CAPMaia Min
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INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo principal analisar a imunidade tributária dos
livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, prevista no artigo 150, VI, d, da
Constituição Federal à luz do art. 60, § 4º, IV, também do texto constitucional, que consagra
como cláusula pétrea os direitos e garantias individuais.
Sendo assim, cabe analisar se a imunidade tributária dos livros, jornais, periódicos e o
papel destinado a sua impressão, que tem como fundamento a proteção de diversos direitos
fundamentais, estaria abarcada pela imutabilidade concedida aos direitos e garantias individuais
pelo art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.
Nesse sentido, o objetivo dessa pesquisa é verificar se poderia essa imunidade ser
suprimida, integral ou parcialmente, por emenda constitucional, isto é, se trata-se de cláusula
pétrea ou dispositivo constitucional revogável. De forma mais específica, buscou-se analisar as
9
imunidades tributárias genericamente consideradas, e, após detida análise sobre a norma
imunizante do artigo 150, inciso VI, d, da Constituição Federal, estudou-se sobre o instituto da
cláusula pétrea.
Esta monografia está estruturada em três capítulos, em que o primeiro se debruça sobre
o contexto de surgimento do instituto da imunidade tributária; os fundamentos que levaram à
sua criação; discussão sobre a sua natureza e conceito; e as formas de classificação. O segundo
capítulo aborda a compreensão sobre o artigo 150, VI, d, da Constituição Federal; seu panorama
histórico; os direitos que a fundamentam; e a sua extensão. Por fim, no capítulo três, trata-se da
análise das cláusulas pétreas, aprofundando-se sobre a extensão do art. 60, § 4º, IV, da
Constituição Federal.
10
1 AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
O Direito Tributário, de acordo com Regina Helena Costa, pode ser definido como “o
conjunto de normas jurídicas que disciplinam a instituição, a arrecadação e a fiscalização de
tributos”1. Os tributos, por sua vez, são obrigações financeiras impostas pelo Estado aos
cidadãos e empresas com o objetivo de financiar as despesas públicas, como a prestação de
serviços públicos e a execução de políticas governamentais.2 A instituição dos tributos é
realizada pelos entes públicos no exercício de sua competência tributária, o que é feito, em
regra, por meio de lei em sentido estrito. Entretanto, o poder de tributar, decorrente da
competência tributária, pode ser limitado pelos princípios constitucionais e pelas imunidades
tributárias.
Na Grécia e em Roma antigas, embora a tributação fosse uma prática comum, algumas
categorias de pessoas, propriedades ou atividades eram frequentemente isentas de impostos,
muitas vezes por motivos religiosos ou políticos. Essas exonerações poderiam ser concedidas a
templos religiosos, funcionários públicos ou heróis militares, por exemplo.3 Já na Idade Média
a tributação era, “além de extremamente onerosa, arbitrária e exigida dos vassalos no exclusivo
interesse do suserano"4. Além disso, nessa época, as igrejas e propriedades eclesiásticas
frequentemente gozavam de imunidade tributária, muitas vezes baseada em acordos entre a
Igreja e o Estado.
Constata-se, portanto, que, em sua origem, as imunidades tributárias não tinham como
essência a proteção dos indivíduos desprovidos de capacidade contributiva ou o prestígio das
liberdades individuais, pois traduziam-se como privilégios concedidos pelo Estado destinados
a beneficiar a nobreza e a Igreja, entidades posicionadas nas mais altas camadas da hierarquia
social. Conforme aponta Rosa Maria Garcia Barros, nesse período “em total confronto com os
1
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 13. ed. São
Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 10.
2
Ibidem, p. 3-4.
3
Idem. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2015, p. 31-32.
4
SIDOU, J. M. Othon. A Natureza Social do Tributo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 29-31. Apud
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 32.
11
princípios consagrados posteriormente no Estado Liberal, quais sejam, os da universalidade e
da capacidade contributiva, eram os mais abonados que gozavam do privilégio da imunidade”5.
Nesse panorama, pode-se dizer que é com o surgimento do Liberalismo, que as imunidades
tributárias passam a ser instrumentos democráticos, deixando de reforçar privilégios sociais e
passando a constituir instituto de defesa de diversos direitos e garantias fundamentais.6
1.1 FUNDAMENTOS
5
BARROS, Rosa Maria Garcia de. A imunidade objetiva concedida aos livros, jornais, periódicos e ao papel
destinado à sua impressão. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo 37/109-118. São Paulo:
IMESP, 1992. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do
STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 33.
6
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 33.
7
Ibidem, p. 34.
8
Ibidem, p. 71.
9
Ibidem, p. 74.
12
10
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 71-74.
11
Ibidem, p. 74-76
12
Ibidem, p. 74-76.
13
PONTE DE MIRANDA, F. C. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. 2. ed., t. II.
São Paulo: Ed. RT, 1970. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da
Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 75.
13
vincula-se todo o restante do ordenamento jurídico, disciplinando-se, ainda, as condutas dos
jurisdicionados de acordo com esses valores.14
Ricardo Lobo Torres, por outro lado, dispõe que, apesar de os valores de justiça e
segurança jurídica poderem, complementarmente, servir de fundamento às imunidades, o seu
fundamento principal é a liberdade individual.15 Confira-se:
Após o estudo do contexto histórico de seu surgimento e dos fundamentos para a sua
criação, passarão a ser analisados alguns dos diferentes conceitos de imunidade tributária
trazidos pela doutrina, bem como algumas críticas tecidas a eles.
14
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 76-82.
15
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 74.
16
Ibidem, p. 74-75.
14
para definição da imunidade tributária é considerada equivocada por Aliomar Baleeiro. Isso
porque ele afirma que, apesar de toda imunidade ser uma limitação constitucional ao poder de
tributar, a recíproca não é verdadeira. Ora, como se sabe, no texto, constitucional há diversas
outras limitações à tributação, que não constituem, no entanto, imunidades, como a repartição
de competências tributárias entre as pessoas políticas e os princípios constitucionais.17 Trata-
se, portanto, de expressão manifestamente vaga, uma vez que abrange outras categorias
jurídicas que não se confundem com a imunidade.
17
BALEEIRO, Aliomar. Imunidades e isenções tributárias. RDTributário 1/67-100. São Paulo: Ed. RT, 1977.
Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 40.
18
MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos. Revista Dialética de Direito
Tributário 34/19-40. São Paulo: Dialética, 1998. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias:
Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 43.
19
GRECO, Marco Aurélio. Imunidade tributária. In: SILVA MARTINS, Ives Gandra da (coord.). Imunidades
Tributárias. São Paulo: Ed. RT, 1998. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise
da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 44.
20
GRECO, Marco Aurélio. Imunidade tributária. In: SILVA MARTINS, Ives Gandra da (coord.). Imunidades
Tributárias. São Paulo: Ed. RT, 1998. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise
da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 44.
21
BALEEIRO, Aliomar. Imunidades e isenções tributárias. RDTributário 1/67-100. São Paulo: Ed. RT, 1977.
Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 39.
22
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
15
sentido, essa expressão gera uma ideia equivocada de que existia competência tributária, mas
que foi afastada, quando, na verdade, as normas imunizantes e as normas atributivas de
competência são contemporâneas, não havendo qualquer sucessão cronológica para embasar a
suposta exclusão.
