de
humildade e deve proceder das três virtudes teologais, que nos unem a
Deus, animam a virtude da religiã o e nos obtêm as iluminaçõ es. e
inspiraçõ es do Espírito Santo. A alma voa, por assim dizer, como um
pá ssaro pelo esforço de suas asas, mas o sopro do Espírito Santo
sustenta esse esforço e muitas vezes leva a alma mais alto do que
poderia ir por suas pró prias virtudes. Vamos considerar esses
diferentes atos de oraçã o. No perfeito, muitas vezes sã o simultâ neos e
contínuos; mas, ao descrevê-los, vamos enumerá -los um apó s o outro,
conforme aparecem nos iniciantes.
A oraçã o deve começar com um ato de humildade, virtude
fundamental, pois toda oraçã o deve ser humilde. Quando começamos a
conversar com Deus, devemos nos lembrar do que somos. De nó s
mesmos nã o podemos fazer nada e menos que nada, pois nossos
pecados sã o uma desordem inferior ao pró prio nada. A virtude bá sica
da humildade remove o orgulho, que é o principal obstá culo à graça. A
humildade nã o nos esmaga; leva-nos à adoraçã o e recorda-nos que
num vaso muito frá gil trazemos um tesouro infinitamente precioso, a
graça santificante e a Trindade que habita em nó s. Fazemos bem em
pensar nesta verdade desde o início, para que nossa oraçã o nã o
proceda de um sentimentalismo vã o, mas da pró pria graça que é
infinitamente superior à s nossas emoçõ es. Devemos adorar
humildemente a Santíssima Trindade que nos vivifica interiormente. A
adoraçã o é um dos primeiros atos da virtude da religiã o, que
naturalmente se une à da humildade. 16
Este ato de humildade deve ser seguido por um ato de fé, um ato
muito simples, sem palavras, profundo e prolongado sobre alguma
verdade fundamental, como: Deus, Suas perfeiçõ es, Sua bondade; nosso
Senhor, os mistérios de Sua vida, paixã o e gló ria; ou ainda nossos
grandes deveres, pecado, nossa vocaçã o, os deveres de nosso estado na
vida, nosso fim ú ltimo. Esses assuntos devem se repetir com frequência.
Nos dias de festa a liturgia sugere o tema. Para esta consideraçã o da fé,
bastam algumas palavras do Evangelho ou do ofício divino. Sã o Joã o da
Cruz ensinou aos seus discípulos a dedicar muito pouco tempo à
representaçã o de figuras formadas na imaginaçã o, mas a elevar-se por
atos discursivos à consideraçã o do pró prio mistério à luz da fé: por
exemplo, à consideraçã o do que constitui o preço dos sofrimentos de
Cristo, Seu amor redentor que é de valor infinito. Nã o é preciso
raciocinar muito, porque o simples ato de fé teologal é superior ao
raciocínio. Torna-se cada vez mais um olhar simples que deve ser
acompanhado de admiraçã o e amor. Esta fé, superior a toda
especulaçã o filosó fica ou teoló gica, faz-nos aderir infalivelmente e
sobrenaturalmente aos mistérios que os eleitos contemplam no céu.
Nesse sentido, é, como diz Sã o Paulo, "a substâ ncia das coisas a serem
esperadas". Sua obscuridade nã o a impede de ser infalivelmente certa.
É a primeira luz da nossa vida interior. Eu creio no que Deus revelou,
porque Ele o revelou. Este Credo à s vezes parece tornar-se um Vídeo .
Vemos de longe a fonte de á gua viva.
Este ato de fé na verdade divina que está sendo considerada dá
origem naturalmente a um ato de esperança. Desejamos a bem-
aventurança, a paz prometida por Deus aos que seguem Jesus Cristo.
Vemos claramente, poré m, que por nossa pró pria força natural nã o
seremos capazes de realizar esse ideal sobrenatural. Entã o, voltando-
nos para a bondade infinitamente ú til de Deus, pedimos Sua graça. Esta
é a sú plica, a linguagem comum da esperança, cujo motivo formal é a
ajuda divina, Deus auxilians. 17 Depois de pronunciar seu Credo , a alma é
levada espontaneamente a dizer; desidero, sitio, spero . Tendo visto de
longe a fonte de á gua viva, desejamos alcançá -la para que dela
possamos beber longos goles: "Assim como o cervo suspira por fontes
de á gua viva, assim minha alma suspira por Ti, ó Deus." 18
O ato de esperança, por sua vez, nos dispõ e a um ato de caridade;
pois a confiança na ajuda de Deus nos faz refletir que Ele é bom em si
mesmo e nã o apenas por causa de seus favores. 19 Entã o,
espontaneamente, surge em nó s um ato de caridade, a princípio sob
uma forma afetiva. Se neste ato nossos sentimentos nos oferecem sua
assistê ncia inferior, devemos aceitá -la. Pode até ser ú til, desde que
permaneça subordinado; mas nã o é necessá rio, pois desaparece na
aridez. Estamos falando aqui de uma afeiçã o calma, mas profunda,
mais segura e rica do que as emoçõ es superficiais. Ele se expressa um
pouco assim: Meu Deus, nã o quero mais mentir dizendo que te amo.
Concede-me amar-te e agradar-te em tudo. Diligo .
Esta caridade afetiva deve finalmente tornar-se caridade efetiva.
Pode assumir esta forma de expressã o: desejo conformar minha
vontade à Tua, ó bom Deus; quebrar tudo o que me torna escravo do
pecado, do orgulho, do egoísmo, da sensualidade. Desejo, ó Senhor,
participar cada vez mais plenamente da vida divina que me ofereceis,
porque viestes para que tenhamos vida em abundâ ncia. Aumente meu
amor; Tu pedes apenas para dar, e eu, por minha vez, desejo receber
como Tu queres que eu faça, tanto na prova como na consolaçã o, quer
venhas a mim para associar-me aos mistérios gozosos ou dolorosos da
Tua vida terrena, pois todos conduzem à vida eterna que nos unirá para
sempre. Resolvo hoje ser fiel a Ti neste assunto que tantas vezes
negligenciei. Volo .
Neste ponto culminante da oraçã o, o conhecimento da fé e o amor da
esperança e da caridade tendem, sob a influência divina, a fundir-se
num olhar de amor sobrenatural. Como veremos, esse olhar é
contemplaçã o nascente, fonte eminente de açã o; é a contemplaçã o
cristã que se demora em Deus e no Senhor, como a contemplaçã o do
artista se demora na natureza, e a da mã e no rosto do filho.
Esta contemplaçã o amorosa supõ e uma inspiraçã o do Espírito
Santo. Os seus dons, especialmente o dom da sabedoria, que
recebemos no baptismo e que aumenta em nó s com a caridade,
tornam-nos particularmente dó ceis a estas boas inspiraçõ es. Assim o
Espírito Santo responde à oraçã o que Ele inspirou. De vez em quando,
Ele se faz sentir por nó s como a alma da nossa alma, a vida da nossa
vida; Ele "pede por nó s com gemidos indizíveis", como diz Sã o Paulo. É
Ele que nos faz clamar "Abba, Pai" ao nosso Pai do cé u e, depois de nos
fazer saborear a beleza e a riqueza dos misté rios da salvaçã o, dá -nos
um conhecimento quase experimental da sua presença e conduz-nos
à quela fonte de á gua viva que é Ele mesmo; ali podemos beber a luz da
vida sem a intermediaçã o do raciocínio humano, ainda que seja
sempre na obscuridade da fé . "Prove e veja que o Senhor é doce." 20
Como o Evangelho realiza as nossas aspiraçõ es, supera-as e eleva-as!
O conhecimento das verdades sobre a vida histó rica de Cristo que
sã o preservadas em nossa memó ria é substituído por um
conhecimento vivo, e como se fosse experimental, da açã o de Deus em
nó s, da influê ncia real da humanidade de Cristo que nos transmite toda
a graça e da presença da Santíssima Trindade em nossas almas. 21 A
oraçã o introduz-nos assim na intimidade do amor. Nada é mais capaz
de corrigir os nossos defeitos de cará ter, infundir-nos o desejo vivo de
nos assemelharmos a nosso Senhor, levar-nos a imitá -lo em tudo e
suscitar em nó s as mais altas virtudes. Alguns personagens
conseguirã o se reformar apenas pela contemplaçã o amorosa do divino
Mestre; pois imitamos aqueles a quem amamos, sem ter consciê ncia
disso.
A oraçã o é "a relaçã o de amizade pela qual a alma freqü entemente
conversa a só s com Deus, sabendo que é amada por Ele". "Meu amado
para mim e eu para ele." Os atos de humildade, fé, esperança e caridade,
e o influxo dos dons do Espírito Santo tendem, à medida que a alma
cresce, a fundir-se num olhar de amor ardente. Por conseguinte,
métodos ú teis no início devem dar lugar cada vez mais à docilidade ao
Espírito Santo, que respira onde quer.
A oraçã o tende a tornar-se uma comunhã o espiritual prolongada:
"Eu olho para o Senhor e Ele olha para mim". Como disseram os pais, é
verdadeiramente o repouso da alma em Deus, ou a respiraçã o da alma
que respira a verdade e a beleza de Deus pela fé e respira amor. O que
recebe de Deus sob a forma de graça, devolve a Ele como adoraçã o. Esta
oraçã o, como veremos mais adiante, é uma disposiçã o à contemplaçã o.
No momento, bastará citar Santa Teresa: "Aqueles que sã o capazes de
encerrar-se dentro do pequeno cé u onde habita o Criador do cé u e da
terra... que certamente chegarã o a beber da á gua da fonte, pois em
pouco tempo viajarã o para longe. Eles se assemelham a um homem
que vai pelo mar, 22 e que, se o tempo estiver favorável, 23 chega em
poucos dias para o fim de uma viagem que levaria muito mais tempo
por terra. Pode-se dizer que essas almas já partiram para o mar." 24
Este método, ou melhor, esta maneira muito simples de fazer a
oraçã o, recordando a necessidade dos atos das três virtudes teologais,
permite unir a simplicidade da oraçã o, descrita pelos antigos escritores,
com o que é ú til no ensino dos mestres mais recentes. É fá cil fazer atos
de fé, esperança e caridade em todos os assuntos. Mas se nenhum
assunto nos atrai, e se, por outro lado, nã o nos sentimos
suficientemente unidos a Deus para evitar perdas de tempo e fugir das
distraçõ es, faremos bem em seguir o conselho de Santa Teresa e
meditar o mais devagar possível. no Pai Nosso. Esta é a maior das
oraçõ es; composta por nosso Senhor, contém todas as petiçõ es
possíveis em uma ordem perfeita. Muitas vezes o recitamos durante o
dia, mas tã o rapidamente que nã o provamos tudo o que contém. É a
verdadeira conversa da alma. Digamo-lo com Cristo que no-lo ensinou.
As três primeiras petiçõ es correspondem exatamente, como diz Sã o
Tomá s, aos três atos de fé, esperança e caridade, que indicamos.
Pai nosso que estais no céu . Tu também está s em nó s, pois nossas
almas sã o um céu que ainda está em trevas.
Santificado seja o Teu nome . Glorificado, isto é, reconhecido e
adorado ( gloria est clara notitia cum laude ). Que Tua palavra seja
aceita por uma fé viva e inabalável. Credo .
Venha o teu reino . Este é o objetivo de nossa esperança, que repousa
especialmente em Tua bondade infinitamente ú til. Que este reino seja
cada vez mais estabelecido em mim e ao meu redor. Sitio, spero .
Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu . Que nossa
vontade, como a dos santos no céu, seja conforme à Tua. Este é o maior
desejo da caridade afetiva e eficaz, que pede também o pã o quotidiano
da Eucaristia, e o perdã o dos pecados. Esta caridade também perdoa as
ofensas cometidas pelo pró ximo e nos faz pedir para sermos guardados
do pecado no futuro. É a elevaçã o da alma a Deus; de manhã antes do
trabalho, à noite antes de dormir e sempre que possível durante o dia,
pelo menos por alguma ejaculaçã o curta.
Se à s vezes nã o estamos à mesa para meditar o Pai Nosso desta
maneira simples e nã o conseguimos nos livrar das distraçõ es,
encontrando apenas aridez, é bom que pratiquemos a oraçã o afetiva.
Esta oraçã o consiste simplesmente em querer estar nessa condiçã o
para amar o Senhor mais do que a nó s mesmos; dispostos a
permanecer assim abandonados à sua vontade divina, aceitando a
nossa impotência e unindo-nos a Cristo no abandono que Ele
experimentou na terra, no Getsêmani e na cruz, e que ainda
experimenta no Santíssimo Sacramento. Esta oraçã o, que à s vezes se
assemelha a um purgató rio, nã o é inércia; pelo contrá rio, distingue-se
dela pela vigilâ ncia do amor. É muito fecunda, pois o mérito tem sua
fonte na caridade, e o fim da oraçã o nã o é tanto a formaçã o de elevadas
consideraçõ es, mas a uniã o de nossas almas a Deus, em Cristo Jesus,
tanto em nossos sofrimentos quanto em nossas alegrias. Muitos amigos
íntimos de nosso Senhor estã o por muitos anos associados dessa
maneira aos sofrimentos de Seu coraçã o. Ele os faz participar da vida
dolorosa que Ele levou na terra antes de comunicar-lhes Sua vida
gloriosa para a eternidade. Uma alma cristã é assim conduzida ao
"amor de Deus até o desprezo de si mesmo", ou pelo menos ao
esquecimento de si mesmo e à absorçã o na gló ria de Deus e na salvaçã o
das almas.
III. COMO CHEGAR A UMA VIDA DE ORAÇÃ O E PERSEVERAR NELA

Mostramos como deve ser a oraçã o comum, que tende a se tornar


cada vez mais simples. Como algué m pode alcançar esta oraçã o e nela
perseverar? Em primeiro lugar, devemos confessar que mesmo a
oraçã o comum depende principalmente da graça de Deus e,
conseqü entemente, a alma se prepara para ela menos por processos
mecâ nicos do que por humildade. Deus dá Sua graça aos humildes. "A
menos que vos convertais e vos torneis como crianças, nã o entrareis
no reino dos cé us." 25 Sã o os pequeninos que Deus se apraz instruir
interiormente; almas humildes como o camponê s de Ars. Alé m do
cultivo da humildade, devemos nos preparar para uma vida de oraçã o
pela mortificaçã o e desapego das coisas sensíveis e de si mesmo.
Evidentemente, se nossas mentes estiverem preocupadas com
assuntos mundanos e nossas almas perturbadas por uma afeiçã o
muito humana, por ciú mes, julgamento precipitado e a memó ria de
erros que sofremos de outros, nã o seremos capazes de conversar com
nosso Senhor. Se durante o dia criticamos nossos superiores, à noite
nã o podemos nos sentir unidos a Deus.
É evidente que todas as inclinaçõ es desordenadas devem ser
mortificadas para que a caridade ocupe o primeiro lugar em nossas
almas e suba espontaneamente a Deus. Em todas as ocasiõ es, no
sofrimento ou na consolaçã o, devemos formar o há bito de elevar o
coraçã o a Deus e de abençoar a hora que vem. O silêncio deve reinar em
nossas almas e nossas paixõ es devem ser reprimidas, se quisermos
ouvir o Mestre interior que fala em voz baixa de amigo para amigo. Se
estamos habitualmente preocupados com nó s mesmos, como
provaremos a doçura da Trindade, da encarnaçã o, da redençã o e da
Eucaristia?
Todo esse trabalho pode ser chamado de preparaçã o remota para a
oraçã o. É , no entanto, muito mais importante do que a preparaçã o
imediata e a escolha de um assunto. O objetivo da preparaçã o imediata
é apenas acender o fogo da caridade, que nunca deve ser extinto em nó s
e que deve ser alimentado por uma generosidade contínua. Assim, as
almas muito simples e fervorosas podem reduzir ao mínimo a
preparaçã o imediata e, muitas vezes, durante o trabalho manual, fazer
fervorosa oraçã o mental de conformidade habitual com a vontade de
Deus.
Nã o é suficiente alcançar uma vida de oraçã o; devemos perseverar
nela. Por perseverar no esforço, a alma certamente obterá grande
ganho; sem ela, tudo pode ser perdido. A perseverança nã o é uma tarefa
fá cil, pois devemos lutar contra o eu, contra a preguiça espiritual e
contra o diabo que nos inclina ao desâ nimo. Mesmo entre os mais
adiantados, quantas almas voltaram atrá s quando privadas das
primeiras consolaçõ es que receberam. Santa Catarina de Gênova, que se
dedicou à oraçã o desde os treze anos e nela fez grandes progressos,
abandonou a vida interior apó s cinco anos de sofrimentos. Por cinco
anos ela negligenciou a vida interior. Mas um dia ela sentiu
profundamente o terrível vazio de sua alma, e o desejo de orar reviveu
nela. Deus a recebeu de volta instantaneamente. Depois de quatorze
anos de terrível penitência, ela teve a garantia de ter satisfeito
plenamente a justiça divina. "Se eu voltasse", ela costumava dizer, "eu
desejaria que alguém arrancasse meus olhos, e mesmo isso nã o
pareceria puniçã o suficiente."
Outras almas, depois de muito lutar, desanimam, diz Santa Teresa,
quando estã o a poucos passos da fonte de á gua viva. Recuam e, como
sem a oraçã o já nã o tê m forças para carregar a cruz, caem numa vida
superficial em que outros talvez se salvassem, mas na qual correm o
risco de se perderem porque as suas forças os levarã o ao excessos. O
amor imensurável de Deus permitia e até pedia excessos; mas esse
mesmo excesso, se concedido fora de Deus, seria sua ruína. Para certas
almas naturalmente elevadas, a mediocridade é impossível; ou eles se
entregam totalmente a Deus, ou totalmente a si mesmos em oposiçã o a
Deus. Eles desejam desfrutar de seu ego e de suas habilidades e, como
resultado, correm o risco de colocar o eu em vez de Deus como seu fim
absoluto. Os anjos só podem conhecer a caridade ardente ou o pecado
mortal imperdoável. O pecado venial, de acordo com Sã o Tomá s, é
impossível para eles porque "por sua pró pria natureza eles nã o podem
ter desordenaçã o em relaçã o aos meios, a menos que ao mesmo tempo
tenham desordenaçã o em relaçã o ao fim, e este é um pecado mortal".
pecado." 26 Anjos ou demô nios, muito santos ou muito maus, para eles
nã o há outra alternativa. Certas almas tê m algo angelical sobre elas;
para eles é muito perigoso nã o perseverar na oraçã o, ou pelo menos
estar na oraçã o apenas corporalmente sem nenhum ato de amor
verdadeiro. Isso equivale ao abandono da vida interior, talvez à ruína.
Os santos nos dizem que, se quisermos perseverar, devemos, antes
de tudo, esperar em nosso Senhor que chama todas as almas devotas
à s á guas vivas da oraçã o. Sobre este ponto consideraremos
particularmente o testemunho de Santa Teresa. 27 Em segundo lugar,
devemos humildemente deixar-nos conduzir pelo caminho que o
Senhor nos escolheu.
1) Devemos esperar, com confiança em nosso guia. Falhamos nessa
confiança quando, apó s a primeira aridez, dizemos que a oraçã o nã o é
para nó s. Podemos també m dizer com os jansenistas que a comunhã o
frequente nã o é para nó s, mas apenas para alguns grandes santos.
Nosso Senhor chama todas as almas para esta relaçã o de amizade com
Ele. Como Ele diz, Ele é o bom pastor que conduz Suas ovelhas aos
pastos eternos para que se alimentem de toda palavra de Deus. No
meio desses pastos está a fonte de á guas vivas de que Jesus falou à
samaritana, que era, no entanto, uma pecadora; “Se conhecesses o dom
de Deus e quem é aquele que te diz: Dá -me de beber, talvez Lhe
pedirias, e Ele te daria á gua viva. á gua que eu lhe der, nã o terá sede para
sempre, mas a á gua que eu lhe der se fará nele uma fonte de á gua que
salte para a vida eterna”. 28 Em Jerusalé m, num certo dia de festa, Jesus
estava no templo e clamava a todos: "Se algué m tem sede, venha a mim
e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura: Do seu ventre fluirã o
rios de á gua viva”. 29 Mais adiante, nosso Senhor explica que esta fonte
de á gua viva é o Espírito Santo, o Consolador, que Ele nos enviará e que
nos fará penetrar e saborear o significado íntimo do evangelho.
Segundo Sã o Paulo, o Espírito Santo habita em nó s pela caridade.
Portanto, Ele está em cada alma em estado de graça. Ele habita na alma
nã o para ficar ocioso, mas para tornar-se seu mestre interior por meio
de seus sete dons, que se desenvolvem à medida que a caridade cresce
na alma. O crescimento da caridade deve continuar até a morte, sem
limite determinado. A nossa incapacidade de compreender melhor as
santas inspiraçõ es do Mestre interior deve-se provavelmente ao facto
de ouvirmos a nó s mesmos, de nã o sermos bastante humildes e
desejosos do reino de Deus nas nossas almas.
2) O segundo elemento necessá rio para a perseverança na oraçã o é que
nos deixemos conduzir pelo caminho que o Senhor nos escolheu. A
grande estrada é o caminho da humildade e da conformidade com a
vontade divina. Todos devem orar como o publicano fez. Ao longo desta
estrada, no entanto, existem trechos pedregosos e planos, alguns
trechos cobertos de grama, outros queimados pelo sol e outros ainda
sombreados. O bom Pastor conduz as suas ovelhas como bem julga:
umas pela via das pará bolas, outras pela do raciocínio, antes de as
conduzir à simples intuiçã o na obscuridade da fé. Ele deixa algumas
almas por muito tempo em lugares difíceis com o propó sito de
acostumá -las à s dificuldades. Nosso Senhor eleva as Marias à
contemplaçã o mais cedo do que as Martas. Os primeiros encontram na
contemplaçã o sofrimentos interiores desconhecidos para os segundos;
mas estes, se forem fiéis, chegarã o à s á guas vivas e saciarã o a sua sede
segundo os seus desejos.
Vamos agora considerar o que sã o essas á guas vivas, porque elas sã o
o símbolo da contemplaçã o.

ARTIGO II
Significado de "Contemplação", "Comum",
"Extraordinário "
I. A CHAMADA CONTEMPLAÇÃ O ADQUIRIDA E CONTEMPLAÇÃ O INFUSA

A contemplaçã o em geral, como pode existir em um filó sofo nã o


cristã o, por exemplo, em Platã o ou Aristó teles, é uma visã o simples e
intelectual da verdade, superior ao raciocínio e acompanhada de
admiraçã o, simplex intuitus veritatis , como diz Sã o Tomá s . 1 Um
exemplo dessa contemplaçã o é o conhecimento admirável daquela
verdade suprema da filosofia, a saber, que no cume de todos os seres
compostos e mutáveis existe o pró prio ser absolutamente simples e
imutável, o princípio e o fim de todas as coisas. Nã o recebeu existê ncia;
é por si existê ncia, verdade, sabedoria, bondade, amor, assim como, na
ordem física, a luz por si é luz e nã o precisa ser iluminada; assim como
o calor em si é calor. A razã o por sua pró pria força, com a ajuda natural
de Deus, pode elevar-se a esta contemplaçã o.
A contemplaçã o dos fiéis é, ao contrá rio, fundada na revelaçã o divina
recebida pela fé. Embora a fé seja um dom infuso de Deus recebido no
batismo, vá rios teó logos admitem nos fiéis uma contemplaçã o dita
"adquirida". Eles geralmente o definem como um conhecimento
simples e amoroso de Deus e de suas obras, que é fruto de nossa
atividade pessoal auxiliada pela graça. Costumam concordar que essa
contemplaçã o dita "adquirida" existe em um teó logo no final de sua
pesquisa, na visã o sintética a que chega; ou em um pregador que vê
todo o seu sermã o em um pensamento, e nos fiéis que ouvem
atentamente este sermã o, captam sua ordem, admiram sua unidade e,
como resultado, saboreiam a grande verdade da fé que eles veem em
sua irradiaçã o.
Nestes casos temos uma certa contemplaçã o que é, com a ajuda da
graça, fruto da atividade humana, da nossa reflexã o ou da meditaçã o do
autor que lemos ou do pregador que ouvimos. A graça e as virtudes
teologais certamente entram. Mesmo os dons do Espírito Santo
exercem uma influência latente. Mas se faltasse uma atividade humana
bem ordenada, a alma nã o alcançaria essa contemplaçã o, que por isso
se chama "adquirida". Um sermã o mal preparado, sem ordem, vigor ou
unçã o, produzirá o efeito contrá rio e cansará a maioria dos ouvintes.
Numa ordem bastante superior à especulaçã o filosó fica, muitos fiéis
podem, pela leitura e meditaçã o, experimentar o profundo significado
destas palavras de Deus: "Eu sou o que sou... Deus é um espírito, e
aqueles que o adoram devem adorá -lo. em espírito e em verdade. . . .
Deus é caridade: e quem permanece na caridade, permanece em Deus, e
Deus nele."
Como a contemplaçã o amorosa de Deus nã o é fruto da atividade
humana auxiliada pela graça, ela nã o pode ser chamada de adquirida,
mas deve ser chamada de infusa. Por exemplo, em um sermã o mal
organizado, sem vida, que apenas cansa a maioria dos ouvintes, o
pregador pode, no entanto, citar uma expressã o de nosso Senhor que
se apodera profundamente de uma alma, a cativa e a absorve por uma
hora. 2 Esse é um exemplo de contemplaçã o que nã o é fruto da
atividade humana do pregador ou da reflexã o pessoal; brota de uma
É
inspiraçã o divina manifesta. É chamado de infundido. Por quê ? Nã o só
porque brota de virtudes infusas; este foi o caso també m com a
chamada contemplaçã o "adquirida". També m nã o é chamado de
"infundido" neste sentido, que o pró prio ato de contemplaçã o é
infundido ou produzido diretamente por Deus somente em nó s; entã o
nã o seria mais um ato vital, gratuito e meritó rio. É chamado infuso e
també m passivo neste sentido, que nã o está em nosso poder produzir
este ato à vontade, como um ato comum de fé . Só podemos receber a
inspiraçã o divina com docilidade e nos dispor a ela por piedosa
lembrança. "Esta contemplaçã o infusa ou passiva está em nó s sem
nossa deliberaçã o, embora nã o sem nosso consentimento." 3
Essa contemplaçã o infusa també m se chama sobrenatural porque o
é por sua pró pria natureza ( reduplicativa ut sic ) nã o só quanto à
substâ ncia do ato, como o ato da fé infusa, mas quanto ao modo, que
neste caso é o sobre-humano. modo dos dons do Espírito Santo, um
modo nã o mais latente, mas manifesto. Esta contemplaçã o
essencialmente infusa começa com o que Santa Teresa chama de
oraçã o do recolhimento passivo, 4 e o que Sã o Joã o da Cruz chama de
noite passiva dos sentidos; em outras palavras, no início da vida
mística propriamente dita. Donde se segue que a contemplaçã o
essencialmente mística é aquela que é manifestamente passiva, no
sentido que indicamos, 5 se dura e se torna frequente como no estado
místico.
Tudo o que acabamos de dizer sobre o significado das palavras
"contemplaçã o adquirida" e "contemplaçã o infusa" é geralmente
aceito. Mas a expressã o "contemplaçã o adquirida" nã o se encontra nos
escritos dos grandes mestres. Segundo eles, a contemplaçã o
propriamente dita é infusa, e eles simplesmente a chamam de
contemplaçã o. Sã o Joã o da Cruz diz: "A contemplaçã o é uma ciê ncia do
amor; é um conhecimento infuso e amoroso de Deus". 6 Santa Teresa, 7
Sã o Francisco de Sales, 8 e Santa Joana de Chantal tê m a mesma opiniã o.
O cô nego Saudreau 9 observa que Tomá s de Jesus (1564-1627), em
seu livro De contemplatione divina, 10 foi o primeiro carmelita a falar de
uma contemplaçã o adquirida como um grau de oraçã o intermediá rio
entre a meditaçã o afetiva e a contemplaçã o infusa. E acrescenta: “O
mesmo autor, no pró logo de sua primeira obra 11 , dividiu a oraçã o em
duas classes: oraçã o adquirida (meditaçã o) e oraçã o infusa
(contemplaçã o). Esta divisã o é correta e inteiramente conforme à
doutrina de Santa Teresa. Este pró logo, encontrado nas ediçõ es de
1610, 1613, 1616 e 1623, foi suprimido nas ediçõ es posteriores de
1665 e 1725, sem dú vida porque a doutrina ali exposta nã o se
conforma à quela que reconhece uma contemplaçã o nã o mística."
No início do sé culo XVII, foram introduzidas glosas nas obras de Sã o
Joã o da Cruz para defendê -las contra injustas acusaçõ es de iluminismo.
Essas glosas muitas vezes atenuavam o significado dos termos. 12 De
fato, alguns autores sustentavam que a santa havia tratado apenas da
contemplaçã o adquirida, que é inferior à contemplaçã o infusa de que
fala Santa Teresa. O significado desses termos nã o foi claramente
fixado neste momento. 13 Alguns chegaram a afirmar que a
contemplaçã o adquirida é o á pice ou o termo do desenvolvimento
normal da vida interior, e que a contemplaçã o infusa é absolutamente
extraordiná ria, como graces gratis datae , e que conseqü entemente nã o
poderia ser desejada sem presunçã o. Este foi em particular o
ensinamento de Antô nio da Anunciaçã o, CD; 14 mas neste ponto nã o foi
seguido pelos teó logos carmelitas, como bem se vê pelo que dele diz
outro conhecido carmelita descalço, José do Espírito Santo, 15 .
Essas dificuldades e divergê ncias explicam as reservas de alguns
autores. Em sua â nsia de preservar os ensinamentos de Santa Teresa,
eles relutam em admitir um grau de oraçã o que ela provavelmente nã o
mencionou. E de fato estaríamos criando um grau de oraçã o nã o
referido por Santa Teresa e estaríamos contrariando seu ensinamento
explícito, se por contemplaçã o adquirida entendessemos uma oraçã o
distinta da oraçã o afetiva simplificada, uma oraçã o na qual a
inteligê ncia estaria completamente absorvida por seu objeto, e que a
alma alcançaria pela supressã o de toda atividade racional. De fato, o
santo repetidamente se opõ e à supressã o total do raciocínio e do
pensamento enquanto nã o se recebe a contemplaçã o infusa. 16
Tal nã o é, entretanto, a concepçã o dos teó logos carmelitas sobre a
contemplaçã o adquirida. Suas descriçõ es detalhadas mostram que a
oraçã o que eles têm em mente corresponde ao que Santa Teresa em O
Caminho da Perfeição (cap. 28) chama de "a oraçã o (adquirida) do
recolhimento", uma oraçã o em que a atividade intelectual é
simplificada, mas nã o suprimida. Esses teó logos chamam essa oraçã o
de contemplaçã o porque o ato de simples intuiçã o intelectual é
frequente e predominante nela, e a meditaçã o, por outro lado, é
reduzida. Essa concepçã o remove a substâ ncia da dificuldade, e a
questã o passa a ser de terminologia.
Via de regra, os teó logos carmelitas que admitem a existê ncia da
contemplaçã o adquirida tê m razã o em recusar-se a ver nela o termo
normal do progresso espiritual nesta terra. Segundo eles, nas almas
generosas verdadeiramente fié is ao Espírito Santo, é uma disposiçã o
pró xima receber normalmente a contemplaçã o infusa. 17 Diferentes
opiniõ es tê m sido apresentadas quanto ao momento em que começa a
contemplaçã o infusa; certos autores relacionam a quietude, e até
mesmo a embriaguez espiritual, com a contemplaçã o adquirida. Mas
quem ler atentamente o terceiro capítulo da quarta mansã o, 18 verá que
a contemplaçã o começa com a oraçã o do recolhimento sobrenatural,
que nã o podemos obter por nó s mesmos por nossa pró pria atividade
auxiliada pela graça e que quase sempre precede a oraçã o sobrenatural
do silê ncio. Este recolhimento sobrenatural é bem diferente da oraçã o
do recolhimento adquirido, que é fruto da nossa atividade, e de que fala
Santa Teresa. 19 É totalmente insustentável dizer que a contemplaçã o
adquirida é aquela em que podemos nos colocar por nossa pró pria
indú stria e incluir nela recolhimento sobrenatural, quietude,
embriaguez espiritual e sono místico. E se a expressã o "contemplaçã o
adquirida" é aplicada ao que Santa Teresa, ao tratar da oraçã o
adquirida, chama de "oraçã o do recolhimento", 20 sua doutrina é
mantida sem preservar seus termos; porque em seus escritos, como
veremos mais adiante, a palavra "contemplaçã o" designa a
contemplaçã o infusa.
Seria difícil melhorar a descriçã o de Santa Teresa da diferença
essencial que separa a ú ltima oraçã o adquirida da primeira oraçã o
infusa e a passagem de uma para a outra. Falando da "oraçã o de
recolhimento (adquirida)", que muitas vezes desde entã o tem sido
chamada de "oraçã o afetiva", ela diz: "Esse tipo de oraçã o tem muitas
vantagens. Chama-se 'recolhimento', porque por meio dela a alma
reú ne todas as faculdades e entra em si para estar com Deus . o cé u de
suas almas, onde habita o Criador do cé u e da terra, e que podem
acostumar-se a nã o olhar para nada, nem permanecer em qualquer
lugar que preocupe seus sentidos exteriores, podem ter certeza de que
estã o viajando por um excelente caminho e que certamente chegarã o a
beber da á gua da fonte, 22 porque em pouco tempo viajarã o para longe,
assemelham-se a um homem que vai pelo mar e que, se o tempo estiver
favorável, 23 chega em poucos dias ao fim de uma viagem que teria
Levamos muito mais tempo por terra. 24 Pode-se dizer que essas almas
já partiram para o mar e, embora nã o tenham perdido de vista a terra
firme , ainda assim fazem o possível para fugir dela reunindo suas
faculdades." 25
No capítulo seguinte, Santa Teresa expõ e claramente a natureza
desta ú ltima oraçã o adquirida e mostra nela uma disposiçã o para
receber a contemplaçã o infusa. Ela diz: "Aconselho a quem deseja
adquirir esse há bito (que, como disse, temos o poder de adquirir) a
nã o se cansar de perseverar em tentar obter aos poucos o domínio
sobre si mesmo. . . . Sei disso, com Sua ajuda, se você praticá -la por um
ano, ou talvez por apenas seis meses, você a ganhará . em alto grau de
oraçã o, Ele o encontrará preparado para isso, desde que você se
mantenha pró ximo a Ele. Que Sua Majestade nunca permita que nos
afastemos de Sua presença. Amé m." Falando desta oraçã o de
recolhimento adquirida, ela diz: "Você deve entender que este nã o é um
estado sobrenatural, mas algo que, com a graça de Deus, podemos
desejar e obter para nó s mesmos. 26 Esta 'graça' está sempre implícita
sempre que Digo, neste livro, que somos capazes de fazer qualquer
coisa, pois sem ela nã o podemos fazer nada - nada - nem poderíamos,
por qualquer força nossa, ter um ú nico pensamento bom. Isso nã o é o
que se chama de silê ncio de os poderes; é uma lembrança dentro da
pró pria alma." 27
Pelo contrá rio, a reminiscê ncia sobrenatural descrita em O Castelo
Interior, 28 nã o está em Nosso poder com a ajuda de Deus e nã o depende
de nossa vontade. Santa Teresa diz que é uma oraçã o que quase sempre
precede a oraçã o sobrenatural do silê ncio: "Esta é uma lembrança que
també m me parece sobrenatural. Nã o consiste em colocar-se em um
canto escuro nem em fechar os olhos; depende de coisas exteriores. E,
no entanto, sem querer, fecha-se os olhos e deseja-se a solidã o. Entã o, o
palá cio de oraçã o de que acabo de falar é construído, assim me parece,
mas sem o trabalho da arte humana. ... O Rei, que manté m Sua corte
dentro dela, vendo sua boa vontade, por Sua grande misericó rdia é
gentil o suficiente para chamá -los a Ele (os sentidos e os poderes).
Como um bom Pastor, Ele os faz ouvir Sua voz , e Ele toca tã o
docemente Sua flauta, que eles mal o ouvem. Ele os convida a desistir
de suas andanças e retornar à sua antiga morada. Esta flauta do Pastor
tem tanto poder sobre eles, que abandonando as coisas exteriores que
os cativaram , eles entram novamente no castelo. Acho que nunca
coloquei isso s assunto tã o claramente antes.
"Quando Deus concede esta graça, ajuda muito buscar Deus em si
mesmo... da imaginaçã o, retratando-o como presente em sua alma.
Esta é uma boa prá tica e um tipo excelente de meditaçã o, porque se
baseia na verdade indiscutível de que Deus habita em nó s. Nã o é , no
entanto, a oraçã o de recolhimento, pois pela assistê ncia divina todos
podem praticá -lo. O que quero dizer é uma coisa bem diferente. À s
vezes, mesmo antes de começarem a pensar em Deus, os poderes da
alma se encontram dentro do castelo. . . . Aqui este ato nã o depende de
nossa vontade; ela ocorre somente quando Deus considera
conveniente nos dar essa graça. Na minha opiniã o, Sua Majestade só
concede esse favor à queles que renunciaram ao mundo. . . . Ele os
chama assim especialmente para se dedicarem à s coisas espirituais.
Alé m disso , estou convencido de que se se Lhe permitem o poder de
agir livremente, Ele concederá graças ainda maiores à queles a quem
assim evidentemente chama para uma vida mais elevada”. A santa
acrescenta que se Deus ainda nã o concedeu esta graça, ela nã o pode
entender bem "como devemos parar de pensar, sem nos fazer mais mal
do que bem". 29
A reminiscê ncia sobrenatural é manifestamente uma oraçã o
mística, o início da contemplaçã o infusa. Seria difícil mostrar mais
definitivamente como ela difere da oraçã o de recolhimento adquirida,
muitas vezes chamada de oraçã o afetiva simplificada. Santa Teresa
també m indica claramente como se faz a passagem de um para o outro.
30

Essa transiçã o també m é descrita por Bossuet, mas ele nã o mostra


tã o claramente a distinçã o entre a ú ltima oraçã o adquirida e a primeira
oraçã o infusa. 31
Se a expressã o "contemplaçã o adquirida" for aplicada à ú ltima das
oraçõ es adquiridas, chamada por Santa Teresa de "oraçã o do
recolhimento", 32 a doutrina da santa é mantida, mas nã o seus termos;
pois, como todos os grandes místicos, pela palavra "contemplaçã o" ela
quer dizer contemplaçã o infusa. Podemos facilmente nos convencer
disso lendo as seçõ es de suas obras onde ela começa a usar essa
palavra. 33 Evidentemente també m Sã o Joã o da Cruz fala da
contemplaçã o infusa em A noite escura da alma 34 quando descreve a
açã o de Deus e nossa passividade. A contemplaçã o que ele descreve em
seu trabalho anterior, The Ascent of Mount Carmel , nã o é
especificamente diferente. Neste estudo, ele expõ e a parte que
podemos assumir nela e mostra que, embora nã o possamos obter a
contemplaçã o infusa com nossos esforços, podemos colocar
obstá culos em seu caminho ou, ao contrá rio, nos dispor a ela e
favorecer seu exercício. O Carmelita Descalço, Nicolau de Jesus Maria, 35
tinha toda a razã o em sua opiniã o de que, começando com a Parte I, Bk.
II, capítulo 13, de A Ascensão do Monte Carmelo , significa claramente a
contemplaçã o infusa. 36 Sã o Francisco de Sales, 37 os carmelitas, Joã o de
Jesus Maria, CD., 38 e Miguel de la Fuente 39 també m colocam a
contemplaçã o infusa imediatamente apó s a meditaçã o, sem mencionar
a contemplaçã o adquirida como um grau especial de oraçã o.
Os escritores espirituais da Idade Mé dia expressaram o mesmo
ensinamento. Em particular, descobrimos que Sã o Boaventura, 40 Tauler
e Louis de Blois 41 significam contemplaçã o infusa pelas palavras
contemplatio divina , ou simplesmente contemplatio . Alé m disso,
autores de todas as partes, ansiosos por retornar à terminologia
tradicional, pensam que a contemplaçã o propriamente dita é infusa. 42
Se pela expressã o "contemplaçã o adquirida" se entende algo
diferente da oraçã o afetiva simplificada, chamada por Santa Teresa de
"oraçã o (adquirida) do recolhimento", 43 , e se as oraçõ es sobrenaturais
que estã o alé m de nosso poder (que ela descreve no quarta e quinta
mansõ es) sã o classificadas neste grupo, entã o a violê ncia é oferecida
à s suas palavras e oposiçã o à s autoridades que acabamos de citar.
Alé m disso, seriam encontradas inú meras dificuldades, das quais
destacaremos a principal.
l) É explicável que haja certa contemplaçã o adquirida ao final de um
estudo ou leitura cativante, quando a alma fica suspensa na admiraçã o
das verdades divinas que descobre ou que lhe sã o propostas. Assim, o
filó sofo e o teó logo a têm como fruto de seu estudo. Também pode
existir em um simples cristã o enquanto ele está ouvindo um bom
sermã o, ou ao final de uma meditaçã o. Durante a salmodia ou durante a
missa e o canto litú rgico pode existir em almas acostumadas à
meditaçã o das coisas divinas, mas que ainda nã o receberam a graça da
contemplaçã o infusa. A variedade do ofício divino favorece certa
atividade das faculdades superiores e inferiores, inclinando-nos a
saborear a palavra de Deus. Mas na oraçã o da simples presença de
Deus, onde o objeto conhecido é quase sempre o mesmo, se a alma
estiver realmente cativada em suas faculdades superiores, esse estado
nã o é mais fruto da atividade humana, pois nã o se cativa à vontade. . É o
resultado de uma graça especial de luz e atraçã o que é o germe da
contemplaçã o infusa.
2) Pode-se dizer que a alma permanece cativada pela intensidade de
seu amor, sem nada de novo na consideraçã o do objeto que a atrai. Mas
este amor intenso normalmente supõ e um conhecimento vivo e
penetrante da bondade de Deus e é uma disposiçã o pró xima e imediata
para receber a graça da contemplaçã o infusa. Esta consideraçã o leva o
Padre Arintero a pensar que a chamada contemplaçã o adquirida é rara
na oraçã o, ou pelo menos dura pouco nas almas generosas; pois
quando a alma chega a esse está gio, Deus, encontrando-a disposta a
receber a açã o do Espírito Santo, dá -lhe um começo de contemplaçã o
infusa. 44
3) A contemplaçã o adquirida exclui as distraçõ es, ou cessa quando
elas começam. Isso é o que acontece com um filó sofo ou teó logo. Como
costumam ensinar os grandes escritores místicos, a contemplaçã o
inicial costuma ser acompanhada de distraçõ es da imaginaçã o, mas
dura apesar dessas divagaçõ es. Santa Teresa explica isso longamente
quando fala de silê ncio. 45 Esta contemplaçã o inicial nã o é , portanto,
fruto da atividade de nosso intelecto dirigindo a imaginaçã o, mas o
efeito de uma inspiraçã o especial do Espírito Santo fixando nossa
mente apesar do movimento das faculdades inferiores.
4) Os que admitem a contemplaçã o adquirida como um estado
especial de oraçã o entre a oraçã o afetiva simplificada e a contemplaçã o
infusa dizem que há na contemplaçã o adquirida uma influê ncia dos
dons do Espírito Santo, ainda latente, mas mais marcante do que na
meditaçã o discursiva. Parece difícil distinguir esta influê ncia daquela
que produz a contemplaçã o infusa inicial, ou oraçã o incompletamente
passiva, chamada por Santa Teresa 46 de recolhimento sobrenatural e
quietude. Como este ú ltimo nã o está em nosso poder, nã o pode ser
chamado de adquirido.
5) Por fim, Santa Teresa observa com muita insistê ncia na mesma
passagem, ao falar do recolhimento sobrenatural, que é o início da
contemplaçã o infusa, que enquanto algué m nã o recebeu este dom, deve
"acautelar-se para nã o movimento da mente . . . e permanecer lá como
um idiota." 47 Se ela admitisse a contemplaçã o adquirida como um
estado intermediá rio de oraçã o entre a meditaçã o afetiva simplificada
48 e a contemplaçã o infusa inicial, ela concederia que a alma pode

"interromper a deliberaçã o da mente" antes de receber "recordaçã o"


ou "sobrenatural" passiva. Se algué m fizesse isso, na opiniã o de Santa
Teresa, seria culpado de se lançar nos caminhos místicos, como fazem
os quietistas, que na realidade permanecem lá "como idiotas".
À contemplaçã o adquirida, que os quietistas continuamente
recomendavam a todos, aplicavam o que os santos dizem sobre a
contemplaçã o infusa. Este erro foi um dos seus principais erros.
Lançaram-se presunçosamente pelos caminhos místicos ou passivos e
"ficaram ali como idiotas", para usar a expressã o de Santa Teresa. 49 Na
vigé sima terceira proposiçã o de Molinos, que foi condenada, é evidente
que ele aplicava o termo contemplatio acquisita à quela que ele
continuamente recomendava e que, segundo seu ensinamento, precede
a contemplaçã o infusa, que ele considerava um favor muito especial .
De qualquer forma, ele simulou o estado passivo antes da hora
desejada por Deus.
Como justamente observou o Padre Dudon, SJ, 50 Molinos acreditava
que Sã o Joã o da Cruz, em A Subida do Monte Carmelo , falava apenas de
contemplaçã o adquirida. Desta contemplaçã o, erroneamente
denominada adquirida, ele tomou a regra da passividade e fez dela
també m uma passividade adquirida. Ao aplicar essa passividade a uma
oraçã o que na realidade era ascé tica, ele a introduziu em toda a ascese,
que a partir de entã o foi, por assim dizer, suprimida.
Considerando todas essas razõ es, nã o acreditamos que a chamada
contemplaçã o adquirida seja um estado especial de oraçã o, distinto da
oraçã o afetiva simplificada, chamada por Santa Teresa de "a oraçã o
(adquirida) de recolhimento". 51 O que os grandes místicos entendem
por "contemplaçã o" é , sem dú vida, contemplaçã o infusa.
II. O ORDINÁ RIO E O EXTRAORDINÁ RIO NA VIDA SOBRENATURAL

Para saber se a contemplaçã o infusa ou caracteristicamente mística


é extraordiná ria ou se é concedida ordinariamente aos perfeitos,
devemos definir claramente esses termos. 52
Na vida sobrenatural tudo o que está fora do caminho normal da
santidade e nã o é absolutamente necessá rio para alcançá -la, é , a rigor,
essencialmente, ou por sua natureza, extraordiná rio. 53 Por exemplo, as
graces gratis datae , como o dom de profecia, de línguas, de milagres, o
dom de expressar os misté rios mais elevados da religiã o ( sermo
sapientiae ), 54 nã o sã o de modo algum necessá rios para a santidade
pessoal. Eles sã o concedidos principalmente para o bem dos outros,
embora possam auxiliar secundariamente na santificaçã o de quem os
recebe, se os usar com caridade. A visã o beatífica, recebida de maneira
transitó ria antes da morte, como parece ter recebido Sã o Paulo
(segundo a opiniã o de Santo Agostinho e Sã o Tomá s), é com razã o
ainda maior essencialmente extraordiná ria. Uma conversã o milagrosa,
que sem nenhuma preparaçã o prévia purifica instantaneamente a alma
e a introduz imediatamente na vida mística, como a conversã o de Sã o
Paulo, també m é essencialmente extraordiná ria. Da mesma forma, a
graça da uniã o transformadora ou do casamento espiritual concedido
desde a infâ ncia, isto é , aos seis ou sete anos de idade, a certos santos,
é manifestamente extraordiná ria. As graças místicas menos elevadas,
concedidas à s almas ainda muito imperfeitas, antes de terem as
disposiçõ es ordinariamente exigidas, 55 sã o extraordiná rias em menor
grau.
Ao contrá rio, na vida sobrenatural tudo o que pertence ao modo
normal de santidade e na maioria dos casos é absolutamente ou
moralmente necessá rio para alcançá -lo, é essencialmente ordiná rio. 56
Em outras palavras, tudo o que na vida sobrenatural é realizado de
acordo com as leis superiores de seu pleno desenvolvimento, é comum
em si mesmo, embora essas leis sejam infinitamente mais elevadas do
que as de nossa natureza. É por isso que a visã o beatífica depois da
morte, embora inteiramente sobrenatural, nã o é um dom
extraordiná rio; é o coroamento normal da vida da graça, tal como Deus
a quis gratuitamente para todos nó s. Mas nã o devemos concluir que a
maioria dos homens atingirá esse nível muito elevado. "Muitos sã o
chamados, mas poucos sã o escolhidos." Os eleitos no cé u serã o
evidentemente uma elite, como o nome indica, mas uma elite escolhida
entre homens de todas as classes, à qual todos deveríamos desejar
ansiosamente pertencer. 57
Da mesma forma aqui na terra, o á pice no desenvolvimento normal
da vida da graça, por mais elevado que seja, nã o deve ser chamado de
essencialmente extraordiná rio (per se), embora possa ser raro ou
extraordiná rio de fato, como a generosidade perfeita que supõ e . Este
á pice chama-se santidade, també m elevada santidade, que implica
virtudes heró icas. Antes de alcançá -la, podemos ter uma certa
perfeiçã o, mas ainda nã o é a perfeiçã o plena à qual a vida da graça está
essencialmente ordenada. Assim como é feita uma distinçã o entre
iniciantes, proficientes e perfeitos, també m entre os ú ltimos deve ser
feita uma distinçã o 58 entre aqueles que acabaram de entrar no
caminho unitivo, aqueles que estã o mais avançados nele e, finalmente,
aqueles que alcançaram a plenitude da perfeiçã o, elevada santidade,
que por si só merece ser chamada de ponto culminante no
desenvolvimento da vida da graça.
Segue-se, entã o, que tudo o que na maioria dos casos é
absolutamente ou moralmente necessá rio para atingir esse cume nã o é
essencialmente extraordiná rio. Pelo contrá rio, essas coisas pertencem
e constituem a plenitude da ordem normal querida por Deus. Ao
estudar este ponto, devemos ter o cuidado de nã o confundir o que é
eminentemente ú til para alcançar a santidade na maioria dos casos
com o que se observa na maioria das almas piedosas, com o que é
comum entre elas; pois muitos deles ainda estã o longe da meta.
Consequentemente, sem admitir que as oraçõ es místicas sejam
essencialmente extraordiná rias, podemos distingui-las das formas
comuns de oraçã o, porque as primeiras supõ em de fato uma graça
eminente ou superior. 59
As purificaçõ es passivas dos sentidos e do espírito (um estado
místico) e a contemplaçã o infusa, mesmo no seu mais alto grau, que se
realiza na uniã o transformadora, sã o, como ensina S. Joã o da Cruz, 60
geralmente necessá rias à perfeita purificaçã o e santificaçã o da alma.
Portanto, eles nã o devem ser chamados de essencialmente
extraordiná rios, embora de fato possam ser bastante raros por causa
da mediocridade comum das almas. Essas purificaçõ es passivas nos
parecem extraordiná rias porque sã o tã o dolorosas e surpreendem
nossa natureza; eles sã o um purgató rio antecipado. Almas muito
generosas devem normalmente sofrer seu purgató rio na terra
enquanto merecem, ao invé s de apó s a morte sem mé rito. Se formos
para o purgató rio depois da morte, será por nossa culpa, será porque
descuidamos das graças que nos foram concedidas ou oferecidas
durante a vida. O purgató rio apó s a morte, por mais frequente que seja,
nã o está de acordo com a ordem estabelecida por Deus para o pleno
desenvolvimento da vida sobrenatural, pois imediatamente apó s a
morte é radical à ordem por Ele estabelecida que a alma deva possuir
Deus pelo beatífico visã o. Portanto, a razã o exata pela qual a alma sofre
tanto no purgató rio é porque ela nã o vê a Deus. Consideraremos, por
meio do estudo dos escritos dos santos, qual é , na opiniã o deles, o
caminho normal para a santidade aqui na terra.

ARTIGO III
Descrição da Contemplação Infusa e seus Graus Segundo
Santa Teresa
Poderíamos ter emprestado a descriçã o da contemplaçã o mística e
seus graus de outros autores que nã o Santa Teresa. 1 Escolhemos Santa
Teresa porque ela esclarece vá rios pontos, porque sua descriçã o se
tornou clá ssica e també m porque aqueles que consideram a
contemplaçã o infusa ou mística um favor essencialmente
extraordiná rio declaram que baseiam sua doutrina em seu
ensinamento.
Quando lemos A Vida de Santa Teresa , de sua autoria, ou seu Castelo
Interior , parecemos a princípio entrar em contato com um mundo
espiritual inacessível, bem acima do que toda alma interior pode
legitimamente desejar. É verdade que ela se ocupa frequentemente de
fenô menos extraordiná rios: visõ es, que nos fazem antecipar ainda aqui
na terra a vida do céu, e revelaçõ es ou palavras interiores, que a
maioria das almas devotas nunca ouviu. Esses fenô menos
extraordiná rios, que nos impressionam na primeira leitura, podem, se
lhes dermos toda a atençã o, nos esconder em vez de nos manifestar o
que há de mais profundo e elevado em sua vida; em outras palavras, o
pleno desenvolvimento nela das virtudes cristã s que todos devemos ter,
mas que em muitas almas permanecem mesquinhas, sem cor e sem
vigor.
Mas quando se lê a obra de Santa Teresa, procurando ver nela o
desenvolvimento perfeito daquele organismo espiritual que existe em
toda alma justa, nã o podemos deixar de reconhecer que ela mostra
claramente como a graça das virtudes e os dons recebidos no batismo
g ç
deve se desenvolver quando os obstá culos forem removidos. Quando
lidas com esta intençã o, as manifestaçõ es exteriores mais ou menos
extraordiná rias da vida sobrenatural desaparecem em segundo plano.
Nã o compreendemos suficientemente o valor do tesouro que todo
verdadeiro cristã o traz em um vaso frá gil. Nossos olhos humanos veem
apenas o vaso. Esquecemos que a graça santificante, que está em nó s, é
o princípio da vida eterna, semen gloriae, inchoatio vitae aeternae. 2
Esquecemo-nos praticamente de que é uma participaçã o real e formal
na vida íntima de Deus, e que algum dia deve absolutamente morrer
para sempre em nó s ou florescer em gló ria, fazendo-nos ver Deus como
Ele se vê e amar a Deus como Ele ama a Si mesmo. Tal é o nosso
destino; para cada um de nó s existe apenas uma alternativa inevitável -
a vida eterna ou a morte eterna. Nisso reside nossa riqueza e nossa
nobreza. Pela graça somos de Deus, nascidos de Deus, 3 e mesmo aqui
na terra nossa vida sobrenatural é basicamente a mesma do cé u, assim
como a vida vegetal escondida na bolota é a mesma do vigoroso
carvalho que brota de isto; assim como a vida intelectual adormecida
em uma criança é a mesma de um adulto que atingiu o pleno
desenvolvimento da razã o.
A graça santificante deifica nossas almas. Para elevar nossas
faculdades, faz brotar nelas as virtudes sobrenaturais, especialmente
as virtudes teologais, a fé , a esperança e a caridade, a ú ltima das quais
deve durar para sempre. Esta vida inteiramente sobrenatural é
incomparavelmente superior a um milagre percebido pelos sentidos,
que é apenas um sinal. 4 També m é superior à vida natural dos anjos
criados e criáveis, pois é uma participaçã o na pró pria vida de Deus. 5
Com este tesouro sobrenatural que diviniza todas as nossas energias,
recebemos o Autor da graça, o Espírito Santo que foi enviado aos
Apó stolos no dia de Pentecostes, e que nos foi dado pela confirmaçã o
com os sete dons, que nos dispõ em a receber o Seu divino inspiraçõ es.
Cristo se dirigiu a todos nó s quando disse: "O Espírito Santo, a quem o
Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas e vos fará
lembrar de tudo o que vos tenho dito... Ele vos ensinará toda a
verdade." 6 "Sua unçã o", diz Sã o Joã o, "ensina-te todas as coisas." 7
Esta vida sobrenatural permanece anêmica e fraca e sem brilho em
muitos cristã os porque eles estã o muito absorvidos pelas coisas
mundanas. Em vez de viverem com Deus, seu Hó spede divino e interior,
seu Pai e Amigo, que lhes é mais pró ximo do que eles pró prios, quase
nunca elevam a Ele a mente e o coraçã o. Nas almas dos santos, ao
contrá rio, esta vida sobrenatural aparece em todo o seu vigor, e é
especialmente esta vida que devemos considerar neles mais do que os
dons extraordiná rios, milagrosos e inimitáveis pelos quais sua
santidade é externamente manifestada.
Consideraremos, portanto, a uniã o com Deus nas almas dos santos,
que é a base de sua vida; em que consiste esta uniã o; e quais sã o seus
graus. Para isso, seguiremos passo a passo Santa Teresa, usando suas
pró prias palavras; pois, em nossa opiniã o, o melhor comentá rio
consiste em reunir seus vá rios escritos sobre um assunto e permitir
que esses textos lancem luz uns sobre os outros.
I. O ESTADO MÍSTICO EM GERAL: PREPARAÇÃ O; CHAMADA GERAL E CHAMADA INDIVIDUAL;
NATUREZA DO ESTADO MÍSTICO

1) Santa Teresa mostra que a princípio a alma, que procura unir-se a


Deus presente nela, deve ordinariamente elevar-se acima das coisas
sensíveis por seus pró prios esforços auxiliados pela graça, fazendo
freqü entemente atos de humildade, fé , esperança e caridade, que lhe
sã o sugeridas pelo Pai Nosso. 8 Para penetrar nas verdades reveladas,
medita sobre elas, servindo-se de um livro se necessá rio; aproxima-os
e deles tira consequê ncias prá ticas que o levam a dirigir-se cada vez
mais plenamente para Deus. Este é o trabalho humano do
entendimento que rapidamente se simplifica, como a leitura no caso de
uma criança que nã o precisa mais soletrar. A meditaçã o torna-se assim
uma oraçã o afetiva muito simples, um recolhimento ativo que é uma
preparaçã o ou disposiçã o para receber a graça da contemplaçã o. 9 Até
agora, a alma conseguiu beber apenas "a á gua da devoçã o sensível
que... percorreu seu curso sobre a terra e sempre conté m uma certa
quantidade de lama". 10 A verdade divina que alcança ainda está
misturada com consideraçõ es humanas.
2) Existe, poré m, uma fonte de á gua viva da qual nosso Senhor falou
à mulher samaritana: grandes, de fato, sã o "os benefícios de beber
desta fonte de á gua viva". 11 Esta é a figura da contemplaçã o, que nos é
dada pelo Espírito Santo. Quaisquer que sejam os obstá culos a serem
encontrados na estrada que leva a essa fonte, devemos “ser corajosos e
nã o nos cansar. (…) Lembre-se de que nosso Senhor convidou
'Qualquer homem'. 12 Ele é a pró pria verdade; Sua palavra nã o pode ser
duvidada. Se tudo nã o tivesse sido incluído, Ele nã o teria se dirigido a
todos, nem teria dito: 'Eu vos darei de beber'. Ele poderia ter dito: 'Que
venham todos os homens, pois nada perderã o com isso, e darei de
beber à queles que julgar adequados para isso'. Mas como Ele disse,
incondicionalmente: Se algué m tem sede, venha a mim', tenho certeza
de que, a menos que eles parem no meio do caminho, ningué m deixará
de beber desta á gua viva. Que nosso Senhor, que prometeu nos
conceder , dá -nos a graça de buscá -lo como devemos, para o Seu
pró prio bem." 13 Esta é a chamada geral e distante; ainda nã o é o
chamado individual e pró ximo. 14 Em outras palavras, se formos
humildes, generosos e fié is na prá tica das virtudes e da oraçã o comum,
chegará o tempo em que o Espírito Santo, habitando em nó s para nos
iluminar e santificar, assumirá mais plenamente a direçã o da nossa
vida e pede-nos que sejamos inteiramente dó ceis à s suas divinas
inspiraçõ es. Entã o começará para nó s uma uniã o mais íntima com
Deus, chamada por Santa Teresa de oraçã o sobrenatural 15 e geralmente
hoje o "estado místico".
3) O que caracteriza essencialmente esta vida mística é um
conhecimento infuso e amoroso de Deus; em outras palavras, é uma luz
infusa e um amor infuso que nos vem do Espírito Santo e de seus dons
para nos fazer crescer na caridade. 16 Em certas almas é o amor que
domina, em outras a luz. Visto que amamos apenas o que sabemos, e
visto que nã o podemos amar ardentemente o que sabemos senã o mal,
toda alma deve ser muito iluminada para se inflamar de amor. Nesse
estado, a alma nã o está mais inclinada a meditar sozinha, a raciocinar
sobre as grandes verdades da fé , a fim de se despertar para atos de
amor a Deus. Ele recebe "uma lembrança sobrenatural" que jamais
poderia adquirir por seus pró prios esforços e "que nã o depende de
nossa vontade". 17 Já nã o é a alma que se recolhe, é Deus quem a recolhe
e a atrai para o santuá rio interior. Este é o começo da contemplaçã o
propriamente dita; é infundido, pois nã o podemos obtê -lo por nó s
mesmos por nossa atividade auxiliada pela graça. Santa Teresa, em
oposiçã o aos quietistas, diz que, se ainda nã o recebemos este dom,
devemos ter cuidado para nã o "parar o movimento de nossos
pensamentos... e permanecer ali como cabeças-duras". 18 Essa
lembrança e a quietude que se seguem sã o "um estado sobrenatural ao
qual nenhum esforço nosso pode nos elevar". 19 "Quanto a se dispor a
isso, isso pode ser feito, e isso é sem dú vida um ponto importante." 20 A
salmodia, por exemplo, dispõ e a alma à oraçã o contemplativa e
també m a faz desejá -la.
Durante esta lembrança passiva, "quando nosso Senhor suspende o
entendimento e o faz cessar de seus atos, Ele põ e diante dele aquilo
que o surpreende e o ocupa: de modo que, sem fazer nenhuma reflexã o,
ele compreenderá em um momento mais do que poderíamos
compreender em muitos anos com todos os esforços do mundo." 21 Na
contemplaçã o "a alma compreende que o divino Mestre a está
ensinando sem o som das palavras". 22 "Nã o foi por meio de visã o; creio
que foi o que se chama de teologia mística. aquilo que Sua Majestade
coloca diante dela." 23 "A presença de Deus é freqü entemente sentida,
particularmente por aqueles que alcançaram a oraçã o de uniã o e
quietude, quando parecemos, logo no início de nossa oraçã o, encontrar
Aquele com quem desejamos conversar, e quando parecemos sentir
que Ele nos ouve pelos efeitos e impressõ es espirituais de grande amor
e fé de que entã o tomamos consciê ncia, bem como pelas boas
resoluçõ es, acompanhadas de doçura, que entã o tomamos.Esta é uma
grande graça de Deus; e que aquele a quem Ele deu a estime muito,
porque é um grau muito alto de oraçã o, mas nã o é visã o. Deus é
entendido como estando presente lá pelos efeitos . forma como Sua
Majestade faz sentir a Sua presença." 25
Sob esta luz infusa, "a alma se inflama de amor sem compreender
como ama". 26 "Este amor tã o doce do nosso Deus entra na nossa alma
com extrema suavidade; enche-a de prazer e alegria 27 sem que ela seja
capaz de compreender como ou onde este bem foi introduzido nela." 28
É , portanto, claramente um amor infuso como a luz que supõ e; é , como
dizem os tomistas, o fruto de uma graça operante pela qual a alma é
vital e livremente movida por Deus, sem movimento deliberado de sua
pró pria parte. 29 "Quando Deus vos fizer beber desta á gua (da
contemplaçã o) . . . compreendereis que o verdadeiro amor de Deus,
quando está no seu vigor, isto é , inteiramente livre das coisas terrenas
e pairando acima delas, é mestre de todos os elementos e do pró prio
mundo." 30 "A oraçã o de silê ncio é uma pequena centelha do verdadeiro
amor de Si mesmo, que nosso Senhor começa a acender na alma", 31 e
esse fogo "purifica a alma da escó ria e da misé ria em que suas faltas a
mergulharam. " 32 Este conhecimento e amor infuso, que sã o o
exercício superior das virtudes teologais sob a influê ncia do Espírito
Santo, constituem os fundamentos essenciais da vida mística. Somente
o Espírito Santo pode nos dar esse conhecimento e amor de Deus, que
tê m um modo sobre-humano que excede nossos esforços pessoais
auxiliados pela graça. 33 Sã o Joã o da Cruz exprime a mesma doutrina
quando diz: «A contemplaçã o é uma ciê ncia do amor, um conhecimento
infuso e amoroso de Deus». 34 "Esta obscura contemplaçã o... é a
teologia mística que os mé dicos chamam de sabedoria secreta,
comunicada segundo a doutrina de Sã o Tomá s, pela infusã o do amor na
alma. 35 Esta comunicaçã o é feita secretamente... nossas faculdades sã o
incapazes de adquiri-lo; é o Espírito Santo que o derrama na alma”. 36
Sob sua influê ncia, as trê s virtudes teologais sã o exercidas no mais alto
grau. 37. Se esta contemplaçã o infusa e amorosa dura certo tempo,
chama-se estado de oraçã o; um estado passivo, ou pelo menos mais
passivo do que ativo, no sentido de que nã o podemos produzi-lo, mas
apenas nos dispormos a ele.
II. OS GRAUS DO ESTADO MÍSTICO; DA QUARTA À SÉ TIMA MANSÕ ES

Nesta seçã o, consideraremos particularmente a intensidade


crescente da caridade, da fé viva e dos dons correspondentes no estado
místico. St. Thomas estudou essa intensidade de um ponto de vista
abstrato e teó rico; 38 Santa Teresa o descreveu por experiê ncia e em
suas formas mais elevadas. Para mostrar esta crescente intensidade do
estado místico, Santa Teresa insiste em sua extensã o progressiva à s
diversas faculdades da alma, que sã o paulatinamente suspensas ou
cativadas por Deus. Em primeiro lugar, a vontade é apreendida e
mantida, depois o intelecto e a imaginaçã o; finalmente, no êxtase,
suspende-se o exercício dos sentidos exteriores. Santa Teresa sabe,
poré m, que a suspensã o da imaginaçã o e dos sentidos é apenas um
fenô meno concomitante e acidental, 39 sinal de uma maior intensidade
de conhecimento e amor a Deus, pois geralmente cessa no mais
perfeito estado místico, o uniã o transformadora. 40 O estado místico,
completo quanto à sua extensã o, nã o é , portanto, necessariamente o
mais intenso ou o mais elevado. 41 Santa Teresa nã o ignora este fato;
mas essa extensã o, a princípio progressiva, depois contida e bastante
fá cil de determinar e descrever, pode dar alguma luz sobre a crescente
elevaçã o do estado místico, se for unida a outro signo mais profundo,
sobre o qual S. Joã o da Cruz insistiu fortemente. Este sinal mais
profundo encontra-se, antes de tudo, na purificaçã o passiva dos
sentidos, depois na do espírito, ambas as quais denotam progresso na
intensidade do conhecimento e do amor de Deus. Santa Teresa nã o
negligenciou este segundo sinal.
Uma terceira e ainda mais decisiva indicaçã o surge do fato de que a
virtude normalmente aumenta com a oraçã o. A açã o cada vez mais
íntima de Deus deve ser julgada especialmente por este sinal e nã o
pelas purificaçõ es passivas. Estes, de fato, dependem muito dos
obstá culos que a graça encontra, e també m dos tipos de temperamento
e das disposiçõ es mó rbidas. Embora essas purificaçõ es passivas sejam
inseparáveis do desenvolvimento da vida mística, elas nã o podem
medi-la com tanta certeza quanto o progresso na virtude. O progresso
na virtude, nã o como o homem a julga, mas como aparece aos olhos de
Deus, ú nico juiz das almas, corresponde à intensidade crescente da
contemplaçã o infusa e do amor de Deus. Santa Teresa notou isso de
maneira admirável. 42 O Papa Pio X a elogiou especialmente por isso,
dizendo: "Os graus de oraçã o enumerados pela santa sã o outras tantas
ascensõ es superiores rumo ao cume da perfeiçã o."
A princípio, na oraçã o da quietude, "só a vontade é escravizada" 43
pela misteriosa luz recebida, que lhe manifesta a bondade de Deus
presente nela, como uma criança se deleita com o leite que lhe é dado.
44 Melhor ainda, é como o jorrar da á gua viva de que Jesus falou à

samaritana: "A á gua brota da pró pria fonte, que é Deus,... estar com
extrema paz, tranquilidade e doçura. . . . Mal esta á gua celestial
começou a fluir de sua fonte . . . , quando se experimenta uma grande
dilataçã o e aumento interior. A alma recebe entã o benefícios
espirituais inexprimíveis e, de fato, é incapaz de entendendo o que
recebe naquele momento." 45 Nesse estado, poré m, o entendimento, a
memó ria e a imaginaçã o nã o sã o cativados pela açã o divina. À s vezes,
eles atuam como auxiliares da vontade e se engajam em seu serviço;
outras vezes, sua contribuiçã o serve apenas para perturbá -lo. Santa
Teresa diz: "Muitas vezes durante esta oraçã o você nã o saberá o que
fazer com seu entendimento e memó ria (que nunca cessam de ser
agitados). compreensã o do que seria de um idiota." 46
Este sossego é frequentemente interrompido pelas aridez e
provaçõ es da noite passiva dos sentidos 47 e pelas tentaçõ es contra a
paciê ncia e a castidade que obrigam a alma a uma reaçã o salutar. Isso
fortalece muito as virtudes morais que tê m seu assento nos apetites
sensitivos. Os efeitos da oraçã o de silê ncio sã o uma virtude maior,
sobretudo um maior amor a Deus e uma paz inefável, pelo menos na
parte superior da alma. 48
Se a alma for humilde e generosa, 49 será elevada a um grau superior.
Na uniã o simples, a açã o de Deus é bastante forte para absorver
completamente a atividade das faculdades interiores da alma; toda
essa atividade é dirigida a Ele e nã o mais se desvia. Deus apreende e
cativa a vontade, mas també m os pensamentos, a memó ria e a
imaginaçã o. Alé m disso, a alma geralmente nã o é mais perturbada por
distraçõ es. Deus suspende a açã o natural do intelecto "para melhor
imprimir em nó s a verdadeira sabedoria". 50. A memó ria e a imaginaçã o
també m estã o presas em suas operaçõ es naturais e intimamente
unidas a Deus de uma maneira conveniente a elas. A alma já nã o
procura com esforço tirar a á gua salutar que a refresca e purifica;
recebe esta á gua simplesmente, como a chuva que cai do cé u. 51 "Deus
nã o nos deixa outra parte senã o a de uma inteira conformidade de
nossa vontade com a dele." 52 "Como é bela a alma depois de ter sido
imersa na grandeza de Deus e unida a Ele por um curto período de
tempo! Na verdade, eu nã o acho que seja tã o longo quanto meia hora!"
53 A alma, por assim dizer, mudou de forma, morrendo inteiramente
para o mundo, como o bicho-da-seda que se torna uma borboleta
branca. 54
Santa Teresa observa que esta oraçã o de uniã o é frequentemente
incompleta, sem suspensã o da imaginaçã o e da memó ria, que à s vezes
travam uma verdadeira guerra contra o intelecto e a vontade. 55 Aqui,
como na oraçã o de silê ncio, nã o se deve dar mais atençã o à imaginaçã o
do que a um louco. 56 Santa Teresa fala dessa uniã o mística incompleta
em O Castelo Interior 57 quando ela diz: "É necessá rio, a fim de atingir
esse tipo de uniã o divina, que os poderes da alma sejam suspensos?
Nã o. Deus tem muitas maneiras de enriquecer a alma e trazê -la para
essas mansõ es alé m do que poderia ser chamado de 'atalho'. " 58
Os efeitos da oraçã o de uniã o sã o muito santificadores. A alma
experimenta uma grande contriçã o por suas faltas, um desejo ardente
de louvar a Deus e força para enfrentar todas as provaçõ es para servi-
lo. Fica amargamente triste com a perda de pecadores e, assim, vê
quais devem ter sido os sofrimentos de Cristo durante Sua vida
terrena. 59
Nessa é poca, geralmente vem um período de provaçã o, descrito por
Santa Teresa no início da sexta morada, e chamado por Sã o Joã o da
Cruz de noite passiva da alma. "Existe um clamor levantado contra tal
pessoa por aqueles entre os quais ela vive... Eles dizem que ela quer
passar por uma santa, que ela chega a extremos na piedade. Pessoas
que ela pensava serem suas amigas a abandonam, fazendo o má ximo
comentá rios amargos de todos... Ela sofre comentá rios de escá rnio de
todos os tipos... e o pior de tudo é que esses problemas nã o
desaparecem, mas duram toda a sua vida." Mas a alma iluminada por
Deus é "fortalecida em vez de deprimida por suas provaçõ es; a
experiê ncia lhe ensinou as grandes vantagens derivadas delas... Alé m
disso, a alma concebe uma ternura especial por essas pessoas que a
fazem sofrer". “Nosso Senhor agora costuma enviar doenças graves . . . .
Angú stia interior da alma ao ver sua pró pria misé ria. . . . Ela acredita
que Deus permite que ela seja enganada em puniçã o por seus pecados.
Esse sofrimento torna-se quase insuportável, especialmente quando se
segue tal aridez espiritual que a mente como se nunca tivesse pensado
em Deus nem jamais pudesse fazê -lo. Quando os homens falam Dele,
parecem estar falando de alguma pessoa de quem se ouviu falar há
muito tempo... O entendimento está tã o obscurecido que é incapaz de
discernir a verdade; acredita em tudo o que a imaginaçã o lhe
apresenta, alé m de dar cré dito à s falsidades que lhe sã o sugeridas pelo
demô nio. Durante esta tempestade, a alma que eu é incapaz de receber
qualquer conforto. O ú nico remé dio é esperar a misericó rdia de Deus
que, quando a alma menos espera, a livra de todos os seus sofrimentos
por uma ú nica palavra dirigida a ela, ou por algum imprevisto. Entã o
parece que nunca houve nenhum problema e a alma louva ao Senhor,
pois é Ele quem lutou por ela e a fez vitoriosa. A alma vê claramente
que a conquista nã o foi dela. . . . Entã o ele reconhece perfeitamente sua
fraqueza e quã o pouco podemos fazer de nó s mesmos quando o Senhor
retira Sua ajuda. Nã o precisa mais refletir para compreender esta
verdade." 61
"Uma vez que esses problemas vê m de cima, nenhum conforto
terreno pode valer. Este grande Deus deseja que reconheçamos Sua
soberania e nossa misé ria. . . . O melhor meio . . . esperar tudo da
misericó rdia de Deus. Ele nunca falha com aqueles que esperam nEle. . .
. Os sofrimentos exteriores causados pelos demô nios sã o mais
incomuns. . . e todos os sofrimentos que eles podem causar sã o leves
em comparaçã o com aqueles que acabei de descrever." 62 Mais adiante,
Santa Teresa fala de uma purificaçã o do amor ainda mais dolorosa que
ocorre na entrada da sé tima mansã o, "como a purificaçã o do
purgató rio introduz a alma no cé u"; 63 mas entã o a alma, enquanto
suporta este sofrimento, está ciente de que é um favor eminente.
Depois de passar por esses sofrimentos interiores, a alma recebe tal
conhecimento da grandeza de Deus que freqü entemente segue o êxtase
parcial ou completo. 64 A uniã o com Deus é tã o perfeita que suspende as
operaçõ es dos sentidos exteriores; toda a atividade da alma é
arrebatada para Deus e, consequentemente, deixa de funcionar em
relaçã o ao mundo exterior. 65 Se à s vezes um estudioso, como
Arquimedes, está tã o absorto em especulaçõ es que já nã o ouve as
palavras que lhe sã o ditas, com maior razã o isso se dá com a alma
contemplativa quando uma graça fortíssima, fazendo-a experimentar a
grandeza infinita de Deus, a absorve nesta bendita contemplaçã o. 66
Outras vezes, a alma exulta e nã o pode deixar de cantar louvores a
Deus. Esta é uma graça muito desejável: "Que Sua Majestade nos
conceda freqü entemente uma oraçã o tã o segura e vantajosa! Nã o
podemos adquiri-la por nó s mesmos, pois é totalmente sobrenatural.
À s vezes dura um dia inteiro. . . . Este jú bilo mergulha a alma em tal
esquecimento de si mesma e de todas as coisas que é incapaz de
pensar ou falar, exceto para oferecer a Deus louvor, que é como se fosse
o fruto natural de sua alegria”. 67
Santa Teresa diz, ao contrá rio, quando fala de visõ es impressas
diretamente na imaginaçã o: "Nã o é nada conveniente... desejá -las"; 68
sã o favores extraordiná rios bem distintos do pleno desenvolvimento
da vida da graça em nó s. "Saiba que por ter recebido tantos favores
deste tipo, uma alma nã o merecerá maior gló ria. . . . Há muitos santos
que nunca souberam o que era receber tal favor, enquanto outros que
os receberam nã o sã o santos de forma alguma (…) Muitas vezes,
mesmo para um desses favores, o Senhor envia um grande nú mero de
tribulaçõ es”. 69
Finalmente a alma é introduzida na sé tima morada, a uniã o
transformadora com Deus, que é imediatamente precedida por uma
ú ltima e muito dolorosa purificaçã o, a do amor, "onde a alma morre
com o desejo de morrer". Nesta mansã o algumas almas tê m uma visã o
intelectual da Santíssima Trindade que habita em nó s; mas esta visã o,
com uma clareza que varia e é como que intermitente, nã o é da
essê ncia da uniã o transformadora. Na verdade, nã o parece
necessariamente estar ligado a ele. 70 Alé m disso, os êxtases
geralmente cessaram; 71 e o que constitui o fundamento deste estado
eminente nã o é de modo algum milagroso, isto é , as faculdades
superiores sã o passivamente atraídas para o centro mais profundo da
alma onde habita a Santíssima Trindade. Sob a influê ncia desta graça, a
alma nã o pode duvidar de que as Pessoas divinas estã o presentes nela;
alé m disso, praticamente nunca é privado de Sua companhia. "A alma
reconhece por certas aspiraçõ es secretas que é Deus quem lhe dá a
vida", e que Ele é a Vida da nossa vida. 72. O cristã o que alcançou esta
idade perfeita é moralmente um com Ele, no sentido em que Sã o Paulo
diz: "Aquele que se une ao Senhor é um só espírito". 73 Tanto quanto é
possível na terra, esta é a plena realizaçã o da oraçã o de nosso Senhor:
"Que eles sejam um, como també m nó s somos um; eu neles, e tu em
mim... e para que o mundo saiba que Tu me enviaste, . . . e os amaste,
como també m me amaste." 74 Da mesma forma, a chuva que cai em um
rio está tã o misturada com o riacho que nã o pode mais ser distinguida
dele; ou, para usar a figura empregada por Sã o Joã o da Cruz:
"Assemelha-se à condiçã o da madeira quando o fogo a atacou com suas
chamas, secou-a e finalmente a penetrou e a transformou em si
mesma". 75 Ainda é madeira, mas madeira incandescente que assumiu
as propriedades do fogo. Da mesma forma, uma chama sobe quase
constantemente em direçã o a Deus de um coraçã o purificado.
Os efeitos da uniã o transformadora sã o os do perfeito exercício das
virtudes teologais e dos dons, que atingiram o seu pleno
desenvolvimento. A alma está praticamente liberta das desordens das
paixõ es; enquanto estiver sob a graça atual da uniã o transformadora,
nã o comete pecados veniais deliberados. 76 Em outras ocasiõ es, ainda
ocasionalmente comete algumas faltas veniais, que sã o rapidamente
expiadas. O que sobressai na alma é um grande esquecimento de si
mesmo, um forte desejo de sofrer à imitaçã o de nosso Senhor, uma
verdadeira alegria na perseguiçã o. A aridez e os sofrimentos interiores
cessaram, assim como o desejo de morrer. Essas almas, inflamadas de
zelo pela gló ria de Deus e pela salvaçã o do pró ximo, "desejam viver
longos anos em meio à s mais severas provaçõ es, para que o Senhor
seja ainda tã o pouco glorificado por elas". 77 Esta é verdadeiramente a
vida apostó lica (manifesta ou oculta), que brota da plenitude da
contemplaçã o, para usar a expressã o de Sã o Tomá s. 78 É a plena
perfeiçã o da vida cristã , que Nosso Senhor, a Santíssima Virgem e os
Apó stolos exemplificaram no mais alto grau. "Deus nã o pode conceder-
nos um favor mais precioso do que uma vida conforme a de Seu bem-
amado Filho. Alé m disso, . . . Filho." 79 A alma é assim verdadeiramente
espiritualizada e participa da pró pria força de Cristo e do seu imenso
amor a Deus e à s almas. Tal é , na terra, a idade perfeita da vida da graça,
a plena realizaçã o do primeiro preceito: "Amará s o Senhor teu Deus de
todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de
todo o toda a tua mente." 80
Todas as almas justas sã o chamadas, pelo menos de maneira geral e
remota, a esta uniã o transformadora, que é o prelú dio normal da vida
no cé u. Se forem fié is a este chamado e ao mesmo tempo humildes e
generosos, ouvirã o um convite mais pró ximo e urgente. 81 Santa Teresa
repete isso no Epílogo de O Castelo Interior: "Na verdade você nã o pode
por sua pró pria força, nã o importa quã o grande possa parecer para
você , entrar em todas as mansõ es. O pró prio Mestre do Castelo deve
admitir você . Se Se você encontrar qualquer resistê ncia da parte Dele,
aconselho-o a nã o tentar usar a violê ncia. Você O desagradaria tanto
que Ele fecharia as portas para sempre para você . Ele ama
profundamente a humildade; se você se considera indigno de entrar até
mesmo na terceira mansã o , você logo obterá admissã o no quinto. Você
poderá até mesmo frequentá -lo tã o assiduamente e servi-Lo tã o bem,
que Ele o admitirá na mansã o que Ele reservou para Si mesmo. 82 Ela
faz a mesma declaraçã o em sua Vida . 83
Concluindo, recordemos que nos escritos de Santa Teresa o caminho
normal da santidade consiste na humildade e na abnegaçã o, que
preparam a alma para a contemplaçã o infusa, altamente desejável para
todos, e també m para uma uniã o divina cada vez mais íntima, aliá s até
pela uniã o transformadora, ponto culminante no desenvolvimento
normal da vida sobrenatural. Quanto aos fatos extraordiná rios, como
visõ es, palavras interiores e revelaçõ es particulares, por mais ú teis que
sejam para a santificaçã o da alma, nã o devem ser desejados. Sã o
fenô menos acidentais, transitó rios, enquanto a contemplaçã o infusa
continua. Eles nã o nos unem tã o intimamente a Deus quanto a fé
perfeita e o dom da sabedoria que, em graus variados, existe em todos
os justos. 84
O que a alma interior deve desejar antes de tudo é o reino cada vez
mais profundo de Deus nela, o crescimento contínuo na caridade. Isto
deve almejar porque o preceito do amor é ilimitado e nos obriga, se nã o
a ser santos, pelo menos a tender à santidade, cada um segundo a sua
condiçã o, 85 e porque Cristo disse a todos: «Sede perfeitos como vosso
Pai celestial é perfeito." Este é o objetivo que Santa Teresa nos mostrou.
A maior homenagem que se pode prestar a ela é que ela louvou
maravilhosamente a gló ria de Deus, fazendo-nos ver, em seus escritos e
em sua vida, o grande amor de Deus pelos humildes e tudo o que Ele
deseja fazer pelas "almas decididas a seguir nosso Senhor e seguir em
frente, apesar do custo, até a fonte de á gua viva. . . . Esta é a estrada real
que leva ao cé u." 86