Nesse sentido, para a autora mineira, é possível que existam imunidades tributárias
que sejam logicamente derivadas de princípios consagrados na Constituição Federal, isto é,
implícitas.
que vedam o exercício da competência tributária.26 Nesse sentido, dispõe a autora que a
proibição de imposição de tributos em certas circunstâncias estabelecida por uma norma
constitucional explícita ou implícita, que resulta obrigatoriamente em imunidade, representa o
oposto da atribuição de competência tributária.27 Em sentido semelhante, Leandro Paulsen
ensina que as imunidades podem ser definidas como “regras constitucionais que proíbem a
tributação de determinadas pessoas, operações, objetos ou de outras demonstrações de riqueza,
negando, portanto, competência tributária"28.
Ainda na mesma linha de conceituação, Eduardo Sabbag define imunidade como uma
delimitação negativa da competência tributária, que demarca áreas nas quais a incidência de
tributos é desautorizada pelo legislador constituinte. Ele ressalta que, por meio das imunidades,
busca-se proteger valores políticos, religiosos, sociais e éticos considerados fundamentais.
Além disso, ele esclarece que a imunidade tem uma natureza dupla, pois, por um lado,
estabelece os limites da competência tributária e, por outro, representa um direito público
subjetivo para aqueles que se beneficiam dela.29
1.3 CLASSIFICAÇÕES
Para Ricardo Lobo Torres, as imunidades podem ser classificadas em: explícitas ou
implícitas, quando examinadas sob o aspecto da forma constitucional; a tributos ou a impostos,
se analisadas sob a perspectiva do objeto; subjetivas ou objetivas, em relação à incidência
jurídico-econômica.30
26
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 13. d. São
Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 48-49.
27
Ibidem, p. 79.
28
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 107.
29
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 363-367.
30
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 99.
17
expressamente mencionadas na Constituição Federal, mas são inferidas a partir de princípios,
valores e normas constitucionais.
Por fim, em relação à última forma de classificação, o autor dispõe que, em relação à
incidência jurídico-econômica, as imunidades podem ser classificadas em subjetivas ou
objetivas. As imunidades subjetivas, também chamadas de pessoais, vedam a incidência de
tributos sobre certas pessoas., como as imunidades previstas nas alíneas a, b e c do art. 150, VI,
da Constituição Federal, que protegem os entes públicos, os templos, os partidos políticos e as
instituições de educação e de assistência social. Já as imunidades objetivas, também chamadas
de reais, vedam a incidência de impostos sobre determinados bens ou mercadorias, isto é,
objetos.33
31
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 100.
32
Ibidem, p. 101.
33
Ibidem, p. 103.
18
Outrossim, é válido ressaltar que Regina Helena Costa propõe, dentre outros critérios,
a classificação das imunidades constitucionais segundo os valores constitucionais protegidos34
e segundo a possibilidade de contenção da eficácia da norma constitucional que abriga a
exoneração tributária35.
34
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 13. d. São
Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 79.
35
Idem. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2015, p. 145.
36
Idem. Opus citatum, p. 79.
37
Idem. Opus citatum, p. 145.
19
É importante destacar, por fim, que há outras formas nas quais as imunidades podem
ser classificadas, no entanto, serão abordadas apenas as formas de classificação citadas acima,
por serem as mais relevantes para fins de análise da imunidade do art. 150, VI, da Constituição
Federal, objeto de estudo deste trabalho.
1.4 INTERPRETAÇÃO
38
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015. Ibidem, p. 123.
39
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 101-
106.
20
uma vez que a linguagem das normas constitucionais costuma ser mais vaga e aberta 40, a
importância desse método de interpretação reside no fato de que ela estabelece limites para a
discricionariedade do intérprete41, que se depara com diversos termos polissêmicos e
enunciados vagos.
Por fim, a interpretação evolutiva, proposta por Luís Roberto Barroso, traduz-se em um
40
CANOTILHO, José de Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almeida, 1993, p.
218-219.
41
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 119-
123.
42
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 125.
21
processo informal de reforma da Constituição, que consiste na “atribuição de novos conteúdos
à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas
ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes nas mentes dos constituintes”43.
Dessa forma, normas da Constituição que possuam termos vagos, os quais têm uma
flexibilidade que possibilita abranger múltiplos significados, podem, ao longo do tempo,
experimentar mudanças em sua interpretação e extensão.
Ora, como se sabe, a intenção por trás das normas imunizantes é prontamente discernível
para o intérprete, uma vez que expressa na Constituição, na maioria das vezes, de maneira
explícita. Nesse sentido, uma vez identificado o propósito da imunidade tributária, o intérprete
deve proceder com a interpretação de modo a garantir que esse propósito seja alcançado
integralmente, sem desvios, restrições ou ampliações indevidas do alcance efetivo da norma,
não permitidos pela Constituição. Em resumo, a interpretação deve ser realizada de acordo com
os princípios constitucionais relevantes para a imunidade em análise e o contexto ao qual se
refere, sob pena de vulnerabilizar o querer constitucional. Por isso, conclui-se que os métodos
mais adequados para a interpretação das normas imunizantes é o teleológico e o sistemático.46
43
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, p. 137.
44
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 127.
45
GRECO, Marco Aurélio. Imunidade tributária. In: SILVA MARTINS, Ives Gandra da (coord.). Imunidades
Tributárias. São Paulo: Ed. RT, 1998. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise
da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 127.
46
COSTA, Regina Helena. Opus citatum, p. 127-128.
22
Geraldo Ataliba preleciona que a interpretação das normas que abrigam imunidades
tributárias deve ser influenciada pelo grau de amplitude da exoneração constitucional.47 Por
isso, deve haver certa diferenciação nas abordagens interpretativas das imunidades genéricas e
específicas, uma vez que as primeiras são normas de maior abrangência quando comparadas às
segundas. Isso porque, as imunidades genéricas visam proteger inúmeras liberdades, como, por
exemplo, a religiosa, política, de expressão e de informação, de modo que a extensão e o nível
de profundidade delas são muito mais substanciais. Explica-se: as imunidades tributárias
genéricas são abrangentes e orientadas pelo desejo de assegurar a efetividade de princípios
constitucionais básicos, o que não se aplica às imunidades específicas, que são mencionadas de
forma isolada no texto constitucional, sem ligação direta a esses princípios.
47
ATALIBA, Geraldo. Venda de minérios – Faturamento - PIS. RDA 196/305-320. Rio de Janeiro: Renovar,
1994. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3.
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 128.
23
2 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O
PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO
Conforme observado pelos autores no trecho destacado, com o fim da década de 1930,
o mundo passou a presenciar o declínio de regimes autoritários, que haviam resistido durante
48
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 131.
49
Ibidem, p. 131-132.
24
alguns longos anos da história. Nesse panorama, após a traumática vivência sob os regimes
fascistas, que suprimiam direitos e garantias individuais e coletivas, surgia um cenário de
valorização do que havia sido retirado dessas nações afetadas durante esse período. Nesse
sentido, começam a surgir novos ordenamentos jurídicos, cujas constituições se preocuparam
em positivar uma grande variedade de direitos.
É nesse contexto que surge, inclusive, a Constituição Brasileira de 1946, marcada pela
inovadora existência conjunta e harmônica do liberalismo político e da democracia com o
Estado Social, buscando garantir em seu texto uma ampla gama de direitos fundamentais.50
Além disso, ela inovou, também, ao dispor, em seu artigo 31, V, c, ser vedado à União, aos
estados, ao Distrito Federal e aos municípios lançar impostos sobre o papel destinado
exclusivamente à impressão de jornais periódicos e livros, dispositivo precursor da imunidade
tributária prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal de 1988. Trata-se, portanto, de
uma imunidade, que, até então, não existia nas constituições anteriores, tendo sido inserida por
iniciativa do Deputado Constituinte Jorge Amado.51 O renomado tributarista Aliomar Baleeiro
retrata o cenário de surgimento da imunidade tributária em questão:
(...) a Constituição optou pelos valores espirituais, que, ao mesmo tempo, coincidiam
com a necessidade de preservar-se a liberdade de crítica e de debate partidário através
da imprensa. Estava muito recente a manobra ditatorial de subjugar o jornalismo por
meio do papel importado.52
Observa-se então, que, em seu surgimento, que ocorreu por iniciativa do deputado
constituinte baiano, a referida imunidade representava uma tentativa de tornar o preço dos livros
mais atrativos, favorecendo, por isso, a disseminação da cultura no país. Além disso, também
havia uma preocupação em tentar reduzir os monopólios que se formavam em favor de
50
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 133.
51
LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades tributárias e
direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 104.
52
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1960, p. 191-192.
25
determinados produtores que eram protegidos por uma fiscalização aduaneira de índole
arbitrária e duvidosa. No entanto, por conta do cenário político que acabava de se encerrar no
Brasil, o Estado Novo, surgia, na época, uma preocupação por parte da Assembleia Constituinte
de proteger a liberdade de expressão e o debate político no país. Nesse sentido, a imunidade
tributária proposta por Baleeiro, que, inicialmente, abarcava apenas o papel destinado à
impressão dos livros, acabou sendo estendida para garantir, também, a imunidade do papel
destinado à impressão dos jornais e periódicos.53
Foi na Constituição de 1967 que a referida imunidade foi ampliada para abarcar não tão
somente o papel utilizado para fabricação dos meios de comunicação e disseminação cultural
listados, mas, também, o produto acabado em si. Desse modo, o art. 20 da referida constituição
dispunha ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar imposto
sobre o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão. Essa
norma imunizante também esteve presente na Emenda Constitucional nº 01/69 em seu art. 19,
III, d, com mudança na disposição das palavras, mas sem alteração de seu alcance, isto é, a
imunidade tributária então positivada abarcava os livros, jornais e periódicos assim como o
papel destinado à sua impressão.54 A redação adotada pela Emenda Constitucional nº 01/1969
é a utilizada até os dias de hoje, estando presente na Constituição de 1988.
2.1 CLASSIFICAÇÃO
53
LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades tributárias e
direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 104.
54
Ibidem, p. 105.
55
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 99.
26
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre
esses itens.
Por fim, em relação à última forma de classificação proposta pelo autor, que diz
respeito à incidência jurídico-econômica, a imunidade analisada é classificada como objetiva,
porque veda a incidência de impostos sobre determinados bens ou mercadorias, isto é, objetos.57
Já no que diz respeito às classificações propostas por Regina Helena Costa, segundo
os valores constitucionais protegidos58 e segundo a possibilidade de contenção da eficácia da
norma constitucional que abriga a exoneração tributária59, a imunidade analisada é classificada
como genérica e incondicionada.
Ela é genérica, porque se destina a todas as pessoas políticas, vendando qualquer tipo
de tributação por imposto que possa onerar os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a
sua impressão. Isso porque ela possui como objetivo salvaguardar valores constitucionais
fundamentais, sendo guiada pela liberdade de manifestação do pensamento e de informação.60
56
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 101.
57
Ibidem, p. 103.
58
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 13. d. São
Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 79.
59
Idem. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2015, p. 145.
60
Idem. Opus citatum, p. 79.
27
plena e de aplicabilidade direta e imediata, uma vez que ela não depende de outro comando
legal para produzir inteiramente os seus efeitos.
2.2 FUNDAMENTOS
Neste momento, debruçar-se-á sobre a análise dos fundamentos que levaram à criação
da norma imunizante dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Isso
se justifica porque, conforme se discorrerá de maneira mais aprofundada no capítulo seguinte,
a imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, assim como as demais
normas imunizantes previstas no texto constitucional, está intimamente ligada a preceitos
constitucionais que o legislador constituinte originário elegeu como essenciais à democracia
brasileira e aos seus cidadãos. Nesse contexto, merecem destaque os princípios e os direitos
fundamentais nos quais se baseia a normas imunizante em evidência.
61
DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Alcance da Imunidade de Livros, Jornais e Periódicos. Porto Alegre: Ajuris, vol
83, 2001, p. 268. Apud LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org).
Imunidades tributárias e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 106.
28
62
MORAES, Bernardo Ribeiro de. A imunidade tributária e seus novos aspectos. In: Imunidades Tributárias,
Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: CEU/Revista dos Tribunais, 1998 (Pesquisas Tributárias, Nova
Série nº 4), p. 112. Apud LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org).
Imunidades tributárias e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 106.
63
LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades tributárias e
direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 103.
64
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 202.
65
Ibidem, p. 202.
29
Ora, dispõe o art. 206, II, da Lei Maior que o ensino será ministrado com base na
“liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”66. A partir
da leitura do referido dispositivo, observa-se que o legislador constituinte originário buscou
garantir na sociedade brasileira uma determinada liberdade, isto é, a ausência de uma
vinculação autoritária da educação à visão do governo em vigência. Nesse sentido, estabeleceu
a necessidade de se implementar um sistema educacional livre de ideologias específicas, a não
ser aquelas defensoras dos ideais democráticos e de igualdade.
O caput do art. 220 da Constituição Federal, por sua vez, dispõe que “a manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer, forma, processo, ou veículo
não sofrerão qualquer restrição”67, observado o disposto na própria Carta Magna. Isso significa
dizer que o legislador constituinte originário procurou conceder proteção constitucional aos
meios de comunicação e de disseminação cultural, garantindo a liberdade de seu conteúdo e a
sua livre circulação. No entanto, deve-se destacar o trecho final do referido dispositivo, que
vincula essa liberdade à observância dos preceitos constitucionais. Dito de outro modo, não está
autorizada a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação de ideias que
sejam contrárias ao disposto na Constituição Federal, isto é, não estão autorizadas, por exemplo,
as manifestações que propaguem ideias discriminatórias de qualquer tipo, podendo e devendo
sofrer a cabível restrição civil ou penal.
Hugo de Brito Machado também se filia à vertente que defende que a imunidade em
destaque possui como fundamento a proteção das liberdades de expressão e de pensamento,
destacando, todavia, que seu intuito “não é, como ingenuamente se pode imaginar, apenas o de
baratear tais objetos, estimulando a educação e a cultura, mas sim o de excluir o tributo como
dominação estatal sobre as atividades relacionadas a tais meios de transmissão do
pensamento”68. Nesse contexto, o autor defende que a imunidade em questão não visa assegurar
a liberdade de expressão e de pensamento por meio da garantia de sua acessibilidade econômica
à população, mas sim por meio da frustração da possibilidade de o Estado intervir na criação
66
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 de outubro
de 2023.
67
Ibidem.
68
MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico. Revista Opinião Jurídica, nº 5, 2005, p.
120. Apud LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades
tributárias e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 107.
30
de conteúdos culturais e informativos por meio da tributação. Isso porque a tributação mais ou
menos intensa sobre esses objetos, poderia desestimular, em última análise, o consumo e o
acesso a informações que não fossem de interesse do poder estatal. Nesse sentido, na opinião
do doutrinador, essa liberdade adviria da ausência de amarras estatais sobre a produção cultural
e intelectual.