ARTIGO IV
O que a contemplação infundida não requer
essencialmente
As diferentes definiçõ es da contemplaçã o infusa dadas pelos
teó logos concordam em um ponto fundamental. A contemplaçã o
infusa, dizem eles, é , acima do raciocínio e na obscuridade da fé , um
conhecimento simples e amoroso de Deus, que nã o pode ser obtido por
nossa atividade pessoal auxiliada pela graça, mas exige uma manifesta
e especial iluminaçã o e inspiraçã o do Santo Fantasma. 1 Quando dura
um certo tempo, esta contemplaçã o é um estado de oraçã o passiva. Os
teó logos geralmente concordam com esse ponto fundamental.
Acreditamos que seja a verdadeira definiçã o, que reté m o essencial nas
descriçõ es dadas pelos místicos mais aceitos. Para entender bem esta
definiçã o, mostraremos primeiro o que nã o requer a contemplaçã o
infusa. Uma vez limpo o terreno, veremos mais facilmente o que
realmente o constitui, buscando o princípio do qual procede a
contemplaçã o.
Houve teó logos que pensaram que mais marcas distintivas
deveriam ser adicionadas à definiçã o que acabamos de dar. Alguns
declararam que a contemplaçã o infusa se dá repentinamente,
inesperadamente, sem preparaçã o de nossa parte, e que é
acompanhada de uma impossibilidade absoluta de raciocínio
discursivo. 2 Outros, confundindo-o com certos fenô menos acidentais e
concomitantes, viram nele uma graça gratuita ( gratis data ), um dom
extraordiná rio como a profecia. 3 Segundo outros, exigiria idé ias
infusas semelhantes à s dos anjos e nos faria ver Deus nã o em uma
imagem, mas como Ele é em si mesmo. 4 Alguns até acrescentaram que
a contemplaçã o infusa nã o é um ato meritó rio. 5 Essas confusõ es
podem ser facilmente dissipadas por um exame das descriçõ es de
Santa Teresa, citadas no artigo anterior. É uma questã o simples
mostrar que a definiçã o que demos é totalmente suficiente sem a
adiçã o de outras idé ias.
1) A contemplaçã o infusa nem sempre se dá repentinamente,
inesperadamente, como a chuva que cai do cé u. Na maioria das vezes, é
concedido apó s certa preparaçã o, quando a alma já está recolhida.
Assim, de acordo com Santa Teresa ( O Castelo Interior , quarta
mansã o), a oraçã o de silê ncio é uma oraçã o "sobrenatural" que somos
incapazes de obter por nó s mesmos por nossos pró prios esforços. Mas
ela diz que a alma se prepara para receber esta oraçã o por
pensamentos piedosos, pelo trabalho do entendimento, como quem
gira uma noria (roda d'á gua) para tirar á gua. 6 Sobre este ponto,
convé m consultar també m Sã o Joã o da Cruz. 7
2) A contemplaçã o infusa nã o é necessariamente acompanhada de
uma impossibilidade absoluta de discursar ou de raciocinar, que adviria
da suspensã o da imaginaçã o. É possível que essa ligadura nã o exista,
pois segundo os santos muitas vezes há distraçõ es na oraçã o
sobrenatural do sossego. Eles também dizem que algumas almas, que
estã o neste estado, erram ao deixá -lo por estarem dispostas a discursar
demais.
3) Outro erro é sustentar que a contemplaçã o infusa nã o é um ato
meritó rio. Embora nã o possamos tê-lo à vontade como um ato de fé,
podemos consentir livremente em ser movidos assim pelo Espírito
Santo. Conseqü entemente, o ato é vital e livre, sem ser em si mesmo
deliberado e fruto de nosso esforço pessoal. Da mesma forma, um bom
aluno, atento à doutrina proposta por seu professor, é passivo ao
recebê-la, pois nã o poderia tê-la descoberto sozinho; mas ele o recebe
voluntariamente e com facilidade. Na contemplaçã o infusa, a alma
exercita esta docilidade para com Deus; esta docilidade é gratuita e
também meritó ria porque procede da caridade, fonte de todo o mérito.
4) Nem a consciê ncia de estar em estado de graça nem o sentimento
de deleite sã o necessá rios à contemplaçã o infusa, pois nem esta
consciê ncia nem esta alegria se encontram nos períodos chamados de
noite passiva dos sentidos e da alma; ainda assim, esses períodos sã o
um estado místico. Como veremos mais adiante, na noite dos sentidos
domina o dom do conhecimento, mostrando-nos sobretudo a vaidade
das coisas criadas; 8 e na noite da alma o dom do entendimento 9
manifesta menos a bondade de Deus do que a Sua infinita majestade, e
pelo contrá rio a nossa pró pria misé ria. A doçura e a paz, fruto do dom
da sabedoria, sã o experimentadas especialmente entre as duas noites
e muito mais fortemente apó s a segunda. Embora na vida mística se
encontrem grandes consolaçõ es, há també m terríveis provaçõ es
interiores que duram meses e anos.
5) Pela mesma razã o, o sentimento da presença de Deus nã o é
essencial para o estado místico. Esse sentimento nã o existe na noite do
espírito, durante a qual a alma pensa que é rejeitada por Deus e parece
quase desesperar de sua salvaçã o. No entanto, a alma ainda possui o
conhecimento amoroso e profundo da grandeza infinita de Deus, mas é
como que esmagada por ela. "Entã o", diz Sã o Joã o da Cruz, purificador,
"a contemplaçã o consiste em sentir-se privado de Deus, castigado,
repelido por Ele". 10 Se algué m admitisse que a essê ncia do estado
místico é o sentimento da presença de Deus, seria levado a sustentar,
com um autor recente, que o estado místico nã o existe nos períodos de
desolaçã o pelos quais passam os contemplativos. Essa visã o é
totalmente oposta a toda a doutrina exposta por Sã o Joã o da Cruz em A
noite escura da alma sobre a luz purificadora e infusa que dá uma
impressã o de grande escuridã o à alma, que ainda é fraca demais para
suportá -la. . Este ensinamento é fundamentado na descriçã o que nos é
dada pelos místicos mais aceitos. Vamos agora dedicar nossa atençã o a
consideraçõ es de ordem mais abstrata.
6) A contemplaçã o infusa certamente nã o é uma graça gratuita
dada, concedida especialmente em vista da santificaçã o dos outros,
como a profecia ou o dom de línguas, porque a contemplaçã o é
diretamente ordenada à santificaçã o pessoal e, na maioria das vezes, é
conhecida apenas pela pessoa recebendo-o e ao seu confessor. José do
Espírito Santo, CD, tem, portanto, toda a razã o em dizer que nã o
consegue compreender por que Antô nio da Anunciaçã o, CD, em
contradiçã o com a tradiçã o, colocou a contemplaçã o infusa entre as
graças gratis datae e insistiu que nã o deveria ser pedida a Deus, exceto
com as reservas com que se pode pedir a graça dos milagres e o dom da
profecia. 11
7) A contemplaçã o infusa nã o requer idé ias infusas como as dos
anjos. As idé ias infusas podem, de fato, ser encontradas em certos
estados místicos como um fenô meno concomitante, por exemplo, em
visõ es intelectuais e certas revelaçõ es. Mas a pró pria profecia, de
acordo com St. Thomas, 12 geralmente nã o requer essas idé ias
infundidas; basta ter uma luz infusa, o que é outra coisa, e uma nova
coordenaçã o das ideias adquiridas. Estaríamos muito errados se
confundíssemos a impressionio specierum com a impressionio luminis; o
elemento material do conhecimento (espé cies ou idé ias) nã o mais se
distinguiria do elemento formal (a luz que eleva o intelecto e lhe dá
força para perceber e julgar). 13
Alé m disso, se a contemplaçã o mística exigisse espé cies infusas de
ordem angé lica, ordinariamente nã o exigiria nenhuma cooperaçã o da
parte da imaginaçã o. Se isso fosse verdade, todos os que estã o no
estado místico, mesmo que simplesmente em silê ncio, operariam sem
a ajuda do cé rebro, e o pró prio sono nã o ofereceria nenhum obstá culo.
Eles contemplariam mesmo enquanto dormiam. A experiê ncia prova
que isso é verdade apenas em estados muito especiais e
verdadeiramente extraordiná rios. 14 Segundo S. Tomá s, que nesta
maté ria segue Dionísio e S. Alberto Magno, há na contemplaçã o infusa
(deixando de lado certas visõ es intelectuais muito superiores) uma
certa contribuiçã o quase imperceptível da parte da imaginaçã o;
embora a alma nã o preste atençã o à s imagens, elas nã o sã o excluídas.
15 Da mesma forma, no curso normal da vida, usamos uma caneta para

escrever, sem observar sua forma; quando lemos, vemos letras, mas
estamos atentos apenas ao seu significado. Um teó logo, especulando
sobre a Divindade, superior ao ser, à unidade, ao bem, tem apenas uma
imagem verbal, a palavra "Divindade", à qual ele nã o dá atençã o. Outras
vezes podemos partir da imagem de um corpo para chegar à ideia do
incorpó reo. Sã o Tomá s afirma claramente 16 que a contemplaçã o infusa
é mais perfeita na medida em que se liberta das imagens sensíveis.
Muitas vezes basta ter na imaginaçã o a impressã o de uma luz, ou ao
contrá rio, no período chamado noite escura, a impressã o de escuridã o;
ou ainda uma impressã o muito confusa sugestiva de vida. Em todo
caso, idé ias infusas, semelhantes à s dos anjos, nã o sã o absolutamente
necessá rias, embora à s vezes possam ser concedidas em favores
excepcionais. 17
8) Nã o obstante o que foi recentemente escrito, 18 é ainda mais
verdadeiro que a contemplaçã o infusa nã o requer uma percepçã o
imediata de Deus, que nos faria conhecê -lo como Ele é . Essa percepçã o
imediata de Deus nã o existe, de fato, nas grandes ansiedades das noites
passivas dos sentidos e da alma, que sã o, no entanto, estados místicos
e sã o acompanhados de contemplaçã o infusa. Essa percepçã o existe
nas outras fases da ascensã o mística? Nada permite tal afirmaçã o; pelo
contrá rio, tudo nos leva a pensar que é impossível. Os textos de Sã o
Tomá s, nos quais esta teoria pretende se basear, nã o podem ter o
significado que lhes é atribuído. 19 Um escritor afirma: "É suficiente (na
contemplaçã o mística) conhecer Deus como Ele se mostra,
parcialmente, para conhecê -Lo como Ele é ." 20 Deus, poré m, sendo
incapaz de divisã o, nã o pode se mostrar parcialmente de tal maneira
que se faça ver como é . Os atributos divinos existem Nele formaliter
eminente , e sã o apenas virtualmente distintos, porque sã o realmente
idê nticos na eminê ncia da Deidade. Consequentemente, ningué m pode
ver um deles como ele é , sem ver os outros e sem ver a pró pria
Divindade, que, como diz Dionísio, é super ens et super unum . Sã o
Tomá s afirma explicitamente e prova que nenhuma visã o inferior à
visã o beatífica pode nos fazer conhecer a Deus como Ele é em Si
mesmo; nenhuma ideia criada, infusa, pode manifestar-se assim como
Ele é , Aquele que é o pró prio ser, que é a pró pria intelecçã o
eternamente subsistente. 21 Em teologia, a expressã o sicuti est tem um
significado formal que só se cumpre na visã o beatífica. 22 Nem os anjos
antes de receberem a luz da gló ria, nem Adã o antes de seu pecado,
conheciam a Deus como Ele é . St. Thomas é explícito neste ponto. 23 Ele
diz o mais claramente possível: "A visã o dos bem-aventurados no cé u
difere daquela das criaturas ainda em estado de provaçã o, nã o como
vendo mais perfeitamente e vendo menos perfeitamente, mas como
vendo e nã o vendo. Consequentemente, nem Adã o nem o anjos no
estado de prova viram a essê ncia divina." 24
Se Sã o Paulo, enquanto na terra, recebeu a visã o beatífica de
maneira transitó ria quando foi arrebatado ao terceiro cé u, como Santo
Agostinho e Sã o Tomá s pensam que ele fez, ele certamente desfrutou
de uma graça totalmente extraordiná ria muito acima da mais alta
mística estado descrito por Santa Teresa. 25
Segundo Farges, 26 a percepçã o imediata de Deus, que seria
essencial à contemplaçã o mística, nada mais é do que aquela que os
anjos possuem naturalmente segundo Sã o Tomá s. Mas Sã o Tomá s
ensina que esse conhecimento natural, que um anjo tem de Deus, nã o é
imediato. Ele nã o diz, 27 como afirmam alguns autores, que exclui a
espécie expressa ou verbum mentis , mas que nã o é obtido atravé s do
espelho das criaturas exteriores aos anjos. A diferença é considerável.
Sã o Tomá s diz: “O anjo conhece a Deus naturalmente, na medida em
que ele pró prio (por sua natureza angé lica) é uma semelhança de Deus;
mas ele nã o vê a essê ncia divina, pois nenhuma semelhança criada
pode representá -la. o conhecimento angé lico está mais relacionado ao
conhecimento especular, pois a natureza do anjo é como um espelho
que reflete a imagem de Deus”.
Se, como já foi dito 28 , a intuiçã o imediata de Deus, essencial à
contemplaçã o mística, "é ao mesmo tempo o dom natural dos anjos e o
dom sobrenatural dos místicos contemplativos", seguir-se-ia que a
contemplaçã o mística seria numa ordem imensamente inferior à da
graça santificante e das virtudes teologais. Nã o seria uma participaçã o
na natureza e na vida divina, mas apenas uma participaçã o na vida
angé lica; há um grande abismo entre esses dois. E a contemplaçã o nã o
atingiria mais do que o conhecimento natural de Deus que o diabo
preserva, pois o anjo caído reté m a integridade de seu conhecimento
natural. 29 Pelo contrá rio, é absolutamente certo que a contemplaçã o
infusa, como graça santificante ou graça das virtudes e dos dons, é
essencialmente sobrenatural ( quoad substantiam ), tanto nos anjos em
estado de prova como no homem. Por isso mesmo, a contemplaçã o é
infinitamente superior ao conhecimento natural dos maiores gê nios
humanos, e també m ao conhecimento natural do anjo supremo, e
mesmo dos anjos criáveis.
Evidentemente, esta teoria da contemplaçã o mística, que parece
elevá -la grandemente, tornando-a uma coisa angé lica extraordiná ria,
geralmente inacessível à s almas interiores, rebaixa-a excessivamente,
identificando-a com o conhecimento natural que o demô nio preserva.
30 Este ponto de vista nasce da confusã o, que vá rias vezes indicamos,

entre a sobrenaturalidade essencial ( quoad substantiam ) da graça das


virtudes e dos dons, e a sobrenaturalidade modal ( quoad modum ) dos
milagres, da profecia, e outros fatos extraordiná rios da mesma classe. A
diferença é considerável: a ressurreiçã o de um morto restaura
sobrenaturalmente a vida natural, que é infinitamente inferior à da
graça; a vida restaurada nã o é essencialmente sobrenatural, mas
apenas pelo modo de sua produçã o ( quoad modum ). Da mesma forma,
se o conhecimento natural dos anjos é comunicado ao homem por
meio de idé ias infusas, é sobrenatural para o homem pelo modo de sua
produçã o ( quoad modum ), mas nã o essencialmente. Portanto,
permanece infinitamente inferior à ordem da graça e poderia tornar-se
cada vez mais perfeito em sua ordem, sem nunca atingir a dignidade da
fé infusa pela qual cremos na Trindade e na encarnaçã o. 31 Assim, os
lados de um polígono inscrito em um círculo podem ser multiplicados
infinitamente, e o polígono nunca coincidirá com o círculo, pois, por
menor que seja cada lado, nunca se tornará um ponto.
A teoria da percepçã o imediata de Deus é igualmente contrá ria ao
ensino comum dos místicos. Sã o Joã o da Cruz nos diz que també m no
matrimô nio espiritual a contemplaçã o se realiza na fé . Para ele, assim
como para Sã o Tomá s, 32 a fé e a percepçã o imediata e positiva se
excluem mutuamente: o ato da visã o nã o pode ser um ato de fé .
Consequentemente, podemos admitir aqui apenas uma intuiçã o
obscura, negativa ( per viam negationis ). Segundo Sã o Tomá s, esta
intuiçã o mostra-nos cada vez melhor o que Deus nã o é , que ultrapassa
toda a concepçã o; é a este Deus quase desconhecido que o amor infuso
nos une.
Todos os místicos nos dizem que percebem, nã o o pró prio Deus,
como Ele é , mas o efeito de Sua açã o em suas almas, especialmente na
doçura do amor que Ele os faz experimentar. Falando do que muitas
vezes acontece com aqueles que tê m a oraçã o sobrenatural de uniã o ou
de silê ncio, Santa Teresa escreve, como já observamos: "A presença de
Deus é frequentemente sentida, particularmente por aqueles que
alcançaram a oraçã o de uniã o e de quietude, quando parecemos, logo
no início de nossa oraçã o, encontrar Aquele com quem desejamos
conversar, e quando parecemos sentir que Ele nos ouve pelos efeitos e
impressõ es espirituais de grande amor e fé dos quais sã o entã o
conscientes, bem como pelas boas resoluçõ es, acompanhadas de
doçura, que entã o fazemos. Esta é uma grande graça de Deus; e que
aquele a quem Ele deu a estime muito, porque é um grau muito alto de
oraçã o, mas nã o é visã o. Deus é entendido como estando ali presente
pelos efeitos que Ele opera na alma: assim Sua Majestade faz sentir Sua
presença." 33 Poderíamos citar muitos textos semelhantes dos maiores
mestres do misticismo. 34 Sã o Tomá s ensina a mesma doutrina ao
explicar a clá ssica expressã o de Dionísio: “Nã o só aprender, mas
també m experimentar as coisas divinas”. "Existe um conhecimento
duplo da bondade ou vontade de Deus. Um é especulativo... O outro
conhecimento da vontade ou bondade de Deus é afetivo ou
experimental, e assim o homem experimenta em si mesmo o gosto da
doçura de Deus e a complacê ncia na vontade de Deus. , como Dionísio
diz de Hierotheos ( Div. nom ., II), que ele aprende as coisas divinas por
meio da experiê ncia delas. É dessa maneira que nos dizem para provar
a vontade de Deus e provar Sua doçura. 35 É assim que conhecemos a
Deus, nã o imediatamente como Ele é , mas pelos efeitos que Ele produz
em nó s.

ARTIGO V
A Relação Essencial da Contemplação Infusa e da Vida
Mística com os Dons do Espírito Santo
Vimos o que a contemplaçã o infusa nã o requer essencialmente.
Devemos agora ver o que o constitui formalmente e de que princípio
procede. Com isso, explicaremos a definiçã o dada no início do artigo
anterior.
Segundo o ensinamento comum dos teó logos, a contemplaçã o
infusa é , acima do raciocínio e na obscuridade da fé , um conhecimento
simples e amoroso de Deus que nã o pode ser obtido por nossa
atividade pessoal auxiliada pela graça; mas, ao contrá rio, requer uma
inspiraçã o e iluminaçã o especiais e manifestas do Espírito Santo. 1 Em
outras palavras, enquanto a vida ascecial se caracteriza pelo
predomínio do modo humano das virtudes cristã s, que exercemos à
vontade, a vida mística tem como cará ter distintivo o predomínio do
modo sobre-humano ou divino dos dons do Santo Fantasma; isto é , um
conhecimento e um amor infundidos que nã o podem ser fruto do nosso
esforço pessoal. 2. Para compreender claramente esta doutrina,
devemos recordar o papel e a necessidade dos dons do Espírito Santo
em nossa vida sobrenatural, e em particular o dom da sabedoria, que
os teó logos comumente consideram o princípio superior da
contemplaçã o infusa. O melhor meio de aprender o ensinamento
tradicional sobre este ponto é consultar Sã o Tomá s, que tem sido
geralmente seguido.
I. Os dons do Espírito Santo. Sã o especificamente distintas das
virtudes adquiridas e das virtudes infusas?
Explicamos ( supra , cap. 3, art. 2) a distinçã o específica entre as
virtudes infusas e as virtudes adquiridas por seu objeto formal. É da fé
que, alé m das virtudes naturais, adquiridas e desenvolvidas pela
frequente repetiçã o dos mesmos atos, recebemos com graça
santificante as virtudes infusas da fé , da esperança e da caridade. 3.
Quanto à s virtudes morais infusas, como a prudê ncia, a justiça, a
fortaleza e a temperança cristã s, diferem das correspondentes virtudes
morais adquiridas porque tê m uma regra superior, ou seja, nã o apenas
a razã o natural, mas a razã o iluminada pela fé ; eles sã o inspirados por
visõ es muito mais elevadas. 4 É assim que a temperança cristã implica
uma mortificaçã o que a é tica puramente natural nã o conheceria;
baseia-se nas doutrinas reveladas do pecado original, da gravidade de
nossos pecados pessoais, de seus resultados, de nossa elevaçã o a um
fim sobrenatural e da imitaçã o de Jesus crucificado. Que distâ ncia há
entre a temperança descrita por Aristó teles e aquela de que fala Santo
Agostinho!
Os dons do Espírito Santo sã o, aliá s, superiores à s virtudes morais
infusas; embora sejam menos elevadas que as virtudes teologais,
contudo trazem-lhes, como veremos, uma perfeiçã o acrescida. 5 "Para
diferenciar os dons das virtudes", diz Sã o Tomá s, 6 "devemos ser
guiados pelo modo como a Escritura se expressa, pois descobrimos
que ali o termo empregado é 'espírito' em vez de 'dom'. ' Pois assim
está escrito (Is. 11: 2, 3): 'O espírito... de sabedoria e de entendimento...
repousará sobre ele... 7 A partir dessas palavras nos é claramente dado a
entender que esses sete estã o lá estabelecido como estando em nó s
por inspiraçã o divina. Inspiraçã o denota movimento de fora. Pois deve-
se notar que no homem há um duplo princípio de movimento, um
dentro dele (a razã o), o outro extrínseco a ele (Deus), como dito acima
(q. 9, a. 4, 6), e també m pelo Filó sofo no capítulo sobre a Boa Fortuna (
Ethic. Eudem ., VII).
“Ora, é evidente que tudo o que é movido deve ser proporcional ao
seu motor: e a perfeiçã o do mó vel como tal consiste em uma
disposiçã o pela qual está disposto a ser bem movido por seu motor.
perfeita deve ser a disposiçã o pela qual o mó vel é proporcionado ao
seu motor: assim vemos que um discípulo precisa de uma disposiçã o
mais perfeita para receber um ensinamento superior de seu mestre.
Ora, é manifesto que as virtudes humanas aperfeiçoam o homem
conforme é natural para ele ser movido por sua razã o 8 em suas açõ es
interiores e exteriores. Consequentemente, o homem precisa de
perfeiçõ es ainda mais altas, pelas quais se dispor a ser movido por
Deus. Essas perfeiçõ es sã o chamadas dons, nã o apenas porque sã o
infundidas por Deus, mas mas també m porque por eles o homem se
dispõ e a tornar-se receptivo à inspiraçã o divina, 9 conforme Is 50: 5: 'O
Senhor... abriu-me os ouvidos, e nã o resisto, nã o volto atrá s'. Mesmo o
Filó sofo diz no capítulo sobre a Boa Fortuna ( Ethic. Eudem., loc. cit. )
que para aqueles que sã o movidos pelo instinto divino, nã o há
necessidade de se aconselhar de acordo com a razã o humana, mas
apenas seguir seus sussurros interiores. , uma vez que sã o movidos por
um princípio superior à razã o humana. Isso é o que alguns dizem, a
saber, que os dons aperfeiçoam o homem para atos que sã o superiores
aos atos de virtude.
Disto vemos que os dons do Espírito Santo nã o sã o atos ou
movimentos reais ou ajudas passageiras da graça, mas qualidades ou
há bitos permanentes, conferidos à alma em vista de certas operaçõ es
sobrenaturais.
A Sagrada Escritura, no texto clá ssico de Isaias, 10 os representa
como existindo de maneira estável nos justos, e é dito do Espírito
Santo: “Ele habitará convosco e estará em vó s”. 11 A Igreja em sua
liturgia considera o "dom sé tuplo", sacrum septenarium , como
constituindo um todo orgâ nico com a graça habitual ou santificante,
que muitas vezes é chamada de "a graça das virtudes e dos dons". 12 Sã o
Gregó rio Magno insiste nesta permanê ncia, dizendo: “Pelos dons, sem
os quais nã o se pode chegar à vida, o Espírito Santo habita de maneira
estável nos eleitos; graças, nã o fixa a sua morada naqueles a quem se
comunica”. 13
Sã o Tomá s os define: "Os dons do Espírito Santo sã o há bitos (ou
qualidades essencialmente sobrenaturais e permanentes) pelos quais
o homem é aperfeiçoado para obedecer prontamente ao Espírito
Santo". 14 A palavra "obedecer", usada por Sã o Tomá s, nã o exprime uma
passividade pura. Assim como as virtudes morais sujeitam nossas
faculdades apetitivas ao domínio da razã o e assim as dispõ em a agir
bem, assim també m os dons nos tornam dó ceis ao Espírito Santo, a fim
de nos fazer produzir aquelas obras excelentes conhecidas como bem-
aventuranças. 15 Neste sentido podemos dizer dos dons: "Eles conferem
ao mesmo tempo maleabilidade e energia, docilidade e força, que
tornam a alma mais passiva sob a mã o de Deus, e també m mais ativa
em servi-lo e em fazer O trabalho dele." 16
De acordo com esses princípios, a grande maioria dos teó logos
sustenta com Sã o Tomá s que os dons sã o real e especificamente
distintos das virtudes infusas, assim como sã o distintos os princípios
que os dirigem: isto é , o Espírito Santo e a razã o iluminada pela fé .
Temos aqui dois movimentos reguladores, duas regras diferentes, que
constituem diferentes motivos formais. É um princípio fundamental
que os há bitos ( habitus ) sã o especificados por seu objeto e seu motivo
formal, assim como a visã o pela cor e a luz, e a audiçã o pelo som. 17 A
virtude é um há bito que nos inclina a seguir a regra da razã o correta,
por meio da qual levamos uma vida boa medida pela regra da razã o. 18.
Os dons sã o perfeiçõ es superiores que tê m por regra a inspiraçã o
divina. 19. Uma virtude e o dom correspondente (por exemplo, a
fortaleza e o dom da fortaleza) tê m o mesmo material, mas diferem na
regra que serve de medida para seus atos e també m no modo de agir;
portanto, seu objeto formal nã o é o mesmo. A razã o, mesmo iluminada
pela fé e pela prudê ncia infusa, dirige os nossos atos segundo um modo
humano; o Espírito Santo, de modo sobre-humano. 20 Da mesma forma,
enquanto a fé adere simplesmente à s verdades reveladas, o dom da
compreensã o nos faz perscrutar suas profundezas. O teó logo aponta o
que é da fé e responde aos sofismas da heresia cotejando os textos da
Escritura e dos concílios segundo um procedimento humano, muitas
vezes muito complicado. As almas simples, ao contrá rio, sob uma
inspiraçã o especial do Espírito Santo, respondem de maneira diferente,
à s vezes com uma perspicá cia surpreendente e irrespondível que leva o
teó logo a exclamar: "Mirabilis Deus in Sanctis suis".
A mesma diferença existe entre a prudê ncia e o dom do conselho.
Quando se deve tomar uma decisã o grave, a prudê ncia, adquirida ou
infundida, deve aconselhar-se, examinar todas as circunstâ ncias e
conseqü ê ncias do ato a ser praticado; delibera longamente, sem
sempre chegar à certeza, sobre o que é melhor escolher. Pelo contrá rio,
se rezamos com humildade e confiança, à s vezes uma inspiraçã o do
dom do conselho esclarece instantaneamente todo o problema. 21 Em
uma situaçã o difícil, onde dois deveres em aparente oposiçã o devem
ser harmonizados, a prudê ncia fica, por assim dizer, perplexa; hesita,
por exemplo, sobre que resposta dar para evitar uma mentira e manter
um segredo. Em certos casos, somente uma inspiraçã o do dom do
conselho nos permitirá encontrar a resposta adequada sem cair de
forma alguma na verdade e sem recorrer a restriçõ es mentais de moral
duvidosa. 22
II. Os dons do Espírito Santo sã o necessá rios para a salvaçã o?
A necessidade dos dons do Espírito Santo, como vimos, brota do
modo imperfeito das elevadas virtudes cristã s em nossas almas.
Consequentemente, quanto mais a alma avança para a perfeiçã o, mais
os dons devem intervir; tanto que seu modo sobre-humano deve acabar
prevalecendo, em uma ordem superior nã o apenas aos processos da
casuística, mas também aos do ascetismo e aos métodos de oraçã o. Este
é o pró prio fundamento de nossa doutrina.
Aqui, imitando Sã o Tomá s, devemos proceder com medida. Se
algué m deixasse de examinar por si mesmo, quando possível, o que
deveria ser pensado, dito e feito, sob o pretexto de abandono à
Providê ncia, estaria tentando a Deus. 23 Mas devemos levar em conta
nossa insuficiê ncia em relaçã o ao fim sobrenatural para o qual
devemos tender.
St. Thomas ensina que os dons do Espírito Santo sã o necessá rios
para a salvaçã o. 24 "De todos os dons", diz ele, "a sabedoria parece ser o
mais elevado e o temor o mais baixo. Cada um deles é necessá rio para a
salvaçã o: pois da sabedoria está escrito (Sab. 7: 28): 'Deus nã o ama
ningué m mas aquele que habita com sabedoria', e do medo (Ecles. 1:
28): 'Aquele que está sem medo nã o pode ser justificado.' "Porque
nosso Senhor conhecia as profundas necessidades de nossas almas, Ele
nos prometeu o Espírito Santo, de quem recebemos o dom sé tuplo.
Para explicar esta necessidade dos dons, Sã o Tomá s lança mã o de
uma razã o profunda: “Os dons sã o perfeiçõ es do homem, pelas quais
ele está disposto a ser receptivo à s sugestõ es de Deus. nã o é suficiente,
e há necessidade da inspiraçã o do Espírito Santo, há ,
conseqü entemente, necessidade de um dom. Ora, a razã o do homem é
aperfeiçoada por Deus de duas maneiras: primeiro, por sua perfeiçã o
natural, a saber, pela luz natural da razã o (como a virtude adquirida da
sabedoria); em segundo lugar, por uma perfeiçã o sobrenatural, a saber,
pelas virtudes teologais. maneira perfeita do que a segunda: porque o
homem tem a primeira em sua plena posse, enquanto ele possui a
segunda imperfeitamente, visto que amamos e conhecemos Deus
imperfeitamente. Agora é evidente que qualquer coisa que tenha uma
natureza ou uma forma ou uma virtude perfeitamente, por si só
funcionam de acordo com eles: nã o, como sempre, excluindo a operaçã o
de Deus, que opera interiormente em toda natureza e em toda vontade.
Por outro lado, aquilo que tem uma natureza ou forma ou virtude
imperfeita, nã o pode funcionar por si mesmo, a menos que seja movido
por outro. Assim, o sol, que possui luz perfeitamente, pode brilhar por
si mesmo; enquanto a lua, que tem a natureza da luz de forma
imperfeita, emite apenas uma luz emprestada. Novamente, um médico,
que conhece perfeitamente a arte médica, pode trabalhar sozinho; mas
seu aluno, que ainda nã o está totalmente instruído, nã o pode trabalhar
sozinho, mas precisa receber instruçõ es dele.
"Assim, quanto à s coisas sujeitas à razã o humana e subordinadas ao
fim conatural do homem, o homem pode fazê -las atravé s do julgamento
de sua razã o (com a ajuda ordiná ria que a Providê ncia dá à s causas
secundá rias). Se, no entanto, mesmo nessas coisas o homem receber
ajuda na forma de sugestõ es especiais de Deus ( instintum specialem ),
isso será da bondade superabundante de Deus ( hoc erit
superabundantis bonitatis): portanto, de acordo com os filó sofos, nem
todo mundo que teve as virtudes morais adquiridas, teve també m o
heró ico ou divinas. o movimento da razã o nã o é suficiente, a menos
que receba em adiçã o o impulso ou movimento do Espírito Santo, de
acordo com Romanos 8: 14, 17: 'Todos os que sã o guiados pelo Espírito
de Deus, esses sã o os filhos de G. od. . . e se filhos, herdeiros també m': e
Sl. 142: 10: 'Teu bom Espírito me conduzirá à terra certa'; porque, a
saber, ningué m pode receber a herança daquela terra dos bem-
aventurados, a menos que seja movido e conduzido para lá pelo
Espírito Santo." 25 Nesse sentido, os dons sã o necessá rios à salvaçã o
como disposiçõ es habituais para receber inspiraçõ es divinas, apenas
como as velas sã o necessá rias em um barco para que ele possa
responder aos ventos.
Isso nã o significa que, sem a intervençã o dos dons do Espírito
Santo, o cristã o nunca seja capaz de um ato sobrenatural. Mas, se por
pecado mortal perdeu estes dons juntamente com a caridade, pode
ainda, com uma graça atual ordiná ria, fazer um ato sobrenatural de fé ; e
muitas vezes o justo també m age de maneira sobrenatural sem uma
inspiraçã o especial do Espírito Santo. Mas, como diz Sã o Tomá s, nã o
está no poder da razã o, mesmo quando iluminada pela fé e pela
prudê ncia infundida, "conhecer todas as coisas ou todas as coisas
possíveis. Consequentemente, é incapaz de evitar a loucura ( stultitia )
e outras coisas semelhantes . . . Deus, poré m, a cujo conhecimento e
poder todas as coisas estã o sujeitas, por Seu movimento nos protege
de toda loucura, ignorâ ncia, embotamento de mente e dureza de
coraçã o e tudo mais. que nos tornam receptivos à s Suas sugestõ es, sã o
dadas como remé dios para esses defeitos”. 26 "Pelas virtudes teologais
e morais, o homem nã o é tã o aperfeiçoado em relaçã o ao seu fim
ú ltimo, a ponto de nã o permanecer na necessidade contínua de ser
movido pelas sugestõ es ainda mais elevadas do Espírito Santo." 27
III. Necessidade de uma docilidade cada vez mais perfeita ao Mestre
interior.
Esta assistê ncia especial, da qual falamos, é tanto mais necessá ria
quanto a alma, ao avançar, deve realizar obras mais perfeitas, e porque
o Senhor deseja conduzir-nos a um conhecimento mais profundo e
amoroso dos misté rios sobrenaturais. 28. As virtudes morais e teologais
infusas, mesmo quando atingem um grau elevado, sem auxílio especial
do Espírito Santo, ainda operam segundo o modo humano das
faculdades em que sã o recebidas. 29
fé faz-nos conhecer Deus de um modo ainda demasiado abstracto,
demasiado exterior, in speculo et in aenigmate , por fó rmulas
excessivamente estreitas que devem ser multiplicadas. Gostaríamos de
poder condensá -los em um que nos colocasse em contato íntimo com o
Deus vivo e que expressasse para nó s a Luz da vida que cada vez mais
Ele deveria ser para nó s. A esperança e a caridade, dirigidas pela fé,
participam desta imperfeiçã o da fé. Essas duas virtudes da vontade
carecem de vitalidade e conservam muito do jeito humano enquanto
sã o dirigidas apenas pela razã o iluminada pela fé.
Por mais circunspecta que seja a prudê ncia cristã , que rege as outras
virtudes morais, embora seja bastante superior à prudê ncia puramente
natural, descrita pelos filó sofos, ela ainda permanece freqü entemente
tímida, incerta em sua previsã o e cautelosa demais para responder. a
todas as exigê ncias do amor divino; assim como nã o bastam nossa
fortaleza e paciê ncia em certas provaçõ es, nem nossa castidade diante
de algumas tentaçõ es. 30. Porque nossas virtudes sobrenaturais devem
ser adaptadas ao modo humano de nossas faculdades, elas nos deixam
em estado de inferioridade em relaçã o ao fim sobrenatural para o qual
devemos avançar com maior avidez.
Com apenas as virtudes, ainda que sejam sobrenaturais, o homem é
como um aprendiz que sabe muito bem o que deve fazer, mas nã o tem
habilidade para fazê -lo de maneira adequada. Conseqü entemente, o
mestre que o está ensinando deve vir de vez em quando, pegar sua mã o
e orientá -la para que o trabalho seja apresentável. Assim, enquanto a
nossa oraçã o for apenas fruto de uma meditaçã o assídua, será
demasiado humana para saborear verdadeiramente a palavra de Deus.
Na meditaçã o, bebemos apenas da á gua que escorreu pelo chã o e se
misturou com a lama, como diz Santa Teresa. Para que possamos beber
da fonte, o Espírito Santo deve, como o mestre do aprendiz, intervir
diretamente, tomar posse de nosso intelecto e vontade, e comunicar-
lhes Sua maneira de pensar e de amar; uma maneira divina que é a
ú nica digna de Deus, que deseja ser conhecido como uma verdade viva
e amado divinamente. Como permanecemos sempre aprendizes de
Deus, o Espírito Santo deve intervir habitualmente em nossas oraçõ es
e obras para que sejam perfeitas. É por isso que, ao contrá rio das
graças puramente gratuitas ( gratis datae ) como a profecia, os dons,
que nos tornam receptivos à s inspiraçõ es divinas como as virtudes à s
direçõ es da razã o, devem ser permanentes em nó s. 31 Eles estã o em
nossa alma como as velas de um barco. Dois meios podem ser usados
para mover um pequeno veleiro na á gua: remo, que é lento e
trabalhoso, e velejar. Uma alma pode progredir e avançar pelo exercício
das virtudes; nisso ele é ativo; ou pela inspiraçã o do Espírito Santo, que
respira onde quer e quando quer. Aqui a alma é dó cil, agindo menos do
que é influenciada. "Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam o homem...
porque ele é tã o influenciado pelo Espírito Santo, que ele també m age
na medida em que tem livre arbítrio. Portanto, ele precisa de um
há bito." 32. Daí vemos que a alma só se aproxima da perfeiçã o por uma
grande docilidade ao Espírito Santo, na qual deve normalmente
prevalecer o modo sobre-humano dos dons, para remediar cada vez
mais o que há de essencialmente imperfeito no modo humano das
virtudes. Esta é a funçã o dos dons.
4. A inspiraçã o especial do Espírito Santo e o progresso da caridade.
Ninguém questiona que a teologia mística de Sã o Tomá s se encontra
especialmente em seu ensinamento sobre os dons do Espírito Santo,
sua relaçã o com a caridade e a contemplaçã o infusa. Mas algumas
pessoas apenas lêem apressadamente na Summa (Ia IIae, q. 68) os
artigos dedicados aos dons do Espírito Santo em geral, e (IIa IIae, q. 8,
9, 45) os artigos que se relacionam com os dons de entendimento,
conhecimento e sabedoria, sem considerar suficientemente sua
conexã o com o que é dito (IIa IIae, q. 24, a. 9) sobre os três graus de
caridade em iniciantes, proficientes e perfeitos, e sem lembrar o que
Sã o Tomá s ensina (Ia IIae, q. 111, a. 2) sobre a graça operante, à qual ele
atribui a inspiraçã o especial do Espírito Santo. Como resultado, eles
falham em ver claramente o que é original e muito profundo na
doutrina tomista dos dons.
Este ponto é exposto de forma breve e clara no tratamento mais
completo que já foi escrito sobre o assunto dos dons. Referimo-nos ao
artigo do Padre Gardeil, OP, no Dictionnaire de théologie catholique. 33 Na
parte histó rica do artigo, depois de mostrar as fontes da doutrina dos
dons na Escritura e nos padres gregos e latinos, e depois de mencionar
os tratados dos primeiros teó logos escolá sticos, o padre Gardeil
analisa o que foi escrito sobre os dons pelos fundadores da teologia
sistematizada — Alexandre de Hales, Sã o Boaventura, Sã o Alberto
Magno e Sã o Tomá s de Aquino. É interessante ver como esses quatro
grandes escolá sticos reagiram contra Guilherme de Auxerre e
Guilherme de Paris, que negavam o cará ter específico dos dons e os
reduziam à s virtudes, preparando assim o terreno para a doutrina
minimalista dos nominalistas decadentes do sé culo XIV. sé culo. Padre
Gardeil diz: 34 "Esses quatro grandes teó logos consagraram
fundamentalmente a antiga doutrina, que distinguia os dons das
virtudes, considerando-os como primi motus in corde ... dons, pelo
menos Sã o Tomá s o fez, disposiçõ es subjetivas para receber as mais
sublimes graças atuais. mais elevado e mais profundamente verdadeiro
sobre a preeminê ncia da açã o divina. Ele assim trouxe este ponto de
doutrina de volta aos princípios absolutamente primeiros, que, tanto
na filosofia quanto na teologia, governam as questõ es sobre a açã o
divina como tal; isto é , desenvolvendo-a em conformidade com a lei
interior do ser divino. Por esta sistematizaçã o, assegurou-lhe a solidez
indestrutível de toda doutrina que se prende a princípios primeiros,
evidentes no eus mesmos ou principalmente revelados." 35
É nosso desejo: (1) mostrar como, segundo Sã o Tomá s, a inspiraçã o
especial do Espírito Santo, à qual os dons nos tornam dó ceis, difere da
graça real e comum necessá ria ao exercício das virtudes infusas; (2)
acompanhar a crescente elevaçã o dessa inspiraçã o especial, em
iniciantes, proficientes e perfeitos, considerando especialmente os dons
de sabedoria, entendimento e conhecimento.
A INSPIRAÇÃ O ESPECIAL DO ESPÍRITO SANTO E A GRAÇA COMUM E REAL

Para uma compreensã o clara deste ensinamento, como observa o


Padre del Prado 36 , devemos distinguir, como faz Sã o Tomá s, as
diferentes maneiras pelas quais Deus move nosso intelecto e nossa
vontade, seja na ordem natural ou na ordem sobrenatural. Sã o Tomá s
distingue entre trê s modos principais do movimento divino na ordem
da natureza, e trê s outros proporcionalmente similares na ordem da
graça. Eles podem ser expressos na seguinte divisã o que explicaremos:

O primeiro modo de movimento está antes da deliberaçã o humana,


37o segundo está depois ou com ela, o terceiro está acima dela, e tanto
na ordem da natureza quanto na da graça. Sã o Tomá s os enumerou em
Ia IIae, q. 9, a. 6 ad 3um; q. 68, A. 2, 3; q. 109, A. 1, 2, 6, 9; q. 111, A. 2; De
verdade , q. 24, A. 15. Basta traduzir o primeiro desses textos que -
muitos parecem ignorar o fato - é explicado pelos que se seguem, como
veremos: "Deus move a vontade do homem, como o Motor Universal,
para o objeto universal do vontade, que é bom. E, sem esse movimento
universal, o homem nã o pode querer nada. Mas o homem se determina
por sua razã o, para querer isso ou aquilo, que é verdadeiro ou aparente
bom. No entanto, à s vezes Deus move alguns especialmente para a
vontade de algo determinado, que é bom, como no caso daqueles a
quem Ele move pela graça, como veremos adiante (q. 109, a. 2; q. 109, a.
6; q. 111, a. 2). ." 38
Pelo primeiro modo do movimento divino na ordem natural, nossa
vontade é , portanto, movida, quanto ao seu exercício, para desejar o
bem em geral ou bem-aventurança, e este ato, pelo qual cada um de nó s
deseja ser feliz ou deseja a felicidade, é sem dú vida um ato vital
determinado pela vontade; mas nã o é livre, no sentido de que nã o
podemos odiar a bem-aventurança ou preferir qualquer outra coisa a
ela. 39 Nó s sempre aspiramos a isso, e essa aspiraçã o se relaciona assim
confusamente com Deus, embora nem sempre julguemos que nossa
verdadeira bem-aventurança deve ser encontrada nEle. 40 Todo homem
naturalmente deseja ser feliz, "e a fonte de todo bem consiste em
colocar a felicidade onde ela deveria estar, e a fonte de todo mal está
em deslocá -la". 41 É por isso que nosso Senhor começou sua pregaçã o
com as bem-aventuranças evangé licas, que nos dizem, em oposiçã o à s
má ximas do mundo, onde se encontra a verdadeira felicidade.
Nesse primeiro ato da vontade, nesse desejo natural de felicidade,
nã o pode haver pecado, se o ato for considerado em si mesmo
independentemente dos atos que possam se seguir a ele. Nã o dizemos
que a vontade se move para este primeiro ato; estritamente falando, ela
se move para um ato somente em virtude de um ato anterior. Assim, ele
se move para escolher os meios em virtude do ato pelo qual deseja o
fim. 42 A questã o aqui diz respeito ao primeiro ato em sentido estrito;
portanto, neste caso, a vontade nã o pode pecar; é movido por Deus sem
se mover, embora produza este ato vitalmente. 43
O segundo modo do movimento divino é aquele em virtude do qual
nosso livre-arbítrio, ainda na ordem natural, determina um bem
verdadeiro ou um bem aparente. Este movimento de nossa vontade
nã o é apenas vital, mas livre, e para produzi-lo a vontade se move em
virtude de um ato anterior; portanto, pode pecar neste caso. 44 Mas,
visto que Deus nã o pode, por seu movimento, ser igualmente causa do
mal e do bem, devemos dizer que o movimento pelo qual ele move o
livre arbítrio para determinar um bom ato natural nã o é o mesmo que
aquele pelo qual ele é a causa do ato físico do pecado e nã o de sua
malícia. 45. A boa açã o vem inteiramente de Deus, como de sua primeira
causa, e inteiramente de nó s como de sua segunda causa: "O que tens
que nã o tenhas recebido?" 46 Pelo contrá rio, o ato mau, considerado em
relaçã o ao que nele há de desordenado e mau, nã o vem de Deus, mas
apenas de nosso livre-arbítrio defeituoso e mal disposto. 47 Da mesma
forma, o andar de um coxo, no que diz respeito à açã o, brota de sua
energia vital, mas sua deficiê ncia vem apenas da malformaçã o de sua
perna. 48 Ao contrá rio do movimento divino que move para o bem, o
movimento necessá rio para o ato físico do pecado é acompanhado pela
permissã o divina da desordem contida no pecado. Deus permite que
essa desordem ocorra por razõ es muito elevadas das quais Ele é o juiz,
mas de modo algum pode ser sua causa. Princípio indefectível de todo
bem e de toda ordem, Ele nã o pode causar o mal envolvido no ato do
pecado, assim como o olho, vendo a cor de uma fruta, pode perceber
seu sabor. O mal moral nã o é mais o objeto da onipotê ncia do que os
sons sã o o objeto da visã o. Sem ser obrigado a isso, Deus muitas vezes
remedia as fraquezas do nosso livre-arbítrio; Ele nem sempre faz isso.
Aí reside um misté rio.
O terceiro modo de movimento divino na ordem natural é
mencionado por St. Thomas 49 quando ele cita o Eudemian Ética (Livro
VII, cap. 14). Nesta obra, atribuída a Aristó teles, mas composta sob sua
influê ncia por um de seus discípulos platonizantes, o autor diz:
"Algué m perguntará , talvez, se a boa fortuna de uma pessoa a faz
desejar o que deve, quando deve... ... Sem refletir, deliberar ou
aconselhar-se, acontece que ele pensa e quer o que é mais
conveniente... A que se deve isso, senã o à boa fortuna? ? Isso equivale a
perguntar qual é o princípio superior dos movimentos da alma. Ora, é
manifesto que Deus, que é o princípio do universo, é també m o
princípio da alma. Todas as coisas sã o movidas por Aquele que é está
presente em nó s. O princípio da razã o nã o é a razã o, mas algo superior.
O que é superior à razã o e à inteligê ncia senã o Deus?... É por isso que os
antigos costumavam dizer: 'Felizes aqueles que sem deliberar sã o
levados a agir bem. ' Isso nã o vem de sua pró pria vontade, mas de um
princípio presente neles que é superior ao seu intelecto e à sua
vontade. . . . Sob uma inspiraçã o divina, alguns até prevê em o futuro."
Na É tica a Nicômaco , Bk. VI, cap. 1, Aristó teles fala de heró is, como
Heitor, que "por causa da excelência de sua coragem sã o chamados
divinos..., pois há algo superior à virtude humana neles" ou à ciência
humana. Assim, era costume dizer "o divino Platã o", por causa da
inspiraçã o superior que muitas vezes animava seu discurso. Essa
inspiraçã o está na ordem natural e assume diferentes formas,
filosó ficas, poéticas, musicais e estratégicas. Estas sã o as vá rias formas
de gênio.
Sã o Tomá s afirma claramente que essa inspiraçã o especial nã o é
absolutamente necessá ria ao homem para atingir seu fim ú ltimo
natural. Mas ele sustenta que é diferente na ordem da graça, onde os
dons do Espírito Santo e as inspiraçõ es correspondentes sã o
necessá rios para a salvaçã o. 50
Esses três modos do movimento divino, que definimos, sã o
transpostos na ordem da graça; nesta ordem os três sã o normais.
1) No momento em que um pecador é justificado, Deus como o
Autor da graça move o livre arbítrio do pecador para ser convertido ao
seu fim ú ltimo sobrenatural. Sob este movimento divino e por ele o
pecador é feito justo ou é justificado, e começa a agir nã o apenas em
vista da felicidade naturalmente desejada, mas por Deus amado
sobrenaturalmente sobre todas as coisas. Este movimento
sobrenatural, antes de tudo, prepara o pecador para receber a graça
santificante e o justifica pela infusã o desta graça e da caridade,
levando-o a um ato gratuito de fé , caridade e arrependimento. 51 Neste
caso, o livre arbítrio nã o se move, a rigor, para este ato de fé e caridade
vivas; é movido para lá pela graça operacional. 52 Neste ato nã o pode
haver pecado; pelo contrá rio, há ó dio ao pecado. Este ato é produzido
livremente sob o impulso da graça eficaz. 53 Embora inteiramente livre,
esse movimento sobrenatural da vontade assemelha-se ao primeiro
movimento natural pelo qual desejamos a felicidade. A rigor, o homem
nã o pode mover-se; isso suporia um ato anterior eficaz da mesma
ordem. Este ato anterior nã o existe, pois a questã o aqui diz respeito ao
primeiro ato eficaz de amor do fim sobrenatural. 54 Este ato nã o é
precedido de mé rito pessoal; ao contrá rio, abre o caminho do mé rito.
É , por assim dizer, o limiar da ordem da graça, ou o primeiro passo na
execuçã o da predestinaçã o divina.
2) O segundo modo de movimento nesta ordem é aquele pelo qual
Deus move um homem justo a agir bem sobrenaturalmente usando as
virtudes infusas como ele deve. Nesse movimento do livre arbítrio, a
vontade é movida e se move em virtude de um ato sobrenatural
anterior. Aqui há deliberaçã o, propriamente dita, sobre os meios em
vista do fim, e uma maneira humana de agir sob a direçã o da razã o
iluminada pela fé . 55 Alé m disso, essa graça é chamada graça
cooperadora. 56 Quando esta graça é eficaz, o livre-arbítrio ainda pode
resistir se quiser, mas nunca o quer. De fato, nã o pode acontecer que o
pecado se produza no pró prio uso da graça, quando o homem é movido
pela graça efetiva e eficaz. 57 Assim, quem está sentado pode, de fato,
levantar-se, mas nã o pode estar sentado e em pé ao mesmo tempo. A
liberdade nã o é destruída porque Deus, que é infinitamente poderoso e
mais pró ximo de nó s do que nó s de nó s mesmos, move nossa vontade
de acordo com suas inclinaçõ es naturais livremente para desejar uma
coisa ou outra. 58
3) Finalmente, o terceiro modo do movimento divino na ordem da
graça é aquele pelo qual Deus move especialmente o livre arbítrio de
um homem espiritual, que está disposto à inspiraçã o divina pelos dons
do Espírito Santo. Aqui a alma justa é imediatamente dirigida, nã o pela
razã o iluminada pela fé , mas pelo pró prio Espírito Santo de maneira
sobre-humana. 59 Esta moçã o nã o é dada apenas para o exercício do
ato, mas para sua direçã o e especificaçã o; conseqü entemente é
chamado de iluminaçã o e inspiraçã o. 60 É um modo eminente de operar
a graça que conduz assim aos actos mais elevados das virtudes e dos
dons: a fé , iluminada pelo dom do entendimento, torna-se muito mais
penetrante e contemplativa; a esperança, iluminada pelo dom do
conhecimento da vaidade de tudo o que é transitó rio, torna-se
confiança perfeita e abandono filial à Providê ncia; e as iluminaçõ es do
dom da sabedoria convidam a caridade à intimidade da uniã o divina.
Como a abelha ou o pombo-correio, dirigidos pelo instinto, agem com
uma certeza maravilhosa revelando a Inteligê ncia que os dirige, assim,
diz Sã o Tomá s, "o homem espiritual está inclinado a agir, nã o
principalmente atravé s do movimento de sua pró pria vontade , mas
pelo instinto do Espírito Santo, conforme as palavras de Isaias (59: 19):
'Quando ele vier como uma corrente violenta, que o Espírito do Senhor
impele.' E em Sã o Lucas encontramos: 'Jesus... foi conduzido pelo
Espírito ao deserto.' 61 Nã o se segue que o homem espiritual nã o opere
por sua vontade e por seu livre arbítrio, mas é o Espírito Santo quem
causa nele esse movimento da vontade e do livre arbítrio, como diz Sã o
Paulo: é Deus quem trabalha em você tanto para querer quanto para
realizar.' " 62 Estas palavras de Sã o Tomá s sã o o melhor comentá rio
sobre o que ele escreveu sobre a graça operacional. 63 Novamente ele
diz: “Os filhos de Deus sã o guiados pelo Espírito Santo para que
possam passar por esta vida cheia de tentaçõ es (Jó 7:1) e obter a
vitó ria pela graça de Cristo”. 64
Embora a iluminaçã o do Espírito Santo nos dispense de deliberar,
todavia o ato permanece livre e meritó rio, pois consentimos em ser
movidos assim, como um bom aluno deseja aproveitar a liçã o de seu
professor e como um homem obediente é perfeitamente e livremente
dó cil à ordem que lhe é dada. Este terceiro modo de movimento divino,
portanto, salvaguarda a liberdade e se harmoniza com a infalibilidade
da presciê ncia divina e do decreto divino: "O Espírito Santo... ao
mesmo tempo – que o Espírito Santo queira mover um certo homem
para um ato de caridade, e que este homem, ao pecar, perca a caridade”.
65

Evidentemente, esses trê s modos de movimento, na ordem natural e


també m na da graça, sã o distintos, conforme sã o antes da deliberaçã o
humana, 66 depois dela (ou com ela) ou acima dela. 67 Mas o terceiro
desses modos raramente é encontrado na ordem natural, em gê nios ou
heró is, enquanto na ordem da graça é normal, pois a razã o, mesmo
iluminada pela fé , age de maneira tã o humana que nã o basta para
dirigir nos em direçã o ao nosso fim ú ltimo sobrenatural. 68
Esta doutrina de Sã o Tomá s, confirmando o que ele ensina sobre "as
virtudes da alma purificada", 69 é reiterada exatamente nos escritos de
Sã o Joã o da Cruz 70 onde ele fala dessas almas purificadas: "Assim,
ordinariamente, os primeiros movimentos dos poderes em tais almas
sã o, por assim dizer, divinos. Isso nã o é de se admirar, uma vez que
esses poderes sã o, de certa forma, transformados no Ser divino. 71 . . .
Deus move especialmente os poderes dessas almas . . . ;
conseqü entemente, suas obras e oraçõ es sã o sempre eficazes. Tais
foram as da gloriosa Mã e de Deus, que desde o início de sua vida foi
elevada a este alto grau de uniã o. Nunca houve em sua alma a
impressã o de qualquer criaçã o forma alguma, capaz de distraí-la de
Deus, pois ela sempre foi dó cil à moçã o do Espírito Santo”. 72
Portanto, todo homem justo tem, juntamente com a graça e as
virtudes infusas, os sete dons do Espírito Santo, que se relacionam com
a caridade, aperfeiçoam as diversas virtudes, e com elas constituem
um organismo sobrenatural perfeito, pronto para mover
deliberadamente e també m para ser movido. pelo Espírito Santo de
uma maneira alé m de toda consideraçã o humana. É por isso que a
graça habitual ou santificante é chamada "a graça das virtudes e dos
dons", do nome do habitus infuso que dela brota, assim como as
faculdades tê m sua origem na essê ncia da alma. 73
Este organismo sobrenatural, segundo o ensinamento de Santo
Agostinho e Sã o Tomá s, ilustramos com a sinopse da pá gina seguinte,
onde notamos a correspondência das virtudes, dos dons e das bem-
aventuranças indicadas por esses dois grandes doutores.
Neste resumo, no qual reunimos o ensinamento da Escritura e da
tradiçã o sobre este assunto, as virtudes sã o colocadas de acordo com a
ordem de sua hierarquia, e os dons correspondentes da mesma
maneira. 74 O dom do conhecimento é colocado em oposiçã o à
esperança, na medida em que nos faz conhecer a vaidade das coisas
criadas e da ajuda humana, 75 e assim nos leva a desejar a posse de
Deus e a esperar n'Ele. A correspondê ncia das bem-aventuranças vê -se
mais claramente se recordarmos a recompensa prometida a cada um.
76 A ú ltima ("Bem-aventurados os perseguidos") nã o é indicada,

embora seja a mais perfeita, porque conté m todas as outras no meio


das maiores dificuldades. 77
A ordem dos dons do Espírito Santo é claramente vista no esboço do
que Sã o Tomá s diz deles, 78 como aparece na sinopse da pró xima
pá gina.
A partir deste esboço vemos que os dons do intelecto, que dirigem
os outros, sã o superiores a eles. 79 Eles aperfeiçoam o intelecto em suas
duas primeiras operaçõ es: simples apreensã o e penetraçã o da verdade,
e julgamento. Nã o se trata do terceiro, raciocínio ou discurso, porque
os atos dependentes dos dons nã o sã o discursivos, e sã o superiores ao
modo humano de raciocínio. O dom da sabedoria é superior ao do
entendimento, pois a sabedoria julga os pró prios primeiros princípios
pela Causa mais elevada. 80 Aqui estamos preocupados com o
julgamento, nã o apenas de acordo com o uso perfeito da razã o
especulativa, como na sabedoria adquirida, mas por conaturalidade ou
simpatia com as coisas divinas; uma conaturalidade fundada na
caridade, ou no amor sobrenatural de Deus. 81
ELEVAÇÃ O CRESCENTE DA INSPIRAÇÃ O ESPECIAL DO ESPÍRITO SANTO EM INICIANTES,
PROFICIENTES E PERFEITOS

Todos os dons estã o relacionados com a caridade, 82 e como habitus


infuso eles crescem com a caridade, que deve aumentar sempre até a
morte. 83 Por conseguinte, ao distinguirmos trê s graus de caridade (a
dos principiantes, a dos proficientes e a dos perfeitos), 84 fazemos a
mesma distinçã o quanto aos dons do Espírito Santo. Este ponto foi
especialmente desenvolvido por Dionísio, o Cartuxo, em seu tratado
sobre os dons, 85 onde mostra que o primeiro grau deles corresponde à
obrigaçã o estrita, o segundo à prá tica dos conselhos e o terceiro aos
atos heró icos. Indicaremos brevemente esses trê s graus: primeiro, no
dom do conhecimento e nos dons a ele subordinados; entã o, nos dons
mais elevados de entendimento e sabedoria.
O dom do conhecimento faz-nos julgar sobrenaturalmente as coisas
criadas, quer mostrando-nos o seu nada, 86 quer revelando-nos o
simbolismo divino que nelas se esconde. Em primeiro grau, faz-nos
reconhecer o fato de que em si as criaturas nada sã o e que nã o
devemos nos apegar a elas como nosso ú ltimo fim, mas devemos usá -
las apenas como um meio para nos conduzir a Deus. No segundo grau,
leva-nos a usar as criaturas com moderaçã o e com desprendimento
interior; ao mesmo tempo, pelo espetá culo da natureza, eleva-nos a
Deus. 87 No terceiro grau, confere o espírito de renú ncia, levado até à
prá tica heró ica dos conselhos. Faz-nos ver o valor das humilhaçõ es e
dos sofrimentos, que nos tornam semelhantes a Cristo crucificado e
que nos associam ao grande misté rio da redençã o. Este conhecimento
nã o é mais superficial e simples lembrança de leitura piedosa, mas
profunda convicçã o e verdadeira participaçã o no conhecimento divino
das coisas criadas. 88. Consiste particularmente no conhecimento da
gravidade do pecado e tem como fruto as lá grimas de contriçã o. Sob a
direçã o do dom do conhecimento, sã o exercidos os dons do conselho,
temor, piedade e fortaleza.
Enquanto o dom do conhecimento nos orienta para um ponto de
vista geral (desprendimento das coisas criadas), o do conselho,
aperfeiçoando a prudê ncia, mostra-nos em particular o melhor meio
para atingir o fim. Onde a prudê ncia hesitaria, ela nos mostra o que
fazer ou evitar, o que dizer ou reprimir, o que empreender ou
abandonar. 89 Em primeiro grau, dirige-nos em maté ria de estrita
obrigaçã o; na segunda, inclina-nos à prá tica generosa dos conselhos
evangé licos; e no terceiro, faz-nos realizar obras sagradas com
perfeiçã o heró ica. 90 Corresponde à bem-aventurança dos
misericordiosos, pois aconselha as obras de misericó rdia. Só os
misericordiosos sabem realmente dar à s almas aflitas bons conselhos
que as encorajem. 91
Sob a direçã o do dom do conhecimento, o dom do temor fortalece a
temperança e a castidade, fazendo-nos evitar, diante de Deus, os erros
aos quais nossa natureza corrompida é propensa. 92 Corresponde à
esperança, levando-nos a um respeito filial para com Deus. 93 No
primeiro grau, inspira horror ao pecado e nos arma contra a tentaçã o.
94 No segundo, confere mais profundo respeito filial à divina Majestade,

preserva-nos da irreverê ncia para com as coisas santas, e també m da


presunçã o. No terceiro, leva à prá tica da renú ncia perfeita e da
mortificaçã o que Sã o Paulo descreve com as seguintes palavras:
"Trazendo sempre em nosso corpo a mortificaçã o de Jesus, para que
també m a vida de Jesus se manifeste em nossos corpo." 95 Assim
podemos ver como este temor, que tem como fruto a bem-aventurança
dos pobres de espírito, é "o princípio da sabedoria", 96 de uma
sabedoria muito elevada.
Este santo temor, poré m, deve ser acompanhado pelo dom da
piedade, que nos enche de filial afeiçã o a Deus nosso Pai e nos faz
realizar de todo o coraçã o e com fervor religioso tudo o que diz
respeito ao culto divino. Este dom nos faz gritar: "Abba (Pai)", como diz
Sã o Paulo. 97 Corresponde à bem-aventurança dos mansos, porque
confere uma doçura celestial e assim nos leva a consolar o pró ximo
aflito, porque nos faz ver nele um irmã o ou um membro sofredor de
Cristo. 98 No mais alto grau, o dom da piedade nos inclina fortemente a
nos entregarmos inteiramente ao serviço de Deus, a oferecer a Ele
todos os nossos atos e sofrimentos como um sacrifício perfeito. Este
dom nos faz perceber que a comunhã o é uma participaçã o no sacrifício
da cruz perpetuado em nossos altares; uma participaçã o pela qual
Nosso Senhor deseja tornar nossos coraçõ es como Seu Sagrado
Coraçã o de sacerdote e vítima, e associar-nos aos sentimentos mais
profundos que experimentou ao instituir a Sagrada Eucaristia pouco
antes de sair para morrer por nó s. 99 Desta uniã o com Cristo sacerdote,
Sã o Pedro diz: “Sede vó s també m edificados como pedras vivas, casa
espiritual, sacerdó cio santo, para oferecer sacrifícios espirituais,
aceitáveis a Deus por Jesus Cristo”. 100
O dom da fortaleza, sob a mesma direçã o dos dons do conhecimento
e do conselho, dá -nos a coragem de empreender grandes coisas para
Deus e de suportar tribulaçõ es por Ele. Vem em auxílio da virtude da
fortaleza em circunstâ ncias muito difíceis. Este dom corresponde à
quarta bem-aventurança: "Bem-aventurados os que tê m fome e sede de
justiça" e que, apesar de todos os obstá culos, mantê m uma confiança
inabalável na ajuda de Deus. No perfeito, este dom impregna a alma de
uma atraçã o irresistível pelas coisas de Deus; leva a alma a sofrer com
alegria os tormentos mais dolorosos por Deus, pela fé e pela justiça.
Este dom permite que virgens humildes e crianças fracas ganhem a
coroa do martírio. 101 Sustenta també m aqueles que passam sem
fraquejar pelo amargo crisol das purificaçõ es passivas da alma, e que
experimentam a verdade da expressã o da Escritura: "Muitas sã o as
afliçõ es do justo, mas de todas o Senhor os livrará". ." 102 Este dom é o
que fez Sã o Paulo exclamar: "Estou cheio de alegria em todas as nossas
tribulaçõ es"; 103 e també m, "que agora se alegram com meus
sofrimentos por você s e preenchem as coisas que faltam aos
sofrimentos de Cristo em minha carne, por seu corpo que é a Igreja". 104
Conhecimento, conselho, temor, piedade e fortaleza sã o, como
vimos, os dons inferiores direcionados à vitó ria sobre o pecado e à
açã o. A alma, vivendo habitualmente sob o regime desses dons, já está
na vida mística, embora ainda nã o se perceba claramente nela a
contemplaçã o mística, que procede dos dons superiores. Este fato é
importante na prá tica e deve ser notado claramente para manter,
sempre sem exageros, o significado exato da doutrina que defendemos,
a saber, o cará ter normal, embora eminente, da contemplaçã o infusa.
Embora a contemplaçã o infusa seja geralmente concedida aos
perfeitos, nem sempre é claramente caracterizada neles. Mas já estã o
na vida mística se vivem habitualmente sob o regime dos dons que
correspondem à s bem-aventuranças da fuga do pecado e à s da vida
ativa. Isso é evidente pelo que Sã o Tomá s diz sobre as cinco primeiras
bem-aventuranças. 105 Assim, a alma é imediatamente preparada para a
contemplaçã o infusa, fruto principalmente dos dons do entendimento
e da sabedoria.
O dom da compreensã o nos faz penetrar no significado das verdades
reveladas e descobrir o espírito por trá s da letra. Enquanto a fé é um
simples assentimento à palavra de Deus, um assentimento que existe
na alma crente mesmo em estado de pecado mortal, este dom, que
como os outros só se encontra no justo, implica uma compreensã o
penetrante e progressiva da misté rios da fé , os preceitos e os
conselhos. Nã o remove a obscuridade da fé ou seu mé rito. Nunca nos
dá , enquanto na terra, a evidê ncia dos misté rios, propriamente
chamados, por exemplo, os da Santíssima Trindade, a encarnaçã o, a
redençã o e a predestinaçã o. Mas nos faz perceber cada vez mais
claramente que a obscuridade desses misté rios é exatamente o oposto
da obscuridade da incoerê ncia e do absurdo, e que vem de uma luz
forte demais para nossos olhos fracos. Assim, mostra-nos o vazio das
objeçõ es levantadas contra a fé e confirma grandemente os motivos de
credibilidade ou sinais de revelaçã o. 106
No primeiro grau, o dom do entendimento fortalece a fé de todo
bom cristã o a tal ponto que os analfabetos, que nã o podem fazer um
estudo dos motivos da credibilidade, aderem à palavra de Deus com
uma firmeza que pode superar a do fé dos eruditos. No segundo grau,
esse dom revela a consistê ncia e a sublimidade dos misté rios
revelados. També m contribui muito para a purificaçã o passiva da alma,
fazendo-nos entrever a grandeza infinita de Deus, as suas perfeiçõ es
insondáveis, as aniquilaçõ es do Verbo feito carne e, por outro lado, a
profundidade da misé ria que subsiste em nó s. Corresponde à bem-
aventurança dos limpos de coraçã o. 107 No terceiro grau, este dom faz a
alma penetrar nas profundezas ocultas dos misté rios divinos; revela
cada vez mais o sentido das profecias e das palavras do Senhor, e de
certa forma nos faz ver Deus; "pelo dom do entendimento podemos,
por assim dizer, ver Deus", 108 nã o por uma intuiçã o positiva e imediata
da presença divina, mas mostrando-nos cada vez mais claramente o
que Deus nã o é , e como a sua vida íntima infinitamente excede o
conhecimento natural de toda inteligê ncia criada e criável. 109
Evidentemente, o terceiro grau do dom do entendimento, que é
normalmente pró prio dos perfeitos, pertence à vida mística
propriamente dita, como princípio da contemplaçã o infusa. Podemos
entender isso facilmente lendo a descriçã o do terceiro grau na obra de
Dionísio, o Cartuxo. 110
Por fim, enquanto o dom do entendimento concebe e penetra, o da
sabedoria nos faz julgar todas as coisas criadas pelo gosto, pelo
conhecimento afetivo e doce de Deus, seu começo e fim. 111 Embora
nesta vida a sabedoria permaneça na obscuridade da fé , sem ver a Deus
como Ele é ( sicuti est ), contudo ela O contempla em Sua vida íntima na
medida em que O conhecemos experimentalmente como a alma de
nossa alma , a vida da nossa vida. Assim como tomamos conhecimento
de nossa alma em nossas açõ es, 112 assim, de certo modo, temos um
conhecimento quase experimental de Deus pela açã o que Ele exerce em
nó s e pela alegria e paz espirituais que dela experimentamos. 113 Assim,
Sã o Paulo diz: "Pois o pró prio Espírito dá testemunho ao nosso espírito
de que somos filhos de Deus". 114 Tal é de fato, como mostram Sã o
Tomá s e Joã o de Sã o Tomá s, o efeito do dom da sabedoria. Citaremos
em nota as fó rmulas do Mestre à s quais se deve recorrer
continuamente, como se verá a seguir. 115
O dom da sabedoria é , portanto, o mais perfeito de todos; exerce
sobre os outros dons a mesma influê ncia que a caridade exerce sobre
as virtudes que lhe estã o subordinadas. A sabedoria é , ao mesmo
tempo, eminentemente especulativa e prá tica; 116 aparece em algumas
almas especialmente sob a primeira forma, e em outras mais
particularmente sob a segunda. Assim, há santos chamados à vida
ativa, como Sã o Vicente de Paulo, que sob forma prá tica tê m, no
entanto, uma uniã o mística muito profunda com Deus. É isto que os faz
ver constantemente nos pobres, nos doentes e nas crianças
abandonadas, os membros sofredores de Cristo. É muito importante
observar essas formas prá ticas da vida mística, se quisermos entender
claramente o significado da doutrina que consideramos tradicional, e
se nã o quisermos aplicá -la materialmente da mesma maneira a todas
as almas. Sã o Paulo estava pensando neste dom quando disse:
"Todavia, falamos sabedoria entre os perfeitos. . . . Mas falamos a
sabedoria de Deus em misté rio, uma sabedoria que está oculta. . . .
Assim també m as coisas de Deus ningué m conhece, senã o o Espírito de
Deus. . Mas nó s temos a mente de Cristo." 117 Esta experiê ncia das
coisas divinas dá uma certeza que enche a alma de uma consolaçã o
inefável. 118 O dom da sabedoria corresponde assim à bem-aventurança
dos pacificadores, 119 que, no meio de tudo o que os pode perturbar,
preservam a paz profunda, a tranquilidade da ordem, para a comunicar
aos outros. Eles estã o acostumados a contemplar todas as coisas em
Deus, os acontecimentos imprevistos e mais dolorosos, assim como os
mais consoladores.
Este dom é -nos concedido segundo a medida da nossa caridade, em
virtude da sua íntima ligaçã o com a caridade. Alé m disso, podemos ver
nele, melhor do que nos outros dons, os trê s graus correspondentes aos
da caridade. No primeiro grau, a sabedoria nos mostra principalmente
a grandeza dos mandamentos de Deus e nos dá uma atraçã o pelo que é
bom. "Mas é bom para mim aderir ao meu Deus." 120 No segundo grau,
faz-nos ver quã o valiosos sã o os conselhos e como todos os cristã os
devem ter o espírito dos conselhos, mesmo quando a sua condiçã o nã o
permite a sua prá tica. Iluminada pela luz da contemplaçã o, a alma que
passa pela noite do espírito aprecia cada vez mais a cruz de Jesus; à s
vezes, até encontra nela uma doçura espiritual e uma "paz que excede
todo o entendimento". No terceiro grau, a alma é transformada pelo
dom da sabedoria. À luz desse dom, diz Sã o Tomá s, "o objetivo perfeito
é principalmente a uniã o e o gozo de Deus, e o desejo de ser dissolvido
e estar com Cristo". 121 Como Sã o Paulo, a alma sente prazer "nas
enfermidades, nas injú rias, nas necessidades, nas perseguiçõ es, nas
angú stias por Cristo". 122 Esta é a oitava bem-aventurança, a mais
elevada de todas. 123
Evidentemente, este terceiro grau do dom da sabedoria pertence à
vida mística propriamente dita, mesmo quando este grau de sabedoria
aparece sob uma forma prá tica, como acontece nos santos chamados à
vida ativa. Dionísio, o Cartuxo, seguindo os princípios de Sã o Tomá s,
traz isso à tona em sua descriçã o desse terceiro grau. Ele diz: "O
espírito nã o repousa mais em nenhuma coisa criada para si mesmo; ele
está completamente fixo na contemplaçã o das coisas divinas, uma
contemplaçã o que é muito pura, fá cil e doce, agora que as paixõ es sã o
acalmadas e a alma purificada ... até onde a fragilidade humana o
permite. Esta sabedoria pertence à queles que podem dizer com Sã o
Paulo (II Cor. 3: 18): 'Mas todos nó s, contemplando a gló ria do Senhor
com rosto aberto, somos transformados no mesmo imagem de gló ria
em gló ria, como pelo espírito do Senhor'. " 124 Todos nó s devemos
desejar esta sabedoria divina que normalmente aumenta com a
caridade, que deve crescer continuamente nesta vida. 125
O que é extraordiná rio é a contemplaçã o supereminente que
procede nã o só dos dons do Espírito Santo, mas de uma graça gratis
data , como a da profecia, ou aquela chamada por Sã o Tomá s de sermo
sapientiae . Alé m disso, depois de afirmar que todos os justos recebem
o dom da sabedoria na medida necessá ria à sua pró pria santificaçã o,
Sã o Tomá s acrescenta: "Alguns, poré m, recebem um grau mais elevado
do dom da sabedoria, tanto quanto à contemplaçã o das coisas divinas
(tanto conhecendo misté rios mais elevados e sendo capaz de
transmitir esse conhecimento a outros) quanto à direçã o dos assuntos
humanos de acordo com as regras divinas (por ser capaz de dirigir nã o
apenas a si mesmos, mas també m aos outros de acordo com essas
regras). a sabedoria nã o é comum a todos os que tê m a graça
santificante, mas pertence antes à s graças gratuitas”. 126 Devemos
observar també m que essas graças, como a profecia, nã o sã o
precisamente necessá rias para esse ato de contemplaçã o, mas
simplesmente ajudam a torná -lo mais completo e perfeito. 127 O que
seria ainda mais extraordiná rio é a visã o beatífica concedida de
maneira transitó ria nesta vida, como Santo Agostinho e Sã o Tomá s
pensaram que foi concedida a Moisé s e Sã o Paulo. 128
Este é o ensinamento do Doutor Angé lico sobre a inspiraçã o
especial do Espírito Santo nas almas dos justos e sobre o seu
progresso, que costuma acompanhar o da caridade. Se recordarmos
que, em sua opiniã o, a perfeiçã o da caridade nã o é apenas de conselho,
mas se enquadra no primeiro preceito como o fim para o qual todos
devem tender, cada um segundo sua condiçã o, 129 veremos cada vez
mais claramente que a contemplaçã o infusa, procedente do dom da
sabedoria, encontra-se verdadeiramente no caminho normal da
santidade e geralmente é concedida aos perfeitos.
Devemos agora fazer um estudo mais profundo do dom da sabedoria
em particular, e de sua relaçã o com a fé e com a contemplaçã o infusa.

ARTIGO VI
O Caráter Essencial da Contemplação Infusa; Como
Procede do Dom da Sabedoria e da Fé
Pelas razõ es que acabamos de expor, os teó logos comumente
ensinam que a contemplaçã o infusa procede formalmente dos dons do
Espírito Santo, particularmente do dom da sabedoria que nos faz
saborear os misté rios da salvaçã o e, por assim dizer, ver todas as
coisas em Deus. , assim como a sabedoria adquirida tenta julgar tudo
pela causa suprema e o fim ú ltimo. 1 O dom da compreensã o també m
contribui para a contemplaçã o, fazendo-nos penetrar nesses misté rios.
2 O dom do conhecimento també m pode ter uma participaçã o nisso,

manifestando-nos o vazio e a vaidade de todas as coisas criadas em


comparaçã o com Deus, ou revelando-nos, de uma maneira mais
impressionante do que anos de meditaçã o, a gravidade infinita de
pecado mortal. 3
Todas as tradiçõ es associam à s inspiraçõ es do dom da sabedoria
aquele conhecimento amoroso de Deus que é bem diferente do
conhecimento especulativo. Este conhecimento amoroso supõ e, junto
com a iluminaçã o especial do Espírito Santo, uma viva "conaturalidade
com as coisas divinas", 4 baseada na caridade infusa, uma atraçã o
totalmente sobrenatural da alma por Deus, que se faz sentir por ela
como a vida de é a vida. Este conhecimento vivo é um conhecimento
afetivo que se torna mais vivo, penetrante e doce porque o dom da
sabedoria cresce com a caridade e se relaciona com ela como as
virtudes infusas e os outros dons.
1. O ESPÍRITO DE SABEDORIA NAS ESCRITURAS

Esta doutrina, que é comumente aceita na Igreja, é manifestamente


fundada no que a Escritura nos diz sobre o espírito de sabedoria. Nã o
foi apenas do Messias que Isaías falou quando declarou: "E o espírito
do Senhor repousará sobre ele: o espírito de sabedoria e de
entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de
conhecimento e de piedade, e será cheio do espírito do temor do
Senhor”. 5 O Antigo Testamento aplica a todos os homens as seguintes
palavras, que já citamos: "Deus nã o ama a ningué m senã o aquele que
habita na sabedoria"; 6 "porque a sabedoria nã o entrará em uma alma
maliciosa, nem habitará em um corpo sujeito a pecados." 7 Sã o Joã o
escreve aos fié is: "Que a unçã o que recebestes dele permaneça em vó s...
A sua unçã o vos ensina todas as coisas, e é a verdade e nã o é mentira." 8
Sã o Paulo, depois de afirmar que "a caridade de Deus é derramada em
nossos coraçõ es, pelo Espírito Santo, que nos foi dado", 9 acrescenta:
"Porque nã o recebestes de novo o espírito de escravidã o no medo; mas
você recebeu o espírito de adoçã o de filhos, pelo qual clamamos: Abba
(Pai)." 10 "Todavia, falamos sabedoria entre os perfeitos; contudo, nã o a
sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo que se
reduzem a nada; mas falamos a sabedoria de Deus em misté rio, uma
sabedoria oculta, a qual Deus preordenou antes do mundo, para nossa
gló ria: o que nenhum dos príncipes do mundo conheceu; porque, se o
tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da gló ria. Mas,
como está escrito: Olhos nã o viram, nem ouvidos As coisas que Deus
preparou para os que O amam, mas nã o subiram ao coraçã o do homem,
mas a nó s Deus as revelou pelo Seu Espírito, porque o Espírito
perscruta todas as coisas, sim, as profundezas de Deus. Pois qual é o
homem que conhece as coisas do homem, senã o o espírito do homem
que está nele? Assim també m as coisas que sã o de Deus, ningué m sabe,
senã o o Espírito de Deus. Ora, nã o recebemos o espírito deste mundo,
mas o Espírito que é de Deus, para que conheçamos as coisas que nos
sã o dadas por Deus, as quais també m falamos, nã o em palavras
palavras de sabedoria humana, mas na doutrina do Espírito,
comparando as coisas espirituais com as espirituais. Mas o homem
sensual nã o percebe essas coisas que sã o do Espírito de Deus: porque
isso é loucura para ele, e ele nã o pode entender, porque é examinado
espiritualmente. Mas o homem espiritual julga todas as coisas, e ele
mesmo nã o é julgado por ningué m. Pois quem conheceu a mente do
Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nó s temos a mente de Cristo." 11
Estas palavras sobre a sabedoria pregada "entre os perfeitos" sã o
plenamente vividas apenas por almas elevadas à contemplaçã o
mística; especialmente para eles a unçã o do Espírito Santo "ensina
todas as coisas". Por Ele eles clamam a Deus em suas oraçõ es; eles
examinam as coisas profundas de Deus; eles antecipam tudo o que Ele
preparou para aqueles que O amam; conhecem experimentalmente
todas as riquezas já recebidas; e eles julgam todas as coisas, sejam
dolorosas ou prazerosas, referindo-as à gló ria de Deus. Novamente Sã o
Paulo escreve para todos os cristã os: "Mas todos nó s, contemplando a
gló ria do Senhor com rosto aberto, somos transformados na mesma
imagem de gló ria em gló ria, como pelo Espírito do Senhor." 12 Só na
contemplaçã o infusa é que esta transformaçã o de uma certeza se
realiza plenamente na terra.
Sem o conhecimento místico de Deus, como podemos possuir a
plena perfeiçã o da vida cristã ? "Agora todas as coisas boas vieram para
mim junto com ela." 13 Como diz o Apó stolo Sã o Tiago: "Mas a
sabedoria, que vem do alto, primeiro é verdadeiramente casta, depois
pacífica, modesta, fá cil de persuadir, consentindo no bem, cheia de
misericó rdia e de bons frutos, sem julgar, sem dissimulaçã o." 14
Os doutores da Igreja, seguindo o exemplo de Santo Agostinho e de
Sã o Gregó rio Magno, interpretaram essas passagens da Escritura como
referindo-se ao dom da sabedoria, ao princípio da contemplaçã o
infusa. A liturgia també m leva esta mensagem a todos os fié is no Veni
Creator. 15
2. O DOM DA SABEDORIA E A CONTEMPLAÇÃ O INFUSA SEGUNDO A TEOLOGIA
Sã o Tomá s, em conformidade com a tradiçã o, ensina que a
contemplaçã o é principalmente fruto do dom da sabedoria. Este dom é
uma disposiçã o infusa ( habitus infusus ) do intelecto, como a
contemplaçã o é um ato intelectual, 16 requerendo uma iluminaçã o do
Espírito Santo. Mas como o dom da sabedoria pressupõ e a caridade, a
contemplaçã o depende essencialmente també m da caridade, que nos
faz desejar conhecer melhor a Deus, nã o pela alegria de conhecer, mas
pelo pró prio Deus, para que possamos amá -lo mais. 17 Neste ato a
vontade aplica o intelecto à consideraçã o das coisas divinas de
preferê ncia a todas as outras (ordem de exercício), e també m (na
ordem de especificaçã o), pelo fato de que esta vontade é
fundamentalmente retificada e elevada por um eminente caridade,
essas coisas divinas nos parecem cada vez mais conformes à s nossas
mais altas aspiraçõ es. Pela experiê ncia aprendemos que eles
preenchem e superam essas aspiraçõ es e nunca deixam de elevá -las.
Consequentemente vivemos cada vez mais por Deus, pela sua bondade
suprema, que se faz sentir por nó s como a vida da nossa vida. Nó s
"provamos a doçura de Deus": "Prove e veja que o Senhor é doce". 18
Sã o Tomá s diz: "A sabedoria denota uma certa retidã o de julgamento
de acordo com a Lei Eterna. Ora, a retidã o de julgamento é dupla:
primeiro, devido ao perfeito uso da razã o, segundo, devido a uma certa
conaturalidade com o assunto sobre o qual se Assim, sobre assuntos de
castidade, um homem depois de indagar com sua razã o forma um
julgamento correto, se ele aprendeu a ciê ncia da moral, enquanto
aquele que tem o há bito de castidade julga tais assuntos por uma
espé cie de conaturalidade. , pertence à sabedoria que é uma virtude
intelectual pronunciar o julgamento correto sobre as coisas divinas,
depois que a razã o fez sua investigaçã o; mas pertence à sabedoria 19
como um dom do Espírito Santo para julgar corretamente sobre eles
por causa da conaturalidade com eles : assim diz Dionísio ( Div., Nom., ii
) que Hierotheus é perfeito nas coisas divinas, pois ele nã o apenas
aprende, mas també m é paciente com as coisas divinas. Agora, essa
simpatia ou conaturalidade com as coisas divinas é o resultado da
caridade, que nos une a Deus, segundo I Cor. 6: 17: Aquele que se une ao
Senhor é um só espírito." 20
Assim, o amor torna mais conhecido o objeto amado, affectus transit
in conditionem objecti , como diz Joã o de Sã o Tomá s, 21 "porque por ele e
pela experiê ncia afetiva esse objeto nos aparece cada vez mais
conforme à s nossas aspiraçõ es e intimamente unido a nó s. O intelecto
dirige-se assim para Deus, como se O tocasse experimentalmente.
Desta forma, o amor move o entendimento, aplicando-o à consideraçã o
( in genere causae effectivae ), e també m de maneira objetiva ( in genere
causae objectivae ), pois por esta experiê ncia, o objeto aparece bem
diferente do que sem ele" e se manifesta como supremamente
adequado, como a pró pria Bondade que é sentida. Foi isso que fez
nosso Senhor dizer: "Se algué m quiser fazer a vontade dEle (o Pai), pela
mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim
mesmo". 22 Este amor nos une mais intimamente a Deus do que o
conhecimento 23 abstrato; e pela experiê ncia que nos dá , faz-nos desejar
cada vez mais intensamente o conhecimento intuitivo da vida futura, a
visã o beatífica. Este verdadeiro pragmatismo, que zomba do
pragmatismo, nasce da caridade sobrenatural, que supõ e a fé .
Uma alma pode ter conhecimento afetivo pelo simples fato de que o
amor à caridade está unido ao ato de fé; é o que ocorre na oraçã o
afetiva, discursiva. Mas na contemplaçã o infusa há , além disso, uma
inspiraçã o e uma iluminaçã o especial do Espírito Santo. Este assunto foi
amplamente discutido no artigo 5 acima.
Quando é feita uma distinçã o, como freqü entemente ocorre nos
escritos dos padres e dos teó logos, entre iluminaçã o e inspiraçã o,
iluminaçã o especial é uma graça para o intelecto, inspiraçã o uma graça
para a vontade. Nesse sentido, falamos de conhecimento e amor
infundidos que nã o podemos produzir à vontade. Ninguém pode
estabelecer um limite para a crescente intensidade da iluminaçã o que o
dom da sabedoria nos torna aptos a receber. Esta iluminaçã o, como
veremos, pode sempre crescer em intensidade nesta vida, assim como a
caridade.
Essa contemplaçã o infusa é obscura porque é superior tanto a toda
imagem sensível quanto a toda ideia distinta. Este estado de
obscuridade transluminosa é , de fato, no que diz respeito à inteligê ncia,
o que constitui o fundamento do estado místico, segundo a opiniã o de
Dionísio, Sã o Joã o da Cruz e outros grandes mestres espirituais. É
muito difícil de descrever, pois é totalmente sobrenatural e supera
qualquer expressã o. Nele há algo semelhante a uma morte do
entendimento, que na realidade é uma nova vida incomparavelmente
superior, o verdadeiro prelú dio da vida do cé u. Sã o Joã o da Cruz deve
ser consultado sobre este ponto, que ele discute em A noite escura da
alma . Ele diz: "A imaginaçã o está limitada e incapaz de fazer quaisquer
reflexõ es proveitosas; a memó ria se foi; e o entendimento també m está
obscurecido e incapaz de compreender qualquer coisa." 24 As
faculdades sã o, por assim dizer, aniquiladas de acordo com seu modo
humano; aqui, há uma comunicaçã o mais profunda e vital do modo
divino de conhecer e amar. Sã o Joã o da Cruz 25 cita Sã o Tomá s (IIa IIae,
q. 180, a. 1) e acrescenta: "Isto acontece de maneira secreta, oculta, na
qual o funcionamento natural do entendimento e as outras faculdades
nã o tê m participaçã o E, portanto, porque as faculdades da alma nã o
podem alcançá -lo, e porque o Espírito Santo o infunde na alma de uma
maneira desconhecida por ela, como a Esposa declara no Câ ntico, é
chamado de 'secreto'. E nã o é só a alma que a ignora, mas todos os
demais, até mesmo o demô nio; porque o Mestre, que agora ensina a
alma, habita substancialmente nela onde nem o demô nio, nem o
entendimento, nem a razã o natural podem penetrar."
É por isso que encontramos tanta dificuldade em descrever
psicologicamente o que a teologia chama de modo sobre-humano dos
dons do Espírito Santo, especialmente do dom da sabedoria. Entre as
melhores descriçõ es está a que acabamos de citar, e també m a
passagem onde Santa Teresa 26 distingue a primeira oraçã o infusa
(recolhimento sobrenatural) da ú ltima das oraçõ es adquiridas que a
precederam. Citamos essa descriçã o acima (cap. 5, arts. 2, 3).
É importante, poré m, nã o acreditar com o protestantismo liberal e o
agnosticismo modernista que essa obscuridade transluminosa de
contemplaçã o infusa, que nã o traz nenhum conhecimento distinto,
possa prescindir de um Credo definido , ou que encontre um obstá culo
em tal Credo. 27 Ao contrá rio, essa obscuridade está no extremo oposto
da "peregrinaçã o instável da alma" com a qual o sentimentalismo ou a
teosofia se satisfazem. A isso se opõ e um tanto, como Deus, seu objeto,
se opõ e à maté ria prima, que é capaz de receber todas as formas. De
fato, a contemplaçã o infusa é o que dá cada vez mais claramente o
espírito das palavras, conceitos e fó rmulas de fé . Faz-nos assim, de
certo modo, ultrapassar as fó rmulas dos dogmas para entrar nas coisas
profundas de Deus, acreditando nos misté rios como sã o n'Ele, sem que
nos seja dado vê -los. Assim concebida, esta contemplaçã o, muito mais
profundamente do que qualquer estudo ou meditaçã o poderia,
permite-nos apreender as pará bolas evangé licas, os vá rios misté rios
da salvaçã o, as perfeiçõ es insondáveis de Deus, o misté rio supremo da
Divindade que os conté m a todos e o inefável relaçõ es das Pessoas
divinas.
Portanto, Sã o Tomá s, 28 seguindo Dionísio, distingue trê s graus
principais nesta contemplaçã o, de acordo com o brilho da iluminaçã o
do Espírito Santo, que tem um progresso intensivo ilimitado.
1) A alma contempla Deus no espelho das coisas sensíveis das quais
Ele é o autor, ou no espelho das pará bolas evangélicas, como por
exemplo a misericó rdia infinita na histó ria do filho pró digo. A alma
sobe de um fato sensível para Deus por um movimento reto, como o de
uma cotovia que sobe diretamente da terra para o céu. Ao pregar a
pará bola, nosso Senhor colocou Seus ouvintes nesta oraçã o.
2) A alma contempla Deus no espelho dos mistérios da salvaçã o, dos
mistérios do Verbo feito carne, da encarnaçã o, da redençã o, da Santa
Eucaristia, da vida da Igreja; mistérios que o rosá rio constantemente
coloca diante de nossos olhos para nos familiarizar com eles. Neste
espelho espiritual a alma contempla a bondade de Deus. Ele
compreende cada vez melhor a harmonia desses mistérios e passa de
um a outro por um movimento oblíquo aná logo ao de um pá ssaro que,
já no alto, voa de um ponto a outro, com o olhar perdido nas
profundezas azuis do céu. .
3) A alma contempla Deus em si mesmo, nã o como os bem-
aventurados no cé u, mas na penumbra da fé . Aqui a alma se elevou
acima da multiplicidade de imagens e ideias sensíveis. Vê , mas um
pouco indistintamente, que Deus nosso Pai, que é infinitamente bom, é
superior a qualquer ideia que possamos ter Dele; e vê que Sua bondade
supera tudo o que Ele mesmo poderia colocar em fó rmulas humanas
para nó s, assim como o cé u inclui todas as estrelas que manifestam
suas profundezas para nó s. A alma nã o apenas diz a si mesma essas
coisas, que todo filó sofo pode pensar, mesmo estando em estado de
pecado mortal; mas, sob a inspiraçã o do Espírito Santo, por um
conhecimento amoroso e quase experimental, está totalmente unido a
esse Deus desconhecido; santa e doce ignorâ ncia, superior a todo
conhecimento. Este é o puro movimento contemplativo que recolhe a
alma somente em Deus acima de todas as coisas, como Dionísio o
descreve em Os Nomes Divinos. 29 Esta oraçã o tem sido comparada ao
movimento circular de uma á guia no ar, ou ao movimento de um
pá ssaro pairando como se estivesse suspenso e parecendo imó vel.
Essa imobilidade é muito mais perfeita do que o movimento variado
que a precedeu. Como um movimento circular nã o tem começo nem
fim, nã o há aqui mé todo, pois nã o se parte de princípios para chegar a
conclusõ es. Sob a iluminaçã o do Espírito Santo, é verdadeiramente
simplex intuitus veritatis , a simples intuiçã o das verdades divinas na
obscuridade da fé e a impetuosidade do amor que misteriosamente
nos une a Deus. 30 A oraçã o sacerdotal de Cristo no Evangelho de Sã o
Joã o 31 dá -nos a ideia desta contemplaçã o circular. Um argumento com
maior, menor e conclusã o nã o deve ser buscado nele; pelo contrá rio, é
composto, por assim dizer, de ondulaçõ es luminosas que descem do
cé u até nó s.
Essa contemplaçã o circular nã o se assemelha à meditaçã o ou à
especulaçã o abstrata sobre a essência divina, assim como uma
circunferência nã o se assemelha a um polígono nela inscrito; na
proporçã o em que a circunferência é simples, a outra é complexa.
Muitas vezes, os comentá rios sobre as obras dos santos dã o a mesma
impressã o desse polígono; em vã o multiplicaríamos seus lados na
tentativa de torná -los idênticos ao círculo que os encerra.
Como pode ser visto em seu Comentário sobre os Nomes Divinos , 32
Sã o Tomá s segue Dionísio. Acima da teologia simbó lica, que fala de
Deus em metá foras, e acima da teologia especulativa, que se expressa
em termos menos impró prios e que raciocina sobre as perfeiçõ es e
misté rios divinos, há "um conhecimento perfeito de Deus, obtido pela
ignorâ ncia em virtude da uma uniã o incompreensível. Isso ocorre
quando a alma, deixando todas as coisas e esquecendo-se de si mesma,
se une aos esplendores da gló ria divina e se ilumina nas profundezas
esplê ndidas da sabedoria insondável." 33 Só quem recebeu esta graça
pode compreender claramente tudo o que estas palavras exprimem.
Sã o Tomá s acrescenta: "Conhecemos Deus por ignorâ ncia, por uma
certa uniã o com o divino que está acima da natureza da mente... e
assim conhecendo a Deus, em tal estado de conhecimento, a alma é
iluminada desde as profundezas da Sabedoria divina, que nã o podemos
escrutinar." 34
Alcançamos o misterioso oceano do ser, que é superior à substâ ncia,
à vida e à luz, apenas pelo repouso das faculdades superiores, nã o pelo
raciocínio ou pela visã o de Deus, mas por uma uniã o mais amorosa e
íntima ". por uma espé cie de iniciaçã o que nenhum mestre pode
ensinar." 35 Dionísio diz: “Desejamos entrar nessa obscuridade
transluminosa e ver e conhecer, pelo pró prio fato de nã o ver e nã o
saber, Aquele que está acima de toda visã o e de todo conhecimento.
suprasubstancial quando declara que o suprasubstancial nã o é nada
daquilo que os outros seres sã o”. 36 "O bom Ser . . . afasta a ignorâ ncia e
o erro de todas as almas nas quais Ele reina; Ele lhes dispensa toda a
luz sagrada. . . . Primeiro Ele lhes dá um pouco de luz; entã o quando,
tendo provado, eles Desejando-a em maior abundâ ncia, Ele a distribui
a eles com maior generosidade. Porque eles amaram muito, Ele os
inunda com esta luz; 37
A alma nã o pode por seus pró prios esforços alcançar esta
contemplaçã o infusa, mas deve preparar-se para recebê -la. Isso deve
ser feito pela oraçã o e mortificaçã o, 38 e deixando de lado os sentidos e
o raciocínio: "Quanto a ti, ó bem amado Timó teo, exercita-te
incessantemente na contemplaçã o mística. Deixa de lado os sentidos e
as operaçõ es do entendimento, tudo o que é material e intelectual,
todas as coisas que existem e as que nã o existem, e por um voo
sobrenatural une-te o mais intimamente possível com Aquele que está
acima de todo ser e de todo conhecimento. Pois é por este abandono
sincero, espontâ neo e total de de ti mesmo e de todas as coisas que,
livre e desprendido de todos os laços, te lançará s no misterioso
esplendor da obscuridade divina”. 39
"Esta uniã o íntima, que ultrapassa o alcance das mentes nã o-
místicas, é uma fusã o produzida pelo amor divino... pois o amor é uma
força unificadora." 40 É a perfeiçã o nesta terra da "deificaçã o da alma".
41

"O conhecimento místico", diz Santo Alberto Magno, 42 "nã o procede


das descobertas da razã o, mas sim de uma certa luz divina. O objeto
apreendido pela alma (o pró prio Deus) age tã o fortemente sobre o
intelecto que a alma deseja a qualquer preço unir-se a ele. Como esse
objeto está acima do alcance do intelecto, nã o se dá a ele claramente
conhecido; consequentemente, o entendimento repousa sobre algo que
nã o é determinado.
Esta contemplaçã o nos dá uma presciê ncia das perfeiçõ es divinas,
que sã o idê nticas entre si, sem se excluir, na eminê ncia da Divindade.
Mostra-nos como a justiça infinita se harmoniza com a misericó rdia
infinita, sem deixar de ser justiça; como a misericó rdia soberana nã o
poderia existir sem ser idê ntica a essa justiça, em aparê ncia tã o
contrá ria a ela. 43 A alma é introduzida nas trevas divinas, de que fala
Dionísio e que tã o maravilhosamente louva a Beata  ngela de Foligno,
44 por um conhecimento especulativo e quase experimental de que

Deus na sua vida íntima, naquilo que o constitui como tal (na sua
natureza como Deus) é , por assim dizer, superior ao ser, verdade, bem,
sabedoria, amor, misericó rdia e justiça; e que, no entanto, essas
perfeiçõ es divinas estã o nele formalmente de maneira eminente, sem
nenhuma distinçã o real.
Como pode a alma conhecer desta forma aquela Divindade, que é
comum à s trê s Pessoas divinas e da qual elas nã o sã o na realidade
distintas? Só a graça nos permite conhecê -lo desta forma, porque a
graça é precisamente uma participaçã o real e formal nesta Divindade,
na natureza divina como tal. Considerando que uma pedra se
assemelha a Deus porque tem existê ncia; uma planta, porque tem vida;
e o homem natural, porque é dotado de inteligê ncia; a graça nos torna
semelhantes a Deus precisamente enquanto Ele é Deus, em sua
Divindade, superior ao ser, à vida e ao pensamento. Essa relaçã o
pertence a uma ordem bastante superior a um milagre sensível e à s
profecias de possíveis eventos futuros. 45 Tal é esta conaturalidade, esta
semelhança natural com Deus, a graça das virtudes e dos dons. Faz da
alma justa, por assim dizer, uma harpa eó lica que, sob o sopro do
Espírito Santo, emite os sons mais harmoniosos, os mais doces e os
mais brilhantes, os mais penetrantes e os mais solenes. Assim como
um novo leitmotiv, a princípio imperceptível e distante, pouco a pouco
surge, se aproxima, nos envolve e acaba dominando tudo, assim a
misteriosa harmonia do dom da sabedoria surge em nossa alma. A
princípio, seu modo sobre-humano mal aparece, e depois de maneira
bastante negativa pelo desaparecimento do modo humano de pensar.
Como diz Sã o Joã o da Cruz, 46 a meditaçã o torna-se impossível ou
impraticável; a alma nã o deseja fixar sua imaginaçã o em nenhum
objeto particular interior ou exterior; agrada-se em oraçã o encontrar-
se a só s com Deus e fixar sua atençã o amorosamente nEle. Este é o
começo da intimidade divina.
A teologia, pelo que ensina sobre o dom da sabedoria, faz-nos
conhecer ontologicamente o organismo espiritual da contemplaçã o;
mas deixa para os místicos a descriçã o dos sinais psicoló gicos que
correspondem à contemplaçã o. Permanece assim uma ciê ncia superior,
distinta da eminente arte da direçã o de almas, que é a sua aplicaçã o.
Podemos ver deste ponto de vista por que Sã o Tomá s (IIa IIae, q. 180)
trata a contemplaçã o de maneira formal. Ele determina sua essê ncia,
que se encontra analogicamente tanto na contemplaçã o filosó fica
quanto na contemplaçã o infusa; 47 mas nã o descreve os diferentes tipos
desta ú ltima segundo os signos psicoló gicos e materiais que a
manifestam. Santa Teresa é essencialmente descritiva; Sã o Joã o da
Cruz, ao mesmo tempo místico e teó logo, coloca-se entre os dois.
Vá rios autores cometem um erro ao querer discernir qual desses trê s
pontos de vista é o mais elevado. Na grande sobriedade de sua
linguagem, Sã o Tomá s exprime a essê ncia das coisas; sem escrever
sobre teologia mística, ele nos deu seus princípios.
III. PREDOMINÂ NCIA PROGRESSIVA DO MODO DIVINO DO DOM DA SABEDORIA NA ORAÇÃ O

Quando dizemos que o progresso espiritual exige normalmente o


predomínio progressivo do modo divino dos dons do Espírito Santo
para remediar o modo imperfeito das virtudes infusas, e quando
acrescentamos que a vida mística se caracteriza precisamente por esse
predomínio e por perfeita docilidade ao Mestre interior, nã o queremos
reservar ao estado místico a intervençã o dos dons do Espírito Santo,
nem excluir deste estado o exercício das virtudes. Ao contrá rio, sempre
dissemos que, antes da entrada no estado místico, os dons intervê m de
maneira que pode ser latente e bastante frequente, ou pode ser
manifesta, mas rara. 48 Quando esta intervençã o se torna frequente e
manifesta, entã o começa a vida mística, caracterizada por esta
predominâ ncia do modo divino dos dons, 49 enquanto a vida ascé tica é
caracterizada pelo modo humano das virtudes.
O que nã o admitimos é que os dons devam entrar em jogo toda vez
que a alma recebe uma graça atual; porque uma graça atual é
necessá ria até para o exercício mais imperfeito das virtudes cristã s,
pois remissi age notavelmente abaixo do grau de caridade que
possuímos. Nesses atos nã o se vê influê ncia dos dons. 50 Seria um erro
confundir a graça atual, primeiro excitante, depois cooperativa, que nos
move a deliberar bem de acordo com o modo humano, a querer e a agir
em conseqü ê ncia, com a inspiraçã o do Espírito Santo, para que os dons
nos tornam dó ceis, sem que tenhamos que deliberar segundo o modo
humano. 51 Pode ser que uma inspiraçã o latente acompanhe com
bastante frequê ncia a deliberaçã o e o trabalho humano, assim como
uma brisa facilita o trabalho de um homem que está remando; mas o
modo divino de agir permanece especificamente distinto do modo
humano. Quando o modo divino predomina em um ato ou estado a tal
ponto que este ato e este estado nã o podem ser produzidos por nossa
indú stria ou atividade humana auxiliada pela graça real necessá ria
para o exercício das virtudes, entã o esse estado é chamado de passivo.
Por exemplo, quando o vento sopra com tanta força que um barco
avança sem a necessidade de remar, seu avanço nã o depende da
atividade do remador. Há , portanto, mais do que uma diferença de grau
entre o modo humano das virtudes e da correspondente graça atual e o
modo divino dos dons do Espírito Santo; há uma diferença específica.
Essa diferença específica nã o existiria se o movimento divino fosse
apenas mais intenso. A diferença decorre do fato de que a regulaçã o
objetiva do ato é formalmente diversa, conforme procede da razã o, que,
iluminada pela fé , delibera de maneira humana; ou da inspiraçã o do
Espírito Santo, superior a todas as deliberaçõ es humanas e a todo
processo discursivo, seja intrínseco à prudê ncia, seja disponha a alma a
fazer no momento desejado atos de fé , esperança ou caridade. 52
Esta diferença aparece na contemplaçã o infusa especialmente no
seu início e no seu progresso. É ú til recordar a ascensã o descrita por
Santa Teresa e Sã o Joã o da Cruz. Na aridez da noite dos sentidos, o dom
do conhecimento domina, fazendo-nos conhecer sobretudo a vaidade
das coisas criadas; 53 na noite da alma, o dom da compreensã o 54
mostra-nos nã o tanto a bondade de Deus como a sua infinita majestade
e, pelo contrá rio, a nossa misé ria. Entre as duas noites e especialmente
apó s a segunda, o modo sobre-humano do dom da sabedoria nã o é
apenas latente, mas torna-se cada vez mais manifesto para um diretor
espiritual experiente. A alma, sob a iluminaçã o do Espírito Santo,
possui assim este conhecimento quase experimental por
conaturalidade com as coisas divinas. Esse conhecimento certamente
nã o pode ser obtido à vontade; enquanto algué m pode à vontade, com
uma graça real, fazer um ato de fé mesmo quando em estado de pecado
mortal.
Em algumas almas perfeitas, essa predominâ ncia do modo sobre-
humano do dom da sabedoria é marcante (e à s vezes até acompanhada
de graces gratis datae , de luz profética); em outros é difuso, mas
mesmo assim muito real. Nessas almas, os dons prá ticos de conselho,
fortaleza e temor, ou os de piedade e conhecimento, sã o mais
manifestos. Mas estã o verdadeiramente sob a direçã o do espírito de
sabedoria, e sua luz, como aquela difusa no ar, sem atrair o olhar, tudo
penetra e dá a toda vida um tom superior, tã o apreciável quanto a
diferença entre o dia e a noite.
Esta graça da contemplaçã o infusa, mesmo no estado difuso,
certamente difere das consolaçõ es sensíveis que à s vezes
acompanham a oraçã o vocal ou a meditaçã o dos iniciantes. Santa
Teresa marca claramente esta diferença 55 ao mostrar o que distingue
"os gostos espirituais das consolaçõ es adquiridas na meditaçã o". "Nó s
garantimos o ú ltimo", diz ela, "por nossas reflexõ es, por meio de
consideraçõ es sobre as coisas criadas e por um penoso trabalho do
entendimento. E como, afinal, eles sã o o fruto de nossos esforços, eles
preenchem ruidosamente bacia de nossa alma com algum proveito
espiritual". O santo també m compara essas consolaçõ es adquiridas à
á gua que vem por canos à distâ ncia. Ao contrá rio, ao falar
simbolicamente das consolaçõ es de Deus, que em outro lugar ela
chamou de oraçã o de silê ncio, ela escreve: “Na outra fonte, a á gua
procede da mesma fonte, que é Deus. Majestade para nos conceder um
favor espiritual, esta á gua brota das profundezas mais íntimas de
nosso ser com extrema paz, tranquilidade e doçura. Mas de onde ela
brota e de que maneira, isso eu nã o sei."
É possível ter um certo conhecimento afetivo de Deus pelo simples
exercício da fé unida à caridade. É o caso das consolaçõ es adquiridas
na meditaçã o, nas quais a emoçã o pode ter grande participaçã o. 56 A
contemplaçã o infusa, alé m disso, requer uma iluminaçã o ou inspiraçã o
especial do Espírito Santo, à qual precisamente, como vimos, o dom da
sabedoria nos torna dó ceis.
Este dom, como os outros seis dons e as virtudes infusas, está
relacionado com a caridade e certamente cresce com ela. Em uma alma
verdadeiramente dó cil, a contemplaçã o infusa deve entã o aparecer
normalmente e depois se desenvolver. Conseqü entemente,
normalmente deveria haver uma predominâ ncia progressiva, marcante
ou difusa, do modo divino do dom da sabedoria sobre o modo humano
de meditaçã o ou de oraçã o adquirida. Assim aparece a oraçã o
sobrenatural de que fala Santa Teresa. Esta oraçã o, que deve sempre
unir mais intimamente a alma a Deus, à s vezes é acompanhada de
êxtase, de palavras interiores ou mesmo de visõ es. No entanto, essas
coisas sã o apenas fenô menos acidentais e transitó rios que passam,
enquanto a contemplaçã o infusa continua. Se a luz da profecia ( lumen
propheticum ) à s vezes coopera nesta contemplaçã o, é de maneira
concomitante. As graças gratis datae pertencem a uma ordem inferior à
das virtudes e dons. 57 Com isso em mente, podemos facilmente
harmonizar quatro opiniõ es recentemente propostas quanto à
natureza do estado místico. 58 A primeira sustenta que consiste em um
conhecimento infuso de Deus e das coisas divinas; o segundo, em um
amor infuso; o terceiro, em uma passividade especial da alma mais
influenciada do que atuante; e a quarta, numa atençã o simples e
amorosa a Deus. A ú ltima nã o pode, de fato, prolongar-se sem uma
intervençã o bastante manifesta dos dons. 59
4. SE A CONTEMPLAÇÃ O PROCEDE EXCLUSIVAMENTE DO DOM DA SABEDORIA, OU TAMBÉ M
DA FÉ UNIDA À CARIDADE

Seria um erro, como vimos, declarar que a intervençã o dos dons do


Espírito Santo é reservada ao estado místico. Certamente seria outro
erro excluir o exercício das virtudes teologais do estado místico. Ao
contrá rio, o estado místico, segundo os grandes mestres, consiste no
mais perfeito exercício dessas virtudes, que sã o as mais elevadas de
todas. Como conciliar esta afirmaçã o com o que acabamos de dizer
sobre a predominâ ncia do modo divino dos dons neste estado?
Alguns escritores parecem sustentar que a contemplaçã o nã o é um
ato de fé , mas que pressupõ e um ato de fé , ao mesmo tempo distinto e
simultâ neo a ela, como a deduçã o de uma conclusã o teoló gica
pressupõ e o conhecimento dos princípios da fé . Esta concepçã o parece
conformar-se ligeiramente com a perfeita simplicidade do acto
contemplativo, nada discursivo, que se debruça imediatamente sobre
os misté rios da fé , penetrando-os e degustando-os. Alé m disso, os
maiores místicos, como Sã o Joã o da Cruz, sempre declaram que a
contemplaçã o infusa é um ato eminente de fé viva. Evidentemente, eles
significam fé unida ao dom da sabedoria, e em grau superior a esse
dom. 60 Portanto, juntamente com Caetano, 61 José do Espírito Santo, 62 e
vá rios outros comentadores de Sã o Tomá s, 63 pensamos que nã o há
dois atos simultâ neos, mas que a contemplaçã o infusa é um ato que
procede, na medida em que no que diz respeito à sua substâ ncia, da fé
infusa e, no que diz respeito ao seu modo sobre-humano, do dom da
sabedoria. O contemplativo perfeito é aquele que vive pela fé e que,
acreditando nos misté rios sobrenaturais, os penetra, sonda suas
profundezas, os saboreia e os assimila, ou melhor, se deixa assimilar
por eles. É aquele que nã o se contenta em crer, mas que vive
plenamente a sua fé ( justus ex fide vivit ), e julga tudo segundo ela, isto
é , segundo o pró prio pensamento de Deus, como se visse com os olhos
de Deus. Deus. A caridade també m coopera na contemplaçã o, pois a
caridade é o que nos move a contemplar a Deus para que possamos
amá -lo melhor. 64
Este parece ser o significado da afirmaçã o de Sã o Tomá s de que: "Os
dons aperfeiçoam as virtudes elevando-as acima do modo humano;
como o dom do entendimento aperfeiçoa a virtude da fé". 65 «As
virtudes teologais (que nos unem ao Espírito Santo) sã o superiores
aos dons que regulam», 66 e, no entanto, recebem delas uma nova
perfeiçã o. "A operaçã o que procede da virtude aperfeiçoada pelo dom é
chamada de bem-aventurança." 67
V. OS FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO E AS BEM-AVENTURANÇAS

Pelos dons do Espírito Santo, a alma justa torna-se, por assim dizer,
um instrumento musical do qual o Mestre interior pode extrair
maravilhosas harmonias: "Instrumentum musicum a Spiritu pulsatum
divinamque gloriam et potentiam canens". 68 A alma canta assim a
gló ria de Deus, fato demonstrado por cada pá gina da vida dos santos.
As Escrituras comparam um homem justo a uma á rvore plantada
perto de á gua corrente e que dá seu fruto no devido tempo. 69 "O fruto
do Espírito é caridade, alegria, paz, paciê ncia, benignidade, bondade,
longanimidade, mansidã o, fé , modé stia, continê ncia e castidade." 70
Em que esses frutos diferem das virtudes e dos dons? Como explica
Sã o Tomá s, 71 nã o sã o há bitos, mas atos que procedem em nó s da
influê ncia do Espírito Santo e nos quais o homem se deleita. Opõ em-se,
portanto, ao que se pode chamar de frutos da razã o.
As bem-aventuranças sã o ainda maiores. Por este termo
designamos certos atos da vida presente que, em razã o de sua
perfeiçã o muito especial, sã o o penhor, a causa meritó ria e como que as
primícias da bem-aventurança perfeita. 72 "Em razã o de sua perfeiçã o,
eles sã o atribuídos aos dons e nã o à s virtudes." 73
"Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos
cé us." 74 A virtude da pobreza pode inspirar o desapego que nos faz
usar com moderaçã o os bens da terra; mas é o dom do medo que
inspira desprezo por eles em comparaçã o com bens superiores.
"Bem-aventurados os que choram, porque serã o consolados." É o
dom do conhecimento que nos mostra a vaidade do bem transitó rio, a
gravidade do pecado como mal espiritual, como ofensa a Deus. Feliz
aquele que derrama as lá grimas de uma santa contriçã o.
"Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirã o a terra." A
virtude da mansidã o nos faz vencer completamente a impetuosidade da
raiva; mas é especialmente o dom da piedade que confere calma,
serenidade, perfeito domínio de si e inteira submissã o à vontade de
Deus.
Essas três sã o as bem-aventuranças da fuga e libertaçã o do pecado.
As duas seguintes, como diz Sã o Tomá s, sã o as bem-aventuranças da
vida ativa do cristã o que, liberto do mal, se empenha na busca do bem
com todo o ardor do coraçã o.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serã o
saciados." Desejar a justiça, a ordem perfeita, é o efeito das virtudes;
mas ter fome e sede dela, ser atormentado por essa fome, é fruto de
uma inspiraçã o mais elevada.
Esta sede de justiça nã o deve tornar-se um zelo amargo em relaçã o
aos culpados; consequentemente, nosso Senhor diz: "Bem-aventurados
os misericordiosos, porque eles obterã o misericó rdia". Atentos aos
sofrimentos dos outros, os misericordiosos sabem dar aquele conselho
que reanima e encoraja. Assim, o espírito de conselho corresponde a
esta bem-aventurança.
Esta uniã o de justiça e misericó rdia é um dos sinais mais marcantes
da presença de Deus na alma; pois só Ele pode harmonizar
intimamente virtudes aparentemente tã o contrá rias.
Por ú ltimo, temos as bem-aventuranças da vida contemplativa.
"Bem-aventurados os limpos de coraçã o, porque eles verã o a Deus." Um
coraçã o verdadeiramente puro é como uma fonte límpida onde Deus se
reflete também nesta vida. O dom da compreensã o nos permite
vislumbrar a beleza divina, proporcionalmente à crescente pureza de
nossa intençã o.
"Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serã o chamados
filhos de Deus." Segundo Santo Agostinho e Sã o Tomá s, esta bem-
aventurança corresponde ao dom da sabedoria que nos faz ver, por
assim dizer experimentalmente, todas as coisas em Deus; pois todo
bem vem Dele, e o mal ocorre apenas quando é permitido em vista de
um bem maior. O dom da sabedoria revela assim a ordem admirável do
desígnio providencial. Ora, a paz é a tranquilidade da ordem. Uma alma
contemplativa nã o possui apenas paz; pode comunicá -lo a outros. Uma
alma contemplativa nã o se deixa perturbar em sua parte superior por
acontecimentos dolorosos e inesperados; recebe tudo da mã o de Deus
como meio ou ocasiã o para se aproximar dEle. A sabedoria confere
uma paz radiante, levando-nos a amar nossos inimigos. É a marca dos
verdadeiros filhos de Deus que nunca por um instante, por assim dizer,
perdem o pensamento de seu Pai celestial. No início de sua vida, uma
alma manchada de egoísmo, muitas vezes se preocupava consigo
mesma, e talvez remetesse tudo a si mesma; agora é o pensamento de
Deus que o possui, e tudo se refere a Ele. Esta paz, que é fruto do dom
da sabedoria e que o mundo nã o pode dar, só se encontra plenamente
na terra na vida mística, que se caracteriza precisamente por este dom,
unida à caridade perfeita e à fé muito viva. É isto que faz Sã o Paulo
dizer aos filipenses: 75 «Alegrai-vos sempre no Senhor; oraçõ es e
sú plicas, com açã o de graças, apresentem as vossas petiçõ es a Deus. E
a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guarde os vossos
coraçõ es e os vossos pensamentos em Cristo Jesus."
Tal é o fruto daquela sabedoria que a Escritura elogia com estas
palavras: "E eu a preferi a reinos e tronos, e nada estimei riquezas em
comparaçã o com ela... Pois todo ouro em comparaçã o com ela é como
um pouco de areia, e a prata em relaçã o a ela será considerada como
barro. Eu a amei acima da saú de e da beleza, e escolhi tê -la em vez da
luz: porque sua luz nã o pode ser apagada. Agora todas as coisas boas
vieram a mim junto com ela, e inumeráveis riquezas por suas mã os. E
eu me regozijei em tudo isso: porque esta sabedoria me precedeu, e eu
nã o sabia que ela era a mã e de todas elas. A qual eu aprendi sem dolo, e
comunico sem inveja, e suas riquezas eu nã o escondo . Pois ela é um
tesouro infinito para os homens, que aqueles que a usam se tornam
amigos de Deus. 76 "E se um homem deseja muito conhecimento: ela
conhece as coisas passadas e julga as coisas futuras: ela conhece as
sutilezas dos discursos e as soluçõ es dos argumentos. . . . ." 77 . . .
"Senhor misericordioso,... dá -me a sabedoria que está sentada ao lado
do Teu trono e nã o me rejeites dentre os Teus filhos... Envia-a do Teu
santo cé u e do trono da Tua majestade, para que ela seja comigo, e
trabalhe comigo, para que eu saiba o que é aceitável para Ti. . . . Pois
quem entre os homens é aquele que pode conhecer o conselho de
Deus? E quem conhecerá Teu pensamento, a menos que Tu dê s
sabedoria e envies Teu Espírito Santo do alto." 78 Que oraçã o mais bela
poderia ser encontrada para pedir a Deus com humildade e confiança o
espírito de sabedoria, que é o princípio da contemplaçã o e a fonte da
paz?
À bem-aventurança dos pacificadores acrescenta-se a ú ltima, que é
a confirmaçã o e manifestaçã o das demais: "Bem-aventurados os que
sofrem perseguiçõ es por causa da justiça, porque deles é o reino dos
cé us". Quando o homem é confirmado na pobreza espiritual, na
mansidã o, no amor à justiça e nas outras bem-aventuranças, a
perseguiçã o nã o tem poder para afastá -lo destes bens e privá -lo da paz
e da alegria interior. Assim, a alma é marcada com a semelhança de
Cristo crucificado pelas ú ltimas provaçõ es pelas quais passa para
alcançar a santidade. Entã o compreende de maneira prá tica as palavras
de nosso Senhor: "Bem-aventurados sois vó s, quando vos injuriarem e
perseguirem e, mentindo, falarem todo o mal contra vó s por minha
causa. grande no cé u." 79 Nã o sã o estas as palavras que fizeram nascer
no coraçã o dos santos a sua sede de sofrimento e martírio?
Assim, os dons do Espírito Santo que estã o em cada alma justa e que
se desenvolvem normalmente, como há bitos infusos de caridade,
preparam-nos progressivamente para os atos mais elevados e heroicos
da vida espiritual. A palavra "mística" é corretamente aplicada à vida
espiritual que alcançou esse grau de intimidade com Deus. Em algumas
almas perfeitas manifestam-se especialmente os dons da contemplaçã o;
em outros, os da açã o. Mas mesmo entre estes ú ltimos, o espírito de
sabedoria é o que dirige suas vidas e ilumina a todos com sua luz
difusa.
CAPÍTULO VI
O CHAMADO À C ONTEMPLAÇÃ O OU À V IDA MÍSTICA

ARTIGO I
Os Diferentes Significados da Palavra "Chamar "
Iremos considerar o chamado geral e remoto, o chamado individual e
pró ximo, o chamado suficiente e o chamado eficaz.
Quando se discute o chamado à contemplaçã o mística, propriamente
assim denominado, e se questiona se esse chamado é geral ou
particular, precisamos de uma definiçã o clara da palavra "chamado" ou
"vocaçã o", que podem ter significados muito diferentes. aceitaçõ es.
Em primeiro lugar, "chamado à vida mística" nã o significa
ressuscitado, conduzido, escolhido ou predestinado à vida mística.
"Pois muitos sã o chamados, mas poucos escolhidos", sã o as palavras
usadas na pará bola dos convidados do casamento. 1
teó logos observam 2 que a vocaçã o pode ser tanto exterior, ou seja,
pode vir atravé s do Evangelho, pregaçã o, direçã o, leitura; ou interior,
por uma graça de luz e atraçã o. 3. A chamada exterior é geral quando se
dirige a todos indistintamente; torna-se individual quando atinge tal
ou tal em particular. Assim, todos os pagã os sã o chamados de modo
geral à vida cristã pelo Evangelho, antes que tal ou tal seja chamado de
maneira individual.
A vocaçã o pode, pelo contrá rio, ser especial quando se dirige apenas
a um grupo de homens, como a vocaçã o ao sacerdó cio. Pode até ser
muito especial e ú nico, como a vocaçã o de Maria, Mã e de Deus, ou a de
Sã o José. Pode ser muito particular, como o de um fundador de uma
ordem religiosa, ou mesmo como o de ingressar em uma determinada
ordem, por exemplo, os Cartuxos.
A vocaçã o interior pode ser, como a graça suficiente, remota ou
pró xima. Visto que "a graça habitual das virtudes e dos dons", que
todos os justos possuem, atinge a plenitude de seu desenvolvimento
normal somente na vida mística propriamente dita, todos os justos sã o
chamados a esta vida de maneira remota. Esta é a nossa opiniã o, assim
como a dos autores que admitem o chamado geral à vida mística. Santa
Teresa encontrou este ensinamento expresso em vá rias passagens da
Escritura, duas das quais ela cita 4 em O Caminho da Perfeição. 5
Mesmo na opiniã o desses autores, nem todas as almas recebem
individualmente a vocaçã o pró xima à vida mística. Esta vocaçã o existe
apenas quando os trê s sinais mencionados por Sã o Joã o da Cruz, e
antes dele por Tauler, podem ser comprovados como existentes na
alma: (1) a meditaçã o torna-se impraticável; (2) a alma nã o deseja fixar
sua imaginaçã o em nenhum objeto particular interior ou exterior; (3) a
alma se deleita em estar a só s com Deus e em fixar sua atençã o
amorosa nEle. 6 Explicaremos esses sinais mais adiante (pp. 372 e
seg.).
Essa vocaçã o pró xima à vida mística pode ser suficiente ou eficaz,
como encontramos na pará bola das bodas. Cada um dos convidados foi
chamado individualmente. “O reino dos cé us é semelhante a um rei que
celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos para chamar os
convidados para as bodas; caminhos, um para a sua fazenda, e outro
para o seu negó cio. . . . Entã o disse aos seus servos: As bodas, de fato,
estã o prontas; mas os convidados nã o eram dignos. Ide, pois, pelos
caminhos; e tantos quantos acharem, chamem para o casamento." 7
"Eficaz" pode, neste caso, ser entendido ou no sentido tomista, que é
o nosso, ou no sentido molinístico. Os tomistas encontram maior
gratuidade no dom de Deus porque, segundo Sã o Tomá s, a graça é
eficaz por si mesma e nos conduz doce e firmemente ao salutar
consentimento que ela produz em nó s e conosco. Na opiniã o de Molina,
a graça se torna eficaz pelo nosso bom consentimento, cuja livre
determinaçã o, como determinaçã o, viria exclusivamente de nó s e nã o
de Deus. 8
Embora os tomistas costumem dizer que o chamado remoto à vida
mística é geral, eles em nada diminuem a gratuidade do chamado
individual, pró ximo. Eles pressupõ em sempre o misté rio da
predestinaçã o, como o compreendem Santo Agostinho e Sã o Tomá s. 9
Alé m disso, a vocaçã o pró xima à vida mística pode ser adiada, como
a dos trabalhadores da undé cima hora, que recebiam tanto quanto os
que haviam sido chamados anteriormente. No final desta pará bola 10 e
da festa de casamento, nosso Senhor diz: "Pois muitos sã o chamados,
mas poucos sã o escolhidos". 11
Uma vocaçã o pró xima e eficaz para a vida mística nã o é
necessariamente uma vocaçã o eficaz para os mais altos graus da vida
mística ou para uma alta perfeiçã o; que depende da predestinaçã o na
ordem das intençõ es divinas, e da fidelidade da alma na ordem da
execuçã o. "É verdade", diz Sã o Joã o da Cruz, "que as almas, qualquer
que seja sua capacidade, podem ter alcançado a uniã o, mas nem todas a
possuem no mesmo grau. Deus dispõ e livremente desse grau de uniã o,
como Ele dispõ e livremente do grau da visã o beatífica”. 12 Sã o Tomá s
expressa a mesma opiniã o quando discute a predestinaçã o. 13
Esses sã o os diferentes significados da palavra "chamar". Eles podem
ser vistos de relance na seguinte sinopse, que deve ser lida de baixo
para cima para acompanhar o progresso ascendente. Nela nã o
mencionamos a vocaçã o especial, como a do sacerdó cio, pois falamos
aqui apenas do chamado à vida mística, que, a nosso ver, é antes de
tudo geral, depois individual; primeiro remoto, depois pró ximo.

Esta divisã o deve resolver vá rias outras questõ es. 14


Se, portanto, um escritor aceito como autoridade nega o chamado de
todas as almas à contemplaçã o, significando com isso o chamado
pró ximo, como se pode ver pelos princípios de seu ensinamento e pelo
contexto, nã o precisamos, por isso, concluir que ele nega a chamada
remota.
Com os diferentes significados da palavra "vocaçã o" assim
precisamente determinados, o ensinamento sobre o chamado geral e
remoto das almas à vida mística é mais facilmente compreendido. Para
ter uma compreensã o clara dessa doutrina, devemos distinguir, como
sempre se faz na é tica, o que pertence à natureza das coisas ( per se )
do que é uma exceçã o acidental ( per accidens ). Os teó logos,
procurando estabelecer uma lei, falam formalmente da natureza das
coisas, e nã o das circunstâ ncias acidentais que causam variaçõ es na
aplicaçã o da lei. Por exemplo, um certo ato é moralmente bom por sua
pró pria natureza, porque por si mesmo produz um certo efeito querido
por Deus; e permanece moralmente bom mesmo que acidentalmente
nã o produza mais esse efeito. 15 Ou ainda, o que é inteiramente legítimo
e salutar em si, como a comunhã o diá ria, pode acidentalmente deixar
de sê -lo, se o sujeito nã o preencher as condiçõ es exigidas. Nada é mais
santificador em si do que a comunhã o eucarística, mas acidentalmente
pode tornar-se um sacrilé gio. Corruptio optimi pessima . Nada é melhor
que o verdadeiro misticismo, nada pior que o falso misticismo.
Mesmo na ordem da vida vegetal e animal, por falta de certas
condiçõ es, muitas leis sã o aplicadas apenas na maioria dos casos, ut in
pluribus como dizem os escolá sticos; essas sã o leis aproximativas, para
usar a terminologia dos estudiosos atuais. Como muitas bolotas nã o
produzem carvalhos, nã o podemos negar a lei de que a bolota é feita
naturalmente para produzir um carvalho. Mesmo que seja plantada
com esse fim, podem faltar as condiçõ es externas favoráveis,
necessá rias para o desenvolvimento da semente que contém.
Da mesma forma, porque a maioria dos homens segue suas paixõ es
em vez de controlá -las, como observa Sã o Tomá s, 16 devemos rejeitar a
lei de que o homem, por sua natureza de ser racional, é chamado a viver
de maneira razoável? Porque muitos homens estã o perdidos, devemos
negar que toda a raça humana foi ordenada por Deus para um fim
sobrenatural, a visã o beatífica? Porque muitos cristã os pecam
mortalmente, é necessá rio negar que a graça recebida no batismo é ,
por sua pró pria natureza, feita para durar para sempre e crescer
incessantemente até a morte? Nã o é a vida eterna iniciada?
Normalmente uma criança pequena, que desde os sete anos de idade
comunga vá rias vezes por semana, nã o deve deixar de receber o pã o da
vida, e cada dia deve aproximar-se da mesa sagrada com melhores
disposiçõ es. Se assim perseverar e for geralmente fiel à s graças que
recebe, nã o chegará normalmente, pelo menos no fim da vida, à vida
mística propriamente dita? Isso é algo diferente da plenitude da vida de
fé e do amor de Deus, diferente da perfeita docilidade ao Espírito
Santo?
Depois de determinar os vá rios significados da palavra "chamado",
geral ou individual, remoto ou pró ximo, suficiente ou eficaz,
examinaremos se é verdade que todas as almas em estado de graça sã o
chamadas de maneira geral, remota e suficiente maneira à vida mística,
e como se manifesta o chamado individual, pró ximo, seja suficiente ou
eficaz.
Estas distinçõ es sã o necessá rias se quisermos resolver este
problema da espiritualidade, tã o estudado em nossos dias. É prá tico,
poré m, recordar que se deve prestar mais atençã o à prá tica perfeita
das virtudes – humildade, abnegaçã o, obediê ncia, paciê ncia na
provaçã o, espírito de fé e confiança em Deus na oraçã o, apesar das
aridez e obscuridades interiores, e caridade fraterna – do que a forma
mais ou menos mística de oraçõ es que podem levar a isso. Isto é tanto
mais verdadeiro porque o grau de oraçã o nã o é facilmente conhecido,
especialmente naqueles períodos chamados de noite escura, onde a
alma está contemplativa sem saber. Esta é a explicaçã o do fato de que
no processo de beatificaçã o o grau heró ico das virtudes é examinado
muito mais de perto do que a forma de oraçã o. Este ú ltimo é aprendido
apenas com dificuldade a partir de documentos; basta, poré m,
conhecer a prá tica heró ica das virtudes teologais para saber que uma
alma estava intimamente unida a Deus. 17 Alé m disso, certas almas
alcançam a oraçã o mística com maior rapidez do que outras, que sã o
muito mais avançadas. També m sã o encontradas almas que tiram
maior proveito dessas oraçõ es, outras menos. Algumas almas sã o mais
virtuosas do que místicas, e vice-versa.
Tudo isto é de facto muito importante, e nã o deve ser esquecido
quando se insiste, como se faz neste artigo, na lei geral, e nas
diversíssimas aplicaçõ es para as quais procuramos a fó rmula e o
fundamento doutriná rio segundo a tradiçã o ensino. Mas conforme esta
lei, também é muito ú til e prá tico saber se as almas passaram ou nã o
pela noite dos sentidos e pela da alma; pois sem esta dupla purificaçã o
passiva, as almas nã o podem atingir a plena perfeiçã o da vida cristã . O
caminho que conduz a ela em meio à s provaçõ es é o indicado por Santa
Teresa em seu conhecido Marcador de Livros:
“Que nada te perturbe;
Nada te assusta;
Todas as coisas estã o passando;
Deus nunca muda;
Resistência do paciente
Alcança todas as coisas;
Quem Deus possui
Em nada está faltando;
Só Deus basta." 18
Quem está imbuído destas disposiçõ es, que deu este passo e de
bom grado se deixa conduzir na sua oraçã o e em todas as fases da sua
vida por Maria Medianeira, que nos conduz à intimidade de Cristo, e
por Cristo, que nos traz ao Pai, alcançará a verdadeira humildade, que
atrairá sobre si a graça da contemplaçã o e da uniã o divina. Este feliz
resultado será alcançado apesar das condiçõ es desfavoráveis, por
causa da influê ncia profunda, forte e gentil desses dois mediadores,
que nos foram dados em nossa fraqueza. 19

ARTIGO II
O Chamado Geral e Remoto à Contemplação Mística
A questã o que estamos estudando pode ser formulada exatamente
considerando a vida da graça de maneira abstrata, ou estudando
concretamente as almas que receberam esta luz. No primeiro caso,
considera-se a lei íntima do desenvolvimento superior da semente
divina, semen gloriae ; no segundo caso, como na pará bola do semeador,
sã o consideradas as condiçõ es variáveis do solo. Da mesma forma, as
duas questõ es seguintes sã o distintas: (1) A graça é por sua pró pria
essência a semente da vida eterna? (2) Deus dá , nã o apenas a todos os
homens em geral, mas a cada pessoa individualmente, graça suficiente
para obter a salvaçã o?
Vamos, portanto, considerar primeiro a chamada geral e remota das
almas em estado de graça para a vida mística; e em segundo lugar, a
chamada individual e pró xima. Em outro artigo, examinaremos as
objeçõ es que podem ser levantadas contra essa doutrina.

AS TRÊ S RAZÕ ES PRINCIPAIS QUE ESTABELECE A CHAMADA GERAL E REMOTA

A questã o que nos confronta é se a vida da graça pode ter seu


desenvolvimento pleno e normal sem a vida mística propriamente dita.
Este ú ltimo, como vimos, caracteriza-se pela predominâ ncia dos dons
do Espírito Santo e do seu modo divino, especificamente distinto do
modo humano das virtudes que caracteriza a vida ascé tica. 1 Conforme
dissemos no artigo anterior, parece-nos certo que a vida mística assim
definida é a idade adulta da vida cristã . Para uma compreensã o clara
desta doutrina, convé m recordar a divisã o do sobrenatural (cf. supra , p.
59).
É evidente a partir desta divisã o que a natureza sobrenatural de um
milagre, de profecia, do dom de línguas, etc., é inferior à da graça
santificante, das virtudes infusas e dos dons do Espírito Santo. Para
ajudar a discernir entre essas formas do sobrenatural, as ordiná rias,
embora eminentes, e as extraordiná rias, deve-se recordar também a
divisã o clá ssica do poder divino dirigido pela sabedoria.
Nosso problema nesta questã o é examinar se o fundamento
essencial do estado místico pertence à primeira categoria ou à terceira;
o terceiro, embora extraordiná rio, é inferior ao primeiro, que sozinho
conté m a vida eterna iniciada. A vida mística é o pleno
desenvolvimento normal da vida da graça? Trata-se aqui nã o apenas da
santidade coletiva da Igreja, que requer até mesmo graces gratis datae ,
como a do discernimento dos espíritos, mas do que normalmente é
necessá rio na maioria dos casos para que uma alma alcance a
santidade. 2

As razõ es da resposta afirmativa devem estar baseadas na vida da


graça considerada em sua essência, e nã o apenas em sinais exteriores
ou material estatístico. Aliá s, nã o basta dizer que esse chamado é geral
porque há almas místicas em todas as condiçõ es humanas; entre
ignorantes e doutos, sacerdotes e leigos, religiosos e seculares, nas
ordens contemplativas e também nas ordens ativas. Esse motivo é
provável, mas insuficiente; pois podemos também dizer que os artistas
podem ser encontrados entre todas as classes de pessoas e, no entanto,
a vocaçã o artística na ordem natural nã o é geral, mas especial. É um
dom particular nã o concedido ou prometido a todos.
Da mesma forma, para estabelecer que Deus deseja salvar todos os
homens, devemos fazer mais do que mostrar que Ele deseja salvar os
homens de todas as condiçõ es da vida; Judeus e pagã os, eruditos e
analfabetos, ricos e pobres.
Para provar que todas as almas em estado de graça sã o de maneira
geral e remota chamadas à vida mística, como o sã o à do céu, as razõ es
desta chamada devem basear-se na pró pria natureza da vida de graça
santificante, ou "graça das virtudes e dos dons". Esta vida pode ser
considerada principalmente de três maneiras: em seu princípio, a
pró pria graça; em seu progresso, perfeita purificaçã o do pecado e da
imperfeiçã o; em seu final, a vida do céu. Estas três consideraçõ es nã o
sã o acidentais, exteriores ou materiais, mas essenciais e formais. Em
outras palavras, para mostrar que a vida interior tem seu
desenvolvimento pleno e normal aqui somente na vida mística
propriamente dita, devemos demonstrar: (1) que o seu princípio é o
mesmo; (2) que o progresso de um é completo apenas no outro; (3) que
o fim deles é o mesmo e que somente a vida mística se prepara
imediata e perfeitamente para esse fim. Estas sã o, como veremos, as
principais razõ es que provam o cará ter normal, embora eminente, da
vida mística.

A. O PRINCÍPIO BÁ SICO DA VIDA MÍSTICA É O MESMO DA VIDA INTERIOR


COMUM

O princípio bá sico da vida mística é a graça santificante, ou "a graça


das virtudes e dos dons". Manifesta-se na vida ascé tica interior
segundo o modo humano das virtudes; na vida mística, segundo o
modo sobre-humano dos dons que nela predomina. Estes dons, como
disposiçõ es habituais que nos tornam dó ceis à s inspiraçõ es do
Espírito Santo, crescem, como as virtudes infusas, com a caridade, que
nesta vida deve sempre desenvolver-se, pelos nossos mé ritos e pela
santa comunhã o, segundo as exigê ncias da primeiro preceito do amor
que nã o tem limite. 3. Portanto, a alma nã o pode possuir a caridade em
alto grau sem ter os dons, como disposiçõ es habituais, em grau
correspondente. 4. Segue-se que uma alma verdadeiramente generosa e
fiel ficará cada vez mais sob a direçã o imediata do Espírito Santo, e o
modo humano de sua atividade será gradualmente subordinado ao
modo divino das inspiraçõ es do Mestre interior. Este modo deve
terminar dominando, condiçã o que caracteriza a vida mística.
Foi levantada a objeçã o de que, se o progresso é normal, as virtudes
e os dons devem ser aperfeiçoados pari passu , sem que o modo dos
dons eventualmente prevaleça sobre o modo das virtudes. Esta objeçã o
falha em levar em conta o que Sã o Tomá s provou 5 e o que explicamos
de acordo com seu ensinamento, 6 a saber, que o modo humano das
virtudes infusas é essencialmente imperfeito em relaçã o ao nosso fim
sobrenatural, pois é aquele da faculdade humana em que essas virtudes
sã o recebidas. A finalidade dos dons é justamente remediar esta
imperfeiçã o unindo-se à s virtudes, como ocorre especialmente na
contemplaçã o infusa. 7
Portanto, a imperfeiçã o do modo humano das virtudes deve ser
corrigida à medida que a alma se aproxima da perfeiçã o, tanto mais
que se trata aqui nã o apenas de acreditar nos misté rios, mas de
penetrá -los, saboreá -los, julgar tudo. por eles, vivendo por eles e isso,
nã o de forma transitó ria, mas de maneira habitual. A influê ncia dos
dons deve ser exercida tanto mais quanto a alma precisa ser purificada
no mais íntimo, onde Deus penetra, para extirpar as sementes da
morte, cuja existê ncia nó s mesmos nã o suspeitamos. Somente Deus
pode erradicá -los aplicando ferro e fogo a eles. Isso explica por que, no
curso normal da vida da graça, o modo sobre-humano dos dons deve
terminar por dominar e prevalecer sobre o modo humano das virtudes.
A facilidade habitual sobrenaturaliza-nos assim cada vez mais e,
eventualmente, as virtudes já nã o se exercem sem a colaboraçã o dos
dons, sem uma orientaçã o quase constante do Mestre interior, que nos
une cada vez mais intimamente à sua vida e Sua açã o. Este é o prelú dio
da vida eterna. "Uma coisa é perfeita na medida em que atinge seu
princípio" 8 e se une a ele. Cada um de nossos atos é perfeito na
proporçã o em que Deus imprime Sua maneira, Sua marca inimitável,
mais profundamente nele. A eficá cia soberana de Sua açã o em nó s nã o
destró i nossa liberdade; é a Sua açã o que causa a nossa liberdade,
produzindo em nó s e conosco até o modo livre de nossos atos. 9 Só Ele
pode assim penetrar em nossas almas, pois Ele está mais perto de nó s
do que nó s de nó s mesmos. O estado místico com sua docilidade
constante nã o é outro senã o o fruto perfeito da graça eficaz, como
concebido por Sã o Paulo, Santo Agostinho e Sã o Tomá s. Só assim a
alma atinge o conhecimento vivo e profundo da grandeza infinita de
Deus e da sua pró pria misé ria, do valor da graça e da gravidade do
pecado.
"Mas, algué m dirá", declara Santa Teresa na objeçã o que ela levanta à
sua pró pria doutrina, 10 "se por longos dias e anos eu considerei que
coisa terrível é ofender a Deus, e como aqueles que estã o perdidos sã o
Seus filhos e meus irmã os; e se eu pesasse os perigos a que estamos
expostos neste mundo, e quã o vantajoso seria para nó s deixar esta vida
miserável, isso nã o seria suficiente? Nã o, minhas filhas, a dor a que
essas reflexõ es nos provocam seria bem diferente da tortura de que
falo. Com a graça de Deus e por muitas consideraçõ es podemos
experimentar essa dor, mas ela nã o penetra no mais profundo de nosso
ser como a outra que parece rasgar e moer a alma sem a sua
cooperaçã o, e à s vezes até mesmo sem o seu desejo. O que é esta
tristeza, entã o, e de onde ela vem? Eu vou te dizer. Você se lembra
daquelas palavras da Noiva, que eu citei para você , mas com outro
significado: 'Ele me trouxe para a adega de vinho, Ele colocou em
ordem r caridade em mim.' 11 Nesta citaçã o tens a explicaçã o do que me
perguntaste: esta alma abandonou-se tã o completamente nas mã os de
Deus e ama-o tanto que, por isso, é tã o submissa que nada sabe e nada
deseja, mas que Deus deve dispô -la segundo o seu bom prazer. Na
minha opiniã o, esta é uma graça que Deus concede apenas a uma alma
que Ele considera inteiramente Sua. Sua vontade é que, sem saber
como, a alma saia marcada com o Seu selo. . . . . Ó Deus de bondade! Só
Tu é s quem fazes tudo! Tu exiges apenas uma coisa, que abandonemos
nossas vontades a Ti, em outras palavras, que a cera nã o ofereça
resistê ncia."
A leitura atenta desta citaçã o, que expressa o sofrimento místico da
alma à vista do maior mal, o pecado, revelará o pleno desenvolvimento
da graça das virtudes e dos dons que recebemos no batismo -
abandono perfeito, caridade puríssima , fé igualmente viva e total
docilidade ao Espírito Santo que imprime o seu selo na alma fiel. Isso
demonstra que o princípio da vida interior comum conté m a semente
da vida mística. É , portanto, chamado a desenvolver-se sob esta forma
superior que é na terra a flor da vida sobrenatural. 12. Em algumas
almas perfeitas, os dons de açã o serã o especialmente proeminentes;
mas o dom da sabedoria terá uma influê ncia difusa, embora muito real.
Em virtude de este princípio ser comum tanto à vida interior
ordiná ria como à vida mística, devemos acrescentar que pelo
progresso da caridade 13 podemos chegar ao mé rito, no sentido estrito
da palavra ( de condigno , condignamente ), os graus superiores dos
dons do Espírito Santo, considerados como disposiçõ es habituais,
ligadas à caridade. Assim, merecemos, pelo menos em sentido amplo (
saltem de congruo , congruentemente), as inspiraçõ es reais
correspondentes a esses graus superiores dos dons; pois, via de regra
(e a propriedade disso é evidente), o Espírito Santo ilumina e inspira as
almas de acordo com o grau de sua habitual docilidade, humildade e
amor a Deus. 14
Este é o ensinamento relativo ao merit saltem de congruo dos
teó logos místicos tomistas que seguem Sã o Tomá s, Sã o Joã o da Cruz e
Santa Teresa. Entre esses teó logos estã o Filipe da Santíssima Trindade,
OC, 15 Vallgornera, OP, 16 e Meynard, OP 17 A partir deste ensinamento
sobre o mé rito, é evidente que a graça atual da contemplaçã o pode ser
merecida mais do que a de uma morte feliz, que é , no entanto,
necessá rio para a salvaçã o. 18
A primeira razã o da chamada remota e geral das almas em estado de
graça à vida mística repousa, portanto, no princípio bá sico desta vida,
ou seja, a graça das virtudes e dos dons. Esta razã o fundamental pode
també m exprimir-se mais concretamente e até confirmar-se assim nos
seguintes termos: nã o há santidade sem o heroísmo das virtudes
infusas, ligadas à caridade; isto é , sem um alto grau dessas virtudes,
descritas por Sã o Tomá s quando fala das virtudes aperfeiçoadoras e
especialmente das virtudes perfeitas. 19
Os dons do Espírito Santo, como disposiçõ es habituais ligadas à
caridade, crescem com ela. O Espírito Santo ordinariamente nos move
de acordo com o grau de nossa docilidade habitual e com maior
frequê ncia à medida que nos tornamos mais dó ceis.
Consequentemente, via de regra, 20 nã o há santidade, a menos que a
alma seja frequentemente movida pelo Espírito Santo, segundo os
graus superiores dos dons. Isto constitui a vida mística em sentido
amplo e també m em sentido estrito, o estado passivo em que nã o mais
domina o modo humano de nossa atividade, mas a atividade do
Espírito Santo e nossa passividade completamente dó cil. 21
Em relaçã o a este assunto, deve-se ler a declaraçã o de Bento XIV
sobre a heroicidade das virtudes e sua conexã o. É esta conexã o, diz ele,
que faltou aos heró is do paganismo e també m aos falsos má rtires, que
morreram obstinadamente persistindo em seus erros; eles nã o oraram
por seus carrascos. 22 Para a prova da virtude heró ica, ele estabelece
quatro condiçõ es necessá rias: (1) o assunto deve ser difícil, acima da
força comum do homem; (2) os atos devem ser realizados
prontamente, facilmente; (3) devem ser realizados com alegria; (4) eles
devem ser executados nã o apenas uma vez ou raramente, mas
frequentemente, quando a ocasiã o se apresenta. Isso supõ e um alto
grau de caridade e um grau proporcional dos dons do Espírito Santo.
Este ensinamento esclarece o sentido e o alcance da primeira razã o
que invocamos: a saber, que o princípio bá sico da vida mística é
idê ntico ao da vida interior comum. Mais adiante veremos as objeçõ es
que podem ser levantadas contra esta primeira razã o. 23 Vejamos agora
a segunda, que considera o que exige o progresso da vida interior.
B. NO PROGRESSO DA VIDA INTERIOR A PURIFICAÇÃ O DA ALMA NÃ O SE
COMPLETA SEM AS PURIFICAÇÕ ES PASSIVAS, QUE PERTENCEM À ORDEM
MÍSTICA

Este progresso deve, de fato, ser realizado pela purificaçã o do


pecado, de suas consequê ncias e das imperfeiçõ es. É duplo: uma
purificaçã o ou mortificaçã o ativa que nos impomos; e uma purificaçã o
passiva que tem sua origem na açã o divina em nó s. 24 Embora as
provaçõ es exteriores sobrenaturais contribuam grandemente para a
nossa purificaçã o, contudo, segundo os grandes mestres,
especialmente Sã o Joã o da Cruz, esta obra normalmente só se completa
com as purificaçõ es passivas dos sentidos e da alma.
Segundo esses mesmos mestres, essas penosas purificaçõ es, que
sã o uma espé cie de purgató rio antecipado, pertencem à ordem mística
propriamente dita. As almas inteiramente generosas sã o purificadas
pelo Espírito Santo enquanto estã o na terra, a tal ponto que nã o devem,
por sua pró pria culpa, sofrer depois da morte a purificaçã o imerecida
do purgató rio. Normalmente devemos passar por este cadinho de uma
forma ou de outra; ou nesta vida enquanto merecendo, ou na vida por
vir sem merecer. 25
Esta razã o parece decisiva para quem conhece as razõ es
apresentadas por Sã o Joã o da Cruz para explicar a necessidade da
dupla e passiva purificaçã o dos sentidos e da alma. 26 Já fizemos (cap. 4,
art. 1) uma breve exposiçã o dessas purificaçõ es, e (cap. 5, art. 3)
mostramos como Santa Teresa descreve a noite da alma no início da
sexta mansã o
Segundo Sã o Joã o da Cruz, Deus concede quase imediatamente a
graça da purificaçã o passiva dos sentidos à s pessoas habitualmente
recolhidas. 27 A entrada nesta purificaçã o é indicada pela inatividade da
imaginaçã o, 28 o modo humano ou discursivo de oraçã o desaparece; a
alma deve se contentar com uma atençã o amorosa e pacífica a Deus. 29
A sua graça, que entã o lhe é dada, já nã o se manifesta sensivelmente; é
inteiramente espiritual, o que explica por que a parte sensível é
covarde em relaçã o à açã o, mas o espírito é generoso e forte. 30 À luz do
dom do conhecimento, a alma vê em si mesma misé ria e indignidade
que ignorava no tempo de sua prosperidade; à s vezes acredita-se
abandonado por Deus. Mas no sofrimento é purificado de numerosas
imperfeiçõ es e exercitado nas virtudes que perfeitamente sujeitam a
carne ao espírito. 31 Assim, a liberdade interior cresce pelos doze frutos
do Espírito Santo, e o amor de Deus pelo desejo ardente de servi-lo. Sã o
Joã o da Cruz oferece um bom resumo de sua doutrina quando diz: "A
noite dos sentidos é comum, e a sorte de muitos entre os iniciantes...
caminho para Deus nã o é nobre e, visto que se enredam nos gostos
sensíveis e no amor-pró prio, Deus intervé m para fazê -los progredir,
libertando-os da sua concepçã o vulgar do amor. exercício inferior dos
sentidos e do raciocínio, pelo qual buscam a Deus de maneira
mesquinha em meio aos obstá culos que apontamos, e introduzi-los no
exercício mais proveitoso do espírito, que lhes permitirá comunicar-se
menos imperfeitamente com Deus." 32
Esta noite passiva dos sentidos, que parece consistir sobretudo no
desaparecimento das chamadas graças sensíveis, marca antes o
aparecimento das graças espirituais; o modo humano de oraçã o cessa
apenas porque o modo sobre-humano dos dons contemplativos
começa a se tornar frequente e manifesto. Corruptio unius, generatio
alterius: o grã o de trigo, lançado na terra, morre para que a semente
que ele carrega possa se desenvolver; da mesma forma, a alma deve
morrer para sua maneira muito humana de pensar em Deus e amá -lo,
para que possa viver da maneira divina que o Senhor deseja ver nela. É
assim que a alma entra no caminho iluminativo. 33
Visto que o objetivo da purificaçã o passiva dos sentidos é a perfeita
sujeiçã o das paixõ es ao intelecto e à vontade, o objetivo da purificaçã o
da alma – procedente especialmente da iluminaçã o do dom do
entendimento – é a plena sujeiçã o do espírito a Deus e a purificaçã o de
toda liga nã o só das virtudes morais, mas també m das virtudes
teologais, que nos unem imediatamente a Deus. Esta purificaçã o,
concedida à s almas que já progrediram, destina-se a eliminar as
imperfeiçõ es habituais que tantas vezes desconhecemos e que
constituem um obstá culo à uniã o divina. 34 Marca a entrada no caminho
unitivo, segundo S. Joã o da Cruz. Ele se expressa nos seguintes termos:
35 "A noite escura (da alma) é um certo influxo de Deus na alma, que a

purifica de suas ignorâ ncias e imperfeiçõ es, habituais, naturais e


espirituais. Os contemplativos chamam isso de contemplaçã o infusa.
(...) Mas pode-se perguntar: 'Por que a alma chama a luz divina, que
ilumina a alma e a purga de suas ignorâ ncias, de noite escura?' ... A
primeira razã o é que a sabedoria divina é tã o elevada que transcende a
capacidade da alma, e é , portanto, a esse respeito, escuridã o. A segunda
razã o é baseada na mesquinhez e impureza da alma e, em a esse
respeito, a sabedoria divina lhe é penosa, aflitiva e obscura també m.
naturalmente. Assim, quanto mais clara a luz, mais ela cega os olhos da
coruja. Assim, a luz divina da contemplaçã o, quando incide sobre a
alma ainda nã o perfeitamente iluminada, causa escuridã o espiritual,
porque nã o apenas supera suas forças, mas porque ela a cega e a priva
de suas percepçõ es naturais. É por esta razã o que Sã o Dionísio e outros
teó logos místicos chamam a contemplaçã o infusa de raio de escuridã o,
isto é , para a alma nã o iluminada e nã o purificada... 'nuvens e escuridã o
sã o redondas e sobre dele.' 36. Deus está rodeado por uma nuvem e
escuridã o. Ele habita em 'luz inacessível'.
"A alma, vendo sua pró pria impureza distintamente, embora
vagamente, nesta luz pura e brilhante, reconhece sua pró pria
indignidade diante de Deus e de todas as criaturas. O que dó i ainda
mais é o medo de que nunca seja digna e de que toda a sua bondade
tenha desaparecido." 37. O sofrimento é tal que a alma se crê esmagada
por um peso imenso; está quebrado e oprimido ao ver suas misé rias e
sente-se envolto em uma nuvem mortal. “Tã o grandes sã o a fraqueza e
a impureza da alma que a mã o de Deus, que é tã o suave e tã o gentil, é
sentida como sendo tã o pesada e opressiva, embora nã o a pressione
nem descanse sobre ela, mas apenas a toque e isso també m. ,
misericordiosamente; pois Ele toca a alma nã o para castigá -la, mas
para carregá -la com Suas graças." 38
A alma nã o pode, como antes, elevar sua mente e coraçã o a Deus;
parece que Deus interpô s uma nuvem que corta o caminho da oraçã o. 39
A luz desta purificaçã o permite à alma ver apenas seus pecados e
misé rias. 40 Nessa escuridã o ela distingue, poré m, melhor do que antes
entre o que é mais e o que é menos perfeito. 41. Para gozar dos frutos
desta purificaçã o, a alma deve sofrer com a impressã o de que nunca
possuirá a Deus. 42 Deve passar por este crisol, pois "uma ú nica, real ou
habitual afeiçã o particular é suficiente para impedir a percepçã o, gosto
e comunicaçã o da doçura sutil do espírito de amor que conté m toda
doçura dentro de si em um grau eminente". 43 Esta noite de purificaçã o
é també m um caminho seguro, "pois conté m os apetites, os afetos e as
paixõ es, embalados, adormecidos e mortificados. Se estivessem
acordados e ativos, nã o deixariam de opor-se à partida" da alma para
estes regiõ es mais altas. 44
Esta purificaçã o passiva, este refinamento do espírito, é
"indispensável para a uniã o com Deus na gló ria. Apó s a morte, as almas
impuras passam pelo fogo do purgató rio; sã o mais violentos para uns
do que para outros, e de comprimento proporcional ao grau de uniã o a
que Deus pretende elevá -los e à sua necessidade de purificaçã o”. 45
Destas provaçõ es podemos julgar os sofrimentos do purgató rio. Seu
fogo nã o tem efeito sobre aqueles que nã o tê m faltas a expiar; 46 é
escuro e material; o desta vida é espiritual e obscuro. 47 Nesta vida, a
alma é purificada enquanto merece; apó s a morte, sem merecimento.
Estas purificaçõ es sã o os meios mais eficazes para a uniã o divina,
porque só elas libertam de toda liga a humildade e as trê s virtudes
teologais. Só eles trazem um poderoso alívio ao motivo formal
inteiramente sobrenatural dessas virtudes mais elevadas. Eles nos
obrigam a fazer atos extremamente meritó rios, que assim aumentam
dez vezes os dons, obtendo-nos imediatamente um grande aumento de
fé , esperança e caridade. Eles nos obrigam a acreditar pelo ú nico
motivo que Deus disse. Alé m disso, fazem-nos aderir firmemente à
primeira Verdade reveladora, numa ordem infinitamente superior a um
milagre sensível e ao raciocínio humano que o discerne. 48 Eles nos
obrigam a esperar contra toda esperança humana pelo motivo puro de
que Deus, que é todo poderoso e bom, é infinitamente ú til, Deus
auxilians , e nã o nos abandonará primeiro. Levam-nos a amá -lo, nã o
pelas consolaçõ es sensíveis ou espirituais que nos concede, mas por si
mesmo, porque é bondade infinita; amá -lo sobre todas as coisas e mais
do que a nó s mesmos, porque Ele é infinitamente melhor do que nó s.
Felizes os que passam por essas dolorosas purificaçõ es, as ú nicas
que podem sobrenaturalizá -los plenamente e conduzi-los ao cume da
fé, da esperança e da caridade. Como essas purificaçõ es passivas
pertencem à ordem mística, devemos concluir que a vida mística nã o é
extraordiná ria em sua pró pria essência, mas está no caminho normal
da santidade. Agora que estudamos os meios, vamos considerar o fim
da vida interior.

C. O FIM DA VIDA INTERIOR É O MESMO DA VIDA MÍSTICA, MAS ESTA PREPARA A


ALMA MAIS IMEDIATAMENTE PARA ELE

O céu é o fim da vida interior. Embora de fato bastante raro, o á pice


normal do desenvolvimento da vida da graça nesta terra deve ser uma
disposiçã o muito perfeita para receber a luz da gló ria imediatamente
apó s a morte, sem passar pelo purgató rio. Com efeito, ninguém vai para
aquele lugar de sofrimento, onde nã o há mérito, senã o por culpa
pró pria, por ter negligenciado as graças recebidas ou oferecidas. Está
na ordem radical ver Deus imediatamente apó s a morte; por isso as
almas do purgató rio sofrem tanto por nã o O verem.
A disposiçã o perfeita para receber a visã o beatífica imediatamente
apó s a morte só pode ser a intensa caridade de uma alma totalmente
purificada, aliada ao desejo sincero de ver Deus, tal como os
encontramos na uniã o mística e, mais especialmente, na uniã o
transformadora. Este ú ltimo é, portanto, o á pice do desenvolvimento da
vida da graça na terra; somente nela encontramos o pleno
desenvolvimento da vida sobrenatural.
Seria fá cil mostrar que esta terceira razã o, como as duas anteriores,
foi formulada de forma mais ou menos explícita por todos os grandes
mestres da mística. Recordemos apenas o que diz Sã o Tomá s sobre a
superioridade da vida contemplativa sobre a ativa.
A contemplaçã o de Deus nã o é um meio para as virtudes morais e as
obras da vida ativa; pelo contrá rio, é o fim ao qual estã o subordinados
como meios e disposiçõ es. 49 As virtudes morais dispõ em à vida
contemplativa produzindo paz, sossego nas paixõ es e pureza. 50 A
prudê ncia serve à sabedoria, como a guarda serve ao rei.
Deus é o fim e o objeto das virtudes teologais e dos dons
correspondentes, ao passo que Ele é apenas o fim das virtudes morais,
que têm um objeto criado.
A vida contemplativa, com início e fim no amor, é o exercício
eminente das virtudes teologais. Nele a alma arde para ver a beleza de
Deus. 51 A contemplaçã o em si nã o é perfeiçã o; a perfeiçã o se encontra
essencialmente na caridade. Mas a contemplaçã o é o meio mais
excelente unido ao fim, porque nos une a Deus, 52 porque "a vida
contemplativa é orientada para o amor de Deus, nã o em qualquer grau,
mas no que é perfeito". 53 Por ela o homem "oferece a sua alma em
sacrifício a Deus", 54 e é , por assim dizer, um começo de perfeita bem-
aventurança "porque nos dá uma certa bem-aventurança incipiente,
que começa agora e continuará na vida para venha." 55
Assim, a vida contemplativa é melhor do que a vida ativa. 56 É
pró prio do homem de acordo com a faculdade mais nobre de sua alma.
Pode ser mais contínua do que a vida ativa. Por exemplo, Maria
permanece aos pé s de nosso Senhor para ouvir Suas palavras,
enquanto Marta se ocupa. Embora contenha grandes provaçõ es, a vida
contemplativa é mais deleitosa e mais meritó ria, porque o amor de
Deus é em si mais meritó rio do que o amor ao pró ximo. 57 Alé m disso, é
suficiente para si mesmo e nã o está ocupado com muitas coisas. É
amado por si mesmo, enquanto a vida ativa é ordenada para algo
diferente de si mesmo. É por isso que o salmista diz: “Uma coisa pedi
ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os
dias da minha vida”. 58 A vida contemplativa é uma espé cie de santo
repouso em Deus ( otium sanctum): "Aquietai-vos e vede que eu sou
Deus". 59 Está ocupado com as coisas divinas; a vida ativa, com os
assuntos humanos: "No princípio era o Verbo; eis Aquele a quem Maria
ouvia", diz Santo Agostinho. "E o Verbo se fez carne; eis aquele a quem
Marta servia." 60 Alé m disso, o pró prio Cristo disse: "Maria escolheu a
melhor parte, a qual nã o lhe será tirada." 61 Santo Agostinho observa:
"Nã o é que a tua parte, ó Marta, seja má , mas a de Maria é melhor. Por
que é melhor? Porque nã o lhe será tirado. Um dia virá em que o fardo
que a necessidade impõ e em você será retirado; mas a doçura da
verdade é eterna." 62
Esta vida contemplativa só existe plenamente na vida mística, que é
o verdadeiro prelú dio da vida celeste. Todos, mesmo aqueles que estã o
engajados na vida ativa, devem se empenhar por ela em virtude do
primeiro preceito; a oraçã o nã o é menos necessá ria para eles. Se as
condiçõ es de sua vida tornam menos acessíveis as mais altas formas
de contemplaçã o, sua substâ ncia nã o lhes é recusada; pelo contrá rio,
nosso Senhor nos convida a todos. «Os mais adaptados à vida ativa
podem preparar-se para a contemplativa pela prá tica da vida ativa», 63
cumprindo os seus deveres por amor de Deus. Seria um erro pensar
que uma pessoa deve rezar bem para cumprir bem os deveres do seu
estado: por exemplo, para cuidar bem dos doentes ou para ensinar
bem, como se a oraçã o e a uniã o com Deus fossem ordenados e
subordinados a esses atos que lhes sã o inferiores. Ao contrá rio, a alma
ativa deve cumprir os deveres de seu estado por amor a Deus, para
estar mais unida a Nosso Senhor e fazê -lo mais amado, de modo que
sua atividade se torne como que a irradiaçã o exterior de sua oraçã o, de
sua uniã o com Deus, que é a parte mais importante da atividade.
Assim, a vida mística, longe de prejudicar a açã o, é sua fonte viva.
Santo Agostinho diz: "O lazer sagrado é almejado pelo amor à
verdade; mas é a necessidade do amor empreender negó cios
necessá rios. ser imposta a nó s, somos obrigados a empreendê -la por
amor, e nem mesmo neste caso somos obrigados a renunciar
totalmente à s doçuras da contemplaçã o, pois se estas fossem retiradas,
o fardo poderia ser mais do que poderíamos suportar. " 64 Sã o Tomá s
diz que, quando uma pessoa é chamada da vida contemplativa para a
vida ativa, nã o deve ser por subtraçã o da primeira, mas por adiçã o da
segunda. 65 É por isso que o apostolado deve fluir, como ele diz em
outro lugar, da "plenitude da contemplaçã o". 66. Os fié is, as almas
interiores que vê m ouvir a palavra de Deus, esperam que ela lhes seja
dada de maneira divina, que é apenas a irradiaçã o da contemplaçã o.
A vida contemplativa, que pela sua intimidade com o Mestre interior
e pela sua perfeita docilidade à s suas inspiraçõ es merece o nome de
vida mística, ou vida escondida com Cristo em Deus, é portanto
verdadeiramente o prelú dio normal da vida celeste.
Nas pá ginas anteriores, discutimos as três razõ es principais do
chamado remoto e geral das almas justas à vida mística. Sã o
fundamentais porque repousam: (1) no princípio comum da vida
interior e da vida mística, e na lei do progresso dos dons como habitus ,
ou disposiçõ es habituais, ligadas à caridade; (2) sobre a necessidade
p ç , g ;( )
das purificaçõ es passivas, que pertencem à vida mística e sã o o meio
mais eficaz para conduzir a alma à uniã o divina na terra; (3) no fim
comum da vida interior e mística, e na perfeiçã o normalmente exigida
para receber a visã o beatífica imediatamente apó s a morte, e isso nã o
em seu grau mais baixo. Estas três consideraçõ es do princípio da vida
sobrenatural, de seus meios mais eficazes e de seu fim nã o sã o
acidentais ou materiais; sã o essenciais e formais, e assim nos permitem
estabelecer a lei do desenvolvimento superior da semente divina, da
vida da graça, semen gloriae .
Portanto, parece certo que a vida mística, caracterizada pela
predominâ ncia dos dons do Espírito Santo, é necessá ria para a plena
perfeiçã o da vida cristã . Isso também é verdade para a contemplaçã o
mística propriamente dita? Depois de conceder o que precede, certos
escritores, que hesitam em responder a esta pergunta, explicam sua
atitude dizendo que em algumas almas os dons dominantes do Espírito
Santo sã o aqueles relacionados especialmente à açã o; em suas oraçõ es
e na salmodia o dom dominante é a piedade; no entanto, sua oraçã o nã o
é propriamente passiva, nem há qualquer intervençã o frequente e
manifesta dos dons contemplativos de entendimento e sabedoria.
Consequentemente, essas almas estariam na vida mística, que é
superior à ascética, mas sem ter a contemplaçã o mística, propriamente
dita, a oraçã o de recolhimento passivo ou de quietude.
Como já dissemos, os dons da contemplaçã o podem ainda intervir
nestas almas apenas de maneira difusa; a vida mística ainda é
imperfeita neles. Pode vir acompanhada de uma grande generosidade,
que merece o nome de perfeiçã o sem, no entanto, ser a perfeiçã o plena
da vida cristã . 67 Este ú ltimo, para ser verdadeiramente uma plenitude,
requer um desenvolvimento completo de todo o organismo espiritual,
incluindo os dons superiores de entendimento e sabedoria. 68 É o
prelú dio da vida celeste, a preparaçã o perfeita e imediata para a visã o
beatífica, que só é concedida à s almas inteiramente purificadas quando
a desejam vivamente.
Esta nos parece, segundo a tradiçã o, ser a doutrina de Sã o Tomá s
sobre as relaçõ es dos dons do Espírito Santo com o progresso da
caridade. 69 Nas diversas ordens religiosas, é també m o ensinamento
de Sã o Boaventura, Tauler, Ruysbroeck Louis de Blois, Dionísio o
Cartuxo, Santa Teresa, Sã o Joã o da Cruz, Padre Lallemant, SJ, e seus
discípulos, Padre Surin , SJ, e outros como Canon Saudreau prova
longamente na terceira ediçã o de sua obra A Vida de União com Deus
segundo os Grandes Mestres da Espiritualidade. 70 O Padre Lamballe
sustenta a mesma opiniã o em seu livro intitulado Contemplação .
Concordamos com estes autores e com o Padre Arintero, OP, que a vida
sobrenatural tem o seu pleno desenvolvimento nesta vida apenas na
uniã o transformadora, tal como a descreve Sã o Joã o da Cruz e Santa
Teresa na sé tima mansã o . Será suficiente recordar aqui alguns textos
característicos e també m aqueles que parecem opostos a eles.
Falando da purificaçã o passiva dos sentidos, que pertence à ordem
mística, Sã o Joã o da Cruz diz, como vimos: “A alma deve passar por esta
noite escura para se tornar perfeita”. 71 "A alma partiu e começou a
penetrar no caminho do espírito, o caminho do proficiente e do
avançado, que també m é chamado de caminho iluminativo ou caminho
da contemplaçã o infusa." 72 "É somente Deus quem deve elevar a alma a
este estado sobrenatural. O que se requer da alma é que, tanto quanto
possa, se prepare para isso. Isso é possível naturalmente,
especialmente quando consideramos a ajuda divina que
ordinariamente acompanha o esforço. À medida que a alma progride na
rejeiçã o das formas e no esvaziamento delas, Deus lhe dá a uniã o.
Nessa operaçã o, a alma é passiva." 73 «No caso dos religiosos, esta
mudança ocorre muitas vezes depois de um tempo relativamente
curto, porque tendo renunciado ao mundo, moldam mais facilmente os
seus sentidos e o seu espírito segundo a vontade de Deus». 74 "Assim
que a alma conseguir purificar-se cuidadosamente de formas e
imagens sensíveis, ela se banhará naquela luz pura e simples que se
tornará para ela o estado de perfeiçã o. De fato, esta luz está sempre
pronta para penetrar a alma; formas e vé us de criaturas criam um
obstá culo à sua infusã o." 75
Mais adiante, depois de mostrar a necessidade da purificaçã o
passiva da alma para atingir a perfeiçã o plena, 76 diz-nos Sã o Joã o da
Cruz que tal perfeiçã o só se encontra na uniã o transformadora onde "a
alma já nã o é perturbada pela diabo, ou a carne, ou o mundo, ou os
apetites. Agora pode dizer: 'O inverno já passou, a chuva acabou e se foi.
As flores apareceram em nossa terra.' " 77
Santa Teresa expressa a mesma ideia no início da quinta mansã o:
"Assim, todos nó s que usamos o santo há bito do Carmelo somos
chamados à oraçã o e à contemplaçã o. Este é o nosso primeiro
objetivo... de nó s se preparem para que nosso Senhor lhes revele a
pé rola preciosa de que falamos. Admito que somos virtuosos
exteriormente. Mas quantas coisas nos faltam e que necessidade temos
de banir toda negligê ncia para adquirir as virtudes necessá rio para
atingir a contemplaçã o!" 78
Em O Caminho da Perfeição , falando da contemplaçã o infusa e das
á guas vivas da oraçã o, Santa Teresa enuncia este princípio geral, que
depois desenvolve (caps. 20, 21, 23, 25, 29, 33). Já citamos alguns
desses textos. “Lembre-se, nosso Senhor convidou 'Qualquer homem':
Ele é a pró pria verdade; Sua palavra nã o pode ser duvidada. Se todos
nã o tivessem sido incluídos, Ele nã o teria se dirigido a todos, nem teria
dito: 'Eu vos darei de beber.' Ele poderia ter dito: 'Que venham todos os
homens, pois nada perderã o com isso, e darei de beber à queles que
julgar adequados para isso'. Mas como Ele disse, incondicionalmente:
'Se algué m tem sede, venha a mim', tenho certeza de que, a menos que
parem no meio do caminho, ningué m deixará de beber desta á gua
viva." 79 O santo diz no capítulo 21: "Afirmo que este é o ponto principal;
de fato, tudo depende de terem uma grande e resoluta determinaçã o de
nunca parar até que cheguem ao fim de sua jornada, aconteça o que
acontecer, seja qual for o as consequê ncias sã o, custe o que custar,
quem irá culpá -los... se a pró pria terra se desintegrará sob seus pé s." A
chamada geral das almas à vida mística nã o poderia ser mais
claramente afirmada.
E, no entanto, Santa Teresa, Tauler e Sã o Joã o da Cruz
ocasionalmente fazem reservas. Lemos, por exemplo, em Caminho da
Perfeição: 80 "Nã o se segue que todas as monjas deste convento
pratiquem a oraçã o que todas sejam contemplativas. Tal ideia
desencorajaria muito aqueles que nã o compreendem a verdade que a
contemplaçã o é um dom de Deus.81 ... À s vezes, nosso Senhor chega muito
tarde e paga de uma só vez tanto quanto deu a outros durante muitos
anos.
Por que Santa Teresa faz essas reservas, que à primeira vista
parecem contradizer o princípio da chamada geral das almas à
contemplaçã o infusa? Ela mesma diz: 82 “O ú ltimo capítulo parece
contradizer o que eu disse, quando, para consolar os nã o
contemplativos, lhes disse que Deus havia feito muitos meios para
alcançá -lo, assim como fez 'muitas moradas'. Repito que Sua
Majestade, sendo Deus, conhece nossas fraquezas e nos tem provido.
Ele nã o disse: 'Deixai que alguns venham a Mim bebendo desta á gua,
mas que outros venham por outro meio'. Sua misericó rdia é tã o grande
que Ele nã o impede ningué m de beber da fonte da vida... Na verdade,
Ele nos chama em voz alta e publicamente para fazê -lo. Ele é tã o bom
que nã o nos forçará a beber dela, mas Ele dá -lo de muitas maneiras
para aqueles que tentam segui-lo, para que ningué m vá embora
desconsolado ou morra de sede. Deste rio transbordante brotam
muitos riachos, alguns grandes, outros pequenos, enquanto há
pequenas piscinas para crianças - por crianças, Refiro-me a
principiantes, nã o formados em virtude. Vejam, irmã s, nã o há medo de
que morram de seca no caminho da oraçã o. na tentativa." 83
As restriçõ es acima feitas por Santa Teresa nã o dizem respeito,
portanto, à chamada geral remota, mas à chamada individual pró xima,
que passaremos a considerar.

ARTIGO III
O Chamado Individual e Próximo à Contemplação
As mencionadas reservas feitas por Santa Teresa, Sã o Joã o da Cruz e
Tauler nã o sã o, sustentamos, dirigidas à lei geral do pleno
desenvolvimento da vida da graça, considerada em si mesma, mas ao
fundamento em que a semente divina é recebida, como lemos na
pará bola do semeador. "E, enquanto semeava, uma parte caiu à beira
do caminho, e vieram as aves do cé u e a comeram. E outra parte caiu
em solo pedregoso, onde nã o havia muita terra; terra. E, saindo o sol,
foram queimadas; e, porque nã o tinham raiz, secaram. E outras caíram
entre espinhos; e os espinhos cresceram e as sufocaram. E outras
caíram em boa terra, e deram frutos , alguns cem, outros sessenta e
outros trinta. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. 1 Novamente, entre
as á rvores, o cedro ou a palmeira normalmente atingem uma grande
altura quando o solo e o clima sã o favoráveis; mas é bem diferente em
um clima desfavorável. Da mesma forma, a questã o do chamado à vida
mística se complica e de certa forma se materializa a partir do
momento em que a vida da graça nã o é mais considerada em si mesma,
mas nas almas que a recebem.
Porque as almas estã o em estado de graça, elas sã o assim chamadas
todas e cada uma à vida essencialmente mística? Em primeiro lugar, é
claro que nem todos estã o predestinados a isso; pois a predestinaçã o
infalivelmente produz seu efeito, sem, no entanto, violentar a liberdade.
É fato que nem todas as almas em estado de graça chegam à vida
mística. També m é evidente que nem todos sã o individualmente
chamados de maneira pró xima; pois os trê s sinais deste chamado,
enumerados por Tauler, 2 mais tarde por Sã o Joã o da Cruz, e
comumente aceitos, certamente nã o sã o encontrados em todos eles.