69
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado; THEODORO JR., Humberto. Direito
Tributário Contemporâneo. São Paulo: Ed. RT, 1997, p. 208. Apud COSTA, Regina Helena. Imunidades
Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 203.
31
sociais. Desse modo, permitir a taxação excessiva desses meios de divulgação de cultura e
informação seria ir de encontro ao princípio da isonomia, que deve nortear a interpretação da
norma imunizante. Conforme apontado no capítulo anterior, o princípio da isonomia, quando
aplicado às normas imunizantes, prevê que, em se tratando de uma mesma situação geradora de
obrigação tributária, todos devem pagar tributos. Trata-se de uma decorrência do princípio da
generalidade da tributação, que visa garantir a igualdade no âmbito tributário.70
Ricardo Lobo Torres, no entanto, diverge parcialmente das opiniões dos doutrinadores
acima destacadas. Ele defende que, apesar de a proteção da liberdade de expressão poder ser
utilizada como embasamento da imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição
Federal, uma vez que ela gera o barateamento do custo dessas publicações, facilitando a
manifestação do pensamento, ela poderia ser empregue apenas como argumento subalterno.71
O autor justifica seu entendimento:
Em 1946, quando surgiu, poderia ter alguma conotação com a liberdade de imprensa,
diante das medidas arbitrárias do Estado Novo contra os jornais e os livros e a natural
reação que se seguiu. Mas depois, nos períodos de vigência democrática, nenhum
risco poderia haver com a cobrança de impostos sobre aqueles instrumentos de
expressão política ou cultural, desde que não discriminatória. Pelo contrário: no
período de autoritarismo militar inaugurado em 1964 continuou a prevalecer a
intributabilidade dos livros e dos jornais e nunca se viu tanta ofensa à livre
manifestação do pensamento. Por outro lado, países que respeitam, há séculos, a
liberdade de expressão, como é o caso dos Estados Unidos, permitem a cobrança de
impostos sobre os jornais e os livros.72
70
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 133.
71
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298.
72
Ibidem, p. 298-299.
73
Ibidem, p. 297.
32
para defender a aplicação da imunidade aos jornais, uma vez que eles deveriam ser apoiados
pelos seus leitores e anunciantes, isto é, não deveriam possuir um custeio estatal permanente.74
Em suma, a partir de tudo o que foi exposto, pode-se dizer que, em última análise, a
imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos, prevista no artigo 150, VI, d, da
Constituição Federal, visa preservar a liberdade de expressão intelectual, científica, artística e
de manifestação do pensamento, o que está diretamente relacionado com a defesa de um sistema
educacional de melhor qualidade no país e com a disseminação da cultura brasileira a seus
conterrâneos.
Após a análise dos fundamentos que embasam a existência da imunidade tributária dos
livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, é necessário estudar qual é a
extensão da aplicação dessa norma imunizantes. Isso porque, como visto acima, trata-se de
imunidade tributária de natureza objetiva, que recai sobre bens ou mercadorias. Nesse sentido,
apesar da literalidade do dispositivo constitucional, é preciso analisar de maneira mais
aprofundada o que a doutrina e a jurisprudência têm entendido como objetos alcançados pela
norma imunizante em análise, qual seja, o artigo 150, VI, d, da Constituição Federal.
74
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 297-298.
75
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 203.
33
se falar em alargamento do alcance dessa imunidade para abranger outros tributos que não os
impostos, pois isso significaria transformá-la em imunidade subjetiva.76
Apesar de ter se filiado a essa corrente doutrinária durante muitos anos, houve mudança
em sua compreensão. Isso porque o entendimento mais atualizado do Supremo Tribunal Federal
sobre o tema pode ser extraído do julgamento do Segundo Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento 713.014/SP e do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 739.085/SP, no
76
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 203.
77
Ibidem, p. 203.
78
BRASIL. Código Tributário Nacional. Brasília, DF: Senado Federal, 1966. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 07 de outubro de 2023.
79
LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades tributárias e
direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 108.
80
Ibidem, p. 109.
34
bojo dos quais foi estabelecido que a imunidade tributária destinada a livros, jornais e
periódicos não abrange maquinários e insumos utilizados no seu processo produtivo. Trata-se,
portanto, de virada jurisprudencial, a partir da qual a Corte Suprema alterou seu entendimento
sobre a extensão da referida imunidade, passando a entender que ela deve ser interpretada de
forma mais restrita.
81
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 713.014/SP.
Relator: Min. Marco Aurélio – Primeira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 23 nov. 2017.
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2613844. Acesso em: 28 out. 2023.
82
Ibidem.
35
Trata-se de Agravo Regimental interposto pela União contra acórdão que acolheu
parcialmente o pedido formulado no Recurso Extraordinário interposto por Jornal o
Valeparaibano Ltda., concedendo parcialmente a segurança para assentar a imunidade
relativamente ao Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto de Importação relativo
às chapas de gravação destinadas à impressão de jornais. Na ocasião, a Fazenda Nacional
novamente defendeu a utilização de uma interpretação restritiva da imunidade em questão,
aduzindo não poder o maquinário importado ter o mesmo tratamento concedido ao papel, item
verdadeiramente imunizado pela regra constitucional. Ao final, foi dado provimento ao agravo
interno da União, negando-se provimento ao recurso extraordinário do contribuinte.
83
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 739.085/SP. Relator:
Min. Marco Aurélio – Primeira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 06 dez. 2017. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4379660. Acesso em: 28 out. 2023.
36
No que diz respeito ao conteúdo dos livros, jornais e periódicos atingidos pela norma
imunizante, de acordo com Sacha Calmon Navarro Coêlho, não deve haver distinção entre os
conteúdos para fins de aplicação da imunidade, de modo que todos os objetos atingidos pela
norma, independentemente do assunto que tratem, devem ser considerados imunizados. Isso
porque, uma vez que a imunidade em questão é objetiva, não admitindo quaisquer restrições, o
legislador ordinário e o juiz são proibidos de fixar distinções que não são estabelecidas pela
Constituição, sob pena de se configurar censura. Nesse contexto, o autor defende, inclusive,
que as revistas eróticas estão atingidas pela imunidade tributária do art. 150, VI, d, da
Constituição Federal. Veja-se:
Devem os juízes agir com cautela para não se tornarem censores. Com espeque no
suporte exiológico da imunidade, se tem propagado que livros eróticos (e o clássico
Kama Sutra o é), as revistas de nus, os livros tidos por perniciosos, não gozam de
imunidade, nem os simplesmente informativos ou propagandísticos. Os que veiculam
“maus costumes” ou “ideologias exóticas” também estariam fora da outorga
imunitória. Estamos no campo predileto do subjetivismo doutrinário e
jurisprudencial.85
84
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 204.
85
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Imunidade Tributárias. In: Imunidades Tributárias, Coord. Ives Gandra da
Silva Martins. São Paulo: CEU/Revista dos Tribunais, 1998 (Pesquisas Tributárias, Nova Série nº 4), p. 224.
Apud LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades tributárias
e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 107.
37
Deve-se ressaltar, portanto, que, conforme apontado por Sacha Calmon, a imunidade
tributária dos livros, jornais e periódicos, por ser objetiva, não está à disposição de restrições
advindas do entendimento dos doutrinadores ou dos aplicadores do direito sobre quais tipos de
produção poderiam ser atingidas pela imunidade, a depender do conteúdo. Isso porque, a sua
aplicação, como dito, é objetiva, ou seja, em se tratando dos objetos previsto na norma
imunizante, haverá imunidade, quaisquer sejam os conteúdos abordados.