1. OS TRÊ S SINAIS PRINCIPAIS DO CHAMADO PRÓ XIMO

1) A meditaçã o torna-se difícil ou mesmo impraticável. "A


imaginaçã o permanece inerte; o gosto por este exercício desapareceu;
e a doçura anteriormente produzida pelo objeto em que a imaginaçã o
habitava, transformou-se em secura. Enquanto a doçura persistir e a
alma puder, meditando, passar de um pensamento para outro , a
meditaçã o nã o deve ser abandonada, exceto quando a alma está em paz
e quieta, da qual falarei ao descrever o terceiro sinal." 3 Santa Teresa
ensina a mesma doutrina na quarta morada, 4 onde ela diz que se a
alma ainda nã o recebeu a graça da "lembrança sobrenatural", devemos
"cuidar para nã o parar o movimento de nossos pensamentos... e
permaneçam lá como idiotas." Destas citaçõ es fica evidente que estes
dois grandes santos estã o falando da passagem da meditaçã o à
contemplaçã o infusa, e nã o à contemplaçã o adquirida, que seria um
estado intermediá rio. 5
2) Um segundo sinal é necessá rio, pois a dificuldade ou
impossibilidade de meditar pode vir de uma doença física, de uma
distraçã o, da falta de recolhimento, ou de alguma outra causa
semelhante, como acontece até com quem conserva o gosto por este
exercício. Exatamente dito, o segundo sinal é que "a alma nã o tem mais
nenhuma inclinaçã o para fixar a imaginaçã o ou os sentidos em
qualquer objeto interior ou exterior particular. Nã o digo que a
imaginaçã o nã o mais se manifestará pelo ir e vir que é característico
dele - e que ocorre mesmo em profunda lembrança - mas que a alma
nã o terá desejo de fixá -lo deliberadamente nesses objetos." 6 Por
exemplo, ao ler, sente-se a necessidade de fechar o livro; se rezar em
voz alta, tende-se a interromper esta oraçã o para se entregar à
contemplaçã o de Deus. Isto é devido a uma inspiraçã o interior. "Nã o é ,
portanto, surpreendente que tal alma experimente dor e desgosto
quando, uma vez que começou a desfrutar desta paz, é forçada a
retomar a meditaçã o e recomeçar o trabalho de consideraçõ es
particulares. Sua condiçã o é como a de uma criança arrancada do seio
de sua mã e enquanto ela estava amamentando... Ou imagine para si
mesmo algué m que, depois de ter removido a casca de uma fruta, é , ao
prová -la, ordenado a descascar a casca que já foi removida. nã o
encontra casca e deixa de provar o fruto que já comeu. É como algué m
que abre mã o do prê mio para agarrar uma sombra." Estas explicaçõ es
dos escritos de Sã o Joã o da Cruz mostram claramente que 7 em sua
opiniã o a passagem da meditaçã o à contemplaçã o infusa é normal,
embora nã o possamos produzir a contemplaçã o por nosso pró prio
esforço. Depois de descascar a fruta, provamos a substâ ncia.
3) Um terceiro sinal é necessá rio porque os dois primeiros nã o sã o
decisivos. A melancolia ou qualquer outra indisposiçã o poderia
produzir em nó s uma espé cie de suspensã o de nossas faculdades,
durante a qual a alma sentiria prazer em nã o fazer nada e permanecer
inativa. “O terceiro e mais decisivo sinal é este: a alma se deleita em
estar a só s com Deus, fixando sua atençã o amorosamente nEle. , o
entendimento e a vontade nã o se manifestam por atos e exercícios.
Quero dizer que a alma nã o se entrega a atos discursivos, que
consistem em passar de um assunto a outro, mas se absorve no
conhecimento e na atençã o a Deus ... Esse conhecimento é confuso,
geral e amoroso, e nã o se deté m em nenhuma percepçã o particular." 8
Da mesma forma, uma criança olha com amor para sua mã e sem
pensar em nada distinto, mas apenas no fato de que ela é sua mã e. No
início, esse olhar amoroso da alma é tã o sutil e delicado que passa
quase despercebido. 9 Aqui nã o há mais, como havia na meditaçã o, uma
cooperaçã o claramente perceptível da parte da imaginaçã o. Alé m disso,
no início a alma nã o se deixa satisfazer por este amor que lhe é dado;
busca o amor sob uma forma mais sensível. "Uma vez que a alma,
poré m, se deixa introduzir na paz, nã o deixará de penetrar cada vez
mais nela. À medida que o pensamento amoroso de Deus se torna claro,
a alma o acha mais atraente do que qualquer coisa no mundo por causa
da paz , descanso, doçura e deleite que dela extrai sem esforço." 10 As
ú ltimas palavras desta frase ajudam a provar que Sã o Joã o da Cruz está
realmente discutindo a contemplaçã o infusa, mesmo nesta primeira
obra, A Subida ao Monte Carmelo . O capítulo 15 esclarece o assunto. 11
Na Subida ao Monte Carmelo , Sã o Joã o descreve principalmente a parte
que podemos ter nesta contemplaçã o, nã o propriamente em produzi-
la, mas em preparar-nos para ela ou favorecer o seu exercício. 12 Na
obra seguinte, A noite escura da alma , ele descreve particularmente a
açã o de Deus e nossa passividade. Essas fases nã o se seguem
cronologicamente; ao contrá rio, sã o dois aspectos subordinados da
vida interior; neste caso, a alma é "mais passiva do que ativa", 13 mas
conserva a liberdade de consentir na inspiraçã o superior que o
Espírito Santo lhe dá para fazê -la agir divinamente.
Os trê s sinais dados em A Ascensão do Monte Carmelo sã o repetidos
em A Noite Escura da Alma; 14 ali eles sã o formulados de maneira mais
marcante como indicaçõ es da obra purificadora de Deus em nó s, ou da
aridez purificadora: (1) A alma nã o encontra mais sabor ou consolo nas
coisas divinas (conhecidas pelos sentidos) ou em qualquer coisa criada
- essas as ú ltimas palavras indicam que esse estado nã o vem da tepidez
ou do apego à s criaturas; (2) A alma conserva ordinariamente em sua
lembrança de Deus o temor de nã o servi-lo e de retroceder, porque já
nã o experimenta a doçura nas coisas divinas – este temor é outro sinal
de que esta impotê ncia nã o prové m da tibieza; (3) A alma encontra
dificuldade em meditar, como no passado, recorrendo à imaginaçã o. “A
razã o disso é que Deus começa a se doar nã o mais por meio do
raciocínio, mas pelo simples ato de contemplaçã o que Ele nos inspira”.
Outras indicaçõ es podem confirmar esses trê s sinais clá ssicos e
necessá rios. Santa Teresa se deleita em acrescentar o dom total de si
mesmo a Deus, o desprezo de todas as coisas terrenas, uma grande
humildade e o desejo do cé u. A contemplaçã o infusa pode, poré m, ser
concedida à s almas que ainda nã o possuam tã o altas virtudes; muitas
vezes é a contemplaçã o que lhes dá : "Todas as coisas boas vieram para
mim com ela", 15 como diz o Livro da Sabedoria. É sobretudo o
conhecimento infuso da bondade de Deus que nos faz amá -lo e praticar
a virtude por amor a ele. Estes trê s sinais, entã o, bastam para provar o
chamado pró ximo de uma alma à contemplaçã o infusa.

II. OBSTÁ CULOS A ESTA CHAMADA PRÓ XIMA; SUAS VARIEDADES

É verdade que os trê s sinais, que acabamos de explicar, nã o se


encontram em todas as almas em estado de graça. Mas cremos que
todos e cada um sã o chamados à vida mística de maneira remota e
suficiente, pois a graça das virtudes e dons que receberam conté m, em
razã o da lei íntima de seu desenvolvimento, a semente da a vida
mística, que é o prelú dio normal da vida celeste. 16
O que significa uma chamada remota e suficiente? Quer dizer que, se
todas as almas fossem fié is em evitar, como devem, nã o só o pecado
mortal, mas venial, se fossem, cada uma segundo a sua condiçã o,
geralmente dó ceis ao Espírito Santo, e se vivessem bastante, um dia
viriam quando receberiam a vocaçã o pró xima e eficaz para uma alta
perfeiçã o e para a vida mística propriamente dita. Eles receberam, de
fato, seu princípio radical. Até que esse dia chegue, no entanto,
podemos simplesmente dizer que eles ainda nã o foram chamados para
isso; assim como dizemos que os infié is, que nunca ouviram o
Evangelho pregado, ainda nã o sã o individualmente chamados à vida
cristã , embora todos os pagã os tenham uma vocaçã o geral à vida cristã ,
como o ú nico caminho de salvaçã o querido por Deus para todos
homens. 17
Muitas almas nã o se desenvolverã o espiritualmente o suficiente
para estarem adequadamente preparadas para a vida mística. Isso se
deve sobretudo à falta de humildade, pureza de coraçã o, simplicidade
de olhar, recolhimento e generosidade; ou també m porque eles sã o
naturalmente muito inclinados a ter uma mente externa; ou porque,
estando muito absortos no estudo ou nos cuidados da administraçã o,
nã o amam suficientemente a oraçã o silenciosa e profunda que leva à
uniã o. Como é fá cil demorar-se no caminho e viver uma vida
superficial! Por fim, essas almas geralmente carecem de uma boa
direçã o espiritual ou de um ambiente adequado. Eles nã o serã o
chamados à vida mística de maneira pró xima. Talvez, por falta de
certas condiçõ es que nã o dependem de sua vontade, alguns deles,
embora generosos, só chegariam à vida mística depois de um período
mais longo do que o tempo normal da existê ncia humana. 18
Outros, que via de regra sã o mais adiantados, serã o chamados à vida
mística de maneira pró xima e suficiente, mas nem todos responderã o a
esse chamado. Muitos ficarã o desanimados apó s seus primeiros
passos na noite escura. Este ú ltimo grupo é numeroso e, segundo S.
Joã o da Cruz, nesta difícil passagem sã o muitas vezes mal dirigidos
pelo seu guia espiritual. 19
Outros serã o chamados de maneira pró xima e eficaz à vida mística,
mas nã o avançarã o além de seus graus inferiores por falta de
generosidade ou direçã o. Como nos diz a pará bola do semeador, há
boas almas que rendem trinta vezes mais; isso nã o representa o á pice
do desenvolvimento normal; outros dã o sessenta vezes; e alguns
rendem cem vezes mais. Estes ú ltimos serã o chamados de maneira
pró xima e eficaz aos graus superiores da vida mística, à uniã o
transformadora. A partir deste fato, veremos que eles foram
predestinados a isso.
"Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos", comenta Santa
Teresa a propó sito da quinta morada. 20 Devemos humildemente
aspirar a estar entre esta elite. Como é de fé , em contradiçã o com o
ensinamento jansenista, que aquele que nã o salva sua alma, pode fazê -
lo por meio da graça suficiente que lhe foi dada; devemos dizer
també m que um adulto que, depois de negligenciar muitas graças,
alcança apenas um grau inferior de gló ria, poderia sem ser
predestinado alcançar um grau muito superior, e o teria alcançado se
tivesse sido mais fiel. 21 Só os santos, depois de usarem generosamente
o tempo da provaçã o, atingem a plenitude da idade perfeita, embora
nem todos, poré m, alcancem grande santidade. Na uniã o
transformadora, que é nesta vida a idade da santidade, existem,
certamente, muitos graus inferiores aos alcançados por Sã o Paulo ou
Sã o Joã o. Da mesma forma numa floresta, muitos carvalhos atingem
toda a sua altura normal e elevam-se acima de muitos outros menos
desenvolvidos, sem atingir a altura de certos carvalhos gigantes, que
sã o verdadeiramente excepcionais.
Isso explica um texto muito controverso de A noite escura da alma. 22
Nesta passagem, Sã o Joã o da Cruz afirma primeiro o princípio geral:
"Uma vez que a alma entrou na purificaçã o (isto é , a purificaçã o passiva
dos sentidos), a incapacidade de discursar só aumenta. . . . A alma
terminará por abandonando (na oraçã o) todas as operaçõ es sensíveis,
se é verdadeiramente para avançar ( si es que han de ir adelante). "
Depois acrescenta: "Para aqueles que nã o vã o pelo caminho da
contemplaçã o ( porque los que no van por camino de contemplación ), é
diferente; no caso deles, a noite dos sentidos é frequentemente
interrompida. Por sua vez, ela se faz sentir e depois desaparece; ora a
meditaçã o discursiva é impossível, ora torna-se fá cil. Deus guarda
assim, apenas para prová -los e humilhá -los; para refinar seus apetites,
a fim de afastá -los de uma glutonaria viciosa em assuntos espirituais; e
nã o para conduzi-los ao caminho do espírito, que é aquele da
contemplaçã o propriamente dita. Deus nã o eleva, de fato, 23 à
contemplaçã o todos os que desejam alcançá -lo seguindo o caminho do
espírito; Ele nã o leva nem metade deles. Por quê ? Só ele sabe. Estes
ú ltimos (a quem Deus nã o eleva à contemplaçã o, propriamente dita) 24
nunca terminam de desmamar os sentidos para que abandonem
completamente as consideraçõ es e o raciocínio. Eles tê m essa graça
apenas intermitentemente, como acabamos de dizer."
Este texto nã o nega o remoto chamado geral das almas em estado de
graça à vida mística; apenas nega o chamado individual pró ximo e
eficaz de muitos à perfeiçã o desta vida. As boas almas mencionadas
neste texto sã o aquelas que, na pará bola do semeador, rendem uma
colheita trinta vezes maior. Isso nã o representa o á pice normal da vida
da graça; outros renderã o sessenta e até cem, como nos conta a
pará bola.
Sã o Joã o da Cruz nã o diz que as almas de que falamos sã o chamadas
a uma alta perfeiçã o sem serem chamadas de modo pró ximo aos graus
superiores da vida mística. Ele até ensina o contrá rio. A seu ver, uma
alma nã o pode alcançar a elevada perfeiçã o sem passar pela noite dos
sentidos e mesmo do espírito. 25
E se perguntarem a Sã o Joã o da Cruz por que Deus nã o eleva à
contemplaçã o, propriamente dita, todos aqueles que desejam alcançá -
la seguindo o caminho do espírito e por que Ele leva apenas metade
deles, ele nã o responderá , como certos comentaristas querem que ele
faça, essa contemplaçã o, propriamente dita, é essencialmente
extraordiná ria e vai alé m do á pice da vida normal. Pelo contrá rio, ele
responde: "Só Deus sabe." Da mesma forma, Santo Agostinho diz a
propó sito do texto: "Muitos sã o chamados, mas poucos sã o
escolhidos": "Por que Deus atrai um e nã o outro, nã o procure julgar, se
nã o quiser cair no erro". 26 Este é o misté rio da predestinaçã o, 27 do
É
qual o pró prio Sã o Joã o da Cruz diz: "É verdade que as almas, qualquer
que seja a sua capacidade, podem ter alcançado a uniã o, mas nem todas
a possuem no mesmo grau. Deus dispõ e livremente deste grau de
uniã o, como Ele dispõ e livremente do grau da visã o beatífica”. 28 Nesta
opiniã o, Sã o Joã o da Cruz concorda com Tauler, Louis de Blois,
Ruysbroeck e os outros grandes místicos.
Finalmente, Sã o Joã o da Cruz fala mais claramente sobre este
assunto em A Chama Viva do Amor: 29 "Devemos explicar aqui porque
sã o tã o poucos os que atingem este elevado estado de perfeiçã o e
uniã o com Deus. Certamente nã o é porque Deus deseja limitar esta
graça a um pequeno nú mero de almas superiores; Seu desejo é antes
que esta alta perfeiçã o seja comum a todos. É muito frequente que Ele
busque em vã o vasos capazes de conter tal perfeiçã o. Ele envia provas
leves para uma alma, e ela se mostra fraca e foge imediatamente de
todo sofrimento... que se destina a refiná -la e poli-la.
Consequentemente, Deus nã o continua a purificar tais almas e a tirá -
las do pó da terra, mortificando-as. . . . Ó almas que sonham caminhar
com tranquilidade e consolaçã o no caminho espiritual, se você s
soubessem como é necessá rio que você s sejam provados para alcançar
esta segurança e consolaçã o!" Apó s a descriçã o da uniã o
transformadora, 30 ele diz: "Ó almas criadas para tais gló rias, . . . nã o dê
ouvidos à s vozes poderosas que o solicitam!"
Mesmo na ordem natural, a maior parte dos homens nã o consegue
disciplinar suas paixõ es, embora todos sejam chamados a fazê-lo por
sua pró pria natureza de seres racionais. Da mesma forma, entre
aqueles que passam muitos anos no estudo de alguma ciência (como
matemá tica, direito ou medicina), apenas um pequeno nú mero adquire
um conhecimento profundo dela. Inventores e gênios extraordiná rios
sã o raros. Da mesma forma, na ordem da vida da graça, nem a metade
do nú mero das almas interiores é elevada ao á pice do desenvolvimento
normal da vida sobrenatural. "Muitos sã o chamados, mas poucos sã o
escolhidos", como tantas vezes comenta Santa Teresa. Devemos, porém,
humildemente desejar ser contados nesta elite, como devemos desejar
crescer na caridade sem colocar qualquer limite ao seu progresso.
A doutrina de que todas as almas em estado de graça têm os auxílios
remotos e suficientes para alcançar a vida mística nã o oferece maiores
dificuldades do que aquela outra doutrina, que é certa, a saber, que
todos os homens, incluindo as almas infiéis e os pecadores endurecidos,
têm ambos em geral e em particular as ajudas necessá rias para salvar
suas almas.

ARTIGO IV
As condições normalmente exigidas para a
contemplação infusa
UM EXAME DAS PRINCIPAIS DIFICULDADES RELACIONADAS AO CHAMADO
GERAL

Apresentá mos as razõ es da nossa aceitaçã o de uma chamada geral e


remota à vida mística de todas as almas em estado de graça, embora
esta chamada se torne individual e pró xima apenas quando se pode
provar que os três sinais clá ssicos do início do a vida mística, explicada
por Sã o Joã o da Cruz, existe na alma. Esse chamado pró ximo individual
permanece suficiente e ineficaz naqueles que resistem a ele. Em outros
é eficaz de duas maneiras: ou conduz apenas aos graus inferiores da
vida mística, ou conduz mais alto e mesmo à uniã o transformadora,
á pice do desenvolvimento normal da vida interior.
As três razõ es principais que aduzimos para afirmar o chamado
geral e remoto sã o: (1) O princípio radical da vida mística é o mesmo da
vida interior comum, a graça das virtudes e dos dons; (2) No progresso
da vida interior, a purificaçã o da alma nã o pode ser completa sem as
purificaçõ es passivas, que pertencem à ordem mística; (3) A vida
mística é o prelú dio normal da visã o beatífica, o objetivo da vida da
graça.
Este ensinamento pressupõ e o que estabelecemos 1 sobre graça
suficiente e eficaz. Nó s o resumimos nas palavras magistrais de
Bossuet: "Aprendamos a curvar nossos intelectos diante da
obscuridade divina deste grande misté rio e confessar duas graças, uma
das quais (graça suficiente) deixa o intelecto sem qualquer desculpa
diante de Deus, e a outro (a graça eficaz) nã o permite que ela se glorie
em si mesma”. 2
Nã o é de surpreender que o ensino tradicional sobre o chamado
geral e remoto de todas as almas justas para a vida mística encontre
obscuridade ou dificuldade. Essas dificuldades nã o sã o maiores do que
aquelas levantadas contra a doutrina comumente ensinada na Igreja
sobre a salvaçã o que é oferecida e é possível a todos os homens que têm
o uso da razã o, mesmo para aqueles que nã o puderam ouvir o
Evangelho pregado. . Todos recebem graça suficiente (pelo menos
remota) para alcançar a vida eterna.
Sendo assim e sendo a vida mística o prelú dio da vida eterna, por
que nã o admitir o chamado geral e remoto que mantemos? As
principais dificuldades sã o três: (1) Objeta-se que, mesmo admitindo os
princípios de Sã o Tomá s em relaçã o ao aumento da graça das virtudes e
dons, se as coisas sã o consideradas no concreto e nã o no abstrato,
torna-se evidente que as almas cristã s geralmente carecem das
condiçõ es da vida mística, e isso nã o é culpa delas; (2) Nã o se deve
esquecer que algumas almas receberam apenas um ou dois talentos, e
nã o cinco; (3) A doutrina do chamado geral, embora remoto, parece por
sua natureza levar alguns à presunçã o e ilusã o, e outros ao desâ nimo.
Examinaremos esses diferentes pontos.

I. AS ALMAS INTERIORES GENEROSAS, GERALMENTE, NÃ O TÊ M AS PRINCIPAIS


CONDIÇÕ ES REQUERIDAS PARA A VIDA MÍSTICA?

Alguns escritores nos dizem que a obtençã o da contemplaçã o


mística requer condiçõ es que sã o impossíveis de realizar para a maioria
das almas, por mais generosas que sejam. Segundo esta opiniã o, é
necessá rio um ambiente especial, como um mosteiro cartuxo ou
carmelita, onde o silêncio, a solidã o e longas horas de oraçã o sã o a
regra comum. Sem esta atmosfera, é necessá rio um temperamento
especial, inclinado ao recolhimento e à oraçã o prolongada. Por fim,
dizem-nos que a alma deve ter uma orientaçã o espiritual adequada,
orientando-a cada vez mais para a vida contemplativa. Estas condiçõ es
costumam faltar na vida da maioria das generosas almas interiores que
permanecem no mundo ou que ingressam em ordens religiosas ativas
ou mesmo mistas. Os cuidados de administraçã o que ocupam os
superiores e as exigências que o trabalho intelectual impõ e a um
sacerdote cuja atividade principal é o ensino, também impedem o
desenvolvimento da vida mística propriamente dita, mesmo nas almas
interiores muito apegadas aos seus deveres.
Oferecemos agora nossa resposta a essa objeçã o. Mesmo que as
condiçõ es acima mencionadas, difíceis de realizar para muitos, fossem
exigidas, nã o deveríamos, como resultado, necessariamente concluir
que a vida mística nã o é o á pice normal do desenvolvimento da vida da
graça. Deveríamos simplesmente dizer que, para a obtençã o deste
cume, sã o exigidas condiçõ es difíceis de realizar no mundo, ou mesmo
numa vida religiosa pouco fervorosa. Neste caso, a alma é como um
cedro, que atinge o á pice de seu desenvolvimento normal apenas em
certas condiçõ es de solo e clima.
Alé m disso, as condiçõ es enumeradas, embora muito ú teis, nã o sã o
as principais. Reconhecemos que o meio ambiente tem sua
importâ ncia; també m que um temperamento calmo está muito mais
disposto à vida contemplativa do que um espírito inquieto e agitado. 3
Pode ser que, entre estes ú ltimos, alguns, embora bastante generosos,
só cheguem à vida mística depois de um período mais longo do que o
tempo normal de vida. E é certo que a má direçã o espiritual muitas
vezes deixa as almas vegetarem ou as afasta da contemplaçã o infusa,
ao passo que outro tipo de direçã o as faria definitivamente voltar-se
para a contemplaçã o.
Por mais importantes que sejam essas condiçõ es, elas permanecem
superficiais em comparaçã o com outras que sã o as principais. Aqui,
novamente, vale a mesma regra que em matéria de salvaçã o, que é
possível a todos os que possuem uma consciência desenvolvida, mesmo
para aqueles que nã o nasceram em um ambiente cristã o, que sã o
fortemente inclinados ao mal e que nã o tiveram a oportunidade de
ouvir o Evangelho pregado. Se seguirem ordinariamente os ditames de
sua consciência, serã o misteriosamente conduzidos de graça em graça,
de fidelidade em fidelidade, até a vida eterna.
Quem quiser progredir na vida espiritual e preparar-se para a graça
da contemplaçã o, deve usar o melhor que puder dos grandes meios que
a Igreja nos oferece a todos. A recepçã o assídua dos sacramentos, a
escuta diá ria da missa, a comunhã o frequente, o amor à Eucaristia, a
devoçã o ao Espírito Santo, o recurso filial e incessante ao Sagrado
Coraçã o de Jesus 4 e à Santíssima Virgem, medianeira de todas as
graças, sã o evidentemente necessá rio.
A contemplaçã o é fruto da verdadeira devoçã o à Santíssima Virgem,
como explicou o Beato Grignion de Montfort. 5 Ele diz que, sem um
grande amor por ela, uma alma alcançará a uniã o com Deus apenas
com extrema dificuldade. "É necessá rio passar por noites escuras,
combates, estranhas agonias, espinhos agudos e desertos
assustadores. Pelo caminho de Maria a alma avança com maior doçura
e tranquilidade. Ao longo deste caminho encontra muitas cruzes e
grandes dificuldades a vencer, mas a nossa boa Mã e manté m-se tã o
pró xima dos seus servos fié is... que, na verdade, esta estrada virginal é
um caminho de rosas apesar dos espinhos." Conduz assim mais fá cil e
seguramente à uniã o divina. Maria, maravilhosa de se relacionar, torna
a cruz mais fá cil e, ao mesmo tempo, mais meritó ria: mais fá cil, porque
nos ampara com sua mã o doce; mais meritó ria, porque nos obté m uma
caridade maior, que é o princípio do mé rito, e porque, oferecendo
nossos atos a Nosso Senhor, aumenta-lhes o valor. Por causa de sua
caridade preeminente, Maria merecia mais nas açõ es mais fá ceis do
que todos os má rtires em suas torturas.
Outro grande meio de preparaçã o para a graça da contemplaçã o,
meio ao alcance de todas as almas interiores, encontra-se na liturgia,
em uniã o cada vez mais íntima com a grande oraçã o da Igreja. "As
graças da oraçã o e do estado místico tê m seu tipo e fonte na vida
hierá tica da Igreja; elas refletem nos membros a semelhança de Cristo
que é perfeito no corpo." 6. A oraçã o litú rgica recitada com
recolhimento, em uniã o com Nosso Senhor e Seu corpo místico, obté m
para nó s santas luzes e inspiraçõ es que iluminam e inflamam nossos
coraçõ es. Convé m, portanto, fazer a oraçã o mental depois da salmodia
que nos prepara para ela; assim como depois da missa e da sagrada
comunhã o, é bom prolongar a açã o de graças e, se possível, dedicar
uma hora a ela.
Por fim, a leitura frequente da Escritura e o estudo da sagrada
doutrina, empreendidos de maneira verdadeiramente sobrenatural,
sã o outros meios excelentes para preparar a alma para a contemplaçã o.
Assim, os antigos 7 costumavam dizer que a leitura divina ( lectio divina
) pelo estudo piedoso ( studium ) leva à meditaçã o ( meditatio ), depois
à oraçã o ( oratio ) e finalmente à contemplaçã o ( contemplatio). 8
Claro que certas disposiçõ es interiores sã o necessá rias se
quisermos fazer bom uso dos grandes meios que a Igreja propõ e a
todos. Essas disposiçõ es constituem as principais condiçõ es
normalmente exigidas para a vida mística. 9 Via de regra, acompanham
a pró xima chamada individual à contemplaçã o; nas almas muito
generosas, podem suprir as condiçõ es exteriores, se nã o as puderem
ter.
Os autores espirituais agrupam essas disposiçõ es da seguinte
forma: (1) pureza de coraçã o; (2) simplicidade de espírito; (3)
profunda humildade; (4) amor ao recolhimento e perseverança na
oraçã o; (5) caridade fervorosa. 10
Quem pode dizer que essas disposiçõ es interiores estã o alé m das
forças e das graças que lhe sã o oferecidas? Sã o Jerô nimo escreve: “Um
homem pode me dizer que nã o pode jejuar; mas pode declarar que nã o
pode amar? ele pode me dizer que nã o pode amar seus inimigos? Tudo
o que é necessá rio é olhar dentro do pró prio coraçã o... pois o que Deus
nos pede nã o se encontra a uma grande distâ ncia." 11 Por outro lado, se
nos tornamos um pouco negligentes, como é fá cil falhar nas condiçõ es
interiores que acabamos de enumerar!
A pureza de coração mencionada na bem-aventurança "Bem-
aventurados os limpos de coraçã o, porque eles verã o a Deus", é fruto da
mortificaçã o exterior e interior, que nã o se pratica sem sofrimento. Nã o
devemos nos apegar ao pecado, nã o devemos tolerar nossas faltas ou
fazer as pazes com elas. A alma deve entrar no caminho estreito que
conduz à verdadeira vida; melhor do que nunca, entenderá as palavras
de nosso Senhor: "Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos".
Também deve estar pronto para passar pelo fogo dos sofrimentos, pois
a pureza do coraçã o deve crescer com a contemplaçã o através das
provas purificadoras que Deus envia aos que desejam humilde e
ardentemente a Sua divina intimidade. Como as Escrituras nos dizem,
Ele é ciumento; Ele remove as pessoas e as coisas à s quais a alma pode
se apegar e a faz passar por um cadinho para purificá -la de todas as
suas manchas. Quando as inclinaçõ es desordenadas e as desordens da
sensualidade, egoísmo, amor-pró prio e orgulho intelectual e espiritual
desaparecem, o coraçã o purificado é como um espelho imaculado
refletindo a beleza de Deus. Quem pode dizer que nã o consegue ter um
coraçã o limpo?
A simplicidade de espírito nasce desta pureza de coraçã o e, como ela,
deve ser ardentemente desejada por todos. A Sagrada Escritura
freqü entemente menciona isso: "Sua comunicaçã o é com os simples".
12 "Se o teu olho for simples, todo o teu corpo será leve." 13 "Sede, pois,

prudentes como as serpentes e simples como as pombas." 14 Sem


simplicidade é impossível ter alto grau de sabedoria, que se aprende de
Deus sem dolo. 15 A simplicidade de espírito, evidentemente, nã o
consiste em dizer sem cerimó nias todos os nossos pensamentos e
sentimentos, sob o risco de nos contradizermos dia apó s dia quando as
circunstâ ncias e as impressõ es mudam. Apesar das aparê ncias, tal
conduta é o contrá rio da simplicidade; leva à confusã o, perturbaçã o,
incoerê ncia e divagaçõ es. A simplicidade de que falamos participa da
de Deus e consiste em ver em Deus todas as coisas, todos os
acontecimentos, felizes ou infelizes, todas as pessoas, amigos ou
inimigos, e tudo o que devemos fazer, seja agradável ou doloroso.
Produz unidade de espírito, pois aquele que a possui vê que tudo é
querido, ou pelo menos permitido, por Deus para sua gló ria e a de seus
eleitos. Consequentemente, é evidente que todos devem aspirar a esta
superior unidade e simplicidade de espírito. A presença da
simplicidade na alma indica que o dom da sabedoria já está bem
desenvolvido, e que a alma que a possui habitualmente está muito
pró xima da contemplaçã o mística, se ainda nã o a possui.
Essa simplicidade se manifesta por uma grande retidã o de vida;
deste ponto de vista, Sã o Tomá s fala disso quando está discutindo a
virtude da verdade ou veracidade em oposiçã o à falsidade. "A
simplicidade", diz ele, "é contrá ria à duplicidade, pela qual um homem
se faz ser algo diferente do que ele é interiormente." É uma retidã o
perfeita e até uma certa franqueza, no bom sentido da palavra, que nos
leva a reconhecer com facilidade os nossos defeitos, porque nã o
deixamos de ver uma coisa necessá ria acima de todas as outras. Ter
ordinariamente em nossas relaçõ es com o pró ximo a simplicidade
inalterada da pomba junto com a prudência da serpente evidencia um
alto grau da luz da sabedoria divina. É uma disposiçã o pró xima para a
contemplaçã o mística. Quem poderá dizer que esta simplicidade
superior nã o esteja, em geral, ao alcance das almas generosas?
humildade de coração nã o é menos alcançável do que as disposiçõ es
anteriores. De fato, nasce deles na percepçã o da distâ ncia que separa a
infinita perfeiçã o de Deus do nada das criaturas, que por si mesmas sã o
incapazes de existir, agir e se orientar como deveriam. Quem já possui
esta virtude em alto grau, quem se sente feliz em reconhecer sua
nulidade e abjeçã o diante de Deus, quem ama ser nada para que Deus
seja tudo, se humilhar diante do que há de divino em cada outra alma,
está preparado para a graça da contemplaçã o. Nosso Senhor mesmo
diz: "Eu te confesso, ó Pai, Senhor do cé u e da terra, porque escondeste
estas coisas aos sá bios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos." 16
"Se nã o vos converterdes e nã o vos tornardes como crianças, nã o
entrareis no reino dos cé us." 17 Se vos tornardes como crianças,
entrareis no cé u; e pela contemplaçã o a alma entra nela de maneira
quase experimental ainda nesta vida. "Tomai sobre vó s o meu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coraçã o; e achareis
descanso para as vossas almas." 18
Este repouso para a alma encontra-se sobretudo na contemplaçã o
amorosa. "Deus resiste aos orgulhosos e dá graça aos humildes." 19 Ele
os torna humildes para enchê -los com seus dons. A humildade prepara
a alma para a contemplaçã o, pois já canta o louvor da gló ria de Deus. A
Imitação diz que os contemplativos sã o poucos em nú mero porque há
poucas almas profundamente humildes. Para receber a graça da
contemplaçã o, ordinariamente a alma deve ter feito um profundo ato
de verdadeira humildade que colore toda a sua vida. Quando uma alma
reconhece frequentemente e praticamente o fato de que toda a sua
existê ncia depende absolutamente de Deus, que ela continua a existir
somente por Ele, que ela age bem apenas por causa de Sua graça, que
opera em nó s tanto para querer quanto para realizar, que dirige suas
energias apenas por Sua luz, que pecou com frequê ncia e que é um
servo inú til que merece desprezo; entã o a alma geralmente obté m a
graça de que estamos falando.
amor ao recolhimento , a fidelidade à graça do momento presente e a
perseverança na oraçã o sã o também disposiçõ es que nã o devem faltar
à s almas generosas. Essas disposiçõ es exigem uma reaçã o contra a
agitaçã o do que hoje é chamado de vida extenuante. Na verdade, nã o é a
vida, mas uma febre, uma doença mortal; é o materialismo em açã o.
Depois de se afastar de Deus e da verdadeira vida da alma, ela busca o
seu equivalente em uma atividade multiplicada e cada vez mais intensa,
que muitas vezes é uma perda total; pois o finito nunca pode se igualar
ou se tornar o Infinito. Para um verdadeiro contemplativo, as pessoas
que se dedicam a uma intensidade exagerada de vida devem parecer
cadáveres ambulantes; homens mortos correndo, como diz uma velha
balada.
"É surpreendente a decadê ncia da fé", pergunta um tradutor recente
das obras de Tauler, "já que ningué m mais tem tempo para pensar na
fé ? O materialismo extinguiu a espiritualidade. No entanto, o desejo de
Deus, que é o fim do homem, ainda persiste nos coraçõ es humanos,
com o resultado de que mais do que nunca há uma inquietaçã o
indefinível no mundo. As almas estã o sofrendo e morrendo desse
desejo inconsciente pelo Infinito." 20 A reaçã o dessa inquietaçã o deve
suscitar muitas vocaçõ es contemplativas. Este é um argumento
importante para a doutrina que aqui defendemos, a saber, que um
ambiente desfavorável provoca uma reaçã o salutar nas almas boas.
O materialismo em açã o estende-se infelizmente à s coisas do
espírito e impede muitas almas de acreditarem que sã o chamadas à
contemplaçã o. Afasta-os do recolhimento e da perseverança na oraçã o.
Mesmo os assuntos espirituais foram desenvolvidos segundo as linhas
de uma ciência material que, em vez de nos dar um julgamento
doutriná rio fundado em princípios, nos apresenta um emaranhado de
informaçõ es materiais muitas vezes inú teis e impossíveis de classificar.
Aparentemente, quanto mais há , mais a ciência cresce. Na realidade,
esta multiplicidade inteiramente material nos distancia muito da
unificaçã o do saber, aquela visã o superior do todo que merece ser
chamada de sabedoria, e de ser chamada de contemplaçã o quando é
acompanhada pelo amor de Deus.
Se o problema atual do chamado geral das almas à vida mística fosse
estudado de acordo com os métodos dessa ciência material, jamais se
chegaria a uma soluçã o doutriná ria; pelo contrá rio, parece que
nenhuma conclusã o pode ser alcançada, uma atitude cética que nã o é
evidência de superioridade. Se este problema fosse estudado à luz da
sabedoria teoló gica, nas obras dos grandes mestres, e também à luz do
dom da sabedoria, que aqui é particularmente importante, o resultado
seria bem diferente.
Dificilmente podemos exagerar a importâ ncia do ensinamento de
Tauler sobre os perigos de um estudo totalmente material para um
religioso que deve aspirar à contemplaçã o. Falando até em religiosos, o
grande místico observa que alguns deles sã o como cisternas recebendo
á gua apenas dos bueiros e nã o da fonte de á gua viva. Sem uma vida
interior, gastam-se nas coisas exteriores, e o resultado é o orgulho. Ele
diz que esses intelectuais, apaixonados por si mesmos e por seu
intelecto, que é alimentado apenas por criaturas, sã o cisternas. Suas
realizaçõ es mentais nã o podem sustentá -los nas provaçõ es e serã o
confundidos na morte. 21
Em sua explicaçã o da pará bola daqueles que recusaram o convite
para a festa, Tauler diz: "Quem poderia contar hoje o nú mero de
homens que agem da mesma maneira... Pessoal, falo nã o apenas dos
leigos, mas també m de eclesiá sticos e religiosos, está ocupado com
seus negó cios. Que negociaçõ es e ocupaçõ es inumeráveis
continuamente distraem e absorvem o mundo! O pró prio pensamento
de tudo isso é suficiente para deixar algué m cambaleando. Nó s nos
cercamos de tantas coisas, enquanto um dé cimo delas seria basta; pois,
afinal, o tempo na terra é curto e incerto. Devemos lembrar que este
mundo é apenas uma passagem para a eternidade, e entã o usaríamos
as coisas temporais com moderaçã o e ficaríamos satisfeitos com as
necessidades da vida. Seria melhor morrer de fome no caminho do que
deixar-nos sobrecarregar e crucificar por tantas ocupaçõ es”. 22
Tauler nã o está falando aqui do trabalho apostó lico que é a
irradiaçã o da vida interior, mas de inú meras ocupaçõ es inú teis, ou pelo
menos nã o santificadas. Se suas palavras eram verdadeiras para seu
tempo, o que dizer do nosso? Com tais condiçõ es, nã o é de admirar que
apenas um pequeno nú mero de almas chegue à contemplaçã o. Estas
condiçõ es, porém, representam uma desordem essencial, que afasta as
almas do recolhimento e da oraçã o necessá rios a qualquer vida interior.
Tendo isso em mente, compreendemos facilmente por que nosso
Senhor disse no final da pará bola das bodas: "Muitos sã o os chamados,
mas poucos os escolhidos".
Isso nã o é verdade em uma vida cristã normal, mesmo no mundo.
Sem excessiva dificuldade, as almas generosas alcançam pela
meditaçã o uma oraçã o afetiva simples e espontâ nea, que é uma
excelente disposiçã o à contemplaçã o mística ou infusa. 23
A caridade fervorosa para com Deus e o pró ximo é a ú ltima das
disposiçõ es que elencamos como requisito para a contemplaçã o. O
amor de Deus pelo homem nos une a Ele; e os dons do Espírito Santo,
que sã o os princípios da contemplaçã o infusa, estando ligados à
caridade, desenvolvem-se com ela. "A sabedoria como um dom do
Espírito Santo julga corretamente sobre eles (coisas divinas) por causa
da conaturalidade com eles. . . . Essa simpatia ou conaturalidade pelas
coisas divinas é o resultado da caridade, que nos une a Deus." 24 Por
isso é inconcebível que uma alma alcance um alto grau de caridade sem
ter um grau proporcional do dom da sabedoria como uma disposiçã o
habitual, porque o Espírito Santo inspira e ilumina as almas, como
regra geral, de acordo com o grau de sua docilidade habitual. Estas
almas nã o só desejam ardentemente e humildemente pedem a graça da
contemplaçã o, que aumentará seu amor e adoraçã o, mas nã o podem
deixar de exclamar: "Deus é tã o belo; tudo nele merece admiraçã o até o
esquecimento de todos senã o Ele deveria ser de fato o ú nico objeto de
nosso amor. É doloroso ver quã o pouco Ele é conhecido e quã o poucas
almas admiram Sua infinita grandeza. Quantos cristã os O amariam se
conhecessem por experiê ncia Sua bondade e ternura, que sã o tã o
diferente do que essas palavras geralmente denotam! Eles O amariam,
até o completo esquecimento de si mesmos e do mundo, para que
pudessem encontrar novamente todas as almas Nele, uma vez que
essas almas sã o amadas por Ele.
Isso explica por que o dom da contemplaçã o infusa costuma ser
concedido aos perfeitos, como ensinam muitos teó logos. 25 Os perfeitos
tê m, de fato, merecido no sentido estrito da palavra (condignamente)
um alto grau do dom da sabedoria, considerado como uma disposiçã o
habitual; e eles assim mereceram, pelo menos no sentido amplo da
palavra (congruentemente), 26 as reais inspiraçõ es superiores
proporcionais a este grau do dom. 27
Evidentemente, as principais condiçõ es ordinariamente exigidas
para a vida mística nã o faltam, via de regra, à s generosas almas
interiores, ainda que detidas no mundo e impossibilitadas de gozar do
silêncio e da solidã o da clausura. Como Santa Catarina de Siena, eles
podem construir uma cela interior em seus coraçõ es e encontrar Deus
lá .

2. OBSTÁ CULOS PARTICULARES À CONTEMPLAÇÃ O

Depois de ler a seçã o anterior, as almas que nã o receberam a graça


da contemplaçã o podem questionar se elas mesmas estã o colocando
algum obstá culo à contemplaçã o.
O obstá culo sempre vem de um apego desordenado, do egoísmo. Em
muitas almas está na vontade; eles escolhem seu pró prio caminho; em
outras palavras, eles desejam ir a Deus usando os meios de sua pró pria
escolha e exigem, por assim dizer, que Deus venha a eles de acordo com
o caminho deles. Eles contam muito com sua pró pria atividade, em vez
de permitir que Deus aja neles, e desejam construir sua perfeiçã o sem
Sua ajuda. Nenhum pequeno obstá culo se interpõ e quando uma alma
deseja dirigir-se em assuntos que nã o deveriam estar sob sua direçã o;
corre o risco de se opor mais ou menos conscientemente à direçã o
superior do Espírito Santo. Querer ser um centro, desejar que o bem
seja feito por nó s, ou pelo menos por nossa família religiosa ou
convento, e do nosso jeito, é uma preparaçã o ineficaz para a
contemplaçã o, que se caracteriza justamente por ser o caminho de
Deus. "Eu confesso a Ti, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque
escondeste estas coisas aos sá bios e entendidos, e as revelaste aos
pequeninos." Ocasionalmente, é nos conventos mais pobres, que
parecem nã o ter qualquer influência, que se encontram as almas mais
contemplativas e santas.
Em outras almas, o obstá culo à contemplaçã o se encontra na mente.
Eles tentam analisar tudo psicologicamente e registrá -lo para avaliar
seus pequenos progressos. Conseqü entemente, voltam o olhar para si
mesmos e nã o para Deus. É verdade que o autoconhecimento é sempre
necessá rio, mesmo nos estados mais elevados, 28 mas esse auto-
escrutínio nã o deve ser separado da atençã o da alma a Deus. O melhor
exame de consciê ncia nã o é aquele que questiona sinceramente que
registro o dia deixou no Livro da Vida? Se isso for feito, a luz do Espírito
Santo realizará o que Santo Agostinho pediu em sua oraçã o: "Para que
eu possa te conhecer, ó Senhor, e para que eu possa conhecer a mim
mesmo". "Na minha opiniã o", diz Santa Teresa, "nunca conseguiremos
nos conhecer bem se nã o tentarmos conhecer a Deus; contemplando
sua grandeza descobriremos nossa baixeza... Se, ao contrá rio, nunca
nos elevarmos acima de nossas pró prias misé rias, colheremos
prejuízos distintos... O autoconhecimento torna-se distorcido se nunca
tirarmos nossos pensamentos de nó s mesmos, e nã o estou nem um
pouco surpreso com isso. É por isso que afirmo, minhas filhas, que
devemos fixemos nossos olhos em Jesus Cristo, nosso tesouro, e nos
santos, aí aprenderemos a verdadeira humildade. Assim, repito, nosso
intelecto será enobrecido, e o autoconhecimento deixará de nos tornar
medrosos e covardes." 29
Entre os que se autoanalisam demais, alguns abandonam a oraçã o
para saber se ela está de acordo com as descriçõ es feitas pelos autores
místicos, e també m para verificar a que grau chegaram. Outros
imaginam que, para viver dessas coisas, basta conhecê -las
exteriormente, e tentam por si mesmos "eliminar as imagens e
esvaziar a mente". Ao fazer isso, eles se expõ em a todo tipo de ilusã o;
confundem uma simples especulaçã o intelectual sobre a Divindade,
superior à s perfeiçõ es divinas que ela conté m em sua eminê ncia,
especulaçã o ao alcance de todo filó sofo, ainda que em estado de
pecado mortal, com a contemplaçã o infusa descrita por Dionísio
quando fala da grande escuridã o. 30 Esquecem-se de que o princípio
que conduz à contemplaçã o cristã é amar a Deus por si mesmo.
Perdem-se em especulaçõ es abstratas e nã o compreendem o amor de
Cristo. Com uma grande quantidade de orgulho inconsciente, eles
podem se desviar completamente e terminar em uma contemplaçã o
teosó fica ou budista.
Por fim, certas almas parecem mais bem preparadas em alguns
aspectos, pois de bom grado permitiriam que Deus operasse nelas, e
nã o se orgulham de saber tudo; mas o coraçã o deles busca o gozo de
Deus em vez do pró prio Deus. Nisso eles sã o enganados, pois é um Deus
crucificado a quem devemos amar, e a intimidade com Ele é
frequentemente encontrada no sofrimento. Sem dú vida, a alegria e a
felicidade inigualável vêm depois, mas nã o é isso que a alma deve
buscar.
Algumas almas que opuseram todos esses obstá culos à graça de
Deus tiveram a felicidade de vê-lo derrubá -los a todos para provar mais
uma vez que veio buscar os pecadores e salvar o que se havia perdido.
Talvez a intimidade da oraçã o fosse necessá ria para sua salvaçã o; se
nã o o tivessem obtido, poderiam ter desejado gozar de suas faculdades
para si mesmos e encontrar em um amor proibido ou nas satisfaçõ es do
orgulho o que existe somente no amor divino. Tesouros inestimáveis
sã o frequentemente desperdiçados ao se fechar em si mesmo. Devemos
invocar a ajuda de Deus na seguinte oraçã o: "Ó Senhor, tira-me de mim
mesmo e dá -me forças para me entregar completamente a Ti."
3. O QUE SE DEVE PENSAR DAS ALMAS QUE RECEBERAM APENAS UM OU DOIS TALENTOS?

É moralmente possível que as almas que receberam apenas um ou


dois talentos alcancem a intimidade divina que estamos discutindo
agora? Mesmo que eles pudessem fazê-lo apenas com grande
dificuldade, nã o se seguiria que essa intimidade divina seja
essencialmente extraordiná ria. Nem todos os carvalhos de uma floresta
atingem a altura de seu crescimento normal; alguns sã o atrofiados.
Encontramos uma analogia na ordem espiritual. Deus lança semente
divina mais ou menos bela nas almas de acordo com o Seu beneplá cito;
e à s vezes essa semente encontra tantos obstá culos que é muito difícil
para ela atingir seu desenvolvimento normal completo.
Mas devemos lembrar o que diz Sã o Tomá s: "A menor graça é
suficiente para resistir a qualquer grau de concupiscê ncia"; 31 isto é , a
graça menos suficiente dá esse poder, e a graça menos eficaz faz com
que se torne um ato. Como observam Cajetan, 32 Gonet, 33 e vá rios
outros tomistas, isso é verdade para a menor graça suficiente
considerada em si mesma, mas talvez nã o para essa graça quando está
em uma alma que é muito fraca e muito tentada. Assim, o calor da á gua
fervente afasta o frio; mas, como a á gua nã o é o objeto natural do calor,
o calor, por sua vez, é expelido pelo frio se o fogo nã o for mantido.
Deve-se lembrar, no entanto, que o privilé gio da comunhã o
frequente é oferecido a essas almas menos favorecidas. Se eles
recebem a Sagrada Eucaristia freqü entemente com crescente fervor de
vontade, por que nã o deveriam, no final de uma longa vida, alcançar
pela fidelidade diá ria pelo menos os graus mais baixos da vida mística?
Talvez, como relata a pará bola do semeador, eles produzam uma
colheita de trinta por um, enquanto outros produzirã o sessenta ou cem
por um. 34 Devemos ter em mente a pará bola dos trabalhadores da
ú ltima hora, que, por gratidã o, trabalharam tã o bem que ganharam a
mesma recompensa daqueles que trabalharam desde a manhã .
Recordemos també m o bom ladrã o e as graças que deve ter recebido ao
ouvir as palavras do Cristo moribundo: "Em verdade te digo, hoje
estará s comigo no paraíso". Finalmente, deve-se lembrar que a maioria
dos eleitos passa pelo purgató rio apó s a morte por culpa pró pria, isto é ,
por negligê ncias que impediram a purificaçã o perfeita que poderiam
ter alcançado nesta vida 35 com a ajuda da graça.
4. É ESTA DOUTRINA DE NATUREZA DE LEVAR ALGUMAS ALMAS À PRESUNÇÃ O E OUTRAS AO
DESANIMIO?

Pode-se levantar a objeçã o de que, se aceita a doutrina do chamado


geral e remoto de todas as almas justas à vida mística, algumas almas
podem se inclinar a antecipar o tempo de Deus e simular a oraçã o
passiva, o que as levaria ao quietismo ou semi- quietismo. Outros, pode-
se objetar, podem desanimar se, apesar de sua generosidade, nã o
tiverem os sinais da oraçã o passiva, e podem ser levados a pensar que
nunca serã o capazes de alcançar a plena perfeiçã o da vida cristã .
Esta objeçã o falha em apreciar o verdadeiro significado da doutrina
que acabamos de expor, ou considera apenas a aplicaçã o prejudicial que
um diretor imprudente pode fazer dela.
Isso é evidente pela maneira como Sã o Tomá s responde a uma
objeçã o semelhante à conveniê ncia dos votos. A objeçã o é formulada
assim: aquele que faz um voto se expõ e ao pecado contra esse voto;
portanto, nã o é conveniente para ele fazê -lo. Sã o Tomá s responde: 36
"Quando o perigo surge da açã o em si, esta açã o nã o é conveniente -
por exemplo, que algué m atravesse um rio por uma ponte vacilante.
Mas se o perigo surgir devido ao fracasso do homem na açã o, este
ú ltimo nã o deixar de ser conveniente: assim, é conveniente montar a
cavalo, embora haja perigo de cair do cavalo: caso contrá rio, seria
necessá rio desistir de todas as coisas boas, uma vez que podem se
tornar perigosas acidentalmente. Portanto, está escrito (Eclesiastes 11:
4): 'Aquele que observa o vento nã o semeará , e aquele que considera as
nuvens nunca ceifará .' "As pessoas devem parar de usar facas porque de
vez em quando um homem se corta? Os votos sã o um obstá culo à
perfeiçã o, porque ao fazê -los a pessoa se expõ e indiretamente a
transgredi-los ocasionalmente? E devemos temer levar almas
fervorosas a desejarem humildemente a verdadeira vida mística,
simplesmente porque existe uma falsa? Deve-se renunciar a um bem
muito grande por medo de algo impró prio que possa surgir
acidentalmente?
O que diz Santa Teresa sobre aqueles que acham perigoso seguir o
caminho da oraçã o e desejar beber da fonte da á gua viva? Em O
Caminho da Perfeição , ela diz: "A falta de humildade, das virtudes, pode
colocá -lo em perigo, mas a oraçã o - a oraçã o! Deus nunca permitiria
isso. queda de certas almas que praticaram a oraçã o. . . . Portanto,
irmã s, banam essas dú vidas: nã o dê em atençã o à opiniã o pú blica. . . .
Abandonem esses medos sem causa. . . . Cuidado, filhas, com um certo
tipo de humildade sugerida por o demô nio, que vem acompanhado de
grande ansiedade pela gravidade de nossos pecados passados, ele
perturba as almas de muitas maneiras por este meio, até que
finalmente as impede de receber a sagrada comunhã o por dú vidas se
elas estã o em um estado adequado para isso ." 37 Em outro lugar,
falando daqueles que inspiram tais temores vã os nas almas, ela diz: "Eu
també m conheço esses semi-mé dicos que estã o sempre desconfiados.
Eles me custaram muito caro." 38
A doutrina que explicamos nã o é perigosa em si mesma, ou quando
aplicada por diretores prudentes. José do Espírito Santo, carmelita
conhecido por seu trabalho sobre teologia mística, resume esta
doutrina em duas proposiçõ es, que ele dá exatamente como a
expressã o do ensino tradicional: "Se se trata de contemplaçã o infusa,
tomada no sentido de êxtase, êxtase e favores semelhantes, nã o
podemos nos aplicar a isso, nem pedi-lo a Deus, nem desejá -lo. nossa
pró pria atividade auxiliada pela graça, podemos a ela aspirar,
desejando-a ardentemente e pedindo-a humildemente a Deus”. 39 A
uniã o dessas duas palavras "ardente" e "humildemente" lembra o
fortiter et suaviter da Escritura; resolve o problema pela conciliaçã o da
humildade e da magnanimidade. Sã o Tomá s explicou lindamente a
harmonia entre essas duas virtudes aparentemente tã o opostas. A
humildade, diz ele, ao nos inclinar profundamente diante de Deus, nos
lembra de nossa misé ria; enquanto a magnanimidade nos faz aspirar a
grandes coisas, até à intimidade divina que Deus nos oferece. 40 Um
cristã o deve aspirar vivamente a essas grandes coisas, e por uma
fidelidade cada vez mais perfeita preparar-se para elas, e
humildemente esperar que a misericó rdia divina as conceda. No
presente artigo, insistimos particularmente na humildade, que corrige
a presunçã o, e no desejo de esperança e caridade, que, unidos ao
esquecimento de si, corrigem o desâ nimo. É bom ter em mente que,
por causa da conexã o das virtudes, a humildade profunda é impossível
sem grande magnanimidade, como mostram as vidas dos santos. Como
diz Sã o Paulo, carregamos um tesouro preciosíssimo, a graça e a
Santíssima Trindade, em um vaso frá gil; quanto maior for nosso
conhecimento da fragilidade do vaso, maior també m será nossa
apreciaçã o do valor do tesouro e mais aguda será nossa aspiraçã o de
viver intimamente com ele. Isso é ensinado pelas purificaçõ es passivas,
um estado místico que, longe de tornar a alma orgulhosa, a humilha
profundamente. Sem essas purificaçõ es, dificilmente é possível amar
ser nada para que Deus seja tudo; amare nesciri et pro nihilo reputari .
A doutrina que conduz à presunçã o é o ensinamento de que todas as
almas interiores sã o chamadas à vida mística, nã o só de modo geral e
remoto, mas de modo pró ximo e individual. Se este erro fosse
cometido, o diretor deveria aconselhar as almas a praticar o repouso
da oraçã o passiva antes mesmo de poder provar a existê ncia nelas dos
trê s sinais enumerados por Sã o Joã o da Cruz, e discutidos ao longo
destas pá ginas . 41 A alma assim terminaria no quietismo.
A doutrina que leva ao desâ nimo é aquela que sustenta que as almas
interiores nã o sã o geralmente chamadas, mesmo de maneira remota, à
intimidade divina da vida mística. Muitas almas seriam assim retidas
nas formas inferiores da vida espiritual e muitas, apesar de sua
generosidade, se desesperariam de alcançar a uniã o íntima com Deus
nesta vida.
Outros, antes de passarem pelas purificaçõ es passivas dos sentidos e
da alma, poderiam decidir, e nã o sem presunçã o, que haviam alcançado
a vida unitiva ordiná ria, e que lhes bastaria permanecer nela, já que os
graus superiores sã o extraordiná rias, e a humildade nã o permite que se
aspire a elas.
Para combater o excesso de quietismo ou semiquietismo, deve-se
tomar cuidado para nã o cair no extremo oposto, uma espécie de
naturalismo prá tico que interrompe o progresso da vida interior. Como
sempre nesses grandes problemas, a verdade é encontrada em um meio
termo acima de dois erros extremos, que se opõ em um ao outro; a
verdade, como um cume, domina as divagaçõ es e as contradiçõ es do
erro. Além disso, ele se eleva acima de um ecletismo inconsistente que
vai sempre apenas pela metade, que nã o pode afirmar nada com
precisã o e que oscila da direita para a esquerda porque nã o vê os
princípios superiores que, por si só , reconciliam os mais variados
aspectos da realidade. Os aparentes antagonismos sã o resolvidos pelo
equilíbrio de seus termos levado ao mais alto grau; neste cume atinge-
se a harmonia, por exemplo, entre a humildade e a magnanimidade.
Toda alma interior deve esforçar-se humilde e ardentemente pelas
grandes coisas. A humildade em si nã o deve ser inferior à
magnanimidade, pois essas virtudes, em aparência tã o contrá ria,
crescem juntas e se fortalecem mutuamente; ao mesmo tempo,
preservam a alma do orgulho e do desâ nimo. A aparente contradiçã o
entre eles é resolvida pelo que diz Sã o Paulo: "Porque Deus...
resplandeceu em nossos coraçõ es... mas temos este tesouro em vasos
de barro." Se considerarmos a fragilidade do vaso, nunca poderemos
nos humilhar demais; se considerarmos o valor do tesouro, nunca será
demais desejar o reino íntimo de Deus em nossas almas e o
cumprimento cada vez mais perfeito do primeiro preceito que nã o
conhece limites. "Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de
toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu
entendimento", para se tornar verdadeiramente "um adorador em
espírito e em verdade". Nunca é demais desejar crescer na caridade e
na sabedoria divina que, como todos os dons, cresce com ela.
Esta doutrina, portanto, nã o leva as almas boas nem ao desâ nimo
nem à presunçã o, mas, como o dogma da predestinaçã o, as faz aspirar
à uniã o divina, incutindo nelas o santo temor de nã o serem
suficientemente generosas e dó ceis ao Espírito Santo. . Nã o leva ao
desâ nimo mais do que as purificaçõ es passivas, que visam refinar a
virtude da esperança pela luta contra as tentaçõ es do desespero. Essas
tentaçõ es surgem quando o pró prio Deus revela mais claramente à
alma a altura da meta a ser alcançada. Sob essa luz, a alma vê cada vez
mais sua pró pria misé ria e deve, a despeito das sugestõ es do demô nio,
esperar contra toda esperança. Essa purificaçã o é necessá ria para que
a alma seja completa e para sempre curada da vã autocomplacê ncia e
para que as raízes do orgulho e da presunçã o sejam completamente
extirpadas. Em vez de levar ao orgulho, a contemplaçã o mística o
destró i e ensina a humildade, como só Deus pode. "Onde há humildade,
també m há sabedoria"; 42 e onde há profunda humildade, há també m
elevada sabedoria, aquela que vem do Pai da luz. Como diz o autor de A
Imitação , há tã o poucos contemplativos porque o nú mero de almas
profundamente humildes é tã o pequeno.
Essa doutrina, portanto, permite responder à s dificuldades
propostas contra ela; é assim confirmado de novo e aparece cada vez
mais como a verdadeira expressã o do ensino tradicional. Para vivê -la,
poré m, precisamos do que muitos autores chamaram de "a segunda
conversã o". O que isso deve ser pode ser determinado pelo que
acabamos de dizer sobre as condiçõ es interiores ordinariamente
exigidas para a contemplaçã o mística ou para as virtudes que a
preparam. Se há poucas almas perfeitas, é porque sã o poucas as que
seguem a direçã o do Espírito Santo. Seus sete dons geralmente tê m
pouco efeito em muitas almas porque sã o, por assim dizer, agrilhoados
por há bitos e afeiçõ es contrá rios. Os pecados veniais mais ou menos
deliberados e frequentes excluem as graças necessá rias para produzir
os atos dos dons. 43 Mas nã o podemos duvidar de sua existê ncia,
porque a Escritura, a tradiçã o e a liturgia falam deles, e, se os
obstá culos fossem removidos, normalmente deveríamos ver a
realizaçã o gradual do que a Igreja nos faz implorar no Veni Creator:

Criador, Espírito, todo divino,


Venha visitar cada alma Tua,
E encha com Tua chama celestial
Os seios que Tu mesmo emolduraste.
Os sete dons místicos sã o Teus,
Dedo da mã o direita de Deus divino;
Sua graciosa promessa enviada para ensinar
A língua um discurso rico e celestial.
Kindle com fogo trazido de cima
Cada sentido, e encha nossos coraçõ es com amor
E conceda nossa carne tã o fraca e pobre
Essa força que dura para sempre.
Esta oraçã o, que deve ser dita pela alma fiel com um fervor de vontade
sempre crescente, lembra-nos que a vida da graça é a vida eterna
iniciada; e termina pedindo o fruto normal desta "graça das virtudes e
dos dons", a contemplaçã o infusa da Santíssima Trindade que habita
em nó s:
A nó s, por Vó s, seja manifestada a graça
Conhecer o Pai e o Filho:
E Espírito de ambos, podemos
Para sempre mantenha firme confiança em Ti.
Consequentemente, a vida mística é a plenitude da fé, da esperança, da
caridade e dos dons que as acompanham; em outras palavras, o
prelú dio normal para a vida no céu.
Devemos ter confiança nas promessas divinas. A aridez nã o é fruto
da tepidez, quando, em vez do amor do mundo, predomina o interesse
pela nossa promoçã o espiritual. Devemos confiar no Espírito Santo que
habita em nó s e que aumenta Sua obra em nó s na proporçã o de nossa
crescente fidelidade ao primeiro mandamento: "Amará s o Senhor teu
Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma, e de todo o todas as
tuas forças e com toda a tua mente" para se tornarem "adoradores em
espírito e em verdade". Nosso Senhor disse: "Nã o vos chamarei de
servos... mas tenho-vos chamado de amigos." Devemos crer na força
totalmente divina da graça recebida no batismo, do Espírito Santo que
nos foi dado. Nã o vemos essa força mais do que vemos a vida
escondida em uma bolota da qual cresce um carvalho vigoroso. Se o
carvalho estiver circundado por uma faixa de ferro, a casca logo
crescerá sobre ele. Quem pode medir a energia sobrenatural contida na
graça das virtudes e dos dons, que nã o é outra senã o a vida eterna
iniciada? Quem pode pô r um limite à obra de santificaçã o que o
Espírito Santo iniciou em nó s e impedir que as almas cheguem até ao
santuá rio interior onde habita a Santíssima Trindade? "Pelo que
desejei, e foi-me dado entendimento; e invoquei a Deus, e o espírito de
sabedoria veio sobre mim." 44 "Confesso-te, ó Pai, Senhor do cé u e da
terra, porque ocultaste estas coisas aos sá bios e entendidos, e as
revelaste aos pequeninos." 45
ALGUMAS DIFICULDADES TEÓ RICAS A GRAÇA DA CONTEMPLAÇÃ O PODE SER MERECEDA? AS
CONDIÇÕ ES EXIGIDAS SÃ O NORMAIS?

Algumas objeçõ es de ordem especulativa podem ser levantadas


contra a doutrina que expusemos. Particularmente merecedora de
exame é a objeçã o que se refere à questã o de saber se a graça da
contemplaçã o pode ser merecida pelo menos de forma congruente.
A primeira objeçã o: "A lei do desenvolvimento da graça no homem
nã o deve ser entendida apenas pela graça considerada abstratamente,
mas pela graça como capaz de ser compartilhada pela natureza
humana. É assim Sã o Tomá s ( qu. disp. de caritate , a. 10) distingue
entre: (1) a caridade absolutamente perfeita que somente Deus pode
ter; (2) a caridade perfeita que o homem pode ter somente no céu; e (3)
a caridade perfeita que ele pode ter nesta vida. Sã o Tomá s expressa a
mesma opiniã o em IIa IIae, q. 24, a. 8, e IIIa, q. 7, a. 10."
É fá cil responder que, na questã o do chamado geral e remoto, 46
consideramos a graça das virtudes e dos dons, nã o de maneira
puramente abstrata, independente do modo segundo o qual existe nos
anjos ou no homem , mas como existe na alma humana ainda nesta
vida. Essa alma quase ideal era considerada iniciante, proficiente e,
finalmente, perfeita. E insistimos particularmente em um ponto, a
saber, que a contemplaçã o infusa nã o requer idé ias infusas como as
dos anjos, mas que as idé ias adquiridas sã o suficientes, como o fazem
para o ato de fé . A questã o diz respeito, portanto, à graça na medida em
que pode ser compartilhada pelo homem nesta vida, e nã o no
purgató rio ou no cé u.
Alé m disso, na questã o da vocaçã o individual 47 consideramos a vida
da graça como passível de ser partilhada e participada por uma alma
individual, conforme possua ou nã o os trê s signos mencionados por
Tauler e depois por S. Joã o da Cruz, sinais que se tornaram as
indicaçõ es clá ssicas do início da contemplaçã o infusa. Alé m disso,
nesta segunda questã o, a distinçã o entre o chamado meramente
suficiente e o chamado eficaz (eficaz no sentido tomista, seja para os
graus inferiores da vida mística, seja para os graus superiores)
salvaguarda a gratuidade do dom de Deus, assim como no caso da
graça da conversã o ou da perseverança final.
Portanto, está em total conformidade com a doutrina ensinada por
Sã o Tomá s ( qu. disp. de. caritate , a. 10), pois até a uniã o
transformadora 48 está incluída no que Sã o Tomá s chama de caritas
perfecta secundum tempus, scilicet quae potest haberi in hac vita . 49
Toda alma deve ser suficientemente purificada no momento da
morte para ir direto para o céu sem passar pelo purgató rio, onde será
detida apenas por sua pró pria culpa ao negligenciar as graças que lhe
foram concedidas ou oferecidas. Sofrerá tanto no purgató rio pela
privaçã o da visã o de Deus apenas porque é radical para a ordem
estabelecida por Deus vê-lo imediatamente apó s a morte. O fato de
haver muitas almas retardadas nã o deve fazer esquecer o caminho
normal de santidade, ao qual todo cristã o deve aspirar para estar na
ordem radical querida por Deus.
Aqueles que se opõ em ao nosso ensino sobre este assunto insistem
ainda mais. "Parece", dizem eles, "que uma lei da graça (de seu
crescimento e perfeiçã o) nã o pode ser formulada com o mesmo rigor
que uma lei da natureza. A graça, que é participaçã o na natureza divina
e dom absolutamente gratuito, nã o em razã o deste duplo título e, por
assim dizer, forma, qualquer medida que possa regular sua perfeiçã o e
modo de crescimento, exceto o amor gratuito de Deus por cada homem
em particular”.
Esta interessante objeçã o nos leva a afirmar definitivamente um
ponto importante. Certamente, de acordo com o ensinamento de Sã o
Tomá s 50 — e Sã o Joã o da Cruz expressa a mesma opiniã o 51 — o grau de
gló ria de cada alma predestinada e o correspondente grau de caridade
na hora da morte dependem do beneplá cito de Deus. Alé m disso, nem a
primeira graça nem a da perseverança final podem ser merecidas; 52 e
veremos que nem mesmo qualquer ajuda eficaz que nos mantenha em
estado de graça pode ser merecida condignamente, ou de acordo com o
sentido estrito da palavra "mé rito". 53
No entanto, se Deus coloca gratuitamente uma alma na ordem da
graça e a manté m nela, entã o as leis dessa ordem se aplicam a essa
alma. Entre essas leis da ordem da graça, algumas sã o absolutamente
rigorosas e sem exceçã o; por exemplo, há verdades de fé que devem,
nã o só por preceito, mas por necessidade, ser acreditadas pelos
adultos como um meio indispensável de salvaçã o. Da mesma forma, é
impossível ter um amor sobrenatural de Deus sem fé ; alé m disso, as
virtudes infusas estã o ligadas à caridade, assim como os dons. 54 Esta
conexã o pressupõ e numerosas relaçõ es mú tuas entre as virtudes
infusas e os dons, relaçõ es que sã o as leis do organismo sobrenatural.
Como resultado, em Ia IIae e IIa IIae da Summa , quase todos os artigos
que tratam das relaçõ es das virtudes entre si, ou dos dons entre si, ou
dos dons com as virtudes, conté m uma lei pertencente ao ordem da
graça.
Assim podemos merecer condignamente (ou em sentido estrito,
uma lei rigorosa) o aumento da caridade que é acompanhado pelo das
virtudes infusas e dos dons. 55 Tanto é verdade que uma alma nã o pode
ter caridade em grau heró ico sem ter as outras virtudes infusas e os
dons (como habitus ) em grau proporcional. 56 Esta lei é mais rigorosa
do que a lei em virtude da qual os cinco dedos da mã o se desenvolvem
ao mesmo tempo. Na ordem sensível, há exceçõ es, na medida em que a
maté ria à s vezes escapa ao domínio da forma dirigente ou ideia que a
organiza. As virtudes infusas, que estã o mutuamente conectadas,
consideradas formalmente, crescem simultaneamente, sem exceçã o:
"Seu crescimento no homem é igual, como os dedos... crescem em
proporçã o um ao outro." 57 O mesmo acontece com os dons que estã o
ligados a eles na caridade. 58
Uma outra objeçã o é feita: "Se este ponto de vista fosse inteiramente
exato, nã o haveria necessidade de hesitar em dizer que o estado místico
pode, em um dado momento, ser merecido condignamente."
Respondemos a esta objeçã o 59 em nossa reiterada afirmaçã o de que
se deve fazer uma distinçã o entre as pró prias dá divas, consideradas
como disposiçõ es habituais, e os atos que delas procedem.
É verdade que podemos merecer condignamente o aumento da
caridade, das virtudes e dos dons como habitus , e que nesta vida
nenhum limite pode ser colocado nesse aumento. 60 O Espírito Santo
move as almas em regra segundo o grau de seu habitus infuso , de sua
docilidade habitual (desde que nã o haja obstá culo, pecado venial ou
imperfeiçã o; caso haja, o ato meritó rio é fraco, remisso , inferior ao grau
de caridade). Consequentemente, os tomistas 61 costumam dizer que o
homem justo, que persevera no fervor, pode merecer saltem de congruo
(pelo menos no sentido amplo da palavra "mé rito"), a graça da
contemplaçã o infusa. Por que eles dizem saltem , pelo menos de forma
congruente? Porque na graça da contemplaçã o infusa há algo merecido
estrita ou condignamente, isto é , um alto grau dos dons do
entendimento e da sabedoria, considerados como habitus; é um ato, e o
estado místico é esse ato que dura um certo tempo. Mas este ato supõ e
uma graça eficaz e atual. Segundo os tomistas, nã o podemos merecer
estrita ou condignamente a ajuda eficaz que nos manté m em estado de
graça. Por que é isso? Porque nã o cai no mé rito o princípio do mé rito:
por isso nem a primeira graça, nem o socorro eficaz que nos manté m
em estado de graça, nem o dom da perseverança final, embora tã o
necessá rios à salvaçã o, podem ser merecidos condignamente. 62
Alé m disso, se um homem justo pudesse merecer estritamente a
graça eficaz A, por ela també m mereceria a graça eficaz B, e assim por
diante até a graça da perseverança final, que seria assim merecida
condignamente. Donde se segue que muitas graças necessá rias à
salvaçã o nã o podem ser objeto de mé rito estrito. Nã o nos deve
surpreender, pois, que a atual graça eficaz da contemplaçã o infusa nã o
possa ser merecida condignamente, ainda que seja na via normal da
santidade. Pode ser merecida mais do que a graça da perseverança
final, pois seria exagero dizer que esta ú ltima pode ser merecida pelo
menos congruentemente. 63 Mas, em certo sentido, a graça atual da
contemplaçã o infusa é mais gratuita do que a necessá ria ao exercício
obrigató rio das virtudes infusas, pois usamos as virtudes infusas
quando queremos fazê -lo. O mesmo nã o acontece com os dons, embora
por nossa fidelidade possamos nos preparar para receber a inspiraçã o
do Espírito Santo. De fato, devemos nos preparar para isso; e se o
fizermos generosamente, chegará o dia em que a graça da
contemplaçã o nos será concedida com bastante frequê ncia. Deus
normalmente o dá ao perfeito, desde que nã o haja obstá culos
acidentais; mas Ele o dá na aridez e na noite, ou na luz e no consolo. 64
A seguinte objeçã o é apresentada: "O que você considera acidental e
o que você está um pouco inclinado a desprezar teoricamente porque é
material, talvez faça parte dessa causalidade material, que é tã o
indispensável para a essência do composto (natureza e graça) quanto
causalidade formal, embora em um nível inferior."
Devemos responder a esta objeçã o afirmando que as almas recebem
graça de acordo com o poder obediente que é o mesmo em todos. 65
Quanto à causalidade material, que prepara para receber e aumentar a
graça, ela mesma é efeito de uma graça atual de ordem sobrenatural. De
acordo com Sã o Tomá s, este é o significado do axioma: "Se o homem
fizer o que está dentro dele, Deus nã o lhe negará a graça." 66 A infusã o e
o aumento da graça certamente requerem uma aptidã o, pois nenhuma
forma ou perfeiçã o é produzida em um sujeito a menos que o sujeito
esteja disposto a isso; mas é o pró prio Deus quem assim dispõ e nossas
almas, ou quem as move sobrenaturalmente para se prepararem. 67 A
graça e a caridade nã o nos sã o dadas na proporçã o de nossas
capacidades ou disposiçõ es naturais, pois as superam infinitamente. 68
Consequentemente, os tomistas ensinam que sã o nossos atos
sobrenaturais que nã o apenas merecem, mas també m nos preparam
fisicamente para o aumento da caridade. 69
Consideramos essas disposiçõ es sobrenaturais para a
contemplaçã o infusa nos capítulos anteriores. 70 Esse ensinamento
sobre o assunto é clá ssico, e seria uma falta imperdoável negligenciá -
lo. Essas disposiçõ es, como vimos, sã o principalmente: (1) grande
pureza de coraçã o: "Bem-aventurados os limpos de coraçã o"; (2)
grande simplicidade de espírito que busca apenas a verdade; (3)
profunda humildade; (4) lembrança habitual; (5) perseverança na
oraçã o; (6) caridade fervorosa. Esta ú ltima disposiçã o é a mais
importante junto com uma profunda humildade. Na ordem da
preparaçã o material, a humildade é fundamental, segundo S. Tomá s, ut
removens prohibens , na medida em que remove o principal obstá culo
que é o orgulho, o orgulho intelectual tã o frequente num certo tipo de
aprendizagem, ou o orgulho espiritual. 71 É por isso que Santa Teresa
insistiu tã o fortemente nesta disposiçã o fundamental em todas as suas
obras, particularmente no Epílogo de O Castelo Interior . Nosso Senhor
mesmo nos ensinou isso quando exclamou: "Confesso-te, ó Pai, Senhor
do cé u e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sá bios e
entendidos, e as revelaste aos pequeninos." Muitas vezes, por
humildade, a desigualdade das condiçõ es sobrenaturais ou das graças
equilibra maravilhosamente a desigualdade das condiçõ es ou
disposiçõ es naturais. Na exposiçã o do ensino tradicional, nã o se pode,
portanto, insistir demais nas disposiçõ es sobrenaturais à
contemplaçã o. E quem pode responder que nã o pode ter esta pureza de
coraçã o, simplicidade de espírito, humildade profunda, espírito de
oraçã o e caridade? Devemos implorar a Deus que nos dê essas
disposiçõ es.
Alé m disso, consideramos as condiçõ es externas que favorecem a
contemplaçã o e a uniã o com Deus. Sã o eles: uma certa solidã o, silê ncio,
tempo suficiente para a oraçã o, sem sobrecargas, sem leituras inú teis,
sem preocupaçõ es estranhas à nossa vocaçã o. A essas condiçõ es
externas deve-se acrescentar a aptidã o natural e també m a direçã o
iluminada. Se faltam muitas destas condiçõ es exteriores, é difícil
chegar à contemplaçã o, que já nã o tem o seu ambiente normal.
Profunda humildade e ardente caridade, poré m, podem suprir esta
falta, sobretudo se unidas a uma grande devoçã o à Santíssima Virgem e
ao Coraçã o Eucarístico de Jesus. 72 Aquele que habitualmente começa a
sua oraçã o com estes dois mediadores, será conduzido por eles à
íntima uniã o com Deus, pois o objetivo da influê ncia da Santíssima
Virgem é conduzir-nos ao seu Filho, e o de Cristo, conduzir-nos ao Pai.
Quando faltam as condiçõ es externas adequadas, pode acontecer
que as almas generosas só cheguem à contemplaçã o depois de um
período de tempo superior ao normal da vida; mas eles tendem a isso
como o prelú dio normal da visã o beatífica. E a pró pria vida ativa,
segundo Sã o Tomá s, é assim ordenada à vida contemplativa, para a
qual deve nos preparar. 73
Voltando à objeçã o proposta, mostramos no capítulo anterior 74 que
entendemos "acidental" ou por acidente no mesmo sentido que Santo
Tomá s. Uma vez que a graça santificante é , de fato, um começo da vida
eterna ( inchoatio vitae aeternae, semen gloriae ), ela é por si mesma (
ratione sui ) inamissível e deve aumentar continuamente,
especialmente atravé s da comunhã o diá ria. Mas guardamos este
tesouro em um vaso frá gil e, por causa do sujeito ou da defectibilidade
de nosso livre arbítrio, a graça pode se perder ou aumentar muito
pouco. Ora, essa perda ou mesmo esse freio em seu desenvolvimento
se opõ e à lei intrínseca da semente divina, que foi criada para se
desenvolver continuamente até alcançar a vida eterna. Essa oposiçã o
caracteriza o pecado em seus vá rios graus. Quem nã o avança na vida
espiritual, retrocede. 75
Em vista das trê s razõ es fundamentais citadas no capítulo anterior,
76 sabemos que em princípio ( per se loquendo ) a contemplaçã o infusa

está no caminho normal da santidade, dadas as disposiçõ es interiores


acima mencionadas e a boa direçã o em ambiente favorável. Mas se
acidentalmente falta a boa direçã o, que deveria ser normal na Igreja, e
com ela o silê ncio e o recolhimento, e se o ambiente se opõ e à
contemplaçã o em vez de favorecê -la, entã o mesmo as almas generosas
podem nã o alcançar a contemplaçã o infusa nesta vida. Isso é
semelhante ao caso de um bom intelecto em um ambiente fortemente
preconceituoso contra o ensinamento de Sã o Tomá s. Em tal situaçã o,
um bom intelecto encontrará grande dificuldade em alcançar uma
compreensã o clara da doutrina de Sã o Tomá s. Isso també m representa
algo acidental. 77
Para saber qual é o caminho normal da santidade e o pleno
desenvolvimento da graça das virtudes e dos dons, devemos considerar
como esta graça cresce por princípio ( per se ) em condiçõ es interiores
e exteriores adequadas e nã o contrá rias. A mesma regra vale tanto na
ordem espiritual como na ordem natural. Quando desejamos descobrir
o que produzirá determinada semente, por exemplo, a semente de um
cedro, plantamo-la em solo adequado; caso contrá rio, nã o atingirá o
á pice de seu desenvolvimento normal. Falamos, portanto, de almas em
ambiente cristã o que correspondem aos desígnios que Deus tem sobre
elas.
Outra dificuldade pode ser enunciada da seguinte forma: "Do ú nico
conceito de graça formalmente considerado, nã o podemos deduzir a
priori que o estado místico seja normal, mesmo no sentido que
acabamos de expressar. A prova deve ser complementada pelo menos
pela observaçã o de fatos, ou recorrendo à autoridade teoló gica,
tradiçã o, por exemplo."
Esta objeçã o é facilmente respondida. As trê s provas fundamentais
propostas no cap . vida perfeita, como foi descrita especialmente por
Santa Teresa e Sã o Joã o da Cruz. Alé m disso, uma experiê ncia de dez a
quinze anos no ministé rio de comunidades contemplativas, e mesmo
de fervorosa vida mestiça, basta para mostrar que a experiê ncia da
vida perfeita se conforma ainda hoje com o que os santos nos disseram
dela.
Portanto, a contemplaçã o infusa está no caminho normal da
santidade pelas seguintes razõ es: (1) Procede da graça das virtudes e
dos dons concedidos a cada batizado, e aparece quando começa a
prevalecer o modo sobre-humano dos dons, como é pró prio da
perfeiçã o, sobre o modo humano e imperfeito das virtudes. 79 Isso
ocorre no modo iluminativo e especialmente no modo unitivo. (2)
Nesta vida, a alma é perfeitamente purificada no fundo de suas
faculdades apenas pelas purificaçõ es passivas dos sentidos e da alma,
que pertencem à ordem mística e sã o acompanhadas pela
contemplaçã o infusa, pelo menos pela contemplaçã o inicial ou á rida .
(3) A contemplaçã o infusa e o desejo ardente de ver Deus sã o, segundo
a tradiçã o e a experiê ncia da vida perfeita, o prelú dio normal da visã o
beatífica. Portanto, uma vez que o cé u é acessível a todos, o mesmo
deve ser dito sobre o que é seu prelú dio ordiná rio no perfeito. 80
Embora eminente, a graça da contemplaçã o infusa está no caminho
normal da santidade, mesmo da santidade que todo cristã o deve ter
antes da morte para evitar o purgató rio e, imediatamente apó s a
separaçã o da alma do corpo, estar na radical ordem querida por Deus, e
nã o ser penosamente privado da visã o beatífica por mais ou menos
tempo.
na linha normal do desenvolvimento formal da graça . afirmam tal
resistência a este crescimento que este desenvolvimento deveria ser
considerado um favor extraordiná rio? A visã o beatífica é, de fato, da
ordem do desenvolvimento formal da graça, mas seria essencialmente
extraordiná rio recebê-la aqui embaixo. Agora, entre os normais
condiçõ es da vida humana e as condiçõ es exteriores e interiores
exigidas para a vida mística, existe uma distâ ncia quase tã o grande
quanto entre a vida e a morte”.
Aqui novamente respondemos com Sã o Tomá s, 81 que a visã o
beatífica nã o pode ocorrer nesta vida sem êxtase, e que exclui a
cooperaçã o da imaginaçã o. O caso é bem diferente com a
contemplaçã o infusa, que estamos considerando aqui. É , portanto,
conforme ao estado normal do homem nesta vida. 82 Alé m disso, nã o
devemos esquecer que há menos distâ ncia entre um justo nesta terra,
ainda que nã o seja místico, e um santo no cé u, do que entre este justo e
um pecador privado da graça; pois a natureza nã o é a semente da graça,
enquanto a graça é a semente da gló ria, ou a vida eterna iniciada,
inchoatio vitae aeternae . Nenhuma grande distâ ncia separa as
condiçõ es normais de uma vida cristã perseverantemente fervorosa
das condiçõ es exigidas para a vida mística. 83
As condiçõ es exigidas para a vida mística encontram-se tanto nas
ordens contemplativas como nas comunidades fervorosas dedicadas
tanto à contemplaçã o como à açã o, e mesmo no casamento cristã o
quando é verdadeiramente o que deve ser. 84 Muitos diretores
experientes encontraram em todas essas esferas da vida, entre almas
generosas habitualmente fié is ao Espírito Santo, muitos que atingiram
o estado místico. Recentemente, um desses diretores escreveu o
seguinte: "Muitos acreditam estar no caminho místico e qualificados
para escrever e falar sobre isso, mas nã o tê m experiê ncia verdadeira
disso. . . . Por outro lado, muitos levam a vida mística sem saber e à s
vezes estã o muito avançados nisso sem suspeitar que Deus está
fazendo grandes coisas neles, ou percebendo que a deles é a vida
mística. Eu encontrei isso em todas as esferas da vida, notadamente
entre os pobres e crianças pequenas e entre pessoas analfabetas , e até
mesmo entre as tribos selvagens da Amé rica do Norte." 85 O autor
destas linhas chega a sustentar que ordinariamente uma alma nã o
persevera no fervor, na humildade, no esquecimento de si e na
generosidade, sem alcançar a vida de uniã o íntima com Deus; em
outras palavras, à essê ncia da vida mística. Isso nã o o impede de
escrever: "Um fato surpreendente é que um nú mero comparativamente
enorme de pessoas permanece iniciante durante toda a vida. Muito
poucos, mesmo entre religiosos e clé rigos e pessoas seculares que
fazem profissã o de piedade, muito poucos realmente sã o aqueles que
realmente ultrapassam o limiar da vida mística e respondem ao
convite amoroso e premente de Deus: 'Amigo, sobe mais alto' (Lc 14,
10)." 86 Como dissemos no capítulo anterior, 87 isso explica o fato de que
as condiçõ es necessá rias para a vida mística geralmente nã o faltam no
caso das almas interiores generosas. Se estivermos inclinados a ter
uma opiniã o contrá ria, devemos cuidar para nã o buscar em uma teoria
infundada a justificativa de uma certa mediocridade espiritual. Nã o
devemos afirmar que a vida mística é extraordiná ria, simplesmente
para evitar a obrigaçã o de a ela aspirar por aquela despojamento de si
que a prepara.
Poderíamos acrescentar que os ambientes desfavoráveis muitas
vezes provocam uma reaçã o salutar nas almas boas, especialmente nas
muito boas; e o Senhor os ajuda na proporçã o das dificuldades a serem
vencidas. Por exemplo, o sofrimento causado pela injustiça nos revela o
valor da justiça; a auto-suficiência e o orgulho, que se tornam
insuportáveis, demonstram o valor da humildade. O amor à verdade, o
gosto pela palavra de Deus, a piedade só lida, todos os quais nã o se
contentam com as aparências, reagem de comum acordo e de forma
bastante espontâ nea contra o aprendizado vazio e pretensioso, que
altera tudo com seu falso espírito. A falta de simplicidade na vida
enfatiza a conveniência daquela franca cordialidade sem a qual nã o há
verdadeira uniã o de coraçõ es e mentes em Deus. Uma nota discordante,
que viola a ordem da caridade ao colocar o amor ao pró ximo acima do
amor a Deus, nos surpreende e, por contraste, recorda a grandeza do
primeiro preceito. A falsidade sob suas vá rias formas nos mostra o
valor da verdade; a ausência da verdade em vá rios graus é um dos
maiores obstá culos à vida de oraçã o. Uma alma torna-se contemplativa
somente se for estabelecida na verdade, porque a contemplaçã o infusa
é simplesmente o efeito imediato da operaçã o direta da verdade de
Deus sobre a alma para levá -la a um amor maior.
Finalmente, o principal obstá culo vem de certas sutilezas de orgulho
intelectual ou espiritual que, especialmente quando encontradas
naqueles que dirigem as almas, podem ter consequências
irremediáveis, pelo menos por um tempo. Neste caso, a grandiloquência
mística nã o é menos temível do que um certo intelectualismo estéril.
Isso explica, por outro lado, por que à s vezes encontramos uma
contemplaçã o e uma santidade mais reais em conventos pobres, muito
pouco conhecidos, mas extremamente queridos por nosso Senhor Jesus
Cristo. A misericó rdia divina muitas vezes compensa a desigualdade
das condiçõ es naturais com grandes graças. "Abençoados sã o os pobres
de espírito." A humildade profunda supre outras condiçõ es na vida de
uniã o com Deus. Os dois grandes mediadores, Jesus e Maria, inclinam-
se até os humildes para conduzi-los à intimidade do Pai. Temos apenas
uma vida, e dela depende nossa eternidade. Como diz Tauler, se nã o
entramos na intimidade divina antes dos anos avançados, corremos o
risco de nã o entrar nesta vida, mesmo que seja o prelú dio normal para
o céu.
Finalmente, esta objeçã o é oferecida: "As condiçõ es geralmente
exigidas para a vida mística, embora normais à graça, sã o anormais à
natureza humana, que nã o é feita normalmente para essas condiçõ es de
vida. No modo habitual de agir que caracteriza o estado místico , e nas
terríveis purificaçõ es passivas, há uma aniquilaçã o da natureza para a
qual a natureza nã o está essencialmente ordenada. Essa aniquilaçã o
nã o é necessá ria para uma simples justificaçã o ou para a vida da graça
segundo o modo humano das virtudes. . . . Finalmente, nesta vida, o
prelú dio normal da visã o beatífica é a caridade propriamente dita, e
nã o a contemplaçã o infusa procedente do dom da sabedoria”.
Esta objeçã o, que dá mais atençã o à s exigências da natureza do que
à s da graça, lembra mais o espírito de alguns humanistas cristã os do
que o espírito de sabedoria aqui mencionado. Ele falha em reconhecer
vá rios pontos essenciais que expusemos longamente.
1) Perde de vista o alcance do ensino de nosso Senhor sobre o
misté rio da cruz. No Evangelho de Sã o Lucas (9: 23) lemos: “E dizia a
todos: Se algué m quiser vir apó s mim, negue-se a si mesmo, tome
diariamente a sua cruz e siga-me. perdê -la-á ; porque quem perder a
sua vida por minha causa, salvá -la-á”. Desse ponto de vista, as
condiçõ es da vida mística que parecem anormais para a natureza nã o o
sã o para a natureza regenerada pela graça; nã o sã o anormais à vida
cristã , considerada especialmente em sua plena perfeiçã o atingível
nesta terra. Um cristã o deve imitar Cristo crucificado. As purificaçõ es
passivas nã o se opõ em à harmonia da natureza e da graça. Estas
purificaçõ es, mais ou menos dolorosas conforme as faltas a expiar e o
grau de vida sobrenatural a que Deus queira conduzir a alma, 88 sã o,
como a cruz, necessá rias, segundo os santos, para chegar a esta
perfeiçã o harmonia, que na terra encontra sua realizaçã o completa
apenas na vida unitiva plenamente desenvolvida, isto é , na vida mística
e seu modo sobre-humano. 89 Só nele as virtudes aparentemente tã o
contrá rias se harmonizam completamente: a mais elevada sabedoria
com a prudê ncia, atenta aos mínimos detalhes; força com mansidã o;
misericó rdia com justiça. Somente na vida unitiva, a vida sobrenatural
torna-se verdadeiramente conatural sem perder nada de sua elevaçã o.
É como uma segunda natureza cujos atos sã o espontâ neos e muito
simples porque a alma purificada remete tudo a Deus 90 em vez de
remeter tudo instintivamente a si mesma.
Nã o devemos esquecer, no entanto, que a natureza caída se eleva
novamente ao seu estado natural normal apenas pela graça que cura (
gratia sanans ), e que sem essa graça nã o podemos observar todas as
leis naturais ou amar a Deus, o Autor de nossa natureza, acima de tudo,
mesmo de forma natural. St. Thomas é explícito em seu ensino sobre
este ponto. Ele diz: "No estado de natureza perfeita, o homem referiu o
amor de si mesmo e de todas as outras coisas ao amor de Deus como
seu fim; e assim ele amou a Deus mais do que a si mesmo e acima de
todas as coisas. Mas no estado de natureza corrupta, o homem fica
aqué m disso no apetite de sua vontade racional, que, a menos que seja
curada pela graça de Deus, segue seu bem privado, por conta da
corrupçã o da natureza”. 91
2) A objeçã o levaria, alé m disso, a sustentar, em oposiçã o ao que
expusemos sobre a sublimidade do primeiro mandamento, 92 que a
maioria das almas justas nã o poderia, por fidelidade progressiva,
atingir a perfeiçã o cristã , isto é , a terceiro grau de caridade. Como
vimos, 93 este grau é normalmente acompanhado pelo terceiro grau dos
dons, que pertence à ordem mística. Deus é pronto a dar a graça da
contemplaçã o a quem para ela está preparado, mas o homem é lento a
preparar-se convenientemente com perfeita humildade e abnegaçã o.
3) Seguir-se-ia també m que para a maioria dos eleitos o purgató rio
seria inevitável, visto que nã o poderiam ser perfeitamente purificados
nesta vida. Este erro nã o leva em conta o fato de que, na ordem
desejada por Deus, a purificaçã o deve ser realizada nesta vida com o
mé rito resultante, em vez de apó s a morte sem mé rito. 94
4) Nã o é só a caridade que nas almas perfeitas é o prelú dio normal
da visã o beatífica, mas a caridade acompanhada pelas virtudes da alma
purificada ( purgati animi) 95 pelos dons do terceiro grau, e pelas bem-
aventuranças, a recompensa dos quais pertence em certo sentido a
esta vida. 96
A soluçã o dessas objeçõ es confirma a doutrina que ensinamos no
capítulo anterior sobre o chamado geral e remoto das almas justas à
vida mística, que está no caminho normal da santidade, no caminho
normal para o céu, ao qual todos os justos sã o certamente chamado.
Isso explica nosso resumo dessa doutrina no esboço a seguir. Seu
significado e alcance podem agora ser melhor compreendidos. Ao ler de
baixo para cima, o movimento ascendente da graça em nossas almas é
seguido.
PECADO VENIAL E IMPERFEIÇÃ O, OBSTÁ CULOS À UNIÃ O DIVINA

Nã o se pode insistir demais nos diversos obstá culos que impedem o


exercício dos dons do Espírito Santo em nossas almas. Padre
Lallemant, SJ, faz uma exposiçã o clara desses obstá culos em seu belo
livro, A Doutrina Espiritual. 97 Ele diz: "Tem sido perguntado por que a
maioria das pessoas religiosas e devotas que levam uma vida espiritual
morna fazem tã o poucos atos dos dons do Espírito Santo, uma vez que,
estando em estado de graça, eles os possuem... ... É surpreendente ver
tantos religiosos que, depois de viverem em estado de graça por
quarenta ou cinqü enta anos, rezam diariamente a missa e realizam
todos os santos exercícios da vida religiosa e, consequentemente,
possuem os dons do Espírito Santo em uma grau físico muito elevado,
correspondendo a esse tipo de perfeiçã o na graça que os teó logos
chamam de aumento gradual ou físico - é surpreendente, repito, ver
que esses religiosos nã o dã o evidê ncia dos dons do Espírito Santo em
suas açõ es e conduta. Sua vida é inteiramente natural, pois, quando
censurados ou desrespeitados, eles mostram seu ressentimento; eles
sã o muito ávidos por elogios, estima e aplausos do mundo, e tê m
grande prazer nessas coisas. auto-lo ve.
"Isso nã o deve ser motivo de espanto, pois os pecados veniais que
eles cometem continuamente mantê m os dons do Espírito Santo, por
assim dizer, ligados 98 de tal maneira que nã o é de surpreender que eles
nã o mostrem seu efeito É verdade que os dons crescem, como a
caridade, habitualmente e no seu ser físico, mas nã o propriamente, e
naquela perfeiçã o que corresponde ao fervor da caridade e que
aumenta o nosso mé rito, porque os pecados veniais se opõ em ao
fervor da caridade e conseqü entemente impedem a operaçã o dos dons
do Espírito Santo. . . . Está alé m de toda concepçã o, diz Sã o Lourenço
Justiniano, quantos pecados enchem nossos coraçõ es se nã o tivermos
o cuidado de purificá -los constantemente. . . . Poucas pessoas
entregam-se totalmente a Deus e abandonam-se tã o completamente à
conduta do Espírito Santo que só Ele vive neles e é o princípio de todas
as suas açõ es”.
Alé m disso, muitas vezes as pessoas negligenciam corrigir uma
multidã o de imperfeiçõ es que nã o sã o, pelo menos essencialmente,
pecados veniais. Sã o Joã o da Cruz 99 cita muitos deles, quando fala das
imperfeiçõ es dos iniciantes e dos proficientes. 100
A esse respeito, é importante ver como, segundo a opiniã o dos
melhores tomistas, a imperfeiçã o difere do pecado venial. À primeira
vista, esta distinçã o parece contrá ria a dois princípios enunciados por
Sã o Tomá s. Ele ensina 101 que nã o há atos deliberados individuais ou
concretos que sejam indiferentes, isto é , que nã o sejam nem
moralmente bons nem moralmente maus. Se sã o indiferentes em razã o
de seu objeto, como, por exemplo, passear, sã o boas ou má s em razã o
do fim que a pessoa pretende; porque o homem, ao agir
deliberadamente, deve sempre fazê -lo para um fim correto. Se ele fizer
isso, o ato é moralmente bom; caso contrá rio, é ruim. Portanto, nã o
parece que entre os atos virtuosos e os pecados veniais possa haver
lugar para o que se chama imperfeiçã o.
Noutro lugar ensina Sã o Tomá s 102 que a perfeiçã o da caridade está
sob o preceito do amor de Deus, se nã o como maté ria ou algo a realizar,
pelo menos como fim para o qual todo cristã o, cada um segundo a sua
condiçã o, deve tender. . Consequentemente, parece que, quando nã o
cumpre tudo o que pode num determinado momento, comete um
pecado venial, leve talvez, mas real. Logo, a imperfeiçã o nã o parece
distinta do pecado venial.
St. Thomas, no entanto, muitas vezes fala de bons atos que sã o
imperfeitos. É o caso dos atos de caridade notavelmente inferiores ao
nosso grau de caridade ( actus remissi): por exemplo, quando, tendo
cinco talentos, agimos como se tivé ssemos apenas dois. 103 Alé m disso,
quando Sã o Tomá s 104 define o medo inicial, que é intermediá rio entre
o medo servil (o medo do sofrimento) e o medo filial (o medo do
pecado), ele diz que o medo inicial nã o difere essencialmente do medo
filial (é , portanto, nã o é um pecado venial); mas que é algo imperfeito,
pois é acompanhado por uma certa quantidade de medo servil. Um
homem que ainda possui apenas medo inicial, diz Sã o Tomá s, "está
inclinado para o bem, nã o apenas por amor à justiça, mas també m por
medo de puniçã o; pois esse medo cessa em uma alma que possui
caridade perfeita". De fato, o medo servil diminui com o progresso da
caridade, enquanto o medo filial aumenta.
A razã o que serve de base à distinçã o entre pecado venial e
imperfeiçã o foi claramente exposta na escola tomista pelos carmelitas
de Salamanca. 105 A doutrina deles é a seguinte: O pecado venial nã o
pode ser ordenado ao fim da caridade ( est irreferibile ad finem caritatis
), pois é um ato desordenado, na ordem dos meios, como o pecado
mortal é desordenado em relaçã o ao fim ú ltimo do qual isso nos desvia.
106

Pelo contrá rio, o que se chama "uma imperfeiçã o" é um ato


moralmente bom que pode ser ordenado ao fim da caridade, mas que
carece de uma certa perfeiçã o adequada ao progresso espiritual.
Para uma clara compreensã o desta distinçã o devemos, como dizem
os carmelitas de Salamanca, observar que um ato imperfeito (muitas
vezes chamado de imperfeiçã o) nã o é absolutamente identificado com a
ausência de perfeiçã o (ou imperfeiçã o formal) que nele se encontra.
Essa ausência de perfeiçã o certamente nã o é boa. Mas o ato imperfeito
de que falamos é moralmente bom, embora nã o possua o grau de
perfeiçã o adequado ao progresso espiritual. Pode, portanto, ser
ordenado ao fim da caridade.
Nã o é um ato indiferente no individuo , desde que seja bom.
Propriamente falando, também nã o se opõ e ao preceito do amor de
Deus, pois a perfeiçã o da caridade nã o se enquadra neste preceito como
materia , algo a ser feito sub gravi ou sub levi , mas apenas como fim. O
pecado só é cometido quando há transgressã o de um preceito a
respeito da matéria deste preceito, seja obrigató rio sub gravi ou sub levi
. Um ato imperfeito se opõ e apenas a um conselho, que por si só nã o
obriga. De fato, devemos preservar a distinçã o entre os preceitos e os
conselhos, quer estes estejam contidos no Evangelho, quer sejam
diretamente inspirados por Deus em uma determinada alma. Muitas
vezes, o Espírito Santo faz com que uma alma compreenda que certo
ato é melhor para ela, mas que nã o é obrigada a tal ato, a menos que
tenha feito voto de fazer o que é mais perfeito.
A divisã o das imperfeiçõ es, aná loga à dos pecados veniais, tem sua
origem nesta definiçã o. Assim, há imperfeiçõ es: (1) ex genere suo; (2) ex
parvitate materiae; (3) ex indeliberatione .
1) A imperfeiçã o ex genere suo , ou por sua pró pria natureza, é tal
que, mesmo quando deliberada, nã o se torna pecado venial. A esta
classe pertencem os atos sobrenaturais e meritó rios que sã o
imperfeitos ( remissi ) relativos ao nosso grau de caridade: por exemplo,
quando um proficiente faz um ato de caridade proporcional à virtude
dos iniciantes. Da mesma forma, o medo inicial é imperfeito por causa
do medo servil que o acompanha e que deve diminuir com o progresso
da caridade. A esta categoria também podem ser ligados atos naturais
que nã o sã o proibidos, mas que nã o estã o de acordo com o progresso
espiritual, e que nos surpreenderiam em uma pessoa mortificada e
especialmente nos santos, a menos que uma razã o especial os
motivasse: por exemplo, o uso de certas coisas desnecessá rias, como
tabaco; certas maneiras de se divertir ou de ter prazer em coisas
científicas ou artísticas; no estudo, uma atividade que tem sido rotulada
como "natural" porque nã o é suficientemente sobrenaturalizada pelo
motivo que a incita. Podemos colocar nesta classe a omissã o de algo
que pensamos ser melhor para nó s, e ao qual no momento, por um
motivo lícito mas menos perfeito, preferimos algo menos bom: por
exemplo, quando, embora pudéssemos fazer uma visita ao Santíssimo
Sacramento, preferimos gastar nosso tempo em um estudo filosó fico
ú til que poderia ser adiado. Este ato em si nã o é mau, nem o é para nó s,
a menos que por um voto especial sejamos obrigados a fazer o que é
mais perfeito. Portanto, é bom, pois concretamente nenhum ato
deliberado é indiferente; mas é menos bom que o outro. Nã o devemos
estigmatizar como mal o que é apenas menos bom. Mas devemos ter
em mente esta imperfeiçã o na ordem do bem, lembrando que, como o
pecado venial dispõ e para o pecado mortal, a imperfeiçã o dispõ e para o
pecado venial. Se quisermos cumprir o que é estritamente obrigató rio
para Deus, Ele, que muitas vezes nos dá muito mais do que o
estritamente necessá rio, por sua vez diminuirá Suas graças.
Alé m disso, nos casos citados haverá , de fato, acidentalmente
pecado venial, pois o motivo de nã o fazermos o que é melhor para nó s
aqui e agora é frequentemente negligê ncia ou preguiça. 107
2) Há imperfeiçõ es ex levíssima matéria , porque a maté ria ou o
objeto em questã o é extremamente leve, e o homem nã o é obrigado a
deliberar sobre essas coisas extremamente insignificantes: 108 por
exemplo, alguma pequena negligê ncia no porte.
3) Finalmente, há imperfeiçõ es ex imperfectione actus , isto é , por
falta de atençã o ou deliberaçã o. Nesta categoria estã o os atos variados
que sã o bons em razã o de seu objeto, mas que sã o realizados de
maneira mecâ nica como resultado de distraçã o involuntá ria. Esses
atos nã o sã o pecados, embora lhes falte a perfeiçã o que vem da
atençã o. 109 A esta classe pertencem també m os primeiros movimentos
desordenados da sensualidade, que sã o produzidos antes que
possamos percebê -los e reprimi-los. Sã o uma imperfeiçã o destinada a
desaparecer principalmente como resultado das purificaçõ es passivas
dos sentidos e da alma; e eles se tornam raros em uma alma perfeita. O
mesmo deve ser dito sobre a maneira defeituosa pela qual uma alma
perfeita realiza um bom ato; por exemplo, na necessá ria repressã o do
mal, até os santos à s vezes - e isso totalmente contrá rio à sua intençã o
- misturam algum movimento de raiva que excede ligeiramente a
medida justa. 110 Finalmente, a esta classe pertence a transgressã o
puramente material de um preceito por ignorâ ncia invencível.
Certamente existem muitas imperfeiçõ es que, embora nã o sejam
pecados essencialmente veniais, tiram de nossas vidas a harmonia, a
paz e o vigor adequados ao progresso espiritual. Aparecem
particularmente na vida comum, sobretudo nos atos que exigem maior
perfeiçã o: por exemplo, cantar o ofício muito devagar ou muito rá pido
pode incomodar o pró ximo sem que o percebamos; tocar ó rgã o de certa
maneira pode se tornar um obstá culo para a oraçã o, em vez de uma
ajuda. Pode ser que esses atos nã o contenham nenhum pecado venial
propriamente dito, mas uma imperfeiçã o que brota de nosso
temperamento, do cansaço, de um defeito em nosso treinamento ou de
um certo cará ter inclinado a negligenciar detalhes ou, ao contrá rio,
para ficar absorvido neles. Uma caridade mais perfeita, caracterizada
por uma maior delicadeza para com Deus e para com o pró ximo,
acompanhada dos dons do Espírito Santo em grau proporcional, faria
desaparecer gradualmente essas imperfeiçõ es.
Já listamos 111 vá rias imperfeiçõ es que constituem obstá culos à
contemplaçã o. Especialmente importantes sã o as indicadas por Sã o
Joã o da Cruz em A Noite Escura da Alma: 112 a inclinaçã o para buscar o
gozo em Deus e nã o no pró prio Deus; os primeiros movimentos de
orgulho espiritual; as manchas do velho que persistem no espírito
mesmo depois da purificaçã o passiva dos sentidos; um certo
embotamento da mente; grosseria natural, resultado do pecado. “Os
pró prios proficientes estã o sujeitos a distraçõ es e à dissipaçã o da
mente. . . . Alguns usam seus bens espirituais de uma maneira que nã o é
muito interior. . . . Eles se expõ em assim à ilusã o pelas sugestõ es do
diabo ou por sua pró pria fantasia. ... Este assunto é inesgotável. ... Para
mostrar a necessidade da noite da alma, devemos acrescentar que nã o
há um entre os proficientes, por maiores que sejam seus esforços, que
esteja isento de muitas afeiçõ es naturais e há bitos imperfeitos, que
devem ser purificados antes que a uniã o divina seja alcançada." 113
Este é outro argumento em favor da doutrina de que essas
purificaçõ es passivas e contemplaçõ es infusas e obscuras, que é o
princípio das purificaçõ es, estã o verdadeiramente no caminho normal
da santidade. "Esta noite escura é um influxo de Deus na alma para
purificá -la de suas habituais ignorâ ncias e imperfeiçõ es, tanto naturais
quanto espirituais. Os contemplativos a chamam de contemplaçã o
infusa e teologia mística, na qual Deus instrui a alma secretamente na
perfeiçã o do amor, sem qualquer intervençã o de sua parte, e sem que
ela compreenda em que consiste essa contemplaçã o infusa. . . . Como é
que a alma chama a luz divina de noite escura? . . . Há duas razõ es para
isso. a sabedoria divina transcende em razã o de sua elevaçã o a
capacidade da alma, e por isso mesmo é escuridã o para ela. A segunda
razã o está na baixeza e impureza da alma que torna a luz dolorosa,
aflitiva e ao mesmo tempo escura por ela... Embora ainda nas trevas, a
alma vê , contudo, claramente sua pró pria impureza por meio dessa luz.
Ela está convencida de que é indigna de Deus ou de qualquer criatura.
apresenta claramente diante de si todas as suas infidelidades." 114
Aprende assim a verdadeira humildade, que a prepara para receber a
abundâ ncia da graça divina, porque «Deus dá a sua graça aos
humildes» e torna-os humildes para os carregar com os seus dons.
Tal é o caminho da verdadeira vida, o ú nico caminho seguro para a
bem-aventurança eterna. "Bem-aventurados os retos no caminho, que
andam na lei do Senhor. Bem-aventurados os que esquadrinham os
Seus testemunhos, que O buscam de todo o coraçã o. meu coraçã o", 115
pela caridade divina, à luz da vida, que revela a tua grandeza e
onipotê ncia, e a tua infinita misericó rdia para conosco. A voz dos
salmos é a da contemplaçã o, animando a grande oraçã o da Igreja. Para
viver verdadeiramente pela fé , toda alma crente deve aspirar a esta
contemplaçã o. Nesta aspiraçã o, a humildade e a magnanimidade, em
razã o da conexã o das virtudes, devem estar unidas; e somente quando
estã o unidos, eles sã o genuínos. 116 Só uma alma profundamente
humilde pode aspirar convenientemente à s grandes coisas prometidas
por Cristo aos que desejam segui-lo; pelo pró prio fato de uma alma ser
humilde, ela se encherá até transbordar: Deposuit potentes de sede, et
exaltavit humiles .

ARTIGO V
Graças extraordinárias que às vezes acompanham a
contemplação infusa
A doutrina que expusemos recebe uma confirmaçã o adicional da
comparaçã o da contemplaçã o infusa com as graças extraordiná rias que
à s vezes a acompanham e, no entanto, sã o distintas dela. Essas graças
extraordiná rias geralmente pertencem aos carismas, ou graças
concedidas gratuitamente ( gratis datae ), enumeradas por Sã o Paulo:
"Ora, há diversidade de graças, mas o Espírito é o mesmo... E a
manifestaçã o do Espírito é dada a todos homem para proveito. A um,
na verdade, pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, a
palavra do conhecimento , segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé no
mesmo Espírito; 1 a outro, a graça de a outro, a operação de milagres; a
outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a outro, variedades
de línguas; a outro, interpretação de palavras . Mas todas estas coisas
sã o um e o mesmo Espírito trabalha, repartindo a cada um como quer”.
2 Sã o Paulo coloca a caridade muito acima desses dons: "E se eu... nã o

tenho caridade, de nada me aproveita." 3


Como mostra Sã o Tomá s, a graça santificante e a caridade sã o muito
mais excelentes do que esses carismas; os primeiros unem-nos
imediatamente a Deus, nosso fim ú ltimo, ao passo que os carismas sã o
ordenados principalmente em benefício do pró ximo e apenas o
preparam para a conversã o, sem lhe dar a vida divina. 4 Como regra,
eles nã o sã o essencialmente sobrenaturais como a graça santificante,
mas apenas sobrenaturais como um milagre e uma profecia. 5
St. Thomas mostra claramente a natureza desses carismas por sua
divisã o deles. 6 Esta classificaçã o é apresentada na seguinte tabela:

A estes carismas podem-se geralmente associar as graças


extraordiná rias que à s vezes acompanham a contemplaçã o infusa; isto
é , revelaçõ es privadas, visõ es e palavras sobrenaturais, que Sã o Joã o da
Cruz discute longamente em The Ascent of Mount Carmel. 7 Ele faz
grandes esforços para distingui-los da contemplaçã o infusa, que está
ligada à graça das virtudes e dos dons, ou graça santificante. Este
ensinamento de Sã o Joã o da Cruz repousa teologicamente no tratado
de Sã o Tomá s sobre a profecia, 8 onde seis artigos 9 sã o dedicados ao
arrebatamento que à s vezes acompanha a revelaçã o profé tica, como
també m pode acompanhar a contemplaçã o infusa.
Segundo Sã o Tomá s, a revelaçã o profé tica pode ser feita de trê s
maneiras: por uma visã o sensível; uma visã o imaginá ria; ou uma visã o
intelectual; e o profeta pode estar acordado, dormindo ou em êxtase.
Ocasionalmente, de fato, um sinal externo sensível aparece aos olhos
ou uma voz externa é ouvida. 10 Outras vezes, para nos expressar o seu
pensamento, Deus coordena certas imagens que preexistem na nossa
imaginaçã o, ou imprime nela outras novas. 11 Mais raramente Ele age
diretamente sobre o intelecto coordenando nossas ideias adquiridas
ou imprimindo novas ideias, chamadas infusas. 12 Sempre há luz
profé tica infusa e, de fato, só ela basta, por exemplo, para interpretar
certos sinais, como José interpretou os sonhos de Faraó . 13
Se o profeta está acordado, a visã o é mais perfeita do que se lhe
fosse dada durante o sono, porque ele tem pleno uso de suas
faculdades. 14 Ocasionalmente, a chamada visã o imaginá ria ou visã o
intelectual é acompanhada de êxtase ou alienaçã o dos sentidos. 15 Um
êxtase parcial ou total pode ser um efeito natural da absorçã o das
faculdades superiores no objeto manifestado; a alma pode nã o estar
mais atenta à s coisas exteriores. 16 Se, ao contrá rio, o êxtase, por assim
dizer, precede a visã o ou contemplaçã o e a prepara, é extraordiná rio
como o êxtase propriamente dito, que traz consigo a ideia de uma certa
violê ncia, ao elevar a alma acima coisas a fim de consertá -las em Deus.
17 Cristo e a Santíssima Virgem tiveram todos esses carismas em grau

eminente, mas sem perder o uso dos sentidos; desde o início de suas
vidas, eles eram superiores ao êxtase e ao êxtase. 18
Seguindo esses princípios, Sã o Joã o da Cruz traça uma distinçã o
clara entre contemplaçã o infusa geral e obscura 19 e diferentes modos
de conhecimento sobrenatural particular e distinto: (1) visões ,
sensíveis, imaginá rias ou intelectuais; 20 (2) revelações; 21 (3) palavras
interiores. 22 Depois de enumerar esses modos de conhecimento, Sã o
Joã o da Cruz acrescenta: “Quanto ao conhecimento obscuro e geral, nã o
há divisã o; é contemplaçã o recebida na fé . Esta contemplaçã o é o fim
para o qual devemos conduzir a alma; todos os outros conhecimentos
devem ser direcionados para isso, começando pelo primeiro; e a alma
deve progredir desapegando-se de todos eles”. 23
Para evidenciar claramente o que está explícito no ensinamento
tradicional sobre este ponto, procederemos do geral para o particular.
Consequentemente, seguindo o exemplo de St. Thomas, 24 vamos
primeiro discutir revelaçõ es, para ver os modos especiais de sua
manifestaçã o, ou seja, por visã o, ou por palavras. Mas devemos
observar que visõ es e locuçõ es sã o modos particulares de revelaçã o
apenas quando revelam coisas ocultas do futuro, do presente ou do
passado.
Também procederemos do inferior ao superior, considerando em
cada uma dessas categorias as manifestaçõ es sensíveis, imaginá rias e
intelectuais, conforme elas revelam progressivamente as obras de Deus
e o pró prio Deus.
Por fim, convé m també m ir do exterior ao interior, considerando em
primeiro lugar entre estes favores aqueles que se dirigem
manifestamente ao bem do pró ximo e estã o mais directamente ligados
aos carismas ou graças gratis datae , particularmente à profecia; este é
o caso especialmente com revelaçõ es privadas. Outras dessas graças se
aproximam da ordem da graça santificante, porque sã o ordenadas
diretamente à santificaçã o de quem as recebe. Eles preparam a alma
para a uniã o divina à medida que tornam Deus mais conhecido e levam
a alma a amá -lo, muitas vezes em meio a grandes provaçõ es. Este é
particularmente o caso com vá rias palavras interiores e també m com
toques divinos recebidos no testamento, que Sã o Joã o discute por
ú ltimo. 25
REVELAÇÕ ES DIVINAS

As revelaçõ es divinas sã o a manifestaçã o sobrenatural de uma


verdade oculta por meio de uma visã o, uma palavra ou um instinto
profético; eles pressupõ em o dom de profecia. Eles sã o chamados
pú blicos se foram feitos pelos profetas, por Cristo ou pelos Apó stolos, e
sã o propostos a todos pela Igreja, que os preserva na Escritura e na
tradiçã o. Eles sã o chamados privados quando sã o ordenados apenas
para o benefício particular daqueles que sã o favorecidos com eles. As
revelaçõ es privadas, por mais importantes que sejam, nã o pertencem
ao depó sito da fé cató lica.
Aqueles que recebem revelaçõ es divinas, reconhecidas como tais,
devem, apó s julgamento prudente, certamente inclinar-se
respeitosamente diante desta manifestaçã o sobrenatural. 26 De acordo
com alguns teó logos, eles deveriam mesmo acreditar nelas com fé
divina e teologal, pois, em sua opiniã o, essas revelaçõ es contê m o
motivo formal da fé , a autoridade de Deus revelando. 27 Segundo outros
teó logos, 28 quem recebe uma certa revelaçã o particular deve aderir a
ela imediatamente, nã o por fé divina, mas por luz profé tica; 29 e a
certeza sobrenatural deve durar ou, pelo contrá rio, dar lugar a uma
certeza moral se a iluminaçã o profé tica desaparece.
Ao aprovar as revelaçõ es feitas aos santos, a Igreja declara
simplesmente que elas nã o contê m nada contrá rio à Escritura e ao
ensino cató lico, e que podem ser propostas como prováveis à crença
piedosa dos fié is. 30 As revelaçõ es privadas nã o podem ser publicadas
sem a aprovaçã o da autoridade eclesiá stica. 31 Mesmo naqueles
aprovados como prováveis pela Igreja, pode haver algum erro; pois os
pró prios santos podem atribuir ao Espírito de Deus o que procede das
profundezas de sua pró pria alma, ou podem interpretar falsamente o
significado de uma revelaçã o verdadeiramente divina. Isso se explica
pelo fato de que existem muitos graus na luz profé tica, desde o instinto
simples e sobrenatural até a revelaçã o perfeita. Quando há apenas um
instinto profé tico, o significado das coisas reveladas e até a origem
divina da revelaçã o 32 podem permanecer desconhecidos. Foi assim
que Caifá s profetizou, sem saber, quando disse, "que era necessá rio que
um homem morresse pelo povo". 33
A alma que recebe uma revelaçã o verdadeiramente divina deve com
humildade e simplicidade comunicá -la em poucas palavras ao seu
diretor espiritual, mas nã o deve se apegar a ela e deve obedecer
perfeitamente ao ministro de Jesus Cristo. 34 O dom de profecia pode, é
verdade, ser encontrado naqueles que nã o possuem essas qualidades,
mas tal exceçã o é rara.
Antes de regular a sua conduta por revelaçã o privada, uma alma
verdadeiramente iluminada por Deus consultará sempre o seu diretor
ou alguma outra pessoa erudita e discreta. Santa Teresa insiste
particularmente neste ponto. 35 Isto é especialmente necessá rio porque
a alma pode facilmente se desviar na interpretaçã o das revelaçõ es, seja
porque as considera muito literalmente, seja porque à s vezes sã o
condicionais. 36. O confessor douto, prudente e virtuoso, poré m, tem
graças de estado que o fazem evitar o erro, principalmente quando reza
fervorosamente por essas graças.
Sã o Joã o da Cruz, que tantas vezes nos convida a desejar ardente e
humildemente a contemplaçã o infusa dos misté rios da fé e també m da
uniã o divina, reprova o desejo de revelaçõ es em termos ainda mais
contundentes do que os empregados pelos outros santos. Neste ponto
ele está de pleno acordo com Sã o Vicente Ferrer, 37 e mostra que por
esta curiosidade a alma desejosa de revelaçõ es dá ao demô nio uma
oportunidade de desviá -la; 38 que esta inclinaçã o tira a pureza da fé ; 39
produz um obstá culo para o espírito; 40 certamente denota falta de
humildade; 41 e o expõ e a muitos erros. 42 Pedir revelaçõ es també m
mostra falta de respeito para com Cristo, porque a plenitude da
revelaçã o foi dada no Evangelho. 43 Deus à s vezes concede esses favores
extraordiná rios à s almas fracas; 44 mas desejá -los é pelo menos um
pecado venial, mesmo quando a alma tem em vista um fim bom. 45 Eles
sã o valiosos apenas por causa da humildade e do amor de Deus que
despertam na alma. 46 Esta afirmaçã o sobre as revelaçõ es mostra
claramente o erro dos diretores imprudentes que, movidos pela
curiosidade, se preocupam excessivamente com as almas favorecidas
por visõ es e revelaçõ es. 47 Essa atençã o provavelmente lançará a alma
em problemas e ilusõ es e a desviará do caminho da humildade por
meio de uma complacê ncia vã de maneiras extraordiná rias.
Alé m disso, o desejo de revelaçõ es desvia a alma da contemplaçã o
infusa. Sã o Joã o da Cruz deixa isso claro quando diz: "A alma imagina
que algo grande aconteceu, que o pró prio Deus falou, quando na
realidade há muito pouco, ou nada, ou menos que nada. Na verdade, de
de que serve o que é vazio de humildade, caridade, mortificaçã o, santa
simplicidade, silê ncio, etc.? É por isso que afirmo que essas ilusõ es
oferecem um grande obstá culo à uniã o divina, pois se a alma as
valoriza, só esse fato afasta-o muito dos abismos da fé ... O Espírito
Santo ilumina o intelecto recolhido segundo a medida do seu
recolhimento. O mais perfeito recolhimento é aquele que se realiza na
fé ... A caridade infusa é proporcional ao pureza da alma em uma fé
perfeita: quanto mais intensa for essa caridade, tanto mais o Espírito
Santo ilumina a alma e lhe comunica seus dons”. 48 Nenhuma palavra
poderia condenar mais fortemente o anseio por revelaçõ es e fazer a
alma desejar aquele espírito perfeito de fé , que se encontra na
contemplaçã o infusa e que conduz à uniã o divina.
Portanto, é um erro grave e frequente confundir o desejo de
revelaçõ es com o desejo de contemplaçã o infusa; o primeiro é
censurável e també m desvia a alma da contemplaçã o infusa, que é
altamente desejável. Sã o Joã o da Cruz nos dá assim o melhor
comentá rio sobre as palavras de Sã o Tomá s: "A graça santificante é
mais nobre do que a graça gratuita". 49 Em outras palavras, a graça
santificante (com a caridade e os dons a ela relacionados) é muito
superior aos carismas, e mesmo à profecia, a mais alta de todas.
Voltamos assim ao ensinamento de Sã o Paulo sobre a eminê ncia da
caridade. 50
Devemos distinguir dois tipos de revelaçõ es privadas: (1)
revelaçõ es propriamente ditas, revelando segredos sobre Deus ou Suas
obras; (2) revelaçõ es indevidamente chamadas, dando uma maior
compreensã o das verdades sobrenaturais já conhecidas pela fé . 51
1) As revelaçõ es que nos manifestam segredos estã o muito mais
sujeitas a ilusõ es. À s vezes, Deus revela aos vivos o tempo que lhes
resta nesta terra, as provaçõ es pelas quais passarã o, o que acontecerá a
uma naçã o, a uma determinada pessoa. 52 O demô nio é há bil em
falsificar essas coisas e, para ganhar cré dito por suas mentiras, começa
alimentando o espírito com verdades e coisas prováveis. 53 Sã o Joã o da
Cruz diz: “É quase impossível escapar de suas artimanhas se a alma
nã o se livrar delas imediatamente, porque o espírito do mal sabe muito
bem assumir a aparê ncia de verdade e dar cré dito a essa aparê ncia”. 54
"Para ser perfeito, portanto, nã o há razã o para desejar essas coisas
sobrenaturais extraordiná rias. noite de fé ." 55 Nenhuma palavra poderia
fazer uma distinçã o mais clara entre essas coisas sobrenaturais
extraordiná rias e a contemplaçã o infusa, e mostrar com mais eficá cia
que a contemplaçã o infusa é normal no perfeito.
2) As revelaçõ es indevidamente chamadas, que nos dã o uma maior
compreensã o das verdades reveladas, estã o associadas à
contemplaçã o infusa, especialmente se dizem respeito ao pró prio Deus
e nã o se detê m em coisas particulares, mas penetram profundamente
em sua onipotê ncia, sabedoria ou bondade infinita. "Este profundo
conhecimento amoroso é , aliá s, acessível apenas a uma alma em uniã o
com Deus; eles sã o esta pró pria uniã o, pois tê m sua origem
precisamente em um certo contato da alma com a Divindade.
Consequentemente, é o pró prio Deus que é sentido e provado, embora
nã o seja percebido manifestamente em plena luz, como na gló ria; mas
o toque é tã o forte e tã o profundo, por causa do conhecimento e da
atraçã o, que penetra na substâ ncia da alma. o diabo para interferir
nisso e enganar por imitaçã o, pois nada é comparável a isso, ou se
aproxima dele em gozo e delícias. Esses toques saboreiam a essê ncia
divina, a vida eterna, e o diabo nã o pode falsificar coisas tã o elevadas. 56
Voltaremos a tratar desse assunto no final deste artigo, quando
falarmos dos toques divinos. "Em relaçã o à s outras percepçõ es",
acrescenta Sã o Joã o da Cruz, "dissemos que a alma deveria abstrair-se
delas, mas este dever cessa antes destas, uma vez que sã o as
manifestaçõ es daquela uniã o à qual estamos tentando conduzir a alma.
Tudo o que ensinamos anteriormente sobre o despojamento e o
desapego total foi dirigido para esta uniã o; e os favores divinos que
dela resultam sã o fruto da humildade, do desejo de sofrer por amor de
Deus, com resignaçã o e desinteresse quanto a qualquer recompensa."
57

VISÕ ES

As visõ es sã o revelaçõ es quando revelam coisas ocultas; caso


contrá rio, eles se distinguem das revelaçõ es. Eles sã o, como dissemos,
ou sensíveis, imaginá rios ou intelectuais.
Visões sensíveis ou corporais geralmente representam nosso Senhor,
a Santíssima Virgem ou os santos. Eles nã o sã o sinais de grande
virtude, pois à s vezes sã o concedidos iniciantes para separá -los das
coisas mundanas. Estã o sujeitos à s ilusõ es da imaginaçã o e do diabo.
Se a visã o for comum a um grande nú mero de pessoas, é sinal de que a
apariçã o é exterior, sem que por isso se tenha certeza de que é de
origem divina. 58 Se for individual, as disposiçõ es da testemunha que
declara tê -la tido devem ser cuidadosamente examinadas e com grande
cautela.
Aqueles que sã o favorecidos com estas apariçõ es de Nosso Senhor, a
Santíssima Virgem, e os santos devem render à s pessoas
representadas as honras que lhes sã o devidas, mesmo que a apariçã o
seja o resultado de uma ilusã o da imaginaçã o ou do diabo, pois como
Santa Teresa diz: "Embora um pintor possa ser um homem perverso,
honra deve, no entanto, ser paga a um retrato de Cristo feito por ele." 59
També m neste caso deve ser consultado o diretor, pois ele poderá
reconhecer se estas apariçõ es sã o graças de Deus, pela sua
conformidade com o ensinamento da Igreja e pelas boas disposiçõ es
para a prá tica das virtudes que deixam em a alma. A pró pria alma deve
ser fiel em colher os frutos da santidade que Deus lhe propõ e,
concedendo-lhe esses favores. 60 Estas apariçõ es nunca devem ser
desejadas ou pedidas a Deus. 61
As visões imaginárias , assim chamadas porque sã o produzidas na
imaginaçã o por Deus ou pelos anjos, sã o concedidas quando uma
pessoa está acordada ou dormindo. Segundo o Evangelho, Sã o José foi
vá rias vezes instruído sobrenaturalmente em sonho; e as vidas dos
santos contê m muitos exemplos semelhantes. Para que um sonho seja
sobrenatural, nã o deve ser explicável pelas leis da memó ria e da
imaginaçã o; para ser divino, nã o deve conter nada contrá rio à doutrina
revelada ou aos bons costumes. 62 Embora esta origem divina possa ser
difícil de discernir, ordinariamente quando a alma busca a Deus
sinceramente, Ele se faz sentir ou por um profundo sentimento de paz,
ou por eventos que confirmam a visã o; assim, em um sonho, um
pecador pode ser avisado da necessidade urgente de conversã o, ou um
homem justo pode ser avisado de uma grave decisã o a ser tomada.
Visõ es imaginá rias estã o sujeitas à s ilusõ es da imaginaçã o e do
diabo. 63 Temos trê s sinais para discernir se eles sã o de origem divina:
(1) quando eles nã o podem ser produzidos ou descartados à vontade,
mas vê m repentinamente e duram pouco tempo; (2) quando deixam a
alma em grande paz; (3) quando produzem frutos de virtude, uma
grande humildade e perseverança no bem. 64
Uma visã o imaginá ria divina, concedida enquanto uma pessoa está
acordada, é quase sempre acompanhada de um êxtase ao menos
parcial para que a alma possa distinguir a apariçã o interior das
impressõ es externas; 65 há êxtase també m porque uma alma
arrebatada e unida ao seu Deus perde o contato com as coisas
externas. 66 Nã o há visã o imaginá ria perfeita sem visã o intelectual, que
faz a alma ver e penetrar em seu significado místico. 67 Por exemplo, o
primeiro pode dizer respeito à sagrada humanidade de Cristo; o
segundo, Sua divindade. 68
Visõ es imaginá rias nã o devem ser desejadas ou pedidas a Deus
mais do que visõ es sensatas; eles nã o sã o de forma alguma necessá rios
para a santidade. 69. O espírito de fé perfeito e a contemplaçã o obscura
sã o de ordem superior e preparam mais imediatamente a alma para a
uniã o divina. 70
Uma visão intelectual é a manifestaçã o certa de um objeto para o
intelecto sem nenhuma dependê ncia real de imagens sensíveis. Ela é
produzida ou por idé ias adquiridas, coordenadas ou modificadas
sobrenaturalmente, ou por idé ias infusas, que à s vezes sã o de ordem
angé lica. 71 Requer uma luz infusa, a do dom da sabedoria ou da
profecia. Pode se referir a Deus, espíritos ou coisas materiais, como o
conhecimento puramente intelectual dos anjos. A visã o intelectual é à s
vezes obscura e indistinta, ou seja, manifesta com certeza a presença
do objeto sem nenhum detalhe quanto à sua natureza íntima. Assim,
Santa Teresa muitas vezes sentiu nosso Senhor perto dela por vá rios
dias. 72 Em outras ocasiõ es, a visã o intelectual é clara e distinta; é entã o
mais rá pida e é uma espé cie de intuiçã o das verdades divinas ou das
coisas criadas em Deus. 73 Nã o pode ser traduzido para a linguagem
humana. 74
As visõ es intelectuais, especialmente as causadas por idé ias infusas,
estã o livres das ilusõ es da imaginaçã o e do demô nio; mas à s vezes o
que é apenas uma superexcitaçã o da imaginaçã o ou uma sugestã o do
diabo 75 pode ser tomado por uma visã o intelectual. A origem divina
destes favores reconhece-se pelos efeitos que produzem: paz profunda,
alegria santa, humildade profunda, apego inabalável à virtude. 76
"Pelo pró prio fato de que esse conhecimento é comunicado
repentinamente, independentemente da vontade, é inú til para a alma
desejá -lo... nã o sã o dados a uma alma apegada a algum bem; sã o o
efeito de um amor especial, que Deus tem para com a alma que se
empenha por Ele com desprendimento e amor desinteressado”. 77
As visõ es intelectuais mais elevadas, por serem inferiores à visã o
beatífica, nã o podem atingir a essê ncia divina sicuti est , mas apenas
por uma certa maneira de representaçã o devido a idé ias infusas, "por
cierta manera de representació n". 78 Na opiniã o de vá rios autores, as
visõ es intelectuais que freqü entemente acompanham a uniã o
transformadora 79 equivalem a uma revelaçã o especial que dá à alma a
certeza de estar em estado de graça e de predestinaçã o. Sã o Joã o da
Cruz ainda diz: "Na minha opiniã o, a alma nunca pode ser colocada em
posse deste estado (a uniã o transformadora) sem ao mesmo tempo ser
confirmada na graça." 80
Palavras sobrenaturais sã o manifestaçõ es do pensamento de Deus
que sã o ouvidas pelos sentidos exteriores ou pelos sentidos interiores
ou diretamente pelo intelecto. Portanto, há uma analogia entre eles e as
visõ es, que à s vezes acompanham.
Uma palavra sobrenatural auricular é uma vibraçã o formada no ar
pelo ministé rio dos anjos. Por exemplo, Sã o Lucas nos conta 81 que
Zacarias ouviu o anjo Gabriel falar com ele. O mesmo anjo Gabriel disse
a Maria: "Salve, cheia de graça". 82 Como as visõ es corporais, essas
locuçõ es estã o sujeitas a ilusõ es; a mesma regra deve ser aplicada a
eles para discernir os de origem divina.
Palavras sobrenaturais imaginá rias sã o ouvidas pela imaginaçã o,
quando a pessoa está acordada ou dormindo. À s vezes, eles parecem
vir do cé u; outras vezes, do fundo do coraçã o. Eles sã o perfeitamente
distintos, embora nã o sejam ouvidos com os ouvidos corporais. 83 Eles
nã o sã o facilmente esquecidos; aqueles especialmente que contê m
uma profecia permanecem gravados na memó ria. 84 Distinguem-se das
do nosso espírito pelo fato de nã o serem ouvidas à vontade, e de serem
palavras e obras ao mesmo tempo. Por exemplo, quando eles nos
repreendem por nossas faltas, eles mudam repentinamente nossas
disposiçõ es interiores e nos tornam capazes de fazer tudo para o
serviço de Deus. 85 Consequentemente, muitas vezes é fá cil discerni-los.
86 Quando é o demô nio quem faz ouvir essas palavras imaginá rias, elas

nã o só nã o produzem bons efeitos, mas, ao contrá rio, produzem maus


efeitos. A alma está perturbada, perturbada, assustada, enojada; e se
experimenta algum prazer sensível, é muito diferente da paz divina. 87
As palavras intelectuais sã o ouvidas diretamente pelo intelecto, sem
a intermediaçã o dos sentidos ou da imaginaçã o, da mesma forma que
os anjos comunicam seus pensamentos uns aos outros. Eles supõ em
uma luz divina e a coordenaçã o de ideias pré -existentes adquiridas e,
à s vezes, de ideias infusas. 88 "É uma língua sem palavras, que é a língua
da pá tria." 89
Sã o Joã o da Cruz ensina que as palavras intelectuais podem ser
sucessivas, formais ou substanciais. 90 Palavras intelectuais sucessivas
sã o produzidas apenas no estado de rememoraçã o; eles vê m de nosso
espírito que é iluminado pelo Espírito Santo, e com tanta facilidade e
novas visõ es que o entendimento nã o pode imaginar que brotem de
suas pró prias profundezas. 91 Estas palavras sucessivas estã o sujeitas à
ilusã o, pois o espírito, que no início seguia apenas a verdade, pode
desviar-se, extraviar-se e cair em mil extravagâ ncias, visto que o
demô nio muitas vezes se insinua nessas sucessivas palavras,
especialmente quando as pessoas estã o ligados a eles. Ele age com
maior razã o ainda com aqueles que estã o ligados a ele por um ato
tá cito ou formal, com os hereges, e especialmente com os heresiarcas.
92

Palavras sucessivas vê m de Deus quando produzem


simultaneamente na alma um aumento de caridade e humildade. Mas
muitas vezes é difícil discernir claramente o amor sobrenatural de um
certo amor natural, e a verdadeira humildade da pusilanimidade. Por
isso é difícil reconhecer a origem divina de palavras sucessivas. 93 Eles
nã o devem ser desejados, pois a fé obscura é muito superior a eles. 94
As palavras intelectuais formais sã o assim chamadas "porque a
alma sabe formalmente que sã o proferidas por outrem, sem qualquer
contribuiçã o de sua parte... e pode ouvi-las quando nã o se lembra, e
mesmo quando está longe de pensar no que é dito". 95 Eles sã o,
portanto, muito diferentes daqueles que discutimos e, à s vezes, muito
precisos; por exemplo, Daniel diz que um anjo falou com ele. 96 Essas
locuçõ es normalmente explicam algum ensinamento, esclarecem
algum ponto; esse efeito sempre se produz, ainda que a alma sinta
repugnâ ncia em cumprir a ordem divina. 97 Deus permite que esta
repugnâ ncia subsista para que Ele possa preservar a alma da â nsia
natural em relaçã o à s grandes coisas; se, ao contrá rio, o Senhor inspira
coisas humilhantes, dá maior facilidade para realizá -las. 98
Essas palavras intelectuais formais sã o em si mesmas livres de
ilusõ es, pois o entendimento nã o pode contribuir com nada para elas, e
o diabo nã o pode agir diretamente sobre o intelecto. 99 ""A alma,
poré m", diz S. Joã o da Cruz, 100 "nã o deve estimar muito mais as
palavras formais do que as palavras sucessivas. Se lhes dá atençã o,
desvia-se da fé , que é o meio pró prio e imediato da uniã o divina. Isso o
expõ e ao fá cil engano do diabo, tanto mais que em muitos casos as
boas comunicaçõ es sã o dificilmente distinguidas das má s
comunicaçõ es. 101 O que eles dizem nã o deve ser imediatamente
traduzido em açã o, nem devem ser apreciados, seja qual for sua
origem. É indispensável dá -los a conhecer a um confessor
experimentado ou a uma pessoa discreta e erudita. . . . Se uma pessoa
experiente nã o for encontrada, a alma deve manter o que há de
substancial e seguro nessas palavras; desconsidere o resto; e nã o fale
disso a ningué m, para que nã o se encontre um conselheiro que faça
mais mal do que bem à alma. A alma nã o deve se colocar à mercê de
ningué m, pois é de primordial importâ ncia se algué m age
judiciosamente ou se é enganado em tais assuntos."
As palavras intelectuais substanciais sã o locuçõ es formais que
efetuam imediatamente o que anunciam. Lemos em A Ascensão do
Monte Carmelo: "Por exemplo, Deus diz formalmente a uma alma: Seja
bom! e instantaneamente a alma se torna boa. Ou Ele diz: Ame-me! de
Deus. Ou ainda, Ele pode dizer: Nada tema, e naquele mesmo instante,
força e paz virã o sobre aquela alma... Assim, Deus disse a Abraã o: 'Ande
em minha presença e seja perfeito'. (Gn 17: 1), e instantaneamente a
perfeiçã o foi dada a ele, e daí em diante ele andou reverentemente
diante de Deus... Uma ú nica dessas palavras instantaneamente opera
mais bem do que os esforços de uma vida inteira. Quando a alma
recebe tais locuçõ es , ela tem apenas que abandonar a si mesma; é
inú til desejá -los ou nã o desejá -los, pois nã o há nada a repulsar, nada a
temer. A alma nem mesmo deve procurar efetuar o que é dito, pois
Deus nunca profere palavras substanciais em para que os
traduzíssemos em atos; Ele mesmo produz seu efeito. Isso é o que os
distingue das locuçõ es sucessivas e formais... Nã o se deve temer aqui a
ilusã o, pois nem o entendimento nem o diabo podem interferir neste
assunto . . . a menos que a alma tenha se entregado ao diabo por um
pacto voluntá rio; mas entã o o efeito é bem diferente. . . . Cada palavra
dele é como puro nada na presença de Deus. . . . Palavras substanciais
sã o, portanto, , um poderoso meio de uniã o com Deus. . . . Feliz a alma a
quem Deus as dirige." 102 As palavras de Deus sã o chamas vivas nas
almas purificadas. 103
Há um quarto tipo de favor que frequentemente acompanha a
contemplaçã o infusa , isto é , os toques divinos, que se imprimem na
vontade e que "reagem sobre o intelecto... Deus." 105 Esses toques sã o,
portanto, ligados à "contemplaçã o particular e distinta". 106 Nã o
dependem da atividade da alma, nem de suas meditaçõ es, embora
estas preparem a alma para elas.
Esses toques divinos sã o ocasionalmente tã o profundos e intensos
que parecem impressos "na pró pria substâ ncia da alma". Deus, de fato,
que preserva a pró pria substâ ncia da alma na existê ncia por um
contato virtual, que é a criaçã o continuada, 107 produz, preserva e
aumenta nela a graça santificante, de onde brotam as virtudes
infundidas nas faculdades 108 . Ele també m move essas faculdades, seja
propondo-lhes um objeto, seja aplicando-as ao exercício de seus atos, e
isso de dentro. 109 O toque divino de que falamos é um movimento
sobrenatural desse tipo, mas um dos mais profundos. É exercido nas
profundezas da vontade e do intelecto, onde essas faculdades se
enraízam na substâ ncia da alma de onde surgem. 110 Na verdade, a
nossa vontade é , de certo modo, infinita na sua profundidade; por isso
as coisas criadas nã o podem exercer sobre ela uma atraçã o invencível.
É livre amá -los ou nã o; somente Deus visto face a face infalivelmente o
atrai e o cativa, até a pró pria fonte de suas energias. 111 Os chamados
toques divinos substanciais 112 afetam essa base da vontade e do
intelecto. A pró pria substâ ncia da alma experimenta as coisas apenas
por meio dessas faculdades. 113 Mas Deus, que está mais pró ximo da
alma do que ela de si mesma, enquanto a conserva na existê ncia, pode
de dentro tocar e mover o pró prio fundamento da faculdade por um
contato espiritual que se revela divino. Essa profundidade també m é
chamada de á pice do espírito em relaçã o à s coisas sensíveis, conforme
sã o consideradas exteriores ou inferiores a ele. Com isto em mente,
compreendemos o que diz Sã o Joã o da Cruz sobre este assunto: "Nada
é mais adequado para dissipar este delicado conhecimento do que a
intervençã o do espírito natural. Visto que se trata de uma doce
comunicaçã o sobrenatural, é inú til tentar compreendê -lo com precisã o,
pois isso é impossível; o entendimento tem apenas que aceitá -lo. dá ao
demô nio a oportunidade de apresentar conhecimento falsificado... A
aceitaçã o passiva em humildade é , portanto, incumbê ncia da alma.
Agindo assim, o progresso da alma nã o sofre interrupçã o, e tal
conhecimento serve eficazmente para avançá -la. Esses toques sã o
toques de uniã o que servem para unir a alma passivamente a Deus." 114
Sã o Joã o da Cruz descreveu esses favores em maior extensã o em The
Dark Night of the Soul 115 e em The Living Flame . 116 Em sua opiniã o,
eles sã o obtidos apenas pela prá tica de espoliaçã o e desapego de todas
as criaturas. Por um desses toques de amor, a alma é recompensada
por todas as suas obras e sofrimentos. A substâ ncia de Deus, que é
idê ntica à Sua açã o criadora, preservadora e santificadora, toca a
substâ ncia da alma e se faz sentir divina e soberana. Este ensinamento
esclarece a doutrina de que o estado místico é a conclusã o normal da
perfeiçã o cristã , desde que se distinga de certos fatos acessó rios que à s
vezes o acompanham. Mas, para estabelecer a verdade dessa doutrina,
devemos nos precaver contra vá rias confusõ es que os escritores
contemporâ neos, em seu desejo de retornar ao ensino tradicional,
aparentemente nem sempre evitaram suficientemente.
II. CONFUSÕ ES A SEREM EVITADAS NA EXPOSIÇÃ O DA DOUTRINA TRADICIONAL

1) Para mostrar que a contemplaçã o infusa nã o é uma graça


extraordiná ria como as revelaçõ es e as visõ es e que deve ser desejada e
pedida pelas generosas almas interiores, nã o é necessá rio diminuir o
estado místico ou vinculá -lo muito estreitamente com o que realmente
é nã o. A oraçã o afetiva, ou a oraçã o adquirida do recolhimento, descrita
por Santa Teresa, 117 nã o deve ser confundida com o recolhimento
sobrenatural de que ela fala. 118
2) Nã o se interponha um abismo entre o estado místico inicial
(quarta morada) e o que constitui essencialmente a uniã o simples, a
uniã o completa e a uniã o transformadora, descritos na quinta, sexta e
sé tima moradas. O á pice do desenvolvimento normal da graça das
virtudes e dos dons encontra-se, nesta vida, apenas na uniã o
transformadora, que é o té rmino normal do estado místico inicial. 119
3) A essê ncia desses estados místicos sobrenaturais nã o deve ser
confundida com os fatos extraordiná rios que à s vezes os acompanham.
Esses fatos acessó rios, descritos por Santa Teresa especialmente nas
quinta e sexta mansõ es, muitas vezes desaparecem na sé tima. 120 De
fato, esses fenô menos acompanham principalmente a influê ncia do
Espírito Santo "nas faculdades" e nã o o que "toca a substâ ncia da
alma", como dizem os místicos. Essa açã o totalmente íntima de Deus
no fundo da alma se encontra principalmente na uniã o transformadora,
estado no qual, via de regra, os êxtases desaparecem. 121
É no fundo da alma que tudo termina e, em certo sentido, é aí que
tudo começou, sem que o percebê ssemos. Esta influê ncia do Espírito
Santo "nas profundezas da alma" precede, de fato, sem que o saibamos,
a influê ncia que o Espírito Santo exerce mais manifestamente "nas
faculdades". A alma completamente purificada experimenta esta açã o
em suas profundezas, quando finalmente entrou no santuá rio onde
Deus habita e opera desde o momento da justificaçã o ou da conversã o.
122 Na opiniã o de Tauler, Louis de Blois, 123 Sã o Joã o da Cruz, 124 e Santa

Teresa, 125 que tantas vezes falaram desta "profundidade da alma", no


final das purificaçõ es passivas do espírito a alma experimenta, sem vê -
la, esta açã o "substancial" de Deus na qual tudo tem seu começo, na
qual tudo termina e alé m da qual parece nã o haver nada. É por isso que
o que é chamado de profundidade da alma, em relaçã o à s coisas
sensíveis consideradas exteriores, é chamado de á pice do espírito em
relaçã o a essas mesmas coisas consideradas inferiores. 126
4) As trê s formas tradicionais nã o devem, aliá s, ser confundidas com
o que é apenas uma forma imperfeita delas. Pelo que precede, fica claro
por que, segundo a tradiçã o preservada por Sã o Joã o da Cruz, a via
purgativa perfeita requer as purificaçõ es passivas de ordem mística;
por que ele chama o caminho iluminativo de caminho da contemplaçã o
infusa; 127 e por que o caminho unitivo é normalmente concluído
apenas na uniã o transformadora, o prelú dio para o cé u. Essas trê s
maneiras sã o muitas vezes diminuídas porque os escritores as
descrevem apenas de fora. Sã o Joã o da Cruz os contemplou de cima e
por isso penetrou em suas profundezas. Ele deve ter recebido o dom da
sabedoria em altíssimo grau para ter discutido com tanta maestria
coisas tã o profundas sobrenaturais, pois a luz da vida ilumina todas as
pá ginas de sua obra.
5) Os toques divinos nã o devem ser comparados a revelaçõ es e
visõ es, que sã o, propriamente falando, fatos extraordiná rios e, por
assim dizer, exteriores. É verdade que Sã o Joã o da Cruz distingue a
contemplaçã o infusa geral e obscura do conhecimento sobrenatural
distinto, 128 e que relaciona com este ú ltimo os toques divinos
impressos na vontade, que tê m sua reaçã o no intelecto. Mas esses
toques divinos, sem serem essenciais à contemplaçã o infusa, por sua
influê ncia na vontade ajudam a constituir a uniã o com Deus 129 e nã o
devem ser temidos. 130 Por isso diferem notavelmente dos
acontecimentos propriamente extraordiná rios e de certo modo
exteriores, como as revelaçõ es e as visõ es, que o santo declara muitas
vezes perigosas. 131
Seria també m um erro grosseiro confundir esses toques divinos,
esse contato chamado substancial, com as emoçõ es da parte sensível; e
també m seria um erro confundir "os gostos", de que fala Santa Teresa,
132 com as consolaçõ es adquiridas pela meditaçã o.

6) Visto que a aná lise é necessá ria por causa de nossa fraqueza, ela
tem, especialmente nessas questõ es, uma desvantagem que deve ser
corrigida pela síntese. O desejo de ser muito preciso neste assunto leva
à divisã o e, como resultado, à materializaçã o do que é uma unidade na
realidade da vida espiritual. Portanto, nessas questõ es, podemos
manter a verdade apenas considerando-as à luz de princípios
superiores, como o fizeram Sã o Tomá s e grandes místicos como Sã o
Joã o da Cruz. Consequentemente, uma exatidã o material e mecâ nica,
que eles nã o compartilham, foi aplicada a essas questõ es espirituais.
Por isso, muitos comentá rios sobre as obras espirituais dos grandes
doutores se assemelham a essas obras da mesma forma que um
polígono inscrito em um círculo se assemelha ao círculo; a
complexidade do primeiro é proporcional à simplicidade do ú ltimo.
Isso acarreta a perda da forte segurança com que esses grandes
mestres especulativos e místicos lidavam com essas questõ es elevadas.
Aplicando-lhes os princípios mais elevados, deram à s controvérsias
sobre pontos secundá rios apenas a devida importâ ncia a eles. Só esta
atitude, que é notavelmente diferente da de muitos escritores
modernos, colocou-os no caminho da verdade e permitiu-lhes formulá -
la com uma perfeiçã o que nunca foi alcançada. Ninguém poderá
realmente aperfeiçoar sua obra, a menos que tenha recebido a mesma
graça que eles receberam. Devemos, portanto, nos tornar seus
discípulos sem pretender completar seu trabalho imediatamente.
Faríamos muito se conseguíssemos entendê-los claramente. Mesmo
para compreendê-los plenamente, seria necessá rio igualá -los.
Alguns críticos recentes alegaram que a vida mística propriamente
dita nã o pode ser explicada pelos princípios formulados por Sã o
Tomá s. Na opiniã o deles, provavelmente ele nã o tinha em vista essa
forma especial da vida interior quando os formulou. A isso
respondemos com Dom Louismet: "Se um escritor universal como Sã o
Tomá s de Aquino nã o fala dos místicos como uma classe peculiar, nã o é
porque para ele, como para o Areopogita, todos os cristã os sã o
místicos de jure ? . . ... E se ele nunca menciona um corpo separado de
doutrina mística, nã o é porque para ele nã o há doutrina mística
distinta do depó sito comum de fé ? 133 Na verdade, é a fé vivida
plenamente na generosidade perseverante no amor de Deus. "Por
misticismo cató lico tradicional, quero dizer o misticismo com o qual as
Epístolas de Sã o Paulo e Sã o Joã o, e as outras epístolas canô nicas, e
todas as outras Escrituras, estã o transbordando. É o misticismo do
sacrifício eterno do Cordeiro no cruz e em nossos altares, e de toda a
sagrada liturgia ao seu redor: a mística do Missal, do Ritual, do
Pontifício, do Cerimonial dos Bispos, do Breviá rio e do Martiroló gio”.
134 Nã o acreditamos que esta afirmaçã o seja contrariada pelos

verdadeiros místicos que experimentam a vida superior a que todo


cristã o deve aspirar.
Pe. Garrigou-Lagrange, OP 1877-1964

F ATHER Reginald Marie Garrigou-Lagrange, OR (1877-1964) foi


provavelmente o maior teó logo cató lico do sé culo XX. (Ele nã o deve ser
confundido com seu tio, Pè re Lagrange, o estudioso da Bíblia.) Fr.
Garrigou-Lagrange inicialmente atraiu a atençã o no início do sé culo 20,
quando escreveu contra o Modernismo. Reconhecendo que o
Modernismo – que negava a verdade objetiva da revelaçã o divina e
afirmava uma concepçã o heré tica da evoluçã o do dogma – atingiu a
pró pria raiz da fé cató lica, Pe. Garrigou-Lagrange escreveu obras
clá ssicas sobre apologé tica, defendendo a fé cató lica por meio da
filosofia e da teologia. Pe. Garrigou-Lagrange ensinou no Angelicum em
Roma de 1909 a 1960, e serviu por muitos anos como consultor do
Santo Ofício e de outras Congregaçõ es Romanas. Ele é mais famoso, no
entanto, por seus escritos, tendo produzido mais de 500 livros e
artigos. Nestes, ele se mostrou um tomista completo na tradiçã o
clá ssica dominicana.
Pe. Garrigou-Lagrange era mais conhecido por sua teologia
espiritual, particularmente por insistir que todos sã o chamados à
santidade e por zelosamente propor a tese de que a contemplaçã o
infusa e a vida mística resultante estã o no caminho normal da
santidade ou perfeiçã o cristã . Sua obra clá ssica neste campo é As Três
Idades da Vida Interior , na qual a Fé Cató lica se destaca em todo o seu
esplendor como obra divina de incomparável integridade, estrutura e
beleza, ordenada a elevar o homem à vida divina da graça e trazer para
florescer nele o "organismo sobrenatural" da Graça Santificante e os
Sete Dons do Espírito Santo - as fontes de todo o verdadeiro misticismo.
Entre suas outras obras teoló gicas famosas estã o O Amor de Deus e a
Cruz de Jesus, A Mãe do Salvador e nossa Vida Interior, Providência,
Predestinação, Vida Eterna e Cristo Salvador . Seu trabalho filosó fico
mais importante foi Deus, Sua Existência e Natureza: Uma Solução
Tomista de Certas Antinomias Agnósticas .
As obras do Pe. É improvável que Garrigou-Lagrange seja igualado
nas pró ximas décadas.
1 Veja sua Vida de Guillaume de Tocco; também os Bollandistas, 7 de março. Cf. a recente
obra do Padre Petitot, OP: Saint Thomas d'Aquin, la vocation, l'œuvre, la vie spirituelle , 1923.
2 Encíclica Studiorum ducem , 29 de junho de 1923: "Haec igitur a Deo delapsa seu infusa

sapientia, ceteris comitata donis Sancti Spiritus, perpetuum in Thoma accepit incrementum,
aeque ac caritas, omnium domina et regina virtutum. Etenim illa huic erat certissima doctrina,
amorem Dei numquam non oportere crescere 'ex ipsa forma praecepti: Diliges Dominum tuum
ex toto corde tuo; totum enim et perfectum idem sunt... Finis praecepti caritas est , ut Apostolus
dicit, I Tim. 1:5; in fine autem non adhibetur aliqua mensura, sed solum in his quae sunt ad
finem' (IIa IIae, q. 184, a. 3). Quae ipsa est causa quare sub praeceptum perfectio caritatis cadet
tanquam illud quo omnes pro sua quisque conditione niti debent. praeceptum de amore Dei
quam late pateat, caritas eique adjuncta dona Sancti Spiritus quomodo crescant, multiplices
vitae status, ut perfectis, ut religiosorum, ut apostolatus, quid inter se differentant et quae
cujusque natura visque sit, haec et talia asceticae mysti caeque theologiae capita si quis
pernosse volet, é Angelicum in primis Doctorem adeat oportebit."
3 A encíclica escrita pelo Papa Pio XI por ocasiã o do terceiro centená rio de Sã o Francisco de

Sales, em 26 de janeiro de 1923, chama a atençã o para essa doutrina nos seguintes termos:
"Cristo constituiu a Igreja santa e fonte de santidade, e todos os que tomá -la como guia e mestra
deve, segundo a vontade divina, almejar a santidade de vida: 'Esta é a vontade de Deus', diz Sã o
Paulo, 'a vossa santificaçã o'. A que tipo de santidade se refere? Nosso Senhor mesmo o explica
da seguinte maneira: 'Sede vó s perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito'. Que ninguém
pense que este convite é dirigido a um nú mero pequeno e muito seleto e que todos os outros
podem permanecer em um grau inferior de virtude. Como é evidente, esta lei obriga
absolutamente a todos, sem exceçã o. de perfeiçã o cristã , e seu nome é legiã o, de todas as idades
e classes, de acordo com o testemunho da histó ria, todos experimentaram as mesmas fraquezas
da natureza e conheceram os mesmos perigos. Santo Agostinho coloca o assunto claramente
quando diz: ' Deus nã o ordena o impossível, mas ao dar o mandamento, Ele nos admoesta a
fazer o que pudermos de acordo com nossas forças e a pedir ajuda para realizar tudo o que
exceder nossas forças.' "Sobre esta doutrina, veja Sã o Francisco de Sales, Tratado sobre o Amor
de Deus , Bk. III, cap. 1.
4 Seguindo o exemplo de Sã o Tomá s, ele distingue a contemplaçã o infusa dos fenô menos

extraordiná rios que à s vezes a acompanham.


5 Esta tabela difere ligeiramente da publicada pelo Padre Gerest, OP, no seu excelente

pequeno Memento de la vie spirituelle , 1922, no qual exprime as ideias que temos em comum, e
segundo o qual reviu a obra do Padre Meynard, OP, Traité de la vie intérieure .
6 Ver IIa IIae, q.161, a.6.
7 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 9, sinal 3d.
8 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 13.
9 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 14.
10 Ibidem , cap. 8.
11 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 3.
12 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
13 Ver a explicaçã o destes graus de humildade em Sã o Tomá s, IIa IIae, q.161, a.6.
14 Lucas 10:27.
15 Mat. 5: 48.
16 Joã o 1:14, 16.
17 Joã o 6: 47; 8: 51.
18 Joã o 14:21.
19 Joã o 14:16, 26.
20 Joã o 13:34.
21 Joã o 15:13.
22 Joã o 17:11, 22.
23 Mat. 11: 25.
24 Col. 3: 5, 10.
25 Rom. 6: 4-6; 12: 2.
26 Gal. 5: 24.
27 Veja II Cor. 4: 10.
28 Joã o 12:24.
29 Col. 3: 10, 12, 14; cf. Ef. 4: 1-6; Garota. 2: 9.
30 Fil. 2: 5; I Cor. 11: 1.
31 Rm. 8: 7.
32 Rm. 6: 5.
33 Rom. 6: 4–11.
34 Col. 3: 1.
35 Efésios. 2: 6.
36 Gal. 4: 19.
37 Fil. 3: 8.
38 Colossenses 3: 1–4.
39 Colossenses 3: 15–17.
40 Veja infra , pp. 311 f., o que Sã o Paulo diz sobre o espírito de sabedoria.
41 Col. 3: 4.
1 Summa theol ., Ia, q. 1, a. 2, 8.
2 Com certos autores modernos, podemos dizer que "a teologia mística se baseia na teologia
dogmá tica, como a teologia ascética se baseia na teologia moral", para usar a expressã o de uma
autoridade anô nima citada por Sauvé em seu excelente tratado Les états mystiques , 6ª ed. ., pá g.
1. Acreditamos, no entanto, que esta maneira de falar dá origem a uma concepçã o menos
elevada da teologia moral do que aquela formulada por Sã o Tomá s de Aquino, e que talvez
levasse a uma distinçã o exagerada entre teologia ascética e mística, e a uma falta de percepçã o
da continuidade do progresso espiritual. Voltaremos a esta questã o, sobre a qual Sauvé muitas
vezes se expressa de forma precisa e tradicional no mesmo tratado.
3 Um exemplo deste tipo de livro é Les grâces d'oraison do douto e saudoso Padre A. Poulain,

SJ Este livro deve ser lido com atençã o por todos os que desejam tratar destes problemas.
4 Padre Poulain, Les grâces d'oraison , 9ª ed., pp. 132, 164.
5 "A graça santificante é mais nobre do que a graça gratuita" (Ia IIae, q.3, a.5).
6 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 10, 19, 20, 25.
7 Cfr . infra , pá g. 59.
8 Bossuet, Manière courte et facile de faire l'oraison en foi et de simple présence de Dieu (uma
pequena obra dirigida à s Irmã s da Visitaçã o de Meaux). Esta oraçã o pode ser chamada de
contemplaçã o, mas se for comparada mesmo com os estados passivos inferiores descritos por
Santa Teresa, evidentemente nã o merece o nome de contemplaçã o essencialmente mística,
exceto talvez por breves momentos, e em sua segunda fase.
1 Isso é bem diferente de visõ es e revelaçõ es privadas.
2 Por exemplo, Filipe da Santíssima Trindade, Summa theolog. mysticae (1874 ed.), diz:

"Debent omnes ad sobrenaturalem contemplationem aspirare: nihil honestius, utilius,


delectabilius" (II, 299). "Debent omnes et maxime Deo specialiter consecratae animae, ad
actualem fruitivam unionem cum Deo aspirare et tendere" (III, 43). "Contemplationis
sobrenaturalis gratia aliquando conceditur imperfectis, aliquando denegatur perfectis" (II,
310). "Aliquando" indica a exceçã o e nã o a regra. Cfr. também Tomé de Jesus, De contemplatione
divina , Bk. Eu, cap. 9.
3 Louis de Blois resume o ensinamento tradicional sobre este ponto em sua Institutio

spiritualis , cap. 1: "Todos os homens devem aspirar à uniã o com Deus"; indivíduo. 12: “Como a
uniã o mística com Deus é realizada na alma que alcançou a perfeiçã o: (1) Aquele que persevera
normalmente obtém a uniã o mística; . . . (3) Algumas opiniõ es sobre esta uniã o; (4) Seus efeitos.
"
4 Summa , IIa IIae, q.181, a.1, 2.
5 Ibid ., q. 182, a.3.
6 Ibid ., a. 4.
7 Ibid ., ad 2um.
8 Ibid ., ad 3um.
9 Ibid .
10 Ibid ., a. 2.
11 Ibid .
12 Cidade de Deus , Bk. XIX, séc. 19.
13 Summa , IIa IIae, q.182, a.2 ad lum.
14 Ibid ., ad 3um.
15 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 2, 3, 8.
16 Ibid ., pp. 202 f.
17 "Nã o há estado mais perturbador ou mais doloroso para a alma do que nã o ver

claramente em si mesma e nã o encontrar quem a compreenda. Conduzida por Deus à s alturas


da obscura contemplaçã o e da aridez, parecerá a ela que está se desviando, e em meio à s trevas,
sofrimentos, angú stias e tentaçõ es, seu diretor lhe dirá , como os consoladores de Jó lhe
disseram: "Isso é tudo melancolia e fraqueza. Talvez você seja culpado de malícia oculta, como
resultado do qual Deus o deixa nesta condiçã o de abandono'” (Pró logo, p. 5).
18 La doutrina spirituelle , 7º princípio, cap. 6, a.3, seg. 11; 4º princípio, "Docilidade à

Inspiraçã o do Espírito Santo", cap. 1, a.3; indivíduo. 11, a.2. Entre os autores jesuítas
posteriores, consulte também as obras do Padre de Caussade e do Padre Grou.
19 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 10, 11, 16, 17, 20, 28.
20 Sobrenatural quoad substantiam , diz a teologia sã em contraste com o quoad modum
sobrenatural de milagres sensíveis ou de conhecimento profético de eventos futuros.
21 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 1.
22 La Contemplation (1912), pp. 61–71.
23 Sã o Joã o da Cruz ( A Noite Escura da Alma , Livro I, cap. 9) certamente diz: “Fique bem

entendido que Deus nã o conduz à contemplaçã o perfeita todos os que se entregam


resolutamente à vida interior. Por quê? Só Deus sabe. Daí vem que há almas das quais Deus
nunca retira completamente o poder de considerar e raciocinar, exceto por um tempo. As
palavras "só Deus sabe" mostram que essa nã o é a lei fundamental do progresso espiritual; pelo
contrá rio. Estas palavras sã o uma alusã o à predestinaçã o, que Sã o Joã o da Cruz entende como
Sã o Tomá s, pois ele diz, em The Ascent of Mount Carmel , Bk. II, cap. 5: "É verdade que as almas,
qualquer que seja a sua capacidade, podem ter alcançado a uniã o, mas nem todas a possuem no
mesmo grau. Deus dispõ e livremente deste grau de uniã o, como dispõ e livremente do grau da
beatífica visã o." Assim diz Sã o Tomá s em Ia, q.23, a.5. A predestinaçã o de uma alma em
detrimento de outra nã o diz respeito diretamente à questã o proposta neste artigo: A uniã o
mística nesta vida é o á pice do desenvolvimento normal da graça santificante das virtudes e dos
dons? A prova disso está no fato de que, em todos os justos, a graça é essencialmente ordenada
para a gló ria, mas nem todos sã o predestinados para a gló ria; alguns, de fato, perdem a graça e
morrem em estado de pecado mortal. "Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos."
24 O Caminho da Perfeição , cap. 20.
25 Certas restriçõ es, expressas por Santa Teresa no Caminho da Perfeição (cap. 17) e no

Castelo Interior (quinta mansã o, cap. 3), quando comparadas com o princípio geral que ela
formula e desenvolve no Caminho da A perfeição (caps. 18, 20, 25, 29) deve ser entendida desta
forma. Consulte a harmonizaçã o dos diferentes textos de Santa Teresa pelo Padre Arintero, OP,
Evolución mística , p. 639 nota 2, e Cuestiones místicas , pp. 305 ss., bem como a excelente obra
do Padre Garate, Razón y Fe , julho de 1908, p. 325. É certo que as alegrias da uniã o mística nã o
sã o necessá rias à perfeiçã o, e que a contemplaçã o sobrenatural é muitas vezes muito á rida e
dolorosa. Em O Castelo Interior (quinta mansã o, cap. 1), Santa Teresa, falando dos religiosos de
seus mosteiros, diz: “Sã o poucos os que nã o entram nesta quinta mansã o. , eu digo que a
maioria entra. Certas graças que sã o encontradas nelas sã o, creio eu, a porçã o de poucos; mas
se os outros apenas alcançam a porta, mesmo isso é uma imensa misericó rdia da parte de Deus,
pois 'Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos.' "
26 Sã o Joã o da Cruz, A Subida ao Monte Carmelo , Pró logo: "Para alcançar a luz divina e a

uniã o perfeita do amor de Deus, falo do que se pode realizar nesta vida, a alma deve passar por
a noite escura. Sem dú vida, para explicar esta noite e fazê-la entender, deve-se ter um
aprendizado mais profundo e uma experiência maior do que a minha. . . . Espero que o Senhor
me ajude a expressar verdades ú teis, a fim de que eu possa assistem assim tantas almas que
precisam urgentemente de ajuda. Depois dos primeiros passos no caminho da virtude, quando
o Senhor deseja fazer com que essas almas entrem na noite escura, para conduzi-las à uniã o
divina, há quem nã o vã o mais longe. À s vezes falta o desejo de fazê-lo, ou eles nã o estã o
dispostos a ser conduzidos para lá ; à s vezes é por ignorâ ncia, ou porque procuram em vã o um
guia capaz de levá -los ao cume. É deveras comovente ver quantas almas, agraciadas pelo Senhor
com dons e graças excepcionais s (à s vezes precisariam apenas de um pouco de coragem para
atingir a alta perfeiçã o), contentam-se com relaçõ es inferiores com Deus." O objetivo de todo
este pró logo é corrigir muitos erros na questã o da direçã o. Sabemos que, no julgamento de Sã o
Joã o da Cruz, a noite escura é um período de contemplaçã o mística. Neste mesmo pró logo ele o
diz: "Conduzido por Deus à s alturas da obscura contemplaçã o e da aridez, parecerá à alma que
se extravia."
27 Estes dons sã o especificamente distintos das virtudes infusas (Ia IIae, q.68, a.1).
28 Veja Ia IIae, q.68, e Bk. I das Sentenças , d.14, q.2, a.2 ad 3um.
29 A esse respeito, consultar os seguintes autores dominicanos: Suso, Mystical Works; Tauler,

Sermões; Piny, L'abandon à la volonté de Dieu . Devem ser lidos os seguintes autores jesuítas:
Padre Lallemant, La doutrina spirituelle; Padre Grou, Maximes spirituelles (2d maxim); Padre de
Caussade, L'abandon à la Providence . Veja também Sã o Joã o da Cruz, A Noite Escura da Alma ,
Parte I.
30 Um efeito milagroso e sensível, como a vida restaurada a um corpo morto, nã o é

sobrenatural em sua essência, mas apenas no modo de sua produçã o; enquanto o exercício dos
dons do Espírito Santo é sobrenatural tanto em sua essência quanto em seu modo, quoad
substantiam et quoad modum .
31 Lamballe, La Contemplation , p. 195. Arintero, Evolución mística , pp. 460-80; Cuestiones

místicas , pp. 60, 571 nota: "Explicaçã o das graças necessá rias para a uniã o transformadora."
Sauvé parece favoravelmente inclinado a esta tese em États mystiques , pp. 85, 90-96, 100-05,
139-41, 162.
32 Saudreau, nas primeiras ediçõ es de seus livros, nã o afirmou claramente que a uniã o

transformadora é o á pice do desenvolvimento normal da vida de graça na terra. Pareceu-nos


mesmo que, na sua opiniã o, este cume nã o ia além da oraçã o de silêncio, tese que nã o podíamos
admitir. É claro, pelo que ele diz na segunda ediçã o de L'état mystique (pp. 51, 192) e na terceira
ediçã o de Vie d'union à Dieu (p. 259), que concordamos plenamente. Nesta ú ltima referência, ele
diz claramente: "Com essas oraçõ es sobrenaturais comuns, a alma pode atingir até a uniã o
transformadora, o á pice da vida espiritual, sem nunca ter tido um êxtase ou uma visã o."
33 Santa Teresa, Vida , cap. 15: "Muitas sã o as almas que atingem este estado (a oraçã o de

quietude), e poucas sã o as que vã o além." Em The Interior Castle , quarta mansã o, cap. 3, e
quinta mansã o, cap. 1, a respeito da entrada na quinta morada (superior à oraçã o de silêncio),
ela diz: "Embora todos nó s... sejamos chamados à contemplaçã o... poucos sã o os que se
preparam para que o Senhor revele para eles esta pérola preciosa de que estamos falando. Pois
embora no que diz respeito ao exterior nã o haja nada repreensível em nossa conduta, isso nã o é
suficiente para atingir um grau tã o alto de perfeiçã o. Como é necessá rio banir toda negligência."
34 Particularmente quando ele descreve ( The Dark Night of the Soul , Bk. II, caps. 18–20) os

dez graus de caridade enumerados por Sã o Bernardo, é evidente que ele acredita que os graus
inferiores devem normalmente levar aos graus superiores , e para o mais alto de todos. Além
disso, acrescenta que o progresso da contemplaçã o é proporcional ao da caridade. Toda a obra
de Sã o Joã o da Cruz parece manifestar claramente a continuidade dos graus da uniã o mística
até a uniã o transformadora. Alguns escritores, é verdade, pensaram que Sã o Joã o da Cruz
escreve apenas para alguns raros contemplativos. Ele mesmo diz, porém, no final do Pró logo da
Ascensão ao Monte Carmelo , que propõ e "uma doutrina só lida e substancial que se dirige a
todos, com a condiçã o de que decidam passar pela nudez do espírito".
35 Veja I Cor. 14: 20.
36 Provamos isso longamente em outro lugar: De Revelatione, I, 202-17, 458-515. Cfr. Sã o
Tomá s, IIa IIae, q.5, a. 1: “No objeto da fé, há algo formal, por assim dizer, a saber, a Primeira
Verdade que supera todo o conhecimento natural de uma criatura, e algo material, a saber,
aquilo com o qual concordamos aderindo à Primeira Verdade ."
37 "Se a graça gratuita é mais nobre do que a graça santificante" (Ia IIae, q.111, a.5).
38 Summa , IIa IIae, q.184, a. 3.
39 Lucas 10:27.
40 Bk. II, caps. 12, 13.
41 Quinta ed., pp. 227–36, 409.
42 O Padre Poulain, SJ, admite isto: "Quase todos os santos canonizados tiveram a uniã o

mística, e via de regra abundantemente" ( Les grâces d'oraison , 9ª ed., p. 554). Padre Poulain
também reconhece a existência de um período de transiçã o entre a via ascética e a mística,
período que denota uma certa continuidade entre as duas. Cfr. Les grâces d'oraison , pp. 13, 122.
43 Vida , cap. 15; Fundações , cap. 4; O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1.
44 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 10, 19, 20, 25.
45 Joã o 27:21.
46 "A terceira busca do homem é visar principalmente à uniã o e gozo de Deus: isso pertence

aos perfeitos que desejam ser dissolvidos e estar com Cristo" (IIa IIae, q.24, a.9).
47 Sã o Tomá s, em Mateus (5: 2), falando das oito bem-aventuranças, diz: "Estes méritos ou

sã o atos dos dons ou atos das virtudes conforme sã o aperfeiçoados pelos dons"; "de uma
maneira sobre-humana", como ele disse algumas linhas anteriormente na mesma passagem.
48 Lucas 9:23.
1 Cfr . infra , pp. 338 f.
2. Uma definiçã o nominal contém confusamente a definiçã o real, e pode ser mais ou menos

precisa conforme é retirada, por exemplo, de um vocabulá rio comum ou de um dicioná rio
filosó fico ou teoló gico.
3 Referimo-nos especialmente aos carmelitas Filipe da Santíssima Trindade, Antô nio do

Espírito Santo e José do Espírito Santo, o dominicano Vallgornera, vá rios teó logos jesuítas,
alguns franciscanos e alguns membros de outras ordens.
4 Summa , IIa IIae, q. 180, A. 1,6.
5 Cfr . infra , pp. 221–35.
6 Cfr . infra , pp. 235–38.
1 Veja II Cor. 3: 6.
2 Essas confusõ es também foram feitas, em certa medida, por teó logos que sofreram a triste

influência do nominalismo, que é uma tendência que deve acabar por ver apenas palavras em
tudo o que excede o objeto imediato da experiência, os fenô menos sensíveis. Para o nominalista
nã o há mais nenhuma natureza humana essencialmente distinta da graça, mas apenas uma
agregaçã o de indivíduos humanos. Com maior razã o, segundo eles, as realidades espirituais sã o
naturalmente incognoscíveis. Por exemplo, nã o podemos ter certeza da espiritualidade e
imortalidade da alma, a menos que Deus no-las revele, e nossa inteligência nã o pode
compreender as fó rmulas reveladas, por causa da insuficiência de suas idéias. Esta doutrina
conduz finalmente a uma negaçã o da teologia e da filosofia, ao positivismo atual.
Ocasionalmente, como reaçã o, levou certas almas a um misticismo, mas um misticismo sem
fundamento doutriná rio, muitas vezes composto de sentimentalismo proveniente da
impotência da razã o diminuída e da necessidade de encontrar algo a que se agarrar, e nã o da
ideia do grandeza infinita de Deus. Pode-se ser nominalista por tendência sem sabê-lo; na
verdade, isso acontece com frequência.
3 A sensaçã o tem dois elementos: um material, a açã o do sistema nervoso que leva um

estímulo de um objeto exterior ao cérebro, uma açã o que segue leis que regem açõ es
semelhantes na ordem inferior da natureza; e outra formal e específica, cujo papel é produzir
uma representaçã o daquilo que perturba o sentido. É quase sempre neste ú ltimo sentido que
Sã o Tomá s usa a palavra “sensaçã o”. Restringir o uso do termo ao elemento material é
materializar ainda mais sua doutrina. Sobre o sentido real do ser senciente, cf. Sã o Tomá s, Ia, q.
14, A. 1; q.78, a. 3
4 "Nã o se pode dizer que o conhecimento sensível seja a causa total e perfeita do

conhecimento intelectual, mas sim que é de certo modo a causa material" (Ia, q.84, a.6).
5 "Pois a pró pria luz intelectual que está em nó s nada mais é do que uma semelhança

participada da luz incriada, na qual estã o contidos os tipos eternos" (Ia, q.84, a.5). "Portanto,
deve haver algum intelecto superior, pelo qual a alma é ajudada a compreender" (Ia, q.79, a.4).
Cfr. Ia, q.105, a.3. Alguns escolá sticos parecem considerar nesta luz intelectual apenas sua
funçã o abstrativa e nã o sua funçã o iluminadora que continua apó s a abstraçã o. Cfr. De verdade ,
q. 10, a.6.
6 De verdade , q. 11, A. 1.
7 "Uma vez que o intelecto criado é naturalmente capaz de apreender a forma concreta, e o

ser concreto abstratamente, por meio de uma espécie de resoluçã o de partes; ele pode, pela
graça, ser elevado para conhecer a substâ ncia subsistente separada e a existência subsistente
separada" ( Ia, q. 12, a.4 ad 3um). "A alma é naturalmente capaz de graça; desde que ela foi feita
à semelhança de Deus, ela está apta a receber Deus pela graça, como diz Agostinho" (Ia IIae.
q.113, a. 10).
8 Ver Ia, q.1, a.8 ad 2um: q.2 ad 1um. q.60, a.5.
9 Ver Ia IIae, q.85, a.3; IIIa, q.69, a.3, 4 ad 3um; Contra Gentios , Bk. IV, cap. 52.
10 Ver Ia IIae, q.113, a.9 ad 2um.
11 Os nominalistas (como Occam, Gabriel Biel e Pierre d'Ailly) julgavam tudo pelos fatos da

experiência e nã o pelas razõ es formais das coisas que, por si só , podem tornar os fatos
inteligíveis. Incapazes de discernir nos indivíduos humanos o que constitui a natureza humana,
eles nã o viram mais o que distingue a natureza humana do dom da graça. Na opiniã o deles, esse
presente era sobrenatural apenas por uma instituiçã o contingente de Deus, assim como o metal
ou o papel têm valor monetá rio apenas em virtude de uma lei promulgada pela autoridade civil.
A graça assim concebida nã o é mais real e formalmente a semente da gló ria.
12 Perderam de vista o abismo que separa o objeto natural da inteligência divina daquele da

inteligência criada.
13 Ver Ia IIae, q. 110, A. 3.
14 "Todas as perfeiçõ es existentes nas criaturas divididas e multiplicadas, pré-existem em

Deus simples e unidas" (Ia, q. 13, a.5). "Quanto ao objeto pretendido pelo nome, este nome Deus
é mais pró prio do que o nome 'Aquele que é', pois se impõ e para significar a natureza divina "
(Ia, q.13, a. 11 ad 1um). "A razã o formal da Divindade está antes de tudo em seu ser e em todos
os seus atributos, pois está acima do ser e acima da unidade, etc." (Catejan sobre Ia, q.39, a. 1, n.
7, 8).
15 "Pois é tã o necessá rio que somente Deus deifique, concedendo uma participaçã o da

natureza divina por uma semelhança participada, como é impossível que qualquer coisa, exceto
o fogo, acenda" (Ia IIae, q. 112, a. 1).
16 De Revelatione, I, 197-217.
17 Ver IIa IIae, q. 110, a.3, 4; q.112, a.1.
18 De Revelatione, I, 206, 337–403, e especialmente pp. 395–403: Por que nã o pode haver

em nossa natureza ou na dos anjos um desejo inato da vida sobrenatural ou um poder


obediente ativo, mas apenas um desejo fraco e a capacidade passiva de ser elevado a essa
ordem infinitamente superior.
19 Ver IIIa, q.79, a.1 ad 2um.
20 Discours sur l'histoire universelle , Parte II, cap. 19.
1 Ver Ia IIae, q.63 , a.4 .
2 Cfr . B. Froget, De l'habitation du Saint-Esprit dans les âmes justes , Parte IV, cap. 5, nã o. 3:

“As virtudes morais infusas especificamente distintas das virtudes morais adquiridas”.
3 Ver Ia IIae, q.61, a.5.
4 Ver Ia IIae, q.63, a. 4; IIa IIae, q.6, a.1.
5 Joã o 6: 44, 45, 47.
6 Joã o 10:27.
7 Joã o 18:37.
8 Hebr. 11: 1.
9 Sess. VI, cap. 7.
10 Cfr . Sã o Tomá s, De veritate , q.14, a. 8 ad 4um.
11 Cfr . Caetano, In IIa IIae, q.1, a. 1; e sobre o mesmo assunto, Joã o de Sã o Tomá s, Bannes, os

teó logos de Salamanca, Billuart, etc. Capreolus se expressa da mesma maneira em seu
Comentário sobre as Sentenças, III Enviado ., d.24, q.1, a. 3, 4.
12 Santo Agostinho, In Joan ., 8: 14, tr. 35. Migne, XXXV, 1658: "A luz dá testemunho de si

mesma... e é uma testemunha de si mesma de que a luz pode ser conhecida... Da mesma forma, a
Sabedoria, a Palavra de Deus."
13 "Sendo assim, se considerarmos, na fé, o aspecto formal do objeto, nada mais é do que a

Primeira Verdade. Pois a fé de que falamos nã o concorda com nada, exceto porque é revelada
por Deus. Daí que o meio sobre o qual se baseia a fé seja a Verdade divina” (IIa IIae, q.1, a. 1).
"Ora, já foi dito que o objeto da fé é a Primeira Verdade. como invisível, e tudo o que temos por
conta dela" (q.4, a. 1). “No entanto, devemos observar que no objeto da fé há algo formal, por
assim dizer, a saber, a Primeira Verdade que supera todo o conhecimento natural de uma
criatura, e algo material, a saber, a coisa à qual assentimos enquanto aderimos à Primeira
Verdade" (q.5, a. 1).
De veritate , q.14, a.8, corp.: "Toda verdade criada é defeituosa. . . . Portanto, a fé, que é
estabelecida como uma virtude, deve fazer o intelecto do homem aderir à verdade que consiste no
conhecimento divino , transcendendo a verdade de seu pró prio intelecto. E assim a alma fiel
através da verdade simples e imutável está livre da inconstância do erro instável, como diz
Dionísio: De div. nom . c. VII." Cfr. Ibid ., ad 2um, ad 3um, ad 9um, ad 16um.
14 "O herege nã o sustenta os outros artigos de fé sobre os quais nã o erra da mesma forma
que um dos fiéis, a saber, aderindo simplesmente à verdade divina, porque para isso o homem
precisa do ajuda do há bito da fé; mas ele retém as coisas que sã o da fé por sua pró pria vontade
e julgamento" (IIa IIae, q.5, a.3 ad 1um). "Pois, visto que o homem, ao consentir em questõ es de
fé, é elevado acima de sua natureza, isso deve resultar para ele de algum princípio sobrenatural
que o move interiormente; e este é Deus" (q.6, a. 1). Em Boetium de Trinit ., q.3, a. 1 ad 4um: "As
coisas que sã o propostas exteriormente referem-se ao conhecimento da fé, como se fossem
recebidas pelos sentidos para o reconhecimento dos princípios."
15 De verdade , q. 14, a.9 ad 4um: “Crer é usado equivocadamente para os fiéis e para os

demô nios”.
16 Quodlibet II , a. 6 ad 3um.
17 Veja I Cor. 2: 14. Veja o comentá rio de St. Thomas sobre este texto. Na encíclica

Providentissimus , Leã o XIII diz: "O sentido da Sagrada Escritura em nenhum lugar pode ser
encontrado incorrupto fora da Igreja, e nã o se pode esperar que seja encontrado em escritores
que, estando sem a verdadeira fé, apenas roem a casca da Sagrada Escritura, e nunca atingir sua
essência." Para descobrir o sentido literal da Escritura, nem sempre é suficiente ter uma
gramá tica, um dicioná rio e as regras da exegese racional, mas é preciso também seguir
positivamente as da exegese cristã e cató lica que procede sob a luz divina da fé, como é
declarado em todos os bons tratados sobre interpretaçã o das Escrituras.
18 De praedestinatione sanctorum, PL , XLIV, 970. Também PL , XLV, 1019.
19 St. Thomas, em Joann ., cap. 4, lect. 5, nã o. 2.
20 Ef. 3: 17.
21 Em Ep. ad Gal ., 3: 11.
22 Sobre este ponto importante, Capreolus, Cajetan, Cano, Lemos, John of St. o motivo que o

especifica. Suarez concorda com St. Thomas neste ponto.