Regina Helena Costa também entende ser irrelevante o conteúdo da publicação para
efeito da imunidade tributária, porque, caso pudesse haver algum juízo de valor estatal sobre o
conteúdo de um livro, jornal ou periódico para a eficácia da imunidade, o que haveria, em
verdade, seria a censura, expressamente vedada pela Constituição Federal em seus arts. 5º, IX,
e 220, § 2º. Além disso, a autora aponta como fundamento da irrelevância do conteúdo da
publicação para a eficácia da imunidade o fato de que as imunidades tributárias devem ser
dotadas de neutralidade, o que impede que haja distinção entre os objetos imunizados em função
de seu conteúdo. Salienta, ainda, que nem todos os livros devem possuir o tratamento fiscal
especial da norma imunizante, uma vez que, de acordo com a interpretação finalística, só fariam
jus a esse tratamento os livros que tenham como objetivo a propagação de ideias e pensamentos,
não sendo atingidos pela norma imunizante o livro de bordo e o livro de atas, por exemplo.86
Deve ser estudado, ainda, se a imunidade tributária contida no artigo 150, VI, d, da Constituição
Federal pode ser estendida aos livros, jornais e periódicos que não possuem papel como seu
suporte físico. Isso se faz necessário uma vez que a norma imunizante, além de proibir a
instituição de impostos sobre os referidos objetos, imuniza o dito “papel destinado a sua
impressão”87. O referido trecho gera dúvidas, pois é possível entender a partir de sua leitura que
os objetos que estariam abarcados pela norma imunizante seriam apenas aqueles que possuem
o papel como suporte físico. Passa-se, então, a analisar o que estaria abrangido pelos “livros,
86
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 207-208.
87
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 de outubro
de 2023.
38
Regina Helena Costa, entretanto, entende que os livros, jornais e periódicos abrangidos
pela norma imunizante são todos aqueles objetos que visam propagar histórias, ideias,
informações e comentários, se utilizando da linguagem escrita, não importando o meio no qual
ele foi gravado, isto é, se em papel ou em meio eletrônico. Ela valoriza, portanto, para a sua
caracterização, o conteúdo e a essência da obra, em vez de sua forma propriamente dita. Isso
porque a autora compreende que para achar uma reposta à discussão, devem ser utilizados os
métodos de interpretação teleológica e evolutiva.91
88
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 de outubro
de 2023.
89
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.
198.
90
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e
a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 308.
91
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 206-207.
39
Roque Carrazza possui o mesmo entendimento, de que tanto os livros tradicionais como
os livros eletrônicos estão inclusos na norma imunizante, uma vez que julga ser irrelevante,
para fins de determinação do tratamento fiscal, o fato de ele ser impresso em papel ou registrado
em suporte digital.94 No mesmo sentido, Luciano Amaro afirma que o conteúdo do dispositivo
constitucional imunizante se refere à obra em si e não ao suporte físico que a abriga, de modo
que entender o contrário implicaria esvaziar a imunidade tributária em meio aos avanços
tecnológicos.95 Nesse sentido, é importante ressaltar que os entendimentos apontados podem
ser estendidos, inclusive, aos jornais e periódicos, não limitando a defesa da aplicação da
imunidade tributária em estudo aos livros eletrônicos.
92
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 206-207.
93
Ibidem, p. 206-207.
94
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed., revista, ampliada e
atualizada até a Emenda Constitucional 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 915 e 918-923.
95
AMARO, Luciano. Algumas questões sobre a imunidade tributária. In: SILVA MARTINS, Ives Gandra da
(coord.). Imunidades Tributárias. São Paulo, Centro de Extensão Universitária/Ed. RT, 1998 (pp. 143-154). Apud
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 205.
40
consolidados na forma que conhecemos hoje, mas apenas os impressos em papel. Entretanto,
com a evolução dos meios tecnológicos, surgiram diversos aparelhos eletrônicos que marcaram
o surgimento de uma era extremamente dependente do mundo digital, aumentando a
disseminação de informações. Nesse contexto, foi criado o livro eletrônico, também chamado
de e-book, que é “um livro que existe exclusivamente em formato digital, não periódico, que
necessita de um aparelho leitor e de um software para decodificação que viabilize sua leitura”96.
96
REIS, Juliani Menezes dos; ROZADOS, Helen Beatriz Frota. O livro digital: histórico, definições, vantagens
e desvantagens. Repositório – FEBAB. Disponível em: http://repositorio.febab.org.br/items/show/4473. Acesso
em: 08 de outubro de 2023.
41
Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Imunidade
objetiva constante do art. 150, VI, d, da CF/88. Teleologia multifacetada.
Aplicabilidade. Livro eletrônico ou digital. Suportes. Interpretação evolutiva.
Avanços tecnológicos, sociais e culturais. Projeção. Aparelhos leitores de livros
eletrônicos (ou e-readers).
1. A teleologia da imunidade contida no art. 150, VI, d, da Constituição, aponta
para a proteção de valores, princípios e ideias de elevada importância, tais como a
liberdade de expressão, voltada à democratização e à difusão da cultura; a formação
cultural do povo indene de manipulações; a neutralidade, de modo a não fazer
distinção entre grupos economicamente fortes e fracos, entre grupos políticos etc; a
liberdade de informar e de ser informado; o barateamento do custo de produção dos
livros, jornais e periódicos, de modo a facilitar e estimular a divulgação de ideias,
conhecimentos e informações etc. Ao se invocar a interpretação finalística, se o livro
não constituir veículo de ideias, de transmissão de pensamentos, ainda que
formalmente possa ser considerado como tal, será descabida a aplicação da
imunidade.
97
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817/RJ. Relator: Min. Dias Toffoli –
Plenário. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 31 ago. 2017. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1984213. Acesso em: 28 out. 2023.
43
amplamente utilizado na época para a disseminação de informações. Nesse sentido, defendeu
que, por meio de seu uso, o legislador constituinte buscava proteger, em verdade, o conteúdo
divulgado pelos veículos de comunicação. Veja-se:
Dito de outra forma, o Estado Novo queria impedir a disseminação das ideias e das
obras (corpus misticum) tidas por subversivas, e o controle das isenções aduaneiras
sobre o papel linha d’água mostrara-se muito eficaz para esse objetivo. Assim, a
história leva a crer que, se o principal insumo importado para a produção dos jornais
daquela época fosse a tinta, a manipulação do instituto tributário se daria em relação
à tinta, e, muito provavelmente, o dispositivo da imunidade faria referência a esse
insumo. Mas não seria a mera proteção da tinta (ou, no presente caso, do papel –
corpus mechanicum) a finalidade buscada pelo legislador constituinte.98
Desse modo, conclui-se que o legislador constituinte não pretendia tornar o papel coisa
intributável, mas sim o conteúdo nele presente, de modo a garantir diversos direitos
fundamentais relacionados à liberdade de expressão, mencionados em tópico anterior.