23 Salmanticenses, De gratia , tr. XIV, disp. III, dublagem. 3, nã o. 40: "O motivo formal da fé

infusa é o testemunho de Deus, o Autor da graça, que estabelece uma certeza sobrenatural. O
homem, por seus poderes naturais, pode confiar no testemunho de Deus, o Autor da natureza (e
dos milagres naturalmente conhecíveis) , mas ele nã o pode sem graça confiar no testemunho de
Deus, o Autor da graça, na voz do Pai celestial, que é o princípio de uma certeza essencialmente
sobrenatural, relativa a um objeto e a um fim da mesma ordem. Cfr. Ibidem , n. 28, 40, 42, 45, 60.
Salmant., De fide , disp. Eu, dub. 5, nºs. 163, 193. A revelaçã o divina é aquela pela qual cremos
nos mistérios, e a pró pria revelaçã o é crida pelo mesmo ato; nó s aderimos a ela
sobrenaturalmente pela fé. Assim, dissemos com Sã o Tomá s ( De veritate , q.14, a. 18 ad 4um), a
luz se vê e nos faz ver as cores. Estas ú ltimas fó rmulas, como já observamos, sã o correntes entre
todos os grandes comentadores de Sã o Tomá s (dominicanos ou carmelitas), e também sã o
usadas por Suarez.
Por ú ltimo, a mesma doutrina é bem defendida pelo padre G. Mattiussi, SJ, Rivista di filosofia
neo-scolastica , dezembro de 1918, pp. 416–19, "L'atto di fede", e pelo padre M. de la Taille, SJ,
Recherches de science religieuse , setembro de 1919, p. 275, "L'oraison contemplative." Também há
alguns anos o padre G. Petazzi, SJ, em um interessante estudo, Credibilità e fede , contrastou
justamente a fé dos demô nios, brotando da perspicácia natural com a qual eles discernem os
milagres (IIa IIae, q.5, a. 2 ad 2um) com a fé infundida dos fiéis. "A fé adquirida pelos demô nios",
ele diz com razão, "não é nem essencialmente sobrenatural nem meritó ria. da ordem sobrenatural
e em relação a um fim sobrenatural. Portanto, não é nem meritó rio nem louvável, pois os
demô nios, embora admitindo os mistérios da fé, não buscam o bem de Deus, mas apenas o seu
pró prio (seria estú pido para eles negar a origem divina de uma palavra confirmada por sinais tão
marcantes). Verdade naturalmente cognoscível, segue-se que a fé dos demô nios difere
especificamente da fé dos fiéis, como diz São Tomás em De veritate , q. 14, a.9 ad 4um: 'A crença é
equivocadamente postulada pelos fiéis e pela divindade ls; neste ú ltimo não há fé de nenhuma luz
infusa da graça, como há nos fiéis.' "
24 Sã o Francisco de Sales, Tratado do Amor de Deus , Bk. II, cap. 14: "O Todo-Poderoso, para

nos comunicar o dom da fé, penetra na alma e fala com ela; nã o por raciocínio, mas por
inspiraçã o. Ele propõ e ao entendimento os objetos de sua crença de maneira tã o gentil e
persuasiva, que a vontade é poderosamente inclinada a exercer sua liberdade e autoridade
sobre o entendimento e, assim, reduzi-lo a aquiescer sem hesitaçã o e plenamente nas verdades
reveladas." Bossuet ( Elèvations sur les mystères , 18ª semana, 17ª elevaçã o) diz: "Acima de tudo,
você deve acreditar que aqueles que acreditam devem tudo a Deus; que eles sã o, como diz
nosso Salvador, ensinados por Deus (Joã o 6: 45): que é necessá rio que Ele fale interiormente, e
que Ele sonde os coraçõ es daqueles que Ele deseja especialmente que O ouçam. Portanto, nã o
raciocine mais: humilhe-se. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça (Mt 11: 15 ): mas deixe-o saber
que é Deus quem dá esses ouvidos que ouvem."
25 Scheeben, Dogmatik , I, sec. 40, nã o. 681.
26 Lacordaire, Conferências de Notre Dame de Paris , 17ª conferência.
27 Les vertus chrétiennes , I, 159 e seg., no capítulo sobre a fé: "Os sentidos e a razã o podem,

de fato, nos dar um conhecimento físico ou histó rico de fatos divinos e sobrenaturais. Este é seu
emprego mais elevado e nisso sua colaboraçã o é indispensável. Sem eles o ato de fé seria
radicalmente impossível; eles sã o o solo em que esse ato germina e que lhe serve de suporte.
razõ es altamente cultivadas permanecem totalmente incapazes disso. Somente a fé pode nos
dar essa percepçã o. A fé é necessá ria para nos fazer aderir ao conteú do da revelaçã o, isto é, à
realidade divina expressa na linguagem humana; e sem a graça, que a inaugura em nó s, nã o
poderíamos nos render à s provas em que ela se baseia. Sem fé, a pessoa mais inteligente e mais
erudita permanece o homem puramente natural que Sã o Paulo chama de sensual; e o Apó stolo
diz que é tal pessoa 'nã o percebe estas coisas que sã o do Espírito de Deus'. . . e ele nã o pode
entender' (I Cor. 2: 14). Mesmo que a mente humana fosse capaz dessa adesã o, ainda haveria o
coraçã o, que necessariamente tem sua parte aqui, e realmente uma parte muito grande."
28 Se esta doutrina é exposta à queles que vêem as coisas de outra maneira, alguns

respondem: “Isso sã o meras palavras”. Assim, sem querer, confessam seu nominalismo
inconsciente. Este nominalismo está fadado a levá -los a ver apenas palavras sem sentido na
vida íntima de Deus, na medida em que essa vida fundamenta a ordem dos mistérios
sobrenaturais, essencialmente superior à ordem dos mistérios divinos naturais, que a razã o por
si mesma pode conhecer. Para os nominalistas esta distinçã o entre as duas ordens era apenas
uma distinçã o contingente dependendo do livre arbítrio de Deus e nã o da elevaçã o infinita de
Sua vida íntima. Cfr. De Revelatione , I, 340.
Outros dizem: "O que você está falando pressupõ e uma extraordinária iluminação mística", ao
passo que falamos apenas da fé cristã, como aquela possuída por um crente mesmo em estado de
pecado mortal; fé com valor e grandeza muitas vezes desconhecidos.
29 Dionísio, De nom. div ., cap. 7, nã o. 4: “O Logos [inteligência divina] é a verdade simples e
realmente existente, em torno da qual, como um conhecimento puro e infalível do todo, a Fé
divina, o fundamento duradouro dos crentes, é o que os estabelece na verdade, e a verdade
neles, por uma identidade imutável, tendo eles o conhecimento puro da verdade das coisas
acreditadas." O contemplativo se convence cada vez mais de que Deus é superior a toda
concepçã o. "Entã o", diz Dionísio, "a alma libertada do mundo sensível e do mundo intelectual
entra na obscuridade transluminosa de uma santa ignorâ ncia e, renunciando a todo fato
científico, se perde naquele que nã o pode ser visto nem compreendido" ( Theol. místico ., cap.
1). Ver também cap. 2.
30 Tauler em seus Sermões fala frequentemente de fé inteiramente pura, nua, despojada de

imagens e conhecimento racional. Ele declara esse tipo de fé muito superior à s consolaçõ es e
revelaçõ es. Esta fé pura é certamente acompanhada pelos dons de entendimento e de sabedoria
em um grau eminente. Os ensinamentos de Tauler sobre este ponto foram resumidos nas
Instituições , capítulos 8 e 35. Esta obra parece nã o ter sido escrita por ele, mas extraída de seus
escritos.
31 Œuvres mystiques (Thiriot ed.), II, 357.
32 Bk. II, cap. 9.
33 Ibid ., Bk. II, cap. 24.
34 Ibid ., Bk. II, cap. 4.
35 Ibid . Sã o Joã o da Cruz fala da mesma maneira em The Living Flame of Love , 3d str.,

versículo 3: "Os diretores espirituais, que nã o conhecem os caminhos espirituais e suas


características, afastam as almas das delicadas unçõ es pelas quais o Santo O fantasma os
prepara para a uniã o divina... Eles persistem em nã o permitir que as almas – mesmo que o
desejo de Deus se manifeste formalmente – ultrapassem seus princípios e métodos que se
limitam ao discursivo e ao imaginá rio. os limites de uma capacidade natural. Quã o pobre é o
fruto que eles tiram dela." Aquele que concebe a pró pria fé como um processo discursivo nã o
merece particularmente essas reprovaçõ es? Se, pelo contrá rio, considerarmos o acto de fé como
um acto simples sem qualquer raciocínio, preparamo-nos por esta mesma consideraçã o para
seguir o caminho indicado por S. Joã o da Cruz.
36 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 29.
37 Padre Poulain, em nossa opiniã o, interpreta corretamente Sã o Joã o da Cruz sobre este

ponto. Cfr. Les grâces d'oraison , 9ª ed., p. 227.


38 Bk. II, Parte II, cap. 2; também The Living Flame , 3d str., vers. 3, nã o. 9.
39 Ou seja, como explicado mais adiante, a visã o de Deus da qual a fé infusa é uma impressã o

fraca, uma vez que essa fé é o prelú dio da visã o beatífica.


40 O Cântico Espiritual , Parte I, str. 12. Da mesma forma em Máximas e Conselhos Espirituais ,

má xima 24 (p. 557): "Nenhuma percepçã o ou conhecimento sobrenatural pode nos ajudar
tanto a amar a Deus quanto o menor ato de fé viva e de esperança livre de todo suporte
intelectual." Da mesma forma, a má xima 27. Veja também The Living Flame of Love , str. 3, vers.
2: As sombras da alma, a sombra das perfeiçõ es divinas.
41 Ver IIa IIae, q.5, a. 1 anú ncio 1um.
42 "Mas, da parte da alma, antes de chegar a essa uniformidade, sua dupla falta de

uniformidade precisa ser removida. Primeiro, aquela que surge da variedade de coisas externas
. . . da razã o" (IIa IIae, q. 180, a.6 ad 2um).
43 Sã o Tomá s, em libr. de divinis nomin ., cap. 7, lect. 4. Da mesma forma, enviei .,
d.8, q. 1, a. 1
anú ncio 5um.
44 Comentário, em Mysticam theologiam Dionysii , cap. 1. Ver também De adhaerendo Deo ,

cap. 3, obra que durante muito tempo foi atribuída a Santo Alberto.
45 Le livre des visions et Instructions de la B. Angèle de Foligno , cap. 26.
46 Um deles escreve sobre o assunto: "Esta Primeira Verdade dá à alma grande

independência em relaçã o a tudo o que é criado, como se a alma tivesse recebido abrigo no
imutável. Ela nã o pode mais sofrer, como antes, com os acontecimentos exteriores, mas suporta
continuamente sofrimento. Este mundo, onde deve continuar a viver, tem as suas realidades
materiais e passageiras das quais nã o pode escapar, e vê-se sujeito ao engano. Tudo menos a
contemplaçã o desta Primeira Verdade é um fardo pesado para ele, que carrega sem
impaciência. Ela realiza todas as suas ocupaçõ es externas com coragem, embora sem nenhum
gosto por elas, porque durante o tempo de provaçã o tal é a vontade de Deus. E a vontade de
Deus é a verdade. A alma a ama apaixonadamente, nã o importa o sofrimento que ela pode
encontrar nele. Assim as coisas do céu e as da terra, felicidade imensa e sofrimento contínuo,
harmonizam-se em paz sob este raio de Verdade, que agora ilumina minha vida. Eu digo 'Ó
Verdade', como outros dizem, 'Ó Amor, O Misericó rdia.' Esta é a minha oraçã o jaculató ria, a
minha comunhã o espiritual que me dá todo o meu Deus. Esta Verdade Primeira, esta verdade
subsistente, é Deus, é o Seu Ser. É esta Verdade Primeira que me dá a vida e, inclinando-se para
mim, o nada e pecado, assume o nome de amor e misericó rdia.
"Eu bem sei que não vi esta Verdade, pois não nos é dado ver Deus enquanto estamos na prisão
de nosso corpo; mas minha fé possui esta Verdade nesta luz obscura.
"Durante uma dessas oraçõ es de grande escuridão que às vezes tenho, foi-me permitido
contemplar esta gló ria essencial da Santíssima Trindade, em comparação com a qual as obras mais
magníficas de Sua sabedoria, mesmo a da encarnação, não contam. E parecia-me que o ato
contemplativo de fé correspondia a esta vida íntima de Deus, então compreendi a verdade daquela
frase de São João da Cruz, que o menor ato de puro amor tem maior valor aos olhos de Deus e mais
proveitoso para a Igreja do que as grandes obras. O desejo de dar almas contemplativas a Deus e à
Sua Igreja foi grandemente fortalecido como resultado. E compreendi que a doutrina de São Tomás
sobre a sobrenaturalidade da fé está intimamente ligada com a vida contemplativa e mística, que
não é outra senão a vida de fé por excelência”.
47 "A espécie de todo há bito depende do aspecto formal do objeto, sem o qual nã o pode

subsistir a espécie do há bito" (IIa IIae, q.5, a.3).


48 Summa , Ia IIae, q.68. Ver infra , cap.5, art.5. "O papel dos dons do Espírito Santo; sua

predominâ ncia na contemplaçã o infusa."


1 Sã o Tomá s, via de regra, nã o designava de outra forma os teó logos cuja opiniã o ele nã o

compartilhava; mas ele expô s o pensamento deles com muita precisã o em suas pró prias
palavras. A caridade ganhou com isso, e a discussã o foi mais serena. Seguiremos seu exemplo
até onde pudermos. Neste ponto, apenas recordamos as principais afirmaçõ es desses teó logos
de quem falamos: "Se uma ajuda suficiente é eficaz ou ineficaz, depende da vontade daquele a
quem é dada. Com igual graça, um pecador pode ser convertido e outro nã o. . Uma pessoa pode
sair do pecado e isso com uma ajuda menor da graça, enquanto outra com ajuda maior nã o
surgirá e permanecerá endurecida. Nã o que aquele que aceita uma graça a aceite apenas por
sua liberdade, mas essa distinçã o surge apenas da liberdade , e nã o de uma diferença de graça
antecedente ( auxilium praeveniens). "
2 Nesta concepçã o, o que depende do beneplá cito divino é que Pedro seja colocado em

circunstâ ncias em que, segundo a previsã o de Deus, será infalivelmente salvo, e Judas em outra
ordem de circunstâ ncias em que infalivelmente se perca. O beneplá cito divino poderia ter feito
a escolha inversa. Deixando de lado esta escolha de circunstâ ncias, vemos que nesta teoria tal
pessoa é salva sem ser auxiliada pela graça mais do que outra que está perdida. Além disso,
certas almas eleitas foram menos ajudadas pela graça do que certas almas reprovadas, nã o
apenas no curso de suas vidas, mas também no ú ltimo momento.
3 Cfr . Salmanticenses, De gratia , tr. XIV, disp. VII, "De gratia efficaci": uma comparaçã o da

referida doutrina com a de Sã o Tomá s. Este ú ltimo é apresentado neste tratado de acordo com
os textos de uma maneira muito mais correta do que no artigo "Grâ ce" no Dictionnaire de
théologie catholique .
4 Veja I Cor. 4: 7.
5 Joã o 15: 5. Sã o Tomá s diz ( em Mat . 25: 15): "Aquele que tenta mais, tem mais graça de fato;

mas para tentar mais, ele precisa de uma causa maior." Veja também em Ep. anúncio Efésios . 4:
7.
6 Sã o Cipriano, Ad Quirin ., Bk. III, cap. 4 ( PL , IV, 734): "De nada devemos gloriar-nos, porque

de nó s mesmos nada temos." Sã o Basílio, HoM . 22, "De humilitate": "Nada te resta, ó homem,
em que possas gloriar-te." Sã o Crisó stomo, Sermones , 2, In Ep. anúncio Colos. (PG , LXII, 312):
"No negó cio da salvaçã o tudo é dom de Deus." Santo Agostinho, De praedest. sant ., cap. 5. Sã o
Tomá s, Ia, q.23, a.5: "Nã o há distinçã o entre o que flui do livre-arbítrio e o que é da
predestinaçã o; como nã o há distinçã o entre o que flui de uma causa secundá ria e uma causa
primeira ." A primeira causa e a segunda causa nã o sã o, de fato, duas causas parciais
coordenadas, como dois rebocadores de um navio, mas duas causas totais subordinadas, de
modo que a primeira aplica ou move a segunda a agir. Cfr. Ia, q. 105, a.5; De pot ., q.3, a.4, 7 ad
7um e ad 13um; Contra Gent ., III, caps. 66, 149; De malo , q.3, a.2 ad 4um; Contra errores
Graecorum , cap. 23.
7 Eles sã o absolutamente futuros ou futuros sob certas condiçõ es apenas em virtude de um

decreto divino, porque, sendo eles mesmos livres, os eventos futuros nã o sã o determinados. Se
fossem, se imporiam ao pró prio Deus como uma fatalidade que lhe seria superior. Cfr. IIa IIae, q.
171, a.3: "As coisas distantes do conhecimento de todos os homens, por serem em si mesmas
incognoscíveis: tais sã o as contingências futuras, cuja verdade é indeterminada." Cfr. também Ia,
q. 14, a.5, 8, 13; q. 19, a.8; q.22, a.4; q.23, a.4, 5.
8 Cfr . Ia, q. 16, a.7 ad 3um; q. 19, a.4; q. 14, a.8; Ia IIae, q.79, a.1, 2.
9 Cfr . Del Prado, OP, De gratia et libero arbitrio , III, 364 ss. (ed. de 1907). Como mostra este

douto autor, é inconcebível que Deus possa infalivelmente prever desde toda a eternidade uma
determinaçã o que de modo algum viria dEle. Ele sozinho é eterno; e nenhum ato nosso é futuro
(absoluta ou condicionalmente) desde toda a eternidade sem ser fundamentado em um decreto
eterno positivo ou permissivo de Deus. É o que estabelece Sã o Tomá s nos célebres artigos já
citados: Ia, q.14, a.5, 8, 13; q.19, a.8; q.23, a.5, que explicamos em outro lugar ( Deus, Sua
Existência e Sua Natureza , II, 71-93).
10 Fil. 2: 13.
11 Ez. 36: 26.
12 Prov. 21: 1.
13 Rom. 11:35.
14 Rm. 9: 16.
15 Veja I Cor. 12: 6
16 Atos 17: 28.
17 Rm. 11: 36.
18 Prov. 21: 1; Fil. 2: 13.
19 Contra Gentios , Bk. III, cap. 89. Ver também De veritate , q.22, a. 8; “Todo ato da vontade,
na medida em que é um ato, nã o é apenas da vontade como de um agente imediato, mas de
Deus como de um primeiro agente que o impressiona com mais veemência; portanto, assim
como a vontade pode mudar seu ato em outro, tanto mais pode Deus”. Ibid ., q.22, a.9: "Só Deus
pode transferir a inclinaçã o da vontade, que Ele lhe deu, de uma coisa para outra, conforme Ele
quer."
20 Nenhum bem sobrenatural sem ajuda sobrenatural; nenhum bem natural sem a ajuda

natural de Deus.
21 Denzinger, Enchiridion , pp. 193, 195.
22 Summa , Ia IIae, q.112, a. 3: "A preparaçã o do homem para a graça é de Deus, como motor,

e do livre arbítrio, como movido. Portanto, a preparaçã o pode ser vista de duas maneiras:
primeiro, como é de livre arbítrio e, portanto, nã o há necessidade de que seja deve obter a
graça, uma vez que o dom da graça excede toda preparaçã o do poder humano. o que é ordenado
por Deus, já que a intençã o de Deus nã o pode falhar, segundo diz Agostinho em seu livro sobre a
predestinaçã o dos santos ( De dono persev ., XIV) que pelos bons dons de Deus quem é
libertado, certamente é libertado . Portanto, se Deus pretende, enquanto move, que aquele cujo
coraçã o Ele move alcance a graça, ele infalivelmente a alcançará , de acordo com Joã o 6: 45: Todo
aquele que ouviu falar do Pai e aprendeu, vem a mim.
23 Cfr . Ia, q.105, a.4; Ia IIae, q.10, a.4 c ad 3um; q. 111, A. 2 ad 2um; q.113 passim; Ia IIae,

q.24, a. 11; De malo , q.6, a. 1 ad 3um; De caritate , a. 12; Rom ., 9, lect. 3; Ef ., 3, lect. 2; Heb ., 12,
lect. 3; 13, le. 3.
24 Os 13: 9.
25 Cfr . Ia IIae, q.79, aI, 2; Ia, q.2, a.3 ad 1um; q.49, a.2.
26 Contra Gentes , Bk. III, caps. 160, 161; Ia IIae, q.2, a.5 ad 1um.
27 Cfr . Ia, q.23, a.3–5. Deste mistério é dito: "Aquele que busca a majestade, será subjugado

pela gló ria" (Prov. 25: 27).


28 phil. 2: 13.
29 Veja I Cor. 10: 12.
30 phil. 2: 12.
31 Rm. 14: 4.
32 De correptione et gratia , cap. 11.
33 Fil. 4: 13.
34 Cfr . Ia, q. 19, A. 8, artigo fundamental da Summa theologica sobre este grande problema.

Cfr. Del Prado, OP, De gratia et libero arbitrio , Vol. II, cap. 9.
35 Cfr . Ia, q.83, a.1 ad 3um.
36 Cfr . ibid .
37 De malo , q.6, a. l ad 3um: "Deus movet quidem voluntatem immutabiliter propter
efficaciam virtutis moventis, quae deficere non potest" (Sã o Tomá s nã o diz por causa da
previsã o do nosso consentimento). A indiferença dominante que constitui a liberdade é
potencial na faculdade e torna-se atual na pró pria escolha. O movimento divino, longe de
destruí-lo, o atualiza: no momento em que o movimento divino o deseja, nossa vontade, que se
dirige para o bem universal, na verdade domina a atraçã o do bem particular que ela escolhe.
38 Cfr . Ia IIae, q.2, a.8: "Ora, o objeto da vontade, isto é, do apetite do homem, é o bem

universal: assim como o objeto do intelecto é a verdade universal. Portanto, é evidente que nada
pode acalme a vontade do homem, salve o bem universal. Isso pode ser encontrado, nã o em
qualquer criatura, mas somente em Deus: porque toda criatura tem bondade por participaçã o.
39 Cfr . Ia IIae, q.10. a.2; q.2, a.8; q.5, a.3, 8.
40 Cfr . Ia, q.105, a.4 ad 1um.
41 Ver Ia, q.8, a.1; Ia IIae, q.10, a.4; q.113, a.3; Contra Gentes , Bk. III, cap. 89.
42 Sã o Bernardo, De gratia et libero arbitrio , cap. 14. Cfr. Dict, théol ., art. "Sã o Bernardo", col.

776.
43 Cfr . Ia IIae, q.113, a. 9 ad 2um.
44 é. 40: 31.
45 St. Thomas, em Epist. ad Rom ., cap. 9, lect. 4; Ia, q.23, a.5 ad 3um.
46 Bossuet, Élévations sur les mystères , 18ª semana, 12ª elevaçã o.
1 Joã o 15:5.
2 Fil. 2: 13.
3 Veja I Cor. 4: 7.
4 Deus, Sua Existência e Sua Natureza , II, 365 e segs. Nã o é necessá rio que o nosso fracasso

preceda a recusa da graça eficaz, em prioridade de tempo; a prioridade da natureza é suficiente,


na ordem da causalidade material, segundo o princípio das relaçõ es mú tuas de causas
explicadas por Sã o Tomá s (Ia IIae, q.113, a.8 ad 1um; cf. Ia IIae, q. 109 , a. 1, a.8, 9, 10). É Deus
quem nos antecipa por sua graça quando nos justifica, e somos nó s os primeiros a abandoná -lo
quando perdemos a graça divina: “Deus nã o abandonará os justificados, a menos que seja
primeiro abandonado por eles”. Concílio de Trento, Sess. VI, cap. 2.
5 Bossuet, Œuvres complètes , 1845, I, 643. Cf. o índice geral das obras de Bossuet para

referências à "graça" (resistência à graça). Ver particularmente Défense de la Tradition, Bk. XI,
caps. 19–27: Demonstraçã o da eficá cia da graça pela permissã o dos pecados nos quais Deus
permite que os justos caiam para humilhá -los. Permissã o da tripla negaçã o de Sã o Pedro:
"Pedro foi justamente punido por sua presunçã o pela retirada de uma ajuda eficaz que teria
efetivamente impedido sua negaçã o." Bossuet mostra que tal é a doutrina nã o só de Santo
Agostinho, mas de Sã o Joã o Crisó stomo, de Orígenes, de Sã o Gregó rio Magno e de Sã o Joã o
Damasceno, pois dizem que Pedro foi privado de ajuda, uma afirmaçã o que nã o pode aplicar a
graça suficiente, pois sem essa graça ele teria sido totalmente impotente para evitar o pecado. A
afirmaçã o se aplica a uma ajuda eficaz que o teria feito efetivamente evitar essa queda. De tudo
isso vemos que a graça suficiente realmente deixa nossa vontade sem desculpa diante de Deus,
e que a graça eficaz que Sã o Pedro recebeu mais tarde nã o permite que nos gloriemos em nó s
mesmos.
6 Câ non 22: "Ninguém tem nada de si mesmo, exceto sua falsidade e seu pecado." Denzinger,
nã o. 195.
7 Veja II Cor. 3: 5
8 Cfr . Ia IIae, q.109, a. 2, 8, 9, 10.
9 Sab. 9: 14.
10 Lucas 17:10.
11 Cfr . Del Prado, OP, De gratia , III, 151.
12 PS. 113: 1.
13 Ecles. 33: 13; Jr. 18: 6.
14 p.s. _ 118: 73.
_
15 Apoc. 5: 9.
16 Lam. 3: 22.
17 Ps. 30: 6; Lucas 23:46.
18 De dono perseverantiae , cap. 13.
19 Veja I Cor. 4: 7.
20 Lam. 5:21.
21 Sobre estas oraçõ es da Igreja, cf. Santo Agostinho, Epist. ad Vital ., 217 ( al . 107), e
Bossuet, Défense de la tradição , Bk. X, cap. 10.
22 Lucas 18:1.
23 Veja I Tess. 5: 17–18.
24 Efésios. 5: 19–20.
25 Tob. 13: 2.
26 Sab. 16: 12.
27 Rm. 8: 26–27.
28 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 20.
29 Cfr . IIa IIae, q.83, a.2; Santo Agostinho, Enchirid ., cap. 32; Bossuet, Defesa da tradição , Bk.

XII, cap. 38.


30 Rm. 8: 28–31.
31 Sã o Paulo também diz na Epístola aos Efésios, 1: 3–6, 11–12: “Bendito seja o Deus e Pai de

nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com bênçã os espirituais, nos lugares celestiais, em
Cristo : como nos escolheu nele antes da fundaçã o do mundo, para que fô ssemos santos e
imaculados aos seus olhos na caridade. Que nos predestinou para a adoçã o de filhos por meio
de Jesus Cristo para si mesmo: de acordo com o propó sito de sua vontade: para louvor da gló ria
de Sua graça, pela qual Ele nos agraciou em Seu Filho amado. . . . No qual também fomos
chamados por sorte, sendo predestinados segundo o propó sito daquele que faz todas as coisas
segundo o conselho de Sua vontade. Para que sejamos para o louvor de Sua gló ria, nó s que
antes esperávamos em Cristo”.
32 De praedestinatione sanctorum , caps. 3, 6–11, 14, 15, 17; De dono perseverantiae , caps. 1,

6, 7, 12, 16–20, 23; De correptione et gratia , caps. 9, 12, 13, 14. Ver também sobre esses textos,
Del Prado, De gratia et libero arbitrio , III, 555-564; II, 67-81, 259; e Bossuet, Defesa de la
tradição , Bk. XII, caps. 13–20.
33 Em Ep. anúncio Rom . 8: 28; Em Ep. ad Ephes ., I, no.5; Ia, q.23.
34 Cfr . II Pet. 3: 9.
35 Bossuet, Méditations sur l'Évangile , Parte II, 72d dia.
36 Rm. 11: 33–36.
37 Mat. 11: 25–26.
38 Joã o 6:43–44.
39 Prov. 21: 1.
40 Fil. 2: 13.
41 Joã o 10: 27–30.
42 Jer. 18: 6.
43 Rom. 9: 21–23.
44 Joã o 3:35.
45 Joã o 6:47.
46 Joã o 17:6, 9, 11, 12, 15, 20, 24.
47 Prov. 28: 26,
48 Fil. 2: 12.
49 Veja I Cor. 10:12.
50 PS. 24: 2.
51 Ps. 30: 6.
52 p.s.
_ _ 33:9.
53 p.s.
_ _ 15: 1.
54 Ps. 30: 2.
55 é. 12: 2.
56 Fil. 4: 13.
57 Bossuet, Médit, sur l'Évangile , Parte II, 72d dia.
58 Veja II Cor. 12:9, 10.
59 Cfr . Catecismo do Concílio de Trento , cap. 45, "Sobre a tentaçã o".
60 PS. 36: 39 f.
61 Ver I Joã o 4:10.
62 Joã o 15:16.
63 Rm. 8: 35, 37–39.
64 Joã o 17:12, 24, 26.
65 Joã o 10:10.
66 Ps. 117: 17.
67 De gratia et libero arbitrio , caps. 1 e 14. Cfr. Dieta. Théol , art. "Sã o Bernardo", col. 776.
68 Ver II Enviado ., dist. 26, q.2.
69 Encontramos a mesma doutrina em St. Thomas, Ia, q.23, a.5.
70 Bk. IV, cap. 4, nã o. 2; indivíduo. 8, nã o. 1; indivíduo. 9, nã o. 2; indivíduo. 55, nã o. 5;
indivíduo. 58. Estas passagens sã o de A Imitação de Cristo (editado pelo Irmã o Leo, FSC, 1926).
Eles sã o citados com permissã o da The Macmillan Company, editores.
71 O pensamento orientador de Santa Teresa é encontrado nas palavras de Sã o Paulo: "É

Deus quem opera em vó s tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fil. 2:
13). No capítulo 21 de sua Vida ela escreve: "Por que Sua Majestade faz isso é porque é Seu
prazer, e Ele o faz de acordo com Seu prazer: mesmo que a alma esteja sem a disposiçã o
adequada, Ele a dispõ e para a recepçã o daquele bênçã o que Ele está dando a ela." Depois de
examinar por que uma certa alma atinge a contemplaçã o e a perfeiçã o mais rapidamente do que
outra, ela conclui: "Em suma, tudo é como Sua Majestade deseja. Ele dá Sua graça a quem Lhe
agrada" ( Vida , cap. 22). "Deus concede Seus favores quando Lhe apraz, da maneira que Lhe
apraz e a quem Lhe apraz. Sendo Dono de Seus bens, Ele pode concedê-los assim sem
prejudicar ninguém" ( O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 1).
No relato de sua conversão ( Vida , caps. 8, 9), ela diz: "Eu rogava a Nosso Senhor por ajuda;
mas, como agora me parece, devo ter cometido a falta de não colocar todo o meu confiança em Sua
Majestade, e de não desconfiar completamente de mim mesmo. . . . Não havia ninguém para me dar
a vida, e eu não pude tirá-la. Aquele que poderia me dar tinha boas razõ es para não vir em meu
auxílio, vendo que Ele havia me trazido de volta para Si tantas vezes, e tantas vezes O havia
deixado... Implorei a Ele que me fortalecesse de uma vez por todas, para que eu nunca mais
pudesse ofendê-Lo. devoção muito grande à gloriosa Madalena. . . . Parece-me que fiz maiores
progressos; pois agora estava muito desconfiada de mim mesma, colocando toda a minha
confiança em Deus. Parece-me que lhe disse então que não me levantaria até que Ele concedeu
minha petição. Certamente acredito que isso foi de grande utilidade para mim, porque melhorei
desde então "( Life , cap. 9). "Agora nosso Senhor me pô s em liberdade e me deu força também para
usá-la" ( Life , cap. 24). Como bem disse alguém, ante este formidável mistério, contra o qual tantas
heresias se levantaram, e sobre o qual tantas tristes controvérsias houve, mesmo entre verdadeiros
filhos da Igreja, a Seráfica Virgem curva-se com serenidade e gratidão. "Ó meu Deus", ela exclama,
"bem é para mim que Tu não deixaste um miserável como eu em liberdade para cumprir ou
frustrar Tua vontade. Que Tu sejas abençoado para sempre, e que toda a criação Te louve" ( The
Caminho da Perfeição , cap. 32). "Quanto mais difíceis de entender as coisas, mais devoção elas
inspiram em mim, e isso em proporção à sua dificuldade" ( Vida , cap. 28).
72 O Cântico Espiritual , Parte IV, estrofe 38: "Naquele dia da eternidade, isto é, antes da

criaçã o, e de acordo com o Seu beneplá cito, Deus predestinou a alma para a gló ria, e o grau que
ela ocuparia ali. momento, essa gló ria tornou-se propriedade da alma, e isso de uma maneira
tã o absoluta que nenhuma vicissitude, temporal ou espiritual, pode removê-la radicalmente;
pois o que Deus deu gratuitamente à alma nã o pode deixar de permanecer sua propriedade
para sempre. Em A Ascensão (Livro II, cap. 5): "Deus dispõ e livremente deste grau de uniã o
(mística), como Ele dispõ e livremente do grau da visã o beatífica." Na Oração da Alma Inflamada
, ele diz novamente: "Pois se Tu esperas minhas obras, ó Senhor, para assim me conceder o que
eu peço, dá -me, realiza-as em mim, e junta a elas as dores que Tu arte disposta a aceitar de
mim."
73 Tratado sobre o Amor de Deus , Bk. II, cap. 12. O autor diz no mesmo capítulo: "A graça é

tã o graciosa e tã o graciosamente se apodera de nossos coraçõ es para atraí-los, que de modo


algum ofende a liberdade de nossa vontade; ela toca poderosamente, mas ainda assim
delicadamente, as fontes de nosso espírito que nosso livre-arbítrio nã o sofre violência com
isso."
74 Padre Grou, SJ ( Maximes spirituelles , 2d maxim) escreve como os mais fiéis discípulos de

Sã o Tomá s: "Só a graça pode nos libertar da escravidã o do pecado e nos assegurar a verdadeira
liberdade; daí se segue que quanto mais a vontade sujeita à graça, quanto mais fizer tudo o que
dela depende para se tornar absoluta, plena e constantemente dependente, tanto mais livre
será ... Assim, para a vontade, tudo consiste em colocar-se nas mã os de Deus, em usando sua
pró pria atividade apenas para se tornar mais dependente dEle... Nã o é nossa salvaçã o
incomparavelmente mais certa nas mã os de Deus do que nas nossas? Cfr. também Padre de
Caussade, SJ, L'abandon à la Providence , Bk. III, caps. 1, 2; e Padre Lallemant, SJ, La doutrina
spirituelle , 4º princípio, "La docilité au Saint-Esprit", caps. 1,2.
75 Bossuet, Elevations sur les mystères , 18ª semana, 15ª elevaçã o.
1 Mat. 5: 48.
2 Joã o 3:36; 5:24, 39; 6:40, 47. Cf. 6: 55 e segs., e o Comentário de São Tomás sobre o

Evangelho de São João tratando dessas passagens.


3 Summa , IIa IIae, q.24, a.3 ad 2um. "A graça nada mais é do que o princípio da gló ria em

nó s." Cfr. Ia IIae, q.69, a.2; De veritate , q.14, a. 2.


4 Joã o 17:3.
5 Ver I Joã o 3:2.
6 Veja I Cor. 13: 12.
7 Veja I Tim. 6: 16.
8 Denzinger, Enchiridion , no. 530.
9 Ibid ., nã o. 475.
10 Sã o Tomá s, Ia, q. 12, A. 5.
11 Cfr . Ia, q. 12, A. 2.
12 Sab. 7: 26.
13 Ver Ia, q.21, a.4.
14 Ver Ia, q.82, a.2.
15 PS. 16:15
16 Ver IIIa, q.3, a.8; em Em Ep. ad Rom ., 8: 29.
17 Ver I Joã o 3:1.
18 Joã o 1:13.
19 Ver II Pe. 1:4.
20 Rm. 8: 29.
21 Veja I Cor. 2: 9.
22 Lucas 14: 21. “Entã o o pai de família, indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas

ruas e becos da cidade, e traze aqui os pobres, e aleijados, e cegos e aleijados. "
23 Mat. 11: 25.
24 Joã o 4: 10, 13 f.
25 Joã o 7:37.
26 Joã o 3: 36; 6: 40, 47.
27 Joã o 6: 55.
28 Lucas 17: 20 f.
29 Este ponto é bem explicado no belo estudo exegético do Padre JB Frey, S.Sp., "Le Concept

de 'Vie' dans S. Jean", que apareceu na revista Biblica , 1920, pp. 38-58, 213 –239.
30 Veja I Joã o 3: 14 f.
31 Ibidem , 5:13.
32 Joã o 17:3.
33 Joã o 15: 4; 17: 26.
34 Veja I Joã o 5: 11 f.
35 Joã o 8: 51–53.
36 Joã o 11: 25 f. Veja também Joã o 4: 14; 8: 51; 10: 28; 13: 8.
37 Joã o 6:49, 59.
38 Prefá cio da missa pelos defuntos.
39 Cfr . as Carmelitas da Escola de Salamanca, De gratia , disp. IV, dub. 6, nºs. 107, 109; dub. 7,

nã o. 141; A graça santificante é o mesmo habitus , que, tendo recebido sua perfeiçã o final, se
chama gló ria ou graça consumada.
40 Veja I Cor. 13: 8, 13; e St. Thomas, Ia IIae, q.67, a.6. A caridade difere da fé e da esperança

porque nã o implica nenhuma imperfeiçã o e pode amar a Deus na obscuridade da fé ou na


clareza da visã o.
41 Como mostram os carmelitas de Salamanca ( De caritate , disp. VII, dub. 4, n. 66), os

teó logos geralmente admitem que a caridade de um homem justo que vive na terra pode igualar
a de um dos bem-aventurados no céu. A razã o disso é que a caridade de cada um dos bem-
aventurados no céu tem um grau determinado além do qual nunca irá progredir. Mas este grau
pode ser alcançado e até superado por uma alma justa aqui na terra. É certo que a Santíssima
Virgem, ainda na terra, tinha uma caridade que superava em muito a de todas as almas do céu e
dos anjos. Mas a caridade que um adulto possui na terra é sempre inferior à quela que ele terá
no céu, onde nada impedirá o impulso de seu amor. Cfr. Ia, q. 117, A. 2 ad 3um.
42 Cfr . Ia IIae, q.68, a. 6.
43 Veja I Tess. 2: 13.
44 Veja I Cor. 2: 10.
45 Heb. 11: 1.
46 Gal. 1: 8.
47 Veja II Cor. 4: 6 f.
48 Cant. 8: 6 f.
49 Joã o 1:13.
50 Joã o 14:23.
51 Ver I Joã o 4:16.
52 Joã o 16:13.
53 Veja I Cor. 3: 16.
54 Ibidem , 6: 19.
55 Veja II Cor. 6: 16.
56 Cfr . Sã o Tomá s, Ia, q.43, a.3: "Porque Deus está em todas as coisas por Sua essência, poder

e presença, de acordo com Seu ú nico modo comum, como a causa existente nos efeitos que
participam de Sua bondade. Acima e além desse modo comum, no entanto, há um modo
especial pertencente à criatura racional, no qual se diz que Deus está presente, assim como o
objeto conhecido está no conhecedor e o amado no amante. operaçã o de conhecimento e amor
atinge o pró prio Deus, de acordo com este modo especial, diz-se que Deus nã o apenas existe na
criatura racional, mas também habita nela como em Seu pró prio templo. . . . Novamente, é dito
que possuímos apenas o que podemos usar ou desfrutar livremente, mas ter o poder de
desfrutar da Pessoa divina só pode ser de acordo com a graça santificante. Além disso, o
Espírito Santo é possuído pelo homem e habita nele no pró prio dom da graça santificante. o
pró prio Espírito Santo é dado e enviado”.
Mandei ., Dist. XIV, q.2, a. 2 ad 3um: "Qualquer conhecimento que seja não basta para indicar
que existe uma missão (e habitação do Espírito Santo). Deve haver um conhecimento que procede
de um dom atribuído a essa pessoa, de um dom que nos une a Deus de acordo com o modo pró prio
dessa pessoa, ou seja, por amor. Além disso, esse conhecimento é quase-experimental." Pressupõ e,
então, a presença de Deus que assim se faz sentir por nó s como o princípio que nos vivifica. Esta
explicação, deixando subsistir o mistério, fica consideravelmente esclarecida se recordarmos que a
caridade é a mesma virtude no céu e na terra; na qualidade da amizade perfeita, a caridade exige,
também na terra, a união real com Deus, amado acima de tudo. Deus, que é puro espírito, não
estando por sua natureza em um só lugar, não está separado de nó s pelo espaço. Ele está em nó s,
como em todas as coisas, como primeira causa preservadora. Para vários tomistas, se por uma
impossibilidade Ele já não estivesse assim presente em nó s, Ele o faria por caridade. Cfr. B. Froget,
OP, De l'habitation du Saint-Esprit dans les âmes justes , 3d ed., pp. 156–71, e Ia, q.43, a.3; IIa IIae,
q.27, a.4; ver Gonet, Salmanticenses, Billuart. João de St. Thomas tem uma opinião diferente sobre
esta hipó tese, "por uma impossibilidade" mencionada acima. Sua opinião, no entanto, parece
menos provável.
57 Meditations sur l'Évangile , Parte II, 37º dia; Em Joan ., 17: 3: "Ora, a vida eterna é esta: que

te conheçam, o ú nico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste."


58 Ibid .
59 Veja I Cor. 13: 1ss.
60 Joã o 3:36.
61 Cfr . Sã o Joã o da Cruz, A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 5: “Quanto maior é o amor,

mais íntima é a uniã o; e isto significa que a conformidade da vontade com a vontade de Deus é
mais perfeita. A vontade, totalmente conformada, realiza em sua totalidade a uniã o e a
transformaçã o sobrenatural em Deus.
"Esta doutrina deixa claro que se a alma está ocupada com criaturas ou com suas faculdades,
seja por atração ou por disposiçõ es habituais, ela carece de preparação para tal união. A razão para
isso é que a alma não se oferece inteiramente para Deus, que deseja a sua transformação
sobrenatural. Deve, portanto, preocupar-se unicamente com a rejeição dos obstáculos, das
diferenças naturais, para que Deus, que já se comunicou naturalmente, segundo a natureza, se
comunique sobrenaturalmente pela graça”. Este ensinamento confirma a doutrina que defendemos
anteriormente neste trabalho sobre as relaçõ es entre teologia ascética e mística.
62 Rm. 8: 16.
63 Em Ep. ad Rom ., 8: 16, e Ia IIae, q.112, a.5. B. Froget, OP, De l'habitation du Saint-Esprit

dans les âmes justes , p. 183.


64 Isso nã o significa que, de fato, a uniã o transformadora deva ser alcançada antes da morte

para evitar o purgató rio. Certamente algumas almas - por exemplo, as almas de crianças que
morreram imediatamente apó s o batismo - vã o diretamente para o céu sem ter alcançado na
terra esse grau de uniã o íntima. Mas aqui, considerando uma questã o de princípio e nã o de fato,
o que queremos dizer e explicaremos mais adiante é que a uniã o transformadora é o prelú dio
normal da visã o beatífica; é um cume normal. A primeira dessas duas palavras nã o deve nos
fazer esquecer a segunda; nem o segundo, o primeiro. Muitos dos que morrem imediatamente
apó s o baptismo ou a profissã o religiosa estã o longe de serem perfeitos. Se tivessem continuado
a viver, teriam cometido faltas, que exigiriam a purificaçã o de que falamos.
1 Summa , IIa IIae, q. 184. Seguiremos a ordem dos artigos desta questã o, complementando-

os com os artigos do tratado sobre a caridade que tratam diretamente desse assunto.
2 Summa , IIa IIae, q. 184.
3 Cfr . Padre Mainage, OP, Les principes de la théosophie , 1922.
4 Veja I Cor. 14: 20.
5 Ibid ., 2:6, 15 f.
6 A perfeiçã o nã o consiste especialmente na contemplaçã o, que é um ato intelectual, como

veremos mais adiante. A perfeiçã o consiste na caridade. No entanto, a contemplaçã o amorosa


de Deus é aqui embaixo o meio mais eficaz para atingir a perfeiçã o da caridade; e é um meio
unido ao fim.
7 Mat. 7: 26.
8 Veja I Cor. 8: 1.
9 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.17, a. 6 ad 3um.
10 Jas. 1: 4
11 Pode-se dizer com propriedade: "O melhor que se pode fazer com o melhor das coisas é

sacrificá -lo", com a condiçã o, porém, de salvaguardarmos a hierarquia dos dons de Deus e das
virtudes, e de fazermos nã o sacrificar algo superior pelo que é inferior.
12 Sã o Tomá s diz em substâ ncia que a razã o da maior virtude consiste no bem e nã o no

difícil; embora a dificuldade decorrente da magnitude do trabalho aumente o mérito. Ia IIae,


q.114, a.4 ad 2um; IIa IIae, q. 155, a.4 ad 2um; q. 123. a. 12 ad 2um. O princípio do mérito reside
na caridade. Além disso, é mais meritó rio realizar coisas fá ceis com grande caridade do que
realizar atos muito difíceis com menos caridade. Assim, muitas almas tépidas carregam sua
cruz sem grande mérito, enquanto a Santíssima Virgem mereceu mais pelos atos de caridade
mais fá ceis do que todos os má rtires juntos em seus tormentos.
13 Sobre este assunto, Sã o Tomá s (IIa IIae, q. 188, a. 7 ad 1um) diz: “Esta palavra de nosso

Senhor nã o significa que a pobreza em si é a perfeiçã o, mas que é o meio da perfeiçã o. como
mostrado acima, é o menor dos três principais meios de perfeiçã o, uma vez que o voto de
continência supera o voto de pobreza, e o voto de obediência supera a ambos. , mas para o fim,
uma coisa é melhor, nã o por ser um instrumento maior, mas por ser mais adequado ao fim.
Assim, um médico nã o cura mais, quanto mais remédio ele dá , mas quanto mais o a medicina é
adaptada à doença. Portanto, nã o se segue que uma ordem religiosa seja tanto mais perfeita
quanto mais perfeita for a pobreza que professa, mas conforme sua pobreza seja mais adaptada
ao fim, tanto comum quanto especial.
14 Cfr . Sã o Tomá s, IIa IIae, q.161, a.5 ad 2um: "Assim como a ordenada reuniã o das virtudes

é, em razã o de uma certa semelhança, comparada a um edifício, também aquele que é o


primeiro passo na aquisiçã o da virtude é comparado ao fundamento, que é lançado primeiro
antes do restante do edifício. ... A humildade ocupa o primeiro lugar na medida em que expulsa
o orgulho, ao qual Deus resiste, e torna o homem aberto para receber o influxo da graça divina.
está escrito (Tiago 4: 6): 'Deus resiste aos soberbos e dá graça aos humildes'. Nesse sentido, diz-
se que a humildade é o fundamento do edifício espiritual”. Mas é, no entanto, inferior à s
virtudes que nos unem imediatamente a Deus; isto é, à s virtudes teologais e também à s
virtudes intelectuais, como a sabedoria, e à justiça legal. Cfr. Ibid .
15 Cfr . IIa IIae, q.81, a.5: Por que a virtude da religiã o nã o é uma virtude teologal, mas
apenas a primeira das virtudes morais? Porque seu objeto é o culto devido a Deus e nã o o
pró prio Deus.
16 Os 2: 14.
17 Summa , IIa IIae, q. 188, A. 8.
18 Introdução à Vida Devota , cap. 1.
19 Ef. 6: 11, 13.
20 Col. 3: 12–15.
21 Lucas 10:27.
22 Veja I Cor. 13: 1ss.
23 Ibidem , 13: 4–7.
24 Ibidem , 13: 8–13.
25 Ef. 3: 17–19.
26 Ver I Joã o 4:16.
27 Ibidem , 4: 8.
28 Ibidem , 3: 14.
29 Veja I Pe. 4: 8.
30 Summa , IIa IIae, q. 184, A. 1.
31 Ibid .
32 Summa , IIa IIae, q.184, a.3.
33 Cfr . Sã o Tomá s, em seu Comentário sobre a Epístola aos Colossenses , 3: 14; Summa , IIa

IIae, q.23, a. 6–8.


34 Veja I Cor. 13: 2.
35 Summa , IIa IIae, q.27, a. 4; Ia, q.43, a. 3.
36 Ver Ia, q.82, a. 3.
37 "E assim é com um fim inteligível. Pois primeiro desejamos atingir um fim inteligível. Nó s

o alcançamos (Deus) por meio de Seu ser-nos apresentado por um ato do intelecto; e entã o a
vontade deleitada repousa no fim quando alcançado. Assim, portanto, a essência da felicidade
consiste em um ato do intelecto: mas o deleite que resulta da felicidade pertence à vontade.
Neste sentido, Santo Agostinho diz ( Conf ., X, 23) que a felicidade é alegria na verdade, porque,
a saber, a pró pria alegria é a consumaçã o da felicidade."
38 Ver Ia, q.82, a. 3.
39 Ibid .
40 Ibid .
41 Ver IIa IIae, q.27, a. 4.
42 Ibid ., ad 2um.
43 Ver IIa IIae, q.23, a. 6.
44 Veja I Joã o 4:16.
45 Ver IIa IIae, q.45, a. 2, 4.
46 "As virtudes teologais sã o mais excelentes do que os dons do Espírito Santo, e os regulam.

Portanto . . . os sete dons nunca atingem a perfeiçã o . . . a menos que tudo o que eles fazem seja
feito com fé, esperança e caridade" (Ia IIae, q.68, a.8).
47 Alguns teó logos (por exemplo, Suarez) ensinam que a perfeiçã o consiste formalmente na
virtude da caridade, antecedente e concomitantemente em seus atos. Padre Passerini, OP,
pensamos, expressa a opiniã o da escola tomista. Ensina que a perfeiçã o, à qual se ordena o
estado de perfeiçã o, consiste formalmente nos atos de caridade e antecedentemente na virtude,
como no princípio da operaçã o perfeita. A razã o disso é que a perfeiçã o consiste na uniã o real
com Deus, mihi adhaerere Deo bonum est . Encontra-se, portanto, na caridade ativa ou na
atividade da caridade, que nas almas verdadeiramente perfeitas deve ser moralmente contínua
ou incessante. A virtude é ordenada ao seu ato quanto à sua perfeiçã o; e tendemos nã o apenas a
ser capazes de amar a Deus perfeitamente, mas amá -lo de fato, evitando todo pecado o má ximo
possível. A vida consiste sobretudo no ato de viver.
48 Cajetan, em IIa IIae, q. 184, A. 1, e Suarez, no mesmo artigo.
49 Ver IIa IIae, q. 184, a.3.
50 Passerini, OP, De statibus hominum (sobre IIa IIae, q. 184, a. 1), p. 20, nã o. 8: "A perfeiçã o

atual consiste essencialmente nã o apenas no ato da caridade, mas também nos atos das outras
virtudes ordenadas pela caridade conforme sã o de preceito." Cfr. Ibid ., pp. 22–27, 49, 54. “A
perfeiçã o atual consiste principalmente e principalmente na caridade somente, porque a
caridade aperfeiçoa simplesmente, e as outras virtudes relativamente. o vínculo da perfeiçã o...
No entanto, outras virtudes pertencem à essência da perfeiçã o, assim como a matéria à essência
de um composto natural" (p. 21, nº 10). "Os atos das outras virtudes, como sã o de conselho, sã o
acidentes de perfeiçã o" (p. 23, n. 20 ss.). Por esta distinçã o entre o que é de conselho e o que é
de preceito nas virtudes inferiores à caridade, Passerini introduz uma precisã o que Caetano
havia esquecido e expressa claramente o pensamento de Sã o Tomá s que, como veremos em
relaçã o ao artigo 3, nã o foi compreendido por Suarez.
51 Particularmente ( specialiter ) é o termo usado por Sã o Tomá s quando trata da questã o ex

professo (IIa IIae, q. 184, a. 1). Ele diz em outro lugar ( De perfecte vitae spiritualis): "A vida
espiritual consiste principalmente na caridade."
52 "Principalmente quanto ao amor de Deus, secundariamente, quanto ao amor do pró ximo"

(IIa IIae, q.184, a. 3).


1 Fil. 3: 12.
2 Cfr . St. Thomas, Ia IIae, q.24, a.9; II Enviado , Dist. IX, 2 ad 8um. Neste ú ltimo texto, Sã o

Tomá s, falando das vias purgativa, iluminativa e unitiva, observa que todos os que
verdadeiramente conduzem as almas à perfeiçã o, também as iluminam e purificam, mas o
inverso nã o é verdadeiro. Aquele que os purifica do pecado nem sempre pode iluminá -los e, a
fortiori , pode nã o ser capaz de conduzi-los à perfeiçã o, à uniã o divina.
3 Certos autores apenas dizem timidamente: "Para ter um conjunto da vida unitiva, o estado

místico deve ser unido a ele." Assim, o Padre Meynard, OP, expressa sua opiniã o em seu Traité
de la vie intérieure , I, 464 nota, 22–28.
4 Cfr . acima , cap. 2, arte. 2.
5 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 1.
6 A Subida do Monte Carmelo , Pró logo.
7 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, caps. 1–7.
8 Veja II Tim. 3: 12.
9 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 3.
10 Como diz Sã o Joã o da Cruz, em A Noite Escura da Alma (Livro I, cap. 8): "A purificaçã o
passiva dos sentidos é comum. Ocorre na maioria dos principiantes." Consequentemente,
surpreende-nos ver a noite dos sentidos colocada no ú ltimo capítulo consagrada ao perfeito, ou
à via unitiva, num plano de teologia ascética e mística (publicado na Revue d'ascétique et de
mystique , janeiro de 1921 , pá g. 35). Segundo Sã o Joã o da Cruz, a noite dos sentidos costuma
ocorrer muito antes.
11 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 14.
12 O santo fala de contemplaçã o infusa também no primeiro texto citado ( A Noite Escura da

Alma , Bk. I, cap. 1), e mesmo em A Ascensão (Bk. II, cap. 13). Quando ele usa a palavra
"contemplaçã o", ele está falando da contemplaçã o propriamente dita, ou contemplaçã o infusa,
que é mais ou menos passiva no início. Correspondem à s primeiras oraçõ es sobrenaturais de
Santa Teresa, de recolhimento passivo e de silêncio (quarta morada). Ela descreve a noite do
espírito na sexta mansã o. Mencionamos esses textos infra (cap. 5, art. 3, n. 2).
13 O discurso ou o raciocínio nã o se encontram mais no conhecimento procedente dos dons

do Espírito Santo, que neste ponto intervêm cada vez mais. Veja St. Thomas, IIa IIae, q.8, 45.
14 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 1.
15 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 2.
16 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 18.
17 Ibidem , cap. 20. Sem dú vida há almas que fogem do purgató rio, sem terem passado pelas

purificaçõ es passivas do espírito; por exemplo, os que faleceram imediatamente apó s o batismo,
e os religiosos que faleceram imediatamente apó s a profissã o solene; mas se estes tivessem
continuado a viver, teriam caído em muitas imperfeiçõ es, o que teria exigido as purificaçõ es
aqui mencionadas por Sã o Joã o da Cruz. Ele nã o considera casos acidentais, mas o que
normalmente é necessá rio para alcançar uma elevada perfeiçã o nesta vida, e no céu, um grau
proporcional de gló ria.
18 O Cântico Espiritual , Parte III, st. 22 até o fim.
19 Ibid ., st. 24.
20 Veja I Cor. 6: 17.
21 O Cântico Espiritual , st. 26. Este ensinamento de Sã o Joã o da Cruz sobre o matrimó nio

espiritual, á pice do desenvolvimento da vida mística, nã o difere do dos outros santos que
comentaram o Cântico dos Cânticos . Esses comentá rios se tornam verdadeiramente a luz da
vida apenas para as almas que estã o no caminho dessa uniã o perfeita. A este respeito ver a
ú ltima obra do Padre Arintero, OP, Cantar de los Cantares, Exposición mística .
22 O Cântico Espiritual , st. 24.
23 Ibid ., st. 26.
24 A Subida do Monte Carmelo , Bk. III, cap. 1. Seria manifestamente um erro acreditar que a

Ascensão ao Monte Carmelo trata apenas do caminho ascético, e que a contemplaçã o ali
mencionada nã o é contemplaçã o infusa ou mística. Cfr. Bk. II, cap. 13. Mas em A Ascensão a alma
aprende o que deve fazer, enquanto em A Noite Escura da Alma aprende como deve deixar-se
formar por Deus. Cfr. Padre Gabriel de Jesus, CD, La Subida del Monte Carmelo es ascética o es
mística?” in La Vida Sobrenatural , 1923, p. 24. O autor tem a mesma opiniã o que nó s.
25 Por exemplo, o padre Naval em seu recente Cursus theologiae asceticae et mysticae , pp.

240-259, exige para a vida unitiva ordiná ria apenas a contemplaçã o que é chamada adquirida.
Segundo ele, a alma chega a esse estado sem ter passado pelas mais fortes purificaçõ es passivas
dos sentidos, e sem ter experimentado as do espírito.
26 Em Ep. ad Hebraeos , 6:1, lect. 1.
1 A. Poulain, SJ, As Graças da Oração Interior , cap. 31, nº. 45.
2 Nesta divisã o haveria a via ascética-purgativa, a via ascética-iluminativa e a via ascética

unitiva abaixo das três vias místicas correspondentes.


3 Assim, a mesma doutrina explicada a vá rios estudantes é claramente compreendida por

um deles, menos claramente por outro.


4 "Ambos os grupos encontrarã o neste livro uma doutrina substancial, mas com a condiçã o

de que decidam passar pela nudez de espírito. Confesso, porém, que neste tratado tive em
mente especialmente alguns membros de nossa sagrada ordem. "
5 Cfr . Padre Arintero, OP, La Ciencia tomista , maio de 1919. A expressã o "perfeiçã o plena"

mostra que nã o estamos falando apenas de sua essência, mas de sua integridade. Assim, ter
cinco dedos em cada mã o pertence à integridade do corpo humano, sem ser de sua essência.
6 Cfr . De la Taille, SJ, L'oraison contemplative , 1921.
7 O mesmo é verdade na ordem física. Um cedro nã o atingirá sua altura normal se nã o for

plantado em terreno adequado ou se faltarem certas circunstâ ncias externas. Da mesma forma,
do ponto de vista intelectual, por falta de fundamento sério, de ambiente favorável ou por
temperamento pouco receptivo, certas mentes laboriosas nunca atingem seu pleno
desenvolvimento normal.
8 A Subida do Monte Carmelo , Pró logo.
9 Cfr . John of St. Thomas, comentá rio sobre Ia IIae, q.68, De donis Spiritus Sancti , disp. XVIII,

a. 2, nã o. 31: "A inspiraçã o real do Espírito Santo nã o está em nosso poder, mas está em nosso
poder ter nosso coraçã o sempre pronto para obedecer, a fim de que possamos ser facilmente
movidos pelo Espírito Santo."
Os teó logos carmelitas e os da escola dominicana ensinam que todas as almas devem aspirar à
contemplação sobrenatural ou infusa, e que esta contemplação pode ser merecida pelo menos de
congruo: "Todos devem aspirar à contemplação sobrenatural". Esta tese é defendida por Filipe da
Santíssima Trindade, Theol. myst . (1874), II, 299, 311; por Antô nio do Espírito Santo, Directorium
mysticum (1732), p. 99; por Vallgornera, OP, Theol. mística (Berthier éd.), 1.428; por Padre
Meynard, OP, Traité de la vie intérieure , II, 131.
10 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 15. Isso é verdade em princípio. No entanto,

devemos ter presente a predestinaçã o, sobre a qual escreve Sã o Joã o da Cruz: "É verdade que as
almas, qualquer que seja a sua capacidade, podem ter chegado à uniã o, mas nem todas a
possuem no mesmo grau. Deus dispõ e livremente deste grau de uniã o como Ele dispõ e
livremente do grau da visã o beatífica" ( The Ascent , Bk. II, cap. 5). Do fato de que todos os justos
nã o sã o predestinados à gló ria e nã o a alcançam infalivelmente, nã o se pode afirmar que nã o
seja a consumaçã o normal da graça, bem como da uniã o mística nesta vida. Nã o devemos
confundir vocaçã o e predestinaçã o: "Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos". Esta
diferença deve, no entanto, ser observada: é apenas por sua pró pria culpa que um adulto falha
em alcançar a salvaçã o, enquanto ele pode falhar sem culpa pró pria em alcançar a
contemplaçã o.
11 Esta doutrina destaca-se como um meio termo e um ponto culminante entre duas

opiniõ es que sã o contrá rias uma à outra. A primeira opiniã o reduz a contemplaçã o mística a um
ato de fé viva mais intensa do que outros atos de fé, e isso porque nã o compreende a distinçã o
específica entre as virtudes e os dons, estabelecida por Sã o Tomá s, Ia IIae, q.68, uma. 1–3. A
segunda opiniã o parece elevar muito a vida mística, embora na realidade a reduza, porque nã o
vê com suficiente clareza a profunda diferença que existe entre os dons do Espírito Santo
(sobrenaturais por sua essência e seu modo, e presentes em todos almas em estado de graça) e
as graces gratis datae , que geralmente nã o sã o sobrenaturais por sua pró pria essência, mas
apenas por seu modo ( quoad modum ); que nã o pressupõ em necessariamente o estado de
graça, e que sã o, por assim dizer, nã o só realmente, mas essencialmente exteriores e
extraordiná rios. Cfr. Ia IIae, q.3, a. 5.
12 Ver supra , cap. 5, art. 2.
13 Ver cap. 6.
14 Pode-se admitir que materialmente e de fato existem dois caminhos unitivos, embora

formalmente e em princípio haja apenas um, ora perfeitamente, ora imperfeitamente realizado.
Nã o devemos elevar uma distinçã o material ou real a uma distinçã o formal ou essencial.
15 Bk. IV, cap. 31.
16 Ver o comentá rio sobre esta passagem pelo Padre Dumas, SM, em seu excelente livro,

L'Imitation de Jésus-Christ: Introduction à l'union intime avec Dieu , pp. 360-370.


17 A mestra de noviças de um convento carmelita francês escreveu-nos recentemente a

seguinte carta sobre o assunto: "Sou religiosa há muitos anos, e há muito tempo mestra de
noviças. Na minha opiniã o, muitas almas permanecem à porta de a verdadeira vida porque
carecem de instruçã o e se iludem acreditando que só a meditaçã o é um estado seguro.
Normalmente, quando se entra em nossos mosteiros com as disposiçõ es necessá rias (e deveria
ser o mesmo em todos os claustros), e quando se esforça seriamente para adquirir as virtudes, a
alma é, em muito pouco tempo, submetida por Deus à aridez e à impotência, prelú dio das
purificaçõ es passivas. é bom, e que é feito para conduzi-los à uniã o divina. Eles nã o entendem o
ensinamento de Sã o Joã o da Cruz: 'Aplicar-se neste momento à compreensã o e à consideraçã o
de questõ es particulares os objetos, por mais espirituais que fossem, seriam um obstá culo no
caminho da luz geral, sutil e simples do espírito; seria obscurecer o espírito de alguém' ( The
Ascent of Mount Carmel , Bk. II, cap. 15).
"O contrário é verdadeiro para as almas que aceitam submissamente essas primeiras provaçõ es.
Em pouco tempo elas desfrutam da paz e, em seguida, do conhecimento de como encontrar Deus
nesta escuridão. Como resultado desse conhecimento, elas progridem rapidamente. Aqueles que se
apegam à meditação ainda esperam, depois de mais de trinta anos de vida religiosa, que alguém os
levante e lhes mostre o que ainda buscam. Levam uma vida espiritual incolor e monó tona. Na vida
contemplativa, o segredo da felicidade está em saber viva esta vida sob o olhar de Deus.
"Posso continuar a ensinar que a contemplação propriamente dita, em seus diversos graus, vem
sempre de Deus e é infusa? Uma das razõ es, que sempre me levou a crer nisso, é que uma alma,
depois de fazer uma pouco progresso na oração, só se contenta quando sente que tudo o que tem e
tudo o que experimenta lhe vem diretamente de Deus e não de si mesmo. sobre ela. Eu entendo
claramente a contemplação adquirida que segue um estudo fascinante ou um livro interessante;
isso é apenas admiração provocada pela descoberta da verdade. Mas na oração os assuntos são
sempre praticamente os mesmos. Como alguém pode então persistir por um tempo e
habitualmente nesta empresa sem a graça da contemplação infusa? Uma pessoa não está no
caminho para esta contemplação assim que deseja aceitar as purificaçõ es que conduzem a ela?
A substância desta carta parece-nos a mesma que a doutrina de São João da Cruz, que sustenta
que a contemplação propriamente dita é infusa. Veja o cap. 5, artes. 2–6.
18 Estas palavras indicam claramente a uniã o mística, e mesmo a uniã o mística perfeita.
19 Santa Catarina de Siena, Diálogo , caps. 74, 78, 79, passim .
20 Summa , IIa IIae, q. 184, a.2.
21 Summa , Ia IIae, q.68, a.2.
22 Summa , IIa IIae, q.24, a.6.
23 Summa , IIIa, q.80, a. 10.
24 Summa , IIa IIae, q. 129, a.3 ad 4um.
25 Summa , IIa IIae, q.161, a.6, Sobre os Graus de Humildade.
26 Summa , Ia IIae, q.61, a.5.
27 Summa , IIa IIae, q.8, a.4, 7; q.45; q. 180, a.6.
28 Summa , IIa IIae, q. 18, a.4; q. 129, a.6.
29 Summa , IIa IIae, q.24, a.9.
30 Summa , IIa IIae, q. 184, A. 2 ad 3um.
31 Sã o Boaventura, De gradibus virtutum , cap. 1; De triplici via vel incendium amoris .
32 Summa , Ia IIae, q.61, a.5. Manifestamente a perfeiçã o das virtudes da alma purificada,

descrita por Sã o Tomá s, pertence à ordem mística.


33 Summa , IIa IIae, q. 180, a.6. Dionísio, o Cartuxo, De donis , tr. II, a. 15, descreveu bem esses

três graus dos dons; o terceiro certamente pertence à ordem mística.


34 P. 349, n. 1.
35 Ibid ., nã o. 7.
36 Ver IV Enviado ., d.4, q.1, a.1, q.3, e II Enviado ., d.9, q.1, a.2, c. e ad 8um. Todo este artigo,

intitulado "Se um anjo purifica outro", deve ser lido para ver como exatamente Sã o Tomá s,
seguindo Dionísio, interpreta as palavras purgaçã o, iluminaçã o e uniã o. Cfr. também o índice
geral das obras de St. Thomas, chamado Tabula aurea , sob o título Illustratio . Uma idéia do que
ele entende por vida iluminativa pode ser obtida lendo o que ele diz sobre o dom do
entendimento, III Enviado ., d.34, q.1, a.1, c: "O dom do entendimento, como diz Gregó rio diz,
ilumina a mente em relaçã o à s coisas que sã o ouvidas, de modo que o homem, mesmo nesta
vida, recebe uma amostra da manifestaçã o futura." Esta iluminaçã o do dom da compreensã o
nos dá uma amostra da visã o beatífica. 37 Cap. 1, nã o. 1.
37 Cap. 1, nã o. 1.
38 Bk. IX, cap. 10.
39 Bk. Eu, caps. 1, 12, 13.
40 Estas obras encontram-se em Migne, PL, vol. XXXII. Pourrat trouxe claramente esses

textos em La spiritualité chrétienne , pp. 332–344. Seu significado seria mais claro, a nosso ver,
se estivessem mais intimamente relacionados com os citados no capítulo anterior da mesma
obra, que se intitula “A Doutrina Espiritual de Santo Agostinho”. O misticismo de Santo
Agostinho certamente nã o está separado de sua doutrina espiritual. Nã o vemos por que Pourrat
tratou deles separadamente em dois capítulos distintos.
41 De quantitate animae , Bk. Eu, cap. 33.
42 Ibid .
43 Bk. IX, cap. 10.
44 Certamente ele está falando aqui de contemplaçã o infusa e, de fato, de elevada.
45 Cfr . Santo Agostinho, De natura et gratia , cap. 70, nºs. 82, 84. Comentário sobre a Primeira

Epístola Canônica de João (Tract. V, 4) "Assim que a caridade nasce, ela se alimenta . . . , depois
de comer, ela se fortalece . . . e quando se torna forte, ela é aperfeiçoado. . . . Se um homem está
pronto até para morrer por seus irmã os, a caridade é perfeita nele. Sã o Tomá s cita este texto
clá ssico em IIa IIae, q.24, a. 9, sed c.
46 Enarr. no salmo ., CXIX, no. 3. Ver Pourrat, La spiritité chrétienne , p. 313.
47 Enarr. no salmo ., LXXXIII, n. 10.
48 Confissões , XIII, 8.
49 Summa , IIIa, q.62, a. 2.
50 Sã o Tomá s, Ia IIae, q. 111, a.5.
51 O Cântico Espiritual , IV, st. 39.
52 Ps. 41: 3.
53 Notavelmente José do Espírito Santo, em seu Cursus theol. scolastico-mysticae , no qual

considera os perfeitos segundo o ensinamento de Sã o Joã o da Cruz.


54 Cfr . Sã o Joã o da Cruz, A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 1.
55 Ibid .
56 Sã o Joã o da Cruz os explica: A Noite Escura da Alma (Livro II, cap. 20), seguindo uma

pequena obra atribuída a Sã o Tomá s.


57 Sobre este ponto, cfr. Sã o Tomá s sobre a questã o do martírio, IIa IIae, q. 124, A. 1 anú ncio

3um.
58 Summa , IIa IIae, q.81, a.8.
59 Cfr . infra , cap. 5, art. 6.
1 Lucas 10: 27.
2 Essa opiniã o é expressa por Suarez, De statu perfectis , cap. 11, nºs. 15, 16. Ele admite que

Sã o Tomá s e antes dele Santo Agostinho parecem ensinar claramente que a perfeiçã o da vida
cristã nã o é apenas aconselhada, mas ordenada, pelo primeiro preceito, como um fim para o
qual se deve tender. Mas ele mesmo responde negativamente: "Respondeo nihilominus, si
proprie et in rigore loquamur, perfectem supererogationis non solum non praecipi, ut materiam
in quam obligatio praecepti cadat, verum etiam neque per modum finis in praeceptis contineri".
Assim, ele admite acima do preceito do amor de Deus, que em sua opiniã o é limitado, conselhos
de caridade superiores aos de pobreza, castidade e obediência. A perfeiçã o, segundo ele,
consiste essencialmente nestes conselhos de caridade, instrumentalmente nos outros três. Cfr.
ibid ., nã o. 16.
Esta doutrina de Suarez é longamente criticada pelo grande canonista Passerini, OP, que foi um
profundo teó logo e o mais fiel a São Tomás. Cfr. seu De hominum statibus et officiis , sobre IIa IIae,
q.184, a.3, p. 50, não. 70, e pág. 57, nº. 106, onde mostra que esta doutrina de Suárez se opõ e à de
Santo Agostinho e de São Tomás, que foi aceita por Santo Antonino, Caetano e Valentia. Isso será
facilmente compreendido pela leitura do artigo citado da Summa theologica , que vamos traduzir.
Em seguida, responderemos brevemente, em nota de rodapé, às objeçõ es de Suarez.
St. Thomas também ocasionalmente (por exemplo, em Ep. ad Phil ., cap. 3, lect. 2) usou a
expressão "perfeição de supererrogação", mas em um sentido diferente daquele em que Suarez a
usa. Cfr. G. Barthier, OP, Perfection chrétienne et perfection religieuse , I, 229. Quando São Tomás
usa esta frase, ele simplesmente quer dizer que os três conselhos de pobreza, castidade e
obediência não são obrigató rios.
3 Summa , IIa IIae, q. 184, a.3 ad 2um: "Se a perfeiçã o consiste na observâ ncia dos preceitos

ou dos conselhos."
4 Summa , IIa IIae, q. 184, a.3.
5 Deut. 6: 5.
6 Lev. 19: 18.
7 Mat. 22:40.
8 Neste sentido, que todos devem por caridade desejar para si a salvaçã o, a vida eterna, e nã o

apenas um grau inferior de gló ria, mas a vida eterna sem fixar qualquer limite; pois nã o
sabemos em que grau de gló ria Deus deseja nos elevar.
9 Veja I Tim. 1: 5.
10 Ver I Polit ., cap. 3.
11 Ver IIa IIae, q.184, a.3. Santo Agostinho quer dizer que até a perfeiçã o do céu cai sob o

preceito do amor de Deus, nã o como algo a ser realizado imediatamente, mas como o fim para o
qual se deve tender. É assim que Cajetan o explica (comentá rio sobre IIa IIae, q.184, a.3).
12 Summa , Ia IIae, q.64, a.4: Se as virtudes teologais observam a média.
13 Por exemplo, a fé entre a infidelidade e a credulidade; e a esperança entre a presunçã o e o

desespero.
14 Da mesma forma, deste ponto de vista secundá rio e acidental, por parte do homem, e nã o

de Deus, a esperança se encontra entre o desespero e a presunçã o. O homem presunçoso nã o


espera muito em Deus - isso é impossível; mas ele espera um bem que excede sua condiçã o -
por exemplo, perdã o sem verdadeiro arrependimento. Do mesmo modo, a credulidade nã o
consiste em crer demais em Deus, mas em crer como por Ele revelado, o que nã o passa de
invençã o ou imaginaçã o humana (Ia IIae, q.64, a.4). Por outro lado, a virtude moral que rege
uma paixã o deve constituir essencialmente um feliz meio termo entre o excesso e a ausência
dessa paixã o. Assim, a virtude da coragem é essencialmente um meio-termo racional e feliz
entre a covardia e a temeridade; um meio-termo feliz, aliá s, que, em razã o de sua racionalidade,
se destaca como um ponto culminante acima dessas formas irracionais da açã o humana.
Esquecer, como faz Epicuro, que o meio-termo racional e feliz deve ser assim um cume, e querer
fazer com que as virtudes essencialmente teologais consistam em um meio-termo como as
virtudes morais, é a peculiaridade da mediocridade ou da tibieza, erigida em um meio-termo.
sistema sob pretexto de moderaçã o.
15 Conferências dos Padres , Bk. Eu, cap. 7.
16 Mat. 19: 21.
17 Em Luc ., 5: 27.
18 Cap. 8.
19 Ibid ., e De Spiritu et littera , cap. 36.
20 Veja I Cor. 9: 24: "Nã o sabeis que os que correm na corrida, todos correm, mas um recebe

o prêmio? Portanto, corra para que você possa obter."


21 Cajetan (comentá rio sobre IIa IIae, q.84, a.3) diz sobre este assunto: "A perfeiçã o da

caridade é prescrita como um fim. Devemos desejar alcançar o fim completo; mas precisamente
porque é um fim, se devemos evitar falhar na matéria dos preceitos, basta que estejamos em
condiçõ es de atingir esta perfeiçã o algum dia, ainda que apenas na eternidade. o caminho da
caridade perfeita, evitando assim a transgressã o do mandamento necessá rio à salvaçã o”. Mas
quem morre em estado de graça sem ter aproveitado suficientemente o tempo de vida, terá que
passar pelo purgató rio para nele se purificar profundamente. Lá ele experimentará o desejo
ardente pela visã o de Deus.
22 Summa , IIa IIae, q. 184, A. 4 ad 3um.
23 Mat. 13: 4–6: "E, enquanto semeava, uma parte caiu à beira do caminho, e vieram as aves

do céu e a comeram. E outra parte caiu em solo pedregoso, onde nã o havia muita terra; porque
a terra nã o era profunda para eles. E quando o sol saiu, eles foram queimados; e, porque nã o
tinham raiz, secaram.
24 Esta verdade foi claramente declarada pelo cardeal Mercier em seu La vie intérieure, appel

aux âmes sacerdotales (1919), p. 98. Ele chega a esta conclusã o: "Todos nó s somos chamados a
ascender aos cumes da perfeiçã o, a ascender daquela condiçã o espiritual em que o medo de
perder a caridade é o motivo ordiná rio e predominante da conduta, à quele estado em que a
alma mais voluntariamente deixa-se guiar pelo propó sito de progredir na virtude, de ascender
ainda mais alto, até mesmo ao completo desapego das coisas criadas e ao espírito de uniã o com
Deus somente para Ele mesmo. Em relaçã o a esta ascensã o, existem no mundo, e à s vezes entre
o clero, tristes e profundos preconceitos, que todos devemos nos esforçar para extirpar. Repito,
todos sã o chamados à plenitude da perfeiçã o evangélica... A todos é dito: 'Sede vó s, pois,
perfeitos como também o vosso Pai celestial é perfeito" (Mateus 5: 48). "A todos os fiéis", diz o
Catecismo do Concílio de Trento, Parte II, De matrimonii sacramento , "os pastores devem
recomendar a vida perfeita... a fonte da mais completa felicidade que o homem c um gosto nesta
vida.' A liturgia pede a todas as almas a graça de 'nã o se deixarem abalar pelas flutuaçõ es do
mundo, mas manter o coraçã o fixo naquele que é o ú nico que pode nos tornar verdadeiramente
felizes'" (oraçã o para o quarto domingo depois da Pá scoa). .
25 Talvez alguns objetem que o preceito nã o impõ e um ato de caridade a cada minuto e,

portanto, tal ato de caridade, nã o sendo obrigató rio, é apenas uma questã o de conselho.
Passerini responde corretamente ( op. cit ., p. 50, n. 72) que esse ato nã o é obrigató rio, como
algo a ser cumprido imediatamente, mas é obrigató rio como um fim intermediá rio para o qual
devemos tender.
Alguns insistem que não somos obrigados por preceito a tornar cada ato de caridade mais
intenso do que o anterior, pois o que cai sob o preceito é a substância do ato e não seu modo mais
ou menos perfeito. Isto é um preceito, pelo menos na medida em que é um fim que devemos tentar
alcançar, pois o homem deve aspirar a amar a Deus cada vez mais. São Tomás explica a questão (Ia
IIae, q. 100, a. 10, ad 2um): "Se aquele que honra os pais é obrigado a honrá-los por motivo de
caridade sobrenatural, esse ato não decorre do mandamento particular , 'Honra teu pai e tua mãe',
mas do mandamento supremo, 'Amarás o Senhor de todo o teu coração.'" Assim, o que se enquadra
no preceito inferior é a substância do ato, mas o modo do ato é comandado pelo preceito supremo.
Cfr. IIa IIae, q.44, a. 1 anú ncio 1um. Além disso, sob o preceito da caridade está o modo, que é
expresso pelas palavras "de todo o teu coração" (IIa IIae, q.44, a.4 ad 1um), e também a ordem da
caridade (ibid ., a. 8).
26 Cfr . Sã o Tomá s, IIa IIae, q.24, a. 6 ad 1um; ibid ., ad 2um; também Ia IIae, q. 114, A. 8 ad

3um. Sobre este ponto, consulte também os comentaristas de Sã o Tomá s, Tratado sobre a
caridade .
27 Os teó logos comumente ensinam, com Sã o Tomá s (IIa IIae, q.24, a. 10), que a virtude da

caridade, embora possa ser perdida pelo pecado mortal, nã o diminui diretamente em si mesma
pelo pecado venial, ou pelo cessaçã o dos atos. O pecado venial é, de fato, uma desordem que diz
respeito aos meios, sem afetar o fim ú ltimo, que é objeto da caridade. E como esta virtude é
infundida e nã o adquirida pela repetiçã o de atos, nã o é diretamente aumentada por eles, nem
diminuída por sua cessaçã o.
Mas esta inatividade e os pecados veniais diminuem indiretamente a caridade porque impedem
sua aplicação ou influência e permitem a formação de maus hábitos, que são obstáculos à
irradiação da caridade. Esses obstáculos merecem uma diminuição das graças reais e especiais de
Deus e, finalmente, dispõ em para o pecado mortal.
28 Para uma discussã o sobre almas retardadas e mornas, cf. Saudreau, Degrés de la vie

spirituelle , 5ª ed., I, 46, 49.


29 "As almas começam a entrar nesta noite escura (passiva) quando o pró prio Deus as liberta

pouco a pouco do estado de principiantes, aquela divisã o da vida espiritual em que se medita, e
as introduz no estado de proficientes, que é o de contemplativos. Eles devem passar por este
caminho para se tornarem perfeitos, ou seja, para alcançar a uniã o divina da alma com Deus" (
A Noite Escura da Alma , Livro I, cap. 1). "A alma, portanto, saiu; começou a penetrar no caminho
do espírito, seguido pelos proficientes e avançados. Esse caminho também é chamado de
caminho iluminativo ou caminho da contemplaçã o infusa" ( ibid ., cap. 14).
30 Cfr. Salamanticences, Theol. moral , vol. IV, "De statu religioso."
31 Sã o Tomá s, IIa IIae, q. 184, a.8. "Um homem deve possuir perfeiçã o interior para exercer

dignamente os atos do sacerdó cio" ( ibid ., a.6). Em a.8: "Se compararmos o padre religioso que
tem cura de almas com o padre secular que também tem cura de almas, sã o iguais em ordem e
ofício ou funçã o, mas o primeiro é superior ao segundo em seu estado de vida, porque está em
estado de perfeiçã o. Se o padre religioso nã o tem cuidado de almas, é mais excelente que o
padre secular em estado, menos excelente em ofício e igual em ordem" ( ibid ., a.8) . Acrescenta
o santo doutor que a bondade ou perfeiçã o do estado religioso, em que se entrega toda a vida, é
mais excelente do que a do pá roco, que nã o vincula para toda a vida. Quanto à dificuldade de
perseverar no bem, é maior para o sacerdote que vive no mundo por causa dos obstá culos que
ali se encontram. Na vida religiosa há outra dificuldade, aquela que vem da dignidade do
trabalho a realizar, da prá tica da obediência, da pobreza e da austeridade das observâ ncias. Ora,
esta segunda dificuldade aumenta o mérito, o que nem sempre acontece com a dificuldade
proveniente dos obstá culos exteriores, pois pode ser que nã o se ame a virtude o suficiente para
afastar esses obstá culos e deixar a vida secular. Cfr. ibid ., ad 6um.
32 Lemos no Diálogo de Santa Catarina de Sena, cap. 47: “Visto que os conselhos estã o

ligados aos mandamentos, ninguém pode observar estes ú ltimos se nã o observar os primeiros,
pelo menos em pensamento, isto é, que eles possuem as riquezas do mundo humildemente e
sem orgulho. "
33 Cfr . Sã o Tomá s, no Ep. ad Hebr ., 10: 25.
34 Mat. 5: 48.
35 Veja I Pe. 2: 2.
36 Ver II Pe. 3: 18.
37 Ef. 4: 15.
38 Col. 1: 9–11.
39 Sã o Tomá s, no Ep. ad Hebr ., 6: 1.
40 "Quanto aos atos exteriores, porque nã o está obrigado ao bem duvidoso, o homem nã o
está obrigado ao melhor; mas quanto ao seu desejo, está obrigado ao melhor, donde aquele que
nem sempre deseja ser melhor, nã o pode, sem desprezo, abster-se de desejá -lo" (St. Thomas, In
Matth ., 19: 12). A mesma ideia é expressa em IIa IIae, q. 186, a.2 ad 2um: "Todos, religiosos e
seculares, sã o obrigados, em certa medida, a fazer todo o bem que puderem; pois a todos, sem
exceçã o, é dito: 'Tudo o que a tua mã o puder fazer, faça sinceramente' (Ecles. 9: 10). No entanto,
há uma maneira de cumprir este preceito, de modo a evitar o pecado, a saber, se fizermos o que
pudermos conforme exigido pelas condiçõ es de nosso estado de vida; desde que nã o haja
desprezo por fazer coisas melhores, desprezo esse que coloca a mente contra o progresso
espiritual”.
41 Tratado sobre o Amor de Deus , Bk. III, cap. 1.
42 Apoc. 22: 11.
43 Prov. 4:18.
44 Veja I Cor. 9: 24.
45 Fil. 2: 8. Sobre a obrigaçã o geral de todo cristã o de se esforçar segundo sua condiçã o pela

caridade mais perfeita, ver Passerini, De statibus hominum , p. 758, nº. 13; G. Barthier, OP, Da
perfeição cristã e da perfeição religiosa (1907), I, 315-73; PA Weiss, OP, Apologie des
Christenthums , vol. V, Índice: "Vollkommenheit."
46 Cant. 5: 2: "Eu durmo, mas meu coraçã o vigia."
47 Cfr . E. Hugon, OP, Marie mère de la divina graça , pp. 112–24.
48 Assim, em cinco segundos a velocidade inicial multiplicada pelo tempo aumenta conforme

a seguinte progressã o: 20, 20 x 2, 20 x 3, 20 x 4, 20 x 5, ou 20, 40, 60, 80, 100.


49 Em I de Coelo , lect. 17. Sã o Tomá s explica esse fato pela teoria aristotélica do lugar

natural. Veja também Ia IIae, q.35, a.6, onde ele diz que, ao contrá rio do movimento violento,
todo movimento natural é mais intenso no final do que no início, pois se aproxima do fim que
concorda com a natureza do movimento e que o atrai como um fim.
50 Sã o Tomá s, no Ep. ad Hebraeos , 10:25.
51 Ibid .
52 Em virtude do princípio exposto neste artigo, pode-se explicar por que os teó logos

tomistas (como Filipe da Santíssima Trindade, Vallgornera e Antô nio do Espírito Santo)
sustentam nã o apenas que todos podem louvavelmente desejar a contemplaçã o infusa e a uniã o
de fruiçã o, mas que todos devem desejá -lo. À primeira vista, esta afirmaçã o parece exagerada, e
seria assim se estivessem falando de uma obrigaçã o especial (que pode existir para um
religioso contemplativo). Eles falam apenas de uma obrigaçã o geral baseada no primeiro
preceito, que torna dever de todos tender para a perfeiçã o do céu e, consequentemente, para o
que normalmente se encontra mesmo em grau muito elevado no caminho para o céu, para o
que é normal prelú dio da visã o beatífica. Isso explica as teses que esses teó logos também
formulam em sua teologia mística nos capítulos sobre a contemplaçã o infusa e a uniã o da
fruiçã o: "Todos devem aspirar à contemplaçã o sobrenatural. uniã o com Deus”. Essas duas teses
já foram apontadas e serã o mencionadas novamente.
53 Os 13: 9.
54 Ps. 41: 7, 9, 12.
1 Ver IIa IIae, q .83, a. 2.
2 Summa , IIa IIae, q.83, a. 15.
3. O homem, embora em si mesmo nã o seja suficiente para desejar e desejar o bem salutar, é
suficiente em si mesmo para falhar e falhar livremente. Muitas vezes Deus o levanta novamente.
Isso, no entanto, nem sempre é o caso. Aí reside um mistério.
4 Ver IIa IIae, q.83, a. 5, 6.
5 Mat. 17: 20.
6 Summa , IIa IIae, q.83, a. 15 ad 2um.
7 Mat. 15: 22, 24–28.
8 Ver Ia, q.23, a. 1.
9 Ver IIa IIae, q.83, a. 6.
10 Ver IIa IIae, q. 83. a. 15 ad 2um.
11 Mat. 6: 7; Lucas 11:9, 11, 13.
12 Pensamentos (Havet ed.), art. 17, 1.
13 Mat. 6: 5 f.
14 Vida de Santa Teresa sozinha , cap. 8.
15 É verdade que a oraçã o deste camponês já era contemplativa.
16 Ver IIa IIae, q.84.
17 A esperança conduz assim à oraçã o de petiçã o, que é um ato da virtude da religiã o. Cfr. IIa

IIae, q.83, a. 3.
18 Ps. 41: 1.
19 Cfr . Ia IIae, q.62, a. 4.
20 ps. 33:9.
21 O Verbo e as outras duas Pessoas da Santíssima Trindade habitam em nó s: “Se alguém me

ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará , e viremos para ele, e faremos nele morada. "
A humanidade de Jesus é, como mostra Sã o Tomá s (III, q.48, a.6), a causa física, instrumental de
todas as graças que recebemos, depois de as merecermos aqui na terra.
22 Esta expressã o mostra que esta oraçã o está em nosso poder, pelo menos no seu início,

como o contexto evidencia.


23 Este é o símbolo do sopro do Espírito Santo. A oraçã o torna-se entã o infundida, como

veremos mais adiante.


24 O Caminho da Perfeição , cap. 28. Quando falarmos da chamada contemplaçã o adquirida

(cap. 5, art. 2), citaremos longamente este capítulo de Santa Teresa em que trata da oraçã o
adquirida do recolhimento, que dispõ e ao recolhimento sobrenatural e para sossegar, de que se
fala na quarta mansã o, caps. 1, 3.
A passagem da oração adquirida à contemplação infusa está bem descrita na pequena obra em
que Bossuet trata da oração que ele chama de oração "da simplicidade ou da simples presença de
Deus". A primeira fase desta oração é adquirida; o segundo infundido, como veremos mais
claramente adiante.
25 Mat. 18: 3.
26 Summa , Ia IIae, q.89, a.4.
27 Cfr . indivíduo. 5, a. 2, 3. Veremos que Santa Teresa entende por "beber da fonte da á gua
viva" a contemplaçã o infusa, que nos é dada pelo Espírito Santo. Ele mesmo é a fonte.
28 Joã o 4: 10, 13 f.
29 Joã o 7: 37 f.
1 Summa , IIa IIae, q. 180, A. 1, 6.
2. Supomos que essa absorçã o nã o brote do fato de que a alma em ocasiõ es anteriores

meditou muitas vezes sobre essas palavras de nosso Senhor. A contemplaçã o infusa, porém,
nem sempre é recebida inesperadamente; podemos nos dispor a recebê-lo.
3 Veja o que Sã o Tomá s diz sobre a graça operacional, Ia IIae, q. 111, A. 2.
4 Santa Teresa, O Castelo Interior , quarto casarã o, cap. 3.
5 Dom Vital Lehodey, Les voies de l'oraison mentale , 5ª ed., p. 205.
6 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 18. É a contemplaçã o infusa que é discutida no início de

The Dark Night of the Soul , Bk. Eu, cap. 1, e também em The Ascent of Mount Carmel , Bk. II, cap.
13.
7 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1; sétima mansã o, cap. 4. O Caminho da Perfeição ,

caps. 17,19, 20, 21, 25, 27, 31. Ver infra neste capítulo, art. 3.
8 Traité de l'amour de Dieu , Bk. VI, cap. 7.
9 Etat mystique , 2ª ed., pp. 109, 357.
10 Publicado em 1620.
11 Gratos de oração , 1609.
12 Padre André da Encarnaçã o, CD, empreendeu em 1574 restaurar o verdadeiro texto dos

escritos do santo, mas nã o publicou sua obra. Só recentemente o Padre Girard, CD, nos deu uma
ediçã o crítica que contém 55 correçõ es no Livro I, 207 no Livro II e 71 no Livro III. Vá rios
problemas de crítica textual ainda precisam ser resolvidos. Cfr. La vie spirituelle , março de
1923, p. 154.
13 Nessa época, a expressã o contemplaçã o infusa ou sobrenatural ainda nã o era claramente

compreendida por todos. Por esses termos, alguma contemplaçã o aparentemente indicada
unida a certas graças gratis datae que Santa Teresa recebeu abundantemente e que ela
frequentemente mencionava.
14 Disceptatio mystica , tr. 2, q.4, a. 8, nã o. 34.
15 Cursus theol. scol.-mysticae (1721), II, 224, 236.
16 Vida , cap. 12, pá g. 81; O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 3, pp. 108 f.
17 Este é o ensinamento de Tomé de Jesus, Filipe do Espírito Santo, Antô nio do Espírito

Santo, Domingos de Jesus e José do Espírito Santo. Eles concordaram neste ponto com os
dominicanos, Joã o de Sã o Tomá s (cf. seu Catecismo ) e Vallgornera.
18 Santa Teresa, O Castelo Interior .
19 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
20 Ibid .
21 As palavras "por seus meios a alma reú ne todas as faculdades e entra em si mesma"

denotam manifestamente uma oraçã o adquirida. Todos concordam neste ponto.


22 Santa Teresa nã o quer dizer que, sem ir além desta oraçã o adquirida de recolhimento,

uma pessoa matará sua sede na fonte de á gua viva, que ela sempre propõ e a suas filhas como
meta de seu percurso. Pois ela declarou claramente em O Caminho da Perfeição (cap. 19): “Nã o
chamo a oraçã o feita por pensar sobre um assunto, 'á gua viva'. " Pelo que se diz no Caminho da
Perfeição (cap. 19), evidentemente a á gua viva é a imagem da contemplaçã o, que nos é dada
pelo Espírito Santo.
23 Este é o símbolo do Espírito Santo, que respira onde quer.
24 Símbolo da oraçã o que permanece discursiva.
25 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
26 Padre Bañ ez observou no original: "Por sobrenatural ela quer dizer aquilo que nã o é

deixado à nossa escolha com a graça ordiná ria de Deus".


27 O Caminho da Perfeição , cap. 29.
28 Quarta mansã o, cap. 3.
29 Vida , cap. 12. O santo expressa a mesma opiniã o nesta obra anterior.
30 La vie spirituelle , de outubro de 1922, contém um excelente artigo intitulado "La doutrina

de sainte Thérèse; les oraisons communes", de uma freira carmelita. Mas nos Études
Carmélitaines (1920–22), o autor de vá rios artigos sobre contemplaçã o adquirida dá esse nome
à s oraçõ es de recolhimento sobrenatural, quietude, sono místico e intoxicaçã o espiritual. Sem
querer, ele se desvia do pensamento de Santa Teresa e esquece que ela declarou expressamente
que essas oraçõ es sobrenaturais nã o estã o em nosso poder; nã o podem, portanto, ser
chamados de adquiridos. O texto do santo é muito claro neste ponto. Se estas oraçõ es sã o ditas
adquiridas porque muitas vezes sã o precedidas por uma preparaçã o que nos dispõ e a recebê-
las, entã o seria necessá rio admitir um arrebatamento adquirido, pois esta graça é
freqü entemente concedida "no final de uma longa oraçã o mental" ( Vida de Santa Teresa , cap.
18). Para evitar qualquer confusã o sobre este ponto, basta observar a diferença estabelecida
por Santa Teresa entre o recolhimento sobrenatural (quarta morada, cap. 3) e a oraçã o de
recolhimento adquirido ( Caminho da Perfeição , cap. 28).
31 A oraçã o da simplicidade, descrita por Bossuet em sua famosa obra sobre o tema, parece

adquirida em sua primeira fase e infundida na segunda; é claramente a transiçã o de um para o


outro. "A alma, deixando de raciocinar, serve-se de uma doce contemplaçã o que a mantém
serena, atenta e suscetível à s operaçõ es e impressõ es divinas que o Espírito Santo lhe comunica
(é aqui com esta comunicaçã o que a oraçã o se infunde. ) Faz pouco e recebe muito; sua obra é
doce e, no entanto, mais frutífera. À medida que se aproxima mais da fonte de toda luz, graça e
virtude, sua capacidade é grandemente aumentada. . . . Deus se torna o ú nico Mestre de seu
interior , e Ele opera nela mais particularmente do que de costume; quanto menos a criatura
trabalha, mais poderosamente Deus opera. Visto que a operaçã o de Deus é um repouso, a alma
se torna de certa forma semelhante a Ele nesta oraçã o, e também recebe maravilhas efeitos
dela... as influências divinas que a enriquecem com todas as virtudes... Esta mesma luz da fé,
que nos mantém atentos a Deus, nos fará descobrir nossas menores imperfeiçõ es e conceber
uma grande tristeza e r garça para eles." Manière courte et facile pour faire l'oraison en foi et de
simple presença de Dieu .
32 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
33 O Caminho da Perfeição , caps. 18–21, 25, 27, 33. O Castelo Interior , quarta e quinta

mansõ es. Esses textos serã o citados mais adiante neste capítulo (art. 2).
34 Bk. II, cap. 18: "A contemplaçã o é uma ciência do amor; é um conhecimento amoroso

infundido de Deus." Cfr. Bk. Eu, cap. 1.


35 Elucidatio phrasium mysticarum operum Joannis a Cruce , Parte II, cap. 4.
36 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 15: "Neste estado, Deus se comunica à alma que
permanece passiva, como a luz a quem mantém os olhos abertos e nada faz para recebê-la. Pois
a alma que assim recebe a luz sobrenaturalmente infusa compreende tudo enquanto
permanece passiva."
37 Tratado sobre o Amor de Deus , Bk. VI, cap. 7. Logo depois de ter falado da meditaçã o, sem

falar da contemplaçã o adquirida, Sã o Francisco de Sales descreve os diversos graus da


contemplaçã o infusa, como faz Santa Teresa, começando pelo recolhimento sobrenatural que
nã o está em nosso poder. E ele considera essa transiçã o normal: "A contemplaçã o é o termo
para o qual todos esses meios sã o direcionados" (Livro VI, cap. 6).
38 Theologia mystica , cap. 3.
39 Las tres vidas , Introduçã o, e III, 4.
40 La théol. myst. de S. Boaventura , por Lompré, OFM, 1921.
41 Institutio espiritualis , cap. 12.
42 Saudreau, État mystique (2ª ed.), pp. 103, 357.
43 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
44 Questiones místicas (2ª ed.), pp. 291–311.
45 O Castelo Interior , quarta mansã o.
46 O Castelo Interior , quarta mansã o.
47 Idem ., quarta mansã o, cap. 3.
48 O santo chamou isso de oraçã o (adquirida) de recordaçã o.
49 Cfr . Denzinger, nã o. 1243, proposiçã o 23d de Molinos.
50 Le quiétisme espagnol, Michel de Molinos , 1921, p. 260: "Nã o há contemplaçã o digna deste

nome senã o a contemplaçã o passiva... " "Certos médicos do século XX ensinam, como Molinos
fez, uma contemplaçã o intermediá ria entre a meditaçã o e a contemplaçã o passiva. . . . Pode-se e
deve-se provar esse fato sem instituir contra os escritores em questã o a menor acusaçã o de
tendência" (p. 265) .
51 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
52 Seria adequado definir ordiná rio primeiro, se as dificuldades atuais nã o se relacionassem

exatamente com essa palavra.


53 Isso é verdade, pelo menos, da santidade geralmente exigida para a entrada no céu

imediatamente apó s a morte; pois ninguém vai para o purgató rio senã o por sua pró pria culpa,
por causa de negligências que poderiam ter sido evitadas.
54 Este é o significado que Sã o Tomá s dá à graça gratis data chamada sermo sapientiae , o

mais alto grau do dom da sabedoria. Este grau nã o apenas faz a pessoa contemplar os mistérios
mais elevados, mas também torna o recipiente capaz de manifestá -los aos outros e de dirigir
seu pró ximo. Cfr. IIa IIae, q.45, a.5.
55 Entre as graças extraordiná rias podemos colocar as palavras e as visõ es interiores,

mesmo que sejam diretamente ordenadas à santificaçã o da alma que as recebe. Eles nã o sã o
entã o graces gratis datae , mas fenô menos concomitantes da vida mística; fenô menos
acessó rios e passageiros que na maioria dos casos nã o sã o necessá rios para alcançar a
santidade.
56 Esta definiçã o é dada pelo Padre Arintero nas suas Cuestiones místicas , 2ª ed., p. 45.
57 Sã o Tomá s observa a este respeito (Ia, q.23, a.7 ad 3um): "Como a felicidade eterna,
consistindo na visã o de Deus, excede o estado comum da natureza, e sobretudo na medida em
que é privada da graça pela corrupçã o do pecado original, menos serã o salvos.Nisto, porém,
aparece a misericó rdia de Deus que Ele escolheu alguns para a salvaçã o, da qual muitos de
acordo com a causa comum e a tendência da natureza ficam aquém. "
58 Este é particularmente o ensinamento de Sã o Joã o da Cruz, como José do Espírito Santo

observa vá rias vezes em seu grande Cursus theologiae mystic-oscolasticae . Cfr. acima , cap. 4,
arte. 4.
59 Cfr . Dom Vital Lehodey, Les voies de l'oraison mentale . Cfr. também o Tratado do Amor de

Deus do Padre Surin, SJ


60 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 3; Bk. II, cap. 1.
1 Por exemplo, Dionísio, Ricardo de Sã o Vítor, Sã o Boaventura, Tauler, Ruysbroeck, Luís de

Blois, Sã o Joã o da Cruz e Sã o Francisco de Sales.


2 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.24, a. 3 ad 2um.
3 Joã o 1:13.
4 Um milagre (por exemplo, a vida restaurada a um corpo morto) é natural em sua essência e

sobrenatural apenas no modo de sua produçã o. Por isso é muito inferior à graça, que é
essencialmente sobrenatural. O mesmo deve ser dito do anú ncio profético de uma ocorrência
futura e gratuita na ordem natural. Isto é o que os teó logos querem dizer quando dizem que a
vida da graça é essencialmente sobrenatural, quoad substantiam , enquanto milagres e profecias
sã o sobrenaturais apenas quanto ao modo de sua produçã o, quoad modum , ou preternatural.
5 Os pró prios anjos devem ter recebido a vida da graça para poderem merecer a visã o

beatífica, que supera infinitamente os poderes e reivindicaçõ es de sua natureza. Cfr. Sã o Tomá s,
Ia, q.62, a. 2.
6 Joã o 14: 26; 16: 13.
7 Ver I Joã o 2:27.
8 O Caminho da Perfeição , caps. 21–27; O Castelo Interior , segunda e terceira mansõ es.
9 O Caminho da Perfeição , cap. 28. Este importante texto aqui citamos em parte, como segue:

“Este tipo de oraçã o tem muitas vantagens. Chama-se 'recolhimento' porque por meio dela a
alma reú ne todas as faculdades e entra em si mesma para estar com Deus. O divino Mestre vem
assim mais rapidamente do que de outra forma viria para ensiná -lo e conceder-lhe a oraçã o do
silêncio. podem ter certeza de que estã o viajando por um caminho excelente e que certamente
conseguirã o beber da á gua da fonte. . . . Pode-se dizer que essas almas já se lançaram ao mar”.
No capítulo 29, Santa Teresa indica claramente a natureza desse recolhimento ativo: "Você deve
entender que este nã o é um estado sobrenatural, mas algo que, com a graça de Deus, podemos
desejar e obter por nó s mesmos". Padre Bañ ez observou no original: "Por sobrenatural ela quer
dizer o que nã o é deixado à nossa escolha com a graça ordiná ria de Deus".
10 Ibidem , cap. 29.
11 Ibidem , cap. 19.
12 Mat. 11:28: "Vinde a mim todos vó s..."
13 O Caminho da Perfeição , cap. 19.
14 Sobre este chamado geral e distante de todas as almas interiores à s á guas vivas da

contemplaçã o infusa, ver também O Caminho da Perfeição , cap. 20: "O ú ltimo capítulo parece
contradizer o que eu disse, quando, para consolar os nã o contemplativos, disse-lhes que Deus
havia feito muitos meios para alcançá -lo... Sua majestade, sendo Deus, conhece nossa fraqueza e
tem provido para nó s. Ele nã o disse: 'Deixe alguns homens virem a Mim bebendo desta á gua,
mas deixe outros virem por algum outro meio.' Sua misericó rdia é tã o grande que Ele nã o
impede ninguém de beber da fonte da vida. Que Ele seja louvado para sempre. . . . De fato, Ele
nos chama em voz alta e publicamente para fazê-lo. . . Vejam, irmã s, nã o há medo você morrerá
de seca no caminho da oraçã o... Aceite meu conselho: nã o se demore na estrada, mas lute
bravamente, até morrer na tentativa. Santa Teresa diz ainda ( O Caminho da Perfeição , cap. 21):
“Afirmo que este é o ponto principal; fim, aconteça o que acontecer, sejam quais forem as
consequências, custe o que custar, quem os culpará ... se a pró pria terra se desintegrará sob seus
pés."
15 Esta vida superior é, de fato, duplamente sobrenatural, nã o apenas em sua essência, como

vida cristã comum, mas pelo modo divino de conhecer e amar, que é inspirado pelo Espírito
Santo.
16 Ver-se-á pelos textos que se seguem por que nã o podemos admitir que, na opiniã o de

Santa Teresa, a contemplaçã o mística seja uma percepçã o imediata de Deus em si mesmo e nã o
em seus efeitos, ou um conhecimento por idéias infusas semelhantes à s dos anjos, que exclui
completamente a possibilidade de raciocínio. A contemplaçã o mística se tornaria assim nã o
apenas uma graça eminente, mas uma graça milagrosa; seria propriamente extraordiná rio e, ao
contrá rio do que diz Santa Teresa, todas as almas interiores nã o poderiam a ela aspirar como
fonte de á gua viva. Sobre este ponto, consulte o seguinte artigo neste capítulo. Os textos de
Santa Teresa, que reunimos aqui, respondem à s objeçõ es feitas ao nosso ensino sobre este
assunto na Revue d'ascétique et de mystique , julho de 1922, p. 272.
17 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 3, pp. 104–13.
18 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 3. A observaçã o de Santa Teresa diz respeito ao

chamado individual e pró ximo à contemplaçã o infusa. Evidentemente ela nã o admite, apó s a
oraçã o de recolhimento adquirida (descrita no Caminho da Perfeição , cap. 28, e depois
chamada de oraçã o afetiva simplificada) e antes do início da contemplaçã o infusa que estamos
considerando aqui, um estado intermediá rio que pode ser corretamente chamado de
contemplaçã o adquirida. Se ela o admitisse, concederia que a alma "pode parar o movimento do
pensamento" antes de receber a graça do recolhimento sobrenatural.
Se o termo "contemplação adquirida" é aplicado à ú ltima das oraçõ es adquiridas, que é a oração
simplificada, afetiva, chamada por Santa Teresa de oração do recolhimento (adquirido) ( O
Caminho da Perfeição , cap. 28), a doutrina do santo é mantido, mas não seus termos; pois, como
todos os grandes místicos, por contemplação ela entende a contemplação infusa, que não podemos
obter por nó s mesmos por nossos pró prios esforços. Cfr. O Caminho da Perfeição , caps. 18–21, 25,
27, 31; O Castelo Interior , quarta e quinta mansõ es.
Se, ao contrário, o termo "contemplação adquirida" for aplicado a qualquer outra que não seja a
oração de recolhimento adquirida, e se alguém desejar introduzi-la na categoria de oraçõ es
sobrenaturais descritas na quarta e quinta mansõ es, ele estaria fazendo violência às palavras de
Santa Teresa e à sua doutrina, pois ela afirma expressamente que não podemos, por nossa pró pria
indú stria, auxiliados pela graça, nos colocar nas oraçõ es sobrenaturais de recolhimento (passivo),
quietude, embriaguez espiritual e sono místico.
Não precisamos aqui interpretar os ensinamentos da santa, mas apenas ler o que ela escreveu.
Se fosse necessário aplicar "adquirida" a essas oraçõ es sobrenaturais, que não estão em nosso
poder, porque podemos nos dispor a recebê-las, e se a qualificação "infusa" ou "mística" fosse
recusada porque alguma preparação é trazida para eles, então teríamos que recusar este título
também ao arrebatamento de que ela fala em sua Vida , cap. 18. Ela diz: "A verdade é que, no
começo, isso quase sempre acontece depois de muita oração mental." Para ser ló gico, teríamos que
falar de um êxtase adquirido e mesmo de uma união transformadora adquirida.
Em total harmonia com o ensinamento de Santa Teresa está o dos Carmelitas, João de Jesus
Maria ( Theol. mystica , cap. 3) e Miguel de la Fuente ( Las tres vidas , Introdução), que colocam a
contemplação infusa imediatamente apó s a oração afetiva simplificada , ou a oração de
recolhimento adquirida. São Francisco de Sales faz o mesmo em O amor de Deus (Livro VI, cap. 7).
19 O Caminho da Perfeição , cap. 31.
20 Relação LIV ao Padre Rodriguez Alvarez, p. 295. Veja o que é dito também sobre o trabalho

da mente, aná logo ao de uma noria (roda d'á gua), dispondo para a oraçã o sobrenatural de
quietude que nã o podemos obter por nó s mesmos por nosso esforço pessoal. Cfr. Vida , cap. 14.
21 Vida , cap. 12.
22 O Caminho da Perfeição , cap. 25.
23 Vida , cap. 10.
24 Deus, portanto, nã o é percebido em si mesmo ou imediatamente, como afirmaram certos

intérpretes de Santa Teresa. Ela fala como Sã o Tomá s (Ia, q.94, a. 1 ad 3um; IIa IIae, q.5, a. 1;
q.97, a. 2 ad 2um).
25 Vida , cap. 27, onde Santa Teresa distingue entre a oraçã o mística e as visõ es que à s vezes

a acompanham.
26 O Caminho da Perfeição , cap. 25.
27 No entanto, continua na secura da noite escura.
28 Pensées sur le Cantique , cap. 4.
29 Sã o Tomá s, Ia IIae, q. 111, A. 2.
30 O Caminho da Perfeição , cap. 19.
31 Vida , cap. 15.
32 O Caminho da Perfeição , cap. 19.
33 De fato, Santa Teresa diz em sua Vida (cap. 14) que para fazer compreender o que é uma

oraçã o sobrenatural ela deveria falar da ajuda particular que a alma vê, de certo modo, com
seus pró prios olhos nesta oraçã o. Ela nã o fala de idéias infundidas.
34 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 18. Definindo assim a contemplaçã o, Sã o Joã o da Cruz

mostra que, para ele, a contemplaçã o propriamente dita é infusa; é dessa contemplaçã o infusa
que ele fala constantemente. Além disso, o carmelita Nicolau de Jesus Maria, em sua Elucidatio
phrasium myst. operum Joannis a Cruce (Parte II, cap. 4), está certo ao dizer que a contemplaçã o
infusa é discutida nã o apenas em The Dark Night of the Soul , mas também em The Ascent of
Mount Carmel , Bk. II, cap. 13. Cfr. Études Carmélitaines , julho de 1912, pp. 263, 270.
35 Cfr . IIa IIae, q.180, a. 1. Desta citaçã o, tirada de Sã o Tomá s por Sã o Joã o da Cruz, podemos

ver claramente como se enganam as pessoas que afirmam hoje que o Doutor Angélico nã o falou
de contemplaçã o essencialmente mística em sua Summa .
36 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 17; e cap. 5.
37 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 6, 7.
38 Summa , IIa IIae, q.24.
39 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1, pá g. 120. Quando Santa Teresa começa a discutir

a oraçã o de uniã o, que segue tranquila, e que à s vezes é acompanhada por um começo de
êxtase, ela diz a suas filhas: “Pode-se dizer que a maioria, pelo menos, consegue entrar nestes
quartos. Acho que certas graças que vou descrever sã o concedidas apenas a alguns, mas se os
demais chegam apenas ao portal, eles recebem um grande benefício de Deus, pois 'muitos sã o
chamados, mas poucos sã o escolhidos'. "Mais adiante na quinta mansã o, cap. 3, ela diz: "Deus
tem muitas maneiras de enriquecer a alma e trazê-la para essas moradas (ou seja, para a oraçã o
sobrenatural de uniã o), além do que se poderia chamar de atalho". Veremos mais tarde o que
ela quer dizer com esse atalho: nã o o estado místico como à s vezes se acredita, mas o estado
extá tico ou um começo de êxtase. Além disso, na quinta mansã o, cap. 3, Santa Teresa também
fala de uma uniã o de conformidade com a vontade divina, que nã o é um grau de oraçã o, mas
uma disposiçã o excelente para nã o ter vontade pró pria, uma disposiçã o que se pode ter sem ter
recebido um começo de êxtase.
40 O Castelo Interior , sétima mansã o, cap. 3.
41 Isso foi claramente explicado por Saudreau, État mystique , 2ª ed., p. 89. Justamente por
isso lamentamos ver na mesma obra (p. 46) que ele aplica o termo "extraordiná rio" à s oraçõ es
da quinta e sexta moradas que sã o acompanhadas de êxtase. Eles nã o sã o extraordiná rios em
sua essência, mas apenas em certos fenô menos concomitantes e acidentais. Saudreau
reconhece isso (p. 51) quando diz como nó s: "Deus pode conduzir a alma até à uniã o
transformadora sem lhe conceder arrebatamentos." Ele certamente está certo em distinguir o
estado místico do que ele chama de fenô menos extraordiná rios de ordem angélica (p. 180). As
objeçõ es que foram levantadas contra ele ultimamente sobre este ponto ( Revue Apologétique ,
15 de junho de 1922) nã o sã o bem fundamentadas. O pró prio Padre Poulain distinguiu
claramente o estado místico das visõ es que podem acompanhá -lo.
O Padre Lallemant, SJ, com razão observa na sua Doctrine spirituelle (VII Principe, cap. 4, art.
7): “Segundo alguns escritores, os graus de contemplação são: primeiro, a rememoração de todos
os poderes; segundo, semi-arrebatamento; terceiro, êxtase completo; quarto, êxtase. Esta divisão,
entretanto, não expressa tanto a essência da contemplação quanto seus acidentes; pois uma alma
pode às vezes ter sem êxtase uma luz mais sublime, um conhecimento mais claro, uma operação
mais excelente de Deus , do que outro que é favorecido com arrebatamentos e êxtases
extraordinários. A Santíssima Virgem foi elevada em contemplação do que todos os anjos e santos
juntos, e ainda assim ela não teve arrebatamentos. Alguns dos santos, como Bernadette na Gruta de
Lourdes, os tiveram na infância, e menos deles nos anos posteriores. Essa observação contém algo
análogo ao que se costuma dizer da ciência: seu progresso na extensão não é sinal certo de seu
progresso na penetração. Várias pessoas têm um conhecimento bastante extenso de uma ciência
sem possuir um conhecimento profundo ou elevado que lhes permita apreender com um relance
toda a ciência em seus primeiros princípios. Cfr. São Tomás, Ia IIae, q.52.
42 Além dos textos que citaremos, veja-se o que a santa diz em sua Vida sobre o progresso da

virtude correspondente à s oraçõ es simbolizadas pelas quatro maneiras de regar: segunda á gua,
as flores (das virtudes) estã o prestes a aparecer (cap. .15); terceira á gua, as flores
desabrocham; as virtudes extraem desta oraçã o um vigor muito maior do que da precedente,
que é a do silêncio (caps. 16 e seg.); quarta á gua, "este é o tempo das resoluçõ es, das
determinaçõ es heró icas, da energia viva dos bons desejos, do início do ó dio ao mundo e da
percepçã o mais clara de sua vaidade. A alma faz progressos maiores e mais elevados do que
nunca fez antes nos estados anteriores de oraçã o, e cresce em humildade cada vez mais "(cap.
19).
43 O Caminho da Perfeição , cap. 31, pá g. 179.
44 Ibid ., pá g. 183.
45 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 2.
46 O Caminho da Perfeição , cap. 31; O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 1.
47 O Caminho da Perfeição , cap. 24, 34, 38. O Castelo Interior , terceira mansã o, cap. 1; quarta

mansã o, cap. 1. Cfr. Sã o Joã o da Cruz, A Noite Escura da Alma , Bk. EU.
48 Vida , cap. 15.
49 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1. O santo observa que já nã o basta seguir

atentamente a pró pria regra; além disso, é preciso ser muito dó cil à s inspiraçõ es do Espírito
Santo, que se torna mais exigente quanto mais dá e quer dar mais.
50 Ibid .
51 A primeira maneira de regar, tirando á gua de um poço pela força principal, é uma imagem
de meditaçã o ( Life , cap. 11); a segunda forma, com a noria (roda d'á gua), simboliza a oraçã o de
silêncio em que ainda há alguma atividade, embora seja uma oraçã o sobrenatural ( Vida , cap.
14); a terceira maneira de regar, pela á gua que flui de um rio ou fonte, corresponde ao sono dos
poderes ( Vida , cap. 16); a quarta á gua, que é a chuva, simboliza a oraçã o de uniã o ( Vida , cap.
18).
52 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1.
53 Ibidem , cap. 2.
54 Ibid . Deve-se observar que por essa transformaçã o esse inseto atinge a idade adulta; por

uma transformaçã o aná loga a alma atinge a idade adulta da vida sobrenatural.
55 Vida , cap. 17.
56 Ibid .
57 Quinta mansã o, cap. 3.
58 Este atalho e as delícias nele encontradas foram à s vezes pensados como contemplaçã o

infusa ou mística; mas é apenas a suspensã o da imaginaçã o e da memó ria, ou um começo de


êxtase, que à s vezes acompanha a uniã o mística e a facilita grandemente. Cfr. Arintero, OP,
Evolução mística , p. 639, e Cuestiones místicas , pp. 325 e seguintes; Padre Garate, SJ, Razón y Fe
, julho de 1908, p. 325. Saudreau observa com razã o em Les degrés de la vie spirituelle (5ª ed.),
II, 101: "A propó sito desta passagem (quinta mansã o, cap. 3), os novos tradutores de Santa
Teresa dizem que, de acordo com seus ensinamentos, há há dois caminhos que conduzem ao
estado de uniã o , o caminho místico e o caminho nã o-místico. 18-21). nã o tem essa uniã o
extá tica e, no entanto, recebeu graças místicas muito preciosas". Repetimos que a oraçã o
passiva de uniã o nã o é extraordiná ria em sua base ou em sua pró pria essência, ainda que alguns
de seus fenô menos acidentais ou concomitantes o possam ser. Para uma discussã o sobre a
palavra "atalho" de Santa Teresa, cf. Filipe da Santíssima Trindade, Theol. myst ., III, 71; Antô nio
do Espírito Santo, Direto. myst ., Tract. IV, disp. eu, séc. 4; Vallgornera, OP, Theol. myst ., II, 137.
59 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 2.
60 Ibid .
61 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 1. Santa Teresa entendeu assim por experiência a

grande doutrina de Santo Agostinho e Sã o Tomá s sobre a graça eficaz, como Dominic Banez a
expô s. Em geral, as almas que passam pela noite da alma nã o podem mais admitir outra
doutrina, ainda que antes tenham se inclinado para a opiniã o contrá ria, segundo a qual a graça
se torna eficaz pelo nosso bom consentimento.
62 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 1.
63 Ibidem , cap. 11.
64 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 5. O Padre Joret, OP, mostrou claramente ( La vie

spirituelle , maio de 1922, p. 90) que o êxtase, que é consequência da contemplaçã o infusa, nã o
é propriamente extraordiná rio. É diferente se precede a contemplaçã o e prepara a alma para
ela.
65 Isto em virtude do princípio muitas vezes formulado por Sã o Tomá s: "cum totaliter anima

intendat ad actum unius potentiae, abstrahitur homo ab actu alterius potentiae" ( De veritate , q.
13, a.3).
66 Deus entã o aparece cada vez mais como Verdade suprema, e a alma compreende o
significado das palavras do salmista: "Todo homem é mentiroso". A alma também vê porque o
Altíssimo ama tanto a humildade. "Porque Ele é a Verdade suprema e a humildade é a verdade.
É bem verdade que nada temos de bom de nó s mesmos, e que a miséria e o nada sã o a nossa
porçã o" (sexta mansã o, cap. 10). Seria, portanto, um erro acreditar que o justo se distingue do
pecador apenas por sua liberdade, e que essa diferença nã o provém da graça. "O que te
distingue?" diz Sã o Paulo.
67 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 6.
68 Ibidem , cap. 9. No mesmo sentido o Carmelita Descalço José do Espírito Santo, corrigindo

Antô nio da Anunciaçã o, CD, com razã o observa e prova que "podemos desejar ardentemente e
humildemente suplicar a Deus a contemplaçã o infusa, mas nã o o êxtase e outros favores
semelhantes". que à s vezes o acompanham." Cursus theol. mystico-escolasticae (1791), II, 222,
224.
69 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 9.
70 Santa Teresa fala disso na sétima mansã o (caps. 1, 2), e descreve como foi concedido a ela

"de maneira extraordiná ria". Sã o Joã o da Cruz, que discorreu mais longamente sobre o
casamento espiritual em sua relaçã o com as virtudes teologais, nã o diz que tal visã o esteja
necessariamente ligada a esse estado. Ele simplesmente aponta ( Cântico , Parte III e A Chama
Viva ) o fato de que na uniã o transformadora há uma contemplaçã o muito elevada das
perfeiçõ es divinas. Padre Poulain reconhece isso. Cfr. Les grâces d'oraison (gth ed.), cap. 19, nã o.
15.
71 O Castelo Interior , sétima mansã o, cap. 3: "A partir do momento em que o Senhor revela à

alma as maravilhas desta mansã o e lhe dá entrada nela, a alma perde esta grande fraqueza (de
êxtase) que lhe era tã o dolorosa e da qual nada poderia livrá -la. Talvez isso vem do fato de que o
Senhor o fortaleceu, dilatou-o e tornou-o capaz de Suas operaçõ es”. Assim a uniã o com Deus,
sendo possível sem impedir o exercício das faculdades, torna-se quase constante.
72 O Castelo Interior , sétima mansã o, cap. 2.
73 Veja I Cor. 6: 17.
74 Joã o 17: 22 f.
75 A Chama Viva , st. 1, v. 4.
76 O Castelo Interior , sétima mansã o, cap. 2.
77 Ibidem , cap. 3.
78 Ver IIa IIae, q.188, a. 6.
79 O Castelo Interior , sétima mansã o, cap. 4.
80 Lucas 10:27.
81 Cfr . os textos de O Caminho da Perfeição , caps. 18–21, citado na primeira parte deste

artigo.
82 Cfr . também Sã o Joã o da Cruz, O Cântico Espiritual , st. 34.
83 Cap. 40: “Entã o Ele disse: 'Ah, Minha filha, sã o poucos os que Me amam de verdade; pois se

os homens Me amassem, Eu nã o esconderia deles Meus segredos.' " Ela observa também ( ibid.):
"Há muito mais mulheres do que homens a quem nosso Senhor dá essas graças." Para mostrar
que pureza de alma é necessá ria para entrarmos no céu, ela diz (cap. 38): "Em todas as visõ es
que tive, nã o vi nenhuma alma escapar do purgató rio, exceto três." No entanto, evitar o
purgató rio é o caminho normal da santidade.
84 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 7, 8.
85 Cfr . Sã o Tomá s, IIa IIae, q. 184, a.3. A doutrina ensinada neste artigo é esquecida e mal

compreendida por muitos grandes teó logos modernos.


86 O Caminho da Perfeição , cap. 21.
1 Na vida ascética, a inspiraçã o do Espírito Santo permanece latente; mas na vida mística

geralmente é bastante manifesto. Pode nã o ser assim para a alma que a recebe, pois em
períodos de provaçã o esta inspiraçã o pode permanecer escondida da alma; mas é manifesto
pelo menos para o diretor espiritual que vê que a noite passiva dos sentidos e do espírito tem
como causa principal uma luz purificadora de ordem mística.
2 É assim que Honoré de Sainte-Marie, CD, em sua obra, que em certos aspectos é muito

valiosa, Tradition des pères et des auteurs ecclésiastiques sur la contemplation , 1708, Parte III,
Diss. 3, a. 1 segundo. 2, aplica a palavra "adquirida" a toda oraçã o contemplativa que foi
precedida por algum trabalho de recolhimento. Além disso, ele ainda sustenta que a
contemplaçã o adquirida, como a infusa, "é acompanhada... pela oraçã o de quietude, pelo sono
dos poderes, pelo silêncio espiritual, êxtase, êxtase". Ele é, no entanto, obrigado a acrescentar:
"Embora a contemplaçã o adquirida possa à s vezes causar êxtase e êxtase, parece bastante
evidente que isso nã o pode acontecer sem alguma influência dos dons do Espírito Santo; e
assim a contemplaçã o adquirida passa a infusa." Lemos no mesmo capítulo: "Nesta
contemplaçã o adquirida, nunca se atinge o que se chama contemplaçã o pura."
3 Isso é o que Anthony da Anunciaçã o, CD, ensinou em seu Disceptatio mystica , tr. 2, q.4, a.8,

n. 34. Mais tarde, ele foi corrigido neste ponto por Joseph of the Holy Ghost, CD, Cursus theol.
myst.-scol ., II, 224.
4 Farges, Les phénomènes mystiques , 1921, pp. 76, 86, 94, 98, 108, 114.
5 Bossuet, Instruction sur les états d'oraison , Bk. VII: "O estado místico é como a profecia, ou

o dom de línguas ou de milagres. Assemelha-se ao tipo de graça que se chama graça concedida
gratuitamente, gratia gratis data ... Se devemos ser mais explícitos, diremos que o estado
místico, consistindo principalmente em algo que Deus opera em nó s, sem nó s, e no qual,
conseqü entemente, nã o há e nã o pode haver mérito algum”. Esta é uma confusã o surpreendente
em uma alma tã o grande; é aquela que o levou a afirmar na mesma obra (Livro IX) que Sã o
Francisco de Sales nã o havia experimentado a quietude. Santa Joana de Chantal diz o contrá rio
em suas Réponses (2ª ed., 1665), pp. 508 e seguintes. É verdade que mais tarde em sua ú ltima
obra, em suas cartas de orientaçã o e tratados piedosos, depois de ter examinado mais
profundamente a questã o, Bossuet falou da contemplaçã o e da oraçã o da simples presença de
Deus como Sã o Joã o da Cruz e Sã o .Teresa fez. Cfr. pá g. 230 nota 31.
6 Vida , cap. 14.
7 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 12.
8 Summa , IIa IIae, q.9, a.4.
9 Ibid ., q.8, a. 7.
10 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 6.
11 José do Espírito Santo, CD, Cursus theol. myst.-scol . (1721), vol. II, Praedicabile II, disp. XI,

q.2, pp. 224, 236.


12 Summa , IIa IIae, q. 173, a.2.
13 Ibid .
14 Saudreau, État mystique , 2ª ed., p. 356.
15 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.180, a.5 ad 2um; De verdade , q. 18, a.5. Neste artigo, Sã o Tomá s
mostra que, no estado de inocência, Adã o, a quem no entanto atribui uma altissima
contemplaçã o mística, nã o conhecia os anjos por sua pró pria essência, de maneira puramente
espiritual; pois ele nã o obteve conhecimento natural e conhecimento sobrenatural sem imagens
sensíveis, exceto talvez em êxtases extraordiná rios. O homem, em seu estado atual, nã o conhece
as coisas de fato sem uma certa contribuiçã o da imaginaçã o, e a graça aperfeiçoa o intelecto
sem mudar o modo de conhecer. Sã o Tomá s cita em apoio a essa doutrina a seguinte citaçã o de
Dionísio, que, no entanto, tinha a mais elevada concepçã o de contemplaçã o infusa ( De coelesti
hierar ., Cap. 1): "quod impossibile est nobis aliter lucere divinum radium, nisi varietate
sacrorum velaminum circumvelatum ." Cfr. também De veritate , q. 13, A. 1.
16 Summa , IIa IIae, q. 15, A. 3.
17 Este é o ensinamento comum. Cfr. Vallgornera, Theol. myst . S. Thomae , I, 450; Filipe da

Santíssima Trindade e Antô nio do Espírito Santo.


18 Farges, Les phénomènes mystiques , p. 97: "Em suma; Deus, o agente sobrenatural, é

imediatamente percebido em sua açã o recebida na alma (idéia infusa), como o agente material
é percebido diretamente em sua açã o sobre os sentidos externos, quasi species (impressa) rei
visae . "
19 Cfr . op. cit ., pá g. 98. Um texto é citado dos Contra Gentiles , Bk. III, cap. 54. Mas Sã o Tomá s

está falando da luz da gló ria necessá ria para a visã o beatífica, e nã o de uma ideia infusa que
tornaria possível uma percepçã o imediata de Deus inferior a essa visã o. A diferença é notável.
20 Farges, Les phénomènes mystiques , p. 98.
21 Ver Ia, q. 12, A. 2.
22 O Concílio de Viena condenou este erro dos begardos: "A alma nã o precisa da luz da gló ria

para ver Deus e desfrutá -lo."


23 Ver Ia, q.56, a.3; q.94, a. 1; IIa IIae, q.5, a. 1; De verdade , q. 18, A. 1.
24 De verdade. local cit .
25 Mesmo em graças extraordiná rias como as visõ es intelectuais da Santíssima Trindade, de

que fala Santa Teresa, a intuiçã o permanece negativa, per viam negationis , como ensina Sã o
Tomá s, De veritate , q. 10, A. 11 ad 14um: "... de visione intelectuali, qua sancti divinam
veritatem in contemplatione intuentur; non quidem sciendo de ea quid est sed magis quid non
est." Em uma visã o intelectual da Santíssima Trindade, uma visã o de ordem angélica ou por
meio de idéias infusas, a alma vê, especialmente no que diz respeito à essência divina do Pai,
Filho e Espírito Santo, o que eles nã o sã o, ao invés do que eles sã o. eles sã o. Essa visã o é muito
superior à especulaçã o teoló gica, mas nã o tira a fé; nã o dá a evidência intrínseca do mistério,
evidência que é dada apenas pela luz da gló ria.
26 op. cit ., pp. 99, 108.
27 Ver Ia, q.56, a. 3.
28 Farges, loc. cit .
29 Ver Ia, q.64, a. 1.
30 Nã o se admirará o leitor que, deste ponto de vista, o Bispo Farges declare que a via unitiva
se ramifica em duas direçõ es distintas: a via ordiná ria ou ativa, e a via extraordiná ria ou passiva
( op. cit ., p. 18) . Para apoiar esta afirmaçã o, ele apela para um texto isolado dos escritos de
Santa Teresa, cujo significado deve ser determinado por comparaçã o com muitos outros textos
muito importantes comumente citados em favor da tese contrá ria.
A principal razão, diz-nos ele ( op. cit ., p. 275), por que, segundo Santa Teresa, muitas almas não
passam do sossego, é que Deus não as chama para cima. . . . Santa Teresa, ao contrário, expressa esta
opinião (quinta mansão, cap. 1): "Há muitos chamados, poucos escolhidos... Roguemos ao Senhor
que nos conceda Sua graça para que não sejamos frustrados por nossa pró pria culpa: peçamos a
Ele que nos mostre o caminho e nos dê forças para cavar continuamente até encontrarmos este
tesouro escondido”. Cfr. São Francisco de Sales, Tratado do Amor de Deus , Bk. XII, cap. 11.
O bispo Farges também apela (p. 127) à autoridade do padre Vallgornera, OP, mas parece
esquecer que esse tomista, fiel à sua escola, ensina, como os teó logos carmelitas, que todas as
almas devem aspirar à contemplação infusa e que é normalmente concedida aos perfeitos. Não é,
portanto, essencialmente extraordinário (por natureza). Cfr. Vallgornera, Theol. myst. S. Thomae , I,
428; igualmente Filipe da Santíssima Trindade, CD, e Antó nio do Espírito Santo, CD
Ele reconhece alhures ( op. cit ., pp. 243, 257) que as purificaçõ es passivas, purgató rio antes da
morte, são necessárias para limpar a alma de todas as suas manchas. Quando acrescentamos a esta
ideia o fato de que essas purificaçõ es passivas são, como diz São João da Cruz, um estado místico,
não devemos concluir que o estado místico conduz normalmente à plena perfeição da vida cristã, à
perfeita purificação da a alma imutavelmente unida a Deus?
31 Assim, nossa fé infusa, que é exercida por ideias adquiridas, difere materialmente da fé

infusa dos anjos, que é exercida por ideias infusas; mas nã o difere dela formalmente pelo
motivo formal, ou pela luz infusa que é igualmente sobrenatural.
32 Summa , IIa IIae, q. 1, um .4.
33 Vida , cap. 27.
34 Cfr . Saudreau, État mystique (2ª ed., pp. 320–348), no qual mostra que os textos

invocados em favor da percepçã o imediata de Deus sã o incompletos e nã o têm o significado que


alguns escritores lhes atribuem.
35 Summa , IIa IIae, q.97. uma. 2 ad 2um. No Comentá rio dos Nomes Divinos (cap. 2), Sã o

Tomá s explica assim esta passagem: "Nã o só aprendendo, mas também experimentando as
coisas divinas, isto é, nã o apenas recebendo o conhecimento das coisas divinas no intelecto,
mas também amando, unidos a Ele pela afeiçã o". Da mesma forma De veritate , q.26, a.3 ad
18um. Veja mais adiante (p. 306) outros textos de Sã o Tomá s e de Joã o de Sã o Tomá s.
1 Esta inspiraçã o e iluminaçã o sã o bastante manifestas, se nã o para a pessoa que as recebe,

pelo menos para o experiente diretor espiritual a quem a alma se revela. Explicaremos isso
mais adiante. A alma pode, de fato, estar no estado místico sem saber. É o caso de certas almas
muito puras e simples que nunca ouviram falar do estado passivo, mas que estã o nele, como
observou Santa Teresa em mais de uma ocasiã o.
2 Santa Teresa diz: "Aqui, de fato, aprender seria muito ú til, a fim de explicar as ajudas gerais

e particulares da graça; pois há muitos que nada sabem sobre elas. Aprender serviria para
mostrar como nosso Senhor agora terá a alma para ver, por assim dizer, a olho nu, como os
homens falam, esta ajuda particular da graça "( Vida , cap. 14). Esta é uma afirmaçã o clara sobre
a inspiraçã o especial à qual os dons do Espírito Santo nos tornam dó ceis.
3 Concílio de Trento, Sess. VI, cap. 7.
4 Ver Ia IIae, q.63, a.4.
5 Summa , Ia IIae, q.68, a. 8.
6 Ibid ., a. 1.
7 Em Is. 11:2 f., lemos: “E o espírito do Senhor repousará sobre ele: o espírito de sabedoria e
de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor
do Senhor." Este texto aplica-se ao Messias anunciado e, desde Pentecostes, também aos
membros vivos do corpo místico de Nosso Senhor. É assim que os pais entenderam. Cfr. Dict, de
théol. catol ., art. "Dons du Saint-Esprit" do padre Gardeil, OP: "Fondement scriptuire de cette
doutrina, et enseignement des Pères", col. 1728–81.
8 Trata-se aqui do que acontece na ordem sobrenatural da razã o iluminada pela fé; é assim

em particular que a prudência infusa dirige as virtudes morais infusas.


9 "Secundum e homo disponitur, ut efficiatur prompte mobilis ab inspire divina."
10 é. 11: 2.
11 Joã o 14:17.
12 "Se a graça sacramental confere algo além da graça das virtudes e dons" (IIIa, q.62, a. 2).
13 Moral ., Bk. II, cap. 56.
14 Summa , Ia IIae, q.68, a.3; a.2 ad 1um; III Enviada ., D. XXXIV, q. 1, a. 1.
15 "As bem-aventuranças nã o sã o senã o obras perfeitas e que, em razã o de sua perfeiçã o, sã o

atribuídas antes aos dons do que à s virtudes" (Ia IIae, q.70, a.2).
16 Bispo Gay, De la vie et des vertus chrétiennes , primeiro tratado.
17 Se confundirmos as virtudes e os dons, encontraremos sérias dificuldades. Nã o seria

possível explicar por que certos dons, como o medo, nã o estã o entre o nú mero das virtudes, e
por que Cristo possuía os sete dons, como nos ensina Isaias (11: 2), sem ter certas virtudes
infusas como a fé , esperança e penitência, que supõ em uma imperfeiçã o.
18 Summa , Ia IIae, q.68, a. 1 anú ncio 3um.
19 “Uma vez que os dons estã o acima do modo humano em sua açã o, é apropriado que as

operaçõ es dos dons sejam medidas por uma regra diferente da virtude humana, que é a pró pria
Divindade compartilhada pelo homem em sua maneira, de modo que já nã o opera de modo
humano à maneira do homem, mas como se fosse feito Deus por participaçã o" ( ibid ., e III
Enviado ., D. XXXIV, q. 1, a.3).
20 "Os dons superam a perfeiçã o ordiná ria das virtudes, nã o quanto ao tipo de obras (como

os conselhos superam os mandamentos), mas quanto à maneira de trabalhar, quanto ao homem


ser movido por um princípio superior" (Ia IIae , q.68, a.2 ad 1um). Da mesma forma III , D.
XXXIV, q.1, a. 1: “Os dons distinguem-se das virtudes no sentido de que as virtudes realizam
atos de maneira humana, mas os dons de maneira sobre-humana”. III , D. XXXV, q.2, a.3: "O dom
transcende as virtudes na medida em que opera acima da maneira humana."
Esta doutrina de São Tomás em seu Comentário sobre as Sentenças não difere, apesar do que foi
dito, daquela da Summa , como pode ser visto no texto (Ia IIae) citado no início desta nota, e do
indicado na nota seguinte. Além disso, é claro que quando (Ia IIae, q.68, a. 1) ele distingue as
virtudes dos dons pelo que os move respectivamente, trata-se dos poderes que dirigem e governam
(o Espírito Santo e a razão) e não de causas puras e eficientes que dariam um impulso mais ou
menos forte sem direção e regulamentação formal. É manifesto que o Espírito Santo dirige de
modo sobre-humano. A doutrina da Summa mantém claramente sobre este ponto o que já havia
sido escrito no Comentário das Sentenças . Da mesma forma Qu. Disp. de caritate , q. ú nico., a. 2 ad
7um: “Os dons aperfeiçoam as virtudes elevando-as acima da maneira humana”.
21 Summa , IIa IIae, q.52, a.2 ad 1um.
22 Sã o Tomá s diz expressamente: "A prudência ou eubulia , seja adquirida ou infundida,

dirige o homem na busca de conselhos de acordo com princípios que a razã o pode apreender;
portanto, a prudência ou eubulia faz com que o homem tome bons conselhos para si mesmo ou
para outro. Desde , porém, a razã o humana é incapaz de apreender as coisas singulares e
contingentes que podem ocorrer, o resultado é que os pensamentos dos homens mortais sã o
temerosos e nossos conselhos incertos (Sab. 9: 14). requer ser dirigido por Deus que
compreende todas as coisas: e isto é feito através do dom do conselho pelo qual o homem é
dirigido como se aconselhado por Deus" (IIa IIae, q.52, a. 1 ad 1um).
23 "Se o homem, em vez de fazer o que pode, se contentasse em esperar a ajuda de Deus,

pareceria tentar a Deus" (IIa IIae, q.53, a.4 ad 1um).


24 Summa , Ia IIae, q.68, a.2.
25 Summa , Ia IIae, q.68, a.2. Cfr. O comentá rio de Cajetan sobre esta questã o 68, e também o

de John of St. Thomas.


26 Ibid ., ad 3um.
27 Ibid ., a. 2 ad 2um. Alguns teó logos interpretaram erroneamente este texto de Sã o Tomá s e

pensaram que ele queria dizer que o homem precisa sempre ser movido para cada ato salutar
por uma inspiraçã o especial do Espírito Santo, mesmo em atos que sã o chamados remissi . Eles
confundiram a graça atual comum com a inspiraçã o especial que está em questã o aqui. Sã o
Tomá s nã o escreveu: "Quin indigeat semper moveri", mas "Quin semper indigeat moveri". A
expressã o de Sã o Tomá s significa que o homem nã o está tã o aperfeiçoado pelas virtudes
teologais que nunca precise de ser inspirado pelo Mestre interior, como se poderia dizer: "Este
estudante de medicina nã o está tã o bem instruído que nunca precise a assistência de seu
mestre para certas operaçõ es." É bem certo que o homem pode fazer um ato sobrenatural de fé
com uma graça real, sem qualquer ajuda por parte dos dons do Espírito Santo. Este é
certamente o caso de uma alma que, estando em estado de pecado mortal, perdeu juntamente
com a caridade os dons do Espírito Santo, e que, no entanto, ainda com bastante frequência faz
atos de fé sobrenatural. Cfr. Gardeil, art. "Dons", em Dict. théol ., col. 1779; Padre Frojet, OP, De
l'habitation du Saint-Esprit dans les âmes justes , Parte IV, pp. 407-24, expressa claramente o
verdadeiro pensamento de Sã o Tomá s sobre este ponto.
28 Rm. 8: 14. "Porque todos os que sã o guiados pelo Espírito de Deus, esses sã o filhos de

Deus."
29 Summa , Ia IIae, q.68, a. 2.
30 Sã o Tomá s, III Enviado ., D. XXXIV, q. 1, a. 2.
31 "Se os dons do Espírito Santo sã o há bitos" (Ia IIae, q.68, a. 3).
32 Ibid ., ad 2um.
33 Vol. IV, col. 1728–81.
34 Loc. cit ., col. 1776.
35 Cfr . Gardeil, Le donné révélé et la théologie , 1910: Uma comparaçã o dos sistemas

teoló gicos (pp. 266–86). Sobre a questã o que nos ocupa a atençã o, ver também a introduçã o da
excelente obra do mesmo autor, Les dons du Saint-Esprit dans les Saints Dominicains .
36 De gratia et libero arbitrio , 1907, II, 201, 225, 247.
37 Nã o há , propriamente falando, nenhuma deliberaçã o e eleiçã o no fim ú ltimo; cf. Ia Iae, q.

13, A. 3; IIa IIae, q.24, a. 1 anú ncio 3um. Explicaremos isso mais adiante.
38 Summa , Ia IIae, qg, a.6 ad 3um. Ver, sobre este texto e sua relaçã o com os outros que

citamos, Del Prado, De gratia et libero arbitrio , I, 236; II, 228, 266.
39 Ibid ., q. 10, a.1, 2.
40 "Saber que Deus existe de maneira geral e indefinida é implantado em nó s pela natureza,

na medida em que Deus é a bem-aventurança do homem. Pois o homem naturalmente deseja a


felicidade, e o que é naturalmente desejado pelo homem deve ser naturalmente conhecido por
ele. Isso, porém , nã o é saber absolutamente que Deus existe; pois saber que alguém se
aproxima nã o é o mesmo que saber que Pedro se aproxima, embora seja Pedro quem se
aproxima; pois muitos há que imaginam o bem perfeito daquele homem (o que é felicidade)
consiste em riquezas, e outros em prazeres, e outros em outra coisa" (Ia, q.2, a. 1 ad 1um).
41 Bossuet, Méditations sur l'Évangile , primeira meditaçã o.
42 Summa , Ia IIae, qg, a.3: "O intelecto, por seu conhecimento do princípio, reduz-se da

potência ao ato, quanto ao seu conhecimento das conclusõ es; e assim ele se move. E, da mesma
maneira, o a vontade, por meio de sua vontade do fim, move-se para querer os meios”. Ibid ., ad
1um e Ia, q.63, a.5.
43 Summa ., Ia IIae, qg, a.6, terceira objeçã o e réplica.
44 Summa , Ia, q.63, a. 1 ad 4um; a.5; a.6; Ia IIae, q.79, a.1, 2.
45 Do contrá rio, seguir-se-ia que Deus, por Seu movimento, nã o é mais a causa do ato bom do

que do pecado, o que seria contrá rio à definiçã o do Concílio de Trento (Sess. VI, câ non 6): "Si
quis dixerit mala opera ita ut bona Deum operari non permissive solum, sed proprie et per se,
aná tema sit." Se a parte divina fosse apenas simultâ nea ou se fosse um primeiro impulso
indiferente, Deus por essa participaçã o nã o seria mais causa do ato bom do que do pecado. A
razã o pela qual Ele nã o seria a causa do pecado é que Sua participaçã o seria apenas simultâ nea
e indiferente; pela mesma razã o Ele nã o seria, estritamente falando, a causa do bom ato. Cfr. Ia
IIae, q.79, a. 2, e os tomistas neste artigo.
46 Veja I Cor. 4: 7. Como mostra Sã o Tomá s, em um comentá rio sobre esta Epístola, todas as

coisas boas vêm de Deus, mesmo a boa determinaçã o de nosso livre arbítrio, na medida em que
se distingue do mal. Cfr. Ia, q.23, a.5; Ia Iae, q. 109, a.2.
47 Summa , Ia IIae, q.79, a. 1, 2.
48 Ibid .
49 "Até mesmo o Filó sofo diz no capítulo da Boa Fortuna ( Ethic. Eudem., loc. cit. ) que para

aqueles que sã o movidos pelo instinto divino, nã o há necessidade de se aconselhar segundo a


razã o humana, mas apenas seguir seus impulsos interiores, visto que sã o movidos por um
princípio superior à razã o humana. Isto é o que alguns dizem, a saber, que os dons aperfeiçoam
o homem para atos superiores aos atos de virtude" ( ibid ., q.68, a. 1).
50 "Assim, quanto à s coisas sujeitas à razã o humana e subordinadas ao fim conatural do

homem, o homem pode fazê-las através do julgamento de sua razã o. Se, no entanto, mesmo
nessas coisas o homem receber ajuda na forma de sugestõ es especiais de Deus, isso será pela
bondade superabundante de Deus: portanto, de acordo com os filó sofos, nem todo aquele que
tinha as virtudes morais adquiridas, tinha também as virtudes heró icas ou divinas. , de uma
maneira e imperfeitamente, acionado pelas virtudes teologais, o movimento da razã o nã o é
suficiente, a menos que receba adicionalmente o impulso ou movimento do Espírito Santo, de
acordo com Rm 8: 14: 'Todo aquele que é guiado pelo Espírito de Deus, eles sã o filhos de Deus'”
(Ia IIae, q.68, a. 2).
51 Summa , Ia IIae, q.113, a. 1–3, 4 ad 1um; a.5–8. Cfr. Del Prado, De gratia et libero arbitrio ,

II, 240.
52 Summa , Ia IIae, q. 111, A. 2: “Primeiro, há o ato interior da vontade, e em relaçã o a este

ato a vontade é uma coisa movida, e Deus é o motor; e especialmente quando a vontade, que até
entã o queria o mal, começa a querer o bem. , na medida em que Deus move a mente humana
para este ato, falamos de graça operante. operaçã o deste ato é atribuída à vontade. E porque
Deus nos assiste neste ato, tanto fortalecendo nossa vontade interiormente para alcançar o ato,
quanto concedendo externamente a capacidade de operar, é com relaçã o a isso que nó s falar da
graça cooperadora”. No mesmo artigo (em resposta à segunda objeçã o), Sã o Tomá s mostra
como sob a graça operante, embora a vontade nã o se mova em virtude de um ato anterior,
consente livremente em ser movida: "Deus nã o nos justifica sem nó s mesmos, porque enquanto
estamos sendo justificados, consentimos com a justificaçã o de Deus ( justitiae ) por um
movimento de nosso livre arbítrio. No entanto, esse movimento nã o é a causa da graça, mas o
efeito; portanto, toda a operaçã o pertence à graça.
53 "Portanto, se Deus pretende, enquanto se move, que aquele cujo coraçã o Ele move alcance

a graça, ele a alcançará infalivelmente" ( ibid ., q. 113, a.5; q. 112, a. 3).


54 Summa , IIa IIae, q.24, a. 1 anú ncio 3um. Cfr. Del Prado, op. cit ., II, 220. "Hic motus

voluntatis (sub gratia operante in instantijustificationis) quamvis liberrimus, est etiam ad instar
motus naturalis per modum simplicis volitionis; et homo non valet per rationem se determina
primoe ad hujusmodi velle, quod excedit omnem naturalem facultatem, tam rationis, quam
voluntatis. . . . Est fundamentum omnium sanctarum selectionum in ordine gratiae." Cfr. ibid .,
pá g. 223, e I, 226–28, 236, onde o autor mostra que neste ponto Sã o Tomá s é seguido mais
fielmente por Lemos do que por Didacus Alvarez, Gonet e Goudin, que reduzem a graça
operante a uma simples graça excitante que nã o ir tã o longe quanto o consentimento.
55 Assim, por infusa prudência, um homem delibera que ele pode agir como é apropriado de

acordo com as virtudes da religiã o, justiça, fortaleza e temperança; e, quando necessá rio, até
fazer atos de fé, esperança e caridade. A prudência, portanto, rege por acidente os atos das
virtudes teologais, embora nã o os meça. Cfr. Comentá rio de Billuart sobre IIa IIae, q.81, a .5.
56 "Mas naquele efeito em que nossa mente se move e é movida, a operaçã o nã o é apenas

atribuída a Deus, mas também à alma; e é com referência a isso que falamos de graça
cooperativa" (Ia llae , q.III, a.2). A vontade já desejando o fim ú ltimo sobrenatural move-se, sob
o impulso da graça cooperante, para desejar os meios ordenados para esse fim. A graça atual é
necessá ria para todo ato de virtude infusa. Cfr. Ia Ilae, q.10g, ag, e Hugon, De gratia , pp. 281-83.
57 "Se Deus move a vontade para alguma coisa, é incompossível com esta suposiçã o, que a

vontade nã o seja movida para isso. Mas nã o é simplesmente impossível. Consequentemente,


nã o se segue que a vontade seja necessariamente movida por Deus" (Ia IIae , q. 10, a.4 ad 3um).
58 "A vontade divina se estende nã o apenas ao fazer algo pela coisa que Ele move, mas

também ao ser feito de uma maneira que seja adequada à natureza dessa coisa. E, portanto,
seria mais repugnante ao movimento divino para a vontade ser movida por necessidade, o que
nã o é adequado à sua natureza, do que ser movida livremente, o que é adequado à sua
natureza" ( ibid ., ad îum). Da mesma forma Ia, q. 19, a.8; q.83, a. 1 ad 3um; De malo , q.6, a. 1 ad
3um: "Deus movet quidem voluntatem immutabiliter propter efficaciam virtutis moventis, quae
deficere non potest, sed propter naturam voluntatis nostrae, quae in-differenter se habet ad
diversa, non inducitur necessitas, sed manet libertas" ( ibid ., ad 1um) .
59 Ver Ia IIae, q.68, a. 1–3.
60 Ibid .
61 Lucas 4: 1.
62 Fil. 2: 13: Sã o Tomá s, In Ep. ad Rom ., 8: 14: "Porque todos os que sã o guiados pelo Espírito

de Deus, esses sã o filhos de Deus." Da mesma forma, em com. em Cantic ., cap. 1.


63 Ver Ia IIae, q. 111, A. 2.
64 Em Mat ., 4: 1: "Entã o Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto."
65 Ver IIa IIae, q.24, a. 11.
66 Na verdade, nã o deliberamos com o fim de desejar a felicidade, e se o fazemos para

colocar nosso fim ú ltimo em Deus e nã o em uma criatura (Ia IIae, q.89, a.6), nã o é deliberaçã o
propriamente dita , que incide sobre os meios (cf. Ia IIae, q.13, a.3, e IIa IIae, q.24, a.1 ad 3um):
"A caridade, cujo objeto é o fim ú ltimo, deve ser descrita como residente na vontade e nã o no
livre arbítrio”.
67 Ver Ia IIae, q.9, a.6 ad 3um. Esta é a explicaçã o daquele famoso ad 3um que tem sido

objeto de tantas controvérsias. Cfr. Del Prado, De gratia et libero arbitrio , I, 236; II, 228, 256.
68 Ver Ia IIae, q.68, a. 2 ad 3um: “A razã o humana aperfeiçoada em sua perfeiçã o natural, ou

aperfeiçoada pelas virtudes teologais, . . . nã o conhece todas as coisas, nem todas as coisas
possíveis. ignorâ ncia, embotamento mental e dureza de coraçã o”.
69 "Existem as virtudes daqueles que já atingiram a semelhança divina: estas sã o chamadas

as virtudes perfeitas. Assim, a prudência nã o vê outra coisa senã o as coisas de Deus; a


temperança nã o conhece desejos terrenos; a fortaleza nã o conhece as paixõ es; e a justiça ,
imitando a mente divina, está unida a ela por uma aliança eterna. Tais sã o as virtudes atribuídas
aos bem-aventurados, ou nesta vida, a alguns que estã o no cume da perfeiçã o" (Ia IIae, q.61, a.5
).
70 A Subida do Monte Carmelo , Bk. Doente, cap. 1.
71 Esta transformaçã o é o efeito de um alto grau de graça; já que a graça, sendo uma

participaçã o da natureza divina, de certa forma nos diviniza. Cfr. Ia Iae, q. 112, A. 1: "Pois é tã o
necessá rio que somente Deus deifique . . . como é impossível que qualquer coisa, exceto o fogo,
acenda."
72 Sã o Tomá s fala de modo semelhante da santidade da Santíssima Virgem (Ilia, q.27, a. 4).
73 "A graça das virtudes e dos dons aperfeiçoa suficientemente a essência e as potências da

alma no que diz respeito à conduta ordiná ria; mas quanto a certos efeitos especiais necessá rios
à vida cristã , é necessá ria a graça sacramental" (IIIa, q.62, a . 2 ad 1um).
74 Esta enumeraçã o dos dons corresponde à quela feita por Isaias (11: 2), exceto os dons de

conselho e de fortaleza, que, por sua difícil matéria, sã o colocados por Isaías antes dos de
conhecimento e de piedade, embora sejam simpliciter inferior a eles. Cfr. Ia IIae, q.68, a.7.
75 Summa , IIa IIae, q.9, a.4.
76 Ver Ia IIae, q.69, a.3 ad 3um, e IIa IIae, q.8, a.7; q.9, a.4; q.45, a.6; q. 19, a.12; q.121, a.2;
q.139, a.2.
77 Ver Ia IIae, q.69, a.3 ad 5um. Sobre os frutos do Espírito Santo, cf. Ia IIae, q.70, onde Sã o

Tomá s mostra claramente que eles procedem do Espírito Santo, conforme Ele dispõ e nossas
almas em relaçã o a Deus, ao pró ximo e à s coisas inferiores.
78 Ibid ., q.68, a.4; IIa IIae, q.8, a.6.
79 Summa , Ia IIae, q.68, a.7.
80 Ibid ., q.66, a.5. No esboço anterior, para simplificar o arranjo, a sabedoria foi colocada

depois do entendimento. Deve, no entanto, precedê-lo.


81 "Sabedoria denota uma certa retidã o de julgamento de acordo com a lei eterna. Ora, a

retidã o de julgamento é dupla: primeiro, devido ao perfeito uso da razã o, segundo, devido a
uma certa conaturalidade com o assunto sobre o qual se deve julgar . . . assim, Dionísio diz ( Div.
Nom ., ii) que Hierotheus é perfeito nas coisas divinas, pois ele nã o apenas aprende, mas é
paciente com as coisas divinas" (IIa IIae, q.45, a. 2).
82 Summa , Ia IIae, q.68, a.5.
83 Summa , IIa IIae, q. 184, A. 3.
84 Ibid ., q.24, a. 9; q. 183, a.4.
85 Opera omnia , 1908, XXXV, 157–260: De donis Spiritus Sancti .
86 Summa , IIa IIae, q.9, a. 2, 4. Este dom ocupa um lugar importante na noite passiva dos

sentidos; dela procede a santa tristeza de que fala Cristo na bem-aventurança das lá grimas.
87 Por este dom, Sã o Francisco de Assis pisou as coisas terrenas e recebeu uma intuiçã o tã o

penetrante do simbolismo da natureza que chamou todas as criaturas de irmã os e irmã s, e por
elas foi elevado a Deus.
88 Sobre esses três graus do dom do conhecimento, cf. Dionísio, o Cartuxo, op. cit ., tr. 3, a. 25.
89 Summa , IIa IIae, q.52, a. 1, 2. Isso nos faz evitar com mais certeza a pressa, a imprudência,

a falta de consideraçã o, a negligência e a inconstâ ncia. Cfr. IIa IIae, q.53-55.


90 Cfr . Dionísio, o Cartuxo, op. cit ., tr. 3, a.7.
91 Summa , IIa IIae, q.52, a.4.
92 Ibid ., q.19, a.9, c; q. 141, A. 1 anú ncio 3um.
93 Ibid ., a. 9 ad 1um.
94 Ps. 118: 120: "Perfura a minha carne com o Teu medo."
95 Veja II Cor. 4: 10.
96 Ps. 110: 10.
97 Rm. 8: 15.
98 Summa , IIa IIae, q.121, a. 1 ad 3um; a.2.
99 Summa , IIIa, q.79, a. 2 ad 1um: "Devemos primeiro sofrer com Ele, para depois também

sermos glorificados com Ele (Rom. 8: 17)." Cfr. Ofício SS. Sacramento . Sobre os três graus do
dom da piedade, ver também Dionísio, o Cartuxo, op. cit ., tr. 3, a. 40. Ao terceiro grau deste dom,
considerado em relaçã o ao pró ximo, Dionísio refere as palavras de Sã o Paulo: "De bom grado
gastarei e serei gasto por tua alma; embora amando-te mais, serei menos amado" (II Cor. 12:
15).
100 Veja I Pe. 2: 5.
101 Summa , IIa IIae, q.139, a.1, e Dionísio, o Cartuxo, op. cit , tr. 3, a. 18.
102 Ps. 33: 20.
103 Veja II Cor. 7: 4.
104 Col. 1: 24. Cf. Sã o Tomá s, no Ep. anúncio Col. 1: 24. Nada falta à paixã o de Cristo em si
mesma. Tem superabundâ ncia e valor infinito; há algo faltando apenas em sua radiaçã o em nó s.
É por isso que Sã o Paulo diz: "Eu preencho o que falta aos sofrimentos de Cristo, na minha
carne", para ser associado na grande obra da redençã o em Cristo e por Ele, para continuar Sua
obra redentora pela aplicaçã o de Seus méritos. "Verdadeiramente herdeiros de Deus e co-
herdeiros com Cristo; todavia, se com ele padecemos, para que também com ele sejamos
glorificados."
105 Summa , Ia IIae, q.69, a.3, 4. Veja também o que diz Sã o Tomá s da vida ativa e sua relaçã o

com a vida contemplativa e com a vida mista ou apostó lica (IIa IIae, q.179, 181, 182, 188, a.4, 6).
106 Summa , IIa IIae, q.8, a.1, 2, 4.
107 "Pois a pureza é dupla. Uma é um preâ mbulo e uma disposiçã o para ver Deus, e consiste

no coraçã o sendo purificado de afeiçõ es desordenadas: e esta pureza de coraçã o é efetuada


pelas virtudes e dons pertencentes ao poder apetitivo. A outra pureza de coraçã o . . . é a pureza
da mente que é purgada de fantasmas e erros . . . e esta limpeza é o resultado do dom da
compreensã o" ( ibid ., a. 7).
108 "Nesta vida... os olhos (da mente) sendo purificados pelo dom da compreensã o,

podemos, por assim dizer, ver Deus." Assim, a recompensa de cada uma das oito bem-
aventuranças existe de certa forma incoativa na vida cristã na terra, que é a vida eterna iniciada,
semen gloriae (Ia IIae, q .69, a. 2 ad 3um).
109 Summa , IIa IIae, q.8, a. 7: "Novamente, a visã o de Deus é dupla. Uma é perfeita, por meio

da qual a Essência de Deus é vista; sabemos nesta vida, quanto mais compreendemos que Ele
ultrapassa tudo o que a mente compreende. Cada uma dessas visõ es de Deus pertence ao dom
do entendimento; a primeira, ao dom do entendimento em seu estado de perfeiçã o, como
possuído em céu; o segundo, para o dom da compreensã o em seu estado de incoaçã o, como
possuído pelos viajantes."
110 De donis , tr. 2, a. 35: "Ad tertium gradum (doni intelectuais) id attinet ut singulorum fidei

articulorum proprias rationes ac fundamental quis purgatissima acie valeat considerado... atque
certissimo mentis oculo quoeat delectabiliter speculari."
111 Summa , IIa IIae, q .45, a. 1, 2.
112 "Só crates ou Platã o percebe que tem uma alma intelectual, porque percebe que

compreende" (Ia, q.87, a.1).


113 Summa, IIa IIae, q.45, a.2, 5, e q.97, a.2 ad 2um, onde se afirma: "Há um duplo

conhecimento da bondade ou vontade de Deus. Um é especulativo. . . O outro conhecimento da


vontade ou bondade de Deus é afetivo ou experimental, e assim um homem experimenta em si
mesmo o gosto da doçura e complacência de Deus na vontade de Deus, como Dionísio diz de
Hierotheos ( Div. nom ., ii) que ele aprende coisas divinas através da experiência deles." Isso nã o
requer idéias infundidas. St. Thomas diz também em Ia, Dist. 14, q.ll, a.2 ad 3um: "Este
conhecimento é quase-experimental."
114 Rm. 8: 16.
115 Sã o Tomá s ( In Ep. ad Rom . 8: 16) diz: "'Ipse enim Spiritus testimonium reddit spiritui
nostro quod sumus filii Dei,' reddit testimonium per effectum amoris filialis quem in nobis
facit." Da mesma forma em Ia IIae, q. 112, a.5: "Sem revelaçã o especial, a presença de Deus em
nó s e Sua ausência nã o podem ser conhecidas com certeza... de deleitar-se em Deus e de
desprezar as coisas mundanas, e na medida em que o homem nã o está consciente de nenhum
pecado mortal, e assim está escrito (Apoc. 2: 17): 'Ao que vencer darei o maná escondido. .que
ninguém conhece, senã o aquele que o recebe.' porque quem o recebe sabe, ao experimentar
uma certa doçura, que quem nã o o recebe, nã o experimenta”. É com este significado, aliá s, que
este texto do Apocalipse é geralmente citado pelos místicos.
João de São Tomás explica esta doutrina claramente dizendo: "Sicut contactus animae quo
experimentaliter sentitur, etiamsi in sua substantia non videatur, est informatio et animatio, qua
corpus reddit vivum et animatum, ita contactus Dei quo sentitur experimentaliter, et ut objectum
conjunctum , etiam antequam videatur intuitivo in se, est contactus operationis intimae, quo
operatur intra cor, ita ut sentiatur, et experimentaliter manifestetur, eo quod 'unctio ejus docet nos
de omnibus,' ut dicitur I Joan. 4. . . .
"Haec cognitio experimentalis datur etiamsi intuitivo non videatur in se suficit quod per
proprios effectus, quasi per tactum et vivificationem sentitur, sicut animam nostram
experimentaliter cognoscimus, etiamsi intuitivo ejus substantiam non videamus." João de São
Tomás, sobre Ia, q.43, disp. 17, a.3, n. 13, 17. Também Vallgornera, Theol. myst. D. Thomae , vol. II,
não. 866.
116 Summa , IIa IIae, q.45, a.3.
117 Veja I Cor. 2: 6–16; e St. Thomas, IIa IIae, q.45, a.1.
118 Cfr . St. Thomas em Ps. 33: 9: "Provai e vede que o Senhor é doce." "O efeito da

experiência é duplo: um é a certeza do intelecto, o outro a segurança das afeiçõ es."


119 Summa , IIa IIae, q.45, a .6.
120 PS. 72: 28.
121 summa , IIa IIae, q.24, a.9: "Os diversos graus de caridade sã o distinguidos de acordo com

as diferentes atividades à s quais o homem é levado pelo aumento da caridade (iniciantes,


proficientes e perfeitos). . . . O homem é a terceira busca é visar principalmente à uniã o e ao
gozo de Deus: isso pertence aos perfeitos que desejam ser dissolvidos e estar com Cristo”. Da
mesma forma no ep. anúncio Phil . 1: 23.
122 Veja II Cor. 12: 10.
123 Summa , Ia IIae, q.69, a. 3 ad 5um.
124 De donis , tr. 2, a. 15: "Quod donum sapientiae et virtus caritatis divinae proporcionaliter

crescunt simul." Arte. 16: "E eu vivo, nã o mais eu, mas Cristo vive em mim" (Gá latas 2: 20).
Dionísio observa aqui que esses três graus do dom da sabedoria correspondem aos três graus
das virtudes morais explicados por Sã o Tomá s, Ia IIae, q.61, a.5, onde divide as virtudes em
virtudes sociais, virtudes aperfeiçoadoras, e virtudes perfeitas. Cfr. Dionísio, De fonte lucis , a.
12, 13, 15 e De cont ., Bk. I a. 44. Nestas obras encontramos uma descriçã o semelhante do dom
da sabedoria. Em De fonte lucis (a. 12, 15) afirma-se claramente que é propriamente a
contemplatio unitivae ac mysticae sapientiae que nos une a Deus tanquam prorsus ignoto na
escuridã o transluminosa, per supersplendentem caliginem, de que fala Dionísio, o Místico, e Sã o
Tomá s depois dele ( In lib. de div. Nom ., Cap. 1, lect. 1; cap. 7, lect. 4).
125 Cfr. Henry Suso, L'Exemplaire , Parte I, cap. 4; Parte III, cap. 1; Ruysbroeck, Le royaume des

amants , cap. 33.