Além disso, o ministro o relator esclareceu que foi a partir da Constituição de 1946 que
se passou a prever a impossibilidade da instituição de impostos que recaíssem sobre o “papel
destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros”99 (art. 31, V, c) pelos
entes federativos. Nesse contexto, ainda que destinada apenas ao papel destinado
exclusivamente àqueles fins, a imunidade concedida representava grande avanço no campo dos
direitos fundamentais quando comparada ao regime recém encerrado. Em virtude dessa
limitação, era comum que as legislações estaduais concedessem isenções fiscais sobre os bens
finais, livros, jornais e periódicos, por meio de legislação ordinária.
Entretanto, após o golpe militar de 1964, observou-se novo regresso no que diz respeito
à restrição ao acesso aos veículos de comunicação por meio da tributação, uma vez que o Ato
Complementar nº 27, de 1966, determinou a revogação ou modificação das normas das
constituições e das leis estaduais ou municipais que dispusessem sobre isenções tributárias, para
que se adequassem à reforma do sistema tributário, advinda da Emenda Constitucional nº 18,
de 1965. Nesse panorama, havia verdadeira insegurança jurídica quanto ao alcance de
benefícios fiscais sobre os bens finais concedidos por aquelas legislações estaduais. Outrossim,
98
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817/RJ. Relator: Min. Dias Toffoli –
Plenário. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 31 ago. 2017. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1984213. Acesso em: 28 out. 2023.
99
Ibidem.
44
mesmo após diversas alterações no dispositivo imunizante, com a manipulação realizada pelo
regime militar e os conhecidos meios de censura, a redação do texto constitucional pouco
importava, pois não possuía força para alterar a severa realidade do período ditatorial, marcado
por um profundo cerceamento de direitos fundamentais.
Portanto, percebe-se que, historicamente, a tributação foi utilizada como forma de inibir
a propagação de ideologias contrárias às dos regimes vigentes, por meio do aumento dos
tributos incidentes sobre os insumos relacionados aos meios de comunicação que não eram
favoráveis ao status quo. Desse modo, por meio do aumento do custo de acesso à informação,
inibia-se a divulgação à população de ideias plurais e notícias que divulgavam a dura realidade
sobre esses regimes.
100
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817/RJ. Relator: Min. Dias Toffoli –
Plenário. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 31 ago. 2017. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1984213. Acesso em: 28 out. 2023.
45
supressão do texto constitucional. Nesse sentido, ressalta Dias Toffoli:
101
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817/RJ. Relator: Min. Dias Toffoli –
Plenário. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 31 ago. 2017. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1984213. Acesso em: 28 out. 2023.
46
3 AS CLÁUSULAS PÉTREAS
Para o procedimento de alteração de uma lei ordinária, é necessário, via de regra, que
102
BRYCE, James. Studies in History and Jurisprudence. New York: Oxford University Press, 1901, v. 1, p.
167. Apud SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e
métodos de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 56.
103
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 57.
47
um deputado ou um senador apresente um projeto de lei, conforme previsto no art. 61 da
Constituição Federal. Entretanto, para a apresentação de uma proposta de emenda
constitucional, é necessário, no mínimo, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal, pelo Presidente da República ou por mais da metade das assembleias
legislativas das unidades da federação, conforme previsto no art. 60 da Constituição Federal,
em seus incisos I, II e III, respectivamente.
Isso significa que o legislador constituinte originário impôs uma série de limites ao
usufruto do poder de reforma constitucional pelo legislador constituinte derivado, que podem
ser de natureza formal, circunstancial, temporal ou material.
forma que haja um entendimento razoavelmente propagado de que a Constituição deva ser
emendada.
Os limites temporais são aqueles que estabelecem intervalos mínimos para a realização
de emendas à Constituição ou que impossibilitam que elas sejam feitas durante um determinado
intervalo de tempo. O art. 60, § 5º, da Constituição Federal, por exemplo, estabelece que “A
matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser
objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”104. Desse modo, o dispositivo destacado
impede que haja mudanças prematuras no texto constitucional, “(...) antes que tenha decorrido
um tempo mínimo para que a ordem constitucional possa ser avaliada, ou impondo intervalos
mínimos para tais alterações, de modo a evitar uma frequência excessiva de reformas
constitucionais”105.
Por fim, os limites materiais são aqueles que impedem que determinados temas sejam
objeto de deliberação em proposta de emenda constitucional e estão, via de regra, expostos no
art. 60, § 4º, da Constituição Federal. As cláusulas pétreas constituem-se, portanto, em
limitações materiais, implícitas ou explícitas, ao poder constituinte derivado reformador.
104
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 de setembro
de 2023.
105
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 291-292.
49
constitucional; o procedimental; o do pré-compromisso; e o do neocontratualismo.106
Por fim, o quinto argumento listado pelos autores, o do neocontratualismo, defende que
as cláusulas pétreas, como limitações materiais ao poder de reforma constitucional, representam
106
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 296.
107
Ibidem, p. 296.
108
Ibidem, p. 296-297.
109
Ibidem, p. 298-299.
110
Ibidem, p. 299.
50
Todavia, no tocante ao inciso IV do referido artigo, deve-se destacar que ele é dotado
de certo grau de abrangência, uma vez que impede a abolição, por meio de proposta de emenda
constitucional, dos direitos e garantias individuais. É o que se passa a analisar.
111
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 300.
112
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 de setembro
de 2023.
51
Além disso, conforme destacado por Luís Roberto Barroso, considerando que a
Constituição Federal de 1988 é classificada como rígida, as cláusulas pétreas desempenham um
importante papel de impedir que decisões políticas e valores fundamentais que integram o
núcleo do projeto constitucional estabelecido pelo poder constituinte originário sejam
modificados por maiorias políticas eventuais.114 Isso porque, apesar de existirem determinados
direitos individuais consagrados na Constituição Federal que seriam reconhecidos como
cláusula pétrea pela maioria dos brasileiros, há outros assuntos que, apesar da sua
essencialidade diante do texto constitucional, são objeto de acalorados debates ideológicos,
sendo alterados conforme as apontadas simpatias políticas momentâneas.115
Outro aspecto que deve ser destacado como de grande importância para o
estabelecimento de cláusulas pétreas em matéria financeira e tributária é o fato de a Constituição
de 1988 regular de forma demasiadamente detalhada essa matéria. Ora, ao estar prevista no
texto constitucional, as disposições sobre matéria financeira e tributária já gozam de certa
113
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 39.
114
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 159.
115
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Opus citatum, p. 40.
52
perenidade no que diz respeito à sua alteração, por conta da maioria qualificada exigida para a
aprovação de emendas constitucionais. No entanto, adiciona-se a isso o fato de que após a
aprovação de uma determinada emenda, há a possibilidade de sua invalidação pelo Supremo
Tribunal Federal. Como consequência, a análise da inconstitucionalidade de uma determinada
emenda utilizará como parâmetro o entendimento do conteúdo das cláusulas pétreas em matéria
financeira e tributária estabelecido por um órgão do Poder Judiciário, o que deve gerar certo
desconforto à dinâmica ordem democrática.116
Não obstante, deve-se destacar que, apesar de se reconhecer que a matéria tributária e
financeira possua diversos nuances que devam ser delegados ao debate político no âmbito dos
Poderes Legislativo e Executivo, há diversos assuntos relacionados à matéria fiscal que
precisam ser elevados à condição de normas materialmente constitucionais e, inclusive, de
cláusula pétrea, por conta de sua íntima relação com os direitos fundamentais ou por seu nível
de importância no sistema constitucional. Isso possibilitaria impedir que o poder constituinte
derivado tratasse como triviais questões que o poder constituinte originário elegeu como
decisões políticas fundamentais.117 Como consequência do reconhecimento de determinadas
disposições em matéria financeira e tributária como cláusulas pétreas, impedir-se-ia a retirada
exagerada do poder decisório das maiorias políticas eventuais, enquanto evitar-se-ia a
destruição do projeto do constituinte originário pela ofensa aos dispositivos que integram seu
núcleo essencial.118
116
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 40-41.
117
Ibidem, p. 41-42.
118
Ibidem, p. 42.
53
intérpretes da constituição e possibilitando a construção de uma harmonia da matéria fiscal no
texto constitucional.119 Há que se ressaltar, também, que a delimitação de cláusulas pétreas em
matéria financeira e tributária deixaria em evidência os princípios fundamentais delas extraídos,
que poderiam ser utilizados como preceitos fundamentais para embasamento da interposição
de ação de descumprimento de preceito fundamental.120
Nesse momento, passa-se a analisar os critérios que podem ser utilizados para
delimitação das cláusulas pétreas em matéria tributária e financeira, a fim de verificar se a
imunidade tributária do art. 150, VI, d, da CF/88 poderia ser abrangida por esse instituto.
Gustavo da Gama Vital de Oliveira propõe que a delimitação das cláusulas pétreas
financeiras e tributárias leve em consideração dois principais aspectos: a defesa da neutralidade
política da jurisdição constitucional e a abertura aos valores e à teoria dos direitos
fundamentais.122
Em relação ao primeiro aspecto, Oliveira entende que sua importância reside no fato
de que, uma vez que a missão das cláusulas pétreas é impedir que mudanças impulsionadas
pelo poder constituinte derivado comprometam o núcleo essencial dos princípios e institutos
119
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 48-49.
120
Ibidem, p. 49.
121
Ibidem, p. 50.
122
Ibidem, passim.
54
protegidos por elas, deve haver um espaço para além desse núcleo no qual esse poder possa
exercer com certa liberdade a sua função de reforma.123
Isso porque, considerando que as cláusulas pétreas protegem valores que o poder
constituinte originário resolveu privilegiar sob o manto da imutabilidade, não há dúvidas de que
devem ser preservadas. Entretanto, deve-se resguardar, também, a atuação do poder constituinte
derivado, cuja importância reside no fato de que esse poder, por meio de suas reformas, possui
papel fundamental para impedir a ocorrência do fenômeno da fossilização da Constituição
Federal.
Nesse sentido, vale destacar que o referido fenômeno constitui um estado no qual a
Carta Magna não corresponderia mais aos valores da sociedade em existência, estando, por isso,
ultrapassada. Como consequência, por ser a Constituição o objeto de parâmetro do controle de
constitucionalidade, todo o restante do ordenamento jurídico estaria fadado a essa fossilização.
Como se sabe, as leis precisam atender os anseios da sociedade que vigora em seu tempo, de
modo que possam ser concretizadas, visando atingir as finalidades a que se propõem.
Ora, em sendo a Constituição Federal uma lei em sentido amplo, inclusive, estando no
topo da pirâmide de hierarquia das leis, ela não pode ser petrificada, isto é, ser completamente
imutável, uma vez que a interpretação constitucional muda com o tempo, buscando manter sua
consonância com a realidade. Por isso, no sistema brasileiro, o Poder Legislativo, em sua função
típica de legislar, e o próprio Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, não estão
vinculados às decisões proferidas pelo STF em sede de controle de constitucionalidade. Isso
porque, possibilitar o contrário configuraria inegável petrificação da evolução social.
123
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 11.
55
poder constituinte originário, o que serve à proteção de valores considerados
fundamentais, cuja alteração ou supressão pelas maiorias é dificultada ou mesmo
impedida. Contudo, seria insensato consagrar a total imutabilidade da Constituição.
Primeiramente, porque essa intangibilidade seria antidemocrática, por subtrair o
direito das gerações futuras de decidirem os seus próprios destinos. Em segundo lugar,
porque tal opção condenaria a Constituição a uma vida curta, ou a se tornar letra
morta, quando não mais correspondesse às necessidades sociais ou aos valores
hegemônicos na sociedade. Num ou noutro caso, sem a possibilidade de adaptar-se às
novas demandas, a Constituição acabaria perecendo antes da hora.124
Em relação ao segundo aspecto trazido por Oliveira125, a abertura aos valores e à teoria
dos direitos fundamentais, pode-se dizer que ele representa a necessidade de flexibilização dos
conceitos previstos na Constituição em se tratando de matéria financeira e tributária, com vistas
à “aproximação entre a filosofia política e o direito financeiro e tributário”126. Em outras
palavras, no processo de delimitação dessas cláusulas pétreas, deve-se buscar a aproximação da
Constituição aos valores defendidos pela sociedade existente e aos direitos fundamentais
consagrados em seu texto.
Nesse sentido, é válido destacar esclarecedora explicação de Luís Roberto Barroso que
corrobora esse posicionamento:
124
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 282.
125
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro: Gramma,
2019, p. 24.
126
Ibidem, p. 25.
56
Entretanto, Gustavo da Gama Oliveira destaca que a existência das cláusulas pétreas
não obsta a intervenção do constituinte derivado nos conteúdos protegidos por esse instituto.
Isso porque, as cláusulas pétreas visam impedir que ocorra a violação do núcleo essencial dos
princípios e institutos nelas versados, não havendo qualquer impedimento para que o poder
constituinte derivado legisle sobre essas matérias. Dito de outro modo, há algumas nuances das
matérias protegidas pelo instituto da cláusula pétrea que são passíveis de modificação pelo
legislador constituinte derivado, o que não inclui, entretanto, o seu núcleo essencial.128
Nesse contexto, o autor entende que defender que qualquer norma tributária prevista na
Constituição que proteja interesses do contribuinte seja elevada ao status de cláusula pétrea
geraria graves problemas ao ordenamento jurídico constitucional brasileiro: um elevado
número de questionamentos das Emendas Constitucionais que tratem de matéria tributária
veiculados ao Poder Judiciário e a dificuldade de delimitação dos verdadeiros direitos
fundamentais associados à tributação protegidos pelas cláusulas pétreas. Por isso, Gustavo da
Gama Oliveira advoga que, a fim de delimitar as cláusulas pétreas financeiras e tributárias, é
necessário analisar o grau de restrição que uma norma tributária garantidora do interesse dos
contribuintes pode sofrer, sem que seja atingido o seu núcleo essencial. Nesse sentido, o autor
argumenta que deve ser adotada a teoria externa dos limites dos direitos fundamentais, “que
127
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-
modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Temas de direito constitucional, v. 2, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 36.
128
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 32.
57
admite que os direitos fundamentais possam sofrer restrições em razão de seu conflito com
outros direitos fundamentais ou bens constitucionais, sendo que a legitimidade de tais restrições
é aferida principalmente pela ferramenta metodológica do princípio da proporcionalidade”129.
Por isso, pode-se concluir que, na visão de Gustavo da Gama Oliveira, o conteúdo do
núcleo essencial das imunidades tributárias que poderia ser considerado cláusula pétrea deve
ser analisado em um caso concreto, isto é, diante da tentativa de aprovação de uma medida de
restrição a um direito fundamental, como uma Emenda Constitucional.
129
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 33-34.
130
Ibidem, p. 35-37.
131
Ibidem, p. 35-36.
132
Ibidem, p. 36.
133
Ibidem, p. 37.