126 Summa , IIa IIae, q.45, a.5; e em graces gratis datae , Ia IIae, q. 111, A. 1.
127 Cfr . Tomá s de Jesus, CD., De contemplatione , Bk. II, caps. 3–5; De oração , Bk. II, caps. 1,4;

SCHRAM, Theol. myst ., I, 2; indivíduo. 4, seg. 244. "Solum probatur contemplationem secundum
essentiam suam non consiste in his gratiis, sed per illas juvari acidaliter et perfici directe in
ordine ad alios, indirecte in ordine ad se... Quia sermo est de contemplatione perfecta, quae
supponit vel facit animam perfectam , haec nequit a solis gratiis gratis datis procedere, cum sit
caritate formata, et elevata donis Spiritus Sancti." Cfr. Meynard, OP, Traité de Ia vie intérieure ,
Vol. II, nºs. 42–46.
128 Suma; IIa IIae, q. 175, a.3–6.
129 Ibid ., IIa IIae, q.184, a.3.
1 Summa , IIa IIae, q.45, a. 1, 2.
2 Ibid ., q.8. Por uma iluminaçã o desse tipo, nosso Senhor abriu a mente dos discípulos de

Emaú s para dar-lhes entendimento das Escrituras.


3 Summa , IIa IIae, qg Assim, o dom do conhecimento, segundo Santo Agostinho e Sã o Tomá s,

corresponde ao dom das lá grimas: "Bem-aventurados os que choram" quando vêem, sob a
inspiraçã o do Espírito Santo, a gravidade de suas faltas como doença da alma e ofensa contra
Deus. Os outros dons, os de conselho, piedade, fortaleza e temor, nã o participam formalmente
da contemplaçã o infusa, mas preparam a alma para ela. A contemplaçã o pode à s vezes ser
acompanhada de luz profética, mas entã o é um favor extraordiná rio.
4 Summa , IIa IIae, q.45, a. 2, e Joã o de Sã o Tomá s, De donis , art. 4.
5 é. 11: 2.
6 Sab. 7: 28.
7 Ibidem , 1: 4.
8 Veja I Joã o 2:27.
9 Rom. 5: 5.
10 Ibidem , 8: 15.
11 Veja I Cor. 2: 6–16.
12 Veja II Cor. 3: 18.
13 Sab. 7: 11.
14 Jas. 3: 17.
15 Cfr . Dieta, théol ., art. "Dons" do padre Gardeil, OP, pela doutrina dos padres. As bases

escriturísticas do ensinamento de Sã o Tomá s sobre os dons encontram-se em seus comentá rios


sobre o Antigo e o Novo Testamento, nas passagens que acabamos de citar e também nas
seguintes: Sl. 41: 2; Sab. 7: 7, 22; Ecles. 15: 2; 39: 8; É . 12: 3; 55: 1; Mat. 5: 1; Joã o 3: 4; 4: 10; 7:
38; 14: 16–26; 16h13; ROM. 8: 26; Ef. 3: 16; 4: 30; Fil., cap. 4; I Joã o, 4: 1–13.
16 Summa , IIa IIae, q. 180, al
17 Ibid .
18 Ps. 33:9.
19 Sã o Tomá s diz no artigo precedente: "Ora, o homem obtém este julgamento por meio do

Espírito Santo... que perscruta todas as coisas." Com efeito, pode haver nisso um simples
conhecimento afetivo pela fé unida à caridade. Para que esse conhecimento proceda do dom da
sabedoria, deve haver, além disso, uma inspiraçã o do Espírito Santo; assim a contemplaçã o
infusa se distingue das consolaçõ es sensíveis adquiridas na meditaçã o, como indicaremos mais
adiante.
20 Summa , IIa IIae, q.45, a.2.
21 Sobre Ia IIae, q.68, disp. 18, a.4.
22 Joã o 7:17.
23 Summa , Ia IIae, q.28, a. 1 ad 3um: "O conhecimento é aperfeiçoado pela coisa conhecida

sendo unida, por sua semelhança, ao conhecedor. Mas o efeito do amor é que a pró pria coisa
que é amada é, de certa forma, unida ao amante, como afirmado acima. Conseqü entemente, a
uniã o causada pelo amor é mais pró xima do que aquela causada pelo conhecimento."
Porém, se o conhecimento é absolutamente imediato, se alguém conhece a Deus por sua pró pria
essência e não mais por uma semelhança, como na visão beatífica, então é esse conhecimento que
nos faz tomar posse de Deus e não do amor. Cfr. Ia IIae, q.3, a.4.
24 Bk. II, cap. 16, seg. 1.
25 Ibidem , cap. 17.
26 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 3.
27 Todo verdadeiro místico cató lico está e deve estar pronto para dar sua vida pelo mínimo

que seja do Credo . Toda heresia formal destró i a fé infusa em nó s e, portanto, a caridade; isto é,
o princípio essencial do qual procede a contemplaçã o de que falamos.
28 Summa , IIa IIae, q. 180, A. 6.
29 Cap. 4.
30 Summa , IIa IIae, q.180, a. 6. Esta contemplaçã o, comparada por Dionísio a um movimento

circular, consiste, como ele diz ( loc. cit. ), "na alma deixando as coisas exteriores para que ela
possa entrar em si mesma; que ela possa chamar suas faculdades intelectuais à unidade em
ordem que, por assim dizer, encerrada em um círculo, nã o pode extraviar-se; entã o, nesta
libertaçã o das distraçõ es, nesta recolhimento e simplificaçã o de si mesma, para que ela possa
unir-se aos anjos maravilhosamente perdidos na unidade, e permitir-se assim ser conduzido ao
belo e ao bom, à pró pria Divindade, superior ao belo e ao bom”. Filipe da Santíssima Trindade,
CD, seguido por Vallgornera, OP, reconhece em sua Teologia Mística , II, 66, onde discute a
contemplaçã o circular, que ela é geralmente infusa. Isso é o mínimo que se pode dizer. Essa
contemplaçã o difere enormemente da especulaçã o adquirida do filó sofo ou da meditaçã o sobre
a inefabilidade da essência divina.
31 Joã o, cap. 17.
32 Ele diz na Summa (IIa IIae, q.180, a.6 ad 2um): "Deve-se pô r de lado o discurso e fixar o

olhar da alma na contemplaçã o da ú nica e simples verdade."


33 Os Nomes Divinos , VII, 3.
34 Loc. cit ., lect. 4.
35 Ep ., IX, 1.
36 O ol. myst ., II.
37 Os Nomes Divinos , IV, 5.
38 lbid ., III, 1.
39 O ol. myst ., I, 1.
40 Os Nomes Divinos , IV, 12.
41 Hierar. cel ., I, 3.
42 Em libr. de meu st. O ol. Dionísio . q. proem., ad 1.
43 Tratamos essa questã o em outro lugar do ponto de vista especulativo. Cfr. Garrigou-
Lagrange, Deus, Sua Existência e Sua Natureza , vol. II, cap. 3, "Reconciliaçã o dos Atributos
Divinos: Sua Existência Formal e Sua Identificaçã o na Eminência da Deidade." "As perfeiçõ es
absolutas estã o contidas formal e eminentemente em Deus, e, no entanto, sã o apenas
virtualmente distintas umas das outras. Elas estã o contidas formalmente, o que significa de
acordo com seu conceito formal; modo... Assim, as perfeiçõ es absolutas estã o formalmente
contidas em Deus e, no entanto, só se distinguem virtualmente umas das outras, ou, em outras
palavras, segundo uma distinçã o fundamentada para a qual há um fundamento, mas
consequente à consideraçã o da mente" ( ibid ., p. 196).
44 Le livre de visões e instruções de Ia B. Angèle de Foligno , cap. 26: "Um dia minha alma foi

arrebatada e eu vi Deus em uma luz superior a toda luz conhecida; em uma plenitude superior a
toda plenitude. No lugar onde eu estava, busquei o amor e nã o o encontrei mais. . . . Entã o eu vi
Deus em uma escuridã o, e necessariamente em uma escuridã o porque Ele está muito acima do
espírito, e tudo o que pode se tornar objeto de um pensamento nã o pode expressá -lo... Este é
um deleite inefável no bem que contém tudo , e nada ali pode tornar-se objeto de uma palavra
ou de um conceito. Nã o vejo nada, vejo tudo. Quanto mais profunda é a escuridã o, mais o bem
supera tudo. Este é o mistério reservado. . . . O poder divino, a sabedoria e a vontade, que vi
maravilhosamente em outro lugar, parecem menos do que isso. Isso é um todo; os outros
poderiam ser chamados de partes. . . . Na imensa escuridã o eu vejo a Santíssima Trindade. . . .
Essa é a atraçã o suprema, em comparaçã o com o qual tudo é nada; isso é o incomparável."
Sobre o mesmo assunto, cfr. Sã o Tomá s, In De divinis Nominibus , c. VII, lect. 4; e eu enviei . dB, qt,
a.1 ad 5um. Seria um erro grosseiro confundir esta contemplaçã o infusa com a meditaçã o
filosó fica em que se pensa que a essência divina supera todos os nossos conceitos.
45 Summa , Ia IIae, q. 111, um .5.
46 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 11–13; A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 9.
47 Assim ele trata da essência da prudência, que se encontra analogamente na prudência

adquirida e na prudência infusa, ou da essência da amizade que torna possível a definiçã o de


caridade.
48 Isso é o que os teó logos, particularmente os tomistas, geralmente ensinam. Cfr. José do

Espírito Santo, CD, Cursus theol. scol.-mysticae , vol. II, Disp. VII, q.1, n. 28.
49 Sobre este ponto cf. José do Espírito Santo, ibid .
50 Cfr. Gardeil, Dict, théol ., art. "Dons", a ú ltima parte do artigo.
51 Sã o Tomá s diz (IIa IIae, q.52, a.2 ad 1um): "Nos dons do Espírito Santo, a posiçã o da mente

humana é de um movido e nã o de um motor." Ele fala da mesma maneira da graça operante


para distingui-la da graça cooperante (Ia IIae, q.111, a.2): "Portanto, naquele efeito em que
nossa mente é movida e nã o se move, mas em qual Deus é o ú nico motor, a operaçã o é atribuída
a Deus, e é com referência a isso que falamos de graça operacional. Mas naquele efeito em que
nossa mente se move e é movida, a operaçã o nã o é apenas atribuída a Deus , mas também para
a alma; e é com referência a isso que falamos de graça cooperadora”. A inspiraçã o do Espírito
Santo, de que falamos, é uma graça operante que recebemos com docilidade e que nos leva a
realizar atos que nã o conseguiríamos realizar com nosso esforço pessoal auxiliado pela graça.
Santa Teresa diz, falando da oraçã o de uniã o (quinta mansã o, cap. 1): "Aqui Deus nã o nos deixa
outra parte senã o a de uma vontade totalmente submissa". Da mesma forma Santa Felicita
comentou a um de seus carcereiros quando ela estava sofrendo as dores do parto: "Hoje sou eu
quem sofro; mas entã o (durante o martírio) haverá outro em mim que sofrerá por mim, porque
eu também sofrerei para ele." Esta é a diferença entre a virtude e o dom.
52 Summa , Ia IIae, q.68, a. 1: "As virtudes humanas aperfeiçoam o homem conforme é

natural para ele ser movido por sua razã o em suas açõ es interiores e exteriores.
Consequentemente, o homem precisa de uma perfeiçã o ainda maior, pela qual ser movido por
Deus. . . . O pró prio Filó sofo diz em o capítulo da Boa Fortuna ( Ethic. Eudem., loc. cit. ) que para
aqueles que sã o movidos pelo instinto divino nã o há necessidade de se aconselhar de acordo
com a razã o humana, mas apenas seguir sua consciência interior, uma vez que sã o movidos por
um princípio superior à razã o humana. Isso é o que alguns dizem, a saber, que os dons
aperfeiçoam o homem para atos que sã o superiores aos atos de virtude. Cfr. Joã o de Sã o Tomá s
neste artigo. É claro que toda graça atual nã o nos dispensa de deliberar.
São Tomás fala assim ( em Rom . 8: 14) sobre o texto: "Pois todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus são filhos de Deus": "Homo spiritualis, non quasi ex motu proprie voluntatis
principaliter, sed ex instintou Spiritus Sancti inclinatur ad aliquid." Cfr. Froget, OP, De l'habitation
du Saint-Esprit dans les âmes justes , Parte IV, cap. 6, pág. 407.
53 Summa , IIa IIae, qg, a.4.
54 Ibid ., q.8, a. 7.
55 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 2.
56 Veja o que diz Sã o Tomá s sobre as paixõ es ou emoçõ es resultantes da redundâ ncia (Ia IIae,

q.24, a. 3 ad 1um); da alegria sensível, efeito da devoçã o da vontade (IIa IIae, q.82, a.4); e dos
efeitos da comunhã o (IIIa, q.79, a.1 ad 2um).
57 Summa , Ia IIae, q.111, a .5. Neste artigo, Sã o Tomá s afirma que a graça santificante é "mais

nobre que a graça gratuita". É ú til reler o ofício para a festa de Santa Teresa, particularmente o
Pequeno Capítulo em que apenas o dom da sabedoria é mencionado: "Pelo que desejei, e foi-me
dado entendimento; e invoquei a Deus, e o espírito de sabedoria veio sobre mim" (Sab. 7: 7).
58 Revue d'ascétique et de mystique , outubro de 1920. Sobre a questã o da contemplaçã o

mística, cf. pp. 333–336.


59 As duas primeiras opiniõ es podem ser conciliadas pelo princípio da causalidade mú tua do

conhecimento e do amor, "causae ad invicem sunt causae in diverso genere". De diferentes


pontos de vista, existe aqui prioridade ou de conhecimento ou de amor, como há , por exemplo,
no final da deliberaçã o quando o livre-arbítrio determina sobre o ú ltimo julgamento prá tico que
dirige sua escolha. A terceira opiniã o menciona a passividade especial que é pró pria, ao mesmo
tempo, do conhecimento infuso e do amor infuso, que se unem na atençã o simples e amorosa de
que fala a quarta opiniã o. Nã o é, portanto, muito difícil chegar a um entendimento sobre este
ponto; as divergências neste caso podem ser apenas verbais.
60 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 2, 5, 8: A fé é o ú nico meio pró ximo e

proporcional que permite à alma alcançar a uniã o divina; indivíduo. 9; Bk. Doente, caps. 4, 6.
61 Sobre IIa IIae, q.45, a. 1.
62 Cursus theol. scol.-mysticae , vol. II, dist. 13, pá g. 395, onde Suarez também é citado como

admitindo esta conclusã o.


63 Este parece ser o pensamento de Joã o de Sã o Tomá s, De donis , d. 18, A. 4; a.2, nã o. 25:
"Dona ad excellentius perficiendum et exercendum virtutes theologicas deserviunt". Cfr. T.
Vallgornera, OP, Theol. myst. S. Thomae , I, 471; II, 446.
64 Summa , IIa IIae, q.180, al
65 Quest. disp. de caritate , a.2 ad 17um; III, d.34, q.1, a. 1.
66 "Sicut virtutes intelectuales praeferuntur virtutibus moralibus et regulant eas; ita virtutes

theologicae (per quas unimur Spiritui Sancto moventi), praeferuntur donis Spiritus Sancti et
regulant ea." Assim, a fé é a regra remota dos dons intelectuais, que só podem ser exercidos
sobre as verdades da fé. Sua regra pró xima e imediata é a iluminaçã o do Espírito Santo, que
constitui o motivo formal da contemplaçã o penetrante ou doce e infusa.
67 St. Thomas, Super Isaiam , cap. 11.
68 Sã o Gregó rio Nazianzeno, Orat. ad popul ., XLIII, n. 67.
69 Sal. 1: 3.
70 Gal. 5: 22 f.
71 Summa , Ia IIae, q.70, a.1, 2.
72 Sã o Tomá s, Ia IIae, q.69, a.1; q.70, a. 2.
73 Ibid ., q.70, a. 2.
74 Mat. 5: 3.
75 Fil. 4: 4–9.
76 Sab. 7: 8–14.
77 Ibid ., 8: 8 f.
78 Sab., cap. 9.
79 Mat. 5: 11.
1 Este é o significado das palavras "chamados" e "escolhidos", isto é, escolhidos para a gló ria,

em Mat. 20: 16; 22:14; 24: 24; Marcos 13: 20, 22, 27; Lucas 18: 7. Este também é o significado
atual na teologia. No entanto, nos escritos de Sã o Paulo (I Cor. 1: 26 s.) "chamado" tem o mesmo
significado de "escolhido", porque fala da vocaçã o eficaz à fé e à vida cristã , e da eleiçã o para
graça, nã o para a gló ria. Cfr. Vosté, OP, Comment, in Ep. Ad Tessal ., 1:4. Sã o Tomá s observa a este
respeito que a vocaçã o eficaz à vida cristã e a eleiçã o à mesma vida sã o idênticas; mas a palavra
"vocaçã o" é usada em relaçã o à nova vida e "eleiçã o" em relaçã o ao mundo de onde alguém foi
atraído e escolhido.
2 Cfr . St. Thomas, Ia, d.41, qi, a.2 ad 3um, e In Epist. ad Rom ., cap. 8, Iect. 6; e os teó logos de

Salamanca, De praedestinatione , Disp. IV, dub. 3: "Quaenam vocationes electorum sunt effectus
praedestinationis eorum?" Segundo esses teó logos e muitos outros tomistas, mesmo as
vocaçõ es ineficazes, à s quais os eleitos resistem, sã o um efeito da predestinaçã o. Cfr. Billuart, De
Deo , Diss. IX, A. 6, 1.
3. Geralmente unem-se a vocaçã o exterior e a vocaçã o interior, como o movimento objetivo (

quoad Specificationem ) e o movimento subjetivo ( quoad exercitium); como pregaçã o e a graça


que inclina a alma a aderir a ela. Estes dois constituem uma ú nica vocaçã o.
4 Mat. 11:28: "Vinde a mim todos vó s..." Joã o 7: 37 f.: "Jesus levantou-se e clamou, dizendo: Se

alguém tem sede, venha a mim e beba. . . . Do seu ventre correrã o rios de á gua viva."
5 Caps. 19, 20.
6 Cfr . Sã o Joã o da Cruz, A Subida do Monte Carmelo , Bk. II caps. 11–13, e A Noite Escura da
Alma , Bk. Eu, cap. 9. Cfr. também a obra que pode ser considerada um resumo dos
ensinamentos de Tauler, The Institutions , cap. 35.
7 Mat. 22: 2–10.
8 Cfr . Sã o Tomá s, De malo , q.6, a. 1 ad 3um: "Deus movet quidem voluntatem immutabiliter

propter efficaciam virtutis moventis, quae deficere non potest; sed propter naturam voluntatis
motae, quae indiferenter se habet ad diversa, non inducitur necessitas, sed manet libertas." É
assim que Sã o Tomá s compreende a expressã o de Sã o Paulo: "Porque é Deus quem opera em
vó s tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fil. 2: 13). Cfr. também Ia IIae,
q. 112, A. 3: “Se Deus pretende, enquanto se move, que aquele cujo coraçã o Ele move alcance a
graça, ele infalivelmente a alcançará , de acordo com Joã o 6: 45: ‘Todo aquele que ouviu falar do
Pai e aprendeu vem a mim .'" Da mesma forma la, q. 105, a.4; Ia Iae, q. 10, a.4, c e ad 3um; q. 111,
a.2 ad 2um; q. 113; De veritate , q.22, a.8, 9. Ao contrá rio do que Molina disse mais tarde, Sã o
Tomá s escreveu ( In Matth ., 25:15): "Qui plus conatur, plus habet de gratia; sed quod plus
conetur, indiget altiori causa." Da mesma forma no ep. ad Ephes ., 4: 7, e Ia IIae, q. 112, a.4.
9 Ver Ia, q.23, a.5. Os autores modernos que negam esse chamado geral, como se temessem

prejudicar a gratuidade do chamado pró ximo, individual, sã o em sua maioria molinistas. Eles
sã o inspirados por outros princípios que nã o os de Sã o Tomá s. Eles assumem que normalmente
somos nó s que tornamos a graça divina eficaz. Entã o eles consideram como essencialmente
extraordiná rios os estados passivos, nos quais a graça parece eficaz por si mesma, nos quais
nossa livre determinaçã o vem de Deus que a produz em nó s e conosco, e nos quais a alma
precisa apenas entregar-se nas mã os de Deus. e usar sua pró pria atividade apenas para tornar-
se mais dependente Dele. Cfr. Molina, Concordia (1876 ed.), pp. 230, 459, 565.
10 Mat. 20: 1–16.
11 Cfr . infra , pá g. 379, e também Santa Teresa, Castelo Interior , quinto casarã o, cap. 1.
12 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 5.
13 St. Thomas, Ia, q.23, a.5 ad 3um.
14 É assim que a vocaçã o sacerdotal nã o é apenas exterior (pelo bispo), mas também interior

(pela graça). O câ non 1353 do Có digo de Direito Canô nico afirma que os pá rocos devem formar
na piedade e nos estudos as crianças nas quais encontram "sinais de vocaçã o eclesiá stica" para
"cultivar nelas este germe de vocaçã o".
15 Cfr . Cajetan, em IIa, IIae, q. 153, a.3: "Praecepta moralia atendent ad id quod secundum

naturam est, et non ad id quod per accidens in hac vel complexione, vel aetate invenitur."
Cajetan faz essa observaçã o com frequência contra aqueles que esquecem que Sã o Tomá s fala
formalmente da natureza das coisas, prescindindo de circunstâ ncias acidentais. "Auctoris sermo
et doctrina est formalis et nihil detrimenti patitur ex his quae sunt per accidens." Assim, o
pró prio Sã o Tomá s responde à sua pró pria pergunta sobre se um juramento é lícito: É em si,
mas pode tornar-se ilícito se for feito mau uso dele; isto é, se alguém fizer um juramento sem
necessidade e com as devidas precauçõ es; assim como a comunhã o eucarística pode tornar-se
um sacrilégio (IIa IIae, q.89, a. 2).
16 Ver Ia, q.49, a. 3 ad 5um: "Somente no homem o mal aparece como em maior nú mero;

porque o bem do homem no que diz respeito aos sentidos nã o é o bem do homem como homem
- isto é, no que diz respeito à razã o; e mais homens buscam o bem no que diz respeito aos
sentidos do que bom segundo a razã o". Sobre este ponto, veja o índice geral das obras de St.
Thomas, Tabula aurea , sob a palavra "Malum", no. 37.
17 Poderíamos facilmente apontar na vida de quase todos os santos as provaçõ es interiores

que correspondem ao estado místico, chamado por Sã o Joã o da Cruz a noite passiva dos
sentidos e do espírito.
18 Traduçã o de Longfellow.
19 Cfr . Beato Grignion de Montfort, Traité de la vraie devotion à Marie , cap. 4, arte. 5. Santa

Teresa, O Castelo Interior , epílogo.


1 Cfr . Sã o Tomá s, Ia IIae, q.68. O estado místico é identificado com o modo passivo. É ,

portanto, inteiramente distinto nã o apenas de graces gratis datae , como a profecia, mas
também de certos favores especiais e extraordiná rios, como as palavras interiores, que podem
ser ordenadas especialmente para a santificaçã o da alma que as recebe, e à s vezes acompanham
a contemplaçã o infusa. e a uniã o mística, sem constituir sua essência. Sã o fenô menos
concomitantes, acessó rios e passageiros que podem ser declarados essencialmente
extraordiná rios, sem prejudicar a doutrina segundo a qual a pró pria contemplaçã o mística nã o
é essencial ou intrinsecamente extraordiná ria, mas apenas extrinsecamente.
2 Cfr . supra , pp. 235–38, para o significado das palavras "ordiná rio" e "extraordiná rio".
3 Summa , IIa, IIae, q. 184, a.3.
4 Cfr . Ia IIae, q.66, a.2: Todas as virtudes, como habitus , em razã o de sua relaçã o (e o mesmo

deve ser dito para os dons que também estã o ligados a elas na caridade, Ia llae, q.68, a .2, 5)
crescem juntos, mantendo sua diferença de perfeiçã o como os dedos das mã os. Um homem
pode, no entanto, ter uma inclinaçã o natural maior para praticar uma virtude do que outra, ou
pode ser mais inclinado pela graça de Deus a fazer atos dessa virtude. Da mesma forma Sã o
Tomá s, ao falar da conexã o dos dons, diz: "Um nã o pode ser perfeito sem os outros" (Ia IIae,
q.68, a.5 ad sum). No entanto, uma alma tem maior excelência nos atos de um do que de outro.
5 Summa , Ia IIae, q.68, a. 1, 2.
6 Cfr . supra , pp. 281 e seguintes.
7 De fato, quanto à sua substâ ncia, procede da fé, e quanto ao seu modo, do dom da

sabedoria.
8 Sã o Tomá s Ia, q. 12, a.1.
9 Ibid ., q.19, a. 8.
10 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 2.
11 Cant. 2: 4.
12 Alguns teó logos têm ensinado que o Espírito Santo move as almas de duas maneiras: (1)

de acordo com o modo comum que se acomoda em tudo ao modo humano e nã o excede as leis
ordiná rias da graça; (2) de acordo com um modo extraordiná rio e sobrenatural do qual falam os
autores místicos. Cfr. Billot, De virt. infusis , pp. 173, 188.
Essas expressõ es parecem mostrar que para esses teó logos a contemplação mística é
essencialmente extraordinária e não apenas eminente. Se eles têm essa opinião, não vemos mais
como eles permanecem fiéis ao ensinamento de São Tomás sobre os dons. É claro que cada um dos
dons não pode ter dois modos distintos, distinção não só de grau, mas de natureza. Haveria então
dois habitus especificamente distintos; o primeiro se desenvolveria em vão, pois nunca alcançaria
o segundo. Além disso, seria incompreensível por que, acima das virtudes adquiridas e das virtudes
infusas de modo humano, ainda seria necessário um exercício dos dons segundo o modo humano,
distinto de seu exercício segundo o modo divino. O modo humano dos dons seria idêntico ao das
virtudes infusas. As opiniõ es mencionadas acima podem, no entanto, ser explicadas de maneira não
oposta ao ensinamento que expusemos de acordo com os princípios de São Tomás. Com efeito,
reconhecemos que as inspiraçõ es dos dons do Espírito Santo se exercem primeiro de modo latente,
adequado ao modo humano, e que depois o seu modo sobre-humano se torna manifesto e
frequente. Este ú ltimo pode até ser chamado de extraordinário quando é acompanhado de graces
gratis datae , destinados ao benefício do pró ximo, como a graça chamada sermo sapientiae . Isto é
o que São Tomás quer dizer em IIa IIae, q.45, a.5, como explica Cajetan, ibid.; João de São Tomás, De
donis , d. 18, A. 2, 9; e José do Espírito Santo, Cursus theol. myst ., II, 236 e segs. Compare este texto
(IIa IIae, q.45, a.5) com Ia IIae, q.111, a.4 ad 4um.
13 Cfr . Ia IIae, q.114, a.8. Sã o Tomá s mostra que podemos merecer condignamente o

aumento da graça e da gló ria, citando este texto do Livro dos Provérbios, 4: 18: ." Mas o que nã o
podemos merecer é o pró prio princípio do mérito, a graça da justificaçã o e a graça eficaz que
nos preserva in statu gratiae, particularmente a da perseverança final. Cfr. ibid., a.5,9.
14 O mérito condigno baseia-se na justiça divina; é um direito a uma recompensa. O mérito

congruente é baseado na amizade divina, in jure amicabili , ou pelo menos na liberalidade de


Deus. O primeiro nos torna dignos de recompensa; a segunda, como o nome indica, implica
apenas propriedade.
15 Summa theologiae mysticae (1874), II, 311.
16 Mystica theologia D. Thomae (1911), I, 445.
17 Traité de la vie intt!rieure (1885), II, 128.
18. A graça de uma morte feliz ou da perseverança final nã o pode ser merecida

condignamente no sentido estrito da palavra, nem mesmo estritamente congruente. É , porém,


necessá ria para a salvaçã o e certamente devemos desejá -la, dispor-nos a ela e pedi-la
incessantemente, porque a oraçã o perseverante a obterá para nó s. O mesmo pode ser dito sobre
a graça da conversã o ou justificaçã o de um pecador. Nã o pode ser merecido, pois é o princípio
do mérito; contudo, qualquer pessoa em estado de pecado mortal deve, com a graça real que lhe
é oferecida, desejá -la e pedi-la. Estes sã o mistérios profundos da eficá cia da graça e da
predestinaçã o. Cfr. Ia IIae, q.114, a.5, 9.
A graça da justificação e a da perseverança final são necessárias para a salvação, mas não
podem ser merecidas condignamente. O mesmo se aplica às graças eficazes que nos mantêm em
estado de graça.
A graça da contemplação infusa não é gratuita, porque se pode merecer progressivamente um
grau muito elevado do dom da sabedoria, considerada como habitus, e porque o Espírito Santo
geralmente inspira as almas de acordo com o grau de sua docilidade habitual.
Além disso, devemos acrescentar ao mérito o poder impetrativo da oração. Como devemos
pedir a graça de uma morte feliz, que não podemos merecer, uma alma fervorosa pode certamente
pedir também, com tanta confiança quanto humildade, a graça da contemplação para viver mais
plenamente os mistérios da salvação. , conhecer melhor a pró pria miséria, humilhar-se por isso e
ser menos indiferente à gló ria de Deus e à salvação das almas. Reduzido a termos comuns, é isso
que a alma pede quando recita o Veni Creator com sinceridade. A graça da contemplação é,
portanto, menos gratuita do que as graces gratis datae, como a graça de um milagre ou profecia,
que não são de modo algum necessárias para a nossa santificação pessoal. Afinal, permanece o fato
de que o Espírito Santo respira onde quer e quando quer; pois não exercemos à vontade os atos
que procedem dos dons do Espírito Santo. Cf. infra, pp. 409 ss., "Um exame de algumas dificuldades
teó ricas", em particular quanto ao mérito.
19 Summa , Ia IIae, q.61, a.5; q.68, a. 1 ad 1um; Em Mat ., 5.
20 Nã o falamos aqui de nenhum caso em particular, mas de uma lei geral.
21 Summa , Ia IIae, q.68, a.3 ad 2um. Sã o Joã o da Cruz sustentava que as virtudes da alma

purificada de que fala Sã o Tomá s pertencem à vida mística. Cfr. Œuvres (2ª ed.), II, 42.
22 De Servorum Dei beatificatione , Bk. III, cap. 21, "de virtute heroica."
23 Cfr . infra , cap. 5, art. 4; indivíduo. 6, art. 1.
24 Procede especialmente do dom do entendimento. Cfr. Sã o Tomá s, IIa IIae, q.8, a. 7. Ia IIae,

q.69, a. 2 ad 3um: "Nesta vida... os olhos (da mente) sendo purificados pelo dom da
compreensã o, podemos, por assim dizer, ver Deus."
25 Dizemos que ordinariamente a alma deve passar por este crisol. Há , de fato, exceçõ es,

para mencionar apenas a das crianças que morrem imediatamente apó s o batismo. Eles nã o
terã o, no entanto, um grau de gló ria tã o alto como se tivessem merecido no julgamento. Quanto
aos má rtires que antes de sua tortura nã o passaram pelo crisol de que falamos, eles passaram
por ele em seus ú ltimos sofrimentos. Isto explica por que Sã o Joã o da Cruz diz das almas que
passaram pela penosa noite da alma: "Como resultado de sua perfeita purificaçã o pelo amor,
elas nã o passarã o pelo purgató rio" ( A Noite Escura da Alma , Bk .II, cap. 20).
Da mesma forma, Tauler afirma (Sermão 55) sobre o assunto dos iniciantes, que permanecem
fiéis aos mandamentos: "É uma exceção para eles viver em pureza suficiente para evitar o
purgató rio, embora isso possa acontecer ocasionalmente." Pode ocorrer, por exemplo, no caso de
um jovem religioso que morre logo apó s a profissão. Se ele tivesse vivido mais, provavelmente
teria caído novamente em faltas que exigiriam a purificação de que estamos falando antes ou
depois da morte. Em todo caso, ninguém vai para o purgató rio depois da morte senão por sua
pró pria culpa. Se ele tivesse sido mais fiel à graça, poderia tê-la evitado.
26 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 3; Bk. II, cap. 1.
27 Ibid ., Bk. Eu, cap. 8.
28 Ibidem , cap. 9.
29 Ibidem , cap. 10.
30 Ibidem , cap. 9.
31 Ibidem , caps. 11–13.
32 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 8.
33 Ibid ., Bk. Eu, cap. 14: "A alma saiu: começou a penetrar no caminho do espírito, que os

proficientes e avançados seguem, e que também é chamado de caminho iluminativo, ou


caminho da contemplaçã o infusa." Essa concepçã o tradicional do caminho iluminativo é muito
superior, como é evidente, à quela que foi apresentada por vá rios escritores nã o-místicos desde
o século XVII.
34 Ibid ., Bk. II, cap. 2.
35 Ibidem , cap. 5.
36 Ps. 96: 2.
37 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 5.
38 Ibid .
39 Ibidem , cap. 5.
40 Ibidem , cap. 13.
41 Ibidem , cap. 8.
42 Ibidem , cap. 9.
43 Ibid .
44 Ibidem , cap. 15.
45 A Chama Viva do Amor , st. II, 5.
46 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 10.
47 Ibidem , cap. 12.
48 Quando uma alma que passa por esta noite do espírito sofre tentaçõ es contra a fé, e ao
mesmo tempo é cegada, por assim dizer, pela luz divina que ilumina as profundezas dos
mistérios, seria singularmente estranho aconselhar como um remediar a leitura de um bom e
bem fundamentado estudo sobre apologética. A obra divina, pela qual a alma está passando,
tem precisamente por objetivo elevar a alma acima do raciocínio e fazê-la aderir de maneira
totalmente sobrenatural à primeira Verdade incriada e reveladora ("Veritas prima in dicendo,
auctoritas Dei revelantis") . Em tal momento, a alma deve pedir ao Senhor a graça da fé, a
inspiraçã o e a iluminaçã o do Espírito Santo que eleva nossa vontade e intelecto até a incriada e
eterna Palavra de Deus, o Autor da graça, a fim de torná -los aderir a ela apesar da escuridã o,
com uma certeza superior à dos princípios racionais mais evidentes. IIa IIae, q.1, a. 1; q.4, a. 8.
Ver supra , pp. 63–77.
49 Summa , IIa IIae, q.180, a. 2, c e ad 2um.
50 Summa , Ia IIae, q.58, a.5.
51 Veja IIa IIae, q.180, a.1, 7.
52 "A vida contemplativa pertence direta e imediatamente ao amor de Deus" ( ibid ., q.182,

a.2).
53 Ibid ., a. 4 ad 1um.
54 "Um sacrifício é oferecido a Deus espiritualmente quando algo é oferecido a Ele; e de

todos os bens do homem, Deus aceita especialmente o da alma humana quando é oferecido a
Ele em sacrifício. Agora, um homem deve oferecer a Deus, em em primeiro lugar, sua alma; . . .
em segundo lugar, as almas dos outros. . . . E quanto mais intimamente um homem une sua
pró pria alma ou a de outro a Deus, mais aceitável é seu sacrifício a Deus; portanto, é mais
aceitável a Deus que se aplique a pró pria alma e a alma dos outros à contemplaçã o do que à
açã o. Portanto, a afirmaçã o de que nenhum sacrifício é mais aceitável a Deus do que o zelo pelas
almas, nã o significa que o mérito da vida ativa seja preferível ao mérito da vida contemplativa,
mas que é mais meritó rio oferecer a Deus a pró pria alma e a alma dos outros, do que quaisquer
outros dons exteriores» ( ibid ., a.2 ad 3um).
55 Ibid ., q. 180, A. 4.
56 Ibid ., q. 182, A. 1.
57 "Portanto, aquilo que diz respeito mais directamente ao amor de Deus é genericamente

mais meritó rio do que aquilo que diz respeito directamente ao amor do pró ximo" ( ibid ., a.2).
58 Ps. 26: 4.
59 Sal. 45: 11.
60 De verbis Domini , serm. 27.
61 Lucas 10:42.
62 De verbis Domini , serm. 27.
63 St. Thomas, IIa IIae, q.182, a.4 ad sum.
64 Cidade de Deus , Bk. XIX, cap. 19.
65 Summa , IIa IIae, q.182, a.1 ad 3um.
66 Ibid ., q.188, a. 6.
67 Como frequentemente observa Santa Teresa, as delícias da contemplaçã o nã o sã o exigidas

para a perfeiçã o, nem mesmo para altíssima perfeiçã o. Na verdade, a contemplaçã o mística é
muitas vezes á rida e dolorosa. Cfr. Saudreau, La vie d'union a Dieu, d'apres les grands mattres de
la spirititt! (3ª ed.), pág. 263 , onde cita vá rios textos dos escritos de Santa Teresa.
68 Em outras palavras, a contemplaçã o mística do mistério de Deus presente em nó s é

necessá ria para a plena perfeiçã o da vida da graça, se tomarmos esta palavra "perfeiçã o" nã o
apenas em sentido amplo e do ponto de vista moral, mas no sentido estrito e metafísico, que
neste caso expressa o pleno desenvolvimento do organismo sobrenatural.
69 Ver particularmente Ia llae, q.69, a.2: "Se as recompensas atribuídas à s bem-aventuranças

se referem a esta vida?" Eles sã o, diz ele, concedidos aos perfeitos (nã o apenas a alguns deles)
como um prelú dio para a vida no céu, "por uma espécie de incoaçã o imperfeita de felicidade
futura". Veja também lla llae, q.45. "Todo cristã o", diz Sã o Tomá s, "deve participar da
contemplaçã o de Deus, pois o preceito (Sl 45: u) se aplica a todos: 'Aquietai-vos e vede que eu
sou Deus'" (Ilia, d.g6 , qt, a.3 ad sum). Se isso é verdade para todo cristã o, o que dizer do cristã o
que alcançou a plena perfeiçã o da vida interior?
70 A terceira ediçã o é mais completa que as ediçõ es anteriores e contém (notavelmente p.

290) o resultado da pesquisa feita pelo Padre Colunga, OP, sobre a luta entre espirituais e
intelectuais no tempo de Cano.
71 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 1.
72 Ibid ., Bk. Eu, cap. 14.
73 A Subida do Monte Carmelo , Bk. III, cap. 1.
74 A Chama Viva do Amor , st. III, versículo 3.
75 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 15.
76 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 1.
77 O Cântico Espiritual , Parte III, st. 22.
78 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1.
79 Cap. 19.
80 Cap. 17.
81 Ainda que todas as almas, e mais particularmente todas as carmelitas, sejam chamadas à

contemplaçã o, evidentemente nã o se segue que todas devam ser contemplativas desde o início.
Como diz Santa Teresa no texto que citamos, muitas vezes Deus demora muito em conceder
este dom. Pode até acontecer que uma alma muito generosa, naturalmente muito inclinada à
vida ativa, só chegue à contemplaçã o infusa depois de um período mais longo do que o tempo
normal de vida.
82 O Caminho da Perfeição , cap. 20.
83 Ibid .
1 Mat. 13: 4–9.
2 Os ensinamentos de Tauler sobre este assunto sã o resumidos por seus discípulos nas
Instituições , cap. 35.
3 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 13.
4 Cap. 3.
5 Cfr . supra , pp. 221–35.
6 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 13.
7 Ibidem , cap. 14.
8 Ibidem , cap. 13.
9 Ibid .
10 Ibid .
11 Ibidem , cap. 15: "Neste estado, Deus se comunica com a alma que permanece passiva... e a

alma, quando assim recebe a luz sobrenaturalmente infundida, compreende tudo,


permanecendo passiva."
12 Ibidem , cap. 14. Sã o Joã o mostra aqui que Deus à s vezes favorece as almas concedendo

Seu amor contemplativo sem a preparaçã o intermediá ria. Isso lembra o que diz Santa Teresa da
roda d'á gua a propó sito da oraçã o sobrenatural de silêncio, para a qual a alma costuma se
preparar por certo trabalho da mente. (Cf. Vida , cap. 14.)
13 Sã o Tomá s, Ia IIae, q.68, a.1, 3; IIa IIae, q.52, a.2 ad 1um.
14 Bk. Eu, cap. g.
15 Sab. 7: 11.
16 A expressã o “graça remota suficiente” é corrente na teologia em outra questã o, que se

assemelha a esta e que diz respeito nã o apenas a todas as almas em estado de graça, mas a
todos os homens; isto é, é possível que todos e cada um sejam salvos? Deus nã o só preparou em
geral, mas oferece e dá a todos os homens, e a cada um em particular, em vista da sua salvaçã o,
uma ajuda suficiente, suficiente ao menos remotamente, segundo as condiçõ es de cada um. É
assim que a graça pró xima suficiente para orar é uma graça remota suficiente para realizar o
trabalho salutar em vista do qual se ora. Se a alma nã o resistir a esta graça suficiente remota,
ela receberá a graça suficiente pró xima para agir bem. Se esta ú ltima graça nã o for resistida, se
receberá graça eficaz, que nos fará realizar a salutar obra. Cfr. Billuart, De Deo , diss. 7, a. 8. Esta
doutrina se aplica até mesmo aos infiéis e pecadores endurecidos.
17 Sã o Tomá s, I Sent ., q.41, a.2 ad 3um. "Vocatio semper est temporalis, quia ponit

addductionem quamdam ad aliquid... Est quaedam vocatio temporalis ad gratiam, cui respondet
et electio temporalis et aeterna;
18 Isso explica vá rias reservas feitas por Tauler, Santa Teresa e Sã o Joã o da Cruz, sobre o

princípio da chamada geral. Eles têm em mente casos individuais que surgem de obstá culos
particulares.
19 A Chama Viva do Amor , st. III, v. 3: "Ignorando os caminhos espirituais e o que os

caracteriza, esses diretores afastam as almas das delicadas unçõ es com as quais o Espírito
Santo as prepara para a uniã o divina. Contentam-se em prescrever receitas desprezíveis que
inventaram ou encontraram por acaso em sua leitura, e que dificilmente sã o adequados para
iniciantes... Eles persistem em nã o permitir que as almas avancem – mesmo que o desejo de
Deus se manifeste formalmente – além de seus princípios e métodos que se limitam a atos
discursivos e aqueles da imaginaçã o . Proíba as almas de ultrapassarem os limites de sua
capacidade natural, e que pobre fruto colherã o!"
20 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1.
21 Sobre este ponto, cfr. Sã o Francisco de Sales, Tratado do Amor de Deus , Bk. II, cap. 11.
22 Bk. Eu, cap. 9.
23 Sã o Joã o da Cruz diz claramente: "Deus nã o levanta" ( lleva ), e nã o: "Deus nã o chama".

"Muitos sã o chamados, mas poucos sã o escolhidos."


24 O texto original diz: “Estes ú ltimos” – isto é, aqueles que Deus nã o ressuscita.
25 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, caps. 3, 14; Bk. II, cap. 1.
26 Sã o Tomá s cita este texto e expressa a mesma opiniã o em Ia, q.23, a.5 ad 3um.
27 O Padre Lamballe, na sua La contemplation , pp. 70, 72, dá esta explicaçã o deste texto de S.

Joã o da Cruz.
28 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 5.
29 St. II, v. 5.
30 O Cântico Espiritual , IV, st. 39, v. 1.
1 Cfr . indivíduo. 3, artes. 3, 4.
2 Bossuet, ɶuvres complètes (1845), I, 643.
3 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.182, a.4 ad 3um: “Aquele que é propenso a ceder à s suas paixõ es por

causa de seu impulso para a açã o é simplesmente mais apto para a vida ativa por causa de seu
espírito inquieto. . . . Outros, ao contrá rio, têm a mente naturalmente pura e tranquila, de modo
que estã o aptos para a contemplaçã o. . . . Aqueles que estã o mais adaptados à vida ativa podem
preparar-se para a contemplativa pela prá tica da vida ativa. ; enquanto, no entanto, aqueles que
estã o mais adaptados à vida contemplativa podem assumir as obras da vida ativa para se
tornarem ainda mais aptos para a contemplaçã o. Assim, todos devem tender para a
contemplaçã o como o prelú dio normal da vida no céu.
4 Convém unir cada vez mais estreitamente a devoçã o ao Santíssimo Sacramento e ao

Sagrado Coraçã o de Jesus à devoçã o ao Coraçã o Eucarístico de Jesus, para agradecer a Nosso
Senhor o ato de supremo amor com que nos deu o Santíssimo Eucaristia.
5 Traité de la vraie devotion à Marie , cap. 4, arte. 5 (1909 ed., p. 119).
6 Padre Clérissac, OP, Le mystère de l'Église , p. 102.
7 A Regra de São Bento , cap. 48.
8 Ver IIa IIae, q. 180, A. 3.
9 No entanto, nem sempre sã o necessá rios, pois à s vezes a contemplaçã o mística é concedida

a almas ainda muito imperfeitas.


10 Filipe da Santíssima Trindade, OCD, Summa theologiae mysticae , II, 305.
11 Sã o Jerô nimo, Comm. em Mat ., cap. 5.
12 Prov. 3: 32.
13 Mat. 6: 22.
14 Mat. 10: 16.
15 Sab. 7: 13.
16 Mt, 11:25.
17 Mat. 18: 3.
18 Mat. 11: 29.
19 Jas. 4: 6.
20 Cfr . ɶuvres de Tauler , traduzido para o francês pelo padre Noël, OP, IV. 215–16, nota do
tradutor.
21 Cfr . Tauler, Primeiro Sermão sobre a Ascensão (Noël ed.), II, 401.
22 Tauler, Segundo Sermão para o Vigésimo Domingo depois da Trindade (Noël ed.), IV, 215.
23 Os teó logos que seguem Sã o Tomá s e Sã o Joã o da Cruz nunca admitiram que a chamada

contemplaçã o adquirida seja o fim do progresso espiritual nesta vida; ao contrá rio, eles vêem
nela uma preparaçã o pró xima para a contemplaçã o infusa. Com Filipe da Santíssima Trindade (
Summa theol. myst ., II, 309), eles concordam em dizer: "Contemplatio acquisita cum auxilio
gratiae comparata, est optima dispositio ad contemplationem supernaturalem."
24 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.45, a. 2.
25 Cfr . Filipe da Santíssima Trindade, CD, Summa theol. myst ., II, 310, e Anthony do Espírito

Santo, CD, e Vallgornera, OP, que expressam a mesma opiniã o na mesma seçã o de suas teologias
místicas que seguem a divisã o usada na de Filipe.
26 Esta é a pró pria expressã o dos teó logos que acabamos de citar. Cfr. Filipe, ibid ., p. 311.
27 Esta é a principal razã o pela qual nã o podemos aceitar a tese recentemente defendida por

Farges e Pourrat, que consideram a contemplaçã o mística como essencialmente extraordiná ria.
28 Santa Teresa, O Castelo Interior , primeiro palacete, cap. 2: "Este conhecimento de si

mesmo é tã o necessá rio, mesmo para as almas admitidas por Deus em Sua pró pria morada, que
elas nunca devem se afastar dele, nã o importa o quã o alto eles possam ser elevados. Além disso,
mesmo que eles desejem fazê-lo, eles nã o poderia fazê-lo."
29 Ibid .
30. Este erro nã o leva em conta que o conhecimento infuso é infuso, que pressupõ e uma

inspiraçã o especial do Espírito Santo e que procede nã o do amor à s alegrias do conhecimento,


mas do amor de Deus.
31 Summa , IIIa, q.62, a. 6 ad 3um.
32 Cajetan, em Ia IIae, q. 109, A. 9, nã o. 4.
33 Gonet, Clypeus theol thom., de gratia , disp. I a. 6, par. 2, nã o. 305.
34 Cfr . acima , pá g. 345.
35 Cfr . infra , pá g. 409. Oferecemos a seguinte explicaçã o sobre este ponto específico.

Segundo a tradiçã o cristã , a pureza absoluta é necessá ria para entrar no céu; toda a poeira e
ferrugem que incrustou a alma devem ser removidas antes que ela possa ser elevada à visã o
beatífica, em outras palavras, antes que ela possa ver Deus como Ele vê a Si mesmo. Essa
purificaçã o deve, portanto, afetar nã o apenas a parte sensual, mas também a parte espiritual da
alma. Conseqü entemente, é perfeito, como mostra Sã o Joã o da Cruz ( A Noite Escura da Alma ,
Bk. I, cap. 3; Bk. II, cap. 1), somente quando a alma passou pelo que ele chama de duplo noite
passiva dos sentidos e da alma. Nã o é de admirar, portanto, que ele escreva a propó sito das
almas que passaram pela noite escura do espírito: "Por causa de sua perfeita purificaçã o pelo
amor, nã o terã o que passar pelo purgató rio" ( op. cit . , Livro II, cap. 20). Na nota 25 da p. 357,
citamos uma expressã o quase semelhante de Tauler; e Sã o Tomá s diz ( Contra Gentiles , Bk. IV,
cap. 91): "Ad visionem Dei creatura rationalis elevari non potest, nisi totaliter fuerit depurata...
unde dicitur de Sapientia quod nihil inquinatum in ea incurrit." Sã o Tomá s também acredita que
as dores do purgató rio sã o muito maiores do que as dores desta vida. Cfr. Santa Catarina de
Gênova, Tratado do Purgatório .
Além disso, afirmamos que, para evitar o purgató rio, onde a alma já não merece, ordinariamente
ou em princípio deve, antes da morte, enquanto merecer, passar pelas purificaçõ es passivas dos
sentidos e da alma, as ú nicas que asseguram a perfeita e estável pureza da a alma em sua parte
superior, bem como em sua parte inferior.
Alguém pode perguntar o que pensar de tantos cristãos para quem o mundo da vida espiritual é
apenas uma ilusão, ou para quem a vida de oração é uma armadilha. O que pensar de pessoas que
não têm tempo para estudar essas coisas, ou mentes capazes de entendê-las; ou daqueles que são
mais bem dotados, mas que carecem de tempo e circunstâncias favoráveis? Afinal, Deus não dá a
todos um temperamento que se inclina ao heroísmo necessário para passar pelas purificaçõ es
passivas da alma.
A resposta a essas objeçõ es deve ser:
1) Que afirmamos, como ordinariamente ou em princípio verdadeiro, o que dissemos seguindo
o ensinamento de São João da Cruz; isto é, que existem exceçõ es e exceçõ es que confirmam a regra.
Já os listamos; por exemplo, crianças que morrem imediatamente apó s o batismo, ou um religioso
que morre imediatamente apó s ter feito a profissão perpétua com grande fervor. Se estas crianças
ou este religioso, porém, continuassem vivos, provavelmente teriam caído em faltas e imperfeiçõ es
que teriam exigido a perfeita purificação de que falamos. Em certo sentido, eles morrem
acidentalmente em um bom momento, antes de alcançar uma perfeição estável, e não terão um
grau de gló ria tão alto no céu como se tivessem continuado a viver e merecer.
2) Há equivalentes às purificaçõ es passivas, por exemplo, o martírio, ou uma contrição muito
intensa como aquela que deve ter tido o bom ladrão, que estava tão perto de Jesus moribundo.
3) Além disso, as dores do purgató rio podem ser muito intensas e curtas, ou mais longas e
menos violentas, como as purificaçõ es passivas nesta vida.
4) Algumas almas naturalmente bastante boas, mas sem fervor de vontade ou interesse pelas
coisas espirituais, têm muitos defeitos, aos quais não dão muita atenção. Se morrerem nesta
condição, depois de terem contrição apenas suficiente, certamente terão muito que sofrer para
alcançar a pureza perfeita necessária para entrar no céu.
5) Finalmente, para muitas pessoas as purificaçõ es passivas na terra podem ser menos
dolorosas do que as suportadas pelos grandes santos; pois, no caso destes ú ltimos, esses
sofrimentos são proporcionais não só às imperfeiçõ es que devem ser erradicadas, mas também ao
altíssimo grau de caridade, de vida apostó lica e reparadora, a que Deus os quer conduzir.
36 Summa , IIa, IIae, q.88, a. 4 ad 2um.
37 O Caminho da Perfeição , caps. 21, 39.
38 O Castelo Interior , quinta mansã o, cap. 1.
39 José do Espírito Santo, Cursus theologiae mystico-scolasticae , vol. II, Praed. II, Disp. XI, q.2,

concl. 2, 3. Ele diz (n. 23) que esta ú ltima conclusã o (que podemos aspirar à contemplaçã o, etc.)
é admitida por Á lvarez de Paz, Filipe da Santíssima Trindade, Antô nio do Espírito Santo,
Vallgornera, e comumente os místicos, communiter mystici; e que ele nã o consegue entender
por que Antô nio da Anunciaçã o, outro carmelita, em sua Disceptatio mystica , coloca a
contemplaçã o infusa entre as graças gratis datae . José do Espírito Santo ( ibid ., p. 236) diz que
isso é um grande erro, magnam aequivocationem passus est , e uma falsa interpretaçã o da
passagem de Sã o Tomá s, IIa IIae, q.45, a.5 Cf. Ia IIae, q.111, a.4 ad 4um; e em I Cor . 12: 8.
40 Sobre a reconciliaçã o da mais profunda humildade com a mais elevada magnanimidade,
tal como se encontra nas almas dos santos, cf. Sã o Tomá s, IIa IIae, q. 129, A. 3 ad 4um: "A
magnanimidade faz com que o homem se julgue digno de grandes coisas em consideraçã o aos
dons de Deus... como eles se afastam dos dons de Deus; já que ele nã o pensa tanto nos outros a
ponto de fazer algo errado por causa deles. No entanto, a humildade nos faz honrar os outros e
considerá -los mais do que a nó s mesmos, na medida em que vemos alguns dos dons de Deus
neles ”, que sã o sempre muito superiores ao que temos de nó s mesmos, ou seja, nossa
indigência e defeitos pessoais. Essas duas virtudes sã o, portanto, contrá rias apenas na
aparência, e nã o na realidade como o vício e a virtude.
41 Cfr . acima , pá g. 373.
42 Prov. 11:2.
43 Padre Lallemant, SJ, Doctrine spirituelle , pp. 113, 187 e segs., 203.
44 Sab. 7: 7.
45 Mat. 11: 25.
46 Cfr . supra , pp. 337 f., 340, 345 f.
47 Cfr . acima , pá g. 372.
48 Cfr . O Castelo Interior , sétima mansã o.
49 Cfr . IIa IIae, q.24, a.8; q.184, a.2, que foram explicados detalhadamente supra , pp. 156–98.
50 Summa , Ia, q.23, a.5.
51 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 5.
52 Sã o Tomá s, Ia IIae, q.114, a.5, 9.
53 O mérito condigno é um ato sobrenatural e gratuito, cujo valor constitui o direito a uma

recompensa sobrenatural, ao aumento da graça e à vida eterna. É , portanto, fundada na justiça.


Mérito congruente nã o é mérito no sentido estrito, mas sim no sentido amplo do termo. Nã o se
funda na justiça, mas na amizade, vel in jure amicabili, vel solum in liberalitate et benignitate
praemiantis .
54 Cfr . Ia IIae, q.65; q.68, a.5. A fé e a esperança podem subsistir numa alma em estado de

pecado mortal; mas entã o eles nã o merecem, propriamente falando, o nome de virtudes. Cfr. Ia
IIae, q.65, a.4 ad 1um: "A fé e a esperança... podem existir sem a caridade, embora nã o sejam
virtudes sem a caridade."
55 Ver Ia IIae, q. 114, A. 8.
56 Ibid ., q.66, a. 2.
57 Ibid ., e o Comentário dos Teólogos de Salamanca , n. 2.
58 Ibid ., q.68, a.5. O organismo espiritual deve desenvolver-se proporcionalmente em todas

as suas partes para que subsista a harmonia entre elas, assim como o faz o nosso organismo
corporal. Mas, assim como no corpo uma parte pode hipertrofiar em detrimento das outras,
assim também na vida espiritual a harmonia das virtudes pode ficar comprometida por causa
de certos defeitos. Em algumas almas, por exemplo, a fé nã o se desenvolve em proporçã o com
outras virtudes e com a cultura científica ou filosó fica. Esta desordem pode atingir tal grau que
aquele que a sofre torna-se um anã o espiritual.
59 Cfr . acima , pá g. 353.
60 Summa , IIa IIae, q 24, a. 7.
61 Vallgornera, Theol. myst. D. Thomae , q.3, disp. 3, a.6, n. 5; Meynard, Traité de la vie
intérieure (1885), II, 128; Filipe da Santíssima Trindade, Theol. myst . (1874), II, 311, e Antô nio
do Espírito Santo, Directorium mysticum , tr. III, séc. 6, nã o. 240.
62 Ver Ia IIae, q.114, a.9. Sobre este artigo, cf. Joã o de Sã o Tomá s, n. 1: "Principium meriti non

potest cadere sub meritum: sed auxilium et motio divina, qua aliquis movetur a Deo, ut non
sucumbat tentationibus, nec gratiam interrumpat per peccatum, tenet se ex parte principii
meriti, quia auxilium et motio est principium operandi, et in hoc solum consistit quod moveat
ad opus; igitur non potest cadere sub meritum”. Nº 4: "Conservatio est continuatio primae
productionis..., unde qui mereretur auxiliar continuativa gratiae, seu perseverantiam,
consequenter mereretur ipsam continuationem principii meriti, quod est gratia secundum
quod se tenet ex parte Dei moventis ad conservandum. . . . Quod probat non posse sub meritum
cadere motionem divinam, non quamcumque, sed quatenus est conservativa gratiae, quae est
principium meriti." Cfr. Salmanticences, ibid ., n. 89–109.
63 Cfr . Ia Iae, q. 114, a.9; também o Comentá rio de Billuart. Ele mostra que, de acordo com os

princípios de Sã o Tomá s, parece que a perseverança final nã o pode ser merecida por um mérito
congruente propriamente dito, mas apenas por um mérito congruente indevidamente chamado.
Enquanto o mérito condigno é fundado na justiça ( jus ad praemium ) e o mérito congruente,
propriamente dito, em jure amicabili, secundum leges amicitiae , o mérito congruente
indevidamente chamado é fundado em liberalitate et benignitate Dei .
64 Além disso, pela oraçã o podemos obter a graça de uma morte feliz, que nã o pode ser

merecida; do mesmo modo, a alma interior deve pedir humildemente a graça da contemplaçã o.
Cfr. acima , pá g. 354 nota 18.
65 Além disso, o poder obediente ou capacidade de receber a graça nã o é maior nos anjos do

que nos homens. É de acordo com esta capacidade que a alma é o sujeito da graça.
66 Cfr . Ia IIae, q.109, a.6. Este artigo conclui assim: "Portanto, é claro que o homem nã o pode

se preparar para receber a luz da graça, exceto pela ajuda gratuita de Deus, movendo-o
interiormente". A razã o disso é que a ordem dos agentes deve corresponder à ordem dos fins, e
que somente um agente sobrenatural pode mover-se para um fim sobrenatural. Ibid ., ad 2um.
"Portanto, quando se diz que um homem faz o que está em seu poder, diz-se que isso está em
seu poder, conforme ele é movido por Deus." Portanto, para um homem que faz o que está
dentro dele (com a ajuda da graça real), Deus nã o nega a graça (habitual).
67 Ver Ia IIae, q. 112, a.2: Tomando a graça no primeiro sentido (habitual) requer-se para ela

certa preparaçã o da graça, pois a forma só pode estar na matéria disposta. Ibid ., ad 3um. "Da
mesma forma, quando Deus infunde graça em uma alma, nenhuma preparaçã o é necessá ria que
Ele mesmo nã o faça." O mesmo vale para o aumento da caridade, IIa IIae, q.24, a.2, e os artigos
seguintes.
68 Ver IIa IIae, q.24, a.3: "Como a caridade supera a proporçã o da natureza humana... da

caridade nã o depende nem da condiçã o da natureza nem da capacidade das virtudes naturais,
mas somente da vontade do Espírito Santo que reparte os seus dons segundo a sua vontade”.
Ibid ., ad 2um: "A forma nã o supera a proporçã o da matéria; ambas sã o do mesmo gênero. Da
mesma maneira, graça e gló ria sã o referidas ao mesmo gênero, pois a graça nada mais é do que
um começo da gló ria em nó s. Mas a caridade e a natureza nã o pertencem ao mesmo gênero, de
modo que a comparaçã o falha." Nã o sã o, portanto, apenas as graças místicas que sã o gratuitas,
neste sentido que o Espírito Santo as concede quando quer, mas também o grau de caridade
dado no momento da justificaçã o a um adulto que se converte com maior fervor do que outro,
sob o impulso de uma graça atual mais forte. St. Thomas, ibid ., ad 1um.
69 Cfr . Billuart, De caritate , diss. II, a. 2.
70 Cfr . supra , pp. 388–95.
71 Ver IIa IIae, q. 161, a.5: "A humildade faz do homem um homem bom, sujeito à ordenaçã o

de toda espécie e em todos os assuntos." Ibid ., ad 2um: “Primeiro, para remover obstá culos: e
assim a humildade ocupa o primeiro lugar, na medida em que expulsa o orgulho, ao qual Deus
resiste e torna o homem aberto para receber o influxo da graça divina. 4:6): Deus resiste aos
soberbos e dá graça aos humildes. Nesse sentido, diz-se que a humildade é o fundamento do
edifício espiritual."
72 Cfr . Beato Grignion de Montfort, Le traité de la vraie dévotion à Marie , cap. 4, arte. 5, e o

resumo deste tratado, Le secret de Marie , feito pelo Beato Grignion. Em vista da oraçã o mental,
convém também meditar frequentemente no ofício e na missa do Sagrado Coraçã o, e também
no ofício e na missa do Coraçã o Eucarístico recentemente aprovados pela Igreja.
73 Summa , IIa IIae, q. 181, A. 1 ad 3um; q. 182, a.4.
74 Cfr . supra , pp. 341–43.
75 Cfr . supra , pp. 188 f.
76 Cfr. supra , pp. 345–67.
77 Cfr . supra , pp. 341–43.
78 Cfr . supra , pp. 245–67.
79 Cfr . supra , pp. 299, 324–26.
80 O Congresso Teresiano de Madri (ver El Monte Carmelo de Burgos, maio de 1923) aprovou

a seguinte conclusã o: o 'caminho' ordinário da santidade e da virtude habitualmente heró ica".


Os teó logos estã o cada vez mais de acordo em aceitar este ensinamento. Sobre este assunto,
veja nossa "Chronique de théologie mystique" em La vie spirituelle , junho de 1923.
81 Ver IIa IIae, q.175, a.4; q.180, a.5.
82 Ver IIa IIae, q. 180, a.5 ad 2um: "No estado atual da vida, a contemplaçã o humana é

impossível sem fantasmas, porque é natural ao homem ver as espécies inteligíveis nos
fantasmas, como afirma o Filó sofo ( De anima , iii). o conhecimento intelectual nã o consiste nos
pró prios fantasmas, mas em contemplarmos neles a pureza da verdade inteligível: e isso nã o é
apenas no conhecimento natural, mas também naquele que obtemos por revelaçã o. Pois
Dionísio diz ( Coel. hier . , ii) que a gló ria divina nos mostra as hierarquias angélicas sob certas
figuras simbó licas, e pelo seu poder somos reconduzidos a um ú nico raio de luz, isto é, ao
simples conhecimento da verdade inteligível. deve compreender a afirmaçã o de Gregó rio de
que os contemplativos nã o carregam consigo as sombras das coisas corpó reas, pois sua
contemplaçã o nã o se fixa nelas, mas na consideraçã o da verdade inteligível.
83 Cfr . supra , pp. 393 f.
84 Cfr . acima , pá g. 384.
85 Dom Louismet, A Vida Mística , p. 8.
86 Ibid ., pá g. 23.
87 Cfr . acima , pá g. 384.
88 Cfr . acima , pá g. 357.
89 Sã o Tomá s diz mesmo das virtudes teologais, independentemente dos dons: «As virtudes
teologais estã o acima do homem, como já foi dito (q.58, a.3 ad 3um). " (Ia IIae, q.61, a. 1 ad
2um). Consequentemente, é apenas entre as virtudes propriamente humanas que as quatro
virtudes cardeais sã o chamadas virtudes principais, apesar da superioridade incomparável das
virtudes teologais, que sã o dirigidas para o fim ú ltimo. Cfr. ibid .
90 Cfr . supra , pp. 37; 40 f., 152 e seguintes.
91 Summa , Ia IIae, q.109, a.3, 4. Nas obras de Sã o Tomá s, vejam-se as referências aos fames

peccati e à s feridas; cf. Tabula aurea sob estas palavras.


Que os tomistas são fiéis a São Tomás é mostrado quando eles ensinam geralmente que o
homem no estado de natureza caída, ainda não regenerado, é mais fraco em relação ao bem do que
teria sido no estado de natureza pura. Sobre o artigo citado, ver os Comentários de Lemos, Alvarez,
Billuart, joão de São Tomás, e especialmente Salmanticenses, De gratia, tr. XIV, q.109, disp. 2,
dublagem. 2–5, n. 99, 102, 116, 129, 135. Entre os teó logos modernos, esta é a opinião de Santo
Afonso: é geralmente a doutrina dos autores espirituais, que ecoam os escritos dos santos. Cfr. A
Imitação de Cristo, Bk. III, caps. 54. 55· Tal parece ser também o sentido natural dos textos do
magistério eclesiástico onde se fala das feridas da natureza decaída e do livre arbítrio não
destruído, mas atenuado, enfraquecido, e das fomes peccati; c£. Denzinger (10ª ed.), nos. 174, 181,
198, 788, 793, 1275, 1616, 1627, 1634 e seguintes, 1643.
92 Cfr . supra , pp. 191–98, 399.
93 Cfr . supra , pp. 299–310.
94 Cfr . supra , pp. 356 e segs., 400 e segs.
95 Summa , Ia IIae, q.61, a.5.
96 Ibid ., q.69, a. 2 e ad 3um, comentá rio sobre "Bem-aventurados os limpos de coraçã o,

porque eles verã o a Deus".


97 Parte IV, cap. 3, art.3.
98 No mesmo capítulo, o Padre Lallemant diz: "Os pecados veniais, que eles cometem em

grande nú mero, excluem as graças necessá rias para produzir atos dos dons do Espírito Santo.
Deus lhes recusa a ajuda de Suas graças, porque Ele prevê que se Ele lhes deu essas graças em
sua disposiçã o atual, elas seriam inú teis para eles, uma vez que sua vontade está presa por mil
grilhõ es que os impediriam de consentir”. Esses laços sã o há bitos e afetos contrá rios.
99 A Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 3; Bk. II, cap. 2.
100 Ele faz uma distinçã o entre imperfeiçõ es habituais e imperfeiçõ es reais. Entre as

imperfeiçõ es habituais nos iniciantes, ele lista a inclinaçã o à sensualidade espiritual e ao


orgulho espiritual. Pecados veniais sã o muitas vezes o resultado. Há também os primeiros
movimentos de impaciência, sensualidade e orgulho que precedem toda advertência real e, à s
vezes, até mesmo a advertência possível em iniciantes, especialmente quando estã o cansados
ou sonolentos. Cfr. Sã o Tomá s, Ia IIae, q.74, a.3 ad 2um: "Esta corrupçã o das fomes nã o impede o
homem de usar sua vontade racional para frear os movimentos desordenados individuais, se
estiver presente a eles, por exemplo, por voltando seus pensamentos para outras coisas." Cfr.
ibid ., Salmanticences; também Ia IIae, q.17, a.7; q.8o, a.3 ad 3um; IIa IIae, q.154, a. 5; De malo ,
q.7, a. 6 ad 6um.
101 Ver Ia IIae, q.18, a. 9.
102 Ver IIa IIae, q.184, a.3.
103 Summa , IIa IIae, q.24, a.6 ad 1um (e os comentaristas tomistas); também Ia IIae, q.114,
a.8 ad 3um. Cfr. supra , pp. 188–98. O progresso da alma deve ser uniformemente acelerado, e
cada comunhã o mais fervorosa e frutífera que a anterior, pois cada uma deve aumentar em nó s
a caridade e assim nos dispor para uma melhor recepçã o da Sagrada Eucaristia no dia seguinte.
104 Ver IIa IIae, q.19, a.8.
105 Cursus theol., De peccatis , tr. XIII, disp. 19, dublagem. 1, nºs. 8 e 9, e De incarnatione (em

Sã o Tomá s, IIIa, q.15, a.1, De impeccabilitate Christi ), onde se mostra que nenhum pecado venial
ou imperfeiçã o era possível em Cristo.
106 Summa , Ia IIae, q.88, a. 2.
107 É ilícito omitir algo que nos é melhor pelo ú nico motivo de nã o sermos obrigados a isso e

de querermos usar nossa liberdade. Vá rios tomistas observam com razã o que esta é uma
vontade sem motivo justo, volitio otiosa carens pia utilitate aut justa necessitate . Cfr. Billuart, De
actibus humanis , diss. IV, A. 6, resolv. obj. 3.
108 Ver Ia IIae, q.14, a.4.
109 Mas, de fato, nestes há muitas vezes negligência e, por conseguinte, pecado venial,

quando se podia e se devia ponderar e deliberar.


110 Sã o Tomá s observa (IIIa, q. 15, a.9 ad 3um), a propó sito da ira, que quando Cristo

expulsou os compradores do Templo, Sua ira era perfeitamente santa e proporcional ao motivo
que a inspirou; enquanto em nó s a raiva, mesmo quando comandada e moderada pela razã o
correta, perturba ligeiramente o olhar da contemplaçã o; pois quando a operaçã o de uma de
nossas faculdades é intensa, muitas vezes impede a açã o de outra faculdade. "Esta é a razã o pela
qual qualquer movimento de raiva, mesmo que seja temperado pela razã o, ofusca o olho da
mente daquele que contempla." Isso desaparece gradualmente nos santos.
111 Cfr. supra , pp. 395 e seguintes.
112 Bk. Eu, cap. 3; Bk. II, cap. 2.
113 Ibid .
114 A Noite Escura da Alma , Bk. II, cap. 5.
115 Sal. 118: 1–2, 32.
116 Summa , IIa IIae, q.129, a.3 ad 4um.
1 Isso nã o significa a virtude teologal da fé, pois esta é comum a todos os cristã os; ao

contrá rio, Sã o Paulo significa uma certeza e segurança especiais que Deus concede
especialmente aos teó logos ou aos pregadores, para que transmitam sua palavra divina com
uma convicçã o que nada pode abalar. Cfr. infra , pá g. 441 nota 29.
2 Veja I Cor. 12: 4, 7–11; cf. ROM. 12: 6.
3 Veja I Cor. 13: 3.
4 Summa , Ia IIae, q. 111, a.5: "Ora, o fim é sempre maior do que os meios. Mas a graça

santificante ordena o homem imediatamente à uniã o com o seu fim ú ltimo, ao passo que a graça
gratuita ordena o homem ao que é preparató rio para o fim; isto é, por profecia e milagres, etc.,
os homens sã o induzidos a se unirem até seu ú ltimo fim. E, portanto, a graça santificante é mais
nobre que a graça gratuita. Ia IIae, q.111, a. 1 ad 3um: "A graça santificante acrescenta à noçã o
de graça gratuita algo pertencente à natureza da graça, pois torna o homem agradável a Deus. E,
portanto, a graça gratuita que nã o faz isso mantém o nome comum, como acontece em muitos
outros casos ." Como o animal desprovido de razã o é simplesmente chamado de "animal", assim
essas graças de ordem inferior, que em si mesmas nã o tornam o homem agradável a Deus, sã o
chamadas de "graças dadas gratuitamente".
5 Ver supra , p. 59, para a distinçã o entre o sobrenatural quoad substantiam e o sobrenatural

quoad modum .
6 Veja Ia IIae, q. 111, A. 4.
7 Bk. II, caps. 10–31.
8 Summa , IIa IIae, q. 171–75.
9 Ibid ., q.175.
10 Ibid ., q. 174, a.1 ad 3um.
11 Ibid ., q. 173, a.2 ad 1um.
12 Ibid ., ad 2um.
13 Ibid ., q. 173, a.2.
14 Ibid ., q.174, a. 3.
15 Ibid ., a. 1 anú ncio 3um.
16 Cfr . Sã o Tomá s, De veritate , q. 13, a.3: "Cum totaliter anima intendat ad actum unius

potentiae, abstrahitur homo ab actu alterius potentiae." Cfr. IIa IIae, q.173, a.3, em êxtase parcial
ou total. Nem é necessá rio para profecia ou contemplaçã o. Cfr. ibid .
17 Ver IIa IIae, q.175, a. 1 e a.2 ad 1um: "O êxtase acrescenta algo ao êxtase... uma certa

violência adicional."
18 Cfr . IIIa, q.10, 11.
19 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 1–9.
20 Ibidem , caps. 10–24.
21 Ibidem , caps. 25–27.
22 Ibidem , caps. 28–31. Sã o Joã o da Cruz relaciona com distintos conhecimentos

sobrenaturais (caps. 10 e 32) os toques divinos recebidos na vontade, que nela produzem
sentimentos espirituais e "reagem sobre o intelecto". Vamos discuti-los no final deste artigo.
23 Ibid ., Bk. II, cap. 10.
24 Ver IIa IIae, q.171, 173, 174.
25 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 32.
26 Bento XIV, De servi. Dei bateu ., Bk. III, ú ltimo cap., n. 12. C. de Lugo, SJ, De fide , disp. eu,

séc. 11.
27 Cartã o. Gotti, OP, Theol. escola. dogm ., Vol. Eu, trato. 9, q. 1, dublagem. 3, nã o. 2: "Verius

existimo, revelationem privatam, etiam ex parte rei revelatae, esse credendam ab eo, cui fit, fide
divina theologica... Quia ubicumque est eadem ratio formalis objecti, ibi est idem specie
habitus." Quando foram feitas tentativas para obter uma negaçã o de sua missã o divina de Santa
Joana D'Arc, ela respondeu que deveria acreditar nisso como no mistério da redençã o; e vá rias
vezes ela apelou ao papa nesta questã o, como juiz supremo dessas coisas.
28 Salmanticenses, De fide , disp. Eu, dub. IV, 104 e 111: Em favor desta opiniã o, eles citam St.

Thomas e seus principais comentaristas. Eles observam em particular que algumas dessas
revelaçõ es relativas a coisas temporais nã o têm um vínculo suficiente com o primeiro objeto da
fé teologal.
29 Também pode proceder da fé, que é mencionada entre as graças gratuitas (I Cor. 12: 4–
10). Segundo os Salmanticenses, loc. cit ., n. 113, "Praedicta fides confertur ut in plurimum
doctoribus Ecclesiae circa articulos fidei catholicae".
30 Bento XIV, op. cit ., Bk. II, cap. 32, nº. 11.
31 Cfr . o decreto de Urbano VIII, de 13 de março de 1625, confirmado por Clemente IX, de 23

de maio de 1668.
32 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.173, a.4.
33 Joã o 18:14.
34 Cfr . Bona, De Discrectione Spirituum , cap. 20.
35 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 3.
36 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 19, 20.
37 Sã o Vicente Ferrer, Traité de la vie spirituelle , cap. 13.
38 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 11.
39 Ibid .
40 Ibidem , cap. 16.
41 Ibidem , caps. 16, 17.
42 Ibidem , caps. 21, 27.
43 Ibidem , caps. 19, 22. Sob a Antiga Lei era lícito pedir revelaçõ es; nã o é assim sob a lei do

Evangelho, pois toda revelaçã o é encontrada em Cristo.


44 Ibidem , cap. 21.
45 Ibid .
46 Ibid ., Bk. III, caps. 9, 12.
47 Ibid ., Bk. II, cap. 22.
48 Ibid ., Bk. II, cap. 29.
49 Ver Ia IIae, q. 111, a.4.
50 Veja I Cor., cap. 13.
51 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 25.
52 Ibidem , cap. 27.
53 Ibid .
54 Ibid .
55 Ibid .
56 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 26.
57 Ibid .
58 Cfr . St. Thomas, Ia, q.51, a.2.
59 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 9. Os sinais de respeito devem ser dados apenas

condicionalmente, se a alma pensa que talvez o demô nio quis assim fazer-se adorar sob a figura
de Cristo. Cfr. Sã o Tomá s, IIIa, d.9, q.1, a.2; q.6 ad 3um.
60 Cfr . Vallgornera, Theol. myst. D. Thomae , q.3, disp.5, a. 1, nã o. 13.
61 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 11.
62 Sã o Tomá s, IIa IIae, q.95, a.6; q.173, a.2.
63 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 16.
64 Vallgornera, loc. cit ., n. 11; Santa Teresa, O Castelo Interior , sexto casarã o, cap. 9.
65 Summa , IIa IIae, q. 173, a.3.
66 O Castelo Interior, loc. cit .
67 Sã o Tomá s, De veritate , q. 12, A. 12.
68 Santa Teresa, Vida , cap. 29.
69 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 16, 17; O Castelo Interior, loc. cit . Cfr. acima , pá g.
256.
70 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 8.
71 Summa , IIa IIae, q. 173, A. 2 ad 2um; De verdade , q. 12, A. 12.
72 Santa Teresa, Vida , cap. 27.
73 O Castelo Interior , sexta mansã o, cap. 10; A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 22, 24.
74 O Castelo Interior, loc. cit .
75 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 24.
76 Ibid .
77 A Subida do Monte Carmelo, loc. cit .
78 O Castelo Interior , sétima mansã o, cap. 1.
79 Cfr . supra , pp. 256–58.
80 O Cântico Espiritual , st. 22. Filipe da Santíssima Trindade ( Theol. myst. Prooem ., a.8),
Scaramelli ( Dir. myst ., tr. II, cap. 22 no. 258) e vá rios outros autores sustentam que um estado
tã o sublime exige que Deus revele à alma, Sua esposa, a amizade indissolú vel que existe entre
eles. Sobre este ponto, ver Meynard, OP, La vie intérieure , vol. II, nã o. 270. Desta forma, certas
passagens dos escritos dos grandes místicos ortodoxos sã o feitas para harmonizar com o
decreto do Concílio de Trento, a saber, que sem uma revelaçã o especial ninguém na terra pode
ter certeza absoluta de que ele está no estado de graça, e com razã o ainda maior que nela
perseverará até a morte. Cfr. Concilium Tridentinum , Sess. VI, caps. 9 e 13; câ nones 13, 14, 16.
Cfr. Salmanticenses, De gratia , q. 110, disp. 3, dublagem. 11, não. 259, sobre a questão da
confirmação na graça e sua diferença do dom da perseverança final. Este dom de confirmação na
graça é, dizem eles, uma certa participação na impecabilidade do bem-aventurado, e deve ser
complementado por uma proteção especial da parte de Deus; por isso é superior ao dom da
perseverança final, que todos os predestinados recebem.
81 Lucas 1:19.
82 Lucas 1:28.
83 Santa Teresa, Vida , cap. 25.
84 Ibid .
85 Ibid .
86 Ibid .
87 Ibid . Cfr. também St. Thomas, Ia, q.111, a. 1, 3; q. 114; Ia IIae, q.80, a. 1–3.
88 Cfr . Sã o Tomá s, Ia, q. 107, A. 1; também o comentá rio de Cajetan.
89 Santa Teresa, Vida , cap. 27.
90 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, caps. 28–31.
91 Ibidem , cap. 29.
92 Ibid .
93 Ibid ., Bk. II, cap. 29. Da mesma forma, deve-se ter cautela e reserva em relaçã o ao que Sã o

Tomá s chama de instinto profético (IIa IIae, q.171, a.5; q. 173, a.4). Este instinto ou atraçã o
sobrenatural é uma iluminaçã o interior que nã o dá certeza quanto à sua origem divina. Esses
movimentos interiores nã o devem ser desprezados, mas, antes de dar-lhes muita atençã o e
segui-los, devem ser bem discernidos.
94 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 29.
95 Ibidem , cap. 30.
96 Dan. 9: 22.
97 Ex. 3: 11.
98 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 30.
99 Cfr . St. Thomas, Ia, q.111, a. 1, 3; q.114, a. 1–4; Ia IIae, q.8o, a. 1–3; também Cajetan, Curiel

e Suarez; cf. Cardeal Bona, De Discrectione Spirituum , cap. 17; e Nicolau de Jesus Maria, CD,
Elucidatio phrasium myst. operum Joannis a Cruce , cap. 5, nã o. 4.
100 A Subida do Monte Carmelo, loc. cit .
101 Embora o demô nio nã o possa agir diretamente sobre o intelecto e a vontade do homem,

seus artifícios podem frequentemente ser tomados por palavras de Deus, ao confundirmos o
que imediatamente toca o intelecto com o que se passa na imaginaçã o.
102 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 31.
103 A Chama Viva do Amor , st. 1, 1.
104 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 32.
105 Ibid .
106 Ibid .
107 Cfr . Sã o Tomá s, Ia, q.8, a. 1–3; q.43, a.3; q. 104, a.1, 2; q. 105, a.3, 4.
108 Sã o Tomá s, Ia IIae, q.110, a.3, 4.
109 Ibid ., q.9, a.4; q. 10, A. 1, 2, 4.
110 Ibid ., q. 113, a.8, e De veritate , q.28, a.3: "Ipse Deus, qui justificat impium, tangit animam,

gratiam in ea causar... Mens autem humana aliquo modo tangit Deum, eum cognocendo et
amando. " No momento da justificaçã o, há uma açã o divina fazendo com que a pró pria essência
da alma passe da morte espiritual para a vida, produzindo nela a graça santificante, que é a vida
eterna iniciada. O favor místico de que falamos nos faz, de certa forma, tomar conhecimento
desse influxo divino no mais profundo de nosso ser. Muitas vezes é precedida pela purificaçã o
passiva do espírito, que aprofunda notavelmente a obra realizada em nó s por Deus no momento
da nossa conversã o (Ia IIae, q.113, a.8, "De ordine eorum quae adjustificationem concurrunt") .
É como se o Autor da graça aprofundasse de novo, mas muito mais profundamente, o sulco em
que a semente divina deve crescer.
111 Veja Ia IIae, q. 10, a.2.
112 Cfr . Vallgornera, Theol. myst. D. Thomae , q.3, disp.5, a.9, nos. 1, 3, 4.
113 Na opiniã o de Sã o Tomá s, nenhuma substâ ncia criada pode operar, sentir, perceber ou

amar a si mesma, mas apenas por meio de suas faculdades; recebeu-os para esse fim. Cfr. Ia,
q.54, a.1: "Se o ato de entendimento de um anjo é sua substâ ncia?" R. 2: "Se no anjo
compreender é existir?" A. 3; "Se o poder de inteligência de um anjo é sua essência?" Q.77, a. 1:
"Se a essência da alma é o seu poder?" A. 2: "Se existem vá rios poderes da alma?" É à luz desses
artigos que, para evitar todo erro, devemos entender o que Tauler, Louis de Blois e Sã o Joã o da
Cruz dizem sobre as profundezas da alma. Cfr. Louis de Blois, Institutio spiritualis , cap. 12, onde
se diz que a profundidade da alma é a origem das faculdades superiores, virium illarum est
origo . Cfr. infra , pá g. 458.
114 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 32.
115 Bk. II, cap. 23.
116 St. 2, v. 3.
117 O Caminho da Perfeição , cap. 28.
118 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 3.
119 Cfr . supra , pp. 256 e seguintes.
120 Cfr . supra , pp. 251–58.
121 Cfr . acima , pá g. 258.
122 Cfr . Sã o Tomá s: "Illabi menti convenit soli Deo." IIIa, q.8, a. 8 ad 1um; q.64, a. 1; Ia IIae,

q.112, a. 1; Em Joan ., 13, lect. 4; Em I Cor ., 2, lect. 2. No De veritate (q. 10, a. 1) lemos: “Mens in
anima nostra dicit illud quod est altissimum in virtute ipsius; essentiam animae nisi secundum
mentem prout nominat altissimam potentiam ejus; et sic mens, prout in ea est imago, nominat
potentiam animae et non essentiam, vel si nominat essentiam, hoc non est nisi in quantum ab
ea fluit talis potentia." Os treze artigos desta questã o De mente no tratado De veritate devem ser
lidos em conexã o com este ponto de doutrina.
123 Institutio espiritualis , cap. 12, 2: "A alma torna-se apta a contemplar com calma,

simplicidade e deleites, sem imagens grosseiras e sem ilusõ es intelectuais, os abismos da


divindade. É entã o que, inteiramente voltada para Deus por puro amor, e uma luz
incompreensível iluminando, por assim dizer, as profundezas de sua essência, o olho da razã o e
o intelecto sã o como que ofuscados por ela... A alma sabe entã o por experiência que Deus é
infinitamente superior a toda imagem, . . . e a tudo o que o intelecto pode compreender. . . .
Perde-se na solitá ria e obscura imensidã o da divindade; mas perder-se assim é reencontrar-se."
Todo este admirável capítulo é, por assim dizer, um resumo do ensinamento de Tauler,
defendido por Louis de Blois.
124 Cfr . A Chama Viva do Amor , st. 1, v. 3: O centro mais profundo da alma: "É na substâ ncia

da alma, inacessível aos sentidos e ao demô nio, que se desenvolve esta alegria do Espírito
Santo. Só Ele é capaz, no centro da a alma e em suas profundezas íntimas, de fazê-la agir e
operar sem a intervençã o dos sentidos”. A atividade da alma tende para este centro, como uma
pedra para o centro da terra; e aproxima-se mais dela na proporçã o em que sua caridade é mais
intensa.
Cfr. O Cântico Espiritual , Parte I, st. 1, v. 1: "O Verbo, o Filho de Deus, junto com o Pai e o
Espírito Santo, está essencialmente oculto no ser íntimo da alma. Donde se deve concluir que se a
alma deseja encontrar o Esposo, deve viver separado por afeição e vontade de todas as criaturas,
entrar em profundo recolhimento e agir em relação ao mundo como se não existisse”.
125 Cfr. O Castelo Interior , especialmente a sétima mansã o, cap. : 2.
126 Cfr. supra , pp.: 258, 455.
127 a Noite Escura da Alma , Bk. Eu, cap. 14.
128 A Subida do Monte Carmelo , Bk. II, cap. 10.
129 Ibid ., cap.30.
130 Ibid .
131 Ibidem , caps. 10, 11, 16, 17, 18, 25, 27.
132 O Castelo Interior , quarta mansã o, cap. 2.
133 A Vida Mística , pp. xiii f.
134 Ibid .,pp. xi f. Gostaríamos, no entanto, de encontrar nos escritos de Dom Louismet uma
distinçã o mais nítida entre a vida mística propriamente dita e a vida cristã fervorosa, e vê-lo
acentuar e desenvolver o que disse sobre esse assunto. Ibidem , pp. 8, 23.

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