58
Constituição Federal poderia se enquadrar em tal conceito, estando protegida como cláusula
pétrea. Por isso, inicialmente, cabe estudar a definição do que seriam os direitos e garantias
individuais.
A segunda geração de direitos fundamentais, por sua vez, emergiu como resultado da
identificação das limitações do Estado Liberal e, portanto, da demanda por uma atuação
governamental ativa para guiar atividades econômicas, promover a justiça social e fornecer um
auxílio ativo nas áreas da assistência social, saúde e educação.135
Os direitos fundamentais pertencentes aos três grupos citados foram positivados no texto
da prolixa Constituição da República de 1988, ora sob a terminologia de “direitos e garantias
fundamentais”, em seu título II, ora sob expressões como “direitos humanos”, “direitos do
homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”,
“liberdades fundamentais” e “direitos humanos fundamentais”. Por isso, atualmente, não há
consenso na doutrina sobre o real significado e conteúdo trazido pelos termos utilizados no
134
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 128-129.
135
Ibidem, p. 128-129.
136
Ibidem, p. 128-129.
59
texto constitucional. Como consequência, resta impossibilitada a tentativa de diferenciação
entre os termos utilizados na Constituição de 1988 a partir da interpretação meramente literal,
fazendo com que a análise do conteúdo atingido por seu artigo 60, § 4º, IV, tenha que percorrer
caminhos mais complexos.137
Nesse contexto, cabe analisar, inicialmente, se devem ser enquadrados como cláusulas
pétreas apenas os direitos individuais clássicos, de 1ª geração, ou todos os direitos fundamentais
e suas garantias.
Além disso, vale analisar se a dicção do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal
abrange, além dos direitos formalmente fundamentais, isto é, os previstos em seus artigos 5º a
17, os direitos materialmente fundamentais, que são aqueles de conteúdo especialmente
137
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 331.
138
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 309.
139
Ibidem, p. 309.
60
importante, dotados de elevada estatura moral, que podem estar localizados no texto
constitucional, mas fora do Título II, ou estar implicitamente garantidos.
Para Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, ambos os tipos de direitos
citados devem ser considerados fundamentais, pois a sua fundamentalidade não é proveniente
da localização da norma que os abrange no texto da Constituição, mas da sua própria natureza.
Outrossim, os autores afirmam que esses direitos materialmente fundamentais localizados fora
do Título II são caracterizados como cláusulas pétreas, pois “seria um excesso de formalismo
negar a proteção reforçada a um direito fundamental apenas pela localização do preceito que o
consagra”140. Nesse contexto, os doutrinadores destacam que essa posição foi adotada,
inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento em que declarou a
inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da EC nº 3/93, que afastou, para efeito de incidência do
IPMF, o princípio da anterioridade tributária, consagrado no art. 150, II, b, da Constituição
Federal, isto é, fora do catálogo de direitos e garantias fundamentais.141
Conforme aponta Regina Helena Costa, a tributação possui uma conexão indispensável
com os direitos fundamentais, pois essa atividade toca diretamente o exercício desses direitos.
Essa relação se manifesta, sobretudo, por meio da escolha dos eventos que o legislador fixa nas
regras-matrizes de incidência tributária e pela forma como o Estado desempenha sua função de
arrecadação fiscal. Isso porque as situações abarcadas pelas regras-matrizes de incidência
devem possuir significativo conteúdo econômico, de forma a fornecer o devido embasamento
à cobrança de tributos.142
Aliado a essa vertente, Sacha Calmon Navarro Coelho defende que “os princípios
constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem
reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São,
portanto, cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis (Art. 60, § 4°, da CF)”143.
140
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 312.
141
Ibidem, p. 312.
142
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 85.
143
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.
195.
61
144
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 85.
145
Ibidem, p. 87.
146
Ibidem, p. 87.
62
Como consequência desse raciocínio, Regina Helena Costa afirma que a imunidade
tributária, além de configurar um instrumento de proteção de direitos fundamentais, é
caracterizada, em si mesma, como direito fundamental. Veja-se:
Nesse sentido, a autora também defende que, como aplicação do princípio da não-
obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, as imunidades tributárias
garantem que nas situações imunizadas, não haja um apequenamento dos direitos previstos na
Constituição, gerado pela tributação. Por conseguinte, a jurista entende que as normas
imunizantes atuam como instrumentos de proteção de outros direitos fundamentais,
constituindo, concomitantemente, direitos e garantias de outros direitos.149
Ademais, por entender que a imunidade tributária constitui “direito público subjetivo, a
determinada pessoa, de não ser tributada em dada situação”150, Regina Helena Costa afirma que
as normas imunizantes são cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidas por emenda
constitucional.
147
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 3. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 87-88.
148
Ibidem, p. 90.
149
Ibidem, p. 91.
150
Ibidem, p. 76.
63
Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, possuem entendimento mais
comedido acerca da interpretação extensiva das cláusulas pétreas:
Gustavo da Gama Vital de Oliveira, no entanto, possui visão mais conservadora acerca
da abrangência da expressão “direitos e garantias individuais” constante do art. 60, § 4º, inciso
IV, da Constituição Federal, defendendo que seja feita uma análise mais criteriosa para o
enquadramento de determinadas imunidades tributárias como cláusulas pétreas. Isso porque o
autor defende que o uso exclusivo de critérios formais não é suficiente para identificar uma
cláusula pétreas em matéria tributária e financeira. Confira-se trecho esclarecedor sobre seu
posicionamento:
151
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 302.
152
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 103.
153
Ibidem, p. 103.
64
154
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 372.600/SP. Relator: Min. Ellen Gracie –
Segunda Turma. Diário de Justiça, Brasília, 23 abr. 2004.
155
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
Gramma, 2019, p. 104.
156
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundo Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 352.292/CE.
Relator: Min. Cármen Lúcia – Primeira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 10 mai. 2011. Disponível
em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2047571. Acesso em: 28 out. 2023.
157
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo
825.237/RJ. Relator: Min. Roberto Barroso – Primeira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 03 nov.
2014. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4603069. Acesso em: 28 out.
2023.
158
OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de Janeiro:
65
CONCLUSÃO
Outrossim, por tudo o que foi exposto, foi possível concluir ser equivocado afirmar
que toda imunidade tributária é uma cláusula pétrea, uma vez que existem no texto
constitucional imunidades que não se encaixam estritamente ao que é estipulado no artigo 60,
§ 4º, IV, da Constituição Federal e que, portanto, não possuem a mesma proteção constitucional.
REFERÊNCIAS
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em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 07 de
outubro de 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817/RJ. Relator: Min. Dias
Toffoli – Plenário. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 31 ago. 2017. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1984213. Acesso em: 28 de outubro
2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 372.600/SP. Relator: Min. Ellen
Gracie – Segunda Turma. Diário de Justiça, Brasília, 23 de abril de 2004.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed., revista,
ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores,
2013.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 1984.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro:
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LEOPOLDO, Ana Caroline K. de Lima et al.; DIFINI, Luiz Felipe Silveira (org). Imunidades
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OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Cláusulas pétreas financeiras e tributárias. Rio de
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PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
REIS, Juliani Menezes dos; ROZADOS, Helen Beatriz Frota. O livro digital: histórico,
definições, vantagens e desvantagens. Repositório – FEBAB. Disponível em:
http://repositorio.febab.org.br/items/show/4473. Acesso em: 08 de outubro de 2023.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO; Daniel. Direito constitucional: teoria,
história e métodos de trabalho. 2. ed., 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
2005.